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Ana Lúcia Marques Gasbarro é graduada em Pedagogia pela Universidade Paulista - UNIP (1987), com habilitação
em Administração Escolar, Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Magistério para o 2º Grau. É pós-graduada em
Psicopedagogia (1991), na modalidade lato sensu, e tem mestrado em Educação (1997) também pela UNIP.
Foi professora pré-escolar e do Ensino Fundamental I em escolas particulares da cidade de São Paulo (1981 a
1986), coordenadora técnica do Centro de Vivência Infantil do SESI de Osasco e supervisora de novas unidades em
várias cidades do Estado de São Paulo, de 1987 a 1992.
É professora do curso de Pedagogia da UNIP desde 1992, em várias disciplinas, e atua na EaD desde 2007, nas
disciplinas de Estrutura e Organização da Educação Infantil, Correntes Pedagógicas da Educação Infantil, Práticas e
Projetos na Educação Infantil, bem como elabora os respectivos livros-textos dessas disciplinas.
172 p. il.
CDU 37.01
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permissão escrita da Universidade Paulista.
CENTRO UNIVERSITÁRIO PLANALTO DO DISTRITO FEDERAL – UNIPLAN
Reitoria
A disciplina Estrutura e Organização de Escola de Educação Infantil (EOEEI) tem como objetivo
proporcionar condições para que os estudantes possam desenvolver as seguintes competências básicas:
Portanto, essa disciplina tem como principal objetivo provocar a reflexão sobre o trabalho realizado
nas escolas para crianças de 0 a 5 anos de idade. Essa faixa etária possui características especiais, como
a dependência física dos bebês e, por isso, as ações precisam ser muito bem planejadas.
A questão da precocidade com a qual as crianças têm ingressado nas instituições também é
importante, pois as mulheres que trabalham como empregadas têm direito à licença-maternidade, hoje
de seis meses de duração. Porém, aquelas que são profissionais liberais muitas vezes precisam retornar
rapidamente às suas atividades para manterem os ganhos financeiros.
Por vários motivos, esse nível de ensino anteriormente não tinha a devida importância no contexto
educacional mais amplo e daí a necessidade de repensar alguns aspectos relevantes.
O primeiro deles é a formação dos professores de Educação Infantil, cuja função tem especificidades
relacionadas à idade das crianças atendidas que, por um lado, ainda são dependentes do adulto e, por
outro devem, gradativamente, conquistar autonomia.
Também é preciso pensar nas relações existentes entre os períodos históricos e as funções assumidas
pelas instituições de Educação Infantil, que desencadeavam um tipo de atendimento que acompanhava
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as necessidades políticas, econômicas e sociais, as quais nem sempre privilegiavam o desenvolvimento e
a ampliação de aprendizagem das crianças.
As atuais alternativas curriculares para a educação infantil que, de acordo com as diretrizes e os
referenciais devem ser adequadas aos diversos contextos socioculturais das crianças, merecem atenção
num país com tanta diversidade.
Além desses pontos, também são relevantes a importância e o significado da intervenção educacional
de qualidade nesse nível de ensino, desde os primeiros anos de vida, para a formação da cidadania. O
incentivo à participação do indivíduo na sociedade da qual faz parte por meio de instrumentos como a
leitura, a escrita, a informática, entre outros.
Essas reflexões são algumas entre tantas outras que podem surgir nos mais diversos cenários dos
variados lugares, nos quais os professores com as mais diferentes características e experiências podem
atuar, e são indispensáveis à pessoa que pretende trabalhar com educação infantil.
INTRODUÇÃO
Refletir sobre a educação infantil é uma necessidade, em função de toda trajetória desse nível de
ensino, uma vez que, popularmente e equivocadamente, o conceito é de que a criança entre o nascimento
e os seis anos de vida vai à escola somente para brincar, o brincar é visto de forma pejorativa, como se
não tivesse uma série de implicações importantes para o seu desenvolvimento.
Outro conceito bastante comum é o de preparar a criança para o Ensino Fundamental, considerado,
muitas vezes, o nível de ensino mais importante. É fato que a criança que frequenta a escola de Educação
Infantil ingressa no Ensino Fundamental melhor preparada que uma criança que nunca viveu essa
experiência, mas daí a colocá-la a serviço de outros níveis de ensino é um pensamento extremamente
reducionista para o infinito potencial dela.
Além disso, por muitos anos, os profissionais da Educação Infantil tiveram suas atividades ainda mais
desvalorizadas do que a dos professores de outros níveis de ensino. Houve um tempo em que o professor
iniciante era escolhido para ficar com as turmas de infantil para “ganhar experiência” e, então, dizia-se
que ele era promovido quando assumia uma sala no Ensino Fundamental.
Por todas essas observações, é preciso que o jovem em formação tenha plena consciência da
importância de seu papel para a valorização da escola de Educação Infantil. Se o que se pretende é
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que esse nível de ensino ganhe o destaque que merece, as primeiras mudanças estão nas mãos dos
profissionais.
O professor em contínua formação e revisão de seus conceitos, que pretende melhorar a qualidade
no atendimento às crianças pequenas, precisa refletir diariamente sobre a sua prática. É um exercício
de avaliação que implica em rever as atitudes tomadas, selecionar as mais adequadas e descartar
aquelas que foram influenciadas por sentimentos menos nobres e impregnadas de modelos tradicionais,
autoritários e arbitrários.
É possível fazer da Educação Infantil um nível de ensino com o merecido valor, mas para tanto é
preciso que os profissionais estejam empenhados em fazer dela uma escola de verdade. Fazendo uma
analogia com os contos de fadas que estão sempre presentes no cotidiano escolar, a Educação Infantil
deve deixar de ser pseudoescola, fantasiosa, para ser uma escola de verdade, assim como sonhava
Pinocchio em deixar de ser um menino de madeira, duro, para ser um menino de verdade.
Figura 1
Para quem não conhece, resumidamente, Pinocchio é um tradicional conto italiano que trata da
história de um boneco de madeira entalhado por um hábil marceneiro chamado Gepeto. Como o sonho
desse marceneiro é ter um filho, a fada Azul dá vida a Pinocchio e promete transformá-lo em um
menino de verdade, se apresentar bom comportamento. Porém, para ele é muito difícil descobrir o
mundo sem entregar-se aos vícios e prazeres humanos e, para esconder seus defeitos, acaba mentindo
corriqueiramente, o que faz crescer-lhe o nariz a cada episódio. A fada concede mais uma chance e, para
ajudá-lo, lhe dá um grilo falante como conselheiro, mas Pinocchio não escuta a voz da consciência até
que de tantas bobagens que faz coloca a vida de seu pai, o marceneiro, em risco. Ao salvar Gepeto do
perigo, Pinocchio transforma-se então em menino de verdade, pelo ato de coragem, pela demonstração
de arrependimento por seus erros e pelo imenso amor que prova sentir por seu pai.
Creio que a Educação Infantil possa transformar-se em escola, não pela magia das fadas, mas
pela ação de profissionais reais, verdadeiramente apaixonados e comprometidos com a profissão que
escolheram.
Enfim, o trabalho pedagógico na escola de Educação Infantil tem objetivos sérios de aprendizagem.
A criança não tem que crescer para ser valorizada como pessoa ou para ter o seu trabalho escolar
considerado importante.
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De acordo com as pesquisas na área da psicologia relacionadas ao construtivismo, é grande
o desenvolvimento das crianças até os seis anos de idade. Nesse período ocorrem avanços muito
significativos na linguagem, nos movimentos, na socialização, entre tantos outros, e não se pode tratar
de forma displicente o trabalho educativo com essa faixa etária.
A expectativa é de que os textos que seguem possam sensibilizar os futuros professores para uma
atuação reflexiva que se transforme em conduta profissional honesta e competente, para formar os
pequenos e fazê-los cidadãos criativos, participativos em seu meio social, capazes de agir individual e
coletivamente com autonomia e senso de justiça.
Que essa formação possa capacitar os professores para a sua real função de facilitar a aprendizagem
das crianças, especialmente no Brasil, um país no qual muitas crianças chegam ao Ensino Fundamental
II sem as principais ferramentas de aprendizagem: a leitura e a escrita. Esses pequenos cidadãos não
podem avançar em seus conhecimentos se não souberem interpretar as informações com as quais se
deparam.
A educação não é, sozinha, capaz de transformar a sociedade, mas pode contribuir muito. Se cada
pessoa e, especialmente, cada professor cumprir com seus deveres, a infância pode conquistar, de fato,
seus direitos.
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Unidade I
1 INFÂNCIA
Antes do Renascimento não havia preocupação e atenção com as crianças pequenas e isso pode ser
observado nas obras de arte, nas quais as crianças eram retratadas com feições que continham muitas
características de adultos.
Marcos Cezar de Freitas organizou o livro História Social da Infância no Brasil, e o capítulo intitulado
A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem, escrito por Miriam Leite Moreira, é fruto
da análise de cartas e registros de viajantes em várias cidades brasileiras nesse período histórico.
Esses autores relatam que a infância começa a receber atenção na medida em que os problemas
relacionados ao abandono, aos elevados índices de mortalidade e, principalmente, à criminalidade
infantil começam a incomodar a sociedade, deixando escancarada a incompetência ou a negligência
das famílias e dos órgãos governamentais em cuidar de suas crianças.
Antes do século XIX eram raros os documentos que apresentavam dados estatísticos relacionados,
especialmente, às crianças menores de três anos. Até mesmo os existentes mostravam resultados
desconectados de um ano para outro, o que não lhes confere confiabilidade.
Não se falava de crianças e não se ouvia as crianças. Elas passavam tão despercebidas que alguns
documentos tratavam as crianças de até três anos de idade pelo termo desvalidas. As maiores, por
desvalidos em pé, “que designavam aquelas que já andavam e, portanto, podiam desempenhar pequenas
tarefas” (LEITE in FREITAS, 2009, p. 21).
A desvalorização da criança como um ser humano era comum e os adultos a tratavam com pouca
consideração e, especialmente as negras, praticamente como animaizinhos de estimação, como se pode
verificar em uma das cartas de Kidder & Fletcher, de 1853, transcritas por Miriam Leite:
Nas casas de muitos dos flamenguistas ricos, pode-se atravessar uma fila
de crianças de cabeça lanosa, na maioria despidas de qualquer roupa, que
têm licença de correr por toda a casa e de se divertirem vendo as visitas. Nas
famílias que têm alguma tintura de costumes europeus, esses desagradáveis
bípedes são conservados no quintal. Um dos meus amigos costumava
jantar frequentemente em casa de um velho general, da alta sociedade, em
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Unidade I
torno cuja mesa pulavam dois pequeninos pretos de azeviche, que quase se
penduravam no “pai” (como eles o chamavam) até receberem o seu bocado
de comida das mãos deste, e isso se dava antes mesmo do general principiar
o jantar. Aonde quer que as senhoras da casa se dirijam, esses animaizinhos
de estimação são colocados nas carruagens, e considerar-se-iam muito
ofendidos em serem esquecidos como qualquer filho espoliado. Eles são
filhos da ama de leite da dona da casa, a que ela concedeu alforria. E, de
fato, toda ama fiel é, geralmente, recompensada com a alforria (LEITE in
FREITAS, 2009, p. 35).
A expressão “preto de azeviche” está relacionada à cor das crianças. Azeviche é uma pedra de cor negra
que, de acordo com o Dicionário Aurélio, é uma “variedade compactada de linhito, usada em joalheria” e,
de maneira figurativa, a palavra pode ser usada para referir-se a uma coisa de tom muito negro.
Portanto, percebe-se que não havia conhecimento sobre a infância como uma fase da vida do ser
humano. Para muitas pessoas, naquele tempo, a criança negra não tinha sentimentos e podia ser tratada
com total desprezo.
Essa desvalorização da infância não ocorria apenas nos centros urbanos como também em
comunidades mais isoladas e primitivas. O aborto e o infanticídio entre negros e índios também ocorriam
como práticas normais, parte da cultura das mais variadas organizações sociais.
No Brasil, o infanticídio por métodos cruéis, como enterrar o bebê vivo, ainda é praticado por cerca
de vinte tribos, a maioria delas localizada no Parque Nacional do Xingu. Os motivos para tamanha
barbaridade variam entre o nascimento de bebês gêmeos, pois somente um pode permanecer vivo, os
nascidos de mães solteiras, com disfunções da glândula tireoide, nanismo ou outros problemas mentais
e físicos que a comunidade não reconheça ou não consiga explicar. Apesar de serem capazes de tais
atitudes, os povos indígenas não têm por hábito abandonar suas crianças.
Ela afirma acreditar que atualmente são pouquíssimas as cidades que usam essa prática, mas de
qualquer maneira, mesmo que haja menos crianças atingidas, o procedimento ainda existe.
Na Índia, o governo vem incentivando as famílias a cuidarem melhor de suas meninas. Um novo
programa em defesa da condição feminina estabelece que a família que fizer a filha chegar à maioridade
solteira e com estudos concluídos receberá um bônus em dinheiro. Com isso, espera-se evitar o grande
número de abortos praticados em função do sexo do bebê, o infanticídio e os maus-tratos às meninas.
