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Artigo de Revisão
Trabalho realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, RS.
U NITERMOS: Doping. Esteróides. Testosterona. Andro- tiva de tratar ou prevenir lesões decorrentes da
gênios. Abuso de drogas. prática de esportes3. Os EAA têm sido abusados,
também, por não atletas com fins estéticos, pelo
KEY WORDS: Steroids. Doping. Testosterone. Androgens. desejo de ganhar peso e melhorar a aparência 3,4,8,9,
Drug abuse.
sendo muitas vezes associados ao uso de álcool,
cocaína e outras drogas ilícitas para promover
agressividade 3,4. É particularmente perturbador o
aumento da freqüência do seu uso entre os adolescen-
INTRODUÇÃO
tes10, conforme detectado em estudos internacionais.
Os EAA chegam ao Brasil provenientes dos Es-
Os esteróides anabólico-androgênicos (EAA) são tados Unidos, Alemanha, Espanha, França, Ar-
um grupo de compostos naturais e sintéticos for- gentina, Uruguai ou Paraguai com muita facilida-
mados pela testosterona e seus derivados 1 . A de e sem qualquer tipo de fiscalização. De acordo
testosterona é sintetizada desde 1935 e durante a com a Secretaria de Vigilância Sanitária, até hoje
2ª Grande Guerra foi utilizada pelas tropas alemãs não há qualquer disposição legal ou regulamentar
para aumentar a agressividade dos soldados. Seu que imponha controle de comercialização e uso de
uso terapêutico até esta época, restringia-se ao tais substâncias, ou seja, o Brasil não tem legisla-
tratamento de pacientes queimados, deprimidos ção específica no controle sobre anabolizantes 11.
ou em recuperação de grandes cirurgias 2. Nos anos Em reunião realizada dia 6 de novembro de 1997,
50, foi utilizada sob forma oral e injetável no o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN)
tratamento de alguns tipos de anemia, em doenças propôs que os EAA sejam avaliados pelo Ministério
com perda muscular, bem como em pacientes pós- da Saúde para posterior medidas por parte das
cirúrgicos para diminuir a atrofia muscular se- autoridades quanto ao controle mais rígido da
cundária 2 . comercialização e importação dos produtos farma-
Em 1939 foi sugerido que sua administração cêuticos que os contém. Também foi proposto que
poderia melhorar a performance de atletas 2 , mas a o Ministério Extraordinário dos Esportes promova
primeira referência ao uso de hormônios sexuais campanha nacional de esclarecimento das conse-
para melhorar o desempenho de atletas ocorreu qüências do uso e abuso dos EAA e a realização de
em 1954 1,3, em um campeonato de levantamento de exames anti-doping nas competições nacionais 11.
peso em Viena, e seu uso tornou-se difundido com Em nosso meio, no Serviço de Informação de
este fim a partir de 1964 1,4. No Brasil, os EAA são Substâncias Psicoativas (SISP), o número de solici-
considerados “doping”, segundo os critérios da tação de informações sobre os EAA vêm crescendo
Portaria 531, de 10 de julho de 1985 do MEC 1,6, gradativamente, pois o uso indevido tem sido en-
seguindo a legislação internacional. O termo “do- contrado entre frequentadores de academias de
ping” deriva de um dialeto africano e refere-se a musculação, atletas de halterofilismo, pessoas de
uma bebida estimulante usada em cerimônias re- baixa estatura, na tentativa de melhorar a aparên-
ligiosas 1. O Comitê Olímpico Internacional define cia, ou com o fim de melhorar a performance sexual
como “doping” o uso de qualquer substância exó- ou para a diversão. No entanto, o uso abusivo e
gena ou endógena em quantidades ou vias anor- indiscriminado pode ocasionar efeitos colaterais
mais com a intenção de aumentar o desempenho do graves, os quais são desconhecidos por muitos usu-
atleta em uma competição 5 . ários. Este trabalho tem como objetivo contribuir
O uso ilícito dos EAA dá-se por atletas na crença para divulgar informações sobre tais substâncias.
