Вы находитесь на странице: 1из 82

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SHEILA COSTA MARCOLINO

Saída das ruas ou reconstrução de vida. A trajetória de estudantes


universitários ex-moradores de rua em São Paulo

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

SHEILA COSTA MARCOLINO

Saída das ruas ou reconstrução de vida. A trajetória de estudantes


universitários ex-moradores de rua em São Paulo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


como exigência parcial para obtenção do título
de Mestre em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Profa. Dra. Aldaíza de Oliveira
Sposati.

SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________
DEDICATÓRIA

À memória da minha avó, Eunice Anastácio Marcolino


AGRADECIMENTOS

Compartilhar minha gratidão, mencionando as pessoas que participaram


desse processo de construção pessoal, profissional e intelectual, exige ultrapassar
as barreiras do possível esquecimento para recuperar os apoios, vínculos,
presenças, motivações e afeto que consolidaram a difícil caminhada até aqui.
Agradeço especialmente à Profa. Dra. Aldaíza Sposati, por não desistir de me
mostrar que “superação supõe ampliar as condições de protagonismo em cada
cidadão, por mais limitadas que sejam as condições que a própria natureza lhe
ofereceu”, conduzindo respeitosamente, meu olhar para a capacidade humana de
construir e reconstruir desvios que podem libertar das determinações.
Às pessoas em situação de rua que dão sentido ao meu trabalho e aos agentes
institucionais que enfrentam os desafios cotidianos de intervir nessa realidade, em
especial aqueles com quem tive o prazer de conviver na minha trajetória profissional
no Lar Ditoso.
Aos sujeitos que contribuíram com esta pesquisa, confiando suas histórias de
vida e aos profissionais que prestaram depoimentos sobre os serviços com maior
impacto nas trajetórias.
Ao Movimento Nacional de Luta em Defesa dos Direitos da População em
Situação de Rua, representado por Anderson Lopes, pela abertura ao diálogo,
participação e indicações para realização da pesquisa.
Às professoras Dras. Maria Lúcia Martinelli e Maria Lúcia Carvalho pela
preciosa leitura e intervenções na banca de qualificação, apontando
possibilidades para efetivar a construção da pesquisa e da pesquisadora.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
pelo apoio ao desenvolvimento deste estudo. E aos professores do Programa de
Pós-Graduação da PUC-SP, que rigorosamente dedicam-se para manter a
qualidade desse Programa.
Aos colegas de mestrado pelas reflexões compartilhadas nas disciplinas e
atividades cursadas. E aos companheiros de representação discente, Bruno,
Sandra Vaz, Maria Auxiliadora, Luciana Campos e Joseane.
Aos amigos do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Seguridade Social -
NEPSAS, que se tornaram companheiros do grupo de pesquisa: Silvina Carro,
Marília. Flávia Cristina de Paula Gomes Pires e Marcelo Gallo, meu carinhoso
agradecimento pelo intenso apoio e pelos risos regados a sorvete após as
reuniões.
À Abigail Torres, Stela Ferreira e Elaine Cristina Silva, por estarem inteiras
comigo quando eu mais precisei. Com vocês, aprendo de diversas formas que a
grandiosidade humana esta na capacidade de permitir que o outro faça parte da
nossa construção.
À Liliane Alves pelo compromisso no trabalho de editoração.
Ao Lucas Henrique que acaba de integrar essa história.
À Maria Tatiane, Maria Eduarda, Ricardo, Família Evaristo, Deborah Nery,
Thiago Montagnana, Douglas Zacarias, Érica Guedes, Carla Godoy, Andréa Prado,
Gleice Magalhães, Maísa Lopes, Adriana Caiane, Nalu Zeidan, Virginia Carreras,
Denise Caserta, Glaucia Venâncio, Amanda Soares, Claudia Simone, Lucilene
Gomes, Carolina Thimoteo, pela presença que move meus sentimentos e transforma
a melodia do “Cotidiano” na mais bela canção.
Aos meus irmãos, pelo laço de amor incondicional que nos unem Shirlei,
Vanessa e ao Caio por me mostrar o melhor pedaço de mim.
Ao meu pai, Claudio, pela determinação de ensinar o valor do estudo que não
pôde concretizar e à minha mãe, Celma pelo apoio.
À Gilda e familiares que mesmo distantes, estiveram torcendo por mim.
RESUMO

Autor: Sheila Costa Marcolino


Título: Saída das ruas ou reconstrução de vida. A trajetória de estudantes
universitários ex-moradores de rua em São Paulo.

Este estudo busca identificar nas trajetórias de estudantes universitários, ex-


moradores de rua da cidade de São Paulo, elementos objetivos e subjetivos que
contribuíram em seu processo de saída das ruas e reconstrução de suas vidas.
As narrativas dos sujeitos, para além de demonstrar um processo singular que os
diferenciam no contexto em que estavam inseridos quando em situação de rua,
expressam, pela própria voz e vivências, uma avaliação sobre a dinâmica de
serviços socioassistenciais que utilizaram nesse percurso. É um estudo que
reposiciona algumas questões sobre a atenção a essa população na cidade de São
Paulo. O reconhecimento do movimento das lutas sociais, da produção de
conhecimentos sobre a temática, bem como o conteúdo da Política de Atenção à
População em Situação de Rua na cidade de São Paulo nos últimos 10 anos, têm
fundamental importância para este estudo. Os avanços, estagnações e retrocessos
que marcam historicamente o desempenho dessa política ao longo de diferentes
governos da cidade, indicam dois pressupostos que resultam da atenção à
população em situação de rua na cidade: um de caráter emergencial, fragmentado e
restritivo com enfoque padronizador, fundamentado na operação de saída da rua.
Outro, pautado na processualidade e que a partir de valores e princípios de
dignidade e cidadania no reconhecimento do sujeito e na diversidade de
necessidades e das capacidades humanas, sugerem referências pautadas em
processos que conduzam ao protagonismo e autonomia para reconstrução de vidas.

Palavras-chave: trajetória de vida após a situação de rua, atenção à população em


situação de rua, população de rua.
ABSTRACT

Author: Sheila Costa Marcolino


Title: Getting off the streets or reconstruction of life. The trajectory of university
students, former homeless people in Sao Paulo.

The aim of this research is identifying in the trajectory of university students,


who are also former homeless people in Sao Paulo, objective and subjective
elements that contributed with their process of getting off the streets.
The narrative of the researched subjects, besides presents a unique process
that differentiates them in the context of the homelessness, conveys throughout their
own voices and experiences an assessment of the social service which they
accessed and used as homeless people.
Thus, this study displaces the debate to the realm of effectiveness of the
homeless’ people care policy, focusing on the social service’s outcomes in the
subjects’ process of overcoming and getting off the streets.
The acknowledgment of social movements, the production of knowledge on
homelessness, and the construction of homeless’ people care policy in Sao Paulo in
the last 10 years, are fundamentally important for this research. This is because the
achievements, stagnations and retrocession which historically have shaped the
construction of that policy point out two premises: the first has an emergency
character with a pattern focus based on job placement as the way to get people off
the streets, and the second integrates principles of dignity, citizenship and
recognition of the subject as well as the variety of needs and human capacity and
potential. This latter approach suggests a broader process and articulations leading
to the subjects’ autonomy for reconstruction of their lives.

Keywords: life trajectory after the street situation, accessed and used as homeless
people, homelessness
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Serviços para População em Situação de Rua. ........................................................ 38

Quadro 1: Serviços para População em Situação de Rua. ........................................................ 39

Quadro 2: Dados dos Entrevistados. ........................................................................................ 44

Quadro 3: Eixos de Análise ...................................................................................................... 51

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1. VIVER NA RUA – SAIR DA RUA, UMA EQUAÇÃO COMPLEXA ....................... 20


1.1 Segregação Espacial e o Direito à Cidade .................................................................................................. 22
1.2 As Ruas da Cidade como Espaço de Conflitos e Disputas ......................................................................... 24
1.3 A Busca Por um Lugar na Cidade Para Morar ............................................................................................ 26
1.4 Estudo e Trabalho ....................................................................................................................................... 30
1.5 A Atenção à População em Situação de Rua em São Paulo ...................................................................... 32

2. O ESTUDO DAS TRAJETÓRIAS ......................................................................... 40


2.1 Por onde começa a história ......................................................................................................................... 42
2.2 O Caminho da Rua: Singularidades que Diferenciam Experiências Sociais Coletivas ................................ 44
2.3 Rompimentos e Fragilidades que Levaram à Situação de Rua ................................................................... 45
2.4 Processo de fortalecimento dos sujeitos ..................................................................................................... 50
2.5 As trajetórias, segundo o fator trabalho ....................................................................................................... 55
2.6 As trajetórias segundo o fator família .......................................................................................................... 59

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE PARADIGMAS DE ATENÇÃO À POPULAÇÃO EM


SITUAÇÃO DE RUA ................................................................................................. 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 74


INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva dar voz a estudantes universitários, ex-


moradores de rua da cidade de São Paulo, que buscaram na formação acadêmica
um caminho para reconstrução de suas vidas.
O interesse por este estudo nasce a partir de um acúmulo de inquietações e
impressões resultantes do período de atuação profissional em um Centro de
Acolhida para Adultos II1 na cidade de São Paulo, no final do ano de 2003 até 2009.
Nesse período, era iniciado um processo de reconfiguração do trabalho com
a população em situação de rua na cidade de São Paulo. Questões complexas se
manifestavam no cotidiano de um trabalho que estava sendo estruturado ―
precariedade das instalações, quadro restrito de profissionais, falta de capacitação
dos trabalhadores e de articulação entre os serviços, uma supervisão técnica
permeada por dificuldades existentes na relação público/privado ― expressavam o
quão complexo era a atuação com um segmento populacional que traz em sua
trajetória as marcas do precário acesso ao trabalho, moradia, educação, problemas
de saúde, comprometimentos com o uso abusivo de álcool e outras drogas,
sofrimentos psíquicos diversos, ausência de referências familiares e afetivas e, até
mesmo, refúgio para aqueles que procuravam invisibilidade diante de conflitos
legais. Um serviço de atenção a essa população que abarcava uma infinidade de
situações em um mesmo espaço institucional, tendo como principal diretriz a
efetivação dos princípios estabelecidos no artigo 3º da Lei Municipal 12.316/97 que
garante:

I – o respeito e a garantia à dignidade de todo e qualquer ser


humano;
II – o direito da pessoa a ter um espaço para se localizar e referir na cidade,
para ter um mínimo de privacidade como condição inerente à sua
sobrevivência, existência e cidadania;

1
Serviço que oferece acolhimento provisório com espaço para pernoite e estrutura para garantir
privacidade às pessoas em situação de rua do mesmo sexo ou grupo familiar, com ou sem crianças,
respeitando o perfil do usuário, bem como sua orientação sexual. É dividido em três modalidades:
Centro de Acolhida para Adultos I por 16 horas; Centro de Acolhida para Adultos II por 24 horas; e
Centro de Acolhida Especial. (PLAS 2009-2012)

10
III – a garantia da supressão de todo e qualquer ato violento e de
comprovação vexatória de necessidade;
IV – a não discriminação no acesso a quaisquer bens e serviços,
principalmente os referentes à saúde, não sendo permitido tratamento
degradante ou humilhante;
V – subordinar a dinâmica do serviço e garantia da unidade familiar;
VI – o direito do cidadão de restabelecer sua dignidade, autonomia, bem
como sua convivência comunitária;
VII – garantir a capacitação e o treinamento dos recursos humanos que
operam a política de atendimento à população de rua.

No entanto, para além dos conflitos inerentes ao espaço sócio institucional e a


forma de viabilizar os instrumentos regulatórios que orientam o trabalho
desenvolvido com a população em situação de rua na cidade de São Paulo, a
centralidade dessa atuação passa pela natureza da questão que é resultante da
profunda desigualdade que leva a processos de fragilização, marginalização e
consequente exclusão social.
Sob a hipótese de que existe um conjunto de articulações na rede
socioassistencial de acolhimento que pode favorecer, podem potencializar o
fortalecimento dos sujeitos que utilizam o serviço de atenção à população em
situação de rua ou reforçar suas fragilidades, o fortalecimento dos sujeitos que
utilizam o serviço de atenção à população em situação de rua, busca-se neste
estudo encontrar na trajetória de estudantes universitários, ex-moradores de rua os
elementos objetivos e subjetivos que contribuíram com o processo de reconstrução
de suas vidas.
Este estudo tem o objetivo de identificar o alcance da atenção prestada pela
rede de acolhimento no processo de saída da rua, como da reconstrução da vida
num contexto de estruturação, abrangência e alcance metodológico do apoio da
rede proteção da assistência social.

Ter a população de rua como alvo da atuação institucional é sem dúvida,


relevante, porém são preocupantes as condições de atendimento dos
albergues e a tendência de estes e dos demais serviços existentes
circunscreverem-se basicamente ao atendimento de pernoite, higiene e
alimentação. (ROSA, 2005, p.167)

11
A Política Nacional para Inclusão Social da População em situação de Rua,
aprovada pelo Decreto 7053/2009 (BRASIL, 2009) destaca como princípios: a
dignidade da pessoa humana, a garantia da cidadania e direitos humanos; o direito
ao convívio familiar e comunitário; garantia da cidadania; direito ao atendimento
humanizado e universalizado; e garantir a não discriminação de qualquer natureza,
prevendo para isto, dentre outras ações, a estruturação da rede de proteção. No que
concerne à assistência social ressaltam-se dois itens referentes à rede de
acolhimento:

 Estruturação e reestruturação da rede de acolhimento com padrões de


qualidade, segurança e conforto, respeitando limite de capacidade, regras de
convívio, salubridade e direito à permanência no meio urbano e regiões
centrais;
 Reestruturação e ampliação da rede existente para incentivar sua utilização
pelas pessoas em situação de rua, inclusive por sua articulação com
programas de moradia popular nas instâncias Municipal, Estadual e Federal.

A aprovação da Política Nacional para Inclusão Social da População em


Situação de Rua reconhece em âmbito Nacional a necessidade de
estruturar/reestruturar a rede acolhimento e impõe aos municípios a
responsabilidade de construir processos de inclusão social que tenham como
perspectiva um conjunto de articulações que conduzam a população à saída da
situação de rua.
O entendimento de “saída de rua” não é, porém aprofundado podendo
significar desde a mera mudança de lugar, a partir de um trabalho que garanta uma
vaga num quarto de pensão, ou o retorno para família, sem avaliação das condições
efetivas do convívio com este familiar, como a capacidade de ter e levar adiante um
projeto pessoal de vida. Nem sempre a saída de rua tem o significado de
reconstrução da vida para um novo projeto pessoal e social.
Nesse sentido, neste trabalho entende-se que é necessário diferenciar os
elementos que caracterizam a saída da rua daqueles que fortalecem os sujeitos no
processo de reconstrução de suas vidas.
Para fins deste trabalho se utiliza como definição legal de população em
situação de rua a formulação teórica de Silva (2009) incluída no texto da Política
Nacional de Inclusão da População em Situação de Rua.
12
[...] um grupo heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os
vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia
convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos (ruas, praças,
jardins, canteiros, marquises e baixos de viadutos), as áreas degradadas
(dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem
como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como
moradia provisória.(SILVA, 2009, p.136)

Segundo Silva (2009) o fenômeno população em situação de rua vincula-se


na contraditória relação capital/trabalho, sendo assim expressão inconteste das
desigualdades sociais. Um problema inerente às grandes metrópoles que expressa
de forma radical a questão social, tendo como determinante múltiplos fatores
resultantes das transformações econômicas e sociais num contexto neoliberal de
redução das Políticas Públicas. Ressalta ainda, que a expansão do fenômeno ocorre
com a formação do exército industrial de reserva e da “violência do capitalismo
sobre o ser humano, despojando-o completamente dos meios de produzir riqueza
para seu uso próprio e submetendo-o a níveis extremos de degradação de vida”.
(SILVA, 2009, p.116)
As particularidades das experiências sucessivas de rupturas afetivas são
aspectos que para Varanda (2003) podem culminar na situação de rua, no entanto
considera que a ampliação do processo de exclusão vinculado ao fenômeno se dá a
partir das condições estruturais e conjunturais das três últimas décadas.
Rosa (2005) alerta para a necessidade de relacionar o processo de
deterioração como um dos fatores significativos na trajetória dos moradores de rua
na década de 80.
Conhecer o perfil da população em situação de rua para subsidiar a
construção de políticas e orientar a criação de serviços de atendimento compatível
com as efetivas necessidades desse segmento, identificando “quem é, e como
vivem” o contingente populacional que ocupava os espaços públicos como lugar de
moradia, foi um desafio enfrentado por um coletivo social no início dos anos 90 na
cidade de São Paulo (PEREIRA, 1997) um momento histórico de lutas sociais pela
consolidação de um sistema político democrático.
O enfrentamento da questão significou superar o desconhecimento sobre o
crescente fenômeno urbano, o que exigia avanços na produção de conhecimento e
discussão entre os grupos movimentos e grupos sociais que lutavam por efetivação

13
de direitos e respostas políticas para o segmento. Desde então um percurso foi
trilhado, o enfrentamento da questão população em situação de rua na cidade de
São Paulo assume de uma nova configuração histórica, política e social.
Decerto se pode considerar que as duas últimas décadas marcam uma
trajetória que cumpriu o papel de mexer com a realidade da população em situação
de rua na cidade de São Paulo. Abordar a temática não significa mais falar de
sujeitos desprovidos de direitos, “os invisíveis” aparecem e escrevem em jornais,
participam de atos de repúdio, exigem direitos ao Presidente da República pela
própria voz, reclamam por qualidade nos serviços, avaliam e decidem Políticas,
conquistam espaço político e políticas, são sujeitos capazes de história própria.
Longe de negar a exclusão e vulnerabilidade social que submete a população
em situação de rua a viver indignamente ou querer “falar das flores”, assumir o atual
contexto da população em situação de rua nos permite iniciar a discussão sobre o
processo de saída da rua e de reconstrução de vida reconhecendo seu lugar
histórico que não se limita a impossibilidades e restrições, determinadas pela
condição de pobreza e exclusão que vivenciam no “miúdo da vida cotidiana” dos
sujeitos que experimentam essa condição.

[...] no tempo miúdo da vida cotidiana, travamos o embate, sem certeza nem
clareza, pelas conquistas fundamentais do gênero humano; por aquilo que
liberta o homem das múltiplas misérias que o fazem pobre de tudo: de
condições adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de
liberdade, de imaginação, de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria
e de festa, de compreensão ativa de seu lugar na construção social da
realidade. Uma vida em que além do mais, tudo parece falso e falsificado,
até mesmo a esperança, porque só o fastio e o medo parecem autênticos.
(MARTINS, 2008, p.11)

Qual é a curva que desvia o caminho? Quais elementos objetivos e subjetivos


fortalecem os sujeitos para reconstruir sonhos e encontrar possibilidades?
A política de Assistência Social está envolvida não só na curva do desvio
como na construção de alternativas de superação dessa situação.
Isto pode significar que a política de Assistência Social tenha que localizar
potencialidades ativas que possam ampliar a capacidade de garantir a proteção
social dos sujeitos em condição de vulnerabilidade social. No entanto sua
concretização na gestão pública municipal se configura como grande desafio que se
complexifica num contexto urbano da Metrópole Paulistana, que se desenvolve sob
a estrutura de um modelo contemporâneo de transformações mundiais que vem

14
“demolindo direitos que mal ou bem garantem prerrogativas que compensam a
assimetria de posições nas relações de trabalho e poder, e fornecem proteções
contra as incertezas da economia e os azares da vida”. (TELLES,1999, p.02)
Segundo Sposati (2009) “o sentido de proteção (protectione, do latim) supõe
antes de tudo, tomar a defesa de algo, impedir sua destruição, sua alteração”. Nesse
sentido, a qualidade da proteção oferecida ou não pelos serviços de atenção
sociassistencial à população em situação de rua implica em articulações que
considerem não só as vulnerabilidades da população como seu potencial de
enfrentamento dessa situação dentro das condições objetivas, no caso, da
metrópole de São Paulo.
No presente trabalho é desenvolvido um estudo de trajetórias, tomando como
referência a história de vida de dois sujeitos que retomaram o processo de
escolarização durante o processo de recuperação da condição de morador de rua,
enfrentando as instabilidades de permanência em serviços, dificuldades com
transporte e outras garantias necessárias para o ingresso na universidade.
Considerando que ultrapassar essas barreiras para recuperar a defasagem escolar
quando não concluída em idade regular e em condições favoráveis se torna ainda
mais complexo.
Os serviços socioassistenciais ofertam local para dormir, comer, realizar
higiene pessoal, lavagem e secagem de roupas, atividades socioeducativas
diversas, acompanhamento social, atividades com profissionais da área de
psicologia, núcleos de inserção produtiva onde a grande maioria trabalha com a
questão da reciclagem do lixo ou mesmo confecção de artesanato com esse
material, cursos voltados para área de construção civil, frentes de trabalho
temporárias, núcleos de convivência e restaurantes comunitários. Um conjunto de
serviços que, embora diversificados para atender necessidades emergenciais da
população em situação de rua, tem um funcionamento pautado em regras e horários
rígidos de caráter imediatista que acabam vinculando autonomia e possibilidade de
saída da rua, exclusivamente ao retorno de forma precária ao mercado de trabalho.
Maria Conceição d’Incao ao avaliar a questão “Potencial de Transformação
Social” no I Seminário Nacional sobre População de Rua em 1992, apontava para o
aspecto da “integração/não integração” da população em situação de rua aos pro-
cessos sociais dominantes, onde a crítica à ação das instituições, à época, estava
no fato de “passar por cima das especificidades dos homens de rua, procurando in-
15
tegrá-los ao mercado de trabalho de forma autoritária e, consequentemente, inefi-
caz”, quadro pouco alterado nos dias atuais. (CADERNOS do CEAS n.151, p.34)
Portanto, se o fenômeno população em situação de rua, por um lado é vincu-
lado aos processos de precarização e fragilização do trabalho, por outro lado, sendo
o trabalho elemento constitutivo do ser social tem um sentido fundamental para o
homem, conforme aponta Iamamoto.

