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INTRODUÇÃO
1. W illiam U ry (2000, p. 24 e seg.) aponta a existência de com unidades mais simples que aprenderam a lidar
de forma diferente com seus litígios, aliás, apregoa que a com plexidade das civilizações é que levaram a
um estado de conflituosidade em que as pessoas passaram a depender da figura de um poder estabelecido,
rompendo os sistemas de com unicação e resolução pela com unidade dos conflitos.
dois grupos de garotos que não se conheciam, tendo sido acomodados em quartos
distintos com atividades distintas; pôde-se perceber que, apesar de não existirem
motivos concretos, a competição e os conflitos surgiram rapidamente entre os
grupos e que, posteriormente, ao tentar reintegrá-los novamente não houve
sucesso, pois não se dissiparam os conflitos. Concluindo que as origens dos
conflitos podem ser de diferentes naturezas, envolvendo interesses, necessidades
e opiniões e surgindo de frustrações, incapacidades, interpretações, percepções e
conceituações diferentes, diferenças de personalidade, de informação, de metas
etc.
Na visão de Vicente Greco Filho (2013, p. 12)2 o conflito se instala
quando não são propícias as circunstâncias para realizar as carências humanas,
que são muitas em relação aos recursos para satisfaze-las, e, nesta proporção, a
satisfação de um exclui a do outro.
Assim, a dinâmica negativa do conflito se estabelece a partir do agir
dos envolvidos na busca de sua satisfação pessoal, de maneira a desconsiderar
as vontades e necessidades alheias, gerando danos, ainda que a existência de
diferenças e conflitos não sejam em si ocorrências negativas. Porém, da mesma
forma que há diferentes origens dos choques de interesses, há inúmeros
mecanismos para se administra-los, alguns pacíficos outros não, alguns que
estabelecem procedimentos eficientes de cooperação e interação, gerando maior
satisfação, outros não. Exemplificativamente tem-se: luta, guerra, competição,
votação, exame, uso da autoridade e a negociação.
Martinelli (2002, p. 22 e seg.), cujas idéias se expõe abaixo, baseado
em Hampton, argumenta que se pode reunir em quatro formas básicas a
administração de conflitos: a acomodação; a dominação; o compromisso e a
solução integrativa3.
A acomodação é aquela que pode ser usada como um instrumento de
manipulação do conflito, quando geralmente se encobre o problema diminuindo-
se sua seriedade, negando-se sua existência ou tratando-o superficialmente,
tendendo a não resolver efetivamente o problema, frequentemente agravando a
situação; é muitas vezes temporária.
A dominação ocorre no exercício do poder levado ao extremo no qual
uma das partes impõe a sua solução preferida levando a uma resolução rápida e
2. Vicente Creco Filho (2013, p. 12.) observa que "[...] se interesse é uma situação favorável à satisfação de uma
necessidade; se as necessidades são ilimitadas; se são, todavia, limitados os bens, isto é, porção do mundo
exterior apta a satisfazê-las, correlata à noção de interesse e de bens é a noção de conflito de interesses. Há
conflito entre dois interesses quando uma situação.favorável para a satisfação de uma necessidade exclui a
situação favorável para a satisfação diversa."
3. D e forma semelhante, ver: T H O M A S , 1976, p. 891.
decisiva, porém insatisfatória, uma vez que não considera o envolvimento dos
demais na questão, gerando ressentimentos e insatisfações dos oprimidos e,
conseqüentemente, novos pontos de conflitos, inviabilizando a cooperação futura
ou até mesmo a continuidade das relações. Há uma situação de competição e
de imposição de vontade que resulta em perdedores. Situação típica das decisões
Judiciais.
O compromisso ocorre quando cada parte desiste um pouco, cede um
pouco seus interesses originais a fim de resolver o conflito, é a barganha de
posições, que serve apenas parcialmente, pois se ganha em parte e se perde em
parte, o que possibilita a remanescer questões subjacentes que são potenciais
geradores de novos conflitos posteriormente. Na barganha as partes negociam a
partir de posições, as quais nem sempre coincidem com os fatos, deturpando-os
ou fortalecendo seus pontos de vista, manipulando as informações e fazendo
ameaças para alcançar seus objetivos, é a negociação do “ganhar ou perder”.
A crítica à essa forma de solução de conflito está em falhar ao seu propósito
ao servir somente parcialmente aos envolvidos. E o que geralmente ocorre nas
negociações tradicionais e nas havidas perante o Judiciário.
A solução integrativa ou abordagem colaborativa para o conflito é aquela
que oferece a possibilidade de resolução completa da questão entre as partes, que
possibilita a verdadeira pacificação social. O método, que não envolve barganha
de posições, surgiu das idéias de Mary Follett, na década de 20, e propõe, na
medida do possível, encontrar uma solução que sirva integralmente aos interesses
das partes envolvidas por meio da identificação das considerações básicas ou
subjacentes de ambas, procurar alternativas e identificar suas consequências para
os envolvidos e determinar a opção mais favorável. Nessa forma de administração
do conflito se requer uma colaboração das partes no processo baseada na idéia de
que pode e deve haver dois ganhadores, trata-se da negociação do tipo “ganha-
ganha”.
A tendência contemporânea é a de classificar a administração de conflitos
em duas dimensões: uma distributiva, na qual se dividem os resultados, e uma
integrativa, na qual se procura o melhor resultado para todos os envolvidos
(MARTINELLI, 2002, pp. 25 e seg.). Essa tendência surge de uma nova ótica
em relação ao conflito no que concerne à sua significação e interpretação, à
forma de se entender a participação e os objetivos dos envolvidos, à percepção
de seu alcance, à sua vinculação ou valoração e aos envolvidos na questão.
