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O presente artigo pretende fazer uma articulação das principais características do mundo atual,
retomar alguns teóricos da pós-modernidade, em especial Zigmund Bauman e Boaventura Santos, e
refletir sobre as possibilidades de se aprofundar as experiências democráticas para além do modelo
hegemônico liberal que tem vigorado ao longo do século XX. Trata-se de retomar algumas
experiências de participação e controle social exemplificadas por Boaventura Santos como formas
alternativas de construção de democracia que ultrapassam a lógica formal, elitista e representativa
da política, que reduz o processo de cidadania ao direito de votar num governante, característica
esta fundamental da democracia ocidental capitalista.
A partir da década de 70 ocorre uma reestruturação mundial do capitalismo, com uma intensificação
do comércio global, formação de blocos regionais, processo de flexibilização das fronteiras
nacionais, centralização do sistema financeiro, bem como uma reorganização do mundo do trabalho
e do processo produtivo (substituição da era industrial das máquinas pesadas pelos sistemas de
informação e pela revolução tecnológica contínua). Na política, surge uma reconfiguração do papel
do Estado, qual seja, um abandono do Estado do bem estar social, como fortemente interventor e
promotor da cidadania e dos direitos sociais, em favor de um Estado mínimo centrado de forma
predominante em garantir a ordem. Trata-se da consolidação da visão do Estado liberal que vinha
sendo defendido por muitos teóricos desde o final do século XIX e que veio a se consolidar no final
do século XX. Após a 2ª guerra mundial, em lugar dos Estados-Nacionais fortes, surgem órgãos
internacionais (FMI, OMC, Banco Mundial) como referência para resolver conflitos internacionais,
os quais entre outras funções estabelecem tratados e possuem poder de realizar empréstimos e
renegociar as dívidas externas dos países.
Alguns chamam essa fase de pós-modernidade, outros de capitalismo tardio (como Jameson e
Mandel), e outros ainda de pós-fordismo (como Harvey), era da informação, globalização, etc.,
sendo que essas várias expressões podem ser interpretadas como sinônimas e, em geral são
utilizadas simultaneamente. E também seu uso depende da preferência (ideológica) do intelectual e
do enfoque dado, seja com viés mais social, econômico ou político. Apesar da diversidade de
leituras sobre a época atual, seja criticando ou defendendo, a maioria concorda que se trata de uma
reorganização do sistema capitalista e não de um novo sistema produtivo. É inegável que uma das
principais características desta nova fase é o enfraquecimento do Estado do bem estar social que
caracterizou mais da metade do século XX. Todavia, este novo papel atribuído ao Estado não é
homogêneo em todos os países, assim como o Estado do Bem estar social não o era.
Bauman dentre várias definições para época atual, utiliza o termo “modernidade líquida”[1] para
caracterizar a fluidez da realidade em contraposição à solidez do período anterior. Esta fluidez não é
apenas econômica (que transfere em questões de segundo grandes volumes de capital de um canto
do mundo a outro, ou de uma empresa que se instala em um país e dele migra tão rápido quanto
entrou), ou política (mudanças contínuas de legislação, leis de patentes, fim dos direitos adquiridos
dos trabalhadores, crise dos partidos tradicionais de esquerda e de direita, etc.), ela também se
reproduz nas demais áreas da vida humana, como as relações pessoais (amor e amizade cada vez
mais fluidos e passageiros, identidade pessoal fluida), o lazer (intensificação do turismo, das
migrações), a arte e o conhecimento acadêmico, cada vez mais ávido por novidades, em especial
nas áreas tecnológicas. Aliás, a revolução tecnológica é o grande sustentáculo do capitalismo atual,
é ela que dinamiza a produção econômica e o acúmulo de capital. O pensador utiliza a metáfora do
‘turista e do vagabundo’ para ilustrar a mobilidade e a flexibilidade atual, mostrando que esse
desenraizamento contínuo é vivenciado de forma diferenciada pelas pessoas: para quem tem
dinheiro é uma opção de viver aventuras permanentes; para os pobres, os excluídos, longe de ser
uma escolha é uma condição, pois eles se movem continuamente porque lhes são negado a
permanência num determinado lugar.
