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EDUCAÇÃO DE JOVENS
E EDUCAÇÃO POPULAR
autor do original
AGUINALDO MARTINS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2014
Conselho editorial magda maria gomes da silva, lucia ferreira sasse, marina caprio
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
Apresentação
Objetivos
Você se lembra? 34
2.1 A Educação de Jovens e Adultos na Constituição (1988) e na
Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 34
2.2 A Educação de Jovens e Adultos no contexto das Conferências Inter-
nacionais promovidas pela UNESCO 40
2.3 O Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens e Adultos 46
Atividade 59
Reflexão 59
Leitura 60
Referencias 50
Conexão 61
3. O Pensamento Político-Pedagógico Freireano e a
Educação Popular 63
Apresentação
Objetivos
Você se lembra? 64
3.1 Trajetória intelectual de Paulo Freire: vida e obra 65
3.2 Conceitos freireanos de autonomia, conscientização e libertação 69
3.3 A EJA e a Educação Popular numa perspectiva freireana 75
Atividade 80
Reflexão 80
Leitura 81
Referencias 82
Conexão 83
Apresentação
Objetivos
Você se lembra? 86
4.1 As características dos alunos da EJA: mundo do trabalho e identidades
juvenis 86
4.2 Desafios da EJA 89
4.3 Currículo e Práticas Curriculares de alfabetização na
Educação de Jovens e Adultos 92
Atividade 100
Reflexão 100
Leitura 101
Referencias 101
Conexão 102
5. Formação do Educador Frente as Particularidades na EJA
103
Apresentação
Objetivos
Você se lembra? 104
5.1 Especificidades do professor da EJA 104
5.2 Diferentes ações desenvolvidas na EJA:
experiências curriculares e sugestões de atividades 109
Atividade 115
Reflexão 116
Leitura 116
Referencias 121
1
A História da
Educação Popular
e da Educação de
Adultos até 1990
Apresentação
OBJETIVOS
O objetivo deste capítulo é apresentar a História da Educação Popular e da Educação de Adultos
ao longo do tempo, buscando verificar suas permanências e mudanças ao longo da História da
Educação Brasileira.
Você se lembra?
Você já conheceu alguém que não teve a oportunidade que aprender a ler e
escrever? Ou então já conheceu alguém que aprendeu a ler e escrever apenas
quando já era adulto? Você conhece a política educacional brasileira voltada
para a Educação de Adultos? A Educação de Adultos esteve presente na História
do Brasil, desde o Período Colonial. Vamos conhecer um pouco desta História.
Sabemos que a Educação de Jovens e Adultos está garantida por Leis e Dire-
trizes. Mas como chegamos hoje a está garantia de educação para aqueles que
não puderam fazê-la enquanto crianças e jovens? Assim faz-se necessário um
histórico da Educação Popular e da Educação de Jovens e Adultos no Brasil.
Antes de iniciarmos nosso histórico acerca da Educação de Jovens e Adul-
tos, vamos diferenciar a categoria Educação Popular da categoria Educação de
Adultos. De acordo com Paiva (2003)
8• capítulo 1
Entende-se por educação popular, frequentemente, a educação oferecida a toda a
população, aberta a todas as camadas da sociedade. Para tanto ela deve ser gra-
tuita e universal. Outra concepção da educação popular seria aquela de educação
destinada às chamadas “camadas populares” da sociedade: a instrução elementar,
quando possível, e o ensino técnico profissional tradicionalmente considerado,
entre nós, como ensino “para os desvalidos”. [...] Em nosso trabalho [...] conside-
rando como educação popular a instrução elementar e como luta pela educação
popular a luta em favor da difusão do ensino primário. De inicio, a educação dos
adultos esta tratado em conjunto. Ela é parte da Educação popular, pois a difusão
da escola elementar inclui as escolas noturnas para adultos que, durante muito
tempo, foram à única forma de educação de adultos praticada no país. Mais tarde,
quando ganha autonomia e pretende-se que sua duração seja menor que aquela
oferecida a população em idade escolar, ela passa a ser tratada como alfabeti-
zação e educação de base (ou educação continuada, como querem hoje alguns).
(PAIVA, 2003, p. 56, 57)
9• capítulo 1
rem educados. Foram instaladas escolas de “ler e escrever” em São Vicente,
Bahia, Espírito Santo e Pernambuco. Em seguida, organizam-se as classes
de gramática e os colégios, o ensino profissional e, mais tarde, os seminários
(ARANHA, 1989).
De acordo com Paiva (2003), foi através do ensino das crianças que os je-
suítas buscaram atingir seus pais, ja que, para realizar a catequese direta dos
indígenas adultos, eram necessárias a alfabetização e a transmissão da língua
portuguesa. No entanto, o modelo econômico adotado e as atividades econômi-
cas praticadas na Colônia não exigiam uma educação voltada para a população
adulta não alfabetizada, fosse ela composta por portugueses e seus descenden-
tes ou muito menos para a população escravizada, indígena e africana.
Assim:
10 • capítulo 1
Para Paiva (2003), a expulsão dos jesuítas provocou a “regressão do sistema
de ensino educativo na Colônia”, porém afetou menos a educação popular que
a educação das elites, pois o ensino oferecido pelos jesuítas se transformou em
um sistema cada vez mais direcionado às elites coloniais.
Ainda no século XIX não havia uma política educacional sistemática e pla-
nejada. As inovações reforçavam o caráter elitista e aristocrático da educação. A
situação do ensino elementar ainda era precária. Com a Independência do Bra-
sil, seria outorgada a Constituição de 1824 que definiu em seu artigo 79, alínea
32, a “gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos” (PAIVA, 2003,
p. 71). Em 1827, uma lei estabeleceu que “em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos, haveria uma escola de primeiras letras que fossem necessá-
rias” (PAIVA, 2003, p. 71-72), porém o cumprimento da referida lei foi realizado
de maneira precária. O Ato Adicional de 1834 promoveu a descentralização do
ensino elementar no Brasil. De acordo com Paiva (2003), era de competência
do Governo-Geral a educação superior destinada às elites e os governos das
províncias ficavam encarregados de promover a instrução popular. Esses gover-
nos com escassos recursos pouco fizeram para promover a instrução popular,
desenvolvida precariamente durante todo Império e grande parte do período
republicano.
Segundo Paiva (2003):
11 • capítulo 1
A descentralização do ensino primário e suas consequências po-
dem ser entendidas se temos presente que nosso sistema econômico-
-social não favorecia a educação popular; em 1823, possuíamos uma população
total de 4 milhões de habitantes, dos quais quase 1.200.000 eram escravos; em
meados do século, para 5.520.000 habitantes livres contávamos com 2.500.000
escravos; mais de 30% da população estava a priori excluída de qualquer participa-
ção de caráter educativo sistemático. [...] acerca das escolas para meninas, os 50%
representados pelas mulheres eram em grande parte marginalizados do processo
educativo escolar [...] Muito poucas frequentavam escolas: as mulheres do povo não
recebiam instrução; as da elite eram educadas em suas casas [...] Em tais condições
pode-se entender que a educação elementar tenha se expandido de forma tão irre-
gular e limitada. As elites adotaram como prática o estudo individual com preceptor
em suas próprias casas, a educação não era sentida como uma necessidade social e
econômica muito forte. (PAIVA, 2003, p.73)
12 • capítulo 1
nanciada pelos cofres públicos, o poder público deveria fornecer livros e outros
materiais e deveriam ser abertas classes para o ensino de adultos. (PAIVA, 2003)
Assim, a partir do Regulamento de 1854 foram criadas escolas noturnas
para adultos nas províncias e no município da Corte. Em 1860, no Maranhão
foi aberta a primeira escola noturna. Entre os anos de 1870 e 1880, quase todas
as províncias do Império criaram classe noturnas. Em 1876, o Império tinha
117 escolas noturnas. Entretanto, cada vez menos frequentadas muitas esco-
las foram extintas, sendo mantidas apenas as da capital, as escolas criadas nas
casas de detenção e as escolas mantidas por sociedade privadas. (PAIVA, 2003)
Em 1878, foi apresentada no município da Corte a reforma Leôncio de Carvalho e
transformada em Lei por decreto em abril de 1879. Esta lei insistia na obrigatorieda-
de do ensino, tornando obrigatório o ensino entre 7 e 14 anos e eliminava a proibição
aos escravos. Também mencionava a criação de escolas noturnas para a educação
de adultos e cursos para o ensino primário de adultos analfabetos. A partir da refor-
ma eleitoral (Lei Saraiva), nos anos 1880 as escolas noturnas voltaram a ser estimu-
ladas. Nesse período começava-se a discutir a ideia de que a educação levava ao pro-
gresso “[...] além disso, a eleição direta com restrição ao voto do analfabeto provocara
a valorização daqueles que dominavam as técnicas da leitura e da escrita” (PAIVA,
2003, p. 196). Esta Lei ampliava a consulta eleitoral, mas tratou de encontrar outro
fator de seleção, além da renda: a instrução era “capaz de excluir os escravos liber-
tos ou os elementos das classes trabalhadoras que lograssem ultrapassar a barreira
da renda. “[...] A ampliação beneficiava apenas os setores médios emergentes [...]”
(PAIVA, 2003, p. 93).
Assim, de acordo com Paiva (2003), podemos dizer que a educação brasilei-
ra, em especial a educação popular, anterior às primeiras décadas do século XX,
não apresenta uniformidade e o traço comum foi a precariedade quantitativa e
qualitativa do sistema de ensino elementar e a realização de poucos esforços
para sua expansão. Da mesma forma, com raras exceções, a educação de adul-
tos não se distingue de maneira especial da problemática mais geral da edu-
cação popular. A educação de adultos será vista de forma mais independente
somente após a experiência do Distrito Federal (1933-1935) e das discussões re-
alizadas depois da divulgação dos resultados do Censo de 1940, que indicava a
existência de 55% de analfabetos com mais de 18 anos na população brasileira.
13 • capítulo 1
1.2 A Educação Popular e a Educação de Adultos a partir do século XX
[...] ao preceito contra o analfabeto, identificado como indivíduo incapaz [...] Até o
final do Império [...] “o não saber ler não afetava o bom senso, a dignidade, o conhe-
cimento, a perspicácia, a inteligência do individuo [...] Somente quando a instrução
se converte em instrumento de identificação das classes dominantes e que se torna
preciso justificar a medida da seleção é que o analfabetismo passa a ser associado à
incompetência (PAIVA, 2003, p. 93).
14 • capítulo 1
Sabemos que o sistema de ensino popular se mostrava no início do século
XX profundamente insatisfatório. Nem mesmo os estados mais ricos tinham
condições de diminuir o analfabetismo. As mobilizações não promoveram re-
sultados satisfatórios e a educação popular na Primeira República mantinha os
mesmos níveis do Período Imperial.
Com relação à educação de adultos, vale destacar a experiência do Distrito
Federal em 1928, onde reorganizaram-se os cursos elementares noturnos que
passaram a ser chamados de Cursos Populares Noturnos. Esses cursos deve-
riam ministrar o ensino primário elementar no período de dois anos para os
adultos analfabetos, o ensino técnico elementar e o ensino de cultura geral.
Esta reforma não foi totalmente posta em prática em virtude da Revolução de
1930, mas gerou um aumento do número de matrículas. Em 1932, Anísio Tei-
xeira terminou a implementação desta reforma, introduzindo algumas modifi-
cações. (PAIVA, 2003)
Após a Revolução de 1930, intensificaram-se as “reivindicações em favor da
democratização do ensino e da responsabilidade da União pela educação em
todos os níveis através de uma política nacional” (PAIVA, 2003, p.127). Segun-
do a mesma autora ocorreram Conferências Nacionais de Educação, nais quais
foram tratados temas importantes para a educação nacional. Veremos algumas
iniciativas relacionadas à qualificação do magistério que era composto em sua
maioria por professores leigos. Estados, municípios e entidades privadas pro-
moviam cursos de formação e aperfeiçoamento para seus professores. Nesse pe-
ríodo, deu-se continuidade à rádio educativa, em favor da educação popular. Em
1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde e, no ano seguinte, o Conselho
Nacional de Educação. Essas medidas anunciavam o propósito de intervenção
da União na educação.
Em 1932, Fernando de Azevedo e outros educadores assinaram o Manifesto
de 1932, reivindicando um plano unitário de ensino, argumentando que, até
então, o ensino no Brasil era fragmentado, desarticulado e que era necessário
um plano nacional de educação.
Em 1934, a Constituição em seu artigo 150 determinava que a União tinha a
competência para fixar o plano nacional de educação, coordenar e fiscalizar sua
execução em todo o país, além de “exercer ação supletiva, onde se faça necessário
por deficiência de iniciativa ou de recursos” (PAIVA, 2003, p.134). A educação pas-
sou a ser um direito de todos e o ensino primário deveria ser integral, gratuito, de
frequência obrigatória e extensivo aos adultos. Determinou-se que União e mu-
15 • capítulo 1
nicípios deveriam investir 10% na educação e estados e Distrito Federal deveriam
investir 20%. Criaram-se também os fundos especiais. Conforme Paiva (2003),
desde o Ato Adicional, pela primeira vez, uma política nacional de educação tor-
nava-se Lei.
A educação popular, através dos sistemas elementares de ensino, cresceu
na maioria dos estados brasileiros, mesmo sem o auxílio da União. Segundo
Paiva (2003), eram mais de 30 mil escolas em todos os estados do país e cerca de
2.500.000 alunos matriculados; no final do Estado Novo em 1945, eram 40.000
escolas e cerca de 3.500.000 alunos matriculados. A difusão do ensino primário
foi maior do que nos períodos anteriores, mas a aplicação de recursos continu-
ava desigual e a qualidade de ensino era variável de estado para estado, sendo
na maioria das vezes bastante precária.
A partir de 1937, com o golpe e a implantação do Estado Novo, Getúlio Var-
gas pretendeu alfabetizar o “maior número possível, mas também (...) difundir
princípios uniformes de disciplina cívica e moral” (PAIVA, 2003, p.155). Em 1939,
Getúlio Vargas também afirmou que era “indispensável dar a máxima atenção à
campanha de alfabetização do povo, não somente na infância, como em todas as
idades (...) levar a todas as populações do Brasil o culto à Pátria (...)” (PAIVA, 2003,
p.146). Assim o governo deixava claro o objetivo político da difusão do ensino: a
educação como veículo ideológico do novo regime, o Estado Novo.
No Estado Novo, a política nacional de educação – centralização das infor-
mações e das orientações, difusão do ensino elementar – se fez sentir desde o
início. Em 1938, foi criada a Comissão Nacional do Ensino Primário que tinha
como objetivo propor uma política direcionada ao ensino primário, e um plano
para combater o analfabetismo. No mesmo ano, foi criado o Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (INEP), que tinha como objetivo realizar estudos e cen-
tralizar as informações relacionadas à educação. (PAIVA, 2003)
Um dos primeiros estudos realizados pelo INEP demonstrou a precariedade
do ensino de primeiro grau no país. Em 1941, foi convocada a I Conferência Na-
cional de Educação, que pretendia discutir os problemas da educação escolar,
dentre os temas tratados a difusão e elevação da qualidade de ensino primário,
normal e do ensino profissional. A partir das discussões da I Conferência, o go-
verno federal instituiu o Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) em 1942,
destinado à ampliação e melhoria do ensino primário em todo o país. Em 1943,
o governo federal, pelo decreto nº 5293, estabeleceu o Convênio Nacional do
Ensino Primário, que propôs a cooperação financeira da União com os Estados,
16 • capítulo 1
mas que só foi regulamentado em agosto de 1945, quando se deu a efetivação
do FNEP. Assim ficava assegurada – em longo prazo – a universalização do ensi-
no primário para a população em idade escolar. (PAIVA, 2003)
A educação de adultos desde os anos de 1920 passou a ter uma importância
maior, embora ainda fosse discutida dentro da problemática do ensino elemen-
tar. No início do governo de Getúlio Vargas, teremos a primeira manifestação em
direção da separação da educação dos adultos da educação elementar comum.
Em 1931, o Convênio Estatístico instituiu a categoria ensino supletivo. A experi-
ência do Distrito Federal também chamou a atenção para a educação de adultos.
