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somente alguns dos tópicos da extensa literatura acumulada durante as duas últimas
décadas.103
questões. Em geral, as reflexões sobre o Estado foram mais capazes de conduzir à pesquisa
propriamente sobre o papel político dos militares. E mesmo quando entre nós a Ciência
Política avançou no campo das relações internacionais –como tem mais recentemente
acontecido - não foi colocado, com a devida ênfase, na pauta de investigações, o papel dos
militares na formulação de nossa política externa, no que diz respeito à inserção dos estado
103
Cf. David A. Gold, Clarence Y.H.Lo e Erik O. Wright “Recientes Desarrollos em la Teoría Marxista del
Estado Capitalista” em Heinz Rudolf Sontag & Héctor Valecillos (eds.) El Estado em el Capitalismo
Contemporâneo, México, Siglo XXXI Editora, 1979 (2º Edição). Cf., também, Figueiredo, Eurico de Lima
“The Role Of Military In Latin America: A Critical Review Of The Literature” , trabalho apresentado na
Society of Latin American Studies, Swansea University, England, Reino Unido. Abril, 1975. Esse último
sistematiza e comenta a bibliografia dos anos 60 até meados anos 70.
106
brasileiro (e, por extensão, estados latino-americanos) no contexto do sistema internacional.
Esse relativo desinteresse pela “dimensão militar” do Estado era, e ainda é, em muitos
não decisivos, não somente como dirigentes da elite governamental, mas também, mais
Neste sentido, eles conferiram aos seus papéis um conteúdo substancialmente diferente
daquele observado nos países centrais do mundo ocidental, onde, em geral, a hegemonia
burguesal, sob a égide dos valores da democracia liberal ou social, soube capturar –com
necessária “massa crítica” nos ambientes acadêmicos para absorve-las mais criticamente.
Porém, em países como o Brasil, nas últimas duas décadas, quando as ciências sociais
104
Cf. Joseph Comblin A Ideologia da Segurança Nacional (O Poder Militar na América Latina), Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, página 2.
105
Será preciso ainda um esforço mais sistemático e profundo para dar conta do modo pelo qual os valores
liberais burgueses penetraram, nos tempos modernos e contemporâneos, na organização militar. Será preciso
um trabalho que: a)- seja capaz de produzir uma teoria dessas relações (valores liberais burgueses versus
organização militar); b)- seja capaz de de aplica-la adequadamente em cada caso pertinente e, havendo o
adequado rigor empírico, c)- seja capaz de mostrar-se verificável. Para uma apreciação de que modo isso foi
tentado nas tentativas marxistas “clássicas” ver a antologia preparada por Batistelli, Fabrizio (organizador)
Esercito e Società Borghese, Roma, Savelli, 1976. Há ali indicações válidas, mas também a evidência de que
faltava um trabalho teórico coerente e consistente ao qual faltava, ademais, em geral, suficiente suporte
empírico.
107
revelaram notável desenvolvimento, os debates foram assimilados e desenvolvidos por uma
para o conflito interagiam com a comunidade militar, e vice-versa. Na década de 50, o tema
ganhou um tratamento mais amplo, a partir de uma perspectiva política, com a formação de
uma nova ordem internacional, no contexto da Guerra Fria. Talvez nenhum cientista
político tenha tido um papel tão importante como Samuel Huntigton na proposição de um
conjunto de questões que traziam o tema das relações civis-militares para dentro do seu
próprio país.107 De fato, Huntigton não estava apenas interessado no exame das relações
ponto por ele considerado ainda mais importante: qual o padrão que melhor se adequava à
segurança e à defesa dos Estados Unidos. A questão das relações entre civis e militares logo
Mas o papel dos militares nos EUA (e, por extensão, nos países do primeiro mundo
europeu ocidental), era teoricamente percebido como diferente dos papéis políticos da
106
Cf., por exemplo, Sonntag & Valecillos, op.cit.; Lellio Basso (ed.) Stato et Crise de L’État, Paris, PUF,
1976; Amy .
107
Um exemplo da qualidade encontra-se na obra de Samuel P. Huntigton The Soldier and the State, New
York, Vintage Books, 1957.
108
papéis precisavam ser investigados segundo a ótica dos interesses estratégicos norte-
Monroe (1823), não levou, entretanto, transcorridas mais de uma centúria e meia, a uma
preocupação por assim dizer “mais profunda” com os problemas histórico-sociais da região.