de que essas drogas aumentam a massa muscular,
a força física e a agressividade em competições, e Epidemiologia
diminuem o tempo de recuperação entre exercícios A incidência de uso dos EAA parece ter aumen-
intensos 1,7. Também é descrito o uso pela expecta- tado consideravelmente nos últimos anos nos Es-
As diferentes formas de uso dos EAA com outros esteróides deveriam, portanto, saber da importân-
medicamentos também são problemáticas. Os EAA cia de manter uma dieta rica em calorias e pro-
são freqüentemente utilizados por atletas conco- teínas a fim de obter o maior benefício possível do
mitantemente com outras substâncias como hor- efeito anabolizante 1,5. Também é importante res-
mônio do crescimento ou gonadotrofina coriônica saltar que há discussões quanto a eficácia destes
humana e tamoxifen para mascarar os efeitos hormônios em aumentar a força física. Nem au-
colaterais ou potencializar os efeitos anabólicos 13. mento de peso, nem aumento de força podem ser
Por outro lado, existem várias combinações de consistentemente observados quando atletas
EAA com vitaminas, estrógenos e outros medica- usam andrógenos em doses farmacológicas em es-
mentos12. As altas doses que costumam ser utiliza- tudos duplo-cego, conforme revisado por outro
das, 10-100 vezes maiores que a dose terapêutica, autor. No entanto, ainda faltam estudos em que a
justificam os efeitos tóxicos adicionais, uma vez administração dos EAA é feita com um dos padrões
que os receptores farmacológicos específicos são habitualmente utilizado pelos atletas, o que pode-
saturados com doses bem inferiores a estas1. ria comprovar esta eficácia dos agentes em ques-
tão 19 . É reconhecido que os EAA podem aumentar
Efeitos desejados e indesejados dos EAA a força muscular através de efeitos psicológicos 1,
Os andrógenos desempenham diferentes fun- mas existe dúvida se os EAA melhoram a força
ções conforme o período da vida. No período embri- muscular na ausência de exercícios concomitan-
onário viriliza o trato genital, desenvolvendo o tes. O aumento da força e da massa muscular deve-
fenótipo masculino. No período neonatal, prova- ria, portanto, ser estimulado com exercícios especí-
velmente está envolvido no desenvolvimento de ficos, o atleta deveria ser treinado intensivamente
funções cérebrais, determinando os comportamen- antes do regime com esteróides e deveria continuar
tos masculinos. Na puberdade leva ao desenvolvi- o treinamento durante o uso, sempre mantendo uma
mento físico, promovendo a virilização externa12. dieta hipercalórica e hiperproteica 1,5.
Apesar de não existirem esteróides anaboli- Os efeitos adversos físicos e psicológicos dos
zantes puros, como salientamos, já que todos EAA EAA permanecem incompletamente documenta-
agem em um único receptor que modula de forma dos, havendo mais comumente envolvimento he-
indissociável os efeitos androgênico e anaboli- pático, endócrino, músculo-esquelético, cardio-
zante1,2,4, a separação destes dois efeitos pode ser vascular, imunológico, reprodutivo e psicológico 1,
feita com objetivos didáticos. Dentre os efeitos que podem ser divididos em três tipos, conforme
anabólicos, destacam-se o aumento da massa mus- detalhamos no quadro 1: efeitos virilizantes; efei-
cular, da concentração da hemoglobina, do hema- tos feminilizantes, mediados pelos metabólitos
tócrito, da retenção de nitrogênio, da deposição de estrogênicos do esteróide; e efeitos tóxicos, geral-
cálcio nos ossos e diminuição das reservas de gor- mente mediados por mecanismos incertos12.
dura do corpo. Dentre os mecanismos anabólicos Dentre os efeitos virilizantes, salientam-se o
desencadeados para aumento da massa muscular, aumento da libido, aumento do pênis, tom de voz
incluem-se: aumento da síntese protéica via RNA mais grave, distribuição masculina dos pêlos pu-
mensageiro, balanço nitrogenado positivo, inibi- bianos, aumento de secreção das glândulas sebáce-
ção dos efeitos catabólicos na massa muscular as e aumento dos pêlos faciais. A acne, comum em
esquelética, estimulação da formação de osso, ini- usuários, está relacionada ao aumento das glându-
bição do catabolismo protéico e estímulo da eritro- las sebáceas e a maior secreção por estas 12 . Dentre
poiese. Os efeitos anabólicos ocasionam retenção os efeitos virilizantes em mulheres, salienta-se a
de nitrogênio, um constituinte básico da proteína, irreversibilidade do aumento do clitóris e da alte-
promovendo assim crescimento e desenvolvimento ração da voz para um tom mais grave 4.
