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O ESTADO E OS MILITARES

NOTAS SOBRE A LITERATURA (*)

Eurico de Lima Figueiredo (**)

Durante os anos 60 e 70, o problema do Estado foi centro de intenso debate. As

singularidades da categoria; seu relacionamento com a estrutura de classes e as forças

produtivas; a questão da, ideologia, da hegemonia e o sistema estatal, - esses foram

somente alguns dos tópicos da extensa literatura acumulada durante as duas últimas

décadas.103

No âmbito das controvérsias, uma bibliografia não tão extensa se dedicou ao

exame das particularidades da instituição militar e o seu envolvimento com os processos de

participação política. O retrospecto crítico da literatura disponível deixa evidente que a

atenção dispensada ao tema foi relativamente secundária em comparação com outras

questões. Em geral, as reflexões sobre o Estado foram mais capazes de conduzir à pesquisa

teórica e empírica sobre o empresariado e a classe trabalhadora, sobre instituições como os

partidos políticos e os grupos de interesse, sobre a igreja e a universidade, do que mais

propriamente sobre o papel político dos militares. E mesmo quando entre nós a Ciência

Política avançou no campo das relações internacionais –como tem mais recentemente

acontecido - não foi colocado, com a devida ênfase, na pauta de investigações, o papel dos

militares na formulação de nossa política externa, no que diz respeito à inserção dos estado

103
Cf. David A. Gold, Clarence Y.H.Lo e Erik O. Wright “Recientes Desarrollos em la Teoría Marxista del
Estado Capitalista” em Heinz Rudolf Sontag & Héctor Valecillos (eds.) El Estado em el Capitalismo
Contemporâneo, México, Siglo XXXI Editora, 1979 (2º Edição). Cf., também, Figueiredo, Eurico de Lima
“The Role Of Military In Latin America: A Critical Review Of The Literature” , trabalho apresentado na
Society of Latin American Studies, Swansea University, England, Reino Unido. Abril, 1975. Esse último
sistematiza e comenta a bibliografia dos anos 60 até meados anos 70.

106
brasileiro (e, por extensão, estados latino-americanos) no contexto do sistema internacional.

Esse relativo desinteresse pela “dimensão militar” do Estado era, e ainda é, em muitos

aspectos, surpreendente. No terceiro mundo em geral, e em particular na América latina, as

forças armadas frenquentemente ultrapassaram suas funções profissionais imediatas para

desempenhar papéis decisivos no processo político. No caso da América Latina, no périplo

histórico republicano, em muitos casos, os militares representaram papéis importantes, se

não decisivos, não somente como dirigentes da elite governamental, mas também, mais

recentemente, como verdadeiros idéologos do desenvolvimento e da segurança nacional.104

Neste sentido, eles conferiram aos seus papéis um conteúdo substancialmente diferente

daquele observado nos países centrais do mundo ocidental, onde, em geral, a hegemonia

burguesal, sob a égide dos valores da democracia liberal ou social, soube capturar –com

engenho e arte - a obediência e a lealdade das forças armadas.105

As controvérsias teóricas relativas ao “Estado” nos anos 60 e, principalmente

70, desenvolveram-se, principalmente, na Europa. Não ecoaram de maneira uniforme nos

países latino-americanos, até porque não havia, em geral, na região, a acumulação da

necessária “massa crítica” nos ambientes acadêmicos para absorve-las mais criticamente.

Porém, em países como o Brasil, nas últimas duas décadas, quando as ciências sociais

104
Cf. Joseph Comblin A Ideologia da Segurança Nacional (O Poder Militar na América Latina), Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, página 2.

105
Será preciso ainda um esforço mais sistemático e profundo para dar conta do modo pelo qual os valores
liberais burgueses penetraram, nos tempos modernos e contemporâneos, na organização militar. Será preciso
um trabalho que: a)- seja capaz de produzir uma teoria dessas relações (valores liberais burgueses versus
organização militar); b)- seja capaz de de aplica-la adequadamente em cada caso pertinente e, havendo o
adequado rigor empírico, c)- seja capaz de mostrar-se verificável. Para uma apreciação de que modo isso foi
tentado nas tentativas marxistas “clássicas” ver a antologia preparada por Batistelli, Fabrizio (organizador)
Esercito e Società Borghese, Roma, Savelli, 1976. Há ali indicações válidas, mas também a evidência de que
faltava um trabalho teórico coerente e consistente ao qual faltava, ademais, em geral, suficiente suporte
empírico.

107
revelaram notável desenvolvimento, os debates foram assimilados e desenvolvidos por uma

comunidade mais preparada em termos intelectuais e científicos.106

Mas, antes de se abordar o estágio crítico sobre o assunto na Europa, assim

como as suas repercussões na América latina, é importante e oportuno tecer alguns

comentários sobre a literatura relativa ao tema nos Estados Unidos.