Talvez a proximidade geográfica indique alguma semelhança nos costumes desses dois povos.
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Assim, pode-se perceber como a vida, em sua fase inicial, tem pouco valor. Crenças, culturas, interesses
financeiros podem determinar quando um bebê pode ou não sobreviver, se poderá ou não receber certos
privilégios, de acordo com o sexo e a cor da pele.
Saiba mais
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u389427.shtml
http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/04/16/ult5772u3629.jhtm
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=vie
w&id=5232&Itemid=2
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110218/not_imp681067,0.php
Retomando os estudos de Leite (2009), a partir do século XIX já existiam documentos com dados
relacionados à mortalidade infantil e estes demonstravam índices elevadíssimos. Havia negligência
das famílias, falta de higiene, de saneamento básico, crenças sobre os cuidados para a cicatrização do
umbigo, alimentação inadequada, pouca idade da mãe para dar à luz, porém, segundo a autora, era alta
também a quantidade de crianças que morria no seio de famílias zelosas, pois não havia vacina, muitas
doenças eram desconhecidas e ninguém sabia como tratá-las.
Uma ama de leite era alugada por valores superiores a escravas que faziam outros serviços e seus
donos, durante a gravidez, lhe davam certos privilégios para que valesse mais por ocasião do aluguel. Por
isso, ter uma ama de leite, além de costume da época, era um símbolo de riqueza e poder social.
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Unidade I
Também o uso de roupas só era considerado necessário após os quatro ou cinco anos de idade, ou
quando as crianças iam à igreja, ou ainda quando a família fosse receber visitas.
Segundo Leite (2009), as crianças, principalmente as filhas de escravas, eram largadas, pois as mães
retornavam aos trabalhos geralmente três semanas após o parto. Perambulavam pela casa sem roupas
e sujas, comiam um mingau feito de polvilho oferecido, muitas vezes, por outras crianças. Por volta dos
sete anos de idade, dormiam todas amontoadas em quartos sem ventilação adequada.
Se a escravidão era algo negativo, a Lei do Ventre Livre não melhorou a situação, pois acabou
provocando o abandono de muitas crianças, uma vez que os donos de engenho não queriam arcar com
as despesas dos pequenos que não seriam, no futuro, seus escravos.
Sobre o abandono de crianças, o texto de Maria Luiza Marcilio, A roda dos expostos e a criança
abandonada na história do Brasil colonial: 1726-1950, também na obra organizada por Freitas, colabora
com o assunto e enriquece o entendimento sobre as concepções de infância.
A abolição da escravatura colaborou com o aumento da pobreza, já que os escravos libertos foram
dispensados por seus antigos donos e não havia trabalho suficiente para todos, o que, por consequência,
ocasionou o aumento do número de crianças abandonadas.
Muitas crianças, especialmente no Brasil, por uma questão cultural e religiosa relacionada ao sentimento
de compaixão e caridade, eram acolhidas e criadas por famílias adotivas. Outros casais, por interesse,
assumiam as crianças para que, quando crescessem, ajudassem na divisão das tarefas domiciliares.
Sensibilizados com a situação das crianças que morriam antes de conseguirem ser resgatadas por
famílias que as acolhessem e adotassem, vários governadores de estados no Brasil solicitavam ao Rei
de Portugal autorização para a abertura de rodas de expostos, argumentando que a sociedade seria
beneficiada se essas crianças pudessem sobreviver e ser adequadamente educadas.
Essas rodas eram um tipo de móvel construído em madeira com formato circular, contendo uma
abertura em apenas um dos lados e com algum tipo de material acolchoado no fundo. Eram fixadas
nos muros ou janelas das instituições com o objetivo de receber crianças cujas famílias não pudessem
ou não quisessem criar. A criança era deitada no lado da abertura da roda que, quando girada em seu
eixo, mandava o bebê para dentro do prédio sem que o depositário fosse visto. Essas rodas podem ser
vistas em alguns museus brasileiros, como o da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) na Bahia, o Museu do Cangaço em Pernambuco, e as fotos
podem ser acessadas em seus endereços eletrônicos.
Segundo Marcilio (in FREITAS, 2009), a roda dos expostos surgiu do uso inadequado da roda dos
mosteiros. Na Idade Média, os monges enclausurados não podiam ter contato com o mundo externo
e, por isso, no muro ou janela do mosteiro havia instalada uma roda na qual eram depositados os
objetos, alimentos e recados. Ao girar a roda, o objeto ia para dentro do muro e os internos não tinham
qualquer contato com o entregador. Com o passar do tempo essas rodas começaram a ser usadas por
pais que não podiam ou não queriam criar seus filhos, na esperança de que fossem cuidados e educados
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
adequadamente pelos monges. Desse uso indevido surgiu, na Itália, a oficialização da roda dos expostos
que acabou por difundir-se pela Europa, e essa prática posteriormente chegou ao Brasil.
As casas dos expostos eram as instituições que possuíam uma roda de expostos para acolher crianças
abandonadas, mas muitas delas, assim como ocorria anteriormente à implantação do sistema, ainda
morriam antes mesmo de chegar a essas instituições. Entre os motivos constavam a fome, o frio, ataques
de animais, já que eram abandonadas em caminhos desertos e portas de igrejas.
Assim como na atualidade, em que muitas vezes vemos nos noticiários os desvios de verbas ou o
superfaturamento de merenda nas escolas, já naquela época a difícil situação da infância era usada para
obter lucro.
Nas casas dos expostos, os níveis de mortalidade infantil também eram bastante altos, e a ciência
da época, com suas descobertas e os modelos higienistas, condenava essas casas exatamente por esse
motivo, solicitando, portanto, a desativação das mesmas.
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Unidade I
Segundo Marcilio (2009), no início do século XX restavam somente as rodas de expostos de São
Paulo, Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro, pois as demais haviam sido extintas. Começaram a surgir
então, a partir de 1930, outros tipos de instituições, com caráter filantrópico, para acolher as crianças
abandonadas. Algumas delas tinham grande amplitude de ação, como a Liga das Senhoras Católicas e
o Rothary Club.
Somente em 1960 ocorrem mudanças significativas de assistência à infância. Em 1964 foi criada a
FUNABEM, Fundação Para o Bem Estar do Menor, com o objetivo de criar e implantar programas para
menores em situação de risco de marginalização, oferecendo-lhes oportunidades de integração social.
Na Constituição elaborada em 1988 é explicitada uma série de direitos do cidadão que incluem,
é claro, a criança e o adolescente, bem como a responsabilidade das famílias em relação à proteção
e educação do menor de dezoito anos. O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei 8069, de
13 de julho de 1990, apresenta considerações importantes, entre elas, no Título I - Das Disposições
Preliminares, a determinação da faixa etária da criança e do adolescente:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Ainda no Título I, a lei estabelece a garantia ao desenvolvimento integral da criança enquanto pessoa
que é e aos privilégios de proteção, e deve ter como direito:
No Título II sobre os Direitos Fundamentais, o Capítulo I trata do Direito à Vida e à Saúde e explicita
que todo cidadão deve ter direito à vida:
Ou seja, atualmente, os governos precisam dar condições para que as mães realizem o pré-natal,
a fim de que a criança seja acompanhada na fase gestacional e possa nascer com saúde. Também é
obrigatório o exame laboratorial ou triagem neonatal, popularmente chamado de teste do pezinho,
assim que a criança nasce. Além disso, a mãe que abre mão de seu filho deve contar com o respaldo do
serviço social no próprio hospital em que deu à luz, pois os casos de abandono que coloquem em risco
a sobrevivência do bebê serão considerados atos criminosos.
Figura 2 Figura 3
Ainda no Título II sobre os Direitos Fundamentais, o Capítulo I, que trata do Direito à Vida e à Saúde,
esclarece a responsabilidade do poder público:
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Unidade I
Isso significa que toda e qualquer criança tem direito de ser amamentada pela mãe. Mesmo no caso
de mães presidiárias, os bebês devem ser amamentados pelo período que reza a lei, permanecendo em
sua companhia. Portanto, é inadmissível que sejam apresentados casos em que a mulher corra o risco de
perder seu emprego por conta da amamentação, pois é um duplo direito, o dela e o da criança.
Também no Título II sobre os Direitos Fundamentais, o Capítulo I, que trata do Direito à Vida e à
Saúde, esclarece o direito da criança aos serviços gratuitos de assistência à saúde:
Além desses documentos, também a LOAS, Lei Orgânica da Assistência Social, dispõe sobre a
organização da assistência social no Brasil, incluindo a infância e a adolescência. Assim, o estado acaba
por assumir suas responsabilidades sobre a infância e a adolescência desamparadas e, pelo menos
nos aspectos legais, as crianças passam a ser cidadãs com direitos na história do país. Mas, apesar da
importância das leis, na prática ainda há muito o que se fazer para melhorar a qualidade de vida das
crianças, não só no Brasil, mas no mundo.
Em 2005, a UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, desenvolveu uma pesquisa em oito
comunidades brasileiras localizadas nas periferias de grandes cidades, regiões de fronteiras, do semiárido
e comunidades indígenas, com o objetivo de levantar informações acerca do tratamento destinado às
crianças entre o nascimento e os seis anos de idade.
Nos resultados da pesquisa observa-se que a maioria das crianças possui acesso à água potável,
porém, o mesmo não se aplica ao saneamento básico:
Para que tenha boa saúde, a primeira necessidade de uma pessoa é dispor dos serviços básicos, mas
nem sempre é o que acontece com nossas crianças:
Além dos serviços básicos, a criança pequena ainda é bastante dependente, tanto física como
emocionalmente, e por isso precisa ser monitorada ininterruptamente, a fim de que sejam dadas
orientações quanto às suas atitudes, precisa que lhe seja oferecida alimentação adequada e que se
preste atenção a possíveis sintomas que denunciem doenças. Nesse sentido, a criança deve permanecer
constantemente com um adulto responsável, que possua nível adequado de escolaridade. No caso de
permanecer com um menor de dezoito anos, considera-se que uma criança esteja cuidando de outra
criança e, portanto, legalmente, é negligência e abandono de incapaz.
Entre os principais cuidados destinados ao bebê, pode-se citar o aleitamento materno. O ato de
amamentar o filho é demonstração de cuidado em função do reforço nas defesas do organismo para
a proteção contra doenças que o leite materno oferece. Portanto, além de um alimento natural, é
um tipo de vacina que melhora a saúde da criança, mas, infelizmente, nem sempre é aproveitado
adequadamente.
Figura 4
19
Unidade I
Além de alimentar e reforçar as defesas da criança, amamentando a mãe está demonstrando o amor
que sente por seu filho. O momento do aleitamento expressa toda a intimidade que deve existir entre a
mãe e seu bebê. Há uma intensa troca afetiva e uma valorosa relação de cumplicidade. Também é uma
declaração de amor, uma vez que a criança pequena percebe demonstrações de afeto, especialmente
pelo contato físico com outras pessoas.
Sabe-se que o período do nascimento aos seis anos de idade é extremamente importante para
conquistas físicas cognitivas e socioafetivas e que, inclusive, é nessa faixa etária que são formadas as
bases da personalidade. Ou seja, respeito às regras, valores importantes como honestidade e cooperação,
entre outros, são reconhecidos pela criança na medida em que ela vai compreendendo sua necessidade
para a convivência social e a auxilia na formação de um caráter virtuoso e sólido.
As experiências vividas por uma criança, nesse período da vida, influenciarão em sua formação de
maneira integral. Os estímulos de um ambiente seguro, tanto em termos físicos quanto emocionais, ricos
em possibilidades exploratórias, com quantidade adequada de livros, brinquedos, ajudarão as crianças
no desenvolvimento de suas potencialidades.
Reportagens sobre mortalidade infantil e os índices correspondentes a cada cidade podem ser
encontradas em vários endereços eletrônicos, assim como os relatórios da UNICEF são divulgados
periodicamente informando sobre a situação da infância e adolescência no mundo. Dessa forma, é
possível atualizar e acompanhar progressos ou retrocessos dessa área.
Em contrapartida, tanto as crianças com poder aquisitivo baixo quanto as crianças que possuem
condições de se desenvolverem em ambientes ricos em estímulos estão cada vez mais influenciadas pelos
meios de comunicação. A cultura específica de cada povo, de cada comunidade, em alguns aspectos,
corre o risco de desaparecer, pois mundialmente há um processo de padronização de comportamentos.
Nos locais onde a criança possui meios financeiros para crescer bem alimentada e estimulada, o
consumismo também ganha cada vez mais espaço.
A obesidade infantil é um fato crescente e denuncia como o elevado poder aquisitivo acaba por
gerar hábitos inadequados. O excessivo consumo de alimentos com altas taxas de açúcares, gorduras e
sódio, os lanches das lojas de comidas rápidas (fast food) exemplificam a globalização de costumes tanto
quanto a Barbie ou os jogos, especialmente os de video games conhecidos quase que mundialmente.
