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Universidade Federal da Paraı́ba

Programa de Pós-Graduação em Economia

Microeconomia II - Notas de Aula

Maria da Conceição Sampaio de Sousa

2019
Sumário

1 Introdução 3

Introdução 3

2 Equilı́brio Geral 4

Introdução 4

3 O modelo de trocas 6
3.1 A Estrutura do Modelo de Trocas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
3.2 Funções de Excesso de Demanda e o Equilı́brio Walrasiano . . . . . . . . . . . . 12
3.3 Desvios em relação à H1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

4 Eficiência dos mercados competitivos 26


4.1 Eficiência: Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.2 Núcleo (Core) da Economia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.3 Equilı́brio Competitivo e o Core . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.4 Teoremas Fundamentais da Teoria do Bem-estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

5 Existência, unicidade e estabilidade 48


5.1 Existência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.2 Unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
5.3 Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

6 Economias replicadas 72
6.1 Definições e Teoremas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
6.2 O Teorema do Limite do Core . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
6.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

7 Equilı́brio geral com produção 85


7.1 Produção: Definições e Teoremas Básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
7.2 Consumidores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
7.3 Equilı́brio em uma Economia com Produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
7.4 Alocações de equilı́brio walrasiano com produção: o modelo com dois fatores . . 99
7.5 Teoremas Fundamentais da Teoria do Bem-estar em uma Economia com Produção103

1
8 Bem-estar e escolha social 110
8.1 Teoria da Escolha Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
8.2 Teorema da Impossibilidade de Arrow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
8.3 Teorema de Gibbard-Satterthwaite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
8.4 Relaxando as Condições do Teorema de Arrow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
8.5 Escolhas Coletivas: A Cardinalidade Revisitada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
8.6 Funções de Bem-estar Utilitaristas e Rawlsianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
8.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

9 Justiça 141
9.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
9.2 Teorias da justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
9.3 Escolha Social sob Incerteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
9.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

10 Externalidades 146
10.1 Externalidades no Consumo e na Produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
10.2 O Problema dos Recursos Comunitários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
10.3 Internalização das Externalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
10.4 Mercados Incompletos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
10.5 O Teorema de Coase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
10.6 Outras Formas de Correção das Externalidades: Regulação dos Monopólios . . . 172
10.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174

11 Bens públicos 177


11.1 O Caso Discreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
11.2 Provisão Eficiente de Bens Públicos: A Regra de Bowen-Lindahl-Samuelson . . . 179
11.3 O Problema do “Carona” (free-rider ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
11.4 Provisão Privada dos Bens Públicos: Ineficiência do Equilı́brio de Subscrição . . 190
11.5 Alocação e Distribuição: O Teorema da Neutralidade . . . . . . . . . . . . . . . 194
11.6 O Efeito Deslocamento(Crowding out) dos Bens Públicos . . . . . . . . . . . . . 197
11.7 Equilı́brio de Lindahl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
11.8 Bens Públicos e Revelação de Preferências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
11.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204

12 Mecanismos para a provisão de bens públicos 206


12.1 Desenho de Mecanismos: Definições Básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
12.2 O Mecanismo de Vicrey-Clarke-Groves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
12.3 O Mecanismo de Bagnoli e Lipman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
12.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

13 Provas resolvidas 224


13.1 Correção de Questões Selecionadas de Provas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224
13.2 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
1

Introdução

3
2

Equilı́brio Geral

Every individual... intends only his own gain, and he is in this as in many other
cases led by an invisible hand to promote an end which was no part of his intention.
By pursuing his own interest he frequently promotes that of society more effectually
than when he really intends to promote it.
Adam Smith, Wealth of Nations, 1776

A análise de equilı́brio geral busca responder a seguinte questão: de que forma, um grande
número de indivı́duos, cujas decisões são aparentemente não relacionadas, se coordenam para
igualar ex-post a oferta e a demanda e produzir uma alocação eficiente dos bens e serviços.
Considerando-se que o consumo e a produção baseiam-se em fatores distintos, tais como pre-
ferências e tecnologia, não há nenhuma razão para que, ex-post, a demanda de bens e serviços
ajuste-se à disponibilidade efetiva desses bens, dada pela oferta. Torna-se, pois, necessário a
existência de algum mecanismo de racionamento que garanta que, no conjunto da economia, a
igualdade entre oferta e demanda prevaleça.
Existem, claro, várias formas de racionar a demanda, sendo o sistema de fila o mais
conhecido. Porém, desde o fracasso das economias centralizadas, as formas de racionamento
focadas em limites de quantidade praticamente desapareceram, não somente das economias
reais, mas também como objeto de estudo. Nas economias modernas, caracterizadas pela
tomada de decisão descentralizada, os mercados privados utilizam primordialmente o sistema
de preços, para compatibilizar a oferta e a demanda nos diferentes mercados. A investigação
do mecanismo de preços como forma de racionamento é, pois, o ponto central da teoria do
equilı́brio geral.
Vários economistas se debruçaram sobre esse tópico. Desde o trabalho seminal de Adam
Smith, até o modelo proposto por Walras, eles argumentam que o sistema de preços desempe-
nha um papel crucial na coordenação das decisões econômicas, de forma a garantir a existência
do equilı́brio geral da economia, particularmente, em ambientes competitivos. De acordo com a
teoria econômica consolidada, consumidores e produtores confrontam-se com os mesmos preços,
que constituem a informação comum a todos os agentes econômicos. Acredita-se que o meca-
nismo de preços, ao refletir e sintetizar as condições do mercado, permite conciliar decisões
individuais distintas relativas à demanda e a oferta de bens e serviços. Esse mecanismo repre-
senta, assim, a única informação necessária para calcular o equilı́brio simultâneo em todos os
mercados, para uma dada economia.
No âmbito dessa discussão, um resultado clássico refere-se ao fato de que o equilı́brio geral
competitivo, obtido por meio do funcionamento do mecanismo de preço, é também eficiente, de
uma forma que outros sistemas - particularmente aqueles usados nas economias centralizadas
- não conseguem sê-lo. O conceito de eficiência, formalizado por Pareto (1909), culmina no

4
primeiro teorema fundamental da teoria do bem-estar, de acordo com o qual as noções de
equilı́brio competitivo e eficiência são equivalentes.
Esta parte contém os capı́tulos 2 a 5. No capitulo 2, as ideias básicas da teoria do
equilı́brio geral em uma economia de trocas serão desenvolvidas sob a forma de definições e
teoremas. O Capı́tulo 3 discute a eficiencia do modelo competitivo e o núcleo da economia. No
capı́tulo 5, investigaremos tópicos como a existência, a unicidade e estabilidade do equilı́brio.
Para nos aproximarmos melhor do modelo original walrasiano, o capı́tulo 5 replica a econo-
mia original tratada nos capı́tulos 2 e 3, para um número finito de agentes e discutiremos as
implicações desse procedimento sobre o equilı́brio geral e a eficiência. Por fim, o Capı́tulo 6
amplia a análise para incluir a produção.
3

O modelo de trocas

The propensity to truck, barter and exchange one thing for another is common
to all men, and to be found in no other race of animals.

Adam Smith, Wealth of Nations, 1776

A análise de equilı́brio geral busca responder a seguinte questão: de que forma, um


grande número de indivı́duos, cujas decisões são aparentemente não relacionadas, se coorde-
nam para igualar ex-ante a oferta e a demanda e produzir uma alocação eficiente dos bens e
serviços. Considerando-se que o consumo e a produção baseiam-se em fatores distintos, tais
como preferências e tecnologia, não há nenhuma razão para que, ex-post, a demanda de bens
e serviços ajuste-se à disponibilidade efetiva desses bens, dada pela oferta. Torna-se, pois, ne-
cessário utilizar algum mecanismo de racionamento que garanta que a igualdade entre oferta e
demanda prevaleça no conjunto da economia.
Existem, claro, várias formas de racionar a demanda, sendo o sistema de fila o mais
conhecido. Porém, desde o fracasso das economias centralizadas, as formas de racionamento
focadas em limites de quantidade praticamente desapareceram, não somente das economias
reais, mas também como objeto de estudo. Nas economias modernas, caracterizadas pela
tomada de decisão descentralizada, os mercados privados utilizam primordialmente o sistema
de preços para compatibilizar a oferta e a demanda nos diferentes mercados. A investigação
do mecanismo de preços como forma de racionamento é, pois, o ponto central da teoria do
equilı́brio geral.
Vários economistas se debruçaram sobre esse tópico. Desde o trabalho seminal de Adam
Smith até o modelo proposto por Walras, eles argumentam que o sistema de preços desempenha
um papel crucial na coordenação das decisões econômicas, no sentido de garantir a existência
do equilı́brio geral da economia, particularmente, em ambientes competitivos. De acordo com a
teoria econômica consolidada, consumidores e produtores confrontam-se com os mesmos preços,
que constituem a informação comum a todos os agentes econômicos. O mecanismo de preços,
ao refletir e sintetizar as condições do mercado, permite conciliar decisões individuais distintas
relativas à demanda e a oferta de bens e serviços. Além disso, este mecanismo representa a
única informação necessária para calcular o equilı́brio simultâneo em todos os mercados.
Por fim, no âmbito dessa discussão, um resultado clássico refere-se ao fato de que o
equilı́brio geral competitivo, obtido por meio do funcionamento do mecanismo de preço, é
também eficiente, de uma forma que outros sistemas - particularmente aqueles usados nas
economias centralizadas - não conseguem sê-lo. O conceito de eficiência, formalizado por Pareto
(1909), culmina no primeiro teorema fundamental da teoria do bem-estar, de acordo com o qual
as noções de equilı́brio competitivo e eficiência são equivalentes.

6
O modelo de trocas

3.1 A Estrutura do Modelo de Trocas


A essência de um modelo de equilı́brio geral competitivo pode captada pela análise de uma
economia abstrata, sem produção. Nesse tipo de economia, denominado Economia de Trocas, o
foco é mostrar que as negociações entre consumidores (único agente considerado) são vantajosas,
isto é, eles estarão mais satisfeitos com a alocação pós-trocas do que com a sua cesta de
bens e serviços, dada pela dotação inicial. Nessa economia, um número finito de agentes
transaciona um número finito de bens em mercados competitivos, de sorte que os consumidores
são tomadores de preço. A dotação inicial, avaliada aos preços de mercado, irá compor a renda
dos consumidores.
Aqui, o ponto central é encontrar um sistema de preços que compatibilize ex-post a de-
manda e a oferta dos bens comercializados. Trata-se, pois, de um problema de redistribuição
dos bens a partir de dotações fixas. Estas redistribuições se fazem por meio do sistema de
preços, que leva em conta as dotações iniciais e as restrições de preferências dos agentes, re-
presentadas pelas funções de utilidade. Doravante mencionado como preços walrasianos, estes
preços constituem o equilı́brio geral da economia. Avaliando-se, simultaneamente, a deman-
das e as ofertas (dotações) dos bens e serviços aos preços walrasianos, obtém-se a alocação de
equilı́brio walrasiana. Esta alocação, não somente constitui a distribuição ótima dos bens entre
consumidores, mas também é eficiente no sentido de Pareto.
Quando existem apenas dois bens e dois consumidores, a economia pode ser descrita em
uma Caixa de Edgeworth, onde as alocações, dotações e preferências que a caracterizam são re-
presentadas (Figura 3.1). Nesta caixa, as unidades do bem 1 são mensuradas no eixo horizontal
e as quantidades do bem 2 são representadas no eixo vertical. A origem para o consumidor 1 é
O1 e O2 corresponde à origem para o consumidor 2. O ponto e = (e1 , e2 ) é a dotação inicial da
economia com e1 = (e11 , e12 ) e e2 = (e21 , e22 ). As alocações dessa economia consistem nas quanti-
dades consumidas pelos consumidores 1 e 2, (x1 , x2 ), com x1 = (x11 , x12 ) e x2 = (x21 , x22 ). A altura
e a largura dessa caixa representam as dotações totais dos bens; obviamente, todas as alocações
situadas dentro da Caixa de Edgeworth são factı́veis. As preferências dos consumidores são
convexas e representadas pelas curvas de indiferença, mostradas na Figura 3.1.
Podemos, agora, representar o equilı́brio geral na Caixa de Edgeworth. Para um dado
vetor de preços p = (p1 , p2 ), é possı́vel determinar a restrição orçamentária de cada consumidor
e usar as curvas de indiferença para obter as alocações de cada agente. Resta agora procurar um
vetor de preços que permita igualar a demanda agregada - sobre bens e consumidores - com a
dotação total (oferta agregada), simultaneamente, nos mercados do bem 1 e 2. Restringiremos
0
nossa busca à curva CC , que representa a curva de contrato da economia. Esta curva mostra
o subconjunto das alocações nas quais as curvas de indiferença dos dois consumidores são
tangentes, indicando que esses agentes não podem elevar, simultaneamente, seus nı́veis de
0
utilidade. É fácil mostrar que qualquer ponto fora da curva CC - a alocação F, por exemplo
- é dominada por uma alocação sobre esta curva (a alocação B, por exemplo) sendo, pois,
excluı́da, das candidatas à alocação de equilı́brio.

7
O modelo de trocas

Figura 3.1: Equilı́brio Walrasiano na Caixa de Edgeworth

Segue-se, então, que a procura pelo equilı́brio walrasiano deve se fazer ao longo da curva
de contrato. No entanto, nem todas as alocações situadas sobre a curva CC / ) qualificam como
equilı́brio walrasiano. Considere o segmento cc/ da curva de contrato. Qualquer redistribuição
de bens do ponto e para outra alocação fora do segmento cc/ melhorará a situação de um
consumidor às expensas do outro consumidor. Como as trocas são voluntárias, o consumi-
dor prejudicado recusará a mudança e, portanto, a troca não se realizará. Observe, agora, as
alocações situadas dentro da lente formada pelas curvas de indiferença que passam pela dotação
(ponto e), delimitadas pelo segmento cc/ . Redistribuições a partir do ponto e permitem me-
lhorar, simultaneamente, a situação dos dois consumidores (ou melhorar a situação de um sem
prejudicar o outro). Ambos os consumidores têm, pois, interesse em negociar suas dotações
para atingir nı́veis mais elevados de satisfação. Porém, nem todas as alocações contidas nesta
lente são candidatas ao equilı́brio. Aquelas que estão fora da curva de contrato são dominadas
pelas que estão sobre o segmento cc/ . A procura pelo equilı́brio será, pois, limitada ao segmento
cc/ da curva de contrato.
Uma redistribuição da dotação e para o ponto Ew , situado sobre o segmento cc/ , eleva
as utilidades dos dois consumidores em relação ao ponto de dotação e, fazendo com que ambos
se beneficiem com as trocas. Considere agora a linha de preços relativos, P P / que passa pelo
ponto e, de dotação inicial, cuja inclinação é −p1 /p2 . Esta linha de preços tangencia a curva
de indiferença dos dois consumidores no ponto Ew . Dada a dotação inicial e as preferências,
a linha P P / , viabiliza a distribuição ótima dos bens entre os agentes 1 e 2, representada pelo
ponto Ew . Além disso, verifica-se facilmente que as vantagens das trocas se exaurem em Ew .
Trata-se, pois, do equilı́brio geral da economia: neste ponto, a demanda agregada é igual a
dotação agregada.

3.1.1 Definições e Teoremas Básicos


O modelo simplificado apresentado na caixa de Edgeworth contém a essência do equilı́brio
walrasiano. A generalização desse modelo para incluir um número finito de consumidores e
de bens é imediata. Considere uma economia composta de I consumidores e K bens, de
sorte que I = (1, . . . i, . . . I) e K = (1, . . . k, . . . K). A dotação e o consumo agregado da

8
O modelo de trocas

economia são, respectivamente, e ≡ (e1 , . . . , eI ) e x ≡ (x1 , . . . , xI ). Supõe-se que os preços


p ≡ (p1 . . . , pk , . . . , pK ) são estritamente positivos, isto é, p ∈ RK
++ e lineares: cada unidade
de um dado bem - o bem k, por exemplo - é vendida ao mesmo preço, pk , não havendo, pois,
descontos sobre grandes quantidades. Formalmente, as definições e os teoremas básicos da
teoria do equilı́brio geral serão apresentadas a seguir.

Definição Economia de Trocas Uma economia de trocas, ε, é definida como: ε ≡ (X i , %i , ei ),


onde ∀i ∈ I, X i é o conjunto de consumo, %i são as preferências e ei ∈ X i corresponde à dotação
inicial do agente i.

Definição Alocações Uma alocação x ∈ X, definida em RK


+ , especifica uma cesta de consumo
para cada consumidor i ∈ I.

x ≡ [(x11 , . . . x1k , . . . x1K ), . . . , (xI1 , . . . xIk , . . . xIK )]

A alocação de consumo do agente i é dada por xi ≡ (xi1 , . . . xik , . . . xiK ) ∈ X i , onde X i é o


conjunto de consumo deste agente, cuja dotação inicial é ei ≡ (ei1 , . . . eik , . . . eiK ).

Definição Alocações Factı́veis Uma alocação x é factı́vel se, e somente se, para uma dada
dotação inicial, x ∈ F (e), o conjunto das alocações factı́veis, definido como:
( )
X X
i i
F (e) ≡ x| x = e (3.1)
i∈I i∈I

Isto é, para cada bem, a quantidade total consumida não deve exceder a dotação total,
possuı́da pelos I consumidores. Estamos implicitamente supondo que os bens são de livre
descarte (free disposal ). Isso não implica que todos os bens serão, necessariamente, consumidos:
apenas que, se houver quantidades não consumidas, essas quantidade poderão ser descartadas
sem custo algum.

Definição Alocações Individualmente Racionais IR Uma alocação xi = (xi1 , . . . , xiK ) é


individualmente racional se, e somente se, o consumidor i prefere a alocação xi a sua alocação
inicial, ei . Isto é:

xi = (xi1 , . . . , xiK ) %i ei = (ei1 , . . . , eiK ) ⇐⇒ u(xi ) > ui (ei ), ∀i ∈ I

Para esta definição, a intuição é óbvia. Um agente racional engajar-se-á no processo de


trocas, se, e somente se, a utilidade da alocação dele resultante for pelo menos igual à obtida
com a sua dotação inicial.
Exemplo 3.1 Seja uma economia de trocas com dois bens de consumo 1 e 2 e dois consu-
midores. Suponha, ainda, que as preferências e as dotações são dadas pelas seguintes equações:

u1 (x11 , x12 ) = 2x11 + x12 ; e1 = (0, 1) (3.2)


u1 (x21 , x22 ) = x21 x22 ; e2 = (1, 0) (3.3)

Encontre o conjunto das alocações Individualmente Racionais, IR(e), desta economia.


Solução: sabendo-se que u1 (e1 ) = 1 e u2 (e2 ) = 0, IR(e) escreve-se como:

IR(e) = {(x11 , x12 ) ∈ R+


4
| 2x11 + x12 ≥ 1, x11 ≤ 1, 0 ≤ x12 ≤ 1, x11 + x21 = 1, x12 + x22 = 1}

A renda do consumidor corresponde ao valor de sua dotação inicial, avaliado aos preços
de mercado. Esta renda é variável diferindo, pois, da renda definida nos modelos de equilı́brio
parcial. O conjunto orçamentário do agente i é B(p, ei ), definido como:

9
O modelo de trocas

Definição Conjunto Orçamentário B(p, ei ) = x ∈ RK i i


++ | px ≤ pe .

Este conjunto contém todas as cestas de consumo que o consumidor i poderá comprar, aos
preços p ≡ (p1 , . . . pk , . . . pK ).
Definição Correspondências de Demanda x(p, pei ) = {x ∈ B(p, ei )} se não existe y ∈
B(p, pei )i | y i x, com y, x ∈ R+ .
A correspondência de demanda para o consumidor i são regras que associam os preços às
alocações factı́veis de consumo, xi ; a definição acima afirma que não existe, pois, cesta de
consumo factı́vel, y, tal que y seja preferı́vel à cesta xi . Supondo-se que as preferências do
i-ésimo consumidor são representadas pela função de utilidade, ui (xi ), podemos redefinir a
expressão acima como:

Definição x(p, pei ) = {x ∈ B(p, ei )} se não existe y ∈ B(p, pei )i | y i x, com ui (y) > ui (x).
R+ .
Vamos, agora, impor condições fortes sobre as preferências, representadas pelas funções de
utilidade, ui (xi ). Embora, na maioria dos casos, resultados similares possam ser obtidos usando
hipóteses mais fracas, condições mais fortes implicam que as correspondências de demanda
constituem, de fato, funções de demanda o que simplifica a análise. A Hipótese 1, doravante
mencionada como H1, resume estas condições:
H.1 A função de utilidade ui é contı́nua, fortemente crescente e estritamente quase-côncava
em <n+ (reais positivos). Cada consumidor resolve o seguinte problema, dado p:
max ui (xi )
x∈<K
+

s.a. pxi ≤ pei (3.4)


p = (p1 , . . . , pK )  0
cuja solução é xi (p, pei ), que é a demanda do i-ésimo consumidor pelos n bens.

As condições sobre as preferencias sintetizadas em H.1 nos são familiares pela teoria do consu-
midor. A intuição básica para a exigência da continuidade da função de utilidade é excluir a
possibilidade de reversões súbitas de preferências. Isto é, se considerarmos duas cestas de bens,
x, y ∈ X, se x  y, então, pequenos desvios a partir da cesta x ou da cesta y, não modificarão
a ordem das preferências.
A segunda condição diz respeito à monotonicidade das preferências, cuja intuição é ”mais
é melhor.”Aumentado-se a quantidade de alguns bens não reduz a satisfação dos consumidores;
uma maior quantidade de todos os bens é estritamente desejável. Note-se que o fato de ui (xi )
ser fortemente crescente implica monotonicidade forte das preferências, isto é, ∀x, ∀y ∈ X, se
xk ≥ yk , e x 6= y, então, xk  yk .
A quase concavidade estrita da função de utilidade, ui , assumida em H.1, substitui a
hipótese mais forte de concavidade estrita. Esta hipótese exclui a possibilidade de curvas de
indiferenças com segmentos planos garantindo, assim, que o equilı́brio do consumidor i seja
único.
As condições impostas por H1 podem ser substituı́das por hipóteses mais fracas. Assim,
por exemplo, a monotonicidade forte pode ser substituı́da pela hipótese de não saciedade local
e a quase concavidade estrita pode ser mudada para quase concavidade. Condições mais fracas
permitem incluir outros tipos de preferências, distintos daqueles inclusos em H1. Desvios em
relação a H1 serão tratados em seção subsequente. Respeitando-se H1, o consumidor i maxi-
miza ui (xi ) sujeito a sua restrição orçamentária (pei ). Resultam desse processo, as demandas
individuais, representadas por xi = (p, pei ), pelos diferentes bens.

10
O modelo de trocas

Teorema 3.1 Propriedades Básicas da Demanda Se ui satisfaz H.1, então para todo p,
tal que p  0, o problema do consumidor tem uma solução única, xi (p, pei ).

Prova A demanda, xi (p, pei ), é contı́nua em p em <n++ . A continuidade da demanda decorre


do fato de que p  0. Exclui-se, pois, a caso em que p = 0, o que tornaria a demanda infinita.
Esta restrição implica que o conjunto orçamentário é limitado. A monotonicidade forte das
preferências garante que a restrição orçamentária seja satisfeita na igualdade. Por fim, como
ui é estritamente quase-côncava, o equilı́brio do consumidor é único.

No modelo com dois bens, a Figura 3.2 ilustra graficamente o equilı́brio do consumidor i.
Verifica-se, facilmente que, no equilı́brio ponto E - H1 é satisfeita.

Figura 3.2: Equilı́brio do Consumidor sob H1

Exemplo 3.2 Considere uma economia de troca com dois bens e três consumidores. Ana
sempre demanda uma quantidade igual dos dois bens. Bernardo gasta com o bem 1, o dobro do
que gasta com o bem 2. Carlos nunca consome o bem 2.
1. Descreva o mapa de indiferença dos três consumidores e sugira funções de utilidade consis-
tente com suas preferências;

2. Suponha que as dotações originais são (5; 0), (3; 6) e (0; 4); compute a relação de preços
de equilı́brio;

3. Qual seria o efeito sobre os preços de equilı́brio e os nı́veis de utilidade, caso Ana e Carlos
recebam 4 unidades adicionais do bem 1?

Solução: suponha que o bem 2 seja o numerário de sorte que os valores serão mensurados em
termos do bem 2; defina p1 /p2 = p. A restrição orçamentária de Ana é:

pxA A
1 + x2 = 5p (3.5)
Sabendo-se que xA A
1 = x2 e usando 3.5, tem-se que:

5p
xA A
1 = x2 = (3.6)
p+1

11
O modelo de trocas

A função de utilidade consistente com o comportamento de Ana é:

uA = min{xA A
1 , x2 } (3.7)

O Gráfico ?? mostra o mapa de indiferença de Ana.


A restrição orçamentária de Bernardo é:

pxB B
1 + x2 = 3p + 6 (3.8)

As preferências de Bernardo implicam que xB B


1 = 2x2 . Substituindo-se este valor na
equação 3.8, tem-se que:
4
xB
1 = 2+ ; xB
2 = p+2 (3.9)
p
A função de utilidade consistente com o comportamento de Bernardo é:

uB = 2logxB B
1 + logx2 (3.10)

A restrição orçamentária de Carlos é:

pxC C
1 + x2 = 4 (3.11)

Usando 3.11 e o fato de que Carlos nunca consome o bem 2, tem-se que:
4
xC
1 = ; xC
2 = 0 (3.12)
p
A função de utilidade consistente com o comportamento de Carlos é:

uC = xC
1 (3.13)

Podemos agora calcular o excesso de demanda pelo bem 2: z2 (p) = z2A (p) + z2B (p)
5p
z2 (p) = + p + 2 − 10 (3.14)
p+1
Anulando-se a expressão acima, e lembrando que p >> 0, encontramos os preços walra-
sianos, p = 4. As alocações de equilı́brio walrasiano e as utilidades de Ana, Bernardo e Carlos
são:
5p
xA A
1 =x2 = = 4; uA =4
p+1
4
xB
1 =2 + = 3; xB
2 = p+2 = 6 uB =3log(3) + log(2) = 1, 7324
p
4
xC
1 = = 1; xC
1 = 0; uC =1
p

3.2 Funções de Excesso de Demanda e o Equilı́brio Wal-


rasiano
Para encontrar o equilı́brio simultâneo em todos os mercados, vamos proceder à agregação da
demanda e das dotações iniciais, sobre os consumidores. Para facilitar a exposição, ao invés
de se considerar, separadamente, as funções de demanda e as dotações iniciais para encontrar
o equilı́brio, usar-se-á o conceito de demanda lı́quida - ou excesso de demanda - para um dado

12
O modelo de trocas

bem. Nas economias de trocas, isso equivale à subtrair a dotação agregada (oferta), da demanda
total para o bem considerado. Repetindo-se o procedimento para os K − 1 bens, obtém-se as
demandas lı́quidas, nos K mercados da economia ε. Anulando-se simultaneamente estas de-
mandas lı́quidas, encontra-se o vetor K-dimensional de preços, p, doravante mencionados como
preços walrasianos. As demandas dos K bens, avaliadas aos preços walrasianos, representam
as alocações de equilı́brio walrasiano (AEW), x(p∗ ). Elas asseguram que a demanda agregada
iguala-se à oferta agregada em cada mercado.
No que se segue, descreveremos, formalmente, as funções de demanda lı́quida, agregadas
por consumidor. Para tal, considere-se o bem k ∈ K. O excesso de demanda agregado para
esse bem, zk (p), define-se como:

Definição Excesso de Demanda Agregado para o Bem k


X X
zk (p) = xik (p, pei ) − eik (3.15)
i∈I i∈I

Se zk (p) > 0, existe um excesso de demanda positivo para o k-ésimo bem. Ocorre o contrário
quando zk (p) < 0; tem-se, então, um excesso de oferta para o bem k. Agregando-se a função
zk (p) sobre os bens, obtém-se a função de excesso de demanda agregado do conjunto da econo-
mia:

Definição Funções de Excesso de Demanda Agregado

z(p) = [z1 (p), . . . , zK (p)] (3.16)

As propriedades das funções de excesso de demanda serão examinadas no âmbito do Teorema


3.2:

Teorema 3.2 Propriedades das Funções de Excesso de Demanda Agregado Se ui


satisfaz (3.4), ∀i ∈ I, então, ∀p  0, z(p) é contı́nua em p, satisfaz a Lei de Walras e é
homogênea de grau zero nos preços, isto é, z(λp) = z(p), ∀λ > 0.

Prova A continuidade de z(p) decorre de H1. Resta agora demonstrar que z(p) satisfaz a
Lei de Walras e é homogênea de grau zero nos preços.

3.2.1 z(p) satisfaz a Lei de Walras


A função z(p) satisfaz a Lei de Walras pelo fato de ui ser estritamente crescente, fazendo com
que a restrição orçamentária seja respeitada na igualdade:
K
X K
X
pk xik (p, pei ) − pk ei = 0
k=1 k=1
Rearrumando-se os termos e somando-se sobre os indivı́duos:

I X
X K
pk (xik (p, pei ) − eik ) = 0
i=1 k=1 zk

XK X I
pk (xik (p, pei ) − eik ) = 0
k=1 i=1
XK
pk zk (p) = 0
k=1

13
O modelo de trocas

Implicações da Lei de Walras


A lei de Walras pode ser vista como a restrição orçamentária agregada da economia. Em
decorrência dessa lei, é possı́vel mostrar que existem somente K − 1 funções de excesso de
demanda independentes: se K − 1 mercados estiverem equilibrados, o K-ésimo mercado estará
necessariamente em equilı́brio. Para K=2, a Lei de Walras (p1 z1 (p) + p2 z2 (p) = 0) implica:

p1 z1 (p) = −p2 z2 (p); p  0 e z1 (p) = 0 =⇒ z2 (p) = 0.

Entre as K funções de excessos de demanda usadas para determinar os preços walrasi-


anos, apenas K − 1 funções são independentes. Nesse caso, somente é possı́vel definir K − 1
preços relativos, mensurados em termos do preço de um dado bem, que servirá como numerário.
Esses K − 1 preços, doravante mencionados como preços walrasianos, junto com o preço do
bem que serve como numerário, constituem o equilı́brio walrasiano.
Fora do equilı́brio, temos outra implicação da Lei de Walras: se para alguns mercados,
os excessos de demanda são positivos, outros mercados (ou, pelo menos um) devem compen-
sar esses desequilı́brios, apresentando excessos de oferta. O exemplo abaixo ilustra esse caso,
quando K = 2. Considerando que p1 , p2 são estritamente positivos, então, pela Lei de Walras:

z1 (p) > 0 =⇒ z2 (p) < 0


.
Então, se houver excesso de demanda positivo no mercado do bem 1, haverá excesso de
oferta no mercado do bem 2.
Outras implicações da lei de Walras:

Proposição 1 Bens Livres Em razão da Lei de Walras, se p∗ é um equilı́brio competitivo


e zj (p∗ ) < 0 =⇒ p∗j = 0. Nesse caso, o bem j é um bem livre.

Prova por contradição: Suponha que p∗j > 0. Então, p∗j zj (p∗ ) < 0. Isto implica pz(p∗ ) < 0,
contradizendo a Lei de Walras. Logo o bem j é um bem livre.

Definição Bens Desejáveis


Se p∗j = 0, então, zj (p∗ ) > 0.

Isto é se o preço de um dado bem é zero, o excesso de demanda por este bem é estrita-
mente positivo. Segue-se, então, que:

Proposição 2 Se todos os bens são desejáveis e p∗ é um equilı́brio walrasiano, então, z(p∗ ) = 0.

Prova Suponha que z(p∗ ) < 0. Então, pela Proposição 3.2.1 p∗j = 0. Porém, pela definição de
desejabilidade, z(p∗ ) > 0, o que gera contradição.

3.2.2 Homogeneidade de grau zero de z(p)


O fato de que as funções de excesso de demanda são homogêneas de grau zero nos preços pode
ser facilmente verificado. Para λ > 0, considere o seguinte problema de otimização,

max ui (xi )
x∈<K
+

s.a. (λp)xi ≤ (λp)ei (3.17)


p = (p1 , . . . , pK )  0

14
O modelo de trocas

Multiplicando-se todos os preços por λ não altera a restrição orçamentária dos consu-
midores. Portanto, o problema 3.17 é equivalente ao problema (3.4). Sendo os excessos de
demanda individuais homogêneos de grau zero nos preços, o excesso agregado de demanda
também o será, isto é,

z(λp) = z(p) (3.18)

Implicações da Homogeneidade: Normalização dos Preços


A homogeneidade das funções de excesso de demanda é de grande valia na procura do equilı́brio
geral da economia porque permite normalizar os preços no intervalo (0, 1). De fato, no modelo
com dois bens e dois consumidores, se (p1 , p2 ) for um vetor de preços de equilı́brio, o vetor
1 0 0
(λp1 , λp2 ) também o é, desde que λ > 0. Definindo λ como p0 +p0 e (p1 , p2 ) como os preços de
1 2
equilı́brio, então, os preços p1 e p2 também o são:
0 0
p p
p1 = 0 1 0 e p2 = 0 2 0
p1 + p 2 p 1 + p2
Somando-se os preços p1 e p2 , tem-se que,
0 0
p p
p1 + p2 = 0 1 0 + 0 2 0 = 1
p1 + p2 p1 + p2
Podemos restringir nossa atenção aos preços (p1 , p2 ), tais que p1 + p2 = 1. Fixando os
preços p1 e p2 = 1 − p1 , e supondo que xi (p) é uma solução para o problema do consumidor,
a esses preços, a hipótese de não-saciedade local (ui estritamente crescente) garante que a
restrição orçamentária seja satisfeita na igualdade. Temos, então, que :

p1 xi1 + p2 xi2 = p1 ei1 + p2 ei2

Rearrumando a expressão acima, tem-se o valor para xi2 :

p1 ei1 + p2 ei2 − p1 xi1


xi2 =
p2
Note-se que os Ppreços normalizados satisfazem a Lei de Walras. Se o mercado do bem 1
I i
PI i
estiver em equilı́brio, i=1 x1 = i=1 e1 , em decorrência da lei de Walras, o mercado do bem
2 também está em equilı́brio. De fato:

I I 
p1 ei1 + p2 ei2 − p1 xi1
X X 
xi2 =
i=1 i=1
p2
" I I
#
1 X X
= p1 (ei1 − xi1 ) + p2 ei2
p2 i=1 i=1
" I
#
1 X
= p2 ei2
p2 i=1

Finalmente:
I
X I
X
xi2 = ei2
i=1 i=1

15
O modelo de trocas

Exemplo 3.3 Seja o conjunto de funções z1 (p) = (p2 + p3 )/p1 , z2 (p) = (p1 + p3 )/p2 , z3 (p) =
(p2 + p1 )/p3 . Estas expressões qualificam como funções de excesso de demanda?

Solução Para resolver esta questão, deve-se verificar se as funções acima satisfazem o Teo-
rema 3.2. Multiplicando-se todos os preços por λ > 0, vê-se que estas funções são homogêneas
de grau zero nos preços. Porém, verifica-se facilmente que elas não respeitam a Lei de Walras
violando, assim, o referido teorema. Segue-se, pois, que o conjunto de funções deste exemplo
não qualificam como funções de excesso de demanda.

3.2.3 Equilı́brio Walrasiano


Podemos, agora, redefinir o equilı́brio walrasiano, a partir das funções de excesso de demanda:

Definição Equilı́brio Walrasiano Um vetor p∗ ∈ <n++ é um Equilı́brio Walrasiano se


z(p∗ ) = 0

Em virtude da Lei de Walras, a função de excesso de demanda do bem 1 (ou do bem 2) contém
toda a informação necessária para calcular os preços walrasianos, p = p1 /p2 . Supõe-se que o
numerário é o bem 2, de sorte que p2 = 1. Como as preferências satisfazem H.1 e p1 , p2  0, o
equilı́brio geral existe e é único. A Figura 3.2.3 ilustra este equilı́brio.

Figura 3.3: Função de Excesso de Demanda e Equilı́brio Walrasiano

Neste gráfico, o excesso de demanda para o bem 1, agregado sobre consumidores, z1 (p)
está representado no eixo vertical; o preço p1 está afixado no eixo horizontal. Quando o preço
do bem 1 é inferior a p∗1 , a demanda é superior à dotação (oferta) sendo, pois, o excesso de
demanda positivo. Ocorre o contrário, quando p1 > p∗1 ; o preço muito elevado resulta em
excesso de demanda negativo (excesso de oferta). Quando p1 = p∗1 , a demanda total do bem
1 iguala-se a sua dotação; portanto, o excesso de demanda é zero e p∗1 constitui o equilı́brio
walrasiano.

Exemplo 3.4 Em Arrowlândia, dois consumidores consomem os dois únicos bens disponı́veis.
Suas preferências e dotações são dadas pelas seguintes expressões,

u1 = γ log x11 + (1 − γ) log x12 ; e1 = (2, 1) (3.19)


u2 = γ log x21 + (1 − γ) log x22 ; e2 = (3, 2) (3.20)

16
O modelo de trocas

1. Utilize a restrição orçamentária na função de utilidade do consumidor 1 para calcular x12 e


calcule a demanda do bem 1 deste consumidor. Repita o procedimento para o consumidor
2;
2. Usando o bem 2 como numerário, construa o gráfico da demanda lı́quida para o bem 1
em função de p1 ;
3. Compute o equilı́brio walrasiano desta economia.
Solução: a restrição orçamentária do consumidor 1 é:
2p1 + p2 − p1 x11
p1 x11 + p2 x12 = 2p1 + p2 =⇒ x12 = (3.21)
p2
Substituindo-se a expressão acima na função de utilidade do consumidor 1, tem-se que:
2p1 + p2 − p1 x11
 
1 1
u = γ log(x1 ) + (1 − γ) log (3.22)
p2
A condição de primeira ordem para a maximização da utilidade implica que:
γ p1 p2
1
− (1 − γ) =0 (3.23)
x1 p2 2p1 + p2 − p1 x11
Resolvendo a expressão acima para x11 e usando a restrição orçamentária para calcular
x12 , tem-se que:
γ(2p1 + p2 ) (1 − γ)(2p1 + p2 )
x11 = x12 = (3.24)
p1 p2
Procedendo de forma análoga para o consumidor 2:
γ(3p1 + 2p2 ) (1 − γ)(3p1 + 2p2 )
x21 = x22 = (3.25)
p1 p2
A demanda agregada lı́quida no mercado do bem 1 é:
γ(2p1 + p2 ) γ(3p1 + 2p2 )
z1 (p1 , p2 ) = + −5 (3.26)
p1 p1
O gráfico 3.4 mostra esta função para γ = 0.5 e γ = 0.75:

Figura 3.4: Demanda lı́quida para o bem 1: γ = 0.5 e γ = 0.75

O equilı́brio walrasiano é obtido anulando-se a equação ??,


3 γ
p1 = (3.27)
51−γ

17
O modelo de trocas

3.2.4 Alocações de Equilı́brio Walrasiano - AEW


Definição Alocação do Equilı́brio Walrasiano, AEW Seja p∗ um equilı́brio walrasiano
para a economia ε = {ui , ei }; a demanda, avaliada aos preços walrasianos, é dada pela expressão:

x(p∗ ) ≡ [x1 (p∗ , p∗ e1 ), . . . , xI (p∗ , p∗ eI )] (3.28)

Então, x(p∗ ), denominada alocação de equilı́brio walrasiano, situa-se em W (ε), que corresponde
ao conjunto das AEWs, para a economia ε, isto é:

Wε ≡ [x1 (p∗ , p∗ e1 ), . . . , xi (p∗ , p∗ ei ) . . . xI (p∗ , p∗ eI )] (3.29)

Exemplo 3.5 Voltando ao exemplo 3.4, compute a alocação de equilı́brio walrasiano.

Solução: Substituindo-se a equação 3.27 nas funções de demanda, obtém-se a alocação de


equilı́brio walrasiana.
 
1 5 1 6γ
x1 = x2 = (1 − γ)
γ 5(1 − γ) + 1
 
2 2 6γ
x1 = 5(1 − γ)/3γ x2 = (1 − γ)
5(1 − γ) + 1

Exemplo 3.6 Considere uma economia com dois consumidores e dois bens, descrita pelas
seguintes funções de utilidade indireta:

V 1 = ln m1 − a ln p1 − (1 − a) ln p2

V 2 = ln m2 − b ln p1 − (1 − b) ln p2
As dotações dos bens x1 e x2 são: e1 = (1, 1) e e2 = (1, 1).

i. Encontre p∗ e a AEW correspondente.

ii. Verifique a Lei de Walras.

Solução: pelo Teorema de Roy, tem-se que:


∂V i
∂p
xi1 = − ∂V1i (3.30)
∂mi

Usando a expressão acima, obtém-se:

−a/p1 a(p1 + p2 )m1 am1


x11 =− = =
1/p1 + p2 p1 p1
−(1 − a)/p2 (1 − a)(p1 + p2 )m2 (1 − a)m1
x12 = − = =
1/p1 + p2 p2 p2
2 2
−b/p1 b(p1 + p2 )m bm
x21 = − = =
1/p1 + p2 p1 p1
−(1 − b)/p2 (1 − b)(p1 + p2 )m2 (1 − b)m2
x22 = − = =
1/p1 + p2 p2 p2

18
O modelo de trocas

Usando as expressões acima e supondo que o bem 2 é o numerário, podemos anular a


função de excesso de demanda no mercado do bem 1:

am1 bm2
z1 (p) = + −2=0 (3.31)
p1 p1

O equilı́brio walrasiano, dado pelo vetor de preços (p1 , p2 ) = (p1 /p2 , 1) é:
 
a+b
,1 (3.32)
2 − (a + b)

A Lei de Walras requer que:

p1 z1 (p) + p2 z2 (p) = p1 z11 (p) + p1 z12 (p) + p2 z21 (p) + p1 z22 (p) = 0 (3.33)

Para verificar a Lei de Walras, vamos usar a expressão 3.31 em 3.33,

(a + b)m1 ((1 − a) + (1 − b))m2


   
p1 z1 (p) + p2 z2 (p) = p1 − 2 + p2 −2
p1 p2
= (a + b)m1 − 2p1 + [2 − (a + b)]m1 − 2p2
= −2p1 + 2(p1 + p2 ) − 2p2
− 2p1 + 2p1 + 2p2 − 2p2
=0

3.2.5 Caracterı́sticas da AEW: Lemas 3.1 e 3.2


Os Lemas 3.1 e 3.2 descrevem as propriedades básicas da alocação de equilı́brio walrasiana.
Estes lemas mostram que a alocação AEW não somente é factı́vel (Lema 3.1), mas também é
preferida às demais alocações factı́veis (Lema 3.2).

Lema 3.1 Factibilidade da AEW Seja p∗ um equilı́brio walrasiano, para uma economia com
dotação inicial e. Seja x(p∗ ) a AEW associada ao vetor de preços p∗ . Então, x(p∗ ) ∈ F (e).

Prova Suponha x(p∗ ) ∈ i i


P P
/ F (e). Nesse caso, i∈I x < i∈I e . Esta expressão reescreve-se
como:
x1 (p∗ , p∗ e) + . . . + xI (p∗ , p∗ eI ) < e1 + . . . + eI

Multiplicando ambos os lados por p∗ e somando sobre k:


X X
p∗ x < p∗ e
i∈I i∈I

Rearrumando-se a expressão acima, tem-se que


K
X
p∗ z(p∗ ) < 0
k=1

o que contraria a Lei de Walras estabelecendo, assim, a contradição. Portanto x(p∗ ) ∈ F (e).

19
O modelo de trocas

Lema 3.2 A AEW é preferida as demais alocações factı́veis Suponha ui estritamente


crescente em <n+ . Além disso, a AEW do i-ésimo consumidor é definida em p  0 e igual a
xi∗ ∈ <n+ . Considere agora, a cesta y i , ∈ <n+ , factı́vel, tal que:
1. ui (y i ) > ui (xi∗ ) =⇒ py i > pxi∗

2. ui (y i ) ≥ ui (xi∗ ) =⇒ py i ≥ pxi∗

Prova
Condição 1: ui é estritamente crescente, então, u(y i (p∗ )) > u(xi (p∗ )) ⇐⇒ y i (p∗ ) > xi (p∗ ).
Porém, nesse caso, a cesta y custa mais que a cesta x, isto é, p∗ y i > p∗ xi . Portanto, a condição
1 prevalece.
Condição 2: Suponha, por contradição, que ui (y i ) ≥ ui (xi∗ ) e py i < pxi∗ . Considere ỹ i = y i +ε
e pỹ i < pxi∗ . Como ui é estritamente crescente, ui (ỹ i ) > ui (y i ) ≥ ui (xi∗ ) e pỹ i < py i < xi∗ .
Porém isso violaria a Condição 1, ui (ỹ i ) > ui (xi∗ ) =⇒ pỹi > pxi∗ . estabelecendo, assim,
a contradição. Segue-se, pois, a desigualdade expressa pela Condição 2 prevalece. De fato,
se, pelo menos um consumidor preferir qualquer outra alocação factı́vel à AEW, então, esta
alocação não cabe no seu orçamento. Daı́, se conclui que a AEW é preferida a qualquer outra
alocação factı́vel.


Exemplo 3.7 Considere a economia ε2 , definida nos R2+ . As preferências são dadas pela
função de utilidade ui (xi1 , xi2 ) = xρ1 + xρ2 ; 0 < ρ < 1; i = 1, 2. As dotações iniciais dos consu-
midores 1 e 2, são, respectivamente, e1 = (1, 0); e2 = (0, 1), com e  0. Compute o equilı́brio
geral para esta economia.

Solução 3.1 : as funções de demanda associadas a essas preferências são:


ρ
−1
pjρ−1 yi
xij (p, y i ) = ρ ρ , i = 1, 2; j = 1, 2
ρ−1 ρ−1
p1 + p2
ρ
Fazendo ρ−1
= r; y i = pei = pj , a expressão acima escreve-se como:

pr1 pr−1
1 p2 1 pr−1
2 p1 pr2
x11 = ; x 2
= x = ; x 2
=
pr1 + pr2 1 pr1 + pr2 2 pr1 + pr2 2 pr1 + pr2
1
Definindo agora o bem 2 como numerário, de modo que p̃ = p2
p, tem-se que:
p1 p2
p˜1 =
; p˜2 = =1
p2 p2
No equilı́brio walrasiano temos que:

x11 (p̃, p̃e1 ) + x21 (p̃∗ , p̃∗ e2 ) = e1 + e2 = 1


ou ainda:
p̃∗1 r p̃∗1 r−1
+ =1
p̃∗1 r + 1 p̃∗1 r + 1
(1 + p̃∗1 r ) = p̃∗1 r + p̃∗1 r−1
p̃∗1 r−1 = 1
p̃∗1 = 1

20
O modelo de trocas

Exemplo 3.8 Exemplo 5.20 Reny-Jehle: Considere uma economia de trocas com dois bens
(x1 , x2 ) e dois consumidores (1,2). As funções de utilidade e as dotações iniciais dos agentes
1 e 2 são as seguintes:

u1 (x1 , x2 ) = [x11 − s11 ]α + [x12 − s12 ]α ; e1 = (e11 , e12 ) (3.34)


u2 (x1 , x2 ) = [x21 − s21 ]α + [x22 − s22 ]α ; e2 = (e21 , e22 ) (3.35)

O i-ésimo consumidor requer sik unidades do bem k pra a sua sobrevivência. Embora tenham
preferências idênticas, os consumidores diferem no mı́nimo exigido, de sorte que (s11 , s12 ) 6=
(s21 1, s22 ).
1. Suponha que existe apenas um consumidor, cujas preferências e dotação inicial são u =
∂u
(x1 − s1 )α (x1 − s1 )α e e = (e1 , e2 ), com sj = s1j + s2j , j= 1,2. Calcule ∂x1
∂u e avalie esta
∂x2
expressão no ponto (x1 , x2 ) = (e1 , e2 ). Denomine o resultado obtido p∗ ;

2. Mostre que p∗ deve ser um preço de equilı́brio walrasiano para o bem 1, na economia de
trocas anteriormente descrita.
Solução

3.3 Desvios em relação à H1


Sob H1, consideramos apenas soluções interiores, já que esta hipótese exclui a possibilidade de
solução de canto. Nos exemplos a seguir, computar-se-á o equilı́brio walrasiano para outros
tipos de preferências. Em particular, as hipóteses de convexidade estrita das preferências e de
substituição imperfeita entre bens serão ampliadas para incluir preferências em que os bens são
complementos e/ou substitutos perfeitos.

Exemplo 3.9 Considere uma economia de trocas com dois bens (x1 , x2 ) e dois consumidores
2
(1,2). Seja X = R+ . As funções de utilidade e as dotações iniciais dos agentes 1 e 2 são as
seguintes:

u1 (x1 , x2 ) = x1 + x2 + x1 x2 ; e1 = (1, 0) (3.36)


u2 (x1 , x2 ) = x1 x2 ; e2 = (0, 1) (3.37)

Encontre os preços de equilı́brio e a alocação de equilı́brio walrasiana desta economia.

Solução: Em razão da homogeneidade das funções de demanda, (p1 , p2 ) = (p, 1), onde p = pp21 .
Consumidor 1: A maximização da utilidade sujeita à restrição orçamentária envolve o seguinte
Lagrangeano:
L = x1 + x2 + x1 x2 − λ(p − px1 − x2 ) (3.38)
As condições de primeira ordem - Condições de Kuhn-Tucker - são dadas pelas seguintes
expressões:
1 + x2 − λp ≤ 0, x1 ≥ 0, x1 (1 + x2 − λp) = 0
1 + x1 − λ ≤ 0, x2 ≥ 0, x2 (1 + x1 − λ) = 0

Como 1 + x2 − λp ≤ 0 e x2 ≥ 0, então, p 6= 0. Examinando-se os quatro casos possı́veis,


tem-se que:

1. x1 = x2 = 0: p − px1 − x2 = 0 =⇒ p = 0, o que contradiz p 6= 0

21
O modelo de trocas

1
2. x1 > 0; x2 = 0; p − px1 − x2 = p =⇒ x1 = 1; 1 + x2 − λp ≤ 0 =⇒ λ = p
≥ 2. Segue-se,
pois, que p ∈ (0, 12 ].

3. x1 = 0; x2 > 0; 1 + x1 − λ = 0 =⇒ λ = 1; então, 1 + x2 − λp = 0 =⇒ x2 = p. Isto


implica que 1 + p − p = 0 gerando a contradição (1=0).
1
4. x1 > 0; x2 > 0: 1 + x2 = λp =⇒ 1 + x2 = p(1 + x1 ) e p = px1 + x2 =⇒ x1 = 2p
e
x2 = p − 21 , com p > 12 .

Resumindo, tem-se que:


se p ∈ (0, 21 ]

1
x1 = 1 (3.39)
2p
se p > 12
Consumidor 2: xx21 = p; px1 + x2 = p =⇒ x1 = 2p 1
e x1 = 2p 1 1
e x1 = 2p . A função de excesso
1
de demanda é p − 1. Anulando-se esta função, p=1 e as alocações de equilı́brio walrasiana são
x1 = 12 , 21 ; x2 = 12 , 12 . Portanto, o equilı́brio walrasiano é:
 

1 1 1 1
EW = [(p1 , p2 ), (x11 , x12 ); (x21 , x22 ) = (1, 1), ( , ), ( , )] (3.40)
2 2 2 2
Exemplo 3.10 As funções de utilidade e as dotações iniciais dos agentes 1 e 2 são as seguintes:

u1 (x11 , x12 ) = min{2x11 , x12 } e1 = (2, 8)


u2 (x21 , x22 ) = min{x21 , 3x22 } e2 = (6, 0)

Encontre os preços de equilı́brio e a alocação de equilı́brio walrasiana desta economia.

Solução: No ótimo, prevalece as seguintes relações,

2x11 = x12 (3.41)


x21 = 3x22 (3.42)

Usando as expressões acima e as restrições orçamentárias dos consumidores 1 e 2, obtém-


se as demandas:

 
2p + 8 4p + 16
(x11 , x12 )
= , (3.43)
p+2 p+2
 
2 2 18 6p
(x1 , x2 ) = , (3.44)
3p + 1 3p + 1
Em virtude da lei de Walras, função de excesso de demanda para o bem x1 é dada pela
seguinte equação:
6p − 8
z1 (p) = (3.45)
3p2 + 7p + 2
Anulando-se o excesso de demanda no mercado de bem 1, obtém-se os preços e a alocação
de equilı́brio walrasiana:
4 16 32 24 24
[(p1 , p2 ), (x11 , x12 ); (x21 , x22 )] = [( , 1), ( , ), ( , )] (3.46)
3 5 5 5 5
22
O modelo de trocas

Exemplo 3.11 Considere a economia ε = ui (x, y); ei , i ∈ I, com I = 2. Os dois agentes


consomem apenas os bens x e y. As funções de utilidades e as dotações iniciais são, respec-
tivamente, para o indivı́duos 1 e 2, são as seguintes: u1 (x, y) = min{x, 2y}, e1 = (1, 0);
u2 (x, y) = min{2x, y}, e2 = (0, 1).
i. Compute o equilı́brio walrasiano desta economia e a AEW correspondente.
Solução O equilı́brio walrasiano desta economia requer o cômputo da demanda dos bens x e
y para os indivı́duos 1 e 2. Para o agente 1, as demandas ótimas são dadas pela solução do
seguinte problema:
max1 min
1
u1 (x1 , 2y 1 )
x ,y

s.a. px x1 + py y 1 = px
O consumo ótimo dos bens x e y ocorre no vértice das curvas de indiferença dado pela
equação y 1 = x21 . Substituindo esta expressão na restrição orçamentária, obtém-se x1 e y 1 .
Procedendo de forma análoga para o agente 2, o consumo ótimo dos bens x e y para os agentes
1 e 2 são, respectivamente,
2px px
x1 = ; y1 = (3.47)
2px + py 2px + py
py 2py
x2 = ; y2 = (3.48)
px + 2py px + 2py
A função agregada de excesso de demanda para o bem x é:
2px py
zx (px , py ) = + −1
2px + py px + 2py
px py − (py )2
=
(2px + py )(px + 2py )
Supondo-se que o preço do bem y é o numerário, isto é py = 1. Os preços walrasianos
(p = px /py , 1) são obtidos, anulando-se a função de excesso de demanda para o bem x. É fácil
verificar que p = 1. As alocações de equilı́brio walrasianas são obtidas substituindo-se os preços
walrasianos nas demandas dos bens x e y. O equilı́brio geral da economia pode ser descrito
como:
2 1 1 2
EW = {(px , py ) = (1, 1); (x1 , y 1 ) = ( , ), (x2 , y 2 ) = ( , )} (3.49)
3 3 3 3

3.4 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso: justifique sua resposta.
1. Supondo-se que as preferências dos consumidores Xavier e Zélia são dadas pelas funções
uX = xρ1X + xρ2X e uZ = xρ1Z + xρ2Z e que as dotações são eX = (1, 0) e eZ = (0, 1), então
no equilı́brio walrasiano, os preços dos bens 1 e 2 são iguais.
2. Suponha que ui é estritamente crescente em <K i
+ e que x é bem definida em p  0.
Considere a alocação x̂i ∈ <K i i i i i i
+ . Neste caso, se u (x ) > u (x̂ ), então, px > px̂ .
3. Seja uma economia de trocas com dois bens de consumo (x e y) e um consumidor.
Suponha, ainda, que a preferência do consumidor é dada pela função de utilidade
u(x, y) = ln x + ln y. Então, se as dotações de x e y forem positivas, o excesso de
demanda pelo bem y será infinito quando py → 0 e negativo quando py → ∞. Esse
resultado se mantém quando a dotação inicial do bem y for zero.

23
O modelo de trocas

4. O equilı́brio competitivo walrasiano constitui a única alocação na qual os ganhos das


trocas se exaurem.
II. Questões abertas
1. Considere uma economia com dois bens e dois consumidores cujas preferências são:
ui = min{xi1 , xi2 }. As dotações dos bens x1 e x2 são: e1 = (1, 2) e e2 = (2, 1).
i. Construa a caixa de Edgeworth para essa economia.
ii. Ilustre graficamente será o equilı́brio dessa economia.
iii. Qual será o impacto sobre o preço de equilı́brio do bem 2 em relação ao preço do
bem 1 se a dotação de cada consumidor aumenta em uma unidade?
2. Considere uma economia com dois bens e dois consumidores, cujas funções de utilidade
são:
V i = ln(mi − p1 β i1 − p2 β i2 ) − (1/2) ln(p1 p2 )
onde βi1 e βi2 são parâmetros. Encontre o preço de equilı́brio em função das dotações
e1 e e2 .
3. Em uma economia de trocas existem dois grupos de consumidores do mesmo tamanho.
Aqueles do tipo A têm a seguinte função de utilidade:
1  A −2 1  A −2
uA = x + x2
2 1 2
A dotação de recursos desses consumidores é igual a eA = (eA
1 , 0). A função de utilidade
dos consumidores do tipo B é igual a uB = xB x
1 2
B
e sua dotação inicial é eB = (0, eB
2 ).
O bem 2 serve como numerário.
i. A função de excesso de demanda agregada dessa economia satisfaz a Lei de Walras?
ii. Se eA = (5, 0) e eB = (0, 16), a relação de preços p = p1 /p2 = 8 constitui um
equilı́brio geral dessa economia?
4. Suponha uma economia com dois consumidores, Andrômaca e Berenice e dois bens x1
e x2 . Suas funções de utilidade são:

uA = 60xA A 2 A
1 − 2(x1 ) + x2

uB = 30xB B 2 B
1 − (x1 ) + x2

As dotações iniciais são eA = (12, 100) e eB = (3, 100).


i. Desenhe a Caixa de Edgeworth e encontre a curva de contrato dessa economia;
ii. Andrômaca propõe repassar uma unidade do bem 1 para Berenice em troca de
algumas unidades do bem 2, desde que esse repasse melhore simultaneamente a
situação de ambas em relação àquela prevaleceria na ausência de trocas. Como
seriam esses repasses?
iii. Determine os preços walrasianos e a AEW dessa economia.
5. Considere uma economia com dois consumidores e dois bens, cujas funções de utilidade
são diferenciáveis, estritamente crescentes e estritamente côncavas. Não existe, porém,
mercado para o bem 2 (cada consumidor pode, no máximo, consumir sua dotação inicial
deste bem). Utilizando a caixa de Edgeworth, mostre que a alocação de equilı́brio
resultante é subótima.
6. Refaça o exercı́cio anterior, supondo que as preferências de Arete não satisfazem a
hipótese de convexidade. Mostre que nesse caso, pode não existir p∗ = (p1 /p2 ) que
anule os excessos de demanda nos mercados de virtude e poder.

24
O modelo de trocas

7. Considere uma economia com dois bens e dois consumidores cujas preferências são:
u1 = x11 + x12 ; u2 = min{x21 , x22 }. As dotações dos bens x1 e x2 são: e1 = (1, 2) e
e2 = (3, 1).
i. Construa o conjunto de alocações Pareto Eficiente. Ilustre graficamente o equilı́brio
dessa economia.
ii. Calcule o preço de equilı́brio do bem 2 em relação ao preço do bem 1 se a dotação
de cada consumidor aumentar em uma unidade.
8. Considere a economia ε = ui (x, y); ei , i ∈ I, com I = 2. Os dois agentes consomem ape-
nas os bens x e y. As funções de utilidades e as dotações iniciais são, respectivamente,
para o indivı́duos 1 e 2, representadas pelas seguintes funções: u1 (x, y) = x + y; e1 =
(2, 1); u2 (x, y) = min{x, y}; e2 = (1, 2). Pede-se:
i. os preços walrasianos, p = (px , py );
ii. o conjunto das alocações de equilı́brio walrasiano, W (ε).

25
4

Eficiência dos mercados competitivos

A society can be Pareto optimal and still perfectly disgusting


A. Sen

O conceito de Eficiência de Pareto é amplamente utilizado na teoria econômica, sendo particu-


larmente relevante para a abordagem de equilı́brio geral. Afinal, essa abordagem tenta mostrar
que não somente existe um sistema de preços que equilibra, simultaneamente, todos os merca-
dos, mas também que o equilı́brio via preços é a melhor solução possı́vel, dadas as restrições
que caraterizam as economias de mercado.
A noção de eficiência no sentido de Pareto é bem clara: alocações eficientes não permitem
melhorias de Pareto: somente é possı́vel aumentar os ganhos de um agente às expensas dos
demais. Obviamente, se estivermos em uma situação em que seja possı́vel elevar os ganhos de
todos os agentes (ou pelo menos de um agente, sem alterar os ganhos dos demais agentes), a
questão que se impõe é: porque não fazê-las? Portanto, alocações a partir das quais é possı́vel
fazer melhorias de Pareto são ineficientes. No que se segue, apresentaremos as definições de
eficiência que serão usadas no curso.

4.1 Eficiência: Definições


Definição Alocações Fracamente Pareto-eficientes (FPE) A alocação x ∈ F (e) é Fracamente
Pareto-eficiente (FPE) se não existe y ∈ F (e) tal que y i x, ∀i ∈ I.

Uma alocação x é Fracamente Pareto Eficiente (FPE) se não existe uma alocação factı́vel,
y, que seja preferida por todos os consumidores à cesta original, x. Dito de outra forma, uma
alocação não é FPE se existir outra alocação factı́vel, na qual todos os agentes estejam em
melhor situação.

Definição Alocações Pareto-eficientes A alocação x ∈ F (e) é Pareto-eficiente (PE) se não


existe y ∈ F (e) tal que y i x, ∀i ∈ I, com preferência estrita () para pelo menos um
consumidor.

A definição de PE (ou Eficiência Forte de Pareto) implica que x é PE se não existe outra
alocação factı́vel, y preferida por pelo menos um consumidor à cesta x, sendo os os demais
agentes indiferentes entre as cestas x e y. Ou, alternativamente, uma alocação não é PE se
é possı́vel encontrar outra alocação factı́vel que melhore a situação de pelo menos um agente,
sem prejudicar os demais.
Vamos, agora, examinar a relação entre essas duas definições de eficiência. Em primeiro
lugar, uma alocação fortemente eficiente no sentido de Pareto sempre é uma alocação FPE. Isto
porque, se uma alocação é fortemente PE, não é possı́vel melhorar a situação de um consumidor,

26
Eficiência dos mercados competitivos

sem piorar a situação dos demais. Obviamente, nesse caso, não é possı́vel melhorar a situação
de todos os consumidores, como exigido pelas alocações FPE.
Além disso, se as preferências forem contı́nuas e fortemente monotônicas, então, uma
alocação FPE é também Pareto-eficiente (Fortemente Pareto-Eficiente).1 . Veja-se que estas
condições estão incluı́das em H.1. Por essa razão, sob esta hipóteses, vamos considerar apenas
as alocações PE (Fortemente PE).
Formalmente, sob H1, pode-se definir o conjunto das alocações pareto-eficientes como o
vetor (x1 , x2 , . . . , xI ) que resolve o seguinte problema:

max ui (xi )
x∈<n
+

s.a. uj (xj ) ≥ u¯j , ∀j 6= i ∈ I


I
X I
X (4.1)
i i
x ≤ e
i=1 i=1

A primeira restrição garante que as alocações PE estão sobre a curva de possibilidade


de utilidade da economia. A segunda restrição assegura a factibilidade das alocações eficientes.
O Lagrangeano associado a este problema é:

L = ui (xi ) + λ1 [u1 (x1 ) − u¯1 ] + . . . + λj [uj (xj ) − u¯j ] + . . . + λI [uI (xI ) − u¯I ]
I
X I
X
i
+ µ[ x ≤ ei ], ∀j 6= i
i=1 i=1

Quando existe um ótimo interior, as condições de primeira ordem com respeito à xgarantem
que as taxas marginais de substituição entre dois bens quaisquer - k e l, por exemplo - se igualem
entre dois consumidores quaisquer, isto é:
∂ui ∂uj
i ∂xik ∂xjk j
T M Sl,k = ∂ui
= ∂ui
= T M Sl,k (4.2)
∂xil ∂xjl

A expressão acima, conhecida como a Condição de Eficiência de Pareto no Consumo,


indica que somente é possı́vel melhorar a situação de um consumidor piorando a situação de pelo
menos um outro indivı́duo. O conjunto das alocações eficientes no sentido de Pareto constitui
a Curva de Contrato desta economia. O Gráfico 4.1 ilustra graficamente esta condição:
1
A prova desta afirmação será dada como exercı́cio

27
Eficiência dos mercados competitivos

Figura 4.1: Conjunto das Alocações Pareto Eficientes, PE

Por fim, as condições de primeira ordemPem relação os multiplicadores λj , j 6= i e µ


produzem as restrições uj (xj ) ≥ u¯j e i=1 xi ≤ Ii=1 ei .
I
P

Exemplo 4.1 Considere a economia ε = {ui , ei }, i ∈ I. Mostre que a alocação x̂ ∈ P E se, e


somente se, x̂ é uma solução para o seguinte problema:
 I
X I
X 
max
i
ui (xi ) | uj (xj ) ≥ uj (x̂), ∀j 6= i e i
x ≤ ei
(4.3)
x
i=1 i=1

Solução 4.1 Parte A: Suponha que x̂ ∈ P E, porém x̂ não é um solução para o problema 4.3.
Então, existe,
I
X I
X
i i i i j j j i
x | u (x ) > u (x̂i ); u (x ) ≥ u (x̂), ∀j 6= i e x ≤ ei
i=1 i=1

Porém, isto contradiz o fato de que a alocação x̂ é PE.

Parte B: Seja x̂, a solução para o problema 4.3. Suponha que a alocação x̂ 3 P E. Então,
existe,
XI X I
i i i i i j j j i
x | u (x ) > u (x̂ ); u (x ) ≥ u (x̂), ∀j 6= i e x ≤ ei
i=1 i=1

Contradizendo, assim, o fato de que x̂ é uma solução para o problema 4.3. Portanto, a alocação
x̂ é pareto eficiente se, e somente se, esta alocação é uma solução para o problema 4.3.

Exemplo 4.2 Exercı́cio 5.11, Reny-Jehle Considere uma economia com dois bens e dois
consumidores, cujas preferências e dotações são as seguintes:

u1 (x11 , x12 ) = [x11 x12 ]2 ; e1 = (18, 4) (4.4)


u1 (x21 , x22 ) = ln x21 + 2 ln x22 ; e2 = (3, 6) (4.5)

1. Encontre o conjunto das alocações eficientes no sentido de Pareto e o conjunto das


alocações situadas no core desta economia;

28
Eficiência dos mercados competitivos

2. Encontre o equilı́brio walrasiano e a AEW.

3. Verifique se a AEW encontrada no item anterior situa-se no core.

Solução 4.2 Aplicando-se a condição de eficiência expressa pela equação 4.2, tem-se que:

x12 x22
= (4.6)
x11 2x21

Usando-se as restrições de factibilidade, a condição de eficiência pode ser reescrita em termos


do bem 1:
x12 10 − x12
= (4.7)
x11 2(21 − x11 )
Rearrumando a expressão acima, obtém-se a equação da curva de contrato de economia, ex-
pressa em termos do consumo do agente 1:

10x11
x12 = (4.8)
(42 − x11 )

Portanto, o conjunto das alocações eficientes no sentido de Pareto escreve-se como:

10x11
P E(e) = {(x11 , x12 ), (x21 , x22 ) | x12 = 1
, 0 ≤ x11 ≤ 21, x11 + x21 = 21, x12 + x22 = 10} (4.9)
(42 − x1 )

Exemplo 4.3 Complementos Perfeitos Considere a economia descrita no exemplo 3.10.


Descreva o conjunto das alocações eficientes no sentido de Pareto.

Solução A Figura 4.2 torna mais claro a descrição do conjunto P E. A partir deste gráfico,
pode-se construir os limites do conjunto PE, definidos em termos de x11 e x12 .

Figura 4.2: Conjunto PE - Complementos Perfeitos 1

Considere a área compreendida entre as retas y11 = 2x11 e x21 = 3x22 , até o ponto em que
elas se cruzam no equilı́brio walrasiano ( 16
5 5
, 32 ), isto é quando x11 ∈ [0, 16
5
]. Esta área pode ser
representada pelas seguintes desigualdades:

2x11 ≥ x12

29
Eficiência dos mercados competitivos

x21 ≥ 3x22
Expressando a segunda inequação em termos de x11 e x12 , o sistema de inequações torna-se,
então:2
2x11 ≥ x12
x11 16
+ ≥ x12
3 3
Combinando-se estas duas inequações tem-se que:
x11 16
2x11 ≤ x12 ≤ + (4.10)
3 3
Na área entre as retas y11 = 2x11 e x21 = 3x22 , quando x11 ∈ [ 16
5
, 4], prevalecem as seguintes
desigualdades:
x12 ≤ 2x11
x11 16
+ ≤ x12
3 3
As inequações acima reescrevem-se como:
x11 16
+ ≤ x12 ≤ 2x11 (4.11)
3 3
Por fim, quando x11 ∈ (4, 8),
2x11 ≥ x12
x11 16
+ ≤8
3 3
De maneira análoga, x12 deve obedecer as restrições abaixo:
x11 16
+ ≤ x12 ≤ 8 (4.12)
3 3
Combinando-se os três casos considerados, o conjunto das alocações pareto-eficientes é dado
pela expressão abaixo:

P E(e) ={(x11 , x12 ), (x21 , x22 ) | x11 + x21 = 8, x12 + x22 = 8,

x11 16 16
2x11 ≤ x12 ≤ + , se x11 ∈ [0, ]
3 3 5
x11 16 16
+ ≤ x12 ≤ 2x11 , se x11 ∈ [ , 4]
3 3 5
x11 16
+ ≤ x12 ≤ 8. se x11 ∈ [4, 8]}
3 3
Exemplo 4.4 Considere uma economia com dois consumidores e dois bens. As preferências
dos agentes 1 e 2 são idênticas e representadas pela função de utilidade ui (xi1 , xi2 ) = min{xi1 , xi2 }.
As dotações inciais dos dois bens são, respectivamente, 1 unidade do bem 1 e duas unidades
do bem 2. Explicite, na caixa de Edgeworth, o conjunto das alocações eficientes no sentido de
Pareto.
2 x11 16
A expressão 3 + 3 foi obtida a partir do vértice do consumidor 2, x21 = 3x22 , expresso em termos de x11 .

