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Interestética: Em Busca De Um Novo Paradigma Estético Na Era Digital1

Autor
Priscila Arantes2

Universidade
Docente do curso de Tecnologia e Mídias Digitais da Pontifícia Universidade de São
Paulo ( PUC/SP)

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo discutir as bases de uma estética voltada à era
digital. Realiza um breve mapeamento da estética tecnológica, passando pelas estéticas
informacionais, cibernética, até chegar às discussões mais contemporâneas da estética
tecnológica. A partir deste mapeamento desenvolve o conceito de interestética como
uma das possibilidades para se pensar a estética contemporânea.

Palavras-chave

Estética tecnológica ; arte tecnológica ; interestética ; artemídia ; estética das mídias

Corpo do Trabalho

Não é habitual considerarmos o século XX como o século da estética e, no


entanto, em nenhum outro período da história se viu tal abundância de textos na área.
No século XX, contudo, a estética pretendeu ser muito mais que a teoria filosófica do
belo e do bom gosto, mantendo uma relação de cumplicidade com o mundo da
tecnociência , desde o desenvolvimento das novas tecnologias informacionais, passando
pela telemática até chegar à biotecnologia e nanoengenharia.
Com o aparecimento das técnicas de comunicação eletrônica e do tratamento
automático da informação os olhares dos estudiosos, já em princípios dos anos 60, irão
se voltar para a cibernética e para a teoria da informação tentando, a partir destas duas

1
Trabalho apresentado ao NP 08 - Tecnologia da Informação e da Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de
Pesquisa da Intercom. Coordenação: Prof. Paulo Vaz.
2
Priscila Arantes é crítica e pesquisadora em artemídia e estética digital. É professora de arte digital e estética
tecnológica da PUC/SP . Fez parte do corpo de jurados do Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas (2003) e
é pesquisadora no PEPG em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), onde desenvolveu o doutorado Arte e Mídia no
Brasil: por uma estética em tempo digital. Foi finalista do IV Prêmio Cultural Sérgio Motta com o projeto Brasil
Mídia Digital, desenvolvido em co-autoria com Marcus Bastos.

1
vertentes, delinear novas propostas estéticas. A introdução da informática no mundo das
artes, inicialmente através das criações em computer art nos anos 60 e, posteriormente,
através dos trabalhos artísticos em mídias digitais interativas levou alguns teóricos a
pensar em uma estética voltada especificamente ao digital que pudesse caminhar lado a
lado às descobertas e novas teorias científicas da época. As estéticas informacionais,
desenvolvidas por Abraham Moles e Max Bense, são um bom exemplo neste sentido.
Influenciada pela teoria da informação e cibernética, ela partia do pressuposto de que a
arte já não deveria ser mais definida em termos de beleza ou verdade, mas em termos de
informações estéticas, mensuráveis matematicamente. Teoria da informação e
percepção estética de Moles é precedida , quatro anos mais tarde, pela Obra Aberta de
Umberto Eco que retoma, em sua teoria, alguns paradigmas de Abraham Moles,
desenvolvendo-os e aplicando-os em análises de obras de arte. Apesar destas teorias
traduzirem com profundidade as mudanças na percepção do mundo impostas pelo
desenvolvimento das tecnologias da comunicação e do tratamento automático da
informação, elas só exploraram o campo artístico sob o seu aspecto informacional, não
levando em conta as interações entre a obra e o espectador.
Sobre esta questão seria interessante resgatar o pensamento de Marshall
Mcluhan que assinala a passagem da estética da forma da filosofia da arte para a
filosofia da mídia, exercendo grande influência nos pensadores da Escola de Toronto -
tal como Derrick de Kerckhove, - e nos pensadores da Estética da Comunicação. Com
seu volume Understanding Media, Mcluhan realiza uma viragem de enorme
importância, na qual os problemas da forma estética são repensados em relação aos
meios de comunicação. Seu ponto de partida é uma espécie de generalização das teorias
de Wolfflin (PERNIOLA:1997) sobre as formas de representação. Também para o
pensador canadense existiriam dois modos fundamentais para a percepção: um
homogêneo, linear, hierárquico, típico dos meios quentes e estreitamente ligado à escrita
alfabética, à imprensa, cinema e fotografia, e um segundo, típico dos meios frios que,
com baixa definição, solicitariam a intervenção ativa do fruidor, correspondendo à
televisão e ao computador.
São poucos, contudo, os pensadores que partilham o entusiasmo de Mcluhan
relativamente aos meios de comunicação e, principalmente, de sua relação positiva com
o mundo das artes, como é o caso de alguns representantes da Escola de Frankfurt, pela
qual a arte, absorvida pela lógica do mercado capitalista, teria perdido seus preceitos
estéticos. Já Gianni Vattimo (1996) assinala uma explosão da estética para fora de seus