Quanto à sua significação e interpretação, segundo Weeks (1992, p. 262),
as palavras mais freqüentemente associadas a conflito são combate, raiva, pânico,
guerra, impasse, destruição, terror, erro, evitar, perda, controle, ódio, prejuízo,
ruim, feito errado. Mas, há outras formas de se ver o conflito, sem associa-lo a
oposição de impulsos, desejos, tendências, controvérsias ou desacordos, ou seja,
sem relacioná-lo a ocorrências negativas.
Martinelli (2002, p 28, 29) expõe que “ [•..] o conflito não é nem
positivo nem negativo em si mesmo”, mas parte da existência e da evolução
do homem e resulta das diversidades sociais, do sistema e da estrutura social.
Explica, ainda, que a forma como se lida com o conflito é que poderá torna-lo
positivo ou negativo. Assim, ele pode servir como oportunidade de crescimento
e desenvolvimento pessoal e de evolução social, adaptando as diversidades
sociais, desde que a administração do conflito seja dirigida de forma positiva
e construtiva, tendente a gerar benefícios mútuos. Para tanto é necessária uma
mudança de perspectiva em relação a interpretação do conflito.4 E essencial
ter em mente que o conflito não é uma quebra na ordem, mas resultado da
diversidade e que pode levar a uma melhora nos relacionamentos por meio do
esclarecimento e do conhecimento das possibilidades das partes e da percepção
de opções de ação, evitando-se uma barganha de posições numa batalha entre
os envolvidos.
O que acarreta a segunda percepção a ser modificada, a forma das pessoas
entenderem a participação e objetivo dos envolvidos no conflito, para uma visão
em que este não é um combate, não é uma oposição de interesses competitivos e
inconciliáveis; perspectiva que leva as partes a tentarem impedir a pretensão um
do outro, obstaculizando a solução.
Também deve-se procurar alterar a percepção de que o conflito domina
ou resume todo o relacionamento fazendo com que se ignore todo o restante. O
conflito é parte do relacionamento e pode ser administrado de forma a torna-lo
melhor.
Outra questão é a da rotulação, do estabelecimento de valores absolutos,
geralmente se pensa o conflito em termos de certo ou errado e bem ou mal,
há entre o branco e o preto vários matizes a serem considerados, nos quais se
pode pensar o conflito sobre outros aspectos, acima de preferências subjetivas e
lastreado na totalidade da relação.
Mais um desafio para as sociedades modernas é entender o conflito como
trilateral, pois, geralmente são definidos com dois lados: autor e réu, reclamante
e reclamado, patrões e empregados, porém, alerta Ury (2000, p.26):
4. Nesse sentido, o filósofo francês Jean-François Six (2001, p. 167) expõe que: "[...] um conflito não é o mal em
si, nem necessariamente um mal. (...) não há um resultado absoluto em um conflito, mas uma certa passagem,
uma brecha que se abre; isto não se faz dentro de um clim a de harmonia suave: toda passarela é custosa e
não se estabelece senão com esforço."
[...]todo conflito ocorre dentro de uma comunidade que constitui
o terceiro’ de qualquer conflito. (...) O terceiro é a comunidade
circunjacente, que serve de recipiente de qualquer conflito que
gradualmente assuma proporções mais intensas. N a ausência desse
recipiente, um conflito grave entre duas partes transforma-se facilmente
em contenda destrutiva. Dentro do recipiente, porém, o conflito pode,
pouco a pouco, transformar-se de confronto em cooperação. (...) O
terceiro, então, funciona como uma espécie de sistema imunológico
social que impede a disseminação dos vírus da violência
6. A respeito da realidade social urbana e dos conflitos surgidos nos contros urbanos ver: Pluralismo jurídico e
direito negociai em conflitos urbanos no século XXI, de autoria de Miguel Etinger de Araujo Junior
comum e a paz comunitária, viabilizando o desenvolvimento social, se fez
necessário.
Com a formação das comunidades, os conflitos existentes passaram a ser
solucionados pelo grupo, aplicando-se “lei do mais forte”, e pela participação dos
deuses, através de sacerdotes e representantes divinos. Conforme as comunidades
foram se aperfeiçoando foi ocorrendo a evolução das práticas reiteradas e o
estabelecimento dos costumes sociais, que passaram a regular a vida em comum
até chegar à organização das sociedades por meio da compilação destes costumes
em sistemas harmônicos7.
Isto é, desde os primórdios da civilização, as sociedades se organizam
elaborando normas discíplinadoras da boa convivência, da forma mais justa
possível aos elementos da comunidade, e estabelecendo instrumentos adequados
a solucionar os conflitos advindos em seu seio, procurando alcançar a pacificação
social. Esta estruturação constitui-se na base originária do Direito.8
O direito9 é o instrumento de que se utiliza a humanidade para definir
o comportamento socialmente aceito, estabelecendo os limites individuais
e interpessoais dos relacionamentos humanos aceitáveis. Proporcionando
estabilidade, previsibilidade e segurança às comunidades, o que possibilita
a preservação da paz e da tranquilidade101. Contudo, ele é fruto da vida em
comunidade, portanto, mudando as relações sobre o influxo das transformações
e descobertas humanas, alteram-se as normas de conduta social, para que as
relações decorrentes destas novas realidades possam tomar forma e se estabilizar.11
7. Dentre estas primeiras codificações, tem-se conhecim ento, dentre outras: Lei das Doze Tábuas; Código de
Hamurabi; Legislação M osaica; Código de M anu; Legislação Rom ana etc.