de massa muscular através da uma melhor utiliza- A administração de hormônio exógeno, a partir
ção da proteína ingerida. Esse é um fenômeno de 15 a 150 mg/dia, já causa significativa dimi-
temporário devido aos mecanismos homeostáticos nuição da testosterona plasmática, intensifican-
do organismo. Os EAA têm efeito anticatabólico do os efeitos feminilizantes. Há atrofia testicular
sobre os tecidos corporais por competirem pelos que pode ser irreversível (castração química) e
receptores dos glicocorticóides que são liberados azoospermia por inibição da secreção de gonado-
durante os episódios de estresse dos exercícios trofina, bem como pela conversão dos andrógenos
intensos. Este efeito contribui para aumentar a em estrógenos 12 . A ginecomastia é freqüente-
massa muscular através da inibição da degradação mente irreversível enquanto que o tamanho testi-
protéica 1. cular tende a normalizar após a descontinuação
Os atletas que fazem uso de anabolizantes do uso 23. A ginecomastia subareolar, que pode ser
Endócrino/Reprodutivo1,6,7,21 Psicológicos1,2,3,4,7,12,24,25
Mulheres: * Comportamento agressivo (V)
* Masculinização (V) * Aumento/diminuição da libido
* Hirsutismo (V) * Flutuações repentinas do humor (T)
* Voz mais grave (V) * Dependência (T)
* Hipertrofia de clitóris (V) * Psicose (T)
* Atrofia mamária (V) * Episódios maníacos e/ou depressivos (T)
* Irregularidades menstruais (oligo/amenorréia) (V) * Ideação/tentativa de suicídio (T)
* Aumento da libido (V) * Depressão quando da retirada (T)
* Diminuição das gorduras corporais (V) * Ansiedade (T)
* Alteração do metabolismo glicídico (resistência à insulina, intole- * Euforia (T)
rância à glicose) (F) * Irritabilidade (T)
* Alteração do perfil tireoideo (diminuição T3, T4, TSH e TBG)
Subjetivo1,2,
Cardiovascular/Hematológico1,2,6,7,9 * Edema (T)
* Espasmo muscular
* Aumento do colesterol total * Aumento do débito urinário
* Diminuição do colesterol HDL * Uretrite
* Aumento do colesterol LDL * Dor escrotal
* Hipertensão (retenção de sódio e água) * Cefaléia (T)
* Anormalidades hematológicas, como aumento da agregação * Tontura (T)
plaquetária, com aumento das proteínas de coagulação facilitan- * Náusea (T)
do a possibilidade de trombose e IAM
* Infarto miocárdico Músculo-esquelético 1,2,6,22
uni ou bilateral, deve-se a conversão dos estró- estudantes que usam álcool, tabaco e outras dro-
genos em estradiol e estrona no tecido extra- gas, incluindo EAA, são mais facilmente envolvi-
glandular. O tratamento médico com agentes dos em atitudes imprudentes e comportamento
anti-estrogênicos como tamoxifen, pode ser ten- socialmente inapropriado3 . Alguns estudos suge-
tado para a redução do tamanho e da dor causada rem que os EAA podem causar hipomania 23 e,
pela ginecomastia, mas quando o aumento da talvez, sintomas psicóticos enquanto estão sendo
mama torna-se um problema psicológico ou esté- usados 4,12. Por outro lado, a sua interrupção deter-
tico para o paciente, a mastectomia subcutânea é mina uma síndrome de abstinência caracterizada
o tratamento recomendado 1,20 . por sintomas adrenérgicos e craving (“fissura”)4,25,
O extenso metabolismo dos EAA orais leva a podendo, além disso, causar depressão maior 4,12.