Então, esses produtos tornam-se objetos de desejo para crianças de todos os níveis financeiros e, dessa
forma, uniformizam atitudes e valores que não são próprios de determinadas sociedades, que não foram
transmitidos pela cultura da comunidade, pelas famílias, mas por um tipo de mídia que pouco valoriza
a educação.
A TV, generalizando a situação, transformou-se na família da criança, pois ensina o que ela deve
comer, como se vestir e se comportar. Muitos estudos das áreas da psicologia, educação e comunicação
indicam que as famílias utilizam o televisor para a função de babá e que esse hábito implica em sérios
prejuízos para a formação física e moral das crianças, pois a presença do adulto orientando e ajudando
21
Unidade I
a criança na análise crítica da programação e dos anúncios publicitários é imprescindível para que ela
tenha consciência do que é realmente necessário ou o que é supérfluo para uma vida saudável.
Até em relação à moda, observa-se que em muitos lugares as roupas infantis reproduzem o estilo
adulto e muitas crianças, especialmente as meninas, são incentivadas a usarem maquiagem, salto alto
e a dançarem com um jeito que passa longe da expressão corporal infantil espontânea e ingênua. As
crianças apresentadas em programas de TV, realizando um espetáculo ininteligível para elas, divulgando
as crenças religiosas dos adultos e, muitas vezes, sofrendo humilhações e sendo expostas a sentimentos
desagradáveis, como o medo, o terror.
Também há, atualmente, grande preocupação das famílias em preparar as crianças para o futuro
profissional; nos grandes centros urbanos elas são matriculadas em cursos de línguas, esportes, artes,
ganhando uma agenda tão repleta de atividades que são capazes de competir com a quantidade
de afazeres dos adultos e, assim, são impedidas de realizar a atividade mais corriqueira da infância:
brincar.
Depois de um dia repleto de atividades extras, afazeres e tarefas escolares, provavelmente a criança não
tem mais vontade de correr, pular, jogar bola, andar de bicicleta, mas apenas sentar-se e assistir à TV.
Saiba mais
http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca.aspx?v=
8&pid=40.
Criança também fica cansada, também pode sofrer por estresse e, por isso, também precisa de
períodos, ao longo do dia, nos quais possa fazer o que quiser para espairecer.
No caso do incentivo aos comportamentos adultos, é interessante saber que o homem é o único
animal que pode ter sua infância encurtada. Nenhuma outra espécie da natureza tem sua infância
roubada, a menos que seja morta.
Quanto às humilhações e exposições ao terror, não parecem ser compatíveis às ideias do século XXI,
mas sim a períodos da história das antigas civilizações, as quais são consideradas, na atualidade, como
atrasadas e ultrapassadas.
É fato que a infância é um período biológico na vida de vários seres vivos, mas o que as pessoas
entendem como infância, quais as características psicológicas e sociais de uma criança é resultado da
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
maneira como uma sociedade, especificamente, vê esse período da vida. A concepção de infância é
fruto de uma construção sociocultural e histórica e muitas vezes essa visão que se tem varia até entre
as famílias de uma mesma comunidade.
De qualquer maneira, independente das concepções que uma cultura possa ter sobre infância, o fato
é que há muito que fazer para que sejam respeitados os direitos básicos das crianças à vida, à saúde, ao
afeto, à educação, que não podem variar de uma sociedade para outra. É uma questão de dignidade.
A sociedade é composta de pessoas que possuem uma determinada cultura e uma história bastante
específicas, mas em qualquer circunstância devem respeitar e orientar o desenvolvimento das crianças,
ter consciência de suas características, habilidades e limitações. Os pais, avós, professores, médicos,
enfim, as pessoas assumem inúmeros papéis dentro de um contexto social, mas não podem ser meros
espectadores do crescimento das crianças. A sociedade precisa lutar pela saúde física e emocional de
sua infância.
É preciso perceber que a infância vai muito além da romântica imagem de crianças lindas, limpas,
cheirosas, fofas e ingênuas. Existe outro tipo de infância com crianças sujas, pedindo nos semáforos,
exploradas pela própria família, doentes, que em vez de brincar precisam cuidar de outras crianças. A maior
parte das pessoas não apresenta dificuldade alguma em amar a criança limpa e arrumada, mas precisa
esforçar-se para abraçar e beijar aquela que tem a aparência menos bonita. Porém, todas são crianças.
Além da cultura própria de cada sociedade, os interesses políticos exerceram marcante influência na
trajetória das instituições de Educação Infantil, gerando assim, avanços e retrocessos.
Sobre esse assunto, Jaqueline Delgado Paschoal e Maria Cristina Gomes Machado realizaram um
estudo que, segundo elas, “tem como objetivo principal analisar, criticamente, a trajetória histórica das
instituições de atendimento à criança, bem como discutir os avanços e retrocessos dessa modalidade
educacional no Brasil” (Idem, p. 1).
É importante lembrar, como elas mesmas o fazem, que “o movimento de investigar o passado permite
compreender os desafios que se coloca na sociedade contemporânea, sobretudo no que diz respeito à
ação pedagógica dos professores que atuam junto a esse nível de ensino” (Idem, p. 1).
No século XVIII, com a Revolução Industrial, surgiu a necessidade das mães saírem de seus trabalhos
caseiros e artesanais e ingressarem como mão de obra nas fábricas.
Figura 8 Figura 9
Com a industrialização, operar máquinas exigia menos força física, o que permitia a mão de obra
feminina e infantil nas fábricas.
24
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
As jornadas diárias eram longas, pois ainda não existiam leis trabalhistas que regulamentassem os
direitos e deveres dos trabalhadores, e as crianças não tinham com quem ficar.
As mulheres eram exploradas, pois o salário delas era considerado como complemento no orçamento
familiar. Atualmente, as mulheres ainda recebem salários cerca de trinta por cento mais baixos que os
homens, mesmo que ocupem o mesmo cargo e tenham as mesmas funções.
Já naquela época, em alguns casos, as crianças permaneciam com irmãos mais velhos ou outros
familiares, mas era muito frequente as crianças ficarem pelas ruas, ociosas, sujas e sem ter o que comer.
Foi então que surgiram as primeiras guardiãs, com o objetivo de retirar as crianças das ruas e dar-lhes
alimentação e cuidados, mas a qualidade desse atendimento era péssima, pois o despreparo dessas
mulheres somado ao grande número de crianças irritadas por conta da fome, entre outras necessidades
não satisfeitas, acabou aumentando as situações de maus-tratos e o índice de mortalidade infantil,
tanto que na França essas mulheres eram chamadas de “faiseuses d’anges”, que na tradução torna-se
“fazedoras de anjos”.
Porém, naquela época as epidemias eram frequentes e devastadoras, a higiene era precária, a
alimentação, deficiente e a saúde pública não conseguia conter os elevados índices de mortalidade
infantil. Atualmente, há um pouco mais de qualidade nesses aspectos.
25
Unidade I
Com a crescente demanda, surgiram os primeiros refúgios europeus para acolher crianças entre o
nascimento e os cinco anos de idade. Passaram a chamar-se “crèche“, que em francês significa berço e,
posteriormente, no Brasil, o nome foi adaptado para creche (sem o assento grave).
Somadas a essas condições vieram as duas grandes guerras mundiais, que obrigaram os homens a
se alistarem, deixando muitas famílias órfãs e sem sustento, obrigando então as mulheres a buscarem
atividades remuneradas.
Foi então que, devido ao enorme aumento na necessidade de atendimento às crianças, começaram
a ser criadas instituições, para famílias que pudessem arcar com os gastos, ou seja, as instituições
particulares de Educação Infantil.
Entre os precursores da educação infantil, alguns se destacam pelas ideias inovadoras para
determinadas épocas. Outros manifestam, principalmente, a intenção de manter as crianças ocupadas
e a importância de ensinar-lhes valores morais e obediência, como as escolas de tricotar do pastor
protestante Oberlin na França do século XVIII. De uma maneira ou de outra, todos contribuíram para a
construção de concepções que, ao longo da história, foram delineando o trabalho que atualmente se
desenvolve nas instituições de Educação Infantil.
Para se ter uma noção de como é mundialmente antiga a preocupação com a formação das crianças,
a apresentação dos diversos pensadores começa por Platão, que em 400 a.C. defendia como objetivo da
educação, no lar, o preparo para o futuro exercício da cidadania e o conhecimento do currículo que as
crianças estudariam mais tarde, com o ingresso na escola.
Ele não fez menção ao desenvolvimento da criança na primeira infância, mas considerou que
deveriam predominar os jogos e brincadeiras comuns a ambos os sexos, e a educação propriamente
dita, na escola, iniciaria aos sete anos.
Muito tempo depois, Comenius (1592-1670), educador e bispo tcheco, escreveu a Didáctica Magna,
importante obra sobre a educação e, entre outros trabalhos, elaborou um programa para a educação
pré-escolar. Esse programa continha as noções básicas sobre elementos da natureza, cronologia (dia,
mês e ano), quantidades e números, entre outras noções.
Comenius considerou a infância o tempo que compreende os primeiros seis anos de vida e a
reconhecia como um período normal de desenvolvimento do homem. Recomendava os brinquedos,
reconhecia o valor das experiências afetivas, considerava que o interesse da criança deveria ser levado
em conta para o estabelecimento de um currículo.
Defendia a organização do tempo e espaço para promover, com eficiência, a aprendizagem das crianças,
bem como a exploração sensorial. Daí a relevância dos materiais pedagógicos e recursos audiovisuais.
26
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Outro nome importante é o de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Suíço, não foi propriamente um
educador, mas suas contribuições para a educação foram grandes e, por isso, foi considerado um dos
precursores da educação pré-escolar.
Para ele, a educação era um processo natural e contínuo e, portanto, a criança não deveria aprender
matérias e coisas de adulto. A educação deveria ser simplificada, como é simples a natureza, e a criança
deveria aprender por meio dela, explorando todo seu potencial de aprendizagem.
Na época, a ideia de educação era a de que a natureza humana é essencialmente má, já que o
homem nasce com o pecado original, pois ele é fruto de um relacionamento sexual entre as pessoas, e
caberia aos educadores destruírem a natureza original e substituí-la por outra, modelada pela sociedade.
Percebe-se aí uma forte influência religiosa que condenava veementemente o sexo.
Rousseau era radicalmente contra e dizia que o homem nasce bom, sendo necessário proteger o
coração dos vícios e o espírito do erro. Há uma frase célebre atribuída a ele: “O homem nasce bom, a
sociedade o corrompe”.
Ampliou a concepção de prontidão, já apresentada por Rousseau, que se apoia na crença de que
as crianças precisam desenvolver habilidades de coordenação motora para que estejam “prontas” para
a alfabetização, entre outros desafios posteriores. “Sua pedagogia enfatizava ainda a necessidade de a
escola treinar a vontade e desenvolver as atitudes morais dos alunos” (OLIVEIRA, 2010, p. 66).
As ideias de liberdade e espiritualidade defendidas por Pestalozzi, de acordo com Oliveira (2010),
contagiaram Robert Owen, que acreditava na educação como meio de preparar o homem para uma
sociedade socialista.
Tinha grande preocupação com o destino das crianças que eram empregadas nas fábricas para
realizarem a limpeza das chaminés, pois somente elas cabiam nesses vãos e, quando cresciam, eram
dispensadas e devolvidas às ruas sem nenhum tipo de formação.
Diferente de outros industriários da época, Owen procurava melhorar a vida de seus operários, o
que consequentemente refletia-se na produtividade. Criou, em 1816, uma creche para os filhos de seus
funcionários e nela aboliu os castigos e prêmios, as atividades de memorização e livros.
27
Unidade I
Na Itália, em 1828, um padre chamado Ferrante Aporti criou um asilo para crianças de alto poder
aquisitivo.
Ele defendia a ideia de que a infância não deveria ser apenas protegida, como nos casos dos asilos
assistencialistas, mas que também deveria ser educada. Enfatizava a importância dos trabalhos manuais,
ensino religioso, noções básicas de leitura e escrita. Porém, a sociedade da época foi contra por acreditar
que a educação na infância era responsabilidade da família e com ela deveria permanecer, a não ser que
houvesse forte impedimento, como no caso de crianças pobres.
Outro importante precursor influenciado por Pestalozzi foi Froebel (1782 – 1852). Alemão, foi
considerado o criador dos jardins da infância. Considerava a criança, uma plantinha tenra, que deveria
ser cuidada com carinho.
Reconhecia o poder do professor, mas enfatizava o fato de o aluno ser o principal agente de seu
próprio desenvolvimento.
Para ele, a educação é o processo pelo qual o indivíduo desenvolve sua condição humana,
autoconsciente, com todos os poderes funcionando completa e harmoniosamente em relação à natureza
e à sociedade.
Percebeu que o jogo era a atividade capaz de desenvolver a espontaneidade das crianças e a
manifestação da atividade criadora e produtiva, sendo uma preparação natural para o trabalho na
maturidade.