A atenção dada àAmérica Latina foi sempre de natureza secundária, não somente em
termos gerais, mas também, no que aqui interessa, em relação à participação militar na
política. Foi somente depois do surgimento de Fidel Castro em Cuba que a região foi
Deparment, foi surgindo uma nova geração de cientistas sociais e historiadores voltadas
chegaram aos que se dispunham a realizar seus estudos e pesquisas sobre a região. Nessas
circunstâncias, a influência de Huntington –cujo livro seminal The Soldier and the State é
No que diz respeito ao que aqui interessa mais de perto - o papel político dos
militares na América latina - um dos primeiros estudos que marcou a literatura sobre a
produziram significativo acervo de trabalhos sobre o tema. Como era de esperar, ele
108
E.Liewen, Arms and Politics in Latin América, New York, Frederick A. Praeger, 1960.
109
Division for The Americans Republic em 1952/53. Em 1958 ele publicou um livro em que
deixou claro seu propósito de entender como os setores intermediários da América latina
questões relativas às mudanças políticas e às reformas estruturais. 109 Em 1962 ele publicou
outro trabalho onde apresentou os militares como um grupo competitivo (competing group)
que se diferenciava dos interesses das elites agrárias tradicionais, porquanto imbuídos de
livro sobre os militares na América Latina, onde apresentou e defendeu uma importante
tese, densa de conseqüências políticas. Nesse estudo os militares da região eram propostos
trabalhos de cientistas políticos como Shils e McAlister, Almond e Coleman, Apter, Pye e
Janowitz, entre outros.112 Muito deles estavam mais preocupados com as questões
109
Johnson, John J. Political Change in Latin America: The Emergence of the Middle Sectors, Stanford,
Stanford University Press, 1958.
110
Johnson, John J. “Tha Latin American-American Military as a Politically Competing Group in Transitional
Society”, capítulo do livro organizado por ele The Role of the Military in Underdeveloped Countries,
Princeton, Princeton University Press, 1962.
111
Johnson, John J The Military and Society in Latin America, Stanford, Stanford University Press, 1964,
página 262, principalmente.
112
Almond (Gabriel Abraham) e Coleman (James Smoot) The Politics of the Developing Areas, Princeton,
Princeton University Press, 1960; Apter, David The Politics of Modernization, Princeton, Princeton
University Press, 1965; Janowitz, Morris The Military in the Political Developmento of New Nations: an
Essay in Comparative Analysis,Chicago, Chicago University Press, 1964; Pye, Lucien “Armies in the
Process of Political Modernization” (in Johnson, John J (organizador) The Role of the Military in
Underdeveloped Countries, Princeton, Princeton University Press, 1962); McAlister, Lyle M. “ The Military”
(in Johnson, John J (organizador) Continuity and Change in Latin America, Stanford, Stanford University
Press, 1964; Shils, Edward, Political Development in the New States, The Hague, Mouton, 1962.
110
outra maneira. Tratava-se, sob a influência maior ou menor das idéias de Huntington &
Johnson, entender de que modo os militares da região poderiam ser ou não os atores
centrais –e, pour cause, mais eficazes!- nos processos de mudança no continente latino-
militar na política para o problema da hegemonia dominante. De fato, essas questões entre
muitas outras, pareceram estar além de seus interesses. Trabalhos importantes relativos ao
caso brasileiro mostravam bem a despreocupação dos chamados brazilianists sobre aquele
elenco de questões.113
situação continuou, mesmo ante a onda de golpes de estado militares que sacudiu a região
nos anos 60 e 70. No Brasil o tema só ganharia, por assim dizer, “momento”, a partir da
década de 70, e, no que aqui interessa mais objetivamente a essa exposição, sob a influência
113
O mais conhecido exemplo, e talvez o melhor, é o de Alfred Stepan, The Military in Politics, Changing
Patterns in Brazil. Princeton/New Jersey, Princeton University Press, 1971.
114
Isso não quer dizer que ocorreu -tão somente- a influência européia ou a de inspiração huntigtoniana.
Aqui no Brasil trabalhos de grande importância sobre o tema inspiraram-se em teorias em voga nos EUA que
davam ênfase aos aspectos organizacionais da corporação militar, tendo em vista, em geral, por exemplo, as
contribuições de Erwin Goffman, Amitai Etzione e, no plano mais propriamente militar, de Morris Janowitz.
