Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Abstract: About 1970’s decade, Brazilian historians passed to be dedicated to the study of the
national worker class formation. Until then, the written about of this theme were produced by
sociologists, political scientists or, yet, political militant. This “tardy dedication” and the
posterior polemics about the interpretations can be explained by terms of the historiographical
production, that is; the sociocultural terms of Brazilian society, the “place” of the (or
academic) in this society and the “place” internal relations of this production. Like this,
historiographical production introduces as cultural production, which transforms rude
materials (memory) in cultural materials (history), attributing sense and rationality; in
agreement with a sociocultural and temporary “place”, a “practice” and a “writing”.
*
Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina, na linha de pesquisa Culturas,
Representações e Religiosidade, orientando do Prof. Dr. André Luiz Joanilho, bolsista CAPES.
**
Pós-Doutor em História, docente do departamento de História do Centro de Letras e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Londrina.
1
A formação da classe operária brasileira tem seu início por volta de 1890,
quando ocorre um surto de desenvolvimento industrial principalmente nos Estados de São
Paulo e do Rio de Janeiro, simultaneamente surgem os primeiros escritos a seu respeito,
produzidos, em geral, por seus próprios membros. Contudo, a maioria dos estudos de caráter
acadêmico, a respeito da formação da classe operária brasileira, são produzidos a partir da
década de 1960, quando sociólogos e cientistas políticos adotaram a classe operária como
objeto de estudos.
Entre os historiadores essa “adoção” é ainda mais tardia, ocorrendo apenas
na década de 1970. Apesar disso, a partir deste momento, muitas pesquisas historiográficas
foram empreendidas, muitos textos foram produzidos e muitas controvérsias surgiram devido
às distintas formas de interpretação da classe operária e às mudanças teórico-metodológicas.
Para compreendermos a introdução tardia da classe operária como objeto de
estudo da produção acadêmica ou, ainda, as controvérsias entre as distintas interpretações
historiográficas; é preciso verificar o “lugar” na estrutura sociocultural de onde os
historiadores – ou acadêmicos em geral – falam, ou seja, o “lugar” que permite, modela,
legitima e consome suas falas:
Antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como
funciona dentro dela. Esta instituição se inscreve num complexo que lhe permite um
tipo de produção e lhe proíbe outros. Tal é a dupla função do lugar. Ele torna
possíveis certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns. Mas
torna outras impossíveis; exclui do discurso aquilo que é sua condição num momento
dado; representa o papel de uma censura com relação aos postulados presentes
(sociais, econômicos, políticos) na análise. Sem dúvida, esta combinação entre
permissão e interdição é o ponto cego da pesquisa histórica e a razão pela qual ela
1
não é compatível com qualquer coisa.
1
CERTAU, M. A escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2002, p. 77.
2
interpretações anteriores não dão conta. Esse “desvio” se apóia no “lugar” da produção
historiográfica, nas condições socioculturais contemporâneas à produção 2.
A “escrita” historiográfica, por sua vez, busca preencher as lacunas da
pesquisa, dar uma inteligibilidade aos recortes documentais, proporciona uma inversão do
tempo da “prática”; pois, o tempo da pesquisa vai do presente para o passado, o tempo do
discurso vai do passado para o presente:
Quer participe (ou não) de uma temática do progresso, faça drenagem das longas
durações ou conte uma seqüência de ‘episteme’, enfim, qualquer que seja o seu
conteúdo, a historiografia trabalha para encontrar um presente que é o término de
um percurso, mais ou menos longo, na trajetória cronológica (a história de um
século, de um período ou de uma série de ciclos). O presente, postulado do discurso,
torna-se a renda da operação escrituraria: o lugar de produção do texto se
transforma em lugar produzido pelo texto. 3
Existe uma dialética da história que faz com que os pontos de vista sucessivos das
diversas épocas, classes, sociedades, mantenham entre si uma relação definida
(mesmo se muito complexa). Eles obedecem a uma ordem, formam um sistema que se
desdobra no tempo, de maneira que o que vem depois ultrapassa (suprime
conservando) o que estava antes. O presente compreende o passado (como momento
‘superado’) e por isso pode compreendê-lo melhor do que esse passado se
compreendia a si mesmo. Essa dialética é, em sua essência, a dialética hegeliana; o
que era para Hegel o movimento do logos, torna-se em Marx o desenvolvimento das
forças produtivas e a sucessão de classes sociais que marca suas etapas não tem, em
relação a isto, nenhuma importância. [...] esta dialética é a dialética da aparição
sucessiva de diversas classes na história, ela não é mais, necessariamente, infinita de
direito; ora, a análise histórica mostra que ela pode e deve completar-se com o
4
aparecimento da ‘última classe’, o proletariado.
