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Christine Greiner
Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP
Abstract: There are many bibliographies that have discussed the theme of
alterity from a political and philosophical point of view. Topics such as racism,
neurodiversity and gender have reverberated widely in academic discussions
and other forums. However, there is little discussion about the role of art and
the body in these debates. This article seeks to collaborate with this approach,
shifting the debate from the discursive practices to the body in movement and
its performative actions.
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A alteridade tem sido um chamadas biopolíticas e aos
dos temas mais discutidos no debates em torno da noção de
momento, não apenas no contexto identidade e de lugar de fala, busco
brasileiro, mas também em investigar os modos como a
diferentes fóruns internacionais. alteridade aciona diferentes níveis
Autores como o camaronês Achille de afecção corporal, inclusive
Mbembe, a canadense Erin aqueles mais imperceptíveis e nem
Manning, o espanhol Paul B. sempre conscientes. Para tanto,
Preciado e os americanos Jack venho trabalhando com diferentes
Halberstam e Fred Moten são bibliografias, algumas provenientes
frequentemente citados, além das do campo da neurologia e das
referências ainda mais conhecidas ciências cognitivas.
como as obras de Judith Butler, Toda vez que o organismo
Michel Foucault e Gilles Deleuze, sofre algum tipo de perturbação
que se tornaram fontes sente uma sensação visceral
fundamentais para boa parte dos desagradável. Como se trata de
debates. Entre os pesquisadores uma sensação corporal, o
brasileiros, a lista de referências neurologista António Damásio
cresce a cada dia, apesar do atribuiu a este fenômeno o nome
enfraquecimento de recursos para de estado somático (soma em
a pesquisa que as universidades grego significa corpo). Além disso,
públicas e agências de fomento ele observou que todo estado
têm enfrentado. Ao que tudo indica, corporal “marca” uma imagem ou
apesar da falta de condição ideal um fluxo de imagens como uma
para estudar, este é um tema que espécie de cartografia que o
deve ser fortalecido, já contando cérebro faz o tempo todo
com grandes nomes entre nós mapeando aquilo que acontece no
como Eduardo Viveiros de Castro, corpo. Assim, Damásio chegou ao
Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, marcador somático cuja função
Margareth Rago, Peter Pal Pelbart, seria chamar a atenção para o
Suely Rolnik, entre muitos outros. resultado negativo de uma ação,
Na minha pesquisa, além de como uma espécie de alarme
transitar por estas fontes marcadas automático que anuncia um perigo
por referências voltadas às para o organismo. Quando isto
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imagens que liga esses objetos ao similaridades com as pesquisas de
organismo, através de padrões Damásio. Segundo Simondon, os
coerentes que se organizam o antigos gregos conheciam a
tempo todo como mapas. Tanto os instabilidade e a estabilidade, o
objetos como o organismo movimento e o repouso, mas não
contaminam-se mutuamente e tinham clareza em relação ao que
estes mapas neurais constituem poderia ser chamado de
uma espécie de representação do metaestabilidade. A seu ver, o
modo como o organismo é estado metaestável seria
modificado ao representar objetos, justamente aquele que admitiria a
durante o próprio processo de energia potencial de um sistema e
pensar. Na terceira fase, que o aumento de entropia. Assim, o
Damásio chama de eu processo de individuação seria
autobiográfico, objetos da biografia considerado um sistema
de um indivíduo criam novos pulsos metaestável e o indivíduo, mais do
ligados, momentaneamente, a um que uma unidade ou identidade,
padrão coerente de larga escala. poderia ser considerado o fruto de
Trata-se de um estado de criação uma ação que ele nomeia como
de subjetividade, habilitação para transdução. Este tipo de ação
consciência e constituição de transdutora acionaria um processo
memórias, manipuladas pela através do qual o ser está sempre
imaginação e pela razão. defasado de si mesmo e se
constitui no coletivo, em relação
Além destas pesquisas de
àquilo que é díspare. Portanto, todo
Damásio, há outros estudos que
também identificaram a sistema em estado de equilíbrio
metaestável pode individuar-se,
processualidade do “eu”. Em
mas conservará seus potenciais e
termos filosóficos, foi Gilbert
devires. Nunca será fechado em si
Simondon quem explicou que ao
mesmo, seguindo sempre
invés de indivíduos, seríamos todos
descontínuo naquilo que é outro
processos de individuação. Embora
(mundo, ambiente, pessoas,
tenha trilhado um caminho mais
objetos, etc.).
voltado para os estudos da
ontogênese dos seres vivos, as Ao invés de identidades a
suas hipóteses apresentam priori e de uma noção dicotômica
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Gilles Deleuze também fez estes autores, há uma instância de
parte desta discussão, uma vez inacabamento que marca a leitura
que foi o primeiro a instaurar uma do que se constitui como “eu” a
rica conexão entre Simondon e partir dos corpos e dos ambientes.