Por meio do trabalho o homem se afirma como ser criador não só como
indivíduo pensante, mas como indivíduo que age consciente e
racionalmente. Sendo o trabalho uma atividade prático-concreta e não só
espiritual, opera mudanças tanto na matéria ou no objeto a ser
transformado, quanto no sujeito, na subjetividade dos indivíduos, pois
permite descobrir novas capacidades e qualidade humanas. (IAMAMOTO,
1998, p.60)

Nesse sentido, as trajetórias aqui apresentadas oferecem importantes


subsídios para identificar que os elementos fortalecedores dos sujeitos podem
resultar em processo de saída de rua ou reconstrução de vida, a depender das
articulações inseridas nas ações destinadas à população em situação de rua.
Destaca-se o fato de que superar a fragilidade da formação escolar, é uma proposta
ainda não incorporada e incentivada na dinâmica dos serviços sociassistenciais,
porém, para esses sujeitos foi um caminho trilhado para ampliação e conquista do
próprio direito ao se apropriarem do estudo como uma alternativa de superação.
O desenvolvimento teórico desta pesquisa foi pautado nas leituras
bibliográficas que compõem o currículo das disciplinas cursadas no Programa de
Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC SP, levantamento de estudos
específicos sobre a temática população em situação de rua no acervo da biblioteca
desta Universidade, acervo pessoal da orientadora deste trabalho e algumas teses e
dissertações disponíveis nos periódicos do sistema Capes.
A base empírica se apresentou por uma coincidência, quando em um
seminário promovido pela Uninove, em 2010, um dos alunos do Serviço Social
apresentou-se como ex-morador de rua e usuário do projeto Oficina Boracea. O
aluno compunha a mesa como representante dos alunos do curso e apresentou um
pouco da sua história. Destacou a importância das ações desenvolvidas na Gestão
da Secretaria da Assistência Social, Aldaíza Sposati, para a reconstrução de sua
vida, quando participou do curso de formação profissional e cidadania ofertado pelo
Projeto Oficina Boracea, no ano de 2003-2004. Sua narrativa veio ao encontro das

16
preocupações deste estudo, ao permitir demonstrar a possibilidade do espaço
institucional em efetivar direitos e “resgate de autonomia”. A sua apresentação
vocalizando representar um grupo composto por outros colegas que também
vivenciaram processo semelhante e que alcançaram a universidade, alertou para o
reconhecimento de que existem diferenças que levaram um coletivo a encontrar no
estudo a possibilidade de fortalecimento e saída da situação de rua. Aqui se
apresentavam trajetórias a serem analisadas no contexto da cidade de São Paulo.
No âmbito da sociologia urbana, afirma Telles (2006), ao dialogar com
estudos sobre mobilidades urbanas e trajetórias sociais que as novas realidades
extrapolam o alcance de categorias de análise que se tem utilizado, exigindo não
inventar novas teorias, mas reposicionar as novas questões e problemas num
campo investigativo capaz de captar linhas de forças que entrecruzem essa
realidade em transformação.

Mais do que um conceito, a cidade é um campo de práticas, diz Roncayolo


(1978). Essa é uma sugestão forte a ser seguida, e que coloca o plano em
que uma investigação pode se dar, fazendo surgir feixes de questões que
permitam modificar problemas previamente colocados – a “questão urbana”
não existe como tal (definição prévia ou noção modelar), mas é configurada
no andamento mesmo dessa prospecção como questões (sempre parciais) e
interrogações (sempre reabertas) que vão se colocando nessa “construção
exploratória do objeto” de que fala Lepetit (2001). (TELLES e CABANNES,
2006, p.05)

O fenômeno população em situação de rua na cidade de São Paulo tem sido


objeto de estudos que partem de diferentes análises e interpretações, partindo
desde os motivos que levam à situação de rua, caracterização da população, às
representações sociais e identidades ao processo de construção da política de
atenção ao segmento. No entanto, são escassos estudos que permitem conhecer a
efetivação dos direitos conquistados por esse segmento e seu resultado enquanto
saída da situação de rua e, possivelmente, de reconstrução de projetos de vida.
Sabe-se que as complexidades que se apresentam numa metrópole como
São Paulo, marcada pela segregação e exclusão social, aumentaram ainda mais os
retratos da pobreza e desigualdades vivenciadas pelos seus habitantes, onde a
busca por um lugar para morar passa pela total destituição de condições de
dignidade humana, assim cortiços, favelas, moradias autoconstruídas, vão
configurando um cenário de disputas e conflitos por um espaço nas diferentes
regiões da cidade. As pessoas, ao ocuparem os poucos espaços livres que restaram
17
nas ruas como lugar de moradia e sobrevivência, se tornam a representação da
configuração da cidade visibilizando processos impossíveis de ocultar com as
arbitrárias propostas de reformas urbanísticas.
Essa perversa realidade de abandono e solidão que, comumente, impõe ao
Homem de rua encontrar no cachorro, a única referência de vínculo afetivo e
parceria e na bebida um refúgio para enfrentar os sofrimentos, refletem histórias que
com indignação nos mobilizou a conhecer e enfrentar esse fenômeno que vem
designando a rua como o lugar final de muitas vidas.
Na contramão dessa perspectiva, colocar em discussão o processo de saída
da rua e de reconstrução de vidas, significa questionar a rede de serviços
sociassistenciais sobre como essa atenção, garantida em lei municipal na cidade de
São Paulo, pode contribuir para que sujeitos sejam capazes de protagonizar novos
finais para sua própria história.
Para elaboração da fase empírica da pesquisa, resgatou-se o contato do
aluno da Uninove e, por meio de suas indicações e as de pessoas vinculadas aos
serviços da rede sociassistencial para população em situação de rua, identificou-se
seis estudantes universitários que encontraram na formação universitária um
caminho para saída da situação de rua. Porém, tendo em vista a vinculação
profissional da maioria deles com instituições parceiras da Prefeitura de São Paulo,
a concretização das entrevistas foi dificultada. Face a essa dificuldade, foi possível
contemplar duas das trajetórias de vida que contam, de formas distintas, vivências
aparentemente semelhantes.
Essa dificuldade no percurso de pesquisa nos conduziu a procurar o
Movimento Nacional da População em Situação de Rua, presidido por Anderson
Lopes, que nos colocou em contato com um trabalho desenvolvido na “Casa do
Estudante”, um espaço não governamental que atua no estímulo e apoio de pessoas
em situação de rua que estão em processo de escolarização. A organização com
vínculo à Igreja Católica, não conta com nenhum tipo de parceria com os governos,
os atendimentos são realizados por uma freira, responsável pela coordenação do
projeto.
Na busca de encontrar alguns fios que tecem essas trajetórias, também
fomos conhecer o Centro Educacional para Jovens e Adultos, mencionado pelos
sujeitos nas entrevistas como local que possibilitou a conclusão dos estudos estando
em situação de rua, assim como entrevistamos a gestora responsável, à época, pelo
18
Projeto Oficina Boracea, serviço socioassistencial utilizado por ambos os sujeitos
desta pesquisa.
Esta dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo “Viver
na rua – sair da rua, uma equação complexa”, propõe apresentar alguns aspectos
que demonstram a complexidade que se coloca no modo de vida da Metrópole
Paulistana e seus reflexos para exclusão/inclusão da população em situação de rua.
“O estudo das trajetórias”, apresentado no segundo capítulo, parte das
entrevistas e apresenta elementos centrais para discussão proposta nesta
dissertação. Dois percursos estruturaram o processo de análise de saída da rua e
reconstrução de vida, apontando para necessidade de repensar o modo de olhar
para essas situações2.
No terceiro capítulo “Considerações sobre paradigmas de atenção à
população em situação de rua” , trata-se de recuperar as narrativas que demonstram
o alcance da rede socioassistencial na avaliação dos sujeitos entrevistados, rua
frente às ações desenvolvidas nos serviços socioassistenciais na efetivação do seu
processo de saída da situação de rua ou reconstrução de vida.

2
Persiste a orientação na Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social em não permitir
acesso às informações para o desenvolvimento de estudos e pesquisas.

19
1. VIVER NA RUA – SAIR DA RUA, UMA EQUAÇÃO COMPLEXA

Discutir a superação da problemática da população em situação de rua na


cidade de São Paulo é um grande desafio. Constata-se que na atualidade há maior
aporte bibliográfico referenciando “quem são as pessoas que vivem e o modo de
vida na rua” (VIEIRA et al, 1994); as “características da população em situação de
rua, as múltiplas determinações que motivam ir para a rua, relacionando
principalmente a precarização do trabalho e as mudanças sociais que resultam em
processos de fragilização e/ou rompimento de vínculos familiares e afetivos,
degradação da condição de vida entre outras situações que caracterizam o
fenômeno enquanto radical expressão da questão social” (SILVA, 2009 e ROSA,
2005).
Abordar essa temática sob outros ângulos, isto é, com centralidade no
processo de “saída da rua” traz não só desafios desconcertantes da complexidade
inerente ao tema, como implica em pôr luz e examinar os processos de trabalho na
rede de atenção à população em situação de rua. Este é ainda pouco analisado,
resultando escassez de estudos e publicações sobre a saída da rua. (MEDEIROS,
2010).
O “processo de construção da política de atenção sob a perspectiva da
Assistência Social enquanto direito de cidadania” discutido na dissertação de
Mestrado de Pereira (1997); a importância da “representação social a partir da
assistência social” analisada por Yasbek (2009) e a “interferência da Rede de
Atenção à população em situação de rua na concretização da política pública” que
traz Amaral (2010) são análises que, embora se alinhem ao campo dos resultados,
ainda não aprofundam o conteúdo da ação profissional no processo e atenção à
população, suas categorias e complexidades, principalmente, face à reconstrução de
novos projetos de vida.
O tema desta dissertação examina esse desafio ainda que não esgote, numa
metrópole brasileira. Por decorrência é de fundamental importância iniciar essa
discussão reconhecendo a cidade de São Paulo não como cenário, mas como
espaço ativo de relações, dotado de particularidades sociais, econômicas e culturais
constituídas a partir de contradições e desigualdades, expressas em diferentes
configurações internas da pobreza. Incorporar essa perspectiva para a cidade

20
significa inserir a questão da população em situação rua num território que “pode
constituir processos emancipatórios, mas pode atuar também na mesquinhez de
preconceitos e apartações sociais que provocam erosões nos padrões de civilidade”.
(KOGA e NAKANO, 2006, p.99)
O padrão de acumulação industrial das décadas de 1950 e 1970 refletiu em
acelerado crescimento migratório em São Paulo, num momento de plena expansão
do processo de industrialização e urbanização. A localização geográfica e a
disponibilidade de recursos existentes na cidade eram condições favoráveis para
dinamizar o sistema produtivo que avançava rumo a um capitalismo que se
propunha moderno. Nesse contexto de instalação de um modelo tardio e
contraditório de desenvolvimento econômico, novos contornos demográficos e
espaciais redesenhavam uma metrópole paulistana cada vez mais dinâmica e
complexa à medida que mudavam também, os padrões de organização e relações
de trabalho.
São Paulo é a sexta maior cidade do planeta (11.253.503 habitantes),
comparada às grandes metrópoles mundiais é a décima cidade mais rica do mundo
representa 12,26% de todo o PIB brasileiro. Seus inúmeros atrativos e diversidade
cultural contrastam com retratos diversos de um município que de um lado, revela
99,1% da população vivendo em áreas urbanizadas, com infraestrutura de
transporte público composta por uma frota de 14.934 ônibus municipais 3, rede de
metrô com 69,6 quilômetros de extensão, 60 estações, e capacidade para atender
“mais de 3,5 milhões de pessoas por dia, número equivalente a toda população de
Paris, na França, e Munique, na Alemanha4”, além de um sistema de trens com 89
estações, ao longo de 260,8 quilômetros de linhas operacionais que cruzam 22
municípios da região metropolitana. Apesar desta cobertura, o tempo médio gasto
no trânsito para realizar todos os deslocamentos diários pode chegar a 3 horas e 33
minutos em regiões da zona leste da cidade5.
A fundação Seade com base nos dados do IBGE mostra que 93,6% dos
domicílios contam com banheiro interligado à rede de esgoto e ampla cobertura de
energia elétrica (100%). Ainda assim 1.280.400 pessoas residem em domicílios

3
http://www.sptrans.com.br/indicadores
4
Dados Relatório da Administração 2010, disponível em:
www.metro.sp.gov.br/empresa/relatorio/2010/raMetro2010.pdf
5
Fonte:
www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf
21
particulares ocupados em aglomerados subnormais6, modo como é conceituado pelo
IBGE a diversidade de moradias irregulares (favelas, invasões, grotas, baixadas,
comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros) e 3,0% do total de
1,1 milhões de pessoas de todo Estado continuam vivendo em condição de extrema
pobreza, submetidos a situações de vulnerabilidade e riscos sociais.
Segundo o censo da população em situação de rua realizado pela Fundação
Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe) para a Prefeitura de São Paulo, em 2009,
foram encontradas 13.666 pessoas ocupando as ruas da cidade. Os números
apresentados vêm demonstrando um aumento gradativo. O censo de 2000 registrou
8.706 pessoas. A contagem, em 2003, indicou 10.394 pessoas nas ruas da cidade
de São Paulo.
Entre as pessoas pesquisadas no último censo (2009), 6.587 (48,2%)
continuavam utilizando logradouros públicos e 7.079 (51,8%) estavam inseridas nos
serviços de acolhimento da rede de atenção à população em situação de rua.
Destas 6.254 (88,9%) estavam em centros de acolhida e centros de acolhida
especial e 435 (4,9%) em Repúblicas e hotéis sociais, significando que a grande
maioria das pessoas permanecia em serviços considerados como “porta de entrada”
de acolhimento ou albergues.
A precarização das condições de vida na cidade de São Paulo é, sem dúvida,
ampla no seu impacto à população do que somente àqueles que vivem em situação
de rua, mas a estes fica o desafio redobrado de sair da precariedade da rua é
sobreviver à precariedade da cidade.

1.1 Segregação Espacial e o Direito à Cidade

Uma das características marcantes na cidade de São Paulo, segundo


Marques (2009), é “um intenso processo de segregação que data pelo menos do
início do século XX.” A segregação social no espaço esta relacionado aos efeitos
negativos da concentração espacial de situações de privação social agravada pela

6
Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat

22
separação de grupos sociais em áreas relativamente homogêneas e distantes entre
si no território da cidade. A penalização da violência pelo Estado e a produção de
estigmas territoriais são importantes aspectos considerados relevantes no processo
de segregação. (Cf. MARQUES, apud WACQUANT, 2009)
O autor segue sua análise investigando a interferência das articulações
relacionais em situações de pobreza. Considera que a variedade e os tipos de rede
são componentes importantes para ampliar a sociabilidade e as oportunidades de
acesso tanto no mercado quanto fora dele, gerando maiores possibilidades de
integração e redução do isolamento.
O modo como se estrutura e organiza a vida pública em diferentes contextos
sociais e o tipo de sociabilidade estabelecida no meio urbano entre os diferentes
grupos sociais são definidos a partir de um novo padrão de segregação social no
espaço. Caldeira (2000) identifica pelo menos três formas diferentes de segregação
ao longo do século XX: o primeiro (final do século XIX – 1940) com a concentração
de diferentes grupos sociais separados por tipo de moradia; o segundo (anos 40 –
anos 80) diferentes grupos sociais separados pela distância centro-periferia e; a
terceira forma os diferentes grupos sociais que não interagem entre si, pois apesar
da proximidade estão separados por muros e tecnologias de segurança. (Raichelis,
apud Caldeira, 2007)
A configuração do tecido urbano para Marques (2009) forma um mosaico,
com espaços considerados, na perspectiva de Caldeira, enclaves fortificados – a
proximidade entre grupos sociais distintos separados por muros e grades – e
espaços periféricos mais heterogêneos combinando espaços muito precários com a
melhoria das condições de habitabilidade e infraestrutura urbana.
Paugam (2003) associa ao conceito de exclusão social a noção de trajetória
enquanto um processo que deve ser visto longitudinalmente, onde os estigmas
sofridos por indivíduos que vivem em territórios precarizados podem produzir uma
identidade negativa levando à segregação.
Vera Telles, analisando a questão da segregação para além da concentração
da pobreza no espaço, seguindo as questões propostas por Flávio Villaça (2001) diz
que:

Mobilidades urbanas, deslocamentos espaciais e acessibilidade são


fenômenos sociais entrelaçados. Sob esta perspectiva, a noção de
segregação urbana define um plano conceitual a ser considerado. Não é a
mesma coisa que distribuição da pobreza no espaço, não é um problema
23
afeito apenas ao problema dos “pobres e desvalidos” da cidade e não é
questão que se reduz às medidas dirigidas aos pontos (e micro-pontos) da
vulnerabilidade social. Como diz o autor, a noção de segregação diz
respeito a uma relação – relação entre localidades e a cidade. Não é uma
relação física dada pelas escalas de distância e proximidade, tal como se
poderia medir no mapa da cidade. É uma relação social que diz respeito à
dinâmica da cidade, aos modos como a riqueza é distribuída (e disputada) e
corporificada nas suas materialidades, formas e artefatos (Harvey),
definindo as condições desiguais de acesso a seus espaços, bens e
serviços. (TELLES, 2006, pp.09-10)

Analisar o aspecto da segregação espacial para uma população, que vivencia


no cotidiano o conflito entre a busca de lugar para morar e as constantes expulsões
dos espaços que ocupam, passam por amplos conflitos que podem ser percebidos
em um artigo produzido por Loschiavo, para publicação da pesquisa nacional sobre
população em situação de rua, mostrando que essas expulsões forçadas geram
hostilidades e produzem a síndrome de NIMBY (Not In My Back Yard, cuja tradução
em português é “Não No Meu Quintal”). Esta expressão do estigma vivenciado pelo
morador de rua em sua dimensão espacial, através de práticas discriminatórias, vem
sendo intensificada por processos de reconstrução urbana que são expulsivas da
população em situação de rua para valorização e atração de investimentos
financeiros.
O controle rígido sobre a população em situação de rua tem por objetivo
esconder as diferenças entre os ricos e os pobres por contingência de práticas
neoliberais que estimulam estratégias punitivas e revanchistas7.

1.2 As Ruas da Cidade como Espaço de Conflitos e Disputas

Viver na rua é categoria fundamental na análise da população em situação de


rua, afirma Justo (2005) retomando Stoffels (1977) ao identificar o espaço “rua”
como um lugar de vivência no território o qual pode designar usos e significados
distintos por ser lugar de relações e também de conflitos.

7
Conceito introduzido por Neil Smith (1996) “a cidade revanchista é representativa de uma violência
vingativa e reacionária contra várias populações acusadas de roubar a cidade das classes superiores
[de cor branca]” Loschiavo, 2009:146

24
A reprodução da vida privada - comer, trabalhar, dormir, relacionar-se – no
espaço público, também apontada por Vieira et all (2004), segundo análise de Justo
(2005) subverte a regra da sociedade e faz dessa ocupação um fator de conflito.

