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AS RELAÇÕES DE CONTIGUIDADE E SIMILARIDADE NO EMPREGO DA IRONIA1

Felipe Quevedo Giovanoni2

Em seu estudo acerca do conceito de ironia de Søren Kierkegaard, Jacqueline


Oliveira Leão (2013, p. 9) afirma que “a ironia é arte sedutora, encerrando algo de
enigmático, paradoxalmente revelador”. Ao estudar Sócrates, Kierkegaard (1991)
apresenta a ironia não somente como uma figura de retórica mas como um método, como
uma certa maneira de perceber e interpretar a verdade e a realidade. Mais que
simplesmente dizer o contrário do que se pensa, a ironia é uma figura de linguagem que
mobiliza complexos procedimentos linguísticos e está associada à poesia, à literatura e à
filosofia. Desse modo é que tencionamos, neste trabalho, lançar o foco científico da
linguística sobre esta “arte enigmática”.
No trabalho clássico de Roman Jakobson (2010) Dois Aspectos da Linguagem e
Dois Tipos de Afasia, o linguista russo nos apresenta o problema das relações de
contiguidade e semelhança. Partindo do pressuposto de que a afasia é a perda das
capacidades de similaridade (metáfora) e contiguidade (metonímia), o autor nos mostra que
toda operação de linguagem é estabelecida entre essas duas relações. Ou seja, para todo
ato de linguagem se estabelecem relações de metáfora ou metonímia, dependendo da
intenção ou produto final semiológico que se tenha em mente. Nas palavras de Jakobson
(2010, p. 61), “a competição entre os dois procedimentos, metonímico e metafórico, se torna
manifesta em todo processo simbólico, quer seja subjetivo, quer social”. Essa constatação
possui especial implicação para a linguística - e para a semiologia em geral.
Sabemos que a metáfora é a figura de linguagem de produzir sentidos figurados. Em
outras palavras, é a associação (por similaridade) de uma determinada descrição a uma
figura. Essa figura pode ser de natureza visual, sensorial ou auditiva. Abre-se, nessa
interpretação, uma gama de possibilidades tão grande como a experiência humana pode
proporcionar. Por exemplo, no verso clássico de Luís de Camões “Amor é fogo que arde
sem se ver”, ao tentar definir o (indefinível) amor, o eu lírico afirma que “é” fogo que arde
sem se ver. Diz o que o amor é, e não ao que se assemelha, nem como se define e,
portanto, o associa diretamente com a figura sensorial do fogo que arde na pele, sem que

