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AS CRÔNICAS DO

MUNDO NOVO
Volume II: Shadow-Okan

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Primeira edição publicada em Recife/PE, em 2019.
ISBN: 9781793042156
Selo Editorial: IndependentlyPublished
Copyright M. S. C. Araújo 2019

Todos os personagens e eventos desta obra, a não ser os que claramente


são de domínio público, são ficcionais e qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou mortas, é meramente coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser
reproduzida, estocada em banco de dados ou transmitida, em qualquer
forma ou quaisquer meios, sem a permissão prévia por escrito da autora,
não podendo circular com outro formato ou capa que não seja a da atual
edição, a não ser com autorização prévia formal.

Arte da capa: MasashiWakui (Pixabay).


Edição e Revisão: Flávio Paranhos; Gabriel Reinehr.
Diagramação: M. S. C. Araujo
Colaboradores: Gabriel Reinehr; Daniel Pires; Kevin Paixão; João Pedro
Halberg; Flávio Paranhos.

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PRÓLOGO

Subterrâneo de Ksora City. Março de 2095.

Uma neblina cobria os olhos do desconhecido. Tomou


consciência de que existia, estava nu e sentia frio. E estava só, como
nunca havia estado em toda sua vida. Soprou ar quente nas mãos,
descobrindo-as tão gélidas a ponto de a pele arroxear. Não sabia
onde estava, tampouco quem era ou porque existia. Mas assim era.
Vagou pelo vazio por minutos. Ou horas. Uma eternidade
contida e comprimida em segundos de agonia. E nesse mesmo
vazio, encontrou um rosto familiar. Moreno, olhos estreitos, boca
carnuda, um véu colorido escondendo os cabelos que ele sabia
serem escuros e encaracolados.
Khadija o fitou e sorriu.
— Precisamos da sua ajuda.
Abriu a boca para tranquilizá-la. Era bom vê-la de novo.
Queria dizer que sentia a falta dela, embora não soubesse por que
tinham se afastado. Sami estava ao seu lado. Segurou-o pelo braço
e o fitou, e o desconhecido reconheceu nos olhos cor de oliva o tom
de preocupação.
— Se não receber os remédios, ela vai morrer.
Quis dizer a eles que estava tudo bem. Iria continuar levando
os remédios de Khadija. Não tinha prometido?
Então viu o rosto da mãe, raivoso por palavras que ele havia
dito, magoado pelo que ficara por dizer. A tapa atingiu seu rosto
novamente e soube o que deveria ter feito naquela noite.
— Me perdoe mamãe...

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Mas havia aço em sua boca que o impedia de falar. Aço líquido
começando a se solidificar e preencher todo o espaço das palavras.
Tentou cuspir e sentiu uma dor agoniante nas costelas. Como se a
arrancassem. Como se rasgassem seus ossos ao meio.
— NÃO! SOCORRO! AIKO!
Chamou aquele nome. Sempre que tinha problemas, aquele
nome o salvava. O nome da irmã. E viu o rosto dela se formando
através da dor, olhando-o por cima dos óculos e sorrindo na velha
cumplicidade dos irmãos. Esticou os braços e percebeu que tinha
aço esfriando neles também, contendo seus movimentos e deixando
os músculos pesados. Estavam inúteis.
Ela estava se afastando. Com lágrimas queimando a face,
gritou a plenos pulmões.
— NÃÃÃÃÃO! AIKO! SOCORRO!

***

O atravessador se debatia na cama de hospital, sob os olhos


confusos de uma mulher. Algum dia fora bonita, as maçãs do rosto
eram levemente saltadas e os malares fortes, os lábios carnudos e o
nariz pequeno demonstravam isso. Porém, os olhos díspares
conferiam algo de bizarro à beleza: um era cinzento, claro como
água, e o outro completamente negro.
Atraída pelos gritos uma segunda mulher empurrou as cortinas
de plástico da emergência improvisada. Ao contrário da primeira,
esta era loira, com profundos e bondosos olhos azuis e traços mais
suaves, menos duros. O nome “Santorelli” estava bordado no jaleco
que ela vestia às pressas enquanto se aproximava do leito.
Estavam num subterrâneo, ninguém ouviria os berros do
garoto, mas a preocupava essa reação do “paciente” poucas horas
após a cirurgia. Deu morfina suficiente para derrubar um cavalo e

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ainda assim gritava. Checou os painéis ligados a ele. A frequência
cardíaca estava alta demais.
— O que está acontecendo?! Por que ele está gritando,
Rachel?!
A morena chamada Rachel, por sua vez, sentou-se diante de
um computador e conferiu os circuitos instalados no rapaz. Nada
parecia errado. A máscara estava jogando oxigênio diretamente nos
pulmões artificiais e esses estavam funcionando sem nenhum
problema. Olhou os níveis do braço mecânico. Nenhum curto,
nenhum rompimento.
— Eu não sei! Tudo está funcionando bem. Injete mais
morfina.
— É arriscado demais!
— Ele vai acabar tendo um infarto, Loraine! Injete morfina!
Loraine Santorelli pressionou um botão no painel para
autorizar uma pequena quantidade de morfina a entrar nas veias do
pescoço. O paciente, no entanto, continuava a se agitar no leito.
Sem as amarras que o continham, certamente teria soltado todos os
plugs que o mantinham vivo. Soltou mais uma dose de morfina e o
coração dele disparou.
— ELE ESTÁ MORRENDO! — Rachel gritou.
Na terceira dose de morfina, a frequência cardíaca caiu muito
mais do que Loraine esperava. Passou de 200 para 100, então 50...
30... Bateu duas vezes, e parou, enviando um som contínuo que
irradiou por toda a sala. Rachel correu para perto do garoto.
— SAIA DE PERTO! — A loira comandou.
Esmurrou o botão que iniciava uma massagem cardíaca e
apontou para a máscara. Compreendendo, Rachel voltou para sua
mesa e se preparou para jogar lufadas maiores de oxigênio nos
pulmões do paciente. Dois braços robóticos saíram da mesa e
começaram a pressionar o peito masculino, quatro vezes, e Rachel
deu o comando para o jato de ar.

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Loraine manteve o rosto virado para o monitor, esperando por
um bip. Um único que fosse.
— Vamos... Lute, garoto... Vamos...
O silêncio era quebrado apenas pelo movimento das máquinas.
Um som contínuo do medidor de frequência cardíaca. Os braços
que voltaram a comprimir o tórax nu. O digitar frenético de Rachel
no teclado, forçando as máquinas a trabalharem e manterem o
cérebro funcionando. Podiam perder e substituir o coração, mas
não o cérebro...
— ISOLE TUDO E CONTINUE TRABALHANDO NO
CÉREBRO!
Comandou a médica, e antes da terceira sequência de
massagem cardíaca, trocou os braços para o modo desfibrilador.
Rachel revestiu o interior da máscara e do braço com um plástico
específico para suportar a descarga elétrica e acenou para Loraine,
que recebendo esse sinal, deu o primeiro choque no coração.
Seiji Hiroshi se arqueou, o corpo sem vida tremendo no ar, e
caiu sobre a cama novamente.

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CAPÍTULO I

Cidade Baixa de Kahram, Janeiro de 2096.