30
Eficiência dos mercados competitivos

Solução Embora os bens sejam usados nas mesmas proporções pelos agentes 1 e 2, como
a oferta do bem 2 é o dobro da dotação do bem 1, a Caixa de Edgeworth é retangular. O
conjunto das alocações eficientes, definido em termos de x11 e x12 , situa-se entre as retas (y11 = x11 )
e (y11 = 1 + x11 )3 . A Figura 4.3 ilustra este caso.

Figura 4.3: Conjunto PE: Complementos Perfeitos

O conjunto das alocações eficientes no sentido de Pareto, definido em termos do consumo


do agente 1, é dado pela seguinte expressão:

P E(e) = {(x11 , x12 ) | x11 + x21 = 1, x12 + x22 = 2, x11 ≤ x12 ≤ x11 + 1, x11 ∈ [0, 1]}

Substitutos Perfeitos Quando os bens são substitutos perfeitos para todos os consumi-
dores, o conjunto PE(e) difere dependendo da condição de eficiência: se as taxas marginais
de substituição forem iguais entre agentes, independentemente da dotação inicial, as curvas de
indiferença são coincidentes em cada ponto da Caixa de Edgeworth; o exemplo abaixo ilustra
este caso:

Exemplo 4.5 Substitutos Perfeitos com T M Sy,x Idênticas: Considere a economia ε,


cujas preferências e as dotações dos dois agentes 1 e 2 são dadas a seguir,

u1 =x1 + y 1 ; e1 = (2, 1) (4.13)


u2 =x2 + y 2 e2 = (3, 2) (4.14)

Encontre a curva de contrato de ε

Solução Nesta economia, as taxas marginais de substituição entre os bens x e y são idênticas
e iguais à unidade. Portanto as curvas de indiferença do consumidores 1 e 2 coincidem. Segue-
se, pois, que todas as alocações dentro da Caixa de Edgeworth são eficientes no sentido de
Pareto, conforme mostrado na Figura 4.4.
3
Reescrevendo-se o vértice para o consumidor 2, x22 = x21 como 2 − x12 = 1 − x12

31
Eficiência dos mercados competitivos

1 2
Figura 4.4: Conjunto PE: Substitutos Perfeitos com T M Sy,x = T M Sy,x

O conjunto das alocações eficiente é dado pela seguinte expressão:


P E(e) = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) | x1 + x2 = 5, y 1 + y 2 = 3} (4.15)

Exemplo 4.6 Substitutos Perfeitos com T M Sy,x Distintas: modifique, agora, as pre-
ferências da economia descrita no exemplo 2.1, de sorte que:
u1 = x1 + 2y 1 ; u2 = 2x2 + y 2
Desenhe os mapas de indiferença e o conjunto das alocações pareto-eficientes.

Solução As curvas de indiferença para os indivı́duos 1 e 2 são, respectivamente,


u1 1 1
y1 = − x; y 2 = u2 − 2x2
2 2
O lado esquerdo da Figura 4.5, que mostra o mapa de indiferença dos dois consumidores, ilustra
este caso.

Figura 4.5: Alocações Eficientes nas Bordas da Caixa de Edgeworth - TMS Distintas

(a) T M S 1 < T M S 2 (b) T M S 1 > T M S 2

32
Eficiência dos mercados competitivos

A Figura 4.5 mostra que qualquer ponto no interior da Caixa de Edgeworth é ineficiente.
Somente as alocações situadas na borda desta caixa são eficientes. No lado esquerdo da Figura
4.5, as curvas de indiferença do consumidor 2 são mais inclinadas que as do agente 1. Con-
sequentemente, as alocações pareto-ótimas implicam que as dotações devem ser redistribuı́das
de forma a transferir o bem y para o consumidor 1 e o bem x para o agente 2. Para um dado
nı́vel de utilidade do consumidor 2, movendo-se ao longo da curva de indiferença do agente 2, o
nı́vel máximo de utilidade do agente 1 situa-se na borda da caixa de Edgeworth em que y = 3
e x = 0. Portanto, a curva de contrato corresponde ao ângulo formada pelas linhas em negrito
ilustradas na Figura 4.5. Portanto, a curva de contrato desta economia corresponde ao ângulo
formada pelas linhas em negrito ilustradas na figura citada.

P E = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) | x1 = 0 ∨ y 1 = 3, x1 + x2 = 5, y 1 + y 2 = 3} (4.16)

Modificando-se as preferências dos agentes 1 e 2 para, u1 = 2x1 + y 1 ; u2 = x2 + 2y 2 ,


obtém-se os mapas de indiferença apresentados no lado direito da Figura 4.5. Neste caso, as
alocações pareto-ótimas implicam que as dotações devem ser redistribuı́das de forma a transferir
o bem x para o consumidor 1 e o bem y para o agente 2. O novo conjunto das alocações eficientes
é:
P E = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) | x1 = 3 ∨ y 1 = 0, x1 + x2 = 5, y 1 + y 2 = 3} (4.17)

4.1.1 Otimalidade do Equilı́brio Walrasiano


Definição Equilı́brio Walrasiano Considere o vetor de preços p  0 e a a alocação factı́vel
0 0
x ∈ X. Se, ∀i ∈ I e x i xi =⇒ px ≥ pei ≥ pxi , ∀i ∈ I, então, p é um equilı́brio walrasiano
e x é AEW correspondente.

Definição Quase-Equilı́brio Considere o vetor de preços p  0 e a a alocação factı́vel x ∈ X.


0 0
Então, ∀i ∈ I e x %i xi =⇒ px ≥ pei , então, o par (p, x) é um quase-equilı́brio walrasiano.

Exemplo 4.7 Considere a economia ε = {%i , ei }. Mostre que se as preferências forem forte-
mente monotônicas, ∀i ∈ I, então, o equilı́brio walrasiano é um quase equilı́brio.

Prova Seja p∗ , x∗ , respectivamente, o equilı́brio walrasiano e a AEW correspondente. Su-


ponha que xi % x∗i , ∀i ∈ I. Então, pela monotonicidade forte, xi + δ k  x∗i , com δ k =
(1/K, 0, 0 . . . , 0), ∀i, ∀k. Como x∗ é AEW, p∗ xi > p∗ ei . No limite, quando K → ∞, p∗ xi ≥
p∗ .ei que é precisamente a definição de quase-equilı́brio.

Exemplo 4.8 Prove a seguinte afirmação: ”Se as preferências forem estritamente monotônicas
e contı́nuas para cada consumidor i, então, o conjunto das alocações eficientes (PE(ε)) é igual
ao conjunto das alocações fracamente eficientes, FPE(ε)”.

Prova Considere uma alocação x ∈ F P E(ε) | x 3 P E(ε). Então, existe xi | xi %i Pela


continuidade das preferências, existe δ |

4.2 Núcleo (Core) da Economia


Voltando à análise do segmento da curva de contrato cc/ , mostrado na Figura 3.1, vimos anteri-
ormente que as redistribuições neste segmento são vantajosas para ambos os consumidores, não
sendo, pois, refutadas (bloqueadas) por nenhum deles. A extensão dessa ideia para a economia
ampliada é direta. Temos, agora I consumidores, uma parte dos quais pode formar coalizões,
tais como a coalizão S ⊂ I, para bloquear alocações que não lhes beneficie, inviabilizando,
assim, as trocas. Essas coalizões, ditas bloqueadoras, definem-se como:

33
Eficiência dos mercados competitivos

Definição Coalizões Bloqueadoras Seja S ⊂ I uma coalizão de consumidores. S bloqueia


x ∈ F (e) se, e somente se, existe uma alocação y tal que:
i i
P P
1. i∈S y = i∈S e factibilidade

2. y i % xi , ∀i ∈ S, com pelo menos uma desigualdade estrita

Podemos, agora redefinir o segmento cc/ , que contém as alocações não bloqueadas, como
o Núcleo (Core) da economia ε ≡ (% i, xi , ei ):

Definição Núcleo (Core) da Economia O Core (Núcleo) da economia é o conjunto de


todas as alocações factı́veis não bloqueadas e será denotado por C(e).

Definição Alocação de Equilı́brio Walrasiana A alocação x ∈ F (e) constitui uma alocação


de equilı́brio walrasiana, se x não é bloqueada por nenhuma coalizão de consumidores, S,
sendo S ⊂ I.

4.3 Equilı́brio Competitivo e o Core


Nesta seção, relacionaremos o conceito de Core com a definição de alocação de equilı́brio wal-
rasiana. Mostrar-se-á, então, que a alocação produzida pelo mercado, avaliada aos preços de
equilı́brio (AEW) é também eficiente no sentido de Pareto. O Teorema ?? sumaria esta relação:

Teorema 4.1 Alocação de Equilı́brio Walrasiana e o Núcleo da Economia Se ui é


estritamente crescente ∀i ∈ I, então, toda alocação de equilı́brio walrasiana pertence ao core
de ε.

Prova por contradição: Suponha que p∗ e x∗ são, respectivamente, os preços e a alocação de


equilı́brio walrasiana da economia ε. Suponha, ainda, que x ∈/ C(ε). Nesse caso, existe uma
coalizão S ⊂ I e uma alocação x̃ tal que:
i i
P P
1. i∈S x̃ = i∈S e

2. ui (x̃i ) > ui xi , i ∈ S, com pelo menos uma desigualdade estrita.

Porém, a monotonicidade forte das preferências requer que

p∗ x̃i > p∗ ei ,

com pelo menos uma desigualdade estrita. Somando-se esta expressão sobre os consumidores,
temos que X X
p∗ x̃i > p∗ ei
i∈S i∈S
X X
x̃i > ei
i∈S i∈S

o que viola a hipótese de factibilidade. Portanto, a alocação x ∈ Core.

A aplicação deste teorema não se restringe aos casos em que o equilı́brio competitivo
é único, mas aplica-se também quando existem equilı́brios múltiplos. Nesse caso, o Teorema
2 estabelece que todos esses equilı́brios devem situar-se no core da economia ε. Vamos agora
investigar um contra-exemplo:

34
Eficiência dos mercados competitivos

Contra-exemplo Seja uma economia com dois bens, x e y, e três consumidores. As dotações
iniciais são, respectivamente, e1 = (0, 2); e2 = (1, 1) e e3 = (1, 1). Os três agentes têm
preferências idênticas representadas pela função de utilidade ui {xi , y i } = xi y i , com xi , y i ≥ 0
Considere, agora, duas trocas possı́veis que conduzem a uma alocação, na qual as pos-
sibilidades de trocas se exaurem, isto é não existe possibilidade de arbitragem:
a) Os agentes 1 e 2 concluem a seguinte transação: o agente 1 dá 3/2 do bem y para
o agente 2 e este agente dá 1/4 do bem x para o consumidor 1. A utilidade dos agentes 1 e
2 passa de 0 para 1/8 e de 1 para 15/8, respectivamente. As quantidades consumidas pelos
agentes, depois da troca,são (1/4, 1/2) e (3/4,5/2) e (1,1) respectivamente, para os agentes 1,2
e 3.
b) Os agentes 2 e 3 concluem a seguinte transação: o agente 3 dá 1/4 do bem x para
o agente 2 e este agente dá 1/4 do bem x para o consumidor 3. As utilidades do agentes 2 e
3 passam de 15/8 para 2 e de 1 para 9/8, respectivamente. As quantidades consumidas pelos
agentes, depois da troca, são (1/4, 1/2) e (1,2) e (3/4,3/2) respectivamente, para os agentes
1,2 e 3.
Verifica-se, facilmente, que o equilı́brio resultante dessas duas trocas representa um ótimo
distributivo associado aos preços (px , py ) = (2, 1). Porém, este equilı́brio não situa-se no core
porque é bloqueado pela coalizão entre os indivı́duos 1 e 3. Se eles combinam suas dotações,
então esses agentes podem realizar as alocações (1/4,1) e (3/4,2) que é claramente superior à
alocação obtida em (b).

Exemplo 4.9 Continuando o exercı́cio 5.11 encontra-se o núcleo dessa economia. Para tal,
é preciso incluir uma outra restrição ao problema definido em 4.1, a saber, a restrição de
racionalidade individual. Lembrando que de acordo com esta hipótese, no decorrer das trocas, os
agentes só aceitarão alocações que lhes assegure pelo menos o nı́vel de utilidade correspondente
às suas dotações inciais, isto é:

u1 (e11 , e12 ) = [e11 , e12 ]2 = (18)2 (4)2 = 72 (4.18)


u2 (e21 , e22 ) = e21 [e22 ]2 = 3[6]2 = 108 (4.19)

Solução para o consumidor 1 tem-se que:


72
x12 = (4.20)
x11

Substituindo-se a expressão na equação 4.8, obtém-se o limite inferior do core, definido em


termos de x11 :
72 1 10x11
= x 2 = (4.21)
x11 (42 − x11 )
Rearrumando-se os termos obtém a equação de segundo grau:

5(x11 )2 + 36x11 − 1512 = 0 (4.22)

Resolvendo-se a equação acima, para x11 temos o limite inferior do core, isto é, x11 = 14, 16. Resta
agora, calcular o limite superior do core. Para tal, vamos utilizar a equação 4.19, expressando-a
em termos do consumo e da dotação do consumidor 1:

u(e21 , e22 ) = x21 [x22 )]2 = e21 [e22 ]2 = 3[6]2 = (21 − x11 )(10 − (x12 ))2 = (21 − 18)(10 − 4)2 = 108 (4.23)

Ou ainda:
10(42 − x11 ) − 10x11 )
(21 − x11 )[ = 108 (4.24)
42 − x211

35
Eficiência dos mercados competitivos

Resolvendo a equação acima, tem-se que x11 = 15, 21.4 Portanto, os limites inferior e superior do
core, expressos em termos de x11 são, respectivamente, 14,16 e 15,21. O conjunto das alocações
contidas no núcleo da economia analisada, C(e) é dado por:

10x11
C(e) = {(x11 , x12 ), (x21 , x22 ) | x12 = , 14, 16 ≤ x11 ≤ 15, 21, x11 + x21 = 21, x12 + x22 = 10}
(42 − x11 )
(4.25)
A Figura 4.6 ilustra este caso:

Figura 4.6: Core - Substitutos Imperfeitos - Exercı́cio 5.11 - Jehle

Vamos agora computar o equilı́brio walrasiano. Para tal, vamos considerar o bem 2
como numerário fazendo p2 = 1. As funções de demanda para os bens 1 e 2 são dadas pelas
seguintes expressões:

m1 p1 e11 + e12 18p1 + 4


x11 = = = (4.26)
2p1 2p1 2p1
1 1 1
m p1 e1 + e2 18p1 + 4
x12 = = = (4.27)
2 2 2
2 1 1
m p e
1 1 + e 2 3p 1+6
x21 = = = (4.28)
3p1 3p1 3p1
2 2 2
2m 2(p1 e1 + e2 ) 3p1 + 6
x22 = = = (4.29)
3 3 3
A função de excesso de demanda pelo bem 1, z1 (p) é:
18p1 + 4 3p1 + 6
z1 (p) = + − (18 + 3) (4.30)
2p1 3p1
4
Anulando-se a expressão acima, obtém-se os preços walrasianos (p1 , p2 ) = ( 11 ). Avaliando-
se as demandas dos bens 1 e 2 aos preços walrasianos, tem-se as AEW:

x = {(x11 , x12 ), (x21 , x22 )} = {(14.5, 5.27), (6.5, 4.73)} (4.31)


4
A referida equação não possui solução analı́tica. O resultado apesentado refere-se à solução numérica.

36
Eficiência dos mercados competitivos

É fácil verificar que a AEW x é factı́vel e eficiente no sentido de Pareto:

x11 + x21 = 14.5 + 6.5 = 21; (4.32)


x12 + x22 = 5, 27 + 4, 73 = 10 (4.33)
x12 x22 5, 27 4, 73
1
= 2
= = = 0, 364 (4.34)
x1 2x1 14, 5 2 ∗ 6, 5

Além disso, a alocação x pertence ao núcleo desta economia. De fato,

14, 16 < x11 = 14, 5 < 15, 21; < x12 = 5, 27 <; (4.35)
5, 79 < x21 = 6, 5 < 6, 84; < x22 = 4.73 <; (4.36)

Portanto, a AEW x atende aos Lemas 3.1 e 3.2.

Exemplo 4.10 Encontre o núcleo da economia ε, definida pelas seguintes preferências e


dotações dos dois agentes 1 e 2:

u1 =x1 + 2y 1 ; e1 = (2, 1) (4.37)


u2 =min{x2 , y 2 } e2 = (1, 2) (4.38)

Solução: Usando as condições de racionalidade individual, avalia-se as funções de utilidade na


dotação inicial:

u1 (e1 ) = x1 + 2y 1 = 4
u2 (e2 ) = min{x2 , y 2 } = 1

Combinando-se a restrição de factibilidade com a condição IR, tem-se que:

x1 + 2y 1 = 4
x2 = y 2 = 3 − x1 = 3 − y 1 =⇒ x1 = y 1

Usando as expressões acima, determina-se o limite inferior de x1 que delimita o core:

x1 + 2y 1 = x1 + 2x1 = 3x1 = 4
4
x1 =
3
Para o limite superior de x1 , tem-se que:

x2 = y 2 =⇒ x2 = y 2 = 1
x1 = 3 − x2 = 2

Portanto, o conjunto das alocações situadas no core de ε é:


4
C(e) = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) | y 1 = x1 , ≤ x1 ≤ 2, x1 + x2 = 3, y 1 + y 2 = 3} (4.39)
3
A Figura 4.7 ilustra este caso caso. A linha mais espessa sobre a curva de contrato representa
o core desta economia, em termos do consumo do bem x pelo agente 1.

37
Eficiência dos mercados competitivos

Figura 4.7: Core - Substitutos Perfeitos e Complementos Perfeitos

Exemplo 4.11 Ambos os bens são complementos perfeitos: continuando o exemplo 3.10, des-
creva o conjunto das alocações do core C(ε), como um subconjunto de PE(ε), no qual se impõe
racionalidade individual, isto é,

u1 (e1 ) = min{2x11 , x12 } = min{2e11 , e12 } = min{4, 8} = 4 (4.40)


u2 (e2 ) = min{x21 , 3x22 } = min{e21 , 3e22 } = min{6, 0} = 0 (4.41)

Solução Note-se que para o indivı́duo 1, u(e1 ) = 2x11 =⇒ x11 = 2. Segue-se, pois, que a
x21
parede inicial do core requer que 2 ≤ x11 ≤ 16
5
. Na parede final do core, tem-se que x 2
2 = 3
=
0 =⇒ x22 = 0, x21 = 0. Consequentemente,

C(e) ={(x11 , x12 ), (x21 , x22 ) | x11 + x21 = 8, x12 + x22 = 8,

x11 16 16
2x11 ≤ x12 ≤ + , se x11 ∈ [2, ]
3 3 5
x11 16 16
+ ≤ x12 ≤ 2x11 , se x11 ∈ [ , 4]
3 3 5
1
x1 16
+ ≤ x12 ≤ 8. se x11 ∈ [4, 8]}
3 3
A Figura 4.8 ilustra as três partes do core da economia cujos agentes consideram os bens 1 e 2
como complementos perfeitos.

38
Eficiência dos mercados competitivos

Figura 4.8: Core - Complementos Perfeitos

Exemplo 4.12 Considere a economia descrita no exemplo 3.11. Compute o conjunto C(e),
formado pelas alocações situadas no core, e mostre que ele coincide com o conjunto das alocações
eficientes, PE(e).
x1
Solução: o Gráfico 4.9 facilita a visualização do core, situado entre as retas y 1 = 2
e y1 =
2x1 − 1:

Figura 4.9: Core - Substitutos Perfeitos e Complementos Perfeitos

Usando as condições de racionalidade individual, avalia-se as funções de utilidade na


dotação inicial:
u1 (e1 ) = min{x1 , 2y 1 } = min{1, 0} = 0
u2 (e2 ) = min{2x2 , y 2 } = min{0, 1} = 0
Combinando-se a restrição de factibilidade com a condição IR, tem-se que o conjunto
das alocações situadas no core desta economia coincide com o conjunto das alocações pareto

39
Eficiência dos mercados competitivos

eficientes, isto é, o limite inferior de x1 que delimita o core é zero e o limite superior é igual à
1.

C(e) ={(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) | x1 + x2 = 1, y 1 + y 2 = 1,

x1 1
0 ≤ y1 ≤ , se x11 ∈ [0, ]
2 2
1
x 1 2
2x1 − 1 ≤ y 1 ≤ , se x11 ∈ [ , ]
2 2 3
1
x 2
≤ y 1 ≤ 1, se x11 ∈ [ , 1]}
2 3

4.4 Teoremas Fundamentais da Teoria do Bem-estar


Nesta seção, apresentaremos os dos dois teoremas fundamentais da teoria do bem-estar. O
primeiro teorema refere-se à eficiência dos mercados competitivos. Ele afirma que, em presença
de competição, a alocação de equilı́brio walrasiana (AEW) é a melhor forma possı́vel de alocar
recursos escassos, dadas as restrições de preferências.
Note-se, porém, que o primeiro teorema fundamental da teoria do bem-estar assegura
apenas que o equilı́brio de mercado conduz ao consumo eficiente. Como o conceito de Eficiência
de Pareto é neutro em relação à distribuição de recursos e à justiça social, tanto uma alocação
que atribui a maioria dos bens a um único consumidor, como uma alocação igualitária podem
ser igualmente eficientes. Parafraseando Amaryta Sen (Collective Choice and Social Welfare, p.
22), uma alocação ”can be Pareto-optimal and still be perfectly disgusting.”O problema torna-se,
então, como viabilizar uma AEW que implique uma repartição mais igualitária dos recursos.

4.4.1 Eficiência dos Mercados Competitivos


O 1o teorema fundamental da teoria do bem-estar formaliza a ideia da mão invisı́vel de Adam
Smith: os agentes econômicos, agindo apenas em benefı́cio próprio, acabam por tomar decisões
que são as melhores possı́veis não somente para eles, mas também para o conjunto da sociedade.
Em outras palavras, mostraremos que a AEW situa-se sobre a curva de contrato da economia.

Teorema 4.2 1o Teorema Fundamental da Teoria do Bem-estar Considere uma eco-


nomia de trocas ε = (ui , ei ), i ∈ I. Se a função de utilidade de cada consumidor, ui , for
estritamente crescente em <n+ , então toda alocação de equilı́brio walrasiana situa-se no core de
ε, isto é:
W (e) ⊂ C(e).

Este teorema pode ainda ser enunciado como: se as preferências forem localmente não saciadas,
então, todo equilı́brio competitivo é também eficiente no sentido de Pareto.

Prova por contradição


Suponha que x(p∗ ) é uma AEW tal que x(p∗ ) ∈/ C(e). Como x(p∗ ) ∈ F (e), então x(p∗ ) é viável.

Porém, como x(p ) ∈/ C(e), existe uma coalizão S e outra alocação y tal que
X X
yi = ei (por factibilidade) (4.42)
i∈S i∈S

u(y i ) > u(xi (p∗ , p∗ ei )), ∀i ∈ S (4.43)

40
Eficiência dos mercados competitivos

com pelo menos uma desigualdade estrita. De 4.42 temos que:


X X
p∗ y i = p∗ ei (4.44)
i∈S i∈S

usando as propriedades da demanda e o fato que i ∈ S,

p∗ y i > p∗ (x(p∗ , p∗ ei )) = p∗ ei (4.45)

e finalmente,
p∗ y i > p∗ ei (4.46)
o que contradiz 4.44. A alocação y, embora factı́vel, não cabe no orçamento do i-ésimo consu-
midor. Portanto, x(p∗ ) ∈ C(e), isto é W (e) ⊂ C(e). Como as alocações pertencentes ao core
são eficientes, isto é, não são bloqueadas por nenhuma coalizão de consumidores, concluı́mos,
pois que toda AEW é também Pareto-eficiente.

Este resultado sintetiza a eficiência dos mercados competitivos. A Figura 4.10 ilustra
este teorema. A alocação de equilı́brio walrasiano situa-se no core sendo, pois, eficiente no
sentido de Pareto.

Figura 4.10: Primeiro Teorema Fundamental da Teoria do Bem-Estar

Apesar da ausência de coordenação, o equilı́brio de mercado, em que os agentes maximizam suas


utilidades de forma descentralizada levando em conta suas restrições orçamentárias, é também
socialmente eficiente.

4.4.2 Eficiência e otimalidade social: o 2o teorema fundamental da


teoria do bem-estar
Para levar em conta as pressões distributivas, é preciso recorrer ao segundo teorema fundamental
da teoria do bem-estar. Este teorema afirma que, mediante uma redistribuição lump-sum das

41
Eficiência dos mercados competitivos

dotações, qualquer alocação Pareto eficiente, pode ser considerada um equilı́brio walrasiano.
Trata-se da volta do primeiro teorema. A questão é saber sob que condições uma alocação
Pareto eficiente pode ser viabilizada como um equilı́brio walrasiano.
0
O gráfico 4.11 ilustra este ponto. Considere a AEW x , situada no core da economia,
sendo a dotação inicial dada pelo ponto e. Suponha que, por alguma razão, a sociedade prefere
0
a alocação x̄ à AEW x ; na alocação x̄, as curvas de indiferença de ambos os agentes são
p∗
tangentes aos preços walrasianos − p1∗ . Note-se que a alocação x̄ situa-se sobre a curva de
2
contrato sendo, pois, eficiente. Porém, com a dotação original e, é fácil verificar que a alocação
x̄ viola a restrição orçamentária do agente 1. Para viabilizá-la como um equilı́brio é preciso
modificar a dotação inicial de e para e∗ . Nesse caso, a alocação x̄, além de eficiente, constitui
∗1
agora um equilı́brio walrasiano, aos preços pp∗2 .

Figura 4.11: Eficiência e otimalidade social

No entanto, para mudar a dotação inicial, o 2o teorema exige um sistema de impostos


e transferências lump-sum, que permita transferir recursos do agente 2 para o agente 1. O 2o
teorema fundamental da teoria do bem-estar envolve, pois, um equilı́brio com transferências.

Teorema 4.3 2o Teorema Fundamental da Teoria do Bem-estar Considere uma


economia de troca, (ui , ei ), cujas funções de utilidade satisfazem H1. A dotação agregada desta
economia é Σi ei  0. Suponha, ainda, que x é PE em (ui , ei ), ∀i ∈ I. Então, existe uma
redistribuição de recursos de e para e∗ , tal que:

Σi e∗i = Σi ei  0 (4.47)

e x é um equilı́brio walrasiano da nova economia (ui , e∗i ), aos preços p∗ , ∀i ∈ I.

Prova : x̄ é PE, então é factı́vel (Σi x̄i = Σi ei  0). O Teorema 4.2 garante que existe uma
alocação x̂i , tal que x̂i é AEW em (ui , x̄i )i∈I . Resta provar que x̂i = x̄i . Como x̂i é AEW,
temos que:
u(x̂i ) > u(x̄i ), ∀i ∈ I (P.1)
x̂ é AEW, x̂ ∈ F (e), logo i=1 x̂i = Ii=1 ei = i x̄i (x̄i ∈ F (e) na economia original). Ade-
PI P P
mais, x̂i não melhora (nem piora) a situação de nenhum consumidor, caso contrário não seria
PE. Portanto, a desigualdade em (P.1) deve se satisfazer na igualdade:

u(x̂i ) = u(x̄i ) =⇒ x̂i = x̄i

42
Eficiência dos mercados competitivos

(x̂i > x̄i contraria H1 – maximização da utilidade). Portanto, sob as condições do Teorema
4.3 se x̄ é PE, então x̄ é AEW para algum vetor p̄, depois da redistribuição da dotação para
e∗ ∈ F (e), tal que p̄e∗i , ∀i ∈ I.

A descentralização das alocações PE exige não somente a correção dos preços, mas requer
também redistribuições entre os agentes, o que limita a aplicação desse teorema. Observe-se
que a convexidade desempenha um papel central para estabelecer o 2o teorema do bem-estar.
De fato, este teorema constitui uma aplicação direta do Teorema de Separação, onde o vetor
de preços de equilı́brio em x̄ separa as alocações PE do conjunto das alocações preferidas à x,
para pelo menos um consumidor. Na ausência de convexidade, o Segundo Teorema não mais
se aplica. Isto pode ser visto no gráfico 4.12:

Figura 4.12: Preferências Não Convexas

No gráfico 4.12, a alocação x∗ é Pareto-eficiente, porém não constituiu uma AEW. Isto
porque, aos preços p, existem alocações que são preferidas pelo agente 1, pois situam-se sobre
curvas de indiferenças mais elevadas. Isto ocorre porque as preferências do individuo 1 não são
convexas.
Exemplo 4.13 Considere uma economia de troca com dois consumidores - Tito (T) e Be-
renice (B). As preferências desses agentes são dadas pelas seguintes funções de utilidade:
1/3 2/3 2/3 1/3
uT = x1T x2T e uB = x1B x2B . Tito possui 1 unidade do bem 1 e nenhuma do bem 2.
Berenice tem apenas 1 unidade do bem 2:
i. Calcule o equilı́brio geral dessa economia;
   
T 1 4 B 1 1
ii. Mostre que as alocações xP E = , e xP E = , são eficientes no sentido de
2 5 2 5
Pareto;
iii. Como essa economia satisfaz as condições do Segundo Teorema Fundamental da Teoria do
Bem estar, é possı́vel realocar as dotações para viabilizar a alocação citada no item b como
um equilı́brio de mercado. Isto porque deve existir um sistema de transferências T1 e T2 ,
tais que quando as dotações fatoriais forem dadas por eT = (1−T1 , T2 ) e eB = (T1 , 1−T2 ) , a
WEA dessa economia é exatamente xP E = xTP E , xB P E , citada no item anterior. Encontre
o equilı́brio walrasiano dessa economia e as transferências T1 e T2 (Att: pode  existir varias
combinações de transferências que viabilizam a alocação xP E = xTP E , xB P E como equilı́brio
de mercado. Se for o caso, escolha uma delas). Discuta, brevemente, seus resultados.

43
Eficiência dos mercados competitivos

Solução: Fazendo p = pp12 , deriva-se facilmente as demandas de Tito e Berenice para os bens 1
e 2. Sabe-se que, neste tipo de preferências, Tito gasta um terço de sua renda com o bem 1 e
dois terços de sua renda com o bem 2; ocorre o inverso com Berenice, que dispende 2/3 de sua
renda com o bem 1 e o restante com o bem 2. As funções de demanda de Tito e Berenice são
dadas pelas funções abaixo:
1 2p
xT1 = xT2 = (4.48)
3 3
2 1
xB
1 = xB
2 = (4.49)
3p 3
A função de excesso de demanda agregado para o bem 1 é:
1 2
z1 (p) =
+ −1 (4.50)
3 3p
Anulando-se o excesso de demanda, tem-se que p = 1. Substituindo-se p nas funções
de demandas individuais, obtém-se as alocações de equilı́brio walrasiano (xT1 , xT2 ) = ( 13 , 32 ).
Portanto, o equilı́brio geral desta economia é:
1 2 2 1
EW = {(p11 , p12 ) = (1, 1); (xT1 , xT2 ) = ( , ), (xB B
1 , x2 ) = ( , )} (4.51)
3 3 3 3
Resta agora provar que uma redistribuição adequada da dotação  inicial
 mediante
 o uso

T 1 4 B 1 1
de transferências lump-sum permite viabilizar a alocação xP E = , e xP E = ,
2 5 2 5
constituem um equilı́brio de mercado. Lembrando que as novas dotações iniciais são eT =
(1 − T1 , T2 ) e eB = (T1 , 1 − T2 ), respectivamente para Tito e Berenice, as demandas consistentes
com estas dotação são as seguintes:
1 (1 − T1 )p + T2 2 (1 − T1 )p + T2
xT1 = xT2 = (4.52)
3 p 3 1
2 pT1 + (1 − T2 ) 1 pT1 + (1 − T2 )
xB
1 = xB2 = (4.53)
3 p 3 1
   
T 1 4 B 1 1
Trata-se, agora, de viabilizar a alocação PE xP E = , e xP E = , como um
2 5 2 5
equilı́brio de mercado. Dividindo xT1 por xT2 e considerando os valores de xT1 e xT2 da alocação
PE, tem-se que:
1
1 xT1 5
= T = 24 = (4.54)
2p x2 5
8
Segue-se, pois, que p = 45 . Substituindo-se este preço nas novas demandas, encontram-se
as combinações das transferências, T1 e T2 que viabilizem a alocação PE como um equilı́brio
walrasiano. Usando a demanda de Berenice para o bem 2, tem-se que:
1 4 1
xB2 = [ T1 + (1 − T2 )] = (4.55)
3 5 5
Rearrumando-se os termos da expressão acima, tem-se que:
2 4
T2 = + T1 (4.56)
5 5
Valores de transferências que satisfazem a equação acima são, por exemplo, (T1 , T2 ) =
2
(0, 5
), ( 12 , 0), ( 18 , 21 ).

44
Eficiência dos mercados competitivos

Exemplo 4.14 Considere a economia descrita no exemplo 3.4. Compute as dotações e trans-
ferências exigidas para que a alocação que iguala as utilidades seja um equilı́brio competitivo.

Solução Na alocação de igual utilidade, u1 = u2 . Neste caso,

γ log(x11 ) + (1 − γ) log(x12 ) = γ log(x21 ) + (1 − γ) log(x22 ) (4.57)

Rearrumando-se os termos, a expressão acima escreve-se como:

γ[log x21 − log x11 ] = γ[log x12 − log x21 ] (4.58)


Segue-se, pois, que
x21 x12
γ log = (1 − γ) log (4.59)
x11 x22
Para valores arbitrários de γ, a expressão acima tem a seguinte solução:

x21 x12
= 2 =1 (4.60)
x11 x2
Lembrando que a dotação total é igual a cinco unidades do bem 1 e 3 unidades do bem
2, tem-se que:
5 5
x11 = x21 = (4.61)
2 2
3 3
x12 = x22 = (4.62)
2 2
A implementação da alocação x1 = (5/2, 3/2), x2 = (5/2, 3/2) como um equilı́brio com-
petitivo exige que:
γx12 3γ 3γ p1
T M ST2,1 = − 1
=− = = (4.63)
(1 − γ)x1 5(1 − γ) 5(1 − γ) p2
Escolhendo o bem 1 como numerário, a restrição orçamentária exigida pela nova cesta
de consumo para o agente 1 é:
   
1 3γ 1 3γ 5 3 3
e1 + e2 = + = (4.64)
5(1 − γ) 5(1 − γ) 2 2 2(1 − γ)

4.5 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso? justifique sua resposta

1. Se aos preços p, a alocação x for uma AEW, então, ela encontra-se sobre a curva de
contrato da economia.
2. Se p∗ for um equilı́brio walrasiano de uma economia, cuja dotação inicial é igual a E,
então, a AEW associada a este equilı́brio, x(p∗ ) é factı́vel.
3. Se (x, p) é um equilı́brio Walrasiano, então, x é Pareto eficiente.
4. Se uma alocação x ∈ C(e), então esta alocação também está no core das réplicas dessa
economia.
5. Considere a economia ε = {ui , ei }, i ∈ I. Então, W (e) ⊂ C(e) prevalece, onde W(e) e
C(e) são, respectivamente, o conjunto das AEW e o conjunto das alocações pertencentes
ao núcleo de ε

45
Eficiência dos mercados competitivos

6. Se as preferências forem contı́nuas e estritamente monotônicas, a eficiência fraca de


Pareto implica eficiência de Pareto.

II. Questões abertas

1. Sabe-se, pelo Primeiro Teorema Fundamental da Teoria do Bem Estar, que se as pre-
ferências forem estritamente convexas, ∀i ∈ I, então, uma alocação de equilı́brio wal-
rasiano é também eficiente no sentido de Pareto. Sob as mesmas hipóteses, é possı́vel
afirmar que um equilı́brio walrasiano é também um quase equilı́brio?
2. Em uma economia de trocas com dois bens e dois consumidores, Haroldo e José, as
preferências são dadas pelas seguintes expressões:

uH = ln xH + 2 ln z H e uJ = 2 ln xJ + 2 ln z J

As dotações dos bens x e z são as seguintes: eH = (9; 3) e eJ = (12; 6).


i. Derive as funções de excesso de demanda para cada bem e verifique a Lei de Walras.
ii. Encontre p∗ e a WEA correspondente.
iii. Derive a curva de contrato dessa economia.
3. Considere uma economia de trocas com três consumidores e três bens. As dotações
iniciais desta economia são, respectivamente,

√ √ √
u1 = x + y + z e1 = (4, 16, 4)
u2 = ln xy + z e2 = (1, 2, 20)
u3 = xy + yz e1 = (1, 6, 2)

Verifique se a dotação inicial e = (e1 , e2 , e3 ) pertence ao core desta economia.


4. Considere uma economia com dois bens e dois consumidores cujas preferências são:
u1 = x11 + x12 ; u2 = min{x21 , x22 }. As dotações dos bens x1 e x2 são: = e1 = (1, 2) e
e2 = (3, 1).
i. Construa o conjunto de alocações Pareto Eficiente e a curva de contrato. Ilustre
graficamente será o equilı́brio dessa economia.
ii. Que alocações são também Pareto eficientes?
iii. Calcule o preço de equilı́brio do bem 2 em relação ao preço do bem 1 se a dotação
de cada consumidor aumenta em uma unidade?
5. Considere uma economia cuja dotação inicial e11 + e21 = (1/2 + 3/2) = 2; e12 + e22 =
(3/4 + 5/4) = 2. As preferências dos consumidores são idênticas e iguais à ui =
α ln xi1 + ln(1 − α)xi2 .
i. Encontre os preços de equilı́brio que garantem u1 = u2 .
ii. Encontre o valor da transferência lump-sum consistente com as dotações iniciais
e1 = (1/2; 3/4) e e2 = (3/2; 5/4).
6. Considere uma economia com dois consumidores, cuja dotação inicial é a seguinte:
e1 = (2, 1) e e2 = (3, 2). As preferências dos consumidores são idênticas e iguais à
ui = γ ln xi1 + (1 − γ) ln xi2 .
i. Encontre a taxa marginal de substituição entre os dois bens para o consumidor 1
e os preços de equilı́brio que suportam a alocação u1 = u2 ;
ii. Como a dotação inicial do bem 1 do individuo 1 é e11 = 2, ache e12 que garanta o
valor do consumo exigido pela alocação igualitária;

46
Eficiência dos mercados competitivos

iii. Encontre a quantidade do bem 2 que deve ser transferida do consumidor 2 para o
consumidor 1.
7. Considere uma economia com dois bens e dois consumidores cujas preferências são:
u1 = x11 + x12 ; u2 = min{x21 , x22 }. As dotações dos bens x1 e x2 são: e1 = (1, 2) e
e2 = (3, 1).
i. Construa o conjunto de alocações Pareto Eficiente e a curva de contrato. Ilustre
graficamente o equilı́brio dessa economia.
ii. Calcule o preço de equilı́brio do bem 2 em relação ao preço do bem 1 se a dotação
de cada consumidor aumentar em uma unidade.
8. Suponha uma economia de troca com dois agentes com funções de utilidade idênticas
e iguais à U (x1 , x2 ) = (xρ1 + xρ2 )1/ρ , onde ρ = 0, 5. As dotações totais do bem 1 e do
bem 2 são, respectivamente, ω1 = 16 e ω2 = 8.
i. Calcule a taxa marginal de substituição entre os bens 1 e 2;
ii. Derive a curva de contrato e ilustre-a graficamente.

47
5

Existência, unicidade e estabilidade

”The cumulative nature of the existence of equilibrium literature, from Wald


and von Neumann to Arrow, Debreu and McKenzie, involved many individuals,
and a great deal of work.The story told here is linked to the creation of the theory
of games, fixed point theory and activity analysis.”
Roy Weintraub, 1983
Nas seções anteriores, sob hipóteses relativamente fortes, computamos o equilı́brio geral
walrasiano e discutimos as suas propriedades, supondo a existência de pelo menos um equilı́brio.
Este equilı́brio também era único e estável. No entanto, isso nem sempre ocorre, a menos que
se imponham condições sobre as preferências e sobre os preços.
Neste capı́tulo, completaremos a análise do equilı́brio walrasiano, investigando, em pri-
meiro lugar, as condições que garantam a sua existência. Além disso, as condições que assegu-
ram que esse equilı́brio seja único serão discutidas. Isto porque, para a análise de estática com-
parativa, baseadas na teoria do equilı́brio geral, seria de pouca valia a existência de equilı́brios
múltiplos.
Por fim, vamos examinar a estabilidade dos preços walrasianos. De fato, de nada nos
serviria um sistema de preços walrasianos se, face a pequenas mudanças na economia, estes
preços fossem desviados, de forma duradoura, daqueles que igualariam a oferta e a demanda
agregada, ou equivalentemente, que eliminassem os excessos de demanda em todos os mercados.
Torna-se, pois, necessário garantir que, uma vez estabelecido, o equilı́brio walrasiano,
doravante mencionado como p∗ , existe, é único e também estável. As seções subsequentes
tratam, pois, da existência, unicidade e estabilidade do equilı́brio.

5.1 Existência
Cabe indagar se, de fato, o equilı́brio walrasiano existe e, no caso afirmativo, que hipóteses
são exigidas para a sua existência. O ponto central, a ser explorado nesta seção, é investigar
as condições que garantem que a economia tenha, pelo menos, um equilı́brio. A resposta a
essa questão foi, primeiramente, dada por Walras, ao supor que o sistema de equações formado
pelas funções de excessos de demanda tinha uma solução, desde que o número de equações
independentes fosse igual ao número de variáveis (preços relativos).
Ora, como ficou posteriormente demonstrado, mesmo neste caso, não se pode garantir a
existência de uma solução (Wald,1936). Em uma economia com dois bens e dois consumidores,
pode-se visualizar graficamente um caso que não existe equilı́brio walrasiano. A Figura ilustra
esse caso, para o mercado do bem 1 1 .
1
Pela Lei de Walras, quando K = 2, as informações sobre o mercado do bem 1 são suficientes para calcular
o equilı́brio walrasiano

48
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.1: Descontinuidade da função de excesso de demanda existência de equilı́brio

Indivı́duo 1 Indivı́duo 2 Não existe equilı́brio

Nesse exemplo, é fácil verificar que as preferências do consumidor 1, representadas pela


função de utilidade u1 (x1 ), violam H1: a curva de demanda desse agente, p1 = x11 (p) é des-
contı́nua entre os pontos A e B. Mesmo com as preferências bem comportadas do consumidor
2, quando agregamos as curvas de demanda dos dois consumidores no intervalo relevante, isto
é, na parte em que x1 (p) cruzaria a linha vertical, que corresponde à oferta (dotação fixa) total
do bem 1.
Alternativamente, essa descontinuidade das preferências pode ser vista em termos da
função de excesso de demanda agregado pelo bem 1. A Figura 5.2 ilustra este caso. Essa figura
mostra a demanda, a dotação e a demanda lı́quida, agregadas sobre consumidores, no mercado
do bem 1. Porém, nele, não existe interseção entre z1 (p), a função de excesso de demanda
agregado do bem 1, e a linha pontilhada que mostra a dotação total do bem 1, e1 .

Figura 5.2: Descontinuidade de z(p) e Inexistência de Equilı́brio

Não se pode, pois, ex-post, igualar a demanda e a oferta agregada do bem 1, para
determinar os preços walrasianos. É fácil verificar que z1 (p) viola uma das condições do Teorema
3.2: esta função é descontı́nua no intervalo relevante, isto é, na parte em que z1 (p) cruzaria a
linha pontilhada, que representa a dotação fixa do bem 1. Segue-se, pois, que a determinação
do equilı́brio walrasiano exige a continuidade das funções de excesso de demanda agregado.
Porém, a continuidade de z(p) não é o único requisito para a existência do equilı́brio
walrasiano. Outras condições são exigidas para assegurar que existe um vetor p  0 que
elimina os excessos de demanda dessa economia. Assim, por exemplo, mostra-se facilmente

49
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.3: Preferências não convexas e a inexistência de preços de equilı́brio

(c)
(d)

que, na ausência de convexidade, pode não existir um vetor de preços de equilı́brio. A Figura
5.3 ilustra esse caso:
Vê-se, nesta figura, que as preferências do consumidor 1 não são convexas; aos preços
p, existem duas alocações em que ele maximiza a utilidade, dado a sua restrição orçamentária.
No entanto, nenhuma dessas alocações garante que a demanda iguala-se à oferta. Torna-se,
pois, necessário, impor condições para a existência de equilı́brio. O Teorema 5.1 enumera essas
condições.

Teorema 5.1 Funções de Excesso de Demanda Agregada e o Equilı́brio Walrasi-


ano
Se z : <n++ → <n satisfaz as seguintes condições:

1. z(p) é contı́nua em <n++ ;

2. pz(p) = 0; p  0; (Lei de Walras)

3. Se [pm ] é uma sequência de vetores de preços em <n++ convergindo para p̃ 6= 0 e p̃k = 0


0
para algum k, então, para algum k , com pk0 = 0, a sequência associada de excesso de
0 0
demanda no mercado do bem k , [zk (pm )], é ilimitada para cima. Então, existe um vetor
p∗  0 tal que z(p∗ ) = 0.

A prova deste teorema se fará em duas partes: na primeira parte, provaremos as


condições (1) e (2); a segunda parte demonstrará a condição 3.

Parte 1: Condições 1 e 2 do Teorema 5.1

Prova As condições 1 e 2 são garantidas pelas propriedades das funções de excesso de demanda,
descritas no Teorema 3.2.

Parte 2: Condição 3 do Teorema 5.1

A imposição desta condição tem o propósito de evitar que os preços de alguns bens sejam
nulos, o que resultaria em excessos de demanda excessivamente elevados para esses bens. A
estratégia da prova consiste em demonstrar que a sequência de excessos de demanda para o

50
Existência, unicidade e estabilidade

0 0
bem k , zk (pm ), associada à sequência de vetores de preços, [pm ], é limitada para cima. Esta
demonstração conduz à contradição desejada concluindo-se, pois, que a sequência de excesso
0 0
de demanda para o bem k , [zk (pm )] é ilimitada para cima.

Prova Considere a sequência de vetores de preços estritamente positivos, [pm ], convergindo


para p̃ 6= 0, tal que, para algum bem, p̃k = 0. Como
I
X I
X I
X
i i
e  0 =⇒ p̃ e = p̃ei > 0
i=1 i=1 i=1
.
Então, existe, pelo menos um consumidor i ∈ I, para o qual, p̃ > 0.
Seja xm = xi (pm , pm ei ), a demanda do i-ésimo consumidor, ao longo da sequência de
preços [pm ]. Suponha, por contradição, que a sequência de vetores de demanda, [xm ], é limitada
(bounded ). Como toda sequência limitada, [xm ] tem uma subsequência que converge. Isto é,
deve existir alguma alocação x∗  ∞, para a qual:

xm = xi (pm , pm ei ) → x∗
Como xm maximiza ui sujeito à restrição orçamentária e ui é fortemente crescente (mo-
notonicidade forte das preferências), a restrição orçamentária deve ser satisfeita na igualdade:

p m xm = p m e i , ∀m
Portanto, xm = xi (pm , pm ei ) é a escolha ótima do consumidor i. Tomando-se os limites,
quando m → ∞, x∗ → xm e pm → p̃:

p̃xm = p̃x∗ = p̃ei > 0 (5.1)


Considere agora a alocação x̂ = x∗ + (0, . . . , 1, . . . , 0), onde 1 ocorre na k-ésima posição.
A alocação x̂, quando comparada à alocação x∗ , contém uma maior quantidade do bem k.
Como ui é fortemente crescente em <n++ , então,

ui (x̂) > ui (x∗ ) (5.2)

Além disso, como p̃k = 0, para algum k, a alocação x̂, embora preferida à alocação x∗ ,
custa o mesmo que x∗ . Nesse caso, a equação 5.1 implica que:

p̃x̂ = p̃ei > 0 (5.3)

O agente i, além de preferir a cesta x̂ à alocação x∗ , pode também consumi-la. Além


disso, como ui é contı́nua, existe t ∈ (0, 1), tal que:

ui (tx̂) > ui (x∗ ) (5.4)


p̃(tx̂) < p̃ei = p̃x̂, já que t < 1 (5.5)

Porém, como pm → p̃ e xm → x∗ , então, para m suficientemente grande, temos que:

ui (tx̂) > ui (xm ) e pm (tx̂) < pm ei (5.6)


O que contradiz o fato de que xm maximiza a utilidade do consumidor aos preços pm .
Concluı́mos, pois, que deve existir algum k0 , tal que a sequência de vetores de demanda xm
k é
ilimitada para cima.

51
Existência, unicidade e estabilidade

Quando a sequência de demanda xm → ∞, pk → 0, xm é ilimitada para cima. Como a


renda converge para p̃ei , a sequência de renda [pm ei ] é limitada (prova exercı́cio 5.8). Conse-
0
quentemente, pm
k0
→ 0, porque é a única forma da demanda para o bem k ser ilimitada e ao
mesmo tempo respeitar a restrição orçamentária (affordable). Consequentemente:

p̃k0 = lim pm
k0
=0
m→0

5.1.1 Teorema da Existência


Teorema 5.2 Existência do Equilı́brio Walrasiano Supondo-se que H1 prevaleça, que
a dotação inicial seja estritamente positiva (e  0) e que a função z(p) atenda as condições 1
a 3 do Teorema 5.1, então, existe pelo menos um vetor de preços, p∗  0, tal que z(p∗ ) = 0.

Antes de iniciar a prova do Teorema 5.2, as propriedades das funções de excesso de


demanda serão utilizadas para restringir o espaço de busca dos preços walrasianos, aos casos
em que p 6= 0, garantindo, assim, que as funções de excesso de demanda sejam ilimitadas para
cima (condição 3). Além disso, definindo-se implicitamente um numerário, a homogeneidade
das funções de excesso de demanda permite normalizar os preços, de sorte que os K-1 preços
relativos situam-se no intervalo entre zero e a unidade (pk ∈ (0, 1), ∀k ∈ K) facilitando, assim, a
busca pelo equilı́brio. Na procura dos preços walrasianos, vamos, pois, nos limitar a conjuntos
de preços que atendam essas condições.
0
Como z(p) respeita a condição 3 do Teorema 5.1, para algum bem, k , por exemplo,
0
quando (pk → 0), o excesso de demanda para esse bem torna-se arbitrariamente grande.
Para impedir que isso ocorra, vamos impor um limite superior para a função zk (p). Defina
z k (p) = min[zk (p), 1], ∀k ∈ K, e z(p) = (z1 (p), . . . , zK (p)) e p  0. A função z(p) é, pois,
limitada para cima pela unidade.

Considere, agora o conjunto Sε ⊂ R+ , com ε ∈ (0, 1), definido como:


( K )
X ε
Sε = p| pk = 1 e pk > , ∀k ∈ K
k=1
1 + 2K

O conjunto Sε é compacto, convexo e não-vazio. Quando temos apenas dois bens (K =


2), este conjunto escreve-se como:
ε
Sε = {p1 , p2 |p1 + p2 = 1 e p1 , p2 > }
5
A Figura 5.4 ilustra graficamente esse conjunto, explicitando suas bordas:

52
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.4: O Conjunto Sε ⊂ R2+

Note-se que à medida que ε → 0, mais e mais preços são incluı́dos na análise. E fácil
verificar que neste conjunto, os preços normalizados são não nulos. Resta provar que o conjunto
Sε é compacto, convexo e não-vazio.

Prova
1. Sε é compacto porque fechado e limitado.
2. Sε é convexo: ∀p1 , p2 , ∈ Sε , =⇒ pv = tp1 + (1 − t)p2 ∈ S, t ∈ [0, 1]. Fazendo p1 = 2/K,
p2 = (K − 2)/K, t = 0, 4; pv = 0, 4( K2 ) + 0, 6( K−2
K
) = 0, 4. Lembrando que para K = 2,
no conjunto Sε , pk é dado pela expressão: pk > 1+2×2 =⇒ pk > 5ε . pv = 0, 4 > 5ε , porque
ε

ε < 1.
1
3. Sε é não vazio: o vetor de preços K
, ∀k ∈ K, pertence ao conjunto Sε . De fato,
K
X 1 K
= =1
k=1
K K

1
Ademais, o vetor de preços K
satisfaz
ε
pk > , porque ε < 1
1 + 2K
1 ε 1 1/K + 2
> , = .
K 1 + 2K K 1 + 2K

Provaremos, agora, que existe um equilı́brio geral da economia, isto é, um vetor de preços
p que elimina os excessos de demanda, simultaneamente, em todos os mercados. Na busca de
p, vamos nos limitar ao conjunto Sε . Para cada bem k ∈ K, e ∀p ∈ Sε , defina uma função fk (p)
como:

ε + pk + max{0, zk (p)}
fk (p) = (5.7)
Kε + 1 + K
P
m=1 max{0, zm (p)}

53
Existência, unicidade e estabilidade

A interpretação econômica da equação 5.7 é direta: ela afirma que se houver excesso de
demanda para um dado bem, o seu preço será elevado. De fato, o numerador dessa expressão
mostra que se houver excesso de demanda para o k-ésimo bem (zk (p) > 0), ele será somado ao
preço pk , elevando-o. Se, ao contrário, houver excesso de oferta (zk (p) < 0), o preço do bem k
não se altera. O numerador de fk (p) simula, pois, o tateamento walrasiano.
O denominador de fk (p) - diferente de 0, porque seu valor mı́nimo é 1 - corresponde à
soma sobre k ∈ K do numerador. Depois que o numerador de fk (p) calcula os novos preços
relativos, o denominador normaliza-os para que a sua soma seja igual à unidade. Segue-se, pois,
que a equação 5.7 define os preços relativos dos K − 1 bens transacionados na economia. A
inclusão do parâmetro ε garante que os preços são não nulos. Segue-se, então, que a função f é
uma função contı́nua, que mapeia o conjunto compacto, convexo e não vazio, Sε , nele mesmo.
De fato, definindo-se σ como
ε
σ= (5.8)
Kε + 1 + K × 1
O denominador de σ corresponde ao da equação 5.7, avaliado quando zm (p) = 1. Rees-
crevendo (5.7) como:
ε + pk + zk (p)
fk (p) = P (5.7a)
Kε + 1 + m z m (p)

Comparando-se σ e fk (p) tal como descrito em (5.7a) temos que:


ε
fk (p) > =σ
Kε + 1 + K × 1
Porque zk (p) 6 1. Consequentemente,
ε
fk (p) > porque ε ∈ (0, 1)
1 + 2K
.

Note-se, por fim, que a função fk (p) normaliza os preços. Sendo f (p) = (f1 (p), . . . , fK (p))
e somando-se a equação 5.7 sobre os preços, temos que:
K
X
fk (p) = 1
k=1

A função f atende, pois, aos requisitos do conjunto Sε ,


PK ε
k=1 fk (p) = 1; fk (p) > 1+2K
e f : Sε → Sε

Concluı́mos, pois, que a função fk (p) mapeia o conjunto Sε nele mesmo. Resta, agora,
encontrar o equilı́brio walrasiano, isto é o vetor de preços p∗ , tal que z(p∗ ) = 0. Isso equivale e
encontrar um ponto fixo para a função f . Dentre os muitos teoremas do ponto fixo, dois nos
interessam particularmente: Teorema de Brouwer e o Teorema de Kakutani.

Teorema 5.3 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer Considere um conjunto convexo, compacto,
não vazio, X (um subconjunto do espaço euclidiano) e uma função contı́nua f de X → X
Então, f tem um ponto fixo, isto é, existe x∗ ∈ X tal que f (x∗ ) = x∗ .

54
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.5: Teorema do Ponto Fixo de Brouwer

A Figura 5.5 ilustra o teorema de Brouwer. Este teorema garante que o gráfico de f (x)
cruzará a linha de 45o pelo menos uma vez dentro do quadrado [a, b] × [a, b]. Note-se que a
função f (x) cruza a linha de 45o três vezes dentro do quadrado [a, b] × [a, b]. Segue-se, pois,
que embora o Teorema de Brouwer garanta a existência de equilı́brio, ele não assegura sua
unicidade.
Teorema 5.4 Teorema do Ponto Fixo de Kakutani: A função f de Brouwer é substituı́da pela
correspondência que associa a cada ponto x ∈ X, um subconjunto não vazio f (x) ⊆ X. Esse
teorema afirma que se f for uma função semi-contı́nua superior e convexa, então ela tem um
ponto fixo x para cada x ∈ X.

5.1.2 Teorema de Brouwer e a Existência de Equilı́brio Competitivo


Podemos, agora, utilizar o Teorema de Brouwer para provar a existência do equilı́brio walrasiano
- Teorema 5.2. De acordo com esse teorema, a função fk (p), definida pela equação 5.7 tem um
ponto fixo, isto é fk (pε ) = pεk , ∀k ∈ K. A equação (5.7) torna-se, então:
Prova
ε + pk + max{0, z k (p)}
pεk = (5.9)
Kε + 1 + K
P
m=1 max{0, z m (p)}
A expressão acima pode ser reescrita como:
K
X
pεk {Kε +1+ max[0, z K (p)]} = ε + pεk + max[0, z k (p)] (5.10)
m=1
XK
pεk {Kε + max[0, z m (p)]} = ε + max[z k (p), 0] (5.11)
m=1

A sequência de vetor de preços [pε ] é limitada (pε ∈ Sε , 0 < pε < 1). Existe, pois, alguma
subsequência de [pε ] que converge para p∗ , quando ε → 0. Note-se que p∗ > 0 e p∗ 6= 0. No
limite, quando ε → 0, a expressão anterior converge para:

55
Existência, unicidade e estabilidade

p∗k { K ∗
P
m=1 max[0, z m (p )]} = max[0, z k (p)]

Multiplicando ambos os lados dessa expressão por zk (p∗ ) e somando sobre k:

X K
X K
X
∗ ∗
pk zk (p ){ max[0, z m (p)]} = zk (p∗ ){max[0, z k (p)]}
k m=1 k=1
PK
Pela Lei de Walras, k=1 p∗k zk (p∗ ) = 0. Nesse caso a expressão acima reduz-se a:
m
X
zk (p∗ ){max[0, z k (p)]} = 0 (5.12)
k=1

No lado esquerdo desta expressão, cada termo da soma ou é zero, ou é zk (p) > 0.
Portanto, para que a soma do lado esquerdo da expressão seja 0, respeitando-se o lado direito
da mesma expressão, é preciso que cada termo desta soma seja igual a zero. Nesse caso, a única
forma de atender a equação 5.12 é fazer com que zk (p∗ ) 6 0. Combinando este resultado com a
condição 3 do teorema 5.1, p∗  0, =⇒ zk (p∗ ) = 0. Portanto, existe pelo menos um equilı́brio
para a economia descrita.

Sabe-se, pelo Teorema 5.1, que p∗  0. Vamos proceder à prova de que p∗k >> 0.

Prova p∗  0 não se aplica. Para algum bem k, p∗k0 = 0. Porém, a condição 3 (Teorema 5.1),
afirma que se p∗k0 = 0 =⇒ zk (pε ) é ilimitada para cima, quando ε → 0. Uma vez que pε → p∗
implica que pεk0 → 0, o lado esquerdo de da expressão 5.10 tende para zero. Porém, o mesmo
não ocorre com o lado direito (zk (p) = 1). Como os dois lados são iguais, p∗k 6= 0 e p∗k  0 .

Exemplo 1: Considere uma economia de trocas com dois consumidores Aretê e Bia que
consomem os bens virtude: bem 1 e poder: bem 2, transacionáveis no mercado. As preferências
de Aretê são representadas pela seguinte função de utilidade: uA = xA1 . Sua dotação de recursos
é igual a eA = (1, 0). A função de utilidade de Bia é igual a: uB = xB B
1 x2 , cuja dotação inicial é
eB = (0, 1). O bem poder serve como numerário. Mostre que nesse caso, não existe p∗ = (p1 /p2 )
que represente um equilı́brio Walrasiano.
Solução: Como Aretê não consome o bem 2, ela gasta a totalidade de sua renda com o bem
1 (virtude). Neste caso, tem-se que as demandas pelo bem 1 de Aretê e Bia são:
p2
p 1 xA
1 = p1 =⇒ xA
1 = 1; xB
1 = (5.13)
2p1
Verifica-se, facilmente, que a função de demanda agregada pelo bem 1 é:
p2
z1 (p1 , p2 ) = (5.14)
2p1

Sendo p1  0 e p2  0, não há um sistema de preços capaz de anular z1 (p1 , p2 ). Consequente-


mente, não existe equilı́brio walrasiano para esta economia. Isto ocorre porque as preferências
de Aretê violam H1, já que não são estritamente monotônicas.

56
Existência, unicidade e estabilidade

5.2 Unicidade
Na seção anterior, provamos que existe pelo menos um equilı́brio walrasiano para uma econo-
mia de trocas ”bem comportada”, regida por H1. Resta agora mostrar que esse equilibro é
único. Este ponto é relevante porque a unicidade do equilı́brio walrasiano permite responder,
de forma inequı́voca, questões relevantes de estática comparativa tais como: o que ocorreria
com o consumo de um dado agente, se a sua dotação inicial fosse modificada. Ou ainda, como
esse mesmo agente mudaria sua demanda caso a dotação inicial de um outro agente fosse re-
duzida. A multiplicidade de equilı́brios não nos ensinaria nada sobre essas questões, exceto o
fato de que esses equilı́brios seriam Pareto-eficientes. Essa situação pode ser ilustrada na caixa
de Edgeworth, apresentada na Figura 5.6. Vê-se que, para uma dada dotação, e, existem pelo
menos três equilibrios.

Figura 5.6: Multiplicidade de Equilı́brio

Nada impede, no entanto, a existência de muitos outros equilibrios, já que as preferências
ilustradas na Figura 5.6 implicam que o mapa de indiferença é denso. De fato, para a dotação
inicial, e, todas as alocações situadas sobre a curva de contato são potenciais candidatos ao
equilı́brio. Terı́amos, então, nesse caso, a existência de um número infinitos de equilı́brios
walrasianos.
Felizmente, este caso somente ocorre quando se busca um equilı́brio globalmente único.
Embora esta definição de unicidade seja o foco da literatura clássica, ela aplica-se, apenas, em
casos bem particulares, que exigem hipóteses muito restritivas sobre as preferências.

5.2.1 Unicidade Global


As hipóteses exigidas para que o equilı́brio seja globalmente único passa pela adoção de hipóteses
relativamente fortes sobre as preferências. Dentre estas hipóteses, exige-se que as demandas
(excessos de demanda) satisfaçam a propriedade de substituibilidade bruta e/ou o Axioma Fraco
de Preferência Revelada. Na ausência dessas condições não se pode descartar a existência de
infinitos equilı́brios. Funções de demanda unicamente definidas e que satisfazem a propriedade
de Substituição Bruta garantem a unicidade do equilı́brio walrasiano. Demandas que satisfazem

57
Existência, unicidade e estabilidade

o Axioma Fraco de Preferência Revelada garantem também que o vetor de preços walrasianos
é único. No que se segue, estas condições serão discutidas.

Axioma Fraco de Preferência Revelada e Unicidade do Equilı́brio


O uso do Axioma Fraco de Preferência Revelada na teoria do equilı́brio geral é de grande inte-
resse para o estudo da unicidade do equilı́brio walrasiano porque este axioma requer hipóteses
bem mais fracas sobre as preferências, do que, por exemplo, as exigidas pela hipótese de Subs-
0
tituição Bruta na demanda. Supondo-se que as funções de excesso de demanda z(p) 6= z(p )
satisfazem o Teorema 5.1 e o Axioma Fraco de Preferência Revelada (AFPR), é possı́vel mostrar
que o equilı́brio é único.
O ponto central deste axioma, baseado na observação das escolhas efetivamente feitas
0
pelo consumidor, é o seguinte: se o consumidor i compra a cesta xi , ao invés de outra cesta, xi ,
por exemplo - sendo que ele pode arcar com o custo desta cesta – é razoável supor que a cesta
0
x é revelada preferida por esse consumidor à cesta xi . Isto aplica-se para ∀i ∈ I. Note-se que
o axiomas da preferência revelada aplica-se às escolhas (que são observáveis) do consumidor e
não sobres as preferências, como na teoria ordinal.
0
Considere os vetores de preços, p, p ∈ S, o conjunto de preços da economia. Seja x a
0 0
cesta escolhida quando os preços são p e x , quando os preços são p . Defina a relação binária
0 0
de preferências R como revelada preferı́vel de forma que xRx se, e somente se, px ≥ px . Isto
0
é, se o agente escolheu a alocação x, quando x poderia ser comprada, esta alocação se revelou
0
preferida à alocação x0 . De forma análoga, se o consumidor escolhe x é porque a cesta x não
cabe em seu orçamento.
0
Definição Axioma Fraco de Preferência Revelada Considere as alocações x e x . Se
0 0
xRx , então, não é possı́vel que x Rx.
0 0
Isto é, se a alocação x for revelada pelo menos tão boa quanto a alocação x , então, a cesta x
não poderá ser estritamente preferida à cesta x.

Definição Demandas Walrasianas e P o AFPR As demandas walrasianas associadas aos


0 0 0 0
preços p, p , x ≡ i∈I x (p, pe ) e x ≡ i∈I xi (p , p ei ), satisfazem o Axioma Fraco de Pre-
i i
P
ferência Revelada se
0 0 0 0 0 0 0
p x(p, e) ≤ px = p x(p , p e) = p e = m (5.15)
0 0 0
x(p, pe) 6= x (p , p e) (5.16)

Combinando-se as expressões acima, tem-se que:


0 0 0
px(p , p e) = px > px(p, pe) = pe = m (5.17)
0
Onde m, m correspondem à renda agregada da economia, avaliada, respectivamente, aos preços
0
p e p . A interpretação desse axioma é a seguinte: suponha, por exemplo, que os preços e a
0 0
renda (p, pe) mudam para p , p e. A primeira linha da definição do AFPR garante que a cesta
de consumo original x(p, pe) pode ser comprada com a renda agregada da economia, avaliada,
0 0 0
aos novos preços, p , já que p x(p, e) ≤ p e. A segunda linha mostra que, mesmo assim, os
0 0 0
consumidores alteram suas demandas porque x(p, pe) 6= x (p , p e). Então, a nova escolha,
0 0 0
x ≡ x(p , p e), não poderia ter sido comprada com a renda inicial, pe, porque, de outra forma,
0
o consumidor teria escolhida a cesta x , ao invés da cesta x. Note-se, por fim, que o AFPR exige
que a demanda agregada da economia comporte-se como fosse gerada por um único consumidor.
A redefinição do AFPR em termos das funções de excessos de demanda, z(p) é direta
como pode ser visto na definição abaixo:

58
Existência, unicidade e estabilidade

Definição AFPR e Funções de Excesso de Demanda Seja z(p), a demanda agregada


lı́quida ótima; z(p) satisfaz o Axioma Fraco de Preferência Revelada (AFPR) se, para quaisquer
0
pares de vetores de preços, (p, p ),
0 0 0 0 0
pz(p) ≥ pz(p ) e z(p) 6= z(p ), então, p z(p) > p z(p )
0
A intuição para esta definição é a seguinte: aos preços p, z(p ) é viável (affordable) e
0 0
z(p) prevalece, isto é, z(p)  z(p ); isto implica que aos preços p , z(p) não caberia dentro
0 0 0
da restrição orçamentária do consumidor (p z(p) > p z(p )); caso contrário, z(p) não seria a
escolha ótima.
Embora o AFPR seja uma hipótese mais fraca do que a adoção de funções de utilidade
contı́nuas e concâvas, a restrição imposta por esta suposição não é tão fraca quanto parece. Em
alguns caso, mesmo que as demanda dos indivı́duos possam satisfazer este axioma, a agregação
das funções de excesso de demandas sobre consumidores (de fato, o que interessa em equilı́brio
geral) pode não satisfazer o AFPR.
Lema 5.1 Supondo-se que as funções de excesso de demanda agregado satisfaçam o AFPR e
a lei de Walras, então, p∗ z(p) > 0, ∀p 6= λp∗ , onde p∗ é um equilı́brio competitivo.
Prova Suponha que p∗ é um equilı́brio competitivo; então, z(p∗ ) ≤ 0. Além disso, pela lei de
Walras, pz(p) = 0. Portanto, pz(p) > pz(p∗ ). Pelo AFPR, p∗ z(p) > p∗ z(p∗ ) = 0, implicando,
assim, que p∗ z(p) > 0, ∀p 6= λp∗ .
Vamos, agora utilizar o Axioma Fraco de Preferência Revelada para garantir a unicidade
do equilı́brio walrasiano. O Teorema 5.5 estabelece a ligação entre o AFPR e a unicidade do
equilı́brio walrasiano.
Teorema 5.5 AFPR e Unicidade Considere uma economia em que z(p) satisfaz AFPR.
Neste caso, o conjunto de preços walrasianos (p) é convexo. Segue-se, então, que existe, no
máximo, um equilı́brio walrasiano.
Prova Pelo Lema 5.1, p∗ z(p) > 0, ∀p 6= λp∗ . Então, para pelo menos 1 bem, o k-ésimo bem,
0
por exemplo, zk (p) > 0. Suponha que existe, p∗ , p∗ e α ∈ (0, 1) tal que:
0 0
z(p∗ ) = z(p∗ ) = 0 6= z(αp∗ + (1 − α)p∗ ) (5.18)
0 0
Definindo-se p∗∗ = αp∗ + (1 − α)p∗ e lembrando que z(p∗ ) = z(p∗ ) = 0:
p∗∗ z(p) = 0
Portanto, o vetor de preços p∗∗ satisfaz a Lei de Walras. Pelo Axioma Fraco de Pre-
ferência Revelada,
p∗∗ z(p) ≤ 0 e z(p) 6= z(p∗∗ ) =⇒ pz(p∗∗ ) = pz ∗∗ > 0 (5.19)
∗∗ ∗0 ∗ ∗∗ ∗0 ∗∗
p z(p ) ≤ 0 e z(p ) 6= z(p ) =⇒ p z(p ) > 0 (5.20)
De (5.19) e (5.20) temos que:

z(p∗∗ ) > 0 (5.21)


Multiplicando (5.21) por p∗∗ :
p∗∗ z(p∗∗ ) > 0 (5.22)
o que contraria a Lei de Walras, estabelecendo a contradição; logo, se as funções de excesso de
0
demanda satisfazem AFPR, o conjunto de preços S é convexo, isto é z(p∗ ) = z(p∗ ) = z(p∗∗ ) = 0.
Para tal, p∗ = p∗0 = p∗∗. Portanto, o equilı́brio global, nessa economia, é único.