1Ensaio elaborado para a disciplina de Linguística I, ministrada pela Profa. Dra. Marlete Diedrich.
2Acadêmico do 5º semestre do Curso de Letras da UPF e professor de Inglês na escola CCAA Paissandu –
Passo Fundo.
se saiba onde está, “sem se ver”. Amor é, assim, a sensação de fogo ardente cuja origem
se desconhece. Ao dizer que uma coisa “é” a outra, o poeta faz uma operação de
substituição - isto é, uma coisa pode substituir a outra sem prejuízo do sentido. “A
capacidade que têm duas palavras de se substituírem uma à outra é um exemplo de
similaridade posicional” (JAKOBSON, 2010, p. 56).
É possível abrir aqui a discussão de que, deste ponto de vista, a classificação da
figura de linguagem mais correta seria a sinestesia, uma vez que se associa um sentimento
a uma sensação tátil (fogo que arde sem se ver). Pode-se também defender que metáfora
é a mais adequada classificação, uma vez que “amor” é um conceito abstrato e o “fogo que
arde” uma sensação tátil, ora a sinestesia se dê entre dois planos sensoriais diferentes.
Temos, porém, certeza de que não se trata da figura da comparação, uma vez que o poeta
não escolheu dizer “amor é ‘como’ o fogo que arde sem se ver”.
De qualquer maneira, o foco da discussão que apresentamos não é a classificação
teórica da figura de linguagem “metáfora”, mas sim o fato de que toda figura de linguagem
é metafórica ou metonímica, necessariamente. Na sinestesia, a mistura de duas figuras
sensoriais se dá pelo mesmo processo mental de similaridade. Na comparação, a mera
adição da conjunção “como” não muda em nada a relação que se estabelece entre o
conceito e a sensação que se deseja exprimir. Em todos os casos o procedimento da
metáfora produz uma relação de semelhança ou de analogia entre os enunciados e suas
figuras.
Do mesmo modo, a metonímia, como relação de contiguidade, é aqui apresentada
como operação realizada pelo usuário da linguagem, mais que classificação teórica das
figuras de linguagem. Trata-se do emprego de uma unidade lexical fora do seu contexto
semântico convencional tendo em vista a contiguidade com o contexto original. Pode-se
aqui entrar na mesma discussão feita acima acerca do conceito de sinédoque, mas o que
queremos exprimir é que toda operação sinedóquica é, em si, metonímica, uma vez que a
relação parte-todo não deixa de ser de contiguidade.
Assim, toda produção da língua baseia-se nessas duas operações apresentadas por
Jakobson (2010). Desse modo, o alcance e a importância desses conceitos linguísticos é
maior do que parece à primeira vista.
Lançando, assim, nosso olhar sobre o conceito de ironia, especialmente em
Kierkegaard, encontramos um solo fértil para a análise linguística tendo por base os
conceitos de similaridade e contiguidade – respectivamente as relações metafóricas e
metonímicas. Não nos cumpre aprofundar a interpretação filosófica da ironia, mas sim
analisar seus aspectos linguísticos e discursivos. Para isso, tomaremos como ponto de
partida o conceito kierkegaardiano de que a ironia é a “figura do discurso retórico, cuja
característica está em se dizer o contrário do que se pensa” (KIERKEGAARD, 1991, p.
215).
Para um simples exame da ironia verbal, a presença das relações de contiguidade
e de similaridade é de fácil detecção. Ao dizermos, por exemplo, "Ana é delicada como um
rinoceronte" estamos empregando uma ironia verbal. Neste enunciado, mesmo o leitor leigo
pode nos dizer que o que se quer afirmar é que "Ana não é delicada". A conexão que se
estabelece entre o enunciado e seu oposto é metonímica, isto é, uma relação de
contiguidade. Nesse caso, ocorre a metonímia quando se toma o oposto pelo enunciado, e
isto é válido para todos os usos da ironia. A metáfora, por sua vez, está no estabelecimento
de uma relação entre um referente e uma figura. Aqui, esta figura é o rinoceronte, um animal
grande e desengonçado, obviamente nada delicado. Se, para a metáfora tradicional, se
estabelece um sinônimo, para a ironia se estabelece um antônimo, e é neste jogo paradoxal
de se criar uma relação da essência com o seu oposto que se perfectibiliza a ironia.
Tomemos porém um exemplo mais complexo, de autoria de Woody Allen, um dos
senhores da ironia na cultura contemporânea, em sua obra Sem Plumas: "Não há dúvida
de que o além existe. O problema é saber a quantos quilômetros fica do centro da cidade
e até que horas fica aberto" (ALLEN, 2006, p. 14). Nesse enunciado fica clara a intenção
do autor de demonstrar que não crê que "o além" exista. Entretanto, examinando a
construção do enunciado podemos perceber facilmente a metonímia pelo ato de tomar o
enunciado por seu antônimo: "Não há dúvida de que o além existe" é o contrário do que o
autor quer dizer. O que fica oculto, porém, nas marcas textuais é a relação metafórica. Ao
enunciar a frase seguinte, o autor subentende que: 1º) "o além" fica distante do centro da
cidade e é, portanto, um lugar na cidade; e 2º) tem um horário de funcionamento, uma vez
que quer saber até que horas fica aberto. Essas são características de locais na cidade
grande, estabelecimentos comerciais urbanos. Esse conhecimento de mundo que nos leva
a associar tais características com o "lugar" que é "o além" só pode ser evocado por aqueles
que vivem nas cidades. O nexo de similaridade entre “lugar” e “o além” é, assim, evidente
e através dele se manifesta a metáfora, a qual está aqui apresentada de maneira mais
abstrata que o normal, não obstante esteja presente.
Como terceiro exemplo, a fim de aprofundar ainda mais nossa análise, examinamos
um trecho da peça Júlio César de William Shakespeare. Após o assassinato de César (por
Bruto), Marco Antônio discursa no seu velório dizendo: "O nobre Bruto vos contou que
César era ambicioso. Se ele o foi, realmente, grave falta era a sua, tendo-a César
gravemente expiado" (SHAKESPEARE, 2018, p. 80). Nesse caso, é preciso ter lido a
totalidade da obra ou assistido à peça para compreender a ironia de Marco Antônio em
exaltar a Bruto chamando-o "nobre Bruto" e condenar César chamando-o de "ambicioso"
uma vez que Marco Antônio era seu fiel súdito e colocou-se contra seu assassinato. Nessa
situação a ironia subentende a compreensão maior do discurso previamente estabelecido
e dar-se-á entre enunciados em um nível superior da linguagem. Nas marcas textuais do
enunciado não é possível identificar nem a similaridade, nem a contiguidade irônicas. Esta
se dará pelas falas anteriores da personagem como por exemplo em "Ai, ai da mão que fez
correr tão precioso sangue!" em reiteradas adorações a César e condenações à atitude
traidora de Bruto. A similaridade aqui se apresenta nos conceitos opostos de "nobre" e
"ambicioso" e a contiguidade na defesa da tese oposta. No entanto, metáfora e metonímia
se apresentam de maneira difusa. Os elementos aqui postos em jogo são os enunciados
todos posicionados pela grande unidade do discurso.
Para Benveniste (2005), a frase é a unidade do discurso. Ainda para ele:

A frase, criação indefinida, variedade sem limite, é a própria vida da linguagem em


ação. Concluímos que se deixa com a frase o domínio da língua como sistema de
signos e se entra num outro universo, o da língua como instrumento de
comunicação, cuja expressão é o discurso. (BENVENISTE, 2005, p. 139)

Essa constatação é de suma importância para as reflexões até aqui tecidas, uma
vez que ela e o nosso terceiro exemplo demonstram que a ironia, especialmente, pode se
estabelecer entre esses signos de nível linguístico mais alto que compõe o discurso: os
enunciados. Isso confere à ironia um caráter de maior amplitude que as simples figuras de
estilo – um caráter poético. Ela visa produzir um efeito de sentido além do contrário do que
se diz e se manifesta no nível do discurso. Se, para fins de argumentação, quiséssemos
apenas dizer o contrário do que dissemos, simplesmente o faríamos. Se Marco Antônio
quisesse apenas dizer que Bruto não é nobre diria "Bruto não é nobre". Porém, se quiser
imbuir nesta sua crítica um juízo de valor que cause um efeito maior do que simplesmente
dizê-lo, então ironiza Bruto e os traidores de César, assim como fez, colocando-se em um
patamar superior de discurso em relação àqueles que deseja criticar. Assim, Marco Antônio
quer com a ironia dizer muito mais que o contrário do que de fato diz.
Para Kierkegaard (1991, p. 215), "O fenômeno não é a essência, e sim o contrário
da essência", ou seja, o enunciado não significa o que ele é, mas sim o contrário e, com
esta antítese, atinge um nível de significação superior. A ironia faz querer dizer mais do que
simplesmente o oposto do que diz. É por isso que para Leão (2013) a ironia "configura-se
no mal-entendido, na dualidade entre o fenômeno e o conceito".
É desse modo que a ironia "viaja na carruagem de um incógnito e desta posição
elevada olha com desdém para o discurso de um pedestre comum" (KIERKEGAARD, 1991,
p. 216), transcendendo o limiar do texto e da fala para a esfera do discurso, a fim de cumprir
com a função principal da linguagem: a função poética. A partir do momento em que o
enunciador decide pender o foco da comunicação para a mensagem, segundo Jakobson
(2010), estará ele utilizando esta função. Para ele "o estudo linguístico da função poética
deve ultrapassar os limites da poesia" e

a poética, no sentido mais lato da palavra, se ocupa da função poética não apenas
na poesia, onde tal função se sobrepõe às outras funções da linguagem, mas
também fora da poesia, quando alguma outra função se sobreponha à função
poética. (JAKOBSON, 2010)

Dissemos, anteriormente, que não nos cumpre aqui investigar a natureza filosófica
da ironia. No entanto, seria irresponsável negar o aspecto de profundidade que se nos
apresenta tão valioso recurso da linguagem. A figura irônica se apresenta em nosso dia a
dia em mais que expressões verbais e textuais, e seu uso na poesia vai para além de
significar o contrário, ela nos impõe a lição valiosa de que mais que querer dizer, ser o
contrário pode nos aproximar da virtude e da verdade. Intelectualmente, por exemplo, a
posição de um nada saber perante o conhecimento infinito do universo é o que compele o
filósofo e o cientista a cada vez buscá-lo mais e mais – haja vista a lição clássica de
Sócrates extensamente estudada por Kierkegaard. O que nos cumpre verificar aqui, porém,
é que começamos a compreender essa atitude pelo falar, para só depois atingir a esfera
das ações. O irônico, assim como o poeta, parte da linguagem como subjetividade, para só
depois atingir o mundo, transpondo o fenômeno da metáfora de dentro da linguagem para
fora dela.
Portanto, esta simples operação da linguagem pode transportar-se para o âmbito
dos pensamentos mais profundos e nos aproximar da verdade de uma maneira bela e
inusitada, papel primordial da função poética da linguagem. O poder da linguística e da
poética demonstra-nos, assim, ultrapassar o domínio da língua para adentrar o campo da
filosofia, da arte e da ciência. Para Benveniste (2005), “bem antes de servir para comunicar,
a linguagem serve para viver [...], precisamente porque o próprio da linguagem é, antes de
tudo, significar” e é através da significação que nos defrontamos com os maiores mistérios
da vida.

REFERÊNCIAS

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Campinas: Pontes, 2005.

JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 2010.


KIERKEGAARD, Søren. A. O Conceito de Ironia: Constantemente referido a Sócrates.
Petrópolis: Vozes Ltda., 1991.

LEÃO, Jacqueline Oliveira. Breves Considerações Sobre o Conceito de Ironia de Søren


Kierkegaard. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, v. 14, p.6-11, maio 2013. Mensal.

ALLEN, Woody. Sem plumas. Porto Alegre: L&pm Editores, 2006.

SHAKESPEARE, William. Júlio César. Versão Para Ebook: Ebooksbrasil.com, 2018.


Edição Ridendo Castigat Mores. Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/cesar.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018.

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