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Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

Processo Civil
Parte Geral

Regentes: Professora Doutora Maria Prazeres Beleza e Doutora Rita Faria Lynce

1º Semestre 2018/2019

Maria Marta Morbey


Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 2
I - Introdução:

1. Função e características do Direito Processual Civil enquanto ramo do


Direito. Justiça privada, justiça pública e direito de ação. O Direito Processual Civil
como ramo do direito que regula o exercício do direito de ação civil.

O Processo Civil é o ramo do direito que regula o exercício do direito de ação


civil. Exemplos de matérias que, quando julgadas em tribunal, são julgadas de acordo
com as regras do Processo Civil:
- Contrato de mútuo, empréstimo de dinheiro em que a restituição não é
realizada;
- Sociedade comercial que delibera aumentar capital ou destituir da sociedade,
2 sócios acham que as deliberações são ilegais ou contrárias a lei e querem tornar
ineficazes essas deliberações;
- Contrato de arrendamento, A e B, senhor B não paga as rendas e não deixa a
casa, o que pode fazer o senhor A para obter a casa e o pagamento das rendas;
- Dívida a um banco que vem noticiada num jornal, quer que se declare que não
deve nada ao banco porque já a pagou;
- Acidente de viação que resulta em prejuízos para o automóvel (danos
patrimoniais e não patrimoniais);
- Problemas de sucessão, os herdeiros não se entendem quanto ao sentido ou a
validade do testamento.

Monopólio da justiça pública: o Estado reserva-se ao direito de fazer justiça e repor


direitos que possam estar em causa.

Quando os direitos ou deveres que estão em causa são de natureza privada ou


tutelados pelo direito privado, a contrapartida é o reconhecimento do exercício do
direito de ação.

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Ter o direito a recorrer aos tribunais para solicitar a providência que a pessoa
considera adequada à reposição dos seus direitos; é diferente de dizer que X ou Y tem
razão.

Direito de ação civil: ter o direito de ação é ter o poder de recorrer ao tribunal para
apreciar se devem ou não ser tomadas as providências desejadas por quem invoca.
Exemplos:
- Condenação do devedor (medidas coercivas - penhor, etc.);
- Sentença de declaração de liquidação ou de inexistência da dívida;
- Pedido de anulação do testamento ou de fixação do sentido de uma cláusula
do testamento;
- Pedir a anulação da deliberação;
- Pedido para impedir a sociedade de executar uma deliberação.

Proibição da justiça privada na ordem jurídica portuguesa – 1º CPC

Ninguém pode reconstituir pela sua própria força os direitos que consideram
seus. O Estado ao proibir a justiça privada e reservar para si o monopólio da
administração da justiça e da resolução de litígios, obriga-se a manter um sistema que
permita resolver esses mesmos litígios – tribunais e organização judiciária.

Quando os direitos em conflito ou litígio dizem respeito ao direito privado, a


contraposição para a proibição da justiça privada quando em causa direitos privados é
a concessão do direito de ação civil.

Não é sempre assim em domínios de direito público. Mas em diretos privados o


Estado concede aos particulares aquele direito – direito do particular de recorrer a
tribunal para que adote a providência adequada a resolver o conflito e reintegrar o
direito do particular que foi violado.

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Pode acontecer que mesmo após recorrer a tribunal, o direito continue por
satisfazer. Também faz parte do direito de ação que se possa recorrer a tribunal para
que este adeque a sentença.

Para que chama a intervenção do tribunal, as regras aplicadas para intervenção


do tribunal são as regras do processo civil, que regula o exercício do direito de ação civil.

O que é que o Processo Civil regula?


- Regula princípios gerais: partes, juiz, validade das provas, etc.;
- Tipos de ações e providências que podem ser pedidas (condenatórias, declarativas,
etc.);
- Condições do exercício do direito de ação ou pressupostos processuais para o exercício
regular do direito de ação (dirigir o pedido ou ação ao tribunal competente; uma relação
com o direito que esteja a ser exercido para que possa ser interposta a ação, a
legitimidade);
- Condições que devem estar presentes para que o direito de ação possa ser
regularmente exercido;
- Formas de processo (tramitação) e formalidades dos atos: alegações, provas
(instrução) e decisão/sentença… - sequência de atos que diferem de acordo com a
natureza da ação que é proposta;
- Formalidades dos atos (o que se passa quando é proposta uma ação) - concretização
do direito de ação e do direito de defesa;
- A decisão/sentença e os seus efeitos (o caso julgado).

Caraterísticas do Processo Civil enquanto ramo de Direito

É um ramo de direito público (posição dos sujeitos na relação jurídica e os


direitos protegidos ou envolvidos - interesse da paz pública e da resolução pacífica dos
litígios), na perspetiva do processo e não da relação substantiva e das partes.

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Regula o exercício da função jurisdicional, por parte dos tribunais (órgãos de
soberania do Estado).

É um ramo do direito instrumental ou adjetivo: não é o processo civil que dispõe


das soluções dos casos; o que o tribunal vai buscar ao processo, o caminho para
determinar como é que o processo vai ser resolvido.

É um instrumento de aplicação do direito civil. Por isso, muitas vezes se diz que
o PC deveria ser neutro em relação ao Direito Civil, por se dizer que muitas das vezes o
resultado de certas ações serem resultado de motivos ou por razões processuais.

Tomando por referência o direito substantivo na base do processo


“instrumental” elencamos os ramos do processo: Processo constitucional; Processo
Penal; Processo do Trabalho; Processo Administrativo; Processo tributário.

O processo civil é o processo comum, muitas vezes aplicado subsidiariamente


aos casos que, em primeira linha, são regulados por processos especiais. Quer a
Constituição quer o CPC dizem que a cada direito corresponde uma determinada ação.

Dentro dos tribunais judiciais, há alguns com competência residual (tribunais


cíveis) que julgam segundo o processo civil. É segundo essa forma de designação da
aplicação do processo civil em casos residuais que o processo civil é o ramo do processo
comum - indiretamente através da atribuição de competências residuais a tribunais que
aplicam o processo civil.

Entende-se no direito português que o processo civil é ramo de direito público,


seja qual for o critério de distinção entre direito privado e direito público. Aquele regula
a função jurisdicional do Estado. O tribunal intervém sempre com poderes de soberania,
com poderes não suscetíveis de serem exercidos por particulares.

Seja qual for o critério de distinção entre direito público e privado, os autores
entendem o processo civil como um ramo de direito público, mesmo atendendo ao

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critério do fim. Como instituição, o fim é particular às partes do litígio e a uma resolução
pacífica do conflito.

Natureza Instrumental ou Adjetiva

Natureza comum a todos os outros ramos processuais. Quando em tribunal se


exerce um direito de ação, o tribunal, para buscar a solução material do litígio, recorre
ao direito substantivo: direito civil ou comercial – aplicado nos tribunais através das
regras do processo civil.

Os processos pretendem explicar como se chega à solução. São sempre


instrumentais e adjetivos de outro direto substantivo. No caso do processo civil, o
direito civil.

Esta visão implica que se seja capaz, caso a caso, de distinguir a relação
processual da relação substantiva que está subjacente ou justifica o início dessa ação.
Há regras específicas da relação processual e vícios próprios. O mesmo se verifica no
direito substantivo.

Tipos de Providências e Ações

Que medidas posso pedir a tribunal? Se eu pedir ao tribunal que dê uma ordem
ao devedor para que pague o que deve e o condene, instauro uma ação de condenação.

Digo que sou titular de um direito de crédito que foi violado.

Se eu disser ao tribunal que há uma deliberação ilegal de uma sociedade,


instauro uma ação constitutiva, cujo funcionamento altera a esfera jurídica dos
intervenientes – direito potestativo.

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Quando o jornal publica uma notícia que me afeta, dizendo que eu devo algo a
um determinado banco, por exemplo, posso pedir ao tribunal que apenas declare que
eu não devo nada ao banco. Simples apreciação, com a força de caso julgado das
decisões judiciais.

As providências cautelares não são consideradas em direito português como


ações.

Condições de Exercício do Direito de Ação

Condições exigidas pela lei de processo para que a relação processual se tenha
como regularmente constituída e para que o tribunal possa passar à questão de mérito,
relação substantiva por detrás de qualquer ação.

O tribunal deverá ser competente. Não é pelo simples facto de eu me dirigir ao


tribunal que ele conhecerá do litígio substantivo. É necessário que existam certas
condições ou pressupostos. Existem outros pressupostos processuais. Ex: os incapazes
têm incapacidade em juízo? Existem várias condições exigidas, cada uma delas com a
sua função.

Formas e Formalidades correspondentes ao exercício do direito de ação

Nem todas as ações seguem a mesma tramitação em juízo. Qualquer ação se


traduz, na prática, em ser praticada uma série de atos com um determinado
encadeamento. Muitas vezes, o objeto discutido exige atos que não se exigem em
determinadas ações distintas. Importa estudar a forma adequada da ação ao processo
que eu quero propor.

Vamos estudar a formalidade de certos atos particularmente relevantes na vida


de uma ação. Para eu propor uma ação tenho de me dirigir ao tribunal, contar uma

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história e fazer um pedido. Esta peça traduz fisicamente como é que eu estou a exercer
o meu direito de ação. Quando o réu se opõe ao pedido que faço numa peça chamada
contestação importa perceber como é que o réu exerce o seu direito de defesa.

Marcha do Processo

Imagina-se aqui o desenrolar de uma ação e vê-se o que se passa desde o seu
início até que esta termina.

Decisão e os seus efeitos

Analisa-se aqui uma decisão proferida depois de um certo ato e os seus efeitos.
O efeito próprio de uma decisão judicial punitiva é o de caso julgado. Importa perceber
o que isso significa.

Regras de formação da sentença e os respetivos efeitos.

Eu posso ter ficado vencida na decisão que foi tomada e achar que o tribunal
aplicou mal o direito. Aí posso querer interpor recurso, para isso existem regras. A
matéria de recurso não faz parte desta cadeira anual.

Também não faz parte do programa a matéria da execução. Uma ação executiva
serva para o Estado, em concreto o tribunal, apreender e vender os bens do devedor e
vender pelo preço a que o credor tinha direito. A ação executiva pretende satisfazer
materialmente o autor da ação.

Vai, aqui, estudar-se o processo civil declarativo e o processo em primeira


instância – desde que se propõe a ação até que haja uma sentença transitada.

Iremos estudar também a organização judiciária dos tribunais e a repartição de


competências. Aqui incluem-se tribunais que aplicam o processo civil - tribunais

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judiciais, onde, no topo, está o Supremo Tribunal de Justiça. Preocupam-nos os tribunais
judiciais que aplicam, em especial, o processo civil.

Importa estudar também a matéria de prova, que interessa dentro e fora do


processo. A provas têm uma dimensão processual, destinando-se a que os tribunais
formulem a sua convicção. Têm, também, um ato substantivo, não se exercendo só em
tribunal. Há uma parte do direito das provas no Código Civil e outra parte do Código de
Processo. Vai estudar-se aqui a parte substantiva das provas.

Processo Civil VS outros ramos de Direito

Importa distinguir o processo civil dos outros ramos de direito processual. Os


diversos ramos de direito processual distinguem-se um dos outros tendo como base o
direito substantivo aplicado a cada um desses processos.

O processo constitucional aplica-se nos processos de fiscalização da


constitucionalidade. Se se for à Lei do TC – 69º - diz-se que onde não está expressamente
regulado, se aplicam as regras do processo civil. A lei orgânica do tribunal constitucional
remete para as regras de processo civil para as situações em que o tribunal
constitucional não regula este processo. Isto verifica-se para a fiscalização concreta. A
fiscalização concreta da constitucionalidade faz-se através de um recurso. O TC tem
considerado aplicar as regras do processo civil para além do recurso de
constitucionalidade.

No processo penal ou criminal, instrumental ou objetivo do direito criminal,


também se encontra a regra da aplicação subsidiária do código de processo civil.

O mesmo acontece com o processo de trabalho, com remissão para o CPC nos
casos não expressamente previstos do CT ou CPT.

O mesmo para o Contencioso Administrativo e Tributário.

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O Processo Civil é considerado o processo comum. A razão primária é a de que
os vários processos especiais acabam por remeter para o processo civil caso se detetem
matérias não reguladas na lei especial.

Contudo, há outra razão. Na CRP e CPC há uma regra segundo a qual a todo o
direito corresponde uma ação. Há casos em que não se prevê qual o direito aplicável ao
exercício de determinados direitos de ação. Não se encontra, pois, nenhuma adjetivação
prevista para um determinado direito, por exemplo. Onde saber qual o tribunal
competente?

Nas regras da organização judiciária verifica-se que os tribunais judiciais são


competentes por exclusão de partes. Os tribunais competentes por exclusão de partes
são os tribunais cíveis e que se regulam segundo as regras do processo civil.

Fontes de Processo Civil

1. Constituição da República Portuguesa: princípios gerais dos vários ramos do


direito, com princípios aplicáveis ao processo civil e regras básicas da
organização judiciária e dos tribunais judiciais. Artigos 202º seguintes – regras
dos tribunais – regras que condicionam a forma como a organização judiciária é
estruturada pelo legislador ordinário; direito de acesso aos tribunais – 20º CRP.

2. Código de Processo Civil (leis ordinárias):


1876 – 1º Código. Deixava muito na mão das partes a forma como o processo se
desenrolava. Funcionava em consonância com o CC de 1867.
1939 – 2º Código - José Alberto dos Reis. CPC com filosofia diferente de 1876,
onde se revela muito mais poderes para o juiz. Existe uma difícil compatibilização
dos direitos das partes. Uma relação de direito privado é normalmente uma
relação disponível. A homogeneização dos poderes dos juízes e das partes tem
variado muito ao longo dos processos.

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1961 – 3º Código - Este código é próximo do de 1939 e que sofreu também várias
reformas, especialmente quando entrou em vigor o CC de 1967. O CPC de 1961
só foi verdadeiramente substituído pelo Código atualmente em vigor, o
CPC de 2013. Discute-se se é verdadeiramente inovador. Formalmente foi
aprovado um código de processo novo.

3. O direito europeu: a cooperação judiciária passou para o domínio do direito


comunitário (Tratado de Amesterdão). Até ao Tratado de Amesterdão existiam
apenas convenções internacionais celebradas entre os Estados membros.
Existem, atualmente, várias matérias processuais disciplinadas por
regulamentos da União Europeia. Há muitos trabalhos com este objetivo de
arranjar regras de processo comuns aos Estados membros, sempre com a
preocupação de valerem em toda a UE as decisões proferidas nos diversos
Estados.

4. Normas internacionais.

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2. Princípios gerais do Direito Processual Civil e sua concretização no Direito
Português:

1. Princípio do dispositivo (contraditório ao inquisitório)

Historicamente, o processo civil é um processo de modelo dispositivo: a


disponibilidade da relação substantiva comunica-se à disponibilidade do processo. Por
exemplo, o credor é que sabe se deve ou não intentar uma ação.

Ideia do modelo dispositivo (processo comandado pelas partes), decorre do


liberalismo. Assim, o juiz seria um juiz árbitro, pois não interfere na discussão e iniciativa
das partes, nem comanda o processo, mas somente verifica se as regras são cumpridas
pelas partes.

O código de 1886 era puramente dispositivo. Contudo, desparecendo a ideia do


liberalismo, o juiz foi detendo maiores poderes.

No princípio do dispositivo distinguem-se, rigorosamente, dois princípios


processuais: o princípio do dispositivo stricto sensu e o princípio da controvérsia.

O princípio do dispositivo stricto sensu traduz-se na liberdade de decisão sobre


a instauração do processo, sobre a conformação do seu objeto e das partes em causa e
sobre o termo do processo, assim como, muito mitigadamente, sobre a sua suspensão.
Grosso modo, é redutível à ideia de disponibilidade de tutela jurisdicional.

O princípio da controvérsia traduz-se na liberdade de alegar os factos destinados


a constituir fundamento da decisão, na de acordar em dá-los como assentes e, em certa
medida, na iniciativa da prova dos que forem controvertidos. Grosso modo, é redutível
à ideia de responsabilidade pelo material fáctico da causa.

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Vantagem:
a) Partes poderem definir até onde o juiz pode ir – não querer que o tribunal
conheça certas questões.

Desvantagem:
a) O tribunal não está lá para aquilo que as partes querem, mas também sofrem
em consequências disso: autorresponsabilidade das partes. Sofrem as
consequências das insuficiências do processo.

2. Princípio do inquisitório

A partir do momento em que uma das partes requeira que o tribunal resolva o
conflito, o juiz deve ter os poderes necessário para resolver o conflito: investigar o que
se passou na busca da verdade formal/processual.

Atualmente, tem-se assistido a um aumento de preocupação quanto ao


aumento dos poderes do tribunal, embora não se possa transformar a relação privada
(dispositiva), numa coisa diferente.

O juiz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias


ao apuramento da verdade.

Trata-se do princípio que constitui o inverso do princípio do dispositivo: ao juiz


cabe, no campo da instrução do processo, a iniciativa. Às partes incumbe o dever de
colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado,
submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando
os atos que forem determinados.

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O juiz pode:
a. Ordenar a juncão de documentos ao processo, quer estejam em poder da parte
contrária, de terceiro ou de organismo oficial (artigo 436º do CPC);
b. Ordenar a realização de prova pericial (artigos 477º e 487º, nº2 do CPC);
c. Decidir efetuar inspeção judicial (artigo 490º, nº1 do CPC);
d. Inquirir testemunhas no local da questão (artigo 501º do CPC);
e. Ouvir as pessoas que entenda, ou ordenar diligências probatórias ainda após as
alegações sobre a matéria da causa (artigo 607º, nº1 do CPC);
f. Ter iniciativa do depoimento de parte (artigo 452º, nº1 do CPC);
g. Ter o dever de ordenar depoimento testemunhal de pessoa que haja razões para
presumir, no decurso da ação, que tem conhecimento de factos importantes
para a decisão da causa (artigo 526º, nº1 do CPC).

Manifestações de ambos os princípios

Ambos os princípios respondem à questão difícil de saber como se articulam os


poderes do juiz e das partes: será que a disponibilidade da relação substantiva se deve
ou não comunicar ao processo? Quem manda no processo? São as partes que, dispondo
da relação substantiva, devem mandar no processo? Ou o juiz? Isto porque, em regra,
os direitos de processo civil são direitos disponíveis.

1. Início do Processo

Quem é que tem a decisão/poder de dar início ao processo e de o fazer andar?

Se estão em causa direitos privados disponíveis, a decisão de dar início ao


processo está nas mãos das partes.

Artigo 3º do CPC: a decisão de dar início ao processo é exclusiva das partes


(princípio do dispositivo) – única solução que está de acordo com a noção de natureza

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privada dos direitos e com a noção de tribunal (imparcialidade do julgador perante as
partes).

No entanto, há casos em que estão em causa direitos indisponíveis (por exemplo,


direito das crianças). Em tais casos, o MP tem legitimidade para dar início aos processos.

O CPC de 1886 era puramente dispositivo. Exemplo de um caso: uma das partes
queria suspender o processo, mas a outra parte não – como não havia acordo, o juiz não
podia suspender; uma das partes então começou a ler um requerimento e o juiz,
inevitavelmente, teve que suspender o julgamento para o dia seguinte.

Concretizações legais

O artigo 3º, nº1, 1ª parte do CPC deixa claro que a instauração do nosso processo
é dispositiva.

A nível de impulso processual, há um direito da parte que se considera lesada


em instaurar uma ação judicial, não podendo o juiz oficiosamente dar origem a um
processo.

Isto contraria o processo penal, onde a maioria são direitos indisponíveis, onde
estão bens de interesse público subjacentes.

No processo civil, o exercício e iniciativa de um novo processo é sempre do autor


lesado.

2. Na Marcha Subsequente

Uma vez iniciado o processo, cabe ao juiz o impulso subsequente desse processo
(princípio do inquisitório). O juiz tem o ónus de diligenciar para que o processo não pare,

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praticando os atos necessários, pressionando ou dando ordens às partes para que se
pratiquem atos para que o processo chegue ao fim.

O artigo 6º do CPC atribui ao juiz um dever de gestão processual.

3. Definição do objeto do processo

Quem tem o poder de definir o objeto do processo (pedido e causa de pedir – o efeito
pretendido pelo autor; fundamento que o autor apresenta ao tribunal para fazer aquele
pedido)?

O objeto do processo divide-se em:


- O pedido
- A causa de pedir

A lei é totalmente dispositiva quanto ao objeto: o juiz está limitado quantitativa


e qualitativamente quanto ao objeto (artigo 609º do CPC). O juiz está limitado pelo
pedido formal do autor.

Qualitativamente: se eu peço ao juiz o pagamento das rendas, não pode o juiz


querer ordenar uma ação de despejo quando não isso que eu pedi.

Quantitativamente: parte pede indemnização de 30 mil euros. Mesmo que o


tribunal observe que os danos seriam de 35 mil euros, não pode o tribunal alterar a
indemnização, sob pena de nulidade. Embora a lei processual tenha mecanismos para
alterar o pedido.

O juiz não se pode substituir-se ao autor: carateriza a disponibilidade. Está


exclusivamente nas mãos do autor a alegação do facto que constitui causa de pedido à
ação.

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Concretizações legais

Remissões: do 5, nº1º para o 609º do CPC; do artigo 552º, nº2 alíneas d) e e) para
o 609º do CPC

Os artigos 3º, nº1 + 552º, nº1 alínea e) + 609º do CPC referem, claramente, que
compete ao autor (ou ao réu reconvinte) identificar o pedido na ação e, mais do que
isso, o juiz fica limitado pelo pedido formulado pelo autor. A sentença não pode
condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Uma petição inicial em que falte um pedido é uma petição inicial inédita, dando
origem à absolvição do réu na instância, fazendo com que o processo não continue.

De acordo com o artigo 5º, nº 1 do CPC, a causa de pedir deve também ser
formulada pelo autor.

4. Alegação de factos

Quem define os factos de que o tribunal se pode servir para julgar a causa?

Não está muito claramente resolvido esta questão.

Artigo 5º, nº1 do CPC, quanto aos factos: às partes cabe alegar os factos
principais da causa, isto é, os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções
(princípio do dispositivo).

Assim, quanto aos factos essenciais, vigora o princípio do dispositivo.

O juiz está ou não limitado pelos factos alegados ao autor? Há factos de


conhecimento oficioso (artigo 5º, nº2 do CPC):

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Alínea a) factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
Alínea b) factos que sejam complemento ou concretização do que as partes
hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a
possibilidade de se pronunciar;
Alínea c) factos notórios e aqueles que o tribunal conhece no exercício das suas
funções (artigo 412º do CPC).

O juiz não pode usar factos de essência privada. Contudo, se o juiz se aperceber
que há factos de natureza probatória que sejam importantes para o desenrolar do
processo, pode usá-los. A possibilidade ou impossibilidade de o juiz usar factos
independentemente de terem sido alegados, depende da função que os factos tenham
na ação.

Os factos instrumentais são aqueles que não carecem de alegação e, por isso,
são oficiosamente considerados na decisão de facto. Podem ser probatórios ou
acessórios. Os probatórios são os que servem de base a uma dedução através da qual o
juiz chega à realidade do facto principal. Os acessórios são aqueles que permitem ou
vedam ao juiz tirar da realidade dos factos probatórios a conclusão acerca da realidade
dos factos principais.

Os factos notórios são aqueles que são facilmente conhecidos ou cognoscíveis


pela generalidade das pessoas de determinada esfera social, de tal modo que não haja
razão para duvidar da sua ocorrência.

Os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas
funções, previstos no artigo 412º, nº2 do CPC, na verdade correspondem a uma
manifestação do princípio geral da eficácia do caso julgado (artigo 619º, nº1) ou do valor
extra processual das provas (artigo 421º do CPC).

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Concretizações legais

Quem deve alegar os factos é o autor. Ao juiz seria difícil alegar e provar os
factos.

Na sequência da reforma do processo civil, foram-se introduzindo nuances que


davam poder ao juiz. Criou-se um artigo que corresponde ao artigo 5º, nº2 do atual CPC,
onde se considera que, relativamente a determinados factos, desde que verificados
determinados requisitos, o próprio juiz poderá oficiosamente acrescentá-los, desde que
estes resultem da instrução da causa – produção de prova.

Concluindo, apesar de a nossa prova de facto ser de matriz dispositiva têm sido
introduzidas mais nuances, fazendo-nos ver que tem existido uma tendência forte de
cariz inquisitória.

Nota: o artigo 5º anteriormente à Reforma tinha como epígrafe, “Princípio do


Dispositivo” e agora tem “Ónus de Alegação das Partes e Poderes de Cognição do
Tribunal”.

5. Matéria de prova

Há aqui dois subpontos ou perguntas nas quais se pode manifestar o princípio


do dispositivo ou inquisitório:

o Iniciativa Probatória – a quem incumbe trazer provas para o processo?


Devem ser só as partes envolvidas, só o juiz ou ambos?

o Valor dos Meios de Prova – forma como o juiz aprecia a validade de cada
meio de prova trazido pelas partes. Há sistemas jurídicos em que tal decisão
é deixada à livre apreciação do juiz (modelo inquisitório), enquanto que há

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outros casos na lei onde se encontram tabulados os modelos de prova
(modelo dispositivo).

O juiz está limitado pelas provas trazidas pelas partes?

Artigo 411º do CPC: o juiz pode usar certas provas, apesar de não terem sido
alegadas. Depende do valor das provas: num sistema inquisitório, as provas não têm um
valor pré-definido.

A prova tabelada: é própria do sistema dispositivo, porque quando eu ofereço


certa prova eu sei previamente o que ela vai pesar na decisão do juiz.

Direito português é sobretudo inquisitório aqui nesta parte.

Concretizações legais

Na iniciativa probatória:

O nosso processo é totalmente inquisitório quanto à iniciativa probatória, o que


significa que o juiz pode e deve oficiosamente, independentemente de as partes
trazerem provas, avaliar as provas relativamente aos factos de que pode conhecer.

O juiz tem liberdade de recolha da prova relativamente aos factos que é lícito
conhecer – artigo 411º do CPC - princípio do inquisitório.

Apesar de os direitos serem disponíveis das partes, predomina o interesse


público da relação jurídica processual. Interessa a busca de uma verdade material.

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Se o juiz se apercebesse que uma determinada testemunha sabia mais do que
parece e não pudesse acrescentar essa decisão, seria um processo e decisão formal e
não corresponderia necessariamente à verdade material do que se teria passado.

Se o juiz não tivesse liberdade na recolha de prova o processo, seria apenas uma
liberdade formal e não material.

No valor dos meios de prova:

Aqui o processo de cariz misto – 607º, nº 5 do CPC.

Existe um princípio da livre apreciação da prova – o juiz valora as provas de


acordo com a sua livre convicção, mas há exceções. É o caso da prova documental, da
prova de confissão, entre outras, que têm um valor probatório especial.

Quanto à prova testemunhal, o juiz é livre de valorar cada testemunha de acordo


com a sua convicção.

Assim, a livre apreciação não vigora assim para todos meios de prova, havendo
um sistema misto.

6. Negócios processuais

Quem tem o poder de pôr termo ao processo?

Os negócios processuais são negócios jurídicos que podem ser unilaterais ou


bilaterais e que visam pôr fim a um processo pendente.

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Existem três tipos de negócios processuais característicos:
- Desistência: o Autor do mesmo desiste dele
- Confissão: o Réu confessa o ilícito que praticou
- Transação: acordo entre as partes

Os modelos processuais em que estes negócios são livremente admitidos são,


naturalmente, de natureza dispositiva, quando as partes pretendem pôr um fim ao
processo.

Pelo contrário, quando existem processos com maior exigência e depende da


decisão do juiz o seu término, a ação será de tipo inquisitório.

Nota: Transação – artigos 283º e seguintes do CPC: estando em causa direitos


disponíveis, estes negócios jurídicos são válidos e o juiz apenas verifica se as partes têm
o poder de dispor do direito (se os direitos são disponíveis).

Pode ainda o autor (ou o réu reconvinte – réu que faz uma reconvenção) desistir
da instância.

Opinião da Professora Maria dos Prazeres Beleza: quanto aos pontos essenciais
dos negócios processuais, o sistema português é dispositivo.

Concretizações legais

Os artigos 283º e seguintes do CPC referem estes negócios processuais como


admitidos, sem a intervenção necessária do juiz. Assim, o nosso processo será, também
aqui, de cariz dispositivo.

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CONCLUSÃO:
1. Dispositivo: são as partes que mandam no processo
2. Inquisitório: o poder principal é atribuído ao juiz e o papel mais passivo às partes.

Em teoria e em abstrato, nunca existe um modelo totalmente dispositivo nem


inquisitório. O processo é feito em várias vertentes em que algumas, tendencialmente,
o processo pertence ao juiz e noutras vertentes pertence às partes.

Assim, pode concluir-se que o princípio dominante no CPC de 2013 é um


Princípio de Cooperação entre as partes e o juiz, durante o processo.

O nosso artigo 1º do CPC assentou numa filosofia muito mais liberal, onde o
principal papel era atribuído às partes, em que o juiz era um terceiro neutro: o juiz
apenas podia considerar passivamente o pedido e o que era trazido pelas partes,
julgando numa perspetiva puramente formal.

Com o passar do tempo, foram-se atribuindo cada vez mais poderes ao juiz para
que de uma justiça mais formal se passasse para uma justiça mais material, dando ao
juiz um papel mais interventivo. Isso permite buscar mais ativamente a verdade material
do que se passou. Mais se afirma que assim o processo deixa de ser constituído por
matéria formal.

3. Princípio da cooperação

Traduz-se no facto de todos os intervenientes processuais deverem cooperar


para o mesmo fim, que se traduz na justa resolução do litígio. Todos devem atuar em
conjunto e em cooperação na busca do mesmo objetivo. O juiz, os mandatários e as
partes devem cooperar no sentido de garantir que cada processo atinja da melhor forma
o seu objetivo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 24


Este princípio deve ser devidamente entendido. Nenhuma das partes deve estar
obrigada a colaborar para que a outra parte tenha benefício. As partes não devem omitir
informações importantes, não fundamentar pretensões, não facultar à outra parte
factos sobre as quais uma das partes têm domínio exclusivo.

São conflitos que geralmente versam sobre direitos disponíveis. Há que traçar
limites entre o que é e o que não é desejável à parte em matéria de cooperação. Artigo
542º alínea c) do CPC – pode ser condenado como litigante de má-fé, no caso de a parte
ter violado estes deveres e não cooperado contra a parte, na medida do razoável.

É um princípio de ordem geral/transversal a todo o processo civil. A propósito


de cada fase do processo, o legislador concretiza em alguns preceitos como se deve
desenrolar o papel das partes.

A cooperação no domínio da prova estende-se mesmo a terceiros, a quem não


é parte numa ação. Se não se comparecer existem sanções - artigo 417º do CPC.

Há uma fase processual em que o princípio da cooperação tem um maior enfase:


a fase da prova/instrução. Motivo: o juiz tem poder inquisitório em matéria de prova (o
juiz pode determinar que as partes tragam a prova para o processo), então a cooperação
das partes é fundamental, sobretudo se a prova que uma das partes carece para fazer
valer não está na sua posse, mas da parte contrária.

Artigo 417º do CPC: existem consequências para aqueles que não cooperem na
descoberta da verdade:
a) possibilidade de a parte não cooperante ser condenada como litigante de má-
fé (artigo 542º, nº 2, alínea c) do CPC)
b) artigo 417º do CPC, condenação em multa: pode ser um terceiro
c) artigo 417º do CPC: o juiz pode apreciar livremente essa atitude para efeitos de
prova dos factos – p.e A morreu e deixou um testamento que está na posse de
um dos herdeiros; um dos outros herdeiros quer instaurar uma ação de
anulação, mas não está na posse do testamento e então pede ao outro herdeiro

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 25


para que este venha trazer o testamento em juízo. O juiz pode interpretar
livremente esta omissão pelo que quer dizer que aquele que devia trazer, não
trouxe porque lhe ia ser desfavorável. No limite pode levar à inversão do ónus
da prova contra aquele que não levou à prova.

4. Princípio do contraditório

Artigo 20º da CRP e consagrado na CEDH: exige que ambas as partes tenham a
possibilidade de manifestar de igual forma o seu ponto de vista – direito de se defender
e de apresentar a sua prova de verificação dos factos; possibilidade de controlar a
atividade da outra parte (colocar em causa aquela prova ou de contra interrogar aquela
testemunha).

O princípio do contraditório exige, pelo menos, que nenhuma ação seja decidida
contra alguém sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de se defender – artigo
3º do CPC.

Este princípio é, desde logo, uma garantia de imparcialidade do julgador e uma


garantia de igualdade das partes perante o juiz e a lei. É um princípio que garante a boa
administração da justiça, garante a igualdade das partes perante o julgador, permitindo
que o legislador tenha uma visão mais completa do litígio. Não é indiferente à boa
administração que se tenha uma visão unilateral ou não tão completa do litígio.

Há casos em que o contraditório é afastado por razões de eficácia. O


contraditório prévio é afastado, contraditório que, para ser efetivamente contraditório,
é prévio à decisão (por exemplo: arresto. No arresto pode ser afastado o contraditório
prévio. Dá-se à parte que sofre a providência cautelar o poder de posteriormente vir a
discutir essa providência).

Ao dizer que um processo é estruturado respeitando a lógica do contraditório


não basta dizer que o processo garante ao réu a possibilidade de se defender antes de

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 26


o tribunal decidir. O princípio do contraditório exige que cada uma das partes possa ir
controlando a atividade de cada parte ao longo do processo. Esta possibilidade de
contradição estende-se às questões oficiosas em que o tribunal aprecia livremente, por
sua iniciativa.

O contraditório funciona ao longo de todo o processo quer em questões


suscitadas pela contraparte quer por questões suscitadas oficiosamente pelo juiz –
artigo 3º do CPC.

Exceções (artigo 3º dá a entender que há casos em que é admissível que o


princípio do contraditório seja excecionado):
a) Providência cautelar: decisão urgente e provisória (só vigora até que na ação
principal sobrevenha, quer seja favorável ou não) para que, na pendência da ação,
a decisão não seja inútil. Direito a uma tutela judicial efetiva.

Por exemplo: arresto – posso solicitar no decurso da condenação do pagamento


para que os bens do devedor sejam apreendidos para que o devedor fique
impossibilitado de dispor dos bens; para que quando houver a condenação, ainda haja
bens).

Uma vez que são urgentes e visam evitar que a decisão seja inútil, pode acontecer
que o réu não seja ouvido antes da providência cautelar. Contudo, o princípio do
contraditório é apenas adiado: o réu vai poder ser ouvidas só depois de p.e o arresto ser
efetuado.

5. Princípio da submissão aos limites substantivos

Significa que o processo é um ramo instrumental e puramente adjetivo ao direito


substantivo: serve para aplicar o direito substantivo, visa torná-lo efetivo, mas não o vai
alterar.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 27


Através do processo não podemos alcançar um fim que não seria permitido pelo
direito substantivo: não posso usar um processo que não podia usar no direito
substantivo.

Por exemplo, os pais não podem vender bens a um dos filhos sem a autorização
dos outros filhos. Um dos pais vende o bem a um dos filhos e sabe que os outros não
vão deixar, então vão simular uma ação de reivindicação dizendo que o bem pertence
aos pais e não aos filhos e os pais vão fazer a ação de maneira que percam a ação e o
réu é absolvido do pedido. Isto conduz a que, apesar de a ação ter um efeito meramente
processual, está a reconhecer que o bem é dos filhos e não dos pais. A ação não pode
servir como instrumento para simular algo que não se pode atingir (não lhes era
permitido) no direito substantivo – viola a função do processo.

O juiz pode sempre intervir nestes casos – pode tomar uma decisão que contrarie
as regras processuais.