59
Existência, unicidade e estabilidade

Substituição Bruta e Unicidade


Vamos, agora, investigar outra condição que garante a unicidade do equilı́brio, a saber, a
propriedade de Substituição Bruta (SB). De acordo com essa propriedade, dois bens 1 e 2 são
substitutos brutos se o aumento no preço do bem 1 bem eleva a demanda do bem 2. Uma
definição mais formal dessa propriedade é:

Definição Substituição Bruta A função de demanda x(p) satisfaz a propriedade de substi-


tuição bruta se para p0k > pk e p0j = pj , ∀j 6= k, então xj (p0 ) > xj (p), ∀j 6= k.

Se a definição acima aplica-se ∀i ∈ I, então as funções de excesso de demanda - agregadas


e individuais - também satisfazem a hipótese de substituibilidade bruta. Considere uma classe
particular de economias, em que as demandas walrasianas satisfazem SB. Nesse caso, o Teorema
5.6 afirma que:

Teorema 5.6 Substituição Bruta e Unicidade Se as funções de excesso de demanda agre-


gada z(p) satisfazem a propriedade de substituição bruta, então a economia tem no máximo um
equilı́brio walrasiano, isto é, z(p∗ ) = 0, tem no máximo uma solução normalizada.

Prova por contradição


Precisamos mostrar que z(p) = 0 tem, no máximo, uma solução normalizada. Para tal,
suponha que z(p) = z(p0 ) = 0, onde p e p0 são vetores de preços walrasianos não colineares.
Pela homogeneidade de grau zero das funções de excesso de demanda, podemos normalizar os
preços de tal forma que:

p0j > pj , ∀j ∈ K e p0k = pk , para algum k


Vamos, agora, passar de p para p0 , aumentando-se os preços dos n − 1 bens, j 6= k. Em
cada passo, aumentamos um componente do vetor p, ou seja

p01 > p1
p02 > p2
..
.
0
pK−1 > pK−1
0
Nesse caso, calculada aos preços p , a demanda agregada, x(p0 ) < x(p). Segue-se, pois,
que zk (p0 ) < zk (p) = 0, o que estabelece a contradição.

5.2.2 Equilı́brios Localmente Únicos


A presença de equilı́brios múltiplos, conforme ilustrado na Figura 5.6, somente ocorre para a
dotação inicial e. Nas vizinhanças dessa dotação, existirá apenas um equilı́brio local único.
Mesmo nesse caso, cada um desses equilı́brios pode ser localmente único. Mais recentemente,
demonstrou-se que é possı́vel limitar o número de equilı́brios e garantir, localmente - nas pro-
ximidades do ponto e da Figura 5.6 - unicidade de equilı́brio.

Definição Unicidade Local Um equilı́brio é dito localmente único se não existe nenhum outro
vetor de preços walrasianos, que seja próximo ao equilı́brio original. Ou, de outra forma, um
equilı́brio não qualifica como localmente ótimo, se o vetor de preços p constitui o limite das
sequencias de outros vetores de preços walrasianos.

60
Existência, unicidade e estabilidade

Porém, embora a existência de um equilı́brio localmente único exija hipóteses mais fracas
do que as requeridas para a existência de um equilı́brio globalmente único, mesmo assim, nem
sempre é possı́vel estabelecer a unicidade do equilı́brio local. A Figura 5.7 ilustra esse caso, no
modelo 2x2.

Figura 5.7: Multiplicidade de Equilı́brio

Defina o preço do bem 1 como o numerário, de sorte que p = (1, p2 ). Neste gráfico, a
função de excesso de demanda z2 (p2 ) se anula em três pontos, cada um deles correspondente
a uma diferente relação de preços. Temos, então, três equilı́brios. No entanto, é possı́vel
representar uma função de excesso de demanda agregado, que teria uma uma infinidade de
equilı́brios, como é o caso da Figura 5.8. Porém, este caso degenera, como mostraremos a
seguir.

Figura 5.8: Multiplicidade de Equilı́brio

Mais formalmente, a ausência de unicidade local ocorre quando a função de excesso de


/ /
demanda z(p1 , 1) é igual a zero, para um intervalo de preços [p1 , p1 ]. Mudanças infinitesimais de
z(p1 , 1), provocadas por modificações infinitesimais nas dotações produzirá infinitos equilı́brios
locais.
Supondo-se, agora que as dotações iniciais também possam ser modificadas. a função de
excesso de demanda para o bem 2 torna-se, pois, z2 (p, ê). Como z2 (p) é contı́nua em p é possı́vel
mostra que ela é também contı́nua em relação às dotações iniciais, isto é, pequenas modificações
destas dotações não alteram substancialmente as demandas dos consumidores. Graficamente,
mudanças infinitesimais em ê para e deslocam z(p), representada na Figura 5.8 pela curva em

61
Existência, unicidade e estabilidade

negrito. Esta nova curva não mais corta o eixo horizontal em um número finito de vezes (três
vezes).
Concluı́mos, então, que em presença de um continuum de equilı́brios, poderı́amos limitá-
los por meio de pequenas variações nas dotações iniciai dos agentes. Nesta nova economia, os
equilı́brios seriam localmente únicos.
Na mesma linha de argumentação, MasColell (1985) propôs uma solução intermediária,
que limita o número de equilı́brios locais. Em uma economia nas quais as dotações iniciais
são aleatoriamente selecionadas, a existência de infinitos equilı́brios é praticamente uma coin-
cidência. Este resultado está sumariado no Teorema 5.7.

Teorema 5.7 Equilı́brios Finitos Em uma economia de trocas, onde as dotações iniciais
são aleatoriamente selecionadas, existe um número impar e finito de equilı́brios.

De acordo com esse teorema, para a maioria das economias, pequenas perturbações em
torno de um dos finitos equilı́brios walrasianos, o equilı́brio único da economia perturbada
situar-se-á muito perto da economia original, permitindo fazer análises de estática comparativa
locais, para dotações aleatoriamente selecionadas. Isto pode visualizado na Figura 5.9:

Figura 5.9: Equilı́brios Locais Finitos

Exemplo 5.1 Multiplicidade de Equilı́brios Considere agora o exemplo 15.B.2 de Mas-Collel:


uma economia de troca com dois consumidores, cujas preferências são as seguintes: u1 =
1 −8 1 −8
x11 − [x12 ] e u2 = x22 − [x21 ] . As dotações iniciais desses consumidores são e1 = (2, r) e
8 8
e2 = (r, 2), onde r = 28/9 − 21/9 . Mostre que, nesse caso, o sistema de preços de equilı́brio não
é único. Ilustre graficamente sua resposta.

Solução: Definindo-se p = pp21 , as condições de primeira ordem deste problema permitem


computar as demandas ótimas dos consumidores para os bens 1 e 2, isto é, x11 , x12 , x21 e x22 :

2p + r − p1/9
x11 = ; x12 = p1/9 (5.23)
p
1
x21 = ( )1/9 ; x22 = rp + 2 − p8/9 (5.24)
p
Note-se que a demanda do individuo 1 pelo bem 1 é crescente no preço deste bem.
Resolvendo-se as equações acima para o mercado do bem 2, tem-se que a demanda lı́quida
agregada para este bem é dada pela expressão abaixo:

z2 (p) = p1/9 + 2 + rp − p8/9 − 2 − r (5.25)

62
Existência, unicidade e estabilidade

Anulando-se a função acima, verifica-se que os equilı́brio walrasiano não é único, já que
conta com duas soluções exatas (p = 1) e (p = 2) e uma solução numérica (p = 0, 5). O gráfico
5.10 ilustra esta situação.

Figura 5.10: Equilı́brios Múltiplos

Exemplo 5.2 Considere uma economia com dois bens e dois consumidores, no qual o preço
do bem 1 é normalizado em termos do preço do bem 2 (p = pp12 ). A função de excesso de
demanda pelo bem 1 é dada pela seguinte expressão:

z(p1 ) = 1 − 4p + 5p2 − 2p3

Compute o equilı́brio walrasiano e verifique se ele é único e se z1 (p) atende às condições do
Teorema 3.2.

Solução: Note-se que z1 (p) reescreve-se como:

z1 (p) = 1 − 4p + 5p2 − 2p3


= 1 − 4p + 5p2 − 2p3 + 2p − p2 − 2p + p2
= (p − 1)2 − 2p + 4p2 − 2p3
= (p − 1)2 − 2p(1 − 2p + p2 )
z1 (p) = (p − 1)2 (1 − 2p)

Anulando-se z1 (p) tem-se dois equilı́brios walrasianos p = 1 e p = 0, 5.


A Figura 5.11 abaixo ilustra esse caso:

63
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.11: Equilı́brios Múltiplos II

1. Homogeneidade: z(p) = z(λp). Lembrando que p = p1 /p2 = λp1 /λp2 . Portanto z(p) =
z(λp).

2. Lei de Walras: a soma dos valor do excessos de demanda total para os bens 1 e 2 pode
ser reescrita como
p[(p − 1)2 (1 − 2p)] + z2 (p)
Usando as restrições orçamentárias dos dois consumidores, z2 (p) escreve-se como:

z2 (p) = −p(z1 (p)) = −p[(p − 1)2 (1 − 2p)]

Substituindo o valor de z2 na primeira equação e rearrumando os termos, tem-se que:

p[(p − 1)2 (1 − 2p)] − p[(p − 1)2 (1 − 2p)] = 0

Portanto a Lei de Walras prevalece. ∀pk , k ∈ K; obviamente isto aplica-se também à


p = (p1 , p2 ) = (0, 5; 1) e à p = (p1 .p2 ) = (1, 1).

Exemplo 5.3 De novo, a economia descrita no exemplo 3.11!


√ √
i. Mostre que se 21 [3 2 + 2] < ppxy < 17 [3 2 − 2], então, os bens x e y são substitutos brutos.

ii. pode-se afirmar que, nessa economia, o equilı́brio é único?

Solução A resposta ao item i requer a derivação das funções de excesso de demanda para os
dois bens. Iniciando com a função de excesso de demanda pelo bem x e derivando-a em relação
à py , tem-se que:
∂zx (px , py ) 2p3x − px p2y − 4p2x py
= (5.26)
∂py [(2px + py )(px + 2py )]2
Como o denominador da equação 5.26 é positivo, precisamos mostrar quo o numerador
é também positivo, isto é:
2p3x − 7px p2y − 4p2x py > 0
Isto equivale a determinar limites para os preços relativos px /py . Dividindo ambos os
membros da expressão acima por por px e multiplicando por −1, tem-se que:

7p2y − 4px py − 2p2x < 0

64
Existência, unicidade e estabilidade

Resolvendo-se a inequação acima para py :


p
−4px + 16p2x + 56p2x
py <
p14
−4px + 72p2x
14 √
−4px + 6px 2
√ 14
3px 2 − 2px
√ 7
px [ 2 − 2]
py <
7
Resta agora derivar a função de excesso de demanda para o bem y:

∂zy (px , py ) 2p3y − p2x py − 4px p2y


=
∂py [(2px + py )(px + 2py )]2

Procedendo, de forma análoga para zy (px , py ), é preciso garantir que o denominador da


expressão acima seja positivo, isto é:

2p3y − 4px p2y − 7p2x py > 0


2p2y − 4px py − 7p2x > 0

Resolvendo-se a expressão acima para py tem-se que py > p2x [3 2 + 2]. Os limites do
preços relativos ppxy que garantem que os bens x e y sejam substitutos butos são dados pela
seguinte expressão: √ √
3 2+2 py 3 2−2
< < (5.27)
2 px 7
Segue-se, pois, que no referido intervalo de preços relativos os bens x e y são substitutos
brutos. Pelo Teorema 5.6 - Substituição Bruta e Unicidade, o equilı́brio walrasiano é único no
referido intervalo de preços.

5.3 Estabilidade
”It remains only to show that, for production or exchange equilibrium that this
problem to which we have given a theoretical solution is just which in practice is
solved in the market place by the mechanism of free competition”

Até o momento, mostramos que a consistência das decisões individuais são garantidas desde
que os mercados sejam competitivos e os preços de equilı́brio sejam realizados nos mercados
dos bens e serviços. Porém, não há nada nas discussões anteriores que garanta que desvios em
relação aos preços walrasianos serão rapidamente absorvidos, de sorte a restabelecer o equilı́brio
walrasiano. Pode ocorrer também que estes afastamentos sejam duradouros, provocando dese-
quilı́brios nos mercados que levarão a racionamentos da demanda dos consumidores. Torna-se,
então, necessário impor restrições para que o equilı́brio walrasiano, além de único, seja também
estável.
A questão relevante para analisar a estabilidade do equilı́brio walrasiano é saber se
os preços convergem para seus valores de equilı́brio, mesmo quando, inicialmente, eles não

65
Existência, unicidade e estabilidade

asseguram a compatibilidade entre a oferta e as demanda nos diferentes mercados. A resposta


a essa questão passa pela análise da dinâmica dos preços. A Figura ilustra essa dinâmica:

Figura 5.12: Dinâmica dos Preços

Walras, sugeriu que as mudanças de preços fossem realizadas por meio do mecanismo de
tateamento (tâtonnement) walrasiano, similar aos utilizados nas bolsas de valores mobiliários.
Este mecanismo baseia-se na ideia de que o preço de um dado produto aumenta (diminui)
quando a demanda for superior (inferior) à oferta. Supondo-se que o mercado é gerenciado por
um leiloeiro walrasiano, o mecanismo de tateamento funciona da seguinte maneira: o leiloeiro
anuncia os preços, recolhe as demandas, compara-as com a oferta, calcula os desequilı́brios e,
com base neles, anuncia os novos preços de mercado. Permanecendo os desequilı́brios a estes
preços ajustados, o procedimento é repetido, até que se encontrem os preços de equilı́brio, p∗ ,
tal que z(p∗) = 0.
Samuelson (1946) foi o primeiro autor a tratar o processo de ajustamentos dos preços
como um sistema de equações diferenciais. Nessa linha de raciocı́nio, as análises posteriores
baseiam-se em teorias que examinam a estabilidade de sistemas dinâmicos de equações. Dentre
as teorias existentes, a Teoria da Estabilidade de Lyapunov é amplamente usada para avaliar
a estabilidade do equilı́brio geral, por meio do uso de uma função auxiliar, conhecida como
Função de Lyapunov. No que se segue, aplicaremos essa teoria para definir as condições que
regem a estabilidade do equilı́brio walrasiano.

5.3.1 Tatônnement Walrasiano


Para descrever formalmente o mecanismo de tateamento, suponha que uma dada economia
encontra-se em equilı́brio. A questão é saber se essa economia, reagindo a perturbações decor-
rentes - como por exemplo, choques exógenos - convergirá para algum estado de equilı́brio, por
meio da dinâmica dos preços. Trata-se, pois, de estabelecer uma trajetória para os preços que
garanta essa convergência. Supondo-se que essa trajetória seja dada pela expressão:

66
Existência, unicidade e estabilidade

∂pk
= g(zk (p)), ∀k ∈ N (5.28)
∂t
A função g preserva o sinal de z(p). Ela mostra que se o excesso de demanda pelo bem
k for positivo, então, pela lei da demanda, existe escassez desse bem, o que faz com que seu
preço aumente. Considere, agora um caso especial de g:

ṗ = z(p), ∀k ∈ N (5.29)
A resolução do sistema dinâmico de equações diferenciais descrito pela equação 5.29
permite avaliar a estabilidade de um ponto crı́tico deste sistema, em nosso caso, o equilı́brio
geral walrasiano. Note-se que, sob a Lei de Walras, a soma dos quadrados dos preços permanece
constante ao longo do processo de ajustamento, isto é:

K
∂ / ∂ X 2
(p p) = p
∂t ∂t k=1 k
K
X ∂pk
=2 pk
k=1
∂t
K
X
=2 pk ṗ
k=1
= 2pz(p)
Pela Lei de Walras,a expressão acima torna-se,
∂ /
(p p) = 0 (5.30)
∂t
Este resultado mostra que embora o vetor de preços relativos se modifique, seu compri-
mento não se altera: a trajetória de preços restringe-se à esfera k-dimensional. Trata-se, pois,
de uma outra forma de normalização dos preços.

Definições e Teoremas

À exemplo da unicidade, vamos examinar a estabilidade do equilı́brio walrasiano, tanto local


como global. As definições abaixo referem-se a esses dois tipos de estabilidade:
Definição Equilı́brio Globalmente Estável Um vetor de equilı́brio, p∗ é um equilı́brio
globalmente estável se:
1. p∗ é um equilı́brio competitivo único;
2. Para ∀ preço inicial, p0 , existe uma trajetória única de preços, p = g(p0 , t), com 0 ≤ t < ∞,
tal que limt→∞ g(p0 , t) = p∗
Definição Equilı́brio Localmente Estável Um vetor de equilı́brio, p∗ é localmente estável
se para δ > 0,, existe uma trajetória única de preços, p = g(p0 , t), tal que limt→∞ g(p0 , t) = p∗ ,
sempre que |p − p∗ | < δ.
Teorema 5.8 Estabilidade Local Um equilı́brio competitivo, p∗ é localmente estável se a
matriz jacobiana
∂zk (p)
J = (5.31)
∂pj
tem todas as suas raı́zes reais caracterı́sticas (soluções da equação caracterı́stica) negativas.

67
Existência, unicidade e estabilidade

Exemplo 5.4 Ainda sobre a economia descrita no exemplo 3.11, avalie a estabilidade do
equilı́brio walrasiano.

Solução Lembrando que as funções de excesso de demanda agregada pelos bens x e y são
dadas, respectivamente, pelas seguintes expressões:

2px py py (px − py )
zx (p) = + −1= (5.32)
2px + py px + 2py [(2px + py )(px + 2py )]
px 2py px (py − px )
zy (p) = + −1= (5.33)
2px + py px + 2py [(2px + py )(px + 2py )]

Derivando-se a expressão acima e relação à px e py , obtêm-se os elementos da matriz


jacobiana.
 py (7p2 +4px py −2p2 ) px (2p2 −7p2 −4px py ) 
" ∂z (p ,p ) ∂z (p ,p ) # y x x y
x x x x x y [(2px +py )(px +2py )]2 [(2px +py )(px +2py )]2
J = ∂zy ∂p x ∂py
∂zy (px ,py ) = 
 
(px ,px ) 
∂px ∂py py (2p2x −7p2y −4px py ) px (7p2y +4px py −2p2x )
[(2px +py )(px +2py )]2 [(2px +py )(px +2py )]2

Podemos, agora, verificar se o equilı́brio computado neste exemplo é estável. Avaliando-


se a matriz Jacobiana em torno do equilı́brio competitivo, tem-se que:
 
1/9 −1/9
J =
−1/9 1/9

Os autovalores da matriz acima são 2/9 e zero 2 . Vê-se, então, que estes valores violam
a expressão 5.31. Aumentos de px elevam o excesso de demanda pelo bem x, o que contribui
para elevar ainda mais px e zx (p). Ao invés de convergência de p para o seu nı́vel de equilı́brio
(p∗x , p∗y ) = (1, 1), tem-se uma divergência cada vez maior, o que gera instabilidade. O lado
esquerdo da Figura 5.13 ilustra este caso. A função de excesso de demanda é positivamente
inclinada, gerando instabilidade.
Conforme anteriormente mencionado, o ponto de dotação é crucial para a determinação
da estabilidade. Modificando-se a dotação para e1 = (0, 1) e e2 = (1, 0), a função de excesso de
demanda torna-se, então,
2 p
zx (p) = + −1 (5.34)
2p + 1 p + 2
Anulando-se zx (p), obtém-se o equilı́brio walrasiano:

EW = {(p, 1) = (1, 1); (x1 , y 1 ) = (2/3, 1/3); (x2 , y 2 ) = (1/3, 2/3)}

Desta vez, z(p) é negativamente inclinada e o equilı́brio walrasiano é estável: preços


mais elevados reduzem z(p), conforme ilustrado no lado direito da Figura 5.13
2
Os cálculos dos autovalores foram feitos usando Wolfram.Alpha

68
Existência, unicidade e estabilidade

Figura 5.13: Instabilidade e Equilı́brio Walrasiano

Instabilidade Estabilidade

Vamos, agora, utilizar a teoria da estabilidade de Lyapunov para mostrar que o equilı́brio
geral é globalmente estável. A aplicação do método de Lyapunov à dinâmica dos preços walra-
sianos é direta e envolve propriedades já discutidas tais como a Substituição Bruta na Demanda
e o AFPR.

Lema 5.2 Considere um equilı́brio walrasiano p∗ . Diz-se que p∗ é globalmente estável se cada
trajetória que satisfaz 5.28 converge para p∗ , ou para αp∗ , para algum α > 0.

Teorema 5.9 Equilı́brio Globalmente Estável Suponha que z(p∗ ) = 0 e p∗ z(p) > 0, para
todo p não proporcional a p∗ . Então, p∗ é globalmente estável.

Prova Considere que a equação 5.29 descreve um sistema de Lyapunov: A função z : <n → <n
tem um único equilı́brio, p∗ , satisfazendo z(p∗ ) = 0. Vamos, agora definir a Função de Lyapunov,
que será usada para demonstrar o Teorema 5.9.

Definição Função de Lyapunov (FL) Uma função diferenciável, V, é uma FL se ela


satisfaz:

V (p∗ ) = 0;
V (p) > 0, ∀p 6= p∗ ;
∂V (p(t))
< 0, ∀p(t) 6= p∗ .
∂t
O teorema de Lyapunov sumaria a relação entre estabilidade de preços e a função auxiliar
de Lyapunov.

Teorema 5.10 Teorema de Lyapunov Se existir uma função de Lyapunov para o sistema
ṗ = z(p), o ponto estacionário único dessa função é globalmente estável.

Teorema 5.11 Teorema de Arrow-Block-Hurwicz Sob a hipótese da Lei de Walras, se


todos os bens são substitutos brutos, todos os bens são desejáveis e z(p) satisfaz SB (ou AFPR),
então, o equilı́brio competitivo, p∗ , é globalmente estável.

Prova Considere uma função de Lyapunov dada por:


n
X 1
V (p) = (pk − p∗k )2 (5.35)
k=1
c k

69
Existência, unicidade e estabilidade

Por desejabilidade, SB, ou AFPR, o equilı́brio competitivo p∗ é único. É fácil verificar


que a função acima satisfaz (i) e (ii): Para pk = p∗k =⇒ V (p∗ ) = 0 e pk 6= p∗k =⇒ V (p∗ ) > 0.
Resta, agora, verificar (iii):
n
∂V (p(t)) X 1 ∂pk (t)
=2 (pk − p∗k ) (5.36)
∂t k=1
ck ∂t
Suponha que a trajetória associada à dinâmica de preços acima descrita seja:
∂pk
= ck zk (p) (5.37)
∂t
com ck > 0, ∀k ∈ N .
De acordo com a expressão acima, o excesso de demanda (oferta) para o bem k conduz
ao aumento (declı́nio) de pk . Substituindo 5.37 na equação 5.36, temos que

K
∂V (p(t)) X 1
=2 (pk − p∗k )[ck zk (p)] (5.38)
∂p(t) k=1
c k
n K
∂V (p(t)) X X
=2 [pk zk (p)] − 2 p∗ zk (p) (5.39)
∂t k=1 k=1
PK
Como, pela lei de Walras k=1 pk zk (p) = 0, então
n
∂V (p(t)) X
= −2 p∗k zk (p) < 0 (5.40)
∂t k=1

para p(t) 6= p∗ .

Encontramos, pois, uma função de Lyapunov para o sistema de equações diferenciais ṗ =
p, com z(p∗ ) = 0. Portanto, pelo teorema de Lyapunov, o ponto estacionário p∗ é globalmente
estável.
Exemplo 5.5 Com a ajuda de uma função de Lyapunov mostre que o equilı́brio walrasiano da
economia descrita no exemplo 3.11 [(px , py ) = (1, 1)] é instável.
Solução: Seja V = (px − 1)2 + (py − 1)2 , a função de Lyapunov para o problema considerado.
Neste caso,
∂V (p(t)) ∂V ∂px ∂V ∂py
= +
∂t ∂px ∂t ∂py ∂t
∂p(t)
Lembrando que ∂t
= z(p), podemos reescrever a expressão acima como:
∂V (p(t)) py (px − py ) px (py − px )
= 2(px − 1) + 2(py − 1)
∂t (2px + py )(px + 2py ) (2px + py )(px + 2py )
2
2(px − py )
=
(2px + py )(px + 2py )
Para p 6= 1, a expressão acima é positiva violando, assim, a condição 5.40. O equilı́brio
walrasiano é, pois, instável global e localmente.
Por fim, a hipótese de substituição bruta ente os bens, a exemplo da questão da unici-
dade, também desempenha um papel importante para a estabilidade do equilı́brio walrasiano.
De fato, quando os bens são substitutos brutos, o equilı́brio é estável no sentido de Hicks. Este
tipo de estabilidade define-se como:

70
Existência, unicidade e estabilidade

Definição Estabilidade Hicksiana o mercado para o k-ésimo bem é perfeitamente estável se,
mantendo-se os demais preços constantes, prevalecem as seguintes condições:
∂ 2 zk (p)
1. p2j
<0

2. se pj é flexı́vel para j 6= k, pj varia de modo a anular zj (p)

3. se pm é flexı́vel para m 6= k, j, pm varia de modo a anular zm (p)

Teorema 5.12 Substituição Bruta e Estabilidade Se (−1)K |DK | > 0, onde |DK | é K-ésimo
menor principal da matriz de Slutsky, então, a economia é estável no sentido hicksiano.

5.4 Exercı́cios
1. Prove a seguinte proposição: (P1) – Unicidade do equilı́brio. Se z(p) satisfaz a propriedade
de Substituição Bruta (Gross Substitution), então, o equilı́brio walrasiano é único, i.e,
z(p) = 0 tem, no máximo, uma solução.

2. Considere a economia ε = ui (x, y); ei , i ∈ I, com I = 2. Os dois agentes consomem apenas


os bens x e y. As funções de utilidades e as dotações iniciais são, respectivamente, para
o indivı́duos 1 e 2, representadas pelas seguintes funções: u1 (x, y) = x + y; e1 = (2, 1);
u2 (x, y) = min{x, y}; e2 = (1, 2).

(a) verifique a estabilidade e a unicidade do equilı́brio walrasiano.


(b) descreva o conjunto das alocações Individualmente Racionais, IR(ε)
(c) descreva o conjunto das alocações situadas no core, C(ε);

3. Seja z(p), a demanda agregada lı́quida em uma economia de trocas com dois bens; z(p)
satisfaz a Lei de Walras.
p2
z1 (p) = −1
p1
p2 p2 1
z1 (p) = [ ]2 − +
p1 p1 8
Compute o equilı́brio walrasiano desta economia nos dois casos propostos e verifique se
ele é globalmente estável.

4. Em Camalote existem apenas dois bens (lazer (x1 ) e um bem de consumo (x2 )) e três
consumidores - Arthur, Guinevere e Lancelot. A tecnologia usada para produzir o bem
de consumo é tal que (−1, 1) ∈ Y . As preferências e as dotações iniciais são dadas pelas
seguintes expressões:

ua = xa1 xa2 ea = (1, 0)


ug = min{xg1 , xg2 } eg = (1, 1)
1 1
ul = − l
− l el = (1, 2)
x1 1 x2

Compute o equilı́brio desta economia e verifique se ele é único.

71
6

Economias replicadas

”...any individual is free to recontract with another independently, or without


the consent being required of any third party...”
F. Y Edgeworth
Neste capı́tulo, examinar-se-á a relação entre o núcleo (core) da economia e as alocações de
equilı́brio walrasianas. Como vimos anteriormente, toda AEW situa-se no core da economia,
porém, nem toda alocação situada no core é uma AEW. O núcleo da economia e a AEW são,
pois, conceitos distintos, sem conexão entre eles. No entanto, a medida que a economia se
expande para incluir mais consumidores, Edgeworth sugeriu que existe uma relação estreita
entre as AEWs e aquelas pertencente ao core. De acordo com esse autor, a medida que a
economias se expande, a distinção entre estes dois conceitos desaparece: somente as AEWs
permanecem no core.
A intuição para este resultado é simples e está associada à livre barganha (recontract),
ponto central da análise de Edgeworth. A medida que novos agentes são incluı́dos, eleva-se o
número de coalizões possı́veis. A livre barganha faz com que algumas das alocações do núcleo da
economia original sejam agora dominadas no âmbito de alguma coalizão, sendo, pois, expulsas
do núcleo da economia replicada. No limite, quando o número de indivı́duos é infinitamente
grande, somente as alocações de equilı́brio walrasiano - por definição, não bloqueadas - situam-
se no core. As alocações pertencente ao core coincidem, pois, com as alocações de equilı́brio
walrasiano.
Debreu and Scarf (1963) partiram da intuição de Edgeworth e mostraram que ele estava
correto. Para formalizar essa ideia, eles definiram uma economia original composta por um
número arbitrário de I tipos de consumidores, com preferências e dotações próprias. Considera-
se que dois consumidores com preferências distintas e as mesmas dotações iniciais são distintos;
da mesma forma, dois consumidores com preferencias idênticas e diferentes dotações constituem
também tipos diferentes de consumidores. A economia original (1 )contém um consumidor de
cada tipo.
Assume-se, agora, que cada consumidor tem um irmão gêmeo univitelino, cujas pre-
ferências e dotações são idênticas. Cada par de gêmeos representa um tipo de agente distinto:
temos, então, dois tipos de agentes, sendo cada tipo formado por dois agentes. A nova eco-
nomia terá o dobro de consumidores sendo, pois, maior que a economia original. Definiremos
essa nova economia como a réplica de ordem 2 da economia original. De maneira análoga,
triplicando-se ou quadruplicando-se o número de agentes dentro de cada tipo, tem-se asréplicas
de ordem 3 e de ordem 4 da economia original. A economia replicada de ordem r é maior que
as de ordem r − 1, a de ordem r − 1 é maior do que a economia com r − 2 consumidores e,
assim, sucessivamente.
Note-se que a medida que a economia original é replicada, nos aproximamos cada vez
mais da ideia walrasiana de equilı́brio geral, que prevalece nas economias de mercado. Nessas

72
Economias replicadas

economias, as decisões tomadas de forma descentralizada por um grande número de agentes,


que visam apenas o seu benefı́cio próprio, concorrem para estabelecer uma solução eficiente,
não somente para eles, mas também para o conjunto dos agentes, resultando no ótimo social,
descrito, de forma visionária, por Adam Smith. No que se segue, descreveremos, formalmente,
a economia replicada e suas propriedades básicas.

6.1 Definições e Teoremas


Esta seção contém as principais definições referentes às economias replicadas e discute a redução
do core nestas economias. Procederemos em duas etapas: na primeira etapa, mostraremos que
os consumidores de um mesmo tipo recebem a mesma cesta de consumo no core da economia
replicada (Teorema 6.1Tratamento Igual no Core). Na segunda etapa, provaremos que à medida
que a economia se expande, o core se reduz porque somente as alocações de equilı́brio walrasiano
permanecem no core.

6.1.1 Definições
Definição A r-ésima réplica de uma dada economia Seja I = (1, . . . , I) o conjunto de
consumidores. A r-ésima réplica, εr , corresponde à economia com r consumidores de cada tipo,
1, . . . I. Para i ∈ I, todos os r consumidores têm as mesmas preferências %i em <n+ e idênticas
dotações fatoriais ei >> 0. Supõe-se ainda que %i são representadas por ui satisfazendo H1.

Note-se que o core de εr é não vazio; pelos teoremas 5.2 e 4.2, a alocação de equilı́brio walrasiano
(AEW) da economia original existe e situa-se no core de εr que é, portanto, não vazio.
Definição Dois consumidores são do mesmo tipo se, e somente se, eles têm preferências
idênticas e as mesmas dotações iniciais, isto é xi1 = xi2 = . . . = xiq e ei1 = ei2 = . . . = eiq ,
∀i ∈ I e r = 1, . . . q.

6.1.2 Tratamento Igual no Core


A intuição para o fato de indivı́duos do mesmo tipo terem a mesma alocação no core da economia
replicada é a seguinte: a desigualdade de tratamento poderia levar o agente prejudicado a juntar-
se com outros consumidores para bloquear a alocação que lhe é desfavorável, desqualificando,
assim, esta alocação como pertencente ao core. O Teorema 6.1 demonstra este resultado. Para
prová-lo, vamos recorrer à convexidade estrita das preferências, incluı́da em H1.
Teorema 6.1 Tratamento Igual no Core P Considere
Pr a alocação x = (x11 , x12 , . . . , xiq ),
iq i
P
i = 1, . . . , I e q = 1, ..., r; x é factı́vel, isto é: i∈I q=1 x = r i∈I e . Então, se x ∈ ao core
de εr , os consumidores do mesmo tipo i devem ter a mesma cesta de consumo. Isto é, ∀i ∈ I,
0
xiq = xiq , ∀q, q 0 = 1, . . . , r.

Prova por contradição Considere I=2 e ε2 a réplica de ordem 2 da economia ε1 (economia origi-
nal), com dois consumidores de cada tipo. Suponha ainda que a alocação x = (x11 , x12 , x21 , x22 )
situa-se no core de ε2 . Nesse caso, x é factı́vel:

x11 + x12 + x21 + x22 = 2e1 + 2e2 = 2(e1 + e2 ) (6.1)

Para gerar a contradição, vamos supor que a alocação x não atribui as mesmas cestas
para consumidores idênticos (isto é, a alocação x viola o Teorema 6.1):
x11 %1 x12 ; x21 %2 x22

73
Economias replicadas

Supondo-se que x11 6= x12 , na alocação x, o consumidor 2 do tipo 1 está em pior situação,
quando comparado com o consumidor 1, do mesmo tipo. Nesta mesma alocação, o consumidor
2 do tipo 2 obtém uma cesta inferior (ou, no máximo, igual à do consumidor 1, do tipo 2). Eles
têm, pois, interesse em formar uma coalizão para bloquear a alocação x. Resta agora mostrar
que a cesta x não se situa no core de ε2 . Para tal, considere a cesta x, definida como:
x11 + x12 x21 + x22
x12 = e x22 =
2 2
Vamos agora atribuir a cesta x12 ao consumidor 2, do tipo 1. Então, por convexidade estrita
das preferências, tem-se que:
x12 1 x12
De forma análoga, para os consumidores do tipo 2:
x21 %2 x22
Podendo-se ter x21 = x22 . Portanto, as cestas x12 , x22 melhoram estritamente a situação do
consumidor 12, sem piorar (podendo melhorar) a situação do consumidor 2 do tipo 2. A Figura
6.1 ilustra este caso:

Figura 6.1: Tratamento Igual no Core - Demonstração

Sendo assim, os consumidores 12 e 22 podem bloquear a alocação x. Além disso, as


alocações (x12 , x22 ) são factı́veis na economia original:
x11 + x12 x21 + x22
x12 + x22 = +
2 2
ou ainda.
1  11
x12 + x22 = x + x12 + x21 + x22

2
Usando 6.1, podemos reescrever a expressão acima como:
1 1  1
x12 + x22 = 2e + 2e2 = 2(e1 + e2 ) (6.2)
2 2
Finalmente,
x12 + x22 = e1 + e2 (6.3)
Sendo a cesta x factı́vel na economia original e x  x, a coalizão formada pelos consumidores
S = (12, 21, 22) bloqueia a alocação x. A cesta x não mais se situa no core da economia 2 ,
o que estabelece a contradição. Concluı́mos, pois, que a alocação x ∈ C(e) se, e somente se,
ela atribui tratamento igual no core, isto é, x11 = x12 e x21 = x22 . Em sı́ntese, o Teorema 6.1
estabelece a ausência de privilégios para consumidores idênticos, sugerindo, assim, a ideia de
equidade entre pares na teoria do equilı́brio geral.

74
Economias replicadas

6.1.3 Estreitamento do Core


A intuição para a redução do núcleo (core) é a seguinte: quando a economia se expande, o
aumento do número de consumidores e de suas respectivas cestas de consumo permite formar
um número maior de coalizões bloqueadoras; consequentemente, a quantidade de alocações
bloqueadas é maior, o que reduz o núcleo dessas economias. A Figura 6.1.3 ilustra esse ponto:

Figura 6.2: Redução do Core

Na economia original, ε1 , o core é representado pela linha cc. A alocação x̃,, embora
pertença ao core da economia original, tem o mesmo nı́vel de utilidade da dotação inicial, que
é a ”pior”alocação factı́vel para os consumidores. Na economia replicada, x̃ é dominada pela
alocação x. Ela não mais situa-se no core da réplica, pois é bloqueada pela cesta x, que oferece
um nı́vel maior de utilidade. Repetindo-se o procedimento, outras alocações sairão do core da
réplica-r.
Para demonstrar o estreitamento do core, na replica de ordem 2 da economia ε, defina
x e x12 como as cestas de consumos dos agentes 1 e 2 do tipo 1. O core de ε1 contém as
11

alocações AEW e as que não são AEWs. A alocação x e ∈ C(ε1 ), por exemplo, não é AEW,
porque aos preços, p, ela não é um ponto de tangência entre as curvas de indiferença dos dois
tipos de consumidores, mas, mesmo assim situa-se no core. Vamos verificar, se ao replicarmos
ε, essa alocação ainda permanece no core de ε2 .
Considere a alocação x, que é a cesta corresponde ao ponto médio entre e e x e. Em
razão da existência de convexidade estrita das preferências, x  x e. Para verificar esse ponto,
considere a coalizão S, formada pelos dois consumidores do tipo 1 e um consumidor do tipo 2,
S = {11, 12, 21}. Defina, agora as cestas x, para os consumidores pertencentes à coalizão S:
x11 ≡ 12 (e1 + x
e11 ) e x12 ≡ 21 (e1 + x
e12 )
Por convexidade estrita das preferências, temos que:
x11 1 x
e11 , x12 1 x
e12 e x21 ∼ x
e21
É fácil mostrar que x é factı́vel, na :
1 1 11
x11 + x12 + x
e21 = 2( e1 + x e21
e )+x
2 2
75
Economias replicadas

e11 ∼ x
Porque x e12 (Tratamento Igual no Core). Rearrumando a expressão acima:

x11 + x12 + x
e21 = e1 + x
e11 + x
e21 (6.4)

Como x
e está no core de ε1 , ela deve ser factı́vel na economia original.

e11 + x
x e21 = e1 + e2 (6.5)

Combinando 6.4 e 6.5:

x11 + x12 + x
e21 = e1 + (e1 + e2 ) (6.6)

x11 + x12 + x
e21 = 2e1 + e2 (6.6a)
Portanto, para os membros da coalizão S = (11, 12, 21), a cesta x é factı́vel e bloqueia
x
e. Portanto, na economia replicada, a cesta x e não mais se encontra no core de ε2 . É fácil
verificar que a medida que a economia se expande, somente as alocações de equilı́brio walrasiano
permanecerão no core da economia replicada.

6.2 O Teorema do Limite do Core


Se replicarmos a economia original um número suficientemente grande de vezes, o conjunto das
alocações do core convergirá para o conjunto das alocações de equilı́brio walrasiano. No modelo
simplificado, a intuição para este resultado pode ser vista na Figura 6.3:

Figura 6.3: AEW e o Core

Considere a alocação x̃, agora situada no interior do core da economia original, definido
0
pelo segmento cc . Considere a restrição orçamentária - e a relação de preços correspondente
- que passa pelo ponto e1 e x̃. Note-se que a cesta x̃ é Pareto-eficiente, já que as curvas de
indiferença dos dois consumidores se tangenciam neste ponto. Porém, obviamente, esta cesta
não é AEW porque os preços relativos, dados pela inclinação da restrição orçamentária (-p1 /p2 ),
não constituem um equilı́brio walrasiano. As taxas marginais de substituição na alocação x̃
diferem da relação de preços (p1 /p2 ). Nesse caso

76
Economias replicadas

1 2 p1
T M S1,2 = T M S1,2 <
p2
No ponto A, a restrição orçamentária (a linha de preços, no segmento e1 x̃) corta a curva
de indiferença do consumidor do tipo 1. Em razão da convexidade estrita das preferências, a
alocação x̃ é dominada pela cesta x̂ e, portanto, não mais qualifica como pertencente ao core da
economia replicada. Pode-se facilmente verificar que isso também ocorre, quando se considera
as alocações situadas no core que não são AEWs na economia original. A exceção é a cesta x∗ ,
que representa o equilı́brio walrasiano em ε1 .
Vamos, agora, generalizar este resultado para o caso em que existem muitos consumidores
de cada tipo. Para tal, considere a economia εr , na qual existem r agentes de cada tipo.
Considere a alocação x, situada no core de εr . Usando o Teorema 6.1 (Tratamento Igual no
Core), a alocação x assume a seguinte forma:

x = (x1 , ..., x1 , ..., xI , ..., xI )


r vezes r vezes

A alocação acima é simplesmente a cópia r-vezes da alocação (x1 , ..., xI ) em ε1 , isto é:

x = (rx1 , rx2 . . . , rxI )


 
(6.7)

Como x ∈ Cr , então x é factı́vel:


X X
r xi = r ei
i∈I i∈I

Dividindo ambos os lados da equação acima por r:


X X
xi = ei (6.8)
i∈I i∈I

Portanto, as alocações situadas no core de εr são factı́veis na economia original, ε1 . Isto


ocorre porque toda alocação situada no core da economia replicada (Cr ), é uma cópia r − vezes
de alguma alocação factı́vel na economia original. Podemos agora, definir o core da economia
replicada, Cr como:

Definição Core da Economia Replicada εr

Cr ≡ x = (x1 , . . . , xI ) ∈ F (e)|(rx1 , . . . , rxI ) ∈ Cr




Portanto, à medida que a economia se expande, core da economia replicada se reduz. Formal-
mente, O Lema 6.1 ilustra esse caso:

Lema 6.1 Estreitamento do Core A sequência de conjuntos C1 , C2 , ..., Cr é decrescente.


Então, C1 ⊇ C2 ⊇ C3 , . . . , ⊇ Cr .

Prova A prova do Lema 6.1 deve mostrar que para r > 1, Cr ⊆ Cr−1 , isto é, todo elemento
de Cr é também elemento de Cr−1 ). Suponha que a a alocação x = (x1 , ..., xI ) ∈ Cr . Então,
a cópia de ordem r desta alocação não pode ser bloqueada na réplica de ordem r da economia
original. De forma análoga, a cópia de ordem r-1 tampouco pode ser bloqueada na réplica de
ordem r-1 de ε1 . De fato, pelo lema 6.1, qualquer coalizão que bloqueia a cópia de ordem r cópia
de ordem r-1 da alocação x na réplica εr−1 também bloqueia a cópia de ordem r da alocação x
em εr . Isto porque todos os membros da coalizão bloqueadora são também membros de εr .

77
Economias replicadas

O Lema 6.1 mostra, pois, que o conjunto das alocações não bloqueadas não se expande quando
r aumenta.

Lema 6.2 AEW na economia replicada Uma alocação x constitui uma AEW para a eco-
nomia εr se, e somente se, ela assume a seguinte forma:

x = (x1 , ..., x1 , ..., xI , ..., xI )


r vezes r vezes

e a alocação (x1 , ..., xI ) é AEW na economia original.

Prova Se x é AEW para εr , então, pelo Teorema 4.2, a alocação x ∈ Cr e satisfaz a propriedade
de igual tratamento no core (Teorema 6.1). Portanto, x deve ser uma cópia r-vezes de alguma
alocação em ε1 , a economia original. Replicando-se a economia, o conjunto das AEWs consiste
em cópias da economia original. Pela definição do core, a WEA original ε1 está também em
Cr. Comparando-se Cr com o conjunto W (εr )

O Lema 6.2 afirma que a medida que à economia é replicada, o conjunto das AEWs
(W (ε)) não se altera porque ele é constituı́do unicamente por cópias da alocação de equilı́brio,
na economia original. Consequentemente, W (εr ) acompanha de perto W (ε1 ). Podemos, agora,
comparar os conjuntos Cr e W (εr ), para os membros de Cr que são alocações da economia
básica, com o conjunto W (ε1 ). Utilizando-se o Lema 6.1, temos que C1 ⊃ C2 W (ε1 ). Pelo Lema
6.2 a cópia de ordem r de W (ε1 ) pertence ao core de εr . Pela definição de Cr , isto implica que
a AEW original situa-se no core da sua réplica de ordem r.
Considere agora a cesta x̂, situada na linha e1 x̃. Pela convexidade estrita das pre-
ferências, temos que:

x̂ 1 x̃
A cesta x̂ pode ainda ser escrita como uma combinação linear de e1 e x̃, com 1r + 1 − 1

r
=
1.
 
1 1 1
x̂ = e + 1 − x̃
r r
Ou ainda, para o consumidor do tipo 1:
 
1 1 1 r−1 1
x̂ = e + x̃ , ∀r > 1
r r
Temos, então, que

x̂1 1 x̃1
Considere agora a réplica εr , de ε1 (economia original), com r consumidores de cada tipo.
Como estamos supondo que x̃ ∈ Cr , então a r-ésima cópia de x̃ também estará no core de εr .
Para verificar, vamos encontrar uma coalizão S de consumidores que bloqueie x̃, composta de r
consumidores do tipo 1 e (r − 1) do tipo 2. Vamos, então, atribuir a cesta x̂ a cada consumidor
do tipo 1, de sorte que

x̂1 1 x̃1
Aos consumidores do tipo 2 daremos a cesta x̃2 = x̃. Nesse caso

x̃2 ∼ x̃

78
Economias replicadas

Tipo 1: x̂1 1 x̃1 (r consumidores)


Tipo 2: x̃2 ∼ x˜2 (r-1 consumidores)

Vamos, agora, verificar a factibilidade das cestas atribuı́das no âmbito da coalização S.


Considere a cesta rx̂1 + (r − 1)x̃2 , onde
 
1 1 1 r−1
x̂ = e + x̃1
r r
Então:
   
1 r−1
rx̂ + (r − 1)x̃ = r e1 +
1 2
x̃ 1
+ (r − 1)x̃2
r r
ou ainda:
rx̂1 + (r − 1)x̃2 = e1 + (r − 1)[x̃1 + x̃2 ] (6.9)
Porém, x̃1 , x̃2 estão no core da economia original. Nesse caso, elas são factı́veis:

x̃1 + x̃2 = e1 + e2
Substituindo a expressão acima em (6.9):

rx̂1 + (r − 1)x̃2 = e1 + (r − 1)[e1 + e2 ]


= e1 + (r − 1)e1 + (r − 1)e2
= e1 + re1 − e1 + (r − 1)e2

Segue-se, pois, que a cesta rx̂1 + (r − 1)x̃2 é factı́vel, isto é:

rx̂1 + (r − 1)x̃2 = re1 + (r − 1)e2 (6.10)

Como a alocação proposta (x̂1 , x̃2 ) é estritamente preferida à (x̃1 , x̃2 ) e ela é factı́vel, a
coalizão S, composta de r consumidores do tipo 1 e (r − 1) do tipo 2, bloqueia a alocação x̃.
A alocação x̃, situada no núcleo da economia original, não está no core da economia replicada.
Sobram apenas as alocações factı́veis e não bloqueadas. Portanto, se x ∈ Cr , ∀r, então x é
WEA.
Debreu e Scarf (1963) 1 ampliaram a discussão sumariada nos Lemas 6.1 e 6.2 para o
caso em que a economia original é replicada indefinidamente. De acordo com estes autores,
quando r → ∞, somente as alocações de equilı́brio walrasiano permanecem no core. Este
importante resultado, conhecido como o Teorema do Limite do Core (Teorema da Equivalência
no Core) mostra que o conjunto das alocações do core converge para o conjunto das alocações
de equilı́brio walrasianas. O Teorema 6.2 sumaria este ponto.

Teorema 6.2 Edgeworth-Debreu-Scarf:teorema do Limite do Core Suponha que ∀i ∈


I, ui é diferenciável e 5ui (x)  0, ∀x ∈ <I++ . Se x ∈ I ∈ Cr , então, ∀r = 1, 2, . . ., x é uma
alocação de equilı́brio walrasiana na economia ε.

Neste caso, a desigualdade abaixo prevalece:

ui [(1 − t)x̃i + tei ] ≤ ui (x̃i ), ∀t ∈ [0, 1], ∀i ∈ I (6.11)


1
Debreu, G; Scarf, H., 1963. A Limit Theorem on the Core of an Economy International Economic Review,
pp. 235-246

79
Economias replicadas

Prova Suponha, por contradição, que a desigualdade 6.11 é violada. Neste caso, para algum
consumidor i ∈ I, tem-se que:

ui [(1 − t)x̃i + tei ] > ui (x̃i )


Usando as hipóteses de quase-concavidade estrita e continuidade de ui , podemos mostrar
que existe um inteiro positivo, r, tal que:
  
i 1 1 i
u 1− x̃ + e ] > ui (x̃i )
i
r r
Porém, se assim fosse, e a alocação x̃i seria bloqueada e, portanto, x̃i ∈
/ Cr , o que
estabelece a contradição. Portanto a desigualdade 6.11 prevalece.
Considere agora o lado esquerdo da desigualdade 6.11:

[ui [(1 − t)x̃i + tei ]


A expressão acima atinge um máximo quando t = 1/r é igual a zero. Nesse caso, ela
torna-se
ui (x̃i )
.
O limite desta expressão, quando t = 1/r → 0(r → ∞) é dado pela seguinte expressão:

ui [(1 − t)x̃i + tei ]


lim ≤0
t→0 t
Derivando-se a expressão anterior em relação a x̃i e avaliando essa derivada em t = 0:

∂ui ∂ x̃i ∂ui i ∂(1 − t) i


 
∂ x̃ ∂e i ∂t
= x̃ + (1 − t)  +  + e
∂ x̃i ∂t ∂ x̃i ∂t ∂t ∂t ∂t
∂ui  i
e − x̃i ≤ 0, ∀i ∈ I

i
(6.12)
∂ x̃
Porém, como x̃i ∈ Cr , ∀r, então x̃i é Pareto eficiente. Além disso, como x  0 e
5u1 (x̃i )  0, os gradientes positivos 5u1 (x̃1 ), . . . , 5uI (x̃I ) são proporcionais aos preços, p̃:

5 ui (x̃i ) = λi p̃ (6.13)
Combinando as equações 6.12 e 6.13 tem-se que:

λi˜[pei − p̃x̃i ] ≤ 0
Dividindo-se ambos os lados por λi e rearrumando-se os termos:

p̃x̃i ≥ p̃ei (6.14)

A desigualdade 6.14 deve ser satisfeita na igualdade. De outra forma, somando-se esta
desigualdade sobre os consumidores,
X X
p̃ x̃i > p̃ ei (6.15)
i∈I i∈I

contradiria a hipótese de factibilidade da alocação x̃i . Portanto, a equação ?? prevalece na


igualdade:
p̃x̃ = p̃e (6.16)

80
Economias replicadas

As equações 6.13 e 6.16 representam as condições de primeira ordem (necessárias) para


a maximização da utilidade, que são também suficientes. Combinando-se os resultados obtidos,
a proposição 6.11 prevalece na igualdade. Portanto,

x̃i max ui ; x̃i ∈ F (e); x̃i ∈ Cr

x̃i é PE =⇒ x̃i é AEW


Supondo-se quase-concavidade estrita das preferências, o vetor p̃ corresponde aos preços
walrasianos. Replicando-se a economia um número suficientemente grande de vezes, pode-
mos eliminar do core da economia replicada toda alocação que não constitui uma alocação de
equilı́brio walrasiano. Portanto, em grandes economias, o conjunto das alocações situadas no
core converge para o conjunto das alocações de equilı́brio walrasianas, W (εr ).

Exemplo 6.1 Considere uma economia ε = {ui , ei }, com dois bens, 1e2 e três consumidores,
cujas preferências e dotações são idênticas e iguais à:

ui (xi1 , y1i ) = log xi1 + log xi2 ; e1 = (1, 4) e2 = (4, 1) e3 = (1, 1) (6.17)

Mostre que a alocação igualitária é Pareto eficiente, porém não se encontra no core de ε.

Solução: A alocação igualitária x1 = x2 = x3 = (2, 2) é Pareto eficiente:

x12 x22 x32 2


= = = =1 (6.18)
x11 x21 x31 2

Porém, a alocação (2,2) é bloqueada pela coalizão formada pelos consumidores 1 e 2.


De fato se estes agentes repartirem igualmente suas alocações, a alocação resultante desta
distribuição x = ( 25 , 52 ) domina a alocação igualitária (2,2):

 
1
 
1 5 5
u x11 , x12 =u , = 0, 796 > u1 (e1 ) = log(1) + log(4) = 0, 602
2 2
u1 (x11 , x12 ) > ui (2, 2) = 0, 602
5 5
u2 (x21 , x22 ) = u2 ( , ) = 0, 796 > u2 (e2 ) = log(4) + log(1) = 0, 602
  2 2
2 2 2 i
u x1 , x2 > u (2, 2) = 0, 602

Como a alocação igualitária xi = (2, 2), ∀i ∈ I é bloqueada pela coalizão dos indivı́duos 1 e 2,
ela não situa-se no núcleo de ε.

Exemplo 6.2 Seja ε = {ui , ei } uma economia com dois bens, x e y e dois consumidores,
cujas preferências e dotações são:

u1 (x1 , y1 ) = x1 + y1 + x1 y1 ; e1 = (1, 0)
u( x2 , y2 ) = x2 y2 ; e2 = (0, 1)

Encontre o conjunto das alocações individualmente racionais e o conjunto das alocações


situadas no núcleo de ε. Faça a dupla cópia desta economia (réplica de ordem 2). Verifique se
a alocação (x, y) = (0.414, 0.414) ∈ C2 .

81
Economias replicadas

Solução: as alocações pertencentes ao core são eficientes e individualmente racionais. O con-


junto das alocações PE(e) resulta do seguinte problema:

max u1 (x1 , y 1 )
x1 ,y 1 ,x2 ,y 2 ∈<n
+

s.a. u2 (x2 , y 2 ) = u
x1 + x2 = 1
y1 + y2 = 1
O Lagrangeano associado a esse problema é:
L = x1 + y 1 + x1 y 1 + λ1 (x2 y 2 − u) + λ2 (1 − x1 − x2 ) + λ3 (1 − y 1 − y 2 )
As condições de primeira ordem exigem que:
1 + y1 y2
= (6.19)
1 + x1 x2
Usando a condição de factibilidade, a expressão acima torna-se:
1 + y1 1 − y1
= (6.20)
1 + x1 1 − x1
Segue-se, pois, que x1 = y 1 . o conjunto PE escreve-se, então:
P E = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) ∈ (R)4+ | y 1 = x1 , 0 ≤ x1 ≤ 1, x1 + x2 = 1, y 1 + y 2 = 1} (6.21)
O conjunto das alocações individualmente racionais IR é:
IR(e) = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) ∈ (R)4+ | x1 +y 1 +x1 y 1 ≥ 1, x2 y 2 ≥ 0, x1 +x2 = 1, y 1 +y 2 = 1} (6.22)
O conjunto das alocações pertencentes ao núcleo de ε inclui as alocações PE eficientes
e racionalmente individuais. Para o consumidor 1, a delimitação do core exige, pois, que as
equações abaixo sejam satisfeitas:
y 1 =x1 ; x1 + y 1 + x1 y 1 ≥ 1 (6.23)
y 2 =x2 ; x2 y 2 ≥ 0 (6.24)
Para o consumidor 1, tem-se que:
(x1 )2 + 2x1 − 1 ≥ 0 (6.25)

Resolvendo-se a expressão acima obtém-se x1 ≥ 2 − 1 = 0, 414. Temos, então, o
limite inferior de x1 para que a alocação situe-se no core. Procedendo de forma análoga para o
consumidor 2, tem-se que:
x2 y 2 = (1 − x1 )(1 − y 1 ) = x1 y 1 − x1 − y 1 + 1 ≥ 0 (6.26)
= (x1 )2 − 2x1 + 1 ≥ 0 (6.27)
Resolvendo-se a inequação acima para x1 , encontra-se o limite superior, expresso em
termos do consumo do bem x pelo agente 1 (x1 = 1). O conjunto das alocações situadas no
núcleo da economia é:
C2 = {(x1 , y 1 ), (x2 , y 2 ) ∈ (R)4+ | x1 = y 1 , 0, 414 ≤ x1 ≤ 1, x1 + x2 = 1, y 1 + y 2 = 1} (6.28)
Para mostrar que a alocação (0.414, 0,414) não pertence ao core da réplica de ordem 2
da economia original, basta mostrar que esta alocação não é uma AEW na economia replicada.

82
Economias replicadas

6.3 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso: Justifique sua resposta.

1. Se uma alocação x ∈ C(e), então esta alocação também está no core das réplicas dessa
economia.
2. Somente as alocações WEA permanecem no core da economia replicada.

II. Questões abertas

1. Em Zôolandia existem r homens e r mulheres, omde r é um inteiro positivo. Eles


consomem apenas dois bens, o bem x e o bem y. Cada homem dispõe inicialment de 8
unidades do bem x, mas nenhuma do bem y; ocorre o contrário com as mulheres que
têm 8 unidades do bem y e nenhuma do bem x. As preferências de homens e mulheres
são dadas pelas seguintes funções de utilidade:

uh (x, y) = min{ax, y}
um (x, y) = x + y

Determine as funções de excesso de demanda para os bens x e y e calcule o equilı́brio


walrasiano desta economia.
2. Considere uma economia de troca com quatro consumidores de dois tipos I e II. A
função de utilidade do tipo I – consumidores Tito e Berenice – é ui = xi1 xi2 , cujas
dotações são eT = (10, 0) = eB . As preferências
p de Hermione e Orestes, consumidores
do tipo II, são dadas pela função ui = xi1 xi2 ; eH = (0, 10) = eO .
i. Mostre que a alocação x3 = x4 = (5, 5) encontra-se no core de todas as réplicas
dessa economia;
ii. Mostre que a alocação x1 = (9, 9) e x2 = (1, 1) está no core da economia original
– com apenas Tito e Hermione – mas não se encontra na réplica r = 2. Discuta
seus resultados.
3. Considere uma economia com dois bens e dois tipos de consumidores, cada tipo tem
as respectivas funções de utilidade e dotações iniciais: u1q (x1 , x2 ) = x1 x2 , e1 = (8, 2);
u2q (x1 , x2 ) = x1 x2 , e1 = (2, 8).
i. Caracterize tão precisamente quanto possı́vel o conjunto de alocações pertencentes
ao núcleo da economia com apenas dois consumidores;
ii. Mostre que as alocações x = (4, 4) e x = (6, 6) pertencem ao núcleo (core) da
economia original;
iii. Agora replique a economia uma vez, de forma que existam dois consumidores de
cada tipo e, portanto, um total de quatro indivı́duos nesta economia. Mostre que
a dupla cópia da alocação do item anterior, x11 = (4, 4) e x = (6, 6), não pertence
ao núcleo da economia replicada;
4. Prove a seguinte proposição: Somente as alocações de equilı́brio walrasianas permane-
cem no core da economia replicada.
5. Considere a economia ε = (ui , ei ), ∀i ∈ I, satisfazendo H1. Mostre que W (ε) ⊂ C(ε).
6. Em uma economia de trocas existem dois grupos de consumidores do mesmo tamanho.
Aqueles do tipo A têm a seguinte função de utilidade:
1  A −2 1  A −2
uA = x + x2
2 1 2
83
Economias replicadas

A dotação de recursos desses consumidores é igual a eA = (eA


1 , 0). A função de utilidade
dos consumidores do tipo B é igual a uB = xB x
1 2
B
e sua dotação inicial é eB = (0, eB
2 ).
O bem 2 serve como numerário. Mostre que:
i. a função de excesso de demanda agregada dessa economia satisfaz a Lei de Walras?
ii. se eA = (5, 0) e eB = (0, 16), a relação de preços, p = p1 /p2 = 8, constitui um
equilı́brio geral dessa economia?
iii. Refaça o exercı́cio anterior, supondo que as preferências de Arete não satisfazem a
hipótese de convexidade. Mostre que nesse caso, pode não existir p∗ = (p1 /p2 ) que
anule os excessos de demanda nos mercados de virtude e poder.
7. Considere uma economia de troca com quatro consumidores, dois bens, na qual as
dotações são iguais à E1 = E2 = (10, 10) e E3 = E4 = (10, 30). As preferências desses
agentes são idênticas e dadas pela função ui = ln xi1 + ln xi2 , i = 1, . . . , 4. Para cada
uma das alocações abaixo verifique se elas são Pareto eficientes, se estão no core da
economia (caso não estejam, mostre que elas são bloqueadas por alguma coalizão de
consumidores) e se constituem um equilı́brio walrasiano para algum vetor de preços, p.
i. x1 = x2 = (7, 5; 15) e x3 = x4 = (12.5; 25);
√ √ √ √
ii. x1 = x2 = ( 50; 2 50) e x3 = x4 = (20 − 50; 40 − 2 50);
iii. x1 = (8, 12), x2 = (9, 11), x3 = (12, 23) e x4 = (11, 29).
8. Considere uma economia de troca com quatro consumidores de dois tipos I e II. A
função de utilidade do tipo I – consumidores Tito e Berenice – é ui = xi1 xi2 , cujas
dotações são eT = (10, 0) = eB . As preferências
p de Hermione e Orestes, consumidores
i
do tipo II, são dadas pela função u = x1 x2 ; e = (0, 10) = eO .
i i H

i. Mostre que a alocação x3 = x4 = (5, 5) encontra-se no core de todas as réplicas


dessa economia;
ii. Mostre que a alocação x1 = (9, 9) e x2 = (1, 1) está no core da economia original
– com apenas Tito e Hermione – mas não se encontra na réplica r = 2. Discuta
seus resultados.
9. Considere uma economia com dois bens e dois tipos de consumidores, cada tipo tem
as respectivas funções de utilidade e dotações iniciais: u1q (x1 , x2 ) = x1 x2 , e1 = (8, 2);
u2q (x1 , x2 ) = x1 x2 , e1 = (2, 8).
i. Caracterize tão precisamente quanto possı́vel o conjunto de alocações pertencentes
ao núcleo da economia com apenas dois consumidores;
ii. Mostre que as alocações x = (4, 4) e x = (6, 6) pertencem ao núcleo (core) da
economia original;
iii. Agora replique a economia uma vez, de forma que existam dois consumidores de
cada tipo e, portanto, um total de quatro indivı́duos nesta economia. Mostre que
a dupla cópia da alocação do item anterior, x11 = (4, 4) e x = (6, 6), não pertence
ao núcleo da economia replicada;

84
7

Equilı́brio geral com produção

If God had meant there to be more than two factors of production, He would
have made it easier for us to draw three-dimensional diagrams.

R. Solow

7.1 Produção: Definições e Teoremas Básicos


Até o momento, a análise de equilı́brio geral baseou-se em uma economia de trocas. A par-
tir de agora, vamos ampliar a análise para incluir o processo produtivo. As propriedades do
equilı́brio anteriormente demonstradas continuam a valer na economia ampliada. Para neutra-
lizar os efeitos-renda gerados pela produção dos bens, considera-se que os lucros auferidos pelas
empresas são totalmente distribuı́dos aos consumidores. Ademais, a distinção entre insumos
e produtos difere da utilizada na análise de equilı́brio parcial. Agora, o insumo de uma firma
pode ser um produto para outra firma. A exemplo do modelo anterior (economia de trocas),
tanto consumidores como produtores são tomadores de preços. Nossa referência principal é o
livro de Jehle and Reny, Advanced Microeconomic Theory, 3rd ed., Pearson 2011.

7.1.1 Tecnologia
Nesta seção, descreveremos a tecnologia utilizada no processo produtivo. Vamos iniciar com a
definição da produção lı́quida (netput), y, conceito básico em uma economia com produção:

Definição Produção lı́quida (netput, plano de produção) O vetor de produção lı́quida,


y, é uma lista de todos os insumos e produtos potenciais do processo produtivo, usando-se a
convenção de que os produtos são mensurados positivamente e os insumos são negativamente
avaliados.

Este conceito aplica-se tanto para um processo produtivo particular, como para a produção
agregada da economia. Se a quantidade do bem k produzida for maior (menor) do que a quan-
tidade desse mesmo bem usada como insumo, então, yk é positivo (negativo). Considerando-se
uma única firma, um insumo, y1 e um produto, y2 , a produção lı́quida da firma y = (y1 , y2 ) =
(−7, 3) indica que o plano de produção da firma citada requer 7 unidades do bem 1 para
produzir 3 unidades do bem 2.
Ampliando-se esta economia para incluir J firmas, J = [1, . . . , j, . . . J], o plano de
produção da j-ésima firma é y j ∈ <K ; ykj < 0 indica que o k-ésimo bem é um insumo para
a firma j. Definindo-se Y j , com j ∈ J , como o conjunto de possibilidades de produção da
j-ésima firma, a hipótese H2 delimita este conjunto:

85
Equilı́brio geral com produção

H2: O conjunto de possibilidades de produção da j-ésima firma, Y j , é não vazio, fechado,


limitado e fortemente convexo. Ele atende, pois, as condições abaixo:

1. 0 ∈ Y j ⊆ <K .

2. Y j é fechado e limitado (compacto)

3. Y j é fortemente convexo.

A primeira condição garante que os lucros são não-negativos: ao invés de acumular


prejuı́zos, os empresários podem escolher não produzir (y j = 0). Neste caso, o conjunto de
produção é limitado para baixo por zero. A Figura 7.1 ilustra esta hipótese. No lado direito da
Figura 7.1, o conjunto de produção inclui zero, de sorte que a firma pode encerrar suas atividades
para evitar perdas. No lado esquerdo, a firma produz o bem 2 usando o bem 1 como insumo,
porém não pode encerrar suas atividades - mesmo tendo prejuı́zo - porque 0 ∈ / Y j ⊆ <N .
A segunda condição afirma que o conjunto de produção é compacto. Essa condição pode
ser decomposta em duas partes: na primeira parte, ela requer que os limites de Y j pertençam
ao conjunto de produção da firma j, indicando que Y j é fechado. Esta suposição não é muito
restritiva. Ela equivale a impor limites tecnológicos, muito comuns nas firmas que atuam no
mundo real.