Segundo Ferraro (2002), o Censo de 1940 apresentou altos índices de analfabetis-
mo: 61,2 % (população de 5 anos ou mais); 56,7 % (população de 10 anos ou mais)
e 55,9% (população de 15 anos ou mais) e mais uma vez a problemática do analfa-
betismo concentrava as atenções. Assim, o tema passou a ter maior relevância e
destacar-se como uma temática distinta daquela relacionada à difusão do ensino
elementar das crianças em idade escolar. Segundo Paiva (2003) a:
[...] importância assumida pelo problema podia ser observada principalmente a partir
dos primeiros anos da década dos 40 quando, segundo afirma Paschoal Lemme,
discutia-se muito se seria necessário dar ênfase especial à programação destinada
aos adultos ou se o problema do baixo nível educacional da nossa população deveria
ser resolvido a longo prazo, enfatizando-se a difusão do ensino elementar comum
(PAIVA, 2003, p. 144).
17 • capítulo 1
Assim, a autonomia da discussão sobre a temática da educação de adultos
levou às primeiras iniciativas oficiais em âmbito nacional. O FNEP reconheceu
a necessidade da realização de um programa amplo de educação voltado para
adolescentes e adultos. Desta forma, foram lançadas campanhas nacionais di-
recionadas à educação de adolescentes e adultos. Em 1947, foi aprovado o plano
para a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). A Campanha
nasceu da regulamentação do FNEP, acenando para a possibilidade de “prepa-
rar mão de obra alfabetizada nas cidades, de penetrar no campo e de integrar
os imigrantes e seus descendentes [...] instrumento para melhorar a situação do
Brasil nas estatísticas mundiais de analfabetismo” (PAIVA, 2003, p.206). A CEAA
se orientou a partir das ideias de funcionamento da democracia liberal e da am-
pliação das bases eleitorais. A Campanha “parece ter contribuído para o enfra-
quecimento de algumas oligarquias tradicionais [...] novos eleitores escaparam
ao controle dos “currais eleitorais” [...] possibilitando a desobediência eleitoral”
(PAIVA, 2003, p. 211). A princípio, a CEAA trabalhou com a premissa do que o
analfabeto era um ser marginal e incapaz, porém, com o decorrer da Campanha,
foram sendo incorporadas novas ideias que se referem à capacidade de aprendi-
zagem do adulto analfabeto.
O funcionamento da CEAA se deu a partir do aproveitamento do sis-
tema escolar que já existia, devendo ser ampliada a rede de ensino suple-
tivo e criadas classes de alfabetização que seriam acompanhadas por vo-
luntários. Deveriam ser organizados “Centros de Cultura Popular” em
bibliotecas municipais, assim predominando o aspecto quantitativo e
“extensivo” da Campanha, que deveria alfabetizar um grande número de
adolescentes e adultos analfabetos. Também deveriam ser criados “cur-
sos de continuação” buscando a continuidade dos estudos, o que se cha-
mou de “ação em profundidade”, porém esse aspecto não chegou a ser
concretizado senão de forma bastante restrita e a CEAA, de fato, se caracterizou-
-se por seu aspecto quantitativo e extensivo. (PAIVA, 2003)
De acordo com Paiva (2003) a CEAA desenvolveu suas atividades a partir de
um plano de ensino supletivo para adolescentes e adultos que deveria ser refor-
mulado anualmente. Previam-se para o ano inicial a abertura de 10.00 classes e
matrículas de meio milhão de alunos. Era de competência da União: o planeja-
mento geral; a orientação técnica; o controle geral dos serviços; a prestação de
auxílio financeiro e o fornecimento de material didático. Era de competências
das unidades da federação: a instalação das classes; recrutamento do pessoal e
18 • capítulo 1
a administração e fiscalização dos serviços. Os estados deveriam criar um setor
para organizar a educação de adolescentes e Adultos e, nos municípios, os tra-
balhos deveriam ser apoiados por Comissões Municipais de Educação de Adul-
tos. As classes deveriam preferencialmente ser formadas por alunos entre 15 e
25 anos. Aos professores era oferecida uma gratificação; esta estratégia visava à
participação da comunidade de maneira voluntária no processo de alfabetiza-
ção de adolescentes e adultos, sendo vista como uma tarefa cívica.
Durante os primeiros anos de funcionamento, a CEAA atingiu grande nú-
mero de adolescentes e adultos analfabetos. Segundo Paiva (2003):
[...] o número de classes subiu de 10.416 em 1947 até 17.000 em 1951/53; a ma-
trícula geral alcançou 659.606 em 1947, subindo a 850.685 em 1953. As tiragens
de material de leitura, produzido e editado pelo próprio DNE (Departamento Nacional
de Educação), atingiram 1.695.000 exemplares em 1947, totalizando 5.438.500
entre 1947 e 1950 (PAIVA, 2003, p. 219).
19 • capítulo 1
nal (SIRENA), que fazia parte da CEAA e tinha como objetivo fomentar a criação
do Sistema Rádio Educativo regionalmente. As atividades da CEAA mantive-
ram-se em ascensão e expansão até o início da década de 1950, entretanto a par-
tir de 1954 iniciou-se a fase de declínio da Campanha e, em 1963, ela foi extinta.
As críticas vão na direção da escassez dos recursos devido aos baixos resulta-
dos em relação à sua principal atividade que era alfabetizar o maior número de
adolescentes e adultos. Além disso, o trabalho voluntariado dos professores
praticamente deixou de existir. A gratificação que era oferecida aos professores
era muito baixa e poucos aceitavam o trabalho ou então eram recrutados do-
centes despreparados. Outro problema enfrentado pela campanha foi a evasão
escolar. A falta de verbas também dificultava o funcionamento das classes de
alfabetização, por exemplo, na aquisição de materiais escolares e na falta de
pessoal qualificado para utilizar os aparelhos de projeção fixa e de filmes. O ma-
terial didático também foi alvo de críticas, sendo considerado pouco adequado
aos adolescentes e adultos e não contemplava a diversidade regional brasileira.
Outro aspecto criticado da CEAA foi a desorganização dos estados e municípios
em implementar o plano da Campanha. Nem todos os estados criaram seto-
res que organizavam a campanha de alfabetização e as informações fornecidas
nem sempre correspondiam à realidade, além da improbidade na aplicação
dos recursos destinados à Campanha. Além das críticas mencionadas sobre a
CEAA, generalizou-se a ideia de que a campanha de alfabetização fora criada
para “preparar eleitores”.
De acordo com Paiva (2003):
20 • capítulo 1
[...] contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural nele despertando o
espírito comunitário, a ideia do valor humano e o sentido da suficiência e responsa-
bilidade para que não se acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo em
detrimento do meio rural onde tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas do
trabalho, a disseminação das endemias, a consolidação do analfabetismo, a subali-
mentação e o incentivo às superstições. Por isso missões educativas penetravam no
interior para incentivar a elevação dos padrões de vida e a solução dos problemas
coletivos através da organização comunitária (PAIVA , 2003, p. 225)
21 • capítulo 1
fendia a ideia de que o desenvolvimento educacional é uma pré-condição
para o desenvolvimento econômico. A Campanha preocupou-se com “o
problema da ampliação da rede escolar primária e da extensão da esco-
laridade [...] aos adolescentes e adultos [...] contornar o problema da eva-
são [...] programação alfabetizadora através do rádio [...]” (PAIVA, 2003,
p. 246). A CNEA também foi extinta em 1963 juntamente com as demais campa-
nhas do Ministério da Educação.
Em 1961, foi aprovada a Lei 4024 que estabelecia a LDB, que já havia sido de-
batida em 1948. A partir da nova Lei, elaborou-se o Plano Nacional de Educação
e as Campanhas Nacionais de Alfabetização serão extintas nos anos seguintes.
No governo de Jânio Quadros, a educação passou a ter uma ênfase especial.
Para a educação de adultos foram criados o Movimento de Educação de Base
(MEB) e a Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA).
O MEB foi criado através do Decreto 50.370 de 21 de março de 1961, deter-
minando “que o governo federal forneceria recursos para a realização do Movi-
mento de Educação de Base por intermédio das emissoras católicas, através de
convênio com o MEC [...]” (PAIVA, 2003, p. 251). No funcionamento das escolas
radiofônicas estavam presentes os monitores e colaboradores voluntários do mo-
vimento. A partir de 1962, o MEB começou a se caracterizar como um movimento
de cultura popular. As novas ideias sociais cristãs que se difundiam definiam o
MEB como um “movimento engajado com o povo nesse trabalho de mudança
social [...] aceitando a premissa de que a luta de classe existe no Brasil, como exis-
te em toda sociedade onde os desequilíbrios sociais causam conflitos entre os
interesses dos diversos grupos” (PAIVA, 2003, p. 269). Assim o trabalho educativo
deveria preparar seus alunos para a conscientização e instrumentalizar as comu-
nidades rurais. Em 1963, ano de maior amplitude do Movimento, foram atingi-
dos 14 estados, existiam 59 sistemas e foram 111.066 alunos concluintes. O MEB
não foi extinto em 1964, em função do golpe militar, pois havia um convênio en-
tre a CNBB e a União para o período de 1961 a 1965, entretanto suas atividades
diminuíram significativamente e sua orientação sofreu várias alterações.
Com o decreto 51.222 de 22 de agosto de 1961, foi criada a Mobilização Na-
cional Contra o Analfabetismo (MNCA), mas não chegou a ser implantada em
função da renúncia do presidente da República Jânio Quadros.
Segundo Paiva (2003), os movimentos ligados à promoção da cultura po-
pular que surgiram na primeira metade da década de 1960 estavam preocupa-
dos com a possibilidade de promover a participação política da sociedade e da
22 • capítulo 1
tomada de consciência sobre os problemas da realidade brasileira. Vejamos
quantos movimentos surgiram nesse momento:
No início dos anos de 1960, surgiram alguns dos movimentos mais expressivos de
educação e cultura popular do Brasil: Movimento de Cultura Popular – MCP (1960),
inicialmente implantado no Recife, depois estendido para outras cidades do estado
de Pernambuco; Campanha ‘‘De Pé no Chão também se Aprende a Ler’’, de Natal
(1961); Movimento de Educação de Base – MEB (1961), ligado à Conferência Na-
cional dos Bispos do Brasil (1961); Centro Popular de Cultura da UNE – CPC/UNE
(1961), que se desdobrou em vários CPCs estaduais; e Campanha de Educação
Popular da Paraíba – CEPLAR (1961) (BRASIL, 2009, p.15).
23 • capítulo 1
[...] também aproximar a juventude e a intelectualidade do povo, sob a influência de
ideias socialistas e cristãs. O movimento pretendia encontrar uma fórmula brasileira
para a prática educativa ligada às artes e à cultura do povo e suas atividades esta-
vam voltadas, fundamentalmente, para a conscientização das massas através da al-
fabetização e da educação de base. [...] o movimento passou a atuar também através
do teatro, da organização de núcleos de cultura popular, do incentivo à divulgação
das artes plásticas e artesanato, do canto, da dança e da música popular, da constru-
ção de praças, centros e parques de cultura, da organização de cine e teleclubes e
da galeria de arte, além das atividades educativas sistemáticas destinadas à alfabeti-
zação e educação de base, com as quais se combinavam. Pretendia-se compreender
a cultura popular [...] valorizando a produção cultural de massa [...] O MCP organizava
suas escolas como Associações de Cultura Popular que serviam de ponto de partida
para a participação de todos nas atividades culturais espontâneas da comunidade e
naquelas promovidas pelo próprio movimento (PAIVA, 2003, p. 264-265).
24 • capítulo 1
estas novas ideias pedagógicas estavam preocupadas também com a promoção
da cultura popular. Segundo Paiva (2003), as maiores contribuições foram dadas
pelos grupos cristãos que influenciaram o Centro de Cultura Popular (CPC) de
Pernambuco e também foram responsáveis pelo aperfeiçoamento da metodolo-
gia utilizada pelo Movimento de Educação de Base (MEB). Com explicitado an-
teriormente, pretendia-se a “promoção do homem, sua conscientização e emer-
gência na vida política brasileira através de uma ação pedagógica não diretiva.”
(PAIVA, 2003, p. 279). Assim o pensamento do educador pernambucano, Paulo
Freire, por sua ampla difusão e pela publicação Educação como prática da liber-
dade, exerceu grande influência sobre os profissionais da educação.
De acordo com Paiva (2003), o pensamento de Paulo Freire partia de uma
visão cristã e considerava que a sociedade brasileira estava passando de uma
sociedade “fechada” para uma sociedade “aberta” e o povo emergia nesse pro-
cesso, inserindo-se criticamente e passando a ser “sujeito” da história. A educa-
ção nesse processo deveria ser uma educação reflexiva e corajosa e seu método
deveria permitir que o educar ajuda o homem “a fazer-se agente de sua própria
recuperação através de uma postura conscientemente crítica diante de seus
problemas” (PAIVA, 2003, p.280). A alfabetização deveria partir de situações
concretas e o diálogo seria o único caminho possível dentro de uma perspectiva
de “processo de alfabetização pela conscientização”.
Assim a metodologia se dava a partir do:
[...] levantamento do universo vocabular dos grupos com os quais a equipe pretendia
trabalhar. Em seguida eram escolhidas as palavras no universo vocabular pesquisa-
do, devendo ser selecionadas pela sua riqueza fonêmica, pelas dificuldades fonéti-
cas de língua e pelo engajamento da palavra numa dada realidade social, cultural ou
política. Tais palavras eram relacionadas a situações existenciais típicas do grupo,
que serviam como ponto de partida da discussão à qual se seguia a decomposição
das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores. Para esse traba-
lho era necessário uma adequada preparação dos coordenadores e a confecção de
material didático através de slides e cartazes (PAIVA, 2003, p. 281).
25 • capítulo 1
aplicariam o método na cidade de Osasco; a Fundação Campanha de Educação
Popular (Ceplar) da Paraíba; o governo pernambucano que pretendia aplicá-lo
no estado. A primeira grande experiência do método, de forma mais extensiva,
ocorreu no Rio Grande do Norte, em Angicos. O método se espalhava pelo país
e proporcionava a troca de experiência entre os participantes. Em face do êxito
do método, em 1963, iniciou-se um projeto-piloto que seria implantado na ca-
pital da República, utilizando os quadros normais do MEC. (PAIVA, 2003)
Ainda em 1963, organizou-se uma Comissão Nacional de Alfabetização em
Brasília para elaboração do Plano Nacional de Alfabetização (PNA). Esse Plano
foi criado em 21 de janeiro de 1964 pelo Decreto nº 53.465, entretanto já esta-
vam em funcionamento dois planos-pilotos (região Sul e Nordeste) para alfa-
betização de adultos. O PNA utilizaria o método Paulo Freire para alfabetizar
cinco milhões de brasileiros em um prazo de até dois anos e a execução do pro-
grama ficaria sob a responsabilidade do MEC. Porém em 14 de abril de 1964, o
PNA foi extinto pelo Decreto nº 53.886, quando se deu o Golpe Militar. Segundo
Paiva (2003), o desenvolvimento do PNA pelo governo federal, através do MEC,
representava a incorporação das práticas e orientações indicadas pelos diferen-
tes grupos dos movimentos populares que, desde 1962, estavam ligados à edu-
cação de adultos. (PAIVA, 2003)
Segundo Paiva (2003) com o Golpe Militar de 1964, a maior parte dos pro-
gramas de educação de adultos desapareceu ou sofreu a repressão do gover-
no militar. Os programas de alfabetização promovidos pelos movimentos de
educação popular apresentados anteriormente representavam uma ameaça ao
novo governo ditatorial, isto é, um perigo à estabilidade do regime político que
se impunha naquele momento. Entre os inúmeros movimentos de educação
de adultos, apenas sobrevive o MEB, em função de sua vinculação à CNBB, mas
foram feitas mudanças em sua metodologia, em seus materiais didáticos e em
sua orientação.