Quando as crianças ainda frequentavam escolas, tinham


amigos, professores e parquinhos... Um coleguinha se machucou.
Estávamos brincando, correndo, rindo e gritando para o
desespero das nossas professoras. Mas estávamos sendo apenas
crianças cheias de alegria e vida. Sem medo de cair e sem medo da
dor. Nós nunca caímos quando somos crianças. Quando acontece,
o choro vem mais pelo susto, o coração acelerado e as pessoas que
cercam com cuidados demasiados ou broncas por terem avisado.
Mas nunca caímos de verdade porque no dia seguinte estaremos
correndo de novo.
Eu não me lembro o nome desse coleguinha. Nós o
chamávamos de "Heavy" porque ele era gordo.
Heavy era alguns anos mais velho que o resto da nossa turma
mas gostava de brincar conosco porque ainda éramos inocentes.
Nós o chamávamos de Heavy e ele não se importava. Essa é a
diferença entre a amizade e a dor. Nós não o magoávamos.
Eu acho.
A brincadeira era "quem chega mais rápido". Ao som da
largada - aquele famoso "já" das crianças - todos corriam para tocar
a professora. Apenas uma mão bastava. Quem a tocasse primeiro,
vencia. E o prêmio era apenas uma ovação de alguns segundos
antes que a brincadeira recomeçasse. Acho que era nossa segunda
ou terceira vez. Não lembro bem. Tinha pouco mais de quatro anos.

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Ouvimos o "já" e corremos.
E então eu ouvi um estrondo e virei para trás. Heavy estava
agachado embaixo dos escorregadores e levantou rápido demais.
Ele se abaixou de novo, chorando e o sangue caiu da cabeça do topo
da cabeça como uma cachoeira, manchando o parquinho. Parecia
xarope de morango, que costumavam colocar em gelo raspado. Foi
a primeira vez que vi sangue pingar e escorrer. E assisti, fascinada,
como aquele líquido deslizava pelo chão enquanto Heavy gemia
"minha cabeça, minha cabeça!" até que me tirassem dali.
Com quatro anos vi sangue pela primeira vez.
Aos 25, me acostumei a vê-lo todos os dias.
É interessante a sensação de assistir a todo meu passado
enquanto acredito que não terei nenhum futuro.

***

Quando penso que apenas quatro anos separam aquela noite no


Black & White Eye, quando encontrei o meu primeiro grupo, da
noite de hoje, chego a me assustar com o quão rápido o tempo
passou. Poderia dizer que vivi uma vida inteira nesse espaço de
tempo, uma vida dentro de minha própria vida, em reviravoltas a
me deixar de ponta cabeça e meio dobrada de lado, no final
voltando à posição certa por sorte.
E que pesadelo! E que dádiva! Perder pessoas queridas e
conhecer novas, essas que nunca substituiriam os que partiram, mas
aliviavam a dor da morte. Posso afirmar com tanta certeza quanto
me chamo Aiko Hiroshi, que não trocaria as experiências desses
quatro anos por nada, nem mesmo anos a mais para existir. Talvez
pelo retorno dos que se foram. No entanto, tive que aprender a
deixa-los ir.
Pelo contrário, iria um pouco mais além, pois tudo começou
antes da primeira reunião com o primeiro grupo de mercenários.

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Penso que a minha segunda vida teve início com meu irmão Seiji
indo embora de casa em 2094, pois a dor de sua ausência me abriu
os olhos do que acontecia à minha volta. Tirado o véu da ignorância
da minha face, enxerguei o Projeto 79, a revoltante Experiência 79
que, após uma investigação aprofundada, revelou-se ser o capitão
do exército americano James Donahue servindo de cobaia para
criação de super soldados para a guerra contra a Rússia e possíveis
invasões de países com recursos naturais ainda aproveitáveis.
Eu fui presa numa sala de tortura chamada Quarto Branco e
cheguei muito perto de desistir de tudo e pôr fim à minha própria
vida. Mas tive sorte em ter amigos tão bons que não me deixaram
para trás. Felizmente, Georgie, um atravessador inverso (ou
contrabandista de drogas se você preferir chamar assim) conhecia
meu irmão do submundo e minha família das rodas sociais de Ksora
City. Associado a um hacker chamado apenas Dunkel, George
Lowery II traçou um plano para resgatar a mim e a James da polícia
privada...
Admito, James Donahue foi, na verdade, uma adição minha. E
por isso, nós devemos dois milhões de dragons ao hacker. James e
eu nos escondemos na Cidade Baixa de Ksora City e vivemos uma
patética imitação de união estável. Digo “patética” porque a única
estabilidade entre nós era a certeza de que não iriamos nos separar,
não importava o que acontecesse. Ele me devia a vida e a liberdade,
eu devia a ele minha sanidade mental. Mas nossas discussões eram
tão frequentes que começaram a me deprimir cada vez mais e fazer
com que eu me questionasse se aquele era o caminho certo a se
seguir.
Nós ainda tínhamos uma dívida.
E para saldar nosso débito com o misterioso Dunkel, decidimos
nos juntar a outros mercenários e realizar missões ilegais onde nos
pagariam uma pequena fortuna. Isso nos levou a Kahram City, ao
bar Black & White Eye, e aos nossos companheiros de trabalho: o

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sniper Peter Dimitriev, o assassino Elay Rhings e o robô C3-9202.
A partir daquela noite, a multiplicação estava feita. Dois passaram
a ser quatro, e ainda tínhamos o robô conosco. Uma união que tinha
tudo para dar certo: todos nós precisávamos de dinheiro e
estávamos afundados na lama que era a Cidade Baixa. Porém, por
natureza, pessoas são belicosas e não levou nem trinta minutos para
que se soubesse os atritos que aquele grupo teria.
De início, eu estava desconfortável com uma máquina ser
tratada pelos outros como parte do grupo. Até mesmo James o
aceitava como um membro efetivo de nossa pequena corporação de
mercenários. Supostamente, aquele monte de metal existia para nos
servir, não para ser nosso parceiro e levar parte dos lucros da
missão. Mas o meu desconforto em nada se comparava ao de James
em relação aos dois russos que nos acompanhavam. Por ele, tanto
Peter Dimitriev quanto Elay Rhings poderiam queimar até as cinzas
em pura agonia. James nem mijaria neles para apagar o fogo.
Um clima muito agradável para uma missão onde todos nós
deveríamos cooperar uns com os outros. Era justamente isso que
estávamos precisando. Um grupo individualista. Ficou acertado
que encontraríamos Peter, Elay e o robô C3 no dia seguinte para
dar início ao planejamento da missão.

***

James e eu voltamos ao nosso quarto de hotel caminhando de


braços dados, cada um com seus pensamentos e demônios pessoais.
Os nossos passos e a nossa respiração era a única coisa que
ouvíamos naquele beco minúsculo onde o Black & White Eye se
localizava. Já era tarde da noite e minha cabeça estava começando
a doer pela quantidade de vodca que tomei ao longo da noite.
Havíamos descido do trem há poucas horas. Kahram era a
primeira cidade suspensa que eu conhecia, além de Ksora, é claro.