Figura 7.1: Conjuntos Compactos

0∈Yj
/ Yj
0∈

Para ilustrar esse caso, considere o seguinte exemplo: a produção da firma j requer o uso
da água lı́quida como insumo. Sabe-se que a água congela a zero grau e ferve quando a tem-
peratura atinge 100 graus centı́grados. A temperatura da água é determinada pela intensidade
do seu bombeamento: quanto maior (menor) a intensidade, maior (menor) a temperatura. O
processo produtivo utiliza água lı́quida, excluindo-se, pois, o uso de gelo e vapor. Neste caso,
embora o conjunto de produção da firma j seja aberto, para fins práticos é conveniente fi-
xar limites para a temperatura, tais como [0, 1◦ ; 0, 99◦ ], o que torna o conjunto Y j fechado,
justificando, assim, o uso da condição 2.
Ainda sobre a condição 2, ela afirma que Y j é limitado, excluindo-se, assim, a possibi-
lidade de o vetor y j ∈ Y j ter quaisquer elementos infinitos. Alguns autores argumentam que,
embora a imposição de limites seja razoável em um horizonte de tempo finito, esta condição é
desnecessária e pode ser substituı́da pela imposição de limites à produção agregada, definida
como:

y j , y j ∈ Y j }.
P
Definição Produção Agregada Y = {y | y = j∈J

Nesse caso, a condição 2 aplicar-se-ia somente ao conjunto Y . Porém, esta argumentação


não se sustenta. A imposição de limites à produção agregada da economia acaba por também
restringir os planos de produções das firmas. Assim, por exemplo, a oferta fixa de trabalho limita

86
Equilı́brio geral com produção

a expansão dos planos de produção das firmas, que precisam contratar mais trabalhadores para
viabilizar o aumento da produção. Pode-se, então, contra-argumentar que as empresas também
confrontam-se com restrições ao seu potencial de produção. O conjunto de produção Y j , seria,
então, limitado. Conclui-se, pois, que o conjunto de produção da j-ésima firma é compacto,
porque fechado e limitado.
Resta, agora examinar a terceira condição que implica convexidade forte do conjunto de
produção da j-ésima firma. Considere dois planos de produção, y 1 e y 2 . A condição 3 implica
que:

y 1 , y 2 ∈ Y j e t ∈ (0, 1), então existe y ⊂ Y j tal que y > ty 1 + (1 − t)y 2 .

Prevalecendo a desigualdade estrita (convexidade forte). Trata-se da condição mais


restritiva imposta ao conjunto de produção, já que a presença desse tipo de convexidade exclui
a existência de retornos constantes e crescentes de escala assim como outras linearidades que
caracterizam os modelos aplicados de equilı́brio geral. A vantagem óbvia dessa condição é o
fato de que ela garante a existência de lucros máximos para a firma analisada. A ausência de
convexidade do conjunto de produção pode ser representada na Figura 7.2

Figura 7.2: Conjunto de produção não convexo

/ Yj
0∈

7.1.2 Função de Lucros e Oferta Agregada


O problema da firma é escolher um plano de produção que maximize seus lucros. Supondo-se
que cada firma confronta-se com preços p > 0, este problema equivale à:

max py j
j
(7.1)
s.a. yj ∈ Y j

Em razão de H2, existirá um lucro máximo (Πj ) tal que:

Πj (p) ≡ max
j j
py j (7.2)
y ∈Y

A função de lucros, Πj (p), é contı́nua em <K j


+ (exclui-se lucro zero). Ademais, Π (p) é
homogênea de grau 1 nos preços. A hipótese de convexidade forte (Condição 3, da Hipótese 2)
garante que o plano de produção ótimo, y j (p) é único, desde que p  0. A oferta agregada da
firma j, y j (p) é contı́nua em <K j
++ . As funções de demanda de insumos e a oferta (y (p)) são
homogêneas de grau zero nos preços.

Teorema 7.1 Propriedades da Oferta Se Y j satisfaz as condições 1 a 3 de H2, então


∀p  0, a solução do problema da firma é única e igual à y j (p). Esta função é contı́nua e bem
definida em <K++ . A função de lucros Π(p) é contı́nua e bem definida em <+ .
K

87
Equilı́brio geral com produção

Para completar a descrição da oferta, examinaremos, a seguir, as propriedades da oferta


e dos lucros agregados da economia. Os teoremas seguintes sumariam essas caracterı́sticas.
Teorema 7.2 Propriedades da Produção Agregada Se Y j satisfizer H2, ∀j ∈ J, então,
a produção agregada da economia, Y , também satisfará H2.
Prova a demonstração deste teorema utiliza as propriedades de Y j : condições 1 e 3 e o fato
de que o conjunto Y é limitado. Porém, o fato de que os conjuntos de produção das firmas
individuais, Y j são fechados não garante que o conjunto de produção agregada, Y , também o
seja. Porém, como a condição 2 supõe que o conjunto de produção das firmas individuais são
limitados, é possı́vel demonstrar que Y j também é fechado.

A função de lucros agregado, Π(p), atinge um máximo sobre o conjunto de produção
agregada, Y , e é único, desde que p  0. Além disso, a oferta agregada y(p) é uma função
contı́nua de p. O Teorema 7.3 sumaria estes fatos.
Teorema 7.3 Maximização do Lucro Agregado Para todo p  0, considere y, tal que

py > py, ∀y ∈ Y se, e somente se, para algum yj ∈ Y j , j ∈ J


X
y= y j e py j > py j , ∀y j ∈ Y j , j ∈ J
j∈J

Isto é, o plano de produção y maximiza os lucros se, e somente se, esse agregado pode
ser decomposto nos planos de produção individuais das firmas, y j .
Prova Considere y ∈ Y que maximiza os lucros aos preços p; defina y ≡ j∈J y j , y j ∈ Y j .
P

Suponha que y k não maximiza os lucros da k-ésima firma. Nesse caso, existe um outro plano
0
de produção, y k ∈ Y k , que garante lucros maiores para esta firma. Tem-se, então, que:
0 0
X
y = yk + yj ,
j6=k

Multiplicando ambos os lados da expressão acima por p:


0
X
p(y k + ȳ j ) > py
j6=k

o que contradiz o fato de que y maximiza os lucros aos preços p. Portanto, aos preços p, y k
maximiza os lucros da k-ésima firma.
Resta agora provar a parte final do teorema. Suponha que os planos de produção
(y 1 , . . . , y j , . . . y J ) maximizam Π(p) aos preços p. Então,

py j > py j , y j ∈ Y j , ∀j ∈ J
Somando-se a expressão acima sobre j
X X
py j > py j
j∈J j∈J

Multiplicando ambos os lados por p:


X X
p yj > p yj
j∈J j∈J

py > py, y ∈ Y
De sorte que y maximiza os lucros agregados aos preços p.

88
Equilı́brio geral com produção

Exemplo 7.1 Jehle-Reny, 5.23: Se o conjunto de produção de uma dada firma for forte-
mente convexo e o vetor de preços estritamente positivo, então, existe, no máximo, um plano
de de produção que maximiza os lucros.
Solução: Seja Y ⊆ <K , um conjunto de produção fortemente convexo. Para qualquer p ∈ <K++ ,
1 2
defina y e y como dois planos de produção distintos que maximizam lucros de uma dada firma.
Portanto, py 1 = py 2 ≥ py, ∀y ∈ Y . Como Y é fortemente convexo, existe y ∈ Y | ∀t ∈ (0, 1),
tal que:
y > ty 1 + (1 − t)y 2
Multiplicando ambos os lados por p:

py > tpy 1 + (1 − t)py 2


> tpy 1 + py 1 − tpy 1
py > py 1

O que contradiz o fato de que y 1 maximiza os lucros. Portanto, y 1 = y 2 .

7.2 Consumidores
No que diz respeito ao comportamento dos consumidores, as hipóteses utilizadas na descrição
da economia de trocas se mantêm. Porém, a renda dos consumidores se modifica porque agora,
além da renda gerada pela dotação inicial, deve-se considerar também a renda do capital, que
corresponde aos lucros distribuı́dos aos acionistas das empresas. Esta renda define-se como:
X
πi = θij Πij , j ∈ J
j∈J

θij corresponde à parcela do lucro da empresa j distribuı́da ao i-ésimo consumidor. Note-se


ij ij
P
que 0 ≤ θ ≤ 1, ∀i, ∀j, i ∈ I, j ∈ J. Além disso, i∈I θ = 1, j ∈ J. A renda total dos
consumidores, que inclui os lucros distribuı́dos aos acionistas, é dada pela expressão:
X
mi (p) = pei + θij π j (p)
j∈J

A restrição orçamentária do i-ésimo consumidor torna-se,então:


X
pxi ≤ pei + θij π j (p)
j∈J

Obviamente, a inclusão da renda do capital afeta as escolhas do consumidor, cujo pro-


blema torna-se:

max xi ∈ <K
+
X
s.a pxi ≤ pei + θij π j (p)
j∈J

Cada firma j aufere lucros não-negativos (porque pode escolher y j = 0). Consequente-
mente mi (p) ≥ 0 porque p ≥ 0 e ei ≥ 0. Sob as hipóteses 1 e 2, a solução para o problema
acima é única sempre que p >> 0. Segue-se então, o teorema 7.4

89
Equilı́brio geral com produção

Teorema 7.4 Propriedades da demanda com participação nos lucros Para cada
Y j satisfazendo H2 e ui satisfazendo H1, a solução do problema max xi ∈ <n+ , s.a pxi ≤ mi (p)
existe e é única para ∀p >> 0. Ademais, xi (p, mi (p)) é contı́nua em p, definidos em <K
++ .

A descrição da economia com produção está completa e pode ser representada como:

ε = (ui , ei , θij , Y j ) (7.3)

7.3 Equilı́brio em uma Economia com Produção


Podemos agora investigar o equilı́brio em uma economia com produção. Para tal, vamos rede-
finir as funções de excesso de demanda com a renda ampliada para incluir a participação dos
consumidores nos lucros das empresas e a produção do bem k pelas firmas. Para o k-ésimo
bem, essa função, agregada sobre consumidores e sobre firmas, é:
X X j X
zk (p) = xik (p, mi (p)) − yk (p) − eik (7.4)
i∈I j∈J i∈I

Somando-se a expressão acima sobre os K bens, temos a função de excesso de demanda


agregado, definido como:
z(p) = [z1 (p), ..., zK (p)] (7.5)

7.3.1 Equilı́brio Walrasiano


Anulando-se os excessos de demanda, definidos pela equação 7.5, encontra-se o vetor de preços
p∗  0, que constitui o equilı́brio walrasiano, isto é:

z(p∗ ) = [z1 (p∗ ), . . . , zK (p∗ )] = 0


A exemplo do modelo de trocas, vamos agora investigar a existência do equilı́brio wal-
rasiano em uma economia com produção. Basicamente, devemos revisitar as condições 1 a 3
do Teorema 5.1 e adaptá-las à nova economia. Na economia de trocas descrita no capı́tulo 2,
a dotação inicial, agregada sobre os consumidores, é estritamente positiva. No modelo com
produção, essa
P i exigência passa a valer para a soma das dotações acrescida da produção agre-
j
gada (y, + e >> 0), para algum vetor y ∈ Y . O Teorema 7.5 amplia o Teorema 5.2, para
incluir a produção:

Teorema 7.5 Existência de Equilı́brio Walrasiano em uma Economia com Produção


i i ij j i j
Considere
P i uma economia ε = (u , e , θ , Y ). j Se cada u satisfaz H1 e cada y satisfaz∗ H2 e
y + e >> 0, então, para algum vetor y ∈ Y , existe pelo menos um vetor de preços p >> 0
tal que z(p∗ ) = 0.

Prova A prova desse teorema é similar à do Teorema 5.1. As condições 1 e 2 do teorema 5.1
decorrem da homogeneidade de grau zero (nos preços) das funções de excesso de demanda e da
lei de Walras (Teorema 3.2). Vamos, pois, nos concentrar na condição 3, que garante que os
preços são estritamente positivos.
À exemplo da economia de trocas, deve-se mostrar que as funções de excesso de demanda
em uma economia com produção são ilimitadas para cima. Considere uma sequência de preços
estritamente positivos pm , convergindo para p̃ 6= 0, tal que pk = 0, para algum bem k. Precisa-
0
mos mostrar que para algum outro bem k , a sequência zk/ (pm ) é ilimitada. Considerando que

90
Equilı́brio geral com produção

ei >> 0 e que o vetor de preço p̃ é não nulo, temos que:


P
y+
I
X
p̃(y + ei ) > 0
i=1

Sabendo-se que, ∀p ≥ 0, mi (p) e π j (p) são bem definidos, podemos definir a renda
agregada da economia como:

!
X X X
mi (p̃) = p̃ei + θij π j (p̃)
i∈I j∈J
X XX
i
= p̃e + θij π j (p̃)
i∈I i∈I j∈J
X X
= p̃ei + π j (p̃)
i∈I j∈J
X
≥ p̃ei + p̃y
i∈I

A primeira igualdade corresponde à definição da renda agregada da economia. Na se-


gunda igualdade, a renda agregada é decomposta em seus dois componentes: a renda derivada
das dotações iniciais e a renda proveniente dos dividendos. A terceira igualdade mostra que a
renda agregada pode ser representada como a soma do valor de mercado das dotações, adicio-
nada dos lucros agregados.
A quarta desigualdade fraca decorre do Teorema 7.3 que afirma que a soma dos lucros
ótimos das firmas deve ser pelo menos igual aos lucros agregados. Portanto, existe pelo menos
um consumidor para o qual a expressão mi (p̃) é estritamente positiva aos preços p̃, isto é
!
X X X
mi (p̃) = p̃ y+ ei > 0 (7.6)
i∈I j∈J i∈I

A partir desse ponto, a demonstração é similar à do Teorema 5.2.

Exemplo 7.2 Considere uma economia com dois bens, I consumidores e J firmas. Suponha,
ainda, que ei = (2, 0). As preferências dos consumidores são dadas pela função de utilidade
ui = xi1 xi2 . Os lucros das empresas são repartidos igualmente entre os I consumidores. A
tecnologia empregada pelas firmas é a seguinte:
1/2
y2j = −y1j


i. Calcule as escolhas ótimas dos consumidores e das firmas e vetor de preços de equilı́brio;

ii. Mostre que, nesse caso, o equilı́brio walrasiano independe da distribuição das dotações
iniciais.

iii. Qual será o impacto sobre a relação de preços de equilı́brio caso: i) o número de consumi-
dores aumente; ii) o mesmo ocorra com o número de firmas.

91
Equilı́brio geral com produção

Solução: O problema da j-ésima firma é maximizar seu lucro, dada a restrição tecnológica,
isto é
max
j j
p1 y1j + p2 y2j +
y1 ,y2 ,
(7.7)
s.a. y2j = [−y1 ]1/2
Substituindo-se a restrição tecnológica, na equação de lucros, as condições de primeira
ordem são:
∂Πj 1 j − 12
= p 1 − p 2 [−y 1 ] =0
∂y1j 2
Rearrumando os termos na expressão acima, tem-se que
2p1 −2 p2 2
y1j = −[ ] = −[ ] (7.8)
p2 2p1
Utilizando a expressão acima na função de produção da j-ésima firma, obtém-se o seu
nı́vel de produção:
p2 2 1/2 p2
y2j = −[[− ]] = (7.9)
2p1 2p1
Substituindo-se os nı́veis ótimos de y1j e y1j na equação de lucros, obtém-se o lucro máximo
da empresa j, isto é:
p2 2 p2
ΠJ = p1 [−[ ] ] + p2 [ ]
2p1 2p1
2p1 p22 − p1 p22
=
(2p1 )2
p2
= 2
4p1
Resta agora definir as rendas e demandas dos consumidores, considerando a nova res-
trição orçamentária, composta da dotação inicial do insumo 1 e da sua parcela nos lucros das
empresas:
mi = 2p1 + Πi , ∀i ∈ I (7.10)

2p1 + Πi
xi1 = (7.11)
2p1
2p1 + Πi
xi2 = (7.12)
2p2
Como firmas e consumidores são idênticos, a função de excesso de demanda agregado no
mercado do bem 2 pode ser escrita como:
2p1 + Πi p2
z2 (p) = I[ ] − J[ ] (7.13)
2p2 2p1
Lembrando, ainda, que o lucro do i-ésimo acionista é dado pela expressão abaixo:
1 p2
Πi = [J 2 ] (7.14)
I 4p1
Substituindo a equação acima na equação 7.13, podemos reescrever z2 (p) como:
2
J p2
2p1 + I 4p1 p2
z2 (p) = I[ ]−J (7.15)
2p2 2p1

92
Equilı́brio geral com produção

2p1 p2 p2
= I[ ] + J[ 2 ] − J[ ] (7.16)
2p2 8p2 p1 2p1
p1 p2 p22
= I − J[ − ] (7.17)
p2 2p1 8p1 p2
p1 4p2 − p22
= I[ ] − J[ 2 ] (7.18)
p2 8p1 p2
Anulando-se as funções de excesso de demanda, e dividindo ambos os lados da expressão
acima por p1 , obtém-se os preços walrasianos:
p2 2 8I
[ ] = (7.19)
p1 3J
p2 8I
= [ ]1/2 (7.20)
p1 3J
p2 √4 ,
Para I = 10, J = 5, p = p1
, p= 3
o equilı́brio walrasiano é:
4 4 1 2 4 2
EW = {(p1 , p2 ) = (1, √ ); (xi1 , xi2 ) = ( , √ ); Πi = ; (y1j , y2j ) = (− , √ }
3 3 3 3 3 3
ii. O equilı́brio walrasiano independe de mudanças na distribuição das dotações fatoriais: 0
EW requer que:
I
X p1 ei + Πi p2
[ ]=J (7.21)
i=1
2p 2 2p 1

Como a alocação de lucros é igual entre consumidores, pode-se rescrever a expressão


acima como:
I
p1 X i Π p2
e +I =J (7.22)
2p2 i=1 2p2 2p1
p1 Π p2
e+I =J (7.23)
2p2 2p2 2p1
Consequentemente, o equilı́brio walrasiano depende somente da dotação agregada. Este
resultado reflete a estrutura das preferências. De fato, como o consumidor divide igualmente
sua renda entre os bens 1 e 2, a demanda agregada não se altera em resposta a modificações
na distribuição de renda.
Por fim, quando o número de firmas aumenta, pp21 cai em razão da hipótese de rendi-
mentos crescentes de escala. A presença de mais firmas no mercado do bem 2 permite que as
empresas operem em um ponto mais favorável da fronteira de produção. Quando o número de
consumidores aumenta, pp12 também aumenta em decorrência do aumento da demanda do bem
2 e das firmas produzirem com retornos menores.
Exemplo 7.3 Uma firma tem uma tecnologia de produção que permite que uma unidade do
bem 1 produza duas unidades do bem 2. Considerando que o preço do bem 1 é igual à unidade,
mostre que a existência de lucros positivos requer que o preço do bem 2 seja superior a 1/2.
Solução: Os lucros da firma são dados pela seguinte expressão:
Π = p1 y1 + p2 y2 = y1 + p2 y2 (7.24)
Como a tecnologia de produção do bem 2 requer 1/2 unidade do bem 1 para produzir
uma unidade do bem 2, tem-se:
y2 = −2y1 , y1 < 0 (7.25)

93
Equilı́brio geral com produção

Substituindo-se a equação 7.25 na expressão 7.24, tem-se que

Π = y1 − p2 y1 = −y1 (2p2 − 1) (7.26)

Os lucros serão positivos se 2p2 > 1, isto é, p2 > 12 . A Figura 7.3.1, que mostra o lucro
da firma em função de p2 , ilustra este caso.

Figura 7.3: Lucros da Firma com Retornos Constantes de Escala

Na Figura 7.3.1, para p2 < 1/2, os lucros são negativos; consequentemente, a firma fixa
y1 = y2 = 0. Quando p2 = 21 , o lucro da firma é zero; ela utilizará qualquer nı́vel de y1 . Por
fim, se p2 > 12 , os lucros serão positivos e y1 → ∞. Portanto, quando p = 21 , a firma atinge
seu ponto de break-even. Para qualquer outro preço diferente de p2 = 21 , o nı́vel de produção
da firma será zero ou uma quantidade ilimitada do bem 2. Segue-se, pois, que em presença de
retornos constantes de escala, existe somente um preço que produzirá uma quantidade positiva
e limitada do produto; neste caso, os lucros auferidos pelo produtor serão nulos.

7.3.2 Economia Robinson Crusoé


Imagine, agora, uma economia na qual as decisões de consumo e produção são tomadas por um
único agente que, sendo um tanto esquizofrênico, atua, simultaneamente, como produtor e con-
sumidor. Para exemplificar esta economia, vamos recorrer à literatura e ao célebre náufrago de
Dafoe, Robinson Crusoé. Perdido em uma ilha deserta, ele depara-se com a seguinte problema:
aproveitar seu tempo (T ) apenas para apreciar a paisagem, ou usá-lo inteiramente para catar
cocos e garantir sua subsistência; na primeira destas decisões extremas, ele arrisca-se a morrer
de fome; na segunda, a ausência de lazer poderá levá-lo à exaustão fı́sica.
Robinson Crusoé necessita, pois, encontrar um equilı́brio entre as horas dedicadas à
atividade que aumenta sua utilidade (o lazer, hc ) e aquela que reduz sua utilidade, porém
assegura sua sobrevivência, (o trabalho, hs ). Para tal, ele funda uma empresa, a RC Ltda
na qual, além de executivo - decidindo o que e quanto produzir - ele também atua como
consumidor, ”vendendo”sua força de trabalho para a firma, que a utiliza para catar (produzir)
o único bem de consumo, coco, ”comprado”pelo Robinson consumidor. A dotação inicial de
Robinson Crusoé é e = (0, T ), onde T é o numero máximo de horas, que serão distribuı́das

94
Equilı́brio geral com produção

entre a oferta de trabalho e a demanda de lazer. Note-se, que, inicialmente, ele não possui
nenhum coco (y = 0). Supõe-se, ainda, que os lucros da firma que produz y são inteiramente
repassados para o consumidor, cuja renda total compõe-se da renda do trabalho (wh) acrescida
destes lucros.
O conjunto de produção da firma RC Ltda., que coincide com o conjunto de produção
da economia robinsonianaY, é descrito pela seguinte expressão:

Y = {(−h, y)|0 ≤ h ≤ b e 0 ≤ y ≤ hα } (7.27)

com b > T e α ∈ (0, 1). O parâmetro b limita o conjunto de produção; α representa a tecnologia
utilizada no processo produtivo. Assim, por exemplo, o vetor de produção (−2, 2α ) ∈ Y produz
2α unidades de y usando 2 horas de trabalho (h = 2, y = 2α > 0). A Figura 7.4 ilustra este
caso:

Figura 7.4: Conjunto de produção

O conjunto de consumo para uma economia Robinson Crusoé é o ortante não-negativo


<2+ , no caso de dois bens. Na ausência de lucros, a sua restrição orçamentária é dada pela
equação abaixo:
py + wh = wT
Quando os lucros somam-se à renda do trabalho, a expressão acima torna-se:

py + wh = wT + π (7.28)

A Figura 7.5 ilustra estas restrições:

95
Equilı́brio geral com produção

Figura 7.5: Restrição orçamentária do consumidor

Pré-lucros Pós-lucros

As preferências de Robinson Crusoé são dadas pela seguinte função de utilidade:

u(y, h) = h1−β y β (7.29)

onde β ∈ (0, 1), h é o número de horas consumidas como lazer. Note-se que u(y, h) não satisfaz
H1, já que não esse tipo de função não é fortemente crescente nem tampouco estritamente
quase-côncava em <2+ . No entanto, as funções de excesso de demanda geradas por esse indicador
de utilidade satisfazem o teorema 7.5. Consequentemente existe um vetor de preços (w∗ , p∗ )
estritamente positivo que garante a existência de equilı́brio walrasiano.

Equilı́brio na Economia Robinson Crusoé


O equilı́brio geral dessa economia exige o cálculo da oferta do produto y s = hα , produzido na
firma de Robinson Produtor e o consumo de y c por Robinson Consumidor. De posse destas
informações, calcularemos a função de excesso de demanda e o equilı́brio walrasiano desta
economia.
Para determinar a oferta da firma, Robinson Crusoé escolherá h ≥ 0 de modo a maxi-
mizar seu lucro, π. Segue-se, pois, que y s (p) é a solução do seguinte problema:

max π = phα − wh
h

As condições de primeira ordem permitem calcular a oferta de trabalho e a oferta do


bem y:
∂π
= αphα−1 − w = 0 (7.30)
∂h
1
 αp  1−α
hs = (oferta de h) (7.31)
w
α
 αp  1−α
y s = hα = (oferta do produto) (7.32)
w
Substituindo-se as expressões para a oferta de trabalho e a oferta do bem y no lucro da
firma, tem-se que:
  α  1
αp 1−α  αp  1−α
π(w, p) =p −w
w w

96
Equilı́brio geral com produção

α
 α  1−α 1
 αp  1−α
α
= pp 1−α −w
w w
α
 α  1−α 1
 αp  1−α
α
1+ 1−α
=p −w
w w
α 1 1 1
1
 α 1−α α
 1−α w 1−α
 αp  1−α
=p 1−α
1 1 −w
w w 1−α α 1−α w
" 1
#
α
1
 α 1−α w 1−α

= p 1−α 1 −w
w α 1−α
1
h α −1 −α 1
i
= p 1−α α 1−α α 1−α w 1−α w 1−α − w
1
= p 1−α α−1 w − w
 
 
1 1
= p 1−α w −1
α

E finalmente, pode-se reescrever os lucros da firma em função do parâmetro α, do preço


do produto e da remuneração do trabalho:
 
1 1 − α
π(w, p) = p 1−α w (7.33)
α
Note-se que se α for igual a 1, os lucros serão nulos. Esse resultado é consistente como
o fato de que, nesse caso, a firma opera sob rendimentos constantes de escala.
Vamos agora analisar o comportamento de Robinson Crusoé, enquanto consumidor. Sua
dotação inicial é dada pela expressão: wT , onde w corresponde à remuneração do trabalho,
pago pela firma RC Ltda. Além da renda do trabalho, Robinson Crusoé aufere os lucros de sua
firma (π(w, p)). Sua restrição orçamentária é:

py + wh = wT + π(w, p) (7.34)

A maximização da utilidade de RC, u(h, y) = h1−β y β , sujeito à restrição orçamentária


acima, obtém-se a demanda de lazer e o consumo do bem y:

(1 − β)[(wT + π(w, p)]


hc = (7.35)
w
β[(wT + π(w, p)]
yc = (7.36)
p
Vamos, agora, computar o equilı́brio walrasiano. Fixando p∗ = 1, resta buscar w∗ de
1−α
modo que hc + hs = T . Somando-se as equações 7.30 e 7.35 e definindo φ = , tem-se que:
α
       
c f 1−α αp φ αp φ
h + h = (1 − β) (wT + w + =T
α w w
       
1−α α φ α φ
= (1 − β) (wT + w + =T
α w w
 
1 − α  α φ  α φ
= (1 − β)wT + (1 − β) + =T
α w w
 
1 − α  α φ  α φ
= (1 − β) + = T − (1 − β)T
α w w

97
Equilı́brio geral com produção

 α φ  
1−α
 
(1 − β) + 1 = T − T + βT
w α
 α φ  (1 − β) (1 − α) + α 
= βT
w α
 
φ (1 − β) (1 − α) + α
α = wφ
αβT
  φ1
φ φ (1 − β) (1 − α) + α
1
α =w
αβT
 1−α
(1 − β) (1 − α) + α
α =w
αβT
e, finalmente,  1−α
1 − β − α + αβ + α
w=α
αβT
 1−α
∗ 1 − β(1 − α)
w =α
αβT
O vetor (w∗ , p∗ ) = (w∗ , 1) equilibra todos os mercados.De fato, no equilı́brio

hc + hf = T

yc = yf
A Figura 7.3.2 ilustra, graficamente, o equilı́brio walrasiano em uma economia com produção.

98
Equilı́brio geral com produção

Figura 7.6: Equilı́brio em uma economia com produção

π ∗ = py + wh : isolucro: combinações de y e h que garantem o mesmo lucro. A restrição


orçamentária do consumidor é py + wh = wT + π ∗ ; sua inclinação é igual à −w/p. A junção
dos dois gráficos da Figura 7.6, ilustra o equilı́brio walrasiano da economia Robinson Crusoé:

A alocação E ∗ corresponde ao equilı́brio competitivo walrasiano. Note-se que esta


alocação é também Pareto eficiente.

7.4 Alocações de equilı́brio walrasiano com produção: o


modelo com dois fatores
Vamos agora expandir a economia com produção para incluir dois fatores de produção: o
capital(k) e o trabalho (l). Neste caso, o conjunto das alocações eficientes (PE ) constitui a
solução do seguinte problema:

max u1 = u1 (x11 , x12 ) (7.37)


x11 x12 ,x21 ,x22 ,k1 ,l1 ,k2 ,l2

s.a u2 = u2 (x21 , x22 ) ≥ u2 (7.38)

99
Equilı́brio geral com produção

x11 + x21 ≤ f1 (k1 , l1 ) (7.39)


x12 + x22 ≤ f1 (k2 , l2 ) (7.40)
k1 + k2 ≤ k (7.41)
l1 + l2 ≤ l (7.42)

O Lagrangiano associado a este problema é:

L = u1 (x11 , x12 ) + λ1 (u2 (x21 , x22 ) − u2 )


+ λ2 (x11 + x21 − f1 (k1 , l1 )) + λ3 (x12 + x22 − f1 (k2 , l2 ))
+ λ4 (k1 + k2 ≤ k) + λ5 (l1 + l2 − l)

Quando a solução é interior, as condições de primeira ordem para a eficiência no consumo


são iguais as que prevalecem em uma economia de trocas:
∂u1 ∂u2
1 ∂x11 ∂x21 2
T M S2,1 = ∂u1
= ∂u2
= T M S2,1 (7.43)
∂x12 ∂x22

Resta, agora, calcular a condição de eficiência no uso dos fatores capital e trabalho. As
condições de primeira ordem para a maximização dos lucros requer que:

p1 f1l = w; p2 f2l = w (7.44)


p1 f1k = r; p2 f2k = r (7.45)

onde w e r são, respectivamente, as remunerações do trabalho e do capital; fjl e fjk são as


produtividades marginais dos fatores trabalho e capital na j-ésima indústria (j=1,2). Dividindo
as expressões acima, obtém-se as taxas marginais de substituição técnica (T M STk,l ) para as
firmas 1 e 2:

1 f1,l w
T M STk,l = = (7.46)
f1,k r
2 f2,l w
T M STk,l = = (7.47)
f2,k r
1 2
Note-se que T M STk,l = T M STk,l . As taxas marginais de substituição técnica entre
os fatores capital e trabalho devem ser iguais entre as diferentes indústrias. De outra forma,
poder-se-ia elevar o bem-estar transferindo os fatores das firma em que são menos produtivos
para aquelas nas quais eles têm uma maior produtividade relativa.
Podemos, agora computar a taxa marginal de transformação entre os bens 2 e 1. Dividindo-
se p1 f1k = r por p2 f2k = r e p1 f1l = w por p2 f2l = w, tem-se que:
p1 f2k k
= = T M T2,1 (7.48)
p2 f1k
p1 f2l l
= = T M T2,1 (7.49)
p2 f1l
Combinando-se as condições de equilı́brio para cada consumidor e para cada insumo
obtém-se o equilı́brio geral da economia, no qual as taxas marginais de substituição no consumo
igualam-se às taxas marginais de transformação entre os bens 1 e 2:

1 2 p1 k l
T M S2,1 = T M S2,1 = = T M T2,1 = T M T2,1 (7.50)
p2

100
Equilı́brio geral com produção

Exemplo 7.4 Munoz-Garcia(2017) Considere uma economia com dois bens e dois consu-
midores, cujas preferências são idênticas e iguais à ui = xi1 xi2 . Para satisfazer a demanda dos
consumidores, duas firmas utilizam os fatores capital(k) e trabalho(l) para produzir os bens 1 e
2, por meio das seguintes funções de produção:
3/4 1/4
Firma 1 y1 = k1 l1 (7.51)
1/4 3/4
Firma 2 y2 = k1 l1 (7.52)
As dotações dos consumidores dos fatores capital e trabalho são, respectivamente, (k 1 , l1 ) =
(1, 1) e (k 2 , l2 ) = (2, 1). Encontre o equilı́brio walrasiano desta economia.

Solução O problema do consumidor 1 é:

max
1 1
ui (xi1 , xi2 ) = xi1 xi2
x1 x2 ,

s.a p1 x11 + p2 xi2 = r + w

r e w são respectivamente, as remunerações do capital e do rabalho. A condição de primeira


x1
ordem requer que a T M S2,1 = x21 = pp12 implicando assim que
1

p1 x11 = p2 x12 (7.53)

Procedendo-se de forma análoga para o consumidor 2, tem-se que:

p1 x21 = p2 x22 (7.54)

Somando-se as expressões 7.53 e 7.54 e usando as condições de factibilidade (x11 + x11 =


3/4 1/4 1/4 3/4
y1 = k1 l1 ) e (x12 + x22 = y2 = k2 l1 ), tem-se que:
1/4 3/4
p1 k l
= 23/4 21/4 (7.55)
p2 k1 l1

A maximização dos lucros da firma 1 resulta da solução do seguinte problema:


3/4 1/4
max Π1 = p1 y1 − rk1 − wl1 = k1 l1 − rk1 − wl1 (7.56)
k1 ,l1

As condições de primeira ordem para este problema são dadas pelas seguintes expressões:

3 −1/4 1/4
r = p1 k1 l1 (7.57)
4
1 3/4 −3/4
w = p1 k1 l1 (7.58)
4
Combinando as equações acima, obtém a condição de tangência para a maximização dos
lucros, isto é
r 1 l1
= T M STl,k =3 (7.59)
w k1
1
onde T M STl,k corresponde à Taxa Marginal de Substituição Técnica entre os fatores k e l para
a firma 1.

101
Equilı́brio geral com produção

Repetindo-se o procedimento para a firma 2, encontra-se as expressões para os preços


fatoriais:
1 −3/4 3/4
r = p2 k2 l2 (7.60)
4
1 3/4 −3/4
w = p2 k2 l1 (7.61)
4
Combinando-se as equações acima tem-se que:
r 2 1 l1
= T M STl,k = (7.62)
w 3 k1
Usando as equações 7.59 e 7.62:
k1 k2
=9 (7.63)
l1 l2
O resultado acima mostra que a firma 1 usa o capital de forma mais intensiva, quando
comparada com a firma 2. Utilizando as equações 7.57 e 7.60, podemos agora calcular os preços
relativos em função dos fatores capital e trabalho:
 1/4  −3/4
p1 1 k1 k2
Firma 1 = (7.64)
p2 3 l1 l2
 −3/4  1/4
p1 k1 k2
Firma 2 =3 (7.65)
p2 l1 l2
Vamos, agora, combinar os preços relativos encontrados na demanda dos consumidores
(equação 7.55) com a equação 7.64 para encontrar a repartição ótima do capital.
1/4 3/4  1/4  −3/4
p1 k l p1 1 k1 k2 p1
= 23/4 21/4 = Firma 1 = = (7.66)
p2 k1 l1 p2 3 l1 l2 p2

Resolvendo-se a expressão acima tem-se que k1 = 3k2 . Usando o fato de que as alocações
dos fatores são factı́veis (k1 + k2 = k 1 + k 2 = 3), tem-se que:
9
k1 = 3[3 − k2 ] =⇒ k1 = (7.67)
4
1 3
k2 = k1 =⇒ k2 = (7.68)
3 4
Procedendo de forma análoga para achar a alocação ótima do trabalho entre as firmas
1 e 2, vamos igualar a equação 7.55 com a equação 7.65:
1/4 3/4  −1/4  1/4
p1 k2 l2 p1 k1 k2 p1
= 3/4 1/4 = =3 = (7.69)
p2 k1 l1 p2 l1 l2 p2
Rearrumando os termos da expressão acima tem-se que l1 = 13 l2 . Usando a restrição de
factibilidade (l1 + l2 = l1 l2 = 2), a alocação ótima do trabalho é:
1 1
l1 = [2 − l2 ] =⇒ l1 = (7.70)
3 2
3
l2 = 3l1 =⇒ l2 = (7.71)
2

102
Equilı́brio geral com produção

Podemos, agora, computar os preços relativos dos bens e os preços fatoriais r e w.


utilizando o bem 2 como numerário e substituindo os valores para o capital e o trabalho na
equação 7.55:
1/4 3/4
p1 k2 l2 (3/4)1/4 (3/2)3/4 p
= 3/4 1/4 = = 2 (2/3) = 0, 82 (7.72)
p2 k1 l1 9/43/4 (1/2)1/4
Substituindo os preços dos bens (p1 , p2 ) = (0.82, 1) nas equações dos preços fatoriais:

   −1/4  1/4
3 −1/4 1/4 3 9 1
r = p1 k1 l1 = 0, 82 = 0, 42 (7.73)
4 4 4 2
   3/4  −3/4
1 3/4 −3/4 1 9 1
w = p1 k1 l1 = 0, 82 1 = 0, 63 (7.74)
4 4 4 2

Para finalizar este exemplo, vamos agora computar as alocações de equilı́brio walrasianas.
Usando as condições de tangência - equações 7.53 e 7.54 - as restrições orçamentárias dos
consumidores:
 
1 p1 1
x2 = x ; 0, 82x11 + 0, 82x11 = 1, 64x11 = rk1 + wl1 = 0, 42 + 0, 63 = 1, 05 (7.75)
p2 1
 
2 p1 2
x2 = x ; 0, 82x21 + 0, 82x21 = 1, 64x21 = rk2 + wl2 = 0, 42 + 0, 63 = 1, 57 (7.76)
p2 1

Resolvendo-se as expressões acima, encontra-se a alocação de equilı́brio walrasiana no


consumo - [(x11 , x12 ) = (0.64, 0.53); (x21 , x22 ) = (0.90, 0.74)]. Segue-se, pois, que o equilı́brio
walrasiano desta economia é dado por:
  
p1  1 1 2 2

EW = , r, w) , (x1 , x2 ), (x1 , x2 ) , [(l1 , l2 ), (k1 , k2 )]
p2
    
1 3 9 3
= (0.82, 0.42, 0.63), [(0.90, 0.74), (0.64, 0.53)] , , , ,
2 2 4 4

7.5 Teoremas Fundamentais da Teoria do Bem-estar em


uma Economia com Produção
Esta seção trata dos teoremas fundamentais da teoria do bem-estar para uma economia com
produção, doravante referida, como εy = (ui , ei , θij , y j , ∀i ∈ I, ∀j ∈ J). Para tal, é preciso
modificar duas definições: o conceito de factibilidade e a definição de alocação de equilı́brio
walrasiano neste tipo de economia. No que se segue, as definições e teoremas apresentados
referem-se a este tipo de economia.

Definição Alocações Factı́veis {(x, y) ∈ F (e, y) | i∈I xi = j∈J y j + i∈I ei }


P P P

Definição Alocação de Equilı́brio Walrasiano Seja p∗ >> 0 um equilı́brio walrasiano


da economia (ui , ei , θij , y j ) ∀ i ∈ I, j ∈ J. Então o par (x(p∗ ), y(p∗ )) é uma AEW, onde
x(p∗ ) = (x1 , x2 , ..., xI ) maximiza a utilidade e y(p∗ ) = (y 1 , y 2 , ..., y J ) é o vetor de produção que
maximiza o lucro aos preços p∗ .

Podemos, agora, ampliar o 1o Teorema Fundamental da Teoria do bem-estar para incluir


a produção.

103
Equilı́brio geral com produção

Teorema 7.6 Primeiro Teorema Fundamental da Teoria do Bem-Estar com Produção


Seja p∗  0, um equilı́brio walrasiano, com ui estritamente crescente em <n+ . Então, toda
alocação de equilı́brio walrasiano, (x, y) é eficiente no sentido de Pareto.

Prova Suponha que a alocação (x, y) é AEW aos preços p∗ , mas não é Pareto eficiente.
Neste caso, existe uma alocação factı́vel (x̂, ŷ) tal que:

ui (x̂i ) ≥ ui (xi )

com pelo menos uma desigualdade estrita. Usando o Lema 3.2, temos que:

p∗ x̂i ≥ p∗ xi , ∀i ∈ I (7.77)

A desigualdade estrita prevalece, pelo menos, para um consumidor. Somando-se a ex-


pressão acima sobre os consumidores, tem-se que:
X X
p∗ x̂i > p∗ xi (7.78)
i∈I i∈I

A alocação (x, y) é AEW sendo, pois, factı́vel, isto é, (x, y) ∈ F (e, y), ocorrendo o mesmo
com a alocação (x̂, ŷ). Então:
X X X
xi = yj + ei (7.79)
i∈I j∈J i∈I
X X X
x̂i = ŷ j + ei (7.80)
i∈I j∈J i∈I

Substituindo 7.79 e 7.80 na expressão 7.78, temos que:


" # " #
X X X X
p∗ ŷ j + ei > p∗ yj + ei
j∈J i∈I j∈J i∈I
X X
∗ j ∗ j
p ŷ > p y
j∈J j∈J

p∗ ŷ > p∗ y

o que contradiz o fato de que y maximiza os lucros aos preços p∗ . Portanto, toda AEW é
também eficiente no sentido de Pareto.

Exemplo 7.5 Continuando o exemplo 7.4, mostre que a alocação de equilı́brio walrasiano
satisfaz o primeiro teorema fundamental da teoria do bem- estar.

Solução De acordo com este teorema, a AEW é eficiente no sentido de Pareto, isto é, ela
satisfaz as seguintes condições:
1 2 1 2
T M S2,1 = T M S2,1 ; T M STl,k = T M STl,k

É fácil verificar que a AEW referente ao exemplo 7.4 satisfaz as condições acima:

1 x12 0.53 1 l1 2
T M S2,1 = 1
= = 0.82, T M STl,k =3 1
=
x1 0, 64 k 3

104
Equilı́brio geral com produção

2 x22 0.74 2 1 l2 2
T M S2,1 = 2
= = 0.82, T M STl,k = 2
=
x1 0, 90 3k 3
Como T M S2,11 1
= T M S2,1 1
= 0.82 e T M STl,k 2
= T M STl,k = 23 , concluı́mos que a alocação
de equilı́brio walrasiana do exemplo 7.4 satisfaz o primeiro teorema fundamental da teoria do
bem-estar.
Vamos, agora, mostrar que mediante transferências apropriadas, toda alocação eficiente
no sentido de Pareto constitui um equilı́brio de mercado. Trata-se, pois, do segundo teorema
fundamental da teoria do bem-estar:
Teorema 7.7 Segundo Teorema Fundamental daP Teoria do Bem-Estar com Produção
Suponha que u satisfaz H1 e Y satisfaz H2; y + i∈I ei >> 0 para algum y. Consi-
i j

dere a alocação Pareto eficiente


P (x̂, ŷ). Então, existe um sistema de transferências de renda
(T1 , . . . , TI ) que satisfaz i∈I Ti = 0 e um vetor de preços, p, tal que:
1. x̂i maximiza ui (xi ) s.a pxi ≤ m(p̄) + Ti com i ∈ I
2. ŷ j maximiza os lucros, dados por py j s.a y j ∈ Y j
j j
Prova Defina ∀j ∈ J, Y ≡ Y j −{ŷ j }, com Y satisfazendo H2. Considere a seguinte economia:
ε = (ui , x̂i , θij , y j )
Nesta economia, vamos substituir a dotação inicial ei por x̂i e o conjunto de produção
j
Y j por Y . Usando H1, H2 e o fato de y + i∈I ei >> 0 para algum y, podemos mostrar que
P
ε também satisfaz as condições do Teorema 7.5 (existência de equilı́brio walrasiano). Conse-
quentemente, ε possui um equilı́brio walrasiano, p >> 0 e uma AEW (x, y) associada. Como
j
0 ∈ Y , ∀j ∈ J , os lucros são não-negativos: cada consumidor pode comprar sua dotação.
Então,
Proposição 3 ui (xi ) ≥ ui (x̂i ), ∀i ∈ I

Prova Considere um vetor de planos de produção agregada ỹ ∈ Y j . É preciso mostrar que a


j
alocação (x, ỹ) é factı́vel na economia original. De fato, em razão da definição de Y ≡ Y˜j −{ŷ j },
j
y j ∈ Y e y j = ỹ j − ŷ j . Usando esta definição e considerando que a alocação (x, y) é uma AEW
para a economia ε sendo, pois, factı́vel:

X X X
xi = x̂i + yj
i∈I i∈I j∈J
X X
= x̂i + (ỹ j − ŷ j )
i∈I j∈J
X X X
= x̂i + ỹ j − ŷ j
i∈I j∈J j∈J

Note-se que a alocação (x̂, ŷ) é factı́vel na economia original. Neste caso,
X X X
x̂i = ei + ŷ j .
i∈I i∈I j∈J

Substituindo esta expressão na equação acima, temos que:


X X X
xi = ei + ỹ j (7.81)
i∈I i∈I j∈J

105
Equilı́brio geral com produção

Consequentemente, a alocação (x, ỹ), com ỹ = j∈J ỹ j , é factı́vel na economia original.


P
Concluı́mos assim, que a desigualdade em 3 deve ser satisfeita na igualdade, já que de outra
forma, (x̂i , ŷ i ) não seria Pareto Eficiente. A quase concavidade estrita da função de utilidade,
ui , implica que:
ui (xi ) = ui (x̂i ) =⇒ xi = x̂i
Caso contrário, os consumidores prefeririam uma cesta formada por uma combinação
convexa das cestas xi , x̂i . Note-se que a nova cesta é factı́vel porque tanto xi como x̂i são
factı́veis. Isto contradiz o fato de que x, y é uma AEW para a economia ε, aos preços p.
Podemos, então, concluir que:
X
x̂i max ui (xi ) s.a p̄xi ≤ p̄x̂i + θij p̄y j
i∈I

Porém, como ui é estritamente crescente, a restrição orçamentária dos consumidores é


satisfeita na igualdade. Com xi = x̂i , tem-se, então, que:
X
pxi = px̂i + θij py j (7.82)
j∈J

Segue-se, então, que o lucro do i − esimo consumidor é zero. Somando-se sobre i, vemos
que o lucro total da economia também é zero.
XX
θij py j = 0 (7.83)
i∈I j∈J

Note-se que lucros nulos implicam que y j = 0 (para p  0). A demonstração da primeira
parte do Segundo Teorema Fundamental da Teoria do Bem-estar, está completa:

Proposição 4 x̂i maximiza ui (xi ) s.a pxi ≤ px̂i , i ∈ I

Proposição 5 ŷ j maximiza py j s.a y j ∈ J

Resta mostrar que as transferências totais são nulas, caracterizando, assim, um problema
de redistribuição. Fixando-se Ti = px̂i − mi (p), a transferência para o i-ésimo consumidor, cuja
renda é m (p) = pe + j∈J θ pŷ j , é dada pela expressão 7.84:
i i ij
P

!
X
Ti = p̄x̂i − p̄ei + θij p̄ŷ i (7.84)
j∈J

Somando-se a expressão acima sobre os consumidores:


X X X XX
Ti = p̄ x̂i − p̄ ei − θij p̄ŷ i
i i∈I i∈I i∈I j∈J

T = p̄ [(x̂ − (e + ŷ)]
Por fim, usando-se o fato de que a alocação (x̂, ŷ)(x̂ = e + ŷ) é factı́vel:

T =0

As transferências totais são nulas. O problema do consumidor reduz-se, então, ao pro-


blema original proposto na proposição 4. Consequentemente, os itens 1 e 2 do segundo teorema
fundamental da teoria do bem-estar prevalecem.

106
Equilı́brio geral com produção

Exemplo 7.6 Ainda sobre o exemplo 7.4. Considere a seguinte alocação: (xˆ11 , xˆ12 , xˆ21 , xˆ12 ) =
(0.75, 0.61, 0.79, 0.65). Mantendo-se os preços walrasianos dos bens e dos fatores, mostre que
esta alocação pode ser uma alocação de equilı́brio walrasiano, desde que sejam implementadas
as transferências apropriadas entre consumidores.

Solução: Seja T 1 , a transferência para o consumidor 1. Neste caso, sua restrição orçamentária
é:

p1 xˆ11 + p2 xˆ12 = rk 1 + wl1 + T 1 = 0.82xˆ11 + xˆ12 = 0.42(1) + 0.63(1) + T 1


Podemos reescrever a restrição orçamentária do consumidor 1 como:

0.82xˆ11 + xˆ12 = 1.05 + T 1 (7.85)

Lembrando que no equilı́brio do consumidor, a taxa marginal de substituição entre os


bens 2 e 1 iguala-se aos preços relativos, tem-se que:

p1 xˆ1
= 2 = 0.82 =⇒ xˆ12 = 0.82xˆ11 (7.86)
p2 xˆ11

Substituindo-se o valor de xˆ12 na equação 7.85, encontramos o valor da transferência


ótima para o agente 1.

2(0.82xˆ11 ) = 2(0.82)(0.75) = 1.05 + T 1


T 1 = 0.17

Procedendo de forma análoga para o consumidor 2, tem-se que:

0.82xˆ21 + xˆ22 = 1.47 + T2


2(0.82xˆ2 ) = 2(0.82)(0.79) = 1.47 + T 2
1
T 2 = −0.17

As transferências T 1 e T 2 satisfazem as condições do segundo teorema fundamental da


teoria do bem-estar já que T 1 + T 2 = 0.17 + (−0.17) = 0.

7.5.1 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso: justifique sua resposta.

1. Seja Y ⊆ <n um conjunto de produção fortemente convexo. Para ∀p ∈ <n++ considere


y 1 ∈ Y e y 2 ∈ Y dois planos de produção distintos que maximizam lucros. Então,
y1 = y2.
2. Os conjuntos de produção fechados e limitados são convexos.
3.

II. Questões abertas

107
Equilı́brio geral com produção

1. Considere uma economia privada com um bem de consumo (c), uma firma e um con-
sumidor. Suponha, ainda, que a preferência do consumidor é dada pela função de
utilidade u(c, l) = ln c + 0, 5 ln l, onde l representa√o seu consumo de lazer. A tecnologia
empregada pela firma é a seguinte: c = f (h) = 4 h, sendo h o número de horas traba-
lhadas. Suponha que o consumidor dispõe de 16 horas para alocá-las entre o trabalho
e o lazer. Verifique se essa economia satisfaz H1 e H2 e encontre os preços walrasianos.
2. Considere uma economia competitiva composta de um número igual de capitalistas e
trabalhadores. Essa economia produz dois bens de consumo. A oferta de trabalho é
LT e l é lazer. A renda dos capitalistas é igual ao lucro e os trabalhadores recebem
unicamente a renda do trabalho. As preferências dos capitalistas são dadas pela função
uC = xC C
1 x2 . A função de utilidade dos trabalhadores é u
T
= xT1 − (T − lT )2 . A
A
oferta dos bens é igual a yi = 2 pi e função de lucro da firma é dado pela expressão
[p2 + p22 ]
Π=A 1 . O salário, w, é igual à unidade.
4
i. Mostre que as funções de excesso de demanda são iguais à:
Π 1 A
z1 (p1 , p2 ) = + 2 − p1
2p1 2p1 2
Π A
z2 (p1 , p2 ) = − p2
2p2 2
 1/3
p1 √ 3
ii. Mostre que no equilı́brio = 3 e p1 = .
p2 2A
iii. Compare a renda monetária dos capitalistas com a dos trabalhadores.
3. Considere uma economia com um único consumidor que consome dois bens, C e H,
onde C representa o consumo e H é o lazer. As preferências dos consumidores são
dadas pela função de utilidade u = ln C + ln H. O consumidor dispõe de T horas para
alocar entre o lazer e o trabalho. A tecnologia empregada pela única firma é a seguinte:

C = AL1/2

L representa o numero de horas trabalhadas e A é um parâmetro que mensura a produti-


vidade. Sabendo-se que as firmas maximizam lucros, dada a tecnologia, e o consumidor
maximiza sua utilidade, calcule a escolha ótima do consumidor e da firma e o vetor de
preços de equilı́brio dessa economia, p e w.
4. Considere uma economia com dois consumidores, Ada e Berta, dois bens (1 e 2) e uma
firma. As dotações dos consumidores são eA = eB = (1/2, 1/2). As funções de utilidade
1/4 3/4
são: uA = ln x1A + ln x2A e uB = x1B x2B . A firma produz o bem 2 mediante o uso do

bem 1. A função de produção é x2 = x1 . Berta é a única proprietária da firma. O
bem 2 serve como numerário.
i. Determine o os preços de equilı́brio e a AEW dessa economia;
ii. Mostre que seus resultados respeitam a Lei de Walras;
iii. O que ocorrerá se a tecnologia apresentar rendimentos constantes de escala?
5. Suponha uma economia com uma firma e dois consumidores, cujas preferências são
dadas pelas funções de utilidade u1 (c, l) = cl e u2 (c, l) = c2 l, onde l representa o lazer.
A tecnologia da firma é a seguinte: c = 2z, onde z = (2 − l1 ) + (2 − l2 ), representa
a quantidade agregada de horas trabalhadas. Ambos os consumidores dispõem de
2 unidades de lazer e nenhuma unidade do bem de consumo c. Verifique quais das
alocações abaixo são eficientes no sentido de Pareto:

108
Equilı́brio geral com produção

i. (1, 2); (2/3, 8/3);


ii. (3/2, 3); (2/3, 8/3); (1, 2); (1, 2).
6. Considere uma economia com dois consumidores, duas firmas e dois bens. As firmas
operam sob rendimentos constantes de escala e satisfazem a seguinte condição de in-
tensidade de fatores:
l1 l2
>
k1 k2
Mostre que se o preço do bem 1 aumenta, então, no equilı́brio, o preço do fator utilizado
intensivamente na produção do bem 1 aumenta, enquanto que o preço de equilı́brio do
outro fator diminui. Dica: trata-se de provar o teorema de Stolper-Samuelson.
7. Em Mirlândia, duas firmas utilizam tres fatores de produção (o trabalho(l) e os bens
1(x1 ) e 2 (x2 )). As funções de custos são as seguintes:

c1 (p, x1 ) = { 3 wp1 p2 }x1
√3 √
c2 (p, x2 ) = { w2 }{ 6 p1 p2 }x2

Calcule o equilı́brio desta economia e verifique se ele é único.


8. Seja z(p), a função de excesso de demanda agregado da e suponha que z(p) não satisfaz
o axioma fraco da preferência revelada. Dê um exemplo de uma tecnologia convexa, ca-
racterizada pela existência de retornos constantes de escala com dois preços de equilı́brio
não proporcionais.
9. Suponha, à exemplo do modelo de Harberger, uma economia na qual dois bens são
produzidos: o produto x é produzido pelo setor corporativo e o bem y é fabricado
no setor não-corporativo. Ambos os produtos utilizam os insumos capital e trabalho,
denotados por k e l. As funções de produção são as seguintes:
p
x = lx , kx
p
y = ly , ky

As preferências dos consumidores são idênticas e iguais ui = xi y i . A oferta de fatores é


perfeitamente inelástica de sorte que l = 600 e k = 600. Seja px , py , w, r, os preços dos
bens x e y e dos fatores, k e l. Suponha que w = 1 (o trabalho é o numerário!)
i. Compute o equilı́brio walrasiano desta economia;
ii. Suponha que um imposto de 50% é imposto sobre o capital usado no setor corpo-
rativo e que o governo usa a arrecadação deste imposto para comprar quantidades
iguais dos bens x e y. Compute o novo equilı́brio walrasiano.

109
8

Bem-estar e escolha social

So economics is an imperial science: it has been aggressive in addressing central


problems in a considerable number of neighboring social disciplines, and without any
invitation . . .

G. Stigler

A discussão das escolhas sociais, desenvolvida a seguir, envolve duas questões centrais: a pri-
meira diz respeito aos problemas derivados da agregação das preferências individuais em pre-
ferências coletivas. A segunda questão concentra-se na procura das escolhas sociais ótimas. Em
outras palavras, trata-se de responder a seguinte questão: dentre as muitas alocações factı́veis,
como ordená-las de sorte a viabilizar a escolha de um ótimo social? Que critérios deveriam ser
utilizados nesta ordenação?
O critério de eficiência de Pareto tem a vantagem de ser praticamente indiscutı́vel.
Afinal, toda alocação ineficiente envolve desperdı́cio de recursos escassos e deveria, pois, ser
unanimemente rejeitada pela sociedade. Este argumento, no entanto, não prevalece, quando
agregamos as preferências dos indivı́duos. Além de neutra do ponto vista distributivo - na
Figura 8, os pontos α2 , α3 e α∗ são eficientes, porém implicam repartições distintas das utilidades
- a norma de eficiência paretiana não garante uma ordenação inequı́vocas das escolhas sociais.

Figura 8.1: Curva de Possibilidades de Utilidade e as Escolhas Sociais

O Princı́pio de Pareto, também referido como Pareto-Dominância, afirma que uma dada
alocação αi é preferı́vel a uma αj , se a alocação αi domina, no sentido de Pareto, a alocação
αj . Embora a superioridade de Pareto constitua um critério intuitivo para ordenar as escolhas
sociais, ele não permite uma ordenação completa das alocações porque algumas delas não são
comparáveis. Esse é o caso das alocações Pareto eficientes, citadas no parágrafo anterior. Por

110
Bem-estar e escolha social

definição, não existe alocação factı́vel que domine as alocações α2 , α3 e α∗ , situadas sobre a
curva de possibilidades de utilidade, na Figura 8. Portanto, nenhuma delas é Pareto-superior
às demais.
Torna-se, pois, necessário definir um sistema de preferências sociais contendo, além de in-
formações sobre as utilidades individuais, dados adicionais que permitam a ordenação completa
das escolhas sociais factı́veis. Sob hipóteses relativamente fracas, isto pode se fazer por meio
do uso de funções de bem-estar social, baseadas em preferências cardinais comparáveis. Dentre
estas funções, a função de bem-estar social de Bergson-Samuelson1 é amplamente utilizada para
definir as escolhas sociais.
Mimetizando o enfoque cardinal das preferências, este indicador de bem-estar é função
das utilidades individuais. Na Figura 8, as curvas de iso-bem-estar associadas às funções
Bergson-Samuelson, W W 1 e W W ∗ , permitem analisar e selecionar de forma inequı́voca a es-
colha social ótima, α∗ . Note-se, ainda, que a inclusão de uma função de bem-estar social nos
leva a um resultado surpreendente. Não se pode mais garantir que uma alocação eficiente no
sentido de Pareto seja superior a uma determinada alocação ineficiente. Comparando-se, por
exemplo, as alocações α1 e α2 , a alocação Pareto eficiente (α2 ) é preterida pela (α1 ), situada
sobre uma curva de iso-bem-estar mais elevada.
A teoria moderna da escolha social, fortemente ancorada no trabalho seminal de Arrow
2
(1951) , surgiu como uma complementação e crı́tica à abordagem de Bergson-Samuelson. Em
particular, as restrições impostas à função de bem-estar social, no âmbito da teoria das escolhas
coletivas, levou ao célebre Teorema da Impossibilidade de Arrow, uma generalização do Paradoxo
de Condorcet. De acordo com este paradoxo, as escolhas coletivas nem sempre podem ser
ordenadas de forma inequı́voca. Arrow generaliza esse paradoxo e demonstra que não existe
sistema de preferência que atenda a todas as restrições, exceto no caso em que as preferências
sociais coincidam com aquelas de um único indivı́duo, o ”ditador”, que as impõe ao resto da
sociedade.

8.1 Teoria da Escolha Social


A teoria da escolha social trata da seleção e ordenação de objetivos/opções sociais. Estas
opções, doravante mencionadas como estados sociais incorporam vários tipos de informação,
tais como alocações econômicas e direitos polı́ticos. A ordenação dos estados sociais baseia-se
nas atitudes e opiniões da coletividade, inserindo-se, pois, no campo da economia normativa.
Embora a versão moderna dessa teoria fundamente-se no trabalho de Arrow (1951), a análise
das escolhas coletivas é muito anterior ao enfoque arrowiano. Seus antecessores incluem Borda
(1784)3 e Condorcet (1784)4 , cujos trabalhos focaram na aplicação da teoria da escolha social
ao sistema eleitoral. O Paradoxo de Condorcet e a Regra de Borda constituem contribuições
seminais para a investigação das preferências coletivas e serviram de base para os trabalhos
subsequentes neste campo de estudo.

8.1.1 Definições
Considere uma sociedade constituı́da de I indivı́duos de sorte que I = (1, . . . , i, . . . I). Seja X =
(a . . . , b, . . . , x, y, z), o conjunto de estados sociais. R é o conjunto das preferências racionais em
1
Bergson, A., 1938; Samuelson, p.1938
2
Arrow, K.J. 1951, Social Choice and Individual Values, Second Edition, 1963, New York: Wiley.
3
Borda, J.Ch, 1784. Mémoire sur les élections au scrutin, in Histoire de l Académie des Sciences, 1781, Pa-
ris: Imprimerie Royale, pp. 657-65.
4
Condorcet, J.A.N.de Caritat, Marquis de 1785, Essai sur l Application de l Analyse à la Probabi-
lité des Décisions Rendues à la Pluralité des Voix, Paris: Imprimerie Royale.

111
Bem-estar e escolha social

X. As preferências individuais (i ) são um pré-ordem completo sobre X. Estas preferências


são transitivas, isto é, se para o agente i, o estado social x é pelo menos tão bom quanto à
opção y e a opção y é pelo menos tão boa quanto a alternativa z, então, para esse agente, a
opção x é pelo tão boa quanto z.

Definição Perfil de Preferências Um perfil de preferencias, = (1 , 2 , . . . , I ) é uma lista


ordenada de preferências, uma para cada membro da sociedade, tal que i = (a i b, . . . , i
x  y i i z), sendo A, o domı́nio dos perfis de preferências.

Definição Preferências Sociais Supõe-se que as relações de preferências sociais entre dois
estados sociais x e y, denotadas por %S , são relações binárias completas sobre X, isto é:

i. x %S y: a alternativa x é, pelo menos, igualmente preferida à opção y;

ii. x S y e y S x não se aplica: a alternativa x é estritamente preferida à opção y;

iii. x ∼S y e y ∼S x: a sociedade é indiferente com respeito às opções x e y.

Definição Transitividade e Quase Transitividade das Escolhas Coletivas As pre-


ferências sociais %S satisfazem as seguintes condições de racionalidade:

i. Transitividade: ∀x, y, z ∈ X se x %S y e y %S z, então, x %S z.

ii. Quase Transitividade: ∀x, y, z ∈ X se x S y e y S z, então, x S z.

Definição Dominância Fraca de Pareto Considere dois estados sociais distintos, x ∈ X


e z ∈ X. Diz-se que x domina y se, e somente se, para todos os agentes econômicos, cujas
preferências são dadas por i , tem-se:

ui (xi ) > ui (y i ), ∀i ∈ I

Definição Estado Social Ótimo Um estado social x é ótimo no sentido de Pareto, se não
existe nenhum outro estado social dominante y 6= x ∈ X, tal que y ∈ F (e). De outra forma, o
estado social x é sub-ótimo.

O principio de Pareto acima expresso foi, subsequentemente, expandido para incluir o


Princı́pio de Compensação de Kaldor-Hicks.

Definição Critério Kaldor-Hicks De acordo com este princı́pio, a alocação x i z se,


partindo-se de x, é possı́vel atingir a alocação z que domina a opção x, mediante o uso de
transferências lump sum.

A crı́tica principal que faz ao critério de Kaldor-Hicks é o fato dele ser baseado em trans-
ferências lump-sum, de dificil aplicação nas economias modernas, caracterizadas pela aversão à
desigualdade.

112
Bem-estar e escolha social

8.1.2 O Paradoxo de Condorcet


A agregação das preferências individuais não respeita, necessariamente, todas as regras que
regem as ordenações individuais. O exemplo clássico é o Paradoxo de Condorcet, também
conhecido como o Paradoxo do Voto. Para demonstrá-lo, vamos considerar as ordenações de
três indivı́duos (1, 2 e 3) sobre as opções sociais, x, y e z. Note-se que existem seis formas de
ordenar as alternativas x, y, z: x  y  z, x  z  y; y  x  z, y  z  x; z  x  y;
z  y  z. Supõe-se, ainda, que:

C.1 Democracia direta: os eleitores escolhem os estados sociais (candidatos, alternativas)


por meio da votação majoritária;

C.2 Voto sincero: eleitores revelam verdadeiramente suas opções sociais preferidas ao invés
de votar estrategicamente;

C.3 Agenda aberta: os indivı́duos escolhem entre diferentes pares de opções sociais, por meio
de votações pairwise.

Definição Vencedor de Condorcet Para um dado perfil de preferências, o Vencedor de


Condorcet é a opção que vence todas as demais, em eleições pairwise, isto é, a alternativa x é
um vencedor de Condorcet se, e somente se, x S y; x S z, ∀x, y, z ∈ X.

Definição Paradoxo de Condorcet O Paradoxo de Condorcet ocorre quando não existe


vencedor de Condorcet.

A Tabela 8.1 contém perfis de preferências, cuja agregação ilustra este paradoxo:

Tabela 8.1: Paradoxo de Condorcet

Perfis de Preferências Opções Sociais

1 x y z
2 y z x
3 z x y

Nos perfis de preferências desta tabela, a escolha social obtida por maioria simples não
gera uma ordenação inequı́voca das escolhas sociais. A votação pairwise pode levar a diferentes
resultados, dependendo da ordem em que as alternativas são lançadas, isto é:

i. (x, y): x S y, o vencedor é a opção x (indivı́duos 1 e 3) que confronta-se com a opção x:


(z, x), z S x e z vence (indivı́duos 2 e 3) =⇒ z é a escolha social;

ii. (z, y): y S z, a opção y ganha (indivı́duos 1 e 2) e confronta-se, agora com a opção x:
(y, x): x S y e x é o vencedor (indivı́duos 1 e 3) =⇒ x é a escolha social;

iii. (x, z): z S x, a opção z ganha (indivı́duos 2 e 3) e confronta-se, agora com a opção y:
(z, y): y S z e y é o vencedor (indivı́duos 1 e 2) =⇒ y é a escolha social;

Portanto, neste exemplo, o sistema de votação majoritária não seleciona um Vencedor


de Condorcet. É fácil verificar que isto ocorre porque as preferências sociais obtida a partir dos
perfis de preferências da Tabela 8.1 violam a hipótese de transitividade, isto é:

i. x S y: por maioria simples z 1 x; z 3 x

113
Bem-estar e escolha social

ii. y S z: por maioria simples y 1 x; y 2 z

iii. x S z: por transitividade de S .


A opção x deveria ser preferida a alternativa z. Porém, não é isso que ocorre. A alternativa
z é preferida à opção x pela sociedade, por maioria simples: z 2 x; z 3 x =⇒ z  x.
Note-se que mesmo supondo-se que as preferências individuais sejam transitivas, a relação de
preferências coletivas delas decorrente não o é necessariamente. Segue-se, pois, que ao invés de
se ter um vencedor de Condorcet, tem-se um ciclo, no qual as opções x, y, z se revezam como a
escolha social.
Definição Ciclo de Condorcet Um Ciclo de Condorcet ocorre quando a hipótese de transi-
tividade das preferências sociais é violada, isto é, x S y S z S x, . . . , x S y S z S x

Teorema 8.1 Inexistência de Vencedor de Condorcet Se existe um Ciclo de Condorcet,


então, não há vencedor de Condorcet.

Prova Considere um Ciclo de Condorcet de tamanho arbitrário, assumindo a seguinte forma:

x S a1 S a2 , . . . , S aj S ak , . . . , S x

Não existe Vencedor de Condorcet porque todas as alternativas sociais são vencidas por uma
outra opção.

Teorema 8.2 Todas as vezes em que não existe um vencedor de Condorcet, tem-se um Ciclo
de Condorcet.

Prova Considere três opções sociais, x, y, z. Suponha que dentre estas alternativas nenhuma
delas é um Vencedor de Condorcet. Então, x S y e z S x, caso contrário x seria um Vencedor
de Condorcet. Confrontando as opções z e y, sabe-se que y S z porque se z S y, z seria
um Vencedor de Condorcet. Temos, então, que x S y, z S x e y S z. Isto implica que
x S y S z S x, configurando, assim, um Ciclo de Condorcet.

Portanto, em presença de Ciclos de Condorcet não existe uma opção social que seja
sempre preferida, de forma inequı́voca, às demais alternativas.5 O Paradoxo de Condorcet
revela, pois, que as decisões coletivas, decorrentes da agregação das preferências individuais,
podem não ser racionais. Longe de ser uma particularidade da análise de Condorcet, este
paradoxo mostrou-se de grande relevância na teoria da escolha social. Desde então, vários
autores buscaram mecanismos que identifiquem, claramente, a melhor escolha social, de acordo
com critérios pré-estabelecidos. Esta busca levou a um dos resultados mais importantes da
teoria da escolha social: oTeorema da Impossibilidade de Arrow, que será apresentado na seção
seguinte.

8.2 Teorema da Impossibilidade de Arrow


Volta-se, então, ao problema de converter as escolhas individuais em decisões coletivas, de sorte
que esta agregação gere preferências coletivas racionais. Na busca por uma decisão social ótima,
Arrow (1951) tomou a direção inversa dos trabalhos anteriores: ao invés de impor formas de
agregação das preferências individuais em escolhas coletivas, ele partiu das condições que um
sistema de preferências coletivas deveria respeitar, para evitar os problemas causados pelos
5
Borda (1781), contemporâneo de Condorcet, desenvolveu um procedimento para definir a escolha social,
com base na intensidade das preferências, denominado Contagem de Borda.

114
Bem-estar e escolha social

Ciclos de Condorcet. O cerne da análise de Arrow pode ser sintetizado na seguinte questão:
que processos de escolhas coletivas atendem as condições exigidas para que a agregação das
preferências individuais produza uma escolha social única. Em particular, Arrow mostrou que
se as preferências sociais constituı́rem um pré-ordem completo (relação de preferência estrita),
então, a função de agregação das preferências individuais corresponde à função de bem-estar
social de Arrow.

Definição Função de Bem-estar Social A função de bem-estar f é uma regra que atribui
uma relação de preferência social i ∈ R a qualquer perfil de preferências individuais ∈ A, isto
é, (i) se x %S y, então x é socialmente pelo menos igual a y e (ii) se y S x não se aplica, x é
socialmente preferido a y.