Durante os dois primeiros anos de governo militar, a questão da educação
de adultos foi negligenciada pelo Ministério da Educação. Entretanto a Unes-
co voltava a reiterar o compromisso dos países signatários em promover pro-
gramas destinados à educação de adultos. Em 1966 o governo retoma algumas
ações direcionadas a educação de adultos, ” [...] através do Ministério da Edu-
cação e do apoio à Cruzada ABC, em colaboração com USAID.” (PAIVA, 2003,
p.288). A primeira delas foi o Plano Complementar ao PNE, estabelecendo que:
26 • capítulo 1
70% dos saldos dos recursos destinados ao ensino primário seriam aplicados na
extensão da educação primária a analfabetos de 10 anos ou mais. Para a população
analfabeta entre 10 e 14 e entre 15 e 20 anos seriam organizados cursos primários
intensivos de 3 anos, enriquecidos com atividades e trabalhos. Aos adultos entre 20
e 30 anos seriam oferecidos cursos intensivos de alfabetização com 8 meses de du-
ração seguidos de cursos rápidos de 6 meses para capacitação profissional em nível
elementar (PAIVA, 2003, p. 292).
Esse Plano, apesar de provocar o debate, não foi colocado em prática. Para
o Departamento Nacional de Educação (DNE), o analfabeto era visto como uma
“pessoa intelectualmente incapaz de servir-se da comunidade, de servir à co-
munidade, de integrar-se no processo de desenvolvimento político e de parti-
cipar do contexto político” (PAIVA, 2003, p. 294). Entre os anos de 1966 e 1970,
o Ministério da Educação se restringe “ao estudo das fontes de financiamento
de um programa nacional de educação de adultos e à proposição de um novo
Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos a ser co-
ordenado por um Movimento Nacional” (PAIVA, 2003, p. 296).
Um programa destinado à educação de adultos que merece ser mencionado
nesse período foi a Cruzada ABC, que, segundo Paiva (2003), deve ser entendida
como um esforço para anular os efeitos ideológicos dos movimentos populares
anteriores, direcionados à educação de adultos, desenvolvidos no Nordeste. O
objetivo inicial da Cruzada era desenvolver um programa extensivo de alfabetiza-
ção. Entre os anos de 1970 e 1971, a Cruzada foi progressivamente sendo extinta.
De acordo com Paiva (2003) em dezembro de 1967, foi criado pela Lei 5379
o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Em 8 de setembro de 1967
(Dia Internacional da Alfabetização), vários decretos foram assinados: Decreto
nº 61.311 criando um Grupo Interministerial para estudo e levantamento de
recursos destinados à alfabetização; Decreto nº 61.312 prevendo a utilização
das emissoras de TV nos programas de alfabetização; Decreto nº 61.313 consti-
tuindo a Rede Nacional de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de
Adultos; Decreto nº 61.314 instituindo a educação cívica nas instituições sindi-
cais e a campanha em prol da extinção do analfabetismo. O Grupo Interminis-
terial (GI) buscava encontrar recursos no orçamento que poderiam ser desti-
nados à educação de adultos. O GI era formado por representantes de diversos
ministérios do governo e tinha como objetivo fazer estudos e levantamento dos
recursos necessários para o desenvolvimento do Movimento de Alfabetização.
27 • capítulo 1
No mesmo ano foi criada a Fundação Mobral através da Lei 5.379.
Esta Lei:
[...] o movimento fazia restrições ao método Paulo Freire [...] e dispunha-se a ela-
borar novos materiais didáticos e aplicar novos métodos [...] O novo material incluía
“Livros-cadernos” destinados a alfabetização e iniciação dos neo-alfabetizados em
conhecimentos relativos ao lar, à comunidade, à Pátria e a consolidação de hábitos e
atitudes. (PAIVA, 2003, p. 323)
28 • capítulo 1
[...] a suplência (substituição compensatória do ensino regular pelo supletivo via
cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1º grau para maiores de 18
anos e de ensino de 2º grau para maiores de 21 anos), o suprimento (completação
do inacabado por meio de cursos de aperfeiçoamento e de atualização), a apren-
dizagem e a qualificação. Elas se desenvolviam por fora dos então denominados
ensinos de 1º e 2º graus regulares. (BRASIL, 2000, p. 21).
ATIVIDADE
Leia a entrevista do Prof. Osmar Fávero concedida em 18 de julho de 2003 ao
programa Salto para o Futuro. A entrevista você encontrará neste link: http://
www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=45
Após a leitura escreve um texto analítico apresentando os principais pontos
destacado pelo professor Osmar Fávero sobre a Educação de Jovens e Adultos
no Brasil.
REFLEXÃO
Após a leitura do texto reflita: A Educação de Jovens e Adultos pode ser um instrumento
ideológico para os que detêm o poder e/ou para aqueles que disputam o poder?
29 • capítulo 1
“A importância da educação como instrumento ideológico poderoso é muito clara
tanto para os que os detêm quanto para aqueles que pretendem disputá-lo. A dife-
rença quanto à possibilidade de sua utilização reside no fato de que os detentores
do poder político se encarregam de determinar a política educacional a ser seguida,
os programas a serem promovidos ou estimulados e o conteúdo ideológico dos mes-
mos. Para os que disputam o poder, a educação é um instrumento somente quando
as contradições dos sistemas, as crises o clima de efervescência ideológica chegou
a um ponto em que os programas educacionais podem ser controlados por aqueles
que se opõem a ordem vigente.” (Paiva, 2003, p. 23).
LEITURA
Gadotti, M. O Pensamento Pedagógico Brasileiro São Paulo: Editora Ática, 2004.
Neste livro o autor aborda a “pensamento pedagógico brasileiro” passando pelos temas
da educação como um ato político, a educação popular, a educação como um instrumento
de luta popular, o saber e o poder popular, a educação e o desenvolvimento social, educação
e poder em uma sociedade de classes dentre outros.
GALVÃO, A. M.; DI PIERRO, M. C. Preconceito contra o analfabeto. São Paulo: Cortez, 2007.
Neste livro as autoras fazem uma analise sobre o preconceito contra o analfabeto, mos-
trando que o estigma contra o analfabeto foi sendo construído ao longo do tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Editora Moderna, 1989.
BRASIL. Parecer CEB/CNE 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra,
1997.
GADOTTI, M. & ROMÃO, J. Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez,
2001.
PAIVA, V. História da educação popular no Brasil. 6. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003
30 • capítulo 1
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 21. ed. Campinas:
Autores associados, 2010.
SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2010.
CONEXÃO
No próximo capítulo discutiremos a Legislação Brasileira atual sobre a Educação de
Jovens e Adultos e as Conferências Internacionais realizadas pela UNESCO.
31 • capítulo 1
32 • capítulo 1
2
A Legislação e
Políticas Públicas
em Educação de
Jovens e Adultos
no Brasil
Apresentação
OBJETIVOS
O objetivo deste capítulo é refletir sobre a legislação brasileira atual da Educação de Jovens e
Adultos; verificar como a Educação de Jovens e Adultos é pensada no cenário internacional e
analisar o Parecer CNE/CEB 11/2000 que fundamenta a Educação de Jovens e Adultos atu-
almente no Brasil.
Você se lembra?
Você conhece a UNESCO? Sabe qual a relação desta Organização com a
Educação de Jovens e Adultos? Você sabe que esta Organização realiza Confe-
rências Internacionais que discutem a temática do analfabetismo no mundo?
Qual a importância da erradicação do analfabetismo para os atuais governos?
Vamos pensar um pouco sobre isso a luz da legislação brasileira e das Confe-
rencias Internacionais? Vamos lá.
34 • capítulo 2
tiveram acesso à educação na idade adequada.
CONEXÃO
Leia na integra a LDB
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria;
No artigo 214 fica estabelecido que deverá ser elaborado um Plano Nacional de
Educação que deve conduzir a erradicação do analfabetismo e a universalização do
atendimento escolar.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com
o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e
definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e moda-
lidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas
federativas que conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar; (BRASIL, 1988)
35 • capítulo 2
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de:
IV – acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que
não os concluíram na idade própria;
VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características
e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se
aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
(BRASIL, 1996)
36 • capítulo 2
jetivo. Segundo o Parecer CNE/CEB 11/2000 direito público subjetivo é aquele
pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de
um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucio-
nalizado e dotado de efetividade. O titular desse direito é qualquer pessoa de
qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por
isso é um direito subjetivo, ou seja, ser titular de alguma prerrogativa é algo que
é próprio desse indivíduo. O sujeito desse dever é o Estado no nível em que esti-
ver situada esta etapa da escolaridade. (BRASIL, 2000, p. 22-23)
Assim a partir da promulgação da LDBEN em 1996 a Educação de Jovens e
Adultos passa a ser uma modalidade da educação básica nas etapas do Ensino
Fundamental e Médio. Além da garantia legal as instâncias competentes ela-
boraram documentos com diretrizes educacionais dirigidas a esta modalidade
de ensino.
De acordo com a Constituição Federal em seu artigo 214, já mencionado,
“expressa o desejo da nação brasileira de um plano nacional de educação, de
duração plurianual que leve a erradicação do analfabetismo, a universalização
do atendimento escolar, a melhoria da qualidade de ensino [...]” (LIBÂNEO,
2012, p. 182) e de acordo com o Art. 9º da LDBEN a União incumbir-se-á de “ela-
borar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, o Distrito
Federal e os municípios” (BRASIL, 1996, p.13). Ainda de acordo com a LDBEN
no seu artigo 87, dispõe que:
37 • capítulo 2
tar a continuidade das políticas públicas para a Educação.
38 • capítulo 2
Reestruturar, criar e fortalecer, nas secretarias estaduais e municipais de educação,
setores próprios incumbidos de promover a educação de jovens e adultos.
[...]
26.Incluir, a partir da aprovação do Plano Nacional de Educação, a Educação de Jo-
vens e Adultos nas formas de financiamento da Educação Básica. (BRASIL, 2001,
p. 100, 101, 102)
O ano de 1997 foi dedicado à sua formulação. Dois projetos foram apresentados
à Câmara dos Deputados: o de nº 4.155/98, subscrito pelo Deputado Ivan Valente
e outros, que encaminhava a proposta do II Coned, e o de nº 4.173/98, elaborado
pelo MEC e apresentado pelo governo federal. Seguiram-se três anos 1998, 1999
e 2000 de tramitação legislativa no Congresso Nacional. Ali, um amplo e intenso
programa de debates foi instaurado, emendas foram apresentadas, sugestões, en-
caminhadas. O estudo das diversas contribuições levou o relator, Deputado Nelson
Marchezan, a apresentar um Substitutivo, que, depois de duas revisões e novas
emendas, foi aprovado pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto. Requeri-
mento assinado pelos líderes de todos os partidos políticos fez com que o projeto
fosse encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados, para análise e votação
em regime de urgência. Uma sessão plenária foi transformada em Comissão Geral,
para ouvir especialistas e debater amplamente o projeto naquele Plenário. Seguiu-se
sua aprovação e encaminhamento ao Senado Federal. Esse aprovou sem alterações
o Projeto encaminhado pela Câmara dos Deputados, sendo enviado ao Presidente
da República, para sanção. Em 9 de janeiro de 2001, o Presidente sancionou a lei
que institui o PNE, com vetos a nove metas, propostos pelo Ministério da Fazenda e
do Planejamento, Orçamento e Gestão, que ainda não foram submetidos à votação
do Congresso Nacional.(LIBÂNEO, 2012, p. 182-183).
39 • capítulo 2
Libâneo (2012), nós diz que o PNE foi eficaz para a obtenção de melhorias na
manutenção e desenvolvimento da educação, mas muitas metas estabelecidas
não foram cumpridas em função da falta de recurso. Quando da aprovação do
PNE ficou estabelecido que o governo federal aplicasse 7% do PIB em educação.
CONEXÃO
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi
fundada em 16 de Novembro de 1945, após o final da II Guerra Mundial com o objetivo
de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura
e as comunicações. Ver site da UNESCO no Brasil: <http://www.unesco.org/new/pt/
brasilia/>.
40 • capítulo 2
mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas,
não têm acesso ao ensino primário:
mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres – são analfabetos,
e o analfabetismo funcional e um problema significativo em todos os países indus-
trializados ou em desenvolvimento:
mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso,
às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e
ajudá-los aperceber e a adaptar-se às mudanças socias e culturais: e
mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o
ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conheci-
mentos e habilidades essenciais. (UNESCO, 1990, p.2)
41 • capítulo 2
Artigo 3 – universalizar o acesso à educação e promover a equidade
1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos.
[...]
Artigo 4 – concentrar a atenção na aprendizagem
1. A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento
efetivo - para o indivíduo ou para a sociedade - dependerá, em última instância, de,
em razão dessas mesmas oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja,
apreenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões e valores.[...]
Artigo 5 – ampliar os meios de e o raio de ação da educação básica
A diversidade, a complexidade e o caráter mutável das necessidades básicas de
aprendizagem das crianças, jovens e adultos, exigem que se amplie e se redefina
continuamente o alcance da educação básica, [...]
Artigo 6 – propiciar um ambiente adequado à aprendizagem
A aprendizagem não ocorre em situação de isolamento. Portanto, as sociedades
devem garantir a todos os educandos assistência em nutrição, cuidados médicos e
o apoio físico e emocional essencial para que participem ativamente de sua própria
educação e dela se beneficiem. [...]
Artigo 7 – fortalecer as alianças
As autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e municipal
têm a obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos. [...] Novas e
crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos os níveis [...]
Artigo 8 – desenvolver uma política contextualizada de apoio
1. Políticas de apoio nos setores social, cultural e econômico são necessárias à
concretização da plena provisão e utilização da educação básica para a promoção
individual e social. [...]
Artigo 9 – mobilizar os recursos
1. Para que as necessidades básicas de aprendizagem para todos sejam satisfeitas
mediante ações de alcance muito mais amplo, será essencial mobilizar atuais e no-
vos recursos financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários. [...]
Artigo 10 – fortalecer a solidariedade internacional
1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem constitui-se uma responsa-
bilidade comum e universal a todos os povos, e implica solidariedade internacional e
relações econômicas honestas e equitativas, a fim de corrigir as atuais disparidades
econômicas. (UNESCO, 1990)
42 • capítulo 2
O Ano de 1990 foi considerado o Ano Internacional da Alfabetização, todos
os países participantes se tornaram signatários da Declaração e aprovaram o
Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem com
a finalidade atingir os dez artigos estabelecidos na Declaração. O Brasil assim
como os demais 154 governos assinou a Declaração e se comprometeram em
“garantir uma educação básica para crianças, jovens e adultos, independente-
mente de sexo, etnia, classe social, religião e ideologia.” (PAIVA, 2007, p.7).
Em 1997 foi realizada em Hamburgo, na Alemanha, a V Conferência Inter-
nacional sobre Educação de Adultos - V CONFITEA, com o tema “A educação
das pessoas adultas, uma chave para o século XXI”. Nesta Conferência foi cons-
truída uma Declaração de princípios, conhecida como Declaração de Hambur-
go sobre a educação de asdultos e também foi firmada uma agenda para o futu-
ro da educação de adultos.
Conforme Soares (2007) foi muito significativa e representou um marco, não
apenas pela sua representatividade, mas pela reafirmação de compromissos for-
mais com o desenvolvimento da educação de adultos. Diversamente das confe-
rências anteriores foram firmados compromissos numa agenda para o futuro,
elaborando-se uma estratégia de ação. Esta declaração que foi aprovada na V
CONFITEA, afirma que cabe à EJA suscitar a autonomia e o sentido de responsa-
bilidade nos indivíduos e comunidades para que sejam capazes de lidar com as
mudanças socioeconômicas e culturais ocorridas na contemporaneidade.
Foram discutidos vários temas relacionados a educação de adultos, vamos
destacar alguns itens da Declaração, são eles:
43 • capítulo 2
8 - [...] O Estado ainda é o principal veículo para assegurar o direito de educação para
todos, particularmente, para os grupos menos privilegiados da sociedade, tais como as
minorias e os povos indígenas. [...] Além disso, empresários, sindicatos, organizações
não-governamentais e comunitárias e grupos indígenas e de mulheres têm a res-
ponsabilidade de interagir e de criar oportunidades, para que a educação continuada
durante a vida seja uma realidade possível e reconhecida.