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Durante o trajeto até o hotel, me distrai fazendo comparações, e em
comparação com a Cidade Baixa de Ksora City, a de Kahram City
era uma versão melhorada, menos suja e menos desagradável,
porém não menos caótica.
Quase todas as superfícies estavam perfuradas por disparos ou
pichadas em neon com símbolos de movimentos anarquistas, e
“poder ao povo”, “Deus salve a Rainha”, “Rebele-se” eram
mensagens comuns. Enquanto na minha cidade tudo era aceito pela
população, quem vivia em Kahram lutava por sua liberdade de
expressão e contra o sistema opressor das corporações.
— Estamos na cidade certa. — Murmurei para James, abrindo
um sorriso largo.
— Não vamos ficar aqui por muito tempo. — Ele suspirou. —
Depois que a dívida com Dunkel for saldada, nós vamos sair da
América.
Estanquei, e ergui os olhos para encará-lo com incredulidade.
Secretamente, vinha alimentando esperanças de conseguir alguma
pista do paradeiro de Seiji, uma vez que estávamos entrando no
mesmo mundo que meu irmão desaparecido vivia. Sair da América
era uma ideia completamente inconcebível para mim.
— Por quê?
— Você quer ficar? Você quer viver no meio essa gente?
Daquela gente? — Ele indicou com os olhos o bar do qual tínhamos
saído minutos atrás. — Russos?
Até aquela noite, para mim não importava se alguém era russo,
britânico, japonês, árabe ou latino, porque até então estivera
cercada de boas pessoas de todas as nacionalidades. Não que eu
fosse inocente quanto à possibilidade de maldade na índole do ser
humano, mas antes de qualquer coisa, meu preconceito era contra
pessoas que se viam superiores às outras por qualquer motivo que
fosse. E esse preconceito terminava aí. James, por sua vez, tinha
receios maiores, e com razões substanciais para tê-los.

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Percebi que precisava demovê-lo da ideia de sair da América,
ou pelo menos, tentar tirar aquele preconceito do meu
companheiro. Sorri, passando os braços ao redor da cintura estreita
ao abraça-lo e falei, muito carinhosamente.
— James... A guerra acabou e você sobreviveu, é isso que
importa... Nós estamos aqui agora...
— Por favor, Aiko, não fale nada. — Ele balançou a cabeça e
se afastou de mim, fitando-me nos olhos com uma expressão
enraivecida. — Nunca mais diga nada sobre a guerra. Você não
estava lá para saber o que o exército americano sofreu.
Engoli seco e concordei com a cabeça, porque ele estava certo.
Nem de perto poderia imaginar o que James teria vivido na Rússia
e o quanto isso justificava seu ódio pelos outros dois membros
humanos do grupo.
Após um mirrado jantar, onde comemos basicamente
estrogonofe de carne, deitamo-nos na cama do hotel em silêncio
naquela noite, sem conversas de cabeceira ou mesmo fazer amor,
de costas um para o outro. Se tinha uma coisa que eu apreciava em
James era o talento dele de não me encher o saco quando sabia que
não estava com humor para conversar. Assim eu devolvia a cortesia
e não o amolava quando estava carrancudo e sisudo, como naquela
noite.
Uma coisa que notei, desde os primeiros dias que passamos a
viver juntos, era que ele não gostava de falar da guerra. Embora
tentasse compreender tudo o que James havia passado até ali e
justificasse sua aversão aos russos, eu não podia deixar que fosse
esse o motivo de um possível fracasso do grupo. Todos nós
precisávamos do dinheiro.
A chuva caía fina lá fora e o aparelho de supressão de ruídos
externos fazia um péssimo trabalho em filtrar o som dos pingos
batendo nas janelas. Demorei a pegar no sono, mesmo tendo me
acostumado com o ronco de trator do ex-militar. Minha cabeça

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estava cheia. As vespas ferroavam meu cérebro. Meu estômago se
revirava por causa da bebida.
Já era madrugada quando desisti e virei-me para James,
agarrando um de seus braços, e finalmente consegui cochilar.

***

O mesmo braço que me empurrou com violência nas primeiras


horas da manhã. Acordei assustada, já na beirada do colchão e olhei
para meu agitado companheiro de cama, preparada para brigar. Em
meio a um pesadelo James afundava num mar de lençóis e braços,
o rosto coberto de suor.
— Não… tire essa coisa de mim...
Rolei para fora da cama bem a tempo de evitar que um dos
braços mecânicos me atingisse. A única vez que os vi sendo usados
foi durante a fuga da U. S. Security e no beco do Black & White
Eye. Agora eles estavam em cada canto do minúsculo quarto,
batendo nas paredes, ricocheteando da cama para o teto num
barulho estrondoso.
Desviei de um, e me atirei em cima do tórax humano,
agarrando seu rosto.
— James, acorde! Está quebrando tudo!
— NÃO! NÃO ME TOQUEM!
O corpo se ergueu, empurrando-me para os pés da cama, e se
refugiou no canto do quarto, usando os braços extensíveis para se
manter colado ao teto, longe do alcance das minhas mãos.
Eu o encarei, amedrontada.
Os olhos verdes me fitaram com alheamento, como se eu nem
estivesse ali, ou não soubesse quem eu era. Então o reconhecimento
tomou-lhe o rosto e James respirou fundo antes de recolher os
braços e cair de pé no chão. Devagar, aproximou-se, esticando uma
das mãos e me convidando e eu enterrei meu rosto em seu peito.

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— Foi só um pesadelo... — Sussurrei, me dando conta que
estava com a garganta apertada.
— Não tenha medo de mim, Aiko.
— Eu não tenho.
Era uma mentira. Eu estava aterrorizada. Sentindo o tremor do
meu corpo, James me afastou com suavidade e pegou uma camiseta
pendurada numa das paredes.
— Vou comprar o café da manhã. Volte para a cama.
Assenti, incapaz de dizer coisa alguma.
James marchou para fora do quarto e eu me sentei no colchão
novamente, apertando as mãos contra meu estômago.
Morbidamente, uma pergunta passou pela minha cabeça: quanto
tempo vai levar para que eu acabe machucada?
Tentava me convencer de que ele nunca me machucaria
intencionalmente, mas quantas vezes não intencionais eu passei de
acabar com marcas roxas? Aquela era a segunda, em menos de dois
dias. Kahram, uma cidade com 63% de russos e descendentes de
russos, não estava fazendo bem aos nervos de James.
Estava tudo tão quieto dentro do quarto que eu pulei assustada
quando a campainha do quarto soou. Cacei entre nossos poucos
pertences pessoais a pistola que Georgie havia me dado quando nós
afundamos na Cidade Baixa e me certifiquei que estava carregada
e engatilhada antes de espiar a telinha.
Era George, trazendo nos braços uma caixa metálica. Na área
de identificação da telinha, no lugar do nome George Lowery II,
aparecia “Prince Michael III”. Isso era muito comum entre as
pessoas sem chip de identificação, que usavam os antigos cartões,
um pouco mais sofisticados, como identidade. Não era uma
falsificação das melhores, mas para aparelhos simples, que não
buscavam ainda imperfeições, era o suficiente.
O meu dizia Hatayama Yuki e o de James, Matthew Ryan.