Nesse país, já no decorrer da Segunda Guerra Mundial, surgiu uma fértil

“Sociologia Militar” interessada em entender de que modo os milhões de civis mobilizados

para o conflito interagiam com a comunidade militar, e vice-versa. Na década de 50, o tema

ganhou um tratamento mais amplo, a partir de uma perspectiva política, com a formação de

uma nova ordem internacional, no contexto da Guerra Fria. Talvez nenhum cientista

político tenha tido um papel tão importante como Samuel Huntigton na proposição de um

conjunto de questões que traziam o tema das relações civis-militares para dentro do seu

próprio país.107 De fato, Huntigton não estava apenas interessado no exame das relações

civis-militares e o sistema liberal-democrático de seu país. Colocava na pauta do dia um

ponto por ele considerado ainda mais importante: qual o padrão que melhor se adequava à

segurança e à defesa dos Estados Unidos. A questão das relações entre civis e militares logo

ganharia, a partir daí, crescente relevância na agenda da Ciência Política norte-americana.

Mas o papel dos militares nos EUA (e, por extensão, nos países do primeiro mundo

europeu ocidental), era teoricamente percebido como diferente dos papéis políticos da

corporação castrense na África e na Ásia e, de resto, em todo mundo. No substancial, tais

106
Cf., por exemplo, Sonntag & Valecillos, op.cit.; Lellio Basso (ed.) Stato et Crise de L’État, Paris, PUF,
1976; Amy .
107
Um exemplo da qualidade encontra-se na obra de Samuel P. Huntigton The Soldier and the State, New
York, Vintage Books, 1957.

108
papéis precisavam ser investigados segundo a ótica dos interesses estratégicos norte-

americanos no contexto da Guerra Fria.

O interesse norte-americano na América latina, presente desde a doutrina

Monroe (1823), não levou, entretanto, transcorridas mais de uma centúria e meia, a uma

preocupação por assim dizer “mais profunda” com os problemas histórico-sociais da região.

A atenção dada àAmérica Latina foi sempre de natureza secundária, não somente em

termos gerais, mas também, no que aqui interessa, em relação à participação militar na

política. Foi somente depois do surgimento de Fidel Castro em Cuba que a região foi

“descoberta” em termos de seu status geopolítico. Induzido pelos interesses do State

Deparment, foi surgindo uma nova geração de cientistas sociais e historiadores voltadas

para o ensino e a pesquisa da “realidade latino-americana”. Recursos abundantes logo

chegaram aos que se dispunham a realizar seus estudos e pesquisas sobre a região. Nessas

circunstâncias, a influência de Huntington –cujo livro seminal The Soldier and the State é

de 1957 e, portanto, anterior à Revolução cubana - far-se-ia sentir intermitentemente.

No que diz respeito ao que aqui interessa mais de perto - o papel político dos

militares na América latina - um dos primeiros estudos que marcou a literatura sobre a

questão, realçou a escassez de material disponível sobre a questão.108 O incremento da

literatura foi, entretanto, rápido e substancial. Preocupados com as questões da

modernização no panorama da Guerra Fria, os cientistas políticos norte-americanos

produziram significativo acervo de trabalhos sobre o tema. Como era de esperar, ele

influenciou, ademais, a própria política externa dos EUA na região.

Um dos mais conhecidos pesquisadores, John J. Johnson, -uma espécie de

Huntington na versão latinamericanist - havia sido Chefe do South American Branch-

108
E.Liewen, Arms and Politics in Latin América, New York, Frederick A. Praeger, 1960.

109
Division for The Americans Republic em 1952/53. Em 1958 ele publicou um livro em que

deixou claro seu propósito de entender como os setores intermediários da América latina

poderiam ser as alavancas promotoras do desenvolvimento, colocando em segundo plano as

questões relativas às mudanças políticas e às reformas estruturais. 109 Em 1962 ele publicou

outro trabalho onde apresentou os militares como um grupo competitivo (competing group)

que se diferenciava dos interesses das elites agrárias tradicionais, porquanto imbuídos de

uma perspectiva nacional-desenvolvimentista.110 Em 1964 Johnson publicou seu famoso

livro sobre os militares na América Latina, onde apresentou e defendeu uma importante

tese, densa de conseqüências políticas. Nesse estudo os militares da região eram propostos

como os principais agentes da modernização.111

Entre o final dos anos 60 e o meados da década de 70, o número de pesquisas

teóricas e empíricas cresceu significativamente, como se pode verificar, principalmente, em

trabalhos de cientistas políticos como Shils e McAlister, Almond e Coleman, Apter, Pye e

Janowitz, entre outros.112 Muito deles estavam mais preocupados com as questões

substantivas relativas à “modernização política” ou do “desenvolvimento político”. Porém,

direta ou indiretamente, a análise do papel do militar na política ocupava um lugar

importante em suas preocupações e, afinal, seus seus objetivos coincidiam, de uma ou de