Dois exemplos servem para enunciar a qualidade e a pertinência desses trabalhos: José Murilo de Carvalho
“Organization Roles Belief Systems and Military Politics in Brazil” (texto mimeografado, Departamento de
Ciência Política da UFMG, 1970) e Edmundo Campos Coelho, Em Busca da Identidade: O Exército e a
Política Brasileira. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1976.
111
III
da vida política. Em suas formas mais desenvolvidas, ela teria surgido e se movimentado
externa.116
117
Colocando-se de lado as questões relativas à sua gênese, o Estado não poderia
ser caracterizado como “um jogo de cabras cegas”. Nele predominariam certos interesses,
dependendo de cada situação singular concreta e objetiva. De igual modo, outros nem
sequer teriam força de penetração nas complexas engrenagens estatais; seriam marginais,
115
Tornou-se particularmente célebre o famoso debate Ralph Miliband versus Nico Poulantzas a partir de
seus livros, respectivamente The State in Capitalist Society, London, Quartet Books, 1973 e Pouvoir Politique
et Classes Sociales de l’Etat Capitaliste, Paris, Maspero, 1968.
116
Uma exposição sistemática resumida a respeito do fenômeno estatal, mas muito competente, pode ser
encontrada em Marcos T. Kaplan A Formação do Estado Nacional, Rio de Janeiro, Eldorado, 1974, páginas
9-41.
117
Classicamente, o objetivo central de Engels na sua conhecida obra sobre a origem do Estado, da família e
da propriedade.
112
secundários ou, simplesmente, excluídos. Mas poder-se-ia encontrar fortes elementos de
convicção para supor que o nó górdio da questão residiria na necessária relação entre a
estrutura de classes e o sistema estatal. Mas, ao se propor tal relacionamento, (os interesses
No que se referia à América Latina, era essa uma questão da maior importância.
Desde os seus primórdios a atuação militar não pôde deixar de ser observada pelos analistas
mais atentos. 118 A partir dos movimentos de independência os militares passaram a ser
parte –se não decisiva, pelo menos, integrante - dos processos de tomada de decisão
política, de uma forma mais ou menos direta, com durações de intensidades variadas.
Embora o discurso ideológico dominante tenha sido de índole liberal-republicana, foi essa a
“realidade do processo”. Mas seria pobre a interpretação segundo a qual a atuação militar
no continente poderia ser simplesmente explicada como expressão do “comitê armado” dos
interesses dominantes (o que não significa que, em alguns casos, ele não tenha sido). A
experiência européia servia para iluminar a realidade latino-americana, até por ser mais
questão da participação militar se apresentava. Mas isso levava a uma espécie de impasse
conjunto de todas as relações causais e funcionais (de modo que uma mudança em uma
118
“Durante o período colonial a conquista da terra apresenta, por isso, um caráter essencialmente guerreiro.
Cada latifúndio desbravado, cada sesmaria povoada, cada curral erguido, cada engenho ‘fabricado’, tem,
como preâmbulo necessário, uma árdua empresa militar”. Vianna, Oliveira Evolução do Povo Brasileiro, São
Paulo, 1938, página 96. Apud Sodré, Nelson Werneck História Militar do Brasil, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2ª edição, nota nove, página 24. Grifos meus, ELF.
113
parte do sistema determinasse repercussões por toda parte), então poder-se-ia supor que
cada plano particular da realidade social seria relativamente autônoma. Entretanto, neste
deveria ser concebida como uma entidade orgânica e suas partes poderiam ser identificadas
e analisadas somente por sua função. De outro lado, quando e se escolhesse, a priori, uma
econômico para mudanças nos níveis político e ideológico, perdendo a política sua
economia. Esse “modo teórico” parecia, então, incapaz de perceber e explicar as relações
que o Estado mantém com a própria estrutura de classes e a sua complexa diferenciação
interior, que é permeada por estratos ou camadas, exibe elementos próprios, ostenta funções
Postura diferente, entretanto, seria propor o fenômeno estatal como uma instituição
produção.119 Trata-se, agora, de uma categoria abstrata formal, capaz de orientar a pesquisa
empírica. Indica tal conceito a predominância do nível econômico, onde o nível político-
119
Uma definição mais compreensiva dessa categoria encontra-se em Poulantzas, Nicos Poder Político y
Classes Sociales em el Estado Capitalista, México, Siglo XXI, 1970, páginas 4-7. Veja-se também do
mesmo autor State, Power and Socialism, Londres, NLB, 1978, páginas 17-25.
