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Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da suspirosa
menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço ouviu gemidos
daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas de saudade. Ferveu-lhe o
sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula.
Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la. As restantes horas daquela noite
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passou-as em raivas e projetos de vingança. Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue, e renasceu
a esperança com os cálculos.
Quando o chamaram para partir para Coimbra, lançou-se do leito de tal modo
desfigurado, que sua mãe, avisada do rosto amargurado dele, foi ao quarto interrogá-lo e
despersuadi-lo de ir enquanto assim estivesse febril. Simão, porém, entre mil projetos, achara
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melhor o de ir para Coimbra, esperar lá notícias de Teresa, e vir a ocultas a Viseu falar com ela.
Ajuizadamente discorrera ele que a sua demora agravaria a situação de Teresa.
Descera o académico ao pátio, depois de abraçar a mãe e irmãs, e beijar a mão do pai,
que para esta hora reservara uma admoestação severa, a ponto de lhe asseverar que de todo o
abandonaria se ele caísse em novas extravagâncias. Quando metia o pé no estribo, viu a seu lado
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uma velha mendiga, estendendo-lhe a mão aberta, como quem pede esmola, e, na palma da
mão, um pequeno papel. Sobressaltou-se o moço; e, a poucos passos distante de sua casa, leu
estas linhas:
«Meu pai diz que me vai encerrar num convento, por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti.
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Não me esqueças tu, e achar-me-ás no convento, ou no céu, sempre tua do coração, e sempre
leal. Parte para Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome
hás de responder à tua pobre Teresa.»
A mudança do estudante maravilhou a academia. Se o não viam nas aulas, em parte nenhuma o
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viam. Das antigas relações restavam-lhe apenas as dos condiscípulos sensatos que o
aconselhavam para bem, e o visitaram no cárcere de seis meses, dando-lhe alentos e recursos,
que seu pai lhe não dava, e sua mãe escassamente supria. Estudava com fervor, como quem já
dali formava as bases do futuro renome e da posição por ele merecida, bastante a sustentar
dignamente a esposa. A ninguém confiava o seu segredo, senão às cartas que enviava a Teresa,
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longas cartas em que folgava o espírito da tarefa da ciência. A apaixonada menina escrevia-lhe a
miúdo, e já dizia que a ameaça do convento fora mero terror de que já não tinha medo, porque
seu pai não podia viver sem ela.
Isto afervorou-lhe para mais o amor ao estudo. Simão, chamado em pontos difíceis das
matérias do primeiro ano, tal conta deu de si, que os lentes e os condiscípulos o houveram como
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primeiro premiado.
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
(…)No prefácio que escreveu, em 1879, para acompanhar a 5.ª edição de Amor de
Perdição, Camilo Castelo Branco termina com uma profecia dubitativa: "Se, por virtude da
metempsicose, eu reaparecer na sociedade do século XXI, talvez me regozije de ver outra vez as
lágrimas em moda nos braços da retórica, e esta 5.ª edição do Amor de Perdição quase
5 esgotada."
Sugerir que a tiragem então acabada de sair levaria mais de um século a esgotar-se era,
da parte de Camilo, um óbvio e pouco convincente lance de modéstia, mas o que nem ele, que
nunca se teve propriamente em baixa conta, se atreveria a prever, nesses anos em que os favores
da crítica começavam a inclinar-se para a nova escola realista de Eça de Queiroz, era que essa
10 "sociedade do século XXI" não apenas não esqueceria os amores contrariados de Simão Botelho
e Teresa Albuquerque, como iria mesmo celebrar, e com assinalável pompa e circunstância, os
150 anos da publicação, em 1862, da primeira edição do Amor de Perdição. (…)
Por que motivo, entre os tantos livros que o génio compulsivo de Camilo nos deixou,
haveria este romance em particular de conquistar os favores da posteridade e alcançar um
15 estatuto suficientemente icónico para se lhe renderem preitos geralmente reservados aos autores,
e não às obras? O ensaísta e camilianista Abel Barros Baptista acredita que o próprio escritor,
com o já referido prefácio de 1879, possa ter "contribuído para criar a ideia de que este livro é
mais importante do que os outros". Baptista lembra que Camilo, nesse texto, caracteriza o
sucesso editorial da obra como "um êxito fenomenal e extralusitano". À sua escala, o Amor de
20 Perdição foi, de facto, aquilo a que hoje chamaríamos um best-seller: no primeiro quartel do
século XX, já atingira vinte edições.