109
Johnson, John J. Political Change in Latin America: The Emergence of the Middle Sectors, Stanford,
Stanford University Press, 1958.
110
Johnson, John J. “Tha Latin American-American Military as a Politically Competing Group in Transitional
Society”, capítulo do livro organizado por ele The Role of the Military in Underdeveloped Countries,
Princeton, Princeton University Press, 1962.
111
Johnson, John J The Military and Society in Latin America, Stanford, Stanford University Press, 1964,
página 262, principalmente.
112
Almond (Gabriel Abraham) e Coleman (James Smoot) The Politics of the Developing Areas, Princeton,
Princeton University Press, 1960; Apter, David The Politics of Modernization, Princeton, Princeton
University Press, 1965; Janowitz, Morris The Military in the Political Developmento of New Nations: an
Essay in Comparative Analysis,Chicago, Chicago University Press, 1964; Pye, Lucien “Armies in the
Process of Political Modernization” (in Johnson, John J (organizador) The Role of the Military in
Underdeveloped Countries, Princeton, Princeton University Press, 1962); McAlister, Lyle M. “ The Military”
(in Johnson, John J (organizador) Continuity and Change in Latin America, Stanford, Stanford University
Press, 1964; Shils, Edward, Political Development in the New States, The Hague, Mouton, 1962.

110
outra maneira. Tratava-se, sob a influência maior ou menor das idéias de Huntington &

Johnson, entender de que modo os militares da região poderiam ser ou não os atores

centrais –e, pour cause, mais eficazes!- nos processos de mudança no continente latino-

americano. Em geral, as análises tendiam a confirmar as hipóteses segundo as quais seriam

os militares os agentes privilegiados da modernização.

Essas contribuições não foram orientadas – devido a restrições

epistemológicas – em relação ao problema do Estado. Também não deram muita atenção ao

problema do estado vis-à-vis a dependência externa; ou a aproximação da participação

militar na política para o problema da hegemonia dominante. De fato, essas questões entre

muitas outras, pareceram estar além de seus interesses. Trabalhos importantes relativos ao

caso brasileiro mostravam bem a despreocupação dos chamados brazilianists sobre aquele

elenco de questões.113

No contexto acadêmico brasileiro, e latino-americano em geral, -insista-se- as

investigações relativas ao papel dos militares na política continuaram incipientes. Tal

situação continuou, mesmo ante a onda de golpes de estado militares que sacudiu a região

nos anos 60 e 70. No Brasil o tema só ganharia, por assim dizer, “momento”, a partir da

década de 70, e, no que aqui interessa mais objetivamente a essa exposição, sob a influência

teórica de extração européia.114

113
O mais conhecido exemplo, e talvez o melhor, é o de Alfred Stepan, The Military in Politics, Changing
Patterns in Brazil. Princeton/New Jersey, Princeton University Press, 1971.
114
Isso não quer dizer que ocorreu -tão somente- a influência européia ou a de inspiração huntigtoniana.
Aqui no Brasil trabalhos de grande importância sobre o tema inspiraram-se em teorias em voga nos EUA que
davam ênfase aos aspectos organizacionais da corporação militar, tendo em vista, em geral, por exemplo, as
contribuições de Erwin Goffman, Amitai Etzione e, no plano mais propriamente militar, de Morris Janowitz.
Dois exemplos servem para enunciar a qualidade e a pertinência desses trabalhos: José Murilo de Carvalho
“Organization Roles Belief Systems and Military Politics in Brazil” (texto mimeografado, Departamento de
Ciência Política da UFMG, 1970) e Edmundo Campos Coelho, Em Busca da Identidade: O Exército e a
Política Brasileira. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1976.

111
III

Nos anos 60 e 70 a Ciência Política européia –principalmente na França, na Grã-

Bretanha e na Itália - colocou em sua agenda a questão do Estado, seus elementos e

funções, suas estruturas e processos. No entanto, as alternativas teóricas em jogo não

produziam soluções teóricas relativas à natureza do fenômeno estatal. No nível de

proposições descritivas, entretanto, elas apresentaram uma compreensão mais consistente e

e coerente concernentes à organização e funcionamento do Estado. 115

Poder-se-ia pensar o “Estado” como uma instituição responsável pela sistematização

da vida política. Em suas formas mais desenvolvidas, ela teria surgido e se movimentado

dentro de um determinado espaço territorial e progressivamente, nele, foi reivindicando o

monopólio “físico” da autoridade política suprema. No nível de seu exercício, o estado

concentrava-se na tarefa de institucionalização, legitimidade e consenso, educação e

propaganda, organização coletiva e coesão social. No plano externo, as funções do estado

referir-se-iam ao desenvolvimento das relações internacionais e a interdependência

externa.116
117
Colocando-se de lado as questões relativas à sua gênese, o Estado não poderia

ser caracterizado como “um jogo de cabras cegas”. Nele predominariam certos interesses,

dependendo de cada situação singular concreta e objetiva. De igual modo, outros nem

sequer teriam força de penetração nas complexas engrenagens estatais; seriam marginais,

115
Tornou-se particularmente célebre o famoso debate Ralph Miliband versus Nico Poulantzas a partir de
seus livros, respectivamente The State in Capitalist Society, London, Quartet Books, 1973 e Pouvoir Politique
et Classes Sociales de l’Etat Capitaliste, Paris, Maspero, 1968.
116
Uma exposição sistemática resumida a respeito do fenômeno estatal, mas muito competente, pode ser
encontrada em Marcos T. Kaplan A Formação do Estado Nacional, Rio de Janeiro, Eldorado, 1974, páginas
9-41.
117
Classicamente, o objetivo central de Engels na sua conhecida obra sobre a origem do Estado, da família e
da propriedade.