114
ideológico -aqui compreendendo o sistema de Estado - conserva o acervo de suas próprias
peculiaridades.120
“eventual “saída”, visando levantar o debate crítico a respeito do tema, tendo em vista não
120
O nível político-ideológico transcende os limites do estado, já que existem outras formas de organização
política. Veja Krader, Lawrence Formation of the State. New Jersey, Prentice Hall, 1967.
121
Eliézer Rizzo de Oliveira, As Forças Armadas e Ideologia no Brasil (1964 – 1969), Petrópolis, Vozes,
1976; Heloísa Fernandes, Política de Segurança. São Paulo, Alfa-Ômega, 1973 e da mesma autora Os
Militares Como Categoria Social. São Paulo, Global, 1979; Manuel Domingos Neto, L’influence dans la
Modernization de l’Armée Bresilienne (1889 –1930). These Doctorat III Éme Cycle, Université de Paris III,
1979; René Armand Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado (Ação Política, Poder e Golpe de Classe).
Petrópolis, Vozes, 1981; René A. Dreifuss e Otávio Soares Dulci, “As Força Armadas e a Política”. In:
Bernardo Sorj e Maria Hermínia T. de Almeida (Ed.), Sociedade e Política no Brasil Pós – 64. São Paulo,
Brasiliense, 1983.
115
I)- Na América Latina o predomínio dos interesses e privilégios das classes dominantes
foi triunfante. A manutenção, mais do que a mudança estrutural, tem sido predominante.
Em vários aspectos, a América Latina pode ser considerada como uma espécie de “museu
mudança, mas essa mudança política tem sido “atrasada” em relação aos desdobramentos
nas esferas social e, principalmente, econômica. Regimes autoritários (como no Brasil entre
1964 e os dias que correm), antes do que democráticos de “participação limitada” (como no
123
Brasil entre 1945/46 e 1964), têm sido a regra, antes do que a exceção. Se for bem
trouxeram benefícios no âmbito das classes e camadas mais baixas da sociedade, isso não
desenvolvimento não aconteceu de forma que a região pudesse demonstrar um grau mais
alto de autonomia em relação às imposições internacionais, a partir dos anos 30, e mais
III) – Desde o início da década de 70, os analistas têm chamado a atenção para o que
tem sido denominado de “crise hegemônica” na região.125 Essa é uma situação que acontece
quando nenhuma das frações das classes dominantes, ou nenhuma aliança entre tais frações,
122
Ian Roxborough, Theories of Underdevelopment, London/Basingstoke, The MaxMillan Press Ltd., 1979,
página 124.
123
“Participação limitada” já que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi banido da legalidade logo no
alvorecer do novo regime. Nas primeiras eleições realizadas pelo regime de 45//46 os comunistas chegaram a
ter mais 10% dos votos.
124
A referência só é valida em relação as sociedades que trilharam as vias industriais capitalistas. Excluem-se
das generalizações países mais ou menos subordinados ao neocolonialismo, ou países que constituem
‘enclaves econômicos’.
125
Boris Fausto, Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo, Brasiliense, 1971.
116
ostenta condições para, por si só, homogeneizar a direção dos aparatos estatais. É nesse
nacionais nos planos políticos e econômicos. Procuraram retirar da sua posição privilegiada
junto ao “Príncipe” as condições e os meios para fazer valer suas idéias e posições em
militares já buscavam estabelecer uma compreensão estratégica que pudesse elevar o grau
cercaram o movimento de 30, era dada pelo espaço político ocupado pela corporação
só os grupos e facções que apoiavam Vargas encontravam apoio na corporação militar para
militares, assim como a “nova” burocracia que ganhava corpo no processo de decisão
de Vargas, com perfil personalista e carismático, liberou espaços para manobras políticas
126
Cf. Pereira, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil (1930-1967). Rio de Janeiro: Zahar
Ed., 1968, cap. IV, páginas. 99-127.