2
limites precisos definidos pela tradição. O “estranhamente pervertido” colocado por
Vattimo é expressão de um sintoma geral no mundo contemporâneo, onde tudo é
aparência e simulacro. Paul Virilio (1999) fala em uma estética do desaparecimento, ao
se referir às tecnologias do tempo real e à revolução da comunicação que afetam , de
forma substantiva, nossas percepções. Menos radical é Walter Benjamim que, para
além de uma visão sociologizante da prática artística, enfrenta, de forma determinante e
ainda atual, a idéia de que as novas condições da produção e de fruição artística que
surgem na sociedade da comunicação de massa, modificam de maneira substancial a
essência da obra de arte.
Um pensador decisivo, para aqueles que querem mergulhar nos labirintos da
relação entre a estética e as novas mídias é Mario Costa, que estabeleceu, juntamente
com Fred Forest nos anos 80, as bases da Estética da Comunicação. Na realidade a
Estética da Comunicação, ainda que remetendo em seus primórdios à comunicação de
massa, começa a funcionar, posteriormente, segundo outro modo característico: aquele
das redes numéricas, atenta à teoria da cibernética e às possibilidades de interação e
feedback oferecidas pelas redes de telecomunicações.
A crítica à estética da forma é um dos pontos centrais dos teóricos da Estética da
Comunicação já que para estes pensadores a produção artística, que lida com
dispositivos midiáticos, nega a primazia da obra de arte acabada, instaurando uma
estética do evento, onde a obra é constante abertura. O que irá levar Mario Costa ( 1990)
entre outros pensadores tais como Lyotard (1993) a um retorno à noção de sublime, já
que o mistério do sublime, tal como nos mostra Kant (PERNIOLA:1997), “consiste
efetivamente em distinguir, através do sensível, qualquer coisa que o sensível não pode
apresentar sob o aspecto das formas”.
Mais recentemente Peter Weibel, ao se referir às práticas artísticas interativas
que empregam interfaces técnicas, utiliza o conceito da endofísica3 . Destruindo
qualquer tipo de dicotomia entre sujeito e objeto, Weibel4 (1996) inscreve as artes em

3
A endofísica foi desenvolvida a partir da teoria do caos e da teoria quântica, principalmente por Otto Rossler.
Conforme definição de Weibel: “Endophysics is a science that explores what a system looks like when the observer
becomes part of this systems”. (1996:341)
4
Em seu artigo The world as interface: toward the construction of context-controlled event-worlds in electronic
culture Weibel (1996) afirma: “The endoapproach to electronics implies that the possibility of experiencing the
relativity of the observer is dependent on an interface, and that the world can be described as an interface from the
perspective of an explicit internal observer. After all, isn’t electronic art a world of the internal observer par
excellence by virtue of its participatory, interactive, observer-centered and virtual nature? This leap from one external
and dominant viewpoint to an internal participatory also determines the nature of electronic art. Electronic art moves
art from an object – centered stage to a context –and observer –oriented one”

3
mídias digitais dentro de uma visão sistêmica5 , deslocando o paradigma da estética
centrada no objeto para uma estética centrada no contexto e nas situações relacionais.
Para Weibel, os paradigmas estéticos tradicionais foram profundamente alterados pelas
tecnologias mídiatico-interativas. Longe de ser uma obra de arte acabada e estática,
pensa Weibel, a arte em mídia digital incorpora uma visão dinâmica, interativa e
sistêmica, onde obra e interator não podem mais ser vistos separadamente:

The digital trinity of saved virtual information, variability of image-object, and


viability of image behavior has in fact animated the image through the generation of
a dynamic interactive visual system. In new–media art installations it is possible to
incorporate one or several human observers into computer-generated virtual
scenarios via computer – controlled junctions in the form of multisensorial
interfaces. The traditionally passive role of the observer in art is thus abolished.
(Weibel 1996: 349)

Pensar a arte em mídia digital a partir da noção de sistema significa dizer que
ela, em primeiro lugar, não é uma arte fechada, mas processual, desenvolvendo-se a
partir dos dispositivos interativos. O que importa não é o que é dado, mas, tal como a
cibernética deixou como legado ao mundo das ciências e das artes, o campo de relações
e conexões que se estabelecem entre o computador e interator, pensados, neste sentido,
como um grande organismo.
Se a estética das comunicações permeou , em grande parte, os discursos estéticos
do século XX, muitas vezes considerado como o século das comunicações,
recentemente os olhares dos estudiosos parecem ter se voltado , de forma mais enfática,
à estética da vida. Se a palavra vida indica alguma coisa que se encontra para além do
mero fato biológico, é porque ela implica a afirmação de um fim, o qual permite pensar
os acontecimentos particulares relativamente a qualquer coisa de mais geral e universal.
Roy Ascott (2003), um dos grandes teóricos contemporâneos das mídias digitais
e das artes telemáticas, assinala uma modificação profunda no mundo das mídias “em
que o mundo digital seco do computador está se unindo ao mundo biológico molhado
dos sistemas vivos, produzindo o que se pode chamar de mídias úmidas” . Para Ascott
essas novas mídias irão se tornar o substrato da arte do século XXI , quando os
cruzamentos entre telemática, biotecnologia e nanoengenharia irão informar e dar
5
De acordo com o senso comum a palavra sistema, do grego systema, significa um jogo de unidades interagindo ou
de elementos que formam um todo integrado, pretendendo executar alguma função.

4
substratos, cada vez mais intensos, ao processo de trabalho dos artistas. A estética
definidora desta mudança das mídias seria, para o teórico, a tecnoética, definida como
um novo nível de consciência possibilitada pelas tecnologias:

“ a estética definidora dessa mudança de mídias será a tecnoética, que é, digamos,


uma fusão do que conhecemos e ainda podemos descobrir sobre a consciência
(noética) com o que podemos fazer e acabaremos por alcançar com a tecnologia”

Já em seu ensaio Arte emergente: interativa, tecnoética e úmida, Ascott (1999)


cunhou o termo “realidade úmida”, para descrever os novos tipos de produção artística
que vêm explorando as tecnologias da vida artificial e da biotecnologia. Nestas
produções não se trata somente de construir novas realidades, mas de definir um novo
tipo de natureza, que não é nem digitalmente seca, nem biologicamente molhada, mas
uma natureza que é úmida, intermediária e híbrida, mescla do artificial com o natural.
De fato, um dos campos promissores da criação artística contemporânea tem se
desenvolvido nesta convergência do artificial com o natural. O que parece estar em jogo
nestas poéticas não é somente o processo dialógico, interativo , co-autoral e coletivo
possibilitado pelas tecnologias informacionais e pelas novas tecnologias de
comunicação, mas também esta dimensão ontológica que repensa a natureza do ser
humano , do corpo e da própria vida.
Estas propostas refletem o debate e os avanços científicos recentes, entre eles
àqueles resultantes do deciframento do DNA. Ao ‘descer’ no cerne das estruturas do ser
vivo - dos órgãos aos tecidos, dos tecidos às células - os biólogos acabaram esbarrando
na entidade última do ser vivo , decifrando seu código ‘secreto’:

“Desde então tudo se acelera. As pesquisas dos biólogos moleculares e dos


geneticistas convergem para o DNA, linguagem universal do mundo vivo. Em
alguns anos foi possível aprender e decifrá-lo , compreendendo seu código secreto,
‘lê-lo’ no texto, graças a máquinas automáticas, ‘escrevê-lo’ utilizando robôs
programados por computador” ( Rosnay: 1997, 89)