Criou material pedagógico que proporcionava atividades de pintura, recorte, tecelagem, bordado,
aprendizagem de conceitos matemáticos, entre outros. Também incluiu em sua proposta pedagógica
atividades de expressão e dramatização.
Classificou o seu material pedagógico em dois grupos, os quais chamou de dons e ocupações. Os
dons eram os bastões e blocos de formatos variados usados em jogos de construção, e as ocupações
eram os materiais que se transformam de acordo com a ação das crianças, como argila, areia e papel.
Entre as concepções de educação infantil apregoadas por Froebel, podem ser citadas:
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
• Os currículos das escolas devem estar baseados nas atividades e interesses nascentes em cada fase
da vida infantil.
• O saber não é um fim em si mesmo, mas funciona relacionado com as atividades do organismo.
Por força do regime governamental autoritário, as escolas com orientação das ideias de Froebel
foram proibidas na Alemanha, porém, adeptos de sua teoria ajudaram a disseminá-las por toda a
Europa. A princípio, essas escolas se destinavam às crianças pobres, mas com o passar do tempo foram
ganhando reconhecimento e estendidas a escolas e instituições que atendiam a outras camadas da
população.
Nesse período, dois médicos, Decroly e Montessori, foram responsáveis pela sistematização das
atividades para crianças pequenas, utilizando materiais confeccionados para essa finalidade. Ambos
trabalharam com crianças excepcionais e essa experiência certamente influenciou em suas teorias
educacionais.
Vários estudos sobre a infância, suas características, processo de desenvolvimento intelectual, físico
e emocional, seus interesses, necessidades, originaram a ideia de que a aprendizagem ocorre pela ação
da criança e não pela passividade, como era o modelo da época. “Tais ideias impulsionaram um espírito
de renovação escolar que culminou com o Movimento das Escolas Novas” (OLIVEIRA, 2010, p. 76).
Foram os educadores médicos que tentaram expressar com mais fidelidade os ideais da escola nova,
na qual o centro de interesse da educação é o aluno, diferente das concepções da época, que mantinham
uma instrução arbitrária, que não respeitavam as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil.
Entre eles, Itard, Séguin, Montessori e Decroly.
Nesse movimento, apesar de não ser médico, destaca-se também a figura de John Dewey, filósofo,
psicólogo e pedagogo nascido nos Estados Unidos.
Dewey (1859-1952) acreditava que a educação não tem significado fora de um contexto social
democrático, em que a criança tenha oportunidade de atividades conjuntas, nas quais ela seja dona de
sua capacidade. O professor, ao ensinar, não está apenas educando, mas contribuindo para a formação
social da pessoa.
Segundo ele, a escola é o lugar onde se harmonizam os aspectos psicológicos (exteriorização das
potencialidades do indivíduo) e os aspectos sociais (preparação do indivíduo para a sociedade). A escola
deve ter por objetivo preparar as crianças para a vida, que cada vez mais reflete as rápidas e constantes
transformações do mundo. A educação não deve adequar-se ao mundo em que vive, mas é fator de
29
Unidade I
progresso desse mundo e deve atribuir ao conhecimento e pensamento valores funcionais para a
resolução de problemas da vida cotidiana.
Decroly (1871-1932) era um médico belga. A educação, para ele, deveria proporcionar não somente
conhecimentos relativos à sua própria personalidade, às suas necessidades e interesses, mas também o
conhecimento do meio natural e humano.
Acreditava que a liberdade da criança deveria ser respeitada e que as aulas diárias não necessitavam
de um roteiro pré-fixado.
Os materiais defendidos por ele eram os que provinham da natureza - pedras, madeira, argila, areia,
folhas, entre outros, e não deveriam ser fabricados especialmente para atingir os objetivos das aulas.
Defendia a homogeneidade das turmas para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, ideia que,
na atualidade, é severamente criticada, pois a diversidade enriquece o conhecimento pela troca de
experiências entre as pessoas.
Médica psiquiatra italiana, Maria Montessori (1870-1952) criou a Casa das Crianças, projeto
desenvolvido para uma habitação coletiva, quando foi convidada a organizar uma sala destinada a
atividades educativas de crianças sem deficiências.
Os princípios filosóficos básicos do Sistema Montessoriano são a aceitação do ser como pessoa, o
respeito do educador ao educando; a aceitação das diferenças individuais (físicas, ambientais, intelectuais
e emocionais); a liberdade para que a pessoa possa educar-se por vivências diárias; a conscientização do
educador, para que veja a criança como ser em formação e, portanto, toda “ajuda inútil” pode atrapalhar
o seu crescimento normal; a ajuda ao outro para que ela se fortaleça como pessoa, sem humilhá-la, e
colocando-se à sua disposição; segurança, aceitação, amor, doação ao aluno, para que ele seja capaz de
se autoeducar e se autorrealizar; permitir que a criança seja o centro do sistema educacional; respeito ao
ritmo normal da criança; levar a criança a sentir o que tem de valor, como pessoa, o que é bom para ela e
para o outro, o que é verdadeiro; fazer a criança sentir que liberdade não é falta de limites; levar a criança
à ordem e à disciplina unidas tão estreitamente que apoiem a liberdade.
Para ela, a vida é desenvolvimento e à educação cabe favorecer esse desenvolvimento. Respeitava
a liberdade de ação da criança. Essa concepção influencia na organização do ambiente escolar, sem
30
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
carteiras presas, sem prêmios e castigos, respeitando as manifestações espontâneas da criança, ou seja,
o bom aluno não é o que fica imóvel nem o mau aluno é ativo.
Criou móveis e utensílios do tamanho das crianças e um material pedagógico vasto e atraente
destinado a desenvolver as funções sensoriais. Entre eles, sólidos, caixas, jogos para abotoar, com
texturas, formas e espessura, de campainhas, leitura, escrita e cálculo.
Uma das características marcantes no método é a atividade na linha. Maria Montessori observou o
esforço e interesse que as crianças tinham por andar sobre os trilhos do trem. Essa brincadeira exigia
atenção e cuidado nos passos e assim elas trabalhavam os músculos e desenvolviam a concentração.
Para obter os mesmos resultados em classe, traçou um círculo no chão ao qual deu o nome de linha,
tendo como objetivo desenvolver a atenção, um ritmo corporal regular, o domínio de si mesma pelo
controle de cada parte do corpo.
O trabalho sobre a linha, de acordo com a orientação montessoriana, é diário e está dividido em
cinco fases, que devem ser desenvolvidas em sequência:
1 - atenção: tem como objetivo chamar a atenção das crianças para a figura da professora com
variados exercícios motores, visuais, auditivos, entre outros. A posição das crianças para essa
atividade deverá ser sempre parada, quer em pé, sentada ou de joelhos;
2 - caminhar na linha tem como objetivo desenvolver o equilíbrio por meio das mais variadas
formas de andar, saltar, correr e pular;
31
Unidade I
movimentos, e estão organizadas em quatro grupos: cuidado pessoal; cuidado do ambiente; relações
sociais; análise e controle do movimento.
Ainda na atualidade existem muitas escolas em diversos países que utilizam o método montessoriano.
Algumas fizeram adaptações, outras o utilizam na íntegra, mas é preciso lembrar que as convicções
explicitadas no método eram apropriadas ao contexto social e político de um outro período histórico,
bastante diferente da atualidade.
Observação
Você conhece pessoas que deixam seus filhos pequenos com uma
vizinha ou babá? E que deixam em instituições para Educação Infantil?
Qual ambiente você acredita ser mais apropriado às crianças?
No final desse período, o discurso por uma sociedade moderna levou a elite a simpatizar com os
movimentos da escola nova. Inspirados nas ideias de Froebel surgiram os primeiros jardins da infância,
a princípio em entidades privadas e posteriormente em entidades públicas, porém todos atendiam às
crianças economicamente favorecidas.
várias empresas formassem creches para os filhos de suas funcionárias, embora a concepção da época
fosse de que o ideal de educação era o da mãe em casa cuidando de seus filhos.
Pela crença sobre os efeitos negativos da separação entre mães e filhos e por demandar verbas
financeiras, no governo de Getúlio Vargas, a creche era vista como um “mal necessário” e tinha função
fortemente assistencialista.
Hoje, sabe-se que não existem estudos que comprovem a teoria da privação materna. Pelo contrário,
a própria psicanálise defende que a separação precoce pode ocorrer de maneira tranquila, desde que o
bebê receba condições favoráveis de cuidados e aprendizagem.
Depois disso, suas pesquisas se referiam a como os animais adquiriam condutas mais complexas
com o uso do jogo e ele investigou o processo entre as crianças, estabelecendo conexões entre
linguagem, regras e a brincadeira, mostrando a importância do jogo na compreensão dos
comportamentos sociais e no uso de ferramentas. A brincadeira facilita a descoberta de regras e a
aquisição da linguagem.
33
Unidade I
A situação se alterou a partir de 1964, com os governos militares, pois na época da ditadura eram
reprimidas com violência todas as formas de oposição ao governo e o exercício da cidadania era restrito.
Havia crescimento econômico e a industrialização se alastrava, mas isso não se reverteu em benefícios
à população, especialmente à classe trabalhadora. As características desse período se refletiram sobre a
educação, especialmente das crianças pequenas, afinal, as famílias foram consideravelmente atingidas
economicamente.
As concepções sobre educação infantil são cultural e historicamente construídas, por isso, as ideias
sobre como encaminhar o trabalho nas escolas variam de acordo com o contexto social, político e
econômico de uma determinada época e também acabam dando origem a regulamentações e leis
apropriadas a cada um desses períodos, mas que, inúmeras vezes, continuam existindo no cotidiano
escolar de forma descompassada e inapropriada. “Concepções, muitas vezes antagônicas, defendidas
na educação infantil têm raízes em momentos históricos diversos e são postas em prática hoje sem
considerar o contexto de sua produção” (OLIVEIRA, 2010, p. 57).
Constance Kamii, filha de pai japonês e mãe americana, nasceu na Suíça e morou no Japão até
seus 18 anos de idade, mudando-se então para os Estados Unidos. Colaborou com Jean Piaget nas
investigações a respeito da epistemologia genética. Estudou principalmente o processo de construção
do conceito de número e a importância dos jogos na atividade construtiva. Escreveu vários livros sobre
o assunto, alguns em parceria com Rheta Devries.
Emilia Ferreiro, psicóloga e pedagoga argentina, estudou e trabalhou com Jean Piaget. Seus estudos
sobre a psicogênese da leitura e escrita revolucionaram a prática pedagógica relacionada à alfabetização
nas escolas de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Depois de Emilia Ferreiro, os
exercícios repetitivos de memorização deram lugar ao incentivo à descoberta.
Saiba mais
34
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
No Brasil, entre outros estudiosos do tema alfabetização, duas grandes referências no assunto são
Telma Weiss e Magda Soares.
Outros dois estudiosos importantes foram Lev Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962)
e, apesar de serem contemporâneos de Piaget e Freinet, seus estudos foram descobertos e traduzidos
posteriormente, especialmente para a língua portuguesa, portanto, o acesso às suas ideias ficou um
tanto retardado no Brasil.
Vygotsky, russo, tratou da aprendizagem que ocorre pela interação social com parceiros mais
experientes. Enfatizou a importância dos signos dentro de um contexto social e defendeu a existência
de três zonas de desenvolvimento: potencial, proximal e real.
Wallon defendeu que o desenvolvimento ocorre pela relação entre a pessoa, com suas determinadas
características e condições, e as diversas situações vividas por ela.
Também as imensas evoluções tecnológicas tornaram as tarefas domésticas mais fáceis e rápidas,
oferecendo um pouco de condição para que as famílias organizem melhor o tempo, bem como o acesso
à informação. Daí que se tem, hoje, a preocupação em preparar um ambiente harmonioso e propício ao
desenvolvimento físico e psicológico saudável para as crianças.
Assim chegou-se à ideia de que toda criança é capaz de construir conhecimentos com a exploração
do meio e interação com outros sujeitos e, como é possível observar, essa trajetória nos leva à concepção
chamada de construtivismo.
35
Unidade I
Figura 10 Figura 11
Não se trata de modismo, cujos princípios logo se esvaziam por caírem na rotina, mas de reflexão
sobre como melhor conduzir as experiências de aprendizagem das crianças.
Outros estudos certamente virão e a orientação construtivista poderá dar espaço para um novo
olhar sobre a educação infantil. Isso não significa que uma concepção substitui a outra, mas que houve
avanço no entendimento sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem, que novas ideias
complementaram outras e, portanto, ocorreram novas descobertas sobre como encaminhar o trabalho
pedagógico na educação infantil.
A observação da descrição abaixo oferece uma visão geral do período em que cada precursor viveu:
36
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A reflexão sobre a formação de professores pode remeter o pensamento a uma série de qualidades
julgadas necessárias à atuação profissional. Talvez as primeiras delas sejam a pontualidade e a assiduidade.
Depois um posicionamento meigo e paciente.