Supondo-se que os conjuntos I e X sejam finitos, para uma dada ordenação completa
das preferências individuais, a função de bem-estar social fornece uma ordenação completa das
preferências sociais.

8.2.1 Condições de Arrow


A partir desta constatação, Arrow estabeleceu as condições que a função f deveria satisfazer
para gerar preferências coletivas racionais e eliminar o problema dos ciclos. Embora conside-
radas como axiomas, Arrow refere-se a essas condições como ”value judgments that express the
doctrines of citizens’ sovereignty and rationality in a very general form”.

1. U – Domı́nio irrestrito (Universalidade)


A condição U requer que a função f seja definida para cada perfil racional de preferências
individuais. Além disso, U indica que os indivı́duos podem ter qualquer tipo de ordenação
social, isto é, todas as possibilidades de preferências sociais sobre X devem ser incluı́das.

2. Princı́pio Fraco de Pareto – PFP –(Weak Pareto) ∀x, ∀y ∈ X se x i y, ∀i ∈ I, então,


x S y.
Esta condição é também conhecida como Unanimidade. Se cada indivı́duo em I ordena da
mesma forma as opções x e y, a ordenação social (S ) entre estas opções deve respeitar a
decisão unânime dos indivı́duos, mesmo no caso em que membros de I tenham ordenações
diferentes para uma outra alternativa, como z, por exemplo.

3. IAI – Independência de alternativas irrelevantes: Sejam, S = f (1 , . . . , i , . . . , I ) e S/ =


f (1/ , . . . , i/ , . . . , I/ ), dois perfis distintos de preferências sociais. Considere ainda x e y,
duas alternativas em X (o conjunto de estados sociais). Então, se cada indivı́duo ordenar x
e y em i da mesma forma que em i/ , a ordenação social de x e y deve ser a mesma em
S e S/ .
A condição IAI requer que a ordenação da sociedade entre duas alternativas quaisquer,
x, y ∈ X, não deve ser influenciada pela ordenação de uma outra opção social z ∈ X. A
abordagem de Borda mostra a necessidade da condição IAI.

4. D – Não deve existir ditador: Não existe i ∀i ∈ N , ∀x, ∀y ∈ X|x i y =⇒ x S y,,


independente das preferências dos demais indivı́duos.

As funções de bem-estar social que satisfazem as condições (1) a (4) implicam Bem-Estar
Estrito (Strict Welfarism).

115
Bem-estar e escolha social

Teorema 8.3 Teorema da Impossibilidade de Arrow Seja I > 2 e considere pelo menos
três estados sociais. Então, não existe função de bem-estar social que simultaneamente satisfaça
as condições: U = Domı́nio Irrestrito, T = Transitividade, PFP = Princı́pio Fraco de Pareto,
IAI = Independência de Alternativa Irrelevante e D = Ausência de Ditador. Dito de outra
forma, se existem pelo menos três indivı́duos e três opções sociais, então, toda função de bem-
estar social que satisfaz as condições 1 a 4, é ditatorial.

Existem muitas provas do Teorema da Impossibilidade. Uma das provas mais simples e
mais utilizada é de Geanakoplos (1996)6 . Como as demais provas, ela baseia-se no indivı́duo
pivô, isto é aquele que ao mudar unilateralmente sua ordenação dos estados sociais, faz com que
um estado social situado em último (primeiro) lugar nas preferências coletivas seja conduzido
ao topo da ordenação social(última posição).
A prova do Teorema da Impossibilidade de Arrow se fará em quatro etapas. Na Etapa
1, o Lema dos Extremos será demonstrado. A Etapa 2 identifica o individuo Pivô ou Decisivo.
Por fim, a Etapa 3, mostrará que as preferências coletivas serão as do agente decisivo, que será
denotado como ditador, já que impõe sua ordenação individual como preferências coletivas,
independentemente da ordenação dos demais agentes. Por fim, a Etapa 4 refaz as etapas
anteriores, para outra opção aleatória, situada nos extremos da distribuição.

Prova Seja S , as preferências sociais f (1 , 2 , . . . N ). Escolha, aleatoriamente, uma opção


social como, por exemplo, a opção c. Cada agente i coloca a opção c na última (primeira)
posição de seu perfil de preferências. Por Unanimidade - WP, a sociedade deve ordenar esta
opção da mesma forma. A Tabela 8.2, que apresenta o perfil de preferências dos I agentes sobre
várias opções sociais dentre as quais a, b e c ∈ X, ilustra esse caso:

Tabela 8.2: Perfil de Preferências 1

1 2 3 4 5 ... I−1 I S
b b b b b ... b b b
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . .
a a a a a ... a a a
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . .
c c c c c ... c c c

Neste perfil, a escolha social é a opção b: b S a S c. Vamos agora mostrar que a


opção c deve situar-se no topo ou na última posição nos perfis de preferências individuais, a
coletividade deve ordenar esta opção da mesma forma. O Lema 8.1 garante que a opção c
situa-se nas posições extremas dos perfis de preferências.

Etapa 1: O Lema dos Extremos

Lema 8.1 Posições Extremas Se, ∀i ∈ I, o estado social c situa-se na primeira ou na


última posição, então, a sociedade deve ordená-lo da mesma forma.

Prova No Perfil de Preferências I, a opção social c encontra-se na última posição no orde-


namento das preferências individuais e coletivas. Vamos, agora, movê-la para o topo, para os
6
Geanakoplos, J., 1996. ”Three Brief Proofs of Arrow’s Impossibility Theorem,”Cowles Foundation Discus-
sion Papers 1123R3, Cowles Foundation for Research in Economics, Yale University, revised Jun 2001.

116
Bem-estar e escolha social

indivı́duos 1 e 2 sem alterar a posição relativa das opções a e b. Portanto, b é ainda a escolha
social. A posição relativa entre as opções a e b não se modificou, com b S a, por unanimidade,
já que c passou da última para a primeira posição.

Tabela 8.3: Perfil de preferências 2 - A opção c encontra-se nas posições extremas! b i a

1 2 3 4 5 ... I−1 I S
c c b b b ... b b b
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . .
b b a a a ... a a a
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . .
a a c c c ... c c c

Suponha, por contradição, que nesse perfil, a ordenação social, S , coloca a opção c
na posição intermediária, isto é, existe pelo menos uma alternativa a e uma opção b com
a, b 6= c ∈ X, tal que a S c e c S b. Por transitividade a S b. Porém, por IAI, como a
opção c encontra-se em posições extremas, sua mudança da última posição para a primeira não
deveria alterar a posição relativa das opções a e b, nos Perfis 1 e 2. De fato, em ambos os perfis,
b S a por Unanimidade gerando, assim, a contradição desejada. Segue-se, pois, que a opção
c deve situar-se nas posições extremas.

Etapa 2: Encontrando o Indivı́duo Pivô

Vamos, agora, iniciar a prova do teorema de Arrow propriamente dita. Para tal, vamos
usar o Lema dos Extremos e definir o agente decisivo ou pivô.

Definição O indivı́duo pivô, dito ainda decisivo, é aquele que, ao mudar seu perfil de pre-
ferência, passando uma dada opção social da última (primeira) para a primeira (última) posição,
promove esta opção social para o topo (última posição) das preferências sociais.

A imposição das condições U, PFP e IAI gera um agente pivô. Considere o Perfil de
Preferências 2, mostrado na Tabela 8.3. Suponha agora que o indivı́duo 3 move a opção c da
última para a primeira posição, sem alterar a posição relativa entre os demais estados sociais
(Lema 8.1), e assim sucessivamente para os indivı́duos 4, . . . A opção b ainda se mantém como
a escolha social. Em um certo momento, quando um dos agentes mudar sua ordenação da
opção c, respeitando o Lema dos Extremos, esta alternativa passará a ser a escolha social. Este
agente, denotado como i(p), é o primeiro individuo que, ao mover a opção c para o topo de
sua ordenação, faz com esta opção passe a ser a escolha social. As Tabelas 8.4 e 8.5 ilustram a
situação antes e depois de o pivô mudar a opção c para o topo de suas preferências:

117
Bem-estar e escolha social

Tabela 8.4: Perfil de preferências 3 - Antes da mudança

1 2 3 ... i−1 i (p) ... I−1 I S


c c c ... c b ... b b b
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
b b b ... b a ... a a a
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
a a a ... a c ... c c c

Tabela 8.5: Perfil de preferências 4 - Depois da mudança

1 2 3 ... i−1 i (p) . . . I−1 I S


c c c ... c c ... b b c
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
b b b ... b b ... a a b
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
a a a ... a a ... c c a

Comparando-se os dois perfis de preferências (Perfis 3 e 4), vê-se que a nova ordenação
social deve colocar a opção c no topo da ordenação da sociedade (Lema 8.1), isto é:

c i b, (i = 1, 2, 3, . . . i−1 , i(p)) =⇒ c S b por Maioria


b i a, ∀i ∈ I =⇒ b S a por Unanimidade
c S b e b S a =⇒ c S a por Transitividade

De fato, é isso que ocorre. Na Tabela 8.5, c é a nova escolha social por maioria, isto é,
c i b, (i = 1, 2, 3) =⇒ c S a, por maioria. Portanto a nova ordenação social é c S b S a.
Note-se que esta ordenação social coincide com a do indivı́duo pivô. A ordenação das demais
opções não se altera, desde que respeitado o Lema 8.1.

Etapa 3: O Indivı́duo Pivô é um Ditador

O resto da prova demonstra que se a ordenação social satisfizer as condições de Transitividade


e de Independência de Alternativas Irrelevantes, as preferências sociais coincidem com as do
individuo Pivô, independentemente da ordenação dos demais agentes.
Vamos mostrar que o indivı́duo i(p) é um ditador com respeito à ordenação entre os
estados sociais a e b, para quaisquer pares (a, b) ∈ X desde que a 6= c e b 6= c. Suponha que o
individuo i(p), o pivô, mude suas preferências, colocando a opção a no topo de suas preferências,
de sorte que:
a i(p) c i(p) b
Os demais agentes rearrumam aleatoriamente suas preferências entre o par (a, b), mantendo-
se a opção c na última, ou na primeira posição. Note-se que para os demais agentes, b i a, ∀i 6=
i(p), respeitando-se o Lema 8.1. A Tabela 8.6 mostra o novo perfil de preferências.

118
Bem-estar e escolha social

Tabela 8.6: Perfil de preferências 4 - O indivı́duo i(p) é ditador!

1 2 3 ... i−1 i (p) ... I−1 I S


c c c ... c a ... b b a
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
b b b ... b c ... a a c
.. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . . .
a a a ... a b ... c c b

Por IAI, a ordenação social das alternativas a e c deve ser a mesma que prevalecia, antes
que o pivô movesse a opção c para o topo de suas preferências (Perfil de Preferências 3, Tabela
8.4). Neste perfil, a ordenação das alternativas a e c é a mesma que prevalece no Perfil de
Preferências 3, para todos os agentes i 6= i(p), antes que o pivô mudasse a opção c do último
lugar para o topo de suas preferências. Segue-se, pois, que a S c.
De forma análoga, a ordenação social entre as opções c e b para cada agente é a mesma
que prevalece no Perfil 4, logo depois que o pivô passa a opção c para o topo de suas preferências.
Por IAI, o ordenamento social de c e b deve ser o mesmo deste perfil, isto é, c S b, já que a
opção c encontra-se no topo das preferências. Por transitividade, a S c.
Finalmente, por IAI, conclui-se que o ordenamento social é a S c S b, idêntico ao do
indivı́duo decisivo, i(p). De fato, isto ocorre sempre que We can then place c anywhere in the
ranking while keeping a b, by the independence of irrelevant alternatives.
Note-se que a ordenação social S põe a opção a acima da alternativa b, embora no
Perfil 4 todos os indivı́duos, com exceção do Pivô, i(p), prefiram a alternativa b à opção a.
Portanto, o indivı́duo Pivô é um ditador.

Etapa 4: Refazendo as Etapas 1 a 3, para outros estados sociais

Esta etapa refaz as etapas anteriores, substituindo a opção c por outra opção social, aleatori-
amente selecionada, situada nos extremos das ordenações individuais. Concluı́mos, pois, que
se um sistema de preferências sociais satisfizer U, PFP e IIA, então existe um Ditador, no
sentido que: ∀i ∈ I, ∀a, b ∈ X, a i(p) b =⇒ a S b, independente das preferências dos demais
indivı́duos.

8.3 Teorema de Gibbard-Satterthwaite


O teorema de Gibbard-Satterthwaite, doravante mencionado como o teorema G-S afirma que
não existe uma função de bem-estar que seja unânime, não ditatorial e à prova de estratégia
para todos os perfis de preferências quando existem pelo menos três agentes.

8.4 Relaxando as Condições do Teorema de Arrow


Uma implicação do Teorema da Impossibilidade de Arrow é o fato do conjunto dos agentes
decisivos conter apenas um individuo, de sorte que a ordenação dos estados sociais pela soci-
edade é ditatorial. Para que isso não ocorra, é preciso descartar uma das condições sobre as
ordenações da sociedade.

119
Bem-estar e escolha social

8.4.1 Substituindo-se a Hipótese de Transitividade


A ausência de racionalidade (transitividade) das preferências coletivas, como vimos, conduz
aos ciclos de Condorcet, fazendo com que a escolha social não seja única. A hipótese de
transitividade pode ser substituı́da por uma restrição mais fraca, como a quase-transitividade,
isto é, x S y e y S z implicam x S z, sem exigir transitividade nas relações de indiferença.
Ou ainda, é possı́vel trocar a suposição de transitividade pela aciclicidade (aciclycity) das
preferências sociais:
Definição Aciclicidade: considere uma lista de opções sociais, (x1 , x2 , . . . , xk , . . . , xN −1 , xN ).
As preferências sociais são ditas acı́clicas se, e somente se, na sequência finita de preferências,
S , tem-se que:
x1 S x2 S x3 S . . . , xN −1 S xN , então, xN S x1 não se aplica

8.4.2 Relaxando-se a Condição de Domı́nio Irrestrito: O Teorema


do Eleitor Mediano
Outra forma de lidar com os problemas mencionados no Teorema de Arrow é relaxar a condição
de Domı́nio Irrestrito. Ao abrir mão desta condição, pode-se, por exemplo, limitar o domı́nio
das preferências individuais, utilizando informações a priori. O exemplo mais conhecido é o
exemplo de Black (1948) 7 , que envolve preferências unimodais.
Supondo-se que os indivı́duos concordem em organizar suas escolhas em um eixo unidi-
mensional (ordem linear) e que eles tenham preferências single peaked, pode-se demonstrar que
a regra de voto majoritário conduz à uma ordenação social transitiva; esta ordenação corres-
ponde às preferências do eleitor mediano. É bom frisar que a escolha social do eleitor mediano
não é ditatorial, já que este eleitor varia de acordo com as preferências individuais.
Para tal, considere uma sociedade com um número finito de agentes - I e um número
finito de polı́ticas sociais X = {y, . . . , αi , . . . , z}. Considere x ∈ X . A função de utilidade do
i-ésimo agente definida sobre as escolhas possı́veis é ui (x, αi ), onde αi indexa o agente i. O
ponto ideal (bliss point) para este indivı́duo é definido como:
x(αi ) = arg max ui (x; αi ) (8.1)
x∈X

A intuição para esta definição é a seguinte: existe uma alternativa social x que representa
o máximo de satisfação para o agente i; esta satisfação aumenta quando nos aproximamos
deste ponto ideal. Basicamente, esta hipótese requer a quase-concavidade estrita da função de
utilidade.
Definição Relação de Ordem Linear Uma relação binária > em X é de ordem linear se, e
somente se, > é reflexiva (x > x), transitiva (x > y > z =⇒ x > z) e total (para x, y distintos
∈ X, x > y ou y > x, porém não ambos).
Definição Preferências Single-Peaked Uma relação de preferências racionais é single peaked
com respeito à ordem linear sobre o conjunto de estados sociais X , se existir uma alternativa
x(αi ) ∈ X, crescente com respeito à ordem linear ≥, no conjunto de opções situadas abaixo de
x, {y ∈ X |x ≥ y}, e decrescente com respeito à ordem linear > sobre o conjunto de alternativas
situadas acima de x, {y ∈ X |y ≥ x}, isto é:
∀y, z ∈ X | z < y ≤ x(αi ) ou
∀y, z ∈ X | z > y ≥ x(αi )
=⇒ u(z, αi ) < u(y, αi )
7
Black, D 1948. On the rationale of group decision making, The Journal of Political Economy 56, 23-34

120
Bem-estar e escolha social

A intuição para a existência de preferências single-peaked pode ser vista com a ajuda de
um exemplo simples. Suponha as opções sociais são ordenadas em uma linha de sorte que A ¡
B ¡ C. Suponha que os agentes do tipo 1 ordenam estas opções de sorte que B 1 A 1 C. para
os agentes do tipo 2, a ordenação é B 1 C 1 A. Então se as preferências forem single-peaked,
a opção B encontra-se claramente no meio.
Exemplo 8.1 No exemplo considerado no parágrafo acima, se todas as preferências respeita-
rem a condição de single-peakedness, é possı́vel que a escolha social seja A 1 B 1 C?
Não, porque neste caso, a opção não estaria no meio.
Definição Preferências single crossing- preferências Um perfil de preferências sobre escolhas
unidimensionais satisfaz a condição de single crossing se, e somente se, existe uma ordem linear
0
> no conjunto das opções sociais e uma ordem linear > no conjunto dos agentes, tal que
0
∀i, j ∈ I, tal que j > i (o agente i situa-se à esquerda do agente j) e ∀x, y ∈ X, tal que y > x,
y %i x =⇒ y %j e
y i x =⇒ y j
Exemplo 8.2 Suponha que o governo decide fixar a parcela orçamentária que será destinada
à saúde pública, xs . O conjunto de opções X = (0, . . . , xs , . . . , 1) ∈ [0, 1], isto é, ele fixa xs
entre zero e a unidade. A utilidade de cada indivı́duo é dada pela expressão:
ui (xs , αi ) = −(xs − αi )2 (8.2)
onde αi corresponde à parcela ideal para o i-ésimo indivı́duo. Mostre que estas preferências são
single-peaked e os agentes fixam xs = αi , ∀i ∈ I . Ilustre graficamente sua resposta.
Solução Neste tipo de função, se a parcela fixada pelo governo for igual à αi , o nı́vel de
utilidade é zero. Se xs for inferior ou superior à αi , a utilidade de i é negativa. Esta função é,
pois, single peaked em xs = αi . A Figura 8.2 ilustra este exemplo para uma comunidade com
três indivı́duos. Assumindo-se α1 = 0.45, α2 = 0.55, α3 = 0.35, vê-se que as preferências de
todos os agentes são maximizadas em seu ponto ideal, único, e igual à αi .

Figura 8.2: Preferências Single-peaked

Exemplo 8.3 Single-peaked sem single-crossing Considere uma sociedade com três cidadãos
I = {1, 2, 3} e quatro escolhas sociais X = {x, y, z, w}, cujos perfis de preferências são descritos
na Tabela 8.4

1 2 3
z y x
y x w
x w z
w z z

121
Bem-estar e escolha social

Mostre que estas preferências satisfazem a condição de single peaked, porém violam a
condição de single crossing. Ilustre graficamente sua resposta.

Solução: Observando-se o Gráfico ??, verifica-se facilmente que estas preferências são single-
peaked com respeito à ordem linear z < y < x < w.

Figura 8.3: Preferências Single-peaked, mas não single-crossing!

Porém, este perfil de preferências viola a condição de single-crossing em relação à ordem


0
linear z < y < x < w já que para 2 < 3, w 2 z e z 3 w, o que constitui uma violação
0
da condição de single-crossing. O mesmo ocorre quando 3 < 2, x 3 y e y 2 x. Uma
argumentação similar aplica-se em relação à qualquer outra ordenação das escolhas sociais.

Exemplo 8.4 Single-crossing porém não single-peaked Considere uma sociedade com três ci-
dadãos I = {1, 2, 3} e quatro escolhas sociais X = {x, y, z, w}, cujos perfis de preferências são
descritos na Tabela 8.4

1 2 3
x xy z
y z xy
z

Mostre que estas preferências satisfazem a condição de single peaked, porém violam a
condição de single crossing. Ilustre graficamente sua resposta.

Solução: A Figura 8.4 ilustra graficamente o perfil de preferências deste exemplo.

Figura 8.4: Preferências Single-peaked, mas não single-crossing!

122
Bem-estar e escolha social

8.4.3 O Teorema do Eleitor Mediano


Quando a ordenação das opções sociais dos agentes é single peaked, a agregação das preferências
individuais produz uma ordenação social não ditatorial. Black (1948) mostrou que se a or-
denação das preferências sobre os estados sociais for single-peaked, então, a regra de maioria
simples garante a existência de um Vencedor de Condorcet. Ademais, se o número de vo-
tantes for ı́mpar, a regra de votação por maioria simples torna-se uma função de bem-estar
social arrowiana. Estas condições estão reunidas no Teorema de Black ou Teorema do Eleitor
Mediano.

Definição Eleitor Mediano Suponha que o número de indivı́duos é impar e que as pre-
ferências são single-peaked. Ordenando-se cada indivı́duo de acordo com seu ponto ideal, x(αi ),
o eleitor mediano é aquele que tem exatamente I−1 2
pontos ideais a sua esquerda e I−1
2
pontos
ideais a sua direita.

Teorema 8.4 Teorema do Eleitor Mediano - preferências single peaked Suponha que o número
de indivı́duos é ı́mpar e o espaço das escolhas sociais é unidimensional. Se as preferências in-
dividuais forem single-peaked, então, a Regra de Voto Majoritário produz uma ordenação social
não ditatorial, satisfazendo IAI, na qual o estado social preferido pelo eleitor mediano é um
Vencedor de Condorcet.

Prova A prova do teorema do eleitor mediano é feita por meio do uso do argumento de se-
paração e envolve os seguintes passos.

P1. Considere um número ı́mpar de agentes, I. Ordene-os de acordo com o seu ponto ideal
(bliss point), x(αi ).

P2. Denomine x(αm ), o ponto ideal do eleitor mediano. Como I é impar, x(αm ) é unicamente
definido;

P3. Suponha que existe uma votação entre x(αm ) e uma outra opção social y(αi ) < x(αm ).
Por definição das preferências single-peaked, para cada agente com y(αi ) > x(αm ) =⇒
u(x(αm )) > u(y(αi ));

P4. Por C.2 (voto sincero), estes agentes votarão pela opção x(αm ). Junto com o eleitor
mediano, estes agentes formarão uma maioria em favor da opção x(αm ). A escolha social
social será, pois, a escolha do eleitor mediano.

P5. Considere agora uma votação entre x(αi ) e uma outra opção social y(αi ) > x(αm ). A
mesma argumentação se aplica, prevalecendo a escolha do eleitor mediano como escolha
social.

A generalização deste teorema para o caso de um grande número de agentes é direta.


Além disso, como as preferências são single-peaked, a revelação verdadeira das preferências
(voto sincero) é uma estratégia ótima o que torna este mecanismo de votação à prova de ações
estratégicas com o intuito de direcionar a votação.

Exemplo 8.5 Considere uma economia pública, na qual o governo tributa a renda dos cidadãos
à alı́quota tributária t. Sendo f (y),Ra distribuição Rda renda dos contribuintes, a arrecadação
do governo por contribuinte é R = tyf (y)dy = t yf (y)dy = ty. Os custos decorrentes da
tributação são iguais à t2 δ. O governo utiliza os impostos unicamente para financiar o bem-
público de sorte que r = ty − t2 δ = g. Os contribuintes gastam a totalidade de sua renda com
os bens privado e público.

123
Bem-estar e escolha social

1. Mostre que a alı́quota ótima do eleitor depende da diferença entre a renda média e a renda
mediana.

2. Explique porque, em presença de desigualdades de renda, a solução do item anterior im-


plica em aumentos da despesa pública.

Solução O problema do eleitor mediano é encontrar a alı́quota ótima t que maximiza o seu
consumo total, isto é,
max ymed (1 − t) + ty − t2 δ (8.3)
t

As condições de primeira ordem para este problema implicam que y − ymed = 2δt.
Rearrumando-se os termos, podemos computar a alı́quota ótima:
y − ymed
t= (8.4)

Observe-se que t aumenta com a renda média e decresce com a renda do eleitor mediano.
Isto significa que em presença de fortes desigualdades de renda, a renda média é superior à
mediana, contribuindo, assim, para elevar t e os gastos públicos (ou o tamanho do governo).
A intuição para este resultado decorre do fato de o eleitor mediano contribuir com uma fração
menor de sua renda para o financiamento do bem público. Supondo-se que o bem público é
um bem normal, uma redução do seu preço implica maior consumo.

Teorema 8.5 Teorema do Eleitor Mediano - preferências single crossing Suponha que o
número de indivı́duos é ı́mpar e o espaço das escolhas sociais é unidimensional. Se as pre-
ferências individuais forem single-crossing, então, a Regra de Voto Majoritário produz uma
ordenação social não ditatorial, satisfazendo IAI, na qual o estado social preferido pelo eleitor
mediano é um Vencedor de Condorcet.

Embora as condições de single-peaked e single crossing sejam logicamente independentes,


elas garantem que, em ambos os casos, a opção social preferida pelo eleitor mediano seja também
um vencedor de Condorcet. A diferença entre elas advém do fato de que com preferências single-
peaked, a opção preferida corresponde a escolha da da mediana dos eleitores; com preferências
single-crossing, a escolha social corresponde à opção preferida pelo eleitor mediano.

Incluindo a Intensidade das Preferências


Por fim, é possı́vel argumentar que a condição IAI (Introdução de Alternativas Irrelevantes) é
uma restrição muito forte sobre as preferências coletivas. Em particular, IAI elimina o elemento
cardinal das escolhas coletivas. Assim, por exemplo, se o conjunto de opções sociais contiver
10 alternativas (X = a, b, c, d, f, m, u, v, x, z), então, se o i-ésimo agente ordena a na penúltima
posição e b no topo das preferências, este agente fortemente prefere a opção b à opção a. Porém,
se o mesmo agente põe a opção b na quinta posição e a opção a na quarta posição, este agente
considera que a opção social b é praticamente indiferente à alternativa a. Ora, a condição
IAI trata estes dois casos da mesma forma. Relaxar esta condição equivale a reintroduzir
a cardinalidade nas escolhas coletivas, no espı́rito dos pioneiros Bergson e Samuelson. Esta
abordagem será utilizada na próxima seção.

8.4.4 Sen e o Paradoxo Liberal

124
Bem-estar e escolha social

Para incluir a noção direitos individuais na teoria da escolha social arrowiana, Sen(1970)8 ex-
pande as fonteiras do welfarismo por meio da imposição de restrições adicionais sobre as funções
de bem-estar social. Estas condições são liberalismo, ou liberdade individual e o Liberalismo
Mı́nimo que é versão mais fraca do liberalismo, de acordo com a qual, existem pelo menos dois
indivı́duos que atendem ao princı́pio anterior. Estes princı́pios, fundamentais para o desenvol-
vimento da teoria das escolhas coletivas fora do escopo welfarista, são definidos a seguir.

Definição Liberalismo Para ∀i ∈ I, existem pelo menos dois estados sociais, x e y ∈ X, tal
que x S y sempre que x i y.

Definição Liberalismo Mı́nimo Existe pelo menos dois indivı́duos i e j, dois estados sociais
x e y para o individuo i e dois estados sociais, m e z para o individuo j, tal que:

1. x S y sempre que x i y, independente das preferências dos demais agentes;

2. m S z sempre que m j z, independente das preferências dos demais agentes.

Exemplo 8.6 Considere o perfil de preferências descrito na Tabela 8.7, para cinco consumi-
dores distintos, sobre as opções a, b, c, d.

Tabela 8.7: Perfil de Preferências A


1 2 3 4 5
b a c a d
c d b c b
d c d b c
a b a d a

1. Indique(se existir) o vencedor de Condorcet.

2. As preferências do eleitor mediano prevalecem quando o voto é majoritário?

3. Verifique as preferencias sociais acima descritas satisfazem a eficiência fraca de Pareto.

Solução: c  a para os eleitores 1,2,5; c  b para 2,3,4; c  d para 1,3,4. Portanto, no voto
majoritário, a opção c é o vencedor de Condorcet.
A votação entre a e b, ganha b (somente os indivı́duos 2 e 4 preferem mais de a do que b.
Note-se que b é a opção preferida do eleitor 1. Os eleitores 3 e 5 (que preferem b a a) aliam-se
ao eleitor 1, o que implica que b ganha. De fato, ordenando as escolhas sociais por ordem
alfabética, de sorte que a < b < c < d, tem-se que o eleitor mediano é o eleitor 1; contudo ele é
derrotado pelo voto majoritário que elege a alternativa c. Segue-se, pois, que a opção preferida
pela mediana dos eleitores não coincide com o vencedor de Condorcet.
Com respeito à condição de Eficiência Fraca de Pareto, é fácil verificar que as preferências
sociais descritas na Tabela 8.7 não satisfazem esta condição: os eleitores 2, 3 e 4 preferem a
opção c, mas os eleitores 1 e 5 preferem a alternativa b.

Exemplo 8.7 Exercı́cio 6.12 - Jehle & Reny. A regra de Borda é muito usada para fazer
escolhas coletivas. Cada agente atribui um contador de Borda B i (x) para cada alternativa
disponı́vel, onde x ∈ X, i ∈ I. B i (x) é o número de alternativas em X para as quais a opção x
é preferida pelo agente i. As opções sociais são, então, ordenadas de sorte que, ∀x, y ∈ X,
8
Sen, A.K. 1970. The impossibility of a Paretian liberal, Journal of Political Economy, 78, 152-158

125
Bem-estar e escolha social

X X
x S y ⇐⇒ B(x) = B i (xi ) ≥ B(y) = B i (y i ), ∀i ∈ I, x, y ∈ X (8.5)
i i

Encontre o vencedor quando se usa a Regra de Borda e mostre que esta regra satisfaz U,
PFP e D, porém viola IAI.

Solução: Na regra de Borda, cada agente atribui escores para cada opção social disponı́vel. A
escolha do Vencedor de Borda se faz da seguinte forma: com n opções, cada eleitor atribui n
pontos para sua primeira escolha, n − 1 pontos para a sua segunda escolha e, assim sucessi-
vamente, para as demais escolhas. Para ilustrar esta regra, considere os perfis de preferências
da Tabela 8.8. No lado direito desta tabela (Perfil I), os contadores de Borda para as opções
sociais x, y, z e a são dados pelas expressões abaixo

X
B(x) = B i (xi ) = 4 + 3 + 4 + 4 = 15
i
X
B(y) = B i (y i ) = 3 + 2 + 2 + 3 = 10
i
X
B(z) = B i (z i ) = 2 + 4 + 1 + 1 = 8
i
X
B(a) = B i (ai ) = 1 + 1 + 3 + 2 = 7
i

Tabela 8.8: A Regra de Borda Satisfaz U, PFP, D!

Eleitores Eleitores Eleitores


123 4 123 4 123 4
x z x x xax x aax x
yxa y y z a y x z a y
z yy a z xy a yxy a
aa z z ay z z z y z z
Perfil I Perfil II Perfil III

Ordenando-se os contadores de Borda tem-se que B(x) > B(y) > B(z) > B(a). Segue-
se, pois, que a escolha social é x S y S z S a. O Vencedor de Borda é a opção x.
Resta agora verificar se a Regra de Borda satisfaz U, PFP e D. Esta regra satisfaz U
(Domı́nio Irrestrito). De fato, as preferências dadas pelo perfil de preferências do lado direito
da Tabela 8.8 satisfazem a condição de domı́nio universal. Para o eleitor 1, z 1 a enquanto
que para o eleitor 4, a 4 z.
Com respeito ao Princı́pio Fraco de Pareto, verifica-se facilmente que estas preferências
satisfazem PFP, isto é, x 1 y, x 2 y, x 3 y, x 4 y. Por unanimidade, a escolha social
também ordena a alternativa x na frente da opção y, isto é, x S y.
Além disso, este perfil de preferências satisfaz a condição D. O eleitor decisivo é o agente
1. De fato, a escolha social, pela Regra de Borda, coincide com as preferências deste eleitor,
x 1 y 1 z 3 a. Ademais, vamos mover a opção a que passa da última posição para a
primeira, sem alterar a posição relativa das demais alternativas. Quando o eleitor 2 passa esta
opção para o topo, o vencedor de Borda continua sendo a opção x : B(x) = 14 > B(a) = 10 >
B(y) = 9 > B(z) = 7 >. Porém, quando o eleitor 1 passa a opção a para o topo, esta opção

126
Bem-estar e escolha social

passa a ser a escolha social já que temos B(a) = 13 ≥ B(x) = 13 > B(y) = 8 > B(z) = 7. A
escolha social é a %S x S y S z, novamente coincidindo com as preferências do eleitor 1.
Porém, a regra de Borda viola IAI. Para mostrar que esta condição não se aplica, consi-
dere os perfis de preferências para 16 eleitores, sobre quatro estados sociais x, y, z e a, descritos
na Tabela 8.9:

Tabela 8.9: A Regra de Borda não satisfaz IAI!

Eleitores Eleitores
5(1) 4(2) 4(3) 3(4) 5(1) 4(2) 4(3) 3(4)
x
y z y x
x z y
z
x y z z a y z
y a a x y
y a x
a z x a a z x a
Perfil IV Perfil V

No perfil IV da referida tabela, os contadores de Borda são:


X
B(x) = B i (xi ) = 5(4) + 4(3) + 4(1) + 3(2) = 42
i
X
B(y) = B i (y i ) = 5(2) + 4(4) + 4(3) + 3(4) = 50
i
X
B(z) = B i (z i ) = 5(3) + 4(1) + 4(4) + 3(3) = 44
i
X
B(a) = B i (ai ) = 5(1) + 4(2) + 4(2) + 3(1) = 24
i

Portanto, B(y) > B(z) = B(x) > B(a). Segue-se, pois, que a escolha social pela regra
de Borda é y S z S x S a. O vencedor de Borda, neste exemplo, é a opção y. Vamos, agora,
modificar a posição relativa das opções x e y, para os eleitores do tipo 2. O novo perfil encontra-
se no lado direito da Tabela 8.9. Vamos denominá-lo Perfil V. Neste perfil, os contadores de
Borda são:

X
B(x) = B i (xi ) = 5(4) + 4(4) + 4(1) + 3(2) = 46
i
X
B(y) = B i (y i ) = 5(2) + 4(2) + 4(3) + 3(4) = 42
i
X
B(z) = B i (z i ) = 5(3) + 4(2) + 4(4) + 3(3) = 44
i
X
B(a) = B i (ai ) = 5(1) + 4(3) + 4(2) + 3(1) = 28
i

Observando-se as expressões acima, a nova escolha social pela regra de Borda é x S


z S y S a. Note-se que nenhum eleitor mudou sua posição entre as opções x e z. Portanto,
por IAI, a sociedade deveria ordenar estas opções da mesmas forma, nos Perfis IV e V. Porém,
não é o que ocorre. No perfil IV, z  x, enquanto que no Perfil V, x  z. Segue-se, pois, que
a Regra de Borda viola a condição IAI.

127
Bem-estar e escolha social

8.5 Escolhas Coletivas: A Cardinalidade Revisitada


Desde o trabalho seminal de Hicks (1939)9 , a ordinalidade, assim como a não comparabili-
dade das preferências têm sido o paradigma dominante na teoria do consumidor. A função de
utilidade passou a ser vista apenas como uma métrica conveniente para as preferências. Trans-
formações monotônicas crescente destas funções não modificariam sua ordenação, sendo, pois,
igualmente válidas como representação das preferências.
Porém, como acabamos de demonstrar, a teoria ordinal também tem limitações, das
quais o teorema da impossibilidade é a mais visı́vel. No âmbito desta discussão, a teoria da
escolha social volta-se para as comparações interpessoais de utilidade e adota a perspectiva do
bem-estar estrito (strict welfarism), resgatando a cardinalidade das escolhas coletivas. Nesta
representação, sob hipóteses relativamente fracas, a ordenação social pode ser formulada como
uma função de bem-estar social do tipo Bergson - Samuelson, onde somente as utilidades
importam, isto é:
W = f (u1 , u2 , . . . , uI ) (8.6)
É possı́vel comparar os estados sociais por meio deste tipo de função de bem-estar,
desde que elas sejam anônimas, invariantes com o nı́vel de utilidade (diferenças de utilidade) e
satisfaçam a condição de Equidade de Hammond.

8.5.1 Comparações Interpessoais de Utilidade


Podemos agora sumariar os requisitos que a função de bem-estar social deve cumprir. Seja f
uma função estritamente crescente em u = (u1 , . . . , uI ). Então, ∀x, ∀y, tem-se que:

fu (x) > fu (y) ⇐⇒ W (u1 (x), . . . , uI (x)) > W (u1 (y), . . . , uI (y))
Vamos, agora, examinar algumas condições que as funções de bem-estar social, baseadas
nas preferências cardinais, devem satisfazer para permitir comparações interpessoais de utili-
dade. Em primeiro lugar, estas funções devem atender aos requisitos de invariância, descritos
abaixo:

Definição Invariância da Função de Bem-estar Social - INU: uma FBES é invariante com
o nı́vel de utilidade (INU) se ela é invariante a transformações estritamente crescentes das
funções de utilidade, ψ(u), desde que essas transformações sejam idênticas, para os diferentes
indivı́duos.

Definição Invariância nas Diferenças de Utilidade - IDU: uma FBES apresenta invariância
em relação a diferenças de utilidade (IDU) se ela é invariante a transformações estritamente
crescentes da forma ψ i (ui ) = ai + bui , com b igual para todos os indivı́duos. Nesse caso, a
função f depende somente da ordenação das diferenças de utilidade entre indivı́duos

Além disso, vamos explicitar as restrições éticas que devem ser satisfeitas pelas pre-
ferências sociais, descritas na equação 8.6. Dentre elas, destacam-se a condição de Anonimato
e a Equidade de Hammond. Seja u, ũ, vetores distintos de dimensão I.

Definição Anonimato - A Seja u, um vetor de utilidades de ordem I, u = (u1 , . . . , uI ) e ũ,


um vetor formado por permutações dos elementos de u. Então, W (u) = W (ũ).

Definição Equidade de Hammond - EH Seja u, ũ, vetores distintos de dimensão I. Consi-


dere, uk = ũk , ∀k 6= i, k 6= j e ui < ũi < ũj < uj . Então, W (ũ) > W (u).
9
Hicks, J. R. (1939) Value and Capital : Clarendon Press.

128
Bem-estar e escolha social

A condição EH expressa a ideia de que a sociedade valoriza uma melhor distribuição –


menor dispersão – das utilidades. Intuitivamente, esta condição indica que a sociedade tende
a preferir estados sociais que minimizam a variância das utilidades entre indivı́duos (opção
ũ, na definição de EH) Exemplo: considere dois agentes e dois nı́veis de utilidade xey, onde
x = (70, 60); y = (100, 50). Pela EH, y i > xi > xj > y j = 100 > 70 > 60 > 50 =⇒
W (70, 60) = W (x) > W (y) = W (100, 50). A Figura 8.5.1 ilustra esta condição.

Figura 8.5: Equidade de Hammond

Observe-se que nesta figura a opção social x envolve uma maior desigualdade entre os
agentes 1 e 2, quando comparada com o estado social y, situado mais perto da linha de 45o
graus, que indica a igualdade de utilidades entre os agentes 1 e 2. Segue-se que pela Equidade
de Hammond, W (y) > W (x).

8.6 Funções de Bem-estar Utilitaristas e Rawlsianas


8.6.1 Funções utilitaristas
No âmbito das escolhas coletivas, a teoria utilitarista clássica, sintetizada nos trabalhos de
Jeremy Bentham, fundamenta a moderna teoria da justiça. De acordo com esta visão, existe um
indicador de bem-estar social único - a utilidade - mensurada tanto em termos dos indivı́duos,
como por estado social. Cabe ao gestor, maximizar a soma destas utilidades, respeitando-se a
restrição de factibilidade. A função de bem-estar utilitarista, pode, então, ser expressa como:
I
X
W = ui (x) (8.7)
i=1

Esta função é estritamente crescente e contı́nua em seus argumentos. Em uma sociedade


como dois agentes, a curva de indiferença social é dada pela expressão:

u2 = W − u1 (x) (8.8)

Ademais, ela satisfaz Anonimato e Invariância. O teorema 8.6 sumaria estas condições.
Teorema 8.6 A função de bem-estar utilitarista, W = Ii=1 ui (x), satisfaz A e IDU:
P

129
Bem-estar e escolha social

Prova Anonimato: quando W assume a forma utilitarista, a condição A é satisfeita porque a


sociedade atribui o mesmo peso ao nı́vel de utilidade de cada agente. Isto é, uma permutação
da identidade dos agentes não altera a ordenação social neste tipo de função, como exigido pelo
critério A.
A função W também satisfaz IDU: Considere, x, y ∈ X, tal que:

W (x) = [u1 (x) + u2 (x)] ≥ [u1 (y) + u2 (y)] = W (y) (8.9)

Aplicando-se uma transformação monotônica crescente nas funções de utilidade indivi-


dual do tipo ψ(ui ) = ai + bui , tem-se que:

[a1 + bu1 (x)] + [a2 + bu2 (x)] ≥ [a1 + bu1 (y)] + [a2 + bu2 (y)]

Rearrumando os termos, a expressão acima torna-se:

b[u1 (x) + u2 (x)] ≥ b[u1 (y) + u2 (y)]

Dividindo ambos os lados da inequação por b:

[u1 (x) + u2 (x)] ≥ [u1 (y) + u2 (y)] (8.10)

Portanto, a transformação em ui não alterou a ordenação social, já que a expressão


acima é exatamente igual à que prevalece em 8.9.

Teorema 8.7 Uma função de bem-estar social contı́nua e estritamente crescente


P satisfaz Ano-
nimato e IDU se, e somente se, esta FBES é do tipo Utilitarista, com W = N i=1 ui
(x).

Prova O teorema 8.7 é o reverso do teorema anterior. A prova deste teorema será feita para o
modelo com dois agentes. Considere a Figura 8.6. Seja u = (u1 , u2 ), um ponto qualquer sobre
a linha de 45o . Defina γ ≡ u1 + u2 e considere o conjunto de pontos Ω ≡ {(u1 , u2 )|u1 + u2 = γ},
sobre a reta AB, cuja inclinação é −1. Defina os pontos ũ e ũT , onde ũT é a permutação de ũ.

Figura 8.6: Curva de Indiferença Social Utilitarista

Considere os pontos ũ e sua transposição, ũT definidos em Ω, na Figura 8.6. Para


demonstrar a condição A, deve-se mostrar que ũT = ũ =⇒ W (ũT ) = W (ũ). Isto é, estes
pontos devem ordenados da mesma forma em relação à u: ũT e ũ situam-se na mesma curva
de indiferença social, representada pela reta AB.

130
Bem-estar e escolha social

Prova: Supondo-se, por contradição, que W (u) > W (ũ). Como f satisfaz IDU, o ordena-
mento de u e ũ deve ser invariante à transformações do tipo:

ψ i (ui ) = (ui − ũi ) + ui , i = 1, 2 (8.11)

Aplicando-se a transformação expressa em 8.11 ao ponto ũ, tem-se que,

ψ i (ũi ) = [ui − ũi ] + ũi = ui

Considerando-se, apenas, dois agentes, i = 1, 2, temos que:

ψ 1 [ũ1 ] = u1 ; ψ 2 (ũ2 ) = u2 =⇒ [ψ 1 (ũ1 ), ψ 2 (ũ2 )] = u = (u1 , u2 )

Refazendo a transformação da expressão 8.11 para mapear o ponto u em ũT :

ψ 1 (u1 ) = (u1 − ũ1T ) + u1 = 2u1 − ũ1T (8.12)


ψ 2 (u2 ) = (u2 − ũ2T ) + u2 = 2u2 − ũ2T (8.13)

Lembrando que u situa-se sobre a reta de 45o , isto é, u1 = u2 , e que ũ e ũT situam-se
em Ω, o termo 2u1 pode ser reescrito como:

2u1 = u1 + u2 = ũ1 + ũ2 = ũ1T + ũ2T (8.14)

Usando-se a expressão acima, as expressões descritas pelas equações 8.11 reescrevem-se


como:

ψ 1 (u1 ) = ũ1T + ũ2T − ũ1T = ũ2T (8.15)


2 2 2T 1T 2T 1T
ψ (u ) = ũ + ũ − ũ = ũ (8.16)
[ψ 1 (u1 ), ψ 2 (u2 )] = [ũ2T , ũ1T ] = ũT (8.17)

Estas transformações mapeiam ũ em u e u em ũT . Resta, agora, estabelecer a con-


tradição. Para tal, vamos supor que:

W (u) > W (ũ). (8.18)

Por Invariância nas Diferenças de Utilidade (IDU), tem-se que:

W (u) = W (ψ(u)) = W (ũT ) (8.19)

Usando-se a expressão acima na desigualdade 8.18:

W (ũT ) > W (ũ) (8.20)

Contrariando, assim, a condição de Anonimato, isto é, W (ũT ) = W (ũ). Portanto,


W (u) > W (ũ) não se aplica. Deve-se ter W (u) = W (ũ) = W (ũT ). Os pontos u, ũ e ũT devem
estar sobre a reta AB. Além disso, como pontos situados à direita de Ω são preferidos por ambos
os indivı́duos (o contrário ocorre com os pontos situados abaixo de Ω) conclui-se que Ω é uma
curva de indiferença social utilitarista, associada à função W = u1 + u2 .

131
Bem-estar e escolha social

8.6.2 Funções Rawlsianas


A contribuição seminal de Rawls (1971)10 é a ideia de que as escolhas sociais se fazem sob os
princı́pios do Véu da Ignorância e do Princı́pio da Diferença. O Véu da Ignorância supõe que
na situação original, os agentes ignoram os talentos e os recursos que eles terão em suas vidas
futuras. Nestas circunstâncias, cada indivı́duo deverá ter seus direitos e liberdades essenciais
garantidos, desde que compatı́veis com atribuições idênticas aos demais agentes.
O segundo princı́pio afirma que a suposição de indivı́duos idênticos, na situação original,
leva naturalmente ao desejo de igualar as utilidades entre agentes. Entretanto, Rawls não
preconiza a igualdade total das utilidades, já que esta equalização pode conduzir à ineficiências
no sentido de Pareto e restringir os limites da redistribuição. Por esta razão, a teoria rawlsiana
tolera um certo nı́vel de desigualdade, desde que elas beneficiem os agentes mais desfavorecidos.
Daı́, o fato do princı́pio rawlsiano ser conhecido como o Princı́pio da Diferença.
A função de bem-estar rawlsiana privilegia o agente (grupo) mais pobre. Esta função
busca maximizar a utilidade deste agente, desde que a restrição de factibilidade seja respeitada.
Formalmente, trata-se de um problema de max-min, expresso pela equação 8.21:

W = min u1 (x), . . . , uI (x)



(8.21)
Note-se que dadas as opções sociais x e y, W (x) ≥ W (y), se e somente se,

min u1 (x), . . . , uI (x) ≥ min u1 (y), . . . , uI (y)


 
(8.22)

Teorema 8.8 Uma função de bem-estar social, contı́nua e estritamente crescente satisfaz Equi-
dade de Hammond - EH, se, e somente se, esta função é do tipo Ralwsiana, com W =
min u1 (x), . . . , uI (x) , isto é W (u) > W (ũ) se, e somente se, W (u1 , . . . , uI ) > W (u˜1 , . . . , u˜I )

Prova Considere a Figura 8.7. A exemplo do caso utilitarista, vamos selecionar um ponto
arbitrário na linha de 45o , digamos, o ponto a. Deve-se mostrar que todos os pontos sobre a
linha horizontal aA e todos os pontos sobre o segmento vertical aB têm os mesmos nı́veis de
bem-estar que o ponto a. No raio OR, W (u1 ) ∼ W (u2 ), porque u1 = u2 ; ocorre o mesmo no
segmento aA.

Figura 8.7: Curva de Indiferença Social Ralwsiana

Seja u = (u1 , u2 ), um ponto situado sobre o segmento aA. Nas regiões I e II, da Figura
8.7, W (I) ≥ W (u) e W (II) < W (u). É preciso mostrar que W (u) = W (a). Para tal, considere
10
Rawls, J. A, 1971. A Theory of Justice, Belknap, USA.

132
Bem-estar e escolha social

o ponto ũ = (ũ1 , ũ2 ), situado na Região I. Neste ponto, tem-se que:

u2 < ũ2 < ũ1 < u1 (8.23)

A expressão acima é parte da definição de Equidade de Hammond e implica que W (ũ) >
W (u), isto é, o ponto ũ situa-se mais perto da linha de 45o , na qual a dispersão de utilidades é
menor, quando comparada com u.
Como ũ é um ponto arbitrário em I, pode-se estender este raciocı́nio para todos os pontos
na regiões I e II, de sorte que:

W (I) > W (u) (8.24)


W (u) > W (II) (8.25)

Combinando-se as expressões acima, conclui-se que:

W (II) < W (u) 6 W (I) (8.26)

Vamos, agora, examinar os pontos situados na fronteira entre as regiões I e II, tais como
o ponto a. Para cada ponto situado na linha au, existem pontos arbitrários na região I, cuja
utilidade social é maior ou igual à u. Na região II, vimos que existem pontos cuja utilidade
social é menor que W(u). Como W é crescente e contı́nua, cada ponto na reta au deve ter a
mesma utilidade social do ponto u. Segue-se, pois, que W (a) = W (u).
O mesmo procedimento pode ser repetido para os diferentes pontos no segmento vertical
aB, considerando-se as regiões I e III. Consequentemente, os segmento aA e aB pertencem à
curva de iso-bem-estar associada à função de bem-estar rawlsiana, u = min{u1 , u2 }. A função
rawlsiana satisfaz a Equidade de Hammond.

uk = ũk , ∀k 6= i, k 6= j
ui < ũi < ũj < uj
=⇒ W (ũ) > W (u)

Teorema 8.9 A função de bem-estar Rawlsiana W (x) = min{u1 (x), . . . , uI (x)} satisfaz Ano-
nimato e Invariância ao Nı́vel de Utilidade, INU.

Prova Anonimato: Considere o vetor de utilidades, u ≡ {u1 (x), . . . , uI (x)}, com:

min{u1 (x), . . . , uI (x)} = uk (x) (8.27)

O k-ésimo indivı́duo atinge o menor nı́vel de utilidade quando a opção social é x. É fácil
verificar que permutando-se as identidades destes agentes e minimizando-se o nı́vel de utilidade,
o menor nı́vel de utilidade é, ainda, igual à uk (x). A permutação dos elementos de u não altera
o valor da função rawlsiana.

INU - Invariância ao Nı́vel de Utilidade: Considere ψ, uma transformação estritamente


crescente de u, ψ(u), e duas opções sociais, x e y. Se o bem-estar social da opção x é superior
ao da opção social y, isto é, W [u(x)] > W [u(y)], então, essa ordenação é preservada quando se
aplica a transformação ψ(u), para todos os agentes i ∈ I:

W [ψ(u1 ), . . . , ψ(uI )] > ψW [u1 , . . . , uI ]

133
Bem-estar e escolha social

Pode-se mostrar que, nesse caso, INU prevalece. De fato, aplicando-se a transformação
acima, tem-se que:
W [ψ(u1 ), . . . , ψ(uI )] = ψW [u1 , . . . , uI ]
A transformação ψ é posta em evidência já que ela aplica-se a todos os agentes. Conse-
quentemente,
ψW [(u1 (x)), . . . , (uI (x))] > ψW [u1 (y), . . . , uI (y)]
Dividindo-se ambos os lados da expressão anterior por ψ, obtém-se a seguinte expressão:

W [u1 (x), . . . , uN (x)] > W [u1 (y), . . . , uN (y)]


Este resultado é exatamente o que preconiza a Condição Invariância ao Nı́vel de Utili-
dade.

Exemplo 8.8 : Prove a seguinte proposição: Sendo a função de bem-estar social estritamente
monotônica, se a alocação x maximizar W (u1 , . . . , uI ), então, x deve ser eficiente no sentido
de Pareto.
Prova suponha, por contradição, que a alocação x não é pareto eficiente. Neste caso, existe
uma outra alocação factı́vel, x, tal que ui (x) ≥ ui (xi ), ∀i ∈ I e uj (xj ) > uj (xj ) para al-
gum j ∈ I. Então, pela monotonicidade estrita de W(·), tem-se que W (u1 (x), . . . , uI (xI )) >
W (u1 (x1 ), . . . , uI (xI )), o que contradiz o fato de que x maximiza W. Portanto, a alocação x é
eficiente.
Exemplo 8.9 Se as funções de utilidade individuais forem idênticas e iguais a uh = [ch ]α [mh ]α ,
onde ch e mh são, respectivamente, o consumo e a renda do h-ésimo indivı́duo, então, uma
função de bem-estar social utilitarista garantirá uma distribuição igualitária da renda.
Solução

8.6.3 Formas Flexı́veis da Função de Bem-estar Social


Nos anos 70, Atkinson (1973) e Feldstein(1973)11 propuseram uma forma funcional mais flexı́vel
para a função de bem-estar social. Esta função, ao invés satisfazer a propriedade de invariância
no nı́vel ou nas diferenças de utilidade, incorpora uma condição de invariância mais geral: a
invariância percentual nas utilidades, IPU, definida como:
Definição Invariância nas Diferenças Percentuais de Utilidade - IPU Uma FBES
satisfaz IPU se ela é invariante à transformações estritamente crescentes lineares da utilidade
da forma
ψ(ui ) = bui , b > 0, ∀i ∈ N (8.28)
Comparando-se duas opções x e y para dois indivı́duos distintos, i e j, tem-se que:
ui (x) − ui (y) uj (x) − uj (y)
> (8.29)
ui (x) uj (x)
Aplicando-se na expressão acima, a transformação descrita na equação 8.28, tem-se que
bui (x) − bui (y) buj (x) − buj (y)
= (8.30)
bui (x) buj (x)
Fatorando b, é fácil verificar que a expressão acima equivale à equação 8.29.

11
Atkinson, A. How progressive should the income tax be? in Parkin (ed.) Essayson Modern economics ,
1973; Felstein, M. On the optimal progressivity of the income tax. Jounal of Public Economics, 1973.

134
Bem-estar e escolha social

8.6.4 Função de Bem-estar de Atkinson-Feldstein


Uma forma flexı́vel de função de bem-estar social que atende IPU assume a seguinte forma:
" #1/ν
X
W = (ui )ν (8.31)
i∈I

onde ν é o parâmetro de aversão à desigualdade. Doravante mencionada como função A-F


(Atkinson e Feldstein), ela acolhe vários critérios de bem-estar, desde a função utilitarista até
a FBES rawlsiana, mediante a variação do parâmetro de aversão à desigualdade. Três casos
distintos da função descrita pela equação 8.31 serão examinados a seguir: a função utilitarista
((ν = 1)), a função de Bernoulli-Nash (ν = 0) e e a função Rawlsiana(ν → −∞).

Função utilitarista (ν = 1)

É fácil verificar que se ν for igual à 1, a função de bem-estar social descrita pela equação 8.31
torna-se a função utilitarista: X
W = ui (8.32)
i∈I

Função Bernoulli-Nash (ν = 0)
Y
W = ui (8.33)
i

Para dois consumidores distintos, j e k, o gradiente da curva de indiferença social relativa


a essa função é:
∂uj ∂W/∂uk W/uk uj
− k = = = k (8.34)
∂u ∂W/∂uj W/uj u
Voltando a FBES descrita em (8.31), temos que:

∂W 1 1

j
= [. . .] v −1 v(uj )v−1 (8.35a)
∂u v
∂W 1 1

k
= [. . .] v −1 v(uk )v−1 (8.35b)
∂u v
Dividindo (8.35b) por (8.35a) tem-se que
v−1
W/uk ∂uj uk

= − = (8.36)
W/uj ∂uk uj
1−v
∂uj uj

=− k = (8.37)
∂u uk

Quando v = 0, a expressão acima torna-se:

∂uj uj
− = (8.37a)
∂uk uk
que é exatamente igual à expressão (8.34). Portanto, quando v = 0, a FBES expressa em (8.31)
torna-se a função de Bernoulli-Nash.

135
Bem-estar e escolha social

Rawlsiana (ν → −∞)
W = min{ui }
∂W ∂W
Nessa função se uj < uk , então, W = uj ; ∂uj
= 1; ∂uk
= 0. A T M Sk,j (trade-off ) é

∂W/∂uj 1
− k
= → −∞
∂W/∂u 0
Na função de bem-estar social de A-F temos que
 j v−1
∂W/∂uj ∂uk u
− k
= j
=
∂W/∂u ∂u uk
uj
Nesse caso, se uj < uk , W = uj , uk
< 1. Quando ν → −∞, v − 1 → −∞ e

1 1 ∂W ∂W
→ → ∞; = 1; k = 0.
(uj /uk )∞ 0 ∂u j ∂u
uk 1
Quando uk > uj , uj
> 1; ∞
= 0;
∂W ∂W
W = uk =⇒ k
= 1; j = 0
∂u ∂u
Exemplo 8.10 Suponha que as preferências do planejador social sejam dadas pela expressão:
(u1 )ε (u2 )ε
W = + , ε<1 (8.38)
ε ε
1. Qual será o impacto de um aumento do parâmetro ε sobre a curvatura das curvas de
indiferença sociais?

2. Interprete o parâmetro ε.

Solução Diferenciando a equação 8.38:


ε(u1 )ε−1 1 ε(u2 )ε−1 2
dW = du + du = 0
ε ε
Rearrumando os termos, podemos reescrever a expressão acima como:
du2 (u2 )1−ε
− = (8.39)
du1 (u1 )1−ε
A expressão acima corresponde à inclinação das curvas de indiferenças sociais. O im-
pacto de um aumento de ε sobre a curvatura das curvas de indiferença sociais pode ser obtida
diferenciando-se a equação 8.39:

d h du2 i d h (u2 )1−ε i


− =
du1 du1 du1 (u1 )1−ε
h 2
i h i
1 (1−ε−1) du1
(u1 )1−ε (1 − ε)(u2 )(1−ε−1) dudu1
− (u 2 1−ε
) (1 − ε)(u ) du1
=  2
(u1 )1−ε
h i h i
du2
(u1 )1−ε (1 − ε)(u2 )−ε du 1 − (u 2 1−ε
) (1 − ε)(u 1 −ε
)
=  2
(u1 )1−ε

136
Bem-estar e escolha social

du2
= (u1 )−(1−ε) (1 − ε)(u2 )−ε − (u2 )1−ε (u1 )ε−2
du1
Rearrumando os termos da expressão acima tem-se que:
" #
d h du2 i (u2 )−ε du2 (u2 )1−ε
− 1 = (1 − ε) − (8.40)
du1 du (u1 )1−ε du1 (u1 )2−ε
Utilizando-se a equação 8.39 na equação 8.40 e rearranjando-se os termos:

" # " " #1−ε #


d du2 (u2 )−ε (u2 ) (u2 )1−ε
− 1 = (1 − ε) − 1 − 1 2−ε (8.41)
du1 du (u1 )1−ε (u ) (u )
" # " # " #
d2 u2 (u2 )−ε+1−ε (u2 )1−ε (u2 )1−ε (u2 )−ε
− = (1 − ε) − − 1 2−ε = −(1 − ε) 1 2−ε 1 + 1 −ε (8.42)
d(u1 )2 (u1 )2(1−ε) (u ) (u ) (u )
(8.43)
Rearrumando-se os termos da equação acima, obtêm-se uma expressão simplificada para
a curvatura das curvas de indiferença sociais:
" !1−ε #
d2 u 2 (u2 )1−ε (u2 )
= (1 − ε) 1 2−ε 1 + (8.44)
d(u1 )2 (u ) (u1 )
Note-se que a curvatura das curvas de indiferença sociais é positiva se ε < 1((1 − ε) > 0)
(Figura 8.6.4). Neste caso, a função de bem-estar social é côncava. Podemos, agora, responder
facilmente o item 1 do exercı́cio proposto. Derivando-se a equação 8.44 em relação à ε e
supondo-se que u1 = 5 e u2 = 10,

 2 2  " !#
d du d 101−ε 5ε
= (1 − ε) 2−ε 1 + ε (8.45)
dε d(u1 )2 dε 5 10
(8.46)
Vê-se a curvatura das curvas de indiferença decresce com o parâmetro ε, conforme ilus-
trada na Figura 8.6.4.

Figura 8.8: Curvatura da função bem-estar social em função de ε

O parâmetro ε pode ser interpretado como o nı́vel de aversão à desigualdade da função


de bem-estar deste exemplo (equação 8.38). Quando ε = 1, a curvatura é zero. Temos, então,
a função bem-estar social utilitarista (W = u1 + u2 ). Se ε for igual à zero, o indicador de
bem-estar é rawlsiano (W = min[u1 + u2 ]).

137
Bem-estar e escolha social

8.7 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso? Justifique sua resposta.
1. Uma escolha coletiva que satisfaz a Condição de Topo (Top Condition) - uma opção
nunca estará entre as escolhas sociais se ela não for preferida por pelo menos um
consumidor - além de compatı́vel com a regra de pluralidade, seleciona também um
vencedor de Condorcet.
2. Se a função de bem-estar social é uma função crescente da utilidade de cada indivı́duo,
então, toda alocação que maximiza a função de bem-estar social é eficiente no sentido
de Pareto.
3. Uma função de bem-estar social anônima deve ter curvas de indiferenças simétricas em
torno da linha de 45. A alocação ótima baseada neste tipo de FBS é equitativa.
4. A condição U (Domı́nio Irrestrito) é eticamente aceitável quando alguns eleitores têm
preferências polı́ticas extremas.
5. O principio daPequidade de Hammond é incompatı́vel com as FBES, dada pela ex-
pressão: W = N 1
i=1 1−ν mi
1−ν
.
6. O viés igualitário incorporado na função de bem-estar social de Atkinson decorre do
fato de sua FBES ser utilitarista.
1
7. Quando as preferências são dadas pela função de utilidade: U i = 1−ν mi 1−ν , então, uma
função de bem-estar utilitarista conduz à igualdade de renda entre indivı́duos.
8. Se uma alocação x∗ maximiza W , a função de bem-estar social, então, x∗ is eficiente
no sentido de Pareto.
9. No tocante à escolha social, tanto o método de Condorcet como a existência de um
ditador satisfazem as condições de eficiência fraca de Pareto.
II. Questões Abertas
1. Face à crescente insegurança, um condomı́nio residencial decide contratar serviços de
segurança privada. Para esta finalidade, os moradores precisam destinar um percentual
da receita do condomı́nio, xk ∈ [0, 1]. As preferências dos moradores são idênticas e
iguais à:
ui (xk , θi ) = −[xk − θi ]2
onde θi ∈ [0, 1] representa o percentual ideal para o i-ésimo condômino.
i. Mostre que nesta comunidade, a escolha de xk pelo voto majoritário produz uma
solução única que constitui um vencedor de Condorcet.
ii. Represente graficamente estas preferências.
2. Considere um sistema de votação por ordenação, com três estados sociais, α, β e γ,
onde a pior opção recebe um ponto, a segunda pior 2 pontos e, assim, sucessivamente.
A alternativa vencedora é a que recebe o maior número de pontos. Baseando-se nesse
tipo de votação, Tito e Berenice fazem seus ordenamentos no verão e no inverno, com
respeito aos estados sociais α, β e γ, conforme explicitado no quadro abaixo. Tito
modifica suas preferências ao longo das estações, porém as de Berenice não se alteram.

Verão Inverno
Tito Berenice Tito Berenice
α β α β
β α γ α
γ γ β γ

138
Bem-estar e escolha social

i. qual a ordenação social do verão e do inverno?


ii. mostre que esse sistema de votação viola IAI.
3. Considere uma sociedade com cinco indivı́duos, cujas ordenações dos cinco estados
sociais x, y, z, w, b ∈ X, é:
x 1 y 1 z 1 w 1 b
z 2 x 2 w 2 b 2 y
y 3 z 3 w 3 x 3 b
z 4 y 4 w 4 x 4 b
w 5 y 5 z 5 x 5 b

i Existe um Vencedor de Condorcet neste perfil de preferências?


ii Este perfil de preferências é single peaked ?
iii Caso contrário, é possı́vel modificá-lo para que ele se torne SP? No caso, afirmativo,
qual será este novo perfil?
4. Considere uma economia composta de três indivı́duos ? Orestes, Hermione e Céfisa -
que podem escolher entre os estados sociais a,b,c,d. Cada um desses estados gera os
seguintes payoffs:

Tabela 8.10: Payoffs


Oreste Hermione Céfisa
a 3 3 3
b 1 4 4
c 5 1 3
d 2 6 1

Suponha que as funções de utilidade são idênticas e iguais a U i = log mi .


i. Mostre que se Orestes, Hermione e Céfisa conhecem seus payoffs, a regra de votação
majoritária produzirá uma regra decisória cı́clica.
ii. Se as pessoas não conhecem suas identidades (O,H,C) antes da votação e se con-
sideram que a probabilidade de assumir cada uma dessas identidades é a mesma,
qual será o resultado da votação majoritária. Comente seus resultados.
5. Um montante fixo de um bem é alocado entre os indivı́duos 1 e 2, cujas funções de
utilidade são dadas pela expressão: U h = αh xh , onde xh é a quantidade do bem alocada
ao h-ésimo individuo. Como o bem x = x1 +x2 deveria ser alocado de forma a maximizar
uma função de bem-estar: (a) Utilitarista; (b) Bernouilli-Nash; (c) Rawlsiana?
6. Considere N agentes, cuja função de utilidade é dada pela expressão U i = log mi ,
sendoPmi a renda do i-ésimo indivı́duo. Se a função de bem-estar social for do tipo
W = N i
i=1 U , mostre que um estoque fixo de renda será alocado de forma equitativa.
7. Construa uma argumentação para mostrar que a alocação ótima (que maximiza o bem-
estar social) deve ser Pareto-eficiente. Explicite as hipóteses que devem ser feitas em
relação à FBES.
8. Considere 3 alternativas (x, y, z) e três eleitores (A,B,C) cujos perfis de preferências são
os seguintes: o agente A prefere x a y e prefere y a z, e assim por diante. Suponha que
nossa tarefa seja escolher uma das alternativas acima com o intuito de fazer o melhor
para a sociedade. Considere o seguinte método: primeiro escolha um par de alternativas
e realize uma votação entre os agentes. Feito isto, pegue a alternativa vencedora da

139
Bem-estar e escolha social

votação anterior e realize uma nova votação contra a alternativa que ficou de fora da
primeira votação.
i. Mostre que tal procedimento é manipulável. Isto é, mostre que o resultado varia
com a ordem de votação; podemos influenciar a escolha social.
ii. Considere agora a preferência social, definida pelo perfil de preferencias acima des-
crito. Mostre que ela satisfaz as condições de eficiência fraca de Pareto e IAI (In-
dependência de Alternativa Irrelevante), mas ainda assim é manipulável. Explique
porque isso ocorre.

140
9

Justiça

O conceito de justiça (fairness) na teoria econômica insere-se no âmbito da economia normativa


e tem um componente ético. Seguindo critérios pré-estabelecidos, este quadro teórico, no campo
da norma, busca analisar que decisões deveriam ser tomadas pela sociedade enquanto que o
componente ético examina se tais decisões são justas.
Varian, H. (1974)1 , em seu trabalhos seminal, examina o problema da justiça redistri-
butiva, em presença de restrições de recursos2 . Basicamente, ele questiona o senso comum que
preconiza a divisão igualitária dos bens (recursos). De acordo com Varian, este tipo de divisão,
por ignorar as preferências individuais, não constitui a melhor forma de se atingir uma maior
equidade, representa casos particulares das alocações justas, definidas como alocações equitati-
vas e eficientes no sentido de Pareto. Quando os gostos diferem, a distribuição igualitária não
é mais eficiente. Consequentemente, os agentes terão interesse em trocar suas alocações por
outras que lhes tragam maior satisfação.

9.1 Definições
Definição Inveja Um agente i inveja o agente j se i prefere a cesta de j à sua:

xj  i xi

Uma alocação x é equitativa (envy-free) se cada agente prefere sua própria cesta à dos demais
agentes

Definição (Alocação equitativa) Uma alocação é equitativa se nenhum agente inveja os


demais:
xi < xj , ∀i, ∀j ∈ I

Definição (Alocações justas) Uma alocação é justa se ela é equitativa e Pareto-eficiente.


Nesse caso,
ui (xi ) ≥ ui (xj ), ∀i, ∀j ∈ I

Definição Alocação Reversa Uma alocação é reversa se e. Nesse caso,

ui (xi ) ≥ ui (xj ), ∀i, ∀j ∈ I


1
Varian, H., 1974. Equity, envy and efficiency. Journal of Economic Theory, 63-91.
2
Schmidt (1999) propõem um modelo similar ao de Varian e Baumol

141
Justiça

x = (x1 , x2 ); x1 = (2, 6); x2 = (8, 2)


x−1 = (x−1 , x−2 ) = (x1 , x2 ) : alocação reversa
x11 + x21 = 2 + 8 = 10; x12 + x22 = 6 + 2 = 8

Nesse exemplo,
x 1 x−1 ; x 2 x−1
o que implica que
u1 (x) > u1 (x−1 ); u2 (x) > u2 (x−1 )

Teorema 9.1 (Existência: Alocação Justa) Seja (x∗ , p∗ ) um equilı́brio competitivo. Sob a
hipótese de mão saciedade local, se todos os indivı́duos têm a mesma renda (p∗ e1 = p∗ e2 =
. . . = peI ), então x∗ é uma alocação estritamente justa.