8. M aria Helena Diniz (2003, p. 62) manifesta-se sobre o surgimento das normas jurídicas expondo que "[...]
do choque inevitável das múltiplas condutas surge a necessidade de limita-las, para assegurar um m ínimo de
ordem e tornar viável a convivência. Cabe ao direito estabelecer o lícito e o ilícito. Eis porque se refere Cossio
à conduta em sua intersubjetividade, ou melhor, relacionada com as possíveis ações dos demais membros
de uma coletividade. A intersubjetividade é um fazer com partido: a conduta de um, quando impedida ou
permitida por outros, faz com que estes últimos se tornem coparticipes dele; a conduta individual passa a ser
conjunta ou com um a todos, de modo que o que cada m em bro da sociedade faz é o que os demais permitem
que ele faça."
9. Pondera José Afonso da Silva (2014, p.37.): " O Direito é um fenôm eno histórico-cultural, realidade ordenada,
ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentido. Consiste num sistema normativo."
10. Para Cândido Rangel Dinam arco (C IN TR A ; G R IN O V E R & D IN A M A R C O , 2013, p.23.) o direito é um
mecanismo de imposição cultural e controle social. Ele assim expressa:"[...] o direito é geralmente apresentado
com o uma das formas - sem dúvida a mais importante e eficaz dos tempos modernos - do cham ado controle
social, entendido com o o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição
dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores e dos conflitos que lhe são próprios."
11. Nesse sentido as palavras de Pontes de M iranda (1970, pp. 52 e 53) ao referir-se ao ente Estado: "As relações,
que o fazem, não perm anecem as mesmas desde o princípio. M udam . H á transformações das relações que
edificam o Estado e, pois, do Estado mesmo; de m aneira que se assiste e se estuda, com os dados históricos,
a evolução do Estado, em suas estruturas internas (contacto com os indivíduos e instituições) e externos
(contacto com os outros Estados).
O u porque vejam as relações que existem, ou porque assistam às mudanças, os indivíduos (sem indagarmos se
um, muitos ou todos; se pelo costume, ou pela lei escrita) adotam regras de direito, que são canais fixos para
a passagem das relações já existentes, ou para que tomem forma as relações novas.
Assim, a sociedade é a base, por meio da complexidade das relações sociais
que se desenvolvem em seu seio, para a criação do Direito que é parte integrante
da realidade social na qual intervém e da qual sofre intervenção e, por intermédio
desta interatividade, é que se dá a formação, manutenção, desenvolvimento e
alteração da ordem jurídica e das instituições, ora sob a influência de certos
pensamentos ora sob outros.
Essa delimitação normativa do comportamento humano se dá por
intermédio daqueles que detêm o poder. Este é decorrente da organização, de
forma complexa, com sua atribuição e de suas funções a entes específicos, que
os agrupamentos primitivos passaram a ter até chegar à estruturação do Estado,
que passa a ser o grande detentor do poder, atraindo para si o direito de dizer
o ordenamento jurídico, de pacificar os conflitos e de gerenciar os interesses da
sociedade - ao menos idealmente -, porém, nem sempre baseado na vontade
daqueles que o compõem.
A noção moderna de Estado determinado pelo Direito das Gentes traz
em si três elementos: povo, território e poder soberano. Porém, não se pode
resumir a figura deste ente a esses aspectos, indispensáveis, mas que não captam
sua essência.
O Estado, como manifestação social, surge e pode ser verificado em sua
existência da interação entre seus elementos povo e poder. Pontes de Miranda
(1970, p.52) assim expressa: “O conjunto de todas as relações entre os poderes
públicos e os indivíduos, ou daqueles entre si, é o Estado. ”
O Estado corporifica-se nas relações que estabelece com os indivíduos,
ou melhor, entre o poder público e as pessoas que o compõem, destes fatos
decorre seu nascimento e permanência.12 Estas relações desenvolvem-se a partir
da concepção de que o elemento pessoal é essencial a configuração da figura
do Estado, pois é para e por ele que o Estado se forma. O indivíduo é, então,
parte, como membro da sociedade cuja vontade deve prevalecer, mas que não
se confunde com o todo como pessoa e realidade individuada e distinta das
demais, portanto possuidor de direitos que o Estado deve respeitar (como a
Quando os indivíduos, que compõem o Estado, encontram fórmulas que sirvam para conter, empacotar, as relações
ou para fazer inteligíveis a todos ou aos mais importantes dentre eles, ou lhes auxiliar a transformação, observa-se
paz e tranqüilidade dentro do Estado. Dá-se o mesmo quanto às relações entre Estados, ditas periféricas."
12. O termo relações no nascimento do Estado, para Pontes de M iran da (1970, pp.51 e 52), significa: "(1) Ao
fato de haver, entre dois pontos considerados, algo que, sem um deles, não ocorrería, cham amos relação.