Mas se a vida é passível de ser codificada e copiada artificialmente “o que é a


vida”? Se existe a possibilidade de sistemas artificiais evoluírem e se auto-
reproduzirem o que acontece com a idéia que temos de vida, de ser humano e do corpo

5
humano? Será o corpo algo descartável, já que a vida é um puro código? Ou será que
este código depende do corpo para existir?
Independente da resposta a esta questão, uma coisa é certa: o questionamento
sobre o corpo, vida e ser humano tem se tornado uma das questões centrais das
experimentações artísticas contemporâneas, experimentações que tem caminhado
paralelamente aos avanços e desenvolvimentos da área científica, tais como a
cibernética e as ciências cognitivas. Robôs que podem expandir capacidades de nossos
corpos, criaturas artificiais que evoluem e se reproduzem, organismos artificiais que
vivem simbioticamente com organismos naturais, nano-robôs que penetram em nossos
corpos (Vesna: 2003) têm sido algumas das formas pelas quais os artistas
contemporâneos têm colocado em debate este problema filosófico.
De fato, a relação da arte com a ciência e tecnologia já é muito antiga. Mas,
atualmente, como aponta Couchot (2003) elas tem assumido uma importância cada vez
mais decisiva sobre o mundo da arte uma vez que os programas “que alimentam os
computadores são elaborados a partir dos modelos provenientes quase todos deste novo
lugar de interpretação da ciência e da técnica, largamente favorecidos pelo
desenvolvimento da informática que é a tecnociência”.
Como então pensar as categorias estéticas referentes a este novo período de
criação artística onde as questões da vida, da evolução e da criação de organismos
computacionais e sintéticos parecem ter se tornado uma das questões primordiais dos
artistas na contemporaneidade?
Um fator importante a se destacar é que a reflexão sobre a vida não nem um
pouco estranha ao pensamento filosófico e estético. Boa parte do discurso filosófico do
século XX, por exemplo, tal como nos mostra Mario Perniola (1997), se preocupou
com a interrogação sobre o “significado da vida”. Atualmente, contudo, quando as
fronteiras entre vida e não vida, entre o orgânico e o inorgânico se tornam cada vez mais
fluidas, parece ser urgente a necessidade de se repensar e criar novos paradigmas
estéticos que deêm conta das questões colocadas pela contemporaneidade.
Não por acaso Philippe Quéau (1985) desenvolve sua estética intermediária,
estabelecendo paralelos entre a arte digital e os processos naturais. Influenciado pela
metafísica aristotélica e pelas discussões filosóficas do devir no pensamento grego, o
filósofo desenvolve a idéia de que o movimento, a metamorfose e o devir constantes
seriam a característica definidora da arte digital. Longe de imitar a natureza, como fez a