Prova Como x∗ é WEA, x∗ é PE (1o teorema fundamental da teoria do bem-estar); Ademais,


p∗ x∗i 6 p∗ ei , ∀i ∈ I;; Resta agora prova que x∗ é equitativa.
Prova por contradição: Suponha que x∗ não é equitativa. Nesse caso, existe uma coa-
lização S de agentes tal que:
1 X ∗ i ∗i
x∗S = x  x
|S| k∈S k
Então, x∗S deve custar mais:
p∗ x∗k > p∗ x∗i = p∗ ei
Porém, isso contradiz o fato de que
1X ∗ ∗ 1X ∗
p∗ x∗S = p xk = p e = p∗ e i
S k∈S S k∈S

porque
p∗ e 1 = . . . = p∗ e k = . . . = p∗ e I

Definição Uma alocação x ∈ <n+ é uma alocação walrasiana igualitária (equal income) se
existe um vetor de preços tal que

142
Justiça

1
ei (dotação média)
P
1. pxi 5 pe, onde e = I i∈I

2. x0i i xi =⇒ px0i > pe


i
P P
3. i∈I xi 5 i∈I e

se que Toda alocação walrasiana igualitária x é uma WEA se a dotação ei = e, ∀i ∈ I Toda


WEA é uma alocação estritamente justa pois é PE e equitativa. A divisão igualitária dos
recursos não é, em geral, justa. Porém, procedendo a troca a partir de uma dotação igualitária
produzirá alocações justas. Implicação: cestas de consumo iguais para todos não são PE.
Porém, ei = e, ∀i, e competição resultará em alocações justas.
Teorema 9.2 Em uma economia de trocas com dois consumidores, se as preferências são
convexas (<i ) e o total das dotações é igualmente distribuı́do entre os agentes, então o conjunto
de alocações do core é um subconjunto das alocações justas.
Prova x ∈ C(e) =⇒ x é PE. Se x ∈ C(e), então, x i e, ∀i ∈ I (racionalidade individual).
Resta agora provar que x é equitativa.
Prova por contradição: Suponha que x não é equitativa. Nesse caso:
x2 2 x1 < e1 (9.1)
Porém, como e1 = e2 , podemos reescrever a expressão acima como:
1 1
x2 1 x1 < e1 = e + e2

(9.2)
2
Como x é factı́vel, temos que:
x1 + x2 = e1 + e2 (9.3)
Substituindo (9.3) em (9.2):
1 1
x + x2
x2  1 x1 < e 1 =

(9.4)
2
1 1
x1 < x + x2

(9.4a)
2
o que viola a hipótese de convexidade estrita das preferências, que requer que
1 1
x + x2  1 x1

x=
2
estabelecendo, assim, a contradição. Portanto, x é equitativa. As alocações do core são um
subconjunto das alocações justas – PE e equitativas.
Vamos agora examinar um contra-exemplo: A tabela abaixo contém informações sobre
uma economia com três indivı́duos e três bens:
Indivı́duos Preferências ei ui (ei ) xi ui (xi )
1 u = 3x11 + 2x12 + x13
1
(1, 1, 1) 6 (3, 2/3, 0) 10, 33
2 u2 = 2x21 + x22 + 3x23 (1, 1, 1) 6 (0, 0, 2) 6
3 u3 = x31 + 3x32 + 2x33 (1, 1, 1) 6 (0, 7/3, 1) 9

Note-se que a alocação acima descrita encontra-se no core da economia: xi i ei porque ui (xi ) >
i i
u (e ). Porém, o consumidor 2 inveja o consumidor 1 porque:
u2 (x1 ) > u2 (x2 )
6, 66 > 6
Portanto a distribuição igualitária dos recursos não garante que as alocações sejam equi-
tativas – no exemplo, viola-se H1 (preferências são convexas, porém não estritamente conve-
xas).

143
Justiça

9.2 Teorias da justiça


9.2.1 Visão Utilitarista
Visão utilitarista: Hume, Smith, Bentham, Mill Visão contratual: Rousseau, Locke, Kant

9.2.2 Escolha Social sob Incerteza: Harsanyi e Rawls


Harsanyi (1953, 1955)3 considera a escolha social em presença de risco. Para tal, ele desen-
volveu a sua teoria da justiça com base nas funções de utilidade esperada de Von Neumann e
Morgenstern que permitem incluir a análise de risco e incerteza. Para Harsanyi e Rawls deve
prevalecer na escolha social o critério justo, escolhido pode meio do véu de ignorância, o que
implica em escolha sob incerteza.

9.3 Escolha Social sob Incerteza


O ponto central da análise Harsanyi é o Princı́pio da Razão insuficiente: em um dado estado
social, um indivı́duo racional deve ter a mesma probabilidade dos demais de se encontrar
na posição de outro indivı́duo. Esta probabilidade quando existem N indivı́duos pode ser
representada no âmbito das funções de utilidade do tipo Von-Neumann-Morgenstern, doravante
mencionado como VNM.4 A equação abaixo descreve a função VNM:
N  
X 1
ui [x(ei )] (9.5)
i=1
N
i
onde x é o estado social e e é o payoff do i-ésimo indivı́duo em x. Comparando-se dois estados
sociais, x e y, temos que, se:
N N
1 X i i 1 X i
u [x(e )] > u [y(ei )]
N i=1 N i=1

ou ainda:
N
X N
X
i i
u [x(e )] > ui [y(ei )] (9.6)
i=1 i=1

Temos então, que x S y. Nota-se que nesse caso, temos a regra utilitarista. Considere agora
o caso rawlsiano. Lembrando que Rawls rejeita a regra utilitarista: nas decisões tomadas sob
o véu de ignorância, somente deve prevalecer o interesse do indivı́duo ou grupo rawlsiano, isto
é, x S y, se e somente, se,
min u1 [x(e1 )], . . . , uN [x(eN )] > min u1 [y(e1 )], . . . , uN [y(eN )]
 
(9.7)
A hipótese de Rawls é um caso particular da abordagem de Harsanyi, onde prevalece a aversão
total ao risco. De fato, o objetivo aqui é maximizar o payoff mı́nimo. Considere ui (x) uma
função de utilidade sob incerteza do i-ésimo indivı́duo. Uma transformação monotônica de
ui (x), pode ser expressa como:
v i (x) = −ui (x)−a (9.8)
3
Harsanyi, J.C. 1953. Cardinal utility in welfare economics and in the theory of risk taking. Jour-
nal of Political Economy, 61, 434-435; Harsanyi, J.C. 1955. Cardinal utility, individualistic ethics, and inter-
personal comparisons of utility, Journal of Political Economy, 63, 309-321.
4
Von Neumann, J. e O. Morgenstern 1953, Theory of Games and Economic Behavior, Princeton: Prin-
ceton University Press.

144
Justiça

para a > 0. Suponha ainda que v i (x) é VNM sob incerteza. Nesse caso temos que:
N
X N
X
i
v (x) ≡ − ui (x)−a (9.9)
i=1 i=1

É fácil verificar que o grau de aversão ao risco (GAR) é crescente com o parâmetro a, onde:

−v 00
GAR = (9.10)
v0
 
∂v ∂ ∂v
onde v 0 = e v 00 = .
∂u ∂u ∂u
Suponha, agora, como Harsanyi que a probabilidade de se ter nova identidade é igual a
η para todos os indivı́duos. Nesse caso, uma transformação monotônica crescente de W pode
ser expressa como:
" N #− a1
1
X
W = (−W )− a = ui (x)−a (9.11)
i=1

fazendo ρ = −a, a expressão acima se torna:


" N
# ρ1
X
W = ui (x)ρ (9.12)
i=1

1
que é exatamente a forma flexı́vel da FBES, anteriormente discutida, onde σ = é a
1+ρ
elasticidade de substituição social entre indivı́duo. Se ρ −→ (−∞) então teremos a função de
bem-estar Rawlsiana [a −→ (+∞)]. Portanto, a hipótese de Harsanyi baseia-se em funções de
bem-estar social flexı́veis (invariantes à transformações monotônicas crescentes que envolvem
percentuais de utilidades), que contemplam diferentes formas de FBES, incluindo as formas
utilitarista, Bernouilli-Nash e ralwsianas.

9.4 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso: justifique sua resposta.

1. Em uma economia de trocas, se as preferências forem contı́nuas, estritamente quase


côncavas e fortemente crescentes, existe pelo menos uma alocação justa.

II. Questões abertas

1. Considere uma economia de trocas com dois bens e dois consumidores, na qual se dispõe
de 1 unidade do bem x e uma unidade do bem y. As preferências dos consumidores são
representadas pelas seguintes funções de utilidade:
i. Defina as alocações eficientes no sentido de Pareto para esta economia;
ii. Defina as alocações justas.

145
10

Externalidades

There’s so much pollution in the air now that if it weren’t for our lungs there’d
be no place to put it all.

Robert Orben

O teorema do limite do core garante que o núcleo das economias replicadas contém somente
as alocações de equilı́brio walrasiano. Dito de outra forma, replicando-se suficientemente a
economia original, a hipótese competitiva prevalece e garante que a alocação produzida pelos
mercados privados é também eficiente no sentido de Pareto. Porém, em presença de externa-
lidades, os mercados privados são ineficientes para alocar os recursos. Externalidades ocorrem
quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afeta os consumidores e/ou pro-
dutores em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do
bem.
As externalidades podem ser positivas (benefı́cios externos) ou negativas (custos exter-
nos). Assim, por exemplo, uma empresa de fundição de cobre, ao provocar chuvas ácidas,
prejudica a colheita dos agricultores da vizinhança. Esse tipo de poluição representa um custo
externo porque é a agricultura, e não a indústria poluidora, que sofre os danos causados pe-
las chuvas ácidas. Danos que não são considerados no cálculo dos custos industriais, que
inclui apenas itens como matéria-prima, salários e juros. A não inclusão dos danos impostos
à coletividade nos custos privados conduz à subestimação dos custos verdadeiros, doravante,
mencionados como custos sociais. Consequentemente, o nı́vel de produção da indústria é maior
do que aquele que seria socialmente desejável.
A educação, por outro lado, gera externalidades positivas. Os membros de uma sociedade
- não somente os estudantes - auferem os diversos benefı́cios que resultam de uma população
mais educada. Uma ampla literatura, utilizando diferentes metodologias mostra que a educação
contribui para melhorar os nı́veis de saúde de uma determinada população. Nı́veis mais elevados
de escolaridade materna reduzem as taxas de mortalidade infantil. A educação concorre também
para reduzir a criminalidade. Todos esses benefı́cios indiretos da educação, por não serem
apreçados pelo mercado, não são computados nos benefı́cios privados. Portanto, os benefı́cios
sociais são superiores aos benefı́cios privados, que incluem apenas as vantagens pessoais da
educação, como por exemplo, os salários obtidos em função do nı́vel de escolaridade.
Os produtores podem causar externalidades sobre consumidores e vice-versa. Assim,
por exemplo, a poluição provocada pela indústria de cobre aumenta a incidência de tuberculose
entre a população. Também, os fumantes contribuem para a disseminação de doenças entre
os não fumantes (fumantes passivos); nesse caso, temos a geração de externalidades entre
consumidores. Por fim, o uso de automóveis privados congestiona o tráfego e contribui para
reduzir a velocidade do transporte de mercadorias e, portanto, representa um exemplo de custos
externos para os produtores, gerados pelos condutores.

146
Externalidades

As externalidades levam os agentes que não estão envolvidos em sua geração a usarem
recursos para corrigir os efeitos dos custos (benefı́cios) externos, o que leva a distorções na
alocação de recursos. Assim, por exemplo, os custos de internações hospitalares, decorrentes
de doenças relacionadas à poluição, embora representem, efetivamente, gastos para os doentes,
não são contabilizados nos custos da empresa de fundição de cobre. Ou ainda, os inúmeros
benefı́cios para a humanidade decorrentes da descoberta da vacina contra a poliomielite, não
são inteiramente apropriados, pelo seu inventor, o cientista Albert Sabin, e dificilmente podem
ser apreçados.

10.1 Externalidades no Consumo e na Produção


Considere o caso do agente i. Na ausência de externalidades, a sua função de utilidade depende
unicamente de seu próprio consumo, isto é, ui = ui (xi ). Porém, quando existem externalidades
no consumo, a função de utilidade do i-ésimo consumidor é também influenciada pelo consumo
dos demais agentes. Essa função torna-se, então:

ui (x1 , . . . , xi , . . . , xI ). (10.1)
Neste tipo de economia, ignorar os efeitos externos viola a condição de eficiência pare-
tiana. Para facilitar a exposição, o modelo com dois bens bens (x, y) e dois indivı́duos (A, B)
será utilizado. Suponha que o consumo do bem x seja o causador das externalidades, isto é:

uA = uA (xA , xB , yA ) ; uB = uB (xA , xB , yB ) (10.2)


com uA e uB estritamente crescente em xA e xB , isto é:
∂uA ∂uB
> 0; >0
∂xA ∂xB
∂uA ∂uB
R 0; R0
∂xB ∂xA
O problema do consumidor pode ser expresso como:

max uB (xA , xB , yA )
x∈<4++

s.a. xA + xB 6 ex
yA + yB 6 ey
uA (xA , xB , yA ) > uA (xA , xB , yA )

As condições de 1a ordem de Kuhn-Tucker são:


∂L ∂uB ∂uA
= +η − λx = 0 (10.3)
∂xA ∂xA ∂xA
∂L ∂uB ∂uA
= +η − λx = 0 (10.4)
∂xB ∂xB ∂xB
∂L ∂uA
= −λy + η =0 (10.5)
∂yA ∂yA
∂L ∂uB
= − λy = 0 (10.6)
∂yB ∂yB
∂L
= ex − xA − xB > 0; λx > 0; λx (ex − xA − xB ) = 0 (10.7)
∂λx

147
Externalidades

∂L
= ey − yA − yB > 0; λy > 0; λy (ey − yA − yB ) = 0 (10.8)
∂λy
∂L
= uA − uA > 0; η > 0; η(uA − uA ) = 0 (10.9)
∂η
Usando a expressão 10.6 temos que:
∂uB
λy = > 0 ∴ λy > 0 =⇒ ey = yA + yB (10.10)
∂yB
Como esperado, não ocorre destruição do bem y, já que ele não gera externalidades ne-
gativas. Combinando as expressões 10.5 e 10.6, podemos mostrar que η > 0, já que corresponde
à razão entre duas utilidades marginais, por hipótese, positivas:

∂uB ∂uA
η= (10.11)
∂yB ∂yA
Dividindo-se a equação (10.3) pela equação (10.5) e usando (10.10) e (10.11):
  
∂uB ∂uB ∂uA ∂uA
+
λx ∂xA ∂yB ∂yA ∂xA
=   (10.12)
λy ∂uB ∂uA ∂uA
∂yB ∂yA ∂yA
De forma análoga, usando (10.4), (10.6), (10.10) e (10.11):
  
∂uB ∂uB ∂uA ∂uA
+
λx ∂xB ∂yB ∂yA ∂xB
= (10.13)
λy ∂uB
∂yB

Igualando-se as expressões (10.12) e (10.13) e rearrumando-se os termos, podemos esta-


belecer as condições de eficiência em presença de externalidades:
∂uA ∂uB ∂uB ∂uA
∂xA ∂xA ∂xB ∂xB
+ = + (10.14a)
∂uA ∂uB ∂uB ∂uA
∂yA ∂yB ∂yB ∂yB
Para facilitar a interpretação em termos econômicos desta  condição, vamos utilizar o
∂ui ∂ui
conceito de taxa marginal de substituição. Lembrando que corresponde à taxa
∂xi ∂yi
marginal de substituição entre os bens y e x, a expressão acima reescreve-se como:
A A
T M SSy,x = T M Sy,x + EE B = T M Sy,x
B
+ EE A = T M SSy,x
B
(10.14b)
j
 j
∂u ∂u
Os termos EE i = correspondem aos efeitos da externalidade, para os consu-
∂xi ∂yj
midores i e j. Somando-se as taxas marginais de substituição individuais e os efeitos externos,
obtém-se as Taxas Marginais de Substituição Sociais (TMSS ), para os dois agentes. Além dos
benefı́cios privados, estas taxas incluem os efeitos externos, decorrentes do consumo do bem x.
Segue-se, pois, que a regra ótima para a alocação dos bens em presença de externalidades
i
requer a igualdade, não mais entre as T M Sy,x individuais, mas entre as T M SSy,x sociais, que
incorporam as externalidades. É fácil verificar que, neste caso, o equilı́brio competitivo não é,

148
Externalidades

em geral, Pareto-Eficiente. Usando-se as equações (10.3) e (10.4), podemos computar o valor


de η:
∂uB ∂uA ∂uB ∂uA
+η = +η (10.15a)
∂xB ∂xB ∂xA ∂xA
Resolvendo a expressão acima para η:
  
∂uB ∂uB ∂uA ∂uA
η= − − (10.15b)
∂xB ∂xA ∂xA ∂xB

Substituindo-se o valor de η na equação 10.2, obtém o valor de λx :


  
∂uA ∂uB ∂uA ∂uB ∂uA ∂uA
λx = − − (10.16)
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA ∂xA ∂xB
∂ui
Quando as externalidades são positivas ( ∂x j
> 0), verifica-se facilmente por meio da
equação 10.13 e 10.4 que λx > 0; de forma análoga, usando a equação 10.9, tem-se que λy > 0.
Nesse caso, as expressões c 10.12 e 10.13 determinam todas as alocações eficientes.
∂ui
Porém, em presença de externalidades negativas para os dois consumidores, ( ∂x j
< 0), o
sinal do multiplicador de Kuhn-Tucker, λx , pode ser indeterminado. Nesse caso, a expressão ??
não mais assegura que as condições marginais expressas em ?? conduzam à eficiência paretiana.
Para tal, é preciso considerar λx > 0, isto é:
A B
T M SSy,x = T M SS2,1 >0 (10.17)

Note-se que se a externalidade for negativa, o denominador 10.16 é sempre positivo.


Para garantir a condição 10.17, o numerador desta equação deve ser não negativo, isto é:
∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
> (10.18)
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
O termo da direita da expressão 10.18 corresponde ao benefı́cio marginal conjunto de
∂uA ∂uB
se consumir o bem x. é o custo marginal conjunto associado ao consumo do bem
∂xB ∂xA
x. As condições marginais de eficiência, neste caso, exigem que o beneficio marginal conjunto
associado ao consumo do bem gerador de externalidades negativas deve pelo menos igualar seus
custos marginais conjuntos. Pode-se, então redefinir as condições de eficiência como:
    
∂uA ∂uA ∂uB ∂ub ∂uB ∂uB ∂uA ∂uA
+ = + >0



 ∂xA ∂yA ∂xA ∂yb ∂xB ∂yB ∂xB ∂yB


yA + yb = ey ; xA + xB 6 ex (10.19)
  

 ∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
− [ex − xA − xB ] = 0


∂xA ∂xB ∂xB ∂xA

O sistema de equações 10.19 permite encontrar o consumo Pareto eficiente dos bens, em
presença de externalidades. As condições expressas neste sistema envolvem consideram três
diferentes situações, envolvendo o consumo do bem x:

Caso 1 - O benefı́cio marginal conjunto é superior ao custo marginal conjunto


∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
> (10.20)
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA

149
Externalidades

A B
Neste caso, T M SSy,x = T M SSy,x > 0. O multiplicador de Kuhn-Tucker λx é positivo.
λx > 0 implica xA + xB = ex ; não é pois, necessário destruir o bem x.

Caso 2 - O benefı́cio marginal conjunto é igual ao custo marginal conjunto


∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
= (10.21)
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
Isto implica que λx = 0. Consequentemente, as taxas marginais de substituição sociais
para os dois agentes são nulas. Se ex > xA + xB , pode ser necessário destruir o bem x. Porém,
mesmo neste caso, as alocações Pareto-eficientes podem ser obtidas substituindo-se yA +yB = ey
na equação 10.21. De fato, eliminando-se yB pode-se resolver para xA em termos de yA .

Caso 3 - O benefı́cio marginal conjunto é inferior ao custo marginal conjunto


∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
< (10.22)
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
i
para todas as alocações que satisfazem xA +xB = ex e yA +yB = ey . Nesse caso, as T M SSy,x ,i =
A, B podem ser negativas, resultando em ineficiência. Para atingir a alocação eficiente, deve-
se destruir o bem x. Os resultados apresentados nos casos 1 a 3, podem ser sumarizados na
seguinte proposição:

Proposição 6 Em uma economia de troca, supondo-se que as funções de utilidade são contı́nuas,
diferenciáveis e estritamente quase-côncavas, satisfazendo:

∂ui (.)
> 0, i = A, B
∂xi
tem-se que:
i
• Se as T M SSy,x são positivas nas alocações Pareto-eficientes, então, não é necessário
destruir o bem x para se atingir x∗ , a alocação Pareto-eficiente.
i
• Se as T M SSy,x são negativas para toda alocação satisfazendo xA +xB = ex e yA +yB = ey
torna-se necessário destruir a dotação do bem x para se atingir o seu consumo eficiente.
Isto é, x∗A + x∗B < ex , com x∗ é determinado por yA + yB = ey .

Com base na Proposição 1 é possı́vel definir as condições suficientes para a destruição


do bem x, para qualquer alocação (xA , yA , xB , yB ):

Destruição do bem x: condição suficiente


A B

T M SSy,x = T M SSy,x ∂u ∂u
A B ∂uA ∂uB
xA + xB = e x <
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
yA + yB = ey

Não destruição do bem x: condição suficiente


A B

T M SSy,x = T M SSy,x ∂u ∂u
A B ∂uA ∂uB
xA + xB 6 e x >
∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
yA + yB = ey

150
Externalidades

Exemplo 10.1 Considere a economia, definida pelas seguintes relações:



ui (xA , xB , yi ) = yi xi − xj , i ∈ {A, B}, i 6= j

Existe destruição de bens nesta economia?

Solução A condição de eficiência social requer o cômputo dos efeitos externos e das taxas
marginais de substituição individuais:
  1/2 r
∂uA ∂uA −1 yA yA
= 1/2 −1/2
= −2 = −2
∂xB ∂xA (1/2)xA yA xA xA
 r
∂uB ∂uB yB A yA B yB
= −2 ; T M Sy,x = ; T M Sy,x =
∂xA ∂xB xB xA xB
Combinando as expressões acima, tem-se que:
r r
yA yB yB yA
−2 = −2 (10.23)
xA xB xB xA
Rearrumando os termos e somando 1 em ambos os lados, tem-se que::
r r r 2 r 2
yA yA yB yB yA yB
+2 +1= +2 + 1 =⇒ +1 = +1 (10.24)
xA xA xB xB xA xB

De (10.24) segue-se que:


yA yB
= (10.25)
xA xB
Definindo x = xA + xB e ey = yA + yB , a expressão (10.25) rescreve-se como:

yA ey − yA
= (10.26)
xA x − xA
yA ey
= (10.27)
xA x
Os benefı́cios marginais sociais(Bmg S ) derivados da produção de x são dados pela ex-
pressão abaixo:
   r r 
S ∂uA ∂uB 1 −1/2 1/2 1 −1/2 1/2 1 yA yB
Bmg = = xA y A xB y B = (10.28)
∂xA ∂xB 2 2 4 xA xB

O custo marginal social (Cmg S ) decorrente da produção do bem x é dado pela equação
10.29
∂uB ∂uA
Cmg S = = (−1)(−1) = 1 (10.29)
∂xA ∂xB
Podemos agora comparar as expressões 10.28 e 10.29. No ótimo social, o custo marginal
social iguala-se ao benefı́cio marginal social. Isto implica que:
r r
1 yA yB
=1
4 xA xB

Usando (10.29), a expressão acima escreve-se como:


r r
1 ey ey ey
= 1 =⇒ =1
4 x x 4x

151
Externalidades

Segue-se, pois, que o ponto crı́tico de x = e4y (ponto crı́tico de x). Nesse caso, as
TMSS são nulas e pode haver destruição do bem x. Para ex > x, o benefı́cio marginal social é:
r r r r
1 yA yB 1 ey ey ey ∂uA ∂uB ∂uA ∂uB
= = <1 =⇒ <
4 xA xB 4 x x 4x ∂xA ∂xB ∂xB ∂xA
Portanto, ocorre destruição do bem x. .

Exemplo 10.2 Na turma de Microeconomia II, o número de alunos (I) varia a cada semestre.
h2
Nesta disciplina, cada aluno estuda hi horas, o que gera uma desutilidade de 2i . A aprendizagem
no curso depende não somente P do resultado do aluno, mas também do desempenho da classe,
isto é u( hhi ), ∀i ∈ I, onde h = I1 Ii=1 hi . A função ui (.) é crescente e côncava.
i. Calcule o equilı́brio de Nash simétrico;

ii. Compute o nı́vel de esforço eficiente no sentido de Pareto;

iii. Explique porque o equilı́brio de Nash simétrico envolve um esforço maior quando comparado
com o exigido na solução socialmente ótima.

Solução: No equilı́brio de Nash,


P ca aluno maximiza sua utilidade sujeito às ações dos demais
1
estudantes. Definindo-se H = j6=i hj , tem-se que h = I [hi + H], o problema do i-ésimo aluno
é:

h2i h2i
   
i i hi hi
max U (h , h−i ) = u − =u 1 −
h h 2 [h + H]
I i
2
A condição de primeira ordem exige que:
" #  
hi
∂U h − I 0 hi
= 2 u − hi = 0 (10.30)
∂hi h h
No equilı́brio simétrico, hi = hj = h, ∀i, j e H = (I − 1)h. Tem-se, então que:
" # 
1 h


I
(Ih) I 0 h
1 u 1 −h=0 (10.31)
I
(Ih) I
Ih

Rearrumando-se os termos, a expressão acima reescreve-se como:


I −1 0 0 ih2
u (1) − h = 0 =⇒ u (1) = (10.32)
Ih I −1
A solução da expressão acima, nos dá o nı́vel de h no equilı́brio de Nash. A solução pareto
eficiente requer a maximização da soma das utilidades no equilı́brio simétrico. O problema da
sociedade é:
I  
X
i h
max U (h) = IU = I u(1) −
h
i=1
2
A derivada de Iu em relação à h é:
∂(IU )
= −h < 0 (10.33)
∂h
Como esta derivada é negativa, o nı́vel de esforço socialmente ótimo é h = zero. Note-se
que o esforço socialmente ótimo é inferior ao exigido pelo equilı́brio de Nash. Isto ocorre porque

152
Externalidades

se um aluno se esforça mais do que a média da classe, ele obtém um ganho de utilidade; porém,
ao elevar seu esforço, ele também aumenta a média e seu custo, o que reduz sua utilidade.
Assim, se todos os alunos elevarem seu esforço, no final todos perderão. Segue-se, pois, que o
nı́vel socialmente ótimo de esforço é zero. Este exemplo ilustra o caso de um jogo de competição
destrutivarat race.

Exemplo 10.3 Externalidades positivas Considere duas cidades vizinhas que devem escolher
conjuntamente os recursos utilizados (ri ), na manutenção de um colégio intermunicipal que
atende alunos das duas cidades. O benefı́cio lı́quido deste colégio e o beneficio médio são
dados, respectivamente, pelas expressões abaixo:

i i j rj
i ri
π (r , r ) = ri [10 − r + ] − (10.34)
2 2
j
i r
πm (ri , rj ) = [10 − ri + ] (10.35)
2
O custo marginal por real utilizado é igual à 1/2. O benefı́cio médio do colégio é crescente
i
em r

10.1.1 Externalidades na Produção


Considere duas empresas que produzem dois bens x e y. A firma 1 produz o bem x e a firma 2,
o bem y. A produção do bem x gera a externalidade, z(x). As funções de custos cx (x) e cy (y)
são convexas e estritamente crescentes. Neste caso, tem-se que:
∂cx (x) ∂cy (y)
= c0x (x) > 0; = c0y (y) > 0
∂x ∂y
Na ausência de externalidade, os lucros das firmas 1 e 2 são:
Π1 = px x − cx (x)
Π2 = py y − cy (y)
As condições de primeira ordem são:
∂Πx
= px − c0x (x) = 0 (10.1)
∂x
∂Πy
= py − c0y (y) = 0 (10.2)
∂y
As expressões acima implicam apreçamento ao custo marginal:

px = c0x (x) (10.3)


py = c0y (y) (10.4)

Porém, a produção socialmente eficiente deveria levar em conta o custo da externalidade


associada à produção do bem x, z(x). Nesse caso, o nı́vel eficiente pode ser encontrado como
solução do seguinte problema.

max px x + py y − cx (x) − z(x) − cy (y)


x,y

A condição de primeira ordem é para este problema é:


∂Π ∂z(x)
= px − c0x (x) − z 0 (x) = 0; z 0 (x) =
∂x ∂x
153
Externalidades

O novo preço do bem x inclui o dano causado pela externalidade:

px = c0x (x) + z 0 (x) (10.5)

A Figura 10.1 ilustra a superprodução do bem x que gera a externalidade negativa:

Figura 10.1: Equilı́brio Socialmente Eficiente

Nesta figura, xc representa a solução de mercado para a produção do bem x. O equilı́brio


pareto-eficiente requer que o nı́vel de produção do bem x seja igual à x∗ , inferior à xc . No
equilı́brio socialmente ótimo, o benefı́cio marginal de se produzir o bem x deve ser igual ao seu
0 0
custo marginal social, isto é, px = c (x) + z (x).

Exemplo 10.4 Considere uma economia com duas firmas, cada uma produzindo um bem a
partir de um recurso não produzido, z, de forma que:
√ √
x = z; y = max( Z − z − αx, 0) (10.6)

Z representa os recursos totais, x, y correspondem, respectivamente, à produção da firma 1 e


da firma 2, z é a quantidade de recurso usado na produção do bem x e α é um parâmetro.

1. O que ocorre neste modelo? O modelo apresenta externalidades negativas da produção do


bem x sobre a produção do bem y.

2. Supondo que Z = 25 e α = 0, 5, derive a fronteira de possibilidades de produção

3. Supondo que os consumidores são idênticos, derive o mapa de indiferença para o qual a
alocação eficiente em um pseudo mercado para externalidades.

4. Descreva o papel do parâmetro α na respostas anteriores.

Solução A CPP é:


x2 + (y 2 + 0, 5x)2 = 25 y ≥ 0; (10.7)
Graficamente:

154
Externalidades

Figura 10.2: Fronteira de Possibilidades de Produção

Exemplo 10.5 Considere uma economia com duas firmas que produzem um produto homogêneo.
A tecnologia das firmas 1 e 2 é sumariada nas seguintes funções de custo:

c1 (q1 , q2 ) = 2q12 + 5q1 + q2


c2 (q2 , q1 ) = q22 + 3q2 + q1

onde qj , j = 1, 2 é a quantidade produzida pela j-ésima firma. A função de demanda de mercado


inversa é dada pela expressão p(q1 + q2 ) = p(Q) = 34 − Q, onde Q é a produção agregada.
Compute o equilı́brio não regulado desta economia e mostre de que forma o resultado será
alterado, caso ha uma fusão das duas firmas. Compare o excedente do consumidor, lucros e
bem-estar nos dois casos.

Solução

10.2 O Problema dos Recursos Comunitários


”The essence of dramatic tragedy is not unhappiness. It resides in the solemnity
of the remorseless working of things’s”

A Whitehead,apud G. Hardin, 1968

Um caso particular de externalidades é aquele que envolve os recursos comunitários, cuja propri-
edade não é individualizada. Desde o artigo seminal de Harding(1968)1 , a sobre utilização destes
recursos vem sendo amplamente discutida, tanto na academia como na esfera governamental.
Na raiz do problema, encontra-se a ausência de direitos de propriedade bem estabelecidos que
impede a exclusão, embora tais recursos sejam rivais. A impossibilidade de exclusão faz com
que os agentes não levem em conta todos os custos e benefı́cios derivados da apropriação dos
recursos comunitários. Portanto, eles não têm incentivos para usá-los de forma eficiente. A
propriedade conjunta dos recursos comunitários conduz, pois, ao seu uso indiscriminado.
Um exemplo clássico desse problema é o caso das aves silvestres ameaçadas de extinção,
em razão da caça predatória no passado. Para um caçador individual é vantajoso prender
um desses animais, cujo preço de venda é elevado. Porém, se todos assim o fizerem, este
1
Hardin, G. The tragedy of commons, Science 13, 1968.

155
Externalidades

procedimento reduzirá o número de pássaros podendo, inclusive, levar a extinção da espécie.


Por outro lado, não adianta muito se um só caçador resolver poupá-los porque um pássaro
que ele não captura será pego por outro caçador e, portanto, o benefı́cio para a sociedade será
ı́nfimo.
Nesta situação, torna-se evidente o conflito entre interesses públicos e privados. Para o
caçador, o benefı́cio marginal privado (preço de mercado da ave) é superior ao benefı́cio marginal
social (que deveria descontar o impacto de sua caça sobre o futuro da espécie). Enquanto
perdurar esta diferença, vale a pena elevar o número de aves apreendidas. No final, o número
de aves capturadas será superior ao que seria eficiente, do ponto de vista da sociedade.
Formalmente, esse problema pode ser representado por meio de um modelo simples.
Considere que a apropriação dos recursos comunitários, feita por N firmas, seja xn ≥ 0, com
N = (1, 2, . . . , n, . . . N ). O lucro da enésima firma é dado pela seguinte expressão:

Πn (xn , x−n ) = p(x)xn − c(xn , x−n ) (10.8)


X
x−n = xk (10.9)
k6=n

p(x) e x = xn + x−n são, respectivamente, a curva de demanda inversa e a produção agregada


0 0 00
do recurso, com ∂p(x)
∂x
= p (x). A lei da demanda implica p (x) < 0 e p (x) ≥ 0. Os custos de
apropriação para cada empresa, c(xn , x−n ), dependem tanto da seu nı́vel de produção, como
também do output das firmas rivais. Os custos são crescentes e convexos em xn . Os custos
marginais são crescentes tanto em xn com na apropriação das demais empresas (x−n ).

∂c(xn , x−n ) ∂ 2 c(.)


> 0; ≥0
∂xn ∂x2n
∂c(xn , x−n ) ∂ 2 c(.)
> 0; ≥ 0, ∀k 6= n.
∂xk ∂xn ∂xk
Os custos marginais crescentes com respeito à xk , ∀k 6= n, decorrem da rivalidade no
consumo que caracteriza estes recursos: a sua utilização pelas firmas rivais pressiona para cima
os custos em razão do aumento da escassez. No exemplo anterior, quanto mais mais aves
silvestres forem caçadas, mais difı́cil será a sua captura para um caçador individual e, portanto,
maiores serão os custos de captura para este agente.

10.2.1 Equilı́brio de mercado


Suponha que cada empresa escolhe o nı́vel de apropriação que maximiza seus lucros, sem levar
a conta a apropriação dos rivais. As condições de primeira ordem exigem que a receita marginal
iguale-se ao custo marginal, isto é:
0 ∂c(xn , x−n )
p(x) + p (x)xn = (10.10)
∂xn
Resolvendo-se a expressão acima para xn , obtém-se as funções de reação da firma
xn (x−n ), que correspondem a sua melhor resposta quando a apropriação dos seus rivais é x−n .
Um exemplo simples permite visualizar estas funções.

Exemplo 10.6 Considere o problema da aves silvestres descrito anteriormente. Seja p(x) =
a − bx, com a, b > 0, preço de mercado dessas aves. Suponha que a função de custo da captura
seja c(xn , x−n ) = cxn (1 + αx−n ), com c > 0, α ≥ 0. Encontre o nı́vel ótimo de captura, quando
os efeitos externos não são considerados.

156
Externalidades

Solução A maximização dos lucros do caçador n requer que:

a − b(xn + x−n ) − bxn = c(1 + αx−n )

Resolvendo-se a expressão acima para xn , a função de reação do caçador n é dada pela


seguinte expressão:
a − c b + cα
xn (x−n ) = − x−n (10.11)
2b 2b
A rivalidade no consumo faz com que o nı́vel ótimo de captura, xn , seja inversamente
relacionado com o dos demais caçadores, x−n . Os nı́veis de captura xn e x−n são, pois substi-
tutos. Para α = 0, a função de reação de n coincide com a solução do modelo de Cournot. No
equilı́brio simétrico, onde xn = xk , ∀k, n, a equação 10.11 reescreve-se como:
a − c b + cα
xn = − (N − 1)xn (10.12)
2b 2b
Rearrumando-se os termos, tem-se que:
a−c
xM = xM
n = (10.13)
(N + 1)b + cα(N − 1)
A expressão acima mostra que o número de caçadores afeta negativamente a apreensão
das aves silvestre pelo pelo enésimo caçador, indicando substituição entre caçadores. Além
disso, quanto maior for a externalidade, mensurada pelo parâmetro α, menor será a captura do
referido caçador.

10.2.2 Apropriação socialmente ótima


Do ponto de vista da coletividade - e mesmo dos apropriadores como um grupo - a estratégia
ótima seria limitar a utilização dos recursos comunitários para garantir, assim, a eficiência no seu
uso. Para tal, a decisão de explorar os recursos comunitárias deve ser tomada conjuntamente,
reconhecendo as interindependências que envolvem a produção e os custos destes recursos.
Nesta concepção, os agentes maximizam os lucros (payoffs) conjuntos, isto é:
N
X N
X
max p(x)x − c(xn , x−n ), x= xn
xn
n=1 n=1

As condições de primeira ordem para este problema são:


" #
∂p(x) ∂x(.) X ∂x(.) ∂c(xn , x−n ) X ∂c(xk , x−k )
+ p(x) + = +
∂x ∂xn k6=n
∂xk ∂xn k6=n
∂xn

A expressão acima rescreve-se como:


0 0 0
X ∂c(xn , x−n ) X ∂c(xk , x−k )
p (x∗ ) + p (x∗ )xn + p (x∗ ) xk = + (10.14)
k6=n
∂xn k6=n
∂xn

A expressão 10.14 mostra que a receita marginal agregada deve ser igual ao custo margi-
nal agregado. Note-se, que esta agregação leva em conta o fato de que uma maior apropriação
por parte da enésima firma reduz a receita marginal e eleva os custos das demais empresas.
Subtraindo-se da equação 10.19, a expressão 10.14, tem-se que:
0
X X ∂c(xk , x−k )
− p (x∗ ) xk + >0 (10.15)
k6=n k6=n
∂xn

157
Externalidades

0
Lembrando que p (x) < 0 e os custos são crescentes em xn , a expressão acima é positiva
indicando, assim, que o equilı́brio de mercado conduz à apropriação excessiva do recurso x.
Esse resultado, conhecido como a Tragédia dos Recursos Comunitários, tem ampla aplicação
em várias áreas da economia, particularmente, na economia pública. Note-se que a expressão

acima permite considerar diferentes estruturas de mercado. Assim, por exemplo, para xM n > xn ,
supondo-se que a lei da demanda se aplica e a apropriação da firma n não alterar os custos das
outras firmas, temos o resultado clássico do cartel, no qual as firmas determinam conjuntamente
a produção de cada uma delas. A equação 10.15 torna-se, então:
0
X
− p (x∗ ) xk > 0 (10.16)
k6=n

No outro extremo, suponha que o mercado dos recursos comunitários é competitivo. As


0
firmas são tomadoras de preços, portanto, p (x∗ ) = 0. Prevalecendo xM ∗
n > xn , a expressão 10.15
reescreve-se como:
X ∂c(xk , x−k )
>0 (10.17)
k6=n
∂x n

A implantação da solução eficiente requer o restabelecimento dos direitos de propriedade.


Para tal, é preciso que o governo atue como proprietário dos recursos comunitários e, por meio
de esquemas regulatórios, corrija o sobreuso destes recursos.

Exemplo 10.7 Continuando o exemplo anterior, compute o nı́vel de captura socialmente


ótimo.

Solução Vamos supor que a comunidade deseja maximizar os lucros agregados. Neste caso, o
nı́vel socialmente ótimo de apropriação dos recursos corresponde à solução do seguinte problema:
" N
# N N
X X X
max Π = a − b( xn ) xn − c (1 + αxn ) (10.18)
xn ,xk
n=1 n=1 n=1

O lucro agregado pode ser reescrito como:

Π(xn , x−n ) = a[xn + x−n ] − b[xn + x−n ]2 − c[xn (1 + αx−n ) + x−n (1 + αxn )]
= a[xn + x−n ] − b[xn + x−n ]2 − c[xn + x−n + 2αxn x−n ]

As condições de primeira ordem para a maximização de Π com respeito à xi é a seguinte:


∂Π
= a − 2(xj + x−j ) − c[1 + 2αx−n ] ≤ 0
∂xn
Supondo-se que existe uma solução interior para este problema e resolvendo-se a ex-
pressão acima para x1 , . . . , xN , obtém-se as funções de reação socialmente ótimas:
a − c [2(cα + b)]
x1 = − x−1
2b 2b
..
.
a − c [2(cα + b)]
xn = − x−n
2b 2b
..
.
a − c [2(cα + b)]
xN = − x−N
2b 2b
158
Externalidades

No equilı́brio simétrico, xn = x−n , ∀n ∈ N , a solução eficiente corresponde à:

2(cα + b) a−c
xn [1 + (N − 1)] =
2b 2b
xn [2b + 2(cα + b)(N − 1)] =a − c
a−c
xn =
2b + 2(cα + b)(N − 1)

Rearrumando os termos, a apropriação socialmente ótima no equilı́brio simétrico (x =


xn ) é:
a−c
x∗ = x∗n = (10.19)
2[bN + cα](N − 1)
Vamos, agora comparar o nı́vel de apropriação produzido pelo mercado (equação 10.13)
com o nı́vel socialmente ótimo, expresso pela equação 10.19. Como os numeradores destas
expressões são iguais à (a − c), resta comparar os seus respectivos denominadores. Neste caso,
tem-se que:

dif = [(N + 1)b + (N − 1)cα] − [2(bN + cα(N − 1))]


= (1 − N )b + cα(1 − N )
= (1 − N )[b + cα] < 0

A expressão acima é negativa para N > 1. O denominador da solução individual


(equação 10.13) é inferior ao denominador do nı́vel ótimo de apropriação. Consequentemente,
xM > x∗ , comprovando, assim, a sobre utilização dos recursos comunitários, quando sua ex-
ploração se faz de forma não cooperativa, ignorando a rivalidade no consumo.

Exemplo 10.8 Seja uma economia com J ≥ 2 firmas. Estas firmas, que exploram um recurso
comunitário, confrontam-se com a seguinte função de demanda de mercado p(Q) = 1 − Q,
onde Q = q1 + q2 + . . . + qJ representa a produção total. A função de custos da firma j é
c(qj , q−j ) = θqj2 , com θ ≥ 1. As empresas desejam maximizar seus lucros.

1. Compute a função de reação da j-ésima firma.

2. O que ocorrerá se a apropriação da recursos comunitário for feita por uma única firma?

3. Calcule o equilı́brio simétrico - produção, lucros e o número ótimo de firmas - e compare-o


com o equilı́brio pareto eficiente.

Solução: O problema da j-ésima firma é:

max [(1 − qj − q−j )qj − θqj2 ] (10.20)


qj
P
onde q−j = k6=j qk . A condição de primeira ordem para este problema é:

1 − 2(1 + θ)qj − q−j = 0 (10.21)

Rearrumando-se os termos da expressão acima, encontra-se a função de reação da j-ésima


firma:
1 1
qj = − q−j (10.22)
2(1 + θ) 2(1 + θ)

159
Externalidades

Se a firma j for a única firma no mercado (q−j = 0), o nı́vel ótimo de qj será igual à:

1
qj = (10.23)
2(1 + θ)

No equilı́brio simétrico, qj = qk = q, ∀j, k. Neste caso, a equação 10.22 torna-se:

1 J −1
q= − q (10.24)
2(1 + θ) 2(1 + θ)

Resolvendo-se a expressão acima para q, tem-se que:


1
q= (10.25)
J + 1 + 2θ
J
Q = Jq = (10.26)
J + 1 + 2θ
Verifica-se, facilmente, que os lucros associados ao equilı́brio simétrico - tanto da j-ésima
firma como do conjunto da economia - são iguais à:
1+θ
πj (q) = [(1 − Jq)q − θq 2 ] = (10.27)
(J + 1 + 2θ)2
(1 + θ)J
Π(J) = (10.28)
(J + 1 + 2θ)2

Resta agora computar o número ótimo de firmas. Maximizando-se o lucro agregado com
respeito à J, tem-se que:
∂Π (1 + θ)[1 + 2θ − J]
= =0 (10.29)
∂J [J + 1 + 2θ]3
Resolvendo-se a expressão acima para J, tem -se que:

J = 1 + 2θ (10.30)

Como trata-se de um recurso comunitário, a exploração excessiva que ocorre na solução


de mercado gera um dano ambiental. Suponha que este dano pode ser representado pela função
convexa abaixo:
D = dQ2
No equilı́brio pareto eficiente, o problema da sociedade é:
" J
# J J
" J
#2
X X X X
max Π= 1− qj qj − θqj2 − d qj (10.31)
qj ,q−j
j=1 j=1 j=1 j=1

A expressão acima pode anda ser reescrita como:

max Π = [1 − (qj + q−j )][qj + q−j ] − θ(qj + q−j )2 − d[qj + q−j ]2 (10.32)
qj ,q−j

A condição de primeira ordem para a maximização dos lucros é dada pela seguinte
expressão:
∂Π
=0 (10.33)
∂qj

160
Externalidades

10.3 Internalização das Externalidades


A análise desenvolvida nas seções anteriores aponta para a existência de distorções na alocação
de recursos que geram ineficiências tanto na produção como no consumo. Faz-se, pois, necessário
implementar mecanismos capazes de corrigir tais externalidades. Essas soluções podem ser
públicas e privadas e implicam, no jargão dos economistas, a internalizar as externalidades.
No que se segue discutiremos, em detalhes, as diferentes soluções privadas e públicas - para o
problema.

10.3.1 Impostos pigouvianos (corretivos)


Pigou (1920) propôs um esquema para controlar as externalidades negativas (positivas) me-
diante o uso de impostos (subsı́dios) marginais iguais aos danos (benefı́cios) externos. Ao
transferir o ônus (bônus) para os agentes causadores das externalidades negativas (positivas),
os impostos corretivos pigouvianos permitem a internalização das externalidades induzindo,
assim, comportamentos eficientes no sentido de Pareto.
Considere t, a alı́quota tributária incidente sobre a produção de x. Nesse caso, os lucros
para a Firma 1 redefimem-se como :

Πx = px x − cx (x) − tx

Nesse caso, o problema da firma 1 torna-se:

max Πx = px x − cx (x) − tx

As condições de primeira ordem para a maximização de lucros são:


∂Πx
= px − c0x (x) − t = 0
∂x
Fixando t = z 0 (x), a expressão acima torna-se, então:

px = c0x (x) + z 0 (x) (10.33a)

Na expressão acima, o benefı́cio marginal iguala-se ao custo marginal social que inclui,
além dos custos marginais privados, o custo da externalidade, z 0 (x). Restaura-se, assim, a
condição de eficiência social, apresentada na equação 10.5.

Exemplo 10.9 Imposto pigouviano sobre o consumo Considere uma economia com dois con-
sumidores - Andrômaca e Céfisa - cujas preferências são representadas pelas seguintes funções
de utilidade:
1 1
uA = log(xA ) + y A − log(xC ); uC = log(xC ) + y A C − log(xC );
2 2
O consumo do bem x gera externalidades negativas para ambos os consumidores, cujas rendas
são idênticas e iguais a M . Suponha, ainda, que os preços dos bens x e y são normalizados a
unidade.

i. Compute o equilı́brio na ausência de regulação;

ii. Mostre que no ótimo social, quando a função de bem-estar é utilitarista, (xA A
1 , x2 , ) =
1 1
(2, M − 2)

161
Externalidades

iii. Mostre que o ótimo social computado no item anterior pode ser atingindo mediante o uso
de um imposto t sobre cada unidade consumida do bem 1.

iv. Comparando os resultados acima, mostre que t = 1

Solução: Andrômaca maximiza sua utilidade levando em conta a sua restrição orçamentária.
O Lagrangeano associado a este problema é:
1
L = log(xA ) + y A − log(xC ) − λA [xA + y A − M ] (10.34)
2
As condições de primeira ordem são:
∂L 1 ∂L 1 ∂L
A
= A − λA = 0; A
= A − λA = 0; =0 (10.35)
∂x x ∂y y ∂λ

Resolvendo as expressões acima, tem-se que xA = 1; y A = M − 1; Procedendo-se, de


forma análoga para Céfisa, obtém-se xB = 1; y B = M − 1.
A solução socialmente eficiente exige que as externalidades sejam incorporadas no pro-
blema dos consumidores. Isto pode ser feito maximizando-se a função de bem-estar Benthamita
sujeita às restrições orçamentárias individuais. O Lagrangeano associado a este problema é:

L = uA + uB − λA [xA + y A − M ] − λC [xC + y C − M ]
1 1
= log(xA ) + y A − log(xC ) + log(xC ) + y C − log(xA )
2 2
A A A C C C
−λ [x + y − M ] − λ [x + y − M ]

Rearrumando os termos, a expressão acima torna-se:


1 1
L = log(xA ) + y A + log(xC ) + y C − λA [xA + y A − M ] − λC [xC + y C − M ]
2 2
As condições de primeira ordem implicam xA = xB = 12 ; y A = y B = M − 21 . Conforme
esperado, o consumo socialmente ótimo do bem x é inferior ao que seria obtido, ignorando-se
as externalidades negativas.
Impondo-se um imposto pigouviano, t, sobre o consumo do bem x, o problema do con-
sumidor torna-se, então:
1
max uA = log(xA ) + y A − log(xC ) s.a (1 + tx )xA + y A = M
xA 2
As condições de primeira ordem implicam que:
∂L 1
= − λA (1 + tA ) = 0 (10.36)
∂xA xA
∂L 1
= − λA = 0 (10.37)
∂y A yA
∂L
= [1 + tA ]xA + y A − M = 0 (10.38)
∂λA
Resolvendo-se, simultaneamente, as equações 10.36, tem-se o consumo ótimo de Andrômaca.
Procedendo de forma análoga para Céfisa, tem-se que:
1
xA = ; yA = M − 1 (10.39)
1 + tx

162
Externalidades

1
xC = ; yC = M − 1 (10.40)
1 + tx
Podemos, agora, calcular o imposto tx corretivo que permita restaurar a eficiência nesta
economia. Para tal, tx deve ser fixado de modo a garantir que a produção do bem x = xso , isto
é:
1 1 1 1
xA = = ; xC = = ; (10.41)
1 + tx 2 1 + tx 2
Verifica-se, facilmente, que o imposto tx = 1.

O problema com a correção pigouviana advém do fato de que as autoridades fiscais não
conhecem o custo da externalidade z(x) para que possam igualá-la ao imposto ótimo. Trata-se,
pois, de um problema de informação privada. É preciso que se proponha incentivos que levem
a firma causadora das externalidades a revelar z(x) corretamente de sorte que a compensação
devida à firma prejudicada (beneficiada) pela externalidade seja t = z 0 (x).
Varian (1994) propôs um mecanismo de compensação em dois estágios 2 para induzir os
agentes a revelarem o verdadeiro custo (benefı́cio) externo, de sorte a restabelecer a eficiência
paretiana. No que se se segue, o mecanismo de compensação de Varian será descrito.

10.3.2 Mecanismo de Compensação de Varian


O mecanismo de Varian foi concebido no âmbito da Teoria dos Jogos, onde as firmas tomam
suas decisões com base em jogos dinâmicos. Como os demais mecanismos, ele consiste em um
espaço de estratégias para as J firmas, ζ = ζ1 × . . . × ζJ , e uma função de resultados, em nosso
caso a função de lucros. Considere o espaço de estratégias da firma 1, com ζ1 = (t1 , x1 ), onde t1
é o imposto pigouviano sobre a firma 1 que produz o bem x, sendo x1 é a produção sugerida do
bem x. A firma 2 procede de forma análoga, com ζ2 = (t2 , y2 ). O mecanismo em dois estágios
proposto por Varian envolve, no primeiro estágio, o anúncio dos impostos pigouvianos e no
segundo estágio a escolha do nı́vel de produção de x:

1. Estágio 1 - Anúncio das compensações marginais: as firmas 1 e 2 anunciam suas com-


pensações marginais t1 , t2 , não necessariamente eficientes.

2. Estágio 2 Escolha da produção do bem x: Se a firma 1 produz x unidades, ela deve pagar
t2 x para a firma 2. A firma 2 recebe da firma 1 t1 x como compensação pela produção de
x. A priori, não há nenhuma razão de se supor que as duas empresas avaliam os danos
(benefı́cios) marginais da mesma forma, sendo t1 x 6= t2 x.

Com o intuito de reduzir seus gastos, a firma 1, causadora da externalidade, tem interesse
em reduzir a compensação à ser paga para a empresa 2 pelo dano causado; seu pagamento
tende a ser inferior ao que seria eficiente. Ocorre o contrário com a empresa 2, prejudicada pela
produção de x: ela tende a maximizar seu dano para auferir uma compensação acima da que
seria eficiente.
Para evitar este tipo de comportamento, o mecanismo de Varian fixa uma penalidade a
ser paga pela empresa que sobrestimam (subestimam) o dano gerado. Torna-se, pois, necessário,
punir as empresas quando elas anunciam erroneamente as compensações marginais (t1 , t2 ). Esta
penalidade (P) baseia-se na diferença entre as compensações marginais anunciadas, t1 e t2 ,
respectivamente, pelas empresas 1 e 2:

P = (t1 − t2 )2 (10.42)
2
Varian, H. A Solution to the Problem of Externalities When Agents Are Well-Informed. The American
Economic Review 84, p. 1278-1293.

163
Externalidades

Os payoffs das duas firmas são dados pelas expressões 10.43 e 10.44:

Π1 = max px x − cx (x) − t2 x − (t1 − t2 )2 (10.43)


x
Π2 = max py y − cy (y) + t1 x − z(x) − (t1 − t2 )2 (10.44)
y

Como se trata de um jogo em dois estágios, podemos usar o conceito de Equilı́brio de


Nash Perfeito em Sub-Jogos (ENPS), isto é o equilı́brio no qual cada empresa leva em conta
os efeitos da decisão no primeiro estágio sobre os resultados do segundo estágio. Neste tipo de
jogo, as decisões são tomadas de trás para frente (backward induction). Começando o jogo pelo
segundo estágio, a firma 1 escolhe x(t2 ) de forma a satisfazer a condição de 1a ordem:

∂Π1
= px − c0x (x) − t2 = 0
∂x
Rearrumando a expressão acima, a firma 1 escolherá x(t2 ), fixando o preço do bem x ao
custo marginal social, que inclui o imposto pigouviano t2 :

px = c0x (x) + t2 (10.45)

Derivando (10.45) em relação à t2

∂c0x (x) ∂x ∂t2


+ =0
∂x ∂t2 ∂t2

Definindo ∂x
∂t2
= x0 (t2 ), tem-se que:

−1
x0 (t2 ) = <0
c00x (t2 )

Por convexidade estrita da função de custos, c00 (x) > 0. A firma 2 escolherá y de modo a
satisfazer py = c0 (y). Tendo escolhido x(t2 ), volta-se ao Estágio 1, no qual cada firma escolherá
t1 , t2 de modo a maximizar seus payoffs:

Firma 1: a Firma 1 escolhe t1 de forma a maximizar seu payoff, definido pela expressão
10.43. Para tal, ela resolve o seguinte problema:
max px x − cx (x) − t2 (x(t2 )) − (t1 − t2 )2
t1
A condição de primeira ordem exige que:

∂Π1
= 2(t1 − t2 ) = 0 =⇒ t1 = t2 (10.46)
∂t1 t2

Firma 2: o problema da Firma 2 é:

max py y − cy (y) + t1 (x(t2 )) − z(x(t2 )) − (t1 − t2 )2


t2

Da condição de 1a ordem segue-se que:

∂Π2 ∂x(t2 ) ∂z ∂x
= t1 − − 2(t1 − t2 )(−1) = 0
∂t2 ∂t2 ∂x ∂t2
t1 x0 (t2 ) − z 0 [x(t2 )]x0 (t2 ) + 2(t1 − t2 ) = 0
{t1 − z 0 [x(t2 )]}x0 (t2 ) + 2(t1 − t2 ) = 0

164
Externalidades

Combinando as equações 10.46 e ??, tem-se que:


 
0 −1
[t1 − z (x(t2 ))] 00 =0
c (x)

Como t∗ = t∗1 = t∗2 e lembrando que −1/c00 (x) < 0, a expressão acima reescreve-se como:

t∗ − z 0 (x(t2 )) = 0

E finalmente:
t∗ = z 0 (x(t2 )), com t∗ = t∗1 = t∗2 (10.47)
que é a condição de eficiência na produção. As firmas são levadas a declarar t1 e t2 de forma
a compensar exatamente as externalidades. Note-se que se a firma 1 não revelar o verdadeiro
custo que ela impõe à firma 2, será do interesse desta firma manipular o comportamento da
firma 1, não havendo, pois equilı́brio.
A interpretação deste resultado deve-se ao fato de que as firmas, no primeiro estágio,
anunciam os custos marginais da externalidade: a firma 1 baseia seu pagamento à firma 2, com
base no custo marginal que ela declara, t1 ; a firma 2, por sua vez, anuncia seu custo marginal
que servirá para fixar o imposto pigouviano, t2 sobre a firma 1. Um exemplo simples ilustra
este caso.
Suponha, inicialmente, que a firma 1 acredita que a firma 2 sobrestimará o dano sofrido
elevando t2 ; a firma 1 também reportará t1 elevado, em razão da penalidade se basear nas
diferenças entre as compensações devidas e exigidas. Porém, se a firma 2 pensar que a firma
1 irá declarar custos marginais elevados, ela será incentivada a tributar menos a firma 1 com
o intuito de elevar a produção do bem x e, consequentemente, seus ganhos, já que ela será
sobrecompensada. Esta compensação excessiva induzirá a firma 1 a produzir mais do bem x
e reduzir os custos marginais da externalidade, t1 . Porém isto contradiz a suposição inicial de
que a firma 1 imagina que a firma 2 irá sobre-estimar o dano causado pela produção do bem
x. Raciocı́nio análogo aplica-se ao caso em que supõe-se, primeiramente, que a firma 2 acredite
que a firma 1 subestimará t1 .
Em suma, no mecanismo de Varian, a existência de penalidades induz as firmas a sempre
declararem t1 e t2 idênticos, minimizando, assim, a penalidade. Segue-se, então, que o único
0
equilı́brio possı́vel é aquele no qual t1 = t2 = z (x), com penalidade nula.

10.4 Mercados Incompletos


Na visão de Arrow (1969), o problema das externalidades pode ser visto como um caso de
mercado incompleto, decorrente da dificuldade e/ou impossibilidade de apreçamento dos efeitos
externos. A mensuração destes efeitos teria de se fazer reconhecendo-se as interdependências
existentes diretamente nas funções de utilidade e/ou na funções de produção/custos.
Nesta linha de raciocı́nio, Heller e Starret (1976) definem externalidade como ”. . . nearly
synonymous of the nonexistence of markets” 3 . Nesta hipótese, acrescentar um mercado (mer-
cado de poluição, por exemplo) pode restaurar as condições de eficiência. Considere o caso da
firma 1, cujo processo de fabricação do bem x gera a externalidade z(x). Seja pz , o preço da
externalidade. Atribuindo-se os direitos de propriedade à firma 2 (não é permitido poluir), esta
firma vende à firma 1, direitos de poluição no valor de pz x1 Nesse caso, os lucros das firmas 1
e 2 são dados pelas seguintes expressões:
3
Heller, W. P. and Starrett, D. A., 1976. On the Nature of Externalities, in: Theory and Measurement of
Economic Externalities, New York: Academic Press.

165
Externalidades

Π1 = px x1 − pz x1 − c1 (x1 ) (10.48)
Π2 = py y + pz x2 − z2 (x2 ) − cy (y) (10.49)

As condições de primeira ordem garantem que:


∂Π1
= px − pz − c01 (x1 ) = 0 (10.50)
∂x1
∂Π2
= py − c0 (y) = 0 (10.51)
∂y
∂Π2
= pz − z20 (x2 ) = 0 (10.52)
∂x2
No equilı́brio de mercado, x∗ = x∗1 = x∗2 . Usando-se as equações 10.50 e 10.52, tem-se, então,
que:

px = c01 (x∗ ) + pz (10.53)


pz = z 0 (x∗ ) (10.54)

Combinando-se as expressões acima, tem-se que o preço do bem x é:

px = c0 (x∗ ) + z20 (x∗ ) (10.55)

que é a condição de ótimo social.

10.5 O Teorema de Coase


As externalidades proliferam, particularmente, em situações em que os direitos de propriedade
não estão bem estabelecidos. Esses direitos correspondem ao conjunto de normas ou regras
sociais (definidas legalmente, ou não) que restringem as ações individuais para preservar o bem-
estar da comunidade. A existência desse sistema de normas permite à parte lesada recorrer
ao sistema legal para obter compensação por danos causados por terceiros. Quanto mais bem
definidos forem esses direitos de propriedade, mais a comunidade estará protegida de eventuais
efeitos externos negativos. Assim, por exemplo, regras claramente estabelecidas na convenção
de condomı́nio dos edifı́cios residenciais com respeito ao uso de instrumentos musicais podem
proteger os moradores contra a atividade noturna de um enérgico e insone baterista, mesmo
talentoso.
Por outro lado, quando ninguém detém os direitos de propriedade, não existem incentivos
para os agentes econômicos adotarem comportamentos eficientes, já que não há como puni-los
pela adoção de atitudes predatórias. No exemplo anterior, uma convenção de condomı́nio
pouco clara no tocante ao sossego, deixaria os moradores sem talentos musicais à mercê do
jovem músico e/ou transformaria o condomı́nio em um mundo hobbesiano, em que somente os
mais violentos (ou os mais espertos) conseguiriam silenciar o importuno músico.
Neste contexto, a internalização das externalidades pode se fazer por meio da solução
proposta por Coase (1960)4 . O análise de Coase pode ser ilustrado da seguinte forma. Imagine
que ao viajar para Paris, a companhia área extravia sua bagagem e só a devolve no Brasil. Ao
fazê-lo, ela lhe impõe sérios inconvenientes (externalidades negativas). A convenção da IATA,
que rege os transportes aéreos internacionais, garante que a companhia aérea deve transportá-lo
e a sua bagagem, nos limites de peso previamente estabelecidos; os direitos de propriedades
4
Coase, R., 1960. The Theory of Social Costs

166
Externalidades

estão, pois, bem definidos. Cabe à companhia compensá-lo. A companhia área pode, inici-
almente, propor indenizá-lo como base no estipulado pela mesma convenção, que na maioria
dos casos, sequer repõe o valor do conteúdo da bagagem. Você decide não aceitar e faz uma
contraproposta: ela deve lhe reembolsar todas as despesas feitas em Paris para substituir o
conteúdo da mala e ainda lhe oferecer duas passagens de cortesia no mesmo trecho. Depois de
algum tempo de negociação o acordo é fechado, com apenas uma passagem de cortesia, além
do reembolso das compras realizadas para viabilizar sua estadia em Paris.
O exemplo acima é um caso onde o Teorema de Coase se aplica porque os custos de
transação são baixos, existem apenas duas partes envolvidas e os direitos de propriedade estão
claramente definidos. Os limites das soluções privadas anteriormente discutidas decorrem da
presença de vários fatores. Em particular, quando a externalidade envolve bens públicos puros,
a impossibilidade de exclusão (e sua indesejabilidade) exige a presença de uma força coercitiva
que possa assegurar a provisão do bem ou serviço em questão. Por outro lado, a ausência de
direitos de propriedade bem estabelecidos, como é o caso dos recursos comunitários - faz com
a solução privada não seja eficiente no sentido de Pareto justificando, assim, a intervenção do
estado. Por fim a existência de informação imperfeita e de custos de transação elevados pode,
também, inviabilizar a correção das externalidades sem passar pela intervenção do governo.

10.5.1 Eficiência e Neutralidade


Coase, em seu artigo seminal, argumentou que a negociação entre as partes envolvidas na
geração e consumo das externalidades poderia levar à uma solução eficiente, na qual o valor dos
ganhos marginais daqueles que causavam a externalidade igualavam-se às perdas marginais dos
indivı́duos prejudicados, sendo este resultado independentemente das regras legais vigentes com
respeito à atribuição dos direitos de propriedade. Ressalte-se que, em seu trabalho, Coase não
construiu nenhum modelo formal baseado em suposições explı́citas, limitando-se a dar exemplos
e oferecer insights teóricos, que seriam subsequentemente considerados pelos diversos autores
que exploraram o tema.
Stigler (1966)5 , sem oferecer uma prova formal, cunhou a expressão Teorema de Coase,
enfatizando dois aspectos das ideias de Coase. No primeiro, ele afirma que as negociações à
la Coase conduzem, sob determinadas condições, ao equilı́brio socialmente eficiente. Posterior-
mente, este resultado ficou conhecido como o Teorema da Eficiência de Coase.
Stigler destacou também o fato de que, no trabalho de Coase, o nı́vel ótimo de externa-
lidades não se altera, independentemente de que partes detenham os direitos de propriedade.
A suposta neutralidade de Coase foi amplamente discutida e daria origem ao Teorema da Neu-
tralidade de Coase demonstrado por Chipman e Tian (2012)6 .
Hurwicz (1995) foi o primeiro a formalizar o Teorema de Coase7 , particularmente, no que
diz respeito ao fenômeno de independência, como este autor se referia à hipótese de neutralidade
de Coase. A análise de Hurwicz, centrada no tipo de preferências compatı́veis com esta neutra-
lidade, mostrou que a ausência de efeito-renda, que caracteriza as preferências quase-lineares,
é condição suficiente para a existência do fenômeno de independência.

10.5.2 Eficiência
Considere uma economia com N bens e I consumidores, cuja dotação inicial é ei ∈ I. Defina h
como a ação do indivı́duo 1 que afeta o consumo dos demais agentes, porém não impõe custos
5
Stigler, G. The Theory of Price. Macmillan, New York, 3rd edition, 1966
6
J. S. Chipman e G. Tian (2012). Detrimental externalities, pollution rights and the Coase Theorem.
Economic Theory 49, p. 309-327
7
Hurwicz, L. What is the Coase theorem? Japan and the World Economy, 7:60-74, 1995

167
Externalidades

monetários ao indivı́duo 1, como, por exemplo, a música alta do nosso baterista. A função de
utilidade do i-ésimo agente torna-se, então,

ui (x1i , . . . , xN
i , h) (10.56)

Para os agentes que sofrem com o barulho causado pelo agente 1, h constitui um efeito
i
externo decorrente do comportamento deste agente, isto é ∂u ∂h
6= 0, ∀i 6= 1. Seja vi (p, ei , h), a
função de utilidade indireta do i-ésimo agente. O problema do consumidor i é:
vi (ei , h) = max ui (xi , h)
xi
(10.57)
s.a. pxi 6 pei

Supondo-se preferências quase-lineares, a função 10.57 assume a seguinte forma:

vi (ei , h) = Φi (h) + ei (10.58)

Como as preferências são estritamente quase-côncavas, Φ00i (h) < 0. As condições de primeira
ordem associadas ao consumo da externalidade, h, são dadas pelas expressão 10.59:
∂vi (ei , h) ∂Φi (h)
= = 0 =⇒ Φ01 (h∗ ) = 0 (10.59)
∂h ∂h
onde Φ0i (h) = ∂Φ∂h
i (h)
. Nesse caso, a atividade que produz a externalidade será consumida até
anular o seu benefı́cio marginal. Vê-se, então, que o equilı́brio competitivo não é pareto-eficiente
porque envolve o consumo excessivo da atividade h.
O nı́vel socialmente ótimo de h pode ser obtido maximizando-se a soma das utilidades
dos consumidores sobre h, isto é:
I
X
max[Φ1 (h) + Φ2 (h) + . . . + ΦI ] = max[Φ1 (h) + Φi (h)]
h h
i=2

As condições de primeira ordem implicam que:


I
0
X
Φ01 (hP E ) + Φi (hP E ) = 0 (10.60)
i=2

hP E , a quantidade eficiente da atividade h, ocorre quando o somatório dos benefı́cios marginais


decorrentes da atividade h é igual a zero. Pode-se, ainda, reescrever a expressão acima como:

I
0
X
Φ01 (hP E ) = − Φi (hP E ) h∗ > hP E : a externalidade é negativa
i=2
(10.60a)
h∗ < hP E : a externalidade é positiva

Aqui, o ponto central é como implementar o nı́vel pareto-eficiente de h, expresso na


equação 10.60a. Coase (1960) em seu trabalho seminal, afirmou que é possı́vel obter a solução
ótima por meio de negociações entre as partes envolvidas, desde que os direitos de propriedade
estejam claramente estabelecidos, independentemente de quem os detenham.

Teorema 10.1 Teorema da Eficiência de Coase Se os direitos de propriedade estiverem


bem definidos, independentemente de quem os detenham, é possı́vel solucionar o problema das
externalidades negativas por meio de uma negociação entre as partes envolvidas, sem requerer
a participação de governo como poder coercitivo.