11 - Alfabetização de adultos. A alfabetização, concebida como o conhecimento bási-
co, necessário a todos num mundo em transformação em sentido amplo, é um direito
humano fundamental. [...] Oportunidades de educação para todos, incluindo os afas-
tados e os excluídos, é a preocupação mais urgente. A Conferência vê com agrado a
iniciativa de se proclamar a década da alfabetização, a partir de 1998, em homenagem
a Paulo Freire.
12 - O reconhecimento do “Direito à Educação” e do “Direito a Aprender por Toda a
Vida” é, mais do que nunca, uma necessidade: é o direito de ler e de escrever; de ques-
tionar e de analisar; de ter acesso a recursos e de desenvolver e praticar habilidades e
competências individuais e coletivas.
13 - O fortalecimento e a integração das mulheres. As mulheres têm o direito às mes-
mas oportunidades que os homens. [...] Qualquer argumentação em favor de restrições
ao direito de alfabetização das mulheres deve ser categoricamente rejeitada. Medidas
devem ser tomadas para fazer face a tais argumentações.
14 - Cultura da paz e educação para a cidadania e para a democracia.
15 - Diversidade e Igualdade. A educação de adultos deve refletir a riqueza da diver-
sidade cultural, bem como respeitar o conhecimento e formas de aprendizagem tradi-
cionais dos povos indígenas. O direito de ser alfabetizado na língua materna deve ser
respeitado e implementado. A educação de adultos enfrenta um grande desafio, que
consiste em preservar e documentar o conhecimento oral de grupos étnicos minori-
tários e de povos indígenas e nômades. Por outro lado, a educação intercultural deve
promover o aprendizado e o intercâmbio de conhecimento entre e sobre diferentes
culturas, em favor da paz, dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da de-
mocracia, da justiça, da coexistência pacífica e da diversidade cultural.
21 - A população de idosos. [...] Portanto é fundamental que eles tenham a mesma
oportunidade de aprender que os mais jovens. Suas habilidades devem ser reconheci-
das, respeitadas e utilizadas.
44 • capítulo 2
22 - Na mesma linha da Declaração de Salamanca, urge promover a integração e a
participação das pessoas portadoras de necessidades especiais.
23 - Devemos agir com urgência para aumentar e garantir o investimen-
to nacional e internacional na educação de jovens e adultos. Da mes-
ma forma, devemos atuar de modo a garantir o engajamento dos recursos
do setor privado e das comunidades locais nessa tarefa. A Agenda para o
Futuro, que nós adotamos aqui, visa à consecução desses objetivos (PAIVA, 2007,
p. 37-43).
45 • capítulo 2
Atingir, em 2015, 50% de melhora nos níveis de alfabetização de adultos, es-
4 pecialmente para as mulheres, e igualdade de acesso à educação fundamental
e permanente para todos os adultos.
46 • capítulo 2
CONEXÃO
Leia na integra o Parecer CNE/CEB 11/2000 no link: <http://portal.mec.gov.br/cne/ar-
quivos/pdf/PCB11_2000.pdf>.
47 • capítulo 2
usufruir de maneira adequada a diferentes campos da vida em sociedade, tais
como o mercado de trabalho, práticas de convívio social, acesso ao lazer e a cul-
tura e acesso as novas tecnologias da informação e da comunicação, resultando
em um problema para a conquista da cidadania desses grupos sociais. Segundo
o Parecer suas raízes
Desta forma a Educação de Jovens e Adultos significa uma dívida social que
ainda não foi reparada, inclusive para as mulheres, como aponta o Parecer “[...]
opor obstáculos ao acesso de mulheres à cultura letrada faz parte da tradição
patriarcal e machista que, por longo tempo, preponderou entre muitas famílias
no Brasil.” (BRASIL, 2000, p.6)
Considerando os dados mais recentes sobre analfabetismo e de acordo com
as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir
dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2011,
a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais é de 8,6 %, assim
o Brasil ainda mantém um alto índice de analfabetismo. Desta forma temos
12,9 milhões de habitantes que não tiveram acesso à leitura e a escrita e muito
menos tem o domínio sobre elas, estão à margem de uma escolaridade básica.
Segundo o Parecer “[...] Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático
e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particularmente da-
noso para a conquista de uma cidadania plena.”.
O Parecer critica a visão preconceituosa que a sociedade tem do analfabetis-
mo e do analfabeto. Para Freire (2001) existem concepções distorcidas acerca
do analfabetismo.
48 • capítulo 2
A concepção, na melhor das hipóteses, ingênua do analfabetismo o encara ora como
uma “erva daninha” – daí a expressão corrente: “erradicação do analfabetismo” –, ora
como uma “enfermidade” que passa de um a outro, quase por contágio, ora como uma
“chaga” deprimente a ser “curada” e cujos índices, estampados nas estatísticas de
organismos internacionais, dizem mal dos níveis de “civilização” de certas sociedades.
Mais ainda, o analfabetismo aparece também, nesta visão ingênua ou astuta, como a
manifestação da “incapacidade” do povo, de sua “pouca inteligência”, de sua “proverbial
preguiça”. (FREIRE, 2001, p.15)
49 • capítulo 2
a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos
civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas
também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano.
(BRASIL, 2000, p. 7)
Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras pessoas
que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu itinerário educacio-
nal e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Nesse momento a igualdade
perante a lei, ponto de chegada da função reparadora [...] (BRASIL, 2000, 9-7).
50 • capítulo 2
Chegamos a terceira função da Educação de Jovens e Adultos que pode ser
chamada de permanente ou qualificadora, sendo considerada o próprio sen-
tido da Educação de Jovens e Adultos, um apelo para a educação permanente.
Assim,
51 • capítulo 2
Portanto, seja no que se refere à cooperação técnica, seja no que se refere aos investi-
mentos, o regime de colaboração tão acentuado na Constituição Federal torna-se aqui
uma necessidade imperiosa. Isto significa uma política integrada, contínua e cumulativa
entre os entes federativos, financiada com recursos suficientes e identificáveis em vis-
ta de sua sustentabilidade. (BRASIL, 2000, p.26)
52 • capítulo 2
A legislação educacional existente hoje é bem mais complexa. Ela, além dos dispositivos
de caráter nacional, compreende as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos
Municípios. Dentro de nosso regime federativo, os Estados e os Municípios, de acordo
com a distribuição das competências estabelecidas na Constituição Federal, gozam de
autonomia e assim podem estabelecer uma normatividade própria, harmônica e diferen-
ciada. A quase totalidade dos Estados repete, em suas Constituições, a versão original do
art. 208, bem como a necessidade de um Plano Estadual de Educação do qual sempre
constam a universalização do ensino obrigatório e a erradicação do analfabetismo. Em
muitas consta a expressão ensino supletivo. (BRASIL, 2000, p. 28)
53 • capítulo 2
no Parecer e considerado válido, pois esses alunos trazem “saberes” que foram
aprendidos fora dos bancos escolares ou em etapas posteriores alfabetização
que podem ser ressignificados e articulados com os saberes escolares.
A LDB incentiva o aproveitamento de estudos e sendo esta orientação válida para todo
e qualquer aluno, a fortiori ela vale mais para esses jovens e adultos cujas práticas pos-
sibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa e os tornaram capazes de tomar
decisões ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado ou elaborado estas compe-
tências. A EJA é momento significativo de reconstruir estas experiências da vida ativa
e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores da escolarização articulando-os
com os saberes escolares. A validação do que se aprendeu “fora” dos bancos escola-
res é uma das características da flexibilidade responsável que pode aproveitar esses
“saberes” nascidos desses “fazeres”. (BRASIL, 2000, p. 34).
54 • capítulo 2
Há, uma forte presença das entidades do chamado “Sistema S” em programas de edu-
cação profissional de nível básico. Com a reforma da educação profissional em curso,
as escolas técnicas públicas e privadas também estão implantando e incrementando
programas de educação profissional de nível básico paralelamente à oferta de cursos
de educação profissional de nível técnico.
Os Estados, com sua atuação agora focalizada no ensino médio, estão tendendo a
reduzir sua presença nesta área. Mesmo assim algumas secretarias mantiveram suas
equipes até mesmo para repassar a experiência adquirida para os Municípios.
Os Municípios, ora com mais e maiores encargos no âmbito da educação básica, não
possuem uma realidade homogênea nem quanto ao seu tamanho, nem quanto à sua
inserção em diferentes regiões e contextos. Assim, é preciso reconhecer que muitos,
seja por falta de tradição na área, seja por carência de recursos, não estão tendo ca-
pacidade e condições de assumir os encargos que lhes foram atribuídos. Ao mesmo
tempo muitas administrações municipais vêm buscando assumir esse compromisso
com propostas curriculares, formação docente e produção de material didático. Donde
a importância da existência de uma fonte permanente de recursos a fim de viabilizar o
caráter includente desse direito.
Assim, como direito de cidadania, a EJA deve ser um compromisso de institucionali-
zação como política pública própria de uma modalidade dos ensinos fundamental e
médio e consequente ao direito público subjetivo. E é muito importante que esta políti-
ca pública seja articulada entre todas as esferas de governo e com a sociedade civil a
fim de que a EJA seja assumida, nas suas três funções, como obrigação peremptória,
regular, contínua e articulada dos sistemas de ensino dos Municípios, envolvendo os
Estados e a União sob a égide da colaboração recíproca. (BRASIL, 2000, p. 53).
55 • capítulo 2
De acordo com o MEC/INEP/SEEC, em 1999, o número de alunos matriculados
em cursos presenciais da EJA em salas de alfabetização era de 161.791; em ensino
fundamental, 2.109.992; em ensino médio, 656.572 e em cursos profissionalizantes,
141.329. O número de estabelecimentos que oferecem a EJA, de acordo com os
dados de 1999, no Brasil, é de 17.234. Desse total, os Estados oferecem a EJA em
6.973 estabelecimentos, os Municípios em 8.171, a União em 15 e a rede privada em
2.075 estabelecimentos. O número de matrículas vem crescendo no âmbito municipal.
Se em 1997 eram de 683.078 matrículas, em 1999 eram de 821.321. Já para os
mesmos anos, o número de matrículas nos entes federativos passou de 1.808.161
para 1.871.620.
N ã o s e p o d e i g n o r a r q u e h á a l u n o s a t e n d i d o s p e l a i n i c i a t i v a p r i v a-
da e por múltiplas organizações não-governamentais. (BRASIL, 2000,
p. 55).
[...] pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além
das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à comple-
xidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério
deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e
de estabelecer o exercício do diálogo. (BRASIL, 2000, p.56)
56 • capítulo 2
Quanto aos conteúdos e métodos, os mesmos devem ser (re)significados para
esta modalidade de ensino, “não se pode infantilizar a Educação de Jovens e
Adultos no que se refere métodos, conteúdos e processos” (BRASIL, 2000, p.57)
As Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Médio valem para a Edu-
cação de Jovens e Adultos, porém “não significa uma reprodução descontextuali-
zada face ao caráter específico da Educação de Jovens e Adultos”, mas adoção dos
“princípios da contextualização e do reconhecimento de identidades pessoais e
das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos
curriculares.” (BRASIL, 2000, p.61).
O Parecer também destaca o tema do Trabalho quando diz que:
O trabalho, seja pela experiência, seja pela necessidade imediata de inserção profis-
sional merece especial destaque. A busca da alfabetização ou da complementação de
estudos participa de um projeto mais amplo de cidadania que propicie inserção pro-
fissional e busca da melhoria das condições de existência. Portanto, o tratamento dos
conteúdos curriculares não pode se ausentar desta premissa fundamental, prévia e
concomitante à presença em bancos escolares: a vivência do trabalho e a expectativa
de melhoria de vida. Esta premissa é o contexto no qual se deve pensar e repensar o
liame entre qualificação para o trabalho, educação escolar e os diferentes componen-
tes curriculares. (BRASIL, 2000, p. 61).
[...] o trabalho e seus processos e produtos desde a mais simples mercadoria até os
seus significados na construção da vida coletiva. Mesmo na perspectiva da transver-
salidade temática tal como proposta nos Parâmetro Nacionais do Ensino Fundamental
vale a pena lembrar que cabe aos projetos pedagógicos a redefinição dos temas trans-
versais aí incluindo o trabalho ou outros temas de especial significado. As múltiplas
referências ao trabalho constantes na LDB têm um significado peculiar para quem já é
trabalhador. (BRASIL, 2000, p. 62)
O Parecer “CEB nº 15/98 para o ensino médio em geral ganha mais força para
os estudantes da EJA porque em sua maioria já trabalhadores.” (BRASIL, 2000,
p. 62). Assim, o trabalho
57 • capítulo 2
é o contexto mais importante da experiência curricular (...) O significado desse des-
taque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte
integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo,
muda inteiramente a noção tradicional da educação geral acadêmica ou, melhor dito,
academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao
contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independente-
mente de sua origem ou destino profissional, devem ser educados na perspectiva do
trabalho (BRASIl, 2000, p.63)
58 • capítulo 2
ATIVIDADE
Após a leitura do fragmento de texto responda:
Que a escola dos jovens e adultos seja um espaço do encontro, onde possam
falar de si, de suas experiências; trocá-las; trocar afetos e afinidades; sentimen-
tos. Onde sejam reconhecidos e valorizados como pessoas, como trabalhado-
res com uma função social digna. Que as suas falas sejam levadas em conta,
como a de seus professores. Que sejam considerados como interlocutores que
podem ser escutados, pelo muito que têm a dizer. (PAIVA, 1997, p. 5)
REFLEXÃO
A partir da leitura do texto abaixo, vamos refletir sobre a questão do analfabetismo funcional.
É considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para
fazer frente às demandas de seu contexto social e usá-las para continuar aprendendo e se
desenvolvendo ao longo da vida. Com a ampliação do acesso à escolarização, para além
da alfabetização, voltaram-se as atenções para a qualidade do processo de escolarização
oferecido a todos. A questão que se coloca não é simplesmente se as pessoas sabem ler e
escrever, mas também o que elas são capazes ou não de fazer com essas habilidades. Isso
quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema social que ainda persis-
te no Brasil, emerge a preocupação com o analfabetismo funcional, ou seja, com a falta de
capacidades para fazer uso efetivo da leitura e da escrita nas diferentes esferas da vida social,
após alguns anos de escolarização. Pelo critério adotado nas pesquisas censitárias, são anal-
fabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de estudo.
59 • capítulo 2
UNESCO. Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições da prática. Brasília: Represen-
tação da Unesco no Brasil, 2008.
<http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001626/162640por.pdf>.
LEITURA
UNESCO, Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília:
UNESCO, MEC, RAAAB, 2005.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação de jovens e adultos. Brasília.
2000.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outu-
bro de 1988. Contém as emendas constitucionais posteriores. Brasília, DF: Senado, 1988.
_______. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Brasília. 2001.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96. Brasília, 20 dez. 1996.
60 • capítulo 2
______. Parecer CEB/CNE 11/2000. Diretrizes curriculares nacionais para a educação de jovens e
adultos, 2000.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J.F.de; TOSCHI, M.S. Educação escolar: políticas, estruturas e organização.
São Paulo:Cortez, 2012.
PAIVA, M.J.; MACHADO, M.; IRELAND, T. Educação de jovens e adultos: uma memória contemporânea,
1996-2004. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da
Educação: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2007.
VIEIRA, Maria Clarisse. As CONFITEAS e as políticas de educação de jovens e adultos no Brasil: o lugar
da sustentabilidade. In: Revista do programa alfabetização solidária: a educação de jovens e adultos em
discussão. São Paulo, vol. 7, n. 7, p. 11-26, 2007.
CONEXÃO
No capítulo 3 será abordada a trajetória de Paulo Freire, apresentando sua biografia, suas
obras e suas contribuições para a Educação Brasileira.
61 • capítulo 2
62 • capítulo 2
3
O Pensamento
Político-Pedagógico
Freireano e a
Educação Popular
Apresentação
OBJETIVOS
• Conhecer a importância de Paulo Freire para a educação em âmbito mundial e sua vasta
contribuição para a educação popular e para a alfabetização de jovens e adultos, a partir de
sua vida e suas obras.