Esta nomenclatura foi dada pelo professor Castro Mendes. Fala-se desta
submissão para chamar à atenção da importância instrumental que o processo tem
relativamente ao direito substantivo. O processo não deve ser uma via para alcançar o
que o direito substantivo não permite obter. Existe uma relação de instrumentalidade
entre o processo e o direito substantivo.

Artigo 612º do CPC – quando o juiz verificar e se aperceber que a ação é simulada
porque não assenta em nenhum litígio real ou se aperceber que as partes tentam
defraudar exigências da lei, o juiz tem todos os poderes e meios necessários para evitar
que tal aconteça. A lei não diz quais são, depende do caso concreto.

Existe uma série de regras afastadas quando está em causa uma relação
indisponível. Não se podem transformar relações substantivas indisponíveis em relações
disponíveis. Não se pode transformar um direito instrumental e adjetivo processual
numa forma de contornar as exigências e objetivos pelo direito substantivo: direito civil
ou comercial.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 28


6. Princípio da adequação formal

Antigamente, era a lei que estabelecia de forma rígida qual a forma do processo
e dos atos do processo e o juiz obedecia, sob pena de nulidade processual.

Em 1995 criou-se um princípio diferente: há uma tramitação processual criada


pela lei, mas se o juiz entender que, em certos casos excecionais, aquela tramitação não
é adequada, o juiz pode introduzir algumas alterações no sentido de adequar certas
formas processuais – maior flexibilidade.

Em 2013, há uma inovação no CPC: manteve-se o princípio da adequação formal,


mas foi aprofundado na sua dimensão. A adequação formal passou a ser uma atitude
correta do juiz: o juiz tem o poder de determinar qual vai ser a tramitação formal
daquele processo.

Qualquer ação é uma sequência de atos. Os modelos de tramitação não são


sempre os mesmos. Uma coisa é o modelo de tramitação, composto por uma sequência
de atos que podem ou não variar. Outra coisa são os próprios atos isoladamente
considerados.

Existem, em teoria, três formas possíveis de saber qual é a forma do processo e


as formalidades de cada ato:
- Lei, que regula os critérios de tramitação das formas de processo – se isto acontecer,
princípio da legalidade das formas processuais.
- Juiz caso a caso que determina qual o modelo de tramitação e a formalidade de cada
ato.
- Acordo das partes, permitido por lei.

Até ao CPC atual predominava, de longe, valendo como princípio geral, o


princípio da legalidade das formas processuais. A lei regulava exaustivamente e
imperativamente os vários modelos de tramitação. Existia um catálogo constante da lei

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 29


com certos processos e que definia a forma de processo aplicável. O mesmo
relativamente a atos que compunham essas formas de processo.

Artigo 547º do CPC - aqui vem consagrada a regra de que é o juiz que deve
determinar a forma e conteúdo de cada um dos atos, caso a caso. Isto tem a vantagem
de permitir que a tramitação e forma de cada ato seja mais adequada a cada caso
concreto, ao objeto discutido em cada ação.

A lei de processo consagra em geral este princípio e regula exaustivamente todas


as formas de processo a atos a praticar em cada um. As partes devem ver até que ponto
importa introduzir alguma alteração, tendo em conta o objeto da causa julgada. Hoje,
os modelos de tramitação e as formas de processo podem ser alterados em função do
objeto da causa, mas continuamos a ter um modelo previsto na lei.

7. Princípio da prevalência do fundo sobre a forma

Exprime a ideia de que não se devem fazer ações por razões puramente
processuais: o fundamental é a verdade material e a justiça, pelo que, dentro do
possível, o processo deve servir como instrumento do direito substantivo e não o
contrário.

Possibilidade dada ao juiz de corrigir falhas processuais. Está aqui em causa a


própria função no processo. As normas do processo não dão a solução do litígio; devem
ser definidas de maneira a que, se forem respeitadas, não afetem a questão de fundo.

Há, contudo, vários exemplos de casos em que, se eu não respeito certas regras
de processo, esse desrespeito terá consequências na relação substantiva.

O silêncio do réu significa que ele reconhece os factos alegados pelo autor. Se o
réu não cumprir as regras estabelecidas pela lei de processo isso traz consequências na

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 30


sua relação substantiva. O incumprimento de regras processuais pode ter efeitos muito
relevantes na relação substantiva.

O legislador e o juiz, na sua aplicação, devem ter um sentido de


proporcionalidade entre a regras processuais que estão a impor e a impugnação e a
consequência do seu cumprimento. O incumprimento não pode ter uma vantagem
superior ao cumprimento da regra.

Esta prevalência do fundo sobre a forma foi tratada pelo tribunal constitucional.
São julgadas inconstitucionais muitas regras de processo dizendo que a vantagem não é
julgada pela regra de processo. A lei de processo não deve impor ónus
desproporcionados em relação aos que o processo tem.

Não se devem importar regras processuais desproporcionadas. Existem várias


regras que têm por detrás a ideia de que, quando se justificar, o fundo deve prevalecer
sobre a forma. Exemplo: artigo 146º do CPC – permite as partes corrigir após os papéis
que entrega.

Artigo 193º do CPC – tem por detrás uma decisão de um tribunal superior. Há
certos casos mais evidentes ou simples em que pode existir uma decisão individual.

8. Princípio da preclusão

Manifestação da existência de uma disciplina no processo: no processo há


momentos e prazos próprios para a prática de cada ato, pelo que, se aquele ato não for
praticado naquele momento, deixa de puder sê-lo: preclude-se a possibilidade de
praticar tais atos.

É um limite ao princípio anterior porque há atos que, se não forem praticados,


podem levar à perda da causa.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 31


Este princípio existe por uma razão de celeridade, disciplina processual e
lealdade perante as partes. A não existência de disciplina podia servir para as partes
usarem o processo como estratégia para a outra não se poder defender.

Qualquer modelo da tramitação é uma sequência de atos. Normalmente esses


atos praticados estão agrupados em fases, que possuem uma determinada função. Se
um processo for estruturado de acordo com o princípio da preclusão, cada ato tem um
momento e fase própria para ser praticado. Se não for praticado no momento próprio
fica precludido e impedida a prática.

O processo pode ou não ser organizado segundo esta lógica, podendo ser mais
ou menos preclusivo, permissivo até ao momento em que posso alegar matéria de facto.

Este princípio também tem relevância a nível da prevalência do fundo sobre a


forma. Existem factos necessários para a prova e que, se não forem provados no
momento próprio, podem chocar com a prevalência do fundo sobre a forma.

O CPC consagrou o princípio da gestão processual, que permite o juiz alterar a


tramitação de acordo com o caso concreto. E isso veio negar o princípio da preclusão.
Até 2013, tudo se tinha de discutir ao mesmo tempo. Agora, o juiz pode, invocando o
princípio da gestão processual, reordenar o processo e a sequência de fases rígidas pode
ser afastada.

Factos supervenientes – a lei de processo não é alheia às mudanças que o processo pode
sofrer. A supervivência de facto é uma limitação de razoabilidade ao princípio da
preclusão.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 32


9. Princípio da economia processual

Aplicação ao processo da “lei do menor esforço”: se o processo pode conseguir


o mesmo resultado, com o menor dispêndio processual possível, é esse o processo que
deve ser utilizado – artigo 130º do CPC.

Manifestações deste princípio: é permitido juntar vários pedidos sobre o mesmo


réu numa ação; acréscimo de custas para articulados com coisas que não interessam.

Este princípio é invocado para justificar certos regimes ou a dispensa de certos


atos, dizendo que no processo se deve aplicar o menor resultado possível com o menor
dispêndio da atividade processual.

Exemplos: artigos 130º e 131º do CPC - não é permitido praticar atos inúteis.

Ou porque se segue a lei ou porque se segue a lei com as alterações que o juiz
determinou, desde que o autor dá início ao processo há um encadeamento de atos para
chegar à melhor solução possível daquela causa.

10. Princípio do direito à justiça em prazo/tempo útil

Artigo 20º, nº 4 da CRP; artigo 2º do CPC; artigo 6º da CEDH

Manifestações: possibilidade de responsabilizar civilmente o estado por atos


praticados no exercício da função jurisdicional quando os processos forem demasiado
longos.

Deve haver mecanismos para que a justiça que venha a ser proferida seja uma
sentença útil para a parte que tem razão.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 33


11. Princípio da igualdade substancial das partes

O princípio do contraditório é uma garantia formal da igualdade entre as partes


– mas não significa necessariamente uma igualdade substancial (as duas podem ter a
possibilidade de se defender, mas se uma tem advogado e outra não, não é igual).

Este princípio é, por exemplo, o direito de ter um advogado oficioso (caso


contrário havia uma igualdade formal, mas não substancial); ou possibilidade do MP a
defender certas partes consideradas mais fracas (incapazes, ausentes, p.e).

O funcionamento do contraditório apenas garante a igualdade formal das partes,


uma igualdade de estatuto com a possibilidade de controlar a atividade que a outra
desenvolve, garantindo apenas uma igualdade formal das partes em processo.

Consagrado no artigo 4º do CPC, o princípio da igualdade substancial está ligado


a um processo equitativo (artigo 20º da CRP). Aquela é uma igualdade que se dirige ao
juiz e à aplicação concreta dos preceitos que se fazem na lei de processo. Deve ver-se
em concreto e é nisto que se distingue esta igualdade do princípio do contraditório.
Sendo uma igualdade substancial, devendo ser apreciada pelo juiz no caso concreto.

3. Tipos de ações

– Declarativas e executivas;

A distinção começou por ser de natureza doutrinária. Atualmente, o nosso artigo


10º do CPC distingue o tipo de ações. Depende do tipo de providências que o autor
requer ao tribunal e pelo tipo de direito que o autor invoca. Artigo 10º do CPC: critério
distintivo é o da finalidade:

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 34


a) Ações executivas: aquilo que se requer ao tribunal é que este materialmente
satisfaça o nosso direito – por exemplo, pagamento do crédito (numa ação
executiva o que eu quero é que entreguem o dinheiro ou a coisa a que tenho
direito).

b) Ações declarativas (as que vamos estudar): a lei não diz diretamente a
finalidade, mas distingue três modalidades consoante a natureza, tipo ou o
fim. Em função disso, conseguimos construir uma noção genérica face à ação
executiva. O que eu quero é que o tribunal diga o direito do caso; o juiz
apenas reconhece o direito e dá a ordem. Não há a satisfação material do
direito, o tribunal limita-se a dizer o direito do caso, qual a consequência que
o direito objetivo retira perante os factos provados e a pretensão do autor.

– Declarativas: de condenação, constitutivas e de simples apreciação.

Tipos de ações declarativas:

a) Ações de condenação: Artigo 10º, nº3 alínea a) do CPC. São as ações mais
frequentes. A finalidade própria é verificar se (1) o direito invocado pelo autor
existe ou não, (2) se foi ou não foi violado; (3) dar uma ordem ao réu (sujeito
passivo) no sentido de que ele realize a prestação correspondente ao direito
invocado pelo autor e que o tribunal concluiu que tinha sido violado – são estes
três momentos.

Se se chegar à conclusão de que o autor é titular do direito e que este foi violado,
então o juiz irá proferir a sentença que leva à realização do direito de que o autor é
titular.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 35


A lei diz que, pressupondo ou prevendo a violação do meu direito, posso pedir
uma condenação. Ações de condenação para o futuro – ações em que o autor prevê que
o réu não vai respeitar o seu direito e instaura uma ação de declaração para o futuro.

O direito português não aceita pedidos de condenação para o futuro, só sendo


permitido nos casos dos artigos 557º e 610º do CPC. Entende-se que só se deve
desencadear o funcionamento da máquina da justiça quando o direito do autor está
numa situação tal que justiça a intervenção dos tribunais.

Artigo 557º do CPC: Prestações Periódicas - quando o réu deixa de realizar uma
das prestações, a lei permite condenar o devedor ao pagamento das prestações que ele
não pagou e de prestações futuras. A lei parte do princípio que se o devedor deixou de
pagar que também não pague todas as dívidas que já se venderam.

Artigo 557º, nº 2 do CC: Despejo – quando o credor consegue provar que terá
grande prejuízo se não lhe for entregue imediatamente o prédio, ele poderá obter
condenação para o futuro. O artigo fala ainda nos casos semelhantes: o autor prova
perante o Tribunal de que tem um prejuízo relevante se não tiver uma sentença para
executar os casos semelhantes ao despejo resultantes de um contrato de arrendamento
(exemplo: comodato onde o réu detém algo que é do autor).

Artigo 610º do CPC - O direito existe, mas não foi ainda violado. Contudo, por
razões de economia processual, mais vale condenar o devedor a pagar num momento
próprio do que estar a absolver o réu e obrigar o autor a pedir uma ação depois de ter
passado o prazo. Isto para casos em que o direito do autor existe, mas ainda não for
exigível ao réu.

b) Ações constitutivas: o autor não pede ao tribunal uma ordem, mas sim que o
tribunal autorize uma modificação na ordem jurídica, na esfera jurídica de ambas
as partes. O tribunal vai verificar se o direito invocado pelo autor existe (integra
a vontade do autor) e autoriza uma modificação na esfera jurídica das partes

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 36


(sem dar uma ordem/pedir ao réu) – exercício judicial do direito potestativo. O
tribunal verifica os pressupostos do direito que o autor invoca e, se chegar à
conclusão que estes pressupostos se verificam, decreta a extinção do contrato
sem exigir qualquer espécie de declaração do réu.

Exemplos de ações constitutivas: ação de divórcio; ação de anulação da compra


e venda; ação executiva do contrato de compra e venda (embora duvidoso).

Exemplo em concreto: direito a constituir uma servidão de passagem – se eu


verificar no CC que o prédio sobre o qual posso constituir uma servidão de passagem é
o prédio do lado, posso instaurar uma ação de servidão de passagem ou posso fazer isso
mediante acordo com o meu vizinho.

Em relação à ação de anulação do contrato de compra e venda. O direito a anular


incide numa ação de preferência. Se eu exercer o meu direito de preferência é uma ação
constitutiva. Se o tribunal verificar que estão reunidos os pressupostos, o tribunal
declara substituído o adquirente e exerce um direito que destrói uma relação jurídica
da qual ele não é parte.

c) Ações de simples apreciação: certificação da existência de um direito ou facto


que tem relevância jurídica, mediante a observação de certas condições. O
tribunal declara um determinado direito (simples apreciação positiva) ou declara
que um determinado direito de que o réu se considera tutelado não existe
(simples apreciação negativa). Visa inverter que a situação de incerteza seja
objetiva e clara – seja suscetível de puder causar prejuízos ao autor.

Implicam reconhecer que os tribunais podem exercer uma função (que já não é
a de compor um litígio) em que apenas podem declarar ou reconhecer que um
determinado direito existe ou não existe ou que um determinado facto se verificou não
se verificou.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 37


Têm uma função certificadora, declarando que o direito existe ou não existe,
podendo ser positivas ou negativas.

Este tipo de ações não tem nenhuma repercussão na marcha do processo (desde
que se dá o início do processo, até que ele acaba), mas sim nas ações executivas.

O direito português admite as ações de simples apreciação, mas é


particularmente exigente (tribunais e doutrina) quanto à justificação e admissibilidade
deste tipo de ações. Os tribunais não servem para tirar dúvidas às pessoas, mas servem
para resolver litígios. É preciso que essa ação de simples apreciação venha pôr termo a
uma ação se incertezas objetivas e graves.

Nota: relação entre os tipos de ações

Qualquer ação declarativa contém autonomamente uma ação de simples de


apreciação, mas nestas essa declaração esgota o objeto da causa, enquanto que nas
outras não. Tal é importante nas relações entre ações que têm objeto parcialmente
semelhantes – uma pode condicionar o desfecho da outra: sempre que há repetição de
ações (sucessiva ou simultaneamente) que têm parcialmente uma parecença de
objetos.

Existe um elemento comum a todas as ações declarativas: há uma apreciação.


Para além da apreciação (declaração do direito), alguns tipos de ações declarativas
implicam outros elementos. Isto tem efeitos a nível de declarações de caso julgado.

Qualquer ação de simples apreciação pode ter força de caso julgado numa ação
de condenação ou constitutiva se for o direito ou facto reconhecido que está em causa
(se a questão for uma questão prévia).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 38


O saber se a ação é do tipo de condenação, constitutiva ou de simples apreciação
não influencia a tramitação processual. Ao contrário do que acontece com a distinção
entre ação declarativa e ação executiva.

Nota: ação declarativa VS ação executiva


Esta distinção pode afetar os pressupostos processuais (o modo como são
aferidos). Os pressupostos variam consoante o tipo de ação declarativa em causa.

Por exemplo, numa ação de condenação é necessário que um direito tenha sido
violado. Numa ação de simples apreciação não é necessária a violação de um direito.

No caso das Ações Executivas, estas são divididas em três tipos:


- Execução para entrega de coisa certa
- Execução para prestação de facto.
- Execução para pagamento de quantia certa.

Nas ações executivas autor é o exequente; ele quer mais que a satisfação do seu
direito; a finalidade com que instauro o processo executivo influencia a marcha do
processo.

4. Providências cautelares: função, caraterísticas, estrutura, providências


cautelares em especial (inominadas e nominadas).

As providências cautelares têm como objetivo neutralizar o custo do tempo.

Procedimento cautelar: processo que conduz à declaração de uma providência cautelar

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 39


Providência cautelar: identificam-se pela sua função. Servem para regular, de forma
provisória, uma situação de facto entre as partes de uma ação já proposta ou que venha
a ser proposta, com o objetivo de garantir que a sentença final é útil.

As providências cautelares são medidas decisórias e concretas que visam que a


sentença proferida não seja inútil (artigos 2º, nº 2 do CPC e 2º da CRP).

As providências cautelares não são independentes, não têm um fim autónomo.


São um maio instrumental a ação principal, tendo um duplo grau de instrumentalidade.

Razão de ser: as várias formas processuais implicam que, no mínimo, se demore


2 anos a chegar ao seu termo. Na pendência de uma ação, se o autor tem que demorar
2/3 anos até que veja satisfeito o seu direito, ele pode deixar de ser interesse por uma
sentença favorável. O direito de ação é mais do que um direito a obter uma sentença, é
um direito a uma tutela judicial efetiva (artigo 20º da CRP): temos direito a obter uma
sentença final, que ainda me seja útil e torne o meu direito efetivo.

Exemplo: arresto – providência cautelar que serve para os casos em que o


devedor não cumpre a obrigação. O credor instaura uma ação para cobrança do seu
crédito (declarativa condenatória, para reconhecer o seu direito e ver satisfeito o seu
crédito; se ele depois não pagar é que há a executiva). Demora 3 anos e após esse anos
apercebe-se que o devedor vendeu tudo o que tinha. Com a providência cautelar é
possível ao credor, na pendência da ação principal ou ainda antes da ação ser
instaurada, requerer ao tribunal que este apreenda os bens do devedor para conservar
a garantia patrimonial.

Função instrumental: não tem um fim em si mesma, tem um fim relativamente


a uma outra ação, que é a ação principal. Daí que nas providências cautelares haja uma
dupla instrumentalidade: o processo civil já é instrumento quanto ao direito
substantivo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 40


Não constituem uma ação autónoma, são dependentes de uma outra ação.

Artigo 2º, nº 2 do CPC: a todo o direito corresponde o direito a uma ação adequada a
corresponder; artigos 362º e 409º do CPC.

Os tipos de providências cautelares constituem uma manifestação do direito à


tutela jurisdicional efetiva – 362º e seguintes do CPC: existem providências cautelares
previstas em lei avulsa.

Tipos de providências cautelares:


- Comuns
- Especificadas/ Nominadas

Nota: Todas as situações que não encontram resposta nas providências cautelares
especificadas serão reguladas pelos processos cautelares comuns (artigo 362º, nº 3 do
CPC).

Características das providências cautelares

a) Natureza necessariamente judicial: são medidas judiciais decretadas pelo


tribunal, que fazem com que o seu desrespeito tenha uma tutela penal especial
– crime de desobediência qualificada.

Exceção no embargo de obra nova. Esta é uma providência especial em que um


proprietário de certo terreno vem dizer que o vizinho está a fazer obras e está a ofender
a sua obra, parando a obra. Pode ser feito de forma extrajudicial – o interessado vai
diretamente notificar o dono da obra para parar com a obra, mas tem de ser ratificado
judicialmente.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 41


b) Medidas dependentes e instrumentais: a instrumentalidade é uma consequência
do facto do procedimento cautelar estar associado a uma ação principal. Pelo
que, o seu fim está dependente do efeito útil de uma outra ação.

Desse modo, por regra, as providências cautelares só podem instauradas desde


que a ação principal esteja já pendente.

No entanto, pode a ação principal não estar ainda pendente, desde que o
requerente da providência cautelar a instaure no prazo de 30 dias, após declarada a
sentença.

Se eu instauro uma providência, mas depois não instauro a ação principal, a


providência cautelar caduca – artigos 373º, nº 1 alíneas a) e b) do CPC.

Ónus de propositura da ação principal.

Ónus de diligência: é preciso que promova diligentemente a ação principal, sob


pena de ir dar ao mesmo.

Nota importante:
Exceção da natureza instrumental que só surgiu em 2013.
Artigos 369º e seguintes.

Inversão do contencioso: o legislador permitiu que, em certos casos, o requerente fique,


ainda que instaurada antes da ação principal, dispensado do ónus de propositura da
ação principal. Quem tem, pelo contrário, o ónus de instaurar a ação principal é o
requerido, se não quiser que a providência cautelar se mantenha vigente.

Isto não vale para todas as providências cautelares, mas em certos casos
(especialmente adequado às providências antecipatórias) as partes podem pedir ao
tribunal que decrete a providência e inverta o contencioso (decisão por parte do juiz).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 42


Motivo: evitar duplicação em termos de economia processual; evitar repetições de
ações e meios de prova.

Requisitos da inversão do contencioso:


- Juiz fique convicto da existência do direito no procedimento (não basta uma
aparência do direito). É preciso que o juiz no procedimento da providência cautelar
tenha adquirido a convicção segura da existência do direito. Se assim não fosse, seria
inconstitucional já que isso seria permitir que, com base no conhecimento sumário e
aparente, se constituísse uma situação definitiva;

- Existência de um requerimento por parte do requerente – é preciso que a outra


parte se pronuncie sobre a possibilidade de inverter o contencioso.

- Natureza da providência adequada a concretizar – que tenha o mesmo


conteúdo da ação principal. Ou seja, a providência cautelar tem de ser antecipatória;

Efeito: dispensar o requerente do ónus de propor a ação definitiva, sob pena de caducar
a providência. Contudo, cria-se um ónus contra o requerido de (num determinado
prazo) vir propor a ação definitiva para discutir, contrariar e dizer que o direito do autor
não existe. O ónus da ação definitiva passou do requerente para o requerido.

Crítica: figura pouco usada porque se discute, uma vez decretada a providência cautelar
e invertido o contencioso, quem é que vai ter o ónus da ação da prova na ação principal
instaurada pelo requerido. Será o requerente ou a outra parte? Porque numa ação
principal normal, quem tem o ónus de prova (p.e. de restituição da posse) é o autor,
aquele que se quer fazer da posse. Contudo, como houve inversão, foi o requerido que
foi autor da ação principal e não é ele que se quer fazer valer da posse. Esta dúvida não
é irrelevante, porque se entendermos que é o requerente, não lhe serve de nada que
seja o requerido a ter que instaurar a ação principal, porque ele vai na mesma ter que
fazer a prova que fez na ação principal.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 43


Solução da Doutrina: nas ações de simples apreciação negativa (que é o que o requerido
vai dizer – que não tem o direito à posse, p.e) entende-se que quem tem o ónus da prova
é o reu.

Desvantagem da solução da doutrina: nem sempre se adequa muito bem a todas as


providências antecipatórias, ou seja, casos em que a sentença da ação principal pode ir
mais longe. Em rigor, o embargo da obra nova (pede a suspensão da obra) tem o
conteúdo antecipatório porque muitas vezes a ação principal quer mais que isso. Por
exemplo, dizer que o direito de propriedade lhe pertence e, além de suspender (que
aconteceu na providência cautelar), muitas vezes quer-se destruir a obra.

Logo, a ação principal continua a ter interesse para o requerente porque quer,
além da suspensão, a demolição. Assim, a inversão do contencioso não é o que ele quer,
porque quer mais que a providência cautelar.

Conclusão:
As partes apresentam uma série de factos que devem ser objeto de prova. Há
factos que ficam por provar. Há muitas situações em que há factos necessários à decisão
da causa que ficam por provar. O que é que o juiz faz, sabendo-se que não se pode deixar
de julgar a causa? O juiz não pode deixar de julgar uma causa alegando dúvida insanável
sobre matéria de facto.

A lei tem de dar ao tribunal um critério ara ultrapassar essas questões: repartição
entre as partes do ónus da prova. Se a parte onerada com a prova não fizer prova, o juiz
irá julgar contra ela.
A lei portuguesa tem uma repartição abstrata dos ónus da prova – artigos 342º
e seguintes do CPC. Aqui sabe-se quais os factos cujo ónus da prova cabe ao autor e os
que cabe ao réu.

Quando há inversão do contencioso o requerido vai propor uma ação para


impugnar uma decisão judicial proferida da providência. Na AR acrescentou-se essa

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 44


parte sem prejuízo das regras do ónus da prova. Conforme o ónus da prova couber a A
ou a B, assim a solução do litígio é diferente. Ter ou não ter o ónus da prova significa
perder ou ganhar a ação. As regras sobre ónus da prova são regras de natureza
substantiva, dizendo qual a solução do litígio.

c) Medidas urgentes. Artigo 363º do CPC:

O prazo máximo, em certos casos, pode ser de 15 dias.

É possível criarem-se exceções ao princípio do contraditório nas providências


cautelares, fazendo com o que requerido não seja ouvido. Por exemplo, no arresto o réu
não é ouvido porque, se fosse, ele ia logo fazer aquilo que a providência cautelar visa
proteger – artigo 366º, nº 1 do CPC, se houver risco sério pode não ouvir o réu.

Impossibilidade de recuso para o STJ – artigo 270º, nº 2 do CPC;

d) Medidas provisórias (caducidade e substituição). Artigo 373º, nº1 alínea c) do


CPC.

A providência cautelar caduca caso se sobrevenha uma decisão da ação principal


que seja considera improcedente.

A provisoriedade das providências cautelares opera de forma diferente


consoante seja antecipatória ou conservatória:

- Antecipatórias: sendo o conteúdo equivalente ao da sentença, converte-se em


definitiva. Daí que no artigo 373º do CPC só tenha lá a improcedência, porque quando é
procedente, é automática.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 45


- Conservatórias: quando é improcedente: é preciso atos executivos – arresto converte-
se em penhora, artigo 762º do CC.

Nota: Artigo 274º do CC, responsabilidade do requerente em caso de dolo ou


negligência. Contudo, a maior parte dos requerentes não atua com culpa porque estão
convictos que têm razão e, em virtude disso, instauram ação.

Providências cautelares comuns: Abstração da letra da lei e providência concretamente


adequada.

Artigo 362º do CPC: cláusula atípica, aberta: o juiz pode decretar qualquer providência
cautelar.

Requisitos dos procedimentos cautelares comuns – artigos 362º a 368º do CPC:

a) Aparência do direito do requerente: exigência provável do direito do


requerente. É preciso que o juiz veja se o autor tem ou não o direito, mas
não é necessário que o juiz fique convencido da existência (probabilidade
séria). Não tem de exigir os mesmos meios de prova como se tivesse a
certeza absoluta – artigo 368º e artigo 365º, nº 1 do CPC. Princípio do fumus
boni iuris – fundo de bom direito (provável existência do direito)

b) Perigo de lesão do direito: periculo in mora (perigo na demora). Só se justifica


decretar uma providência se existir o risco de, na pendência da ação
principal, a futura sentença se tornar inútil – artigos 368º, nº 1 e 365º do CPC.

c) Adequação do procedimento cautelar: a providência tem de ser


concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito. Tem de ser

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 46


uma providência cautelar apta a afastar o risco que está em causa. Artigo
362º, nº1 do CPC.

d) Proporcionalidade do procedimento cautelar: ponderação dos interesses em


presença (do requerente e do requerido). Não é um princípio de
proporcionalidade estrita, a balança é favorável ao requerente que tem a
aparência do direito. Artigo 368, nº2 do CPC exige a comparação entre duas
realidades. Danos que vão ser causados ao requerido com a providência e os
danos que vão ser evitados ao requerente.

Procedimentos cautelares especificados

Artigos 377º e seguintes do CPC.

O CPC tem uma lista de providências cautelares especificadas, mas existem


muitas outras que não estão no CPC (legislação avulsa):

1. Restituição provisória da posse:

Artigos 377º e seguintes do CPC.

Quando alguém foi desapossado com violência da coisa que possuía (esbulho
com violência). Tenho de provar a posse, tenho de provar o esbulho e o tribunal
determina a restituição do bem sem ouvir a parte contrária. Do ponto de vista
doutrinário, diz-se que isto não é propriamente uma providência cautelar, dado que
estas se destinam a acautelar a violação de um direito, quando essa já ocorreu.

Se eu tiver algo e for desapossada sem violência posso recorrer aos meios
comuns.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 47


2. Suspensão de deliberações sociais:

Artigos 380º e seguintes do CPC.

Quando os sócios dizem que as deliberações são contrárias aos estatutos e, como
tal, são inválidos. Declaração de anulação ou nulidade de uma declaração social.

Se vier a ser reconhecida pelo tribunal a invalidade da deliberação, a decisão do


tribunal tem eficácia retroativa. O que acontece é que essa eficácia retroativa, do ponto
de vista jurídico, não é suficiente para apagar os efeitos de facto que aquela deliberação
teve. Poderão existir certos efeitos de factos que não se podem apagar. O sócio quer
paralisar a eficácia da deliberação tomada e impedir a sua execução.

Basta a sociedade ser avisada/citada de que foi pedida a suspensão de


deliberações sociais para que não possa executar a deliberação até que a primeira
instância julgue.

Este regime é também aplicado na propriedade horizontal – artigo 383º do CPC.

3. Alimentos provisórios:

Artigos 384º e seguintes do CPC.

Associada a uma ação principal de alimentos e que visa suprir uma providência
especial do requerente, razão pela qual a responsabilidade do requerente dos alimentos
provisórios é mais ténue – artigo 387º do CPC. Só responde se tiver de má fé.

Ação da qual pode resultar, a título definitivo, o direito a alimentos por parte do
requerente. O direito a alimentos resulta normalmente da lei e resulta de ações de
natureza familiar, podendo resultar de um contrato.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 48


Dependente uma ação da qual pode resultar o direito a alimentos a título
definitivo.

Fixa-se uma pensão mensal provisória que pode depois cessar ou ser substituída
por uma pensão a título definitivo.

4. Arbitragem de reparação provisória:

Artigos 388º e seguintes do CPC – remissão para o artigo 496º do Código Civil.

Atribui-se aqui a alguém o direito a receber determinada quantia. Esta


providência está associada a ações de responsabilidade civil.

Só serve em casos em que se pede uma indemnização por morte de alguém ou


por lesão corporal.

5. Arresto:

Artigos 391º e seguintes do CPC. Apreensão judicial de bens.

Contudo, o arresto é provisório, é uma providência cautelar e tem cabimento


quando o credor invoca perante terceiro a perda da sua garantia patrimonial.
No arresto não interessa os bens concretamente, interessa o valor deles para
que possa ser paga uma determinada dívida.

A lei proíbe a audiência prévia da parte contrária.

Nota: A penhora também é uma apreensão judicial de bens. Contudo, faz-se numa ação
executiva e coloca os bens numa situação de disponibilidade. A penhora faz uma
apreensão dos bens para que se possa pagar ao credor.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 49


Se a ação de condenação for julgada favoravelmente o arresto mantém-se até
terminar a ação executiva. No arresto o titular dos bens não pode dispor deles.

6. Embargo de obra nova:

Artigos 397º e seguintes do CPC. Para evitar a lesão do direito de propriedade ou


de um direito pessoal de gozo, eu posso suspender a obra. Pode começar a ser feito
extrajudicialmente – artigo 397º, nº2 do CPC.

7. Arrolamento:

Artigos 403º e seguintes do CPC

Serve para evitar a dissipação ou extravio de bens ou de documentos. Os bens


devem ser determinados. O arrolamento é uma lista que se faz com a apreensão dos
bens que se faz a um depositário. Mas passa a estar sujeito ao regime do depósito.

Artigo 409º, nº3 do CPC: nas ações de divórcio, o requerente do divórcio está
dispensado de provar o risco da lesão ou perigo da demora, porque se presume que há
sempre prejuízo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 50


II – Formas do processo:

1. Processos especiais e processo comum; o procedimento especial destinado


a obter o cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato.

As formas de processo são modelos de tramitação, sequências de atos


processuais que têm em vista o julgamento da causa.

Como sabemos qual a forma de processo adequada à ação que vou propor? Em
teoria a resposta pode resultar da lei, de determinação do juiz ou acordo das partes.

A lei tem determinadas formas de processo, tratadas a partir do artigo 546º do


CPC. A lei portuguesa define certos critérios para eu saber qual a forma de processo
adequada e dá ao juiz, ao abrigo do princípio da adequação formal, a possibilidade de
introduzir as alterações que considera adequadas ao objeto concreto.

O artigo 547º do CPC dá-nos o critério do princípio da adequação formal. Há um


momento próprio em que o juiz obrigatoriamente tem que verificar se a tal forma do
processo é efetivamente adequada – se chegar à conclusão que não é adequada, o
tribunal tem a obrigação de proceder às alterações.

O Código tem uma determinação legal da forma de processo e para determinar


qual a forma em cada caso recorre aos critérios:

o Tipo de providência que se pede

o Objeto ou natureza da relação material: distinção entre processo comum


e processo especial. As regras do processo especial aplicam-se em razão do
respetivo objeto. Existe, com caráter residual, o processo comum. O que
normalmente acontece é que a lei só cria processos especiais quando as regras
do processo comum não servem, justificando-se que existam certas
especialidades. Assiste-se a uma determinação crescente das formas do

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 51


processo especial. A lei só regula o que precisa de regular, ou seja, as
especialidades.

o Valor da causa: artigos das formas de processo – remissão do 296º e


seguintes do CPC – todas as causas têm um valor. No direito português o critério
do valor da causa é um critério tradicional de delimitação das formas de processo
comum. Estabelece como princípio geral que há só uma forma de processo
comum, mas iremos depois ver que não é bem assim. O processo comum tem
uma forma residual, o processo especial tem uma forma igual à dos casos
especialmente previstos na lei.

2. A jurisdição voluntária: princípios, critério de delimitação, natureza.

Regulada a partir do artigo 986º do CPC. Jurisdição voluntária por oposição à


jurisdição contenciosa.

Jurisdição voluntária: grupo de processos especiais que correspondem a muito


mais do que um grupo de processos com tramitação diferente, mas que por razões de
segurança a lei trata como processos especiais.

O que carateriza a função jurisdicional, do ponto de vista material, é a


intervenção do tribunal - é que o tribunal vai resolver um conflito de interesses sob uma
situação de imparcialidade perante esses conflitos.

Na jurisdição voluntária, mesmo nos processos altamente conflituosos (por


exemplo, responsabilidades parentais), para o tribunal os interesses não são iguais pois
há um interesse que se sobrepõe ao outro (o do filho). Estão em causa interesses que,
em si mesmos, são de natureza privada, mas há o interesse público que esses interesses
sejam prosseguidos por uma entidade com as caraterísticas próprias do tribunal.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 52


É um processo especial por razões de segurança: porque assim temos a certeza
que os processos de jurisdição voluntária só se aplicam aos interesses especificamente
regulados. São interesses em si de natureza privada, mas que a lei pretende que sejam
vigiados por um tribunal.