168
Externalidades

Prova A prova do teorema de Coase será feita no âmbito da teoria dos contratos, por meio da
criação de um mecanismo que garanta que as negociações entre as partes resultem no consumo
socialmente ótimo de h. Distinguiremos dois casos: no Caso 1, os demais consumidores detêm
os direitos de propriedade: eles podem, inclusive, proibir o consumidor 1 de produzir h. Porém,
ao invés dessa proibição, elem pode negociar esse direito em troca de uma transferência Ti
reais para cada agente,i 6= 1, i ∈ I, paga pelo consumidor 1. O Caso 2 atribui os direitos de
propriedade ao consumidor 1, que deverá ser compensado pelos demais agentes para modificar
o nı́vel de h.

10.5.3 Mecanismo de Negociação de Coase


O mecanismo de negociação à la Coase prevê um contrato que oferece o nı́vel de h suportado
pelos demais agentes e uma transferência compensatória a ser paga pelo agente 1 aos demais
agentes. Para facilitar a exposição, será considerado o caso com apenas dois agentes:

Caso 1: o consumidor 2 detém os direitos de propriedade

1. O consumidor 2 oferece um contrato (T2 , h2 ) que especifica a transferência e o nı́vel de h.

2. Se o agente 1 aceitar a oferta do consumidor 2, o contrato (T2 , h2 ) é implementado. Caso


contrário, h = 0.

O consumidor 1 aceitará o contrato (T2 , h2 ) se, e somente se, esta oferta lhe assegurar
um nı́vel de utilidade pelo menos igual ao que seria obtido na ausência de acordo (h = 0), isto
é:
φ1 (h2 ) − T2 ≥ φ1 (0) (10.61)
O consumidor 2 escolherá (T2 , h2 ) de forma a maximizar sua utilidade sujeito à restrição
expressa na equação 10.61:
max φ2 (h2 ) + T2
T2 ,h2
(10.62)
s.a. φ1 (h2 ) − T2 ≥ φ1 (0)
Porém, como o consumidor 2 deseja maximizar T2 , no ponto ótimo, a restrição acima
será respeitada na igualdade, isto é,

T2 = φ1 (h2 ) − φ1 (0) (10.62a)

Substituindo (10.62a) em (10.62), o problema (10.62) torna-se:

max φ2 (h2 ) + φ1 (h2 ) − φ1 (0) (10.63)


h2

As condições de 1a ordem implicam que


0
φ2 (h2 ) + φ01 (h2 ) = 0 (10.64)

que é exatamente a condição eficiente no sentido de Pareto, obtida na equação 10.60. A


negociação à la Coase conduz, pois, à solução socialmente ótima do nı́vel de externalidades.

Caso 2: o agente 1 detém os direitos de propriedade

Utilizando o mesmo mecanismo anteriormente descrito, o consumidor 2 oferece o contrato


(T1 , h1 ) ao agente 2. Porém, agora o nı́vel de utilidade do consumidor 1 deve ser pelo menos
igual ao que seria obtido por meio da solução de mercado competitivo, h∗ , já que o direito

169
Externalidades

de produzir h lhe é assegurado. Caso o consumidor 2 não possa arcar com a compensação
garantida no contrato (T1 , h1 ), o contrato é rejeitado, prevalecendo a solução privada h = h∗ .
Por essa razão, examinaremos apenas o caso em que o agente 2 aceita a oferta proposta. O
problema do agente 2 é maximizar sua utilidade garantindo ao consumidor 1, pelo menos, o
benefı́cio marginal que ele obteria na solução de mercado, isto é:

max φ2 (h1 ) − T1
T1 ,h1
(10.65)
s.a. φ1 (h1 ) + T1 ≥ φ1 (h∗ )

Novamente, a maximização da utilidade do agente 2 requer que a restrição que pesa


sobre os contratos aceitáveis seja respeitada na igualdade, de modo que

φ1 (h1 ) + T1 = φ1 (h∗ ) (10.66)

Reescrevendo a problema expresso em 10.65 com a ajuda da expressão acima, tem-se


que,
max φ2 (h1 ) − T1 = φ2 (h1 ) + φ1 (h1 ) − φ1 (h∗ ) (10.67)
h1

As condições de primeira ordem deste problema garantem que:


0
φ1 (h1 ) + φ02 (h1 ) = 0 (10.68)

A expressão acima nada mais é que a condição de eficiência de Pareto em presença de


externalidades. Resolvendo-se a equação 10.68 para h tem-se que h1 = hP E . Note-se, pois,
que o nı́vel socialmente ótimo de h é exatamente o mesmo obtido quando o agente 2 detinha
os direitos de propriedade. A única diferença é a transferência, agora paga pelo agente 2 ao
consumidor 1, dada pela seguinte expressão:

T1 = φ1 (h∗ ) − φ1 (hP E ) < 0 (10.69)

No Caso 1, em que o consumidor 2 detinha os direitos de propriedade, a expressão para a


transferência era
T2 = φ1 (hP E ) − φ1 (0) > 0 (10.70)
Naturalmente, as implicações distributivas das compensações são diferentes, sendo bene-
ficiado o agente que detiver os direitos de propriedade. Porém, do ponto de vista da eficiência,
o nı́vel socialmente ótimo de h independe da atribuição destes direitos aos diferentes agentes.
Este resultado é conhecido como o Teorema da Neutralidade de Coase, que será discutido na
próxima seção.

10.5.4 Hurwicz e o Fenômeno da Independência


Hurwicz(1995) centrou-se no tipo de preferências compatı́veis com a Conjectura de Coase e mos-
trou que a existência de preferências paralelas e ou quase-lineares, por excluı́rem o efeito-renda,
é condição suficiente e também necessária para a existência do fenômeno de independência. A
Figura 10.5.4 ilustra este caso, no caso das preferências quase lineares em relação ao bem x:

170
Externalidades

Figura 10.3: Preferências Quase Lineares e a Neutralidade de Coase

Na caixa de Edgeworth ilustrada na Figura 10.5.4, as preferências são quase lineares em


relação ao bem x, mensurado no eixo horizontal. O nı́vel de externalidade, h, é medido ao
longo da altura da caixa de Edgeworth. Note-se que neste tipo de preferências, as curvas de
indiferença dos agentes 1 e 2 são translações horizontais uma das outras. Neste caso, o locus das
alocações eficientes corresponde ao segmento horizontal hh∗ . O nı́vel ótimo de externalidades,
hP E , será o mesmo, independente da distribuição dos bens entre os agentes. Assim, por exemplo,
embora impliquem distribuições distintas, o nı́vel de h é o mesmo nos pontos A e C, da curva
de contrato. Em C, a concentração dos bens favorece o agente 1, ocorrendo o contrário no
ponto A, em que o indivı́duo 2 é fortemente beneficiado.

10.5.5 A Neutralidade Revisitada


Vários autores contestaram o trabalho de Hurwicz e demonstraram que não é necessário que
as preferências sejam paralelas para que a conjectura de Coase se aplique 8 . Para tal, eles
expandiram os tipos de preferências para incluir uma classe mais ampla de funções de utilidade
do tipo:
ui (xi , h) = xi e−h + φi (h), i = 1, 2 (10.71)
onde φi (h) é igual à: Z n
φi (h) = e−h bi (h)dh (10.72)
0

Note-se que ui (xi , h) não é quase-linear em xi . Supondo-se que ∀h ∈ {0, n}; b1 (h) >
0; b2 (h) < 0; e b0i (h) < 0; b1 (0) + b2 (0) > ζ; b1 (n) + b2 (n) 6 ζ, tem-se que:

∂ui
=e−h > 0 (10.73)
∂xi
∂u1
= − x1 e−h + b1 (h)e−h > e−h [ζ − x1 ] ≥ 0 (10.74)
∂h
∂u2
= − x2 e−h + b2 (h)e−h < 0 (10.75)
∂h
8
Theodore Bergstrom and Richard Cornes. Independence of allocative efficiency from distribution in the
theory of public goods. Econometrica, 51(6):1753-1765, 1983; Bergstrom and Cornes, 1983; Chipmam and
Tian, 2012

171
Externalidades

Usando-se, as equações 10.73 à 10.75, obtém-se a condição de eficiência de Pareto, isto


é:
∂u1 ∂u2
∂h ∂h
∂u1
+ ∂u1
= −x1 − x2 + b1 (h) + b2 (h) = b1 (h) + b2 (h) − ζ = 0 (10.76)
∂x1 ∂x2
A soma das taxas marginais de substituição entre os bem x e a externalidade, h é
igual a zero, exatamente o estabelecido pela equação 10.60a. Note-se que o resultado acima é
independente de xi . Portanto, se a alocação (x1 , x2 , h) é pareto eficiente, ocorre o mesmo como
0 0 0 0
(x1 , x2 , h), desde que x1 + x2 = x1 + x2 = ζ. A curva de contrato é uma linha horizontal,
mesmo com preferências não paralelas. Segue-se que a solução de Hurwicz não é necessária
para que a Conjectura de Coase prevaleça. Este resultado ampliou o espectro das preferências
que garantem a neutralidade e culminou no Teorema 10.2

Teorema 10.2 Teorema da Neutralidade de Coase: Chipman e Tian (2012) Con-


sidere uma economia com externalidades negativas, na qual os custos de transação são nulos e
i 1 2
as funções de utilidade ui (x, h) diferenciáveis, com ∂u∂xi
< 0 e ∂u
∂h
> 0 e ∂u
∂h
< 0, ∀(xi , h). Então,
o nı́vel de poluição, h, independe da atribuição dos direitos de propriedade se, e somente se, as
i 1 2
funções de utilidade ui (xi , h) são diferenciáveis, com ∂u∂xi
> 0 e ∂u
∂h
> 0, ∂u
∂h
< 0 e assumem a
seguinte forma - a uma transformação monotônica crescente près, Ψ:
R
Z R
i i i Ψ(h)
u (x , h) = x e + e Ψ(h) bi (h)dh (10.77)

onde bi (h) são funções arbitrárias tais que h ∈ (0, η].

10.6 Outras Formas de Correção das Externalidades: Re-


gulação dos Monopólios
Considere, por exemplo, uma empresa monopolista emissora de poluição. Supondo-se que este
monopolista confronta-se com uma curva de demanda linear p(x) = 1 − x e caracteriza-se
pela existências de custos marginais constantes c tal que 0 < c < 1. Além disso, os impactos
ambientais da produção de x são dados pela seguinte expressão:
z(x) = dx2 , d>0 (10.78)
Na ausência de regulação, a produção de x ocorrerá no ponto em que o monopolista
iguala a receita marginal(1 − 2x) ao seu custo marginal, isto é:
1−c
1 − 2x = c =⇒ xM = (10.79)
2
Suponha agora que o governo deseja implementar um nı́vel de produção socialmente
ótimo, definido como o que maximiza uma função de bem-estar aditiva, do tipo:
W (x) = Ec + Ep − z(x) (10.80)
Onde Ec e Ep representam, respectivamente, o excedente do produtor e do consumidor, dados
pelas seguintes expressões:
1
Ec = [x2 ]; Ep = (1 − x)x − cx; (10.81)
2
Substituindo-se as expressões acima em 10.80, o problema do tomador de decisão é:
1
max W = [x2 ] + (1 − x)x − cx − dx2
x 2

172
Externalidades

A condição de primeira ordem em relação à x permite calcular o nı́vel socialmente ótimo


1−c
do bem x, isto é, xso = 1+2d . Conforme esperado, a produção social ótima xso é inferior à que
seria produzida na ausência de regulação. Para restaurar as condições de eficiência, pode-se
recorrer a um imposto pigouviano, t, por unidade de produção que garanta a produção efetiva
iguala-se à produção socialmente ótima. Nesse caso, o imposto t deve satisfazer a seguinte
equação:

1 − (c + t) 1−c 1−c
= =⇒ t = [2d − 1] = [2d − 1]xso (10.82)
2 1 + 2d 1 + 2d
O imposto t é positivo se d > 12 . Isto ocorre quando a externalidade decorrente do
dano ambiental supera a falha de mercado decorrente da falha de competição. (monopólio).
No caso inverso, d < 12 , a subprodução do bem x decorrente da monopolização é maior que o
dano causado pela externalidade; o bem x é, então, subsidiado para que o monopolista eleve a
produção de x.

10.6.1 Regulação do Monopólio com Informação Imperfeita


Exemplo 10.10 Uma empresa alcooleira despeja o vinhoto produzido na fabricação de álcool,
x, nos rios da região, poluindo-os. A função de lucros dessa indústria é Π(x) = 10x − x2 . O
dano causado aos rios, z, é dado pela equação convexa z(x) = 3x2 . O IBAMA não conhece a
função de lucros da empresa, mas observa o dano adicional causado aos rios pelo aumento da
poluição. Esse órgão regulador estima que os lucros marginais da firma são dados pela seguinte
expressão:
∂Π(x̂, v)
= 10 − 2vx (10.83)
∂x
O parâmetro aleatório v assume dois valores: 1; 12 . Na ausência de regulação, calcule a
produção de equilı́brio e a produção socialmente ótima de álcool.
Solução: No equilı́brio não regulado, a empresa maximiza seus lucros. Supondo-se v = 1, a
condição de primeira ordem requer que:
∂Π(x̂, v)
= 10 − 2x = 0 =⇒ xE = 5. (10.84)
∂x
A solução Pareto eficiente exige que a firma leve em conta os custos ambientais do vinhoto,
z(x). A condição de primeira ordem modifica-se para:
∂Π(x̂, v) 5
= 10 − 8x = 0 =⇒ xP E = (10.85)
∂x 4
Conforme esperado, em presença de externalidades negativas, a produção eficiente é inferior à
produzida pelo monopólio não regulado.
Exemplo 10.11 Considere a existência de informação incompleta. Suponha que o regulador
deseja fixar uma quota (x̂). Compute o nı́vel ótimo de x̂ e mostre o valor verdadeiro de v = 1.
Solução: Como a firma não dispõe de informação completa, a agência reguladora irá
selecionar a quota que maximiza seus lucros esperados, considerando-se os danos ambientais,
isto é:
max Ev [Π(x, v)] − z(x) (10.86)
x
A condição de primeira ordem torna-se, então:
 
∂Π(x̂, v) ∂z(x̂)
Ev − ≤0 (10.87)
∂x ∂x

173
Externalidades

No exemplo tratado, a expressão acima é:


 
1 1 1
[10 − 2x] + 10 − 2( )x − 6x ≤ 0 (10.88)
2 2 2

Resolvendo-se a equação acima para x̂, tem-se que que a quota ótima é x̂ ≥ 34 .
Suponha que, ao invés da quota, o regulador decide cobrar um imposto sobre a produção
de álcool: para cada litro, o governo cobra t reais. Expresse a quantidade produzida em termos
deste imposto, supondo que o lucro esperado da firma alcooleira é dado pela seguinte expressão:

Ev [Π(x, v)] − tq (10.89)

A maximização do lucro esperado requer que:


 
∂Π(x̂, v)
Ev ≤t
∂x
 
1 1 1
[10 − 2x] + 10 − 2( )x ≤ t
2 2 2
x
5−x+5− ≤t
2
Rearrumando os termos, podemos expressar x em função do imposto, isto é:
20 2
x(t) = − t (10.90)
3 3
Utilizando a equação acima, o problema do monopolista torna-se:
20 − 2t
max Ev [Π(x(t), v)] − z[x(t)] = Ev [Π[( ), v] (10.91)
t 3
A condição de primeira ordem associada a esse problema implica que:
 
∂Π[x(t), v] ∂x ∂z[x(t)] ∂x
Ev ≤
∂x ∂t ∂x ∂t
 
1 1 1
[10 − 2x(t)] + 10 − 2( )x(t) ≤ 6x
2 2 2

Resolvendo a expressão acima tem-se que x ≥ 43 . Usando este resultado na equação 10.90,
obtém-se o valor ótimo para o imposto, t = 8. Note-se que o resultado obtido para a variável x
é idêntico ao obtido por meio da cota; no entanto, seus impactos sobre o bem-estar são distinto.

10.7 Exercı́cios
I. Verdadeiro ou falso: justifique sua resposta.

1. O problema das externalidades pode ser tratado como uma questão de mercados in-
completos.
2. Se os custos de transação forem zero e os direitos de propriedade bem definidos, mesmo
em presença de externalidades, a alocação de recursos produzida pelos mercados pri-
vados é Pareto eficiente.
3. Em uma economia com dois consumidores, cujas funções de utilidade são u1 = [x1 , y1 ]α [x2 , y2 ]1−α
e u2 = [x2 , y2 ]α [x1 , y1 ]1−α , o equilı́brio de mercado é eficiente, apesar da presença de
externalidades.

174
Externalidades

4. A conjectura de Coase somente se verifica quando as preferências são paralelas.


5. Se as preferências forem quase lineares, então, o teorema de Coase garante que a solução
socialmente ótima independe da distribuição dos recursos entre indivı́duos.
6. No mercado de bens de luxo, a exclusividade constitui um tipo de externalidade.
7. Impostos sobre cigarros contribuem para reduzir as ineficiências no mercado destes
bens.
8. A classe de funções de utilidade ui (xi , y) = A(y)xi + Bi (y) constitui um exemplo de
preferências paralelas.
9. Em presença de informação imperfeita, a imposição de uma quota para corrigir ex-
ternalidades negativas é preferı́vel do ponto de vista da sociedade à fixação de um
imposto.
10. No mecanismo de compensação de Varian, a imposição de penalidade conduz a sobre-
estimação (sub-estimação) dos danos (benefı́cios) decorrentes da externalidade.

II. Questões abertas

1. Com base nos resultados do exemplo apresentado na subseção 9.6.1, compare as duas
formas de regulação, a fixação de uma quota e a imposição de um tributo, em termos
das perdas bem-estar associadas às duas formas de regulação.
2. Construa um modelo para explicar porque as frentes das casas no Brasil costumam ser
mais limpas e mais organizadas, comparando-se com a parte de trás ou de lado das
residências.
3. Em grandes cidades, as pessoas podem decidir se usam o metrô ou o carro para seus
deslocamentos. Suponha que para ir ao trabalho de metrô, estas pessoas levam 70
minutos, independentemente do número de usuários deste meio de transporte. Se elas
usarem o carro, o tempo gasto (T) para o trabalho depende do trânsito, isto é:

T (x) = 20 + 60x (10.92)

onde x representa a proporção de pessoas que vão de carro para o trabalho, com
0 ≤ x ≤ 1.
i. Desenhe as curvas de deslocamento quando as pessoas usam o carro e o metrô;
ii. Supondo-se que os consumidores decidem, de forma independente, minimizar seu
tempo no trajeto, qual a proporção de pessoas que usarão seu próprio carro?
iii. Qual a proporção de usuários de carro que minimiza o tempo total de transporte?
4. Considere uma escolha binária referente à permissão/proibição da emissão de agentes
poluentes, por uma dada empresa. O custo da poluição para os consumidores é igual à
C = 2000 e constitui informação privada para os indivı́duos. O benefı́cio da poluição,
que também representa uma informação privada para a empresa, é B = 2300.
i. caso ambas as partes revelem suas verdadeiras preferências, permitir a emissão de
agentes poluentes é eficiente no sentido de Pareto?
ii. Construa um esquema de revelação mediante o uso de um sistema de impos-
tos/subsı́dios, no qual dizer a verdade constitui uma estratégia dominante. Mostre
que este esquema de revelação assegura que a produção de externalidades seja
ótimo.
iii. Mostre que o esquema proposto implica que o imposto paga pela firma é inferior
aos subsı́dios pagos aos consumidores.

175
Externalidades

5. Considere o seginte texto: ”. . . Ah, os problemas tão duros das celebs! Em setembro, a
caminho das férias na Grécia (paı́s onde realizou o antológico ensaio para a Playboy, em
1995), Adriane Galisteu teve um problema com a conexão em Roma. O voo atrasou, ela
perdeu mais de oito horas no aeroporto e resolveu não esperar mais: gastou 11000 reais
com passagens para a famı́lia toda. Na volta ao Brasil, trouxe o novo bronzeado junto
com a vontade de processar a companhia aérea. Em apenas 28 dias, a ação indenizatória
de 31000 reais se transformou em um acordo de 18000. ”Ela não quer briga”, diz o advo-
gado do caso, Guilherme Strenger.”https://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/adriane-
galisteu-processa-e-faz-acordo-com-companhia-aerea/
i. Identifique o instrumental teórico ilustrado no texto e construa um modelo teórico
para o problema.
ii. o que poderia ocorrer caso ela ”quisesse briga”?
6. Nos Estados Unidos, a Lei do Ar Puro de 1990 estabeleceu um mercado limitado para
os direitos de poluição ao permitir que as firmas negociem os créditos de emissão de
poluentes, fornecidos pelo governo. Construa um modelo para mostrar que esta lei
eleva o nı́vel de eficiência da economia americana.

176
11

Bens públicos

On reading the definitions of rivalry and excludability in the textbook by Cornes


and Sandler, I saw instantly how powerful these abstractions were . . . As a result,
I find that talking about ideas and growth with people who do not understand these
terms is like explaining an equilibrium outcome to someone who does not know what
preferences and production possibilities are.

Paul Romer

Externalidades não constituem as únicas exceções que comprometem a validade do Primeiro


Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar. Bens públicos e quase-públicos são também
falhas de mercado que violam este teorema. Em uma economia que, além dos bens privados,
também produz bens públicos, a alocação competitiva não é mais Pareto eficiente e, portanto,
não mais se encontra no core dessa economia. Os bens públicos puros ou, simplesmente, bens
públicos, são aqueles para os quais a propriedade não pode ser individualizada em razão desse
bem ou serviço não ser divisı́vel. Além disso, contrariamente, aos bens privados, o ato de
consumir o bem público não reduz a quantidade disponı́vel para o consumo das outras pessoas.
Portanto, os bens públicos puros apresentam duas importantes caracterı́sticas: o consumo
desses bens é não excludente e não rival.
A impossibilidade de exclusão (ou a dificuldade, gerada por custos elevados) implica
que os indivı́duos não podem ser privados dos benefı́cios do usufruto do bem, mesmo se não
tiverem contribuı́do para o seu financiamento. Um exemplo de bem que apresenta essa carac-
terı́stica é um espetáculo pirotécnico, que pode ser visto pelas pessoas de quintais, jardins e
praças públicas. A provisão privada desse tipo de evento é ineficiente porque a impossibilidade
de exclusão impede (ou dificulta) a cobrança de ingressos para financiar os custos do show
pirotécnico. Afinal, porque comprarı́amos o ingresso para este espetáculo se podemos vê-lo
gratuitamente? Certamente, nenhum empresário privado se interessaria pela sua produção;
então, apesar da forte demanda, o espetáculo poderia não ser produzido. A impossibilidade de
exclusão, ao inviabilizar o uso do sistema de preço para racionar o consumo, reduz os incentivos
para o pagamento voluntário dos bens públicos. Essa relutância em contribuir, voluntariamente,
para financiar esses bens é conhecida como o problema do ”carona”(free rider).
A não rivalidade no consumo é outra caracterı́stica do bem público. Isto implica que
uma vez que o bem está disponı́vel, o custo marginal de provê-lo para um indivı́duo adicional é
nulo. Considere, por exemplo, o caso do espetáculo pirotécnico. O custo do espetáculo, uma vez
determinado, não se altera pelo fato de um grupo adicional de turistas decidir vê-lo. Ademais,
a inclusão dos turistas em nada reduz o usufruto do evento pelos habitantes locais. Portanto,
o custo marginal de provisão do espetáculo para esses espectadores adicionais é zero. Isto
representa um franco contraste com os bens privados, que se caracterizam por nı́veis elevados
de rivalidade no consumo. Outros exemplos de bens públicos puros são o sistema de defesa

177
Bens públicos

nacional, iluminação pública, conhecimento cientı́fico, um meio ambiente saudável e governos


eficientes. Em comum, esses bens têm o fato de seu consumo ser não excludente e não rival.
O quadro abaixo resume as caracterı́sticas dos bens com respeito à rivalidade e à ex-
cludência no consumo.

Figura 11.1: Rivalidade e Excludência no Consumo

Rivais Não Rivais


Excludentes Bens privados bens de clube
Não excludentes recursos comunitários bens públicos

Os bens privados privados caracterizam-se por serem excludentes e rivais. Considere,


por exemplo, o consumo de eletricidade de nossas casas: é excludente porque se não pagarmos
a conta de luz, o desligamento é fácil e barato; é rival porque um Kwh consumido por nós, não
está mais disponı́vel para o uso das demais pessoas. No entanto, a iluminação pública, quando
usa o mesmo Kwh, constitui um bem público por ser não excludente - não se pode excluir
os não pagantes - e não rival, já que é razoável supor que o custo marginal de provisão deste
serviço é nulo
Os bens de clube (club goods), como por exemplo um campo de golfe, são excludentes
pois temos que pagar o acesso ao clube, porém são não rivais, desde que não haja congestio-
namento. No capı́tulo anterior vimos que os Os recursos comunitários, como por exemplo, a
fauna brasileira, são rivais, porém não excludentes no consumo: um cardeal do nordeste pego
por um caçador não está mais disponı́vel para os demais caçadores, porém são não excludentes
no consumo porque os direitos de propriedade não estão bem estabelecidos.

11.1 O Caso Discreto


Considere uma economia pública, com I consumidores, um bem privado x e um bem público
y, não excludente e não rival. A contribuição de cada individuo para financiar a provisão do
bem publico é g i . A renda do i-ésimo agente é pei . Suponha, ainda, existe apenas uma firma
que produz o bem mediante o uso de um único insumo, v. As preferências, dadas pela função
de utilidade ui (xi , g i ) são contı́nuas, monotônicas e estritamente crescentes.
Nesta economia simplificada, a primeira questão relevante é: vale a pena prover o bem
público? a resposta óbvia em presença de não excludência no consumo é: depende do custo do
bem e das contribuições arrecadadas para comprá-lo. Um exemplo simples ilustra este ponto:

Exemplo: Considere a economia pública acima descrita. Normalizando-se o preço do bem


privado, x à unidade e supondo-se que o bem público, y, é financiado exclusivamente pelos I
agentes, tem-se que:

xi + g i = e i (11.1)
I
X
gi = v (11.2)
i=1

A firma produz uma unidade do bem público por meio da seguinte tecnologia, que
transforma o insumo v no bem público y:

178
Bens públicos

(
1 se Σi∈I g i > v
y= (11.3)
0 de outra forma
Vamos agora determinar se a decisão de produzir y será pareto-dominante em relação à
de não produzi-lo:
ui (ei − gi , 1) > ui (ei , 0), ∀i ∈ I (11.4)
Definindo ri como a disponibilidade máxima do i-ésimo consumidor a pagar pelo bem
público ri deve satisfazer:
ui (ei − ri , 1) = ui (ei , 0) (11.5)
Se a decisão de produzir o bem público, y, domina a decisão de não produzı́-lo, tem-se
que:
ui (ei − g i , 1) > ui (ei − ri , 1), ∀i ∈ I (11.6)
Pela monotonicidade de ui , temos que:

ei − gi > ei − ri

e finalmente:
ri > gi (11.7)
Somando-se a expressão acima sobre i,
X X
ri > gi > c (11.8)
i∈I i∈I

Proposição 7 Pareto dominância da provisão do bem público A provisão de um bem público


é pareto-dominante em relação à não provisão se, e somente se,
X X
ri > gi > c
i∈I i∈I

11.2 Provisão Eficiente de Bens Públicos: A Regra de


Bowen-Lindahl-Samuelson
Para reverter os problemas acima mencionados referentes à provisão do bem público, vários
autores focaram seus trabalhos na busca de regras que garantissem a provisão eficiente de bens
públicos. A literatura clássica sobre o tema, iniciada pelo trabalho seminal de Lindahl (1919),
foi retomada por Bowen (1943)1 e formalizada por Samuelson (1954; 1955)2 . Estes trabalhos
culminaram na Regra de Bowen-Lindahl-Samuelson para a provisão eficiente de bens públicos,
que será demobtrada a seguir.
Considere a economia pública descrita na seção anterior, isto é, εp = {x, y, v, e, f (v)}.
Seja W (u), a função de bem-estar social. A provisão eficiente requer a maximização da função
1
Bowen, H. (1943). The interpretation of voting in the allocation of economic resources. The Quarterly
Journal of Economics 58, 27-48.
2
Samuelson, P. (1954) The pure theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics 36,
387-389; Samuelson, P. (1955) ?Diagrammatic exposition of a theory of public expenditure. The Review of
Economics and Statistics 37, 350-356.

179
Bens públicos

de bem-estar social sujeito à restrição de factibilidade e à restrição de produção. O problema


do gestor (ou autoridade central) torna-se, então:
X
max W = ai ui (xi , y)
x,y
i∈I
X X
s.a. xi + v 6 ei (11.9)
i i
y 6 f (v)

Os parâmetros ai correspondem aos pesos sociais atribuı́dos ao i-ésimo agente. Seja λ,


η os multiplicadores de Lagrange associados às duas primeiras restrições do problema 11.9. O
Lagrangeano associado a esse problema é:
" #
X X X
L= ai ui (xi , y) + λ ei − xi + v + η[f (v − y)]
i∈I i i

As funções de utilidade ui são estritamente crescentes, quase-côncavas e diferenciáveis;


f (v) é côncava e diferenciável. As alocações eficientes entre o bem privado e o bem público são
dadas pelas condições de 1a ordem:
∂L ∂ui (xi , y)
= ai −λ=0 (11.10)
∂xi ∂xi
∂L X ∂ui (xi , y)
= ai −η =0 (11.11)
∂y i
∂y
∂L ∂f (v)
=η −λ=v (11.12)
∂v ∂v
De (??) e (??):
∂ui (xi , y) ∂f (v)
ai =η
∂xi ∂v
de sorte que:
ai f 0 (v)
= (11.13)
η ∂ui /∂xi
∂f (v)
onde ∂v
= f 0 (v). Substituindo (11.13) em (??):

X  f 0 (v)  ∂ui
=1
i
∂ui /∂xi ∂y

e finalmente:
X  ∂ui /∂y  1
=
i
∂ui /∂xi f 0 (v)

A expressão acima corresponde à regra de Bowen-Lindahl-Samuelson que assegura as


condições de eficiência para a provisão do bem público. Note-se que o lado direito da expressão
11.2 corresponde à soma das taxas marginais de substituição entre bem o privado e o bem
i
P
público, i∈I T M Sx,y , isto é, o benefı́cio marginal social agregado decorrente da provisão do
bem público. O lado direito da mesma expressão f 01(v) é o custos marginal de produzir o bem
público em termos do bem privado, ou seja, a taxa marginal de transformação entre x e y,
T M Tx,y . A expressão 11.14 sumaria as condições de provisão eficiente do bem público:

180
Bens públicos

X
i



 T M Sy,x = T M Tx,y(v) = T M Sy,v

 i∈I
X
 xi + v 6 i ∈ Iei (11.14)

 i∈I


 y = f (v)

Exemplo 11.1 Um exemplo simples permite ilustrar a regra de Bowen-Lindahl-Samuelson.


Considere uma economia pública, com I consumidores e um único produtor do bem público, y,
cujas preferências e tecnologia são dadas pelas seguintes expressões:

ui = ai ln y + ln xi
y=v

A condição de Bowen-Lindahl-Samuelson correspondente a esta parametrização da eco-


nomia é:
X  ∂ui /∂y  1
i /∂xi
= 0 (v)
= 1; f 0 (v) = 1
i∈I
∂u f
∂ui ai ∂ui 1
= ; i
= i
∂y y ∂x x
A expressão acima pode ser reescrita como:
X  ai /y  X ai x i X
i
= 1 =⇒ = 1 =⇒ ai x i = y
i∈I
1/x i∈I
y i∈I

Ressalte-se que neste caso, o nı́vel socialmente ótimo do bem público, y não é unicamente
determinado, já que depende da quantidade consumida dos bens privados. Somente em presença
de separabilidade forte, como é caso das preferências quase-lineares, o nı́vel do bem público é
independente de x e de sua distribuição entre indivı́duos.

u(xi , y) = xi + φi (y) (11.15)

Com este tipo de preferências, a condição de Bowen-Lindahl-Samuelson requer que:


X  ∂ui  1
= 0 = c0 (y)
i∈I
∂y f (v)

Exemplo 11.2 Vamos, agora, modificar as preferencias do exercı́cio anterior para incluir a
hipótese de separabilidade forte. As preferências quase-lineares descritas na equação 11.2 aten-
dem este requisito:
ui = ai ln y + xi ;
Com as novas preferências, verifica-se facilmente que a condição de Bowen-Lindahl-
Samuelson é:
X  ∂ui /∂y  ∂ui ai ∂ui
i i
= 1; = ; i
= 1;
i∈I
∂u /∂x ∂y y ∂x
X  ai  X
= 1; =⇒ y = ai
i∈I
y i∈I

Nesse caso, o nı́vel do bem público y é unicamente determinado, pois não depende de xi .

181
Bens públicos

Exemplo 11.3 No divórcio amigável de Ana e Bernardo, ficou decidido que Ana ficaria com
Zoé, a cadelinha da famı́lia, sendo os gastos com Zoé, compartilhados. As preferências de Ana
e Bernardo são dadas pelas seguintes funções de utilidade:

uA = z α y A ; uB = z β y B ;

onde y A ey B representam, respectivamente, a quantidade de reais gastos com o consumo de Ana


e Bernardo e z corresponde aos gastos com Zoé. O consumo de Zoé é a soma das contribuições
de Ana e Bernardo para sua manutenção. Essas contribuições são, naturalmente, voluntárias
já que foram fixadas por meio de um acordo informal entre Ana e Bernardo. Suponha que os
valores assumidos pelos parâmetros α e β são, respectivamente, 1/4 e 1/3.

i Ana, temporariamente, não pode contribuir para a manutenção de forma que Bernardo arca
com a totalidade dos gastos de Zoé. Sua renda mensal de R$ 10000,00 é gasta com o seu
consumo e o de Zoé (z). Expresse a restrição orçamentária de Bernardo e determine os
nı́veis de z e y B .

ii Ana volta a trabalhar e recebe um salário de R$12000, 00. Ana escolhe sua contribuição, z A ,
ao observar a contribuição de Bernardo, z B . Bernardo reage de forma análoga. Sabendo-se
que z A + z B = z, encontre as funções de reação de Ana e Bernardo que caracterizam as
alocações Pareto eficientes.

iii Encontre uma alocação da renda de Ana e Bernardo que os deixe mais felizes que aquela
encontrada no item anterior - pecuniariamente, é claro!

iv Em caso de rompimento do acordo, que dificuldades teria a justiça para implementar uma
solução eficiente no sentido de Pareto.

Solução: O item 1 considera que Bernardo arca com a totalidade dos custos de Zoé, de sorte
que z B = z e z A = 0. Neste caso, tem-se que:
" #
B 1 yB
T M Sy,z = =1 (11.16)
3 z
yB + z = 10000, 00 (11.17)

A condição de eficiência, requer que 3z = y B . Substituindo-se esta expressão na restrição


10.000, 00 − z
orçamentária de Bernardo obtêm-se z = , com z = 2500, 00 e y B = 7500, 00.
3
Vamos agora examinar o caso em que ambos contribuem para o sustento de Zoé. Os custos
marginais de produção dos bens y e z são iguais á unidade. A função de reação de Ana pode
ser obtida a partir z A + z B = z. Precisamos calcular

zA + zB = z
Função de reação de Ana:

!
A yA
T M Sy,z =α = 1 = T M Ty,z (11.1)
zA + zB

1
12.000 = zA + yA ; α= (11.2)
4
Substituindo equação 11.2 na equação 11.2, temos:

182
Bens públicos

" #
1 12.000 − zA
=1
4 zA + zB

4zA + 4zB = 12.000 − zA ⇒ 4zB = 12.000 − 5zA


e, finalmente
12.000 5
zB = − zA (11.3)
4 4
Procedendo de modo análogo, a função de reação de Bernardo será:

!
B yB
T M Sy,z =β = 1 = T M Ty,z (11.4)
zA + zB

yB + zB = 10.000 (11.5)
Substituindo a equação 11.5 na equação 11.4, temos:
" #
1 10.000 − zB
= 1 ⇒ 3zA + 3zB = 10.000 − zB
3 zA + zB
10.000 3
4zB = 10.000 − 3zA ⇒ zB = − zA
4 4
Logo, a função de reação de B:
3
zB = 2.500 − zA (11.6)
4

183
Bens públicos

Igualando as equações 11.3 e 11.6, temos:


3 5
2.500 − zA = 3.000 − zA
4 4
" #
5 3 1
− zA = 500 ⇒ zA = 500
4 4 2

zA = 1.000
Encontrando zB pela equação 11.6:
3
zB = 2.500 − (1000) = 1750
4
ou,
5
zB = 3.000 − (1000) = 1.750
4
Usando a equação 11.2 e substituindo zA , encontra-se yA :

yA = 12.000 − 1.000 ⇒ yA = 11.000


Da equação de Bernardo yB + zB = 10.000 e substituindo zB , encontra-se yB :

yB = 10.000 − 1.750 ⇒ yB = 8.250


c) Solução Pareto Eficiente (PE)
X
T M Si = T M T = 1
i=A,B
" # " #
1 yB 1 yA
+ =1
3 zB 4 zA

yB + zB + yA + zA = 22.000
Solução de PE em termos de problema de distribuições, três variáveis — yB , yA , zA . Em
duas equações requer regras de distribuição.

184
Bens públicos

11.3 O Problema do “Carona” (free-rider )


Em razão da não excludência no consumo, o racionamento do bem público por meio do sistema
de preços não é viável. Consequentemente, os mercados privados, mesmos competitivos, não
asseguram a quantidade pareto-eficiente deste bem. Por exemplo, firmas privadas não poderiam
substituir o governo na provisão de defesa nacional - bem não excludente e não rival - porque
as pessoas não pagariam, voluntariamente, por tal serviço, já que não podem ser excluı́das do
uso dos benefı́cios decorrentes de sua provisão.
A relutância que os indivı́duos têm para contribuir voluntariamente para a provisão de
bens públicos é conhecida como o problema do ”carona”(free rider ). Embora, em alguns casos,
poderá haver provisão privada de bens públicos, a existência do Carona . Porém, em geral, os
mercados privados não são eficientes na provisão de bens públicos.
Além disso, a não excludência no consumo faz com que os indivı́duos não tenham in-
teresse em revelar suas verdadeiras preferências. O ”carona”(free rider ) irá usar os serviços
públicos sem pagar, ou pagando menos que a parte que lhe toca no financiamento destes
serviços. Em presença deste tipo de comportamento, não se pode garantir a provisão eficiente
de y por meio de contribuições voluntárias. As taxas marginais de substituição declaradas não
mais refletem as verdadeiras preferências dos agentes com respeito à demanda relativa do bem
público, levando à sub-provisão deste bem.
A sub-provisão do bem público pode ser ilustrada por meio de um modelo simples de
contribuições
P voluntárias.
PI Considere a economia pública descrita na seção anterior. Defina
g−i = j6=i gj e y = i gi = v.

Definição Equilı́brio de Nash com contribuições voluntárias: um equilı́brio de Nash é


um vetor de contribuições g ∗ = (g ∗1 , . . . g ∗K ) com gi∗ ∈ [0, ei ], tal que ∀i ∈ I, o par (x∗i , gi∗ )
resolve o seguinte problema:


max ui (xi , gi + g−i ) (11.7)
xi ,gi

sujeito a: xi + gi = ei
0 ≤ gi ≤ e i

Neste problema, cada consumidor supõe que a contribuição dos outros(gi∗ ) seja dada; ele
pode, então, ser representado como um jogo não cooperativo, do tipo:

Γ = (gi , Φi )Ii=1 (11.8)

onde gi = [0, ei ] é o espaço de estratégias do consumidor i; Φ : g1 × g2 × . . . gI → < é a função


de payoff de i, definida como:

Φ(gi , g−i ) = ui [(ei − gi ), (gi + g−i )] (11.9)

Para o jogo Γ = (gi , Φi )Ii=1 , a estratégia g ∗ = (g1∗ , g2∗ , . . . , gI∗ ) é um equilı́brio de Nash se

Φi (gi∗ , g−i
∗ ∗
) = Φi (gi , g−i ), ∀gi ∈ Gi , ∀i ∈ I

Definição Equilı́brio em Estratégia Dominante: a estratégia g ∗ constitui um equilı́brio


em estratégia dominante para o jogo Γ = (gi , Φi )Ii=1 se

Φi (gi∗ , g−i ) > Φi (gi , g−i ), ∀g ∈ Gi , ∀i ∈ I (11.10)

185
Bens públicos

Note-se que a diferença entre o Equilı́brio de Nash (EN) e o Equilı́brio em Estratégia


Dominante (ED) é o fato de que no equilı́brio de Nash cada consumidor escolhe sua melhor
estratégia dada a escolhida pelos demais. Já o equilı́brio ED escolhe a melhor estratégia por
consumidor analisado, independente da adotada pelos demais agentes. Portanto, todo equilı́brio
ED é também EN, porém o contrário não se verifica.
Podemos, agora, visualizar melhor o problema do ”carona”. No equilı́brio de Nash,
sendo ui e f diferenciáveis, as condições de primeira ordem implicam que:

∂Φ(g ∗ ) ∂ui ∂ui ∂y


= (−1) + 50 (11.11)
∂gi ∂xi ∂y ∂gi
Lembrando que
∂y ∂f ∂v 0 0
= = f (v) = f (gi + g−i ) (11.12)
∂gi ∂v ∂gi
Usando (11.12) em (11.11), podemos reescrever (11.11) como:

∂Φi ∂ui ∂ui 0 ∗


= (−1) + f (gi + g−i ) ≤ 0 (11.13)
∂gi ∂x ∂y
A expressão acima prevalece na igualdade se gi > 0. Segue-se, pois, que a solução interior

para g
∂ui /∂y 1
= 0 ∗ (11.14)
∂ui /∂xi f (gi + g−i )
O lado direito da expressão acima corresponde à taxa marginal de substituição entre o
bem público e o bem privado. O lado esquerdo representa a taxa marginal de transformação
entre estes bens. Segue-se, pois, que no equilı́brio de Nash em estratégia dominante, tem-se
que:

i
T M Sy,x = T M Ty,x (11.15)

Em presença do ”carona”, o equilibro de Nash não satisfaz a condição de Bowen-Lindahl-


Samuelson. Portanto, este equilı́brio não é socialmente eficiente. Torna-se, pois, necessário
desenhar mecanismos que restaurem as condições de eficiência.

Exemplo: Considere dois consumidores, i = 1, 2, cujas disponibilidades a pagar pelo bem


público são idênticas e iguais à ri = R$100, 00. O custo de uma unidade de y é igual
v=R$150,00. Caso ambos decidam partilhar igualmente esse custo, cada um contribui com
R$ 75,00 para a compra de uma unidade de y. Quando somente um deles contribui, sendo o
outro, o ”carona”, o pagante arcará com o custo total de y, isto é:
(
150/2 = 75 se ambos os agentes contribuirem
.gi =
150 se somente o agente i contribuir

O payoff de cada individuo é dado pela expressão ri − g i , nas duas situações acima
consideradas. A decisão de contribuir ou não para o financiamento do bem público e os payoffs
associados podem ser representados pela matriz de ganhos:

186
Bens públicos

Tabela 11.1: Bens Públicos e o Dilema do Prisioneiro

2
Contribui Não contribui
Contribui (25, 25) (−50, 100)
1
Não contribui (100, −50) (0, 0)

Esta matriz de payoffs apresenta um jogo do tipo dilema do prisioneiro. Se ambos


contribuem, cada um deles pagando a metade do custo do bem público, R$75,00, o payoff de
cada um deles é R$25, 00 = 100 − 75. Se apenas o agente 1 contribuir, seu payoff será igual à
−50 = 100 − 150. O individuo 2 é o carona; seu payoff é 100 = 100 − 0.
O equilı́brio de Nash, que nesse tipo de jogo, é também um equilı́brio em estratégia
dominante, corresponde ao par de estratégias (não contribui, não contribui), cujos payoffs são
(0, 0). Consequentemente, o bem público não será comprado. Note-se que o Equilı́brio de
Nash, ou Equilı́brio de Cournot-Nash, é pareto-dominado pelo par de estratégias (contribui,
contribui), cujos payoffs são (25, 25). Isto implica que a contribuição voluntária, em geral, não
garante a provisão eficiente de bens públicos Governo.
Como a provisão de bens públicos é, muitas vezes, decidida por meio de votação ma-
joritária, resta saber se esta forma de votação garante um nı́vel socialmente eficiente de bens
públicos. A resposta a essa questão é que nem sempre a decisão da maioria conduz à provisão
pareto-ótimo de y. Isto pode visto por meio do seguinte contra-exemplo.
Considere três condôminos que devem decidir a compra de um bem público, cujo custo
é v. Os seguintes parâmetros descrevem este caso:
105
r1 = 70; r3 = 30; r3 = 30; v = 105; gi = = 35
3
Supondo-se que eles partilham os custos do bem público de forma igualitária, os payoffs
dos três condôminos são os seguintes:

(r1 − g 1 ) = 70 − 35 = 35 > 0; (r2 − g 2 ) = (r3 − g 3 ) = 30 − 35 = −5 < 0

Embora a decisão de adquirir o bem público seja pareto dominante, r1 + r2 + r3 = 110 >
100 = v, ela não será implementada pela regra de votação majoritária; por essa regra, o bem
público não será comprado, pois será vetado pelos condôminos 2 e 3, cujos payoffs lı́quidos são
negativos.

Exemplo 11.4 Considere uma economia pública, na qual os consumidores consomem dois
bens distintos, o bem público y e o bem privado (x). Suponha que um imposto Lump sum
(T = T i , ∀i ∈ I) é usado para financiar o bem público. A função de utilidade é ui (x, y) =
[M i − T i ]1−α g α , onde M i é a renda bruta do i-ésimo indivı́duo e 0 < α < P
1. Considere que os
preços de ambos os bens são iguais à unidade de sorte que y = py y = g = N i
i=1 g .

i. Mostre que a solução de voto majoritário requer que a quantidade de bem público seja
y = αN Mlmed , onde Mlm ed representa a renda liquida do eleitor mediano (dica: verifique
se as preferências têm pico único).

ii. Suponha que o bem público é financiado por um imposto proporcional ti = tM i sobre a
renda bruta, onde t é a alı́quota de tributação da renda. Mostre que o resultado do voto
majoritário é y = αN M , onde M representa a renda média da sociedade.

187
Bens públicos

Solução Em presença de tributação Lump-sum, a restrição orçamentária do governo, N T =


y= N i
P
i=1 g = g implica:
g
Ti = T = (11.16)
N
Utilizando a equação 11.16, podemos reescrever a função de utilidade do i-ésimo agente
como: h g i1−α α
ui = Mi − g (11.17)
N
Maximizando-se a utilidade do agente i em relação à g, tem-se que:

∂ui
 
h
i g i−α 1 α α−1
h
i g i1−α
= (1 − α) M − − g + αg M − =0 (11.18)
∂g N N N
Rearrumando-se a expressão acima, tem-se que:
 
1 α α−1
h
i gi
(1 − α) g = αg M −
N N
(1 − α)
g = NMi − g
α
g ∗ = αN M i

Como a função de utilidade é estritamente quase-côncava em g, então esse valor ótimo


é único e as preferências são single peaked, prevalecendo, pois, as escolhas do eleitor mediano.
Assim, g ∗ = αN M med , onde med refere-se ao eleitor mediano.
A segunda parte do exercı́cio substitui a tributação lump-sum pela tributação propor-
cional sobre a renda M i . Seja T i = tM i , o imposto pago pelo agente i, sendo P t a alı́quota
marginal(média) do imposto proporcional. O equilı́brio fiscal requer que y = T = N i=1 T .
i

X y
y=T =t M i = tM = N M =⇒ t = (11.19)
i∈I
NM

M corresponde à renda média da economia. Podemos, então, reescrever a função de


utilidade para o eleitor mediano como:

ui (xi , y) = (M i − tM i )1−α y α (11.20)


  1−α
y i
= 1− M yα (11.21)
NM
A condição de primeira ordem é dada pela seguinte expressão:

−α  1−α
∂ui Mi
    
y i α α−1 y i
= (1 − α) 1− M − y + αy 1− M = 0 (11.22)
∂y NM NM NM
Manipulando-se a expressão acima, podemos reescrevê-la como:
 i    
M α α−1 y i
(1 − α) y = αy 1− M
NM NM
Mi
y = Mi
αN M
y = αN M

188
Bens públicos

Exemplo 11.5 Armando e Berta são vizinhos em um condomı́nio residencial. Armando é


músico e destina y horas por dia para compor e tocar sua música. O custo, por hora da produção
de música de Armando, é de R$4,00. Berta aprecia muito a música de Armando. Sabendo-se
que xA e xB são os gastos com os demais bens privados (x) consumidos por Armando e Berta
e que as preferências desses indivı́duos são descritas pelas funções:
1 1
uA = xA + 8y − y 2 , se y ≥ 8; uB = xB + 12y − y 2 , y ≥ 12
2 2
1
uA = xA + 32, se y < 8; uB = xB + 72y − y 2 , y < 12
2
i. Quantas horas Armando dedicará a sua música caso ignore a existência de Berta? (Lembre-
se que o custo de Armando para produzir sua música é de R$4,00 por hora).

ii. Suponha que Berta consiga invadir o computador de Armando e piratear a sua produção
musical diária, estabelecida no item anterior. Derive o excedente do consumidor para
Armando e Berta (dica: compare seus resultados com os obtidos na ausência da produção
de música).

iii. Derive as condições marginais que caracterizam a alocação Pareto eficiente entre o consumo
de música e os demais bens; avalie o excedente total do consumidor no nı́vel de produção
socialmente ótimo.

iv. Suponha que Berta concorde em transferir t reais para Armando de modo a garantir que
a produção de música seja Pareto eficiente. Determine os pagamentos que produzem
alocações no core, assim como o excedente do consumidor, em função de t.

Solução: Armando, ignorando a existência de Berta, fixará o número de horas dedicadas a


música, de acordo com a seguinte regra:

A ∂c(y)
T M Sx,y =8−y =4=
∂y
Resolvendo-se a expressão acima, tem-se que o número de horas é igual à 4. Caso Berta
consiga piratear a produção musical de Armando, o aumento do excedente do consumidor de
Berta e Armando será igual à:

y =0 ⇒ uA = xA ; u B = xB ;
y =4 ⇒ uA − cA (y) = xA + 32 − 16; uB = xB + 280
A A
ECy=4 − ECy=0 = uA A A
y=4 − uy=0 − C (y) = 16
B B
ECy=4 − ECy=0 = uB B
y=4 − uy=0 = 280

A condição socialmente ótima requer a soma das taxas marginais de substituição entre
os bens privado e público seja igual ao custo marginal relativo do bem público, isto é

T M S − x, y A + T M Sx,y
B
= (8 − y) + (12 − y) = 4
Resolvendo-se a expressão acima tem-se que yP E = 8. O excedente do consumidor

yP E = 8
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR

u(y = 0) − u(y = 8)

189
Bens públicos

" #
1
ûA = xA − xA + 8(8) − 82 ⇒ ûA = xA − xA − 64 + 32
2
1
cSA = xA + 64 − 64 − xA 32 ⇒ cSA = 32 − 32 = 0
2
1
cSB = xB + (12 × 8) − 82 − xB ⇒ cSB = 96 − 32 = 64
2

cS = cSA + cSB = 0 + 64 = 64
cSA = ûA + T
cSB = ûA − T

11.4 Provisão Privada dos Bens Públicos: Ineficiência


do Equilı́brio de Subscrição
Suponha que cada consumidor contribui
PI i voluntariamente para financiar a produção do bem
i
público, y, com g , i ∈ {1, 2} e 1 g = G. Trata-se, pois, de determinar a quantidade do
bem privado, x, que será sacrificada para viabilizar y. Supondo-se que contribuição dos demais
consumidores é dada, o problema do consumidor 1 é o seguinte:

max W = ui (xi , y)
x1 ,g 1 ,y

s.a. x1 = e1 − g 1 (11.23)
y = ζ(g 1 + g 2 )
x1 ≥ 0; g 1 ≥ 0

As restrições de positividade se aplicam. Definindo λ e µ como os multiplicadores de


Lagrange das duas primeiras restrições do problema 11.23, as condições de primeira ordem são:

∂u1
=λ (11.24)
∂x1
∂u1
=µ (11.25)
∂y
0
λ = µζ (g 1 + g 2 ) (11.26)

Note-se que os consumidores consideram a contribuição do demais agentes como dada.


Portanto, o agente 1 escolhe sua contribuição em função do pagamento do agente 2, g 2 , isto
é g 1 = ξ(g 2 ). Procedendo de forma análoga para o agente 2, a função g 2 = ϑ(g 1 ) expressa
o pagamento deste agente em termos da contribuição do agente 1. Estas funções, doravante
mencionadas como funções de reação dos agentes 1 e 2, mostram o montante ótimo pago por
cada indivı́duo, para cada nı́vel de contribuição do outro agente, isto é:

g 1 = ξ(g 2 ) (11.27)
g 2 = ϑ(g 1 ) (11.28)

Tomando-se emprestado, a terminologia da teoria dos jogos, o equilı́brio de Nash corres-


ponde às decisões dos dois agentes que são compatı́veis com as restrições do problema 11.23.

190
Bens públicos

Isto ocorre quando as funções de reação de cruzam. Para o consumidor 1, a condição de oti-
malidade do problema 11.23 define sua contribuição ótima em função do montante pago pelo
agente 2. Esta condição escreve-se como:

∂u1
∂y 1 1
∂u1
= 0 = 0 (11.29)
∂x1
ξ (g 1 2
+g ) ξ (G)

Esta igualdade mostra que a produção privada de bens públicos não satisfaz a condição
de Bowen-Lindahl-Samuelson (ver equação 11.2). Isto porque o consumidor 1 contribui para o
financiamento do bem público de forma a igualar o benefı́cio marginal relativo do bem público
1
ao seu custo marginal, em termos do bem privado, ξ0 (G) , sem levar em conta os benefı́cios
(prejuı́zos) da provisão do bem público para o resto da sociedade. Procedendo de forma análoga
para o consumidor 2, tem-se que:
∂u2
∂y 1 1
∂u2
= 0 = 0 (11.30)
∂x2
ϑ (g 1 2
+g ) ϑ (G)

Este resultado é facilmente estendido para todos os consumidores; cada um deles con-
tribuirá com um montante inferior (superior) ao benefı́cio marginal social. Concluı́mos, pois,
que a descentralização da provisão do bem público leva à produção ineficiente deste bem. For-
malmente, o montante investido na compra do bem público é tal que:
∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2
1 ∂y ∂y 1 ∂y ∂y 1 1
0 = ∂u1
= ∂u2
= 0 ≤ ∂u1
+ ∂u2
= 0 P E
+ 0 PE (11.31)
ξ (G) ∂x1 ∂x2
ϑ (G) ∂x1 ∂x2
ξ (G ) ϑ (G )
Como ξ(g 1 +g 2 ) é crescente em (G = g 1 +g 2 ), o montante correspondente ao equilı́brio de
Cournot Nash, G é inferior ao investimento ótimo no bem público, isto é GP E . Este equilı́brio
é também conhecido como Equilı́brio de Subscrição, no qual os consumidores contribuem vo-
luntariamente para o financiamento do bem público. Este resultado pode ser ilustrado pelo
seguinte exemplo:

Exemplo 11.6 Considere uma economia com dois consumidores (i=A,B), cuja renda é
M A = M B = M = ei . Eles consomem dois bens, o bem privado x e o bem público y, cu-
jos preços são normalizados à unidade. Suponha que as funções de utilidade e as contribuições
de cada indivı́duo são expressas pelas seguintes equações:

ui = log(xi ) + log(y) (11.32)


A B
y =g +g (11.33)

Compute o equilı́brio de subscrição para esta economia e compare-o com o equilı́brio eficiente.

Solução: Para encontrar a função de reação do individuo A, resolve-se o seguinte problema. :

max uA = uA (xA , g A )
xA ,y,g A

s.a xA + g A = M
gA + gB = y

Este consumidor escolhe o seu consumo do bem privado xA e sua contribuição, g A para
a compra do bem público, de forma à maximizar sua utilidade sujeito à restrição orçamentária

191
Bens públicos

e ao fato de que g A + g B = y. Considerando que xA = M − g A , a condição de primeira ordem


com respeito à g A requer que:
1 1
− A
+ A =0 (11.34)
M −g g + gB
Resolvendo a expressão acima para g A , tem-se que:
M gB
g A (g B ) = − (11.35)
2 2
A equação 11.35 corresponde à função de reação do indivı́duo A. Se o agente B não
contribuir para o financiamento de y, a contribuição de A será a metade de sua renda. Quanto
maior a contribuição do agente B, menor será o pagamento do agente A. Procedendo de forma
análoga para o consumidor A, encontra-se a função de reação deste indivı́duo:
M gA
g B (g A ) = − (11.36)
2 2
A expressão acima constitui a melhor resposta do indivı́duo B, quando o agente A
declara g A como sua contribuição para o financiamento do bem publico, y. As contribuições
de equilı́brio g A e g B são obtidas resolvendo-se, simultaneamente, as equações 11.36 e 11.35.
Substituindo 11.36 em 11.35, tem-se que:
B
A M M
− g2
g = − 2 (11.37)
2 2
Resolvendo a equação acima para g A e usando o resultado em 11.36, tem-se que:
M B M
gA = ;g = (11.38)
3 3
Então, o par de contribuições ( M3 , M3 ) corresponde ao ponto no qual as funções reação
dos agentes 1 e 2 se cruzam. Trata-se, pois, do equilı́brio de Nash. A contribuição total é igual

2M
y = gA + gB = (11.39)
3
A Figura 11.4 ilustra o equilı́brio de Nash, também conhecido como o equilı́brio de
Cournot-Nash, por sua semelhança como o caso do duopólio de Cournot.

Figura 11.2: Bens Públicos: Contribuições Ótimas

192
Bens públicos

É fácil verificar que no Equilı́brio de Cournot-Nash, a alocação entre bens públicos e bens
privados não é eficiente no sentido de Pareto. Para demonstrar esse ponto, vamos comparar as
contribuições ótimas neste equilı́brio com as que prevalecem no equilı́brio socialmente eficiente.
Para tal, considere uma função de bem estar utilitarista,tal que:

W = uA + uB (11.40)
Neste caso, o governo deseja encontrar as contribuições que asseguram o nı́vel eficiente
do bem público. Isto equivale a resolver o seguinte problema:

max W = log(M − g A ) + log(g A + g B ) + log(M − g B ) + log(g A + g B )


g A ,g B

Como os agentes são simétricos, g A = g B = g, então:


max W = log(M − g) + log(2g) + log(M − g 2 ) + log(2g) = 2log(M − g) + 2log(2g)
g

Lembrando que g + g = 2g = y, a expressão acima torna-se,


y
max W = 2log(M − ) + 2log(y)
g 2
As condições de primeira ordem são:
1 2 2
− y + =0 (11.41)
2 [M − 2 ] y
Resolvendo-se a expressão acima para y:
yP E = M (11.42)
Comparando-se este resultado com a contribuição voluntária total dos dois agentes -
2M
3
,vê-se que a provisão privada do bem público é inferior a que seria socialmente eficiente.
Consequentemente, a provisão privada dos bens públicos conduz ao subconsumo deste bem.

11.5 Alocação e Distribuição: O Teorema da Neutrali-


dade
Desde o trabalho seminal de Musgrave, pesquisadores em economia pública buscam saber em
que medida as decisões de alocação e de distribuição dos bens e recursos entre o setor público
e o setor privado podem ser tomadas de forma independente. Na teoria dos bens públicos, isto
equivale a se perguntar se existe um nı́vel socialmente ótimo único do bem público (y) ou, se
ao contrário, a quantidade eficiente de y depende não somente dos recursos alocados no setor
privado, mas também de sua distribuição entre agentes. A resposta para esta questão depende
crucialmente da forma particular assumida pelas preferências.
Vários autores tentaram responder esta questão (Bergstrom e Cornes, 1983; Bergstrom,
Bume e Varian, 1986, Bergstrom e Varian, 1999) 3 . A análise de Coase, que preconizava esta
independência, supunha, implicitamente, formas restritas para as preferências. Em particular,
a formalização do teorema de Coase em livros-textos considera funções de utilidade quase-
lineares. Neste tipo de funções, a ausência de efeito renda assegura que as questões alocativas
podem ser dissociadas dos problemas de repartição de recursos.
No centro desta discussão tem-se o fato de que cada agente, de fato, escolher
PI o nı́vel do
bem público (y). Por exemplo, se o i-ésimo agente não contribuir, então y = 1 gi = g−i .
3
Theodore Bergstrom and Richard Cornes. Independence of allocative efficiency from distribution in the
theory of public goods. Econometrica, 51(6): 1753-65, 1983.

193
Bens públicos

11.5.1 O Teorema da Neutralidade no Equilı́brio de Contribuições


Voluntárias
O problema da otimização no equilı́brio de Nash torna-se, então:

max ui (xi , y) (11.43)


xi ,y

sujeito a: xi + y = ei + g−i
y ≥ g−i
Teorema 11.1 Teorema da Neutralidade Suponha que as contribuições gi∗ sejam inici-
almente um equilı́brio de Nash. Considere uma redistribuição de renda entre contribuintes
(gi > 0). Esta distribuição se faz mediante transferências de bens privados, Ti , tal que:
I
X
Ti = 0
i=1
gi∗ = 0 =⇒ Ti = 0, Ti < gi∗
No equilı́brio pós-transferências, cada agente têm exatamente a mesma cesta que detinha antes
da redistribuição, isto é, ∀i ∈ I:
gi∗ (T ) = gi∗ − Ti
x∗i (T ) = x∗i
y ∗ (T ) = y ∗ (T )
Prova: Suponha que ∀i 6= j, a nova contribuição é gj∗ (T ) = gj∗ −Tj > 0. Como ´
P
j6=i Tj = −Ti ,
a restrição orçamentária do agente i torna-se
xi + gi = ei − Ti (11.44)
∗ ∗
xi + gi + g−i (T ) = ei − Ti + g−i (T ) (11.45)
∗ ∗
P
Porém, g−i (T ) = − Tj ) = −Ti . Então,
j6=i (gj
X
xi + gi + gj∗ − Ti = xi + y − Ti = ei − Ti + g−i

(11.46)
j6=i

onde y = gi + j6=i gj∗ . Consequentemente, o agente i escolhe o par (gi , xi ) de sorte a resolver
P
o seguinte problema:
max ui (xi , y)
xi ,y

sujeito a: xi + y = ei +∗−i
∗ ∗
y ≥ g−i (T ) = g−i + Ti
que é similar ao problema 11.7, P exceto pela fato de a restrição de positividade da contribuição

ser y ≥ g−i (T ), já que −Ti = j6=i Tj . Como supõe-se que gi∗ ≥ Ti , é possı́vel obter o equilı́brio
anterior, y ∗ = gi∗ + g ∗ −i ≥ Ti + g ∗ −i = g ∗ −i(T ). Dois casos merecem destaque:
a. Ti > 0: imposto que reduz o conjunto orçamentário. Pelo principio da revelação das pre-
ferências, y ∗ , como o equilı́brio anterior é ainda factı́vel no equilı́brio pós-transferências, ele
continua sendo preferı́vel às demais opções.
b. Ti < 0: transferências que expandem o conjunto orçamentário. Suponha que existe (x̂i ŷ), |
ui (x̂i ŷ) > ui (x∗i , y ∗ ). Por convexidade estrita das preferências, para α ∈ (0, 1), T = 0, temos
que
ui [(αx̂i + (1 − α)x∗i ), (αŷ + (1 − α)y ∗ )] > ui (x∗i , y ∗ )
Porém, para α suficientemente pequeno,

194
Bens públicos

11.5.2 Neutralidade e a regra B-S-L


Um exemplo simples permite ilustrar este caso.

Exemplo 11.7 Considere um economia pública com dois consumidores que gastam sua
renda com um bem público (y) e um bem privados (x). Os preços dos bens públicos e privados
são ambos iguais à unidade. Supondo-se preferências quase lineares, as funções de utilidades
√ √
desses indivı́duos são, respectivamente, u1 = x1 + 2 y e u2 = x2 + y. A renda total (M)
é igualmente distribuı́da entre os agentes 1 e 2. Aplicando-se a condição B-L-S e a regra de
factibilidade, tem-se que:
1 1
√ + √ =1 (11.47)
y 2 y
x1 + x 2 + y = M (11.48)

Ilustre graficamente a curva de possibilidades de utilidade e mostre que a Regra B-L-S produz
um equilı́brio único nesta economia.

Solução É fácil verificar que a Regra B-L-S garante que existe um nı́vel único ótimo do
bem público, y = 94 . Utilizando o valor ótimo de y, podemos computar as demandas pelo bem
privado dos agentes 1 e 2, a saber, x1 = x2 = M2 − 49 . A fronteira de possibilidades de utilidades
que corresponde a este problema é:

u1 + u2 = x1 + x2 + 3 g
  "r #
M 9 9
=2 − +3
2 4 4
=M

Plotando-se a curva de possibilidade de utilidade para M = 6, M = 8 e M = 10, verifica-se,


facilmente, que estas preferências são paralelas, isto é:

Figura 11.3: Curvas de Possibilidade de Utilidade - Preferências Paralelas

Vamos, agora, exemplificar o caso das preferências não paralelas. Considerando-se ape-
nas dois consumidores e um bem público, produzidos sem nenhum custo desde que a quantidade
se situe entre zero e duas unidades. Neste caso, o conjunto das alocação factı́veis é:

F = {(x1 , x2 , g) | x1 + x2 = M, g ∈ [0, 2]} (11.49)

195
Bens públicos

onde M representa a renda agregada da economia. As preferências são dadas pela seguinte
expressão:
2
ui (xi , y) = xi e−αi (y−1) , α1 > α2 > 0; (11.50)
u (x ,y) i i
O consumo do bem privado para o i-ésimo individuo é xi = −α 2 . Utilizando a equação
e i (g−1)
11.49 e somando sobre consumidores, podemos representar a fronteira de possibilidades de
utilidade, contingente ao valor de y como:
u1 u2
M= (y−1)2
+ (11.51)
e−α1 e−α2 (y−1)2
com y ∈ [0, 2]. A Figura 11.5.2 ilustra esta fronteira. A linha AB representa a curva de
2
possibilidade de utilidade, contingente ao valor de y = 0, isto é, u1 + u2 = M/[e−α2 (y−1) ]. A
medida que o valor de y aumenta, a inclinação da fronteira aumenta, quebrando a paralelidade.

Figura 11.4: Preferências Não Paralelas e a Independência de Coase

Definição Preferências uniformemente affine nos bens privados As preferências são


uniformemente affine nos bens privados se elas podem ser representadas por funções de utilidade
do tipo
ui (xi , y) = A(y)xi + Bi (y); (11.52)

Exemplo 11.8 Considere uma economia na qual todos os agentes têm a seguinte função de
utilidade:
I
X
i α
u (xi , y) = y [xi + βi y + γi ]; 0 < α < 1; βi = 0; γ > 0; (11.53)
i=1

Suponha que uma unidade do bem público pode ser produzida sacrificando-se uma unidade do
bem privado. A dotação inicial de bens privados é igual a W. Encontre a quantidade produzida
do bem público que satisfaz a regra de Bowen-Lindahl-Samuelson. Mostre que o resultado obtido
independe da distribuição de recursos entre os bens privados.

Solução: A taxa marginal de substituição entre o bem privado e o bem público é:
i α
T M Sx,y = [xi + βi + γi ] + βi (11.54)
y

196
Bens públicos

Somando-se a expressão acima sobre i e aplicando-se a Regra B-L-S ( Ii=1 T M S i = 1):


P

" I I
#
X X
y=α xi + γi (11.55)
i=1 i=1

11.6 O Efeito Deslocamento(Crowding out) dos Bens


Públicos
11.7 Equilı́brio de Lindahl
No Equilı́brio de Subscrição descrito na seção anterior, a quantidade de bens públicos ofertada
pelo setor privado era inferior à socialmente eficiente, sugerindo a provisão centralizada deste
bem pelo governo (ou por outro gestor).
A análise de Lindahl4 mostra que o setor privado pode ofertar bens públicos de forma
eficiente, por meio de contribuições voluntárias. O ponto central de sua análise reside em
definir essas contribuições como preços personalizados para cada agente, denominados preços
de Lindahl. Neste enfoque, que mimetiza o modelo walrasiano: o modelo de Lindahl difere do
modelo walrasiano pelo fato de que neste modelo, os consumidores confrontam-se com o mesmo
preço, mas consomem quantidades distintas do bem privado. No modelo de Lindahl, os agentes
pagam preços diferentes para consumir a mesma quantidade de bem público.
Considere, agora, uma economia pública com bens privados x ∈ RN + e bens públicos
N
y ∈ R+ . Seja v o insumo usado para produzir o bem público. Seja q ∈= τ p, onde τ i ∈ {0, 1}
i i

representa a parcela do preço do bem público paga pelo i-ésimo consumidor, de sorte que
i
P
i∈I τ = 1, de sorte que:
X X
qi = q = gi
i∈I i∈I

Supondo-se que o bem público é produzido por uma única empresa, cuja função de custo
é c(y) = pv, com y = f (v). O problema da firma é:

max qy − pv
y

s.a y = f (v)
y ≥ 0; v ≥ 0

A solução deste problema determina a oferta de bens públicos e a demanda do insumo


(bem privado) v em função da soma dos preços personalizados de Lindahl, q. Assumindo-se
competição e uma tecnologia de produção do bem público, caracterizada por retornos constantes
de escala, tem-se que:
qy − pv = 0 (11.56)
O lucro máximo é igual a zero. Portanto, o custo marginal iguala-se ao custo médio,
constante e igual à q = ∂c(v)
∂v
= c(v)/v = v. À exemplo do modelo walrasiano, o i-ésimo con-
sumidor deseja maximizar sua utilidade, sujeito à restrição orçamentária. A única modificação
reside no fato de que, no modelo de Lindahl, cada agente arca somente com parte do custo
4
Lindahl, Erik (1919). Just taxation -a positive solution”, in Musgrave, R. A.; Peacock, A. T., Classics in
the Theory of Public Finance, London: Macmillan, 1958.