De fato, essas são características importantes, pois atrasar-se ou faltar com frequência ao trabalho
prejudica tanto a organização da escola como a aprendizagem das crianças, bem como ser paciente e
meigo no tratamento aos pais e às crianças demonstra a escolha consciente e madura pela profissão,
além de ser imprescindível para a criança sentir-se acolhida na escola.
Assim como um recém-nascido depende de sua mãe para adaptar-se e dessa relação ele fará uma
imagem do mundo, também a escola e, especialmente, a primeira professora, ajudarão a criança a
ter uma imagem do aprender. Para ajudar a criança a construir uma imagem boa e coerente sobre
si mesma e sobre a escola, é preciso uma atitude de reciprocidade afetiva entre o professor e a
criança.
A criança adapta-se à escola por intermédio do vínculo afetivo que estabelece com seu professor
e, também por meio dele, perceberá o quanto é bom ou não conhecer pessoas e lugares fora de seu
contexto familiar. É por isso que mostrar o quanto aprender é prazeroso é uma responsabilidade maior
para o professor do que para a escola como um todo. É com ele que a criança terá uma convivência mais
estreita e a convivência será menor com os outros profissionais da escola.
Por tudo isso, as qualidades já mencionadas são importantes, mas insuficientes. Formar-se professor
vai muito além de gostar de crianças, ser paciente, pontual e assíduo. Até porque, gostar de crianças
limpas e cheirosas, que vão à escola arrumadas e expressam comportamentos educados, é fácil. Mas
gostar de crianças que vão à escola sujas e que constantemente respondem às orientações dos adultos
ou às negações dos colegas com pontapés, tapas e arranhões pode ser um pouco mais difícil e talvez
esgote a paciência do professor.
As equipes de direção e coordenação da escola têm como função auxiliar orientar o professor,
ajudando-o a manter um ambiente tranquilo e equilibrado e dando-lhe respaldo técnico e emocional,
mas nem sempre elas cumprem seu papel a contento e acaba nas mãos do professor a tarefa de resolver
tudo sozinho.
Então, a escolha profissional deve ser consciente o bastante para se entender que o trabalho de
professor implica em questões mais amplas, sofre influências políticas e que, na verdade, ele é um eterno
aprendiz, um profissional inacabado, que não entende tudo de sua profissão e, portanto, tem que estar
em constante aprimoramento, debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e comunidade,
buscando informações necessárias para o trabalho que desenvolve.
são parte da técnica aprendida pelo professor para exercer bem a sua atividade de especialista
no processo de ensino e de aprendizagem. Daí a necessidade de deixar claro que há identificação
da pessoa com a profissão, mas ser professor não é um “dom”, que nasce com a pessoa, brota do
âmago do ser, mas sim ter conhecimento de técnicas e meios para ensinar e primar para que a
criança aprenda.
Nesse processo, é claro que um curso de formação inicial é determinante para a qualidade do
profissional, pois é nele que o professor aprenderá aspectos básicos para lidar com as crianças, conhecendo
as características desse período da vida humana e as melhores formas de intervenção pedagógica que
podem ser feitas, mas esses cursos e seus currículos estão muito atrelados a questões mais amplas que
envolvem a economia e a política de qualquer país e foi o que ocorreu com a profissionalização dos
professores da Educação Infantil em seu percurso histórico.
Apesar dos progressos nos estudos relacionados à infância e aos recursos de aprendizagem
utilizados pelas crianças, a educação infantil teve sua trajetória marcada por interesses políticos,
avanços e retrocessos, e a formação dos profissionais desse nível de ensino acompanhou esse
movimento.
De acordo com Oliveira (2010), historicamente a formação dos professores de Educação Infantil tem
sido pobre ou praticamente inexistente, apresentando baixa qualificação profissional.
A falta de formação adequada resulta em uma prática leiga sem fundamentação teórica e os
professores, em sua maioria mulheres, acabam utilizando a experiência que tiveram com seus próprios
filhos.
Essa formação insuficiente e deficitária gera uma legião de professores mal preparados para a
função e, por consequência, a desvalorização do trabalho e do profissional desse nível de ensino.
Por motivos óbvios, quanto melhor o serviço oferecido, maior a sua credibilidade e procura.
Tomando-se como parâmetro outro tipo de área, a médica, sabe-se que o Hospital do Câncer
da cidade de Barretos, no Estado de São Paulo, é imensamente procurado por sua eficiência no
diagnóstico precoce da doença. Pessoas do Brasil inteiro reconhecem a qualidade do seu trabalho
38
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
e o procuram. Portanto, se uma instituição de Educação Infantil, seja pública ou particular, oferece
um atendimento de qualidade e lá as crianças visivelmente aprendem, ampliam informações, se
alfabetizam, é claro que essa instituição será mais procurada do que aquelas que apresentam
baixos resultados, assim como seus professores terão o merecido reconhecimento profissional.
No processo histórico, a formação dos profissionais sempre esteve atrelada ao tipo de objetivo que se
tinha em cada momento específico. Essa formação se deve à exigência de pessoal adequado ao tipo de
função que a instituição possui, ou seja, por muitos anos, a função da instituição de Educação Infantil
era basicamente assistencialista e, portanto, os profissionais precisavam saber cuidar adequadamente
das crianças apenas nos aspectos físicos.
Até os dias de hoje, muitos dos ambientes escolares ainda priorizam o atendimento assistencialista,
no qual é dispensado um tratamento de cuidados físicos que inclui alimentação, higiene e prevenção
de doenças ou a recreação.
Logo após a segunda grande guerra houve uma preocupação com os efeitos psicológicos gerados
nas crianças por essa situação de devastação. Nessa ocasião, por volta dos anos 40, algumas instituições
adotaram uma função compensatória para minimizar os efeitos da guerra, com um caráter de higiene
mental. Nos EUA, o principal representante desse período foi Dewey, que introduziu seus ideais de
sociedade democrática e a prática dos jogos como exercícios de aprendizagem.
Com essa influência, o trabalho nas instituições de Educação Infantil girava em torno do bem-
estar físico e emocional das crianças, com a função de compensar as defasagens sociais e as principais
atividades se relacionavam à higiene e à recreação.
Observação
Em sua cidade, as instituições públicas para crianças com até cinco anos
de idade são chamadas de creche? E as particulares, como são chamadas?
Há diferenciação de nomenclaturas?
Por volta dos anos 80, algumas escolas chegavam a permitir que as crianças comemorassem o
aniversário na instituição, levando mágicos, palhaços, entre outros tipos de entretenimento adequados
39
Unidade I
a um bufê infantil, mas nada coerente ao ambiente escolar. O professor então cuidava da arrumação
da festa, ajudava as crianças a se servirem, organizava os presentes para o aniversariante levar para
casa.
A esse respeito, a escola pode e deve incentivar as crianças a homenagearem seus colegas
aniversariantes, aproveitando para ensinar o valor da amizade e do afeto demonstrados por meio
de um abraço ou de desenhos. Cantar o “Parabéns”, compartilhar um bolo também são gestos
bastante carinhosos, entretanto, o que muitas vezes se vê é o planejamento do dia dando lugar
à festa de aniversário que ocupa todo o período escolar, além de desencadear uma competição,
principalmente em instituições particulares, de quem leva mais atrações e os presentes mais
vistosos.
Os objetivos da escola de Educação Infantil, nesse caso, eram deturpados e, por consequência, a
função que o professor deve assumir também era desvirtuada para um tipo de recreacionista, animador
da turma.
Também as dificuldades de alfabetização das crianças, especialmente da rede pública, nas primeiras
séries do Ensino Fundamental levaram à ideia de que, antecipando o processo de alfabetização para a
Educação Infantil, os prejuízos seriam menores.
Esse problema de alfabetização levava a contínuas repetências que, por consequência, geravam na
criança um precoce sentimento de derrota e ela, bem como sua família, passava a acreditar que não
“tinha cabeça boa para os estudos”. Assim, como resultado, o que se tinha eram os elevados índices
de evasão escolar e, então, a antecipação de alguns conteúdos, especialmente aqueles relacionados
à alfabetização e aos princípios básicos da matemática, pareciam a solução para um país diminuir
suas taxas de analfabetismo e evasão escolar. Daí o termo pré-escola, o que vem antes da “escola de
verdade“.
Ainda na atualidade, o Brasil luta para diminuir os níveis de analfabetismo e evasão escolar, e o
governo frequentemente faz propostas e estabelece metas para combatê-los, como se pode observar
nas informações publicadas em vários meios de comunicação.
O modelo escolar de hoje, de acordo com a Lei 9394/96, artigo 13, solicita a formação de professores
capazes de participar da elaboração da proposta pedagógica escolar; de elaborar e cumprir o seu
planejamento, coerentemente com a proposta estabelecida pela equipe escolar; envolver-se com a
aprendizagem dos alunos e buscar meios para avaliá-los e sanar suas eventuais dificuldades; cumprir os
dias letivos e horas de atividades pedagógicas e de formação continuada estabelecidas e cooperar com
a integração entre a escola e a família.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil orienta a atuação polivalente do professor.
Ser polivalente significa que um mesmo professor deve desenvolver todos os tipos de atividades com
as crianças, tanto as rotineiras, que envolvam os cuidados básicos destinados à criança, como as
educacionais.
40
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Por isso, a função do profissional de Educação Infantil é mediar o conhecimento, já que hoje se fala
em construção de significações por meio da mediação de parceiros mais experientes.
Embora haja certa polêmica, o correto em educação infantil é que os profissionais não variem muito,
pois a criança pequena precisa criar vínculos afetivos para que confie nas pessoas. Se há um professor
para música, outro para artes, outro de recreação fica difícil para ela estabelecer uma boa comunicação
com todos. A criança sempre elege alguém com o qual se identifique e confie e este deve ser um
professor fixo. Conforme a criança cresce vai ficando mais fácil para ela diversificar essas relações.
Portanto, ser polivalente é desenvolver um trabalho pedagógico com a criança de maneira integral,
percebendo-a como um ser inteiro e não compartimentado por áreas de conhecimento, como a hora da
matemática ou a hora da música, por exemplo.
Figura 12 Figura 13
Adotar uma postura de mediador e problematizador envolve intensa reflexão sobre a atuação do
profissional e constante aprimoramento de sua formação. Da qualidade na formação teórica do professor
de Educação Infantil depende a qualidade do trabalho prático que ele desenvolve.
42
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Oliveira (2010) referenda que na formação de professores para a Educação Infantil nos países
europeus há a exigência de que ela se dê em nível superior, após a conclusão do Ensino Médio. A
maioria desses países separa a formação do professor de Educação Infantil da formação de professores
para o Ensino Fundamental. Quanto ao conteúdo dos cursos, há grande variedade nas habilidades que
o professor de Educação Infantil precisa desenvolver, dependendo das exigências de cada comunidade
em função de sua cultura.
Existem várias possibilidades de organização curricular nos cursos de formação de professores, mas
é importante pensar que elas precisam adequar-se à realidade de cada país, estado ou cidade e, de
qualquer maneira, é imprescindível integrar a teoria à prática, esta adquirida na orientação do estágio
supervisionado.
Alguns estudantes acreditam que o estágio seja um obstáculo no curso, ou ainda que, se eles já
têm alguma experiência profissional na área, podem dispensar essa atividade; porém, mesmo que o
estudante já esteja inserido em uma instituição, é fundamental diversificar as vivências para enriquecer
o seu conhecimento. A formação de qualquer profissional, de qualquer nível ou área, deve integrar os
conhecimentos teóricos com os conhecimentos práticos.
No Brasil havia uma discussão sobre a formação de professores ocorrer em nível superior ou em
nível médio, pois discutia-se a efetiva melhora dos profissionais de educação, mas é interessante saber
que, entre os países que possuem qualidade na educação, a formação ocorre após o ensino médio, nos
cursos superiores.
Tomamos a Finlândia como exemplo na reportagem de Thomaz Favaro para a Revista Veja de 20 de
fevereiro de 2008, A melhor escola do mundo - Como a Finlândia criou, com medidas simples e focadas
no professor, o mais invejado sistema educacional. Nessa reportagem, ele fala sobre os investimentos
feitos para que o professor melhorasse sua formação e se responsabilizasse pela aprendizagem de seus
alunos e os resultados positivos alcançados em função das medidas tomadas.
Portanto, é fato que, quanto mais o professor estuda, se especializa, se informa, se atualiza, melhor
é sua atuação profissional, e é principalmente por esse caminho que se chega a uma educação geral de
qualidade.
A legislação atual admite, ainda, a formação do professor de Educação Infantil no Ensino Médio, na
modalidade Normal, como consta no artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases Nacional n. 9394/96.
Na prática ainda não se vê grandes melhorias quanto à qualidade do trabalho em creches e pré-
escolas e uma causa importante é que boa parte dos cursos, tanto em nível médio quanto em nível
superior, está desatualizada, pouco integrada com a prática e oferece um tipo de formação que não
incentiva o profissional a refletir.
43
Unidade I
Não basta que os cursos de formação de professores simplesmente passem a ser ministrados no
Ensino Superior, mas deve-se garantir que o profissional em formação consiga estabelecer relações
entre a teoria estudada e o cotidiano da sala de aula. Do contrário, continuará executando um trabalho
automático e repetitivo, pois não há reflexão.