117
privilegiada posição política, e a elite governante, Vargas a frente, não poderia governar
sem eles. A corporação militar, calcada em princípios nacionalistas, que vinham de longe,
solidariedade e lealdade aos interesses instituídos. Seria irreal supor que os pudessem
se propõem como intérpretes e executores das expectativas das dominantes. Mas, como tal,
a autonomia militar encontra aqui óbices de ordem estrutural. No limite, não se pode falar
estado não é uma entidade abstrata que flutua acima das realidades objetivas. É difícil
precisar, a princípio, o que os militares podem realmente fazer; mas pode-se certamente
prever o que eles não podem fazer. Na América latina os militares têm, assim,
permanecido, até agora, alinhados com os interesses dominantes. Não poderia, talvez,
deixar de ser assim porquanto, em última análise, a corporação castrense visa à manutenção
da lei e da ordem.
militares é ambígua. Por um lado, eles não podem deixar de reverencias os valores
127
Uma “sociedade pretoriana” é uma sociedade onde as forces sociais não reconhecem, ou aceitam, as
instituições políticas existentes e as classes políticas como legítimas e capazes de mediar os conflitos que
resulta da luta entre interesses em choque. Cf. Huntigton, Samuel P. El Orden Político em las Sociedades em
Cambio, Buenos Aires, Paidos, 1972, página 178.
118
outro lado, eles comungam de propósitos “modernos”, até para que possam cumprir
Na América latina, e em particular no Brasil, ainda nos dias que correm, a objetivação
128
dessas conexões pode ser encontrada nas chamadas doutrinas de “segurança nacional”.
As rationales básicas dessas doutrinas são definidoras de um novo papel para as forças
armadas na América Latina. Procuram propor o estamento militar como figurante político
inaptas na busca de projetos efetivos e coerentes no que diz respeito à construção de uma
mudança macro-política, como a incorporação das classes populares à arena política. Mas
esse aspectos das doutrinas de segurança nacional são, em função de seus “valores
ridicularizados. Sob essas circunstancias, não é surpreendente observar que essas doutrinas
sirvam mais a racionalização da ação dos aparelhos de estado repressivos, tendo rarefeita
VI) – Uma teoria com base empírica deve lidar com o entrelaçamento de duas
particularidades históricas de uma dada corporação militar. A segunda deve tratar do modo
atenção para o fato de que o estabelecimento militar tem seus valores profissionais
128
Comblin, op.cti.
119
modo de inserção da corporação militar nas condições histórias prevalecentes em uma
sociedade. Em um meio social onde não exista uma ideologia hegemônica subordinando as
forças armadas ao poder civil, é provável que eles buscarão sua própria identidade
exército com tradição golpista. Quando isso acontece, há uma dupla perversão. A
penetração dos valores políticos no estamento militar tende a enfraquecer seus valores
sua reversão quando e se a sociedade civil puder organizar uma “resistência democrática
a ser sua configuração em um dado caso particular – deverá estar relacionada diretamente a
burgueses, no que diz respeito à sua visão de mundo e à sua prática social. Logo,
projeto sob a égide da chamada “burguesia nacional” tem sido comprometido pela prática
exageradamente entre uma posição “progressista” (como foi, no Brasil, nos anos 30) e uma
outra “conservadora”(como tem sido, também no Brasil, nos anos 60). De outro lado, a
reversão poderá vir a ocorrer quando e se houver a condições para a via revolucionária
120
e a fortiori, no Brasil, essa segunda via parece distante da realidade imediata objetiva. Não
movimentos nessa direção arriscam-se a enfrentar forte repressão instituída. Nesse caso, ao
Servem, na verdade, para instrumentalizar a repressão, mesmo que se sabe que a sociedade
cada vez mais se identifica com os padrões da sociedade burguesa e do aprofundamento das
formuladas, trazem dentro de si a sua própria força; mas, quando equivocadas, trazem em
hierarquia. A obediência ao comando superior não pode ser contestada, a não ser em
condições excepcionais, previstas pela própria corporação. Sem esses valores, ela perde
sua razão de ser e corre o risco insuportável de deixar de existir como uma organização
eficiente e funcional. Nada é mais importante para a organização militar do que a própria
manutenção da organização ela mesma. Quando ocorre o envolvimento político direto com
corporativa, é um dos fatores que -pelo menos ao nível do discurso - inibe a intervenção
militar. Não sem freqüência, por isso mesmo, as lideranças da corporação, preocupadas
da hierarquia, têm que, seriamente, considerar a sua retirada dos dispositivo formais do
poder. No caso brasileiro, quando do golpe de 1964, o governo Castelo Branco entendeu –
121
ordem e a corrupção dos valores e das práticas), poderiam os militares voltar a cumprir sua
“função tutelar”, exercendo a devida vigilância em relação ao que eles entendem ser o
destino histórico da nação.129 Esse afastamento, entretanto, considerado como uma decisão
espontânea, significa que quando os militares desistem de sua “função cirúrgica”, não
necessariamente implica que eles também tenham aberto a mão da sua “função tutelar”,
continuam autoproclamando-se como uma instituição acima das instituições e, desse modo,
IX)- A eventual retirada dos militares do Estado na região deverá requerer a presença
O primeiro diz respeito ao encorpamento das tensões entre a sociedade civil e o Estado.