Se O Amor de Perdição se foi aproximando desse estatuto, deve-o a um complexo
conjunto de motivos, nem todos especialmente válidos. Barros Baptista começa por desmontar a
ideia de que sucessivas gerações de estudantes estudaram o livro no ensino secundário: "É uma
25 ideia bastante ilusória", garante o ensaísta, já que "o livro só integrou os programas escolares
durante um período muito curto". Entre os elementos que confluíram na lenda gerada em torno
da obra conta-se ainda o suposto paralelismo entre a paixão contrariada dos protagonistas e os
amores que tinham lançado no cárcere o próprio Camilo e Ana Plácido. Uma comparação que
Barros Baptista igualmente desmonta, lembrando que a vida do romancista na cadeia portuense
30 não era bem a que se julga: "Saía de lá para apanhar sol, comprava pantufas para Ana Plácido..."
Mesmo a tendência para se ver no Amor de Perdição uma espécie de tradução da
peça Romeu e Julieta, de Shakespeare, para o romantismo português do século XIX - em ambos
os casos, a inimizade de duas famílias constitui o obstáculo principal à consumação do amor
que une os jovens protagonistas - esquece a dimensão triangular que a paixão de Mariana por
35 Simão vem trazer à novela de Camilo. Barros Baptista acha que o livro é "bastante moderno" e
"muito menos linear e convencional" do que geralmente se pensa, argumentando que "é difícil
apontar-se uma causa única para o que vai acontecendo". (…)
Luís Miguel Queirós, Amor de Predição: um bom romance canonizado pelas razões erradas.
Para responder a cada um dos itens de 1.1 a 1.7, selecione a opção que lhe permite
obter uma afirmação correta.
1.1 A confirmação da afirmação, relativamente a Camilo Castelo Branco, «um óbvio e
pouco convincente lance de modéstia» (l. 6) surge na expressão
(A) «Camilo Castelo Branco termina com uma profecia dubitativa» (l.2).
(B) «talvez me regozije de ver […] esta 5.ª edição do Amor de Perdição quase
esgotada» (ll. 3-4).
(C) «Camilo […] caracteriza o sucesso editorial da obra como “um êxito fenomenal e
extralusitano”» (l. 19).
(D) «o Amor de Perdição foi, de facto, aquilo a que hoje chamaríamos um best-seller»
(l.20).
1.3 Amor de Perdição, contrariamente ao que acontece com a maioria das obras,
(A) é alvo de homenagens normalmente reservadas aos escritores.
(B) surge como um best-seller.
(C) aproxima-se de uma obra-prima.
(D) foi um êxito editorial.
1.4 Dos motivos apontados para a aproximação de Amor de Perdição a uma obra-prima,
desmontados por Abel Barros Baptista, exclui-se
(A) a abordagem do livro no ensino secundário por várias gerações.
(B) a aproximação da obra à peça Romeu e Julieta, de Shakespeare.
(C) a modernidade do livro.
(D) o paralelo estabelecido entre a situação dos protagonistas da obra e a vida do
próprio autor.
1.7 No excerto «Barros Baptista acha que o livro é “bastante moderno” e “muito menos
linear e convencional” do que geralmente se pensa» (ll. 35-36), as palavras sublinhadas
são
(A) uma conjunção e um pronome, respetivamente.
(B) pronomes em ambos os contextos.
(C) um pronome e uma conjunção, respetivamente.
(D) conjunções em ambos os contextos.
2.1 Classifique a seguinte oração: «[…] que nunca se teve propriamente em baixa conta
[…]» (ll. 7-8).
2.2 Identifique a função sintática do segmento sublinhado em «Barros Baptista começa
por desmontar a ideia de que sucessivas gerações de estudantes estudaram o livro no
ensino secundário» (ll. 24).
2.3 Indica o antecedente do pronome sublinhado em «a vida do romancista na cadeia
portuense não era bem a que se julga» (ll. 28-29).
«O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o
romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos.»
Bernardo Soares
Bom Trabalho!
Proposta de Correção
1.Cenário de resposta
O primeiro parágrafo narra o episódio da despedida, entre Simão Botelho e a «suspirosa
menina» (ll. 1-2), quando esta «foi», «subitamente», «arrancada da janela» (l. 2).