O s pontos - seres, fatos, figuras matemáticas ou lógicas - são pólos ou termos.(...) (2) A o fato de haver, entre
o indivíduo e outrem, probabilidade de proceder de certa m aneira esse, ou de proceder de certa maneira
aquele, cham amos relação social.(...) (3) As relações sociais são: religiosas, morais, jurídicas, políticas, estéticas,
econômicas, científicas, de moda, lingüísticas.(...) (4) O fato ( ou probabilid ad e), que h á , entre o indivíduo e
o poder público, de proceder esse, ou proceder aquele, de certa maneira, é a relação social e direito público
entre eles.(...) (5) O conjunto de todas as relações entre os poderes públicos e os indivíduos, ou daqueles
entre si, é o Estado."
liberdade). O direito não pode privilegiar somente uma das faces; as duas devem
ser consideradas para se alcançar o equilíbrio entre os anseios individuais e os
da sociedade, sem que os indivíduos e a sociedade se sufoquem mutuamente,
mas seja de tal modo que esta se desenvolva e possa oferecer àqueles os meios
necessários à realização de seus fins individuais.13
Outra concepção essencial é a de Poder Soberano. O sentido de soberania
encontra-se na “ [...] supremacia de poder dentro da ordem interna e no fato
de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder.” (BASTOS,
2010, p.17). Destaca-se, contudo, que a soberania não pode ser entendida
como absoluta e, mesmo se o fosse, não poderia ser arbitrária, nem onipotente.
Entende-se como um poder superlativo relativo que se limita pela finalidade
estatal e pelo Direito, o qual cabe ao Estado reconhecer sua existência e não
criá-lo infundadamente.
Assim, a soberania é causa formal do Estado cuja autoridade dá ao grupo
sua forma de existência, mas esta autoridade pertence à sociedade, que delega
seu exercício para assegurar a consecução de seus fins, sua função essencial de
mantenedor da ordem e da segurança pública, que é sua causa final, resultando
na criação dos governos e das soberanias situadas em determinadas áreas de
atuação (territórios). (PAUPÉRIO, 1971, p. 165 a 180)
Externamente a soberania se limita pelas outras soberanias existentes,
fixando sua autoridade dentro de sua esfera de competência pelas normas
internacionais e interesses da sociedade internacional (como membro) e por
seus próprios interesses internos. Nas relações internas, o exercício da autoridade
delegada pela sociedade encontra limites naturais nas liberdades individuais,
sendo seu complemento e assegurador; na vontade da sociedade; nos seus fins; e
no direito por ele estabelecido.14
13. Nesse sentido Machado Paupério (7977, pp. 172 e 173.): "Com o indivíduo o homem é apenas átomo do organismo
social, e como a parte se deve subordinar logicamente ao todo, deve o homem, nessa qualidade, subordinar-se à
sociedade, sacrificando mesmo, se preciso for, o seu bem individual ao bem maior da coletividade. Mas, parte da
sociedade, é também o homem pessoa, isto é, realidade espiritual individuada e distinta. Nessa qualidade é ele
dotado de direitos inatos, inalienáveis e imprescritíveis que deve o próprio Estado respeitar. (...)
Com o pessoa o hom em é um verdadeiro microcosmo, um autêntico universo particularizado sob uma forma
individual. (...) A sociedade, para nós, não chega a ser um fim em si, mas constitui, apenas, um meio pelo qual
se possibilita ao indivíduo a consecução da própria plenitude. (...)
Se o indivíduo não pode desconhecer os direitos da sociedade, não pode tam bém esta efetivar a absorção
do indivíduo. Cabe à sociedade, pelo contrário, respeitar e garantir os direitos inerentes ao hom em na sua
qualidade de pessoa.
M A R IT A ÍN definiu e precisou tal questão adm iravelm ente quando, referindo-se ao Estado, mostrou dever ser
ele tão profundamente antiinividualista quanto fundamentalmente personalista.
Só dentro de tal pensamento poder - se - á livrar o hom em dos dois maiores pecados políticos de todos os
tempos: do individualismo liberal, criador das lutas sociais do nosso século, e do estatismo totalitário que
absorveu, em toda parte, nos dias de hoje, a própria personalidade hum ana."
14. M achado Paupério (1971, pp. 172 e 173.) expõe que: "A sociedade civil não se com põe apenas de indivíduos,
mas também das sociedades particulares por aqueles constituídas. Por isso, com o nota JA C Q U E S M A RITA ÍN
Dessa forma, o poder de auto-organização da sociedade e dos indivíduos
e os preceitos jurídicos vigentes na ordem interna e internacional devem ser
exercidos e entendidos de acordo com os limites, ditames e fins da sociedade,
pela necessidade de convivência, estabilidade, continuidade e permanência das
relações procurando conciliar os diferentes interesses.
Ou seja, a harmonia entre os grupos estruturais e instituições diversas
que compõem o Estado é proporcionada por ele, como sociedade organizada
politicamente, única e congregadora das demais sociedades, através das relações
entre o indivíduo e o Estado, entendidas como a relação da liberdade individual
com a autoridade estatal, pela qual determina-se a configuração do Estado
permitindo a organização, condução, ordem e paz social.15
Nessa interação um não pode prescindir do outro - a autoridade estatal
não pode violar as prerrogativas inerentes ao indivíduo, mas o indivíduo
não pode dispor do Estado, que nesse processo de interação e no exercício e
afirmação de sua soberania, estabelece as normas jurídicas, pautando-se nos fins
e anseios da sociedade. Porém, a entidade estatal não é a única fonte normativa,
os círculos sociais menores existentes, por mais elementares que sejam, também
possuem conjunto de normas estabelecendo as bases de sua existência, mas é o
Estado reconhece aos indivíduos e grupos sociais seu raio de atuação, de acordo
com suas finalidades próprias, assim como o caráter de direito e a força coativa
dos subsistemas vigentes entre eles (autoridade e efetividade).16
(Humanismo integral, tradução de A F R Â N IO C O U T IN H O , São Paulo, 1942, p.158), uma sociedade pluralista
reconhece a estas sociedades particulares um grande raio de ação condizente com as conveniências típicas de
cada um a delas.