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Revirando os olhos, abri a porta e deixei a pistola sobre a
cama, onde sentei.
— E aí Aiko. Cadê o grandão?
— Comprando café da manhã… O que é isso?
— Ah.
George colocou a caixa num espaço vazio da cama, digitou
uma senha no cadeado magnético e abriu-a. Estava cheia do que eu
reconheci serem minhas próprias roupas.
— A U. S. Security terminou as buscas no seu apartamento.
Sua mãe me ajudou a recolher algumas coisas. O aluguel foi
sublocado para um estudante de engenharia…
Eu não estava ouvindo coisa alguma. Ao enfiar a mão dentro
da caixa, alcancei uma calça jeans. Desde a fuga do prédio da U. S.
Security, tanto eu quanto James vestíamos roupas de Georgie, que
ficavam enormes em mim e pequenas no ex-soldado. Compramos
algumas coisas na cidade baixa de Ksora mas estava cada vez mais
difícil encontrar alguém que aceitasse dinheiro e não cartão de
crédito e transferência bancária.
Ter minhas próprias roupas comigo me lembrou de quem eu
era antes daquela bagunça. Só uma mulher esquisita no meio de
outras esquisitices. Uma pessoa egoísta e egocentrada demais para
enxergar o que estava acontecendo à minha volta. Até hoje me
pergunto se mudei tanto quanto as pessoas dizem.
— Aiko, você está me ouvindo? — George estalou os dedos
diante dos meus olhos.
— Desculpe, o que estava dizendo?
— Disse que mais alguém foi ao seu apartamento.
— Alguém da polícia corporativa?
— Não. Um civil.
Franzi o cenho. Quem mais conhecia minha casa além da
minha família e de George? Será que J. J., meu colega de trabalho,
o garoto que havia ficado com a minha vaga de estagiário em T. I.

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tinha ido me procurar? Me lancei ao velho notebook que estava
usando por enquanto e o liguei.
— Envia pra mim a imagem dele. - Pedi, enquanto passava
pelas medidas de segurança que eu mesma havia instalado.
Georgie acenou. Seu device, diferente do que o meu havia sido,
ficava no rosto, uma espécie de monoculo sobre um dos olhos, e
era controlado por piscadas e movimento de íris. Após alguns
segundos, enviou para mim via wirelass um arquivo de video.
Não era J. J. nas imagens, embora tivesse a idade aproximada.
Era pálido, com cabelos escuros e encaracolados e óculos tão
grandes que o faziam parecer um nerd fugido do ensino médio.
Pude ver que, por baixo do casaco impermeável, a camiseta era
xadrez vermelho com preto e os jeans estavam gastos. Um nerd
caipira. Ele tocou o interfone algumas vezes e então foi embora.
Prestei atenção no movimento que ele fez com o pulso para
acionar a campainha. Ele tinha um chip de identificação.
— Agora vou descobrir quem é você. — Lembro de ter
sussurrado comigo mesma.
— Não precisa, seu interfone registrou o nome dele. — George
me interrompeu ao projetar uma ficha na única parede nua do
quarto.
O garoto se chamava Matthew H. Era natural de Hiotsu City e
seu endereço atual era de Ksora City. Sua visita havia sido
profissional, pois no registro de atividades do meu apartamento,
não aparecia o nome dele, mas o nome de uma empresa.
Death Monkey Peças e Serviços.
Bastou uma pesquisa rápida na rede para descobrir que a sede
da empresa ficava ali mesmo, em Kahram, o que era interessante.
Se Matthew trabalhava numa cidade e tinha residência em outra,
ou ele vivia ilegalmente em Kahram

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CAPITULO II

Queen’s. Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096

Aquela não era a primeira discussão com James que me fazia


tremer de ódio e vontade de quebrar tudo que estivesse na minha
frente, e eu duvidava que fosse a última. Elas estavam ficando cada
vez piores, fazendo com que eu me questionasse quando nós
começaríamos a nos ofender propositalmente até acabar com a
dignidade do outro.
Sair para respirar um pouco de ar “puro” me faria bem.
O ar fétido da Cidade Baixa.
Não importa se estou em Ksora ou Kahram, o cheiro da Cidade
Baixa sempre é o mesmo, uma mistura de lixo e corpos em
decomposição, um pouco de merda e mijo alheio e esperma. Meus
sentidos já estavam tão acomodados com aquilo que as lufadas
malcheirosas quase não me incomodavam mais.
Eu não conhecia Kahram o bastante para saber por onde
começar a procurar o Death Monkey, então o único lugar que me
ocorreu foi o Black & White Eye, embora parecesse mais com um
bar de mercenários do que um lugar para enlouquecer, não tinha
muitas alternativas.
Quando cruzei as portas do Black & White Eye, o lugar estava
quase deserto, o que me deixou um pouco desapontada. Mas já
passavam das seis da manhã. Com certeza muitos bêbados estavam
nas ruas dormindo em cima de papelões.
Sentei no balcão e pedi a coisa mais forte que tivessem. A
garçonete, uma moça de cabelos vermelhos flamejantes com um

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braço robótico cujo dedo indicador servia uma gigantesca caneca
de cerveja, ergueu as sobrancelhas para mim.
Decidi que essa seria minha deixa.
— Conhece algum lugar chamado Death Monkey? Tem algo
relacionado a robôs. — Franzi o cenho.
— Desceu do ônibus agora, querida? — Vendo minha
expressão incrédula, a mulher apontou-me a rua com um risinho.
— Siga direto pelos próximos cinco quarteirões, quando chegar à
arcologia principal, dobre à esquerda. Procure por Matt.
Matt. Justamente o cara que eu estava procurando. O provável
responsável pelo Death Monkey. Agradeci, deixando uma nota
sobre o balcão como gorjeta, e levei minha bebida para viagem.

Nas paredes, pôsteres de bandas que eu só tinha ouvido falar


por nome: Ramones, Sex Pistols, Clash. Como um ruído de fundo,
um homem cantava sobre ter lutado contra a lei, e a lei ter vencido.
Embora o russo fosse a língua mais falada ali, de longe
consegui identificar o inglês britânico na voz de uma mulher atrás
do balcão. Seu longo cabelo negro escorria pelas costas como um
rio de tinta, e apesar do porte pequeno, seus membros eram fortes
e definidos, vagamente familiares.
Foi para lá que me dirigi, tomando impulso para me empoleirar
num dos bancos altos.
— Procuro por Matt. — Falei para as costas da mulher.
— Quem quer falar com ele?
— Eu.
Com um girar das longas madeixas, ela se virou para me
encarar, a expressão furiosa sumindo à medida que me reconhecia.
O lado esquerdo de sua cabeça estava raspada, e os volumosos
cabelos escuros caiam sobre o ombro direito, coberto por várias
tatuagens. Desenhos que eu nunca tinha visto antes. Mas conhecia