• Entender as ideias que fundamentam a educação problematizadora.
Você se lembra?
Nos capítulos anteriores, apresentamos um breve histórico acerca da alfa-
betização de jovens e adultos no Brasil, bem como a legislação da educação de
jovens e adultos. Agora vamos adentrar então no pensamento político-pedagó-
gico de Paulo Freire.
Muitas vezes, mesmo sendo alunos do curso, pouco estudamos de fato as
contribuições de Freire para a educação. Contudo, seus estudos e ações no
campo da educação popular são inegáveis, o que exige que conheçamos suas
ideias e proposições.
64 • capítulo 3
3.1 Trajetória intelectual de Paulo Freire: vida e obra.
CONEXÃO
Produzido pela MultiRio, empresa municipal de multimeios do Rio de Janeiro, um dos pro-
gramas “Nós da Escola”, dirigido por Tomil Gonçalves, entrevista o professor José Nelson da
Costa. Por ocasião do aniversário de Freire, em setembro de 2005, esse apaixonado pela
história de Freire conta-nos um pouco de seu percurso. A apresentação do programa fica
por conta de Licurgo. Vale a pena conferir! Acesse: <http://www.youtube.com/watch?-
v=fnJMCbugUg8>.
65 • capítulo 3
Em 1960, cria-se em Recife o MCP – Movimento de Cultura Popular –, e é no
âmbito desse movimento que Freire desenvolve a sua metodologia de alfabeti-
zação de adultos.
Em 1961, foi indicado para diretor do Departamento de Extensões Culturais
da Universidade do Recife.
Em 1962, Freire e alguns universitários instruídos por ele realizaram uma
experiência notável de alfabetização de adultos em Angicos, uma pequena cida-
de do sertão do Rio Grande do Norte. Em apenas quarenta horas, trezentos tra-
balhadores rurais foram alfabetizados. Do sucesso dessa experiência resultou
o convite de Paulo de Tarso Santos, ministro da Educação de João Goulart, para
que Freire implantasse um Programa Nacional de Alfabetização de Adultos.
Esse programa objetivava a alfabetização de cinco milhões de pessoas em
um ano, preparando-as para as eleições de 1964. O programa iniciou-se nos úl-
timos meses de 1963. Freire tinha total liderança do processo de alfabetização.
A alfabetização de jovens e adultos, na década de 1960, foi composta de vá-
rios movimentos que visavam à educação e à cultura popular. Além do MCP –
Movimento de Cultura Popular que já mencionamos, podemos destacar:
66 • capítulo 3
Investigação em Reforma Agrária e realizou trabalhos muito interessantes, se-
guindo uma linha cultural de reflexão, sobretudo de conhecimento do universo
mental do camponês.
No Brasil, em 1967, durante o regime militar surge o Mobral – Movimento
Brasileiro de Alfabetização. Os militares tinham todo o controle do que seria
ensinado. Dizia-se que o objetivo era erradicar o analfabetismo no Brasil num
curto espaço de tempo, com forte influência do método de Paulo Freire, pois se
utilizava a “palavra geradora”.
Contudo, há uma diferença marcante entre o método de Paulo Freire e o
método utilizado pelo Mobral. O método de Paulo Freire utilizava palavras ti-
radas do cotidiano dos alunos, e, no Mobral, as palavras eram definidas por
tecnocratas que as escolhiam a partir de alguns estudos. Paulo Freire sempre
afirmou que o Mobral havia sido criado para negar o seu método e para silen-
ciar o seu discurso.
Em 1967, Freire publicou o livro Educação como prática de liberdade. A
obra foi bem recebida e Freire foi convidado para ser professor visitante da
Universidade de Harvard em 1969. No ano anterior, ele escrevera Pedagogia do
oprimido, seu livro mais famoso, o qual foi publicado em várias línguas: inglês,
espanhol (1970) e até em hebraico (1981). Aqui no Brasil, o livro só pôde ser
publicado em 1974.
COMENTÁRIO
De acordo com a 42ª edição de Pedagogia do oprimido, publicado no Brasil pela editora Paz
e Terra, o livro foi traduzido para 17 línguas e revelou-se sucesso editorial em todos os países
devido à perenidade e relevância das questões que aborda.
67 • capítulo 3
do Secretário da Educação de São Paulo. Exerceu esse cargo durante a adminis-
tração de Luiza Erundina (1989 a 1993).
Com o intuito de dar continuidade e reinventar o legado de Freire, em 1991
foi criado o Instituto Paulo Freire.
Em 2 de maio de 1997, Freire morreu de um ataque cardíaco, seguido de
complicações na operação de desobstrução de artérias e infarto no Hospital Al-
bert Einstein, em São Paulo.
CONEXÃO
O Instituto Paulo Freire, o IPF, é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada em 1991 e
fundada oficialmente em 1 de setembro de 1992. Atualmente, considerando-se Cátedras,
Institutos Paulo Freire pelo mundo e o Conselho Internacional de Assessores, o IPF se cons-
titui numa rede internacional que integra pessoas e instituições distribuídas em mais de 90
países em todos os continentes, com o objetivo principal de dar continuidade e reinventar o
legado de Paulo Freire. Para conhecer a riqueza e a extensão do trabalho desenvolvido pelo
IPF, acesse: <http://www.paulofreire.org>.
68 • capítulo 3
3.2 Conceitos freireanos de autonomia, conscientização e
libertação.
69 • capítulo 3
Freire, essa narração de conteúdos desconectados da totalidade é desprovida de
significação. Alerta-nos para o fato de que, nesta prática, os educandos são con-
duzidos à memorização mecânica. E complementa “a narração os transforma
em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais
vá enchendo os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será.
Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão”
(FREIRE, 2005, p. 66).
Dentro dessa perspectiva de narrativas, o educador faz “comunicados” ao
invés de comunicar-se! Essa é a denúncia de Freire à concepção “bancária” de
educação. Os educandos têm o papel de receber os depósitos e arquivá-los. Po-
rém, Freire nos alerta que nessa concepção de educação os grandes arquivados
são os homens, pois estão alijados da busca, da práxis, e sem isto “os homens
não podem ser”. Ambos, educador e educando, arquivam-se nesse processo
equivocado de educação isento de criatividade e de potencial transformador.
Nessa concepção que estamos a criticar
[...] o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doa-
ção que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão –
absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro. (FREIRE, 2005, p. 67)
70 • capítulo 3
A “educação bancária” jamais servirá à conscientização dos educandos,
uma vez que propor a eles o desvelamento do mundo, o pensar autêntico, seria
perigoso e colocaria em risco a “domesticação” dos mesmos.
Em contrapartida, a concepção problematizadora e libertadora da edu-
cação parte do pressuposto de que, se os homens são seres da busca e se
sua vocação ontológica é humanizar-se, hora ou outra podem perceber a
contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e envolver-
-se na busca por sua libertação. Para tanto, é necessário que o educador seja
companheiro dos educandos.
CONEXÃO
A resenha da obra de Paulo Freire Educação como prática da liberdade, escrita por Marco
Gomes e publicada na Revista HISTEDBR On-line em dezembro de 2005, contribuirá com o
enriquecimento da compreensão acerca dos pressupostos da concepção problematizadora
da educação. A revista é uma publicação on-line da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp e veicula artigos de pesquisa e reflexão acadêmica, estu-
dos analíticos, resenhas, resumos de teses e dissertações e documentos que abordam temas
da história da educação. Leia a resenha em:< http://www.histedbr.fae.unicamp.br/
revista/edicoes/20/res6_20.pdf>.
A consciência crítica é a representação das coisas e dos fatos como se dão na exis-
tência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais. A consciência ingênua
(pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga
livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar.
71 • capítulo 3
o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele refle-
xão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização, ação. Todas essas coisas
pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente adaptado
à realidade e aos outros, mas integrado. É isso que o autor entende por cons-
cientização. É o homem se descobrindo. É a luta para se descobrir a si próprio,
interrogando-se e buscando respostas aos seus desejos e observações.
De acordo com Paulo Freire (1998), algumas características da consciência
ingênua são: simplicidade na interpretação de problemas, tendência a aceitar
formas massificadoras de comportamento, satisfazer-se com as experiências,
afirmar que a realidade é estática e é propensa a cair no fanatismo.
CONEXÃO
Interessou-se em conhecer mais sobre o conceito de conscientização, em Paulo Freire? Você
pode ler a obra: FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução
ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. A obra completa está
disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_
freire_conscientizacao.pdf>.
72 • capítulo 3
3.2.3 Autonomia
73 • capítulo 3
[...] que nos faz seres éticos. O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. [...]
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua
inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o pro-
fessor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que ‘ele se ponha no seu lugar’
ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do
cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever
de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando,
transgride princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É nesse sentido
que o professor autoritário, que por isso afoga a liberdade do educando, amesquinhan-
do o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso
rompe com a radicalidade do ser humano – a de sua inconclusão assumida em que se
enraíza a eticidade (FREIRE, 1997, p. 66-7).
CONEXÃO
Interessou-se em conhecer mais sobre o conceito de autonomia, em Paulo Freire? Você
pode ler a obra: Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paulo
Freire. A obra completa está disponível em: <http://forumeja.org.br/files/Autonomia.
pdf>.
74 • capítulo 3
3.3 A EJA e a Educação Popular numa perspectiva freireana.
CONEXÃO
Conforme nos explica Moacir Gadotti em uma de suas falas na produção audiovisual dirigida
por Toni Venturi, “Paulo Freire Contemporâneo”, Paulo Freire não cria apenas um método de
alfabetização, mas uma teoria do conhecimento.
A leitura do mundo é um princípio essencial à teoria de conhecimento de Paulo Freire. A
segunda ideia fundamentadora de tal teoria é a tematização, que é feita a partir das palavras
geradoras, e isto implica em descobrir o que significa aquilo que o povo conhece. O terceiro
momento é marcado pela problematização, que é o momento culminante do método freirea-
no, pois está ligado à sua teoria do conhecimento e antropologia.
“Paulo Freire Contemporâneo” está disponível no Portal Domínio Público. Visite o endereço
eletrônico da Biblioteca Digital desenvolvida em software livre: <http://www.dominiopu-
blico.gov.br>.
75 • capítulo 3
numa primeira etapa houvesse uma ação extensiva prevendo a alfabetização
em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de
sete meses. Depois, seguiria uma etapa de “ação em profundidade”, voltada à
capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário.
Entretanto, durante essa campanha, existia a concepção de que o analfabe-
tismo era a causa e não o efeito da situação econômica, social e cultural do país.
Essa concepção tornava legítima a visão do adulto analfabeto como incapaz e
marginal.
Tal visão foi sendo modificada paulatinamente. Contudo, antes do fi-
nal da década de 1950, a campanha se extinguiu. As críticas dirigiam-
-se tanto às deficiências administrativas e financeiras, quanto à orientação pe-
dagógica da Campanha da Educação de Adultos. Essas críticas trouxeram uma
nova visão sobre o problema do analfabetismo e alavancaram a implantação
de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência
principal foi Paulo Freire. Sua pedagogia inspirou os principais programas de
Alfabetização e Educação Popular no início dos anos de 1960.
76 • capítulo 3
o mundo.
• Ninguém é analfabeto porque quer, mas como consequência das condições
onde vive. Há casos, onde o “analfabeto é o homem ou mulher que não necessi-
ta ler e escrever”, em outros é a mulher ou o homem a quem foi negado o direito
de ler e escrever.
• Enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo da alfabetização
tem, no alfabetizando, o seu sujeito.
Uma pergunta, entre tantas outras que instigava Paulo Freire era a seguinte:
Como ajudá-lo a criar, se analfabeto, sua montagem de sinais gráficos?
E a resposta, de acordo com o próprio Paulo Freire (1994, p. 114), parecia estar:
77 • capítulo 3
A) num método ativo, dialogal, crítico e criticizador;
Vera Barreto (2004) nos aponta que algumas novidades no campo da alfabe-
tização foram introduzidas por Paulo Freire:
Paulo Freire (1994, p.110), em sua obra intitulada Educação como prática de
liberdade, afirma que:
78 • capítulo 3
3.3.3 Educador e compromisso social
79 • capítulo 3
realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável”. O autor concebe a
educação como um processo permanente, no qual estamos nos educando con-
tinuamente.
De acordo com Freire (1979), o compromisso deve estar carregado de huma-
nismo e esse só será consequente com fundamentação científica. O profissio-
nal que almeja esse compromisso precisa de aperfeiçoamento constante. Ao
ampliar seus conhecimentos, o profissional comprometido substitui a visão
ingênua pela visão crítica do mundo. O autor também afirma que tentar a cons-
cientização dos indivíduos com quem se trabalha e, ao mesmo tempo, cons-
cientizar-se é o papel do trabalhador social que optou pela mudança.
ATIVIDADE
01. Leia e comente a seguinte afirmação de Paulo Freire (A importância do ato
de ler) sobre a função do professor.
A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigên-
cias que educadores críticos se fazem a si mesmos. É que sabem muito bem que não
é o discurso que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso. Nem sempre,
infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção
democrática, temos uma prática em coerência com nosso discurso avançado. Daí
que o nosso discurso, incoerente com a prática, vire puro palavreado.
REFLEXÃO
As maiores contribuições de Freire foram no campo da educação popular para a alfabeti-
zação e conscientização política de jovens e adultos. Sua obra perpassa amplos espaços
e acaba atingindo toda a educação. Segundo sua visão, nenhuma educação é neutra. Toda
80 • capítulo 3
educação é, em si, política. E mais, toda neutralidade afirmada é uma opção escondida.
Paulo Freire inverteu a lógica das décadas anteriores ao trabalhar com a concepção de que
o adulto analfabeto não era a causa do subdesenvolvimento do país, mas era a sua conse-
quência. Dessa forma, inverte também a visão do analfabeto como um sujeito sem cultura.
A metodologia utilizada por Freire consistia em trazer a discussão do que é cultura e fazer
com que as pessoas se reconhecessem como produtoras de cultura a partir de suas próprias
situações cotidianas, nas quais a alfabetização e a concepção problematizadora de educação
são utilizadas como instrumentos para a leitura do mundo em que se vive.
LEITURA
Gostou de conhecer um pouco sobre o educador brasileiro Paulo Freire? Você pode se apro-
fundar sobre a concepção de educação presente no pensamento dele e também conhecer
mais sobre sua vida e obra por meio da leitura dos seguintes livros:
DAMKE, Ilda Righi. O processo do conhecimento na pedagogia da libertação: as ideias de
Freire, Fiori e Dussel. Petrópolis: Vozes, 1995.
Nesta, obra a autora estabelece entre alguns autores um diálogo profundo a partir de sua
experiência como educadora numa perspectiva da educação libertadora, tanto na escola
quanto em movimentos populares.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire: uma história de vida. Indaiatuba: Villa das Letras,
2006.
A obra, escrita por Ana Maria Araújo Freire, a segunda esposa de Paulo Freire, é uma biografia
sobre a vida e a obra de Paulo Freire. Nesta obra, extensa, mas riquíssima em documentos, a
autora apresenta diferentes momentos de sua vida enquanto criança, estudante, professor e
escritor.
GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez, 1996.
A obra vem preencher uma lacuna importante, na história das ideias pedagógicas no Brasil,
pois apresenta um inventário atualizado dos escritos de e sobre Paulo Freire, facilitando o
acesso à bibliografia sobre a concepção libertadora da educação e seu impacto nas ciências
da Educação.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 7. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 1997.
A obra apresenta um diálogo entre Freire e Shor, em que debatem sobre como é o cotidiano
do professor, entre outros assuntos relacionados à educação. Eles acreditam que, por não
permitir que os discentes busquem o conhecimento, a escola não motiva seus alunos.
