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Parte do texto “Da cultura de oralidade para a cultura letrada: a difícil transição”
Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)
Introdução.
Qual o percentual de brasileiros que participam ativamente da cultura letrada? É a partir dessa
pergunta que inicio minhas reflexões neste capítulo. Para começar examino as estatísticas referentes
ao analfabetismo no Brasil, tanto no sentido tradicional do termo, operacionalizado nas pesquisas
do IBGE, quanto no sentido proposto pela UNESCO, de analfabeto funcional, conforme vem sendo
pesquisado pelo Instituto Paulo Montenegro/IBOPE.
As pesquisas mostram que a taxa de analfabetismo vem caindo em nosso país, nos últimos anos.
Poderia cair mais e mais depressa se as escolas brasileiras não contribuíssem para ampliar o
contingente de analfabetos funcionais, considerando aí o grande número da evasão escolar, mas
também o fraco desempenho de alunos da 4ª e da 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do
ensino médio, nos testes nacionais de compreensão de leitura e de raciocínio matemático.
Depois de apresentar e discutir os números do analfabetismo, detenho-me na questão crucial de
transculturalidade no Brasil, que é a transição da cultura oral para a cultura letrada, e examino
aspectos das modalidades oral e escrita da língua portuguesa. Elejo para ilustrá-los um segmento da
população muito especial quando se trata dessa transição: alunos de uma escola pública que estão
iniciando sua escolarização e começando a familiarizar-se com a cultura letrada. Eles são retratados,
etnograficamente, em um episódio autêntico de sala de aula em que a professora constrói com seus
alunos alfabetizandos um texto coletivo.
É bem conhecida a relação dos atributos dicotômicos com que a tradição de estudos lingüísticos
caracteriza a fala e a escrita (ver Vilela e Koch, 2001).
FALA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Implícita Explícita
Redundante Condensada
Não planejada Planejada
Predominância do “modus pragmático” Predominância do “modus sintático”
Fragmentada Não-fragmentada
Incompleta Completa
Pouco elaborada Elaborada
Pouca densidade informacional Densidade informacional
Predominância de frases curtas, Predominância de frases complexas,
simples ou coordenadas Com subordinação abundante
Pequena freqüência de passivas Emprego freqüente de passivas
Poucas nominalizações Abundância de nominalizações
Menor densidade lexical Maior densidade lexical
A’s (lendo)– Ontem, dia 13 de abril, os alunos da primeira e da segunda série foram...
P – Foram ou fomos, como é que fica melhor?
A’s – Fomos.
P – Então tem de colocar “nós”.
Naturalmente que o pronome não é de rigor no contexto, mas a referência explícita a ele é uma
estratégia da professora para identificar o ponto de vista narrativo do texto.
P – Jefferson, vem aqui, eu preciso de você.
Sem interromper a atividade, a professora agrega ao trabalho um aluno que estava distraído.
P – (Lendo o que havia escrito) Ontem, nós, os alunos da primeira série da Escola Classe 29 de
Taguatinga, fomos ao passeio.
A professora está incluindo nesse passo os detalhes que darão ao texto mais densidade
informacional. De fato está criando o que na narrativa se chama orientação, isto é, a parte inicial na
qual se indica o tempo , o local dos eventos e os participantes (cf.Labov & Waletzky, 1967).
A Professora acata a sugestão da aluna, mas fornece a variante mais apropriada a um texto
escrito: “Nós saímos”. Constrói assim uma estratégia de “andaime”, termo metafórico que se refere
à assistência visível ou audível que um membro mais experiente de uma cultura presta a um
aprendiz, em qualquer ambiente social, ainda que o termo seja mais empregado no âmbito do
discurso de sala de aula. Andaimes em sala de aula assumem a forma de prefácios a perguntas,
complementação do turno, canais de retorno, expansões, reformulações etc, que dão aos alunos
oportunidade para reconceptualizações. As ações de andaimes processam-se também por meio de
traços prosódicos (altura, tom, intensidade e ritmo), cinésicos (decoração facial, direção do olhar
sorrisos, franzir de cenho) e proxêmicos (Bortoni-Ricardo, 2005).
A professora não rejeita a variante usada pela aluna “nós saiu”, mas fornece imediatamente a
variante adequada a um texto escrito ou a estilos monitorados da língua oral. A partir dessa
intervenção da professora. é usada várias vezes a forma ortodoxa do verbo na primeira pessoa do
plural.
P. (lendo) JK
Ontem, dia 13 de abril de 2005, nós, os alunos da primeira série da Escola Classe 29 de
Taguatinga, fizemos um passeio para comemorar o aniversário da cidade. Fomos de ônibus. A
primeira coisa que fomos ver foi o Memorial JK. Vimos as coisas de médico de JK e também as
roupas e as jóias de D. Sarah. Vimos também fotos da fábrica de carros que foi criada pelo
Presidente. Depois entramos numa sala circular onde vimos uma urna. Dentro da urna estão os
restos mortais do Presidente. Em cima, no teto, fica um anjo.
Depois de visitar o Memorial JK, tomamos novamente o ônibus e fomos conhecer outros lugares e
depois fomos lanchar no Parque da Cidade.
P – O que vamos escrever aqui para fechar o nosso texto?
A Professora mostra que é preciso dar um fecho ao texto, reportando-se novamente às convenções
da escrita.
Concluindo o capítulo
Vimos que uma grande, quiçá a maior barreira de transculturalidade na sociedade brasileira é a
que foi historicamente construída entre as culturas predominantemente orais e as culturas letradas.
O percentual de brasileiros que transitam com segurança nos domínios sociais onde se instalaram as
culturas letradas é ainda vergonhosamente baixo. Daí termos no Brasil um processo tão perverso de
apartação social. A escola brasileira tem a responsabilidade precípua de resolver esse grave
problema da apartação. No entanto, como vimos, a tarefa não vem sendo cumprida com a urgência e
a competência que se impõem. Mas no interior das salas de aula, às vezes encontramos ações
educativas que representam um progresso na forma de introduzir os brasileiros à cultura letrada
respeitando-lhes os antecedentes sociolingüísticos e culturais. Foi por isso que quis trazer à luz o
episódio que presenciei em uma escola pública do Distrito Federal.
Referências