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O CORPO E OS MAPAS DA ALTERIDADE

The body and maps of alterity

Christine Greiner
Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP

Resumo: Há muitas bibliografias que têm discutido o tema da alteridade do


ponto de vista político e filosófico. Tópicos como racismo, neurodiversidade e
gênero têm reverberado amplamente nas discussões acadêmicas e outros
fóruns. No entanto, pouco se discute acerca do papel da arte e do corpo nestes
debates. Este artigo busca colaborar com este viés, deslocando o debate das
práticas discursivas para o corpo em movimento e suas ações performativas.

Palavras-chave: Alteridade; Arte; Corpo.

Abstract: There are many bibliographies that have discussed the theme of
alterity from a political and philosophical point of view. Topics such as racism,
neurodiversity and gender have reverberated widely in academic discussions
and other forums. However, there is little discussion about the role of art and
the body in these debates. This article seeks to collaborate with this approach,
shifting the debate from the discursive practices to the body in movement and
its performative actions.

Keywords: Alterity; Art; Body.

Moringa Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 10 n. 2, jun-dez/2019, p. 53 a 64

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Christine Greiner
A alteridade tem sido um chamadas biopolíticas e aos
dos temas mais discutidos no debates em torno da noção de
momento, não apenas no contexto identidade e de lugar de fala, busco
brasileiro, mas também em investigar os modos como a
diferentes fóruns internacionais. alteridade aciona diferentes níveis
Autores como o camaronês Achille de afecção corporal, inclusive
Mbembe, a canadense Erin aqueles mais imperceptíveis e nem
Manning, o espanhol Paul B. sempre conscientes. Para tanto,
Preciado e os americanos Jack venho trabalhando com diferentes
Halberstam e Fred Moten são bibliografias, algumas provenientes
frequentemente citados, além das do campo da neurologia e das
referências ainda mais conhecidas ciências cognitivas.
como as obras de Judith Butler, Toda vez que o organismo
Michel Foucault e Gilles Deleuze, sofre algum tipo de perturbação
que se tornaram fontes sente uma sensação visceral
fundamentais para boa parte dos desagradável. Como se trata de
debates. Entre os pesquisadores uma sensação corporal, o
brasileiros, a lista de referências neurologista António Damásio
cresce a cada dia, apesar do atribuiu a este fenômeno o nome
enfraquecimento de recursos para de estado somático (soma em
a pesquisa que as universidades grego significa corpo). Além disso,
públicas e agências de fomento ele observou que todo estado
têm enfrentado. Ao que tudo indica, corporal “marca” uma imagem ou
apesar da falta de condição ideal um fluxo de imagens como uma
para estudar, este é um tema que espécie de cartografia que o
deve ser fortalecido, já contando cérebro faz o tempo todo
com grandes nomes entre nós mapeando aquilo que acontece no
como Eduardo Viveiros de Castro, corpo. Assim, Damásio chegou ao
Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, marcador somático cuja função
Margareth Rago, Peter Pal Pelbart, seria chamar a atenção para o
Suely Rolnik, entre muitos outros. resultado negativo de uma ação,
Na minha pesquisa, além de como uma espécie de alarme
transitar por estas fontes marcadas automático que anuncia um perigo
por referências voltadas às para o organismo. Quando isto
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acontece, o corpo pode rejeitar significa um complexo de leituras