112
secundários ou, simplesmente, excluídos. Mas poder-se-ia encontrar fortes elementos de

convicção para supor que o nó górdio da questão residiria na necessária relação entre a

estrutura de classes e o sistema estatal. Mas, ao se propor tal relacionamento, (os interesses

de classe e o controle da administração estatal), como poderia o Estado ser pensado e

investigado como sendo “relativamente autônomo” em face da classe dominante?

No que se referia à América Latina, era essa uma questão da maior importância.

Desde os seus primórdios a atuação militar não pôde deixar de ser observada pelos analistas

mais atentos. 118 A partir dos movimentos de independência os militares passaram a ser

parte –se não decisiva, pelo menos, integrante - dos processos de tomada de decisão

política, de uma forma mais ou menos direta, com durações de intensidades variadas.

Embora o discurso ideológico dominante tenha sido de índole liberal-republicana, foi essa a

“realidade do processo”. Mas seria pobre a interpretação segundo a qual a atuação militar

no continente poderia ser simplesmente explicada como expressão do “comitê armado” dos

interesses dominantes (o que não significa que, em alguns casos, ele não tenha sido). A

experiência européia servia para iluminar a realidade latino-americana, até por ser mais

complexa. Nos países centrais a hegemonia burguesa resultara de um envolvimento mais

imediato de seus representantes com o controle do aparelho estatal, chamando a atenção

para o problema da “autonomia relativa” da esfera política, onde, necessariamente, a

questão da participação militar se apresentava. Mas isso levava a uma espécie de impasse

teórico. Caso se considerasse um modelo de representação da realidade social como um

conjunto de todas as relações causais e funcionais (de modo que uma mudança em uma

118
“Durante o período colonial a conquista da terra apresenta, por isso, um caráter essencialmente guerreiro.
Cada latifúndio desbravado, cada sesmaria povoada, cada curral erguido, cada engenho ‘fabricado’, tem,
como preâmbulo necessário, uma árdua empresa militar”. Vianna, Oliveira Evolução do Povo Brasileiro, São
Paulo, 1938, página 96. Apud Sodré, Nelson Werneck História Militar do Brasil, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2ª edição, nota nove, página 24. Grifos meus, ELF.

113
parte do sistema determinasse repercussões por toda parte), então poder-se-ia supor que

cada plano particular da realidade social seria relativamente autônoma. Entretanto, neste

caso, onde estaria a possibilidade de mudança, se todas as partes do modelo fossem

compreendidas como simultaneamente presentes e reais? Neste caso, a realidade social

deveria ser concebida como uma entidade orgânica e suas partes poderiam ser identificadas

e analisadas somente por sua função. De outro lado, quando e se escolhesse, a priori, uma

determinada instância teórica (por exemplo, a economia), então correr-se-ia o risco de a

representação da realidade poder ser reduzida a uma interpretação mecanicista. Em

seqüência, a transformação seria explicada como uma extrapolação da mudança no nível

econômico para mudanças nos níveis político e ideológico, perdendo a política sua

especificidade própria. Em outras palavras, a série complexa de causalidade desapareceria,

na medida em que a trama vivida da política e da ideologia seria mero epifenômeno da

economia. Esse “modo teórico” parecia, então, incapaz de perceber e explicar as relações

que o Estado mantém com a própria estrutura de classes e a sua complexa diferenciação

interior, que é permeada por estratos ou camadas, exibe elementos próprios, ostenta funções

singulares eminentemente políticas. Em suma, perder-se-ia de vista a compreensão do

Estado como e enquanto uma estrutura política.

Postura diferente, entretanto, seria propor o fenômeno estatal como uma instituição

particular encaixada em uma determinada categoria, mais precisamente, o modo de

produção.119 Trata-se, agora, de uma categoria abstrata formal, capaz de orientar a pesquisa

empírica. Indica tal conceito a predominância do nível econômico, onde o nível político-

119
Uma definição mais compreensiva dessa categoria encontra-se em Poulantzas, Nicos Poder Político y
Classes Sociales em el Estado Capitalista, México, Siglo XXI, 1970, páginas 4-7. Veja-se também do
mesmo autor State, Power and Socialism, Londres, NLB, 1978, páginas 17-25.