E verdade que a sociedade civil apresenta o caráter de dominante e abrange genericam ente todos os homens
diferenciados politicamente, o que não ocorre com os demais grupos sociais.
A ordem jurídica do Estado, prim ando e prevalecendo sobre as demais ordens jurídicas, constitui em última
análise o próprio Direito. Sustentado pelo poder, ou melhor, pela coação incondicionada, o ordenam ento
jurídico do Estado passa a prevalecer sobre todos os outros, nascendo daí o conceito de soberania, na sua
formulação mais comum.
(...)Se a sociedade política é uma entre outras, é todavia, a máxima, a superior, a ela se apoiando o caráter
jurídico do ordenam ento dos outros grupos.
O Direito dos outros grupos, porém, não está sujeito ao Estado. Apenas, adquire caráter de Direito quando
reconhecido e portanto amparado de algum modo pelo grupo superior, que é o político.
A primazia do Direito do Estado não chega, portanto, à negação do Direito dos outros grupos, que ao Estado
cabe reconhecer e não outorgar.
Evidentemente que, por ser a com petência do Estado a da última instância, necessária em toda sociedade,
passa ele a possuir autêntica coação incondicionada sobre o conjunto da sociedade inteira. Mas, via de regra,
isso apenas se dá em assuntos que não são de com petência exclusiva dos outros grupos, ou quando, falhando
à sua finalidade, se tornam estes elem entos de dissociação dentro da própria sociedade civil.
Vê-se assim, que a soberania do Estado não pode existir sem limites, não pode ser absoluta.
Se ela é necessária para a consecução dos próprios fins do Estado, encontra suas fronteiras bem definidas não só
nos direitos da pessoa humana quanto nos dos grupos naturais que encontramos em toda e qualquer sociedade."
15. "Falar em Estado equivale, portanto, a falar em com unidade e em poder organizado ou, doutro prisma, em
organização da com unidade e do poder, equivale a falar em com unidade ao serviço da qual está o poder, em
poder conformador da com unidade e em organização que imprime caráter e garantias de perdurabilidade a
uma e outro." (M IR A N D A , 2007, p. 20)
16. Ver: D IN IZ , 2004, p. 295 e 296; 1985, p. 18 a 35; P A U P ÉR IO , 1971, 166 a 180.
Da mesma forma ocorre nas relações interestatais, nas quais as questões
econômicas exercem grande influência no desenvolvimento dos Estados e na
formação da história mundial, uma vez que o fator monetário-econômico surte
reflexos diretamente nas questões sócio-político-culturais e, compreendida
nestas, a jurídica.
Também o Estado não é isoladamente, mas pela existência de outros
iguais, daí a relevância das relações internacionais no delineamento do
ordenamento jurídico estatal, pois as relações interpessoais exercem função
determinante no estabelecimento dos preceitos da ordem mundial, mas cabe
aos poderes estatais o reconhecimento da juridicidade destes, além da criação
de outras normas na composição do sistema normativo internacional, como
detentores do poder de coação, de decisão e de organização. Para garantir
sua continuidade, desenvolvimento e incremento das relações privadas
internacionais, reconhecendo a soberania dos demais Estados1718e a liberdade dos
indivíduos, os Estados têm de conformar sua ordem interna proporcionando
maior liberdade e segurança aos seus súditos nas questões além fronteiras.
Em decorrência da importância e relevância do equilíbrio75 e do
desenvolvimento das relações externas e internas tem-se a justificativa e
necessidade da evolução dos preceitos e princípios jurídicos, não somente
no sentido de elaboração de novas normas, como também de evolução da
interpretação e entendimento daquelas vigentes, conformando-as ao momento
histórico, social, político e econômico, pautadas na busca da realização
dos interesses dos membros da sociedade civil e no interesse relevante do
desenvolvimento das relações internacionais.
A busca deste equilíbrio remete a concepção de Estado de Direito
que tem suas raízes históricas na evolução do Direito Constitucional inglês,
americano, francês, belga; no absolutismo esclarecido da Prússia e na teoria
alemã do Direito Constitucional do século XIX e, mais atualmente, na tratativa
dada pela atual Constituição Alemã. E, nas palavras de Matthias Herdegen
(1993, p.l), “ [...] a domesticação do poder do Estado no interesse da auto-
responsabilidade do indivíduo, [...]”. Ou seja, a estrutura social servindo de base
para o desenvolvimento e crescim en to individual de seus membros.19
17. Sobre o tema dos conflitos públicos e a revisão da atuação das instituições internacionais, ver o capítulo
Reflexões sobre a decisão da Corte Internacional de Justiça no conflito entre Colombia e Nicaragua, de
autoria de Pietro de Jesús Lora Alarcón.
18. "O ideal é o equilíbrio entre as duas figuras, onde o Estado, no exercício de sua autoridade, não pode violar
as prerrogativas inerentes ao indivíduo (...), assim tam bém , não pode o indivíduo dispor da autoridade estatal
que permite a organização, condução, ordem e paz social, resultando em um a constante interação entre a
autoridade estatal e a sociedade [...]" (M U N IZ , 1999, pp.50 e 51).