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aqueles olhos cansados, o corpo voluptuoso e o rosto pálido com
cara de poucos amigos.
— Ilsa!
— Mas que caralho... Aiko?! — Jogando sobre o balcão um
pano que estivera usando para limpar copos, Ilsa Schurmann Lewis
deu a volta pelo bar e me agarrou num abraço de urso. — O que
está fazendo em Kahram?!
Ilsa trabalhava comigo na U. S. Security, pegava o turno da
noite, estava sempre me esperando na minha mesa quando eu
chegava pela manhã para rendê-la. É clichê dizer que isso parecia
ter acontecido em outra encarnação e não menos que um ano atrás?
Porque parecia.
— Visitando. — Respondi, torcendo os lábios. — E você?
— Eu moro aqui, eu e meu marido. — Ela lançou um olhar
para uma mesa mais afastada.
Sentado diante de um notebook, um garoto com óculos
gigantescos e a língua presa entre os dentes, dividia-se entre digitar
alguma coisa e então escrever num tablete que tinha ao seu lado.
Usava uma camisa xadrez, jeans rasgados e tênis velhos, como um
caipira. Aquele era o marido de Ilsa? Ele parecia ser só um garoto
perdido no caminho da escola.
Decidi que não era da minha conta, e levei a conversa para
outro rumo.
Eu estava curiosa por outro motivo.
— Por que? — Franzi o cenho. — O salário da U. S. Security
não era muito, mas era bom. O que aconteceu?
Ilsa me encarou confusa, esperando que eu notasse alguma
coisa que, supostamente, deveria saber. Quando ergui os ombros e
balancei a cabeça para mostrar que estava por fora, a mulher
suspirou.
— Ah... Provavelmente você não está sabendo.
— Do que?

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Ela acenou com a cabeça para uma mesa mais afastada, me
convidando para uma conversa em particular. Eu a segui.
Ilsa sentou-se na mesa e pousou duas canecas de cerveja à sua
frente, indicando que uma delas era para mim. Dei um gole grande.
Era adocicada e não tão gelada como se esperava, combinava com
uma noite fria como aquela.
— Eu comecei a desconfiar de que havia algo errado quando
Jerome apareceu para te substituir. — Ela começou, tomando um
pouco da cerveja com uma expressão pensativa. — Depois eu ouvi
o rumor de que você foi vista entrando no prédio da U. S. Security
escoltada por seguranças.
— Isso é verdade. — Concordei acenando com a cabeça.
Depois de procurar nos bolsos, encontrou um maço de cigarros
dentro do decote e acendeu um, oferecendo-me logo em seguida.
Aceitei. Por um momento ficamos as duas intercalando cerveja e
tragos de cigarros, meus olhos vagando pelo estabelecimento
enquanto Ilsa encarava seu jovem e desajeitado marido.
— Resolvi perguntar a Josie o que tinha acontecido. — A
morena continuou, desviando a atenção de volta para mim. — E a
informação que ela tinha era a de que você foi demitida por conduta
ilegal e contra as normas da corporação.
De certo modo, aquilo também era verdade. Josie só omitiu o
fato de que eu estava presa numa sala conhecida como Quarto
Branco naquele mesmo prédio. No entanto, não vi motivos para
consertar aquele erro de narrativa.
— Eu achei tudo muito estranho e pedi para Matt ir até a sua
casa checar se...
— Minha casa? — Interrompi, arqueando as sobrancelhas.
— Aiko, não foi à toa que me contrataram para U. S. Security.
— Ela revirou os olhos, e prosseguiu. — De qualquer forma eu pedi
para Matt checar a sua casa. Obviamente, você não estava lá, e
ninguém tinha ouvido falar do seu paradeiro.

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21
CAPITULO III

Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096.

Quando voltei para o hotel, James estava esperando por mim. Ele
esticou a mão e eu a peguei, e fizemos as pazes suavemente naquela
noite.

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CAPITULO IV

Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096.

Parte 2 para missão na base militar. Morte de James.


O sniper deserta do grupo.

Estávamos prontos para partir. C3 se alojou ao fundo do


caminhão, Elay enxugava o suor da testa sentado num dos bancos
de madeira, Peter Dmitriev fazia uma ligação direta para fazer o
motor funcionar, Tommy traçava no GPS a rota mais segura de
volta à Kahram City. James colocou o gigantesco banco de dados
no piso do caminhão e encostou-se na lataria para me lançar um
sorriso.
Seu rosto estava lavado de suor, mas ele parecia animado.
— Menos 100 mil hein?
E eu, por um breve instante, me permiti sorrir de volta.
Me permiti sonhar com a possibilidade de um futuro sem
dívidas, sem crimes, com toda uma liberdade para ser desfrutada.
James poderia voltar para sua família sem qualquer mácula, e eu...
Provavelmente procuraria por Seiji com mais afinco e mais
recursos, até encontra-lo vivo ou morto.
Acabou em menos de um minuto, por causa de um som.
Um “click” quebrando o silêncio cansado em que todos nós
nos encontrávamos naquele instante. O arrancar de um pino. Virei
meu rosto na direção do ruído e encarei com horror um militar
ensanguentado fazer um giro e jogar um objeto pequeno em nossa
direção. Uma granada. Eu gritei, e James deu um impulso com os
pés. No instante seguinte, ele estava no ar, agarrando-se à granada

23
e caindo de costas no chão, rolando para longe do caminhão. Houve
silêncio, a calmaria que antecede a tempestade, e então, meu mundo
explodiu.
Pedaços de carne humana voaram pelos ares, sangue fresco
respingou quente no meu rosto e criou uma enorme poça no chão
do galpão, e enquanto membros decepados caíam no chão
misturados a resquícios de metal, eu finalmente encontrei a minha
voz para gritar.
— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!

24
CAPITULO V

Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096.

Incapaz de retornar ao vazio quarto de hotel e encarar a


ausência de James, perguntei a Elay se eu poderia ficar com ele
durante um tempo, ao que o russo deu de ombros e acenou para a
garupa da motocicleta. O robô nos encontraria lá. Ele não
perguntou como eu estava, nem o mecânico Tommy, e
internamente agradeci por isso porque não tinha nenhuma
disposição para mentir. Estava subentendido. Eu estava fodida,
ninguém tinha nada com isso, e a vida seguiria sem qualquer
comentário a respeito da morte da Experiência 79.
Porém, depois que eu estava instalada na cama de baixo de um
beliche de ferro enferrujado, me senti inútil parada. Elay espalhava
uma quantidade absurda de cocaína sobre o balcão da cozinha e
cheirava como se quisesse se matar. O robô C3 estava junto às
baterias de energia desligado, emitindo um ruído baixo enquanto
carregava. Tommy tinha um NeverGear na cabeça e estava deitado
no sofá carcomido, provavelmente jogando alguma coisa. Chequei
os níveis de segurança ao redor do prédio duas vezes e passeei pelo
apartamento procurando algo para fazer.
Precisava de algo para aliviar a dor, ou apenas anestesia-la até
que estivesse pronta pra lidar com ela, e dentro do apartamento com
os outros caras ao meu redor com certeza não era o momento certo.
Estar sedada por um tempo. E sem conhecer nada de Kahram City,
o único lugar que me ocorreu foi o Black & White Eye, embora
parecesse mais com um bar de mercenários do que um lugar para
enlouquecer, não tinha muitas alternativas. Sequer me ocorreu

25
fazer pesquisas na rede. Vesti a jaqueta de couro e deixei Elay
Rhings e sua cocaína para trás ao ganhar a rua.