81 • capítulo 3
MULTIMÍDIA
<http://www.youtube.com/watch?v=WJryIAcbRRE> – O vídeo retrata o cenário em
que surge a concepção freireana para a educação popular, as experiências de seu método
de alfabetização no Brasil e no mundo, desde a cidade Angicos/RN, onde se dá a primeira
grande experiência que projetou Freire no Brasil e no mundo
<http://www.youtube.com/watch?v=zeFogTRJiOs> – O vídeo apresenta um trecho
do vídeo do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Prof.ª.), do MEC, no
qual especialistas como Emília Ferreiro, José Eustáquio Romão, Vera Barreto e Vera Masa-
gão comentam como o trabalho de Paulo Freire contribuiu para o desenvolvimento da teoria
e da prática da Alfabetização de Jovens e Adultos.
<http://www.paulofreire.org/Crpf/CrpfAcervo000141> – O vídeo, com duração de
cinco minutos, apresenta o professor Moacir Gadotti explicando os três momentos do que
muitos chamam de Método Paulo Freire: leitura do mundo, compartilhamento do mundo lido
e reconstrução do mundo lido. Trata-se de um trecho da Coleção Grandes Educadores de-
dicada à Paulo Freire.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 2004.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1997.
______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
______. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
______. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’água, 1995.
______. 1994. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 1979.
GADOTTI, Moacir (org). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez, 1996.
GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas
nas escolas. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. Rio de Janeiro, v.14, n. 50, p. 27-38,
jan./mar. 2006.
ROMAO, José Eustáquio. Educação de jovens e adultos: o desafio do final do século. São Paulo,
82 • capítulo 3
IPF,1999. Série CADERNOS DE EJA, n. 5.
ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação em educação popular. Frederico Westphalen:
Ed. URI, 2000.
CONEXÃO
Estudaremos as especificidades e as características da Educação de Jovens e Adultos no
Brasil. Os estudos serão baseados em pesquisas e estudos que que nos apresentam o perfil
dos alunos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, bem como entender as necessida-
des específicas dos alunos e das alunas dessa modalidade de ensino. Refletiremos, a partir
desses estudos e pesquisas, sobre a maneira de organizar a aprendizagem que proporcione
novos desafios para os alunos e alunas da educação de jovens e adultos.
83 • capítulo 3
84 • capítulo 3
4
Princípios
Pedagógicos e
Especificidades da
EJA
Apresentação
OBJETIVOS
Compreender os desafios enfrentados pela EJA atualmente, refletindo acerca das dificulda-
des e entraves que cerceiam tal modalidade em todo país, vislumbrando possíveis caminhos
e soluções para melhorias nesse segmento escolar.
Você se lembra?
Durante sua trajetória escolar você deve ter conhecido pessoas que frequen-
taram a EJA ou que estiveram nas escolas em modalidades supletivas para fina-
lizar os estudos conciliando com as responsabilidades do trabalho e da família.
Vamos pensar um pouco sobre as especificidades desses casos, lembrando al-
gumas características específicas de exemplos que vocês possuem?
86 • capítulo 4
sociabilidade e possibilidades, sendo encarada como um importante caminho
para a transformação social e a construção de conhecimentos. Tal visão se am-
para na perspectiva de que é possível aprender e construir conhecimentos e sa-
beres diversos que tenham significado nas práticas cotidianas, visto que muitas
vezes esses alunos vão até a escola após um dia intenso de trabalho e possuem
compromissos familiares.
Para o aluno que frequenta a EJA uma preocupação permanente é se o con-
teúdo ministrado em sala de aula pode ser útil no dia a dia. Levando em conta a
experiência de vida dos alunos o professor deve preparar as aulas indo além do
conteúdo, auxiliando a busca dos alunos jovens e adultos a novas descobertas.
Pode-se afirmar que o perfil dos alunos que frequentam a EJA em geral não
varia, muitos são em suma jovens e adultos que não puderam, por motivos di-
versos, dar continuidade nos estudos no período comum e retornam a escola
para junto à vida de trabalho concluir etapas escolares importantes. O que se
pode perceber é que os alunos que frequentam a EJA têm necessidades especí-
ficas e, portanto para garantir frequência e empenho de tais alunos nos proces-
sos de aprendizagem é necessário que os professores tragam para a sala de aula
assuntos sobre os quais eles se interessam e que estejam relacionados com o
seu universo.
Diante de uma realidade complexa, em que muitos adolescentes entram no
mercado de trabalho com certa precocidade, é comum a busca pela escolari-
zação, ou mesmo a continuidade nos estudos, após um período afastados do
ambiente escolar. Tal situação se justifica por uma inserção no mundo do tra-
balho e a busca por uma identidade e independência financeira, desse modo,
os motivos que fazem com que adolescentes estudem na Educação de Jovens e
Adultos são muitos.
Segundo pesquisas do IBGE, a presença de adolescentes na Educação de
Jovens e Adultos (EJA) no Ensino Fundamental é preocupante: quase 20% dos
matriculados têm de 15 a 17 anos.
A quantidade de alunos dessa faixa etária na modalidade da EJA não tem so-
frido grandes variações nos últimos anos, mesmo com uma significativa queda
no total de matrículas (28,6%). Tal panorama tem atraído a atenção dos especia-
listas da área que questionam os motivos de esses adolescentes estarem frequen-
tando a modalidade da EJA, ao em vez de estarem na Educação Básica regular.
Dentre esses motivos nota-se que grande parte são questões que extrapolam
os muros da escola, e outros têm a ver diretamente com a qualidade da Educa-
87 • capítulo 4
ção, envolvendo de forma mais ampla toda a organização do sistema de ensino
que vem constantemente enfrentando certo descaso dos órgãos responsáveis
maiores: Ministério da Educação (MEC), Secretarias Municipais e Estaduais,
gestores e também os professores que lecionam na modalidade. Desse modo,
muitos adolescentes deixam o Ensino Médio regular para poderem entrar no
mundo do trabalho e tem preferência, quando retornam aos estudos, pela mo-
dalidade da EJA devido aos horários de aula (geralmente noturnos) que favore-
cem a continuidade no trabalho.
Outro importante foco está na adesão de idosos à modalidade da EJA. Ao reto-
mar os estudos, eles se socializam, aprendem conteúdo e ganham independên-
cia, o que em geral têm sido fatores fundamentais que justificam o interesse no
retorno aos estudos por parte da terceira idade. Nota-se que a influência da esco-
laridade de filhos e netos é outro fator que impulsiona os mais velhos a estudar,
pois o desejo de auxiliar nas tarefas de casa das crianças e também de participar
mais ativamente da Educação delas.
Em geral a procura pela escola está relacionada à realização de uma vontade
antiga e reprimida de aprender os conteúdos escolares. Saber ler e escrever e
aprender conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática é interpretado e asso-
ciado a uma possibilidade de avanços e condição de vida melhor.
De acordo com pesquisas realizadas pelo Censo Escolar (2012), os idosos da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) representam cerca de 3% das matrículas do
segmento no país e fazem parte de uma parcela da população que não teve opor-
tunidade de frequentar a sala de aula na idade certa.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 10
milhões de brasileiros nessa faixa etária não sabem ler ou escrever. Esses índi-
ces apontam que o analfabetismo funcional atinge 49% das pessoas acima de
60 anos, entre elas, 18% não tiveram Educação formal e 89% não concluíram o
Ensino Fundamental.
O que se percebe é que na vida adulta, a obrigação com a família é uma das
razões para adiar o retorno às aulas, portanto a adesão da terceira idade nesse
retorno aos estudos está no fato de que nesse período de vida as responsabili-
dades diminuem, já que os filhos estão criados e a disponibilidade de tempo é
maior, em função da aposentadoria.
Partindo disso, podemos afirmar que os ganhos que os adultos e idosos de-
monstram ter com os estudos reforçam a ideia de que o papel da escola não é
apenas conduzir ao mercado de trabalho e possibilitar ascensão social. Nota-
88 • capítulo 4
se que tal concepção minimiza as buscas por melhorias na educação voltada a
esse público, e tem desconsiderado a terceira idade na formulação de políticas
públicas e de leis relacionadas à Educação. Garantir aos adultos, assim como as
outras faixas etárias, uma Educação de qualidade é fundamental. Precisamos
lutar por ações governamentais para essa parcela da população, que cresceu
muito nos últimos anos e buscar espaços de convivência e socialização, como a
escola, indo além de um oferecimento de aulas sem sentido ou descontextuali-
zadas de suas necessidades e vivências.
89 • capítulo 4
PORCENTAGEM DE MATRÍCULAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
NO ENSINO FUNDAMENTAL, INTEGRADAS À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Atual (2012)
0,7 %
Meta (2023)
25 %
Atual (2012)
2,7 %
Meta (2023)
25 %
90 • capítulo 4
lacuna nos dados referentes a matrículas nos níveis de Ensino Fundamental da
EJA bem como no que se refere a permanência desses alunos nos cursos.
Desse modo, a EJA ainda conta com importantes dados que revelam os altos
índices de evasão dos alunos como um problema grave na Educação de Jovens
e Adultos em todo o país.
CONEXÃO
Para maiores informações e dados sobre o programa PROEJA acesse o link: <http://www.
observatoriodopne.org.br>.
O observatório do PNE é uma plataforma on-line que tem como objetivo monitorar os indi-
cadores referentes a cada uma das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e de
suas respectivas estratégias, e oferecer análises sobre as políticas públicas educacionais
já existentes e que serão implementadas ao longo dos dez anos de vigência do Plano. A
ideia é que a ferramenta possa apoiar gestores públicos, educadores e pesquisadores, mas
especialmente ser um instrumento à disposição da sociedade para que qualquer cidadão
brasileiro possa acompanhar o cumprimento das metas estabelecidas.
91 • capítulo 4
a escola. Sendo assim, garantir o bom funcionamento da escola representa um
trabalho que também ajuda na criação de um vínculo afetivo com a escola, que
deve representar um lugar onde se tem acesso ao conhecimento, bem como um
espaço a que os alunos se apeguem e considerem importante para suas vidas.
Além do desafio apresentado acima, ainda é apontado por muitos estudos
outro desafio de grande proporção, que está relacionado a transgressão da per-
cepção de que a educação de jovens e adultos se dá apenas em cunho de alfabe-
tização. Sobre isso estudaremos no próximo item deste capítulo.
92 • capítulo 4
estatísticas de analfabetismo, visto que tal índice está relacionado a busca de
um crescimento econômico e social. No entanto é essencial lembrar que esse
é um dos indicadores usados para calcular o Índice de Desenvolvimento Hu-
mano (IDH), além do fato de que a alfabetização representa o alicerce do pro-
cesso de Educação, o portal pelo qual é necessário passar para poder continuar
aprendendo.
Vale lembrar que uma aprendizagem adequada deve considerar o proces-
so educacional em três dimensões: a individual, a profissional e a social. Além
dessas, há outra dimensão de aprendizagem muito pertinente nesse momento:
a relação das pessoas com o meio ambiente, na prática de novos paradigmas de
sustentabilidade e novos hábitos de consumo, que, deve ser alvo de trabalho
também na modalidade da EJA.
Sabe-se que nosso país tem apontado esforços recentemente, com investi-
mentos nessa modalidade educacional. Um deles está no fato de a EJA ter sido
incluída no Fundeb (Fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica
e de valorização dos profissionais da educação) que foi fundamental para garantir
uma fonte estável de recursos para investimentos na modalidade. No entanto
ainda existem graves problemas referentes aos investimentos que muitas vezes
não são distribuídos devidamente nas modalidades educacionais.
Sendo assim, no que se refere aos investimentos financeiros e incentivos
para políticas públicas, há muitas ações que precisam ser promovidas, no en-
tanto, podemos ressaltar que o MEC tem um papel importante nesse processo
ao coordenar políticas que busquem a interface com outros setores, como as
áreas de comunicação e saúde.
93 • capítulo 4
LEITURA
94 • capítulo 4
Em meio a essa profusão de indicadores, uma primeira depuração se faz neces-
sária: o quanto desse contingente de analfabetos e pessoas com baixa escolaridade
concorre, na prática, aos bancos escolares. É o que explica Maria Clara. “Nem toda
demanda potencial se converte em demanda efetiva, porque depende das aspirações
que as pessoas têm, das perspectivas de mudança de vida e da própria dinâmica em
que estão inseridas”, afirma.
Esse fator está relacionado aos diferentes perfis dos analfabetos, também indica-
dos pelas pesquisas populacionais. Em 2009, a taxa de analfabetismo no Nordesse
estava em 18,7% segundo a Pnad, quase o dobro da média nacional. “Existem diferen-
ças de indicadores entre as zonas rural e urbana, entre afrodescendentes e brancos,
por faixa etária. Então, a demanda potencial é a da população mais pobre, que vive
na zona rural, predominantemente negra, além dos mais idosos”, detalha Maria Clara.
Segundo ela, a oferta de EJA, por outro lado, está fortemente concentrada nas áreas
metropolitanas, na região Sudesse.
Além de o atendimento não chegar aonde é mais necessário, a situação desta mo-
dalidade de ensino no país se agrava com a queda no número de matrículas. Em 2009,
foram registrados 2,8 milhões de alunos de EJA no ensino fundamental e 1,2 milhão
no ensino médio. A taxa de matrícula vem diminuindo progressivamente em relação a
2006, quando havia 3,5 milhões de matrículas no ensino fundamental e 1,3 milhão no
ensino médio. Os dados são do Censo Escolar MEC/Inep.
“Ultimamente nossa pergunta é: por que a matrícula em EJA está caindo? Será
que a demanda não está se expressando? E por quais razões?”, indaga a especialista
da Feusp.
– Desafios: A resposta para a queda nas matrículas em EJA suscita um leque de
hipóteses relacionadas de forma mais ampla aos desafios para sua plena implemen-
tação no Brasil. “Existe uma multiplicidade de respostas para a questão, baseadas em
fatores que atuam em conjunto: o formato ainda muito convencional da escola, poucos
esforços e falta de estímulos a estados e municípios para investir em EJA, além da
escassez de políticas intersetoriais das áreas de saúde, transporte, assistência social”,
lista Roberto Catelli, que coordena o programa de EJA na Ação Educativa - organiza-
ção voltada a promover os direitos educativos e da juventude.
95 • capítulo 4
Para a pesquisadora Francisca Izabel Pereira Maciel - do Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita (Ceale), órgão da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais -, a motivação para os alunos de EJA está relacionada à sua inserção em
uma sociedade que tem forte demanda de uso da escrita e leitura. “Ler e escrever não
é aprendizagem fácil. Muito mais do que uma técnica, envolve letramento, fazer uso
social dessa tecnologia. Quem não utiliza não aprimora, pode acabar desaprendendo”,
explica.
Segundo Francisca, o desafio para coordenadores de projetos e professores de
EJA está em propiciar a articulação do ensinar a ler e escrever com suas funções e
usos na sociedade. A começar por uma diferenciação da alfabetização para jovens e
adultos em relação à que é destinada e formatada para crianças.
– Condições de acesso e permanência: “A mobilização para matrículas em EJA
depende de uma aproximação dos gestores das redes de ensino com a população,
para identificar dados - que se encontram muito desagregados em diferentes áreas da
administração - reveladores de necessidades próprias por bairros e municípios”, afirma
Leila Loureiro, assessora técnico-pedagógica da Secretaria de Educação de Olinda
(PE). A leitura destas informações encontrará pessoas em situações que escapam à
esfera da pasta educacional. Aí entra a defesa, por parte dos especialistas, da adoção
de políticas intersetoriais para implantação de EJA.
Trata-se de criar condições para o aluno simplesmente ter acesso à escola. “Em
EJA, lidamos com baixa renda, desemprego, pessoas que têm filhos. Temos de pensar
em como fazer para atendê-las, oferecendo, por exemplo, assistência em saúde, cre-
che para os filhos”, complementa Catelli, da Ação Educativa.
Responsabilidade de quem? Outro ponto é evitar o abandono. “A permanência
dos alunos em EJA, com sucesso, está relacionada à adequação do programa, o que
se consegue com as políticas de intersetorialidade. Já acompanhei casos de alunos
que têm dificuldade em assistir às aulas à noite porque não enxergam direito e não
possuem óculos, ou que faltam e se sentem desestimulados por problemas de saúde
como pressão alta”, relata Leila.