Existem três tipos de jurisdição voluntária:


a) Pede-se ao tribunal que adote determinadas providências diretamente – p.e
regulamentação do exercício das responsabilidades parentais; providências
relativas a filhos maiores;

b) Pede-se ao tribunal que integre atos dos particulares através de autorizações


– p.e OU se pede autorização para a prática de certos atos; OU para
homologar atos dos particulares (divórcio sem consentimento) OU suprir o
consentimento dos intervenientes num ato que se pretende praticar;

c) Pede-se ao tribunal para atestar a regularidade de atos dos particulares,


desempenhando função parecida com a dos notários – p.e situação em que
há um direito de preferência

3. Processo declarativo e processo executivo; o título executivo.

Processo declarativo – comum e especial:

Artigo 548º do CPC.

O processo comum de declaração segue uma forma única.

Contudo, há casos em que, dado o baixo valor do processo, utiliza-se outra forma
- podem existir em legislação extravagante + artigos 878º a 1081º do CPC. Quando está
em causa uma situação de cumprimento de obrigação pecuniária é aplicável, desde que
esteja determinado valor em causa, o DL 269/98.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 53


Princípio da adequação formal também faz com que haja casos em que o
processo não vá obter a forma única.

Processo executivo:
Para as ações executivas, passaram a existir quatro formas de processo executivo
– artigo 550º, nº 4 do CPC.

Como se distinguem as ações declarativas das ações executivas?

Há muitas situações em que as ações são primeiro declarativas e depois passam


a executivas. Contudo, também há casos em que esta sucessão não faz sentido.
Exemplo: nas ações de simples apreciação, onde não há nada a executar. Na maior parte
dos casos, as ações executivas, quando se seguem a ações declarativas, seguem-se a
ações declarativas de condenação.

Há casos em que a lei permite começar diretamente pela ação executiva, sem
passar pela ação declarativa. Artigo 10º, nº 5 do CPC: para instaurar uma ação executiva
(que se destina a satisfação material do interesse do autor) preciso de ter um título
executivo.

Título executivo – é sempre um documento escrito que prova a constituição de um


direito de crédito. É ainda preciso que a lei confira a esse documento o poder de servir
de base a uma ação executiva. Por isso, define-se pela forma (documento escrito – artigo
550º do CPC) + conteúdo (que prove existência do crédito) + elemento de lei escrita
(enumeração taxativa dos casos no artigo 703º do CPC - documentos que a lei considera
que podem servir de base a uma ação executiva).

Ações executivas não servem para definir direito, pois pressupõem já a existência
de direito. São uma sucessão de atos materiais destinados à satisfação do direito do

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 54


credor. Contudo, há a possibilidade de se cruzarem, no decurso de uma ação executiva,
determinados procedimentos de estrutura declaratória.

Então, quanto à delimitação:

o Para instaurar ação executiva tenho de ter título executivo, preenchendo as


condições atrás descritas. O que justifica a suscetibilidade de propor ação
executiva é a força probatória do título executivo (este título tem força probatória
suficiente para instaurar ação executiva).

o Artigo 535º, nº 2 do CPC: a lei acha mais normal que quem tem título executivo
comece pela ação executiva. Contudo, não é obrigatório começar pela ação
executiva. Se tiver título posso escolher qual das ações quero fazer primeiro.
Porém, no artigo 535º, nº2 alínea c) do CPC, o que sucede é que se optar por
começar pela ação declarativa é ganhar a ação, mas pagar as custas do processo
(desvio ao geral porque normalmente quem ganha não paga custas). A lei
reconhece que pode ter interesse em ter uma sentença para depois executar
porque é o título executivo mais forte.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 55


III - Pressupostos Processuais:

1. Noção, função e regime geral

São as condições processuais que têm de estar verificadas para que o tribunal
possa conhecer do mérito da causa, da questão substantiva. A titularidade do direito de
ação não é suficiente para que o juiz imediatamente possa conhecer daquela questão
devido aos pressupostos que têm de estar reunidos.

Os pressupostos processuais distinguem-se:

- De condições de precedência da ação. São condições que têm de estar


verificadas para que a relação processual seja procedente. Dizem respeito à relação de
mérito, substantiva. A questão substantiva é sempre posterior à relação processual
porque, se esta última não estiver regularmente constituída, a questão de mérito não
vale sozinha. Então, as condições de ação pressupõem que se verifiquem os
pressupostos processuais.

- De questões prejudiciais. Questões de cuja resolução depende a resolução da


questão principal; estão em causa questões substantivas. Pressupostos processuais são
prévios à solução do mérito da causa.

- De pressupostos de determinados atos processuais. Pressupostos prévios para


praticar certos atos processuais no processo. O juiz e as partes praticam muitos atos
cuja validade depende da verificação de certos requisitos. Por exemplo, um pedido
reconvencional tem de ter algo em comum com o pedido inicial (vantagem da economia
processual em tramitar os dois pedidos em conjunto) – conexão entre o pedido do autor
e o pedido reconvencional.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 56


Dentro dos pressupostos processuais:
a) Relativos às partes: capacidade judiciária; legitimidade das partes
b) Relativos ao Tribunal
c) Relativos ao objeto de litígio

Regime geral dos pressupostos processuais

1. Consequência da falta de um dos pressupostos processuais?

O juiz tem de absolver o réu da instância. O juiz não está a dizer que o autor não
tem razão, mas sim que não estão reunidas as condições para conhecer o fundo do
litígio.

Exceção dilatória: consequência da falta de um pressuposto processual. O


tribunal fica impedido, não podendo conhecer do fundo da causa. A regra quando, há
uma exceção dilatória, é a absolvição da instância. Contudo, nos casos de incompetência
do tribunal, a consequência é a remessa do processo para o tribunal competente.

Artigo 577º do CPC – as exceções dilatórias são o reverso dos pressupostos


processuais. Esta lista não é taxativa. É verdade que toda a falta de pressupostos
processuais são exceções dilatórias, mas nem todas as exceções dilatórias são falta de
pressupostos processuais.

Artigo 278º do CPC: situações em que o juiz deve reconhecer a absolvição da


instância – quase todas faltam pressupostos processuais.

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2. Conhecimento da falta de um pressuposto processual

Têm de ser as partes, nomeadamente o réu, a vir alegar que falta um pressuposto
ou pode ser um juiz, se se aperceber pode oficiosamente, a conhecer da existência da
exceção dilatória?

Artigo 578º do CPC: o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções


dilatórias, salvo certas questões.

A relação processual não está nas mãos das partes. O juiz deve conhecer
oficiosamente da falta de um processo processual e providenciar pela sua sanação
(poder/dever do juiz de gestão processual – 6º, nº2 do CPC). Contudo, há casos em que
só pode convidar as partes a sanar a falta.

A vontade das partes deveria prevalecer sobre o conhecimento oficioso do


tribunal? O tribunal pode conhecer, ainda que as partes não tenham dado tal
conhecimento. Porque o que está em causa não é apenas o interesse das partes, mas
da resolução justa, em nome da igualdade substancial das partes e do processo
equitativo.
Artigo 6º, nº2 do CPC: cabe no princípio de que o juiz deve ter um papel ativo no
desenrolar do processo; o juiz antes de absolver o réu da instância devido à existência
de uma exceção dilatória, deve procurar sanar aquelas exceções dilatórias que sejam
suscetíveis de sanação.

3. Consequência da absolvição da instância

Qual a eficácia de decisões sobre os pressupostos processuais? Apenas adquirem


força de caso julgado formal, força de eficácia meramente interna.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 58


Por outro lado, as decisões sobre a relação substantiva (mérito da causa) têm
força de caso julgado material.

Força de caso julgado material: artigo 619º do CPC – fica a ter força obrigatória
dentro do processo e fora dele.

Força de caso julgado formal: artigo 621º do CPC – só tem força obrigatória
dentro do processo. Ou seja, fora daquele processo não vincula mais nenhum juiz. Por
exemplo, se o juiz disser que uma daquelas partes é ilegítima para aquela ação, isso não
significa que o autor não possa propor uma ação igualzinha, contra o mesmo réu, e que
outro juiz considere a parte legítima.

Então para que serve a força de caso julgado formal? É por razão de disciplina
processual; o mesmo juiz não pode tomar uma decisão num momento no processo e
depois tomar uma decisão contrária no mesmo processo.

4. Momentos típicos em que o juiz deve conhecer da existência ou inexistência dos


pressupostos processuais

Fase do saneamento:
- Despacho pré-saneador: juiz convida as partes a sanar a falta;
- Despacho saneador: o juiz pode sanar. Artigo 595º do CPC

Se os pressupostos não são sanados ou não são sanáveis no despacho saneador,


o juiz absolve o réu da instância.

O juiz, em regra, não tem qualquer intervenção na parte dos articulados. Porém,
nos procedimentos cautelares há casos excecionais em que ainda existem os despachos
liminares. Artigos 591º, nº1 + 226º, nº4 do CPC. Antes da reforma de 95/96 havia o
despacho liminar em que, elaborada a petição inicial, esta era entregue ao juiz que

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 59


preferia um despacho a ordenar a citação do réu. Como regra, o despacho liminar
desapareceu porque se considerou que era um momento processual que existia só para
atrasar o processo.

Na sentença é o último momento em que o juiz também pode conhecer da falta


de pressupostos processuais. É raro porque, para que o juiz chegue à sentença, tem de
passar por todas estas fases. A maioria dos pressupostos processuais são de
conhecimento evidente porque, ou eles existiam e eles não eram sanáveis e o juiz
profere despacho saneador ou então é porque normalmente já não existem faltas de
pressupostos processuais.

5. Recurso

As decisões sobre a falta pressupostos são recorríveis uma vez que são decisões
de forma?

Não deixam de ser decisões judiciais pelo que, por regra, desde que verificados
certos requisitos, são recorríveis da mesma forma como as decisões de mérito. Desde
2007 não há diferença no recurso.

Recurso para relação – apelação;

Recuso para o STJ –revista.

Pressupostos processuais relativos às partes

Partes: aqueles que estão em juízo e que têm a titularidade efetiva do direito
invocado/objeto de discussão, quer do lado ativo (autor que se arroga da titularidade
do direito), quer do lado passivo (réu contra quem é arrogada a titularidade do direito).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 60


Para além das partes, podem existir outras pessoas no processo (ex.: advogados,
representantes, Ministério Público em representação das partes). Apesar de serem
pessoas jurídicas com um papel no processo, não são partes em sentido jurídico-
processual.

2. Personalidade judiciária

Artigos 11º e seguintes do CPC

Definição está no 11º, nº1 do CPC: consiste na suscetibilidade de ser parte em


juízo. Todos aqueles que possam ser parte em juízo (autor/réu), têm personalidade
judiciária.

O critério geral é o da coincidência com a personalidade jurídica: suscetibilidade


de ser titular de direitos e deveres.
Assim, estabelece-se um paralelo entre o conceito de personalidade jurídica do
direito substantivo e o de personalidade judiciária do direito processual – princípio da
coincidência (artigo 11º, nº2 do CPC).

No entanto, há um outro princípio que se associa ao princípio da coincidência,


que é o da extensão da personalidade judiciária. Significa que, apesar de a regra ser a
coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, há certos casos
em que o legislador processual estende a personalidade judiciária a entidades que não
têm personalidade jurídica. Estão expressamente previstos no artigo 12º do CPC.

Há entidades que têm personalidade judiciária, mesmo que não tenham


personalidade jurídica. Coloca-se a questão de saber porque é que o legislador
processual foi mais generoso na atribuição de personalidade judiciária do que o
legislador substantivo na atribuição de personalidade jurídica.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 61


O artigo 12º do CPC enuncia os casos de extensão da personalidade judiciária
para além do princípio da coincidência:

Artigo 12º, alínea a) do CPC – herança jacente:

É aquela herança que já está aberta porque já faleceu o proprietário dos bens,
mas que ainda não foi aceite nem declarada vaga para o Estado (artigo 2046º do CC). É
um património autónomo que tem um regime especial de responsabilidade por dívidas
(que pode ser mais ou menos perfeito).

Portanto, no período entre a morte do autor da herança e o momento em que o


património é distribuído aos herdeiros, o património designa-se de herança jacente.

Dívida não desaparece com a morte do devedor, mas transmite-se para o


património por ele deixado. Isto é, a dívida transmite-se aos herdeiros do devedor,
desde que exista património suficiente para a suportar – herança jacente passa a
responder pela dívida.
A personificação de uma herança jacente ou de patrimónios autónomos
semelhantes tem uma razão de ser: a facilidade. A ideia á facilitar a propositura de ações
ou a sua contestação.

Até que a herança seja distribuída aos herdeiros pode demorar um longo período
de tempo. O credor não pode ficar à espera eternamente até que a herança seja aceite
para cobrar a sua dívida.

Embora a herança jacente não tenha personalidade jurídica, pode ser instaurada
contra ela uma ação. Ou seja, ainda que não exista titular da herança, o credor pode
demandar a herança jacente. Sendo condenada, o administrador da herança jacente
(que não se confunde com o seu titular) tem de retirar dela o crédito.

Se a herança jacente não tivesse personalidade judiciária, o credor podia na


mesma instaurar uma ação para cobrança do seu crédito. Teria era de o fazer contra os

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 62


chamados herdeiros incertos e desconhecidos que, ainda que incertos e desconhecidos,
têm personalidade judiciária porque são pessoas singulares.

Problema em instaurar a ação contra os herdeiros incertos e desconhecidos é


que é uma ação mais demorada: citação é mais difícil de ser levada a cabo, tem uma
tramitação mais complexa, não oferece as mesmas garantias e, no final, não vincula
necessariamente com a mesma força todos os herdeiros que venham a aceitar a
herança.

Assim, a razão de ser da extensão da personalidade judiciária deve-se a razões


práticas de facilitação da técnica processual, em concreto, do exercício do direito de
ação.

Fala-se, também, em outros patrimónios autónomos semelhantes cujo titular


não estiver determinado (exemplo: doação a nascituro) – artigo 12º, alínea a) do CPC.

Artigo 13º do CPC


Representa uma situação especial de personalidade judiciária. Não é
propriamente uma extensão, mas um caso excecional. São casos de atribuição de
capacidade judiciária limitada pelo objeto da ação.

Sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou


ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado (artigo 13º, nº1 do
CPC). Concede a estas entidades o poder de representar em juízo a sociedade a que
pertencem. Apesar de, materialmente, não haver um problema de representação, a lei
trata como um caso de extensão de personalidade judiciária.

Não têm personalidade jurídica, pois são representações orgânicas de uma


entidade coletiva que só conjuntamente tem personalidade jurídica.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 63


Quando o particular se encontrar num litígio com determinada pessoa coletiva,
em vez de demandar diretamente a pessoa coletiva na sua integralidade, pode
demandar a sucursal, agência, filial, delegação ou representação que praticou o ato de
onde emerge o litígio.

Por exemplo, A celebra contrato de empréstimo com a sucursal de Évora do


Banco B sediado em Lisboa. Se o princípio da coincidência fosse entendido rigidamente,
não poderia o autor demandar a sucursal de Évora; teria de instaurar a ação em Lisboa
contra o administrador do Banco B. Permite-se que o autor instaure a ação diretamente
contra a sucursal que contratou consigo. O objetivo é facilitar.

Mas o artigo 13º é um caso à parte. É diferente das extensões da personalidade


jurídica do 12º por dois motivos. A atribuição de personalidade judiciária a sucursais,
agências, filiais, delegações ou representações depende de o facto que deu origem ao
litígio ter sido por elas praticado. Assim, não têm sempre personalidade judiciária. Só
quando o facto tiver sido por elas praticado.

Diz-se, então, que o artigo 13º não consagra uma verdadeira extensão da
personalidade judiciária, mas uma forma de representação da pessoa coletiva. Em rigor,
apesar de o CPC permitir esta espécie de ficção, quem de facto é parte na ação é a
pessoa coletiva e, portanto, quer a ação seja ganha pelo autor quer não, os efeitos da
sentença repercutem-se na pessoa coletiva no seu todo (e não só na sucursal, agência,
filial, delegação ou representação).

Em suma, a possibilidade de intervenção em juízo que o artigo 13º concede é a


possibilidade de as sucursais, agências, filiai, delegações ou representações
representarem toda a pessoa coletiva em certo litígio. Não é a mesma coisa que a
extensão da personalidade judiciária; é uma facilitação.

O artigo 13º do CPC abre esta possibilidade tanto à personalidade judiciária


passiva, como à ativa – podem demandar ou ser demandadas. Podem ser rés, tal como

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 64


podem ser autoras, desde que se verificados os requisitos do artigo 13º, nº1 do CPC
(facto por elas praticado).

Qual a consequência da falta de personalidade judiciária?

O que acontece se, numa determinada ação, o juiz conclui que está presente
como réu/ autor alguém que não possui personalidade judiciária?

Nos termos do artigo 6º, nº2 do CPC, que consagra o poder-dever de gestão
processual, o juiz tem o dever de tentar sanar a falta de um pressuposto processual. Não
deve decidir-se pela consequência da falta de um pressuposto processual (absolvição da
instância) sem antes tentar sanar a existência da exceção dilatória.

Pode o juiz tentar sanar a falta de personalidade judiciária de uma das partes?
Isto porque nem toda a falta de pressupostos processuais é sanável. Em regra, este
pressuposto não é sanável.

Tal como na personalidade jurídica, ou se tem ou não se tem personalidade


judiciária. Para o juiz sanar a falta de personalidade judiciária teria necessariamente de
substituir a parte indicada em juízo por outra.

Contudo, o juiz não pode fazer isso, devido ao princípio do dispositivo (artigo 5º,
nº1 do CPC), quer na vertente da iniciação da ação, como na da identificação do objeto
do litígio. Isto não cabe ao juiz.

As partes são necessariamente identificadas pelo autor e não pode o juiz, por
sua livre iniciativa, identificar outra parte no litígio. Substituir uma parte por outra seria
violar o princípio do dispositivo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 65


Todavia, existe uma exceção (artigo 14º do CPC). É relativamente enganador,
porquanto parece enunciar a forma geral de sanar a personalidade judiciária, porém o
seu conteúdo só se refere às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações.

Faz-se mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou


repetição do processado (exemplo: contrato de mútuo foi celebrado em Lisboa. Se o
autor instaura a ação contra a sucursal de Évora só porque lhe dá mais jeito, está a
instaurar uma ação contra uma entidade sem personalidade judiciária nos termos do
artigo 13º do CPC. O juiz tem de sanar a falta de personalidade judiciária, convidando a
administração central/sede a ratificar aquilo que, entretanto, tenha acontecido na
ação).

Em rigor, isto não é a sanação da falta de personalidade judiciária. Antes é uma


regularização da representação, porque quem era já parte na ação era a pessoa coletiva.
Estava era mal representada. Esta inconsistência na representação é mais uma questão
de capacidade do que de personalidade judiciária. É uma sanação de uma irregularidade
de representação e não da falta de personalidade judiciária.

A falta de personalidade judiciária constitui uma exceção dilatória (artigo 577º,


nº1, alínea c) do CPC). A consequência da existência da exceção é absolvição do réu da
instância (artigo 278º do CPC).

O artigo 278º, nº1, alínea c) do CPC refere-se à situação em que o juiz entenda
que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária. Nem precisava de estar
enunciado especificamente, visto que qualquer exceção dilatória dá lugar, como regra,
à absolvição da instância (a não ser nos casos do 14º em que o juiz possa sanar a exceção
dilatória).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 66


3. Capacidade judiciária

Artigos 15º e seguintes do CPC. Traça-se novamente um paralelo com o direito


substantivo.

Consiste na suscetibilidade de estar, por si só, em juízo (artigo 15º, nº1 do CPC).
Ou seja, tem por base e medida da capacidade de exercício de direitos (artigo 15º, nº2
do CPC).

Também aqui vigora o princípio da coincidência (entre a capacidade judiciária e


a capacidade do exercício) como critério. A capacidade de exercício de direitos depende
da análise, em cada situação concreta, da possibilidade de estar ou não sozinho em juízo
no exercício de direitos e deveres. Quem não possuir personalidade jurídica não tem
capacidade de exercício de direitos.

No direito civil existem três figuras de incapacidade genérica de exercício:


menoridade, interdição, inabilitação. Existe, ainda, a figura das pessoas coletivas
enquanto incapacidade orgânica de presença em juízo.

Menoridade

O regime consta dos artigos 122º e seguintes do CC.

Salvo disposição em contrário, os menores não podem por si só, pessoal e


livremente, exercer os seus direitos (artigo 123º do CC) – incapacidade genérica de
exercício. Porém, à regra da incapacidade abrem-se uma série de exceções (artigo 127º
do CC).

A forma de suprimento da incapacidade dos menores é a representação legal


(artigo 124º do CC). Isto é, surge alguém em nome do menor a praticar os atos que este
não pode.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 67


Os meios de suprimento da incapacidade são o poder paternal (como regra), a
tutela e a administração de bens.

Transpondo isto para o plano da capacidade judiciária, se esta traduz uma


atuação em juízo, isso significa que os menores não podem fazer nada em juízo que não
poderiam fazer no plano do direito material/substantivo. É reflexo do princípio da
submissão do processo aos limites substantivos.

O artigo 127º do CC prevê uma série de atos que o menor pode praticar pessoal
e livremente. Se isto é assim no plano do direito substantivo, então em qualquer ação
em que esteja a ser discutida a titularidade de um bem que o menor com mais de 16
anos adquiriu através do produto do seu trabalho, este pode ser parte na ação sem estar
representado.

Quando esteja em causa uma ação em juízo em que o menor é parte, é


necessário indagar quais as consequências que podem dela resultar em termos
substantivos. No fundo, a questão a colocar é de saber quais os efeitos no plano
substantivo, se o menor perder a ação.

Por exemplo, menor é autor de ação de reivindicação. Se perde a ação, ainda que
o bem lhe pertencesse no plano substantivo, perde a titularidade do mesmo para o réu.
Coisa que não poderia fazer no direito substantivo ao abrigo das normas do CC.

Se o efeito é algo que o menor não poderia praticar de acordo com o direito
substantivo, então tem de estar necessariamente representando em juízo.

Artigos 16º, nº2 e nº3 do CPC sublinham que ambos os pais têm de estar em juízo
a representar o menor e que ambos têm de ser citados. Não basta um, contrariamente
ao que sucede em diversos casos de Direito da Família, em que se presume o acordo do
outro progenitor.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 68


Se houver desacordo entre os pais quanto à ação do menor, o artigo 18º do CPC
prevê um mecanismo de supressão de divergências. No limite, o tribunal pode nomear
um curador especial que represente o menor.

Interdição

O regime da incapacidade de exercício dos interditos é decalcado do dos


menores. Assim, têm incapacidade genérica de exercício.

Aplica-se, com as devidas adaptações, o que foi dito quanto aos menores. Com
a exceção de que o meio de suprimento não é o poder paternal, mas a tutela.

De qualquer modo, a forma de suprimento é sempre a representação.

Inabilitação

Artigos 152º e seguintes do CC.

É menos grave, uma vez que há situações para as quais os inabilitados têm
capacidade de exercício enquanto que, em geral, os interditos e os menores não a têm.

É diferente porque o âmbito da incapacidade de exercício dos inabilitados não é


genérico. Tudo depende da sentença de inabilitação. Há, antes, uma incapacidade
específica de exercício.

Como regra, a forma de suprimento da incapacidade dos inabilitados é a


assistência (artigo 153º do CC). Assim, aquele que vai suprir a incapacidade do
inabilitado vai colaborar com ele na prática dos atos (ou ratificar posteriormente). Há
uma conjugação de vontades. Por contraposição à representação, em que a vontade do
representante se substitui à do representado.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 69


Meio de suprimento da incapacidade do inabilitado é a curatela. É o curador
quem vai suprir a incapacidade do inabilitado. Curador assiste o inabilitado autorizando-
o ou não a praticar determinados atos.

A dificuldade de ser a sentença de inabilitação a definir, em cada caso, qual é o


âmbito da incapacidade de exercício do inabilitado (artigo 153º do CC) transpõe-se para
a incapacidade judiciária.

Se a sentença nada disser, aplica-se a regra geral do artigo 153º do CC: o


inabilitado apenas está proibido de celebrar pessoal e livremente negócios de disposição
de bens entre vivos. É o conteúdo mínimo da inabilitação, ou seja, o regime mínimo
supletivo para o caso de a sentença não dizer nada quanto ao conteúdo da inabilitação.

Temos de ter em conta os resultados possíveis da ação. Se o inabilitado por si só


(sem autorização do curador) pudesse obter os resultados da ação, então não precisa
da intervenção do curador. Contudo, se não conseguisse obter esses resultados sem o
curador, então precisa da autorização deste e a sua vontade prevalece.

Transpondo isto para o plano processual, se o inabilitado apenas não pode


praticar atos de disposição entre vivos sem o curador, tudo o que forem atos de
administração o inabilitado pode praticar.

Ato de alienação é um ato de disposição, mas não sempre. Depende dos


elementos estáveis e instáveis do património (exemplo: alguém que faz da sua atividade
o cultivo e venda de fruta do pomar de sua propriedade. Venda da fruta é um ato de
administração e não de disposição).

Só configura um ato de disposição a alienação de elementos estáveis do


património.

Por exemplo, no plano processual, dono de stand automóvel é inabilitado e


vende automóvel. Existe um litígio quanto à venda, pelo que surge ação no tribunal que

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 70


tem por objeto o cumprimento do contrato de compra e venda. Para o tribunal saber se
o inabilitado tem ou não capacidade judiciária para ser parte em juízo tem de ver o
conteúdo da sentença. Se este for mínimo, o inabilitado tem capacidade judiciária para
estar em juízo na ação em questão porque tem capacidade para administrar (só não tem
para dispor).

Há uma diferença entre os inabilitados e os menores e interditos. Ainda que os


inabilitados não tenham capacidade judiciária, têm de estar presentes em juízo (artigo
19º, nº1 do CPC). Ou seja, mesmo que assistidos pelo curador, têm de ser citados para
ação e estar presentes em juízo. Já nos casos do menor e do interdito são os
representantes que são citados.

Isto é assim porque a inabilitação é uma forma menos grave de incapacidade,


pelo que faz sentido que o inabilitado também esteja em juízo, ainda que a vontade do
curador prevaleça relativamente à sua.

Incapazes de facto

Incapazes de facto (cuja incapacidade ainda não foi juridicamente estabelecida).


É preciso que a incapacidade de facto seja detetável (artigo 20º do CPC). Normalmente,
traduz-se na validade ou invalidade da autorização.

Problema da representação das pessoas coletivas

O Ministério Público tem, entre as suas atribuições, a defesa dos interesses dos
incapazes. Pode estar em juízo representando o próprio incapaz ou, mesmo quando
esteja a ser representado, o MP pode intervir para saber se os interesses do incapaz
estão a ser prosseguidos. Ou seja, o Ministério Público pode intervir como parte
acessória.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 71


Nos artigos 24º e seguintes do CPC, a propósito disto, a lei trata da intervenção
em juízo das entidades coletivas. A representação de entidades coletivas judicial ou
extrajudicialmente tem um significado diferente da representação de incapazes.

Nas ações o Estado é representado, em regra, pelo Ministério Público (artigo 24º
do CPC).

As pessoas coletivas têm personalidade jurídica e não têm nenhuma


incapacidade legal de exercício. Quanto à capacidade de gozo vigora o princípio da
especialidade: apenas têm os direitos e deveres de que careçam para o fim que foram
criadas (artigo 160º do CC).

No entanto, têm uma incapacidade orgânica de exercício, pois a pessoa coletiva


não existe fisicamente. Não pode a pessoa coletiva deslocar-se a tribunal para prestar
depoimento.

A pessoa coletiva pode ser parte. Mas é algo de especial, porque, do ponto de
vista orgânico e natural, não pode estar presente em juízo. Assim, diz-se que as pessoas
coletivas dispõem de um mecanismo de representação processual, ainda que não haja
incapacidade legal de exercício. Encontra-se no artigo 25º do CPC. Estabelece as formas
de representação das pessoas coletivas: regra geral, os administradores da pessoa
coletiva são quem a representa.

Nota:
Há uma outra situação relacionada com a personalidade judiciária que carece de
representação, ainda que, em rigor, não se fale de incapacidade judiciária em sentido
restrito. Entidades a quem foi atribuída personalidade judiciária sem terem
personalidade jurídica, não têm capacidade de exercício. Tal seria limitador do objetivo
que o legislador quis prosseguir com o artigo 12º do CPC.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 72


Por isso, o artigo 26º do CPC consagra um regime especial para a representação
das entidades que careçam de personalidade jurídica, estabelecendo quem vai
representá-las em juízo.

Falta de capacidade judiciária

O que sucede nas situações em que se verifique que uma das partes não tem
capacidade judiciária e não está representado ou assessorado por quem deva ser?

Como formas de suprimir temos ou a representação ou a assistência. Ou seja,


não basta a incapacidade judiciária, mas sim que esta capacidade também não esteja
devidamente suprida – só há exceção dilatória se, havendo incapacidade, esta não for
suprida.

Mas qual a consequência se existir uma capacidade judiciária não suprida?

O artigo 6º, nº2 do CPC diz que o juiz deve conhecer oficiosamente a falta de
pressupostos processuais suscetíveis de sanação. A capacidade é suscetível de sanação.
A matéria de pressupostos processuais é, em regra, de conhecimento oficioso. Como?
Artigo 27º do CPC.

Há 2 situações que, embora diferentes, têm o mesmo regime – a irregularidade


da representação (menor representado por alguém que não tenha o poder paternal) e
a incapacidade judiciária não suprida (menor sem os pais irem a juízo).

O suprimento da capacidade judiciária ou da representação irregular faz-se


dando a oportunidade de retificar os atos que foram praticados. É diferente a
consequência do lado do autor e do lado do réu. A não sanação tem efeitos diferentes.

No lado do autor: a consequência apanha o próprio ato de propositura da ação


logo, há absolvição do réu da instância.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 73


Se o vício ocorreu do lado do réu: a ação mantém-se. Dá-se a possibilidade ao
representante de repetir o ato.

O que acontece até ao momento em que há absolvição? Que passos deve


proceder o juiz para tentar sanar esta exceção?

Artigo 27º do CPC: a incapacidade judiciária e irregularidade da representação (o


juiz equipara-as) são sanáveis mediante a citação ou intervenção do representante
legítimo do incapaz. De alguma forma o juiz vai fazer intervir o representante legítimo
ou o incapaz.

Artigo 27º, nº2: eles são chamados (representantes e curador) a intervir. Como
são chamados a intervir? O juiz pede à secretaria judicial que mande ou citar ou notificar
os representantes ou curador.

Diferença entre citar ou notificar: citação é o ato de informação do réu de que


foi contra ele proposta uma ação; notificar é quando a incapacidade se verifica no autor.

Assim, se a incapacidade for do lado do autor, o juiz notifica para ratificar a


petição inicial e eventualmente a réplica. Se for do lado do réu, o juiz cita para ratificar
a contestação. Ratificando, o processo prossegue normalmente.

E se não ratificarem? Artigo 27º, nº2 do CPC, fica sem efeito aquilo que o autor
incapaz praticou no processo até àquela data.

Se for o réu a não ratificar: fica sem efeito a contestação. Isto significa o quê?
Absolvição da instância? Não, porque não faria sentido, assim ninguém iria ratificar
porque era favorável ao réu. Assim, do lado do réu o regime tem de ser diferente. A
consequência nunca dá origem à absolvição da instância. O que acontece é aquilo que
prevê o artigo 27, nº2 do CPC, última parte: decorrem novamente os prazos para
apresentar uma nova contestação pelos representantes. Se os representantes
apresentarem fica sanada a incapacidade.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 74


E se os representantes não ratificam nem apresentam uma nova contestação?
Nesse caso, o artigo 27º não nos dá resposta. Assim, há que recorrer às regras gerais de
procedimento.

Sempre que o réu seja incapaz, a não contestação não tem efeitos tão gravosos
como teria – a admissão. Assim, o processo continua sem contestação, mas isso não
significa que os factos são dados como alegados, mas sim que o autor tem que provar
que são verdade. É assim para não prejudicar o incapaz pelos atos dos representantes
legais.

Há situações em que esta situação de não entrega da contestação pelos


representantes pode ser uma situação de negligência. Assim, o artigo 21º do CPC
defende que os representantes legais podem ser substituídos pelo MP.

Se for o autor a não ratificar: se fica sem efeito a petição inicial que não foi
ratificada significa que a ação perde o seu objeto pelo que desaparece o ato que deu
origem aquela ação. Assim, o juiz tem que absolver o réu da instância.

O artigo 29º do CPC trata, ainda, no âmbito do suprimento da incapacidade


judiciária, de uma situação particular em que existe a falta de autorização ou
deliberação. Ou seja: parte devidamente representada (regular), mas falta autorização
ou deliberação exigida por lei (o tribunal às vezes exige dos pais uma autorização judicial
para certos atos).

Se faltar essa autorização ou deliberação, esta precisa de ser suprida: juiz


suspende a causa e dá ao representante certo tempo para que este possa arranjar essa
autorização.

Se ele não adquire a autorização ou deliberação: se ele é representante do autor


há absolvição da instância; se é representante do réu, o processo prossegue segue como
se o réu não deduzisse oposição.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 75


Conclusão: em rigor a capacidade judiciária só é pressuposto processual para o lado do
autor porque só relativamente a ele é que se gera a absolvição da instância.

3. Patrocínio judiciário

Artigos 40º e seguintes do CPC

Tem a ver com a representação em juízo da parte por profissionais do foro


(advogados, advogados estagiários, solicitadores e agentes de execução). O patrocínio
é um pressuposto processual obrigatório apenas para o lado do autor.

Os advogados podem praticar todos os atos que estão no mandato judicial. Já os


outros representantes têm um mandato mais limitado.

O maior inconveniente é o facto de o patrocínio judiciário ser dispendioso.


Contudo, tem vantagens evidentes. Então, o legislador português faz uma lista de casos
em que é obrigatório.

Quais são as vantagens?

- Melhor prossecução do direito. Do ponto de vista da máquina da justiça é


preferível que as partes estejam representadas por alguém que sabe o que faz. O mesmo
será mais favorável para a própria parte.

- Maior objetividade. É bom haver um certo distanciamento entre a parte que é


parte e o advogado que a está a representar.

Quando a lei impõe que a parte esteja representada por advogado isso não
significa uma certa incapacidade judiciária? Não! Não há nenhum caso de incapacidade
judiciária.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 76


A representação por um advogado funciona num âmbito diferente da
representação do incapaz. Os advogados funcionam apenas a nível técnico, não têm
poder decisório.

Não confundir o patrocínio judiciário com:


- A assistência técnica aos advogados (artigo 50º do CPC).
- O apoio judiciário (artigo 20º CRP). Este pode abranger a prestação de
patrocínio gratuito.

Nota: patrocínio judiciário obrigatório VS incapacidade judiciária

Em ambas há representação, mas de natureza diferente. A representação, na


incapacidade judiciária, visa substituir a vontade. No patrocínio, a representação é de
natureza técnica. É possível que na mesma ação existe uma dupla representação.

Porquê que o patrocínio judiciário é obrigatório? Já que este exige um custo acrescido
para as partes ou até para o Estado.

Por falta de conhecimento técnicos jurídicos, desde logo. Uma das vantagens é
a competência técnica, mas há outra razão que tem a ver com a objetividade na defesa
dos assuntos. Uma parte que litiga em causa própria nunca será tão objetiva como um
advogado que litiga interesses alheios. Mesmo os advogados, só em casos excecionais é
que podem litigar em causa própria.

Outra razão tem a ver com o uso mais racional da máquina da justiça, evita que
o juiz perca tempo com o que não interessa.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 77


Como é que se constituiu advogado?
A constituição é feita através de um contrato de mandato. Artigo 1157º do CC –
alguém (o advogado) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por outrem.