Baruch Spinoza, formulando a Uma espécie de precariedade da
partir daí a noção de singularidade, vida que não tende,
que inspirou autores como Antonio necessariamente, à finitude, mas,
Negri e Michael Hardt a conceber a antes de tudo, à coletivização.
diferença entre povo e multidão. De O pesquisador Brian
acordo com Negri e Hardt, a Massumi destaca que esta
multidão seria um coletivo de transindividualidade (uma instância
singularidades e não uma massa coletiva tácita) está presente em
homogênea, marcada por uma todos os âmbitos, inclusive na
identidade pré-concebida a partir esfera da economia. A sua leitura
de parâmetros como nacionalidade, de certa forma contradiz a opinião
território e sangue. generalizada que tem identificado
A vida singular ou “uma com mais ênfase as atitudes
vida”, como Deleuze formulou em narcísicas e os processos
seu ultimo texto (ver bibliografia), imunitários que enfraquecem a vida
seria marcada por uma comunitária, fortalecendo a
especificidade vaga, em devir, competitividade e todas as
nunca acabada em si mesma. consequências nefastas que
Entre o murmúrio do recém- surgem a partir das tentativas de
nascido e o daquele que está à melhorar a empregabilidade,
beira da morte, a linguagem mesmo entre aqueles que
perderia a sua onipresença para supostamente não deveriam ser
uma textualidade corpórea que subservientes a estes dispositivos
sempre existiu, mas, nestes de poder, como é o caso dos
estados limítrofes, parecia ganhar artistas.
mais visibilidade. Na contramão destas
Embora o modo de análises, Massumi identifica um
conceituar e gerar terminologias plano de imanência, onde sistema
não seja o mesmo entre todos econômico e sujeitos estariam
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própria noção de “indivíduo” se individualidade de devires, neste
constitui a partir de uma rede de caso, a relação de poder usa a vida
relações, o que tem atravancado o do outro como utensilio indistinto
fluxo, até mesmo no que se refere da sua própria vida. O escravo
a alguns processos de criação sequer pode ser reconhecido como
artística? um objeto autônomo. Ele
representa uma mediação
Se voltarmos para Damásio
acionada pelo mestre que o inclui
e Simondon, podemos notar que,
cognitivamente, admitiu-se que o em sua vida, apenas para exclui-lo.
Assim, o que poderia ser a
organismo nunca deveria ser visto
diferença mobilizadora de novos
como uma unidade substantiva,
cuja identidade seria dada a priori. modos de individuação ou um
pulso para narrativas proto e
Também foi assumido que a noção
autobiográficas, traduz-se como um
de indivíduo é fásica, descontínua
mecanismo de desabilitação para a
e descentrada, havendo, em todas
vida. Ao invés de seguir os mapas
estas constatações, o
cartografados pelos marcadores
reconhecimento de uma instância
somáticos e a geração de
coletiva no individual e de uma
diversidade, nota-se uma marcação
singularidade metaestável mais do
que uma identidade estabelecida a de territórios para defender a vida
priori. própria, imunizando-a de seus
antígenos estrangeiros. Trata-se de
No entanto, a dinâmica do uma tentativa de privatizar e
uso do corpo suscita outras estabilizar os processos de
questões. Haveria, por vezes, uma normalização, eliminando tudo
continuidade e uma zona de aquilo que poderia representar
indistinção entre o corpo de quem qualquer tipo de diferença e
tem poder e daquele que não tem. exterioridade.
Esta conexão nada produz. O uso
É neste sentido que outro
do outro não se configura como
filósofo italiano, Roberto Esposito,
uma percepção da diferença que
dirá que a imunidade é um dos
habilita uma mudança. Se as
principais paradigmas que
individualidades são fásicas e
enfrentamos hoje. Em seu livro
contam com uma pré-
Immunitas (2011), o “outro” seria
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do seu próprio sucesso. Por isso, o identidades dadas a priori são o
sucesso micropolítico é, muitas ponto de partida que, por sua vez,
vezes, a falha macropolítica e isso acaba gerando a negação ou
pede, necessariamente, pela exclusão do outro, como se a única
reinvenção de coletivos. Se os possibilidade de sobreviver fosse
processos imunitários prejudicam aderir à lógica da imunização. No
as alianças, por outro lado, há uma entanto, os processos de criação
dimensão estética da vida que artística (referentes à
insiste, produzindo uma rede de microprodução) são alimentados
possibilidades. pela alteridade, no sentido de
fortalecer a aptidão para
Talvez possamos pensar o
desestabilizar a dicotomia e acionar
mesmo em relação à arte. Vigora
a crise sistêmica que os constitui.
uma macroprodução artística,
Não se trata de um ou outro, mas
coerente com as expectativas do
de explicitar a descontinuidade e
mercado e com tudo aquilo que já é
alimentar a transindividualidade
familiar e propenso a uma boa
que não gera uma identidade
receptividade. Mas,
estagnada. Em 2015, eu e Helena
simultaneamente, há uma
Katz organizamos uma coletânea
microprodução artística, suscetível
de ensaios intitulada Arte e
às desestabilizações, ao risco e a
Cognição que reuniu pesquisas de
tudo aquilo que tende a ser visto
diversos artistas/pesquisadores do
como falha -- nem um nem outro,
Brasil. Os debates giravam em
mas a negação desta mesma
torno da noção de corpomídia e de
dicotomia.
como, em contextos culturais
Neste sentido, fica claro que distintos, emergem singularidades
as manifestações políticas que para testar experiências de dança,
instauram, por exemplo, o de teatro, metodologias
confronto corporal nas ruas, não pedagógicas e acionamentos
são similares aos processos de políticos.
criação artística. A diferença está,
A criação artística não tem o
justamente, no modo de
compromisso de promover
compreender a alteridade. No caso
mudanças sociais ou políticas.
dos protestos, a dicotomia e as
Mas, ao dar visibilidade aos
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