Perante este facto e os «gemidos» de dor da jovem (ll. 2-3), Simão mostra-se louco de
desespero («alucinado» – l. 2), furioso («Ferveu-lhe o sangue»; «contorceu-se […]
como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula.» – ll. 4-5), acossado, com impulsos
suicidas («Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la.» – l. 5) e vingativo
(«raivas e projetos de vingança» – l. 6). Mais tarde, torna-se racional e esperançoso
(«renasceu [lhe] a esperança com os cálculos.» – l. 7).
2.Cenário de resposta
O narrador revela a sua concordância com Simão, avaliando como sensata a decisão do
jovem de partir para Coimbra (esperando «lá notícias de Teresa, e vir a ocultas [...] falar
com ela» – l. 11): «Ajuizadamente discorrera ele que a sua demora agravaria a situação
de Teresa.» (ll. 11 e 12).
4.Cenário de resposta
A «mudança» operada em Simão é visível, por exemplo, nos comportamentos de:
−− dedicação completa à frequência das aulas;
−− reclusão social, por renúncia à vida boémia e às atividades políticas;
−− preferência pela amizade de «condiscípulos sensatos» (l. 24);
−− empenho fervoroso no estudo com o objetivo de alcançar uma posição de renome,
economicamente digna de uma esposa com o estatuto social de Teresa;
−− discrição e seriedade, dedicando o tempo livre do estudo à correspondência com
Teresa, a quem revelava os seus projetos de um futuro em comum.
PARTE B
1. 1.1 Os judeus Vidal e Latão surgem na peça após o encontro de Inês e Pero Marques,
encontro que confirmou a opinião de Inês em relação a este pretendente. Uma vez que este não
seria o marido ideal e Inês pretende casar rapidamente com um marido que corresponda às suas
expectativas, os judeus tinham sido contactados para descobrirem um pretendente adequado.
São personagens com uma função semelhante à de Lianor Vaz ,dois alcoviteiros cuja missão é
procurar o par acertado para Inês. Apresentam ,então, um Escudeiro da corte que é eloquente
,canta e toca viola, convencendo Inês
a tomá-lo por marido.
Tal como Lianor Vaz, também os judeus utilizam linguagem persuasiva: Vidal chama Inês
de«filha Inês» e pede-lhe que aceite o escudeiro «por meu amor» (reforçando a ternura que
sente por ela), além de listar as qualidades do Escudeiro através de uma enumeração de
adjetivos(vv. 18-21) que contrasta com a enumeração de adjetivos depreciativos que logo se
seguem, mostrando os perigos
de aceitar outro pretendente menos digno. Latão, para terminar o seu discurso de forma
convincente, relembra a fórmula utilizada pelo rabi Zarão(vv. 44-46 — um argumento de
autoridade que pretende convencer Inês da verdade da afirmação) ,mostrando que, fatalmente e
por destino, já não poderá haver outra decisão senão o casamento com o Escudeiro.
2. Nota-se uma oposição entre o discurso sensato da Mãe de Inês e a persuasão dos judeus, pois
aquela personagem tenta alertar Inês para os perigos de um casamento desigual. A mãe de Inês
tem uma perspetiva pragmática da vida. Em vez de utilizar linguagem retórica ,utiliza o
seguinte raciocínio:
a atuação diligente dos judeus deve-se à recompensa financeira que receberão se cumprirem o
seu objetivo, logo ,o seu discurso não tem uma base honesta; Inês deverá interrogar-se acerca
da possibilidade de casar com alguém que trabalhe para sobreviver. A mãe tenta que seja a filha
a refletir racionalmente na situação que se apresenta. Os judeus no entanto,não aconselham a
prudência porque apenas se orientam para o lucro.
1.1 (C); 1.2 (B); 1.3 (A); 1.4 (C); 1.5 (A); 1.6 (B); 1.7 (D). – versão A (Grupo I)
1.1 (B); 1.2 (C); 1.3 (D); 1.4 (A); 1.5 (B); 1.6 (C); 1.7 (A) – versão B (I Grupo)
2.1 Oração subordinada adjetiva relativa explicativa.
2.2 Complemento do nome.
2.3 «a vida do romancista na cadeia portuense».
III Grupo