114
ideológico -aqui compreendendo o sistema de Estado - conserva o acervo de suas próprias

peculiaridades.120

Os modos de produção -como o feudal e o capitalista - são somente objetos abstratos


formais; eles não existem em realidade. Concretamente o que existe é uma formação social
concreta em um dado momento de sua existência histórica: a Argentina sob o governo de
Perón, o regime brasileiro depois do movimento de 1964. Nesse caso, a questão da
“autonomia relativa” do aparelho estatal não pode ser definida antecipadamente e, de fato,
não necessita ser. Quanto maior o progresso no campo da pesquisa empírica, melhor a
questão da “autonomia relativa” será propriamente sistematizada no plano da pesquisa
teórica.
No Brasil uma pequena, mas qualificada comunidade de historiadores e cientistas
políticos, sob a influência dessas matrizes teóricas, mas em relação a elas mostrando
capacidade de inovação e criatividade porméritos próprios, produziu uma bibliografia da
melhor qualidade e de admirável teor elucidativo. 121
IV
Ante o exposto tão sumariamente, a título de meras indicaçôes (ou anotações)

relativas à literatura sobre os militares e o Estado, propõe-se o seguinte conjunto de

proposições concernentes relativas à “entrada” dos militares no sistema de Estado e a sua

“eventual “saída”, visando levantar o debate crítico a respeito do tema, tendo em vista não

só a situação brasileira, mas, de resto, também a da América latina.

120
O nível político-ideológico transcende os limites do estado, já que existem outras formas de organização
política. Veja Krader, Lawrence Formation of the State. New Jersey, Prentice Hall, 1967.
121
Eliézer Rizzo de Oliveira, As Forças Armadas e Ideologia no Brasil (1964 – 1969), Petrópolis, Vozes,
1976; Heloísa Fernandes, Política de Segurança. São Paulo, Alfa-Ômega, 1973 e da mesma autora Os
Militares Como Categoria Social. São Paulo, Global, 1979; Manuel Domingos Neto, L’influence dans la
Modernization de l’Armée Bresilienne (1889 –1930). These Doctorat III Éme Cycle, Université de Paris III,
1979; René Armand Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado (Ação Política, Poder e Golpe de Classe).
Petrópolis, Vozes, 1981; René A. Dreifuss e Otávio Soares Dulci, “As Força Armadas e a Política”. In:
Bernardo Sorj e Maria Hermínia T. de Almeida (Ed.), Sociedade e Política no Brasil Pós – 64. São Paulo,
Brasiliense, 1983.

115
I)- Na América Latina o predomínio dos interesses e privilégios das classes dominantes

foi triunfante. A manutenção, mais do que a mudança estrutural, tem sido predominante.

Em vários aspectos, a América Latina pode ser considerada como uma espécie de “museu

vivo”, no sentido de que novos figurantes surgem no processo de desenvolvimento, ao

mesmo tempo em que os figurantes tradicionais nunca saíram totalmente de cena.122

II)- As transformações que têm ocorrido na região levaram a um rápido processo de

mudança, mas essa mudança política tem sido “atrasada” em relação aos desdobramentos

nas esferas social e, principalmente, econômica. Regimes autoritários (como no Brasil entre

1964 e os dias que correm), antes do que democráticos de “participação limitada” (como no
123
Brasil entre 1945/46 e 1964), têm sido a regra, antes do que a exceção. Se for bem

verdade que as modificações ocorridas nas referidas dimensões (social e econômica)

trouxeram benefícios no âmbito das classes e camadas mais baixas da sociedade, isso não

alterou substancialmente o controle dos interesses dominantes nos sistemas estatais. O

desenvolvimento não aconteceu de forma que a região pudesse demonstrar um grau mais

alto de autonomia em relação às imposições internacionais, a partir dos anos 30, e mais

notadamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, de origem norte-americana. 124

III) – Desde o início da década de 70, os analistas têm chamado a atenção para o que

tem sido denominado de “crise hegemônica” na região.125 Essa é uma situação que acontece

quando nenhuma das frações das classes dominantes, ou nenhuma aliança entre tais frações,

122
Ian Roxborough, Theories of Underdevelopment, London/Basingstoke, The MaxMillan Press Ltd., 1979,
página 124.
123
“Participação limitada” já que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi banido da legalidade logo no
alvorecer do novo regime. Nas primeiras eleições realizadas pelo regime de 45//46 os comunistas chegaram a
ter mais 10% dos votos.
124
A referência só é valida em relação as sociedades que trilharam as vias industriais capitalistas. Excluem-se
das generalizações países mais ou menos subordinados ao neocolonialismo, ou países que constituem
‘enclaves econômicos’.