A LDB 9394/96 delibera sobre os profissionais da Educação Infantil, o que tem movido investigações
que abordam a formação do profissional que atua nessa área.
Tais investigações têm se voltado a pontos pertinentes e que oferecem contribuição para que se
entenda tal formação como importante em quatro níveis:
1 - A formação inicial que se dá em cursos de longa duração, como o Ensino Médio e o Ensino
Superior.
2 - A formação continuada que ocorre após a formação inicial e que, muitas vezes, é possível que
seja realizada pelos professores nas próprias instituições em que atuam.
4 - A formação leiga que se dá numa rede informal de educação, por meio de trocas, visitas a outras
instituições, pesquisas em livros e revistas e apropriação de cursos frequentados, em que são
desenvolvidas reflexões sobre o trabalho que realizam e os saberes não formalmente expressos.
Os cursos, especialmente os iniciais, mantêm, a priori, um caráter mais teórico, deixando o contato
com as crianças para depois, sendo que os estudantes desejam justamente o contrário, pois o contato
com a prática facilita o entendimento dos aspectos teóricos.
44
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Há uma questão de grande pertinência que vem à tona quando está em discussão a formação do
professor: a inadequação de cursos que se pautam em transmissão de conhecimentos, principalmente
quando em referência à formação do professor de Educação Infantil, pois as reações infantis presenciadas
complementam e esclarecem os conhecimentos teóricos.
Também se faz necessário o resgate da dimensão lúdica no professor para que ele possa olhar o
mundo a partir da ótica da criança e ser capaz de oferecer-lhe possibilidades de aprendizagem prazerosas
do ponto de vista infantil e não do adulto.
Tão importante quanto a valorização do profissional que organiza, se envolve na ação educativa e que
reflete sobre sua prática e formação, é entender que o contexto educativo se torna mais rico ao contemplar
pais, crianças e professores como protagonistas desse processo, respaldado pela solidariedade, respeito ao
outro e inspirado pela paz e liberdade. A partir dessa perspectiva, o termo “qualidade” passa a ser visto com
maior criticidade e assume uma categoria histórica e social que abriga interesses e significações.
Por isso, torna-se indispensável a autonomia de cada instituição para encaminhar o tipo de trabalho
mais adequado à sua clientela. Fundamental também o pensamento reflexivo dos profissionais para
avaliarem se o atendimento oferecido está de acordo com as reais necessidades das famílias atendidas.
Importar-se com a contínua formação dos profissionais da educação é importar-se com a melhoria
na qualidade do trabalho no ambiente educativo desse nível de ensino, uma vez que um professor
reflexivo imprimirá intencionalidade ao seu trabalho. Antes de toda proposta de atividade, ele fará uma
análise de sua clientela e dos motivos pelos quais acredita que aquele conteúdo será importante para
ela.
Dessa maneira, também suas ações estarão voltadas para a oferta de oportunidades semelhantes,
pois, admitindo-se a diversidade sem preconceitos, parte-se do princípio de que toda criança tem direito
de acesso a instrumentos e recursos de obtenção de informações e conhecimentos.
A formação de professores tem grande relação com os objetivos da educação infantil, na medida em
que a função que se estabelece para a escola exigirá um modelo específico nos cursos iniciais, além de,
na prática, também surgirem exigências adequadas.
Na sociedade contemporânea ainda não se faz presente o consenso entre o papel social e educativo
nas instituições, o que também implica em desenvolver atividades com o cuidado e a educação,
indissociavelmente, em especial no que se diz respeito ao caráter formativo. Teoricamente, talvez
os profissionais saibam o que deve ser feito no sentido de associar o cuidado e a educação, mas na
prática, muitas vezes, as certezas se perdem pela burocracia, pelas exigências institucionais, entre outros
fatores.
Assim, ainda é desafiador estabelecer critérios mínimos para o atendimento das crianças que se
encontram na faixa etária de zero a seis anos nos espaços educativos, pois a questão da qualidade é um
tanto subjetiva. “Padrões de qualidade não são, entretanto, intrínsecos, fixos e predeterminados, mas
historicamente específicos e negociáveis no sentido de garantir os direitos e o bem estar das crianças”
(OLIVEIRA, 2010, p. 48).
Por exemplo, é fato que a criança precisa alimentar-se adequadamente, mas o oferecimento de jantar
às 16h00, como é feito em várias creches paulistanas em benefício da organização da cozinha, não pode
ser considerada prática de alimentação de qualidade, afinal, o respeito aos horários normais de refeição
é considerado um hábito alimentar saudável. Nesse aspecto reside então uma grande contradição, pois a
criança deve ser educada para adquirir hábitos alimentares saudáveis quanto ao que consome e quanto
aos intervalos regulares entre as refeições, mas o que ocorre realmente é uma ação marcantemente
assistencialista de alimentar a criança, embora alimentá-la também seja importante.
Então, o que ocorre é que muitas crianças acabam não comendo a refeição porque ainda não têm
fome, em função do curto intervalo entre uma refeição e outra. Essa refeição é jogada no lixo e o que
se está ensinando também à criança é a cultura do desperdício. Daí a necessidade de se estabelecer
critérios coerentes, adequados, neste caso, às reais necessidades de alimentação das crianças.
46
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Não se podem ignorar as questões administrativas, a organização dos horários dos funcionários, a
logística para as atividades de rotina da cozinha e de limpeza, mas é preciso pensar no que se faz pró-
forma ou o que é necessário de fato.
Esse embate entre o processo educativo e os cuidados destinados às crianças apresenta-se com
frequência entre os profissionais que atuam lado a lado na educação infantil e é, portanto, necessário
que o professor ressignifique a função da instituição e sua identidade profissional.
Sendo as mulheres a maior parte dos profissionais que atuam na educação infantil, há contradição
em viver o papel de professora, principalmente para aquelas que são mães, tias ou possuem outras
experiências com crianças. Há diferenças entre o espaço da educação doméstica e o espaço
institucional pelas relações que se desenvolvem neles. O sentido educativo, a concepção de infância
e seus processos de constituição definem o caráter da instituição, o perfil do profissional e o trabalho
a ser realizado.
A Lei 9394/96 estabelece como educação infantil o atendimento de crianças em creches (até três
anos) e pré-escolas (de quatro a seis anos), níveis de ensino integrantes da Educação Básica. Atualmente
ainda o Ensino Fundamental é composto por um período de nove anos e o primeiro ano atende crianças
de seis anos, que anteriormente faziam parte do último ano da Educação Infantil.
Entre alguns profissionais existe certa resistência em relação aos cuidados destinados à criança no
âmbito escolar, pois se associa esse tipo de ação ao período assistencialista, higienista e compensatório
vivido no histórico da educação infantil.
Lembrete
Esse tipo de atendimento estava relacionado aos cuidados destinados à criança, mas anteriormente
ele se resumia à satisfação de necessidades físicas, sem um componente afetivo, sem a preocupação com
os vínculos no âmbito emocional e, por isso, às vezes desperta essa rejeição pelos termos relacionados
aos cuidados com a criança. Porém, é um assunto que merece atenção e cuidadosa reflexão por parte
dos profissionais da área.
Déborah Thomé Sayão (2010) trata da importância da formação dos profissionais para o
desenvolvimento de um trabalho de qualidade na educação infantil no artigo intitulado Não basta ser
47
Unidade I
mulher... não basta gostar de crianças... “Cuidado/educação” como princípio indissociável na Educação
Infantil.
Também há, por parte de alguns profissionais da área, uma equivocada noção de que o atual
modelo de formação deve abolir cuidados como alimentação e troca de fraldas por não serem parte dos
procedimentos do processo ensino/aprendizagem e, por isso, não são função do professor.
O cuidado é o olhar atento do professor que consegue captar as necessidades físicas e emocionais
de seus alunos, incentivando o desenvolvimento de sua autonomia, mas oferecendo ajuda na medida
certa para que eles não se sintam abandonados.
Se, por exemplo, um professor universitário chama um de seus alunos para conversar e o alerta
sobre a grande quantidade de faltas que ele tem ou observa a mudança de comportamento que ele vem
apresentando em suas aulas, estará demonstrando atenção e cuidado com a formação de seus alunos
e, portanto, não se pode dizer que, conforme o aluno ganha independência, não precisará mais receber
cuidados.
Assim, pode-se perceber que o cuidado é inerente à educação. O atendimento pedagógico se refere
a aprendizagens, aquisição de habilidades e construção de conhecimentos. Ambos são importantes, uma
vez que o aluno vai à escola para ampliar conhecimentos, mas, como ser humano, precisa de cuidados.
Outra peculiaridade do atendimento está no contexto social próprio de cada instituição. É possível
que haja múltiplas alternativas de programas para a Educação Infantil, mantendo um mínimo de critério,
tornando esse nível de ensino democrático, ou seja, que crianças de qualquer situação socioeconômica
encontrem uma escola de qualidade, não excludente, que ofereça oportunidades semelhantes a toda
população infantil.
O que não pode, de maneira alguma, é considerar que a criança pobre possa receber qualquer tipo
de atendimento, material de qualidade inferior, alimentação menos saborosa, alegando que se em sua
casa ela não tem nada, qualquer coisa que receba é lucro. Esse é um tipo de conduta preconceituosa,
desumana e inaceitável, especialmente em profissões que devem visar ao bem-estar das pessoas.
Figura 14 Figura 15
Uma criança que muda de país e vai para um lugar sem saber falar a língua local, precisa
desesperadamente de alguém que a compreenda e a acolha com seus costumes. Se ela veio de um local
em que as escolas não comemoram aniversários, é natural que ela não queira participar, pelo simples
fato de não estender o costume. Se ela vem de um país cujo hábito ao entrar na sala é retirar os sapatos,
não pode ser condenada pelo professor por sua atitude e o professor também não pode deixar que o
grupo a achincalhe.
Por isso, o professor deve trabalhar sua conduta nesses assuntos, procurando desprender-se de
preconceitos, atribuindo valor ao que de fato merece, como amizade, cooperação, gratidão, afeto, entre
outros valores muito mais nobres do que, por exemplo, o dinheiro que possa ter a família do aluno.
Pode parecer ficção, mas não é de hoje que existem certos professores que tratam com maior apreço as
crianças de famílias abastadas.
O professor polivalente é aquele que integra e não desagrega, justamente porque deve trabalhar com
uma criança inteira, com todas as capacidades ou incapacidades físicas, mentais, sociais e emocionais.
Existem professores que, em função de comportamentos de violência e agitação, estão todo o tempo
colocando uma criança de lado. Assim que a criança chega à escola, é colocada junto de sua mesa. O
excesso desse tipo de conduta não vai ajudar a criança a deixar esse padrão de comportamento porque
o professor não a está ensinando a conviver de outra forma, mas está sim desagregando o grupo e
colocando a criança em posição de rotulação: a que não para, a que bate, etc.
49
Unidade I
É preciso avançar nas reflexões e questionamentos sobre a infância e superar a função da creche,
ainda basicamente assistencialista, e a pré-escola como preparatória para o Ensino Fundamental. Essa
ideia parece partir do pressuposto de que uma criança de creche ainda não iniciou suas aprendizagens
e que a criança de quatro a seis anos já não precisa mais que um adulto lhe destine uma série de
cuidados.
Historicamente a infância era um período da vida desprovido de razão. A criança era considerada um
adulto em miniatura e havia grande exigência de que ela se comportasse e pensasse como um adulto.
Atualmente, em razão de várias pesquisas, a infância adquiriu uma nova identidade. A visão que se tem
de criança, após muitos anos de estudo, é a de uma pessoa em sua fase inicial de crescimento e, se isso
parece óbvio, pense um pouco nos termos que você já ouviu em referência às crianças.
Quando, por exemplo, uma criança dá sua opinião a respeito de algo que o adulto esteja fazendo e
ele lhe diz: Você acabou de largar as fraldas e quer me dizer como fazer isto?
Ou quando uma criança participa da conversa de adultos e eles lhe repreendem dizendo: O que é
isso? Está pensando que é gente?
Não cabe aqui a discussão sobre deixar ou não a criança interferir na atividade ou conversa do
adulto, mas sobre a maneira como a informação é dada. Se para aquele adulto a ação da criança está
errada, basta que ele lhe explique que não é educado interromper conversas. Porém, ainda podem-se
observar situações em que a criança não é vista como uma pessoa de direitos, como um ser humano em
processo de aprendizagem, afinal, ela não pode saber o que é convencionalmente educado ou não até
que lhe ensinem.
A intenção é mostrar como as crianças ainda podem ser maltratadas, humilhadas, em dissonância
com as atuais concepções de infância.
Para que as instituições de Educação Infantil atendam às necessidades da criança, dentro das
novas concepções de infância, precisam preocupar-se com a aprendizagem de novos conhecimentos,
respeitando aquilo que a criança já conhece, num ambiente de segurança física e emocional, pois
cuidado e afeto não podem ser descartados.