O mandato pode ser de dois tipos:


1. Com representação – artigos 1178º e seguintes
2. Sem representação – artigos 1180º e seguintes

O contrato entre o advogado e a parte só pode ser com representação – para


além de atuar por conta do mandante atua, também, no seu nome. Os efeitos dos atos
praticados pelo mandatário produzem-se na esfera do mandante. Por outro lado, no
mandato sem representação é preciso haver ratificação por parte do mandante.

Sob que forma é que deve ser celebrado este contrato de mandato?

Artigo 43º do CPC – o mandato judicial pode ser celebrado de várias formas.
Alínea a) por instrumento público ou documento particular.
Alínea b) por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se
pratique no processo.

Por exemplo, há uma parte que vai a juízo sem ter advogado, o juiz chama a
atenção que ele tem direito a patrocínio judiciário, há outro advogado na sala que aceita
o patrocínio e pode ser celebrado o contrato de mandato logo ali, desde que fique
registo no auto da audiência.

Poderes concedidos ao advogado através do patrocínio judiciário


O CPC distingue dois tipos de poderes que o advogado tem:
- Poderes gerais (poderes que, como regra, estão incluídos no mandato, caso
nada seja dito) – artigo 44º, nº1 do CPC
- Poderes especiais – artigo 45º, nº1 e nº2 do CPC

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 78


Dos artigos 44º e 45º resulta que: se o mandato nada disser o advogado tem
todos os poderes gerais de uma ação, exceto os poderes especiais (poderes de
confessar, desistir e transigir).

Há outro poder que está inserido nos poderes gerais, mas que o CPC regula à
parte – poder de confissão dos factos (artigo 46º do CPC). Este artigo vem dizer-nos que
o advogado pode confessar os factos, mas dá poder ao mandante para voltar atrás com
essa confissão, desde que a parte contrária ainda não tenha aceite aquela confissão.
Em que casos é obrigatório o patrocínio judiciário?

O patrocínio judiciário só é um requisito processual nos casos em que é


obrigatório instituir advogado. Artigo 40º do CPC – lista taxativa dos casos em que é
obrigatório as partes estarem representadas.

Alínea a) – é obrigatória a constituição de advogado em todas as ações


superiores a 5 mil euros.

Nota: O legislador criou um esquema em que atribuiu um valor aos tribunais de 1ª


instância (5000€) e da relação (30 000€). Se uma decisão foi proferida pelo tribunal de
1ª instância numa ação que tem de valor 2 mil euros, como esse valor não é superior a
5 mil, então não se pode recorrer. Logo, só se o valor da ação for superior a 30 mil euros
é que se pode recorrer ao Supremo. O STJ só conhece de matéria de direito, ou seja, no
julgamento existem duas partes: matéria de factos e de direito, mas quando recorro
para o STJ já só posso impugnar matéria de direito. Quando o legislador quer dificultar
o acesso ao recurso, então aumenta as alçadas (os valores 5 e 30 mil aumentam).

Alínea b) – as ações que são sempre objeto de recurso (ver artigo 629º, nº2 e 3
do CPC). É obrigatória a constituição de advogado independentemente do valor da ação.

Alínea c) – nos recursos (em qualquer recurso é obrigatória a constituição de


advogado). Nas causas propostas nos tribunais superiores. Há casos excecionais em que
a ação é proposta pela primeira vez logo no tribunal da relação ou no STJ.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 79


Qual a consequência de ser obrigatória a constituição de advogado e uma das partes
não constituir?

Vimos que uma consequência típica da falta de um pressuposto processual era a


absolvição da instância. Mas temos de ver que isto não faz sentido quando há falta de
patrocínio do lado do réu.
Logo, temos de distinguir: artigo 41º do CPC
1. Do lado do autor – absolvição do réu da instância. Ou, se estivermos em sede de
recurso, o recurso fica sem efeito.
2. Do lado do réu – a defesa do réu fica sem efeito.

Ainda antes disso, o juiz teve tentar sanar a falta de patrocínio judicial.

4. Legitimidade

Artigo 30º, nº1 do CPC.

É necessário, para que o juiz possa julgar a ação, que as partes sejam legítimas.
Ser parte legítima é ter uma relação direta com o objeto do litígio.

Eu só posso saber se certa pessoa é legítima se tiver em conta o objeto da ação:


a legitimidade diz-me que há determinadas pessoas que, por terem uma certa relação
com a ação, podem estar em juízo.

A legitimidade traduz-se em poder dispor da discussão da pretensão em juízo


(lado ativo) e no facto de poder dispor da sua defesa (lado passivo).

A razão de ser disto é a utilidade da própria sentença – tem de ter força


obrigatória para as partes da ação.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 80


Como se distingue a legitimidade da personalidade e da capacidade?

A personalidade e a capacidade dizem respeito a qualidades pessoais das partes,


que são averiguadas em abstrato em relação a cada uma, independentemente da ação
que proponham. Pelo contrário, não posso aferir a legitimidade em abstrato.
A legitimidade processual distingue-se da legitimidade substantiva

A legitimidade substantiva é o poder que alguém tem para dispor de um direito


substantivo. Na legitimidade de processual estamos a falar do poder de exercer o direito
de ação. Normalmente são idênticas, mas pode acontecer que a legitimidade processual
seja mais ampla que a substantiva.

A legitimidade judiciária não se confunde com as condições de procedência da ação

As condições da ação são aqueles pressupostos que são necessários à


procedência material da ação. Coisa diferente é a legitimidade processual: tenho de
saber se as partes são ou não as partes daquela relação controvertida, pressupondo que
ela existe.

Legitimidade singular

O artigo 30º, nº3 do CPC dá-nos o critério mais seguro. Partes legítimas são os
sujeitos da relação controvertida que está a ser discutida naquela ação em concreto.
Tem de haver necessariamente uma relação direta das partes com a relação em litígio.

A questão mais polémica levantou-se com um Acórdão da Relação de Lisboa em


1918. Uma empresa era autora; tinha celebrado com um determinado sujeito (réu) um
contrato de compra e venda de toneladas chumbo. Disse que tinha pago o preço e que
o chumbo nunca tinha sido entregue. O réu disse que agiu como mero intermediário de
uma empresa espanhola, essa sim era a parte do contrato que devia ser ré.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 81


Não havia dúvidas que o comerciante português era apenas intermediário. A
questão era: o que é que o juiz deve fazer? Saber se o réu foi intermediário ou vendedor
é questão de legitimidade para fazer parte da ação? Ou é uma questão de mérito da
ação? Houve aqui uma controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre como se deve
aferir a legitimidade das partes e qual a função.

A doutrina divide-se:
a) José Alberto dos Reis (Escola de Lisboa): o réu (intermediário) não devia ser
considerado parte ilegítima porque ser parte legítima significa ser sujeito da
relação efetivamente existente. Se estiver assente que o réu foi intermediário, a
discussão não deve ser feita com ele, mas com o vendedor (a empresa
espanhola). Pelo que o réu (intermediário) devia ser absolvido da instância. O
Professor entendia que a função específica da legitimidade era garantir a
utilidade social do mérito de causa – só se resolve efetivamente um litígio se
estiver em juízo o verdadeiro comprador e o vendedor. Só há decisões de mérito
quando as sentenças possam resolver o litígio. O juiz tinha de primeiro perceber
o que tinha acontecido, para aferir quem eram as partes legítimas.

b) Barbosa de Magalhães (Escola de Coimbra): ser parte legítima é, também, como


afirma a Escola de Lisboa, ser sujeito da relação controvertida. A relação
controvertida que temos que tomar como referência é a relação tal como foi
descrita pelo autor. Se o autor descreve entre A e B, é suficiente para B ser parte
legítima. Se, entrando no mérito de causa, se chegar à conclusão que o réu é
intermediário, este vai ser absolvido do pedido porque não deve nada, embora
seja parte legítima. Proteção do réu - do ponto de vista do réu é preferível ser
absolvido do pedido do que instância. Isto porque quando se é absolvido do
pedido há uma decisão de mérito, logo há força de caso julgado material. Ao
passo que se for absolvido da instância, não têm força de caso julgado material,
mas formal.

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Quais são as grandes diferenças práticas?
1. Professor Barbosa de Magalhães: esta posição tem duas vantagens essenciais.
a. Conceito de pressuposto processual – é uma questão formal processual
prévia ao conhecimento da causa. Se não adotar o critério descrito pelo
autor, não vou conseguir avaliar a presença de legitimidade antes de
entrar na questão de mérito. Deve ser revolvido antes, por isso, tem de
ser a descrita pelo autor.
b. Segundo o Professor, esta teoria assenta numa lógica de maior proteção
do réu. Porquê? Porque é mais vantajoso ser absolvido do pedido. O réu
foi considerado parte legítima no início, mas depois o juiz vai absolvê-lo
no pedido porque já é uma questão de mérito. Na teoria do Professor
JAR, quando o juiz, numa fase mais tardia do processo, concluir que não
era vendedor como dizia o autor, o juiz vai absolvê-lo da instância com
fundamento na ilegitimidade. Logo, o réu ficaria menos protegido.

2. Professor José Alberto dos Reis: esta posição também tem vantagens:
a. Utilidade social das sentenças de mérito. A teoria de aferir a legitimidade
com base na relação material efetivamente existente – evita que o juiz
tivesse de proferir uma sentença de mérito inútil. Para quê que serve
absolver o réu do pedido se ele nem era parte da relação jurídica? Em
rigor não faz sentido proferir uma sentença de mérito para alguém que
não foi parte da relação jurídica.

Desde a reforma de 95/96 feita ao Código de Processo Civil anterior, que se


transpôs para o CPC de 2013, o legislador no artigo 30º, nº3 parte final, optou,
claramente, pela teoria do Professor Barbosa de Magalhães.

O artigo 30º, nº3 do CPC diz que são considerados titulares do interesse
relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como
configurada pelo autor. Esta posição facilita a tarefa do juiz quando tenta sanar. Se se

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adotasse a tese de José́ Alberto dos Reis, o juiz não se poderia pronunciar quanto à
legitimidade no despacho saneador.

Como se afere a legitimidade à luz do artigo 30º, nº3 do CPC?

Para ter legitimidade, o nº1 vem dizer que é preciso ter interesse direto, seja na
procedência ou na improcedência. No nº2 há coincidência entre o interesse na
procedência ou improcedência que é necessário para se ser réu.

Este artigo arruma as partes autor e réu tendo em conta quem beneficia com a
procedência da ação e quem é prejudicado com a procedência da ação – não posso
demandar um réu e querer que ele tenha o mesmo efeito favorável que eu.

No nº3 há um critério supletivo: na falta de legislação especial, é sujeito da


relação jurídica tal como é descrita pelo autor – consagração expressa do Professor
Barbosa de Magalhães. A relação que releva para saber quem são as partes legitimas é
a relação tal como é descrita pelo autor.

Críticas:
• Torna rara a situação de ilegitimidade.
• Para aferir a ilegitimidade ou legitimidade não é preciso atender à prova ou à
defesa, porque só interessa a relação tal como é descrita pelo autor.

Nota:
O critério do interesse direto não serve para a defesa judicial dos interesses
difusos – artigo 31º do CPC. São interesses de que são titulares os membros de um
grupo, mas que são insuscetíveis de interesse individual – por exemplo, o ambiente.

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Estão em causa interesses de uma comunidade, mas que não são suscetíveis de
avaliação individual. O legislador veio permitir que alguns representantes pudessem,
com legitimidade, representar os interesses difusos para a respetiva tutela.

Esses representantes são o Ministério Público e certas associações cujo objeto é


a defesa desses interesses e, ainda, qualquer cidadão.
Tem sido utilizado para interesses gerais homogéneos, em que é possível
identificar cada pessoa, mas os interesses são iguais. Por exemplo, a DECO tem
legitimidade para propor a ação em vez de ser cada uma das pessoas lesadas a juntarem-
se, mas não há propriamente interesses difusos porque são suscetíveis de interesses
individuais.

Legitimidade nas ações de condenação:


a) Ação de condenação ativa: pessoa que se considera titular do direito que está a
ser violado pelo réu.

b) Ação de condenação passiva: pessoa que está a violar e que se prevê que vá
violar.

c) Ações de revindicação: têm legitimidade passiva tanto o possuidor como o mero


detentor.

d) Constitutivas: por exemplo, na ação de preferência muitas vezes é o direito


potestativo que incide sobre uma relação jurídica que ele é titular, mas pode
também não ser titular (p.e quero exercer o meu direito de preferência
destruído uma relação que eu não fui parte). Temos que atender ao direito
potestativo e à relação em que se insere: se o direito potestativo se inserir numa
relação em que o titular não foi parte, então todos têm legitimidade para estar
em juízo;

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 85


e) Simples apreciação: saber se tem legitimidade o 3º que criou a situação de
incerta. Exemplo: jornal faz correr que A tem várias dívidas no banco X. A não
gosta, vai a juízo pedir que o tribunal declare que não deve nada ao banco X. O
jornal também tem de ser demandado? MPB acha que não tem de ser
demandado. AV acha que sim.

f) Ações executivas: tem de ter sempre um título executivo, prova que se considera
suficiente para se passar uma ação executiva. Remissão do artigo 30º para o 53º
do CPC, onde está uma regra que faz sentido tendo em conta a ideia de que
obriga a ter um título executivo para iniciar uma execução. A regra é de que o
credor e o devedor serão partes se figurarem no título executivo.

Legitimidade plural

O facto de se colocar a questão da legitimidade plural, não afasta a questão de


aferir a legitimidade individual. A questão da legitimidade plural coloca-se porque, por
detrás, estão relações jurídicas com vários sujeitos.

Assim, distinguimos:

- Situações em que a pluralidade de sujeitos resulta de uma relação material


controvertida – litisconsórcio (artigos 32º a 35º do CPC).

- Situações em que há pluralidade de sujeitos e também pluralidade de relações


materiais controvertidas – coligação (artigos 36º a 38º do CPC). Há partes diferentes a
discutir, entre si, pedidos diferentes.

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Litisconsórcio VS coligação
a) O que há de comum: circunstância de existirem várias partes (autores ou réus
ou os dois simultaneamente).
b) O que há de diferente: na coligação temos numa mesma ação vários autores ou
réus a discutir pedidos diferentes entre partes diferentes; no litisconsórcio
temos vários autores ou réus a discutir o mesmo pedido.

Coligação

Pluralidade de partes e de relações controvertidas.

Tenho de aferir quais são os requisitos para que os autores se possam juntar, ou
os réus se possam juntar. Tem de haver alguma relação entre as relações materiais
controvertidas para que o legislador permita que estejam conjuntamente em juízo.

Só se justifica quando, por razões de economia processual, possa ser vantajosa


a ação conjunta. Tem de haver uma relação intrínseca entre as relações materiais
controvertidas. O interesse último não é o do autor, o que interessa é que permita um
ganho em termos de tempo, de economia processual.

Por exemplo: autocarro despistou-se e embateu contra várias pessoas que


estavam na paragem. Essas pessoas juntaram-se e pediram uma ação de indemnização,
mas cada uma tinha que vir invocar os seus danos próprios e a indemnização era
correspondente aos danos próprios de cada uma. Cada uma das partes vai discutir os
seus direitos em concreto, pelo que são pedidos diferentes – o acidente é o mesmo, a
causa de pedir é a mesma. Por razões de política legislativa, permite-se que estejam
todas na mesma ação.

Nota: artigo 555º do CPC, na cumulação há sempre vários pedidos diferentes.

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Requisitos de que depende a coligação

Artigos 36º e 37º do CPC

a) Conexão entre os diferentes pedidos: (ou um ou outro, são alternativos):


a. A causa de pedir seja uma mesma e única
b. Relação de dependência ou prejudicialidade
c. Artigo 36º, nº2: também permite a coligação quando haja relação entre
a matéria de facto ou de direito

Nota: no litisconsórcio a conexão está garantida.

b) Compatibilidade processual, que se traduz em:


a. Identidade das formas de processo: todos os pedidos têm de
corresponder à mesma forma do processo porque vão ser todos julgados
na mesma ação. Por exemplo, se numa mesma ação vou fazer uma
pretensão executiva e uma pretensão declarativa, então não posso
cumular estes pedidos. O mesmo funciona se os dois pedidos forem
pretensões declarativas, mas uma for especial e outra comum.

b. Competência absoluta do Tribunal para apreciar todos os pedidos: é


preciso que haja o mesmo tribunal absolutamente competente para
conhecer dos mesmos pedidos. Em razão da:
i. Competência internacional:
ii. Da matéria:
iii. Da hierarquia:

c) Compatibilidade substantiva: artigo 555º do CPC – remissão nos artigos 36º e


37º do CPC. Este requisito consiste em a procedência de um dos pedidos não
poder implicar a improcedência do outro, ou seja, os dois pedidos têm de poder
proceder simultaneamente.

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A existência de pluralidade de partes implica uma pluralidade de pedidos. Porém, pode
haver de pedidos sem pluralidade de partes — pode o mesmo autor formular vários
pedidos contra o mesmo réu.

Exemplo: Imagine-se que foi celebrado um negócio de compra e venda. Contra um dos
réus propõe-se uma ação de invalidação do contrato e contra um segundo réu pede-se
o cumprimento de uma obrigação decorrente desse contrato. Contra o segundo réu não
se pode pedir uma obrigação decorrente da validade do contrato se, na primeira ação,
se pede a destruição do contrato. Não se podem formular 2 pedidos contra 2 réus em
que há́ uma incompatibilidade substantiva.

Todos estes requisitos: da compatibilidade substantiva; da compatibilidade


processual e da conexão dos pedidos são CUMULATIVOS para que possa haver
coligação.

Quando analisamos os requisitos da coligação tem de se individualizar os pedidos


para verificar se os requisitos se verificam — é feita uma análise separada e não em
bloco. Se algum dos requisitos não se verificar, o que o juiz deve fazer depende do
requisito que está em falta:

• Se faltar a conexão entre os pedidos presente no artigo 36º do CPC, estamos


perante uma exceção dilatória (artigo 577º, alínea f) do CPC) que leva à
absolvição da instância. No entanto, há́ uma possibilidade de sanar esta
coligação, segundo o artigo 38º do CPC que permite que, se não existir a conexão
entre os pedidos, que o juiz notifique o autor para que ele escolha qual dos
pedidos é que ele quer que prossiga.

• Se houver violação das regras da competência absoluta para um dos pedidos,


esta é também uma exceção dilatória que leva à absolvição do réu da instância
(que pode ser apenas relativamente a um dos réus).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 89


• Se houver violação do requisito da identidade das formas de processo, há́ um
erro na forma do processo quanto a um dos pedidos que está regulado no 193º
do CPC, cuja consequência também é a absolvição da instância.

• Se houver falta de compatibilidade substantiva (artigo 555º do CPC) — se os


pedidos são contraditórios, há́ inaptidão da petica-o inicial – artigo 186º, nº1,
alínea c) do CPC — A ação não pode prosseguir. A petição inicial é inepta e o juiz
terá de absolver o réu da instância.

Quando analisamos os requisitos da coligação temos de fazer análise pedido a


pedido, porque podem uns obedecer a critérios e outros não e o juiz, por razões de
economia processual, pode fazer um aproveitamento parcial daquela ação e, por isso,
não tem de absolver o réu da instância quanto a todos.

A inadmissibilidade da coligação por falta de verificação dos requisitos não tem


que ver com a legitimidade! A questão da legitimidade só́ se coloca, verdadeiramente,
nas situações de litisconsórcio. A coligação é apenas uma possibilidade, mas não as
torna partes ilegítimas, não se verificando os requisitos. A legitimidade afere-se caso a
caso perante cada relação jurídica.

No exemplo do acidente de ação, acima referido, do qual resultam vários lesados


e no qual existem várias relações jurídicas, estes podem, verificados os requisitos,
juntar-se e coligar-se. Estejam ou não todos em conjunto, não há́ nenhum problema de
legitimidade, mas apenas de saber se a coligação é admissível. — A legitimidade de cada
um é aferida individualmente na relação material controvertida desses mesmos com o
lesado — tal análise consiste em ver se cada um deles é o lesado em relação ao autor
da lesão.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 90


Litisconsórcio

Aqui já́ faz sentido abordar o tema acima referido, pois já́ se coloca a questão de
saber se todos os que estão presentes na ação são titulares daquela situação material
controvertida (qual a sua relação com o objeto do litigio), ou seja, se são partes
legítimas.

No litisconsórcio, ao contrário da coligação, se só há uma relação material


controvertida, não faz sentido que o legislador exija requisitos de admissibilidade. 


Se há́ uma dívida conjunta de um contrato de mútuo e há 3 devedores, todos os


sujeitos fazem parte da mesma relação material controvertida. Não faz sentido que o
legislador faça exigências para que estejam presentes na mesma ação todos os titulares.
A relação entre estas partes é que são todos parte da mesma relação jurídica, logo,
automaticamente está garantida a sua ligação.

O que se discute é se é obrigatório ou não que estejam presentes na ação todas


as partes da relação jurídica. Adaptando ao exemplo acima, “Pode o autor que quer
receber o valor que emprestou demandar os 3 ou basta demandar apenas um?”. Ou
seja, a pergunta resume-se a saber se o litisconsórcio é necessário ou voluntário.

Vejamos outro exemplo: Imagine-se que 4 coproprietários de um prédio rústico


o vendem a B. A certa altura há um dos vendedores que acha que o negócio jurídico é
inválido e quer anulá-lo. Há aqui uma mesma relação jurídica com várias partes. Pode
o vendedor instaurar uma ação contra o comprador sozinho ou, se for esse o caso,
estará numa situação de ilegitimidade por não estarem presentes as outras partes da
relação controvertida?

Dependendo desta resposta, se for voluntário, é parte legítima na ação estando


sozinho. Se for necessário, será parte ilegítima por estar sozinho em juízo (legitimidade
plural).

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A regra é a do litisconsórcio voluntário, ou seja, qualquer parte pode estar
sozinha em juízo, independentemente de a relação jurídica em causa dizer respeito a
outras pessoas. Esta regra traduz uma maior liberdade e facilidade a nível das relações
jurídicas. Ter de obrigar os outros vendedores a estarem todos em juízo seria uma
restrição ao direito de ação.

É aqui importante a redação do artigo 32º, nº1 do CPC — “Se a relação material
controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos
ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode
também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal,
nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da
responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.”

Como vemos, não se pode dizer, sem mais, que o litisconsórcio voluntário é a
regra. Isto porque só estar presente um sujeito na ação quando a relação jurídica diz
respeito a todos não pode significar que depois a sentença os afete a todos. Só estão
vinculados pelos efeitos da decisão e da sentença os que estão em juízo. O juiz só pode
conhecer da quota parte do interesse do sujeito que está em juízo e não pode tomar
decisões que abranjam os sujeitos das outras partes na relação, mesmo que o sujeito
em juízo venha pedir a condenação na totalidade.

Concretizando o exemplo do empréstimo que A fez a 3 devedores, sendo esta


uma dívida conjunta, se a A não é pago o dinheiro, este pode instaurar uma ação contra
apenas um, contra dois ou até contra os três. Se instaurar contra um, o juiz não vai
condenar o réu ao pagamento de toda a dívida — vai dividir o valor que é devido e
condenar o réu apenas na sua quota parte (a não ser que, por força da lei ou do contrato,
haja lugar à responsabilidade solidária).

As exceções ao artigo 33º dividem-se em três fontes de litisconsórcio necessário:

1. Litisconsórcio necessário legal – a lei exige a presença de todos.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 92


2. Litisconsórcio necessário convencional – a exigência da presença de todas as
partes daquela mesma relação resulta de convenção.

3. Litisconsórcio necessário natural – a natureza da relação jurídica exige que


estejam todos os presentes na ação.

1. Litisconsórcio necessário legal

Artigo 33º, nº1 do CPC. O legislador exige a presença de várias partes na ação,
sob pena de ilegitimidade. Exemplos:

• Artigo 608º do CC “Sub-rogação do credor ao devedor — “Sendo exercida


judicialmente a sub-rogação, é necessária a citação do devedor.”

Nestes casos o credor exerce os direitos de conteúdo patrimonial do seu devedor. Numa
situação de sub-rogação judicial, o credor tem de demandar o devedor e o terceiro sob
quem está a exercer o direito de conteúdo patrimonial (há um credor e devedor
originário).

• Artigo 34º do CPC “Ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos
os cônjuges”

Há algumas ações em que é obrigatório estarem presentes em juízo os dois cônjuges


(sejam réus ou autores). Se um deles não estiver presente, o juiz não pode conhecer de
uma quota parte do pedido.

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• Artigo 1410º do CC — Ação de preferência

Nas ações de preferência, o que acontece é que aquele que vê o seu direito de
preferência violado instaura uma ação para que o Tribunal o substituía ao terceiro
adquirente. Esta é uma ação constitutiva porque corresponde ao exercício de um direito
potestativo — o exercício do direito de preferência judicialmente implica a produção de
efeitos jurídicos contra a parte independentemente da sua vontade.

Nestes casos existem relações jurídicas triangulares porque há um direito de preferência


que relaciona entre si um devedor e um credor deste direito e, posteriormente, ainda
intervém um terceiro depois de ter alienado o objeto da preferência.

Antigamente, antes de 97, na redação do artigo em causa, havia uma passagem que
dizia o seguinte: “... nos 15 dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus...”.
Isto fazia que a doutrina interpretasse que esta era uma forma indireta de exigir a
presença dos dois e considerava-se que era um litisconsórcio legal.

Depois de 97 desapareceu o despacho de citação dos réus pois é a secretaria que, ao


receber a petição inicial, manda citar o réu e o juiz só tem conhecimento na fase de
saneamento e condensação. Agora que desapareceu o termo “réus” conclui-se que não
há litisconsórcio legal.

Mesmo assim, ainda se duvida se há outro tipo de litisconsórcio. A falta em juízo de


algum dos titulares da relação material controvertida gera ilegitimidade plural (sanável
mediante intervenção principal do terceiro – a qual poderá ocorrer mesmo depois de
declarada a absolvição da instância — artigo 261º do CPC).

A discussão, hoje, coloca-se a nível de litisconsórcio natural. A jurisprudência tem feito


interpretação do artigo 32º do CPC não apenas nos termos que daqui decorrem de haver
necessidade de pluralidade para assegurar o efeito útil da decisão, mas também para
assegurar a conformidade de decisões (Teixeira de Sousa). MPB diz que a lei apenas
exige compatibilidade prática das decisões e não teórica.

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2. Litisconsórcio legal convencional

Artigo 33º, nº1 do CPC. A lei não impõe que estejam em juízo todos os
interessados, mas há uma convenção que impõe a intervenção de todos os interessados.

A convenção tem de ter desenhado a relação substantiva de tal forma que seja
necessário a intervenção de todos: não são válidas convenções que, desligadas do plano
substantivo, exijam apenas a intervenção das partes no plano processual. Ou seja, tem
de haver uma convenção a nível substantivo e não meramente processual. Motivo: o
direito de ação é indisponível.

Não é possível que isto seja estabelecido numa cláusula de um contrato de


mútuo como, por exemplo, uma que diga que “o credor apenas pode exigir o que
emprestou de um dos devedores, mas se o quiser fazer, têm de estar presentes na ação
todos os devedores”. Dívida solidária que, substantivamente, não exige que estejam
presentes na ação todos os devedores quando apenas um é demandado na totalidade
da dívida, daí não faz sentido fazer essa exigência a nível processual.

Apenas pode haver uma cláusula que diga que o credor pode exigir o seu direito
de todos em conjunto (dívida conjunta) quer substantivamente quer processualmente,
porque não pode ter apenas efeitos processuais já que seria uma limitação inadmissível
e inconstitucional do direito de ação. No caso da dívida conjunta, para poder exigir a
totalidade da dívida, substantivamente exige-se que todos tenham de estar presentes
na ação pois cada um apenas pode ser demandado da quota parte que lhe cabe. Por
isso, faz sentido que, aqui, tanto processualmente e substantivamente estejam todos
presentes.

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3. Litisconsórcio legal natural

Artigos 33º, nº2 e nº3 do CPC. Quando da natureza da relação jurídica levada a
tribunal resulte que é preciso a intervenção de todos os sujeitos para que a decisão de
mérito da decisão proferida produza o seu efeito normal.

Produzir efeito útil normal significa que a decisão possa ser definitiva e exequível,
ainda que apenas em relação à quota parte dos interessados.

Exemplos em que o está em causa é a exequibilidade da decisão:

a) Ação de divisão de coisa comum

O prédio é do A, B e C. A quer dividir o prédio, mas não chega a acordo e intenta ação
de divisão de coisa comum (todos têm direito a isso) e o problema é saber se tem de
propor a ação contra B e C ou só contra o B.

Vamos começar por tratar este caso como voluntário porque é a regra e vamos ver se
as duas ações separadas (sem que estejam todos em juízo) com soluções diferentes, são
exequíveis. Regulam definitivamente a situação das partes em juízo, apesar de não
poder produzir efeitos contra as partes que não estão em juízo porque a sentença não
pode atingir os direitos das partes que não estão em juízo (princípio do contraditório).
C fugiu para o Brasil. Vamos ver se serve, porque se servir é voluntário, se não é
necessário.

A intenta ação contra B, assim juiz só pode conhecer de 2/3 do prédio – da parte de A e
da parte de B. Entretanto, C chega do Brasil e não gostou, C não tem de respeitar a
divisão feita na 1º ação e C intenta ação contra A.

Como não há caso julgado (juiz da segunda ação não tem que respeitar a sentença
proferida na primeira ação porque C não foi parte), então o juiz pode fazer uma divisão
da coisa em 3. Ou seja: as ações chocam, porque dividem de forma diferente.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 96


Se não estiverem todos em juízo, a sentença nunca consegue ter o efeito útil da situação
porque a situação de A e B não fica definitivamente resolvida já que pode haver uma
ação que impõe uma divisão diferente.

b) Ação para constituição de uma servidão de passagem

Imaginemos que alguém quer que, judicialmente, o juiz constitua uma servidão de
passagem pelo prédio vizinho porque é a única forma que tem de aceder à via pública.

Para saber se basta demandar apenas um dos comproprietários, simulemos a


possibilidade de ser litisconsórcio voluntário. Se se propuser a ação apenas contra um
dos comproprietários e o juiz constituir aquela decisão, uma vez que aquela decisão
apenas afeta aquele comproprietário, não é exequível aos outros. Se, noutra ação, o juiz
decidir que não há direito à servidão legal de passagem, a primeira constituída não pode
ser exequível.

Assim, esta constituição só pode exercer o seu efeito útil normal se estiverem presentes
todos os vizinhos. É preciso perceber se o direito pode ser dividido em quotas partes.

c) Ação de invalidação do testamento

Senhora A morreu, não tinha herdeiros legitimários e fez um testamento na qual deixava
todos os seus bens a B (nora). A senhora A tinha dois sobrinhos vivos (C e D).

Problema: C propôs uma ação contra B, dizendo que A quando fez o testamento estava
com incapacidade acidental, que anula o testamento – as sobrinhas herdariam se não
houvesse testamento, eram herdeiros legítimas.
Do lado ativo, tinha de estar em juízo C e D, que eram ambas as beneficiárias da ação de
anulação do testamento e a ser procedente valeria para todo o testamento?

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 97


Vamos imaginar: ação de C e B e julgada procedente, declarando inválido o testamento
e só conhece da quota parte das partes em juízo (metade do valor dos bens que
integram o testamento) pelo que C teria direito a metade. D faz o mesmo contra B e não
há caso julgado.
A questão é que D pode não conseguir fazer prova que A não estava capaz pelo que
pode ser julgada improcedente e o testamento é valido. Elas são exequíveis ou chocam?

MPB - Elas na prática são exequíveis porque o testamento vai-se dividir entre B e C –
mas o STJ diz que é necessário porque é a única forma de conhecer a invalidade do
testamento, porque não é esse o critério que está no nº3.

Antunes Varela e Manuel de Andrade concordam com MPB, que acham que não é
necessário.

O artigo 33º do CPC não pretende garantir a unidade de julgados, mas sim que cada
decisão pode ser definitivamente exequível. Apesar disso, a jurisprudência na
interpretação deste tipo de litisconsórcio é mais exigente que a doutrina e considera
que, sempre que há um risco de contradição das decisões, deve exigir-se que estejam
todos presentes em juízo para evitar a contradição de julgados.

O artigo 33º do CPC é mais restrito pois fala apenas da exequibilidade porque a regra é
o litisconsórcio voluntário e o necessário irá dificultar o exercício do direto de ação. O
litisconsórcio só será necessário se for mesmo necessário à exequibilidade das decisões,
nos termos do artigo 33º do CPC.

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Nota da Professora Maria dos Prazeres Beleza sobre este caso

Quando nos interrogamos, perante um caso em que há pluralidade de partes, se


estamos perante litisconsórcio necessário ou não, temos de perguntar se as partes têm
de estar juntas em juízo.
No caso de direito das sucessões acima apresentado, perguntamo-nos se aqueles
que beneficiariam da anulação do testamento têm ou não de estar todos
necessariamente em juízo na ação.

O que nos perguntamos não é se as partes podem; porque poder, podem, dado
que são sujeitos da relação controvertida — assim, têm liberdade para propor uma ação
em conjunto, e se um deles que não esteve desde o princípio na ação, quiser intervir ao
lado dos autores, pode fazê-lo. Aqui, o que importa verdadeiramente é saber se só se
consegue uma sentença de mérito se estiverem em juízo todos os potenciais
beneficiários da anulação do testamento.

Uma ação de anulação do testamento é diferente de uma ação de anulação de


uma partilha. Se houver uma partilha feita entre os interessados e se algum quiser
anular a partilha, então aqui é o mesmo que a ação de divisão de coisa comum (têm de
estar presentes todos os interessados porque, caso contrário, as divisões dos bens
concretos podem não coincidir o que significa que a situação das partes da ação em que
não estão todos, nunca fica definitivamente resolvida – critério do artigo 33º do CPC).

Numa ação de anulação do testamento o que se decide é quem são os herdeiros


e qual a quota parte a que cada herdeiro terá direito (e não os bens concretos que
cabem a cada um dos herdeiros - caso da ação de anulação da partilha).

De acordo com o caso, vamos supor que os herdeiros são A, B e C. Agora


suponhamos que A propõe uma ação em que pede a anulação do testamento contra o
herdeiro testamentário e o Tribunal considera provado o vício invocado como
fundamento para anulação do testamento. Se tratarmos esta situação como
litisconsórcio voluntário e se o testamento for considerado inválido, esta decisão de

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 99


invalidade apenas respeita a 1/3 dos bens do testamento, porque apenas se conhece da
quota parte dos interessados.

Como não há caso julgado em relação aos herdeiros B e C, o juiz decide em


função da prova que foi feita. Se na 1ª ação se entendeu que havia incapacidade
acidental, na 2ª ação (proposta por B ou C), o juiz pode não anular o testamento. Assim,
ter-se-iam duas decisões fundadas em duas sentenças contraditórias porque qualquer
uma delas respeita apenas a uma quota parte dos bens. (Na anulação do testamento
apenas fica assente quem são os herdeiros e qual a quota parte.)

Fundamentos contraditórios, mas exequíveis porque a execução da sentença 1


não afeta a execução da sentença 2. Traduz-se numa situação de litisconsórcio
voluntário.

O litisconsórcio é sempre um entrave à Administração da Justiça visto do lado


ativo (litisconsórcio ativo) pois, por se obrigar várias pessoas a vir a juízo,
subjetivamente, podemos ter divergências entre as partes e, objetivamente, temos
várias partes o que, naturalmente, torna o processo mais complexo. Quando o problema
se coloca do lado passivo, o autor pode demandar quantos réus quiser.