***

Ele se foi.
Eu repeti aquelas palavras, um sussurro baixinho
confidenciado aos meus próprios ouvidos, e as deixei ecoarem no
vazio que era o meu peito. Ele se foi. Depois de ouvir “permita que
os outros partam” da boca dele, finalmente entendia o sentido da
frase. Ele se foi e eu tinha que deixa-lo partir. Precisava me libertar
de sua lembrança naquele momento em que...
... Ele se foi ou eu o abandonei? Ele morreu ou eu o matei?
Poderia não ter puxado o pino da granada que transformou a
Experiência 79 em nada, mas as circunstâncias eram claras e
inegáveis. Ele morreu tentando me salvar. Uma vida por outra. Seu
débito comigo estava saldado enfim. Mas nunca houve uma dívida
de verdade.
Ele se foi, ou eu o abandonei?
Alguma vez você sentiu alívio e uma profunda tristeza ao
mesmo tempo? Como se você pudesse voar, mas soubesse que, no
máximo, cairia num abismo. Sem chão definitivo para pôr fim à
queda e sem braços suficientes para te impedir de continuar
despencando. Foram as emoções mais contraditórias que senti em
toda minha vida, aquelas que vieram depois da morte do Capitão
James Donahue.
Alivio e tristeza.
Alívio por estar livre. Sem brigas que faziam com que eu
tivesse vontade de morrer, apenas para não abandoná-lo de vontade
própria. Já não era mais senhora das minhas vontades. Todas foram
cuidadosamente pensadas para manter James vivo, calmo, e até um
pouco mais feliz do que seus últimos anos haviam sido. Meu

26
pensamento estava devotado ao ex-soldado como um... Como um
soldado se devota ao seu capitão. Como um patriota se devota ao
seu país, de alma e espirito, pronto a dar tudo o que tem.
Tristeza porque, há algum tempo, já não restava muito em mim
para oferecer a James. Eu o via cada dia mais feliz, e me via
desaparecer lentamente na mesma proporção. O que faria quando
já estivesse findada, sugada até os ossos, seca por dentro, parecendo
morta por fora? Não sabia. Não queria imaginar nós dois
retornando ao que tínhamos sido. Porque isso nunca seria possível.
Deixamos marcas um no outro que o tempo jamais iria apagar, risos
compartilhados que permaneceriam únicos, dores sofridas que
talvez não fossem curadas. James me mudou, eu o mudei.
E agora ele se foi.
E não há a alegria ou a euforia da liberdade. Só um silencioso
“obrigada” e lágrimas a derramar por um homem que eu salvei e
amei, por um homem que eu morri, por um homem que eu destruí.
Porque tudo que me chega às mãos, algum dia, perece até as cinzas.
Não, ele não se foi. Ele vai viver comigo. Como uma batida
repetida do meu coração. Como uma sombra atrás de mim. Um
fantasma no meu ombro. Não assustador, ou aterrorizante, mas
continua e depressivamente presente.
E não deixará seu posto.
Nunca mais.

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CAPITULO XVII
Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096.

Na tela do notebook, o relógio marcava três da manhã em ponto


quando terminei meu trabalho. O apartamento estava em trevas, num
silêncio digno de túmulo, exceto pelo ruído dos vários computadores
e o riscar de um fósforo para acender um cigarro. Suguei o fumo uma
vez, agitando a mão em seguida para apagar a chama, e soprei a
fumaça lentamente, levantando-me da cadeira onde eu tinha passado
as últimas duas horas. Meus membros estavam rígidos e tensos pelo
tempo que fiquei numa única posição e estiquei os braços para alonga-
los.
Lancei um rápido olhar ao tanque onde o novo corpo de Elay
estava, enquanto tragava o cigarro mais uma vez. Sorri de canto. Eu
tive a ideia de passar várias camadas de fita isolante preta ao redor de
uma área especifica do tanque. Tudo bem ser obrigada a ver aquele
bizarro corpo de replicante ali todos os dias, mas pelo menos tinha
poupado o que restava do grupo (e a mim mesma) de ver o que havia
entre as pernas da criatura azul.
Embora fizesse o possível para não despertar ou atrair a atenção
dos demais ocupantes do apartamento, no momento em que apaguei o
cigarro e acionei o sistema de controle de odor (uma engenhoca eu
tinha desenvolvido num momento livre entre as missões), ouvi o
ranger de uma cama e segundos depois, passos no corredor. Merda!
— Desculpe! — Falei apressada, tentando abafar o ruído do
aparelho com as mãos. Tinha de consertar aquele troço logo. — Já
estou desligando, já estou desligando.
Tornei a apertar o botão para desligar o aparelho para diminuir o
barulho, no entanto, antes que conseguisse, uma sombra surgiu na
entrada da sala principal. O escuro não permitia que eu identificasse

28
quem estava ali, mas isso não era necessário. Além de mim, só havia
outro humano no apartamento, e a voz rouca e cheia de sono era muito
familiar.
— Aiko, você pode fazer menos barulho?
Ouvi o som do interruptor. A sala foi banhada por uma luz fraca
azulada. Virei-me imediatamente para agarrar o robe que tinha
deixado pendurado no braço da cadeira e cobrir minha nudez. Senti os
olhos de Hattori encarando o dragão tatuado nas minhas costas por um
segundo antes que ele desaparecesse sob a seda azul. Virei-me para
ele.
— Foi mal, eu só estava atualizando o site, mas já terminei... Vai
dormir, Hattori.
Apesar disso, ele não se moveu. Os olhos verdes esquadrinharam
a sala com uma expressão confusa, passaram pelo tanque de vidro e
então voltaram-se para mim, amarrando o cinto do robe na cintura.
Senti meu rosto queimar de vergonha. Eu não me envergonhava de seu
corpo, nunca tinha sido tímida quanto a isso, e para uma mulher que
tinha passado bastante tempo cercada apenas por homens (e por
consciências masculinas, como era o caso do robô C3), até que eu
lidava bem com a nudez dos amigos. Quando se vive em grupo, é
difícil ter privacidade. Exceto com Hattori.
Eu sempre ficava desconcertada quando, por acidente, ele me
encontrava seminua em algum cômodo da habitação, ou quando eu o
via sem camisa, como era o caso daquele momento. Fazendo o
possível para disfarçar aquele constrangimento tolo, dei de ombros e
voltei a atenção para um dos computadores ligados ao tanque de vidro
para checar os níveis do replicante, certa de que logo Hattori iria
embora. Todavia, ele ainda estava ali. Coçou a barba cheia ao se
aproximar do tanque com passos incertos, tentando entender algo na
tela onde eu tentava me concentrar. Senti sua respiração próxima da
minha nuca. Meu coração acelerou no mesmo instante.
— Alguma mudança? Ele vai sair do coma logo?