A falta de privacidade também repercute nos que vivem na rua sua condição
de expostos permanecentes à curiosidade, à intromissão, à agressão, o que
os tornam particularmente vulneráveis às manifestações do poder repressivo
difuso, isto é, exercido por qualquer pessoa, e do poder repressivo
monopolizado institucionalmente, isto é, o da polícia. (ZALUAR, 1992, p.23)

A população em situação de rua experimenta variadas formas de reações


contrárias à sua permanência, principalmente nas regiões centrais da cidade onde
há maior concentração desse contingente. Essa região, composta pelos distritos
Bela Vista, Bom Retiro, Brás, Consolação, Cambuci, Liberdade, República, Sé e
Santa Cecília aparecem como áreas de maior concentração da população em
situação de rua (62%) na cidade de São Paulo.
Segundo dados do Censo IBGE 2010, estes distritos sofreram alterações em
sua dinâmica demográfica. Distritos como Sé e Santa Cecília tiveram um acréscimo
de 18% na população, comparado aos dados de 1991 e 2000, caracterizando um
processo de retomada ocupacional que altera a dinâmica da região central de São
Paulo.
A apropriação desse espaço por moradores de rua torna pública a intensa
exclusão urbanística ocultada na representação oficial da cidade e sua relação direta
com a desigual distribuição de renda e da terra, no caso do meio urbano, de um
lugar no território. Nesse sentido não se trata de reproduzir a vida privada no espaço
público urbano, mas sim construir a partir dele, num contexto de sociedade que
carrega vestígios de sua raiz conservadora e patrimonialista, “onde a produção do
espaço passa por um intricado jogo de atores e campos multifacetados de conflitos e
tensões”. (TELLES, 2006, p.11)
Uma forma de negar o direito de acesso à cidade às pessoas em situação de
rua é através de políticas urbanísticas utilizadas para operações urbanas de
revitalização da região central de São Paulo. Essas políticas de cunho higienista
amparam “legalmente” ações que coíbem a permanência da população em situação
de rua nos locais que são mais favoráveis para sua sobrevivência.

Em contraposição à abordagem que equaciona a recuperação do Centro


como um problema que prioriza a questão da disciplinariedade, limpeza,

25
segregação e higiene, os movimentos sociais reivindicam a ocupação
destes espaços apoiados na existência de imóveis vazios, e, assim,
centenas de milhares de pessoas que moram em cortiços, hotéis, pensões
e apartamentos precários, para não falar naqueles que habitam nas ruas ou
em abrigos públicos, pleiteiam sua ocupação. Diante da enorme oferta de
empregos e da facilidade de acesso a eles, desenvolvem falas e atuações
baseadas em uma concepção de reforma urbana em função de direitos de
cidadania. A Cidade deveria ser franqueada também para as camadas
pobres da população. (KOWARICK, 2009, p.154)

O direito democrático à cidade foi, nos últimos anos em São Paulo,


transformado em justificativas para as ações e programas higienistas, com propostas
de revitalização que envolvem retirar pessoas da rua de forma compulsória sob
alegação de cuidados e tratamento para dependência, diversas ações que
conformam um conjunto de Operações “antimendigos”.
Nessas ações são previstas modificações na arquitetura de prédios e praças,
colocação de grades como envoltórios de igrejas, cercando espaços que sejam
utilizados como abrigo por moradores de rua. Ações policiais para expulsar
moradores de rua da região central, desconsiderando esses espaços como locais
onde estabelecem vínculos e formas para garantir a sobrevivência, encaminhando-
os compulsoriamente para regiões afastadas, centros de acolhida instalados, agora
nas periferias e não mais na região central, retirando dos sujeitos seus espaços de
convívio. Processo esse que reforça a vulnerabilidade e expõe a atos de violência
frequentemente vivenciados pelos moradores de rua em São Paulo.

1.3 A Busca Por um Lugar na Cidade Para Morar

Um sonho que, pode ser até ilusão, mas como eu gostaria de possuir pelo
menos um barraquinho, coisa que eu nunca consegui. Possuir os móveis,
as coisas. Mas um sonho que a gente vê assim, tão difícil de realizar porque
ninguém dá chance. Até escrevi falando sobre isto: a gente só alcança
algum lugar com a ajuda de alguém. Sem ajuda não consegue. Aí ninguém
quer ajudar a gente. Muitos passam é carão na gente por ter cinco crianças,
mas fazer o que agora? Se alguém desse um pouquinho de chance a gente
vencia. Mas sem nenhuma chance, como vai vencer? Se eu ganhasse um
salário já era alguma coisa. Mas sem ganhar nada como é que vai vencer?
Não vence nem a fome do dia-a-dia. Eu busco e não estou encontrando
porque ninguém dá chance. Geralmente as pessoas falam: se tivesse só
duas crianças era mais fácil. Que é ao contrário, poderia dar mais chance
para quem tem muita criança. Tem hora que eu penso que é determinado
por Deus mesmo se a criança vem ao mundo. Só que o ensinamento é
outro. Interessante que quando é de rico é determinado por Deus e quando

26
8
é de pobre é porque não pensa. Não sei qual é a realidade disto . (jornal “O
Trecheiro”, 05/2003 página 02)

A matéria intitulada “Pais e filho(as) no trecho” escrita por Alderon Costa,


narra uma trajetória conforme diz o jornalista “que todos aqueles que trabalham com
a população em situação de rua já ouviram”. A trajetória de migrantes, que deixam
sua terra natal a procura de melhores oportunidades de sobrevivência em São
Paulo. Desconhecendo a realidade da cidade a família, composta por um casal e
cinco filhos, fez uma viagem de 51 dias entre caminhada e carona, é roubada,
ficando numa situação cada vez pior, acreditam que um programa de TV pode
ajudá-lo a realizar seus sonhos, mas acabam como pedintes, dormindo na rua, até
serem encaminhados para um serviço de acolhimento.
Ainda que essas histórias aparentem fazer parte da rotina daqueles que
atuam com a população em situação de rua na cidade de São Paulo, a narrativa nos
mostra que esta suposta ideia de “mais uma história já sabida por muitos” para além
de retratar os problemas encontrados no espaço urbano, onde a pobreza e a
desigualdade social são acirradas pela falta de oportunidades e acesso precário aos
bens e serviços que fragilizam e coloca em situação de vulnerabilidade uma grande
parcela da população que vai sendo empurrada para as margens da sociedade.
Revela o quanto aspectos objetivos e subjetivos se entrelaçam dando sentido e
significado para as mobilizações e enfrentamentos vivenciados por essa população.
Vera Telles, no prefácio do livro “Viver em Risco”, ao falar dos sentidos do
morar e viver em São Paulo, aponta para o aspecto que determina que o “viver aqui
e não lá” está relacionado com situações e mobilizações que “conferem
plausibilidade à ordem da vida, que se estruturam nos frágeis equilíbrios do trabalho
incerto e da ausência de garantia” (KOWARICK, 2009, p.11)
Nesse sentido, essa obra de Kowarick vem ao encontro desta reflexão, ao
refletir sobre as dificuldades enfrentadas pela população que habita a cidade de São
Paulo para encontrar um lugar para morar. Os processos de transformação industrial
e urbana imprimem à cidade a construção do ciclo de integração urbana que foi
configurando e expandindo a cidade para áreas cada vez mais periféricas.

8
Depoimento de uma família que saiu a pé de Marabá para São Paulo à procura de moradia e
trabalho e acabaram em um serviço de acolhimento na zona Leste da cidade.

27
As diferenças nas condições de vida dos pobres trabalhadores e
desempregados que viviam nos cortiços da região central da cidade, e aqueles que
se viam obrigados a ocupar as regiões desprovidas de qualquer tipo de
infraestrutura, não são facilmente medidas, mas é claramente demonstrada sob a
possibilidade de acessar oportunidades de trabalho e garantias centralizadas em
regiões específicas da cidade.
O cortiço foi durante muito tempo o principal tipo de moradia popular.
Entendida como “habitação das classes pobres”, indicava o modo como os
imigrantes de várias origens, a depreciada mão de obra nacional e, sobretudo,
negros e mulatos – libertos e ex-escravos habitavam no final do século XIX.
(KOWARICK, 2009)
A relação desse tipo de moradia com a pobreza e necessidade de acesso ao
trabalho marca sua localização na região central da cidade em que pese ser
considerada, atualmente, uma área degradada “com o deslocamento de muitos
empreendimentos para as Avenidas Paulista, Faria Lima e Berrini”, a região central
ainda é considerada propícia para o desenvolvimento comercial dada sua
infraestrutura e o volume de pessoas que por ali circulam diariamente.
SANTOS (2010) ao analisar as respostas governamentais ao movimento
sem-teto nos anos 80 avalia que uma das dificuldades enfrentadas estava
relacionada ao preconceito dos técnicos e da sociedade que estigmatizava as
famílias como bandidos, maloqueiros, que não trabalhavam, ou não possuíam
endereço e viviam em albergues e na rua.
Os movimentos articularam diversas ações mostrando suas ações e lutas,
esse processo culminou na realização de uma pesquisa sobre as famílias que viviam
nos cortiços, constatando que elas representavam 2% da população do município de
São Paulo, sendo composta por trabalhadores, jovens e com renda. “As 200 famílias
pesquisadas foram divididas em três grupos que foram enviados para um modelo
embrião de moradia na zona leste de São Paulo. O primeiro grupo foi para a região
da Sapopemba, divisa com Santo André, o segundo Cidade Tiradentes, Santa
Etelvina e o terceiro Jardim das Oliveiras”. (SANTOS, 2010, p.89)
O processo de periferização, segundo Kowarick e Ant (1988) é decorrente de
uma série de fatores: o avanço da industrialização concentrando diferentes pólos na
cidade, desencadeando o surgimento de pequenos centros populacionais; o intenso
crescimento demográfico com o aumento migratório; a busca por moradias mais
28
baratas diante do alto custo do aluguel; a construção de ruas e avenidas viabilizando
a expansão dos meios de transporte e acesso entre as regiões longínquas e o
emprego. As moradias autoconstruídas nas periferias de modo lento e à custa de
muitos sacrifícios físicos e financeiros das famílias configura o que Kowarick
conceitua como “espoliação urbana”.

A somatória de extorsões que se opera através da inexistência ou


precariedade dos serviços de consumo coletivo – e que devem ser
focalizados conjuntamente com o problema da moradia e do acesso à terra
das cidades – que se apresentam como socialmente necessários em
relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação
que se realiza no âmbito das relações de trabalho (KOWARICK, apud
KOWARICK, 1988, p.60)

O terreno de construção, normalmente ilegal, ocupado, cedido ou invadido,


não ameniza as dificuldades de muitas famílias. A crise econômica, o desemprego, o
alto índice do aluguel e aumento exorbitante do valor da casa própria e a expansão
do padrão periférico que vai se consolidando com a presença de serviços públicos e
privados, atraem novos empreendimentos imobiliários que alteram o custo de vida
para aqueles que na esperança de construir a casa própria acabam migrando para
regiões mais precárias.
Estudos mostram que as pessoas ficaram ou continuaram mais pobres na
cidade, impactando em mudanças, onde as favelas não são mais lugar para os
recém-chegados à cidade que se instalam temporariamente em busca de um lugar
melhor para morar.
As habitações são de alvenaria, o espaço público se divide entre a legalidade
do fornecimento de água x a rede de esgoto a céu aberto, a irregularidade da
iluminação pública x as diversas antenas de TV por assinatura. As ruas com placas
e nomes são referência para o descarte coletivo de lixo daqueles que ocupam as
áreas mais vulneráveis aos riscos de desabamentos, enchentes e doenças. Músicas
e danças expressam uma multiplicidade de culturas e revelam um modo de enfrentar
os sofrimentos causados pela pobreza, desigualdade, exclusão social e estigmas
impostos pela segregação espacial. As pessoas sobrevivem sob o desígnio da
insegurança e medo da violência a qual são acusadas de disseminar. Essa mesma
violência que também extermina àqueles que vivenciam os riscos de uma vida
marcada pela subcidadania.

29
A rua como espaço de moradia torna visível a precária condição de muitos
brasileiros, ocultada por frágeis paredes sem estrutura para sustentação,
construídas com restos de materiais, por vezes impróprios (madeira, papelão,
plástico), que embora possa expressar em alguma medida, parafraseando Marisa
Monte um “Universo infinito e particular”, também pode se apresentar tão indigno,
que viver na rua ou em serviços de acolhimento pode significar um modo de vida
“melhor”.

1.4 Estudo e Trabalho

A inexistência de informações sobre o acesso da população em situação de


rua na Educação é um aspecto dificultador para esta pesquisa, mas ao mesmo
tempo reflete a distância existente nessa “relação”. A condição de extrema pobreza
e as condições precárias de vida na rua fizeram com que a assistência social tivesse
o papel heroico de responder por diversas questões que envolvem a população de
rua (saúde, trabalho e moradia), a perspectiva sobre o trabalho com este segmento
reconhecia as necessidades do morador de rua enquanto pessoa em situação de
rua que vai permanecer nela até se tornar “pessoa da rua”.
Historicamente a educação destinada aos jovens e adultos brasileiros em
situação de pobreza sempre foi entendida como uma estratégia para viabilizar o
mercado de trabalho - uma forma de qualificar e preparar a “mão de obra” de acordo
com as exigências técnicas predominantes no modelo econômico vigente. O
interesse político em transformar o migrante analfabeto em eleitor foi um aspecto
que direcionou o reconhecimento do direito à educação para jovens e adultos. A
discussão permeava por dois eixos - um grupo dominante que entendia ser
necessário garantir o acesso ao conhecimento mínimo com relação a escrita, leitura
e cálculo, como forma de manter o desenvolvimento econômico do país; e outro
grupo defendendo que uma sociedade iletrada representa maior probabilidade de
ser manipulada.
A dívida do país com a educação era alta, em 1930 (60%) da população com
mais de 15 anos era analfabeta. Apesar de movimentos como “Escola Nova”,

30
defendido por Anísio Teixeira e Lourenço Filho, reivindicando direito para todos à
educação elementar, o quadro pouco se alterou. (SCHLEGEL, 2010, p.92)
O projeto educacional do país é marcado pela desigualdade de acesso,
grande parte da população trabalhadora acessou tardiamente a escola, recebendo
uma educação vigiada e controlada para construir “passivos” trabalhadores.
Os movimentos de educação popular, iniciados no meio rural a partir da
referência metodológica de Paulo Freire, ganharam força no meio urbano por
desvincular a educação da qualificação profissional ampliando para a formação
política e cidadã. Todavia esta perspectiva não foi incorporada ao processo de
escolarização formal.
A escolaridade das pessoas em situação de rua é apontada como baixa na
pesquisa Fipe/2009, todavia ela não aponta distância do poder de desenvolvimento
escolar da população brasileira .

A escolaridade é baixa, com 9,5% de analfabetos e a maioria (62,8%) com


ensino fundamental incompleto. Mas há uma parcela de 9% com ensino
médio completo, 2,3% com nível superior incompleto e 1,9% com superior
9
completo . (PESQUISA FIPE, 2009, p.07)

O reconhecimento tardio do ensino fundamental como direito ocorreu em


1934, garantindo quatro anos de estudos obrigatórios e gratuitos. Em 1967 passa
para oito anos obrigatórios para as pessoas de 7 a 14 anos e, após a Constituição
de 1988, ele se torna obrigatório para as pessoas de 7 a 14 e gratuito para todos,
incluindo jovens em adultos que não tiveram acesso em idade regular, sendo
regulamentado pela LDB no. 9394/96. A legislação atual antecipa para 6 a 14 anos o
ensino fundamental público.
O governo brasileiro, sob a influência dos Organismos multilaterais (Unesco,
ONU), aponta a educação como uma das principais formas de combate à pobreza,
principalmente a transgeracional. Sua relevância na reprodução da pobreza a torna
um indicador de vulnerabilidade familiar, por ser considerada “um dos principais – se
não o principal – mecanismos de transmissão de desequilíbrios de oportunidades de

9
Os dados apresentados se referenciam à pesquisa qualitativa realizada ao lado do censo e trabalha
uma amostragem aleatória realizada na região central da cidade, não correspondendo ao universo da
população em situação de rua de São Paulo. Nesse sentido, os índices sobre educação são
referenciais não censitários.

31
mobilidade social e de reprodução de desigualdades”. (SCHLEGEL, 2010, p.106
apud BOURDIEU e PASSERON, 1990; RIBEIRO, 2007)
Seguindo as orientações compactuadas entre os líderes mundiais sobre os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o Brasil mantém o foco na educação
básica. Um dos desafios apontados no objetivo número 2 de Universalização da
educação primária tem como diretriz corrigir as “falhas do passado que ainda são
mensuráveis na educação hoje. Globalmente cerca de 796 milhões de adultos não
sabem ler ou escrever”10. (2010, p.03)
A escolarização da população em situação de rua não difere da realidade
brasileira, de modo que ter como sujeito de pesquisa estudantes universitários não
significa atribuir à formalização educacional o caminho para o combate à pobreza,
trata-se de perceber como esse processo fortaleceu os sujeitos.

1.5 A Atenção à População em Situação de Rua em São Paulo

Diante da situação de pauperismo e miséria instalada na cidade de São Paulo


e da ausência de ações do Estado, é a Igreja que, historicamente, assume o
trabalho com os grupos socialmente excluídos. Em meados da década de 70, Dom
Paulo Evaristo Arns da Arquidiocese de São Paulo declara apoio ao trabalho contra
as injustiças sociais, marcando o início das atenções para a problemática do “povo
de rua”.
Em 1974 o Padre Alberto Zabiazi cria um abrigo para migrantes – Associação
dos Voluntários pela Integração dos Migrantes (AVIM) - instalado na região do
Glicério pela Pastoral do Migrante, estendeu seus trabalhos a outros desabrigados.
A Pastoral “Comunidade dos Sofredores de Rua” se instalou na mesma região do
Glicério. (SPOSATI, 2009, p.201)
Iniciativas de grupos da sociedade civil e organizações de vários credos
religiosos começaram a aparecer, apoio espiritual, distribuição de alimentação,
cuidados de saúde entre outras formas de caridade e benevolência. O medo da
proliferação de doenças e a ideia de marginalidade associada às pessoas em

10
www.efareport.unesco.org

32
situação de rua conduziu à forte pressão da sociedade, exigindo providências por
parte do Estado.
O governo do Estado criou em 1972 a Central de Triagem e Encaminhamento
– CETREN, voltado prioritariamente aos migrantes, atendia durante três dias
homens, mulheres e crianças em situação de rua. A população atendida era
tipificada de acordo com a classificação da Coordenadoria de Assistência Social
(CAS): migrante, não migrante, itinerante e indigente.
Essas nominações institucionais caracterizaram o modo de identificar a
população em situação de rua durante muito tempo na cidade, contribuindo para
reforçar estigmas já vivenciados pela condição de rua e não pertencentes à cidade,
ou seja, àqueles a quem não cabe os direitos e “benefícios” de viver num lugar que
não lhes pertencem.
Migrante – “pessoa que deixa um determinado sistema social onde a rede de
interações lhe é familiar, trocando-o por outro [...] com intenções declaradas de
fixação no local de recepção, além de ter em mente pelo menos um esboço dos
objetivos que pretende ali alcançar”;
Não Migrante –“pessoa que estivesse residindo em São Paulo no mínimo há
seis meses ou mais, e declarasse nela pretender domiciliar-se ou continuar
domiciliado”;
Itinerante – “pessoa que revelasse incertezas quanto ao local onde
procuraria se fixar, além de ausência ou indefinição dos objetivos a serem
alcançados”;
Indigentes – “individuo não-migrante que se apresenta numa condição de
analfabetismo, baixa escolaridade, sem profissão ou ocupação definida, sujeito às
flutuações do mercado de trabalho ou às próprias condições de saúde para
encontrar meios de subsistência, sendo que o seu período de ausência de trabalho,
se constituiria não em situações esporádicas, mas em tônica constante no que se
refere à vida produtiva. Sua capacidade de consumo de bens vitais é zero ou
tendente a zero, o que o transforma em verdadeiro mendigo [...] 11”. (REIS, 2008,
p.41)

11
A classificação apresentada por Reis (2008) foi retirada do Relatório de Pesquisa realizada junto à
população atendida na Central de Triagem e Encaminhamento da Coordenadoria de Assistência
Social do Estado de São Paulo (1978).

33
Na gestão Luiza Erundina (1989 – 1992) ocorre o reconhecimento da
responsabilidade da Prefeitura na atenção à população em situação de rua. Não só
pela primeira contagem de 1992 (VIEIRA, et all, 2004) como pela iniciativa de
instalação de centros/casas de convivência em sistema de parcerias com
organizações da sociedade civil.
Pereira relata em sua dissertação que as casas de convivência nasceram de
propostas conjugadas entre os representantes do poder público municipal,
representantes de entidades que já tinham experiência com esse segmento, o
Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC/SP e o Centro
Latino Americano de Saúde Mental. (PEREIRA, 1997)

O longo tramite de aprovação da Lei Municipal no. 12.316/97 exigiu um


intenso processo de luta para consolidação política de garantia de direito e
condições digna de vida da população em situação de rua na cidade de São Paulo.
Essa é a primeira lei de direito da população em situação de rua no Brasil e ainda
não podemos considerar que tenhamos alcançado sua efetivação no município

Após a experiência desenvolvida no período entre 1989 -1992 na cidade de


São Paulo que culminou no Encontro Internacional de 1992, ao mesmo tempo em
que no Rio de Janeiro se realizava a ECO 92. O grupo de organizações passa a ser
reunir na Câmara Municipal de São Paulo, realizando a síntese de experiências
desenvolvidas e construindo uma proposta de lei com os direitos da população em
situação. Essa proposta transformada no Projeto de Lei 207/94 apresentada pela
vereadora Adaíza Sposati, deu origem a Lei Municipal 12.316/2001.