19. Nesse sentido expõe Matthias Herdegen (1993, pp. 2 e 3.) "A autolimitação do poder estatal presente no
conceito de Estado de direito é reflexo de uma concepção de hom em onde o Estado tem apenas função de
O Estado Democrático de Direito20 é uma sociedade ideal e como tal
deve ser construída diariamente por meio da persecução de valores como a
liberdade e a igualdade; do exercício da cidadania pelo povo, alcançada pelo
desenvolvimento cultural e pela educação; e pelo exercício do poder voltado
para o s in teresses sociais. Ou seja, não existe por sua proclamação, mas pela
verificação de manifestações concretas das normas de organização do Estado e
no âmbito dos direitos fundamentais. Assim, compõem o Estado de Direito: a)
do ponto de vista formal - a divisão de poderes, a independência do Judiciário, a
proteção jurídica contra o exercício arbitrário do poder público, a elegibilidade
para cargos públicos e a vinculação do executivo e da administração pública à
legalidade; b) do ponto de vista material - o reconhecimento dos direitos do
indivíduo frente ao Estado e o disciplinamento do poder do Estado através dos
princípios de clareza e de segurança jurídica.21
As garantias fundamentais do indivíduo, como parte essencial do Estado
de Direito, têm sua matriz suprema no respeito à dignidade humana, princípio
fundamental do Estado Democrático de Direito22. Esta resulta:
23. Para Jorge M iranda (2007, p. 59) "A dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua auto-determinação
relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas."
24. Sobre esse tema ver o capítulo Considerações jusfilosóficas acerca dos meios alternativos para a resolução
de conflitos: uma perspectiva kantiana, de autoria de Eive M iguel Cenci.
2.2 A EVOLUÇÃO N A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO E SUA CRISE N O BRASIL E
N O MUNDO
25. O Judiciário exerce a função pacificadora diante de situações litigiosas dando solução às lides, aplicando a
lei ao caso concreto e restabelecendo e mantendo a paz social. A atuação dos juizes, na opinião de Kazuo
W atanabe (1988), deve conduzir antes de tudo a um resultado justo, satisfazendo aos interesses pessoais do
tutelado e garantindo a plena realização dos valores humanos e deve ser útil à sociedade que lhe outorgou a
tutela de seus interesses, pois o bem com um depende do bem individual de cada indivíduo.
Esta fase apresenta o juiz como um especialista em direito, um oráculo
das leis que náo é elemento influenciador da Justiça nem influenciado pelos
valores sociais, distanciando seus julgamentos da vontade popular. Essa ausência
de atuação política deveu-se principalmente ao pensamento dogmático e ao
positivismo jurídico, quadro científico que ocasionou um descompasso entre os
níveis social e jurídico da sociedade, contrapondo certeza e pureza de conceitos
com a imprevisibilidade do cotidiano e das transformações sociais.
No período após as grandes guerras mundiais até a chamada crise da
promoção estatal do bem-estar social, pelas circunstâncias ocorridas e pelas
incertezas em relação ao indivíduo frente ao exercício do poder inicia-se uma
fase de redemocratização do mundo e de afirmação dos direitos fundamentais
com a consagração dos direitos fundamentais de segunda geração sob a égide do
Estado Social, ocorreu também uma modificação radical no entendimento da
separação dos poderes e com a necessidade de rapidez na tomada de decisões e
na condução do Estado há a predominância da atuação do Executivo.
Neste momento o Judiciário assume uma postura pró-ativa em relação
ao acesso à justiça26 levando a uma avalanche de ações e a uma maior percepção
social e política deste poder. Sua atuação passa a ser direcionada para o social; a
dar maior atenção aos seus efeitos extrajudiciais; a fundamentar-se na equidade
e não somente na estrita aplicação da lei e da lógica jurídica; e a ser mais flexíveis
e harmonizada à realidade social, pois a validade da norma e de seus requisitos
formais é cotejada com os princípios de Justiça e com os direitos fundamentais
do homem, assumindo o Judiciário maior responsabilidade pela promoção da
justiça social e ocasionando atrito com os outros poderes e as consequentes
pressões.
A atuação do Judiciário transformou-se em sócio-política fazendo a
confrontação dos demais poderes e o combate à criminalidade27, ele tornou-se o
grande guardião da Constituição, tanto em relação à sociedade, ao Executivo e
ao Legislativo, quanto a si mesmo. Este aspecto leva a aproximação do Judiciário
da sociedade.
Nesse processo de transformação os juizes passam a ser intérpretes da
norma, com a incumbência de esclarecer o sentido da lei, de conforma-la a
um ideal de justiça, não há mais espaço para somente dizer o direito, deve-
se especificar seu sentido, reconstruí-lo num diálogo entre a norma e o caso
26. N o que diz respeito à legitimidade dos interesses difusos e coletivos, ao suprimento da falta de regulamentação
das leis ou pressão para sua efetivação.
27. Principalmente com a corrupção atingindo a todos os poderes, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro,
o abuso e desvio de poder e com a participação daqueles que possuem destaque na sociedade pelo poder
econôm ico e/ou político.
concreto, considerando o ambiente social e a permanente evolução das
conjunturas histórica, social e econômica. Ou seja, o julgador deve conhecer e
participar da sociedade em transformação para que possa atuar como integrador.
Pode-se afirmar que, atualmente, o Judiciário tem uma atuação política,
reinante nas sociedades contemporâneas, fazendo a interpretação e a construção
sistemática do ordenamento jurídico, orientada para a implementação e proteção
dos direitos da sociedade fortalecendo os distintos aspectos das finalidades28 de
sua função, quais sejam: do ponto de vista político, a solução, pacificação de
conflitos; do ponto de vista social, a capacidade de compor, de maneira civilizada,
prevenindo a litigiosidade continuada dos conflitos de interesses de maneira a
alcançar e manter a paz social; e do ponto de vista jurídico, proporcionar ao que
tem o direito tudo a que tem direito, na medida do possível.