A palavra comprometimento aqui citada refere-se a estar comprometido, o que, segundo o Dicionário
Aurélio, é “obrigar por compromisso; dado como garantia, empenhado; arriscado, aventurado“, ou seja,
é o envolvimento que se constrói apesar de qualquer risco, é empenhar a palavra no cumprimento
51
Unidade I
das obrigações relativas a aprendizagens das crianças, é garantir que fará e dará o máximo de suas
possibilidades em prol de um bom trabalho, é formar alianças, travar pactos.
Esse envolvimento não é superficial, mas possui profundidade de sentimentos, a sensação de estar
trilhando caminhos perigosos ou errados. Demanda decisões difíceis, porque toda escolha implica em
abandonar algo, em incertezas, em desânimo, mas, em compensação, também implica em muita vida,
alegria, sensações de deveres cumpridos, de escolhas corretas, porque todo projeto educativo é um
processo inacabado, provisório e historicamente contextualizado que demanda debates constantes
com todas as pessoas envolvidas e interessadas e tudo o que envolve pessoas possui a diversidade de
pensamentos.
Como é possível observar, no percurso histórico das instituições de Educação Infantil, a valorização
desse nível de ensino é bastante recente. Porém, a sociedade ficou mais atenta e consciente sobre a
importância das experiências na primeira infância para a formação da pessoa e, com isso, as mulheres
que ingressam no mercado de trabalho cada vez em maior número, se preocupam em deixar seus filhos
em algum lugar seguro e apropriado ao desenvolvimento saudável dos pequenos.
Com essa crescente exigência houve uma considerável expansão da educação infantil, não só no Brasil,
mas em todo o mundo. As mulheres, universalmente, trabalham fora do lar, por motivos financeiros ou
por realização pessoal e profissional. É um direito legítimo da cidadã participar da sociedade e colaborar
para o seu enriquecimento, mesmo que financeiramente a família não dependa de seu salário, e já
não é mais exclusividade feminina a preocupação com o destino da criança enquanto todos estão
trabalhando.
Porém, o trabalho pedagógico era, e ainda é, em vários lugares, desenvolvido em instituições para
crianças entre o nascimento e os cinco anos de idade, com pouco ou nenhum respaldo teórico, sem as
52
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
devidas orientações técnicas exigidas para qualquer área de trabalho. Assim, não há como esperar bom
atendimento nessas instituições.
Tendo isso em vista, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que tem como sigla
RCNEI, é um documento elaborado por uma comissão do Ministério da Educação (MEC) e objetiva
principalmente a melhoria da qualidade das escolas, pois leva ao professor elementos básicos que podem
adaptar-se a qualquer tipo de realidade social, cultural e econômica.
Ele está organizado em três volumes, que serão apresentados a seguir em forma de síntese, uma
vez que o material é muito extenso. Apesar disso, é indispensável que em sua formação, o professor
conheça, leia e utilize constantemente o referencial em sua totalidade.
Por isso, o material serve de orientador para a prática pedagógica do professor, uma vez que em
seu dia a dia aparecem inúmeras dúvidas de como conduzir certas situações, fazendo-se necessário um
respaldo teórico.
Todo professor enfrenta essas situações em um determinado contexto na sua turma de alunos, pois
está inserido em uma escola que carrega uma bagagem social, cultural e econômica muito específica.
Para que o professor desenvolva um trabalho pedagógico com o mínimo de qualidade, deve partir
dessas premissas e refletir sobre as suas concepções a respeito da criança e da educação.
Da visão que ele tem a respeito da criança, se a considera capaz ou incapaz de aprender, se a vê como
cidadã ativa ou passiva dentro da sociedade, se acredita que a escola possa ser ou não um ambiente
democrático depende o tipo de ação que planejará.
Toda proposta educacional veicula concepções sobre criança, educar, cuidar e aprendizagem, cujos
fundamentos devem ser considerados explicitamente para que o professor elabore seu planejamento e
direcione sua ação de maneira coerente.
Por isso, primeiramente, é preciso refletir sobre quem é ou o que é ser criança e, de acordo
com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a criança é, em primeira instância,
um sujeito social, pois desde que nasce está inserida em uma sociedade. Já na maternidade ou
em casa, nos primeiros dias de vida, recebe visitas e participa de situações culturais relativas ao
nascimento, como o seu batizado, se ela pertencer à religião católica. A sua família participa
de outras organizações socioculturais tais como igrejas, clubes, grupos de amigos, entre outras
instituições.
Também é um sujeito histórico, pois os hábitos familiares, a maneira como seus pais, seus parentes e
amigos mais próximos se comportam têm relação com a herança recebida nas experiências de vida que,
de alguma forma, se tornaram significativas para os mais velhos e que, por serem importantes, acabam
por passar para as gerações mais jovens como valores culturais.
Comemorar aniversários, por exemplo, pode ser bastante comum e até indispensável para algumas
pessoas, pois a família sempre privilegiou essa situação, enquanto em outras famílias o evento não é
importante e não existe. O mesmo pode acontecer com o Natal, a Páscoa, as formaturas, enfim, cada
família e cada comunidade possuem um conjunto de eventos que consideram importantes ou não, de
acordo com suas crenças.
Outra concepção apresentada pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é a de
que a criança possui uma natureza singular, ela é única, não existem duas pessoas iguais no mundo e, por
isso, sente emoções e pensa de um jeito muito próprio. Cada uma apresenta reações muito particulares
diante dos fatos vividos, de acordo com suas características de personalidade e as experiências que já
enfrentou.
Diante de uma mesma situação, algumas crianças demonstram ser mais sensíveis e chorosas, outras
mais teimosas e firmes em suas opiniões. Essas características existem exatamente porque as pessoas são
diferentes e devem ser respeitadas em sua condição, com o direito de manifestarem esses sentimentos
54
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
e emoções sem que o adulto passe a rotulá-las de “choronas”, “manteigas derretidas”, entre outros
apelidos pouco carinhosos.
Uma terceira concepção importante a respeito da criança é em relação à maneira como aprende. A
aprendizagem é um processo individual no sentido de que cada um apresenta o seu ritmo, sua maneira
de interpretar situações e informações, mas também é social, pois depende de experiências no ambiente.
Portanto, a criança constrói o conhecimento a partir das interações com o meio e com outras pessoas.
Ela é ativa nesse processo, pois o conhecimento não é algo que se recebe pronto, como uma caixa de
presente, mas depende da maneira que cada um explora os diversos atributos de um objeto ou os vários
pontos de vista de uma mesma situação.
Outra concepção dada pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é sobre
educar. A concepção de educar é muito mais ampla do que algumas simples atividades preparadas
pelo professor e preenchidas pela criança automaticamente. Educar envolve uma série de ações que
equilibram cuidados e organização de espaços com situações que possam ser exploradas de maneira
significativa pela criança. Nesse equilíbrio é preciso que se considerem três dimensões: cuidar, brincar e
aprender em situações orientadas.
Cuidar, segundo o Dicionário Aurélio, é “ter cuidado, tratar”. É uma atitude de entrega, de dedicação.
O cuidado envolve tanto os aspectos físicos, os quais as crianças ainda não estejam em condições de
executar, como os aspectos afetivo-emocionais, os quais elas ainda não consigam definir, enfrentar ou
verbalizar. Isso não significa que se deva entregar tudo pronto para a criança, a independência deve
ser sempre incentivada. Se uma criança tenta fechar o zíper do casaco e encontra muita dificuldade, o
55
Unidade I
professor pode oferecer ajuda, mas a decisão de aceitá-la ou não é da criança, mesmo que ela dedique
mais tempo do que o previsto.
Se a criança agride fisicamente um colega, é necessária a intervenção do professor, mas ele deve
cuidar para que a criança aprenda a resolver conflitos com diálogo e não simplesmente julgar a atitude
dela e dar-lhe uma punição.
Figura 19
Brincar é a ação na qual a criança significa, estabiliza aquilo que aprende nas diversas esferas do
conhecimento. A brincadeira só pode ser assim considerada se for livre, voluntária, por decisão de quem
brinca. Por isso, brincar é diferente das atividades e jogos propostos pelo professor, mesmo que eles
tenham caráter lúdico.
A liberdade para brincar livremente envolve escolha, iniciativa, definição de regras e uma série de
possibilidades de exploração que não são previamente definidas pelo professor ou pelo material. Então,
a criança, ao brincar, recria o mundo observado e elabora os conhecimentos vivenciados na realidade.
Figura 20
o seu pleno desenvolvimento. Esse tipo de situação envolve interação, respeita a diversidade, a
individualidade, proporciona aprendizagem significativa e leva em consideração os conhecimentos
prévios das crianças.
O professor deve priorizar as atividades que envolvam a resolução de problemas, pois assim o
interesse da criança é aguçado pelo desafio.
A criação de situações de aprendizagem deve prever a proximidade com práticas sociais reais, ou
seja, deve levar em consideração as vivências da criança em seu contexto real, bem como permitir a
participação das crianças com necessidades especiais.
Figura 21
Para tanto, o professor, como já dito anteriormente, deve ter uma competência polivalente, a fim de
preparar o ambiente e criar essas situações de aprendizagem de maneira a integrar o desenvolvimento
em todos os seus aspectos.
Lembrete
Para auxiliar o professor nessa importante tarefa, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil está organizado por idade, âmbitos e eixos, a fim de colaborar com a elaboração de um
planejamento eficaz.
No que se refere à idade indicada no material de zero a três e de quatro a seis anos, essa organização
é bastante flexível, uma vez que as experiências de cada grupo de crianças é que definirão se o professor
pode ou não propor desafios mais complexos. Muitas vezes, um grupo de crianças de três anos já se
interessa por escrever o próprio nome, enquanto outro grupo ainda não.
Quanto aos âmbitos, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil apresenta, no
volume II, o âmbito de formação pessoal e social, que está relacionado às experiências que favorecem
a construção do sujeito, da identidade e da autonomia. No volume III está o âmbito de conhecimento
de mundo que, como diz o nome, trata das experiências vividas pela criança que lhe proporcionam
apreender as informações do mundo que a rodeia.
Segundo o Dicionário Aurélio, âmbito significa “contorno, periferia, circunferência, espaço delimitado,
recinto” e, na forma figurativa, “campo de ação, zona de atividade”. Portanto, no Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil o termo âmbito está com o sentido de delimitação de aspectos do
desenvolvimento infantil, como dimensão da aprendizagem.
1. Reta que passa pelo centro de um corpo e em volta da qual esse corpo
executa movimento de rotação. 2. Linha principal que divide um corpo em
partes, aproximadamente simétricas ou equilibradas. 3. Linha que corre na
mesma direção de duas paralelas. 4. Linha ou área de terreno que se estende
entre dois pontos geográficos extremos. 5. Peça destinada a articular uma
ou mais partes de um mecanismo que em torno dela descrevem movimento
circular. 6. Peça alongada, geralmente metálica, em cujas extremidades se
fixam as rodas de um carro. 7. Reta em torno da qual um astro executa seu
movimento de rotação. 8. Reta sobre a qual se fixa um sentido positivo; reta
orientada. 9. Reta comum aos planos de um feixe. 10. Fig. Ideia principal,
essência. 11. Fig. O ponto principal, o centro. 12. Fig. Apoio, suporte,
sustentáculo.
Assim, as definições para a palavra eixo encontradas nos dicionários são capazes de mostrar
a importância que os eixos dos âmbitos apresentados no Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil têm na orientação da reflexão do professor para a elaboração de seu
planejamento.
58
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
O primeiro deles é o estabelecimento dos objetivos, que devem ser definidos em termos de capacidades
e não de comportamentos. Isso significa que, ao definir seus objetivos, o professor prevê conquistas
cognitivas e não a memorização ou a resposta automática da criança.
Exemplo disso pode ser o objetivo de quantificar objetos na área da matemática. O que se espera é
que a criança seja capaz de entender quantos elementos existem em uma determinada situação posta e
não que ela conte em sequência porque memorizou a ordem numérica. Portanto, os objetivos não visam
a um comportamento condicionado da criança, mas a capacidade de pensar.
Na seleção desses conteúdos o professor deve prever que eles estejam equilibrados em três tipos: os
conceituais, que são os conceitos aprendidos pela pessoa conforme suas experiências; os procedimentais,
que estão relacionados a saber fazer certas coisas, colocar em prática os conceitos; os atitudinais, que se
referem aos valores e normas incorporados no processo ensino-aprendizagem.
A seleção de conteúdos que façam parte da realidade das crianças é importante para que elas
possam se envolver e participar das situações propostas pelo professor, uma vez que conhecem
algo sobre o assunto, ou seja, possuem conhecimentos prévios a respeito do tema. Porém,
com o avanço do estudo, as informações devem ser aprofundadas para que haja ampliação
das aprendizagens. Do contrário, as crianças trabalhariam sempre os mesmos conteúdos, da
mesma maneira, superficialmente, sem que eles pudessem contribuir para o desenvolvimento da
turma.