As situações de litisconsórcio necessário ativo podem obrigar a vir a juízo pessoas


que não querem ou podem prejudicar quem quer propor uma ação porque não
consegue o acordo de todos. Por isso, a doutrina diz que os casos de litisconsórcio ativo
devem reconduzir-se a um mínimo indispensável (artigo 33º, nº2 e nº 3 do CPC).

Este mínimo indispensável é a susceptibilidade da execução das decisões


proferidas entre grupos de interessados diferentes. Não interessa à lei o fundamento
diferente, mas apenas a suscetibilidade de serem executadas.

Por isso, o exercício mental que é preciso fazer, é o de imaginar que há decisões
diferentes entre interessados diferentes é de ver se estas são todas suscetíveis de serem
executadas.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 100


Se as sentenças “chocarem”, na prática, Se, por outro lado, conseguirem ser
tem de se recorrer ao litisconsórcio, pois só executas, podem estar em juízo, ou não,
se consegue definir a situação das partes se todos os interessados. Se não estiverem
estiverem todas presentes em juízo. todos os interessados, o Tribunal apenas
julga relativamente à quota parte do
interesse que respeita àqueles que estão
em juízo.

A regra da eficácia relativa do caso julgado parte do


princípio do contraditório, porque uma ação na qual
não se é parte não pode lesar os direitos de quem não
esteve presente em juízo. A sentença é apenas
obrigatório para quem é parte na ação.

Consequência da falta de legitimidade plural e singular

A ilegitimidade singular é insanável porque isso seria a substituição do réu.


Contudo, a ilegitimidade plural é sanável (litisconsórcio necessário), chama-se a parte
que falta para se juntar à ação, artigos 6º, nº2 e 316º do CPC.

Forma de sanação da ilegitimidade

A ilegitimidade singular é insanável, não obstante o artigo 6º, nº2 do CPC, porque
implicaria substituir as partes em juízo, que era violador do princípio dispositivo.

Quanto à ilegitimidade plural (sempre que não estão em juízo todas as partes
que deveriam estar devido à lei, convenção ou natureza da relação jurídica), é possível
sanar a ilegitimidade plural, mas só pode ser feita à custa da intervenção das partes que

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 101


deviam estar. Não há substituição, mas uma cumulação às partes que já estão presentes.
A forma de sanar não é o juiz chamar as partes que faltam, mas convidar as partes
presentes a chamar as que faltam – convidar o autor porque o réu não tem interesse
em chamar as que faltam porque beneficia da sua absolvição da instância.

Conclusão:

Preterição de litisconsórcio necessário —> sanável mediante a intervenção da


parte que falta, a qual poderá ocorrer mesmo depois de ter transitado em julgado
(desde que o chamamento tenha lugar até 30 dias subsequentes).

Contrariamente, a ilegitimidade singular, em regra, não é sanável pois tal


significaria ter
de substituir a parte. —> artigos 261º, nº1 e artigo 316º, nº1 do CPC.

Pluralidade de partes inicial VS pluralidade de partes sucessiva

A pluralidade de partes sucessiva resulta da intervenção de terceiras pessoas


numa ação pendente.

Nesta matéria, é importante analisar o artigo 260º do CPC (princípio da


estabilidade da instância). Note-se, porém, que uma ação se considera pendente a partir
do momento em que dá entrada a petição inicial, mas esta só é eficaz relativamente ao
réu após este ter sido citado (artigo 259º, nº2 do CPC). Este princípio destina-se a
proteger o réu.

O autor, na ação, tem interesse em introduzir as alterações que quiser (quer do


ponto de vista dos sujeitos; do pedido ou da causa de pedir — elementos identificadores
da ação). O réu, que conforma a sua defesa tendo em conta aquilo que conhece, tem de
ser protegido destas possíveis alterações e é por isso que o princípio da estabilidade da
instância tem como fundamento principal a proteção do réu.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 102


Tornar estável a instância significa (e, note-se, que estabilidade não é o mesmo
que imutabilidade) que a partir da aceitação do réu, as alterações que podem ser
introduzidas têm regras. Regras essas que vão condicionar os termos em que podem ser
alterados os três elementos que identificam o processo: sujeito, pedido e causa de pedir.
Até à aceitação do réu, o autor faz o que quiser.

Quando é que terceiras pessoas podem intervir numa ação pendente?

Artigo 262º do CPC – depois de citado o réu, a instância pode modificar-se no


que diz respeito às pessoas em duas situações diferentes:

1. Quando há substituição das partes (262º alínea a) do CPC) — Pode haver


substituição de partes quando houver transmissão da posição entre vivos (A
vende uma coisa a B cuja propriedade está a ser discutida numa ação) ou por
morte (quando a parte morre, têm de ser chamados os seus sucessíveis). Em
qualquer dos casos (dos artigos 351º e seguintes fazer remissão para o artigo
262º, alínea a) do CPC), se há transmissão da situação litigiosa, seja pelo lado
ativo (entre vivos), seja pelo lado passivo (por morte), no tribunal tem de se fazer
prova da transmissão do direito (habilitação — prova do direito ou da aquisição
passiva).

2. Quando intervêm terceiras pessoas (artigo 262º, alínea b) do CPC) —


acrescentam-se partes que não estavam em juízo. Hipótese em que podem
intervir várias pessoas numa ação pendente. A lei condiciona muito esta
possibilidade (artigos 311º e seguintes e CPC).

Porque é que a lei admite esta intervenção que tanto pode ser admitida pelo
autor ou pelo réu? Tem de haver uma boa razão que justifique que o autor tenha de
aceitar que pessoas que ele não demandou ou pessoas com as quais não quis litigar
possam intervir numa ação pendente.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 103


Quando se fala destes casos, há intervenções em que estas terceiras pessoas
ocupam uma posição de parte principal e outras em que estas terceiras pessoas ocupam
posições de parte acessória. Este tipo de intervenção está relacionado com o estatuto
que o interveniente vai ter na ação.

Se intervém como parte principal, vai ter um estatuto semelhante ao do autor


ou do réu. Por outro lado, se intervém como parte acessória, vai ser um terceiro
interveniente com um estatuto dependente da ação principal, não tem os mesmos
poderes da parte principal.

A intervenção de terceiras pessoas pode ser também provocada (uma das partes
iniciais chamou o 3º a intervir) como pode ser espontânea (o próprio terceiro teve
conhecimento da ação e quis intervir).

Que interesses é que justificam que terceiras pessoas intervenham numa ação
pendente? (artigo 311º e seguintes do CPC)

1. Integração do pressuposto da legitimidade — A ilegitimidade resultante da


preterição do litisconsórcio necessário pode ser sanada através do chamamento
de terceiras pessoas para completar o pressuposto da legitimidade

Exemplo artigo 316º do CPC — regula o meio processual adequado à sanação de uma
situação de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário. Intervenção
principal, o terceiro que intervém fica com um estatuto semelhante ao das partes
originárias numa ação. Neste artigo, prevê-se que o autor, confrontado com uma
situação de preterição de litisconsórcio necessário, convoque a intervenção em juízo da
pessoa que falta. Isto porque é o autor que tem interesse em sanar o pressuposto,
porque, caso contrário, há absolvição do réu da instância.

Nota: Até à reforma de 95/96 não estava expressamente previsto o meio processual de
sanação da preterição do litisconsórcio necessário.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 104


2. Extensão do caso julgado a terceiros

Normalmente, quem tem interesse numa ação a estender o caso julgado a terceiros é o
réu que quer chamar outros que com ele devam ser conjuntamente condenados (o caso
mais comum é para efeitos do direito de regresso).

A lei dá ao réu a possibilidade de obrigar o autor a litigar contrapartes que não


demandou atendendo aos interesses que o réu pode ter na extensão do caso julgado a
terceiros. Exemplos: artigos 216º, 238º, 221º do CPC.

3. Defesa do interesse de terceiras pessoas

Há casos, muito bem delineados na lei, em que a lei tutela interesses de terceiras
pessoas a intervir numa ação pendente.

Exemplo: A propõe contra B uma ação de reivindicação do prédio, e C pode entender


que ele é que é o proprietário e intervir na ação dizendo que ele é que é o proprietário.
Assim, há 3 partes com interesses contrapostos entre si.

A reforma mais importante destes incidentes de intervenção de terceiros


(artigos 311º e seguintes do CPC) foi feita pela reforma de 95/96. Há aqui sempre uma
tensão de definir as relações substanciais que justificam a intervenção de terceiros e os
mecanismos processuais que têm de ser ou não providenciados.

Têm havido várias reformas e alterações no sentido de reduzir o tipo de


mecanismos de intervenção. O Código de 2013 praticamente manteve o regime de
95/96, mas introduziu algumas alterações nas condições de admissibilidade, sempre na
perspetiva de que é mau intervirem terceiras pessoas e, por isso, há que reduzir a um
mínimo indispensável.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 105


Nos termos dos artigos 311º e seguintes do CPC há três grupos diferentes de
incidentes da intervenção de terceiros dado que os terceiros que intervêm podem
ocupar posições diferentes na ação, ou seja, podem ter um estatuto diferente na ação:

1. Intervenção principal (artigos 311º e seguintes do CPC)

Quando desde o princípio podia ter havido uma situação de litisconsórcio, essa
situação pode aparecer pela intervenção de terceiras pessoas numa ação pendente.

Essa intervenção pode ser por iniciativa do terceiro ou por chamamento das
partes (tanto vale para o litisconsórcio necessário como para o voluntário). A parte que
intervém como principal tem um estatuto equivalente ao das partes em juízo.

A intervenção principal pode ser:


- Espontânea: o terceiro intervém por sua iniciativa
- Provocada: o terceiro é chamado pelas partes

2. Intervenção acessória (artigos 321º e seguintes do CPC)

Não é o mesmo que uma intervenção como parte principal, por isso, esta
intervenção está limitada à diferença de estatuto. Pode ser:

a) Provocada (artigos 321º e seguintes do CPC): a mais frequente intervenção


acessória é a invocação de direito de regresso sobre um terceiro. O sentido deste
mecanismo é o seguinte: quando o réu é demandado e entende, se perder a
ação, que tem direito de regresso quanto a um terceiro, pode provocar a
intervenção desse terceiro como parte acessória. Esta intervenção restringe-se
à discussão do direito de regresso.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 106


Vantagem: ideia de caso julgado. Se A (réu) é condenado na 1ª ação, tem toda a
vantagem em colocar a pessoa contra a qual tem direito de regresso vinculada à sua
condenação, porque depois o terceiro não pode vir a discutir se o réu foi ou não bem
condenado.

Tem vindo a ser restringido o âmbito de aplicação deste mecanismo porque muitas
vezes são invocados direitos de regresso em cadeia o que provoca um grande
prolongamento da situação em Tribunal.

b) Do ministério público (artigo 325º do CPC), que intervém como:


a. Parte Principal — Ex. Representando o Estado quando contra este lhe é
proposta uma ação de responsabilidade civil.
b. Parte Acessória (artigo 320º do CPC) — Ex. A propõe uma ação contra um
menor que, normalmente são representados pelos pais - quando são
partes menores, geralmente o MP tem intervenção como parte acessória
para verificar se os direitos do menor são bem defendidos. O MP tem
poderes para pedir a inibição dos pais do exercício das responsabilidades
parentais — Tem poderes de fiscalização do exercício da
responsabilidade parental). Aqui, neste ponto, quando se fala de ação,
fala-se em ações cíveis apenas.

c) Assistência (artigos 326º e seguintes do CPC) — É sempre espontânea e tem


lugar quando há um interesse dependente do que está a ser discutido na ação
principal.

Exemplo: A é subarrendatário de uma casa e sabe que foi proposta uma ação de despejo
contra o arrendatário. O subarrendatário não tem legitimidade para ser parte na ação
de despejo porque o interesse de A é meramente dependente pois a subsistência do
contrato de subarrendamento depende da subsistência do contrato de arrendamento.
Mas, de qualquer das formas, há um interesse de que a lei não seja julgada procedente

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 107


e, por isso, a lei permite que, ao abrigo do instituto da assistência, A possa intervir na
ação para defender esse direito dependente.

Vantagem: fiscalizar se o réu principal se defende e apresenta a prova devidamente. O


assistente é visto como aquele que completa a defesa de um determinado interesse a
título principal. Se se verifica, por exemplo, que o réu não apresenta todos os meios de
prova ou não contesta, este terceiro pode fazê-lo. Há uma diferença de estatuto — a
assistência tem cabimento quando a parte que quer intervir tem um interesse
dependente relativamente a uma das partes em litígio e esse interesse dependente
pode ser com significado meramente económico. Pode dizer-se também que tem um
interesse jurídico, no sentido de ter uma relação jurídica dependente.

3. Oposição (artigos 333º e seguintes do CPC) – permite que um terceiro venha


defender um interesse contraposto a ambas as partes.

Exemplo: A propõe uma ação para o pagamento de uma dívida e B está disposto a pagar.
No entanto, B sabe que há um terceiro que acha que é o verdadeiro credor. Tendo em
conta que, “quem paga mal, paga duas vezes”, B tem o direito de provocar a intervenção
de terceiro para ter a certeza de a quem é que paga a dívida.

A intervenção pode ser:


- Espontânea - terceiro pode intervir por iniciativa própria.
- Provocada - terceiro pode ser chamado a intervir pelo réu.

Oposição mediante embargos de terceiro

Artigos 342º e seguintes do CPC.

O embargo de terceiro é a defesa de terceiros contra uma medida judicialmente


decretada em que o terceiro vem dizer que essa medida não pode prejudicar a sua posse

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 108


ou outro direito equivalente seu porque este não tem nenhuma ligação com a ação em
causa.

Foi incluída, em 95, na figura da oposição, porque também tem uma ideia de um
terceiro que vem defender uma situação contrária à das partes na ação onde foi
decretada aquela medida judicial.

Exemplo: Imagine-se que há uma ação executiva de A contra B, mas a penhora


que é decretada nessa ação executiva, atinge o bem que está na detenção de C. C quer
defender a sua posse contra o ato decretado pelo Tribunal (ex. arresto - caso mais típico
onde se usam os embargos de terceiros) e pode vir dizer em juízo que este arresto (ou
penhora) não pode atingir o bem que está na sua posse, porque a ação declarativa da
qual resultou a sentença que está a ser executada nada tem a ver consigo.

A lei reconhece que há certas situações em que, tudo somado, há justificação


suficiente para que terceiros intervenham numa ação pendente.

Conclusão: tipos de intervenção de terceiros na ação

1. Intervenção principal
a. Espontânea
b. Provocada

2. Intervenção acessória
a. Provocada
b. Do ministério público
c. Assistência

3. Oposição
a. Embargo de terceiro

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 109


6. O interesse em agir

Necessidade que o autor tem de recorrer a juízo. Eu posso ser titular de um certo
direito e ter legitimidade, mas porque não há nenhum perigo quanto à consistência do
direito, eu não tenho nenhum interesse em agir.

É um pressuposto que se coloca do lado do autor, isto porque o réu,


teoricamente, tem sempre interesse processual porque vai ver uma ação demandada
contra si.

A lei sentiu a necessidade de proteger o interesse do réu, artigo 286º, nº1 do


CPC: o autor que propôs uma ação e obrigou o réu a contestar pode desistir da instância,
mas exige aceitação do réu.

Qual é a justificação para se exigir o interesse em agir como condição de conhecimento


de mérito (dizer que o interesse em agir é um pressuposto)? Qual a sua função?

É a utilização racional da máquina da justiça – só se deve provocar a intervenção


do direito de recorrer aos tribunais quando o autor está numa situação tal que necessita
da intervenção dos tribunais; interesse privado do réu – os custos, a necessidade de
defesa.

O interesse em agir é um pressuposto que não está previsto no CPC. Na doutrina,


tem havido algumas divergências sobre se o interesse em agir é ou não um pressuposto
processual autónomo, diferente dos outros, que encaixaria nos pressupostos
inominados. Sabemos que os pressupostos processuais não são taxativos, tal resulta da
lista do artigo 577º do CPC (que contém as exceções dilatórias) ser exemplificativa.

1. Posição do Professor Castro Mendes: o interesse em agir não é um pressuposto


processual autónomo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 110


O único caso em que a lei portuguesa exigia o interesse em agir era o caso
previsto no artigo 557º do CPC: o autor apresenta pedido de condenação para o futuro
– por exemplo, pede o pagamento de prestações periódicas que ainda não se venceram.
O interesse em agir está aqui demonstrado porque se o réu não paga certas prestações,
é provável que não pague as seguintes.

O caso deste artigo é o único caso em que a lei exige o interesse de agir, que a
posição do autor seja uma tal que a lei admite.

Artigos em que o Professor se foca para justificar que não há um pressuposto


processual autónomo:

- Alínea c), do nº2 do artigo 535º do CPC - pode acontecer que o credor de uma
determinada obrigação tenha um título com manifesta força executiva e, todavia, em
vez de começar pela ação executiva, vai começar por uma ação declarativa de
condenação. Para instaurar uma ação executiva tenho de ter um título executivo
(documento que prova a existência de uma obrigação). O título executivo, por
excelência, é a sentença condenatória. Claro que este artigo não vale quando o título é
uma sentença condenatória porque seria apenas repetir a ação (não se vai julgar a
mesma coisa). Vale para os títulos executivos extrajudiciais. Este artigo permite começar
pela ação declarativa, estou a usar uma ação que não é necessária. Mas então porquê
que a lei permite optar por uma via ou por outra? É uma preferência do credor: é mais
fácil executar uma sentença do que um título executivo que não tem por detrás um
processo judicial. O credor pode escolher, mas mesmo que ganhe vai pagar as custas.

- Nº3 do artigo 610º do CPC – poder que o juiz tem a utilizar na altura da
sentença. Não vale a pena estar a deitar fora um processo que decorreu tal e qual, mais
vale aproveitá-lo. Quando decorrer o prazo, então o credor pode passar logo à
condenação. A razão de ser deste preceito é o princípio da economia processual. Num
caso destes o autor ganha, mas paga as custas.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 111


Concluindo, para este autor, a falta de interesse em agir apenas se repercute no
pagamento das custas. Apesar de ganhar, vai pagar as custas.

A opinião deste Professor não fez carreira nem na doutrina nem na


jurisprudência. Assim, o Professor Antunes Varela critica os seus dois argumentos.

2. Posição do professor Antunes Varela: o interesse em agir é um pressuposto


processual autónomo

- Em relação ao artigo 535º, nº2 alínea c) do CPC, Antunes Varela diz que, ainda
assim, há interesse em agir por parte do autor que recorre à ação declarativa. Um título
executivo extrajudicial tem uma força probatória menor e, portanto, uma ação
executiva com base num título executivo extrajudicial será sempre muito mais
demorada do que se o autor tiver uma sentença com um título executivo. Assim, pode-
se vislumbrar um interesse do autor em instaurar na mesma a ação declarativa.

Nota em aula prática: artigo 729º do CPC VS artigo 731º do CPC — Da comparação destes
artigos, temos que, em relação a uma execução com base num título extrajudicial, se
podem alegar todos os fundamentos presentes no artigo 729º e ainda quaisquer outros
que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. Isto porque, numa
sentença judicial, nos termos do princípio da preclusão, tudo o que era para ser
invocado já devia ter sido.

O título do artigo 535º do CPC não é uma sentença porque, se fosse, a ação declarativa
não poderia ser conhecida, seria invocada a força de caso julgado. Este é um título
extrajudicial relativamente ao qual se podem invocar todos os fundamentos do artigo
731º do CPC — por isso é que isto não significa que o interesse em agir não seja um
pressuposto processual. Se se invocar o título executivo, a outra parte pode invocar uma
série de fundamentos bem mais abrangentes, por isso, é preferível invocar uma ação
declarativa pois os fundamentos que lhe podem ser opostos são muito menores.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 112


- Em relação ao artigo 610º, nº2 do CPC, Antunes Varela diz que esta é uma
situação excecional que se justifica por razões de economia processual e que só se aplica
na fase da sentença. É, realmente, uma ação aparentemente inútil porque não há
contestação nem relativamente à exigibilidade da obrigação nem relativamente à sua
existência, mas, ainda assim, se o juiz apenas se aperceber disso na sentença, a
economia processual ‘fala mais alto’ relativamente à necessidade de exigir o interesse
processual. Como o juiz não se apercebeu disso no início e já despendeu toda aquela
tramitação processual até àquele momento, então justifica-se que o juiz condene sem
prejuízo do prazo (para o futuro — se a obrigação ainda não se venceu não faz sentido
que o réu seja imediatamente obrigado a pagar).

Nota em aula prática: Note-se que o artigo 610º aparece regulado na fase da sentença,
o que permite esta interpretação. Se, na fase de saneamento, o juiz se apercebe que a
dívida não está vencida, pode absolver o réu da instância — pode ser conhecido
oficiosamente pelo juiz por este ser um pressuposto processual (artigo 578º do CPC). Se
apenas no fim se apercebe disto, ou seja, na fase da sentença, por uma razão de
economia processual, o tribunal condena na prestação para o futuro!

Para haver conhecimento do mérito é preciso que se justifique a propositura da


ação por parte do autor. Normalmente, quando não há interesse em agir, não estão
reunidos todos os pressupostos processuais e o réu será absolvido da instância.

Como se afere o interesse em agir em abstrato, ou seja, como se sabe se numa ação
existe, ou não, interesse me agir?

É preciso aferir o interesse em agir consoante a ação:

a) Ações de condenação: têm como objetivo exigir a prestação de uma coisa ou


de um facto. Resulta diretamente do artigo 10º, nº1, alínea b) do CPC que
“pressupondo ou prevendo a violação de um direito” a regra é que, numa

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 113


ação de condenação, só existe interesse em agir por parte do autor se já tiver
existido a violação do seu direito.

A opção do direito processual e do nosso legislador foi a de estabelecer esta regra, sem
prejuízo de algumas situações (como as providências cautelares, por exemplo, e outras
ações inibitórias) em que em certos casos concretos se admite o recurso a Tribunal para
evitar violação do direito. No entanto, estes são casos meramente excecionais.

Razões que legitimam o facto de as ações de condenação só poderem ser instauradas


perante a violação de um direito:
- Custo do juízo — iria aumentar, exponencialmente, o recurso a juízo.
- Maior restrição da liberdade dos sujeitos jurídicos ao intervir na fase prévia à
da violação do direito que poderia nem vir a ocorrer.
- Fomentaria o recurso a juízo e diminuiria a possibilidade de evitar conflitos
através da intervenção das próprias partes.

Exemplo: Se, por hipótese, A intentasse contra B, com quem celebrou um contrato, uma
ação em que pretendia a condenação deste no pagamento do preço para o futuro,
quando ainda não tinha passado o prazo estabelecido para o seu pagamento, B será
absolvido da instância com fundamento em falta do interesse em agir.

A regra é que nas ações de condenação, o interesse em agir se afere pela violação do
direito, mas há situações em que o legislador permite que, ainda que não haja violação
de direito, que o autor possa ter interesse em agir na instauração de uma ação. Essas
situações são:

• Ações de condenação para o futuro (artigo 557º do CPC):

O artigo 557º, nº1 do CPC permite que o autor peça a condenação do réu nas
prestações vincendas quando estejam em causa prestações periódicas e uma delas seja
violada. Basta o incumprimento de uma das prestações periódicas e o autor tem
interesse em agir para pedir a condenação do pagamento não só daquela que foi violada

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 114


como também daquelas que ainda não se venceram. Neste caso, o não pagamento de
uma prestação periódica pode fazer antever o risco do não pagamento das restantes
prestações.

O artigo 557º, nº2 do CPC permite um pedido de condenação em prestações


futuras quando esteja em causa um contrato de duração continuada e a falta de um
título executivo no final possa pôr em causa o direito do Autor. Neste caso, a
possibilidade de decorrer para ao autor um prejuízo grave no final do contrato de
duração continuada também pode justificar uma atuação preventiva.

Aparentemente, estas duas situações seriam exceções ao interesse em agir. A


doutrina justifica estas exceções (em contraponto a se dizer que o interesse em agir não
é um pressuposto processual), dizendo que:
- Estes são casos excecionais e pontuais.
- Que, quer no artigo 577º, nº1, quer no nº2, há razões que justificam uma
intervenção precoce ou preventiva do Tribunal em detrimento de um interesse
específico.

• A situação prevista no artigo 610º, nº1 do CPC

O nº1 parece dizer que o autor pode propor uma ação de condenação para o
pagamento da prestação e, se esta ainda não for exigível (se o prazo ainda não tiver
decorrido), mesmo assim, o juiz pode condenar o réu na prestação futura.
Aparentemente, pareceria haver uma falta do interesse em agir e o juiz absolveria o réu
da instância. Mas aqui permite-se que o juiz condene para o futuro apesar de não haver
interesse em agir pois ainda não houve violação do direito.

Ratio:
- Um dos requisitos do 610º, nº1 é que o réu conteste a existência da obrigação.
Ou seja, existe algum interesse em agir porque o réu põe em causa a existência da

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 115


obrigação. Assim, considera-se que o juiz aprecie aquela pretensão e que,
eventualmente, condene o réu na prestação futura.

- Para além disso, um outro argumento que justifique este 610º, nº1 é o
considerar-se que este artigo se aplica na fase da sentença por razões de economia
processual. Ou seja, se o juiz apenas na fase da sentença percebe que a obrigação não
é exigível, então faz sentido que por economia processual condene na mesma o réu.
b) Ações constitutivas: está em causa o exercício judicial de um direito
potestativo e, nestas circunstâncias, temos de distinguir vários tipos de
direitos potestativos (já que nem todos são exercidos da mesma forma).

Se atentarmos no exemplo do direito à anulação de um contrato, este só pode ser


exercido judicialmente. Por outro lado, o direito de resolução de um contrato, pode ser
exercido por simples declaração à contraparte. Este segundo é, por isso, um direito
potestativo de exercício não judicial. Há, ainda, outros direitos potestativos que podem
ser exercidos das duas formas. Tal é o caso da constituição da servidão legal de
passagem que pode ser constituída através de acordo entre o titular do prédio
dominante e o titular do prédio serviente ou judicialmente.

• No caso do exercício de direitos potestativos exclusivamente judiciais, o autor


tem sempre interesse em agir como no exemplo em pede a anulação do contrato
com o réu, pois só se pode fazer valer do seu direito pela via judicial.

• No caso do exercício dos direitos potestativos de exercício extrajudicial nunca


existe interesse em agir. Porém, tal não quer dizer que, em abstrato, estes não
pudessem ser exercidos judicialmente, mas se podem ser exercidos por simples
declaração à contraparte, não se justifica que vão a Tribunal para fazer o mesmo.
Se o juiz conclui que o poderia fazer extrajudicialmente, vai considerar que não
há interesse em agir.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 116


Nota: Exercer o direito é diferente de vir pedir ao tribunal que ateste que a resolução
foi bem efetuada. Acontece muitas vezes a contraparte opor-se a essa resolução e esta
pode vir a juízo para declarar que a resolução foi efetivamente efetuada. (Esta é uma
ação de simples apreciação e não uma ação constitutiva. Pode, ainda, ser condenatória,
se desta decorrer o pagamento de uma indemnização).

• No caso do exercício dos direitos potestativos de exercício misto podem ser


exercidos através de acordo ou judicialmente. No caso da servidão legal de
passagem, a pergunta que se faz é se alguém quiser tentar constituir uma
servidão legal de passagem se tem de primeiro tentar o acordo com a
contraparte ou se pode vir diretamente a juízo. Nestas situações, entende-se que
não é requisito do interesse em agir que o titular do direito potestativo prove
que primeiro tentou chegar a acordo com a contraparte. Ou seja, não é
necessário demonstrar que houve uma tentativa de acordo prévia. Considerou-
se que era excessivo obrigar o titular a primeiro encetar a via do acordo.

c) Ações de simples apreciação: o autor pede ao Tribunal a declaração da


existência de um direito ou de um facto. Aqui considera-se que apenas há
interesse em agir para instaurar essas ações quando exista na base dessa
pretensão uma incerteza grave e objetiva que justifique que o Tribunal se
pronuncie.

Uma incerteza objetiva é aquela que é gerada por elementos exteriores (a sua origem
não pode vir de dúvidas do sujeito do titular do direito).

Um exemplo de uma incerteza objetiva seria a seguinte: um jornal, para difamar um


político que concorreria às eleições, lança a notícia de que este tinha uma determinada
dívida a um determinado banco. Há um elemento exterior - comunicação da notícia.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 117


Também estamos perante uma incerteza objetiva perante o caso de existir um vendedor
que quer vender o seu terreno e há alguém que tenta convencer outrem a não o
comprar porque diz que este terreno não tem a dimensão alegada pelo vendedor.
Demonstradas as alegações deste terceiro justifica-se a instauração de uma ação de
simples apreciação. Tem de ser grave no sentido dos danos que pode provocar.

Pressuposto processual relativo ao tribunal

7. Competência

a) Competência internacional; fontes; os Regulamentos Europeus, Convenção


de Lugano; a lei portuguesa; os pactos de jurisdição.

Podemos pensar na competência de duas maneiras:

a) Em abstrato: saber qual a fração de poder jurisdicional que cabe a um certo


tribunal. A CRP reserva aos tribunais o exercício da função jurisdicional do
ponto de vista material, mas nada impede que a CRP ou a lei ordinária
venham a atribuir aos tribunais, como fazem, exercício de funções que
materialmente não correspondam à função jurisdicional.
o Há critérios que repartem esta competência (artigo 165º da CRP,
reserva relativa da AR): se aplicarmos todos os critérios a um tribunal,
temos em abstrato definida a competência desse tribunal
o Sabemos que fração do poder jurisdicional cabe a cada tribunal
aplicando sucessivamente todos os critérios ao tribunal em causa

b) Em concreto: qual o tribunal competente para conhecer a ação que quero


propor.

Pode acontecer que certo litígio, pelos seus elementos subjetivos e objetivos,
tenha uma relação com outra ordem, além da portuguesa. Mais concretamente, a

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 118


competência Internacional dos Tribunais Portugueses consiste na delimitação da
competência dos Tribunais Portugueses face à dos outros Estados com os quais aquele
litígio esteja relacionado.

O que é aqui objeto de estudo não se confunde com os seguintes pontos:


o Pode ser preciso saber qual a lei aplicável à própria lei substantiva (por exemplo,
a lei aplicável à forma do contrato, à capacidade dos intervenientes...). A
resposta é dada pelas normas de DIPrivado.
o Aplicação da lei do processo no espaço – sabemos que os tribunais são
competentes, mas vão julgar sob a lei processual civil portuguesa ou outra?

O que nos interessa agora é saber se os tribunais portugueses, no seu conjunto,


são ou não competentes.

Onde vamos encontrar estas regras? No fundo o que estamos a perguntar é se a


conexão com a ordem jurídica portuguesa é suficientemente forte para que os tribunais
portugueses possam conhecer do litígio.

Quais são os instrumentos formais de delimitação da competência internacional


dos tribunais portugueses? Artigos 59º, 62º e 63º do CPC.

Quando é que os Tribunais Portugueses têm competência para julgar um litígio com
ligação com outra ordem jurídica?

Tem de haver um elemento de conexão suficientemente relevante com a Ordem


Jurídica Portuguesa para que os tribunais portugueses julguem. Há pontos formais de
delimitação da competência internacional dos tribunais portugueses de natureza
diferentes. Ou seja, relativamente a cada litígio, a primeira coisa que temos de fazer é
ver que instrumento/fonte é que lhe é aplicável (devem ser seguidos pela seguinte
ordem):

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 119


1. Regulamentos Europeus (temos de ver se a ação em causa está abrangida por
um Regulamento Europeu)

2. Convenções Internacionais (destinadas a encontrar regras comuns)

3. Normas de direito interno (artigos 62º e 63º do CPC – estas regras significam
que a nossa lei portuguesa considera que há litígio que tem conexão suficiente
com a nossa ordem jurídica)

1. Regulamentos Europeus

O Regulamento mais importante é o nº 1215, de 12 de dezembro de 2012 que


veio alterar o nº 44/2001 do Conselho de 22 de dezembro de 2000.

Breve nota introdutória sobre como surgiram

Nem sempre a matéria da competência internacional foi regulada no âmbito da


UE através de regulamentos. Apenas a partir do tratado de Amesterdão a matéria de
cooperação judiciária em matéria civil passou para o domínio do direito comunitário.
Antes havia convenções internacionais celebradas entre os estados-membros da União
Europeia — estas eram convenções internacionais em sentido tradicional que
dependiam de um certo número de adesões, razão pela qual diversas nem chegaram a
entrar em vigor.

O panorama que temos hoje significa que a matéria de cooperação judiciária no


plano civil é uma matéria sobre a qual a UE é competente para legislar. A utilidade desta
matéria da competência internacional ser disciplinada pela UE prende-se com o facto
de esta estar normalmente associada à execução das decisões dos vários estados-
membros. As decisões judiciais de outros Estados não são imediatamente exequíveis na
Ordem Jurídica Portuguesa que, em regra, não reconhece, sem mais, as decisões
proferidas nos Tribunais de outros Estados.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 120


É, normalmente, neste contexto que o reconhecimento das sentenças
estrangeiras aparece porque há alguém interessado em executar dentro de Portugal
uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro.

No âmbito da UE há um objetivo de permitir um reconhecimento ou a circulação


fácil das decisões proferidas nos diversos estados-membros, mas, para isso acontecer,
a União Europeia desde sempre sentiu a necessidade de encontrar regras comuns de
definição da competência internacional.

Quando se coloca a um Estado o problema do reconhecimento de uma sentença


estrangeira, este tem de verificar se essa sentença provém de um tribunal competente
segundo um dos instrumentos que o reconheça (Tribunal tem de ter ligação suficiente
com litígio para que haja reconhecimento).

A 27 de Setembro de 1968 foi celebrada, entre os vários Estados fundadores da


CEE, a Convenção de Bruxelas. Esta é a Convenção mais célebre relativa à competência
internacional e à execução das sentenças dos estados-membros da CEE que vinha
estabelecer regras comuns.

Nesta altura, esta era uma Convenção Internacional com duas partes: a primeira
era relativa às regras de competência internacional comuns aos estados-membros e a
segunda relativa ao reconhecimento das sentenças estrangeiras. Em 1989, Portugal
aderiu a esta Convenção.

Pouco tempo depois, a 16 de Setembro de 1988, foi celebrada, na Suíça, a


Convenção de Lugano com um conteúdo quase igual ao da Convenção de Bruxelas, mas
que se destinava a estender a outros países (como, por exemplo, a Suíça), as regras de
competência internacional de reconhecimento das sentenças estrangeiras que estavam
na Convenção de Bruxelas.

Na sequência do tratado de Amesterdão, quando esta cooperação judicial em


matéria civil passou para o domínio do direito comunitário, a convenção de Bruxelas foi

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 121


substituída por um regulamento 44/2001 do Conselho de 22 de dezembro de 2000. Este
é frequentemente chamado de Regulamento de Bruxelas, porque é o equivalente que
veio substituir a Convenção de Bruxelas. Depois, ele próprio veio a ser substituído pelo
regulamento 1215 de 12 de dezembro de 2012 que só passou a ser aplicado a partir de
Janeiro de 2015. É este o regulamento que se aplica à generalidade das ações cíveis e
comerciais.

Regulamento 1215 de 12 de dezembro de 2012 (Regulamento de Bruxelas)

Importa, relativamente a este regulamento, entender o sistema por ele


escolhido para definir a competência internacional.

O que está em causa é encontrar regras comuns aos estados-membros da UE


para a definição da competência internacional. O objetivo dessas regras comuns é
permitir uma maior facilidade na circulação de sentenças provenientes dos outros
estados membros.