96 • capítulo 4
Considerando as particularidades regionais do Brasil, Maria Clara Di Pierro sugere
políticas intersetoriais que contemplem distribuição de renda, acesso à terra, geração
de trabalho, qualificação profissional, além de saúde, alimentação e transporte, para
propiciar o acesso e a frequência. “Se a iniciativa está no campo, tratar com assistência
rural, saúde, meio ambiente. O ideal são medidas mais focalizadas, ajustadas aos con-
textos e conectadas com outras estratégias.”
As políticas educacionais levadas à prática nos últimos anos apontam que a Edu-
cação de Jovens e Adultos tem recebido importância secundária frente a outras mo-
dalidades de ensino e grupos de idade, argumenta Maria Clara Di Pierro, em artigo que
analisa a EJA no Plano Nacional de Educação 2001-2010, na publicação Educação
& Sociedade.
Vontade política e o envolvimento dos entes municipais e estaduais são fundamen-
tais para o avanço da modalidade, defende Roberto Catelli, da Ação Educativa. Na con-
figuração do atual sistema educacional brasileiro, EJA continua buscando seu espaço.
Maria Clara Di Pierro identifica uma série de iniciativas nas políticas do governo
federal nos últimos anos. “O Programa Brasil Alfabetizado, coordenado pela Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad / MEC); o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem, gerido pela Secretaria Nacional de Juven-
tude; o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), mantido pela Secre-
taria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC; o Programa Nacional de Educa-
ção na Reforma Agrária, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário; e o
Exame Nacional de Certificação de Competências, realizado pelo Inep”, lista.
Em sua avaliação, tais iniciativas encontram-se “precariamente articuladas entre
si”. Roberto Catelli, da Ação Educativa, questiona o curto alcance do Proeja, por exem-
plo, dado o potencial da proposta. Os resultados de tais programas são pouco men-
surados ou divulgados. O Ministério da Educação não atendeu à solicitação da revista
para fornecer informações sobre o tema.
Por parte das redes estaduais e municipais, um dos entraves ao desenvolvimento
da educação de jovens e adultos pode estar relacionado ao financiamento. Quando
o Fundeb entrou em vigor, em 2007, estabeleceu fator de ponderação 0,8 para esta
modalidade de ensino. O fator de ponderação é um índice atrelado a um valor de refe-
rência, no caso a remuneração por aluno que o fundo dá à primeira
97 • capítulo 4
etapa do ensino fundamental, que é 1. No caso de EJA, a remuneração é de 80%
do valor por aluno pago no fundamental 1.
Se por um lado foi um avanço em comparação à situação anterior, em que o pre-
cedente Fundef sequer contemplava a EJA, por outro lado, as matrículas caíram. “Uma
hipótese é a de que os gestores estariam configurando os alunos jovens e adultos
como inscritos em educação regular, declarando-os como estudantes com defasagem
idade-série, classes de aceleração ou algo do tipo”, afirma Maria Clara. A manobra visa-
ria receber o valor do Fundeb referente ao fator de ponderação mais alto.
Outra possibilidade, segundo ela, é a pressão social sobre a administração pública,
voltada para a educação de crianças. “A cultura do direito à educação na infância e a
necessidade de as mulheres trabalharem influenciam as decisões políticas”, diz. Já a
cultura da educação de adultos ainda está por se construir, a demanda social é tênue e
desorganizada. Para esta população, a resposta do gestor acontece em forma de pro-
gramas simples, seguindo o modelo tradicional da escolarização, que acaba gerando
evasão e resultados insatisfatórios.
Novo paradigma: Em um cenário de grandes desafios e problemas estruturais, a
educação de jovens e adultos no Brasil não deixa de apresentar avanços, seja na pers-
pectiva macro, seja para aqueles que se apropriam da leitura e escrita para ganhar uma
condição social menos opressiva em sua história de exclusão.
Maria Clara Di Pierro avalia que houve um incremento na colaboração da União
com os estados e municípios, por meio da institucionalização da EJA no sistema de
ensino básico (pelo Fundeb e pela Lei nº 11.497/2009, que regulamentou a inclusão
no Programa Dinheiro Direto na Escola). Além disso, a modalidade passou a ser incluí-
da nos programas de assistência aos estudantes que proveem alimentação, transporte
escolar e livro didático. “Essas medidas, durante o governo Lula, colocaram a educação
de adultos no terreno da disputa da Educação Básica, o que é importante”.
Em um aspecto mais amplo, está a retórica da educação ao longo da vida, que
lança as bases para a atual configuração da Educação de Jovens e Adultos, não como
uma recuperação do passado perdido, mas como direito do sujeito ao exercício da
cidadania.
O desafio: Educação de Jovens e Adultos precisa ampliar a oferta, chegar aos lu-
gares certos e encontrar maneiras de ensinar seu público respeitando sua experiência
de vida.
98 • capítulo 4
Evolução das matrículas em EJA por etapa (2001-2009)
99 • capítulo 4
ATIVIDADES
Após assistir ao vídeo “Os desafios da Educação de Jovens e Adultos” indica-
do anteriormente, acesse o link: <http://youtu.be/vOyWBZuMHBQ>, responda as
seguintes questões:
02. Pensando nos grupos que são atendidos na modalidade de ensino da EJA,
comente as razões que os levaram a tal escolha.
REFLEXÃO
Vamos refletir um pouco sobre os desafios atuais da EJA?
Diante das discussões e reflexões apresentadas, pode-se afirmar que não é possível de-
senvolver programas de qualidade em nenhuma modalidade de ensino sem que os recursos
sejam disponibilizados e garantidos. Na realidade brasileira, sabe-se que muitas escolas são
improvisadas, não possuindo locais próprios, nem mesmo materiais e educadores devida-
mente formados.
Para resolver isso, a profissionalização do corpo docente e o enriquecimento dos ambien-
tes de aprendizagem são ações fundamentais. Pensando em termos de gestão, é fundamen-
tal a implementação de políticas públicas efetivas, transparentes, eficazes e responsáveis,
que envolvam na decisão pessoas que representem os diversos segmentos da sociedade
civil, como exemplo, participantes da EJA.
MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo Os desafios da Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://
youtu.be/vOyWBZuMHBQ>
Esse vídeo nos traz uma Roda de Conversa que foi ao ar no dia 29/03/2014 veiculado pela
Rede Minas. A discussão trouxe ao centro os desafios da Educação de Jovens e Adultos
(EJA). A formação dos profissionais que trabalham na área, o respeito às especificidades
100 • capítulo 4
da modalidade de ensino, as políticas específicas vigentes para a EJA e ainda e contexto
social e cultural dos alunos estão entre os temas que permearam o debate com especialistas.
Participaram do debate Geraldo Leôncio Soares, professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais, Jane Paiva, professora da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Maria Clara di Pierro, professora da Universidade
de São Paulo e especialista em Educação de Jovens e Adultos (EJA).
LEITURA
GADOTTI, M. & ROMÃO, J. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. São
Paulo: Cortez, 2001.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CIAVATTA, M. Trabalho como princípio educativo na sociedade contemporânea. Disponível em: <http://
www.tvbrasil.org>.
ESSEBAN, M. T. Educação popular: desafio à democratização da escola pública. Cad. CEDES [online].
2007, v.27, n.71, p. 9-17. ISSN 0101-3262.
IRELAND, T. Uma prática educativa com operários em construção. In: Construção Coletiva: Contribui-
ções para a educação de Jovens e adultos. Brasília: UNESCO, MEC, RAAAB, 2005.
101 • capítulo 4
CONEXÃO
Estudaremos sobre a formação do educador diante das particularidades e especificidades da
EJA. Refletindo sobre quais são as prioridades desse segmento educacional que devem
orientar não apenas o trabalho professor como também sua formação específica para atuar
nesse campo. Além disso também vamos refletir sobre algumas possíveis ações que podem
ser desenvolvidas na EJA, relatando experiências curriculares e sugerindo materiais didáti-
cos que contribuam com as aulas para a modalidade educacional para jovens e adultos.
102 • capítulo 4
103 • capítulo 4
5
Formação do
Educador Frente as
Particularidades na
EJA
Apresentação
Neste capítulo, será possível refletir sobre os principais pontos que caracteri-
zam a identidade do professor que trabalha com a Educação de Jovens e Adul-
tos no Brasil. Partindo de uma discussão acerca das necessidades dos alunos
que frequentam a EJA, poderemos compreender como os professores dessa
modalidade educacional devem pensar e organizar sua prática pedagógica e
sua postura no cotidiano escolar.
OBJETIVOS
Refletir sobre as necessidades dos alunos que frequentam a EJA e pensar sobre as melho-
res maneiras de organizar novas aprendizagens e propor aos alunos da EJA atividades que
sejam contextualizadas com suas experiências e vivências, bem como com os interesses e
necessidades dos educandos.
Você se lembra?
Vamos pensar a respeito da formação docente? Em outros momentos do
curso de Pedagogia, foi possível discutir e refletir acerca dessa importante te-
mática. Nesta disciplina, falando especificamente sobre EJA, podemos perce-
ber que a formação continuada geral do Pedagogo remete à necessidade de
considerar sempre as especificidades do trabalho, sendo coerente com a mo-
dalidade e/ou ciclo específico a que estamos trabalhando. Pensando assim, é
possível ser Pedagogo e atuar com diferentes públicos sem buscar continuada-
mente uma formação condizente com nossos alunos?
104 • capítulo 5
Desse modo, é essencial considerar que os profissionais que atuam na Edu-
cação de Jovens e Adultos devem atuar em consonância com esta prerrogati-
va, podendo desta maneira representar um importante avanço nas políticas de
acesso e permanência das pessoas nessa modalidade de ensino.
Entende-se que a permanência dos alunos pode representar um elo entre
as políticas públicas e uma possível efetivação destas na prática pedagógica do
professor. Assim, podemos dizer que os profissionais comprometidos com a
pluralidade e com o respeito à diversidade das culturas apresentadas pelos jo-
vens e adultos precisam participar de uma formação continuada permanente,
para poder ir ao encontro das especificidades de cada educando na EJA.
Para que possamos garantir a devida formação para os educadores que
trabalham ou irão trabalhar com a EJA, faz-se necessário que os profissionais
que formam continuadamente educadores saibam como esta modalidade de
ensino se configura historicamente e atualmente em nosso país. Como citado
por Arroyo (2006), “se esse perfil de educação de jovens e adultos não for bem
conhecido, dificilmente estaremos formando um educador desses jovens e
adultos” (p. 22).
Da mesma maneira, o professor da EJA deve buscar por si próprio traçar seu
perfil na busca de ampliar suas habilidades e competências específicas para
desenvolver uma boa prática pedagógica em seu trabalho, garantindo sua for-
mação contínua também por meio de uma busca pessoal e particular.
A formação acadêmica inicial é, além de uma ferramenta técnica, um ins-
trumento que compõe a competência que o professor deve ter para iniciar seu
caminho reflexivo e formativo. No entanto, sabemos que é preciso buscar a for-
mação continuada como um complemento para aprender a conduzir os sabe-
res que serão construídos dentro da complexidade dessa sociedade de conheci-
mento que envolve a EJA.
105 • capítulo 5
Sendo assim, pode-se afirmar que a formação continuada se faz essencial ao
longo da prática com as especificidades que a EJA envolve, sugerindo o cotidia-
no e as formações in locus (na própria escola, por meio de reuniões pedagógi-
cas e estudos direcionados) como um importante ponto de partida para a busca
do atendimento das necessidades que os alunos têm.
Cabe ao educador da modalidade da EJA a busca permanente por qualifi-
cação para desenvolver ações pedagógicas que atendam às necessidades dos
educandos jovens e adultos e suas experiências socioculturais, visto que o pro-
fessor precisa estabelecer suas ferramentas de trabalho com base na realidade
do educando e no aprendizado que se quer garantir. Portanto, para uma experi-
ência bem-sucedida, é preciso saber quem são esses alunos, onde e como vivem
e quais os seus históricos de vida. Concordando com Nóvoa (2002), entende-se
que o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria
pessoa como agente e a escola como lugar de crescimento profissional perma-
nente (p.23).
Algumas características peculiares à EJA, relacionadas às vivências dos alu-
nos e outras questões de ordem emocional, interferem diretamente na postura
e na ação pedagógica do professor de adultos e jovens. A concepção de mundo
de uma pessoa que regressa aos estudos na idade adulta, após longos anos afas-
tada da escola, ou mesmo daquele adulto que está começando sua trajetória
escolar, é bem peculiar e característica. Tais questões são ponto de partida para
pensar na atuação em sala de aula.
Vale lembrar que esses alunos são pessoas que já têm uma visão de mundo
baseada nas experiências vividas e têm suas crenças e valores já constituídos e
formados. São alunos jovens e adultos com origens, idades, vivências profissio-
nais, históricos escolares, ritmos e estruturas de aprendizagem diferenciadas,
e eles atuam no mundo adulto do trabalho, buscando aprimorar ou mesmo se
preparar para encarar melhor algumas ações cotidianas.
Esses alunos são sujeitos de direito que têm responsabilidades sociais e fa-
miliares e têm já formados seus valores éticos e morais através de experiências
e da realidade cultural em que estão inseridos.
É a partir desse contexto que se acredita que o professor da EJA tem espe-
cificidades pontuais e deve estar preparado para lidar e conviver com diversas
experiências trazidas pelos educandos, usando-as a seu favor e a favor de um
aprendizado contextual e significativo para adultos e jovens que buscam no
processo de ensino-aprendizagem enriquecimento para a prática e a reflexão
106 • capítulo 5
cotidianas.
E ainda, como sugere Freire (1996),
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, por isso mesmo pensar certo colo-
ca ao professor ou, mais amplamente à escola, o dever de não só respeitar os saberes
com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes
socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta
anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes
em relação com o ensino dos conteúdos. (...) Por que não estabelecer uma “intimidade”
entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles
têm como indivíduos? (p. 30).
107 • capítulo 5
buscar o seu crescimento pessoal e profissional.
Como nos mostram algumas pesquisas atuais, a EJA vem passando por re-
configurações, estando em uma fase de transição, na qual se nota um progressi-
vo abandono por parte da União nas atividades dedicadas à educação de jovens
e adultos analfabetos. Segundo Haddad (2007), o movimento em torno da EJA
resgata nesse momento sua importância, inscrevendo-a nas pautas das políti-
cas públicas, o que sugere que esse período tem permitido avanços na maneira
de pensar e de fazer, o que evidencia sinais de uma nova forma de fazer EJA.
Nesse momento se faz necessário pensar, pesquisar e refletir so-
bre as propostas de formação desses educadores; afinal, para con-
tinuarmos avançando numa nova concepção de EJA, precisamos
reconhecer o direito a uma escolarização para todas as pessoas, indepen-
dentemente de sua idade. Isso significa reconhecer que não é permitido pri-
var parte da população dos conteúdos e bens simbólicos acumulados his-
toricamente e que são transmitidos pelos processos escolares. Significa
reconhecer que a garantia do direito humano à educação passa pela elevação
da escolaridade média de toda a população e pela eliminação do analfabetismo
(HADDAD, 2007, p. 15).
Partindo disso, a construção de uma proposta de trabalho que reconheça as es-
pecificidades do público da EJA perpassa diversos aspectos, como, por exemplo:
108 • capítulo 5
referência a essa característica. De acordo com Fávero (2009), a EJA não deve
ser vista como
109 • capítulo 5
versais e interdisciplinaridade devem ser ponto de partida das propostas curri-
culares para EJA.
Para pensarmos em práticas e ações coerentes com a realidade de jovens e
adultos que frequentam as salas de aula da EJA, é fundamental a organização
de materiais, atividades e projetos que tenham como proposta trabalhar conte-
údos correlacionados com as vivências do cotidiano dos alunos.
Dessa maneira, traremos aqui de sugestões de atividades que contemplem
as definições do currículo e que sejam coerentes com a proposta política e pe-
dagógica das instituições escolares.