Logo no primeiro dia de gestão, em 2001, Marta Suplicy publicou o Decreto


no. 40.232 que regulamenta a Lei 12.316 de 16 de Abril de 1997 propondo estender
a atenção à população em situação de rua para outras políticas, ampliando a rede
de serviços da Assistência Social em toda a cidade.

Em 2003, a contagem da Fipe para a Prefeitura de São Paulo apontava para


quase 10 mil pessoas em situação de rua na cidade. A pergunta colocada naquele
momento era “Como 10,5 milhões de habitantes não conseguem responder a 10 mil
pessoas?” Com base no Decreto 40.232/01 e objetivo de construir possibilidades de
saída da condição de rua, foi lançado mais uma etapa do Programa municipal
“Acolher Reconstruindo Vidas”, iniciado em 2002. O Programa elaborou um conjunto

34
de iniciativas interligadas que pudessem conduzir à qualificação da rede de serviços
socioassistenciais:

1. Montar equipes de campo criando referências para a população em situação


de rua, identificando pontos de concentração e detectando situações que
favorecem e dificultam a saída da rua;
2. Organizar, capacitar e qualificar equipes regionais da SAS visando a
construção dos direitos de cidadania;
3. Realizar fóruns regionais para construção de saídas e direitos da população
em situação de rua;
4. Participação da Secretaria Municipal de Saúde no apoio às equipes de campo
com garantia dos recursos necessários nessa área;
5. Definir competências intersetoriais do governo local para implementação do
programa como prioridade do governo;
6. Instalar linha 08007713013 para informações e participação da população;
7. Instalar banco de dados (Sistema de Informação da Situação de Rua –
SISrua) e rede informatizada nas regionais da SAS. (São Paulo, 2003 -
Programa Acolher Reconstruindo Vidas)

A proposta do Programa consistia em alterar a forma de trabalhar com


população em situação de rua na cidade, ampliando significativamente a rede de
intervenção direta e inserindo a perspectiva preventiva que se propõe uma política
de Seguridade Social.
Em suas diretrizes incluiu o desafio de desfazer os modelos de serviços
homogêneos da rede. Era necessário que estes serviços pudessem responder às
diferenças, ofertando atenções múltiplas de acordo com as necessidades da
população de rua (saúde, qualificação profissional, retomada do convívio social e
protagonismo).
Propunha uma rede de serviços socioassistenciais concebidos em três
vertentes: acolhida, convívio e autonomia, considerando ainda a perspectiva de
prevenção. Instituiu um fluxo para dinamizar processos que pudessem efetivar a
saída da situação de rua: vigilância social - censo e contagens, apresentando a
realidade da rua; monitoramento interligado ao Sistema de Informação – SISrua, ao

35
0800 e a Central de Acolhida Permanente e por fim a rede de serviços construída
nas três vertentes.
Neste período dois projetos diferenciados foram implantados na cidade para
atender esse novo paradigma de trabalho com a população de rua, o “Projeto
Oficina Boracea” e o Programa “A Gente na Rua”:
Projeto Oficina Boracea - localizado em uma área de 17 mil m², funcionava 24
horas por dia, sob a coordenação da Secretaria de Assistência Social e com um
mecanismo de gestão compartilhada em parcerias com órgãos públicos e da
sociedade civil, já que reuniu no mesmo espaço serviços para fornecer alimentação,
abrigo, higiene, cultura, arte, educação e qualificação profissional.
A centralidade da proposta do projeto estava em imprimir um padrão de
qualidade no atendimento de modo que todas as atividades contribuíssem para
alcançar acolhimento, convívio e autonomia. Abrigo com flexibilidade de horário;
núcleo de catadores aberto para comunidade e outros centros de acolhimento, com
espaço para guarda de carroça e permanência de animais de estimação; dormitório
dos idosos adaptados e com banheiros individuais; restaurante escola com
capacidade para duas mil refeições monitorado por nutricionista; lavanderia
profissional atendendo outros serviços da região, funcionando como escola de
capacitação profissional; centro de convívio com sala de cinema, oficina de teatro e
música, oferecendo também curso de formação profissional aberto para outros
serviços e estágio na própria rede de serviços.
O Programa “A Gente na Rua”12 foi desenvolvido junto à Secretaria Municipal
de Saúde, como uma Estratégia Saúde da Família em situação de rua. O Programa
contava com médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais,
psicólogos e agentes comunitários, as pessoas contratadas para o trabalho de
abordagem de rua eram moradores de rua, que passavam por treinamento. As
atividades dos agentes consistiam em abordar pessoas em situação de rua,
identificando problemas de saúde, encaminhando-os para as Unidades Básicas de
Saúde de referência que compreendiam as regiões Sudeste e Centro Oeste de São
Paulo.
Do ponto de vista nacional, a partir de 2004, a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS/2004) insere os serviços de acolhimento para população

12
www.acolher.org.br

36
em situação de rua na rede de proteção especial de média e alta complexidade,
considerando o grau de vulnerabilidade a que estão expostos.
Neste mesmo ano, em agosto, a sociedade civil da cidade de São Paulo é
mobilizada por um dos atos que mais expressou a crueldade vivenciada diariamente
pela população de rua – “Massacre da Sé”. As reações à violência e assassinatos de
moradores de rua que dormiam nas escadarias da Sé exigiam um posicionamento
do poder público diante das vulnerabilidades da população de rua. (ROSA, 2005)
Os fóruns e encontros de discussões sobre população em situação de rua
foram se consolidando como espaços de participação e monitoramento das políticas
públicas direcionadas à população em situação de rua e fortalecendo o segmento
com a formação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua
(MNPR), o Movimento Estadual da População em Situação de Rua e o Conselho de
Monitoramento da Política de Direito da Pessoa em Situação de Rua.
Desde então importantes momentos podem ser elencados no processo de
luta por direitos e reconhecimento da população em situação de rua:

 2005 - I Encontro Nacional sobre a População em Situação de Rua, Fórum


Permanente de Acompanhamento das Políticas Públicas da População em
Situação de Rua de São Paulo;
 2005 - Aprovação da lei no. 11.258/05, que altera o parágrafo único do artigo
23 da LOAS no 8.742/93 inclui a atenção à população de rua;
 2006 - Criação do Grupo de Trabalho Interministerial de Brasília para discutir
a criação de uma Política Nacional para População em Situação de Rua;
 2009 - II Encontro Nacional sobre a População em Situação de Rua
 2009 - aprovação Decreto no 7053, de 23 de Dezembro de 2009, que institui a
Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê
Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento e dá outras providências.
 2009 - Fórum Permanente de Acompanhamento das Políticas Públicas da
População em Situação de Rua de São Paulo;
 2009 - Ouvidoria Comunitária da População de Rua, vinculada à Clínica de
Direitos Humanos Luiz Gama;
 2011- Criado o primeiro Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da
População em Situação de Rua em BH/MG;

37
 2012 – Criada a Defensoria Pública para População em Situação de Rua na
cidade de São Paulo.

Ao longo dos últimos 10 anos a rede de serviços de atenção à população em


situação de rua foi ampliada com vistas a consolidar processos de inclusão capazes
de efetivar o fortalecimento dos sujeitos para reconstrução de suas vidas.
O quadro que segue apresenta os serviços socioassistenciais existentes em
São Paulo para atenção da população em situação de rua em 2012. Esses serviços
estão vinculados à Coordenadoria de Proteção Especial da Secretaria de
Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS.

Quadro 1: Serviços para População em Situação de Rua.


Serviço Proposta Equipamentos por região
Oferta atenção especializada. Funciona em
articulação com os serviços de acolhimento e
deverá assegurar atendimento e atividades para
o desenvolvimento de sociabilidade, CREAS POP RUA Bela Vista
fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou CREAS POP RUA Barra
CREAS
familiares e construção de novos projetos de Funda/Sta. Cecília
POP RUA
vida. Deverá ter espaços destinados à CREAS POP RUA
realização de atividades coletivas, higiene SÉ/República
pessoal, alimentação e espaço para guarda de
pertences pessoais, além de atendimento
psicossocial.

Atendimento à moradores em situação de rua: a


central da CAPE recebe solicitações sobre
CAPE - Central Telefones: 156 (ligação
moradores de rua que precisam de acolhimento
de Atendimento gratuita)
imediato. Essa solicitação pode ser feita por
Permanente e de 3397-8850
qualquer munícipe. As equipes percorrem as
Emergência 3397-8868
áreas de maior incidência de moradores em
3397-8859
situação de rua para efetivar o acolhimento.

CATI - Central de Atende pessoas em situação de rua de forma


Atendimento integrada com a CAPE, fazendo abordagens e Telefones: 3228-5554
Telefônico encaminhamentos para a rede de serviços 3228-5668.
Ininterrupto. socioassistenciais.

CENTROS DE 04 – CAS CENTRO OESTE


Oferecem banho, jantar, pernoite e café da
ACOLHIDA I 16 03 – CAS SUDESTE
manhã.
horas 02 – CAS SUL
06 – CAS CENTRO OESTE
02 – CAS SUL
CENTROS DE
Oferecem banho, jantar, pernoite e café da 09 – CAS SUDESTE
ACOLHIDA 24
manhã. 03 – CAS LESTE
horas
01 – CAS NORTE

38
Quadro 1: Serviços para População em Situação de Rua.
Serviço Proposta Equipamentos por região

Voltados para o fortalecimento do convívio das


NÚCLEOS DE pessoas, por meio de oficinas e atividades 07 – CAS CENTRO OESTE
CONVIVÊNCIA técnicas especializadas. Também realiza
encaminhamentos para a rede socioassistencial

Atenção Urbana: Funciona diariamente,


orientando pessoas e famílias em situação de
ESPAÇOS DE
rua, da obtenção de documentos ao 05 – CAS CENTRO OESTE
CONVIVÊNCIA
encaminhamento profissional, e oferecendo
atividades culturais e de lazer.

Voltados para segmentos específicos (idosos,


CENTROS DE 04 – CAS CENTRO OESTE
mulheres com ou sem filhos, catadores) e para
ACOLHIDA 01 – CAS SUL
pessoas que necessitam de cuidados especiais
ESPECIAIS 05 – CAS SUDESTE
de saúde após alta hospitalar da rede pública.

OUTROS Serviços para População em Situação de Rua

- Restaurante Comunitário Povo de Rua.


- MORADA NOVA LUZ: Centro de Acolhida Especial para o atendimento de idosos
independentes
- Centro de Acolhida Especial para o atendimento de idosos independentes.
- Operação Baixas Temperaturas: Durante o período da operação, o serviço de acolhimento
da população de rua caracteriza Estado de Emergência sempre que a temperatura for
igual ou menor que 13 graus centígrados. As vagas são ampliadas nos Centros de
Acolhida. Sob essas condições a estrutura da secretaria é reforçada com a ação de outros
setores da administração da prefeitura, como Defesa Civil e Secretaria Municipal de
Saúde, entre outros.
- 1 Bagageiro: espaço para a guarda provisória de pertences. Rua Visconde de Parnaíba,
700 – Brás. Capacidade: 228 boxes.
- 4 Núcleos de Inserção Produtiva: oferecem oficinas de capacitação para qualificar e
reinserir essas pessoas no mercado de trabalho, desenvolvendo suas habilidades. Além
dessas oficinas, reúne também os núcleos de catadores de materiais recicláveis.
13
Fonte: Rede socioassistencial – população em situação de rua – Município de São Paulo – 2011

13
Quadro 2 construído com base no Guia de Serviços para população em situação de rua disponível em
www.defensoria.sp.gov.br Acesso em 09/02/2012.

39
2. O ESTUDO DAS TRAJETÓRIAS

Este capítulo tem por objetivo apresentar as trajetórias dos sujeitos a partir de
dois eixos de análise considerados significativos para compreensão da articulação
entre os processos que levam a pessoa à situação de rua e o percurso que se deu
para a ocorrência dos processos de saída da rua e de reconstrução de vida nos
planos pessoal e social.
Silva (2009) apresenta uma discussão sobre o fenômeno população em
situação de rua no Brasil, no contexto das mudanças no mundo do trabalho e outras
transformações promovidas pelo capitalismo contemporâneo. Baseada
principalmente na referência marxiana para aprofundar sua análise sobre as
condições histórico-estruturais de origem e reprodução no fenômeno nas sociedades
capitalistas, sustenta que “o fenômeno população em situação de rua surge no seio
do pauperismo generalizado vivenciado pela Europa Ocidental, ao final do século
XVIII, compondo as condições históricas necessárias à produção capitalista.” (Silva,
2009, p.96).
Em seu trabalho reúne as principais características do fenômeno e da
população em situação de rua identificadas por autores como Burstyn (2000); Rosa
(1995); Snow & Anderson (1998); Varanda (2003) Vieira et alli (2004); bem como os
dados encontrados nos resultados de Censos e contagens da População em
Situação de Rua da cidade de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte entre os
anos de 1992 e 2005.
De acordo com o conceito de Vieira, ao tratar do fenômeno população de rua
afirma que:

Essa condição de vida não se reduz simplesmente a uma condição


econômica, mas tem repercussão na história desses segmentos da classe
trabalhadora [...] Este grupo se caracteriza pela irregularidade de emprego e
rendimento, desenvolvendo atividades intermitentes, que assumem a forma
do trabalho informal, ocasional. [...] Não têm acesso a serviços de saúde e
de seguridade social e são frequentemente dependentes de instituições
públicas e assistenciais. Além disso, são estigmatizados socialmente, com
base em uma identidade negativa e desviante dada pelo desempenho de
funções pouco valorizadas socialmente. (VIEIRA et alli., 2004, p.21)

Dentre as características apresentadas por Vieira quanto ao alcance de


atenções à população de rua, é de se salientar que idosos e pessoas com

40
deficiência, antes em situação de rua, puderam alcançar o Benefício de Prestação
Continuada – BPC. Há ainda o alcance do Programa de Transferência de Renda
Bolsa Família para situações em processo de saída das ruas. Todavia, como
registra a autora, esses avanços não cobrem nem a todos, nem todas as
necessidades para que possam reconstruir suas vidas.
Diferentes autores registraram características dessa população ou da
ocorrência do fenômeno:

a) Resultado de múltiplas determinações, que se exponenciaram em


determinadas conjunturas históricas;
b) Forma de expressão da questão social na contemporaneidade, vinculada às
mudanças nos processos produtivos que expõem os sujeitos a situações de
extrema vulnerabilidade social e os afasta das garantias das políticas
públicas;
c) Concentração da população em grandes centros urbanos, espaços com maior
possibilidade de garantias de sobrevivência e trabalho;
d) Forma de manifestação do agravamento das desigualdades sociais;
e) Presença do preconceito da sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno,
Rosa aponta as nominações negativas e as vivências apartadas como formas
de ilustrar essa condição de vida e o trato discriminatório que a sociedade
destina à essa população;
f) Presença de diferenças regionais promovem significativas interferências na
configuração do modo de vida das pessoas em situação de rua, de acordo
com o território que se situam;
g) Tendência à naturalização do fenômeno manifestada pelo seu
reconhecimento como um problema comum na sociedade moderna, onde as
políticas sociais têm um caráter paliativo, sem capacidade para reduzir as
situações de pobreza e as desigualdades sociais.

Varanda, ao discorrer sobre a percepção da própria população afirma que:

As pessoas que se encontram em situação de rua frequentemente


associam o fato de estarem nas ruas a processos, às vezes longos, que
resultam na perda de rendimentos e de moradia. Consequentemente,
dentro desta dinâmica, entrar na rua significa começar a usar outros
recursos, até então ignorados, na busca de compensação por estas perdas
e para desenvolver ou assimilar novas formas de organização que permitem
a satisfação das necessidades e superação dos obstáculos que a cidade
41
apresenta. Entretanto os que os tornam visíveis é justamente a situação de
carência e deficiências que caracterizam um novo modo de se vincularem
ao contexto urbano. (VARANDA: 2003, p.35)

Ao tratar das características da população verifica-se:

a) A heterogeneidade é a característica mais apontada nos principais estudos;


b) A presença de condição de extrema pobreza associada à desigualdade
social;
c) A presença de vínculos familiares interrompidos ou fragilizados;
d) A inexistência de moradia convencional regular e a utilização da rua como
espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma
permanente.

Os aspectos ora sintetizados são bastante explorados por estudos e


pesquisas que incorporaram o desafio de contribuir com a produção de
conhecimentos sobre a população em situação de rua e suas mudanças sócio-
históricas, demonstram os motivos que levam a um número cada vez maior de
pessoas nessas condições nos centros urbanos, apesar dos avanços e conquistas
sociais, que o próprio Movimento Nacional de Luta da População de Rua vem
buscando e obtendo.

2.1 Por onde começa a história

Toda história tem um começo e no caso da população em situação de rua o


começo é na casa, com a família, amigos e trabalho, depois seguem as perdas
(trabalho, saúde, autoestima), rompimentos de vínculos e rupturas e por fim a rua.
É fato, estudos sobre pobreza e exclusão nos centros urbanos (Kowaric,
Marques, Paugam, Sposati, Silva Telles) demonstram claramente o quanto as
condições tão adversas de sobrevivência expõem ao risco, vulnerabilizando e
retirando a dignidade e cidadania da população que vive em situação de pobreza
extrema no país.
O avanço na construção de políticas públicas é uma conquista conflitante na
efetivação da igualdade de acesso à moradia digna, ao emprego, saúde, educação,
cultura e lazer, uma vez que o direito na forma da lei não alcança a “vida vivida” de
42
todos os dias, chegando ao ponto de inversão onde a figura de proteção pública
representada, por exemplo, pela presença da polícia traz o sinal inverso: polícia
causa medo. Por sua vez, o sistema ilegal do crime e tráfico de drogas ofertam
“proteção”. Nessa lógica inversa, contratos de trabalho regulam a exploração da
mão de obra, impondo condições que estabelecem a inexistência de vínculo
trabalhista daqueles que nunca chegaram sequer a ter um número de PIS
(Programa de Integração Social), para manter a vida. São denunciadas situações
como a de pessoas dormindo em túmulos em cemitério, buscando preservar a vida.
Pessoas que encontram nas ruas um lugar para morar e sobreviver sofrem
violências diversas ao ponto de serem executadas.

E essa é a matriz da incivilidade que atravessa de ponta a ponta a vida


social brasileira [...] Incivilidade que se ancora num imaginário persistente
que fixa a pobreza como marca da inferioridade, modo de ser que
descredencia indivíduos para o exercício de seus direitos, já que percebidos
numa diferença incomensurável, aquém das regras da equivalência que a
formalidade da lei supõe e o exercício dos direitos deveria concretizar, do
que é prova evidente a violência policial que declara publicamente que nem
todos são iguais perante a lei e que os mais elementares direitos civis só
valem para os que detém os atributos de respeitabilidade, percebidos como
monopólio das “classes superiores”, reservando às “classes baixas” a
imposição autoritária da ordem. (SILVA TELLES, 2001, p.21)

O capitalismo que modernizou o homem primata impõe ao profissional


inserido da divisão sociotécnica do trabalho, cuja prática se estabelece exatamente
na contradição capital-trabalho, o desafio de atuar considerando, por um lado a
dureza da realidade que afeta as pessoas, instituições e os trabalhos desenvolvidos
nos serviços de atenção à população de rua, que pode resultar em relações que
reforçam e reproduzem aquilo que deveria enfrentar, e por outro lado a utopia de
lutar e resistir mesmo diante das (im)possibilidades impostas pelo regime político,
social e econômico
O reconhecimento do movimento de resistência pela voz dos sujeitos que
aceitaram compartilhar suas experiências, sonhos e lutas, é a partida desta análise
voltada para identificar elementos objetivos e subjetivos que fortaleceram o processo
de saída da rua e/ou reconstrução de vidas que podem ser considerados para
intervenção do profissional inserido na rede de atenção à população em situação de
rua.