imediatamente a situação que o corpo (incluindo o cérebro,
desconfortável ou optar por outras mas sem se restringir a ele) faz de
alternativas. É importante notar que si próprio, dos ambientes e de
estes processos nem sempre possíveis compartilhamentos. É ao
acontecem conscientemente, por marcar a imagem da diferença que
isso, algumas vezes, esses o corpo se disponibiliza à mudança.
marcadores somáticos não são Por isso, toda teoria já é,
suficientes para uma tomada de inevitavelmente, uma ação.
decisão, que pode exigir um Isto se reflete também nos
raciocínio que ajude a chegar em modos como se organizam os três
uma decisão final. Mesmo nestas estágios do eu. A primeira fase
situações, os marcadores estão seria o que Damásio chama de
sempre presentes como uma ação proto-eu, um tipo de descrição
primordial do corpo que marca uma neural de aspectos estáveis do
imagem, detecta a perturbação e organismo. O produto principal
aponta caminhos. desses mapeamentos que o
Pode-se considerar que a cérebro faz do corpo são os
experiência da alteridade, que lida sentimentos do corpo vivo,
com tudo aquilo que não é o conhecidos como sentimentos
mesmo, e sim, um estado outro, primordiais. Na segunda fase há
acionado por algo, alguém, alguma um pulso, através do qual este
circunstância ou ideia diferente, proto-eu é modificado pelas
constitui-se como um dos nossos interações do organismo com
principais operadores de outros objetos. Estes objetos
movimento. podem ser literalmente objetos
como compreendemos no senso
É o próprio Damásio quem
comum (caneta, cadeira, bolsa,
explica que o comportamento
celular, etc.) ou qualquer outro
pessoal e social acontece junto
signo como pessoa, imagem,
com a constituição de teorias das
ambiente e assim por diante. Há
próprias mentes e das mentes dos
uma sequência narrativa de
outros. “Teoria”, neste contexto,
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imagens que liga esses objetos ao similaridades com as pesquisas de
organismo, através de padrões Damásio. Segundo Simondon, os
coerentes que se organizam o antigos gregos conheciam a
tempo todo como mapas. Tanto os instabilidade e a estabilidade, o
objetos como o organismo movimento e o repouso, mas não
contaminam-se mutuamente e tinham clareza em relação ao que
estes mapas neurais constituem poderia ser chamado de
uma espécie de representação do metaestabilidade. A seu ver, o
modo como o organismo é estado metaestável seria
modificado ao representar objetos, justamente aquele que admitiria a
durante o próprio processo de energia potencial de um sistema e
pensar. Na terceira fase, que o aumento de entropia. Assim, o
Damásio chama de eu processo de individuação seria
autobiográfico, objetos da biografia considerado um sistema
de um indivíduo criam novos pulsos metaestável e o indivíduo, mais do
ligados, momentaneamente, a um que uma unidade ou identidade,
padrão coerente de larga escala. poderia ser considerado o fruto de
Trata-se de um estado de criação uma ação que ele nomeia como
de subjetividade, habilitação para transdução. Este tipo de ação
consciência e constituição de transdutora acionaria um processo
memórias, manipuladas pela através do qual o ser está sempre
imaginação e pela razão. defasado de si mesmo e se
constitui no coletivo, em relação
Além destas pesquisas de
àquilo que é díspare. Portanto, todo
Damásio, há outros estudos que
também identificaram a sistema em estado de equilíbrio
metaestável pode individuar-se,
processualidade do “eu”. Em
mas conservará seus potenciais e
termos filosóficos, foi Gilbert
devires. Nunca será fechado em si
Simondon quem explicou que ao
mesmo, seguindo sempre
invés de indivíduos, seríamos todos
descontínuo naquilo que é outro
processos de individuação. Embora
(mundo, ambiente, pessoas,
tenha trilhado um caminho mais
objetos, etc.).
voltado para os estudos da
ontogênese dos seres vivos, as Ao invés de identidades a
suas hipóteses apresentam priori e de uma noção dicotômica
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de alteridade, a partir de Damásio e mais uma vez, do reconhecimento


Simondon, as noções de eu, de uma instância metaestável em
indivíduo e identidade tornam-se todo processo de individuação que
dinâmicas, porosas, inacabadas e defasa o indivíduo daquilo que o
defasadas de um self dado a priori, enclausura.
e passam a ser relacionadas à A partir desta proposta, o
necessidade de repensar os indivíduo seria traduzido como uma
coletivos evitando a noção de povo singularidade individuada, cuja
ou massa homogênea. instância do comum o tornaria apto
Um dos autores que se a compartilhar as diferenças. Virno
dedicou a este tema foi Paolo enfatizou o viés político desta
Virno. Para discutir a noção de discussão, quando escreveu o seu
multidão, Virno também usou livro Gramática das Multidões
algumas hipóteses de Simondon e (2001), entre outras publicações,
demonstrou como estas romperam nas quais indagou como seria
com a crença generalizada de que possível alimentar a esfera do
o indivíduo é algo que antecede o comum que só existe quando se
coletivo e que, ao estar em grupo, constitui coletivamente. Para tanto,
precisa desfazer-se de algumas de criou pontes importantes com o
suas características individuais, pensamento marxista, sobretudo
como se no coletivo a identidade se no que se refere às noções de
diluísse. Para Virno, assim como intelecto geral (a dimensão coletiva
para Simondon, seria justamente o e social do trabalho intelectual) e
contrário. O coletivo não seria algo de trabalho imaterial (o tipo de
que atenua ou prejudica a trabalho que gera processos e não
individuação, mas sim, a sua necessariamente produtos). A partir
potência. Todo indivíduo daí, poderíamos revitalizar um
preservaria (a despeito de sua comum processual, onde as
vontade) um nível pré-individual, instâncias do individual e do
uma espécie de fundo não coletivo apareceriam borradas o
estruturado que poderia gerar tempo todo.
novas individuações. Trata-se,