197
Bens públicos

do bem público y, enquanto que no equilı́brio de subscrição, ele paga o custo total de y. O
problema do consumidor torna-se, então:

max
i
ui (xi , y)
x ,y
(11.57)
s.a. xi + τ i q y

As condições de 1a ordem garantem que:

∂ui (xi , y)/∂y τ iq


= = τ iq (11.58)
∂ui (xi , y)/∂xi p

Portanto, determinar os preços de Lindahl (q i ) equivale a determinar as parcelas τ i .


Supondo que o bem privado é o numerário, o lado direito da expressão (11.58) escreve-se como:

τ iq = qi

Definição Equilı́brio de Lindahl Uma alocação (xi , y), suportada pelos preços (p, q1 , . . . , qI )
é um Equilı́brio de Lindahl se, e somente, se:

i. Factibilidade: (xi , q i , y) ∈ F (e), isto é: i∈I xi + v ≤ i∈I ei


P P

ii. Existe p ∈ <n+ ; q i ∈ <k+ , ∀i ∈ I tais que:

pxi + q i y 6 pei
(x̃i , ỹ) i (xi , y) =⇒ px̃i + q i ỹ > p ei
q y − pv = 0
X X
pv = p ei − p xi ;
i∈I i∈I

iii. ui (xi , y) maximiza a utilidade s.a xi + q i y 6 mi ; mi = pei , ∀i ∈ I.

Note-se que o equilı́brio walrasiano pode ser visto como um caso especial do Equilı́brio
de Lindahl, no qual existem bens públicos.

Teorema 11.2 Todo equilı́brio de Lindahl, definido pela alocação (x, y) e pelos preços (p, q1 , . . . , qI )
é fracamente Pareto-Eficiente e, sob não saciedade local, é Pareto-Eficiente.

Prova Por contradição. Suponha que o equilı́brio de Lindahl, sob não saciedade local, é
ineficiente. Nesse caso, existe (x̃i , ỹ) tal que:

(x̃i , ỹ) % (xi , y), ∀i e


(x̃j , ỹ) j (xj , y), para algum j, j 6= i

Então, pela não saciedade local das preferências, temos que:

px̃ji + q i ỹ > pei , ∀i 6= j (11.59a)


j j j
px̃ + q ỹ > pe , (para algum j) (11.59b)

Somando-se 11.59a e 11.59b sobre i:


I
X I
X I
X
i i
px̃ + q ỹ > pei (11.60)
i=1 i=1 i=1

198
Bens públicos

" I I
#
X X X
p x̃i − ei + q i ỹ > 0 (11.61)
i=1 i=1 i

q i = q. Podemos reescrever a expressão acima como:


P
Porém, i
" #
X
p (x̃i − ei ) + q ỹ > 0 (11.62)
i

Lembrando que a tecnologia utilizada para produzir o bem público apresenta retornos constan-
tes de escala, os lucros são nulos, isto é:

q ỹ − pṽ ≤ qy − pv = 0 (11.63)

Usando a expressão acima, a desigualdade em 11.62 pode ser reescrita como:


" #
X
p (x̃i − ei ) + pṽ > 0 (11.63a)
i

e, finalmente, " #
X
(x̃i − ei ) + ṽ > 0 (11.64)
i

o que contradiz a hipótese de factibilidade da alocação (x̃, ỹ). Portanto, a alocação de Lindahl
(x, y) é eficiente no sentido de Pareto.

Quando existe apenas um bem privado e um bem público, a definição do equilı́brio de


Lindahl é bem mais simples:
Definição Uma alocação (x, y) constitui uma alocação de Lindahl se ela é factı́vel e existe q i ,
∀i ∈ I tal que:
i x i + q i y = ei

ii (x̃, ỹ) i (x, y) =⇒ x̃ + q i ỹ > ei


PI
iii i=1 = q

Se a alocação (x, y) constitui um equilı́brio de Lindahl interior, então, as condições de


primeira ordem do problema de maximização de utilidade (max u(x, y), s.a. px + qy 6 pe ) são
as seguintes:
∂ui /∂y qi
=
∂ui /∂xi 1 (11.65)
i q i qi
T M Sx,y = =
p 1
Somando-se sobre i tem-se a condição de Bowen-Lindahl-Samuelson:
I Xq
X
i q
T M Sx,y = = = T M Tx,y
i=1 i
p 1

X  ∂ui (xi , y)/∂y  X X


=v τi = qi = q (11.66)
i∈I
∂ui (xi , y)/∂xi i∈I i∈I

199
Bens públicos

A expressão (11.66) escreve-se, ainda, como:


X
i
T M Sx,y = T M Tx,y (11.66a)
i∈I

que é exatamente a condição de Lindahl-Samuelson obtida quanto o bem público y era ofertado
pelo governo. A Figura 11.5 ilustra o Equilı́brio de Lindahl.

Figura 11.5: Diagrama de Lindahl

As funções de reação dos agentes 1 e 2 são, respectivamente, D1 (τ 1 ) e D2 (τ 2 ). Note-se


i
que ∂D∂τ(τi i ) < 0. O equilı́brio de Lindahl ocorre na interseção entre as duas curvas de reação
(ponto EL). Se a quantidade de bem público desejada pelo agente 2 y2 > yL∗ , então τ1 + τ2 < 1.
Consequentemente, as contribuições dos consumidores são inferiores ao preço do bem público,
sendo, pois, necessário reduzir a quantidade de y. Ocorre o contrário se y2 < yL∗ . Neste caso,
τ1 + τ2 > 1 implicando, assim, que o beneficio marginal relativo do bem público supera o seu
custo e eleva a demanda do agente 2 por 5. Raciocı́nio análogo aplica-se ao agente 1.

Exemplo 11.9 Considere uma economia, cujas preferências, tecnologia e restrição orçamentária
são as seguintes.

ui (xi , y) = xαi i y 1−αi ,0 < αi < 1


1
y= v
q
pxi + qi y = pei

O preço do bem privado serve como numerário, isto é, p = 1. Compute o equilı́brio de
Lindahl desta economia.

Solução As demandas pelos bens privado e público são:


αi e i αi e i
xi = = = αi ei (11.1)
p 1
(1 − αi )ei
yi = (11.2)
qi

200
Bens públicos

Como no equilı́brio, y = y 1 = y2 = . . . = y I (não rivalidade no consumo), temos que:

q i y L = (1 − αi )ei (11.3)

Somando a expressão acima sobre os consumidores, temos que:


X
qy ∗ = (1 − αi )ei (11.3a)
i∈I

Rearrumando-se a expressão acima e usando a equação 11.3:


P
(1 − αi )ei X
y = i∈I
L
q= qi (11.4)
q i∈I
(1 − αi )ei
qi = (11.5)
yL
Substituindo (11.4) em (11.5), podemos escrever os preços personalizados de Lindahl
como:
(1 − αi )ei
qi = P q (11.6)
i∈I [(1 − αi )ei ]
A implementação do equilı́brio de Lindahl não é simples já que ele baseia-se em preços
personalizados que dependem de caracterı́sticas pessoais tais como as preferências, reportadas
pelos próprios agentes. Em razão da impossibilidade de exclusão, os indivı́duos têm interesse
em não revelar suas verdadeiras preferências levando ao subfinanciamento do bem público.
Além disso, mesmo se a exclusão fosse possı́vel, estes mercados personalizados tendem a
ser monopsonistas, já existe um único comprador para o bem público, no caso, o i-ésimo agente.
A hipótese de que os agentes são tomadores de preços não mais se aplica, sendo os agentes
incentivados a adotar comportamentos estratégicos. Por fim, o equilı́brio de Lindahl, como
solução de mercado para a oferta de bens públicos, não considera as externalidades positivas
decorrente da provisão de bens públicos também conduzem à sub-provisão destes bens.
Segue-se que somente o governo, por meio de uma sistema de taxação apropriado, é
capaz de resolver o problema da sub-produção dos bens públicos. Note-se, porém, que o es-
tado não possui as informações necessárias para garantir a provisão eficiente desses serviços.
Em particular, é necessário implementar mecanismos que reduza o problema de revelação de
preferências.

Exemplo 11.10 Considere um condomı́nio rural com cinco moradores que partilham uma
grande área verde, cuja manutenção requer apenas pesticidas naturais(y). As funções de utili-
dade dos condôminos são dadas pelas expressão:
1
ui (xi , y) = xi − [αi − y]; α1 = 30; α2 = 27; α3 = 24; α4 = 21; α5 = 18. (11.7)
2
Os pesticidas, produzidos em mercados competitivos, custam py = R$40, 00 o galão. Norma-
lizando preço do bem x à unidade, mostre que haverá um nı́vel ótimo único de y. Compute
o equilı́brio de Cournot-Nash e mostre que esta solução é ineficiente. Calcule os preços de
Lindahl.

Solução: Como as preferências são quase-lineares, haverá um nı́vel único de y. Aplicando-se a


regra B-L-S, temos que:
5
X
i
T M Sx,y = 120 − 5y = 40 =⇒ yP E = 16. (11.8)
i=1

201
Bens públicos

No equilı́brio de Cournot-Nash, tem-se que:


1
T M Sx,y = 30 − y = 40 =⇒ y = 0; (11.9)
Procedendo de forma análoga para os demais condôminos, vê-se que na solução de
Cournot-Nash, o bem público não é produzido. Aplicando-se a solução de Lindahl, O pro-
blema do i-ésimo consumidor é:
1
max ui (xi , y) = xi − [αi − y]2
x,y 2 (11.10)
i
s.a. mi = xi + qi y, qi = τ py
i
As condições de primeira ordem satisfazem T M Sx,y = q i = αi −y = τ i 40. É fácil verificar
que os preços personalizados de Lindahl são, respectivamente, q1 = 30 − 16 = 14; q2 = 11; q3 =
8; q4 = 5; q5 = 2; as parcelas de Lindahl são τ1 = 7/20; τ2 = 11/40; τ3 = 1/5; τ4 = 1/8; τ5 = 1/20.
input./benspublicos/revelacaopref

11.8 Bens Públicos e Revelação de Preferências


Como anteriormente discutido, é razoável supor que em razão do problema do carona, os
agentes são incentivados a não revelar (ou revelar parcialmente)suas verdadeiras preferências
com respeito ao bem publico. Agindo desta forma eles esperam deslocar o custo total (ou
parcial) do bem público para os demais agentes. No que se segue, demonstrar-se-á que assim
fazendo, os agentes elevam seus nı́veis de satisfação.
Considere uma economia com dois consumidores (i = 1, 2). As preferências dos agentes
1 e 2 são sumariadas nos parâmetros ri ; pelo menos antes de reportá-los, ri constitui informação
privada do i-ésimo agente. Após a declaração de ri , os agentes buscam implementar o equilı́brio
de Lindahl. Neste equilı́brio, as quantidades do bem público e as parcelas de Lindahl são,
respectivamente, y(r1 , r2 ) e τ i (r1 , r2 ). Considere o bem privado como numerário de sorte que
p = 1. Definindo q i = τ i q como os preços de Lindahl, o consumo do bem 1 pelo agente 1 é
dado pela expressão:
x1 (r1 , r2 ) = e1 − q 1 y(r1 , r2 ) (11.1)
A utilidade do consumidor 1 pode, então, se rescrever como uma função dos parâmetros
reportados, r1 e r2 :
u1 (r1 , r2 ) = u1 [x1 (r1 , r2 ), y(r1 , r2 )] (11.2)
Supondo-se que inicialmente no equilı́brio de Lindahl, os agentes declaram suas verda-
deiras disponibilidades a pagar pelo bem bem público, a questão central é saber se é do interesse
do agente 1 reportar corretamente o parâmetro r1 , ou se ele ficaria em melhor situação se ele
mentisse à respeito da magnitude de r1 . Para responder esta questão, vamos diferenciar (11.4)
em relação à r1 :Diferenciando (11.2) em relação à r1 :
∂u1 ∂u1 ∂x1 ∂u1 ∂y
= + (11.3)
∂r1 ∂x1 ∂r1 ∂y ∂r1
Definindo-se o preço de Lindahl q 1 = τ 1 (r1 , r2 )q e a renda do consumidor m1 = pe1 = e1 ,
a equação 11.1 torna-se, então,
x1 (r1 , r2 ) = [m1 − τ 1 (r1 , r2 ) qy(r1 , r2 )] (11.4)
Diferenciando-se a expressão acima com respeito à r1 :
∂x1 (·)
 1 
∂q 1 ∂y(·)
=− y+q (11.5)
∂r1 ∂r1 ∂r1

202
Bens públicos

Substituindo (11.5) em (11.3):

∂u1 ∂u1 (·) ∂q 1 (·) ∂u1 ∂y


 
1 ∂y(·)
= − y − q +
∂r1 ∂x1 ∂r1 ∂r1 ∂y ∂r1

A expressão acima reescreve-se como:

∂u1 ∂u1 ∂q 1
 1
∂u (·) 1 ∂u1 ∂y

=− 1 y− q −
∂r1 ∂x ∂r1 ∂x1 ∂y ∂r1
 1 
∂u /∂y
Lembrando que τ 1 py = q 1 = ∂u 1 /∂x1 , a expressão acima torna-se:

∂u1 ∂u1 ∂q 1
 1 1
∂u1 ∂y
 
∂u ∂u /∂y
=− 1 y− − (11.6)
∂r1 ∂x ∂r1 ∂x1 ∂u1 /∂x1 ∂y ∂r1

De modo que:
∂u1 ∂u1 ∂q 1
 1
∂u1 ∂y

∂u
= − 1 1y − −
∂r1 ∂x ∂r ∂y ∂y ∂r1
Finalmente:
(+)
∂u1 ∂u1 ∂q 1 (+)
=− 1 y (11.7)
∂r1 ∂x ∂r1
∂u1 ∂q 1
Note-se que na expressão (11.7) o sinal de ∂r1
deve ser contrário ao sinal de ∂r1
.

∂q 1 ∂u1
< 0 =⇒ >0
∂r1 ∂r1
O indivı́duo 1 tem interesse em mentir com respeito à r1 , sua informação privada. Ele
pode, por exemplo, fingir que gostaria de ter menos bens públicos do que ele realmente deseja -
afinal ninguém poderá contraditá-lo! Agindo assim, ele reduz q 1 , o seu preço personalizado de
Lindahl, deslocando parte de seu gasto com o bem público para o agente 2. Consequentemente,
para uma dada quantidade de y, uma parte maior de sua renda poderá ser destinada ao consumo
do bem privado, elevando, assim, seus nı́veis de utilidade. Daı́ o problema do ”carona”.
Segue-se, pois, que no equilı́brio de Lindahl os indivı́duos têm incentivo a mentir (não
revelar suas verdadeiras preferências) porque assim procedendo eles elevam seus nı́veis de utili-
dade. Concluı́mos,então, que é necessário estabelecer mecanismos de revelação de preferências,
para remediar o problema do ”carona”.

11.9 Exercı́cios
I. VERDADEIRO OU FALSO: JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA.

1. Todo equilı́brio de Lindahl (x∗ , y ∗ ), suportado pelo sistema de preços (p∗ , q1∗ , . . . , qI∗ ) é
fracamente Pareto-Eficiente e, sob não saciedade local, é Pareto-Eficiente.
2. A oferta de bens públicos determinada por voto majoritário é eficiente no sentido de
Pareto.
3. Quando um bem público é financiado por meio de contribuições voluntárias, a quanti-
dade ótima deste bem satisfaz a regra de Bowen-Lindahl-Samuelson.
4. Se as preferências individuais forem single peaked, todos os contribuintes votarão, de
forma unânime, por mesma quantidade do bem público.

203
Bens públicos

5. Quando as preferências são separáveis entre o bem público e bem privado, o equilı́brio
de Bowen - Lindahl - Samuelson depende da repartição dos bens privados entre os
indivı́duos.
6. Dois consumidores idênticos partilham um bem público; no equilı́brio de Lindahl cada
um contribuirá para financiá-lo com o equivalente ao seu beneficio marginal privado.

II. QUESTÕES ABERTAS

1. Suponha que José e Haroldo gastam sua renda com um bem público (y) e bens privados
(x). Os preços dos bens públicos e privados são ambos iguais à unidade. Supondo-
se que as funções de utilidades desses indivı́duos sejam dadas, respectivamente, por
√ √
uJ = xJ + 2 y e uH = xH + y e que a renda é igualmente distribuı́da entre Haroldo
e José.
i. Determine a quantidade Pareto ótima de G.
ii. Escreva uma expressão para a fronteira de possibilidades de utilidade. Ilustre
graficamente sua resposta.
2. Suponha que os alunos do PPGE decidam comprar uma cafeteira Nespresso,N , para
colocar na sala de estudos do programa. Considere que você e alguns alunos são viciados
em café, estando, pois, mais dispostos contribuir para ter a máquina, que os outros
estudantes, não viciados. O custo da máquina de café é c. A disponibilidade a pagar
dos alunos - viciados ou não - pela cafeteira constitui uma informação privada. A função
de alocação é binária de sorte que N ∈ {0, 1}, isto compra-se, ou não, a cafeteira. Seja
ti a transferência para o i-ésimo aluno, cuja função de utilidade é ui (N, θi , ti ) = N θi −ti .
Suponha que i = 0 é o vendedor da cafeteira.
i. Encontre uma regra de decisão na qual (i) cada aluno reporta sua avaliação e (ii)
a cafeteira é comprada se, e somente, sua compra é eficiente no sentido de Pareto.
Suponha que i = 1, . . . , I alunos cuja avaliação privada é θi ∼ u(0, 1).
ii. Existe uma regra de repartição dos custos que incentiva os alunos a revelarem suas
verdadeiras preferências em relação à compra da máquina?
iii. Considere uma regra igualitária, na qual a cafeteira é comprada e seu custo repar-
tido igualmente entre os alunos.
iv. Mostre que no caso anterior, a transferência é ti (θ) = Ic N (θ).
v. Seja v i = v i (θ̃|θi , θ−i )i o payoff do aluno i quando ele reporta v i (θ̃), ao invés de sua
verdadeira avaliação, θi ; os demais alunos revelam verdadeiramente, θ−i . Mostre
que:
c
v i (θ̃) = [θi − ]N (θ˜i , θ−i ) (11.8)
N
3. Anita, Berenice e Carol dividem uma casa no Castelo Branco. Eles desejam contratar
um serviço de TV a cabo (y) que será instalado na casa. O custo deste serviço eleva-se
a R6, 00 para qualquer nı́vel não-negativo de y. As preferencias de Anita, Berenice e
Carol são dadas pela seguinte função:

u = xi + ri log y, rA = 4; rB = 8; rC = 36 (11.9)

onde x é o valor gasto com os demais bens; ri , as disponibilidades a pagar dos estudantes
pelos serviços de TV, são rA , rB e rC . Cada um deles dispõe de R40, 00 para gastar
com a TV paga.
i. Determine os nı́veis de serviços de TV a cabo consistentes com a otimalidade de
Pareto, para y > 0;

204
Bens públicos

ii. Determine o equilı́brio de Lindahl (preços e alocação de recursos);


iii. Encontre o equilı́brio de Cournot-Nash.
4. Tito e Berenice dividem um pequeno apartamento. Eles consomem apenas dois bens: os
serviços limpeza da área comum do apartamento (doravante mencionado como o bem z)
e uma renda (mT emB ). As funções de utilidade de Tito e Berenice são, respectivamente,
uT (z, mT ) = min[2z, mT ] e uB (z, mB ) = min[z, mB ]. Uma hora de serviços de limpeza
(z) pode ser transformada em uma unidade de renda. Na ausência de gastos com
serviços de limpeza, z = 0. Tito e Berenice, juntos, dispõem de R$120, 00. Considere
as seguintes alocações:

(z, mT , mB ) =(30, 60, 30)


(z, mT , mB ) =(60, 20, 40)
(z, mT , mB ) =(40, 50, 40)
(z, mT , mB ) =(36, 40, 36)

i. Para cada alocação, determine se ela é Pareto-ótima e se é possı́vel empreender


melhorias de Pareto.
ii. Ilustre a fronteira de possibilidades de utilidade para Tito e Berenice.
iii. Suponha que a renda total é dividida igualmente entre Tito e Berenice. A alocação
(1) constitui um equilı́brio de Lindahl?

205
12

Mecanismos para a provisão de bens públicos

”Mechanism design is the art of designing the rules of the game so that the
desirable outcome is reached despite the fact that each agent acts in his own self-
interest.”

T. Sandholm

No capı́tulo anterior, mostramos que, em presença de informação privada, a provisão descentra-


lizada dos bens públicos não é eficiente no sentido de Pareto porque os agentes econômicos não
têm interesse em revelar suas verdadeiras preferências com respeito a esses bens, caracterizados
pela não excludência. Cria-se, então, uma clivagem entre a disponibilidade a pagar pelo bem
público reportada e a contribuição para o seu financiamento. Esta divergência pode inclusive
comprometer a provisão do bem público, mesmos nos casos em que seria eficiente provê-lo.
Torna-se, então, necessário recorrer a estratégias que induzam os indivı́duos a repor-
tarem corretamente suas disponibilidades a pagar pelo bem-público. Para tal, a literatura
especializada foi buscar ajuda na teoria dos contratos, em sua vertente que trata de esquemas
de revelação de preferência, denominados mecanismos. Estes mecanismos podem ser vistos
como tipos particulares de jogos nos quais a informação é incompleta ou assimétrica. Com base
na teoria do agente-principal na qual o principal - o governo, por exemplo - tenta acessar a
informação privada dos agentes.
Porém, o agente somente reportará corretamente a informação que ele detém se o prin-
cipal incentivá-lo por meio de transferências financeiras (ou outras formas de compensação
pela partilha da informação privada). Considerando que os incentivos têm custos, o principal
confronta-se com o trade-off que envolve, de um lado, a busca pela informação correta e, de
outro, o custo associado ao acesso à informação privada. A solução deste trade-off nem sempre
produz resultados eficientes no sentido de Pareto.
A teoria do desenho de mecanismo tenta restaurar as condições de eficiência por meio de
esquemas que induzam à revelação verdadeira da informação privada. O cerne deste capı́tulo
é mostrar que existem funções de escolha social que, não somente são eficientes, mas também
constituem estratégias dominantes incentivo-compatı́veis. A seguir, os principais mecanismos
de revelação de preferências, serão sucintamente analisados.

12.1 Desenho de Mecanismos: Definições Básicas


Quando as preferências dos agentes sobre as diferentes opções sociais dependem de informação
privada e transferências são permitidas, o problema do governo resume-se à duas decisões
básicas: que alternativa escolher e qual o custo desta escolha. Os agentes baseiam suas decisões
comparando a utilidade da opção com o pagamento resultante dessa escolha. No âmbito desta

206
Mecanismos para a provisão de bens públicos

teoria, as preferências quase-lineares assumem um papel central. Em particular, este tipo de


preferência permite separar a utilidade da opção escolhida do pagamento associada a esta opção.
Isto porque, a diferença entre utilidade e pagamento é uma função linear do pagamento exigido.
Esta separabilidade permite formular restrições de compatibilidade de incentivos.
Seja A = {a, b, ..., z} o conjunto das decisões públicas, N = 1, ..., N o conjunto dos
agentes e T = (t1 , ..., tN ) o vetor de transferências, com i ∈ N . As preferências do agente i são
descritas por um vetor [ui (a), ui (b), ..., ui (z)]. Supondo-se que as preferências são quase-lineares,
a função de utilidade lı́quida do agente i, sob a decisão a ∈ A é dada pela seguinte expressão:

v i = ui (a) − ti (12.1)

Definição Resultado Um resultado (a, t) é um vetor (a,t), onde a ∈ A e t ∈ T = (t1 , ..., tI ).

Definição Mecanismo Um mecanismo - composto de um conjunto de opções disponı́veis


para cada agente e de uma regra de decisão - é um mapeamento de ui : A → <, cujo resultado é
[a(u), t(u)], para todo perfil de preferências u = (u1 , ..., uI ), tal que [a(u), t(u)] não se modifica
quando se soma uma constante αi a cada ui , isto é, se vi (z) = ui (z) + αi , ∀z ∈ A e i ∈ I, então
a(u) = a(v) e t(u) = t(v).

Definição Mecanismo eficiente Um mecanismo é eficiente se ele sempre seleciona uma


decisão eficiente, isto é: " I #
XI X
ui (a) = max ui (b) (12.2)
b∈A
i=1 i=1

Definição Factibilidade dos mecanismos Um mecanismo é factı́vel se ele não gera déficit
fiscal, isto é:
Xn
ti (u) > 0 (12.3)
i=1

Note-se que estamos tratando de otimalidade de secondPbest: as noções de eficiência e


factibilidade não excluem a existência de um superávit fiscal ( i ti > 0). Como este superávit
não pode ser redistribuı́do, um mecanismo eficiente e factı́vel pode não ser ótimo no sentido
de Pareto. Neste caso, embora este tipo de mecanismo implemente a decisão correta, ele não é
eficiente porque tributa excessivamente os agentes.

Definição Mecanismo revelador em estratégia dominante Um mecanismo é revelador


em estratégia dominante (não manipulável) se, e somente se, para todo perfil de referências,
∀u, ∀v, ∀i ∈ I,

ui [a(u)] + ti (u) ≥ ui {a[vi (u−i )]} + ti [vi (u−i )], (12.4)

12.2 O Mecanismo de Vicrey-Clarke-Groves


O mecanismo de Vickrey-Clarke-Groves, doravante mencionado como o mecanismo V CG,
também conhecido como o mecanismo Clarke-Groves, deve seus nomes aos economistas William
Vickrey, Edward Clarke, and Theodore Groves. Vickrey (1961)1 em seu trabalho seminal sobre
leilões introduziu o mecanismo VCG. Posteriormente generalizado por Clarke (1971)2 e Groves
1
William Vickrey. Counterspeculation, auctions, and competitive sealed tenders. Journal of Finance, 16(1):8-
37, 1961.
2
E. Clarke. Multi-part pricing of public goods. Public Choice, 11:17-23, 1971

207
Mecanismos para a provisão de bens públicos

(1973) 3 para contemplar uma ampla classe de mecanismos incentivo-compatı́veis em estratégia


dominante, estes esquemas são muito utilizados em economia pública, quando as preferências
são quase-lineares.
O ponto central deste tipo de mecanismo é fazer com que o prejuı́zo à coletividade,
causado pelo agente que reporta erroneamente sua informação privada seja por ele compensado
sob forma de pagamento aos demais agentes. A inclusão deste custo incentiva os agentes
envolvidos a reportarem suas verdadeiras preferências.

12.2.1 Mecanismos Vickrey-Clark-Groves: o caso discreto


Considere a economia pública descrita no capı́tulo anterior. Seja ri , a disponibilidade máxima
do agente i para pagar pelo bem público e si = cci , a parcela do custo do bem púbico que
recai sobre o agente i. Supondo-se que o bem público, y, é financiado exclusivamente pelos N
agentes, o benefı́cio lı́quido do i-ésimo agente derivado do consumo de y é dado pela seguinte
expressão:
v i = r i − si c (12.5)
O bem público é provisionado se, e somente se, o benefı́cio lı́quido de produzi-lo é maior
ou igual a zero, isto é, ( PN i i i
1 se i=1 v = r − s c > 0
y= (12.6)
0 de outra forma
Como vimos anteriormente, é razoável supor que em razão da não excludência no con-
sumo, os agentes não têm interesse em revelar a informação privada, ri . Os mecanismos do
tipo VGC podem induzi-lo a dizer a verdade. Em um ambiente quase linear, o problema do
i-ésimo agente é:

max ui (xi , y) = xi − ei + ri y
x,y

s.a xi + g i y = ei + ti

Utilizando a restrição orçamentária para isolar o valor de xi e substituindo-o na função


de utilidade , tem-se que:

ui (ti , y) = ti + ri y − g i y
= ti + (ri − g i )y
= ti + v i y

Groves (1973) propôs um mecanismo no qual os agentes declaram seus benefı́cios lı́quidos,
b que podem diferir do valor verdadeiro v i . Seja M i = A, o espaço de decisão do agente i,
i

Exemplo 12.1 Considere um condomı́nio, no qual os três condôminos devem decidir se


desejam (ou não) ampliar os jardins. Uma empresa de jardinagem cobra R$150 pelo projeto
de melhoria, incluindo os insumos mencionados no projeto. Suponha, ainda, que o custo desta
ampliação é dividido igualmente entre os condôminos. Os benefı́cios da melhoria dos jardins
são, respectivamente, R$20, R$40 e R$100, reportados pelos condôminos 1, 2 e 3. Os jardins
serão ampliados somente se a soma dos benefı́cios reportados forem superiores à R$150.
i. Mostre que a ampliação dos jardins é uma decisão socialmente ótima.
ii. Se cada condômino revelar de forma independente, seus benefı́cios, mostre que o mecanismo
de Clarke-Groves induz os condôminos a revelarem suas verdadeiras preferências.
3
T. Groves. Incentives in teams. Econometrica, 41:617-631, 1973

208
Mecanismos para a provisão de bens públicos

iii. O mecanismo de Clarke-Groves é imune a coalizões formadas pelos condôminos?

iv. Qual seria a decisão de voto majoritário, neste exemplo?


150
Solução c = 150, partilhado igualmente, ci = 3
, ∀i ∈ I. Defina v i = bi −ci como o benefı́cio
marginal lı́quidos do condômino i:

v 1 = 20 − 50 = −30
v 2 = 40 − 50 = −10
v 3 = 100 − 50 = 50

A ampliação dos jardins é uma decisão socialmente ótima visto que a soma dos benefı́cios
marginais lı́quidos é positiva.
O mecanismo de Clarke-Groves induz à revelação das verdadeiras preferências porque
não mentir constitui uma estratégia dominante para todos os agentes. Considere o payoff do
indivı́duo 1: (
v 1 + r2 + r3 se r1 + r2 + r3 ≥ 0
π1 =
0 se r1 + r2 + r3 < 0
onde ri é a valoração declarada do agente i; v i é a valoração verdadeira. Supondo-se que os
agentes 2 e 3 dizem a verdade, r2 = v 3 ; r3 = v 3 . O payoff do agente 1 torna-se, então:
(
v 1 + v 2 + v 3 = 10 se r1 + 40 ≥ 0 ⇒ r1 ≥ −40
π1 =
0 se r1 + 40 < 0 ⇒ r1 < −40

Para mostrar que o mecanismo


P3 dei Clarke-Groves não é imune à coalizões, suponha que
1 2
r = −27; r = −8. Nesse caso i=1 r = −27 − 8 + 50 = 15. Nesse caso, o payoff de 1,
π 1 = −30 − 8 + 50 = 12; o payoff do 2, π 2 = −10 − 27 + 50 = 13. Esses payoffs são maiores
que 10. o que era impossı́vel de conseguir para cada um individualmente.
Na decisão por voto majoritário, g = 0 (Agentes 1 e 2 votarão contra a provisão do bem
público).

Definição Mecanismo de Clarke-Groves O mecanismo de Clarke-Groves (mecanismo pi-


votal) é tal que, ∀u, a(u) é eficiente e ti (u), o imposto de Clarke, é fixado de sorte que:
( )
X X
ti (u) = − uj [a(u)] + max uj (b) (12.7)
b∈A
i6=j i6=j

A expressão acima corresponde à compensação que deve ser feita pelo i-ésimo agente
quando ele impõe sua escolha preferida (por exemplo, a opção a) aos demais agentes. Para os
agentes lesados, esta transferência equivale à diferença entre a soma das utilidades da opção
b (segundo termo da equação 12.7) e a soma dos payoffs associados à opção imposta pelo i-
ésimo agente aos demais (primeiro P termo da equação 12.7).PNote-se que a função
P dej bem estar
social é utilitarista, isto é W = N
i=1 u i
. Definindo u N = N
i=1 u i
e u N −i = j6=i u , podemos
reescrever a equação 12.7 como

ti (u) = −uN −i [a(u)] + max uN −i (x) (12.8)


x∈A

Proposição 8 O mecanismo de Clarke-Groves é eficiente, factı́vel e revelador em estratégia


dominante (não manipulável).

209
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Prova O mecanismo VCG é eficiente (por definição: ver equação 12.2). Vamos, agora,
provar que ele é factı́vel. Somando-se a equação (12.8) sobre i, temos que:
n
X n
X X
ti (u) = − uN −i [a(u)] + max[uN −i (x)] (12.9)
x∈A
i=1 i=1 i
Pn
Porém, o termo i=1 uN −i [a(u)] da expressão acima pode ser rescrito como:
n
X N
X
uN −i [a(u)] = [uN [a(u) − ui (a(u))]]
i=1 i=1
XN n
X
= uN [a(u)] − ui [a(u)]
i=1 i=1
= N uN [a(u)] − uN [a(u)]
= (N − 1)uN [a(u)]

Utilizando a expressão acima na equação (12.9), tem-se que:


N
X n
X
ti (u) = −(N − 1)uN [a(u)] + max[uN −i (x)] (12.10)
x∈A
i=1 i=1

A equação 12.10 pode ser vista como a restrição orçamentária


Pn do governo. A factibilidade
requer a não negatividade desta restrição. Sabendo-se que i=1 max[uN −i (x)] = (N −
b∈A
1)max uN (x), podemos reescrever a equação 12.10 como:
x∈A

n
X
ti (u) = −(N − 1)uN [a(u)] + (N − 1)max uN [(x)] (12.11)
x∈A
i

Supondo-se que a opção a maximiza uN , tem-se que:

(N − 1) max[uN (x)] = (N − 1)uN [a(u)] (12.12)


N
X N
X
= uN [a(u)] ≤ max {uN −i (x)} (12.13)
x∈A
i=1 i=1

A expressão acima garante que que a restrição orçamentária é respeitada, isto é:
n
X n
X
uN −i [a(u)] 6 max{uN −i (x)}
i=1 i=1

Os dois termos da inequação são iguais quando x = a(u). Portanto,


!
X
ti (u) ≥ 0 (12.14)
i

Provando, assim, a factibilidade do mecanismo de Clarke-Groves. Resta agora provar


que o mecanismo de Clarke é não manipulável. Seja a(u) = a e a(v i , uN −i ) = b, tem-se que:

ui (a) − ti (u) > ui (b) − ti (v i , uN −i ) (12.15)

210
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Substituindo (12.8) em (12.15):

ui (a) − [−uN −i (a) + maxA (uN −i )] > ui (b) − [−uN −i (b) + maxA (uN −i )]
ui (a) + uN −i (a) > ui (b) + uN −i (b)

Rearrumando os termos, temos que:

uN (a) > uN (b) (12.16)

A expressão acima é verdadeira porque a(u) = maxx∈A [uN (b)]. Conclui-se, pois que o
mecanismo de Clarke é não manipulável.

Exemplo 12.2 Compartilhamento de custo para o financiamento de um bem público,


Moulin (1988) Suponha que a decisão pública é y ∈ {0, 1}. O custo de produzir y = 1 é
c > 0. Seja b1 , ..., bN os benefı́cios dos agentes i = 1, ..., N , decorrente da provisão de y. Utilize
o mecanismo de Clarke-Groves para estabelecer as condições de provisão do bem público, y.

Solução Note-se que este exercı́cio é uma aplicação direta do mecanismo de Clarke,P em que
ui (y) assume dois valoes: ui (0) = 0 e ui (1) = bi − nc . Definindo bN = N j
P
b
i=1 i , b N −i = j6=i b ,
o resultado (y,t) pode ser escrito como:

bN ≤ c =⇒ y = a(u) = 0
   
N −1
ti (u) = −0 + max 0, bN −i − c
N

bN > c =⇒ y = a(u) = 1
   
N −1
ti (u) = −0 + max 0, bN −i − c
N

Como anteriormente visto, o bem público será provisionado se, e somente se, os benefı́cios
para a sociedade derivados do seu consumo forem superiores ao seu custo, isto é,
n
X
se bi ≤ c =⇒ y = 0 (12.17)
i=1

Neste caso, o imposto de Clarke-Groves é:


( P (N −1)
0 se j6=i bj ≤ [ N ]c
ti = P N −1
P (N −1) (12.18)
− j6=i bj + [ N ]c se j6=i bj > [ N ]c

A expressão acima considera dois casos. No primeiro caso, a exclusão do i-ésimo agente
não modifica a decisão dos demais agentes, que também preferem não produzir o bem público,
já que o benefı́cio total da provisão de y para estes agentes não cobre o seu custo. O agente i não
sendo pivô - sua exclusão não altera a decisão dos demais agentes - não precisa compensá-los.
O imposto de Clarke é zero (ti = 0).
No segundo caso, o beneficio total dos demais agentes supera o custo; estes agentes
preferem y = 1. A inclusão do agente i faz com que y = 0 modificando, assim, a decisão dos
demais agentes. O agente i é pivô devendo, pois, compensar os demais. O imposto de Clarke
corresponde a diferença entre os benefı́cios lı́quidos de custos associados à decisão de provisão
de y = 1 e aqueles decorrentes da não provisão deste bem (y = 0).

211
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Supondo-se, agora que a inclusão do agente i leva à produção de y, isto é:


N
X
se bi > c =⇒ y = 1 (12.19)
i=1

Como os custos são igualmente compartilhados, temos que:


(
c N −1
P
N
se j6=i bj ≥ [ N ]c
ti = c (N −1) (12.20)
+ [ NN−1 ]c − j6=i bj + se
P P
N j6=i bj < [ N ]c

Novamente, se a exclusão do agente i não alterar a decisão de provisionar o bem público


(y = 1), porque esta também é a preferência dos outros agentes, o imposto de Clarke dos
agentes, inclusive o agente i, corresponde ao custo per capita de y. Não sendo pivô, o i-ésimo
agente não arca com nenhum imposto adicional. Isto equivale a dizer que o imposto de Clarke
é nulo para todos os agentes.
Porém, se a inclusão do agente i leva a sociedade a produzir uma unidade de y que os
outros agentes não consideram a melhor decisão porque os benefı́cios lı́quidos são negativos,
então, o agente i deve compensá-los. Neste caso, o i-ésimo agente é pivô. O imposto de
Clarke corresponde à redução adicional dos benefı́cios lı́quidos dos demais agentes, decorrente
da imposição de y = 1 pelo pivô, quando os demais desejariam fixar y = 0.

12.2.2 Mecanismo de Groves


1. ∀i ∈ N = 1, ..., n , defina uma função arbitrária ηi (u−i ), que é independente de ui .

2. Considere o mecanismo [a(u), t(u)] tal que a(u) é eficiente ∀u e ti (u) = −un−i [a(u)]+ηi (u−i ),
∀i, ∀u.

Definição Os mecanismos que atendem os itens 1 e 2 são ditos mecanismo de Groves.

Teorema 12.1 Teorema de Groves Seja (a, t) um mecanismo de Groves, então

i. (a, t) é não manipulável

ii. Todo mecanismo eficiente e não manipulável é um mecanismo de Groves

Prova : não manipulável (exercı́cio) O fato de ser não manipulável implica que o mecanismo
de Clarke é também da classe dos mecanismos de Groves.

O Teorema 12.1 afirma que um mecanismo eficiente e não manipulável, em uma economia
que linear, é membro da classe dos mecanismos de Groves.

Teorema 12.2 Mecanismos de Groves e Equilı́brio Orçamentário Não existem mecanismos


eficientes e não manipulável que gere equilı́brio orçamentário, isto é:
n
X
ti (u) = 0, ∀u
i=1

Nota-se que o Teorema 12.2 afirma que os mecanismos de Groves são tipicamente desbalancea-
dos (geram excedentes). Esses mecanismos não são Pareto Eficientes, mas constituem soluções
de second-best.

212
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Exemplo 12.3 O mecanismo de Clarke é não manipulável Suponha que um consórcio


municipal formado por quatro municı́pios deve escolher a melhor localização para uma escola
que servirá as cidades do consórcio. Duas locações são possı́veis, a e b. As preferências são
quase-lineares do tipo ui = ui (x) + ti , onde x ∈ {a, Pb} e ti corresponde ao imposto (trans-
M
ferência). A função de bem-estar utilitarista é W = i=1 ui , M = {1, 2, 3, 4}. A Tabela 12.3
mostra a matriz de payoffs:

Tabela 12.1: Matriz de Payoffs


Municı́pios 1 2 3 4
Localização a 20 15 -10 0
Localização b -10 -5 12 4

1. Mostre que opção a é eficiente, porém manipulável.

2. Utilize o mecanismo de Clarke-Groves para induzir os membros do consórcio a revelar


suas verdadeiras preferências no tocante à localização da escola.

Solução: Note-se, em primeiro lugar, que os municı́pios pagarão até a soma dos payoffs em
termos absolutos para que a escola seja construı́da em sua localização preferida. Assim, por
exemplo, o municı́pio 1 pagará até 30 para mudar a localização da escola para a: (20+10) = 30,
isto é ele terá um payoff de 20 e deixará de perder 10, caso a opção escolhida seja b. De forma
análoga, os municı́pios 2,3 e 4 pagarão no máximo 20, 22 e 4 para que a escolha recaia sobre suas
opções favoritas. Como as preferências são quase-lineares podemos acrescentar uma constante
diferente para cada função de utilidade, de sorte que:

ui (a) + ui (b) = 0, ∀i ∈ M

Assim, por exemplo, somando-se −5 aos payoffs de 1, implica que os novos ganhos deste
municı́pios são, respectivamente, (20 − 5) = 15; −10 + (−5) = −15. Procedendo de forma
análoga para as demais cidades, podemos reescrever a matriz normalizada de payoffs como:

Tabela 12.2: Matriz normalizada de payoffs


Municı́pio 1 2 3 4
Localização a 15 10 -11 -2
Localização b -15 -10 11 2

A decisão eficiente consiste na resolução do seguinte problema:


h
X
max ui (x)
i=1
s.a. x ∈ {a, b}

Verifica-se
P i facilmente que na matriz normalizada, a localização a é eficiente, isto é,
i
P
i u (a) > i u (b):
X X
ui (a) = 15 + 10 − 11 − 2 = 12 > ui (b) = −15 − 10 + 11 + 2 = −12
i i

213
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Porém, se não houver transferências, esse mecanismo eficiente é altamente manipulável.


Por exemplo, um perdedor pode ganhar se exagerar suas perdas. Para ilustrar este ponto,
vamos supor que o consórcio deseja escolher ti de sorte o benefı́cio social pós tributação seja
igual para todos os consorciados, isto é:

(u1 (x) − t1 ) = (u2 (x) − t2 ) = (u3 (x) − t3 ) = (u4 (x) − t4 ) (12.21)

Fixando-se que t = {t1 = 12; t2 = 7; t3 = −14; t4 = −5} atende este mecanismo,


denominado Mecanismo igualitário. Com estes impostos, a utilidade liquida da opção a,
iguala-se entre cidades, isto é ûi (a) = ui (a) − ti = 3, ∀i ∈ M:

uˆ1 (a) = 15 − 12 = 3; uˆ2 (a) = 10 − 7 = 3;


uˆ3 (a) = 11 − (−14) = 3 uˆ4 (a) = −2 − (−5) = 3

Vamos, agora, mostrar que o mecanismo eficiente é manipulável. Suponha que as cidades
2, 3 e 4 revelem suas verdadeiras preferências, ui (a) = 3, i 6= 1. Se o municı́pio 1 reportar v 1 (a),
ao invés de uˆ1 (a), ele pode reduzir seu imposto, t1 . Vejamos:

v 1 (a) = uˆ1 (a) + ε, ε>0


v 1 (a) = 3 + ε

Neste caso, o imposto do municı́pio pode ser calculado pelas expressão abaixo:

3 + ε = (15 − t1 ) =⇒ t1 = 12 − ε < 12; ε>0


Resultando, assim, em ineficiências. Para corrigi-las, vamos usar o Mecanismo de Clarke-
Groves. Lembrando que o agente i é pivot se a decisão eficiente quando ele é excluı́do difere
da decisão eficiente que considera todos os agentes, é fácil verificar que, em nosso exemplo, o
municı́pio 1 é pivot. As cidades 2, 3 e 4 (maioria) escolhem a localização b porque:
4
X
ui (a) = (10 − 11 − 2) = −3
i=2
X4
ui (b) = (−10 + 11 + 2) = 3
i=2

Portanto, para esses municı́pios a decisão eficiente é a alocação (b) pois:


4
X 4
X
i
u (b) > ui (a)
i=2 i=2

Embora a opção b seja a escolha da maioria, o municı́pio 1 pode impor a localização a,


sua preferida, aos demais municı́pios. Para tal, ele pode formar coalizões com as demais cidades
de forma a viabilizar a escolha a. Suponha, inicialmente, que ele se alia aos municı́pios 2 e 3.
Nesta coalizão, denominada, S−4 , tem-se que:
(P
ui (a) = 15 + 10 − 11 = 14
Coalizão (1, 2, 3) Pi∈S2 i (12.22)
i∈S2 u (b) = −15 − 10 + 11 = −14

Nesta coalizão, a opção a é a escolha dos municı́pios, já que i6=4 ui (a) > i6=4 ui (b). O
P P
mesmo ocorre se a cidade 1 junta-se aos municı́pios 2 e 4, formando a coalizão S−3 ,

214
Mecanismos para a provisão de bens públicos

(P
ui (a) = 15 + 10 − 2 = 23
Coalizão (1, 2, 4) Pi∈S1 i
i∈S1 u (b) = −15 − 10 + 2 = −23

Novamente, a decisão eficiente é a locação a. Este resultado não se altera se uma nova
coalizão excluir a cidade 2, isto é, S−2 :
(P
ui (a) = 15 − 11 − 2 = 2
Coalizão (1, 3, 4) Pi∈S3 i
i∈S3 u (b) = −15 + 11 + 2 = −2

Segue-se, pois, que a decisão a é imposta à sociedade pela cidade pivot.


Para que isto não ocorra, o mecanismo de Clarke-Groves, por meio do imposto pivotal -
pago pelo municı́pio 1 para reverter a decisão da maioria - penaliza a cidade 1. Esse imposto é:

t1 = (−10 + 11 + 2) − (10 − 11 − 2) = −6
t2 = t3 = t4 = 0

Ao mentir, o municı́pio 1 reduz seu imposto em 6 (12-6). Porém, o seu Verifica-se,


facilmente, que o imposto proposto induz a verdadeira revelação das preferências. No caso do
agente 1, o benefı́cio de transformar a decisão (b) em (a) reduz o imposto em

+∆t1 = 6 − 12 = −6
(a) (b)
−∆t1 = 6; custo: +15 −(−15) = 30

O benefı́cio lı́quido do agente 1 não declarar sua verdadeira preferência (a) é:
ˆ − cmg
bmg ˆ = 6 − 30 = −24

Portanto, o bmg lı́quido é negativo, de modo que o melhor para o agente 1 é revelar sua
verdadeira preferência.
Agente 3: Suponha que esse agente exagere sua desutilidade da decisão (a), declarando

u3 (a) = −25

Nesse
P i caso, P
é fácil verificar que o agente 3 se torna pivot. (b) é, então, a decisão eficiente
( u (b) > ui (a)). Porém, agora, como 3 é pivotal, ele deve pagar o imposto t3 :
(a) (b)
t3 = (15 + 10 − 2) − (−15 − 10 + 2)
t3 = (25 − 2 + 15 + 10 − 2)
t3 = (40 + 10 − 4) = 46

Porém o seu benefı́cio é:


(b)
11 − (−11) = 22
Portanto o seu bmg lı́quido é
22 − 46 = −24
Portanto, é melhor para ele declarar sua verdadeira preferência.

215
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Exemplo 12.4 Impostos de Clarke-Groves Na cidade de Alegrelândia, um novo prefeito


deseja atender a demanda dos seus munı́cipes por serviços de segurança pública, mesmo que
para isso tenha que recolher mais impostos. Para tal, decide criar uma guarda municipal,
cujo efetivo policial seja igual ao número socialmente eficiente de guardas. Os residentes de
Alegrelândia podem ser agrupados em três classes: A, B e C. O prefeito confronta-se com o
seguinte conjunto de opções, GM ={ 0,1,2,3}, onde GM é o número de guardas municipais. A
Tabela 12.3 apresenta os benefı́cios e custos privados e sociais da criação da Guarda Municipal

Tabela 12.3: Benefı́cios e custos da guarda municipal

Residentes, Custos Guardas municipais


Opções
0 1 2 3
A 0 60 90 155
B 0 80 120 140
C 0 120 200 220
Custos 0 120 240 360
Beneficio social lı́quido 0 140 170 155

1. Neste modelo, identifique o grupo pivô e os impostos decorrentes do mecanismo de Clarke-


Groves.

2. O grupo A tem interesse em não revelar suas verdadeiras preferências? Se a resposta for
afirmativa, como induzi-lo a revelar a verdade?

Solução: na Tabela 12.3, se GM = 1, o custo total é 120. Supondo-se que estes custos são
repartidos igualmente entre residentes, cada grupo paga 40. Os benefı́cios totais lı́quidos para os
grupos A, B e C são,respectivamente, [60-40=20] e [120-40=80] [80-40=40]. Raciocı́nio análogo
pode ser feito para as opções 0, 2, 3. Examinando-se a tabela citada, verifica-se, facilmente,
que o beneficio social lı́quido é maximizado quando o número ótimo de guarda municipais é
igual a 2.
Resta, agora, identificar o individuo pivô. Isto equivale a verificar se a solução ótima é
modificada quando excluı́mos um dos grupos. Suponha que o grupo A seja o grupo excluı́do.
A Tabela 12.4 mostra os benefı́cios sociais lı́quidos da criação da guarda municipal com e sem
este grupo.

Tabela 12.4: Benefı́cios privados e sociais lı́quidos: grupo A

Residentes Guardas municipais Residentes Guardas municipais


Opções Opções
0 1 2 3 0 1 2 3
A 0 20 10 35 A - - - -
B 0 40 40 20 B 0 40 40 20
C 0 80 120 100 C 0 80 120 100
BSL 0 140 170 155 BSL 0 120 160 120

Duas tabelas auxiliares compõem a Tabela 12.4. A tabela da esquerda inclui todos
grupos; na tabela situada à direita, o grupo A foi excluı́do. Comparando-se as tabelas auxi-
liares, nota-se que a exclusão do grupo A não altera a escolha socialmente ótima. De fato, o

216
Mecanismos para a provisão de bens públicos

benefı́cio social liquido é maximizado quando GM = 2. Segue-se, pois, que o grupo A não é
pivô. Isto implica que para este grupo, a tributação de Clarke-Groves é nula. Replicando-se o
procedimento para o Grupo B, tem-se que:

Tabela 12.5: Benefı́cios privados e sociais lı́quidos: grupo B

Residentes Guardas municipais Residentes Guardas municipais


Opções Opções
0 1 2 3 0 1 2 3
A 0 20 10 35 A 0 20 10 35
B 0 40 40 20 B - - - -
C 0 80 120 100 C 0 80 120 100
BSL 0 140 170 155 BSL 0 100 130 135

A exclusão do grupo B modifica o número socialmente ótimo de guardas municipais de 2


para 3. A maximização do benefı́cio social lı́quido ocorre quando GM = 3, com BSL = 135. O
grupo B é, pois, um grupo pivô. O imposto de Clarke corresponde à diferença entre a soma dos
benefı́cios sociais lı́quidos para os demais grupos quando n = 3 e n = 2, isto é 135 − 130 = 5.
O grupo B paga o imposto porque sua exclusão modifica a decisão ótima de GM = 2
para GM = 3. Isto implica que sua inclusão reduz o número ótimo de guardas municipais, o que
representa um ”prejuı́zo”para os demais grupos que preferem GM = 3. O imposto de Clarke
pode, então, ser visto como uma espécie de ”compensação”do grupo B ao resto da sociedade.
Por fim, à exemplo do grupo B, a exclusão do grupo C também muda o número ótimo de
guardas municipais, conforme pode ser visto na Tabela 12.6. O número de guardas municipais
que maximiza o benefı́cio social lı́quido municipais é agora 1. Portanto, o grupo C também é
pivô.

Tabela 12.6: Benefı́cios privados e sociais lı́quidos: grupo C

Residentes Guardas municipais Residentes Guardas municipais


Opções Opções
0 1 2 3 0 1 2 3
A 0 20 10 35 A 0 20 10 35
B 0 40 40 20 B 0 40 40 20
C 0 80 120 100 C - - - -
BSL 0 140 170 155 BSL 0 60 50 55

Segue-se, pois, que o imposto do grupo C é igual à diferença entre a soma dos benefı́cios
lı́quidos dos demais grupos quando GM = 1 e esta mesma soma quando GM = 2, isto é
60 − 50 = 10. A Tabela 12.7 sumaria estes resultados:

217
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Tabela 12.7: Benefı́cios Sociais com Impostos de Clark-Groves

Residentes Imposto Guardas municipais


Opções
0 1 2 3
A 0 0 20 10 35
B 5 0 40 40 20
C 10 0 80 120 100
BSL 0 140 170 155

Os benefı́cios pós-tributação para os grupos A, B e C são, respectivamente, (10-0 = 10),


(40-5=35) e (120-10=110).
Com respeito ao item 2, suponha que o grupo A (o mais medroso, já que prefere GM
= 3!) declara que seu benefı́cio quando GM= 3 é 70, ao invés de 35. Ao fazê-lo, ele eleva o
benefı́cio social desta opção para 190 mudando a opção social de GM = 2 para GM = 3. A
Tabela 12.8 ilustr este caso:

Tabela 12.8: Benefı́cios privados e sociais lı́quidos: grupo A

Residentes Guardas municipais Residentes Guardas municipais


Opções Opções
0 1 2 3 0 1 2 3
A 0 20 10 70 A - - - -
B 0 40 40 20 B 0 40 40 20
C 0 80 120 100 C 0 80 120 100
BSL 0 140 170 190 BSL 0 120 160 120

Porém, agora, o grupo A é pivô. Ao mudar a opção escolhida GM = 2 para GM = 3,


ele impõe um prejuı́zo de 40 = 160 − 120 aos demais, que deverá ser pago por meio do imposto
de Clarke. Como seu BSL verdadeiro é 35, seu ganho e mentir lı́quido de impostos é negativo
e igual à −5 = 35 − 40. Segue-se, pois, que o imposto de Clarke faz com que o grupo A declare
verdadeiramente P3 seui BSL. Mentir lhe custa 5!
Como i=1 v = 10, o benefı́cio social lı́quido é positivo, então, a decisão de ampliar
os jardins é socialmente ótima. Para demonstrar que no mecanismo de Clarke-Groves, a re-
velação das verdadeiras preferências constitui uma estratégia dominante, considere o payoff do
indivı́duo 1: (
v 1 + r2 + r3 se r1 + r2 + r3 ≥ 0
π1 =
0 se r1 + r2 + r3 < 0
onde ri é a valoração declarada do agente i; v i é a valoração verdadeira. Supondo-se que os
agentes 2 e 3 dizem a verdade, r2 = v 2 ; r3 = v 3 . O payoff do agente 1 torna-se, então:
(
v 1 + v 2 + v 3 = 10 se r1 + 40 ≥ 0 ⇒ r1 ≥ −40
π1 =
0 se r1 + 40 < 0 ⇒ r1 < −40
1 2
P3 i de Clarke-Groves não é imune à coalizões: suponha1que r = −27; r = −8.
O mecanismo
Nesse caso i=1 r = −27 − 8 + 50 = 15. Nesse caso, o payoff de 1, π = −30 − 8 + 50 = 12;
o payoff do 2, π 2 = −10 − 27 + 50 = 13. Esses payoffs são maiores que 10, o que era
impossı́vel de conseguir para cada um condômino individualmente. Por fim, na decisão por
voto majoritário, g = 0 (Agentes 1 e 2 votarão contra a ampliação dos jardins. O bem público
não será provisionado.

218
Mecanismos para a provisão de bens públicos

12.3 O Mecanismo de Bagnoli e Lipman


Bagnoli e Lipman (1989)4 propõem um mecanismo eficiente que induz os indivı́duos à repor-
tarem corretamente suas contribuições para o financiamento do bem público. Considere uma
economia com um bem público y e um bem privado x). Sob a forma de jogos, este meca-
nismo envolve um pagamento voluntário para a compra de y. Se a soma destas contribuições
for superior ao custo, o bem público será adquirido; caso contrário, as contribuições pagas
serão devolvidas. O equilı́brio produzido no âmbito deste mecanismo corresponde ao core da
economia sendo, pois pareto-eficiente.

12.3.1 Descrição do Mecanismo


A sociedade, formada por I agentes decide se irá, ou não, comprar o bem público, cujo custo
unitário é c(y) = v. O conjunto de decisões é:

D= {g i |g i ∈ (0, 1, 2, . . . , K)}

A contribuição voluntária de cada gente é g i , com G = Ii=1 g i . Os agentes tomam suas decisões
P
com base nas seguintes regras:

i) Se Ii=1 g i > c(y) =⇒ y > 0; de outra forma, y = 0


P

ii) A contribuição dada quando y = 0 é devolvida para os agentes.

Esse tipo de jogo tem um equilı́brio de Nash Pareto-eficiente. Além disso, os equilı́brios,
perfeitos e não dominados, situam-se no core da economia. Um exemplo simples permite ilustrar
este ponto:

Exemplo 12.5 Considere um jogo com dois jogadores e a seguinte matriz de payoffs:

Tabela 12.9: Matriz de Payoffs

2
D C
A (1, 1) (−1, −1)
1
B (0, 3) 0, 3

Mostre que este jogo, o par de estratégias (A,B) é perfeito em sub-jogos.

Solução Este jogo tem dois equilı́brios de Nash: (A, D), cujos payoffs são (1, 1), e (B, C),
cujos payoffs são (0, 3). Destes dois equilı́brios, apenas o par de estratégias (A, D) é perfeito.
Isto pode ser visto por meio da forma extensiva desse jogo:
4
Bagnoli, M. and Lipman, B. Provision of Public Goods: Fully Implementing the Core through Private
Contributions. Review of Economic Studies, 1989, 56, pp. 583?601.

219
Mecanismos para a provisão de bens públicos

(a) (b)
1 2

A B D C

2 2 1 1

D C D C A B A B

(1, 1) (−1, −1) (0, 3) (0, 3) (1, 1) (0, 3) (−1, −1) (0, 3)

Suponha que o jogador 1 inicia o jogo (painel (a)). Por indução backward, o indivı́duo 1
escolhe a estratégia A (não há retaliação porque o jogador 2 também perde se jogar C (−1, −1)).
Por outro lado, 1 não escolherá B. Ocorre o mesmo com o jogador 2, no painel (b). O jogador
2 sempre jogará D, sua estratégia dominante. Portanto, o equilı́brio perfeito em sub-jogos é o
par de estratégia (A, D). A estratégia C nunca é uma melhor resposta para o jogador 2, face
ao jogador 1 jogando A com probabilidade (ε > 0) e B com probabilidade (1 − ε). Vejamos:
u2C = ε(−1) + (1 − ε)3 = −ε + 3 − 3ε = 3 − 4ε
u2D = ε + 3(1 − ε) = 3 − 2ε
Portanto, u2D > u2C . A estratégia D é também a melhor resposta do jogador 2, quando o jogador
1 joga A.
Feita a digressão sobre os equilı́brios perfeitos em sub-jogos, vamos agora usar as regras
do Mecanismo de Bagnoli-Lipman para encontrar as contribuições ótimas que viabilizam a
provisão do bem público.

Exemplo 12.6 O equilı́brio de Nash situa-se no core! Dois contribuintes (I = 2)


devem decidir se haverá (ou não) iluminação pública.Seja d = [0, 1], o conjunto das decisões;
se d = 1, haverá iluminação pública; caso contrário d = 0. Suponha ainda que ambos têm a
mesma valoração, r, do bem público, isto é:
2
r1 = r2 = =r (12.23)
3
onde ri corresponde à disponibilidade a pagar pelo bem público do indivı́duo i. A contribuição
do jogador i é g i e o seu payoff é:
(
ri − g i se d = 1
ui = (12.24)
0 se d = 0

A tecnologia de produção do bens públicos apresenta retornos constantes de escal: os custos


marginais são iguais aos custos médios, normalizados à unidade:
X
d = 1 se g i > c(y) = v = 1
i∈I

O conjunto das contribuições g i é G = [0; 1/3; 1/2; 2/3].

Solução Vamos construir os payoffs: Se ambos não pagam, ou se o que pagam não é
suficiente para custear o bem público, o payoff será 0. Se o Jogador 1 pagar 1/3 e o 2 pagar
2/3, os payoffs são:
2 1 1 2 2
u1 = r1 − g 1 = − = ; u2 = r 2 − g 2 = − =0
3 3 3 3 3
220
Mecanismos para a provisão de bens públicos

Esse raciocı́nio se estende para as demais combinações de payoffs. Nesse caso, a forma
normal do jogo é:

Tabela 12.10: Matriz de Payoffs

Indivı́duo 2
0 1/3 1/2 2/3
0 (0, 0) (0, 0) (0, 0) (0, 0)
1/3 (0, 0) (0, 0) (0, 0) (1/3, 0)
Indivı́duo 1
1/2 (0, 0) (0, 0) (1/6, 1/6) (1/6, 0)
2/3 (0, 0) (0, 1/3) (0, 1/6) (0, 0)

Resolvendo-se o jogo, as estratégias (0, 2/3) para os Jogadores 1 e 2 são eliminadas.


Os equilı́brios de Nash são: (1/3, 1/3), com payoff (0, 0), e (1/2, 1/2), com payoff (1/6, 1/6).
Porém, (1/3, 1/3) não é a melhor resposta quando um dos jogadores joga a estratégia 1/2.
Portanto, o par de estratégias (1/3, 1/3) é dominado por g i = 1/2 para os indivı́duos 1 e 2 . O
sub-jogo restante é:

Jogador 2
1/3 1/2
1/3 (0, 0) (0, 0)
Jogador 1
1/2 (0, 0) (1/6, 1/6)

Portanto, o equilı́brio de Nash restante é o par de estratégias (1/2, 1/2) cujos payoffs
são (1/6, 1/6). O custo do bem público é repartido igualmente entre os contribuintes. Neste
caso, o equilı́brio de Nash é não-dominado, de modo que ele encontra-se no core da economia.

12.4 Exercı́cios
I. VERDADEIRO OU FALSO: JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA.

1. O mecanismo de Clarke é revelador em estratégia dominante, porém manipulável.


2. No mecanismo de Bagnoli-Lipman, o equilı́brio de Nash é Pareto dominado.

II. QUESTÕES ABERTAS

1. Duas construtoras pensam em se unir para realizar conjuntamente um projeto para o


setor público. Não se conhece a valoração exata do projeto para as duas firmas. Sabe-
se, porém, que a valoração da firma 1 é 200 ou 400 e que a valoração da firma 2 é 400
ou 700. As firmas executarão o projeto somente se a soma de suas valorações exceder
o custo total do projeto que é igual à 1000.
i. Encontre o montante pago por cada firma em função da valoração reportada;
ii. Mostre que o mecanismo utilizado no item anterior é não manipulável.
iii. Caso eles decidam executar o projeto, mostre que os recebimentos das firmas su-
peram os custos totais do projeto.

221
Mecanismos para a provisão de bens públicos

2. Considere uma economia pública com dois indivı́duos e um bem público. Este bem será
ofertado se, e somente se, b1 + b2 ≥ 4, onde bi são as disponibilidades a pagar pelo bem
público, reportadas pelos dois agentes. O valor lı́quido do bem público para o agente
1 é v 1 = 2. Mostre que declarar sua verdadeira disponibilidade a pagar constitui
uma estratégia dominante para este agente, se o pagamento pelo bem público segue as
seguintes regras:
1 se b2 ≥1 e b1 + b2 ≥4
4 − b2 se b2 <1 e b1 + b2 ≥4
b2 − 3 se b2 ≥1 e b1 + b2 <4
0 se b2 <1 e b1 + b2 <4

III. EXERCÍCIOS SOLUCIONADOS


1. Considere um condomı́nio, no qual os três condôminos devem decidir se desejam (ou
não) ampliar os jardins. Uma empresa de jardinagem cobra R$150 pelo projeto de
melhoria, incluindo os insumos mencionados no projeto. Suponha, ainda, que o custo
desta ampliação é dividido igualmente entre os condôminos. Os benefı́cios da melhoria
dos jardins são, respectivamente, R$20, R$40 e R$100, reportados pelos condôminos 1,
2 e 3. Os jardins serão ampliados somente se a soma dos benefı́cios reportados forem
superiores à R$150.
i. Mostre que a ampliação dos jardins é uma decisão socialmente ótima.
ii. Mostre que o mecanismo de Clarke-Groves induz os condôminos a não mentir, já
esta estratégia é dominante, se cada condômino revelar de forma independente,
seus benefı́cios;
iii. O mecanismo de Clarke-Groves é imune a coalizões formadas pelos condôminos?
iv. Qual seria a decisão de voto majoritário, neste exemplo?
150
Solução c = 150, partilhado igualmente, ci = 3
, ∀i ∈I
i. A ampliação dos jardins é uma decisão socialmente ótima visto que:
v 1 = bmg lı́quido1 = 20-50 = -30
v 2 = bmg lı́quido2 = 40-50 = -10 P
v 3 = bmg lı́quido3 = 100-50 = 50 3i=1 v i = 10, então o bem é ofertado.
ii. Para demonstrar que o mecanismo de Clarke-Groves a revelação das verdadeiras
preferências constitui uma estratégia dominante, considere o payoff do indivı́duo
1: (
1 v 1 + r2 + r3 se r1 + r2 + r3 ≥ 0
π =
0 se r1 + r2 + r3 < 0
onde ri é a valoração declarada do agente i; v i é a valoração verdadeira. Supondo-
se que os agentes 2 e 3 dizem a verdade, r2 = v 3 ; r3 = v 3 . O payoff do agente 1
torna-se, então:
(
v 1 + v 2 + v 3 = 10 se r1 + 40 ≥ 0 ⇒ r1 ≥ −40
π1 =
0 se r1 + 40 < 0 ⇒ r1 < −40

iii. Para mostrar que o mecanismo de Clarke-Groves


P3 i não é imune à coalizões, suponha
1 2
que r = −27; r = −8. Nesse caso i=1 r = −27 − 8 + 50 = 15. Nesse caso, o
payoff de 1, π 1 = −30 − 8 + 50 = 12; o payoff do 2, π 2 = −10 − 27 + 50 = 13.
Esses payoffs são maiores que 10. o que era impossı́vel de conseguir para cada um
individualmente.

222
Mecanismos para a provisão de bens públicos

iv. Na decisão por voto majoritário, g = 0 (Agentes 1 e 2 votarão contra a provisão


do bem público).

223
13

Provas resolvidas

13.1 Correção de Questões Selecionadas de Provas


13.1.1 Equilı́brio Geral
Finalizando este material, este capı́tulo apresenta provas corrigidas que abordam os tópicos
explorados no curso.

Prova 1 - Questão 2, 2018,UFPB

13.1.2 Externalidades e bens públicos


O Vencedor de Borda para calcular o vencedor de Borda, é preciso computar os valores para
P(x), P(y), P(z) e P(a):

P (x) =4 + 3 + 4 + 4 = 15; P (y) = 3 + 2 + 2 + 3 = 10


P (z) =2 + 4 + 1 + 1 = 8; P (a) = 1+1+3+2=7

x S y S z S a. A escolha social é a opção x.

Tabela 13.1: Perfil de Preferências C


Eleitores
Escolhas 5 4 4 3
3 x y z y
2 z x y z
1 y z x x

Modifique, agora a posição relativa das opções sociais x e y para os eleitores 1 e 4. O


Perfil II de sorte que o novo perfil é:

1. Contagem de Borda: x, x  y : 5 + 4 = 9, x  z : 5 + 4 = 9, assim, B(x) = 18;


y, y  x : 4 + 3 = 7, y  z : 4 + 3 = 7 assim, B(y) = 14. z, z  x : 4 + 3 = 7,
z  y : 5 + 4 = 9 assim, B(z) = 16.

2. Número de pontos:x : (5×3)+(4×3)+(4×1)+(3×1) = 34 y : (5×1)+(4×2)+(4×2)+


(3 × 3) = 30 z : (5 × 2) + (4 × 1) + (4 × 3) + (3 × 2) = 32. Portanto, B(x) > B(z) > B(y)
⇒ x S z S y.

224
Provas resolvidas

Tabela 13.2: Perfil II


Eleitores
Escolhas 5 4 4 3
3 x z
x y
2 z y y z
1 y z x x

13.2 Referências
Arrow, K.J. 1951, Social Choice and Individual Values, Second Edition, 1963, New York: Wi-
ley.

225

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