43
2.2 O Caminho da Rua: Singularidades que Diferenciam Experiências Sociais
Coletivas

A abordagem utilizada para acompanhar as trajetórias parte da proposta de


ouvir a própria voz dos sujeitos e estes, ao contarem suas histórias de vida, afirmam
que chegar à rua não significa “The End”, isto é, é mais uma situação, uma luta pela
vida a enfrentar.
Considerando que este estudo se ocupa de duas histórias de vida, não se tem
a pretensão de que ele represente a realidade da população em situação de rua,
mas aponte para as nuances da experiência desses atores sociais quanto ao
registro de significantes e significados do coletivo ao qual estão inseridos. Segundo
Martinelli (2009) fazendo uso da fala de Foucault no estudo da categoria Identidade,
“alguém disse, que importa quem fala, alguém disse. Esse alguém é significativo e
merece ser ouvido” (MARTINELLI, apud FOUCAULT, 2009, p.135).
Espera-se conseguir extrair dessas narrativas movimentos que permitam transitar
da homogeneidade com que é vista e no mais das vezes tratada a população em
situação de rua para a singularidade onde cada experiência pode desvelar vivências
coletivas. Espera-se que essa análise signifique saber algo sobre “sair da rua” e
“reconstruir vidas”, considerando a rede de serviços socioassistenciais de atenção à
população em situação de rua da cidade de São Paulo.
No quadro que segue apresentamos os dados dos sujeitos entrevistados nesta
pesquisa.

Quadro 1: Dados dos Entrevistados.


Perfil Sujeito 1 Sujeito 2
Sexo Masculino Masculino
Idade 36 anos Negra
Raça Negra 30
Origem Bahia São Paulo
Estado Civil Solteiro Solteiro
Filhos 0 0
Superior incompleto. Cursando Superior incompleto. Cursando o
Escolaridade
curso de Serviço Social curso de Filosofia.
Instituto em que cursou Ensino
Clara Mantelli Clara Mantelli
Médio
Agente de Rua / Gestor
Profissão Professor.
Ambiental
Curso de Capacitação Projeto Oficina Boracéa. Projeto Oficina Boracéa.

44
Os fatos foram narrados pelos sujeitos de acordo como eles percebem sua
própria história e a significação dos fatos atribuídos por eles em suas histórias de
vida, sendo que as intervenções do pesquisador foram poucas, somente no sentido
de elucidar algumas dúvidas e não se perder da questão norteadora. Para além de
uma opção metodológica, entende-se como uma forma de compreender e respeitar
a travessia de cada um na superação dessa condição.
A análise das narrativas foi organizada em dois momentos ou fases: a chegada à
rua e a saída da rua. Na primeira fase da análise procura-se identificar como os
sujeitos vivenciaram os processos de fragilizações e rupturas que resultaram na
situação de rua em São Paulo. Na segunda busca-se identificar por elementos de
força objetivos e subjetivos que contribuíram para “saída da situação de rua”, tendo
presente que estes não ocorrem desvinculados do movimento contrário que tenciona
para fragilidade e rompimento. Trata-se de um contínuo processo que se desenvolve
num contexto contraditório e, desde sempre, desigual. Nesse sentido, na segunda
fase da análise busca-se identificar fatos, situações, sentidos e movimentos que
mobilizaram, em alguma medida, o fortalecimento dos sujeitos, levando à saída da
situação de rua.

2.3 Rompimentos e Fragilidades que Levaram à Situação de Rua

A análise das narrativas evidenciou que no processo de rompimento: a família; a


origem e referência da moradia; as amizades e vínculos afetivos; a identidade e
reconhecimento social à situação de rua, e o trabalho foram os elementos que
apresentaram maior significação para os sujeitos.
Considera-se na análise a importância atribuída pelo sujeito à liberdade em
contar sua trajetória da forma como interpreta suas vivências e experiências. Desse
modo, ao destacar alguns pontos comuns para direcionar o olhar do pesquisador
sobre duas trajetórias no que se assemelham, aponta-se também para as
singularidades que os diferenciam no processo de saída de situação de rua.
O sujeito 1 ao narrar o modo como o patrão o desqualificou, deu destaque ao
fato de como um episódio relacionado ao trabalho, despertou para as relações
45
familiares e afetivas, que foram rompidas ao priorizar sua vida profissional como
uma forma de realização pessoal, construída ao chegar em São Paulo, rendendo-se
aos encantos da cidade que diferente da roça onde morava, ofertava maiores
possibilidades de conquistar coisas que aos olhos de um jovem de dezenove anos
eram prioritárias, e conferia-lhe “sentido para viver aqui e não lá”.
Segundo Vieira et al. (2004) o modo como o fenômeno se manifesta na vida
das pessoas que o vivenciam e as conjunturas de cada local em que ele se
manifesta são fatores diferenciadores dos grupos que estão em situação de rua.
Essas diferenças têm relação com a permanência14 dessas pessoas na rua, o que
confere maior ou menor grau de inserção no mundo da rua e no processo de
degradação da condição de vida dos sujeitos.
As duas trajetórias, embora pautadas por diversos aspectos comuns que os
caracterizam no coletivo “situação de rua”, revelam que o rompimento familiar
vivenciado ainda na infância pelo sujeito 2 foi reforçado quando sua vinculação
institucional precocemente consolidou um doloroso afastamento familiar,
principalmente pela separação dos irmãos.
O posterior reencontro em outra instituição não lhe impediu, porém, de
reconhecer que a institucionalização pouco contribuiu para proteção social destinada
à criança e ao adolescente naquele contexto histórico. No entanto, observa-se que
ainda assim, os serviços socioassistenciais foram se consolidando como principal
referência de apoio em situações difíceis de sua vida, enquanto para o sujeito 1 essa
referência ocorreu como meio para suprir algumas necessidades, quando já estava
vivendo em situação de rua. A orientação dos amigos de rua sobre a forma de
sobrevivência nessa realidade fez com que, a partir do processo de
exclusão/inclusão, o acesso aos serviços de proteção à população em situação de
rua se constituíssem como apoio para seu fortalecimento e reconstrução de vida.

 FAMÍLIA

O que me levou para a rua foi a noitada, a distância da minha mãe, o


vínculo que eu perdi com a minha família, com meu pai, com meu irmão e a
depressão... Isso me levou pra rua. (Sujeito1)

14
Ficar na rua – circunstancialmente; estar na rua – recentemente; e ser de rua – permanentemente.

46
Sujeito 1

Eu vim de Feira de Santana, para São Paulo com 19 anos. A cidade que
nasci era pequena, o povoado era de roça, não tinha água encanada, não
tinha luz, não tinha telefone. Então quando eu cheguei a São Paulo eu fui
seduzido pela cidade. Se você perguntar alguém que foi de São Paulo, fui
eu. Tudo me encantava, os prédios, as ruas, o metrô, os trens. Lá eu
ganhava na época o equivalente a 50 reais, eu cheguei aqui no primeiro
mês eu ganhei, trabalhando na construção civil de ajudante geral, 800 reais.
Então eu olhei 800 reais na minha mão, eu podia comprar tênis, eu podia
comprar a calça que eu queria, o sapato que eu queria, a roupa que eu
queria. E comecei cada vez mais, quanto mais eu ganhava dinheiro mais eu
me afastava da minha família, aí caí na noite, bebida, prostituição.
[...] nos dois primeiros anos eu via minha mãe de seis em seis meses eu
viajava, passei para um ano, um ano e meio, depois eu ligava para minha
mãe, dizia que tinha um filho aqui por isso eu não ia visita-la, e era mentira.
Doeu muito porque minha mãe, ela chegou a pesar 48 quilos, para você ter
uma ideia. Por que ela não sabia se eu tinha morrido, eu não falei pra
ninguém.

Sujeito 2

E aí o que acontece é que meu pai nunca respeitou muito a minha mãe, ele
a fazia sofrer, ele bebia, vivia na rua, largado, jogado e ela vivia atrás dele
tentando ajudar de alguma forma e nesse processo veio primeiro eu, depois
meu irmão, depois a minha irmã e assim foi...
Essa situação de vida era bem difícil, eles brigavam muito e tudo mais, até o
dia que minha mãe resolveu ir embora, só que quando ela resolveu ir
embora não teve condições de ficar com três filhos, então o que ela fez? Ela
entregou a nossa guarda para o juizado, tanto eu quanto meus dois irmãos.
E nesse processo da entrega da guarda acho que o mais difícil para mim é
que separaram a gente, puseram eu e meu irmão para um lado e minha
irmã para o outro e nós ficamos cerca de 1 ano e pouco separados.
Depois nos juntaram numa instituição Estadual. Você sabe que a FEBEM
antigamente ela não era só para casos de infração, ela tinha também um
núcleo para casos que eles chamavam de carentes, que é aqueles filhos
que os pais abandonavam e órfãos. Sempre foi tudo complicado lá porque
minha família não ia visitar a gente.

 Origens/ Referência de moradia

Mas o meu processo de rua começou mesmo a partir do momento que eu


não quis mais viver naquele local e resolvi fugir, saí, fui embora e aí fiquei
um tempo perambulando pela rua quando era mais novo, acho que uns 13,
14 anos por aí. (sujeito 2)
Sujeito 1

Eu simplesmente desapareci, então uns diziam que eu tinha morrido, outros


diziam que eu tinha virado garoto de programa e tinha ido morar na Europa,
outros diziam que eu estava preso, outros diziam que eu havia me
transformado em travesti, então cada um chegava à Bahia com uma notícia
a meu respeito.
E, eu fui morar em Ubatuba, na época, no litoral de SP. Como eu trabalhava
dia sim e dia não, eu trabalhava 15 dias seguidos e queria vir para São
Paulo pra noite, pra bebedeira, prostituição, tudo que a noite de São Paulo
proporciona eu queria.

47
Eu morava, em uma edícula na empresa, eu trabalhava de segurança à
noite e durante o dia eu dormia no fundo da empresa.

Sujeito 2

Foi extremamente difícil porque na rua você encontra muitas pessoas que
estão lá para fazer qualquer coisa que precisar então foi bem horrível assim
essa parte e aí foi quando eu resolvi que ia ficar com a minha mãe e fiquei
num processo de instituição casa, casa e instituição.
Eu fiquei mal [referindo-se a depressão] e fui internado duas vezes em
hospital psiquiátrico. E depois desse processo de hospital psiquiátrico, eu
estava numa instituição que não foi capaz de lidar com toda essa situação e
preferiu jogar para frente e eu passei por um processo de eu mesmo tentar
me reerguer sozinho, então não voltei para instituição, não voltei para casa
da minha mãe, não voltei para lugar nenhum. Eu comecei com essa minha
história de morar um pouco aqui, um pouco ali, conhecia alguém morava um
pouco lá, fiquei em vários lugares.
[...] eu me envolvi com movimento de moradores do movimento de invasão
né! Fui morar num prédio invadido, eu fiz parte do grupo.
Foi quando também eu decidi que ia embora, que ia fazer alguma coisa da
minha vida, eu queria ir embora fazer qualquer outra coisa, aí eu comecei a
“mochilear”, eu fui embora para o Chile e fiquei 2 anos lá. Quando eu voltei,
aí sim, a coisa ficou bem complexa porque eu não fazia mais parte do grupo
[...] quando eu voltei não tive nada, não encontrei ninguém e aí eu
realmente fiquei assim meio perambulante.

 Amizades e relacionamentos afetivos

E era assim, era tudo muito violento, lembro bem que as pessoas não
tinham carinho assim, sabe!? Não é amor, não é... (Sujeito 2)

Sujeito 1
Comecei a namorar com pessoas só por interesse. E chegou um momento
que se eu visse duas pessoas eu não sabia para quem eu tinha falado a
verdade, para quem eu tinha falado mentira.
Eram envolvimentos seculares, visavam interesses.
No dia que ouve o massacre em que meus amigos foram assassinados na
rua, pessoas que eu vivia ali. Eu cheguei na quarta de manhã e achei meus
amigos assassinados [...]

Sujeito 2

Eu conheci muitas pessoas boas, mas muitas pessoas más...


Tinha pessoas que gostavam de mim e queriam ficar comigo, outras, como
se diz, era uma questão mais sexual, queriam se aproveitar da situação, é
bem complexo. Eu já tive nesse processo várias mães adotivas, mães
adotivas não, figuras maternas e várias figuras paternas também, algumas
eu tenho até hoje, assim mantenho vínculos até hoje, outros foram naquele
momento.
Geralmente quando a gente está na rua a questão sexual para as pessoas
é muito aberta, é muito forte [...] Num primeiro momento eu me lembro que

48
era uma forma de talvez, buscar afetividade, carinho, alguma coisa de afeto,
então sexo para mim naquele momento era assim. Depois de um tempo foi
uma questão de diversão e de prazer porque era fácil. E aí num terceiro
momento já era uma necessidade de explicar alguma coisa para mim.
Como eu sou? O que acontece é que a questão sexual nos abrigos, na
instituição é bem difícil, bem complicado por que as pessoas têm desejos
igual a todo mundo, mas é tratado como algo nulo.

 Identidade/Reconhecimento

O que foi bom, o lado positivo disso é que eu nunca me envolvi com drogas,
por que eu não quis e eu nunca me envolvi... não que eu não tenha
experimentado ou usado, sim, mas eu nunca me envolvi mesmo,
fortemente, e nem com roubo, nem com nada, nunca fui preso, não tenho
antecedentes criminal, mas passei por todo esse processo difícil com
pessoas, lugares. (sujeito 2)

Sujeito 1

Então eu perdi completamente a identidade.


[...] chegou um momento que perdi o meu eu mesmo, eu não sabia quem eu
era. E, eu cheguei e falei “se é pra ficar assim eu vou ficar na rua”, mas eu
quero sair da rua outra pessoa, eu quero perder o contato com todo mundo,
mas quando eu voltar quero começar a trabalhar pra pagar as pessoas que
eu devo, pedir desculpas para as pessoas que eu errei, que eu machuquei.
A primeira vez que eu cheguei [falando do momento em que chegou na rua]
foi 4 de Dezembro de 2002, na Praça da Sé, na Praça da República em São
Paulo e eu não queria roupa eu não queria nada eu fiquei só com a roupa
do corpo naquele dia, e eu passei 13 dias com aquela roupa. Eu lembro que
a unha suja, cabelo cresceu, barba também e eu comecei a conversar com
as pessoas ali. E na primeira noite eu dormi no banco Bradesco na Av.
Ipiranga. Assim, a primeira coisa que eu fiz foi ficar sem documento.
Eu não aceitava aquele Sujeito dos 20 até os 25 anos, eu não aceitava de
jeito nenhum mais.

Sujeito 2

A coisa começou a ficar bem complexa quando eu fiz 18 anos, fiquei adulto,
você já não é mais criança, as pessoas já não te olham mais da mesma
forma e você precisa se virar [...]
Eu sempre fui meio “riponga”, então para mim um chinelo, uma bermuda e
uma camiseta estava ótimo, não precisava de mais nada.
Eu não me aceitei [...] Achava que isso foi um dos fatores de ser infeliz e foi
por isso que eu fiquei com depressão, muita depressão, porque eu
realmente não aceitava e aí foi difícil, uma fase bem difícil e eu acho que foi
também um dos fatores que me levaram a ficar largado por aí.

49
 Trabalho

Sujeito 1

Um dia eu fui cobrar meu pagamento para o dono da obra, ele falou assim
“Você é burro, você não tem nem o ensino fundamental completo, se você
sair daqui hoje, você não vai fazer nada, você vai voltar a ser peão de obra
novamente”. Eu pedi as contas do serviço. Na época, eu tinha quatro anos
no emprego, mas não significava nada diante das dívidas acumuladas que
eu tinha e das pessoas que eu tinha magoado. Acho que foi o que mais
feriu, foi o acordar e ver que essas pessoas que não estavam meu lado
eram importantes.

Sujeito 2

Eu conheci um rapaz aqui, um chileno, quando eu era do movimento de


moradia, ele falou “ah, a gente pode ir para o Chile e você consegue alguma
coisa lá”, e aí eu fui. Nessa brincadeira eu fiquei 2 anos lá, arrumei emprego
e morei.
Quando eu voltei, acho que era bem naquela época do Fernando Henrique,
aqui era bem difícil, estava todo mundo desempregado, não tinha dinheiro,
porque a primeira fase do governo dele, foi aquela fase do plano real,
depois disso acabou, ficou horrível e, aí foi quando eu necessitei mesmo
dos serviços. Eu não trabalhava, estava duro, desempregado, estava
totalmente mal mesmo.

2.4 Processo de fortalecimento dos sujeitos

As narrativas aqui resgatadas mostram como esses sujeitos chegaram à


situação de rua. A segunda aproximação supõe o resgate dos elementos que
aparecem nas narrativas relacionados ao processo de saída da rua e reconstrução
de suas vidas.
A análise das narrativas apontam diversos aspectos que poderiam ser
analisados e considerados importantes no processo de reconstrução de vida dos
sujeitos, porém, tendo em vista as limitações de uma dissertação de mestrado,
optou-se por focar nos eixos: motivações e apoios institucionais e/ou de amigos por
se apresentarem com maior intensidade nas falas que foram divididas e
reagrupadas em temáticas como: retorno ao estudo, retorno ao contato familiar e
retorno ao trabalho. Para cada uma dessas temáticas os eixos motivações e apoios
revelaram maior significado e relevância ao processo de saída da rua e reconstrução
de vida dos sujeitos.

50
Para decodificação das narrativas adotou-se como procedimento a
diferenciação entre elementos objetivos e subjetivos, a partir das seguintes
distinções:

Quadro 3: Eixos de Análise


EIXOS ASPECTOS
 Subjetivo: desejo, valor atribuído e fé
Eixo Motivações
 Objetivo: fatos/situações significativas que
impulsionaram mudanças
 Subjetivo: vínculo com profissionais, acolhimento,
sentir-se ouvido, desenvolvimento e fortalecimento
do convívio
 Objetivo: acesso a serviço compatível com
Eixo apoio institucional necessidades e perfil, espaço para convívio social,
orientação e encaminhamentos, acolhimento
institucional, endereço de referência, aquisição de
documentação pessoal e benefícios e programas
sociais
 Subjetivo: Incentivo, aconselhamentos, conversa em
Eixo apoio de amigos momentos difíceis
 Objetivo: ajuda financeira, indicação de serviços,
presença, companhia.

A análise dos elementos que contribuíram para os sujeitos (re) acessarem a


ampliação da escolaridade, considerando que isto requer um conjunto de condições
– saúde, alimentação, material didático, transporte, tempo, determinação, objetivo,
planejamento, disponibilidade, vontade, etc – permite afirmar que raramente estão
presentes para quem está à procura de vagas em serviços de acolhimento ou
mesmo submetido às suas regras de funcionamento.
O reconhecimento da própria condição na sociedade e das vulnerabilidades
as quais estavam expostos por vivenciarem a situação de rua, foi um momento
decisivo para os sujeitos. Para o primeiro isso ocorre motivado objetivamente a partir
do massacre de 2004 e das aulas de cidadania que cursou na Oficina Boracea; o
segundo viu no exemplo do amigo uma possibilidade real de materializar um desejo,
em que o trabalho desenvolvido com própria população em situação de rua
contribuiu para que tomasse consciência desse contexto coletivo.

51
Os sujeitos entrevistados têm em comum em suas trajetórias duas
instituições: a utilização do serviço Boracea que ofertava cursos profissionalizantes,
associados a aulas de cidadania, bem como a conclusão do ensino médio no
mesmo CEEJA Dona Clara Mantelli.

 Motivações

Sujeito 1

Eu não tinha vontade nenhuma de estudar. O que me fez voltar a


estudar foi as ruas.

O que acontece, quando eu ganhei a bíblia no final da bíblia tem a antiga


Jerusalém, Damasco, San Maria, Síria e eu queria saber o que era
aquilo? Se o povo de Israel existiu, se os Judeus existiram? E aí, a única
coisa que dava mesmo para fazer era voltar a estudar né!?

Até 2002 se você me perguntasse onde ficava a Europa, geograficamente


onde ficava América do Sul eu não sabia, não tinha noção nenhuma. Por
exemplo: que a Itália fica ao lado da França que fica ao lado da Alemanha,
que fica ao lado da Holanda não tinha noção nenhuma, que a Áustria faz
fronteira com a Alemanha. Se você me perguntasse em 2004 eu não tinha
noção nenhuma.

Aí eu fui pra escola depois da aula de cidadania eu comecei a sentir o


desejo de faculdade. Eu acho que se não fosse, por exemplo, se você me
perguntasse: você vai fazer o que na faculdade? Eu não sabia o que queria.
A aula de cidadania me deu uma noção que eu tinha que trabalhar na
área de participação política, atuação política, construção social, quer
seja, sociologia, serviço social eles estão tão juntos que me levou para isso.
E aí você vai fazer um curso de pintura que na segunda feira tinha essa
aula de cidadania que vai falar da mais valia, aí você vai entendendo o
mundo que você faz parte, o processo capitalista que você está
inserido e foi a partir dali que eu comecei ver outras possibilidades.

No dia que ouve o massacre em que meus amigos foram assassinados


na rua [...] naquele dia eu sabia que eu ia fazer faculdade e o porquê eu
ia fazer faculdade, porque eu tinha que voltar a estudar o porquê eu
tinha que reivindicar um atendimento diferenciado para população de rua, o
porquê eu tinha que voltar para minha mãe, o porquê eu tinha que buscar
força para trabalhar e não só para mim mais, depois daquele dia eu sabia
que meu trabalho estaria vinculado a buscar melhoria para outras
pessoas. Eu voltei a estudar em 2004, eu comecei a fazer o ensino
fundamental.