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Gilles Deleuze também fez estes autores, há uma instância de
parte desta discussão, uma vez inacabamento que marca a leitura
que foi o primeiro a instaurar uma do que se constitui como “eu” a
rica conexão entre Simondon e partir dos corpos e dos ambientes.
Baruch Spinoza, formulando a Uma espécie de precariedade da
partir daí a noção de singularidade, vida que não tende,
que inspirou autores como Antonio necessariamente, à finitude, mas,
Negri e Michael Hardt a conceber a antes de tudo, à coletivização.
diferença entre povo e multidão. De O pesquisador Brian
acordo com Negri e Hardt, a Massumi destaca que esta
multidão seria um coletivo de transindividualidade (uma instância
singularidades e não uma massa coletiva tácita) está presente em
homogênea, marcada por uma todos os âmbitos, inclusive na
identidade pré-concebida a partir esfera da economia. A sua leitura
de parâmetros como nacionalidade, de certa forma contradiz a opinião
território e sangue. generalizada que tem identificado
A vida singular ou “uma com mais ênfase as atitudes
vida”, como Deleuze formulou em narcísicas e os processos
seu ultimo texto (ver bibliografia), imunitários que enfraquecem a vida
seria marcada por uma comunitária, fortalecendo a
especificidade vaga, em devir, competitividade e todas as
nunca acabada em si mesma. consequências nefastas que
Entre o murmúrio do recém- surgem a partir das tentativas de
nascido e o daquele que está à melhorar a empregabilidade,
beira da morte, a linguagem mesmo entre aqueles que
perderia a sua onipresença para supostamente não deveriam ser
uma textualidade corpórea que subservientes a estes dispositivos
sempre existiu, mas, nestes de poder, como é o caso dos
estados limítrofes, parecia ganhar artistas.
mais visibilidade. Na contramão destas
Embora o modo de análises, Massumi identifica um
conceituar e gerar terminologias plano de imanência, onde sistema
não seja o mesmo entre todos econômico e sujeitos estariam

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reunidos em um estado funcional sempre em uma instância