125
Boris Fausto, Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo, Brasiliense, 1971.

116
ostenta condições para, por si só, homogeneizar a direção dos aparatos estatais. É nesse

contexto “bonapartista” que, entre 1930/1945, (a chamada “época de Vargas”), os militares

desempenharam decisivo papel na formação e implementação dos interesses dominantes

nacionais nos planos políticos e econômicos. Procuraram retirar da sua posição privilegiada

junto ao “Príncipe” as condições e os meios para fazer valer suas idéias e posições em

relação ao processo de desenvolvimento, segundo uma ótica nacional. Antes de 1930, os

militares já buscavam estabelecer uma compreensão estratégica que pudesse elevar o grau

de independência do Brasil. A novidade, devido às peculiares circunstâncias históricas que

cercaram o movimento de 30, era dada pelo espaço político ocupado pela corporação

militar no sistema de decisão política do Estado. Passou a influenciar – quando não

gerenciar – a própria formulação e ativação da política econômica posta em marcha. Não

só os grupos e facções que apoiavam Vargas encontravam apoio na corporação militar para

as políticas “nacionalistas”. Os militares também, e em contrapartida, recebiam o apoio de

uma burguesia que se industrializava. Ambos colocavam no seu contra-campo político

outros interesses, identificados com uma posição internacionalista e mais conservadora e

que viam no “agriculturalismo” a verdadeira vocação do país. 126 Nessas circunstâncias, os

militares, assim como a “nova” burocracia que ganhava corpo no processo de decisão

estatal, tomaram posições estratégicas aparelhos de Estado. No caso brasileiro, a dominação

de Vargas, com perfil personalista e carismático, liberou espaços para manobras políticas

visando autonomia do estado face à sociedade e à economia. Os interesses fortes situados

nas áreas menos dinâmicas da sociedade e da economia foram, progressivamente,

removidos do controle da máquina estatal. Os militares assumiram, nessas circunstâncias,

126
Cf. Pereira, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil (1930-1967). Rio de Janeiro: Zahar
Ed., 1968, cap. IV, páginas. 99-127.

117
privilegiada posição política, e a elite governante, Vargas a frente, não poderia governar

sem eles. A corporação militar, calcada em princípios nacionalistas, que vinham de longe,

buscava propor e realizar uma estratégia de desenvolvimento voltada para a constituição de

uma nova infra-estrutura identificada com os “interesses genuínos do país”.

IV) – Em termos políticos os militares desenvolveram mutantes linhas pe

solidariedade e lealdade aos interesses instituídos. Seria irreal supor que os pudessem

simplesmente ignorar as limitações do status quo. Em sociedades, definidas por Huntington


127
como “pretorianas”, os militares tendem não só a substituir as classes políticas

tradicionais – incapazes de mediar o processo de uma nova hegemonia “moderna” –, mas

se propõem como intérpretes e executores das expectativas das dominantes. Mas, como tal,

a autonomia militar encontra aqui óbices de ordem estrutural. No limite, não se pode falar

de “poder de estado” independentemente de “poder de classe”, simplesmente porque o

estado não é uma entidade abstrata que flutua acima das realidades objetivas. É difícil

precisar, a princípio, o que os militares podem realmente fazer; mas pode-se certamente

prever o que eles não podem fazer. Na América latina os militares têm, assim,

permanecido, até agora, alinhados com os interesses dominantes. Não poderia, talvez,

deixar de ser assim porquanto, em última análise, a corporação castrense visa à manutenção

da lei e da ordem.

V) – No gozo de sua autonomia (relativa), as “fórmulas políticas” propostas pelos

militares é ambígua. Por um lado, eles não podem deixar de reverencias os valores

estamentais por excelência: a hierarquia, a disciplina, a preservação da lei e da ordem. Por

127
Uma “sociedade pretoriana” é uma sociedade onde as forces sociais não reconhecem, ou aceitam, as
instituições políticas existentes e as classes políticas como legítimas e capazes de mediar os conflitos que
resulta da luta entre interesses em choque. Cf. Huntigton, Samuel P. El Orden Político em las Sociedades em
Cambio, Buenos Aires, Paidos, 1972, página 178.

118
outro lado, eles comungam de propósitos “modernos”, até para que possam cumprir

adequadamente suas funções e objetivos no plano da defesa e da segurança do País.

Na América latina, e em particular no Brasil, ainda nos dias que correm, a objetivação
128
dessas conexões pode ser encontrada nas chamadas doutrinas de “segurança nacional”.

As rationales básicas dessas doutrinas são definidoras de um novo papel para as forças

armadas na América Latina. Procuram propor o estamento militar como figurante político

“emergente” e “moderno”, na medida em que as elites políticas tradicionais mostram-se

inaptas na busca de projetos efetivos e coerentes no que diz respeito à construção de uma

sociedade mais próspera. Formuladas a partir da perspectiva militar, essas doutrinas,

tendem a reduzir a oposição (amplamente definida) ao status virtual de subversão.

Conseqüentemente, essas doutrinas parecem ser incapazes de tentar resolver o problema da

mudança macro-política, como a incorporação das classes populares à arena política. Mas

esse aspectos das doutrinas de segurança nacional são, em função de seus “valores

monolíticos”, rejeitados pelos próprios interesses dominantes, quando não menos

ridicularizados. Sob essas circunstancias, não é surpreendente observar que essas doutrinas

sirvam mais a racionalização da ação dos aparelhos de estado repressivos, tendo rarefeita

penetração na sociedade como um todo.