Sujeito 2

Eu conheci um cara que esteve na situação de rua e saiu porque ele


estudou, e conversando com ele eu perguntei: ah, como que foi? Ele disse
“eu fui lá nessa “Casa do Estudante” e comecei a participar lá e depois
escolhi um curso que eu queria fazer, acabei ganhando uma bolsa e fui
estudar”. Aí eu falei o que você estudou? Ele disse “eu estudei filosofia” Eu
falei: “eu adoro filosofia, gostaria de fazer filosofia”.
52
[Referindo-se a percepção da saída da rua] A consciência, o ponto
decisivo mesmo, acho que foi quando eu fui trabalhar em ( um serviço
da rede para população de rua) porque eu via as pessoas na rua e eu
percebia o motivo delas estarem na rua. Preenchendo as fichas deles, ouvia
as histórias, eles contavam tudo e eu pensava assim: “Eu não sou tão
diferente deles, eu não sou tão melhor”. Eu percebia que boa parte das
pessoas que estavam na rua está ligado, primeiro a não consciência deles
sobre alguns momentos da vida, sobre as pessoas, as coisas e também ao
que essa sociedade exige da gente? O que ela quer?

Acho que quando eu parei para pensar sobre como a sociedade


funciona e o que ela quer foi quando eu percebi que eu poderia ser
mais feliz. Se eu, por exemplo, estudasse? Por que para a sociedade é
extremamente importante que eu tenha um diploma. Mas ao mesmo
tempo não é negar o que eu gosto, e aí foi quando eu decidi por
filosofia mesmo. Muita gente me criticou e disse que era uma burrice, por
que como uma pessoa quer sair da situação e vai estudar filosofia, ver o
quê com Filosofia?

Eu penso que não é uma questão do diploma só, no meu caso eu penso
que é a educação mesmo, a educação mexe mesmo com a pessoa, ela faz
a pessoa querer se movimentar, querer viver e no meu caso o estudar tem
a ver com querer salvar minha vida mesmo. Porque a partir do momento
que eu tive contato com a filosofia eu comecei a entender uma série de
coisas que eu não entendia até mesmo em mim, comecei a ver porque
eu sou tão complexo, todo meu processo de vida, todas as “merdas”
que eu passei e todas as coisas boas também, todas as pessoas que eu
encontrei. Talvez pudesse ser diferente, mas eu não quero que seja.

Eu acho que estudar é você esclarecer uma série de (...) esclarecer - não
porque eu não gosto dessa palavra - acho tão preconceituosa, é
reconhecer, reconhecimento enquanto pessoa, enquanto ser humano e
também uma pessoa que é culta e sabe se expressar, que fala
corretamente, que entende as coisas, ela tem mais chances de vivenciar
muito mais coisas na vida do que aquela que vai ficar deixada num canto.
Queriam que eu fizesse curso técnico e eu não quis.

 Apoios: Institucionais e de amigos

Identificamos como apoios o serviço, os amigos da rua, o profissional que


orienta e escuta de forma qualificada e a estrutura diferenciada do Centro
Educacional para Jovens e Adultos Dona Clara Mantelli.

Sujeito 1

Eu acho que a maior motivação para que eu entrasse na faculdade não foi
da família, não foi de amigos, mas foram de amigos aí da instituição e dos
amigos da rua.

[...] a gente tinha uma professora que dava aula de cidadania e após a
aula ela dava orientação, escuta. Acho que o projeto de vida começou a
ser formado na aula de cidadania, a partir dali você vai tomando normas,
diretrizes, onde você vai procurar, de que forma vai procurar, o que é
preciso fazer, você escuta o profissional dizer que nada é a curto prazo,
existe curto, médio e longo prazo e ela fala se você quer um curso técnico

53
você vai ter 3 anos, se você quer faculdade você vai ter 8 anos, você só
está com o ensino fundamental incompleto, então leva um tempo, requer
persistência, paciência.

A distância entre a instituição de educação e o serviço de acolhimento –


modalidade de serviço socioassistencial ofertado à população de rua na cidade de
São Paulo – exigia maior desgaste para o sujeito que encontrava no grupo de
amigos apoio para manter sua determinação e um modo de sociabilidade por sentir-
se como parte do “gueto da biblioteca do centro cultural Vergueiro”. Mesmo
contando com um centro de serviços, para levar adiante o propósito exige
persistência.

Sujeito 1

Eu morava no albergue do Pedroso e estava eliminando o ensino médio. Eu


morava ali na Bela Vista e vinha andando até o Clara Mantelli (no Belém)
e passava na casa de acolhida São Martinho de Lima, almoçava, tomava
banho e continuava estudando. Foi assim que eu cheguei.

Tinha um grupo, era eu o “O.” que está fazendo medicina em Cuba, o “M”
que hoje é agente comunitário e o “Z” que é auxiliar de enfermagem, então
tinha um grupo. [...] essa turma fazia parte do gueto da biblioteca do centro
cultural Vergueiro, a gente ia muito para o centro cultural.

Se você está numa situação social de vulnerabilidade e você quer


passar o dia estudando. Por que seu direito não ser garantido? Quando
fui me matricular, disseram que não tinha vaga, lembro foi no mês de
setembro, eu falei “eu tô em situação de rua, se eu não estudo eu vou
passar o dia na rua, eu não tenho o que fazer”. Não tinha o que fazer, e aí
você encontra educadores, diretores sensíveis a isso que te arruma
vaga e te matriculam porque sabem que é uma necessidade, é melhor
você estar na escola do que na praça. Se tivesse que passar 3 anos só
estudando eu ia fazer, se tivesse que passar 4 anos no estudo e abrir mão
do trabalho naquele momento eu sabia que era preciso.

Sujeito 2

As relações de amizades na rua, nos serviços e no trabalho aparecem como


apoios mais presentes na trajetória do sujeito 2.

[Narrando a conversa com o amigo que saiu da situação de rua e fez


faculdade]
- Ele falou “olha tem como você fazer, eu te levo lá na faculdade e você
faz inscrição”
- “E depois se eu não tiver como pagar?”
- Ele falou “faz como eu, primeiro faz a inscrição e vai.”

54
Eu falei, “mas como eu vou fazer inscrição na faculdade se eu ainda nem
tenho o ensino médio?”
E foi, ele que me indicou o Clara Mantelli.

Eu conheci uma mulher que era terapeuta ocupacional e coordena um


núcleo lá na “Universidade”, ela me levou para conhecer a Universidade
de São Paulo, foi bem legal. E ela falou assim “você pode fazer outras
coisas, eu vou acompanhar você no CEEJA Clara Mantelli, seu
processo e o que você precisar para poder estudar”, e ela realmente me
acompanhou, e eu consegui terminar o ensino médio, terminei rapidamente.

Em vários momentos da narrativa o sujeito relata em detalhes os aspectos da


dinâmica e pedagogia da instituição de ensino como favoráveis para concluir o
ensino fundamental e médio, colocando que essas características conseguem
contribuir para a população que vivencia a situação de rua.

Porque eles têm uma facilidade, colocam o cronograma de um jeito que


você decide. Lá no Clara Mantelli [...] você vai quando você quer, você não
é obrigado a ir, se você ficou um ano sem ir você vai no outro ano
tranquilamente, e outra coisa, a regularidade do estudo é você quem faz e
depois que você passou por todo esse processo [referindo a situação de
rua] você não quer estudar numa escola com adolescentes, você quer uma
outra coisa, é bem adulto, muito maduro e rápido, funciona assim: Você
quer estudar? Você quer se formar? Às vezes ficava o dia todo, tomava
café, almoçava, até jantava lá, porque eu queria terminar o mais rápido
possível.

Acho que o Clara Mantelli é bom para a população da saída assim,


desse tipo porque ele é um processo de decisão também, você vai tomar as
rédeas a partir dali, você está escolhendo e é simples, é fácil, não é difícil, a
única coisa era a questão do acesso, mas eu não tive dificuldade por que
a minha amiga disse “não, a gente vai arcar com a condução para você
poder ir.”

E aí tinha um menino chamado “L” que trabalhava de agente de


saúde e ele falou “olha vai ter vestibular para faculdade lá no Ipiranga e
acho que tem o curso que você quer” (...) Eu fui fazer a prova lá
[faculdade] chamava processo de ingresso e aí eu entrei para o curso de
Filosofia. Fiquei um ano e meio estudando filosofia até quando não deu
mais e eu parei.

2.5 As trajetórias, segundo o fator trabalho

A orientação profissional recebida no serviço o qual participou do curso,


contribuiu para a organização do sujeito1, no sentido de planejar os passos que
daria para alcançar seus objetivos. Começou pelo desejo dos estudos e viu que sua
concretização dependeria de um trabalho. O vínculo com o serviço de acolhimento

55
garantia o suprimento das necessidades de alimentação, higiene e acolhida, porém
o retorno ao trabalho parecia-lhe impossível diante do preconceito em relação a sua
atual condição. Essa situação adversa reforçou seu desejo e a percepção do estudo
como um caminho para efetivar a saída da rua e reconstrução de sua vida.
Para o sujeito 2 o trabalho em uma galeria de artes aparece como um marco
que despertou outras possibilidades, mudando sua forma de compreender o
trabalho. Realizar uma atividade com a qual se identificava, aparece em sua
narrativa como uma forma de integrar um sentimento de valor e dignidade, pois tinha
a oportunidade de fazer algo que realmente gostava. Porém o baixo salário
repercutiu em tentativas de saída da rua baseadas no acesso a formas de moradias
precárias e provisórias devido a irregularidade do trabalho e o baixo salário, o que
interferia inclusive na concretização do desejo de concluir o curso universitário que
precisou interromper, retomando posteriormente.
Os serviços de acolhimento que utilizou apresentaram relativa efetividade
interventiva no planejamento e organização dos seus projetos de vida. Seus
referenciais estão nos contatos com profissionais específicos e pela possibilidade de
conhecer pessoas e criar novos vínculos relacionais por estar vinculado a um projeto
que, segundo ele, contava com uma diversidade de organizações e voluntários que
participavam do projeto.
Os serviços socioassistenciais de atenção à população em situação de rua é
o campo de trabalho mais aberto para inclusão dos entrevistados no mercado
profissional, demarcando uma passagem da condição de usuário para funcionário,
que vai lidar diretamente com questões as quais sua experiência é fundamentada
pela própria vivência.
Na pesquisa de doutorado realizada por Medeiros (2010) sobre processo de
saída da rua, dentre os 8 sujeitos entrevistados por ela, 6 estavam inseridos em
trabalhos vinculados à rede de serviços socioassistenciais de atenção à população
em situação de rua.
A proposta de inserir a própria população em situação de rua como parcela da
mão-de-obra da rede socioassistencial está presente no “Projeto Agente na Rua”,
avaliando que há maior facilidade de vinculação com pessoas que já estiveram ou
estão em condição semelhante, o que poderia promover êxito na abordagem de rua
realizada para encaminhar aos serviços de saúde. Outras iniciativas estão nas
frentes de trabalho do Estado, na forma de programa provisório e sem vínculo
56
profissional e casos isolados de contratações que passam pela avaliação das
instituições e sua liberdade de contratação.
As organizações do terceiro setor como fonte de trabalho e renda, não
garantem a estabilidade, cada vez menos presente no mercado de trabalho de modo
geral, e trazem algumas questões específicas. Os aspectos negativos e positivos
que permeiam a relação de parceria público-privado também demarcaram a
estabilidade no trabalho: a possibilidade de perda de convênio da organização em
mudanças de governo; situações de atraso no repasse da verba; descompasso
entre reajustes orçamentários e os custos para manter um serviço de qualidade;
falta de capacitação e reconhecimento profissional, além de aspectos mais
subjetivos relacionados a sentimento de frustração com os resultados da atividade
profissional desenvolvida. Por outro lado, é um campo que insere o trabalhador na
esfera dos direitos garantidos pelo emprego formal com registro em carteira, bem
como possibilita seu reconhecimento social, elaboração de projetos e sonhos e o
acesso aos bens e serviços obtidos no mercado.
As narrativas revelam que a retomada ao trabalho é uma forma de reparos
materiais através do pagamento de dívidas e também, pessoais à medida em que
exige retratações que podem ser importantes para os sujeitos reconstruírem suas
histórias.

 Motivações

Sujeito 1
A partir do momento que eu fiz o curso de pintura eu sabia que eu
queria faculdade. Eu olhava e dizia, “bom, eu preciso chegar na
faculdade”, existe um caminho a ser percorrido, eu sabia que eu tinha
que eliminar o ensino fundamental, depois o ensino médio e aí arrumar um
meio de entrar na faculdade. Para isso eu sabia que precisava estar
trabalhando, mesmo desempregado num albergue eu sabia que precisa de
um trabalho. Só que aí também vem a discriminação, eu acho que se não
fosse uma parceria público - privado hoje, talvez, eu não seria segurança
[falando da profissão que também já exerceu], porque mesmo quando eu
estava no albergue, eu fiz um curso de segurança com o dinheiro que
ganhei do curso de pintura, fui procurar emprego e não me deram porque
meu endereço era de albergue, então instituição privada não te dava
emprego. Se você der endereço de albergue 99% das instituições vão te
negar, vai se fechar o mercado de trabalho.

Houve um processo seletivo, as inscrições foram abertas, e eu fiz a


inscrição, quando eu vi a inscrição e eles disseram que o critério tinha
que ter a vivência de rua ou albergue, eu disse aqui eu vou. Caiu do céu

57
esse trabalho, porque eu poderia trabalhar de segunda a sexta feira das
08:00 ás 17:00, carteira assinada,com a população de rua que eu tinha
vivido, ia fazer uma coisa que eu gostava e poderia estudar, então
quando eu vi que tinha todo esse apoio da assistente social, eu disse “é
aqui que eu vou!” Eu lembro que na época da entrevista a assistente social
perguntou, “você trabalhou de segurança durante 10 anos?” Eu disse que
sim, ela falou “você não tem cara de agente comunitário”, eu falei “se não
me derem oportunidade não vão saber”, e graças a Deus me aceitaram.

Então eu recebi o pagamento, eu passei 1 ano e meio pagando


pessoas que eu devia, voltava no bairro que eu morava, tinha dois irmãos
que moravam aqui em São Paulo, então eu ia lá e pedi desculpas para
pessoas que havia namorado, que havia pego dinheiro e não tinha pago.
Mesmo assim dói pedir desculpas.

Eu pensava: “meu salário é 500 reais, eu pago aluguel, como eu vou


pagar faculdade?” Eu sabia que precisava que fazer a matricula, depois eu
ia ver de que forma eu ia pagar, nem que seja falando com professores,
indo na direção da faculdade, vindo aqui na instituição e falar que
precisava de um apoio também como eu fiz, pedi descontos na
faculdade, falei que vim da situação de rua, não tive vergonha de falar da
situação que me encontrava e sempre tive desconto.

Depois que eu me tornei agente comunitário, um ano e meio depois eu


aluguei um quarto de pensão, acho que só o fato de você chegar na sua
casa e ter a liberdade de tirar sua roupa e dormir da forma que você
quer é uma liberdade que você tem.

Eu não tenho uma casa ainda, estou em busca. Hoje eu moro em uma
casa alugada, pago com o salário do meu trabalho e já me inscrevi na
“Minha Casa minha vida”, a Caixa vai me chamar daqui a pouco e, se “Deus
quiser”, no final de 2012 e eu estou com minha casa própria.

Após o processo de entrevista acompanhei o sujeito em dois eventos, uma


reunião do seu trabalho e no evento “Encontro com a Presidenta Dilma Rousseff, no
Natal Solidário da População em Situação de Rua”, em que o mesmo informou que
havia sido promovido ao cargo de gestor no trabalho, o que significava um desafio
ainda maior para ele, pois a todo instante sentia-se mais cobrado em seu
desempenho, tendo que demonstrar sua capacidade pelo fato de ter vindo da
situação de rua. Também relatou que seu maior desejo é intervir diretamente com a
população em situação de rua, uma vez que a opção pelo curso de Serviço Social foi
alimentada pela necessidade de confrontar as péssimas assistentes sociais que lhe
atenderam em um dos serviços que frequentou.

Sujeito 2

Então conheci a Assistente Social, expliquei a situação para ela. Ela falou:
“olha, tem projeto que está nascendo aí, chama Boracea”. No primeiro

58
momento fiquei com raiva, falei “você vai me jogar em qualquer canto aí e
seja o que Deus quiser”, mas depois não, depois deu super certo lá, aí eu
fui fazer um curso [...] Acho que foi de pintura e teve umas coisas de
cidadania, tinha umas passeatas e foi bem legal. Nessa época eu conheci
eu conheci duas pessoas, um professor que dava aula lá e eu peguei
maior amizade com ele e com uma outra mulher que me levou para fazer
uns trabalhos numa galeria lá na Sumaré. Esse projeto tinha vários
voluntários, pessoas que iam e ajudavam.

E aí na galeria de arte eu trabalhei durante um tempo, ganhava muito


pouco, a vida era bem difícil e eu tinha alugado um quarto com dois
caras que moravam lá no Boracea, mas o quarto era bem ruinzinho. Acho
que foi a minha primeira saída, nesse sentido, foi minha primeira
tentativa de saída, porque depois eu tive que voltar.

Quando eu voltei a trabalhar e ganhar um pouquinho melhor já deu


para pagar a moradia e sair, fiz isso assim que pude e dois meses
depois eu saí para morar num hotel, desses bem precários. Fiquei lá um
tempo, morei nesse lugar, levei um outro rapaz lá da moradia que eu
arrumei um quarto para ele que também estava nesse processo de
saída.

Quando eu fui trabalhar em um serviço da rede socioassistencial,


acolhendo o pessoal a noite, mas o salário era uma miséria, pagavam
atrasado me prejudicando todo mês porque eu tinha que pagar o aluguel e
acabava pagando multa todo mês, essas coisas de prefeitura que você
sabe como funciona.

[...] Eu peguei monitoria de novo e foi nessa época que eu já tinha


terminado o ensino médio e fui fazer vestibular. Fiquei um ano e meio
estudando filosofia até quando não deu mais para pagar e eu parei, fiquei
um semestre sem fazer e voltei para o curso e agora estou no último
semestre.

2.6 As trajetórias segundo o fator família

Ao abordar as narrativas dos sujeitos voltadas para o processo de


restabelecimento do contato familiar, percebe-se que se trata de uma dimensão
bastante difícil. Pressupõe rever situações de conflitos e rompimentos inseridos num
campo relacional mais significativo para os sujeitos. São situações diversas,
permeadas por conflitos, mágoas, desilusões, arrependimentos, sentimento de
vergonha e culpa que se intensificam em tentativas frustradas de inserir-se no
mercado de trabalho, pelas transformações na aparência e nos trajes, que revelam a
real condição de vida, culpa que marca negativamente as identidades e as relações
das pessoas em situação de rua. Isto tudo provoca um gradativo afastamento ou
contatos esporádicos, normalmente por telefone, evitando assim expor a condição
59
vivenciada. Comumente, procuram desculpas, inventam sobre a necessidade de
permanecer no trabalho ou permanência em moradias mais próximas do trabalho
para que a família não saiba a verdade.
Silvia Maria Schör e Maria Antonieta da Costa Vieira em relatório para
pesquisa Fipe ao analisarem os “Principais Resultados do Perfil Socioeconômico da
População de Moradores de Rua da Área Central da Cidade de São Paulo, 2010”,
afirmam que:

A maioria da população entrevistada possui parentes residindo na cidade de


São Paulo, percentual este bastante elevado se considerarmos somente os
paulistanos. Entretanto, as informações obtidas mostram que,
independentemente da origem do morador, existem laços familiares ainda
ativos, uma vez que mais da metade dos entrevistados teve contato com
familiares nos últimos 6 meses. (SCHÔR; VIEIRA, 2010, p.3)

Para os sujeitos entrevistados, a necessidade de reaproximação familiar


sempre se fez presente, não sendo necessariamente recorrente do processo de
saída da rua, aparece como um aspecto que exige certo grau de fortalecimento e
reorganização no modo de vida, sendo fundamental a presença interventiva e apoio
de profissionais e pessoas significativas que acompanhem e incentivem esse
processo. Não por acaso, este reatamento de vínculos familiares é um dos principais
aspectos na vida desses sujeitos, porém acaba sendo um dos mais difíceis de
serem enfrentados.
As narrativas demonstram claramente a importância desse resgate para os
sujeitos. Seja pelos valores que permanecem presentes, independente da
intensidade e frequência do contato com a família.
O sujeito 1 expressa em sua narrativa um conjunto de valores que marcam
fortemente sua inquietação pelos erros cometidos, em que o respeito que carrega
pela mãe e sua inclinação de fé lhe impõe a necessidade de pedir desculpas às
pessoas que magoou.
Já na situação do sujeito 2 nota-se que o impacto do rompimento precoce do
vínculo familiar direciona para a necessidade pessoal de resgatar sua própria
história. Esta é por ele vocalizada como uma forma de encontrar explicações e
reconhecimento para a construção identitária que se alterava a partir do trabalho que
realizava em um serviço da rede socioassistencial com a população em situação de
rua. As mudanças na forma de compreender a sociedade quando ingressou na

60
universidade permitiam relacionar as situações pessoais e individuais a questões
gerais.