2
Cf. Ibid., p. 77-80.
3
Ibid., p. 97-98.
4
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982,
p. 49.
3
É de acordo com esta perspectiva, que analisamos a produção (ou a não
produção) acadêmica nacional, dedicada ao estudo da formação da classe operária brasileira,
que somente ganha volume em meados da década de 1960. Pois, até a década de 1920, a
produção a respeito dos movimentos operários era de autoria de militantes anarquistas como,
por exemplo, Everardo Dias, Edgar Rodrigues, Edgard Leuenroth, Gigi Damiani; com
conteúdo apologético à parcela organizada do trabalhador urbano. Após a fundação do Partido
Comunista em 1922, a produção passa a ser em maioria de militantes do partido, que
consideram a classe operária brasileira pré-partido inconsciente, tendo como referência o
modelo ideal de classe operária da concepção marxista 5.
É na década de 1920 que a produção acadêmica brasileira adquiriu maior
contorno institucional e força pública. Este processo está associado, por um lado, à fundação
da Universidade do Rio de Janeiro, em 1920 (transformada em 1937 em Universidade
Federal); e a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934; ambas criadas com o intuito
de formar a elite dirigente e cultural do país. E, por outro lado, na tentativa da intelectualidade
brasileira em alcançar uma posição dominante perante o restante da sociedade, para isto; foi
construído um discurso e uma prática que visava formar um campo acadêmico autônomo,
hermético, homólogo ao campo político e que serviria de auxiliar ao Estado brasileiro. Neste
sentido, os intelectuais apropriaram-se de concepções e problemáticas gerais, presentes entre
diversos outros grupos socioculturais – como, por exemplo, a construção da nação e a
organização social – e as elaboraram dentro do campo intelectual – por meio do positivismo,
do darwinismo social, realismo, etc. – constituindo um saber que somente os próprios
detinham a legitimidade de utilizar 6.
Esses intelectuais – herdeiros do pensamento positivista e formadores da
ideologia do Estado Novo – “só pensam o proletariado do ângulo da construção da
nacionalidade e, por aí, constatam sua imaturidade e inconsistência” 7; o “povo” brasileiro não
tem forma, opinião ou vontade; deve ser guiado e moldado pela elite cultural brasileira. Tal
pensamento emerge no discurso de diversos intelectuais do período como, por exemplo, de
Francisco José de Oliveira Vianna:
5
PAOLI, Maria Célia; SADER, Eder; TELLES, Vera da Silva. Pensando a classe operária: Os trabalhadores
sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, São Paulo, n. 6, set. 1983, p. 132-135. &
BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: Trajetória e tendências. In FREITAS,
M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 146-148.
6
Cf. PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990, p. 19-57.
7
PAOLI, op. cit., p. 133.
4
A realização de um grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de
uma elite, de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele
8
peleja.
8
VIANNA, 1922 apud PÉCAUT, op. cit., p. 29.
9
AMARAL, 1930 apud PÉCAUT, loc. cit.
10
SALGADO, 1930 apud PÉCAUT, op. cit., p. 48.
11
Cf. MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo – Rio de Janeiro:
Difel, 1979, p. passim.
12
Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Trabalho industrial no Brasil: Uma revisão. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 14,
p. 119-131, out.-nov.-dez. 1975.
13
Cf. PÉCAUT, op. cit., passim.
14
VIANNA, 1927 apud PÉCAUT, op. cit., p. 44.
5
Destarte, os intelectuais da primeira metade do século XX – “detentores do
conhecimento a respeito da realidade social e do progresso no Brasil” – se colocam em uma
posição superior ao restante da sociedade e como auxiliares do Estado brasileiro. E é por meio
deste Estado – autoritário e organizador – que eles vão transformar o “povo” em nação 15.
Este quadro sofre mudanças por volta de 1950, quando surgem estudos sobre
o processo de modernização da sociedade brasileira:
15
Cf. PÉCAUT, op. cit., p. 19-57.
16
PAOLI, op. cit., p. 134.
17
PÉCAUT, op. cit., p. 231.
18
Cf. SORJ, Bernardo. A construção intelectual do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001, p. 16-21. & PÉCAUT, op. cit., p. 205-223.