hepatotoxicidade importante 1. A icterícia deve-se
a estase e acúmulo de bile em porções centrais dos CONCLUSÃO
lóbulos hepáticos, sem obstrução dos ductos maio-
res e, se ocorre, é geralmente após 2 a 5 meses de Os potenciais riscos de uso de altas doses de
uso. Os testes de função hepática como a bilirru- EAA ultrapassam os possíveis benefícios para a
bina e fosfatase alcalina mostram-se elevados. A performance atlética e seu uso deve ser desenco-
severidade das alterações é dose dependente. As rajado firmemente.
anormalidades na função hepática são geralmente Dados sugerem que os atletas usuários de EAA
reversíveis com a descontinuação da droga 1 . A participam de atividades esportivas menos por
colestase está quase sempre associada ao uso de prazer e mais por fatores “extrínsecos”- melhorar
derivados 17-α-alquilados, mas o mecanismo de o currículo ou para agradar às expectativas de
ação não está claro. A colestase induzida por pais, treinadores e amigos. A pressão intensa a que
esteróides é, usualmente, rapidamente reversível esses indivíduos estão submetidos pode, conscien-
após a parada do uso, raramente perdurando por te ou inconscientemente, encorajar atletas adoles-
vários meses 21. centes a assumirem um comportamento de superi-
Verificou-se também um aumento nas lesões oridade competitiva. Portanto, tentativas de parar
músculo-tendinosas em usuários, explicada pelo ou prevenir o uso de EAA devem incluir não só
aumento da força muscular com concomitante di- atletas, mas também contatos significativos, como
minuição da elasticidade dos tendões, gerando colegas, familiares, supervisores e treinadores.
maior risco de ruptura e distensões1. Os efeitos dos Parece claro que, atualmente, informações er-
EAA na indução de patologia de tendões, em com- radas ainda prevalecem sobre as informações
binação com exercícios, está bem documentada em farmacológicas corretas nos círculos esportivos. É
experimentos com animais, relacionada com alte- necessária informação, educação e divulgação das
rações ultraestruturais nas fibras colágenas e implicações do uso insdicriminado e não-terapêu-
acompanhada de alterações nas propriedades me- tico destas drogas para melhorar a habilidade de a
cânicas22. lidar com os problemas técnicos e de saúde associ-
Os esteróides, particularmente quando utiliza- ados ao uso destas por atletas e não-atletas.
dos em grandes doses por atletas, podem causar Apesar do CONFEN ter solicitado providências
sérios distúrbios do humor, com substancial mor- a Secretaria de Vigilância Sanitária (29.6.95) para
bidade para estes e, possivelmente, para as víti- que se estabeleça possível controle na comer-
mas de sua irritabilidade ou agressão 23 , havendo cialização de tais produtos - esteróides, anabo-
uma maior associação entre uso de EAA e persona- lizantes e “hormônios” - através de receituário e
lidade anti-social e narcisismo patológico 24. Estu- adequação dos locais de venda, ainda hoje discute-
dos entre atletas usuários e não-usuários de EAA, se se os EAA devem ou não ser considerados subs-
demonstraram que os primeiros apresentam maior tâncias semelhantes aos psicotrópicos, e devem
agressividade, impulsividade e menor cooperati- ser tão intensamente regulados e fiscalizados. Não
vidade do que os demais 10 . A agressividade, um resta dúvida, no entanto, que os malefícios do
sintoma muito freqüente, foi implicada em mais de abuso durante a adolescência podem ser graves o
um caso em que usuários cometeram crimes, inclu- suficiente do ponto de vista físico e psicológico
sive assassinatos 1,3,23. Não se sabe, entretanto, se para que seja feita a regulamentação da distribui-
há maior agressividade nos indivíduos que usam ção do medicamento para esta faixa etária.
EAA ou se indivíduos mais agressivos fazem mais
uso de EAA, bem como não se sabe se é o uso dos Adendo: "Conforme a Portaria 344, de 12 de
EAA, especificamente ou de outras drogas associa- maio de 1998, publicada no Diário Oficial da
das, que geram tais comportamentos, uma vez que União, emitida no dia 1 de fevereiro de 1999,
o controle e fiscalização da produção, comér- 10. Burnett KF, Kleiman ME. Psychological characteristics of
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