 Motivações

Sujeito 1

Eu já estava naquela, arrependido de algumas coisas que tinha feito,


pessoas que me queriam bem que eu tinha enganado, pessoas que tinha
tomado dinheiro emprestado e não havia pago. Então chegou um momento,
pra mim, eu considero que foi Deus que me colocou na parede e disse
assim: “Daqui você não passa mais”, é como se ele tivesse na porta, e eu
tivesse aqui dentro, e ele na porta dizendo: “essa atitude tem que mudar”. E
na época eu ganhei uma bíblia e comecei a ler e depois daquilo eu acho
que mudou minha vida por completo. Eu disse, "eu quero ser o mesmo de
quando eu saí de casa da minha mãe, eu quero ser o mesmo dos 19 anos
que ligava para minha mãe, que cuidava, que podia encontrar você e
saber que eu tava falando a verdade".

Eu trabalhava e ganhei uma bíblia lá em Ubatuba, comecei a ler aquilo e


começou a me incomodar de tal ponto de ligar pra minha mãe ainda
quando eu estava na rua e dizer que eu não tinha filho aqui em São
Paulo, que eu tinha mentido pra ela e, ela falou “eu já sabia”. Foi a coisa
mais extraordinária ter ouvido dela. Ela falou "eu já sabia que você não tinha
filho".

Estou com a mala pronta e amanhã eu vou viajar com meu sobrinho para
ver minha mãe. Em 2006 quando eu passei oito anos sem vê-la, eu
cheguei em casa, levei um presentinho para minha de sobrinha de três anos
que eu não a conhecia, ai ela falou assim: “se você vai me dar esse
presente e não vai mais ver minha avó, eu não quero seu presente”. E, hoje
eu vou poder viajar com meu sobrinho ele e vou poder retribuir isso. Acho
que Deus me deu essa oportunidade. Independente da religião de vocês
eu acredito em Deus, assim e ele esta me dando o presente de voltar hoje
e dizer assim: Obrigado pela oportunidade da senhora [mãe] me
perdoar, do meu pai ter me aceitado, da minha família ter me aceitado.

A família é tudo, tenho uma irmã que mora no interior e outro que mora
aqui em São Paulo, tem meus pais que moram na Bahia, a família é a
base de tudo.

Sujeito 2

Eu refiz o contrato com minha mãe, entendi o que ela viveu, ela mora
aqui bem próximo, a gente se fala sempre. Eu restabeleci a conexão com
meu pai, também, depois de anos. Quando eu passei a entender que
independente da situação ou das coisas que nós vivemos a gente tem
que, realmente, resgatar um pouco da história, e eu resgatei um pouco da
minha história. Eu passei um tempo resgatando história dos outros. Por que
não fazer isso com a minha própria? Eu queria entender, a filosofia me
despertou para uma curiosidade maior.

Eu sentia necessidade de buscar minha mãe, conversar com ela,


entender porque ela saiu de casa. Eu entendi e foi muito dura a situação

61
que ela passou. E ela também explicou porque ela não pôde visitar, e fora
isso ela também teve os erros dela.

É bem complicado, com a nossa família é mais complexo, pois exige algo
que às vezes você não pode dar. [...] Mas fortalece porque todo mundo
veio de algum lugar... Eu sou muito ansioso, porque querendo ou não, todo
mundo vai pensar na sua mãe, no seu pai, nos seus irmãos. Eu sou o
primeiro filho dela. Ela sempre me viu de uma forma muito diferenciada, a
gente tem uma ligação muito grande.

 Apoios

Sujeito 1

Nas primeiras vezes que eu apareci, para minha mãe eu era um fantasma,
lembro que eu tinha uma irmã de 11 anos, passei oito sem ir lá, quando eu
cheguei na porta de casa apareceu aquele mulherão enorme na minha
frente, ela estava com 18 anos e eu não sabia quem era. Foi à instituição
que me ajudou muito, a forma de acolhida e o atendimento social e
psicológico. Por que eu não tinha coragem, sozinho, eu tinha que ouvir
da assistente social e psicóloga. Eu tinha preocupação, passei 10 anos
sem ir em casa e eu ia chegar sem nada, só a minha pessoa, eu não estava
financeiramente bem para voltar e eu tinha na cabeça que eu tinha que
voltar com alguma coisa.

Sujeito 2

Minha tia tem comigo uma coisa muito próxima [...] durante muito tempo
ela dizia para eu conhecer minha história, “vai desenvolver isso que é
importante para você”. Porque tem pessoas que aconselham a gente de
forma favorável. [...] Foi quando eu comecei a rever minha família, fui
procurar meus irmãos também e a coisa começou a funcionar de outra forma.

62
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE PARADIGMAS DE ATENÇÃO À POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA

A hipótese apresentada neste estudo, sobre a existência de um conjunto de


articulações na rede socioassistencial de acolhimento à população em situação de
rua que, ao mesmo tempo, potencializa e despotencializa os sujeitos que utilizam
dessa atenção para a reconstrução de seus projetos de vida, foi possível de ser
examinada a partir do trabalho analítico do conteúdo de narrativas de dois sujeitos.
Essas narrativas são o ponto central deste estudo e delas foram extraídos
elementos objetivos e subjetivos que incidiram na trajetória de vida desses dois
sujeitos. A fala dos entrevistados é legítima para se ter acesso à percepção quanto à
importância dos serviços socioassistenciais no processo de reconstrução de projetos
pessoais e sociais.
Cabe ressaltar que embora não seja objeto desse trabalho, entende-se a
relevância de que haja um aprofundamento dos debates sobre a metodologia de
trabalho a ser desenvolvida nos serviços socioassistenciais para alcance dos
objetivos propostos na Política Nacional de Atenção à População em situação de
rua, visto que seus enunciados, conforme apontado na introdução desse trabalho,
não chegam a esse detalhamento. Para tais estudos há relevante contribuição nas
normativas técnicas e legais construídas na cidade de São Paulo de forma pioneira,
que concretiza procedimentos e protocolos que qualificam essa atenção, tendo sido
fruto inclusive de debates com os usuários desses serviços.
Portanto, reafirma-se que as narrativas reforçam o entendimento de que a
pedagogia de trabalho faz uma enorme diferença como apoio no processo de
reconstrução da vida. Por vezes na mesma rede de serviços identificam-se
intervenções que são fortalecedoras e que representam certeza de apoio e de
atenção e intervenções que impedem ou dificultam o desenvolvimento de projetos
pessoais e sociais.
As trajetórias foram examinadas a partir dos elementos que as constituem, a
saber: o momento de chegada às ruas e o momento de reconstrução da vida que
por óbvio, implica na saída da rua como projeto de vida. A escolha desse foco de
análise permitiu verificar que há duas grandes referências para o trabalho com a
população em situação de rua na cidade de São Paulo, nos últimos 10 anos.
63
A primeira referência é voltada para a retirada das pessoas das ruas,
tornando-as invisíveis para a sociedade com vistas à preservação da paisagem
urbana. Essas práticas em geral são associadas aos movimentos de revitalização
urbana e remontam ao ideário higienista, que muda a pessoa de lugar sem
propriamente trabalhar o sujeito. Compõe essa referência uma redução das
necessidades da população limitada ao pernoite e alimentação, sempre numa
perspectiva emergencial, onde a garantia da atenção está condicionada à
submissão às regras preestabelecidas. Por fim, nessa referência, o horizonte
projetado para a população em situação de rua é que a saída de sua condição de
permanência nas ruas se dá pelo acesso a uma forma de renda, ainda que por meio
de um trabalho irregular, indecente e inseguro.
Ao perguntar ao sujeito 1 sobre o apoio que teve dos serviços no período em
que esteve na rua, sua narrativa expressa:

De 2002 até 2004 você ficou na rua sem apoio de serviços?


Na verdade, eu usava os serviços para tomar banho e às vezes para dormir
quando tinha pernoite.
Eles te ofertavam outras coisas ou você não buscava?
Olha, nas primeiras casas não me ofertaram nada. A primeira noção que eu
fui tomar mesmo de oferta de trabalho e conscientização foi lá no Boracea.
Eu ganhei um curso de pintura quando estava no Pedroso e tinha aula de
cidadania na segunda-feira, só aí fui ver que existia outras perspectivas, eu
sentia falta disso nos outros locais. É que morador de rua ia tomar banho,
jantar dormir e voltar pra rua de manhã.

Podemos observar nessa narrativa a mudança de perspectiva de atenção,


pela qual se observa que as primeiras experiências de atenção estiveram restritas a
necessidades essenciais como higiene, alimentação e repouso. Posteriormente é na
atenção da Oficina Boracea que outras modalidades de atenção são consideradas
no planejamento das ações. Sawaia (2004), ao refletir sobre os processos de
exclusão e sobre a atenção aos excluídos, considera que a centralidade da atenção
nas necessidades físicas e de sobrevivência, traduzem uma atenção limitada que
não reconhece as pessoas como sujeito, sua dignidade e suas singularidades, posto
que desconsidera as emoções e lhes dá um estatuto secundário ou invisível. Tal
direção reduz a dimensão humana do sujeito. Afirma ela:

Os moradores de rua demonstram empiricamente a tese de que o desejo e


a ética não estão atrelados às necessidades da espécie. Não lhes
interessam qualquer sobrevivência, mas uma específica, com
reconhecimento e dignidade. Mesmo na miséria, eles não estão reduzidos

64
às necessidades biológicas, indicando que não há um patamar em que o
homem é animal. O sofrimento deles revela o processo de exclusão
afetando o corpo e a alma, com muito sofrimento, sendo o maior deles o
descrédito social, que os atormenta mais que a fome. O brado angustiante
do “eu quero ser gente” perpassa o subtexto de todos os discursos. E ele
não é apenas o desejo de igualar-se, mas de distinguir-se e ser
15
reconhecido. (SAWAIA, 2004, p.115)

A segunda referência tem centralidade na acolhida numa abordagem


processual que pressupõe o estabelecimento de vínculo entre o trabalhador e a
população em situação de rua, de modo que as oportunidades de atenção lhe sejam
apresentadas e que ele possa fazer suas escolhas em conformidade com as suas
necessidades, face às ofertas de serviços.
Compõe essa referência uma ampliação de reconhecimento das
necessidades da população e da sua diversidade, além do pernoite e alimentação, a
garantia da atenção se volta para a valorização e a reconstrução de vínculos
pessoais e sociais dos sujeitos. As regras dos serviços são construídas num campo
de responsabilidades entre as instituições e os usuários. Aqui o horizonte desejável
é de reconstrução de projetos de vida singulares, sustentados numa rede de
proteção social.
Os elementos objetivos e subjetivos postos na relação da pessoa de rua com
os serviços, apresentados no Capítulo 2, indicaram que a predominância de um
modelo ou de outro, na dinâmica dos serviços que compõem a rede e, até mesmo,
na equipe técnica a ele filiada, depende de distintas variáveis, dentre as quais se
destacam: a motivação, o apoio institucional e o apoio de amigos.
Quanto ao apoio institucional observa-se que a orientação e o
encaminhamento para uma rede de proteção social compõem o aspecto objetivo
desse eixo. O episódio vivido pelo sujeito 2, quando encaminhado a uma
oportunidade de trabalho e posteriormente para moradia, ilustra esse aspecto.

A assistente social me chamou para trabalhar como monitor num projeto


social. E aí foi bem legal porque eu acabei me destacando. Eu ganhava
uma grana muito boa e arrumei um apartamento lá no centro e fui morar
numa kit. Até ai estava tudo bem, mas quando o projeto acabou. Acabou
tudo. Eu voltei a falar com a assistente social e ela me arrumou uma
moradia provisória. Era bem legal, aqui na Baixada do Glicério. (Sujeito 2)

15
SAWAIA, Bader. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética
exclusão/inclusão. In SAWAIA, Bader (Org.) As artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética
da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 2004.

65
Nesse mesmo eixo analítico de apoio institucional, um indicador subjetivo da
atenção refere-se ao vínculo entre usuários e profissionais. Pode-se observar na
avaliação desse sujeito, como esse vínculo se expressou na sua trajetória e o
sentido dessa atenção para si.

[Quando voltei a estudar] tinha apoio das pessoas que trabalhavam na


moradia que eram extremamente bem preparadas, eu me lembro que era
uma coordenadora bem novinha da área social que era um amor de pessoa
e o rapaz que era o estagiário dela era da periferia, trabalhava com grupos
de rap, era bem legal, os voluntários eram bacanas. A moradia era muito
boa, eles tinham consciência e não podiam fazer muita coisa por falta de
recursos materiais, tinha espaço para estudar, mas eu não ficava, preferia
não ficar na verdade, preferia ficar no “Clara” [referindo-se ao Centro
Educacional de Educação para Jovens e Adultos] fora, para mim era
melhor. (Sujeito 2)

Observa-se nessa narrativa a relevância dada pelo sujeito à forma de


tratamento recebida, em que pesa o reconhecimento da insuficiência da atenção
material e das condições objetivas para suprir suas demandas, ainda assim, esse
serviço constituiu-se em importante referência na sua trajetória. Sobre esses
processos de atenção e relação, aponta Sawaia (2004) ao tratar das atenções em
situações de exclusão:

Perguntar por sofrimento e por felicidade no estudo da exclusão é superar a


concepção de que a preocupação do pobre é unicamente a sobrevivência e
que não tem justificativa trabalhar a emoção quando se passa fome.
Epistemologicamente, significa colocar no centro das reflexões sobre
exclusão, a ideia de humanidade e como temática o sujeito e a maneira
como se relaciona com o social (família, trabalho, lazer e sociedade), de
forma que, ao falar de exclusão, fala-se de desejo, temporalidade e de
afetividade, ao mesmo tempo que de poder, de economia e de direitos
sociais. (p.98).

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à adequação das regras de


funcionamento às necessidades de seus usuários. Assim, o pressuposto é que
quanto mais abertura se faz nos serviços para construção de regras de convívio,
maior a contribuição a construções de projetos de vida. De outro lado afirma
Giorgetti (2006):

O apego excessivo às regras pode contribuir em muitos casos como


empecilho para o trabalho social, desviando-se dos seus objetivos iniciais. A
saber: relembrar aos moradores de rua as regras básicas de convivência,
tal apego pode se tornar um meio para aplacá-los ainda mais,
pasteurizando seus hábitos e sua personalidade. (apud MEDEIROS, 2004,
p. 224)
66
Este aspecto se aproxima dos indicadores analíticos apresentados no capítulo
2: sentir-se ouvido e compatibilidade do serviço com a necessidade. No caso
provoca um sentido inverso: a adequação de regras às demandas apresentadas
pelo sujeito em seu processo de reconstrução de sua vida. As narrativas apresentam
alguns serviços, cujo funcionamento é orientado por esse princípio.

Quando eu fiquei no albergue eu comecei a trabalhar e quando você


começa a trabalhar tem 90 dias para sair do albergue. Aí eu cheguei pra ela
e falei: “Eu não posso sair do albergue agora”, e ela perguntou por que eu
precisava ficar no albergue. Eu falei: “Olha eu estou endividado, eu preciso
fazer esse reparo material.”. Então eu recebi o pagamento, eu passei um
ano e meio pagando pessoas que eu devia e fiquei dois anos e meio no
Arsenal. (Sujeito 2)

Lá [no Centro Educacional de Educação para Jovens e Adultos] Clara


Mantelli, primeiro que não te falta né, você vai quando você quer. Você não
é obrigado a ir. Se você ficou um ano sem ir você vai no outro ano
tranquilamente. Outra coisa a regularidade do estudo é você quem faz.
Depois que você passou por todo esse processo [falando da situação de
rua] você não quer estudar numa escola com adolescente, você quer uma
outra coisa, é bem adulto, é tudo muito maduro. Acho que o Clara Mantelli é
bom para a população da saída [das ruas] porque ele é um processo de
decisão também, pois você vai tomar as rédeas a partir dali. Você está
escolhendo e é simples, não é difícil. (Sujeito 2)

Pode-se observar por essas narrativas que a flexibilidade de regras contribui


para fortalecer a autonomia dos sujeitos, aqui entendida como a capacidade das
pessoas elegerem objetivos e crenças e valorizá-los com discernimento e de colocá-
los em prática sem opressão (DOYAL e GOUGH in PEREIRA, 2000).
As decisões tomadas com responsabilidade expressam o exercício da
autonomia. É importante salientar também, que a vivência de autonomia é produzida
num campo de relação com profissionais que orientam e sustentam o trabalho nessa
direção. Nota-se que não se trata de uma escuta complacente, pois devolve a
responsabilidade para o sujeito, valoriza sua capacidade de protagonismo, como se
pode observar nos relatos a seguir:

O que eu procuro fazer é confiar [nos usuários], aqui é ponto de referência.


O Paulo, por exemplo, tá trabalhando, hoje é folga dele. Ele veio cedo, já
passou aqui, foi e agora voltou. Assim o Alexandre também, segunda-feira é
folga dele, aqui ele usa o computador, vai para internet. Então eu acho que
aqui passou a ser um ponto de referência. Acho que o que ajuda é a casa,
[referindo-se a ambiência do espaço] não tem aquela estrutura de albergue,
lembra uma casa familiar. (Coordenadora da Casa do Estudante)

67
A vantagem é que essa escola é de presença flexível, eles escolhem o
horário que podem estudar e a escola fica aberta para atender. Nesse ano
de 2012 ela ficará aberta das 10 da manhã às 22hs e eles têm livre acesso
dentro da escola, podendo realizar provas, participar de oficinas, tirar
dúvidas com os professores a qualquer momento. Outra vantagem é que
apesar da presença flexível eles podem ficar aqui porque tem refeitório, tem
como se alimentar tanto no período da manhã quanto da noite. [...] Como o
tempo é ditado por eles, eu acho que a grande vantagem deles virem para
cá é essa. A hora que eles conseguirem se desenvolver e se empenhar
para realizar o curso eles concluem. (Direção do Centro Educacional de
Educação para Jovens e Adultos Clara Mantelli)

Constatou-se que o elemento síntese que opera a distinção entre as duas


referências para o trabalho com população de rua, acima delineadas, refere-se à
processualidade. O sentido de processualidade no trabalho com população em
situação de rua supõe a gestão do tempo e das possibilidades que este vai
construindo, operadas pelo próprio sujeito, contando com apoio e referências
continuadas, em outras palavras com vínculos que se fortalecem construindo redes
de relações que superam o isolamento vivido. O sentido de processualidade se
contrapõe ao isolamento e a fragmentação do atendimento emergencial, imediatista
e segmentado, pautado no pragmatismo que provoca a saída da rua, um espaço de
visibilidade coletiva, para uma forma de vida apartada, isto é, com a permanência do
isolamento e da rejeição.

Acho que o projeto de vida começou a ser formado na aula de cidadania, a


partir dali você vai tomando normas, diretrizes, onde você vai procurar, de
que forma vai procurar, o que é preciso fazer, você escutar o profissional
dizer que nada é a curto prazo, existe curto, médio e longo prazo e ela falar
se você quer um curso técnico você vai ter 3 anos, se você quer faculdade
você vai ter 8 anos, você só está com o ensino fundamental incompleto,
então leva um tempo, requer persistência, paciência. (Sujeito 1)

Na busca da reconstrução da vida, as respostas dos serviços não podem ser


homogêneas, padronizadas e unificadas, pois se voltam a um público heterogêneo.
Nesse sentido partilha-se da análise de Medeiros (2010) ao concluir no seu estudo
que “Os serviços são pensados para um ‘público homogêneo’, não se garantindo
uma oferta de atendimento que contemple a heterogeneidade dessa população nem
tampouco as fases em que se encontram na rua”. (p. 166)
O princípio de processualidade demanda que o processo de atenção se
coloque à disposição do usuário, em diferentes momentos de sua trajetória. Ele se
configura como uma referência e não um enquadramento, pois reconhece que a
reconstrução da vida se dá por meio de sucessivas tentativas.