VI) – Uma teoria com base empírica deve lidar com o entrelaçamento de duas

dimensões. A primeira deverá levar em consideração as características sociais e as

particularidades históricas de uma dada corporação militar. A segunda deve tratar do modo

de inserção desta determinada corporação no aparelho estatal. A primeira dimensão chama

atenção para o fato de que o estabelecimento militar tem seus valores profissionais

próprios, coesão interna, um sistema de avaliação profissional, etc. A segunda refere-se ao

128
Comblin, op.cti.

119
modo de inserção da corporação militar nas condições histórias prevalecentes em uma

sociedade. Em um meio social onde não exista uma ideologia hegemônica subordinando as

forças armadas ao poder civil, é provável que eles buscarão sua própria identidade

organizacional e política. Uma vez cristalizadas ao longo do tempo, estarão sujeitas a se

tornaram incorporadas ao ethos corporativo. É nesse sentido que se pode falar de um

exército com tradição golpista. Quando isso acontece, há uma dupla perversão. A

penetração dos valores políticos no estamento militar tende a enfraquecer seus valores

essencialmente castrenses. Inversamente, a penetração dos atores militares na prática

política tende a destitui-la de flexibilidade.

VII) – A dinâmica da intervenção militar na América latina poderá somente encontrar

sua reversão quando e se a sociedade civil puder organizar uma “resistência democrática

adequada”. A viabilidade de uma democracia burguesa no continente – qualquer que venha

a ser sua configuração em um dado caso particular – deverá estar relacionada diretamente a

expansão de setores médios em crescimento, capazes de desfrutar os benefícios do

desenvolvimento. Essas camadas historicamente tendem a se identificar com os valores

burgueses, no que diz respeito à sua visão de mundo e à sua prática social. Logo,

rejeitariam uma dominação de base castrense, “dura e inflexível”. A construção de um

projeto sob a égide da chamada “burguesia nacional” tem sido comprometido pela prática

do pragmatismo e por uma orientação econômica subordinada aos interesses do capital

estrangeiro. A de se considerar, também, que os setores médios na região têm oscilado

exageradamente entre uma posição “progressista” (como foi, no Brasil, nos anos 30) e uma

outra “conservadora”(como tem sido, também no Brasil, nos anos 60). De outro lado, a

reversão poderá vir a ocorrer quando e se houver a condições para a via revolucionária

“socialista”, capaz de expressar a hegemonia das classes trabalhadoras. Na América latina,

120
e a fortiori, no Brasil, essa segunda via parece distante da realidade imediata objetiva. Não

só faltam as condições mínimas para a mínima contemplação dessa alternativa, como os

movimentos nessa direção arriscam-se a enfrentar forte repressão instituída. Nesse caso, ao

invés de contribuírem para o processo de transformação, acabam, tendo resultado oposto.

Servem, na verdade, para instrumentalizar a repressão, mesmo que se sabe que a sociedade

cada vez mais se identifica com os padrões da sociedade burguesa e do aprofundamento das

relações capitalistas no continente. É que as equações políticas quando corretamente

formuladas, trazem dentro de si a sua própria força; mas, quando equivocadas, trazem em

seu íntimo a antecipação de fracasso.

VIII) – Na constelação dos valores castrense, as virtudes supremas são a disciplina e a

hierarquia. A obediência ao comando superior não pode ser contestada, a não ser em

condições excepcionais, previstas pela própria corporação. Sem esses valores, ela perde

sua razão de ser e corre o risco insuportável de deixar de existir como uma organização

eficiente e funcional. Nada é mais importante para a organização militar do que a própria

manutenção da organização ela mesma. Quando ocorre o envolvimento político direto com

o processo de tomada de decisão política, o estamento militar enfrenta a perigosa

alternativa de enfrentar o perigo de sua própria desorganização. A ameaça à estabilidade

corporativa, é um dos fatores que -pelo menos ao nível do discurso - inibe a intervenção

militar. Não sem freqüência, por isso mesmo, as lideranças da corporação, preocupadas

em afastar a eventualidade da dissensão interna, com a conseqüente quebra da disciplina e

da hierarquia, têm que, seriamente, considerar a sua retirada dos dispositivo formais do

poder. No caso brasileiro, quando do golpe de 1964, o governo Castelo Branco entendeu –

no plano de sua mensagem ideológica - o envolvimento castrense como uma “função

cirúrgica”. Ou seja, eliminadas as “causas” da intervenção (basicamente, a subversão da

121
ordem e a corrupção dos valores e das práticas), poderiam os militares voltar a cumprir sua

“função tutelar”, exercendo a devida vigilância em relação ao que eles entendem ser o

destino histórico da nação.129 Esse afastamento, entretanto, considerado como uma decisão

espontânea, significa que quando os militares desistem de sua “função cirúrgica”, não

necessariamente implica que eles também tenham aberto a mão da sua “função tutelar”,

segundo a “lógica da excepcionalidade institucional militar”.130 Nesse sentido eles

continuam autoproclamando-se como uma instituição acima das instituições e, desse modo,

como árbitros legítimos da vida política.

IX)- A eventual retirada dos militares do Estado na região deverá requerer a presença

de, pelo menos, dois conjuntos de elementos. 131

O primeiro diz respeito ao encorpamento das tensões entre a sociedade civil e o Estado.