6
6
prática artística tradicional ao longo dos anos, a arte intermediária emularia a lógica
intrínseca de funcionamento da natureza e dos sistemas vivos - o seu potencial de
metamorfose e devir constantes: “a arte intermediária é uma arte viva: ela pulsa como
uma planta ou uma árvore”, diz Quéau. (1985: 18)
A arte intermediária de Quéau é, portanto, uma arte viva. Ela não imita a
natureza como fez ao longo dos anos a prática artística tradicional - que se preocupava
em imitar, com perfeição, uma árvore - mas procura emular o seu comportamento
intrínseco abrindo, assim, um novo paradigma dentro da história da arte. Neste sentido,
o que importa não é somente a obra de arte em si, mas todo um campo de inter-relações
e inter-conexões que se estabelece no processo e desenvolvimento da obra, já que a arte
intermediária é antes de tudo uma obra em devir e metamorfose constantes.
Para Quéau, tanto as obras de arte ni terativas, que não lidam com sistemas de
vida artificial, quanto aquelas que têm a capacidade de emularem o funcionamento de
um organismo vivo - sua capacidade de auto-organização e auto-reprodução- devem ser
analisadas sobre a rubrica sistêmica já que tanto no primeiro quanto no segundo caso, a
obra de arte passa a ser um todo orgânico, só podendo ser entendida como resultado das
múltiplas interações que acontecem dentro do sistema.
Dentro deste espírito podemos citar, também, Félix Guattarri (1992) para quem
a arte “não detêm o monopólio da criação, mas leva ao ponto extremo uma capacidade
de invenção de coordenadas mutantes, de engendramento de qualidades de ser inéditas,
jamais vistas, jamais pensadas”. Para o autor o novo paradigma estético repousaria na
aptidão desses processos de criação para auto-afirmarem como fonte existencial, como
máquina autopoiética. A autopoiese, no sentido colocado por Maturana e Varela,
descreve os sistemas vivos como sistemas que produzem a si próprios, que geram e
especificam os seus próprios limites. Atrelar este conceito à prática artística é, portanto,
diluir a possibilidade de qualquer fronteira entre o orgânico e o inorgânico, entre o
natural e o artificial. Por outro lado, como ainda aponta Guattarri, este novo paradigma
estético teria implicações ético-políticas “porque quem fala em criação, fala em
responsabilidade da instância criadora em relação à coisa criada, em inflexão de estado
de coisas, em bifurcação para além de esquemas pré-estabelecidos e aqui, mais uma vez,
em consideração do destino da alteridade em suas modalidades extremas”.

6
Arte intermediária é um termo cunhado por Quéau para designar as manifestações artísticas desenvolvidas a partir
das tecnologias digitais.

7
Já Edmond Couchot (2003), especialmente em seu ensaio A segunda
interatividade: em direção a novas práticas artísticas, enfatiza o novo caráter da
experiência estética contemporânea, quando o desenvolvimento de algoritmos
inspirados em modelos provenientes das ciências cognitivas, notadamente o
conexionismo, fazem nascer um novo tipo de relação entre espectador e a obra a partir
da noção de segunda interatividade.
Acredito, neste sentido, que o conceito mais adequado para atender à estética
contemporânea e o de interestética7 . O radical inter aponta, em primeiro lugar, para uma
visão de estética que rompe com qualquer distinção abrupta entre natural e artificial,
sujeito e objeto, natureza e artifício, perto e longe, dentro e fora etc. Por outro lado, o
radical ‘inter’ traz consigo a idéia da interface técnica e, conseqüentemente, da
interatividade, tanto no sentido da primeira, quanto da segunda interatividade, tal como
colocado por Edmond Couchot. A interestética se refere a uma concepção de estética
centrada no aspecto contextual e sistêmico da prática artística em meio digital. De certa
forma, a interestética acompanha uma tendência que se verifica em outras áreas, na
contemporaneidade, como, por exemplo, na ciência contemporânea que, contrapondo-se
a uma visão de um mundo estático e sujeito a leis imutáveis e deterministas, defende a
idéia da instabilidade, do dinâmico, da multiplicidade. Sob esta ótica, a ênfase é dada
não mais aos fenômenos no seu isolamento, mas aos processos e às estruturas que os
geram.
Do ponto de vista filosófico a interestética não se pergunta o que a arte é, mas
como ela atua, deslocando o paradigma de uma estética centrada no objeto para pensar a
estética centrada no contexto e nas situações relacionais.
Ao “imitar” o comportamento sistêmico da natureza, a interestética propõe o
conceito de interpoiésis para se referir aos aspectos contextuais desta prática artística. À
semelhança da poiésis aristotélica, que se refere à maneira como a arte imita o
comportamento da natureza, a interpoiésis se refere à maneira como as artes em mídias
digitais imitam a ação sistêmica da natureza.
Neste sentido, a arte em mídia digital pode ser lida a partir da idéia de
interpoiésis, já que tanto as obras de arte interativas que não lidam com sistemas de vida
artificial, quanto aquelas que têm a capacidade de emularem o funcionamento de um

7
Este conceito é desenvolvido, de forma mais ampla em minha tese de doutoramento.

8
organismo vivo - sua capacidade de auto-organização e de auto-reprodução- devem ser
analisadas sobre a rubrica sistêmica.
É interessante perceber que a aplicação da noção de sistema à produção artística
contemporânea digital oferece uma dupla modificação na maneira tradicional de se
entender a obra de arte:

-1: A obra de arte não imita a natureza;


-2: A obra de arte emula 8 o comportamento sistêmico da natureza 9 . Em alguns casos, a
arte passa ‘a ser’ a própria natureza, como nos casos dos trabalhos autopoiéticos.