As transformações nas sociedades, no Estado e na atuação do Judiciário
aliadas ao incremento da litigiosidade em decorrência da afirmação e expansão
dos direitos humanos e fundamentais desencadearam o que se denomina de crise
nos Judiciários do mundo todo29. O impacto da globalização, com reflexos em
todas as áreas de consumo, em especial na informação, permitiu uma crescente
conscientização ao indivíduo de seus direitos, tornando-o mais exigente e
questionando-os frente ao Judiciário, o qual revelou uma incapacidade para
dirimir a sucessão de processos a ele submetidos, ocasionando descrédito na
justiça tradicional e resultados sociais negativos, inclusive com a renúncia tácita
ao direito de ação.
A certeza de que a Justiça não age com presteza, leva todos aqueles
que se viciaram no incumprimento das suas obrigações, a desejar que
o lesado recorra à via judicial, garantia de impunidade durante alguns
anos, tantos quantos os despendidos nas fases declarativa e executiva.
(MATIAS, 2003, p. 01)
A crise da justiça, de que tanto se fala, é uma crise geral das sociedades
industriais pós-modernas, que náo conseguiram gerar os consensos
necessários para as devidas reformas institucionais, em tampo hábil, para
acompanhar o passo das novas realidades das sociedades de consumo e
informação globalizados, onde a circulação de idéias, pessoas e mensagens
se processou, e continua a processar, a uma velocidade tal que exige a
criação de órgãos com estruturas flexíveis e permissivos à sua renovação
e adaptação espontâneas.
O excessivo tecnicismo processual e, principalmente, a intrincada
selva de leis que proliferam abundantemente, determinadas por
razões conjunturais, contribuem para a inoperacionalidade do sistema
tradicional. Acresce que, para dirimir os litígios nas sociedades
contemporâneas, não basta concluir processos em tempo útil.
E necessário algo mais; é necessário desenvolver novas técnicas, criar
mecanismos que preencham três requisitos tidos hoje como essenciais:
acesso fácil, celeridade e eficácia. (MATIAS, 2003, p.2)
30. Nesse sentido se expressa Roberto Portugal Bacellar (7 999, p.125): "[...] temos que reconhecer a incapacidade
estrutural do Estado-Juiz de acom panhar o crescimento populacional e a conseqüente multiplicação dos
litígios."
de juizes. Nesse ponto, há uma semelhança entre Brasil e Itália, mas os números
são menores em Portugal e bastante inferiores na França e na Dinamarca.
31. Sobre esse tem a ver o capítulo Conflito e dissenso na contemporaneidade: solução e consenso a partir da
teoria crítica habermasiana, de autoria de Clodom iro José Bannwart Júnior.
32. A Globalização ao mesmo tem po que dim inuiu os custos para o consumidor esmagou as pequenas empresas,
provocando, em alguns mercados, dependendo das formas adotadas para sua abertura, o sucateamento das
indústrias e o desemprego, com o consequente aum ento das desigualdades sociais.
da economia do Estado em relação a outros Estados, uma volta ao fechamento
da economia estatal, contudo, na prática, isto não pode ser verificado:
33. M árcio Pugliesi (2001, p.22) expõe que: " O Direito em face da internacionalização deverá repensar suas bases
e se, hoje questões de propriedade imaterial já suscitam enormes pendengas, muito deverá evoluir o cam po
das arbitragens e da busca de novos princípios que possam abrigar essa novel cultura una e m undial."
34. A respeito das transformações nos conceitos e modos de se interpretar a jurisdição internacional em busca de
uma jurisdição universal, ver o capítulo Jurisdição Universal e Direito Internacional na Suprema Corte dos
Estados Unidos, de autoria de Eduardo Saldanha.
35. Sandra M ara Vale M oreira (2003, p. 209.) expõe: "Despojado de seus direitos fundamentais, traduzidos pelas
condições básicas de alimentação, saúde, educação, moradia, dentre outros, luta o indivíduo pela própria
sobrevivência e d e seus familiares. M uitos para terem, pelo menos, o direito à alim entação uma vez por dia."
culturais e sociológicos, tais como as custas das demandas, o escasso nível de
conhecimento dos próprios direitos e a ausência de familiaridade com os serviços
públicos ou mesmo a ausência destes, se torna tão distante e de difícil alcance.
O que denota que há duas classes de litigantes a serem alcançados: aqueles
da litigiosidade reprimida, que não conseguem sequer chegar aos tribunais, pela
diminuta expressão econômica de seus conflitos ou pelo baixo potencial ofensivo
das infrações que não justificam a movimentação onerosa da intrincada máquina
do Judiciário ou cujo distanciamento social não motiva a busca da tutela estatal,
mas cujos conflitos subjacentes permanecem na sociedade; e dos litígios reais ou
potenciais que se vêem prejudicados pela lentidão e baixa eficiência do sistema
existente e até mesmo pela inadequação deste à realidade contemporânea.
Há duas vertentes para a solução do problema: a faceta da reforma
processual, com a busca da solução no próprio Judiciário, que preconiza uma
nova estrutura do processo e do Judiciário, como a exemplo da proposta do
novo Código de Processo Civil, os Juizados Especiais, a política nacional de
conciliação; e o enfoque das soluções alternativas, com privilégio para a conciliação
extrajudicial, o aconselhamento comunitário e a criação de órgãos comunitários
e estatais de conciliação, mediação e arbitragem de conflitos, dentre outros.
Entende-se que um não exclui o outro, ao contrário, são complementares.