6
19
Situação e composição social do proletariado brasileiro (1961) de Fernando Henrique
Cardoso; fundamentado em modelos teóricos idealizados de classe operária e de
desenvolvimento capitalista, assinala o baixo desenvolvimento industrial do país como
responsável pela inconsciência política e desorganização sindical da classe operária, no
período da Primeira República. Outro exemplo é o livro Sindicato e Estado (1966) 20 de Azis
Simão; que assinala a classe operária pré-30 como independente ideologicamente e capaz de
produzir ações coletivas eficientes, dentro dos limites de suas condições materiais; mas era
impotente politicamente perante o processo de racionalização dos conflitos trabalhistas,
iniciado na Primeira República e acelerado no pós-30 21.
Em linhas gerais, essa produção detém suas análises a respeito da formação
da classe operária brasileira, por um lado, no modelo de desenvolvimento capitalista nacional
e nas características do Estado brasileiro; e, por outro lado, na origem rural da classe operária
e suas formas “pré-políticas” de organização. Logo, a classe operária é representada por estes
acadêmicos como:
19
CARDOSO, Fernando Henrique. Situação e composição social do proletariado brasileiro. Sociologie du
Travail. n. 4, 1961.
20
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo: Editora Ática, 1981.
21
Cf. PAOLI, op. cit., p. 137-143. & BATALHA, op. cit., p. 148-150.
22
PAOLI, op. cit., p. 141.
23
Cf. BATALHA, op. cit., p. 150-152.
24
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1976.
7
no Arquivo Edgard Leuenroth. Por outro lado, ao declarar a inserção de sua obra na trilha dos
estudos anteriores 25, verbaliza suas referências teóricas, a saber; o marxismo uspiano.
Na obra, Fausto dedica sua atenção as grandes organizações sociais de
dominação e resistência, a saber; o Estado e os sindicatos. Como sendo os lugares legítimos
de luta política e transformação da sociedade. Indicando que o Brasil, no início do século XX,
possuía um baixo desenvolvimento industrial, uma vez que a base da economia residia na
agro-exportação; e um Estado repressor, que não fornecia vias institucionais de representação
política à classe operária. Taís fatos, somados a imigração de mão-de-obra de países com
características semelhantes como, por exemplo, Itália; favoreceu a proliferação da ideologia
anarco-sindicalista entre os trabalhadores. O movimento operário, embebido da ideologia
anarco-sindicalista, reivindicava a destruição do Estado e não reconhecia a luta política como
legítima, desta forma; excluindo a possibilidade de uma reforma ou revolução nos moldes
marxista-leninistas.
A orientação da vanguarda anarquista teve assim um peso que não pode ser
ignorado ao longo da história do movimento operário do período e na conjuntura de
1917-1920. Aí se atualizam as debilidades de uma teoria, às quais se poderiam
acrescentar as oscilações entre uma estratégia insurrecional utópica e a mera
26
identificação com as lutas espontâneas [...].
25
Cf. Ibid., p. 9.
26
Ibid., p. 247.
8
espontaneidade, criatividade e formas de ação externas ao sindicato, que não podem ser
apropriadas ou substituídas por este, politizando todos os locais e os meios de resistência 27.
Estes fatores possibilitaram a apropriação de outros modelos teóricos como,
por exemplo; os estudos de Edward P. Thompson, sobre a formação da classe operária
inglesa, pensando-a como uma categoria que se define ao longo do processo histórico, pela
experiência, não podendo ser pensada de acordo com um modelo estático; e de Michel
Foucault, sobre as múltiplas instâncias que o poder atinge na sociedade. Assim, podemos
imaginar que o caráter político da resistência operária pode ser encontrado nas fábricas, nas
vilas operárias, nos momentos de lazer, etc.; e não somente nas grandes organizações de luta;
sindicato e partido.
28
A obra Do cabaré ao lar (1986) de Luzia Margareth Rago, desvia do
modelo anterior; pois, trata as especificidades que a historiografia da década de 1970 não dá
conta de explicar. Em linhas gerais, a autora entende os primeiros anos do movimento
operário brasileiro, a partir das relações de dominação e resistência existentes no cotidiano do
trabalhador e, principalmente, na luta do trabalho contra o capital no interior da fábrica.
27
Cf. PAOLI, op. cit., passim.
28
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
29
Ibid., p. 14.
9
não podem ser previamente deduzidas por meio de um modelo teórico hermético. Entretanto,
ainda existe a possibilidade de transformação da sociedade atual e da constituição de uma
sociedade mais igualitária; ainda, que seja por outras vias.
Surge também, na perspectiva da década de 1980, a noção de resgate, isto é;
o resgate das categorias libertárias como forma de identificar os germens revolucionários da
classe operária brasileira do final da década de 1970:
30
PAOLI, op. cit., p. 130.
31
Cf. CERTEAU, op. cit., p. 78-82.
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
11