No caso brasileiro, o raio das alianças políticas que se opõem ao Estado militar vêm
crescendo rapidamente. Nos dias que correm, é cada vez mais extensa a abóbada que une os
altas classes médias e suas instituições representativas) e os pontos mais a esquerda (entre
129
Essas duas funções –a “cirúrgica” e a “tutelar” - foram examinadas em Figueiredo, Eurico de Lima Os
Militares e a Democracia, Rio de Janeiro, Graal, 1980. Nesse trabalho empreende-se análise estrutural dos
discursos ideológicos do Presidente Castelo Branco. A autocompreensão da missão demiúrgica da corporação
militar – na sua essência, anti-republicana e antidemocrática - é denominada no trabalho em pauta de “mito da
excepcionalidade institucional”.
130
Essas duas funções –a “cirúrgica” e a “tutelar” - foram examinadas em Figueiredo, Eurico de Lima Os
Militares e a Democracia, Rio de Janeiro, Graal, 1980. Nesse trabalho empreende-se análise estrutural dos
discursos ideológicos do Presidente Castelo Branco. A autocompreensão da missão demiúrgica da corporação
militar – na sua essência, anti-republicana e antidemocrática - é denominada no trabalho em pauta de “mito da
excepcionalidade institucional”.
131
Cf. Eurico de Lima Figueiredo, “O que faremos com os militares?” In Lua Nova, volume I, nº 4, 1985,
páginas 23/25.
122
privadas, o artista “global”, etc, marcham lado a lado nas ruas exigindo o fim do regime
autoritário.
O segundo diz respeito aos conflitos internos à própria corporação militar, quando se
em que o status quo passa a enfrentar tensões cada vez maiores, (sejam elas de origem
econômica, social ou política, ou mesmo uma combinação com pesos variados dessas três
origens), a tendência é a explicitação das divergências. Essas, por sua vez, podem conduzir
interior das forças armadas. Nessas circunstâncias, é a própria alta hierarquia que toma as
devidas providências para a retirada dos militares dos dispositivos de tomada de decisão
Seja lá qual for o futuro do processo de democratização no País, ele só atingirá estágios
123
Parece, que se avança nessa direção, tendo em vista os elementos de convicção acima
indicados. Mas, seja lá como for, a retirada dos dispostivos de decisão do Estado, não
significará sua saída dos crredores do poder. Na verdade, por um bom tempo ainda, parece
que eles continuarão a chamar para si a função de numes tutelares dos destinos da nação.
Não poderá, na verdade, ser de outra maneira. Tem sido longo e profundo o
república e dos procedimentos democráticos entre nós, vencido o ciclo militar, requererá
ainda um longo e – pode-se prever!- acidentado trajeto até a sua plena afirmação.
Natura non facit saltum, diziam os latinos. Sim, a natureza não dá saltos. E a história
(*) - Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentado na XXª Conferência do
“Inter-University Seminar” na Universidade de Chicago, Estados Unidos, em outubro
de 1983. Esta versão reproduz a palestra apresentada no Seminário “Estado e
Sociedade”, organizado pelo autor deste artigo, em setembro de 2004 no Núcleo de
Pós-Graduação e Pesquisa do Instituto Metodista Bennett, no Rio de Janeiro.
(**) – Atualmente Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
(Mestrado e Doutorado) da UFF
132
Eurico de Lima Figueiredo (organizador) Os Militares e a Revolução de 30, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1979, páginas 9/12.
124
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Figueiredo, Eurico de Lima “The Role Of Military In Latin America: A Critical Review
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125
_________________________“The Role Of Military In Latin America: A Critical
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Janowitz, Morris The Military in the Political Developmento of New Nations: an Essay
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Johnson, John J . The Military and Society in Latin América, Stanford, Stanford
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Pye, Lucien, “Armies in the Process of Political Modernization” (in Johnson, John J
(organizador) The Role of the Military in Underdeveloped Countries, Princeton,
Princeton University Press, 1962.
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127