de indistinção entre o momento em necessariamente coletiva e
que a ação começa e aquilo que descontínua, mas isto não exime
está por vir. Ele observa o que os sujeitos de suas
chamará de ontopoder, que seria “o responsabilidades, como poderia
poder do devir” e “o poder de parecer à primeira vista. Trata-se
criação”. Neste momento de apenas do reconhecimento de que
transdução, para usar o termo de não há um controle absoluto e nem
Simondon, o individual e o uma condição de individualização
transindividual andariam juntos, soberana. Massumi chega a sugerir
constituindo pontes inevitáveis o termo “dividualismo” que
entre redes de afetos e marcará, especialmente, as ações
racionalidades. de microeconomia. É nesta
instância do micro que os
Deste ponto de vista,
processos de percepção se tornam
haveria todo um processo para
cada vez mais significativos. Isso
alimentar os sistemas econômicos
porque a política do dividualismo
que não envolve necessariamente
lida mais com as intensidades do
decisões conscientes. O nível não
que com a satisfação, criando
consciente poderia ser considerado
escalas de cruzamento de
também não pessoal (e sim
sensitividades. As escolhas nunca
transindividual). Por isso a noção
de self seria melhor definida como são completamente individuais,
um movimento do que como uma mas em rede. Massumi arrisca
substância. O fluxo de imagens dizer que o controle do indivíduo
surfa em fluxos.
migraria para dentro e para fora do
corpo, o que faria das decisões Não pretendo me estender
algo que ocorre através de nós e na análise das hipóteses de todos
não em nós. estes autores, mas sim chamar a
atenção para uma questão que
É importante notar que
assombra o debate: se existe uma
Virno, Massumi, Simondon,
disponibilização orgânica para tudo
Damásio e Deleuze se referem à
aquilo que não é o mesmo, e se a
constituição do indivíduo ou do “eu”
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própria noção de “indivíduo” se individualidade de devires, neste
constitui a partir de uma rede de caso, a relação de poder usa a vida
relações, o que tem atravancado o do outro como utensilio indistinto
fluxo, até mesmo no que se refere da sua própria vida. O escravo
a alguns processos de criação sequer pode ser reconhecido como
artística? um objeto autônomo. Ele
representa uma mediação
Se voltarmos para Damásio
acionada pelo mestre que o inclui
e Simondon, podemos notar que,
cognitivamente, admitiu-se que o em sua vida, apenas para exclui-lo.
Assim, o que poderia ser a
organismo nunca deveria ser visto
diferença mobilizadora de novos
como uma unidade substantiva,
cuja identidade seria dada a priori. modos de individuação ou um
pulso para narrativas proto e
Também foi assumido que a noção
autobiográficas, traduz-se como um
de indivíduo é fásica, descontínua
mecanismo de desabilitação para a
e descentrada, havendo, em todas
vida. Ao invés de seguir os mapas
estas constatações, o
cartografados pelos marcadores
reconhecimento de uma instância
somáticos e a geração de
coletiva no individual e de uma
diversidade, nota-se uma marcação
singularidade metaestável mais do
que uma identidade estabelecida a de territórios para defender a vida
priori. própria, imunizando-a de seus
antígenos estrangeiros. Trata-se de
No entanto, a dinâmica do uma tentativa de privatizar e
uso do corpo suscita outras estabilizar os processos de
questões. Haveria, por vezes, uma normalização, eliminando tudo
continuidade e uma zona de aquilo que poderia representar
indistinção entre o corpo de quem qualquer tipo de diferença e
tem poder e daquele que não tem. exterioridade.
Esta conexão nada produz. O uso
É neste sentido que outro
do outro não se configura como
filósofo italiano, Roberto Esposito,
uma percepção da diferença que
dirá que a imunidade é um dos
habilita uma mudança. Se as
principais paradigmas que
individualidades são fásicas e
enfrentamos hoje. Em seu livro
contam com uma pré-
Immunitas (2011), o “outro” seria
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apenas uma dose pequena de sobretudo na diferença temporal