No caso brasileiro, o raio das alianças políticas que se opõem ao Estado militar vêm

crescendo rapidamente. Nos dias que correm, é cada vez mais extensa a abóbada que une os

pontos mais conservadores do campo liberal/conservador (entre eles, os empresários, as

altas classes médias e suas instituições representativas) e os pontos mais a esquerda (entre

eles, os sindicatos, as classes trabalhadoras, as associações de classe). O empresário, o

padre, o líder sindical, o estudante universitário, o funcionário das empresas públicas e

129
Essas duas funções –a “cirúrgica” e a “tutelar” - foram examinadas em Figueiredo, Eurico de Lima Os
Militares e a Democracia, Rio de Janeiro, Graal, 1980. Nesse trabalho empreende-se análise estrutural dos
discursos ideológicos do Presidente Castelo Branco. A autocompreensão da missão demiúrgica da corporação
militar – na sua essência, anti-republicana e antidemocrática - é denominada no trabalho em pauta de “mito da
excepcionalidade institucional”.
130
Essas duas funções –a “cirúrgica” e a “tutelar” - foram examinadas em Figueiredo, Eurico de Lima Os
Militares e a Democracia, Rio de Janeiro, Graal, 1980. Nesse trabalho empreende-se análise estrutural dos
discursos ideológicos do Presidente Castelo Branco. A autocompreensão da missão demiúrgica da corporação
militar – na sua essência, anti-republicana e antidemocrática - é denominada no trabalho em pauta de “mito da
excepcionalidade institucional”.
131
Cf. Eurico de Lima Figueiredo, “O que faremos com os militares?” In Lua Nova, volume I, nº 4, 1985,
páginas 23/25.

122
privadas, o artista “global”, etc, marcham lado a lado nas ruas exigindo o fim do regime

autoritário.

O segundo diz respeito aos conflitos internos à própria corporação militar, quando se

prolonga a permanência marcial no controle dos dispositivos de decisão estatal. Em

grossas linhas, surge um choque entre o chamado “soldado profissional” e o “soldado

político”. O primeiro afastado da política, dedica-se, nos quartéis e bases, ao seu

adestramento para a prevenção e a prática da defesa e da segurança. O segundo, ao

contrario, se vê obrigado ao exercício da atividade política em seu cotidiano, inclusive

envolvendo-se, cada vez mais, com os dispositivos de informação e inteligência. Quando

não há ameaças sérias ao regime militar, as tensões entre um e outro (o “soldado

profissional” e o “soldado político”) tendem a ficar ocultas ou desconfiguradas, segundo

diversas fórmulas possíveis que “racionalizam” a intervenção marvótica. Mas, na medida

em que o status quo passa a enfrentar tensões cada vez maiores, (sejam elas de origem

econômica, social ou política, ou mesmo uma combinação com pesos variados dessas três

origens), a tendência é a explicitação das divergências. Essas, por sua vez, podem conduzir

a uma dinâmica intolerável a toda e qualquer organização militar: o conflito armado no

interior das forças armadas. Nessas circunstâncias, é a própria alta hierarquia que toma as

devidas providências para a retirada dos militares dos dispositivos de tomada de decisão

política do Estado. No caso brasileiro esses conflitos intersistêmicos já foram devidamente

apontados na literatura dotada de sensibilidade política.

Seja lá qual for o futuro do processo de democratização no País, ele só atingirá estágios

mais avançados quando e se , entre outros requisitos, os militares subordinarem-se ao

controle das instituições civis.

123
Parece, que se avança nessa direção, tendo em vista os elementos de convicção acima

indicados. Mas, seja lá como for, a retirada dos dispostivos de decisão do Estado, não

significará sua saída dos crredores do poder. Na verdade, por um bom tempo ainda, parece

que eles continuarão a chamar para si a função de numes tutelares dos destinos da nação.

Não poderá, na verdade, ser de outra maneira. Tem sido longo e profundo o

envolvimento da corporação militar no périplo republicano brasileiro. 132 A afirmação da

república e dos procedimentos democráticos entre nós, vencido o ciclo militar, requererá

ainda um longo e – pode-se prever!- acidentado trajeto até a sua plena afirmação.

Natura non facit saltum, diziam os latinos. Sim, a natureza não dá saltos. E a história

também. Há sempre a maturação do processo.

Rio de Janeiro, abril de 1985.

(*) - Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentado na XXª Conferência do
“Inter-University Seminar” na Universidade de Chicago, Estados Unidos, em outubro
de 1983. Esta versão reproduz a palestra apresentada no Seminário “Estado e
Sociedade”, organizado pelo autor deste artigo, em setembro de 2004 no Núcleo de
Pós-Graduação e Pesquisa do Instituto Metodista Bennett, no Rio de Janeiro.
(**) – Atualmente Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
(Mestrado e Doutorado) da UFF

132
Eurico de Lima Figueiredo (organizador) Os Militares e a Revolução de 30, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1979, páginas 9/12.

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