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, os conteúdos estão organizados por
blocos dentro dos eixos, mas no cotidiano o professor deve elaborar seu planejamento prevendo a
integração deles em torno de um assunto que seja significativo para as crianças, mesmo que os conteúdos
sejam de âmbitos e eixos diferentes.
59
Unidade I
Nas orientações didáticas, outro item dos componentes curriculares, está a organização do
tempo e do espaço. Arranjar adequadamente o tempo e o espaço é fundamental num planejamento,
pois a aprendizagem torna-se maior ou menor, mais ou menos eficiente em função desses
aspectos. Sobre o tempo, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil orienta a
divisão em:
• atividades permanentes, que são aquelas de rotina, que ocorrem com uma determinada frequência,
como as brincadeiras livres, as de artes, rodas de conversa, enfim, que estão estabelecidas em
intervalos periódicos, que podem ser mensais, quinzenais, semanais ou diários, desde que cumpram
a periodicidade;
• sequência de atividades são as que ocorrem em etapas de trabalho, pois necessitam ser desenvolvidas
com graduação de dificuldades, nas quais o professor vai aumentando o nível de desafio;
• projetos de trabalho são atividades que partem de um problema, um questionamento do grupo
e geram o interesse pelo estudo aprofundado de um tema. Em torno desse assunto o professor
organiza os objetivos e conteúdos.
Quanto ao espaço, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil orienta a organização
de acordo com a necessidade do trabalho, mas lembra que a aprendizagem transcende o espaço da sala
de aula, pois existem muitas possibilidades de aprendizagem em espaços externos, inclusive à escola.
O espaço também inclui a seleção e organização dos materiais, que devem ser dispostos de maneira
a facilitar o acesso da criança, permitir sua exploração e aprendizagem sem oferecer riscos à sua
segurança.
Por fim, entre os componentes curriculares está a avaliação, que deve ser vista como uma forma de
promover a autoestima da criança. Por isso, ela é chamada de avaliação formativa, uma vez que pretende
contribuir para a formação da criança. Para tanto, o professor usa como instrumentos principais a
observação e o registro.
É importante registrar o trabalho cotidiano da escola de Educação Infantil para que o professor tenha
documentadas as observações acerca dos progressos, sucessos e insucessos das crianças, objetivando
avaliar seu planejamento, se as atividades propostas foram interessantes e promoveram aprendizagens
significativas às crianças, se contribuíram para valorizar o desempenho dos alunos, tornando-os
confiantes de suas capacidades e elevando sua autoestima.
O planejamento da ação pedagógica do professor deve orientar-se por objetivos gerais na Educação
Infantil, e então o professor deve propiciar meios para que a criança desenvolva:
60
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
O planejamento de cada professor deve orientar-se também pelo projeto educativo da instituição,
que é mais abrangente e procura levar em conta as características da comunidade. O Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil aborda a questão da instituição e o projeto educativo.
Toda instituição deve ter um projeto educativo e nele devem constar as metas para melhorar tanto
61
Unidade I
as condições de aprendizagem das crianças quanto, na medida do possível, a qualidade de vida das
crianças e de suas famílias.
Para a elaboração de um projeto educativo, o primeiro passo é o estudo das condições externas
à instituição. As características socioculturais da comunidade precisam ser conhecidas para que o
educador saiba até que ponto pode ajudar a melhorá-las ou não. Existem certas condições que,
por meio de intervenção educativa, podem ser melhoradas. Por exemplo, prevenir certas doenças
orientando as famílias sobre a importância da vacinação ou de hábitos de higiene adequados. Essas
ações podem ser desenvolvidas com oficinas, palestras com profissionais da área, entre outras
medidas.
Já uma situação de saneamento básico depende das providências a serem tomadas pelos órgãos
governamentais competentes, e a ajuda que a instituição pode oferecer é apenas no sentido de indicar
os caminhos para que a comunidade possa lutar por seus direitos.
No projeto educativo também constam as condições internas para o alcance de metas que melhorem
a qualidade no atendimento e estas dependem mais dos profissionais da instituição. Se a equipe mantiver
união e envolvimento, os resultados certamente serão positivos.
Entre essas condições internas, a primeira citada pelo Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil é o ambiente institucional. As ações cooperativas e o respeito entre os adultos e entre
a instituição e as famílias favorecem o desenvolvimento do trabalho.
No cotidiano da instituição de Educação Infantil é imprescindível que haja espaço e tempo para
a formação continuada, afinal, a atualização teórica, a troca de experiências entre os profissionais é
condição para a manutenção de um trabalho com qualidade.
Cuidar do espaço físico e dos recursos materiais também é importante se o que se pretende é
a qualidade da aprendizagem. Deve haver um mínimo necessário em espaço e recursos materiais
suficientes ao desenvolvimento do trabalho, mas a maneira como o professor encaminha a atividade e
facilita a exploração da criança é ainda mais significativa.
Dentro do espaço deve ter material de apoio pedagógico adequado à idade e ao espaço existente.
Esses materiais devem ser arranjados de maneira coerente, de acordo com quantidade e tamanho, e não
atrapalhar a movimentação e interação das crianças.
Contudo, não basta ter uma infinidade de materiais se não houver segurança para a livre exploração.
É na ação exploratória que a criança aprofunda suas pesquisas e amplia a aprendizagem.
A formação dos grupos é outro item que merece atenção na instituição e no projeto educativo.
Normalmente o critério para montagem dos grupos está mais voltado para a necessidade dos adultos
de trabalharem com grupos homogêneos, e é claro que grupos constituídos por crianças que possuem
algumas capacidades semelhantes facilitam a dinâmica, como o fato de todas as crianças de um grupo já
conseguirem usar o banheiro e não usarem mais fraldas. Porém, os grupos heterogêneos não prejudicam
64
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças como acreditam alguns profissionais. Pelo contrário,
a mistura de faixas etárias provoca a aprendizagem pela mediação de conhecimento entre parceiros
mais experientes e parceiros menos experientes.
Figura 22
Assim, cabe à instituição, enquanto equipe profissional, definir os critérios para a formação de
grupos de crianças pela idade ou aquisição de certas habilidades, desde que sejam em benefício do
desenvolvimento e da segurança das crianças e que mantenham uma proporcionalidade ideal entre o
número de crianças e adultos responsáveis por elas.
A organização do tempo deve ser prevista na instituição em função da quantidade de horas que a
criança permanece nela. Diversificar os tipos de atividades, alterná-las entre movimentadas e calmas,
momentos de descanso e brincadeiras é fundamental para que a criança se sinta bem na instituição. A
rotina é importante para orientar a criança, que se sente mais segura com essa organização, mas por
outro lado não pode ser rígida demais, desconsiderando as necessidades infantis e os ritmos individuais
de cada criança.
65
Unidade I
A equipe de profissionais deve prever um ambiente de cuidados, que deve ser pensado e organizado
para satisfazer as necessidades infantis de acordo com a faixa etária, as horas que as crianças permanecem
na instituição, entre outras características levantadas.
As constituições familiares também devem ser respeitadas, pois atualmente existem vários tipos de
famílias, compostas das maneiras mais diversas possíveis, e o profissional tem o dever de respeitá-las.
Recentemente, inclusive, foi aprovada a lei que autoriza a união estável entre casais homossexuais, o
que certamente os beneficiarão no processo de adoção de crianças e, com isso, os professores deverão
lidar com a situação de maneira normal e não preconceituosa.
Assim como as famílias são diferentes em suas estruturas, também o são em suas culturas, em
seus valores e crenças sobre a educação da criança. Cada família possui uma expectativa em relação à
educação de seus filhos, o que pode ser divergente dos ideais educacionais da escola. Assim, é preciso
que a escola conheça as expectativas das famílias para juntas entrarem em acordos que beneficiem a
criança.
Dessa forma também podem ser facilitados os canais de comunicação. Nem sempre a falta de resposta
a um bilhete ou a um chamado denuncia o desinteresse por parte da família. Alguns impedimentos são
tão reais quanto graves.
No entanto, a participação das famílias não deve estar sujeita a uma única
possibilidade. As instituições de educação infantil precisam pensar em
formas mais variadas de participação de modo a atender necessidades e
interesses também diversificados (RCNEI, 1998, vol. I, p. 79).
Existem famílias que não comparecem a uma reunião porque seus componentes são analfabetos
e não conseguiram ler o bilhete. A instituição precisa assumir uma conduta de julgar menos e ajudar
mais para que a comunicação entre ela e a família flua em prol da criança, bem como procurar incluir o
conhecimento familiar no trabalho educativo.
Por fim, para a instituição e o projeto educativo um dos principais aspectos que merece a máxima
consideração e cuidado é o acolhimento das famílias e crianças na instituição. O processo de adaptação,
a entrada das crianças na escola, os primeiros dias devem ser planejados com cuidado para que tanto as
crianças como as famílias sintam segurança na equipe.
Alguns profissionais criticam a atitude da família, que fica receosa em deixar a criança na escola e
acaba passando essa insegurança para ela. Porém, é preciso entender que essa pode ser uma experiência
nova para todos e tudo que a família deseja é que a criança fique bem, que não sofra. Portanto, é
papel da equipe tranquilizar a família, mostrar que o ambiente está preparado adequadamente para
recebê‑la.
Este período exige muita habilidade, por isso, o professor necessita de apoio
e acompanhamento, especialmente do diretor e membros da equipe técnica
uma vez que ele também está sofrendo um processo de adaptação. Os
professores precisam ter claro qual é o papel da mãe (ou de quem estiver
acompanhando a criança) em seus primeiros dias na instituição.
Cuidado idêntico está no remanejamento de crianças para outras turmas, substituição de professores
ou em relação à mudança de escola. A criança precisa passar por um processo de preparação para
enfrentar a novidade.
As famílias também precisam ser acolhidas em outras necessidades, que podem ser específicas e, por
isso, são considerados casos especiais. Violência doméstica, alcoolismo, entre tantos outros problemas
sérios enfrentados pelas crianças e suas famílias, merecem atenção da instituição e não podem ser
ignorados por seus profissionais.
Resumo
mesmo pelos relatos de que os pais não colocavam limites a seus filhos, ou
seja, não estavam preocupados com a educação e formação moral de seus
pequenos.
71
Unidade I
O RCNEI está organizado por idade e por âmbitos e eixos. Essa classificação
visa deixar claro ao professor aspectos importantes a serem trabalhados,
mas essa divisão não deve aparecer nas propostas de atividades para a
criança, pois é importante que os âmbitos e os eixos se misturem, tornando
a ação infantil integrada e deixando-a manifestar-se por todas as formas
de linguagem.
- Orientações didáticas:
• Organização do tempo.
— Atividades permanentes (rotina, brincadeira, artes, roda de
conversa).
— Sequência de atividades (etapas de trabalho).
— Projetos de trabalho (partem de um problema – questionamento).
• Organização do espaço e seleção dos materiais (o espaço é arranjado
de acordo com a necessidade do trabalho – a aprendizagem
transcende o espaço da sala de aula).
Autoimagem positiva
Potencialidades e limites
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Exercícios
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A tirinha de Ziraldo apresenta-nos uma situação corriqueira. De um modo geral, tem-se a concepção
de que as crianças adquirirão os conhecimentos em um único dia e de uma única forma. Essa concepção
perde o sentido quando se pensa, por exemplo, nos ciclos básicos de alfabetização, pois os mesmos
pressupõem que a alfabetização é:
B) Linearmente construída.
C) Construída em processo.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa:
O desenvolvimento da criança é marcado por estágios, mas não a aprendizagem, e, ainda, essa
afirmativa transmite a ideia de estágios estanques e sucessivos, quando na verdade o desenvolvimento
da aprendizagem se dá num processo dialógico, permeado por idas e vindas.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Os teóricos mais prestigiados da educação, dentre eles Wallon, demonstram em seus estudos que o
desenvolvimento da criança é um processo descontínuo, repleto de contradições e conflitos.
C) Alternativa correta.
Justificativa:
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Unidade I
D) Alternativa incorreta.
Justificativa:
E) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Wallon demonstrou em seus estudos que o desenvolvimento da criança não se faz por etapas
sucessivas, é um processo descontínuo, cheio de contradições e conflitos. Se incorporarmos as ideias
de Vygotsky, veremos que a interação com o meio é decisiva na aprendizagem, portanto, não há como
organizar as experiências de vida em etapas sucessivas.
Questão 2 (Enade 2008). A professora afirmou que a baleia é um mamífero. Inconformado, Pedro
argumentou: “Mamífero é vaca, gato, cachorro, cujos filhotes mamam. A baleia vive dentro d’água, tem
nadadeiras, é um peixe”. A maioria dos colegas concordou com Pedro, mas todos começaram a mudar de
ideia ao assistir a um filme em que apareciam baleias pequenas sendo amamentadas. Pedro começou a
perceber que morar fora d’água não é algo que defina os mamíferos e que ter rabo de peixe, nadadeiras
e morar na água não são características apenas dos peixes.
A aprendizagem de Pedro foi gerada, segundo a teoria piagetiana, pelo processo de:
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