A grande diferença entre o regulamento 44/2001 e este regulamento de


1215/2012 está, não nas regras de competência internacional (apenas algumas
diferenças pontuais), mas no sistema de reconhecimento das sentenças estrangeiras. A
evolução decorreu no sentido de, no âmbito do regulamento em vigor, praticamente se
dispensa o processo de reconhecimento das sentenças estrangeiras (matéria estudada
na cadeira de DIPrivado).

Este regulamento aplica-se à generalidade das ações civis e comerciais (artigo


1º) intentadas a partir de 10 de janeiro de 2015 (artigo 66º).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 122


Regras de Competência Internacional no âmbito do Regulamento 1215/2012:

Estas regras escolhem o elemento de conexão relevante para 2 coisas:

o Para saber se o litígio diz respeito ao espaço europeu


o Para saber, dentro do espaço europeu, qual o Estado competente para
julgar aquele litígio (para que os outros membros da UE reconheçam as
sentenças dos seus Tribunais).

O âmbito material de aplicação deste regulamento é a generalidade dos litígios


civis e comerciais (artigo 1º), independentemente da jurisdição.
Para aplicar este regulamento, temos de ver se o litígio de que se trata está
abrangido por este âmbito material de aplicação. Se estivermos perante uma matéria
excluída do âmbito de aplicação deste regulamento ou de outro qualquer, podemos
calhar no âmbito das regras do CPC.

Para compreender o sistema de repartição da competência temos de ter em


atenção que neste regulamento temos as regras legais definidas pelo regulamento ou
pelo CPC e temos, ainda, a possibilidade de haver convenções das partes com limitações.
Ou seja, há regras legais e regras convencionais:

A. Regra geral (artigo 4º) — que se aplica residualmente quando o objeto ou a ação
que se quer propor não é abrangida por nenhuma regra especial.
B. Regras especiais (artigos 7º e seguintes)
C. Competências exclusivas (artigo 24º)
D. Caso especial (artigo 26º)
E. Pactos de Jurisdição (artigo 25º)

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 123


A. Regra geral (artigo 4º)

Aplica-se para determinar se os tribunais Portugueses são ou não


internacionalmente competentes para conhecer do litígio que materialmente é
abrangido pelo Regulamento.

A regra é de que é competente o Tribunal do Estado onde o réu tem o seu


domicílio (elemento mais importante de conexão). Para efeitos de domicílio fazer
remissão para o artigo 62º CPC.

1º ver se o litígio diz respeito ao espaço europeu (através do domicílio do


demandado)
2º ver qual dos Estados europeus (também através do domicílio do demandado)

O domicílio do réu é o primeiro elemento de inserção do litígio no espaço


europeu. Os diversos Estados europeus são competentes se o réu for num deles
domiciliado, ou seja, são competentes os tribunais portugueses se o réu tiver o seu
domicílio em Portugal.

Ratio da regra geral: pretende-se a proteção do réu, tendo em conta o facto de


que o autor escolhe o momento em que propõe a ação e os termos em que o faz e o réu
tem um prazo curto para se defender e constituir advogado.

B. Regras especiais (artigos 7º e seguintes)

Temos como exemplos ações destinadas ao cumprimento do contrato e ações


destinadas à efetivação da responsabilidade civil extracontratual. Há muitos mais casos
previstos nestes artigos.

O que acontece nestes casos é que: estas regras só são aplicáveis se o réu for
domiciliado num estado europeu.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 124


Se existirem elementos de conexão com outras ordens jurídicas que permitam
ao autor, por via de regras especiais reguladas nos artigos 7º e seguintes, tê-los em conta
para efeitos do local da propositura da ação, então o autor pode optar entre colocar a
ação no local do domicílio do réu ou no local permitido por essas regras especiais.

Estas regras especiais do artigo 7º e seguintes só valem se o réu for domiciliado


num estado europeu e se existirem conexões com outras ordens jurídicas como, por
exemplo, o local do facto ilícito ser diferente do domicílio do réu ou o local do
cumprimento do contrato ser diferente do domicílio do réu.

Nota: O artigo 5º diz que as pessoas domiciliadas no estado-membro só podem


ser demandadas nos tribunais de outro estado membro nos termos das regras do artigo
7º.

C. Regras de competência exclusiva (artigo 24º)

Neste artigo lê-se que, se houver uma ação na qual estão em causa direitos reais
sobre imóveis, são exclusivamente competentes os tribunais do Estado do local do
imóvel.

Daqui decorre que não se pode ir propor uma ação no Estado onde o réu é
domiciliado. Tal significa que só estes são competentes e que, consequentemente, só as
suas sentenças serão reconhecidas nos demais estados-membros.

Se não se tratar de uma ação de competência exclusiva, o que se tem de fazer é


ver se o réu é domiciliado num Estado da UE e, se sim, tenho de ver se há algum caso de
competência especial. Em último caso, o que se aplica é a regra geral acima vista.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 125


D. Caso especial (artigo 25º)

O artigo 26º atribui competência em casos em que, provavelmente, não há


nenhuma conexão relevante.

Este artigo prevê que, se o autor instaurar uma ação num estado-membro X e se
o réu comparecer e não suscitar a questão da incompetência internacional, esse tribunal
do estado-membro onde tiver sido proposta a ação torna-se competente (se não estiver
em causa uma das regras de competência exclusiva).

Considera-se, aqui, que há um pacto tácito sobre a alteração das regras de


competência por o réu não suscitar a incompetência do tribunal onde o autor propôs a
ação. O tribunal passa a ser competente, a não ser que o réu compareça para
exclusivamente para contestar a questão da competência.

Princípio da concentração da defesa na contestação – o réu tem de dizer todos


os meios de defesa que quer usar naquele processo. O TJUE tem entendido (apesar da
letra do artigo 26º) que, em ordens jurídicas como a portuguesa onde vigora o princípio
da preclusão, é possível suscitar eficazmente a questão da competência internacional e,
subsidiariamente, suscitar a questão de fundo.

Nota: Este regime aplica-se com salvaguarda das regras da competência


exclusiva que são imperativas e que não estão nunca na disponibilidade das partes.

E. Pactos de jurisdição (artigo 25º)

Destinam-se a regular a competência internacional para resolver determinados


litígios. É possível, por convenção das partes, determinar qual o estado competente para
resolver o litígio. As partes incluem uma cláusula no contrato na qual estabelecem que,

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 126


se vier a surgir um litígio, a ação será proposta nos tribunais de um determinado estado-
membro de UE.

Há requisitos relativos à forma: reduzidos a escrito (mas este “escrito” é muito


amplo. Por exemplo, um email é escrito). Têm de identificar a fonte possível do litígio.

Não são válidos os pactos no âmbito das competências exclusivas, mas


verificados os condicionalismos de conteúdo e de forma do artigo 25º, as partes podem,
por acordo, alterar as regras de competência definidas pelo Regulamento.

Nota: se não houvesse o pacto, os tribunais competentes eram os do Estado A.


Por virtude do pacto, passam a ser os do Estado B. Há competência alternativa ou
exclusiva do Estado B? Presume-se que a competência é exclusiva.

Consideram-se que estas cláusulas são autónomas. Estes pactos, em regra,


gozam de autonomia relativamente ao contrato em que se inserem.
2. Convenções internacionais

Ainda hoje, o Estado português está vinculado a determinadas Convenções


Internacionais, por exemplo, à Convenção do Lugano. Há uma primeira versão da
Convenção de Lugano (1988) e uma segunda de 2007.

Se estiverem em causa litígios, por exemplo, com a Suíça que não envolvam
situações de competências exclusivas, aplica-se a Convenção de Lugano que vincula a
Suíça (cujas regras são praticamente iguais à da Convenção de Bruxelas).

b) Competência interna; critérios de repartição (matéria, hierarquia, valor,


território, formas de processo); extensões de competência; incompetência, absoluta
e relativa; conflitos de jurisdição e de competência.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 127


3. Regras de direito interno

Artigo 59º do CPC e artigos 62º e 63º do CPC.

O que os artigos 62º e 63º fazem é escolher o elemento de conexão que se


considera relevante com determinada ordem jurídica.

Para chegarmos a aplicação destas normas é preciso que tenhamos concluído


previamente que não há aplicação de nenhum regulamento europeu nem nenhuma
convenção internacional. Há aqui uma hierarquia de instrumentos aplicáveis.

Sempre que não se aplique o regulamento de Bruxelas, aplicam-se as normas de


direito interno, mas arrisca-se a conflituar com outras normas de outros ordenamentos
que estabelecem regras diferentes (vamos ver isto em DIPrivado).

Então quando é que existe conexão suficiente para os tribunais portugueses


conhecerem da questão? Quando não aplicamos o Regulamento de Bruxelas, para saber
se o Estado Português é internacionalmente competente, vamos ao artigo 62º do CPC,
que estabelece três princípios:

1. Princípios da coincidência: serão competentes os tribunais portugueses quando,


recorrendo às regras de competência interna territorial, verifico que apontam para
um tribunal português. Coincidência entre a competência internacional e
competência interna territorial. Artigos 70º e seguintes do CPC dão-nos as regras.
Para saber qual o tribunal competente internamente em função do território temos
de conjugar (1) as regras de organização judiciária com o (2) CPC para ver qual o
elemento que as leis de processo consideram relevante para esta determinação.

Nota: número 3 do artigo 80º do CPC. O artigo 80º é a regra geral para as ações em que
o réu é uma pessoa singular. Pode acontecer que o réu não tenha domicílio, então o

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 128


número 2 resolve. O número 3 prevê a hipótese de o réu ser domiciliado no estrangeiro
– logo, não se pode conjugar com o princípio da coincidência.

Em primeiro lugar, vê-se qual o tribunal territorialmente competente para conhecer o


litígio. Se chegar à conclusão de que é um tribunal nacional, então, pelo princípio da
coincidência, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes.

Imaginemos que estamos perante uma ação que versa sobre uma matéria que não está
abrangida pelo regulamento. Sendo assim, recorrem-se às regras dos artigos 70º e ss.
do CPC.

Se o réu é domiciliado em Portugal, pelo princípio da coincidência, isso é suficiente para


que os tribunais portugueses sejam, em bloco, internacionalmente competentes para
julgar aquele litígio. Isto porque a regra geral no âmbito da competência internacional é
a de que é competente o Tribunal do domicílio do réu.

Ou seja, o legislador estabelece que sempre que existam vários elementos de conexão
com várias ordens e um desses elementos for com o território português e se, de acordo
com o artigo 80º e seguintes, esse elemento for o relevante, é o tribunal português o
competente.

A lei considera que se o elemento relevante para efeitos de competência territorial se


situa no território português, isso é suficiente para que os tribunais Portugueses sejam
competentes.

Nunca se aplica a alínea a) sozinha, tem-se sempre de ir aos artigos 70º e seguintes. e
demonstrar que os tribunais portugueses são competentes — conjugar 62º, alínea a) do
CPC + artigos 70º e seguintes do CPC.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 129


2. Princípio da causalidade: os tribunais portugueses são internacionalmente
competentes se o facto que constituir a causa de pedir na ação (ou algum
elemento relevante) tiver ocorrido total ou parcialmente em Portugal.

Exemplo: Acidente de viação tinha ocorrido num sítio e o contrato de seguro tinha sido
celebrado noutro. Os tribunais disseram que bastava o seguro tivesse sido celebrado em
Portugal para isso trazer a competência para os tribunais portugueses apesar de o
acidente ter ocorrido fora.

Se o litígio se situar fora do âmbito da UE, está fora do âmbito de qualquer regulamento.

Este princípio vale mesmo quando o princípio da coincidência não funciona.

3. Princípio da necessidade: os tribunais portugueses são internacionalmente


competentes (1) quando não houver outra maneira de tornar efetivo o
direito que quero defender em juízo ou (2) quando for muito difícil para o
autor, desde que haja uma conexão muito relevante com a ordem jurídica
portuguesa.

Este princípio teve a sua origem num tempo em que a competência internacional não
era disciplinada por instrumentos internacionais — cada Estado tinha as suas regras de
competência internacional. Podia haver situações em que as regras dos vários Estados
envolvidos não permitissem descobrir o tribunal competente e o litígio ficava sem
possibilidade de ser resolvido.

Se, pelo “jogo” das regras de competência se chegar à conclusão de que o litígio fica sem
possibilidade de resolução, os tribunais portugueses são competentes desde que haja
um elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa suficientemente forte para
justificar que os tribunais portugueses julguem.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 130


Nota: não há nenhuma hierarquia entre estes princípios

Estas regras podem ser alteradas através de convenção das partes (artigo 94º do
CPC que exclui os casos de competência exclusiva).

Critérios de repartição da competência interna

Depois de decidir que os tribunais portugueses são internacionalmente


competentes para decidir a causa, temos de decidir qual o tribunal especificamente
competente para julgar a causa.

Os fatores determinantes da competência interna estão regulados no CPC (artigo


60º + artigos 64º e seguintes) e na Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).

Quais são os critérios de repartição da competência na ordem interna?


1. Matéria
2. Hierarquia
3. Valor da causa e forma de processo
4. Território

1. Critério da matéria

O que está em causa é o litígio de cada ação.

A razão de ser deste critério é a vantagem de especialização. Não se espera que alguém
que é juiz e tenha uma formação jurídica e esteja habilitado para decidir sobre todas as
matérias. Há, assim, uma melhor prossecução da justiça, por meio da especialização dos
tribunais.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 131


Artigos 59º e seguintes, 60º e 65º do CPC + artigo 40º da Lei de Organização do Sistema
Judiciário, com remissão para os artigos 80º e seguintes e 117º e seguintes da mesma
lei.

Existe uma especialização em função da matéria e daqui resulta uma ordem dos
tribunais, desde logo prevista do artigo 209º da CRP:
a) Tribunal Constitucional
b) Tribunais Administrativos e Fiscais
c) Tribunal de Contas
d) Tribunais Judiciais: competência subsidiária/residual face aos demais
tribunais de outras ordens. A sua competência delimita-se pela negativa.

Devido à competência residual dos Tribunais Judiciais, a primeira coisa que tem de se
fazer quando queremos saber qual é o tribunal competente em função da matéria é ir
ver se é da competência do Tribunal Constitucional; do Tribunal de Contas ou dos
Tribunais Administrativos e Fiscais. Se não for de nenhum, automaticamente esta
competência é dos tribunais judiciais.
Esta conclusão da competência residual dos tribunais judiciais resulta legalmente do
artigo 211º, nº1 da CRP que nos diz que os tribunais comuns são comuns em matéria
civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens
jurisdicionais.

Para saber, dentro dos tribunais judiciais, qual o tribunal competente, temos de ir à
LOSJ. Como a competência dos tribunais judiciais é uma competência residual, a LOSJ
dedica-se sobretudo à sua competência.

o Passo 1: O primeiro artigo onde temos de ir dentro da LOSJ é o artigo 40º, nº1 e
2 (que repete o que está na CRP, no artigo 211º, e no artigo 64º do CPC), ou seja,
os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas
a outra ordem jurisdicional.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 132


o O Artigo 40º, nº 2 diz-nos que os Tribunais Judiciais de 1ª Instância
podem-se distinguir entre: (1) Tribunais de Comarca (2) Tribunais de
Competência Territorial Alargada
o O artigo 83º da mesma lei diz-nos, por sua vez, quais são os Tribunais de
Competência Territorial Alargada: tribunal da propriedade industrial,
tribunal da concorrência, etc.

o Passo 2: Para saber qual o tribunal materialmente competente, temos de ver se


há Tribunais de Competência Territorial Alargada e, se estes não existirem para
aquela matéria, então a competência é de um Tribunal de Comarca normal.

o Passo 3: Dentro dos Tribunais de Comarca normais temos secções especializadas


em função das matérias. Pode haver dentro desses tribunais as secções descritas
no artigo 81º, nº 2 da LOSJ. Por exemplo, podem haver secções em matéria cível,
criminal, menores etc.

A secção cível presente no artigo 81º, nº2 é também residual relativamente às outras
todas. Por isso, se a competência couber a um Tribunal de Comarca Normal, temos de
ver se o litígio cabe na lista das secções especializadas. Se não couber, então, a
competência é da Secção Cível que é a secção residual em relação às outras todas.

Conclusão em relação ao critério da matéria

1. Temos de saber a que ordem de tribunais cabe a competência para julgar


determinada ação. Para isso, temos de consultar, na seguinte ordem, as leis aqui
enumeradas:
1.1 — Lei de organização e processo do Tribunal e Contas (lei 98/97 de 26 de Agosto);
1.2 — Lei de organização e funcionamento do Tribunal Constitucional (lei 28/32 de 15
de Nov;
1.3 — ETAF

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 133


Apenas se nenhuma dessas se acusar é que se conclui que é um Tribunal Judicial que é
competente.

2. Concluindo-se que é um tribunal judicial, temos de ver dentro destes se é uma matéria
que cabe (1) dentro da competência dos Tribunais de Competência Territorial Alargada
ou (2) nos Tribunais de Comarca. (40º, nº2 + 83º da Lei de Organização do Sistema
Judiciário) Se a resposta for este último ...

3. No Tribunal de Comarca, temos de ver se pertence a uma (1) Secção Especializada ou


a uma (2) Secção de Competência Genérica (secções cíveis). (81º, nº2 da lei de
Organização do Sistema Judiciário).

2. Critério da hierarquia

Artigos 67º a 69º do CPC e artigo 42º da LOSJ.

Os tribunais judiciais estão hierarquizados em três escalões:


1. Tribunais de 1ª Instância ou de Comarca
2. Tribunais da Relação (existem 5)
3. o Supremo Tribunal de Justiça

Existe uma hierarquia para permitir que uma decisão possa ser revista ou reapreciada
pela Relação e pelo Supremo. Claro que a possibilidade depende de uma série de
aspetos que já vimos (valor da ação, alçada do tribunal que se recorre).

A regra é que o tribunal competente para efeitos de recurso é o tribunal imediatamente


acima. Sabemos, também, por princípio, que uma ação instaurada pela primeira vez é
instaurada na 1ª instância. Não se pode instaurar a causa diretamente no STJ mesmo
que esta seja de um valor que permita recurso até lá.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 134


Porém, há situações em que se permite, excecionalmente, o recurso por salto. Uma
situação julgada na 1ª instância pode saltar logo para o STJ sem ter de passar pela
Relação. Há situações em que, em 1ª Instância, as causas podem ser imediatamente
intentadas num Tribunal superior.

Há casos excecionais em que se pode instaurar a ação num tribunal superior e em que
não se tem de começar pelos tribunais de comarca. Estas situações são duas:

a) Conflitos de competência e de jurisdição – artigo 109º e seguintes do CPC.


- Sempre que haja um conflito entre funções do Estado para apreciar a mesma
questão há um conflito de jurisdição. Ou quando haja conflito entre dois tribunais de
ordens hierárquicas diferentes. Estes conflitos resolvem-se pelo STJ ou pelo Tribunal dos
Conflitos (não existe fisicamente, mas é constituído ad hoc, presidido presidente do
STAdministrativo, e constituído por 3 juízes do STAdministrativo e 3 juízes do tribunal
do STJ).

- Estes conflitos são resolvidos pelo tribunal de menor categoria que exerça
jurisdição sobre as entidades em conflito. Se o conflito é entre o Tribunal da Relação e
da 1ª Instância, então tem de ser resolvido pelo presidente do tribunal de 1ª Instância.

b) Ações de indeminização contra magistrados judiciais por atos praticados no exercício


das suas funções

A regra, presente nos estatutos dos magistrados artigo 5º, é que os magistrados
não podem ser responsabilizados pelas ações que praticam no exercício das suas
funções. No entanto, o Estado pode ser responsabilizado, em circunstâncias excecionais.
Posteriormente, o Estado tem o direito de regresso contra esse magistrado, verificados
os requisitos. Logo, quando falamos nestas ações, falamos no direito de regresso (não
da indemnização em si).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 135


Não faz sentido que a ação seja julgada por um colega de profissão, da mesma
hierarquia. Então, a regra é que as ações devem ser propostas no tribunal
imediatamente acima do tribunal onde o magistrado exerce as suas funções – artigo
55º, alínea c) e artigo 73º, alínea b) da LOSJ.

3. Critério do valor da causa e forma do processo

Artigo 66º do CPC + artigos 41º, 117º e 130º da LOSJ

Todas as causas têm um determinado valor, os critérios dessa atribuição do valor estão
no CPC, nos artigos 296º e seguintes.

De acordo com o critério do valor, temos a distinção entre dois tipos de juízos cíveis:

a) Juízos Centrais Cíveis – têm competência para ações de valor superior a 50 mil
euros e que seguem a forma de processos declarativa comum.

b) Juízos Locais Cíveis - têm competência para julgar todas as outras ações:
declarativas comuns de valor igual ou inferior a 50 mil euros e as que seguem a
forma de processo especial.

Valor da causa é diferente da alçada do tribunal. A alçada do tribunal é o valor


até ao qual o tribunal julga, sem recurso ordinário. A alçada esclarece quando pode ou
não haver recurso das decisões tomadas pelo tribunal – quando é que as suas decisões
são ou não são definitivas. O facto de os recursos se julgarem pelas alçadas tem um
sentido material que é o de saber até quando e a partir de quando é que se justifica que
se possa recorrer à instância imediatamente acima. Resumindo, primeiramente, as
alçadas relevam para efeitos de recurso.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 136


Mas o critério do valor só interessa para os processos comuns – causas que
seguem forma de processo comum – porque se houver outros processos com outra
forma vão sempre para os tribunais locais.

Tal significa que a forma de processo é também um critério de delimitação de


competência.

4. Critério do território

Artigos 70º e seguintes do CPC + artigo 43º da LOSJ.

O território nacional está dividido em Comarcas. Em cada Comarca há um tribunal.

Para saber quais são as freguesias que a Comarca ocupa, tenho de ir aos anexos da LOSJ
– mas isto não basta! Para saber qual o tribunal competente, tenho de ver elemento
relevante da ação e comparar com o mapa da Comarca.

Como sei qual é o elemento relevante da ação? Artigos 70º e seguintes do CPC.

Temos regras especiais; quando a ação não caia em nenhum dos casos há uma
regra comum.

A regra comum, presente nos artigos 80º e 81º da CPC, é que o tribunal
competente é o do domicílio do réu ou da sede da pessoa coletiva. Motivo: proteção do
réu, proximidade. O autor escolhe os termos e momento da ação, pelo que o réu tem
um período curto para organizar a sua defesa, correndo sempre o risco de ver uma
decisão contra ele.

As regras especiais é onde temos de começar para ver qual o tribunal


competente.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 137


Nota sobre algumas regras especiais:

Artigo 70º, nº1 CPC – ações devem ser propostas no tribunal da localização dos
bens. Isto não significa que sempre que esteja em causa um direito sobre um imóvel se
aplique o artigo 70º. É aplicável quando objeto imediato da ação é um bem imóvel.
Contudo, vamos imaginar uma ação de anulação de um contrato de compra e venda de
um bem imóvel, a maioria da doutrina entende que quando o bem imóvel é apenas
objeto mediato da ação, não se justifica aplicar a regra do artigo 70º. Isto porque a razão
de ser de aplicar a regra especial reside numa razão de maior facilidade de prova.

Artigo 71º, nº1 do CPC – no cumprimento de obrigações contratuais


(responsabilidade civil contratual) é competente o tribunal do domicílio do réu, mas o
autor pode escolher o tribunal do lugar onde a obrigação devia ser cumprida, quando o
réu seja uma pessoa coletiva.
Artigo 71º, nº2 CPC - responsabilidade civil extracontratual, o tribunal
competente é o do local do acidente.

Artigo 82º, nº1 do CPC - aplica-se aos casos de pluralidade de réus sendo
aplicável a regra geral — é competente o tribunal do local onde são domiciliados a
maioria dos réus ou, se for igual o número nos diferentes domicílios, cabe ao autor
escolher entre qualquer um deles.

Artigo 82º, nº2 e 3 do CPC - aplicam-se nos casos em que há pluralidade de


pedidos. Para melhor compreender este ponto temos de fazer um à parte: nos casos de
coligação, por exemplo, há pluralidade de pedidos. Para efeitos de saber se a coligação
é admissível, um dos requisitos de admissibilidade tem a ver com a competência
absoluta do tribunal — tem o Tribunal de ser competente em razão da hierarquia e da
matéria, mas não tem de ser competente em razão do território. Quando se tem vários
pedidos numa mesma ação, a apreciação simultânea é possível, mas quando se chega a
saber qual o tribunal territorialmente competente pode acontecer que, distinguindo os
pedidos, estes apontem para tribunais diferentes — não é, por isso, exigido, como

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 138


requisito de admissibilidade da coligsção, que seja competente o mesmo tribunal em
função do território. Tal é o que dizem os artigos 82º, nº 2 e 3.

Artigo 80º, nº2 do CPC - Diz que o autor escolhe o Tribunal onde propõe a ação
se cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos
tribunais, a não ser que, para algum desses pedidos, haja regras de competência
territorial imperativas pois, nesse caso, estas últimas prevalecem. Exemplo: Se para um
caso era competente o tribunal do facto ilícito, artigo 71º, nº2 (regra imperativa) e, para
outro caso, era competente o tribunal do domicílio do réu, prevalece a regra imperativa.

Artigo 80º, nº3 do CPC - Diz que, sem prejuízo das regras imperativas, pode
acontecer que o autor tenha feito, nos vários pedidos, uma distinção entre os pedidos
principais e pedidos subsidiários (no caso de os principais não procederem). Aí o que
acontece é que a ação deve ser proposta no tribunal competente para a apreciação do
pedido principal.
Nota: Pactos de competência

Pactos de competência são diferentes dos pactos de jurisdição. Os pactos de


competência são um acordo entre as partes que fixa a competência do tribunal. São
válidos ou não? Estão regulados no artigo 95º do CPC.

Do nº1 resulta que as únicas regras de competência interna que podem ser
alteradas pelo pacto de competência são as de natureza territorial. Mesmo dentro das
regras de competência territorial ainda há umas que são imperativas – as que estão no
artigo 104º do CPC.

Extensão da competência

Artigos 91º a 93º do CPC: há casos em que há várias questões que se apresentam
a um tribunal que é competente para uma e não para outras, então o legislador estende
a competência do tribunal.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 139


o Artigo 91º: questões suscitadas na pendência ação como meio de defesa

Se o réu, numa ação de cumprimento do contrato, vem alegar invalidade do contrato, o


tribunal competente para conhecer da anulação terá competência para conhecer dos
meios de defesa – assim é para não criar obstáculos ao exercício de contraditório do
réu.

o Artigo 92º: questões prejudiciais

Aquelas das quais depende o conhecimento pelo autor da causa principal (exemplo:
pedido de indemnização com fundamento em crime). Há aqui questão prejudicial à
condenação do réu no pagamento da indemnização.

Tem de avaliar se houve ou não crime. A apreciação da prática do crime pertenceria a


um tribunal criminal, mas o artigo 92º do CPC prevê que, se o conhecimento depender
de questão da competência tribunal criminal ou administrativo, o juiz pode suspender a
ação até que o tribunal competente se pronuncie.

Contudo, a suspensão fica sem efeito se a ação não for exercida por um mês ou se parar
por negligência das partes. Nesse caso, o juiz decidirá a ação.

O juiz da causa principal tem competência para conhecer questão principal, ainda que
não fosse da competência. A sua decisão não tem efeito fora daquela ação – não serve
como caso julgado para condenar réu a cumprir uma pena.

o Artigo 93º: questões reconvencionais

Uma reconvenção é um pedido formulado pelo réu contra o autor (espécie de contra-
ataque do réu contra o autor). O réu passa a ser autor e vice-versa.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 140


Exemplo: ação de despejo o réu, na contestação, diz que pretende contra o autor que
ele seja condenado ao pagamento de benfeitorias. Têm de existir uma série de
requisitos (conexão entre os pedidos, nomeadamente).

Em que medida é que o tribunal competente para o pedido do autor é competente para
conhecer pedido do réu?

O pedido reconvencional só pode ser formulado se o tribunal para o pedido do autor for
absolutamente competente para o pedido do réu.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 141


A competência dos tribunais:

a. Internacional
i. Regulamentos e Convenções (regulamento de Bruxelas)
ii. Regras de direito interno (artigos 62º e 63º do CPC)
iii. Pactos de jurisdição

b. Interna
Matéria: temos dois níveis de competência em razão da matéria.

1. Ordens de tribunais especiais: Administrativos e Fiscais; de Contas;


Constitucional; Tribunais Judiciais (competência residual)
2. Dentro dos Tribunais Judiciais temos uma distinção em função da
matéria:
a. Tribunais de competência territorial alargada (artigos 111º e
seguintes da LOSJ)
b. Comarca
i. Juízos cíveis
1. Juízo Central Cível
2. Juízo Local Cível
ii. Juízos de competência especializada (artigos 117º e
seguintes da LOSJ)

Hierarquia
1. STJ
2. Relação
3. 1ª Instância

Valor e forma de processo


a. Juízos centrais/cíveis – processo comum + valor superior a 50 mil
euros (artigo 117º)
b. Juízos locais – processos especiais e ações de valor e igual ou inferior
a 50 mil euros (artigo 130º)

Território – conjugar os artigos 70º e seguintes do CPC com os anexos da LOSJ

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 142


Se eu concluir que é um tribunal português o competente:

1. Tribunal Constitucional
2. Tribunal de Contas
3. Tribunais Administrativos e Fiscais
4. Tribunais Judiciais
a. Supremo Tribunal de Justiça
b. Tribunais da Relação (são 5, hoje em dia)
c. Tribunais de 1ª Instância
i. Tribunais de competência territorial alargada (por exemplo:
propriedade intelectual, concorrência...)
ii. Tribunais de Comarca
1. Juízos Cíveis
a. Juízo Central Cível
b. Juízo Local Cível
2. Juízos de Competência Especializada

Regime da incompetência

Quais as consequências da propositura de uma ação no tribunal incompetente?


Temos de distinguir:

a) Incompetência absoluta – artigos 96º e seguintes do CPC. Violação de regras de


competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia. Também a
preterição de tribunal arbitral. Também se deduz do artigo 97º que a violação
do pacto privativo de jurisdição também gera incompetência absoluta.

b) Incompetência relativa – artigo 102º do CPC. São os restantes casos: valor da


causa e forma de processo e território.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 143


Legitimidade para arguir a incompetência

1. Incompetência absoluta: resulta do 97º, nº1 que a regra é que pode ser arguida
pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal.

Pode o juiz conhecer oficiosamente, exceto em dois casos: violação de um pacto


privativo de jurisdição ou a preterição de um tribunal arbitral pois têm de ser arguidos
pelo réu.

Motivo: ambas implicam a violação de um acordo e não de uma norma legal. Se o autor
violou essa convenção e o réu não vem arguir, então, tacitamente acaba por existir uma
revogação do acordo entre as partes pelo que deve considerar-se uma manifestação da
autonomia privada e liberdade contratual em que o tribunal não deve intervir.

2. Incompetência relativa: artigo 103º do CPC. O réu pode sempre arguir a


incompetência na contestação. O juiz não pode conhecer oficiosamente de um
caso de incompetência relativa.

Exceções:
a) A incompetência em razão do valor deve ser de conhecimento oficioso, artigo
104º, nº2
b) Há certos casos de conhecimento territorial (a única que sobra) que são de
conhecimento oficioso – lista do artigo 104º.

Ou seja: só há conhecimento oficioso nos casos de incompetência em razão do valor e


nos casos territoriais do artigo 104º do CPC.

Momento até ao qual pode ser suscitada a incompetência

1. Incompetência absoluta: artigo 97º, nº1 do CPC. É de tal maneira grave que, até
ao trânsito em julgado da decisão, a incompetência absoluta pode ser suscitada.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 144


Exceção: artigo 97º, nº2 do CPC – até ao despacho saneador – violação de regras de
competência em razão da matéria que ocorra dentro dos tribunais judiciais.

2. Incompetência relativa: artigo 103º, nº1 do CPC. Uma vez que a regra é a de só
poder ser arguida pelo réu, é ate à contestação.

Nos casos que pode ser conhecida oficiosamente, pode ser até ao despacho saneador
(artigo 103º, nº3 do CPC), ou se não houver lugar a ele, até ao momento do 1º despacho
que o juiz profira depois dos articulados.

Quando é que o juiz conhece da competência?

A regra geral é no momento do despacho saneador. O saneamento é a fase própria para


o juiz limpar o processo de toda as exceções e de todos os obstáculos que existam

1. Incompetência absoluta: artigo 98º do CPC. Como falamos em incompetência


absoluta, uma vez que esta pode ser conhecida até ao transito em julgado, o juiz
também pode, na sentença, conhecer desta exceção dilatória (artigo 608º, nº1
do CPC).

2. Incompetência relativa: artigo 104º, nº3 do CPC. Uma vez que tem de ser
suscitada pelo réu até à contestação, esta só pode ser conhecida até ao
despacho saneador ou, não havendo, até ao 1º despacho que o juiz profira.

Efeitos da incompetência

1. Incompetência absoluta: artigo 99º do CPC. Absolvição do réu da instância

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 145


2. Incompetência relativa: artigo 105º, nº3 do CPC. O tribunal remete o processo
para o tribunal competente.

Valor da decisão da incompetência

1. Incompetência absoluta: artigo 100º do CPC. Não tem valor fora dos processos
em que o tribunal a julga (força de caso julgado formal). Se o tribunal se
considera materialmente incompetente, o autor quiser insistir na ação e propor
uma ação a seguir, pode apanhar outro juiz que não está vinculado da decisão
anterior.

2. Incompetência relativa: artigo 105º, nº2 do CPC. A decisão resolve


definitivamente a questão de incompetência, tem força de caso julgado
material. Isto compreende-se porque a consequência da incompetência relativa
é a remessa do processo – vincula qualquer tribunal fora do processo.

Possibilidade de recurso de decisão de incompetência

1. Incompetência absoluta: artigo 629º, nº2 alínea a) do CPC. É sempre admissível


recurso das decisões de incompetência até ao supremo do tribunal de justiça,
independentemente do valor da causa.

2. Incompetência relativa: artigo 105º, nº4 do CPC. Não é recorrível, apenas pode
ser impugnada por reclamação para o Presidente do Tribunal superior ao que
decidiu da incompetência.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 146


O que acontece quando a incompetência é internacional e deve ser resolvida à luz do
Regulamento de Bruxelas?

Artigos 26º e seguintes do regulamento. O regulamento não diz qual é a


consequência, apenas diz se o tribunal pode ou não conhecer, se se sana ou não...

Incompetência em razão da forma de processo

Nem o CPC nem a Lei da Organização do Sistema Judiciário autonomizam a


repartição da competência em função da forma de processo.

A LOSJ usou o critério da forma de processo para distinguir a competência dos


juízes locais cíveis dos juízes centrais cíveis – artigos 117º e 130º da LOJ.

Resolução alternativa de litígios

c) Os julgados de paz

Lei de 2001 que foi alterada e republicada através da Lei 54/2013, de 31 de julho.

LOSJ refere os julgados de paz no artigo 151º.

São tribunais de proximidade num duplo sentido:


- área de jurisdição mais pequena que a Comarca;
- num sentido material: as causas cíveis que podem aqui ser julgados são
escolhidas pelo legislador (já que é mais possível que as partes cheguem a acordo)

São tribunais estaduais e os juízes dos julgados de paz (assim como os


mediadores) são escolhidos por concurso. Contudo, nem são juízes da ordem dos

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 147


tribunais judicias, nem os julgados de paz se integram nas competências dos tribunais
judiciais.

Quando o litígio está abrangido pela competência do julgado de paz e na área


onde se verificou o litígio há julgado de paz, o autor está obrigado a propor a ação no
julgado de paz?

A jurisprudência, num acórdão de uniformização, disse que o autor tem a


faculdade de escolher recorrer a um julgado de paz ou um tribunal cível competente –
a competência é alternativa.