Buscando a estabilização deste quadro os Estados tem passado por
um processo de modernização e adaptação de seus ordenamentos jurídicos
provocando uma desregulamentação ou re-regulamentação, em especial dos
direitos sociais e das relações econômicas, principalmente por meio da criação
de um sistema paralelo de distribuição de justiça capaz de assegurar o efetivo
acesso para todos, inclusive àqueles que tradicionalmente foram excluídos dos
bens da vida e, por tal, dos direitos e dos meios de fazê-los efetivos, fazendo
com que a justiça fosse desacreditada e que a busca de solução de conflitos
passasse a ocorrer fora das estruturas formais existentes, muitas vezes com o uso
da violência e com sacrifício dos direitos fundamentais.
Dentre estas mudanças estão as modernizações nos sistemas de solução de
conflitos, ainda não suficientes, mas cuja tendência tem sido a alternatividade,
criando ambiente que permite ao indivíduo e à sociedade assumirem a
responsabilidade e o controle dos conflitos e de suas relações, privilegiando a
autonomia humana, o que tem o fator de incentivar e valorizar a coexistência
pacífica, não como ideal, mas como realidade, como possibilidade de se permitir
a conscientização e o exercício das capacidades individuais e sociais e a partir
delas se evitar conflitos futuros, agindo de forma preventiva na continuidade da
conflituosidade existente nas sociedades.
3 DESCENTRALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO DA JUSTIÇA
36. Sobre acesso à justiça ver: C A PPELLET TI, 2002; BA C ELLA R , 1999, p.126; C A R M O N A & B E D A Q U E , 1999,
c it, p. 98 e 99; C A R N E IR O , 2003; N O G U E IR A JÚ N IO R , 1999, p. 173 e 174; TEIXEIRA, 1999, p. 91 a 95;
W A T A N A BE, 1988.
37. Dentre outros, pode-se citar: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Convenção Panamericana de
Direitos Hum anos - Pacto de San José da Costa Rica; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção
Internacional sobre todas as formas de discriminação racial.
concepção divina do direito e da intervenção do soberano, pelo acesso à jurisdição
como forma assecuratória dos direitos individuais e sociais e a afirmação do
Judiciário como órgão de garantia da cidadania até chegar aos movimentos de
agilização, facilitação e efetivação da justiça para a população em geral.
Pode-se dizer que, atualmente, a concepção de acesso à justiça está ligada
a um processo que possa desempenhar seus objetivos sócio-político-jurídicos38.
Nesse sentido J. J. Calmon de Passos expõe que:
[...] o processo não é algo que opera como mero instrumento, e sim
algo que integra o próprio ser do Direito. A relação entre o chamado
direito material e o processo não é apenas uma relação de meio/fim,
instrumental, como se proclama, porém orgânica, integrativa. É com
a matéria-prima do social, em suas dimensões econômica, política e
ideológica que se produz o Direito. (1999, p. 74)
sabe que nossa Justiça é, no conjunto, tardinheira e com plicada. (...) D aí se estar procurando, no Brasil,
mil e um instrumentos capazes de desemperrar o Judiciário: supressão de aiguns recursos, dim inuição de
prazo recursal, súmula vinculante, avocatória, argüição de relevância, juízos arbitrais, juizado especial na
Justiça Federal, controle externo, unificação de justiças (federalização ou estadualização), aum ento de número
de juizes, redução de instâncias, transformação do Suprem o Tribunal Federal em corte exclusivamente
constitucional, institucionalização dos denom inados A D R Programs, criação do 'direito processual econôm ico'
etc.".
43. Sobre a atuação da liberdade na contratação e atuação da arbitragem ver o capítulo Negócio jurídico e juízo
arbitrai: modulação da autonomia da vontade e da autonomia privada de autoria de Ana Claudia Corrêa
Zuin Mattos do Amaral e Jussara Borges Ferreira.
a construção de uma sociedade “livre, justa e solidária, com a redução das
desigualdades sociais”44; garantia de acesso 45; ampliação da assistência judiciária
que passa a abranger informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial,
perícias;46criação de novos instrumentos de defesa dos direitos fundamentais, em
especial a defesa coletiva de direitos (mandado de segurança coletivo e mandado
de injunção, direito de representação sindical e das entidades associativas em
defesa dos direitos coletivos e individuais homogêneos de seus filiados)47; previsão
para a criação de Juizados especiais cíveis e criminais, baseado na informalidade
e na participação popular48 e de uma justiça de paz remunerada, eletiva com
mandato temporário, com competência para celebrar casamentos e atividades
conciliatórias49; estabelecimento dos meios pacíficos de solução de conflitos50 e
previsão da negociação e da arbitragem como formas de solução dos dissídios
coletivos do trabalho51; ampliação do objeto da ação civil pública abrangendo
todo e qualquer direito difuso e coletivo52; reestruturação e fortalecimento da
atuação do Ministério Público que passa a ser considerado órgão essencial à
função jurisdicional do Estado com atribuições de defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses coletivos e sociais, independência funcional
e administrativa e garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade
de subsídios53; criação da Defensoria Pública como órgão essencial à função
jurisdicional do Estado para orientação jurídica e defesa dos necessitados54,
possibilidade dos cidadãos proporem Ação Popular55, e, ainda, a introdução do
princípio da celeridade56.
Acrescendo às previsões constitucionais, infraconstitucionalmente,
denota-se a edição de vários documentos legislativos com o intuito de ampliar
os caminhos para se alcançar à realização do direito e da justiça como, por
exemplo, as alterações no Código de Processo Civil e a proposta do novo
código, a institucionalização da arbitragem57 e a regulamentação da mediação
CONCLUSÃO
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Estudo Comparado sobre Recursos, Litigiosidade e Produtividade: a prestação jurisdicional
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