Por outro lado, analisar a arte como sistema expressivo envolto por uma teia
complexa de relações, implica em estabelecer conexões da estética com outras áreas de
conhecimento, como a física, a biologia e a matemática. Estas outras áreas poderiam ser
descritas como partes constituintes de outros subsistemas que acabam tendo influência
no pensamento da estética.
A interestética também se vê contaminada por discursos das áreas da
epistemologia e da ética, já que a confluência entre arte, ciência e tecnologia é uma
prerrogativa da interestética. Os trabalhos de vida artificial e os trabalhos de arte
transgênica, desenvolvidos por Karl Sims, Louis Bec, Christa Sommerrer, dentre outros
artistas da contemporaneidade, são um bom exemplo desta contaminação. Neste
sentido a estética, aqui, não é pensada como uma área da filosofia abaixo da ética ou da
epistemologia, mas antes, como uma área que, ao lado daquelas, produz conhecimento e
traz à luz novas formas de perceber e entender o mundo em que vivemos.
De fato, já que os artistas atuam na interface com engenheiros e cientistas e já
que a prática artística se utiliza dos mesmos dispositivos tecnológicos de produção de

8
O conceito de emulação esta atrelado a uma visão comportamental. No dicionário de termos multimídia pode-se
encontrar a seguinte definição de emulação: “ the process of using a computer to model the behaviour of another
computer – based system” (Cotton e Olivier 1994: 72)
9
É importante ressaltar que a visão sistêmica se desenvolve tanto para as produções digitais em que o interator é
chamado a atuar e dialogar com a obra (primeira interatividade), como naquelas produções que geram sistemas
artificiais com a capacidade de auto-organização e auto-reprodução, tal como aquelas produções desenvolvidas por
algoritmos genéticos (segunda interatividade). O conceito de segunda e primeira interatividade, ou interatividade
endógena e exógena, é discutido por autores como Edmond Couchot (Gianetti 2002: 118): “Edmond Couchot sugere
una diferenciación adicional entre interacción externa e interna. La interacción externa consiste en la interfaz
humano-máquina, así como en las formas ofrecidas por el entorno, cuyos datos son procesados por ordenador
mediante diferentes interfaces. La interacción interna corresponde al contrario, al comportamiento comunicativo entre
los propios objetos virtuales que puede generar modelos de comportamiento para la animación de los llamados
actores de síntesis”.

9
conhecimento, não há mais sentido em estabelecer separações rígidas entre estas áreas
dentro do discurso filosófico.
A produção artística, neste sentido, se manifesta de forma interdisciplinar
recebendo, muitas vezes, impulsos de diferentes áreas do saber para o desenvolvimento
de suas propostas estéticas. Para o artista contemporâneo as questões de linguagem são
tão importantes quanto as questões da área da física, da bioengenharia e da biologia
molecular. Para estes artistas não se trata somente de reproduzir conhecimentos já
adquiridos e estabelecidos, mas antes, de produzir, tal como as ciências, caminhos para
novos postulados ontológicos. Por outro lado, não se trata de ver a manifestação
artística como algo distante das questões éticas já que várias das propostas estéticas
contemporâneas trazem à tona questões que dizem respeito à manipulação genética e à
vida artificial.
A interestética, neste sentido, deve ser vista como uma estética híbrida que
pretende diluir os limites, trazendo para seu interior as inter-relações e interconexões
com outras áreas do saber. É uma estética que rompe com qualquer idéia de fronteira
rígida entre perto e longe, artificial e natural, real e virtual. Em suas diferentes
manifestações, seja a partir dos trabalhos de telepresença, realidade virtual ou de arte
transgênica, a interestética revela uma forma de compreensão da arte onde as searas se
misturam e se inter-relacionam continuamente.

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