São tribunais com duas faces:


- Os tribunais têm um serviço de mediação que serve para que intervenham os
mediadores. Estes não decidem, mas tentam levar as partes para chegar a acordo. Não
se confunde com a conciliação da promovida pelo juiz, os papéis são diferentes.

- Se as partes não conseguiram chegar a acordo, a causa vai ser conduzida e julgada por
um juiz.

O que podem os julgados de paz julgar?


- Competência em razão da matéria – artigo 9º da lei republicada
- Competência em razão do valor – artigo 8º - limite máximo de 15 mil euros
- Competência em função do território – artigo 10º e seguintes.
- Incompetência - artigo 7º - remessa para o tribunal competente.

Artigos 16º e seguintes – serviços de mediação

Artigos 41º e seguintes – regras relativas ao processo

Artigo 62º - recurso para o tribunal da comarca, a partir de certo valor.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 148


Com a reforma de 2013 os julgados de paz têm competência para decretar
medidas cautelares – artigo 41ºA.

d) Arbitragem voluntária e necessária

Lei avulsa da arbitragem voluntária – 63/2011 de 14 de dezembro

A arbitragem necessária está em lei avulsa ou nos últimos artigos do CPC.

Tribunais arbitrais voluntários – criados por convenção das partes, retira-se


competência aos tribunais estaduais para julgar um determinado litígio.

Tribunais arbitrais necessários – artigos 1082º e seguintes. A lei obriga as partes a


recorrerem a um tribunal arbitral. A lei define como é que se compõe o tribunal.

Tribunais arbitrais não permanentes – constitui-se por vontade das partes


Tribunais arbitrais permanentes – os que são criados por lei

A noção de tribunais arbitrais é-nos dada pela negativa: os tribunais arbitrais não
se integram em nenhuma ordem de tribunais estaduais, não são compostos por juízes
de carreira.

Tribunais arbitrais voluntários

Lei 63/2011, de 14 de dezembro

Como se criam? Através de convenção de arbitragem que pode ser:


- Compromisso arbitral – respeita a litígio que já existe
- Cláusula compromissória – prevê a hipótese de vir a surgir o litígio

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 149


Qual o objeto possível? Direitos de natureza patrimonial que possam ser objeto de
transação.

Requisitos: artigo 2º

A Convenção de Arbitragem tem os requisitos gerais do Negócio Jurídico, mas no


artigo 2º, a lei exige vários requisitos quanto à forma da convenção de arbitragem. Esta
tem de ser escrita, embora se considere por “escrito” várias maneiras elencadas no
artigo 2º. O artigo 2º, nº6 exige ainda a identificação do litígio e da fonte.

Regras de processo: artigos 30º e seguintes.

Há certos princípios que têm de ser respeitados sob pena de invalidade da


decisão arbitral. Princípio da igualdade das partes, princípio do contraditório. É um
tribunal competente porque as partes quiseram, julgam segundo aquilo que as partes
quiseram, mas há limites.

Critério de decisão dos tribunais arbitrais

A razão que leva, muitas vezes, as partes a aderirem a arbitragem é a de


conseguirem escolher os árbitros, em que têm confiança, mas que são imparciais e
independentes relativamente à parte que os nomeou.

O Tribunal Arbitral julga segundo o direito constituído ou a equidade?

Deve-se fazer uma remissão do artigo 39º do CPC para o artigo 4º do CC.

A referência que o artigo 4º do CC faz à clausula compromissória (“... quando as


partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 150


à cláusula compromissória”) detém a regra de que, por princípio, os árbitros julgam de
acordo com a lei escrita, a não ser que as partes confiram aos árbitros o poder de julgar
segundo a equidade (justiça do caso concreto).

É importante relembrar que os árbitros não são representantes das partes. Estes
devem ser independentes, mas tal não significa que as partes não possam escolher
árbitros de confiança do ponto de vista técnico.

Confidencialidade – não estão obrigados à regra de publicidade que decorrem


dos tribunais arbitrais.

Competências dos tribunais arbitrais

Artigos 20º e seguintes da Lei

As questões que se colocam é se estes têm competência relativa ou também


executiva; se têm competência de primeira instância ou não; ou se podem, por exemplo,
decretar providências cautelares.

O regime atual determina que os tribunais arbitrais só têm competência


declarativa.

Já se tentou que tivessem competência executiva, mas tudo o que é executivo,


implica um poder de exercício de coação (ius imperi) que se considera que não está na
lógica dos tribunais arbitrais voluntários que julgam por vontade das partes.

Têm competência declarativa em primeira instância, ou seja, se puder haver


recurso, este é instaurado nos Tribunais Estaduais e a execução dos acórdãos arbitrais é
feita por aqueles.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 151


O regime do artigo 46º prevê que, por princípio, não há recurso das decisões
arbitrais. Contudo, este pode existir, caso as partes o tenham expressamente
convencionado.

Se uma das partes entender que há violação de algum dos princípios básicos
impostos pela Jurisdição Arbitral, o artigo 46º determina que se possa pedir a anulação
da decisão arbitral que é pedida diretamente no Tribunal da Relação, Tribunal este que
não aprecia o fundo da questão apenas vê se os princípios estão observados ou não.

Se chegar à conclusão de que algum destes não se encontra observado, anula a


decisão que volta para o Tribunal Arbitral para que este volte a julgar.

Efeitos da convenção de arbitragem

Artigo 277º do CPC

Nos termos do artigo 277º do CPC, podem considerar-se duas situações


diferentes: pode ter sido celebrada uma Convenção de Arbitragem e, ainda assim, pode
acontecer que uma das partes tenha instaurado a ação num Tribunal Estadual.

Quando isto acontece, se a Convenção for válida, o Tribunal Estadual não é


competente e, de acordo com o CPC de 2013, este tipo de incompetência é uma das
causas de incompetência absoluta. Porém, esta incompetência absoluta,
excecionalmente, não é de conhecimento oficioso, ou seja, tem de ser suscitada pelo
réu.

Ratio: Sendo que a causa da incompetência é o acordo entre as partes, se uma


delas propõe a ação num Tribunal Estadual, a possibilidade de o Tribunal se julgar
incompetente depende de a outra parte vir, ou não, invocar a existência da Convenção
de Arbitragem. Isto porque, se o réu nada disser, tudo se passa como se aquela
Convenção tivesse sido revogada.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 152


É uma causa de incompetência absoluta que não é de conhecimento oficioso
porque a causa da incompetência é um acordo de vontades.

Nota: Se as partes, na pendência de uma causa, celebrarem uma Convenção de


compromisso arbitral, esta é uma das causas de extinção da instância nos termos do
artigo 277º do CPC. Se a Convenção de Compromisso Arbitral for válida, extingue-se a
instância e a ação é proposta no Tribunal Arbitral.

A natureza da justiça arbitral quando estão em causa tribunais voluntários é


contratual (convenção). Contudo, quanto aos efeitos, a decisão dada pelos árbitros
constitui caso julgado e é obrigatória nos mesmos termos em que haveria uma sentença
proferida num tribunal judicial.

As sentenças arbitrais não precisam de ser homologadas pelos tribunais normais,


como acontece nos demais tribunais. A sentença do tribunal arbitral é também um título
executivo, tem a mesma exequibilidade, a mesma força obrigatória.

e) Mediação

Lei 29/2013, regras gerais

Mediadores são facilitadores, ou seja, são pessoas que tentam a fazer com que
duas partes em litígio, por elas próprias, cheguem a um acordo. Não promovem a
conciliação e, muito menos, decidem. Apenas tendam criar as condições para que as
partes cheguem a acordo.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 153


Vinculação das partes

As partes obrigam-se a recorrer a um sistema de mediação, nos termos do artigo


12º, através de uma Convenção de Mediação.

Esta significa que as partes estão predispostas a tentar chegar a acordo e, se esta
for celebrada na decorrência de uma ação, a ação suspende-se (não há absolvição da
instância) e espera-se até saber se as partes chegaram, ou não, a acordo. Se não
chegarem a acordo dentro do prazo fixado, a ação continua.

Notas:
‣ Ainda, no CPC, nos termos do 273º (remissão para a lei de 29/2013), faz-se uma
referência à mediação.

‣ Nos termos do artigo 9º, em certas circunstâncias, as partes podem obter uma
conciliação num sistema público e, nesse caso, pode ele próprio ter força executiva.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 154


IV - A prova:

No artigo 341º do CC, encontra-se a explicação de que a prova se destina a


demonstrar a realidade dos factos.

Temos de daqui retirar dois pontos fundamentais:


1. A prova versa sobre factos — não se prova o direito nem conclusões ou
deduções.

2. Remissão para o artigo 348º do CC que prevê a hipótese de ter de se provar


direito. Quando alguém invoca, por exemplo, a existência de direito estrangeiro ou de
direito consuetudinário, a parte que quer que o tribunal utilize essas regras tem o ónus
de provar que o direito existe e qual o seu conteúdo. Pode ser necessário discutir no
processo qual o conteúdo de textos legais e da jurisprudência. O tribunal tem
oficiosamente o dever de se informar para além daquilo que é provado pelas partes.

Nota: Para o direito português, a existência de direito estrangeiro, é como se fosse uma
questão de facto.

Demonstração da realidade de factos

As provas podem ter dupla função, pois estas não servem apenas para ser
utilizadas em Tribunal. Pode-se ter de fazer prova da constituição desse direito extra-
judicialmente.

Quando a discussão atua em processo (em juízo), fazer prova significa convencer
o tribunal. Contudo, existem diferentes graus.

Para dar um facto como comprovado, o grau que é preciso para uma Providência
Cautelar é um grau de convicção menor do que aquele que é exigido para uma ação

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 155


definitiva (artigo 607º do CPC). Fazer prova significa criar no tribunal a convicção de que
o facto existiu.

O direito que regula as provas é o Direito Probatório e, dentro deste, a doutrina


distingue entre o direito probatório formal e o direito probatório material.

1. Direito probatório, material e formal: generalidades

Direito probatório formal

No seu âmbito cabe a regulamentação do modo de recolha e de produção da


prova que vem a juízo. Exemplos: como é que se ouvem testemunhas; como se indicam
as provas; qual o prazo para juntar o rol das testemunhas; etc.
Esta é a parte processual das provas que ficou para o Código de Processo Civil.

Direito probatório material

Pertencem ao direito probatório material (parte substantiva regulada pelo


Código Civil a partir do artigo 341º):
- As regras sobre ónus da prova (quando alguém pede ao tribunal que adote uma
determinada medida alegando certos factos, o Juiz tem de verificar se estes factos
aconteceram);
- As regras sobre admissibilidade de meios de prova;
- As regras sobre o valor dos meios de prova

2. Prova e instrução; a produção antecipada de prova

Esta matéria está regulada a propósito da Instrução pois, do ponto de vista do


processo, esta é a fase em que há a recolha da produção de prova.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 156


Nem toda a prova que se usa em processo é cronologicamente produzida na fase
da Instrução como, por exemplo, a prova documental que é uma prova pré-constituída
(tem a sua existência independentemente de qualquer processo). Estas provas não se
provam no processo.

Exemplos de provas pré constituídas:


- Provas periciais
- Provas testemunhais
- Provas documentais

O momento típico, numa ação declarativa, para a produção de prova é a


Instrução. Porém, existem as seguintes exceções determinadas pelo legislador:

- Prova posterior à instrução: tal como consta do artigo 607º, nº1 do CPC — se,
encerrada a instrução, o juiz for a julgar a matéria de facto e chegar a conclusão de que
precisa de mais provas volta atrás à Audiência e produzem-se novas provas.

- Prova anterior à instrução: artigos 419º e 420º do CPC. Exemplo: A quer propor
uma ação contra B por ter o receio de que este lhe venha a propor, por sua vez, uma
ação e, por isso, querer chamar determinada pessoa como testemunha ou recolher
determinado vestígio para efeitos de indemnização. Nesses casos, A poderia pedir,
antecipadamente, a produção destas provas, alegando que aquela testemunha iria para
fora do país (podendo ser por isso difícil futuramente obter o seu depoimento naquela
ação) ou pode pedir a realização da perícia do vestígio (sob pena de este poder
desaparecer e de a prova ser perdida).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 157


3. Princípios de Direito Probatório:

- Princípio dispositivo e inquisitório;

O que está em causa quando contrapomos os princípios dispositivo e inquisitório


é a maneira como se distribuem o poder entre o juiz e as partes, ou seja, está em casusa
saber quem manda no processo.

Sabemos que quem comanda o processo é o juiz, contudo, ainda assim, temos
de ver como é que tal se passa na matéria de prova.
Em matéria de prova, o princípio dominante é o princípio do inquisitório, por
força da importância da busca pela verdade material.

Manifestações do princípio do inquisitório

1. Iniciativa probatória (quem determina quais os meios de prova utilizados no


processo?)

O artigo 411º do CPC diz-nos que o juiz tem iniciativa probatória, ou seja, o juiz
não está limitado pelas provas oferecidas pelas partes, podendo determinar
oficiosamente a produção de determinados meios de prova.

No entanto, temos de ter atenção à parte final do mesmo artigo. O juiz pode
ordenar a produção de prova “quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, assim
sendo, o juiz está sempre limitado aos factos alegados pelas partes.

2. Regime da produção de prova (quem é que demanda a produção de prova?)

Cabe, também, ao juiz e decorre do seu dever de gestão processual expresso no


artigo 6º do CPC.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 158


3. Princípio geral de valoração dos meios de prova

Há dois sistemas possíveis de valoração dos meios de prova apresentados em


juízo:
a) Prova legal ou tabelada: a lei, quando adota este sistema, atribui uma força
probatória determinada
b) Sistema de livre apreciação: o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a
convicção que aquela prova produza no seu espírito. Tudo reside na condição subjetiva
do julgador de saber se aquela prova determina ou conduz à conclusão da verdade
daquele facto. Tendo em conta que o juiz não assiste à realidade dos factos, não pode
nunca ter a certeza absoluta. Por isso, toda a convicção através de meios de prova, que
são meios indiretos de constatar um determinado facto que ocorreu, são sempre
convicções subjectivas e humanas que podem gerar uma dúvida (mas esta não pode ser
relevante em termos jurídicos). Esta convicção subjetiva não significa que seja arbitrária
ou aleatória, por isso, o dever de fundamentação relativamente à apreciação dos meios
de prova é fundamental.

O modelo de sistema adotado pelo nosso legislador é o modelo da prova livre


que assenta da convicção do julgador — 607º, nº5 do CPC. Há, no entanto, exceções: as
situações em que o legislador atribui uma força probatória especial a certos meios de
prova.

O sistema de prova tabelada é um sistema próprio de uma ordem jurídica


tendencialmente dispositiva porque, ao existir, as partes já sabem com o que podem
contar. O poder do juiz fica muito reduzido dado que este apenas tem de atribuir a cada
meio de prova uma determinada força probatória. Assim, sendo o nosso sistema-regra
o de livre apreciação de prova, considera-se que este é uma manifestação do princípio
do inquisitório nesta matéria.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 159


4. Ónus da prova

O ónus da prova são as regras que servem para determinar contra quem o juiz
deve julgar em caso de dúvida sobre a verificação de um determinado facto. Estas regras
têm um significado distinto consoante estejamos num sistema do tipo dispositivo ou do
tipo inquisitório. Como já vimos, o nosso sistema, assumidamente, em matéria de prova,
é do tipo inquisitório.
Este facto influência as regras do ónus da prova na medida em que o facto de o
juiz ter iniciativa probatória alivia as partes de um sistema de ónus da prova que poderia
ser muito pesado. Num sistema jurídico em que o juiz não tenha qualquer possibilidade
de iniciativa probatória, se cada uma das partes não provar os factos que lhes
competem, necessariamente terá a ação julgada contra si.

Quando o juiz auxilia as partes na produção da prova, ainda que cada parte não
prove os factos cujo ónus da prova lhe competia, isso não significa necessariamente,
que a ação seja julgada contra ela.

Por isso se diz que, no nosso sistema de prova em que o juiz tem a iniciativa, não
há bem um sistema de ónus da prova — isto porque não é bem rigoroso dizer que cada
parte tem o ónus de provar determinado facto sob pena de a decisão ser contra si. O
papel ativo do juiz interfere dentro deste equilíbrio por poder oficiosamente determinar
a prova desses factos cujo ónus competia a uma determinada parte. Por isso, se o juiz é
um agente auxiliar da produção de prova. Só no fim da acao se poderá saber se aquele
facto fiocu provado ou não, mesmo que a parte que o ónus de prova não o tenha
provado.

Dizemos, no entanto, que existe uma espécie de um risco processual: se a parte


não prova um facto que lhe incumbia provar, arrisca-se a que a ação seja julgada contra
si, mas tal não é garantido porque o juiz pode determinar certos meios de prova que
intervenham neste equilíbrio.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 160


5. Convenções probatórias

O artigo 345º do CC. trata das regras aplicáveis à admissibilidade, ou não, das
convenções relativas à prova. Como regra, nos termos deste artigo, estas convenções
são nulas, salvo se observarem determinados requisitos.
A regra da nulidade das convenções é uma manifestação do princípio do
inquisitório pois, se vigorasse aqui o princípio do dispositivo, à autonomia das partes
poderia caber a alteração dessas regras relativas à prova.

- Princípio do dever de colaboração na averiguação da verdade

Tal resulta do artigo 417º do CPC.

Todos os agentes, quer as partes, quer terceiros que participem no processo


(testemunhas, peritos, etc.) têm o dever de colaborar na descoberta da verdade,
prestando as informações, os depoimentos e testemunhos determinantes para esse
efeito.

Sendo um dever, há sanções para o seu desrespeito que estão estabelecidas no


artigo 417º do CPC. Deste artigo resultam sanções como:
‣ multas a que estão sujeitos os terceiros que recusem a colaborar na descoberta
da verdade.
‣ perante a recusa de colaboração de uma das partes, pode o juiz apreciar
livremente essa atitude para efeitos probatórios e pode, inclusivamente, determinar a
inversão do ónus da prova.

- Princípio da audiência contraditória das provas;

Está consagrado no artigo 415º do CPC e é uma manifestação do princípio geral


do processo civil que é o princípio do contraditório. Em matéria de prova não se podia

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 161


de deixar de respeitar o contraditório que aqui é diferente pela fase da produção da
prova.

Há dois tipos de provas:


a) Provas pré-constituídas — quando são apresentadas ao processo, estão
completas (ex. prova documental). O exercício do direito ao contraditório manifesta-se
na possibilidade dada à contraparte de impugnar a admissibilidade do meio de prova ou
a sua força probatória.

b) Provas constituendas — são as provas que se constituem/produzem no


processo (ex. prova testemunhal). O exercício do direito ao contraditório pela
contraparte manifesta-se de forma diferente uma vez que a parte contrária deve poder
participar ativamente em todo o processo de preparação e produção de prova. Daí a
possibilidade de a outra parte exercer o contraditório através de um
contrainterrogatório.

Conclusão: o exercício do contraditório é diferente consoante esteja em causa


uma Prova pré-constituída ou uma prova-constituenda.

Exceção: ações em que há a possibilidade de excecionar o exercício do


contraditório como nos Procedimentos Cautelares — o requerido não é ouvido e, por
isso, também não intervém no momento da produção da prova. Apesar de garantir a
eficácia das Providências Cautelares, este deferimento prejudica o requerido pois não é
a mesma coisa pronunciar-se durante a produção da prova ou depois quando o juiz já
formou uma convicção. Quando o requerido não é ouvido, o requerente pode
livremente produzir prova sem qualquer contrainterrogatório.

- Princípio da livre apreciação da prova;

O julgador julga de acordo com a sua livre convicção em relação a cada prova,
regra geral. Estamos, aqui, a falar de uma convicção subjetiva.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 162


Há, no entanto, exceções: as situações em que o legislador atribui uma força
probatória especial a certos meios de prova.

- Princípio da imediação e da oralidade;

Deve existir um contacto direto entre julgador e as provas pessoais produzidas


no processo, nomeadamente a prova testemunhal. Há sistemas em que a produção da
prova testemunhal é apresentada por escrito. A regra é a do contacto direto — o
julgador ouve as testemunhas em juízo.

Este princípio não resulta diretamente de nenhum preceito, mas acaba por
resultar das regras da sequência da prova produzida em audiência — destas regras
resulta que a prova é produzida ou diretamente em audiência ou perante o juiz.

Nota: Este princípio nada tem a ver com a questão do registo escrito ou gravado
da prova (garantia acrescida ao princípio da imediação e da oralidade).

- Princípio da aquisição processual;

O juiz deve tomar em consideração todos os meios de prova que são trazidos ao
processo, independentemente de terem sido trazidos pelas partes a quem os
aproveitam.
Ocorre essencialmente através da prova testemunhal pois, muitas vezes, as
testemunhas, fortuitamente, podem dizer alguma coisa que aproveita à parte contrária.

O nosso legislador determina que todas as provas atendíveis são válidas no


processo independentemente da parte de que tenha resultado.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 163


- Princípio do valor extra processual das provas.

Este princípio permite que se possa utilizar um meio de prova produzido noutra
ação, numa ação posterior, verificados certos requisitos. São uma espécie de provas
constituendas num determinado processo (dado que, em relação às provas constituídas,
não há problema nenhum).
Exemplo: Pode consistir em aproveitar uma determinada confissão feita noutro
processo (não dispensa o exercício de certas garantias como a do exercício do
contraditório).

Tal não significa que o juiz da segunda ação tenha de considerar também como
provados os mesmos factos que o juiz da primeira ação considerou em função daquelas
provas. O princípio da livre apreciação das provas mantém-se: o juiz da segunda ação
pode considerar que aquele testemunho não é suficiente para considerar o facto
provado. O valor extra processual das provas não significa valor processual da convicção
do juiz da primeira ação.

4. Direito Probatório Material geral:

a) O ónus da prova

Muitas vezes há factos necessários para a resolução dos conflitos que ficam por
provar, ou seja, a prova não é concludente e o Tribunal não sabe se os factos ocorreram
— não ficam não provadas, mas não se alcança nenhuma certeza.

Em Processo Civil, o juiz não pode deixar de julgar alegando que dúvida sobre a
matéria de facto tal como consta do artigo 8º do CC. A dúvida não é justificação para
não julgar. Se a lei impede o Juiz de se recusar a julgar o mérito, por não saber se o facto
que é importante ocorreu ou não, a lei tem de dar ao juiz um critério de decisão para
ultrapassar as situações de dúvida irremovível.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 164


São regras que ajudam o juiz a decidir quando, no final do processo haja factos
que ficaram por provar ou factos que o juiz tenha ficado em dúvida. Assim, estas regras
determinam contra quem o juiz deve decidir em caso de dúvida.

A lei portuguesa tem um sistema fixo de repartição do ónus da prova e, muitas


vezes, os critérios gerais de repartição do ónus podem ser de difícil aplicação nos casos
concretos.

Antes de julgar, há uma fase destinada à produção de prova para que o tribunal
saiba se os factos ocorreram ou não. Quando o juiz se depara com uma situação de
dúvida irremovível/insanável, surge a questão de saber como deve proceder.

Se depois da produção de prova persiste a dúvida, tendo em conta que a lei


impede o juiz de se abster de julgar de mérito nestes casos, tem de lhe dar um critério
para que este possa ultrapassar essa situação. Essa é a função das regras sobre o ónus
da prova que repartem o encargo da prova entre as partes de forma a permitir que o
juiz tenha um critério de decisão pois, em princípio, há de decidir contra a parte
onerada.

Na realidade, como já vimos, ter o ónus da prova tem um significado diferente


num sistema probatório do tipo dispositivo e inquisitório. O sistema probatório
português é tendencialmente do tipo inquisitório e tal é diferente de ter um sistema do
tipo dispositivo.

Na lógica de um sistema dispositivo, cada parte tem o ónus de alegar


determinados factos e o ónus de fazer a sua prova. O encargo das provas está
exclusivamente nas mãos das partes e cada parte pode decidir de que é que o juiz pode
conhecer ou não. —Ónus da prova em sentido subjetivo.

Antigamente, tínhamos um sistema deste tipo e, por isso, havia uma associação
necessária entre a parte fazer a prova e o facto que lhe interessa ser dado como provado

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 165


e a parte não fazer a prova e o facto ser dado como não provado. Só a prova proveniente
da parte onerada é que pode ser considerada pelo tribunal — lógica da disponibilidade.

Por outro lado, na lógica de um sistema probatório do tipo inquisitório (artigo


411º do CPC), como é o nosso caso, há duas regras:
1. O Tribunal pode oficiosamente determinar a produção de meios de prova.

2. De acordo com o princípio da aquisição processual (artigo 413º do CPC), o


tribunal decide de acordo com as provas que objetivamente estão no processo.

O ónus da prova deixa ter um significado subjetivo rigoroso e passa a ter um


sentido objetivo. Ter o ónus da prova num sistema destes, significa que a parte a quem
incumbe o ónus da prova pode não fazer prova e, todavia, o facto pode ser dado como
provado: seja porque se usou um meio de prova oficioso ou porque o tribunal
aproveitou a prova dada pela parte contrária.

Aqui, as regras sobre ónus da prova não são propriamente regras de prova, mas
sim regras de decisão. Ter o ónus da prova num sistema destes significa correr-se o risco
da falta de prova. Vê-se objetivamente se o facto está ou não provado. Se não estiver,
o juiz irá julgar contra a parte onerada. A lógica é a de saber a quem é que o facto
aproveita; mesmo num sistema objetivo a parte tem o incentivo a fazer prova dos factos
cujo ónus da prova lhes incumbe (por lhes serem favoráveis), mas na realidade não há
essa associação necessária.

Quando há factos que são provados por iniciativa do juiz, hão de beneficiar uma
das partes. Por as regras do ónus da prova serem em sentido objetivo, tal não torna
desnecessário as regras que repartem numa ação o ónus da prova dos factos que
interessam na causa porque, em situação de dúvida, o juiz tem de saber contra quem é
que decide!

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 166


As regras do ónus da prova só são aplicáveis quando não se sabe se um facto
ocorreu ou não. Se se julga contra a parte contrária, julga-se como se aquele facto não
se tivesse verificado.

Repartição do ónus da prova

1. Critério geral (artigo 342º do CC)

A lei portuguesa, nos termos do artigo 342º do CC, tomou como ponto de
referência o direito que está a ser discutido e depois distingue os factos constitutivos
dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. A repartição do ónus
da prova é feita, então, na seguinte forma:
- Quem invoca um direito tem o ónus de provar os factos constitutivos desse
direito (artigo 342º, nº1 do CC).
- Aquele contra quem esse direito é invocado tem o ónus da prova dos factos
impeditivos, modificativos ou extintivos.

Exemplo 1:
A alega que celebrou com o B (réu) um contrato de compra e pede que o réu seja
condenado a pagar o respetivo preço. B defende-se alegando a incapacidade de
exercício e que, sendo incapaz, o contrato deve ser invalidado. O juiz não sabe se o facto
em que se traduz essa incapacidade é, em si mesmo, controvertido. Se estiver em causa
uma incapacidade de facto temos de saber se a pessoa no momento em que celebrou o
contrato estava ou não incapacitada de facto. Nestes casos, contra quem é que o Juiz
julga?

Pode ver-se o direito do autor ao pagamento do preço de duas formas


diferentes:
1. Pode dizer-se que o direito ao pagamento do preço só se constitui se ‘x’ e se
ambas as partes tiverem capacidade de exercício. Se raciocinarmos desta forma, a não
existência de uma situação de incapacidade, faz parte do processo de constituição do

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 167


direito do autor. Não se provando a incapacidade, o pedido é julgado improcedente (o
juiz julga contra o autor sobre quem recai o risco).

2. Por outro lado, também podemos dizer que a normalidade é que não haja
situações deste tipo de incapacidade. Tem de se ver a incapacidade de facto como um
facto impeditivo do direito do autor. Aí, se construirmos o raciocínio desta forma, julga-
se contra o Réu.

E o problema é ver se se verificou, ou não, o mesmo facto.

Não é, na verdade, muito fácil distinguir em concreto como qualificar


determinados factos. Assim, foram propostas várias teorias explicativas deste critério
de distinção dos factos constitutivos por um lado e, por outro lado, dos factos
modificativos, impeditivos ou extintivos.

Teoria da norma

Esta teoria olha à forma como são construídas as normas de direito substantivo
aplicadas ao litígio e à forma como se relacionam umas com as outras. As regras do ónus
da prova não têm a ver com a decisão de mérito. Cada uma das partes tem o ónus de
provar os factos que integram a previsão da norma que lhe é favorável.

Portanto, as coisas resolvem-se vendo quais as normas de direito substantivo


aplicáveis e qual o facto que está em dúvida para que a parte a quem esse facto
aproveita fique incumbida de o provar.

Exemplo 1:
A propõe uma ação contra B dizendo que celebrou contrato de mútuo com B e
que B não devolveu o dinheiro emprestado no prazo combinado. Se B vier dizer que não
foi celebrado nenhum contrato de mútuo, a dúvida do Tribunal é saber se houve ou não

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 168


aquele empréstimo. O que está em causa é a aplicação das regras sobre o mútuo e sobre
os seus efeitos. Na definição do contrato de mútuo diz-se que este faz nascer na esfera
jurídicia do mutuário a obrigação de restituir o dinheiro. Quem tem interesse em aplicar
esta norma é o autor (se não está provado que houve empréstimo, o juiz não pode
aplicar a estatuição desta norma que diz que, havendo empréstimo, a outra parte tem
a obrigação de restituir). O juiz julga a ação improcedente (contra o autor) se o autor
não fizer prova do facto constitutivo do direito à restituição do dinheiro.

Exemplo 2:
Formulando o mesmo exemplo de outra forma, se o réu disser que é verdade
que lhe foi emprestado dinheiro por A, mas que passou o prazo de prescrição, a dúvida
agora está no decurso do prazo. O que o juiz não sabe é se passou ou não o prazo de
prescrição. Assim, temos de conjugar as normas sobre mútuo com as de prescrição. Está
provado o facto que interessa ao autor, mas não está provado o decurso do prazo de
prescrição. Assim, o juiz não aplica as normas que estabelecem as consequências da
prescrição. O juiz julga contra o réu.

Exemplo 3:
Voltando a reformular o problema, se A vier alegar que o prazo de prescrição de
20 anos já passou, mas que interpelou o réu para cumprir há vários anos, o prazo de
prescrição interrompeu-se. Agora, a dúvida encontra-se em o juiz saber se houve, ou
não, a tal interpelação que interrompeu o prazo de prescrição. Se o facto não for
provado pelo autor, o juiz julga contra este.

Exemplo 4:
Numa ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra geral está no artigo
483º do CC e os pressupostos são: a culpa; o nexo de causalidade; a ilícitude e o dano.
Se ficarem por provar os factos que serviriam para ver se houve a verificação de algum
destes pressupostos, o juiz julga contra a parte a quem aproveita a aplicação do artigo
483º, ou seja, contra o lesado. Em regra, na responsabilidade civil extracontratual, é o
lesado que tem o ónus de provar todos os pressupostos e, na falta de prova de algum
desses pressupostos, o juiz absolve o réu.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 169


Conclusão: O juiz tem de ver, consoante cada litígio (definido pelo autor), qual o
direito aplicável e em qual previsão da norma está o facto que ficou por provar.
Consequentemente, o juiz julga contra a parte a quem aproveita a aplicação da
norma (cuja previsão ficou total ou parcialmente por provar).

2. Casos expressamente regulados pela lei (artigos 343º e seguintes do CC)

a) Ações de simples apreciação negativa (artigo 343º, nº1 do CC)

Nas ações de simples apreciação negativa o autor pede ao tribunal a declaração


de inexistência de um direito ou de um facto.

Se nestes casos aplicássemos a Teoria da Norma, caberia ao autor o ónus de


provar que o direito ou o facto não existem (prova de facto negativo – que é muito mais
difícil).

Tendo em conta a maior dificuldade do autor na prova, o artigo 343º, nº1 do CC


inverte o ónus da prova: “compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que
se arroga”.

Por exemplo, se A propõe uma ação de simples apreciação negativa contra B a


dizer que não existe um direito de servidão de passagem sobre o seu prédio, é B (réu)
que tem de provar que esse direito existe.

b) Prazo de caducidade (artigo 343º, nº2 do CC)

Se A quiser anular o contrato com fundamento em erro, para tal, há o prazo de


1 ano para pedir em Tribunal a anulação do contrato, sendo que este prazo começa a
contar a partir do momento em que se descobriu o erro. Suponhamos que A intenta, de

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 170


facto, uma ação de anulação do contrato com fundamento em erro e que não se sabe
quando é que se descobriu o erro.
O CC diz-nos, nos termos do artigo 343º, nº2 que este se trata de um facto
extintivo. Assim, o ónus da prova da caducidade depende do réu. Ou seja, é aquele que
quer beneficiar do facto de já ter passado o prazo de um ano para propor a ação de
anulação que vai ter de o provar e, assim, impedir a anulação do contrato.

c) Existência de condições suspensivas ou termo inicial; ou condições resolutivas ou


termo final (artigo 343º, nº3 do CC)

Exemplo: Imagine-se que A vendeu uma coisa ao réu e o juiz condena este último
a pagar o preço. Suponhamos que o réu diz que foi criada uma condição nos seguintes
termos: os efeitos da compra e venda só se produziam se ocorresse um determinado
facto (condição suspensiva). Temos duas possibilidades: a de não ter sido feita a prova
de que foi acordada esta condição, ou que o facto determinante da condição suspensiva
tenha ocorrido.

Uma coisa é provar que foi convencionada uma condição ou um termo e outra é
provar que o facto em que se traduz essa condição ocorreu.

O artigo 343º, nº3 do CC reparte a prova entre uma e outra parte consoante a
condição é suspensiva ou resolutiva. O que está aqui resolvido é como é que se reparte
o ónus da prova sobre a verificação ou não do facto.

MPB diz que quando o réu invoca a existência de uma cláusula destas, recai sobre
ele o ónus da prova.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 171


Inversão do ónus da prova

Há vários motivos para o juiz decidir pela inversão do ónus da prova. Estes casos
estão no artigo 344º do CC:

1. Existência de uma presunção legal – uma presunção (artigo 349º do CC) é uma
ilação que a lei (ou o julgador) tira de um facto conhecido para afirmar um facto
desconhecido. Estas presunções podem ser legais ou judiciais: a diferença é que as legais
se verificam quando seja a própria lei que cria este nexo presuntivo entre o facto
conhecido e o facto desconhecido; a presunção judicial ocorre quando é o julgador que,
através da experiência e do senso comum, deduz um facto desconhecido. Neste caso,
só a lei pode inverter o ónus da prova! A lei cria presunções para aliviar da prova do
facto desconhecido (porque é mais fácil provar o facto conhecido e, daí, tirar uma
ilação).

Nota: Presunção legal do 799º do CC – a ilação muda em caso de responsabilidade civil


contratual (presume-se a culpa do autor da lesão) – não há só presunção de culpa, há
presunção de incumprimento.

Quais são os factos constitutivos da norma que prevê a responsabilidade civil


contratual? Temos de ir ao artigo 798º: facto + dano + ilicitude (incumprimento) + culpa
+ nexo de causalidade. Ou seja, se não existisse o artigo 799º, quem tinha o ónus de
prova da culpa era o lesado (o autor).

No entanto, existindo o artigo 799º, há uma inversão do ónus da prova no que


toca à culpa – assim, passa a incumbir ao réu o ónus de prova da culpa (ou seja, que não
teve culpa). Não há uma inversão total, há uma inversão do ónus da prova desde que o
lesado prove determinados factos que são a base da presunção do artigo 799º
(existência de um contrato relativamente ao qual existiu uma falta de cumprimento ou
um cumprimento defeituoso).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 172


2. Dispensa ou liberação do ónus da prova – situações em que a lei pura e
simplesmente dispensa a parte que estaria onerada com o ónus da prova de o fazer. Ou
seja, não há uma inversão, há uma dispensa pura e simples. Exemplo: artigo 396º, nº3
do CPC cria um caso particular de arresto. Há um contrato de compra e venda, a
comprador não paga o bem, eu posso requerer o arresto do bem para garantir o
pagamento do preço, sem ter de provar o risco de lesão – o legislador dispensa o
requerente de vir demonstrar.