110 • capítulo 5
Para o momento de escolha do texto a ser lido, é importante realizar uma se-
leção daqueles que correspondam às possibilidades do ouvinte, considerando
o tempo de duração da leitura, a linguagem utilizada no texto que tornará mais
rica a relação do ouvinte com o conteúdo do texto. A seleção cuidadosa do texto
a ser lido é fundamental, e aprender a fazer tal escolha, levando em conta os cri-
térios que favoreçam a interação do ouvinte com o texto, faz parte dos objetivos
didáticos que esta sequência permite construir.
Como uma condição didática, faz-se necessário que o professor em sala
de aula estabeleça uma leitura habitual para os alunos, ou seja, realize leitu-
ras diariamente, utilizando gêneros diversificados. A realização da leitura de
narrativas literárias pelo professor é condição didática necessária para que esta
sequência ocorra de maneira adequada. Normalmente, essa leitura tem como
objetivo colocar os alunos em contato com diversas histórias, permitindo-lhes
uma experiência comum do grupo, que assim poderá compartilhar impressões,
discutir significados e interpretações, em suma, aprender a apreciar literatura.
Além disso, com a leitura diária, os alunos podem compartilhar procedimen-
tos e comportamentos leitores do professor, por exemplo: ouvir o professor co-
mentar a justificativa de sua escolha, comentar partes do texto que mais apre-
ciou, emocionou-se com o que lê, emitir opiniões etc.
Objetivos
111 • capítulo 5
Desenvolvimento
• Organizar uma roda de conversa, que antecede o momento da leitura habitual, e sus-
citar uma discussão sobre o prazer de ouvir histórias, comentando experiências pesso-
ais sobre a leitura que ouviu quando criança, ou já adulto, expressando sentimentos,
falando das passagens que mais gostava ou desgostava, das que davam medo e faziam
sentir calafrios, de ter chorado e rido com as situações, da beleza dos cenários que se
apresentavam em sua mente, das boas lembranças e dos momentos passados com
alguém querido que havia, com tanto carinho, lhe preparado e lido uma história.
• Deixe que os alunos também falem sobre suas experiências. Na maioria das vezes, os
jovens e adultos da EJA têm poucas lembranças de alguém lendo histórias, mas com
certeza têm recordações de pessoas conhecidas que contavam histórias.
112 • capítulo 5
3a etapa: Em contato com a leitura (e leitores) em voz alta
• Para que os alunos tenham oportunidade de refletir sobre o que garante uma boa
leitura em voz alta, é importante que participem de situações em que observem pes-
soas experientes realizando essa prática. Isso pode acontecer de várias maneiras, e é
importante que essas oportunidades sejam numerosas e realizadas em situações inter-
caladas às situações de suas leituras, pois contribui para que os alunos tenham mais
elementos para autorregular sua própria leitura.
• Leitura realizada pelo professor: Numa das situações em que o professor realiza a
leitura diária, ele pode pedir a seus alunos que prestem atenção não somente à história
contada, mas também ao modo como lê, àquilo que lê, pois isso ajuda a tornar aquela
leitura mais envolvente. Dessa maneira, o olhar dos alunos se voltará para aquilo que
é preciso cuidar, enquanto se lê, para favorecer a atenção dos ouvintes. Ao terminar o
texto, o professor discute o que os alunos analisaram e pode também lançar as seguin-
tes questões: a leitura permitiu que a história fosse apreciada? A leitura permitiu que
os alunos, de fato, se interessassem pela história? Em caso afirmativo, o que contribuiu
para esse interesse?
4a etapa: Escolha e preparação dos textos a serem lidos pelos alunos em voz alta
Para a escolha do conto a ser lido, o professor deverá deixar disponíveis aos
alunos diversos títulos de livros que sejam coerentes com a capacidade leitora
do grupo. Para esta atividade, o professor deve providenciar certa quantidade
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de exemplares, de modo a disponibilizar um livro para cada três ou quatro alu-
nos. Assim que os grupos estiverem organizados, o professor pode sugerir a lei-
tura dos seguintes contos:
Em seguida, solicite que escolham qual eles gostariam de ler para as crian-
ças, orientando-os. Feita a escolha, peça que eles realizem uma leitura silencio-
sa e depois combinem que um aluno de cada grupo faça a leitura em voz alta,
que será preparada com o auxílio do professor e dos outros colegas. Cada aluno
lê para seu grupo, e seus parceiros analisam e dão sugestões de como aprimo-
rar a leitura, a partir da lista de dicas já elaborada. Após a análise dos pequenos
grupos, o professor pode questionar se alguém gostaria de ler seu conto para
toda a classe.
114 • capítulo 5
6a etapa: Fechamento e continuidade
Esta sequência poderá ser realizada durante várias semanas, com a repeti-
ção da escolha do texto a ser lido, a preparação, a análise da leitura em sala, a
análise de modelos de leitores, a leitura em casa, os comentários sobre a leitura
e novamente a escolha, e assim por diante.
O ideal e esperado é que a atividade de leitura do aluno jovem ou adulto para
as crianças na hora de dormir se torne um hábito. Para isso, sugerimos que você
realize semanalmente (em uma aula) uma atividade habitual que chamamos de
“Roda de Histórias para Hora de Dormir”, em que os alunos compartilham com
o grupo as impressões e experiências vividas nas situações em que leem para
as crianças em casa, isto é, que compartilhem experiências como leitores de
histórias em voz alta.
Adaptação da sequência publicada pelo Programa Escola que Vale, uma parceira entre a
Comunidade Educativa CEDAC e a Fundação Vale.
ATIVIDADES
A partir das leituras e reflexões, responda às questões abaixo:
01. Como professores têm lidado com a questão do saber do aluno trabalhador?
Até que ponto as experiências de vida têm influenciado a seleção e o tratamento
de conteúdos escolares?
03. Ao mesmo tempo, de que forma fazer da escola de EJA um espaço de reflexão
acerca do mundo do trabalho e suas transformações sem abandonar totalmen-
te a possibilidade de ações de geração de emprego e renda?
115 • capítulo 5
REFLEXÃO
A temática que envolve as especificidades na educação de jovens e adultos é muito ampla
e nos possibilita uma extensa reflexão sobre o assunto. É possível pensar a EJA sob vários
aspectos, como: organização curricular, reflexão teórica e prática, organização do tempo e
dos espaços, diversidade de sujeitos, material didático e formação de educadores. Assim,
buscando compreender quais as especificidades do educador que trabalha com a EJA, foi
possível perceber que é fundamental, na prática pedagógica, preservar as particularidades
que envolvem a EJA, destacando as relações dialógicas entre educador e educando e to-
mando como ponto de partida para a ação pedagógica o respeito pelo conhecimento prévio
e pelas vivências do educando.
LEITURA
MOURA, T. A formação de professores(as) para a educação de jovens e adultos em questão.
São Paulo: Edufa, 2007.
Dicas de vídeos:
Assista ao vídeo O discurso do educador com os alunos da EJA. Acesse o link: <http://
youtu.be/4FpzrfFwRrM>.
Nesse vídeo, Sandra Medrano, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Do-
cumentação para Ação Comunitária (Cedac), explica qual deve ser a postura do educador da
EJA diante dos alunos resistentes às novas práticas de ensino.
116 • capítulo 5
Leituras Recomendadas
Roteiro preciso
Uma cola com tópicos pode ajudar a encaminhar a apresentação. Não vale ler os carta-
zes nem decorar o trabalho.
Discurso seguro
As falas devem ser claras, coerentes e concisas: é preciso passar todo o conhecimento
no tempo combinado.
Apoio certeiro
Recursos visuais devem trazer informações simples e diretas para facilitar a compreen-
são do tema geral da apresentação
A razão é compreensível. Existe a ideia corrente de que não é papel da escola ensinar
o aluno a falar – afinal, isso é algo que a criança aprende muito antes, principalmente com
a família. Meia verdade. Há nessa concepção um erro grave de reduzir a oralidade à fala
cotidiana, informal, representada pelos bate-papos e pelas conversas do dia a dia. O fato
é que, sob a denominação genérica de “linguagem oral”, encontram-se diversos gêneros:
entrevistas, debates, exposições, diálogos com autoridades e dramatizações. Em relação a
todos eles, o professor tem um papel importante.
“Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comu-
nicativas, especialmente nas mais formais”, afirmou o psicólogo suíço Bernard Schneuwly
em entrevista à NOVA ESCOLA em 2002. Considerado um dos maiores estudiosos sobre o
Desenvolvimento da oralidade, ele defende a ideia de que os gêneros da fala têm aplicação
direta em vários campos da vida social – o do trabalho, o das relações interpessoais e o da
política, por exemplo.
117 • capítulo 5
Esforço contínuo
Uma primeira medida para resgatar a importância do tema é investir na abordagem sis-
temática. A estratégia que deve permear todas as fases da escolarização é iniciar o traba-
lho pelas situações comunicativas praticadas naturalmente em sala de aula. Partindo dessa
perspectiva, o Centro Educacional São Camilo, em Cachoeiro de Itapemirim, a 130 quilôme-
tros de Vitória, decidiu trabalhar o seminário como uma atividade permanente desde o início
do Ensino Fundamental (veja a foto à esquerda). E não apenas nas aulas de Língua Portu-
guesa: pesquisas e trabalhos de campo de História, Geografia e Ciências, antes restritos à
entrega em papel, são apresentados para toda a turma na forma de exposição oral. “Com a
experiência constante, os estudantes avançam em todas as etapas do trabalho: passam a
fazer pesquisas mais profundas, descobrem o que pode ser utilizado na apresentação e mos-
tram mais desenvoltura na hora de expor o assunto”, diz a coordenadora pedagógica Edna
Valory (leia no quadro acima os conteúdos desse tipo de atividade).
No seminário, como em qualquer outro gênero, o fundamental é conseguir que ele faça
sentido aos alunos. Para isso, o professor deve debater com a turma o propósito da atividade:
por que estamos fazendo essa pesquisa? Quais os critérios para selecionar o que aprende-
mos e merece ser apresentado? De que forma ele pode interessar ao público? “O seminário
tem de ter uma finalidade maior do que ser apenas uma apresentação. Caso contrário, o
trabalho corre o risco de se tornar desmotivante”, explica Roxane Rojo, professora do Depar-
tamento de Linguística Aplicada da Universidade de Campinas. Depois, é partir para o de-
talhamento dos procedimentos que sustentam a apresentação oral (leia sequência didática
com etapas da atividade ao lado).
A melhor forma de conseguir bons resultados é acompanhar o aluno em todos os pro-
cessos. No Colégio Sete de Setembro, em Fortaleza, a orientação dos seminários vai desde
a discussão sobre o tema até a avaliação da apresentação. “No momento em que o aluno
vai pesquisar, por exemplo, não adianta ele reunir um monte de indicações bibliográficas ou
simplesmente copiar trechos de sites da internet. É tarefa do professor auxiliar na seleção
de informações e na articulação das diversas fontes”, explica a coordenadora pedagógica
Rachel Ângela Rodrigues.
Ainda que a exposição oral seja mais comum nas séries finais do Ensino Fundamental,
ela pode ter lugar desde os primeiros anos. A recomendação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais é que as expectativas de aprendizagem acompanhem a evolução dos alunos. A
partir do 3º ano, é possível exigir mais formalidade no uso da linguagem, preparação prévia
e manutenção de um ponto de vista na apresentação. A avaliação deve contemplar esses
aspectos – desde, claro, que o professor os tenha ensinado.
118 • capítulo 5
O que ensinar nos seminários
Quem disse que uma apresentação se aprende espontaneamente? Um seminário possui
uma série de procedimentos formais que devem ser abordados em sala. Primeiro, é preciso
estudar a fundo o assunto a ser apresentado por meio de pesquisas e leituras. Em seguida,
é necessário triar as informações e preparar a exposição, estruturando-a para que ela seja
assimilada pelos colegas. Só então chega o momento de partir para a apresentação propria-
mente dita. Nessas etapas, há quatro aspectos que não podem ser esquecidos:
Postura corporal: olhares, gestos, expressões faciais e movimentos corporais são im-
portantes para complementar as informações transmitidas pela fala. Esses recursos auxiliam
a mobilizar a escuta atenta.
Disponìvel em: <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/
pratica-pedagogica/fala-se-ensina-423559.shtml>.
Bibliografia
Gêneros orais e escritos na escola, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e outros, 278
págs., Ed. Mercado de Letras.
119 • capítulo 5
Como professor de Ciências da EJA, uma das primeiras coisas que percebi foi a neces-
sidade de valorizar o que os alunos falam. Desde o início, ficou claro que alguns estudantes
eram mal avaliados em minha disciplina porque não conseguiam escrever sobre os conteú-
dos específicos, embora tivessem aprendido os conceitos. Nas conversas com esses alunos,
ouvi frequentemente: “Eu sei, professor. Só não consigo escrever o que sei.”
Em nossas avaliações, cobramos muitos textos escritos, mas não consideramos o que
costuma ser dito pelos alunos. É natural que haja essa ênfase, uma vez que um dos objetivos
centrais do Ensino Fundamental é a alfabetização e aquisição de autonomia na leitura e na
escrita. Muitos deles, inclusive, afirmam estar na escola primordialmente para “aprender a ler
e escrever”.
Contudo, especialmente na EJA, a fala deveria ocupar um lugar privilegiado. Primeira-
mente, porque é preciso distinguir o aluno que não aprendeu determinado conteúdo daquele
que sabe, mas não consegue demonstrar isso por escrito. Esses dois tipos têm necessida-
des distintas e requerem intervenções diferentes do professor.
Em segundo lugar porque, embora todos sejamos falantes proficientes da nossa língua
materna, sabemos que há pessoas que encontram dificuldades para organizar a fala e se
expressar de maneira formal em certas situações. Não se trata de negar os regionalismos,
nem de preconceito linguístico. Trata-se de auxiliar esses jovens e adultos a aprenderem a
se expressar melhor no trabalho; a não se intimidar em situações mais formais e a adequar
sua fala ao meio onde está (mais formal, menos formal).
Já ouvi alunos contarem de suas dificuldades para falar com o caixa do banco, solicitar
algo ao patrão ou explicar seus sintomas a um médico, entre outros exemplos. Todos nós,
professores, conhecemos estudantes que não têm coragem de fazer perguntas quando es-
tão em grupo. Portanto, desenvolver a oralidade na sala de aula pode ajudá-los a enfrentar
muitas situações cotidianas, além de contribuir para seu aprendizado.
Com isso em mente, costumo propor à turma que apresente seminários sobre as pes-
quisas que fazemos. Acho que essa é uma forma interessante de aprender a se preparar
para dizer algo em público: é preciso selecionar partes da pesquisa, hierarquizar os assuntos,
explicar cada tópico, aprender a pronunciar palavras que ainda não se conhece (isso é muito
comum em Ciências!), adequar-se ao tempo que foi determinado, além de, claro, promover
uma aproximação com um assunto específico da área.
Alguns dos critérios que utilizo para avaliar os seminários:
–– Posicionamento e desenvoltura durante a apresentação;
–– Incorporação de dados da pesquisa na fala de cada participante;
–– Autoria da fala (por exemplo: se as palavras usadas foram pensadas pelo aluno ou
se ele simplesmente decorou um texto retirado da internet).
120 • capítulo 5
E você, concorda que é importante propor atividades para desenvolver a oralidade em
alunos da EJA? Que tipo de atividade costuma realizar? Quais critérios você usa para avaliar?
Disponìvel em: <http://revistaescola.abril.com.br/blogs/eja/2014/04/16/
trabalhar-a-linguagem-oral-com-os-alunos-da-eja/>
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, M. G. Formar educadoras e educadores de jovens e adultos. In: Seminário Nacional Sobre
Formação do Educador de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
FÁVERO, O. Educação de jovens e adultos: passado de histórias, presente de promessas. In: Educação
de Jovens e Adultos na América Latina. São Paulo: Moderna (2008).
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
HADDAD, S. Por uma nova cultura de educação de jovens e adultos, um balanço de experiências de
poder local. Novos caminhos em Educação de Jovens e Adultos - EJA. São Paulo: Global, 2007.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: Formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo:
Cortez, 2009.
KLEIMAN, A. (Org.) O ensino e a formação do professor: alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2000.
NÓVOA, A. (org.). Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal: Dom Quixote, 2002.
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122 • capítulo 5