68
Eu penso que é a educação mexe mesmo com a pessoa, ela faz a pessoa
querer se movimentar, querer viver e no meu caso o estudar tem a ver com
querer salvar minha vida mesmo. (Sujeito2)

O exame do conteúdo das narrativas permitiram destacar avanços que


consolidam uma rede de serviços de atenção população em situação de rua.no caso
na cidade de São Paulo ela foi redesenhada a partir de 2002 pela Secretaria
Municipal de Assistência Social pela Construção de Política de Atenção à População
em Situação de Rua incluindo serviços múltiplos e complementares que
respeitassem a heterogeneidade que caracteriza esse segmento.
Os dados do Censo PMSP/FIPE 2009 demonstram, no que refere a
população acolhida, que (88, 9%) 6.254 pessoas, estão inseridas em Centros de
Acolhida e Centro de Acolhida Especial e apenas (4,9%) em Repúblicas e hotéis
sociais - serviços destinados à pessoas em processo de saída da rua.
Essa concentração de usuários inseridos em uma única modalidade de
serviço revela que a rede em funcionamento, após seis anos, passou a se distanciar
da articulação necessária para dinamizar o fluxo dos serviços, considerando a
diversidade de situações a serem supridas. Pelo contrário, muitos serviços foram
fechados e outros desativados como o pagamento de aluguel social ou a instalação
de repúblicas.
A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, aprovada pela
Resolução no. 109, de 11 de Novembro de 2009, conforme princípios organizados
na Política de Assistência Social – 2004, por níveis de complexidades, vem
padronizar os serviços socioassistenciais respeitando as segurança de acolhida,
convívio e de autonomia, afiançadas pelo Sistema Único de Assistência Social -
SUAS.
Nesse sentido estabelece que o Serviço Especializado para pessoas
em situação de rua deve assegurar “atendimento e atividades direcionadas para o
desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva do fortalecimento de vínculos
interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de
vida” (BRASIL, 2009 p.29)
São seus objetivos:
 possibilitar condições de acolhida na rede socioassistencial;
 contribuir para a construção de novos projetos de vida, respeitando as
escolhas dos usuários e as especificidades do atendimento;
69
 contribuir para restaurar e preservar a integridade e autonomia da
população em situação de rua;
 promover ações para a reinserção familiar e/ou comunitária.
Os sujeitos entrevistados, estavam inseridos em serviços da rede de
socioassistencial, o que pressupõe que este é um dos requisitos fundamentais para
intervir nessa realidade, é necessário considerar que a proteção deriva de uma
referência de vinculação institucional.
O sujeito 2 apresenta uma trajetória com forte presença dessa referência,
embora aponte mais para as pessoas significativas, percebe-se que as relações que
estabelece e até mesmo a inclusão profissional foi estabelecida a partir da sua
vinculação institucional, principalmente em espaços com maior liberdade para
convívio com pessoas diferentes. São exemplos: o primeiro emprego na galeria de
artes com a voluntária da Oficina Boracea, o amigo que orientou sobre o processo
de retorno aos estudos e o incentivou, a amiga que viabilizou objetivamente as
condições de estudo.
A rede socioassistencial para população em situação não tem a
responsabilidade de abrir campos de trabalho, tampouco estaria no alcance dessa
política, todavia o trabalho enquanto necessidade humana exige o reconhecimento
de tal condição, a vinculação do fenômeno população em situação e trabalho sem a
devida mediação limita o horizonte da atenção à inclusão de renda como resposta
de saída da rua, anulando o fato de que as vivências pautadas na indignidade
humana retiram do individuo a capacidade e criatividade, além das forças para
produzir.
Os retornos aos serviços da rede pela instabilidade de emprego e a saída da
rua em condições precárias de moradia, sem planejamento e acompanhamento e
apoio imprime na trajetória do sujeito 2 maior insegurança e dificuldades no seu
percurso.
A ampliação da sociabilidade com tipos variados de grupos sociais interfere
significativamente na oportunidade de acessos tanto no mercado de trabalho como à
serviços, como se evidencia na trajetória desses estudantes universitários.
Pensar esses aspectos nos centros de convivência, voltados exclusivamente
para população em situação, pode significar restringir suas relações, impactando em
maior segregação e isolamento. A supervisora Regional de Assistência Social, no
período em que os sujeitos utilizaram o serviço da Oficina Boracea, relata que o
70
projeto tinha centralidade na participação comunitária, onde algumas questões foram
pensadas com a comunidade de modo a aproximá-los do serviço, inclusive
utilizando, por exemplo, agência bancária instalada no projeto para facilitar abertura
de conta da população em situação de rua, mas também aberta para o público geral.

Quando foi para iniciar o Projeto Boracea, pensamos num projeto que
pudesse envolver a comunidade, na época nos chamamos os vizinhos que
moravam nas casas próximas por que a região da Barra Funda é uma
região que tem muitas casas tradicionais, então tinha muita gente que
morava naquela região há muitos e muitos anos [...] Eles sugeriram que a
entrada do projeto fosse pela Rua Norma Gianotti. (Supervisora Regional do
Projeto-entrevista realizada)

Outra importante atuação do centro de convivência podemos observar na


narrativa do sujeito 1.

No Centro de Convivência São Martinho, havia orientação. Foi o primeiro


local aonde a assistente social me chamou para conversar e saber o que eu
queria, o que eu estava fazendo ali todo dia. Olha que eu estava no albergue
há seis meses e a única coisa que assistente social me chamou foi no dia da
entrevista para perguntar da onde eu estava vindo. (Sujeito 1)

Nota-se que a dinâmica do centro de convivência facilitou o contato com o


profissional do serviço social, à medida que no serviço de albergue isto ocorre
apenas seis meses depois que já estava utilizando o serviço de acolhimento.

A trajetória narrada pelo sujeito para conseguir concretizar seus estudos


também evidência que a utilização de um conjunto de serviços, associado às
vivências significativas, viabilizaram a construção de seu projeto de seu projeto de
vida. No entanto a dualidade persistente, mostra por um lado a capacidade de
fortalecimento e proteção dos serviços e por outro lado, sua configuração
fragilizadora. Quanto a esse aspecto a relação com o profissional, principalmente o
assistente social é muito presente.

MEDEIROS (2010) apresenta um conjunto de depoimentos que expressam


muitas dificuldades, as narrativas apresentam o sentimento de aversão ao
profissional, com queixas sobre a capacidade de realizar o trabalho com o segmento
população em situação de rua.
Falando da incompatibilidade do horário de estudo com os horários do serviço
expressa o sujeito 1:

71
Aí, você encontra um profissional da área social que lida com reinserção
social, são pessoas que podem mudar a situação social e que impedem
você de estudar. Elas dizem olha nós não estamos aqui prontos para que
você vá tomar banho depois das 10 e não podemos guardar uma
alimentação para que você jante. Se você chegar as 10 vai dormir com
fome, então para mim foi assustador encontrar profissionais nessa situação.
(Sujeito 1)

A inversão do direito que provoca a incivilidade se apresenta desviando o


caminho da inclusão e da proteção social para muitos, mas não para todos. O
protagonismo em buscar acesso ao ensino universitário, não seria possível isolado
de um processo envolvendo um conjunto de elementos que foram devolvendo
sentido e significado para que estes sujeitos pudessem reconhecer suas
capacidades e retomar o direito de desejar ter a liberdade de dormir sozinho, tomar
banho com privacidade, desfrutar do silêncio sem precisar abrir mão da refeição, ou
falar sem que lhe mandem calar-se, procurar a família por decisão e necessidade
própria, mas sabendo que pode contar com presenças que garantam os apoios
necessários para reconstrução de sua vida e saída das ruas.
As narrativas mostram uma sucessão de superação de rupturas, fraturas e
vivências de despertencimento e desqualificação que se cristalizam ao longo da
vida. Nessa perspectiva, considerar a possibilidade de retorno ao serviço, após uma
busca de alternativa de saída, não pode ser compreendida como uma reincidência,
mas sim como uma estratégia que foi esgotada e que para aquele sujeito e suas
circunstâncias não foi suficiente. Nesta situação, outras estratégias precisam ser
utilizadas, criadas a partir da reflexão partilhada sobre os limites daquela vivência
imediata. Logo, a heterogeneidade também se dá do ponto de vista das estratégias,
pois não são similares e efetivas a todas as situações vivenciadas.

Eu ia tirar férias um mês antes a psicóloga e uma diretora da entidade


compraram a passagem e falaram: “Você vai ter que viajar.” e falaram: “Sua
mãe não quer seu dinheiro, sua presença é mais importante do que tudo.”.
E foi isso que me fez voltar mesmo, sabe? O apoio mesmo, a segurança...
Elas falaram: “Se por acaso, acontecer de seus pais, todo mundo te
rejeitar nós estamos aqui de braços abertos pra receber você.”. (Sujeito
1 – grifo nosso)

Ao analisar a bibliografia de referência e mesmo as diretrizes da política


voltadas a essa população, constata-se que os elementos identificados para efetivar
o processo de reconstrução da vida estão incorporados nessas elaborações. O
desafio está em assegurar que estes princípios se ampliem para a totalidade dos

72
serviços, o que resultaria na valorização dos sujeitos, na flexibilidade das regras em
conformidade com sua demanda, na escuta, no fortalecimento de sua capacidade de
decisão.

O corpo vivo é mais do que a capacidade de se manter em pé e em


movimento, é o corpo/mente com potência de ação para perseverar na
autonomia e lutar contra tudo que nega a liberdade e felicidade de cada um
e do coletivo. Negar as necessidades básicas do ser humano – potência de
liberdade e felicidade, que podem ser traduzidas por reconhecimento,
carinho, (com)paixão, ter em quem confiar –, é negar sua humanidade e
gerar um profundo sofrimento que pode ser qualificado de ético-político.
(SAWAIA, 2003, p.56).

73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Denise Perroud. A Rede de Atenção a População em Situação de Rua:


possibilidade de interferência e concretização de uma política pública na cidade de
São Paulo. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2010.

BAPTISTA, Myrian Veras. A ação profissional no cotidiano. In: MARTINELLI, M.


Lúcia (Org.) O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber. São Paulo:
Cortez, 1995.

CASTEL, Robert. As armadilhas da exclusão. In: WANDERLEY, Mariangela Belfiore;


BÓGUS, Lúcia; YAZBEK, Maria Carmelita (Orgs). Desigualdade e Questão Social. 3
ed. São Paulo: EDUC, 2008.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Gestão Social: alguns apontamentos para o
debate. In: Gestão Social: uma questão em debates. São Paulo: EDUC, IEE, 1999.

CIAMPA, Antônio da Costa. A estória de Severino e a história de Severina: um


ensaio de psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2005.

D’INCAO, Maria Conceição. Potencial de Transformação Social? . In: Essas


Pessoas a Quem Chamamos População de Rua. Caderno CEAS n. 151, I Seminário
Nacional sobre População de Rua. São Paulo, 1992.

GIORGETTI, Camila. Moradores de rua: uma questão Social? São Paulo: FAPESP,
EDUC, 2006.

______. Entre o Higienismo e a Cidadania - Análise comparativa das representações


sociais sobre os moradores de rua em São Paulo e Paris. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo /Institut d´Études
Politiques de Paris, 2004.

IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no


Brasil. 12 ed. São Paulo: Cortez, 1998.

______. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e formação Profissional.


São Paulo: Cortez, 1998.

74
JUSTO, Marcelo Gomes. “Exculhidos”: ex-moradores de rua como camponeses num
assentamento do MST. Tese (Doutorado em Geografia Humana) Departamento de
Geografia, Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
2005.

KOGA, Dirce; NAKANO, Kazuo. Perspectivas territoriais e regionais para políticas


públicas brasileiras. Serviço Social & Sociedade, ano XXVII, n. 85. São Paulo:
Cortez, março 2006.

KOGA, Dirce; FÁVERO, Eunice; GANEV, Eliane (Orgs). Cidades e Questões


Sociais. São Paulo: Cortez, 2009.

KOWRICK, Lúcio. Viver em Risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil.


São Paulo: Editora 34, 2009.

______. As lutas sociais e a cidade. São Paulo: passado e presente. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988.

MARQUES, Eduardo. Redes Sociais, segregação e pobreza. São Paulo: UNESP;


Centro de Estudo da Metrópole, 2010.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e alienação. 13 ed. São Paulo:
Cortez, 2009.

______. O Serviço Social na transição para o próximo milênio: desafios e


perspectivas. Revista Serviço Social & Sociedade, ano XIX, n. 57. São Paulo:
Cortez, 1998.

______. O ensino teórico-prático do serviço social: demandas e alternativas. Revista


Serviço Social & Sociedade, ano XV, n. 44. São Paulo: Cortez, 1994.

______. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profissional. In:


Revista Emancipação, ano VI, n. 1. Ponta Grossa: UEPG, 2006.

______. Sentido e direcionalidade da ação profissional: projeto ético-político em


Serviço Social. BAPTISTA, Myrian Veras; BATTINI, Odária (Orgs). A prática
profissional do assistente social: teoria, ação, construção de conhecimento. Vol. I.
São Paulo: Veras, 2009.

75
MARTINS, José de Souza. A Sociabilidade do homem simples. Cotidiano e história
na modernidade anômala. 2 ed. revisada e ampliada. São Paulo: Contexto, 2008.

MESZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2006.

MEDEIROS, Alessandra. Pessoas em Situação de Rua: A Saída para a Saída Um


estudo sobre pessoas que saíram da rua. Tese (Doutorado em Serviço Social)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: Crítica ao padrão emergente


de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2008.

NETTO, José Paulo. Para a crítica da vida cotidiana. In: CARVALHO, Maria do
Carmo Brant de; NETTO, José Paulo. Cotidiano: Conhecimento e crítica. 8 ed. São
Paulo: Cortez, 2010.

PAUGAM, Serge. Desqualificação Social: Ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo:
Cortez; EDUC, 2003.

PEREIRA, Marcia Aparecida Accorsi. A População de Rua, As Políticas


Assistenciais Públicas e os Direitos de Cidadania: Uma Equação Possível?
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 1997.

PEREIRA, Potyara A. P. Política Social: temas & questões. São Paulo: Cortez, 2009.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no


registro da informação viva. São Paulo: Taq, 1991.

RAICHELIS, R. Gestão pública e cidade – notas sobre a questão social em São


Paulo. Revista Serviço Social e Sociedade, ano XXVIII, n. 90. São Paulo: Cortez,
junho 2007.

RAMOS, Frederico; KOGA, Dirce. Trajetórias de Vida: desafios da pesquisa


sociourbanística e contribuição para gestão pública. Revista Serviço Social &
Sociedade, n. 106. São Paulo: Cortez, 2011.

76
REIS, Daniela. O Sistema de Informação – SISRUA – Uma contribuição para a
Política de Assistência Social na Cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em
Serviço Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.

ROSA, Cleisa Moreno Maffei. Vidas de Rua. São Paulo: Hucitec, 2005.

SANTOS, Maria Cecilia Loschiavo dos. Notas Sobre a Dinâmica Socioespacial da


População de Rua: Estratégias de Adaptação e Sobrevivência e o Manejo dos
Recursos Disponíveis no Meio Urbano. In: Rua Aprendendo a contar: Pesquisa
Nacional Sobre População de Rua. Brasília: MDS/SAGI/SNAS, 2009.

SANTOS, André Luiz Teixeira dos. A prática dos movimentos de moradia na


produção do espaço da cidade de São Paulo: os limites da participação e a
(im)possibilidade de emancipação. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2010.

SAWAIA, Bader. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética


exclusão/inclusão. In: SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas da Exclusão: análise
psicossocial e ética da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 2004.

______. Fome de felicidade e liberdade. In CENPEC, Muitos lugares para aprender.


São Paulo: CENPEC, Fundação Itaú Social, UNICEF, 2003.

SCHOR, Silvia Maria; VIEIRA, Maria Antonieta da Costa. Principais Resultados do


Censo da População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo, 2009.

SCHLEGEL, Rogério. Educação e Comportamento Político: Os retornos Políticos


Decrescentes da Escolarização Brasileira Recente. Tese (Doutorado em Ciências
Políticas) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, 2010.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo:


Cortez, 2002.

SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil.
São Paulo: Cortez, 2009.

SPOSATI, Aldaíza. Vida Urbana e Gestão da Pobreza. São Paulo: Cortez, 1988.

77
______. O Caminho do Reconhecimento dos Direitos da População em Situação de
Rua: de indivíduo à população. In: Rua, aprendendo a contar: Pesquisa Nacional
Sobre População de Rua. Brasília: MDS/SAGI/SNAS, 2009.

______. Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções


fundantes. In: Concepção e Gestão da Política de Proteção Social não Contributiva
no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome,
UNESCO, 2009.
SPOSATI, Aldaíza et alii. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras:
uma questão em análise. São Paulo: Cortez, 1995.

______. Os direitos (Dos Desassistidos) Sociais . São Paulo: Cortez, 2008.


VARANDA, Walter. Do direito a vida à vida como direito: sobrevivência, intervenções
e saúde de adultos destituídos de trabalho e moradia nas ruas da cidade de São
Paulo. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Departamento de Saúde
Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2003.

TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1999.

______. Pobreza e Cidadania. São Paulo: Editora 34, 2001.

______. Pontos e linhas Trajetórias Urbanas: fios de uma descrição da cidade. In


TELLES, Vera da Silva e Cabanes (orgs), Nas Tramas da Cidade: trajetórias
urbanas e seus territórios. São Paulo: Humaitas, 2006. Disponível em
http://www.fflch.usp.br/ds/veratelles/artigos.html.

VIEIRA, M. Antonieta da Costa; BEZERRA, Eneida Maria Ramos; ROSA, Cleisa


Moreno Maffei (Orgs.). População de rua: Quem é, como vive, como é vista. 3 ed.
São Paulo: Hucitec, 2004.

WANDERLEY, Luiz Eduardo. A Questão Social no contexto da globalização: o caso


latino americano e o caribenho. In: Desigualdade e Questão Social. 3 ed. São Paulo:
EDUC, 2008.

______.Os sujeitos sociais em questão. Revista Serviço Social & Sociedade, ano
XIII, n. 40. São Paulo: Cortez, 1992.

YAZBEK, Carmelita Maria. Classes subalternas e assistência social. São Paulo,


Cortez, 2009.

78
______. Pobreza e Exclusão Social: expressões da questão social no Brasil. In:
Temporalis n. 3 (ABEPSS). Brasília: 2001.

______. Assistência social na cidade de São Paulo: a (difícil) construção do direito.


In: Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas
públicas da cidade de São Paulo, n. 22. São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2004.
72p.

ZALUAR, Alba. Quando a Rua não Tem Casa. In: Essas Pessoas a Quem
Chamamos População de Rua. Caderno CEAS n. 151, I Seminário Nacional sobre
População de Rua. São Paulo, 1992.

Documentos

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Política Nacional para Inclusão da População em
Situação de Rua. Brasília: Editora Gráfica, 2008.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília:
2004.
______. Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais. Resolução no. 109/2009.

FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas. Relatório Censo/Fipe 2009.


São Paulo, 2009.

FIPE - Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas. Relatório Caracterização


socioeconômica das pessoas que vivem nas ruas na região central. São Paulo,
2009.

O TRECHEIRO. Notícias do Povo da Rua. (Jornal de veiculação mensal). São


Paulo: Rede Rua de Comunicação, ed. Maio/2003.

SÃO PAULO. Lei Municipal n.12.316 de 16 de abril de 1997. Cria a política de


atenção à população de rua.

79
______. Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal da Assistência
Social. Plano de Assistência Social da Cidade de São Paulo PLASsp 2009-2012.
São Paulo, 2009

______. Decreto n. 40232, de 2 de Janeiro de 2001. Regulamenta a Lei n. 12.316,


de 16 de abril de 1997. São Paulo, 2001. Dispõe sobre a obrigatoriedade do poder
público municipal prestar atendimento à população de rua na cidade de São Paulo.
______. Pesquisa Sócio-antropológica Trajetória de Vida da População atendida nos
serviços de acolhimento para adultos em situação de rua no Município de São
Paulo. CERU – Centro de Estudos Rurais e Urbanos da USP; SADS – Secretaria da
Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo 2009/ 2010.

Sites

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Pesquisa


Nacional sobre a População de Rua. 2009. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/arquivos/sumario_executivo_pop_rua.pdf>. Acesso em: 05
nov. 2009.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Indicadores Sociais.


Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 13 dez. 2011.

SÃO PAULO (Municipal) A Cartilha da Área Central. Disponível em:


<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/
sp_urbanismo>. Acesso em: 13 dez. 2011.

SÃO PAULO. (Municipal) Operações Urbanas. Disponível em:


<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/sp_urb
anismo/operacoes_urbanas/centro/index.php?p=19620>. Acesso em 13 dez 2011.

SÃO PAULO. (Municipal) Olhar São Paulo. Contrastes Urbanos. Disponível em:
<http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/contrastes_urbanos/>. Acesso em 13 dez 2011.

SÃO PAULO (Estado). Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados – SEADE.


Retratos de São Paulo. Disponível em: <http://www.seade.gov.br> . Acesso em: 13
dez 2011.

80

Вам также может понравиться