29
Deduzi que ele tinha desistido de dormir, assim como eu. Logo
teríamos que acordar de novo de qualquer forma. Tínhamos uma
missão a cumprir, uma missão que Elay seria de alguma ajuda se
estivesse consciente.
— É difícil dizer. — Respondi baixinho, mordendo o lábio
inferior ao digitar algo no teclado. — Pode levar mais algum tempo
até a consciência estar totalmente pronta.
Hattori assentiu uma vez, em silêncio. Aquela parecia ser uma
madrugada como qualquer outra, exceto que eu estava muito mais
quieta que o normal desde que havíamos chegado da reunião com Don.
Era frustrante ouvir aquele rumor sobre a morte de Seiji e o samurai
pareceu ter notado isso. Após alguns minutos de silêncio, ele
sussurrou.
— Eu sinto muito pelo seu irmão.
— Obrigada.
Eu não via ou falava com Seiji há quase quatro anos. Não consigo
contar quantas noites sonhei que o reencontrava, talvez machucado,
talvez em péssimo estado, mas vivo. Eu teria que me conformar.
Ensaiei um sorriso sarcástico e completei.
— Acho que vou ter que me conformar com o grupo como minha
única família.
— Então eu sinto muito por você. — Hatorri devolveu, segurando
o riso daquela forma adorável que eu já conhecia.
Gargalhei baixinho e então me virei para fita-lo. Eu era durona
demais para me deixar abater por perdas. Nenhum dos companheiros
de aventura me tinha visto chorar uma única vez, mesmo diante de
todas as baixas do grupo. O sniper russo, o mecânico, a Experiência
79, a garota em coma, nem mesmo Elay, a quem eu tinha uma amizade
caótica especial. Eu conseguia esconder bem a minha dor debaixo de
sarcasmo e frases picantes. Eles nunca tinham notado quando eu
estava sofrendo, exceto Hattori.
Ele via dentro de mim. Parecia ler meus sentimentos como num
livro aberto, algo que às vezes me irritava e frustrava por não

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conseguir mantê-lo de fora. Os braços do samurai me envolveram num
abraço apertado, e eu fiquei sem reação por um instante. Ele cheirava
a sabonete e um perfume amadeirado que eu adorava sentir. Com um
suspiro profundo, fiquei na ponta dos pés, ergui os braços para
envolver o pescoço do samurai e retribuí o abraço, enterrando meu
rosto em seu ombro.
Pensava que tinha me acostumado com o contato do corpo
masculino, uma vez que a todo instante estava sempre na garupa dele.
Mas aquele momento era diferente. Não era uma fuga por nossas
vidas, nem havia a tensão e o nervosismo que antecedia uma missão
ou o combate, não havia uma adrenalina louca pulsando em minhas
veias. Mesmo assim, meu coração batia num ritmo alucinado. Eu era
mestre em esconder sentimentos, tomava cuidado para nunca deixar
que Hattori ou qualquer outro do grupo percebesse o que nutria pelo
samurai. Não havia espaço para romantismo, estávamos todos lutando
para sobreviver, era essa certeza que mantinha a minha boca fechada
e o meu corpo sob controle.
No entanto, quando o abraço foi desfeito e os olhos dele me
fitaram mais uma vez com aquela calma tão característica, a
perspectiva de morrer sem nem ao menos deixar que ele soubesse me
invadiu e preocupou. Só uma vez, prometi a mim mesma. Só uma vez,
antes de arriscar o pescoço de novo. Deslizei as mãos do pescoço para
segurar o rosto barbudo e, na ponta dos pés, encostei meus lábios nos
dele, roubando o beijo que nunca tivera coragem de buscar antes.

***

Não foi lento e amoroso como eu tinha imaginado. Não tínhamos


tempo. Era uma corrida contra o sol, que surgia e ameaçava findar
nossa noite, dando lugar a mais um dia em que deveríamos ser
profissionais e concluir mais um trabalho. Então nós nos apressamos.
Caminhando como bêbados, esbarramos em paredes enquanto nossos

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lábios descobriam encaixes novos, explorando o gosto um do outro, e
as mãos se ocupando em despir e apreciar.

32
CAPITULO XX
Cidade Baixa de Kahram City, Dezembro de 2099.

Não se importe se agora o texto parecer meio desconexo. Deixei


o notebook para trás, porque Hatori é pesado e não consigo carrega-
lo, andar e digitar ao mesmo tempo. James provavelmente teria
conseguido. Claro, o maldito tinha seis braços! Troquei para o modo
voz do meu device, espero que esteja escrevendo tudo certo, não quero
erros nesta merda.
Lembrar de James me faz pensar que provavelmente ele teria
enlouquecido ao ver o que eu estou fazendo. Assim como meu pai. E
Keiko, Jackie, Georgie, J. J. E Seiji. Seiji ficaria puto da vida se
soubesse o que tenho em mente agora. Mas se as palavras de Don
forem verdade, tenho certeza de que meu irmãozinho está agora me
esperando para perguntar o que diabos tenho na cabeça.
Ou apenas me receber com os braços abertos.
Acho que a radiação já está afetando meu cérebro. É normal que
minha visão esteja um pouco turva? Será que é o calor? Pode ser. Está
fodidamente quente nesse deserto. Como as pessoas conseguiam andar
aqui antes da guerra?! Vou derreter antes de conseguir chegar a uma
distância segura da nave. Vamos lá, um passo de cada vez, pense que
está subindo as escadas para o céu, em direção aos meus garotos...
Pensar que Takeshi, Seiji e Hatori podem estar me aguardando
nesse exato momento me dá forças para dar um passo depois do outro,
e fica cada vez mais fácil. Só preciso tomar alguns metros de distância
para garantir um voo seguro para Leviathan VI, sem interferência
minha. Ela já está toda programada.
Só mais um pouco.
Acho que agora é o suficiente.
Droga, estou começando a ficar enjoada, acho que é a radiação,
eu já sabia que seria assim, mas eu odeio sentir coisas estranhas no
meu estômago. Talvez devesse ter tomado uma cápsula para radiação

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antes de sair. Não quero morrer gritando de dor ou com a pele caindo
dos meus ossos, só preciso de algo rápido.
Eu sabia que Hatori era pesado, e depois de morto, estava ainda
mais pesado. Deito-o com cuidado, ainda que ele não vá sentir nada,
não gosto da ideia de machucar o que restou desse corpo. Mesmo
morto e crivado de balas, Hatori Shimada ainda é o homem mais
bonito que já vi em toda minha vida. De todas coisas para me
arrepender, odeio a mim mesma por ter escondido meus sentimentos
por tanto tempo, do contrário, possivelmente poderíamos ter vivido
mais.
Poderíamos ter tirado férias juntos num lugar tranquilo e fazer
amor lentamente, desfrutando, descobrindo, apreciando um ao outro
sem a necessidade de estar olhando por cima do ombro.
Ah, que inferno, eu estou chorando de novo. Minha voz está
embargada. Eu odeio chorar. Sinto como se estivesse sufocando, e
odeio a sensação de estar sem ar. Ou talvez seja um efeito da radiação
também. Olho para Hatori novamente, acaricio seu rosto mais uma
vez, descendo os dedos pelo tórax até o quadril, encontrando sua
espada ainda na bainha. Não a espada de energia que ele mesmo
construiu, mas a antiga, tradicional, espada de samurai. Um americano
com aparência de um americano, mas nome, espada e estilo de luta
japonês. Aquilo tinha me confundido tanto.
Seria o mesmo se meu nome fosse... Katherine.
Eu poderia ter tido uma filha chamada Katherine.
Não, terrível. Esqueça isso.
Eu não fui a melhor pessoa do mundo, e chego a pensar que
cheguei perto de ser a pior. Eu não descobri a cura de uma doença
incurável. Eu fui egoísta, gananciosa e ambiciosa. Eu menti e roubei.
Eu magoei pessoas quando poderia ter feito diferente. Eu fui uma
covarde de merda, me escondendo quando deveria ter lutado. E se
você quer saber a verdade, eu sei que poderia ter mudado vidas, mas
escolhi mudar apenas a minha porque sucumbi ao caos de apenas ser
humana. Eu mandei esse mundo novo à merda por um motivo tão