veneno internalizada para nos entre estratégias criativas de
imunizar do coletivo, seguindo a entretenimento e os processos de
lógica da vacina que inclui para criação. Ao comprometer o tempo
excluir. da criação, a arte se transforma em
mera exibição. Além disso, arrisco
E qual seria o papel da arte?
dizer que há também um outro
Quando escrevi o livro problema: as estratégias criativas
Fabulações do corpo japonês e (que não se constituem como
seus microativismos (2017), processos de criação) lidam com o
comecei a desenvolver a hipótese mesmo e não com aquilo que
de que aquilo que diferencia as poderia desestabilizar padrões
experiências artísticas dos outros vigentes (certezas, movimentos,
debates em torno da biopolítica é narrativas e assim por diante). Por
que a ação dos marcadores isso, a questão da alteridade, do
somáticos se torna a ação primária como lidar com a diferença, não é
da criação e desestabiliza a relação algo dado, nem mesmo nos
um e outro, porque nem um, nem processos de criação artística. Há
outro são dados a priori. São uma aptidão para lidar de forma
processuais, metaestáveis, diferenciada com as singularidades
dinâmicos e sistêmicos. A arte se da vida, mas isto não significa que
alimenta da diferença e nunca tenta aconteça de maneira inevitável.
bani-la, pois precisa da
Talvez seja esta a
desestabilização para criar.
encruzilhada a ser enfrentada, não
É claro que existem apenas pelos artistas, mas por
circunstâncias em que também a todas as atividades que lidam com
arte é capturada por dispositivos de produção de conhecimento. Como
poder. Assim, como observa seguir acreditando e acionando os
Pascal Gielen (2015), artistas do processos de mudança?
mundo todo correm o risco de
Brian Massumi (2014) afirma
serem impactados pela lógica
que faz parte do neoliberalismo um
neoliberal. Isto tem sido sentido
certo tipo de movimento que morre
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do seu próprio sucesso. Por isso, o identidades dadas a priori são o
sucesso micropolítico é, muitas ponto de partida que, por sua vez,
vezes, a falha macropolítica e isso acaba gerando a negação ou
pede, necessariamente, pela exclusão do outro, como se a única
reinvenção de coletivos. Se os possibilidade de sobreviver fosse
processos imunitários prejudicam aderir à lógica da imunização. No
as alianças, por outro lado, há uma entanto, os processos de criação
dimensão estética da vida que artística (referentes à
insiste, produzindo uma rede de microprodução) são alimentados
possibilidades. pela alteridade, no sentido de
fortalecer a aptidão para
Talvez possamos pensar o
desestabilizar a dicotomia e acionar
mesmo em relação à arte. Vigora
a crise sistêmica que os constitui.
uma macroprodução artística,
Não se trata de um ou outro, mas
coerente com as expectativas do
de explicitar a descontinuidade e
mercado e com tudo aquilo que já é
alimentar a transindividualidade
familiar e propenso a uma boa
que não gera uma identidade
receptividade. Mas,
estagnada. Em 2015, eu e Helena
simultaneamente, há uma
Katz organizamos uma coletânea
microprodução artística, suscetível
de ensaios intitulada Arte e
às desestabilizações, ao risco e a
Cognição que reuniu pesquisas de
tudo aquilo que tende a ser visto
diversos artistas/pesquisadores do
como falha -- nem um nem outro,
Brasil. Os debates giravam em
mas a negação desta mesma
torno da noção de corpomídia e de
dicotomia.
como, em contextos culturais
Neste sentido, fica claro que distintos, emergem singularidades
as manifestações políticas que para testar experiências de dança,
instauram, por exemplo, o de teatro, metodologias
confronto corporal nas ruas, não pedagógicas e acionamentos
são similares aos processos de políticos.
criação artística. A diferença está,
A criação artística não tem o
justamente, no modo de
compromisso de promover
compreender a alteridade. No caso
mudanças sociais ou políticas.
dos protestos, a dicotomia e as
Mas, ao dar visibilidade aos
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estados de crise, explicita questões Life, trad. Timothy Campbell. New


nem sempre visíveis na vida York: Polity, 2011.
cotidiana. Assim, instauram-se
GIELEN, Pascal. Criatividade e
conexões que podem
Outros Fundamentalismos, trad.
desestabilizar hábitos e crenças e Sharine Mello. São Paulo: ed.
apontar possibilidades. É neste Annablume, 2015.
sentido que o estado de alteridade GREINER, Christine. Fabulações
pode se traduzir como um estado do Corpo Japonês e seus
de criação – um ativismo microativismos. São Paulo: Ed. n-
absolutamente fundamental 1, 2017.
sobretudo nos ambientes mais
KATZ, Helena e GREINER,
acometidos pela lógica neoliberal Christine (orgs). Arte e Cognição.
que se nutre do desinteresse pelas São Paulo: ed. Annablume, 2015.
singularidades. MASSUMI, Brian. The power at
the end of the economy. Durham:
Recebido em: 01/08/2019 Duke University Press, 2014.
Aceito em 21/08/2019
NEGRI, Antonio e HARDT,
Michael. Multidão, Guerra e
Referências Bibliográficas Democracia na era do Império,
trad. Clovis Marques. Rio de
DAMÁSIO, António. O mistério da Janeiro: ed. Record, 2005.
Consciência, do corpo e das
emoções ao conhecimento de SIMONDON, Gilbert.
sim, trad. Laura Teixeira Motta. L'individuation psychique et
São Paulo: Companhia das Letras, collective. Paris: Aubier, 1989.
2000.
VIRNO, Paolo. Gramática das
DELEUZE, Gilles. “L’immanence: Multidões, para uma análise das
une vie...”. Philosophie, n. 47, formas de vida contemporâneas,
1995. trad. Leonardo Palma. São Paulo:
ed. Annablume, 2001).
ESPOSITO, Roberto. Immunitas,
the Protection and Negation of

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