3. Inversão resultante de convenção das partes – esta possibilidade está no


artigo 345º do CC. Apenas é nula a inversão do ónus da prova por convenção quando se
trate de direito indisponível ou quando a inversão torne extremamente difícil fazer
prova. No fundo, através da convenção uma das partes está a renunciar o direito de
ação e, por isso, entende-se que existam limites.

4. Todos os casos de inversão legal – casos em que a lei retire o ónus da prova a
uma das partes e o transfira para a outra parte. Por exemplo, artigo 343º, nº1, nas ações
de simples apreciação negativa é o réu que tem o ónus da prova.

5. Quando a parte contrária tenha dolosamente tenha impossibilitado a prova


por parte de quem tinha esse ónus (artigo 344º, nº2 do CC)

b) A admissibilidade dos meios da prova

A regra geral é a da livre apreciação da prova pelo juiz. Consequentemente,


temos um princípio de livre admissibilidade de meios de prova. Ou seja, o catálogo de
meios de prova que está na lei não é fechado.

Manifestação disto é o artigo 345º do CC (é possível haver convenções entre as


partes que admitam novos meios de prova ou a proibição de meios de prova que se
encontrem no catálogo legal). Contudo, há exceções no artigo 345º, nº2 – não pode

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 173


recair sobre direitos indisponíveis e não pode tornar o exercício de prova do seu direito
excessivamente difícil.
Exceções à livre admissibilidade dos meios de prova:

1. Quando seja exigido documento escrito para a prova de certas declarações


negociais.

Por exemplo, contrato de compra e venda de um imóvel para o qual a lei exige escritura
pública. É normal que em todos os contratos formais esse apenas possa ser provado
através desse documento (isto resulta do artigo 364º do CC).

Este artigo prevê dois tipos de forma exigida para o negócio jurídico: formalidades ad
substantiam (no nº1 são exigidas como condição de validade substantiva do negócio) ad
probationem (no nº2 são exigidas para a prova da declaração negocial).

No caso do número 1 aquele negócio apenas pode ser provado através daquela forma
documental exigida para a forma do negócio. No número 2 o legislador é menos
exigente: permite que a forma seja substituída em juízo por confissão expressa, judicial
ou extrajudicial, desde que conste de documento de superior ou igual valor probatório.

2. Nos casos em que um facto esteja provado por meio de prova com força
probatória especial, para contrariar a prova deste facto, tenho de usar um meio de prova
de valor igual ou superior.

3. Há certos meios de prova em concreto que têm requisitos especiais para a sua
admissibilidade. Por exemplo, a confissão não é admissível quando estejam em causa
direitos indisponíveis.

4. Se as partes convencionarem proibir certos meios de prova, então é uma


forma de restringir a livre admissibilidade dos direitos de prova.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 174


c) O valor dos meios de prova

Embora a regra seja a de livre apreciação pelo juiz, há exceções. Há casos em que
certos meios de prova têm um valor tabelado, o que foge à livre apreciação do juiz. O
julgador aprecia livremente, exceto quando a lei processual atribua certo valor
probatória certos meios de prova em especial.

Em consequência, existe uma hierarquia de meios de prova. Força probatória


mais baixa: livre apreciação deixada ao juiz. Força probatória mais alta: casos em que o
meio de prova tem valor tabelado.

Consoante o valor temos:

1. Força probatória bastante – artigo 346º do CC. Estes meios de prova são
capazes de criar no espírito do julgador a convicção de existência do facto. Tenho de
perguntar “O que é que a outra parte pode fazer para destruir este meio de prova?” –
basta fazer a contraprova. Basta criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência
do facto.

2. Força probatória plena – artigo 347º do CC. Só pode ser contrariada por um
meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto. Não basta
uma simples contraprova (criar a dúvida no espírito do julgador). É preciso provar o
contrário através de um meio de prova de força igual ou superior.

3. Força probatória pleníssima – nem sequer admite prova do contrário. São


casos absolutamente excecionais. Um exemplo são as presunções inilidíveis. Por
exemplo, artigo 1260º, nº3 do CC – a posse adquirida por violência é sempre de má-fé.

A lei portuguesa não admite convenções que alterem o valor dos meios de prova
(este é imperativo).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 175


5. Meios de prova em especial

a) Prova documental

Código Civil artigos 362º e seguintes + artigos 423º e seguintes do CPC

O que é um documento?
Os documentos são meios de prova particularmente seguros.

Quando pensamos em documento este é escrito. É em relação a estes


documentos escritos que socialmente se tem a noção que são um meio particularmente
seguro de prova. Quando a lei regula a prova documental e, em particular, o documento
escrito, também atende a esta segurança que a pessoas em geral têm.

Quando a lei dá a noção de documento enquanto meio de prova adota uma


noção mais ampla de documento, que não restringe o documento aos documentos
escritos. Contudo, a força probatória especial que vamos falar hoje é sobretudo destes
últimos.

Para efeitos da lei portuguesa, no artigo 362º do Código Civil, há dois elementos
que têm de estar presentes para que um meio de prova possa ser considerado
documento:
- Meio de prova elaborado intencionalmente para representar uma pessoa, uma
coisa ou um facto (intenção representativa intencional)
- Tem de ser elaborado por um Homem (elaboração humana)

Não obstante a lei portuguesa adotar este conceito amplo de documento (que
inclui documentos escritos e não escritos), a verdade é que força probatória especial é
conferida apenas aos documentos escritos.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 176


Documentos escritos

É preciso distinguir o documento da declaração que ele contém. Para efeitos


probatórios o que queremos é provar que foi emitida uma declaração ou que os factos
que essa declaração se refere ocorreram.

Para efeitos de sabermos qual o valor probatório de documento escrito, a lei


trabalha com várias classificações de documentos escritos:

1. Critério do conteúdo: quando classificamos documentos escritos de acordo com


o seu conteúdo/natureza estamos a pensar qual é o tipo de declaração que está
contida no documento. A doutrina costuma distinguir:

a. Documentos narrativos/informativos: declarações de ciência (por


exemplo, o recibo)

b. Documentos constitutivos/dispositivos: declaração da ordem jurídica

2. Critério da autoria: artigo 363º do CC

a. Documentos autênticos: são exarados por uma autoridade pública ou por


um oficial público (por exemplo, um notário ou conservador – que têm
fé pública) – artigo 363º, nº2 do CC

b. Documentos particulares: todos os documentos escritos que não são


autênticos. Só que, para efeitos de direito probatório, a lei distingue:

i. Documentos particulares autenticados: os autores são os


particulares, mas confirmam perante o notário que estão de
acordo com o conteúdo do documento. A intervenção do notário

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 177


apenas atesta que os autores do documento confirmaram
perante o notário que estão de acordo com o seu conteúdo.
Artigo 363º, nº3 do CC

ii. Documentos com reconhecimento da assinatura:


reconhecimento presencial ou reconhecimento por semelhança.
O valor probatório de um e outro é diferente.

iii. Documentos particulares simples: não há intervenção do notário.

Força probatória dos documentos escritos:


Relativamente a qualquer espécie de documento escrito, a doutrina diz que
temos sempre de distinguir dois aspetos logicamente sucessivos:
- Força probatória formal: autoria dos documentos
- Força probatória material: conteúdo do documento

1. Documentos autênticos

Por exemplo: quero provar o contrato de compra e venda de um imóvel e digo


que foi feito por escritura. Eu que apresento a certidão da escritura e quero beneficiar
da prova de que foi celebrado um contrato com o réu, tenho que provar que a escritura
que eu junto tenho de provar que foi aquele notário que lavrou a escritura?

Relativamente à autoria dos documentos autênticos (artigo 370º do CC): se o


documento externamente apresentar os sinais próprios deste tipo de documento (por
exemplo, selo do cartório por cima da assinatura do notário), a lei presume que o
documento vem efetivamente do notário que vem referido. Os documentos autênticos
provam-se por si próprios – há uma presunção de autenticidade. As presunções legais
invertem o ónus da prova, logo é a parte contrária que vai ter de provar que a escritura
não provém do notário a quem é atribuída.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 178


Uma vez provada a autoria do documento autêntico, passamos para a força
probatória material. O que é que relativamente ao conteúdo da declaração fica ou não
provado?

Artigo 371º do CC: distinção entre: factos praticados pela entidade


documentadora (plenamente provados); factos atestados com base nas suas perceções
(plenamente provados – pela razão de ciência); meros juízos pessoais do documentador
(livre apreciação do julgador).

Vamos supor que no contrato de compra e venda o comprador invocava a


simulação do contrato. A escritura prova que A queria comprar e B queria vender, mas
prova que efetivamente eles queriam o que disseram? A coincidência entre a vontade
real e a declarada está coberta pela força probatória da escritura? As declarações cuja
emissão fica provada pela intervenção do notário, valem aquilo que valerem. São
declarações negociais, mas se se invocar algum vício na declaração da vontade ou
simulação, estou a invocar uma divergência que não era percetível pelo notário – não
estou a por em causa a força probatória do documento autêntico! É grave por em causa
a força probatória de um documento autêntico, por isso, é que fica limitada a casos
muito excecionais.

Dizer que “as declarações valem o que valerem” também significa que não
abrange o pagamento do preço, mas abrange a emissão da declaração confessória de
que o credor declara que já recebeu o preço. As declarações cuja emissão ficou
plenamente provada porque o notário disse no documento que as declarações foram
feitas, valem o que valerem. Não estamos a atentar contra a força probatória da
escritura. A razão de ser da distinção que o artigo 371º faz para efeitos de valor
probatório é a razão de ciência.

Artigo 372º: se quisermos por em causa a força probatória do documento temos


de invocar a respetiva falsidade. Acusar um documento autêntico de falsidade é grave.
Podemos distinguir a falsidade ideológica: quando o notário atesta coisas que não fez
ou coisas que não viu.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 179


2. Documentos particulares

a. Documentos particulares autenticados: artigo 377º do CC – são equiparados aos


documentos autênticos.

b. Documentos particulares autenticados com reconhecimento de letra e/ou a


assinatura: o reconhecimento presencial prova plenamente a autoria. O
reconhecimento por semelhança tem apenas força probatória bastante (no
máximo, o notário aqui é perito).

Provada a autoria vamos ao artigo 376º do CC. Têm força probatória plena as
declarações que constam do documento. Se as declarações referirem a factos, só ficam
plenamente provados os factos desfavoráveis ao interesse do declarante.

c. Documentos particulares simples: artigo 374º do CC. A prova de autoria é um


problema.

A explicação do artigo é que a primeira coisa que se faz é ver a reação da parte contrária,
porque o autor pode reconhecer expressa ou tacitamente que o documento foi assinado
por ele. Caso o autor não reconheça, valem as regras gerais do ónus da prova. Ou seja,
eu que junto o documento, vou ter de provar que foi o credor que assinou aquele
documento, apesar de ele o negar.

A diferença que existe em relação aos documentos particulares em que há uma


intervenção do notário para reconhecer a letra e/ou a assinatura tem a ver com o
estabelecimento da prova da autoria. Mas força probatória material é a mesma!

Provada a autoria vamos ao artigo 376º. Têm força probatória plena as declarações que
constam do documento. Se as declarações referirem a factos, só ficam plenamente
provados os factos desfavoráveis.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 180


Nota: documentos escritos não assinados

Há documentos particulares que podem surgir não assinados. Qual a força


probatória de um documento particular escrito e não assinado? Artigo 366º do CC – este
tipo de documentos está sujeito à livre apreciação do julgador, tem força probatória
simples.

No entanto, há duas exceções a esta regra: artigo 380º e 381º do CC. Situações
em que os documentos não estão assinados porque representam um tipo de escritos
que não costumam estar assinados (não é um caso de falta de assinatura).

Artigo 380º - “registos e outros escritos”


Artigo 381º - “notas em seguimento, à margem ou no verso do documento”

Documentos não escritos

Os documentos não são sempre e necessariamente escritos. Um documento é


qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma
pessoa, coisa ou facto (artigo 362º do Código Civil). O artigo 368º diz-nos que este tipo
de documentos faz prova plena dos factos e das coisas que representam.

Regime processual da prova documental

Regulado nos artigos 423º e seguintes do CPC

A regra é que os documentos devem ser juntos ao articulado onde estão os


factos aos quais os documentos se referem.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 181


No entanto, se isto não acontecer, podem ser juntos mais tarde desde que a
parte pague multa. Ainda assim, há um prazo limite para juntar os documentos: até 20
dias antes da data da audiência final.

O juiz tem um poder-dever oficioso relativamente à prova (princípio do


inquisitório). O próprio juiz pode requerer oficiosamente todos os documentos que
julgue necessários – normalmente o juiz só tem de intervir quando o documento esteja
na posse da parte contrária a quem ele interessa. Se a parte não o fizer, pode apanhar
uma multa. Ou pode mesmo ocorrer a inversão do ónus da prova se tiver havido uma
ação dolosa por parte de quem retém o documento.

Tem sempre de existir contraditório da outra parte relativamente à produção de


prova documental (artigo 427º do CC). A parte vai pronunciar-se sobre o documento.

b. Prova por confissão

Artigos 352º e seguintes do Código Civil (regras de direito substantivo


relativamente à prova por confissão).

O Código Civil no artigo 352º dá-nos um conceito: a confissão é o


reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável.

Caraterísticas da prova por confissão:


a) É uma declaração de ciência/de conhecimento de um determinado facto;
b) Provém da própria parte;
c) Contém um facto desfavorável ao próprio declarante.

A confissão é muito pouco provável de acontecer. Por isso, a confissão é um meio


de prova especialíssima. Está entre a força probatória plena e pleníssima.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 182


Dentro do conceito do que é uma confissão, esta distingue-se de algumas figuras
afins:

- Confissão do pedido: é um ato de vontade que se traduz no reconhecimento


total ou parcialmente o pedido formulado pelo autor. Tem como consequência a
extinção da instância (artigo 277º, alínea d) do CPC). A confissão prova é um ato de
ciência, por parte de qualquer das partes, que não tem nenhuma consequência
imediata.

- Depoimento de parte: é a prestação de declarações por qualquer uma das


partes no processo, a requerimento da parte contrária. Isto serve para provocar a
confissão da outra parte. Ou seja, o depoimento de parte é um meio para atingir a
confissão judicial de uma das partes.

Tipos de confissão: consoante a forma que revestem (artigos 355º e seguintes do CC)

1. Confissão judicial – é feita em juízo, na pendência de algum processo (judicial ou


arbitral). Nº3 do artigo 355º – só vale como judicial no próprio processo em que
é produzida. Ou seja, se usar a mesma confissão noutro processo, passa a valer
apenas como confissão extrajudicial.

a. Confissão judicial espontânea – feita por livre iniciativa do confitente


(artigo 356º, nº1);

b. Confissão judicial provocada – pode ser feita em depoimento de parte,


ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal (artigo
356º, nº2);

c. Confissão judicial expressa – resulta de uma declaração diretamente


destinada a admitir um facto desfavorável;

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 183


d. Confissão judicial presumida – a própria lei retira, de uma atuação da
parte, uma confissão

2. Confissão extrajudicial – todas as outras confissões (cláusula residual):

a. Confissão extrajudicial autêntica – se se contiver num documento


autêntico;

b. Confissão extrajudicial particular – se provier de um documento


particular;

c. Confissão extrajudicial expressa – resulta de uma declaração


diretamente destinada a admitir um facto desfavorável;

d. Confissão extrajudicial presumida – a própria lei retira, de uma atuação


da parte, uma confissão

Requisitos da confissão

1. Que dizem respeito à pessoa do declarante: artigos 353º do CC + 453º do CPC

a. Capacidade de exercício para dispor do direito que está a confessar;

b. Legitimidade para confessar. Isto significa que a confissão tem de ser


feita por quem tenha o poder de disposição daquele direito confessado.
Normalmente os problemas colocam-se nos casos de representação de
menores, de incapazes, de pessoas coletivas... Isto depende da
abrangência dos poderes de representação.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 184


Nota: litisconsórcio – vários réus comproprietários de um bem, ação de anulação de
compra e venda de um imóvel que lhes pertence. Até que medida a confissão de um dos
réus é válida e abrange todos?
Temos de ver se é litisconsórcio é necessário ou voluntário, temos de ir ao artigo
353º, nº2 do Código Civil.
Se for litisconsórcio voluntário a confissão de um é eficaz apenas para aquele.
Neste caso de litisconsórcio necessário (ação de anulação do contrato de compra
e venda) a confissão não tem valor, o réu não tem legitimidade para confessar.

Nota: patrocínio judiciário – a confissão só pode existir se houver mandato com poderes
especiais. Contudo, há uma exceção no artigo 46º do CPC (confissões feitas nos
articulados – que a parte pode retificar ou retirar, enquanto a parte contrária não as
tiver aceitado especificamente)

2. Que dizem respeito aos factos confessados: artigo 354º do CC. A confissão não é
eficaz:
a. Quando recaia sobre factos cujo reconhecimento a lei não admite;
b. Quando recaia sobre direitos indisponíveis;
c. Quando recaia sobre factos impossíveis ou notoriamente inexistentes

Força probatória da confissão

Encontramos estas regras no artigo 358º do CC.

Temos de distinguir entre:

a) Confissão judicial escrita – tem força probatória plena contra o confitente.


Entende-se que é mais que plena, que é quase pleníssima. Porque temos de conjugar
esta regra do artigo 358º, nº1 do CC com o artigo 465º, nº1 do CPC (o princípio da

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 185


irretratabilidade da confissão - não pode ser retirada depois de produzida) e o artigo
359º do CC (regra da possibilidade de invalidar as confissões com base em vícios da
vontade).

Destas duas regras retiramos que, embora o artigo 358º, nº1 do CC diga que tem força
probatória plena (bastava provar o contrário para destruir a sua força probatória), a
verdade é que para destruir a confissão não basta provar o contrário – é preciso provar
que houve um vício da vontade na minha confissão.

b) Confissão judicial não escrita – artigo 358º, nº4 do CC. Força probatória
bastante

c) Confissão extrajudicial escrita – o artigo 358º, nº2, 1ª parte do CC diz-nos, que


a confissão se considera feita nos termos da força probatória do documento.

Isto significa que tenho de percorrer um caminho: começo na força probatória do


documento para ver se está provada a declaração. Depois tenho de ir à força probatória
da declaração para saber qual a força probatória da confissão.

Já o artigo 358º, nº2, 2ª parte do CC diz-nos que quando é feita à parte contrária
tem força plena.

d) Confissão extrajudicial não escrita – artigo 358º, nº3 do CC. Tem força
probatória bastante.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 186


Regras aplicáveis à confissão

- Princípio da irretratabilidade (artigo 465º, nº1 do CPC): não pode ser retirada
depois de ser produzida

- Princípio da indivisibilidade (artigo 360º do CC): pressupõe que há uma


declaração complexa ou qualificada. Significa que numa das partes contém uma
confissão (desfavorável ao confitente) e noutra das partes contém um facto favorável
ao confitente. Este princípio vem dizer que a outra parte tem de se aproveitar de toda
a confissão. O que a parte pode fazer é provar o contrário relativamente àquela parte
da confissão que não lhe interessa.

- Possibilidade de invalidar a confissão – artigo 359º do CC.

Regime processual da confissão

Artigos 452º e seguintes no CPC

Confissão judicial espontânea: feita nos articulados

Confissão judicial provocada: feita através do depoimento de parte. Este pode


ser requerido pela parte contrária ou determinado oficiosamente pelo tribunal e é
prestado na audiência final (e precedido de juramente da verdade).

Livre apreciação do depoimento de parte que não contenha uma confissão


(artigo 466º, nº3 do CPC - o juiz pode basear-se neste depoimento para provar factos
desfavoráveis à parte).

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 187


c. Prova por declarações de parte

Novidade introduzida pelo código de 2013. Faz remissão para o depoimento de


parte, vem apenas prevista no artigo 466º do CPC.

A lei portuguesa, diferentemente do que acontece com outras leis, não prevê a
possibilidade de o juiz proceder ao interrogatório da parte. Além disso, não permite que
a parte seja indicada como testemunha.

A conjugação destas duas regras levanta problemas em ações nas quais só


verdadeiramente as partes é que sabem o que se passou.

Por exemplo, tipicamente, nas ações de divórcio apenas os cônjuges sabem o


que se passou. Outro exemplo são os acidentes de viação: quando as ações se situam
no âmbito do seguro obrigatório, segundo a lei dos seguros, as ações devem ser
propostas diretamente contra a companhia de seguros. A companhia (réu) pode indicar
como testemunha a pessoa que provocou o acidente.

Este regime diz-nos que a parte se pode propor a depor sobre certos factos na
audiência. São factos dos quais tenha conhecimento pessoal ou nos quais tenha
intervindo.

Naquilo que é mais importante a lei remete para o depoimento de parte. Tem
de indicar quais os factos que se propõe a prestar depoimento.

O valor probatório é livremente apreciado pelo juiz. Se a parte confessar algum


facto, a declaração passa a ter força probatória plena (apenas porque houve confissão)

Quem faz o interrogatório na audiência final é o juiz.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 188


A parte pode recorrer até ao fim da instrução, isto para que a parte se possa
pronunciar sobre determinados factos se considerar que as provas lhe foram
desfavoráveis.

Pode ser determinada oficiosamente pelo juiz? Ou tem de ser requerida? Temos
de conjugar o artigo 466º do CPC com o princípio geral da lei portuguesa que concede
iniciativa probatória ao juiz.

Na prática esta prova tem sido muito requerida.

Para a Professora era mais simples a parte poder ser testemunha, este meio é
apenas para atingir esse fim.

d. Prova pericial

Artigos 388º e 389º do CC + artigos 467º e seguintes do CPC

Forma-se no decurso do processo. Tem cabimento quando há que provar factos


para cuja apreciação são necessários conhecimentos técnicos que o juiz não tem nem é
suposto ter.

Os peritos dão a sua perceção ou apreciação sobre determinados factos


presentes ou, pelo menos, sobre determinados vestígios presentes de factos que podem
ter sido passados.

A doutrina chama a atenção para a diferença entre a prova testemunhal e a


prova pericial:

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 189


- O perito é chamado para falar sobre factos presentes ou vestígios presentes e
factos passados VS a testemunha é chamada para falar sobre factos passados

- A prova pericial tanto serve para obter a perceção como a apreciação do perito
sobre certo facto VS a prova testemunhal só pode ter por objeto a perceção que a
testemunha teve sobre determinado facto

- Os peritos são fungíveis/substituíveis VS as testemunhas são


infungíveis/insubstituíveis

- Os peritos têm de ser indicados porque têm os conhecimentos técnicos que


estão em causa VS para as testemunhas não se faz exigência destes conhecimentos

- O perito papel ativo na produção da prova VS a testemunha apenas relata o


que aconteceu

Também se costuma distinguir o perito do árbitro:


- Os árbitros decidem VS os peritos apenas trazem um determinado meio de
prova e depois o julgador decide

O artigo 389º do CC diz-nos que o valor da prova pericial está sujeito à livre
apreciação (meio de prova bastante).

Porquê que é assim se o juiz não tem os conhecimentos que são precisos? O juiz
é o perito dos peritos, é o juiz que decide. O que os peritos fazem é apresentar um
relatório com os factos sobre os quais a prova pericial incidiu. Assim, o juiz tem o poder
de controlar a fundamentação apresentada e, em função dessa fundamentação, o juiz
pode apreciar livremente.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 190


Perícias colegiais – pode acontecer que cada perito tenha opinião diferente, e é
preciso que o juiz possa formar a sua própria convicção. O juiz controla o resultado que
cada perito apresenta em função da justificação que o perito dá.

Procedimentos da prova pericial

Pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou requerida pelas partes.

Não incide sobre o litígio em geral. O requerente tem de indicar quais são as
questões sobre as quais quer que o perito se pronuncie.

Faz-se na decorrência do processo, até à audiência final.

Pode ser feita por estabelecimentos públicos.

Faz-se uma prova pericial e as partes têm o direito de requerer uma segunda
perícia, justificando o porquê de acharem que a primeira não foi bem feita. Seja como
for, a segunda perícia não substituiu a primeira. Ficam ambas no processo e o juiz decide
qual vai usar.

e. Prova por inspeção judicial

Artigos 390º e 391º do CC + artigos 490º e seguintes do CPC

Coloca-se o juiz perante a prova. O que se quer através desta prova que é
livremente apreciada pelo juiz, é obter uma perceção direta dos factos, a aprovar pelo
próprio juiz.

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 191


Muitas vezes implica a deslocação do juiz ao local dos factos. Também pode
implicar a reconstituição dos factos. Pede-se a inspeção judicial para que o juiz veja
diretamente as coisas em situações em que não se justifica que isto aconteça.

f. Prova por verificações não judiciais qualificadas

Meio de prova acrescentado pelo código de 2013. Artigo 494º do CPC.

O valor probatório está sujeito à livre apreciação do juiz. Era possível a inspeção
judicial, mas não se justifica o juiz deslocar-se e, assim, determina uma pessoa com
particular credibilidade para verificar a situação.

g. Prova testemunhal

Artigo 392º do CC + artigos 495º e seguintes do CPC

Prova constituenda, que se forma no decurso do processo.

O que é uma testemunha? Pessoa que não é parte na causa (nem seu
representante) que é chamada ao processo para narrar as perceções que teve sobre
factos passados.

Qualquer pessoa tem capacidade para depor (artigo 495º) – só tem de ter
capacidade para se pronunciar sobre o facto que está em causa. Todavia a lei prevê
impedimentos e recusas legítimas a depor.

Impedimento: está impedida de ser testemunha a parte (artigo 496º)

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 192


Recusa legítima a depor:

Vigora o princípio de cooperação no que respeita a prova, que vale para as partes
e para terceiros. Eu não posso recusar-me a depor como testemunha, salvo se ocorrer
alguma destas hipóteses em que a testemunha pode ou deve recusa-se: artigo 497º do
CPC.

Pode recusar-se a depor quando não é exigível que a testemunha deponha com
verdade. Por exemplo, quando tem uma relação de intimidade.

Deve recusar-se a depor quando está obrigada a sigilo profissional.

Condições em que é admissível

Artigos 392º e seguintes do CC

A prova testemunhal é livremente admissível. Mas há vários casos em que, por


certas razões, este tipo de prova não vai ser admissível.

Limites à admissibilidade da prova testemunhal:

1. Não é admissível a prova testemunhal para provar declarações negociais quando


devam ser reduzidas a escrito. O documento pode ser exigido como requisito de
forma ou de prova. Em ambos os casos, pode ser exigido por lei ou convenção
das partes.

a. Lei exige documento escrito como requisito de forma: não tendo o


documento, o negócio é nulo por falta de forma (artigo 220º do CC + 364º
do CC). Isto quer dizer que eu não posso provar a existência de um
contrato de compra e venda de um imóvel que não tenha documento

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 193


através de uma testemunha (a prova testemunhal não pode substituir o
documento exigido pelo requisito de forma). Outra coisa é usar
testemunha para provar que o contrato é nulo!

b. Convenção das partes exige documento escrito como requisito de forma:


artigo 223º do CC. Presume-se que as partes não se quiseram vincular a
não ser pela forma convencida (por escrito). Não se pode usar
testemunhas para ilidir esta presunção.

c. Lei exige documento escrito como requisito de prova: artigo 364º, nº2 do
CC. Só podemos substituir o documento em falta por documento igual ou
confissão expressa.

d. Convenção das partes exige documento escrito como requisito de prova:


artigo 345º, nº2 do CC. Se a convenção for válida, então não é possível a
prova testemunhal.

2. Hierarquia dos meios de prova: não posso usar um meio de prova de valor
probatório inferior para destruir um de valor probatório superior

Artigo 394º do CC – convenções contra o conteúdo de documento ou além dele

No nº1: “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer


convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos
documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções
sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam
posteriores”. A prova testemunhal é inadmissível. Porquê?

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 194


A regra tem de ser relacionada com outras regras da teoria geral do negócio
(artigo 221º e 222º do CC). O legislador é limitativo no que respeita a convenções que
sejam contrárias ao conteúdo de um negócio que conste de um documento escrito.

Assim, temos de ter, em primeiro lugar, presente se a convenção que está em


causa é ou não válida (e por isso vamos ao 221º ou 222º do CC).

Sendo válida a convenção, a prova testemunhal é inadmissível porque a prova


testemunhal deve merecer pouca confiança ao legislador. A prova testemunhal é um
meio de prova falível, por isso, em comparação com um documento esse deve
prevalecer.

No nº2 do artigo 394º: “A proibição do número anterior aplica-se ao acordo


simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores”. Não é
possível a utilização de prova testemunhal pelos simuladores para prova do acordo
simulatório e negócio dissimulado.

Artigo 242º, nº1: os simuladores podem invocar a nulidade da simulação, então


porque não pode haver prova testemunhal? A nulidade da simulação não é oponível a
terceiros de boa-fé (artigo 243º, nº1), portanto a razão deste impedimento não tem a
ver com terceiros. Assim, a razão desta proibição é evitar que se simule uma simulação.

A prova testemunhal isoladamente considerada não pode ser usada para prova
do acordo simulatório.

Se existir um princípio de prova que decorra de um meio de prova admissível,


posso usar prova testemunhal para complementar a prova admissível?

Se lermos o 394º, nº2 a resposta parece ser não. Contudo, podemos fazer uma
interpretação restritiva do artigo 394º, nº2 do CC: há uma doutrina que admite a prova

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 195


testemunhal, desde que haja um princípio de prova admissível que a prova testemunhal
apenas venha completar.

Artigo 395º do CC: para os factos extintivos das obrigações (cuja fonte recaia no
artigo 393º e 394º) valem os mesmos factos previstos antes.

Direito probatório formal que respeita à prova testemunhal

Artigos 495º e seguintes do CPC

Como é que se presta prova testemunhal? O depoimento é prestado oralmente,


perante o juiz, na audiência final – artigo 500º do CPC + artigo 516º do CPC + artigo 604º
do CPC.

Há exceções a esta regra:

- Produção antecipada de prova: artigo 419º do CPC. Por exemplo, se sei que vou
precisar de uma testemunha que está com uma doença terminal, peço
antecipadamente que o depoimento seja prestado.

- Videoconferência: artigo 500º alínea d) + 172º e seguintes + artigo 502º do CPC.


Quando a videoconferência não é possível, é usado o regime escrito ou outros meios
alternativos de captação de som e imagem (como o Skype) ou apenas através de via
telefónica (quando haja acordo das partes e o juiz o aceite – artigo 520º do CC)

- Testemunhas com privilégios sobre o depoimento: artigo 500º, alínea c) +


artigos 503º, 504º e 505º do CPC – há pessoas que, pelos cargos que desempenham,
podem prestar depoimento, por exemplo, a partir de sua casa ou escritório

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 196


- Impossibilidade temporária de comparecer por doença: artigo 457º + artigo
506º do CPC

- Depoimentos por escrito: artigo 518º + artigo 519º do CPC. Nos nossos tribunais
continua a prevalecer o princípio da oralidade, apesar de haver a possibilidade de
depoimentos por escrito. Há domínios em que, cada vez mais, há depoimentos por
escrito em detrimento do depoimento oral. Por exemplo, na arbitragem é frequente isto
acontecer. O depoimento por escrito tem a vantagem de ser mais direto e de ser
exatamente aquilo que a parte quer provar. Na arbitragem o que costuma acontecer é
a testemunha ser chamada para esclarecer alguma parte do depoimento.

Regime processual de produção de prova testemunhal

Quem apresenta as testemunhas são as partes, mas o juiz pode determinar


oficiosamente a sua presença quando considere relevante e as partes não as tenham
arrolado.

Há um limite de testemunhas para cada parte: 10 testemunhas. Porém, pode o


juiz determinar uma extensão deste limite tendo em conta a natureza do caso.

Artigo 604º, nº8 do CPC – introduzido em 2013. Podem ser ouvidas testemunhas
em simultâneo, com autorização do juiz. Regra geral, em primeiro lugar são ouvidas as
testemunhas do autor e, em seguida, as do réu, apesar de poder ser alterada a ordem.

Uma vez na sala de audiência para prestar depoimento (artigo 513º + 459º do
CPC) o juiz irá pedir para a pessoa prestar o juramento.

Depois do juramento o tribunal vai tentar identificar a testemunha, sabendo se


tem alguma ligação especial com alguma das partes. Artigo 513º do CPC

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Artigo 516º do CPC – após o juramento e identificação da testemunha, começa
o interrogatório pelo advogado da parte que chamou a testemunha. Sem prejuízo de o
juiz poder, a qualquer tempo, intervir. E o advogado da outra parte, nos termos do nº2,
só poderá fazer perguntas para esclarecer e enquadrar o depoimento.

Artigo 516º, nº6 – as testemunhas podem fazer-se acompanhar de documentos


quando depõem, independentemente de constarem ou não no processo. Não pode é
ter um depoimento escrito.

Três incidentes que a lei prevê:

- Impugnação: artigo 496º

Por exemplo, o CEO da sociedade autora da ação não pode ser ouvido na ação. Pode
depor como parte, mas não testemunha.

Artigo 514º do CPC – suscitar o incidente de impugnação que impede que a testemunha
deponha. Se a testemunha não confessar que não pode ser testemunha, o advogado
pode ainda provar que a testemunha está, de facto, vinculada (artigo 515º do CPC).

- Contradita: artigos 521º e 522º

Quero por em causa a credibilidade que aquela testemunha deve ter em tribunal. Afetar
razão de ciência: prende-se com a fonte do conhecimento dos factos (ver também 516º,
nº1). Afetar a fé que a testemunha merece: atacar a testemunha em si mesma (por
exemplo, uma testemunha que mente me tribunal). Este incidente deduz-se quando o
interrogatório termina (inquirição e instâncias).

- Acareação – quando haja uma oposição direta entre depoimentos. Posso


requerer que ambas as testemunhas sejam acareadas: estejam ambas perante o juiz

Processo Civil – Parte Geral Maria Marta Morbey 198


para confirmarem o que disseram (artigo 523º). Os juízes não gostam deste instrumento
porque, em regra, as pessoas mantêm aquilo que disseram.

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V - Teoria da lei processual: aplicação no tempo (em geral e em
sectores particulares) e no espaço:

Quando se aplicam as alterações que possam haver a normas processuais?

A solução mais fácil passa por normas transitórias – que são aplicadas durante o
intervalo de tempo entre o antigo e novo regime. Contudo, há muitas circunstâncias em
que o legislador não regula a sucessão de leis.

Artigo 12º do CC. No processo civil não existe uma norma geral que regule a
aplicação no tempo.

Jurisprudência e doutrina: uma nova lei processual que entre em vigor deve
aplicar-se às ações futuras e às ações pendentes relativamente a atos futuros que sejam
praticados no âmbito dessas ações – princípio da aplicação imediata.

A razão de ser desta regra é estarmos perante normas de direito público, logo
devem prevalecer os interesses públicos relativamente às expetativas das partes. Por
outro lado, outra razão é a de estarmos perante um direito adjetivo, instrumental e, por
isso, deve ser neutro relativamente aos direitos substantivos (se assim é, não há
expetativas das partes a acautelar).

Temos exceções à aplicação deste princípio. Por exemplo, os julgamentos são


feitos por tribunais singulares (1 juiz). Se se iniciou um julgamento há 3 sessões atrás
que era feito com 3 juízes e, posteriormente, entra uma lei em vigor que diz que, a partir
de agora, é só um juiz. O que acontece ao julgamento que já tem vindo a acontecer com
3 juízes?

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