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simplório que chega a ser ridículo e fará você sentir mais antipatia por
mim, mas eu estou morrendo e me fodendo para a sua opinião.
Eu fiz tudo isso porque eu quis. Você pode ser tudo o que quiser.
As oportunidades estão ao seu redor.
Apenas agarre a melhor delas.
Acho que vou vomitar e não é uma sensação que eu aprecie muito.
Desembainho a espada de Hatori, observando meu reflexo nela, o sol
brilha forte na lâmina enquanto a ergo acima da minha cabeça. Girei-
a ao contrário e pus a ponta contra meu peito. Estava quente, mais do
que eu merecia de fato. E as lágrimas inundam-me os olhos. Não sinto
medo ou tristeza, pela primeira vez em muito tempo, estou cheia de
esperança e felicidade.
Ninguém vai me separar deles.
Nem mesmo a morte.
A maldita morte nunca mais vai me tirar ninguém.
Salvar. Enviar para Dra. Amelie Harmon.

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EPILOGO
Cidade Baixa de Kahram City, Janeiro de 2096.

Nenhum jornal estampou as notícias.


Nem Aiko Hiroshi, nem Hattori Shimada receberam obituários
nos tabloides, apesar de suas origens e de quem eram seus pais. Uma
pequena nota, escrita dez dias depois das mortes, foi publicada no
minúsculo noticiário da Cidade Baixa de Kahram City.

Hydra’s Head.
Mortos: Donahue; Hiroshi; Shimada.
Foragidos: Rhings.
Desertores: C3-9202.
Membros ativos: Nenhum.
Status: Extinto.

Levaria alguns dias até que George Lowery resgatasse os registros


escritos de Aiko Hiroshi no que havia restado da Leviathan VI após o
impacto com o prédio no nível 10 de Ksora City. A única detentora de
uma cópia era a médica Amelie Harmon, despertada na manhã de
Natal por um e-mail que a manteve submersa na leitura pelas horas
seguintes. Mas o atravessador conseguiu as últimas filmagens internas
e externas da nave, condensou-as num único arquivo e as analisou em
seu próprio computador.
Durante uma noite inteira, a gaijin esteve colada naquele estúpido
notebook com capa da Ksora Kitty e embora sentisse falta da figura
feminina, aquilo não o interessava. Mudou para as filmagens externas
e após vários minutos observando o deserto radioativo, ficou
estarrecido com o que encontrou no momento em que o sol começou
a nascer. Poderia ter enviado as imagens por e-mail para seu
contratante, no entanto, as entregou em mãos e aguardou enquanto ele
assistia no quarto de um hotel da Cidade Baixa.

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A figura meio humana e meio robótica recebeu as filmagens com
um ar pesaroso, como se soubesse o que havia nelas mesmo antes de
assisti-las e sentisse por isso.

***

Estava amanhecendo quando a porta da nave subiu e a figura de


Aiko Hiroshi surgiu e deixou Leviathan VI para trás, carregando com
dificuldade o corpo sem vida de quem parecia ser o samurai Hattori
Shimada. Cambaleava, ameaçava cair sob o peso, e logo firmava o
passo pela areia dura do deserto de Mojave. Pela radiação inalada
naquele curto percurso de vinte e um passos, Aiko poderia morrer em
um ou dois dias facilmente. Ninguém sobrevivia ao deserto radioativo
sem as cápsulas, nem mesmo alguém tão sortuda quanto Aiko.
Somente ao ver-se numa distância segura da nave que se
preparava para decolar, pousou o corpo do amante no chão e ajoelhou-
se ao lado dele. Tossiu, e limpou os lábios manchados de sangue. As
imagens se tornam difíceis nesse momento, Leviathan VI começa a se
distanciar do solo, porém foi possível notar sem erro o instante em que
a mulher retirou a katana japonesa da bainha.
Os olhos acompanharam o brilho do sol sobre a lâmina, antes que
mudasse o movimento, girando a ponta para si mesma, para o próprio
peito. Respirou, e enterrou a lâmina mortífera em sua própria carne. O
sangue espirrou na terra e o corpo caiu inerte sobre o outro. E então,
acabou.

***

A filmagem foi interrompida. O expectador baixou os olhos.


Deveria ter feito alguma coisa na última noite que a tinha visto. Tê-la
abraçado apertado. Deveria ter colocado em palavras o amor que
sentia por ela. Deveria tê-la impedido de seguir naquela missão. Ainda
estaria viva se tivesse se confessado para ela? Com toda certeza. A

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culpa esmagou o peito do expectador a ponto dele querer explodir e
suas mãos robóticas esmagaram a mesa em que se segurava. O metal
estalou e por fim desistiu, e isso não aplacou em nada a tristeza e o
ódio que sentia de si mesmo.
As lágrimas desceram quentes pelo rosto arruinado, por baixo da
máscara que alertava o perigo de umidade, e Don a arrancou antes que
os circuitos queimassem, jogando-a para um canto qualquer do
cômodo quando se levantou para andar como um animal enjaulado.
À distância, Georgie ouvia ao show de horrores sem coragem de
encarar seu contratante, pois não tinha palavras que bastassem para
consolá-lo. Também sentiria falta de Aiko. Também sentia a culpa. Se
ao menos a tivesse acompanhado... Lamentava porque, no fundo,
também a amava mais do que gostaria de admitir. Ele não tinha
aceitado os trinta mil crowns que Don pretendia pagar pelo resgate de
Aiko e de James Donahue.
Os passos ecoaram pelo quarto, cada vez mais rápido, e então
pararam de repente com um estrondo, do corpo engenhado caindo no
chão encolhido como uma criança. Georgie arriscou erguer a cabeça e
encontrou os olhos escuros fitando-o, enfurecidos, insanos,
aterradores naquela face destruída. Involuntariamente, deu um passo
para trás e levou a mão à sua pistola, pronto para se defender caso a
besta tentasse ataca-lo. Mas não era para ele que a fúria da criatura
semi-humana se dirigia.
— Eu vou caminhar sobre as cinzas daquela corporação... Eu vou
ouvir os gritos dos mercenários enquanto queimam até os ossos... Eu
vou esmagar os crânios dos líderes para banhar o chão com aquele
sangue maldito...
Um sorriso metálico se formou no rasgo que ele possuía no lugar
da boca. O sorriso debochado e doentio de Seiji Hiroshi se alargou ao
ver o medo no rosto do amigo, e então jurou com uma gargalhada.
— Eu vou destruir a Shadow-Okan!

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