Bauman ao caracterizar a sociedade atual é bastante pessimista. Pois, se de um lado o fim das
grandes utopias e das certezas poderiam tornar os indivíduos mais livres e autônomos para
decidirem seu destino, do outro, a radicalização do individualismo tornou quase impossível a
convivência coletiva. O que sobrou foi apenas o indivíduo, e este enquanto consumidor. O símbolo
da época atual são os ‘shoppings’, que são os templos da era do consumo, onde as pessoas estão
juntas as outras num mesmo local fechado (com a máxima segurança) mas não convivem nem
partilham as diferentes experiências. A liberdade acaba reduzida à escolha entre um ou outro
produto por parte do indivíduo. Se por séculos o indivíduo foi sufocado pelo coletivo, agora se caiu
no outro extremo.
Boaventura Santos (2005) concorda com a maioria das críticas à sociedade atual realizada pelos
autores anteriormente citados. Ele afirma que o modelo da economia de mercado tem aumentado as
desigualdades sociais e isto é verificável tanto nos países centrais como periféricos (claro que com
mais intensidade e gravidade nestes últimos). Diz ele, das 100 maiores economias do mundo, 47
encontram-se nas mãos de grandes empresas multinacionais e há várias empresas privadas hoje que
possuem mais riquezas que muitos países. Segundo dados da ONU, dos 84 países mais pobres, 54
diminuíram seu PIB, sendo que destes 14 reduziram em torno de 35%. Atualmente, 1,5 milhões de
pessoas vivem com menos de 1 dólar/dia; e outras 2 milhões vivem com até 2 dólares/dia. Mesmo
nos EUA as desigualdades aumentaram onde 20% das famílias mais ricas detêm em torno de 80%
das riquezas, situação nunca vista antes. As 200 pessoas mais ricas do mundo entre 1994 a 1998
dobraram suas riquezas. Portanto, após a crise da década de 70, com a consolidação do capitalismo
do mercado e o fim do Estado do bem estar social ou da providência , há um crescimento
considerável das desigualdades sociais e enriquecimento das grandes corporações transnacionais.
Para Boaventura Santos, estes exemplos não visam construir um modelo universal de democracia
(uma receita pronta), pois é justamente contra esta lógica que se propõe uma globalização contra-
hegemônica. Com a valorização destas experiências locais justamente está se incentivando a
diversidade cultural das diferentes comunidades ignoradas pela democracia liberal. Mas ao mesmo
tempo, o pensador alerta sobre os riscos dos fracassos de tais organizações que permanecem
isoladas. Como exemplo de tragédia ele cita a comunidade de São José do Apartadó, na Colômbia,
situada no centro do conflito entre guerrilheiros e forças militares, onde eles optaram pela bandeira
da paz, mas entre 1999 a 2000 haviam morrido 83 pessoas da comunidade, demonstrando os limites
de experiências locais isoladas. Assim, é fundamental que se articule redes ou elos globais entre as
diferentes comunidades que buscam resistir ao modelo de globalização hegemônica.
Portanto, a presente análise buscou apontar vários aspectos que caracterizam a época atual, visando
apontar alternativas de práticas democráticas que vão além do modelo hegemônico neoliberal de
participação. Boaventura Santos (2006) afirma que o capitalismo é criticável não por não ser
democrático, mas por não ser suficientemente democrático, pois se limita a democratização do
espaço político do Estado. É necessário ampliar para as outras esferas da vida humana, desde as
relações domésticas (relações de gênero), o espaço de produção (mundo do trabalho, distribuição de
riquezas, etc.) como também a nível mundial (relações entre países). Trata-se de tornar mais
complexo e democrático toda a estrutura social, o que poderá levar a sua manutenção ou superação
e, neste sentido, os diferentes movimentos sociais da época atual como ambientalistas, feminismo e
as várias experiências de ampliação democrática dos países do sul (citados anteriormente) se
configuram como alternativas coletivas para a construção de uma sociedade mais justa. Como diz
Bauman(2003), o critério de avaliação de uma sociedade justa não é pela média do PIB, mas pelo
grau de justiça social que os habitantes mais fracos usufruem (como Marx postulou)
Certamente num contexto de turistas e vagabundos, metáfora utilizada por Bauman(1998), onde
impera o individualismo extremo há dificuldades na construção de alternativas coletivas, mas estas
não se tornam impossíveis, vide os diferentes exemplos encontrados, em especial nos países menos
desenvolvidos apresentados por Boaventura Santos. É inegável que estas novas formas de
participação social se chocam com modelos tradicionais de participação política: seja numa
perspectiva mais conservadora de participação político-partidária; seja em relação à visão
ideológica tradicional da esquerda centrada na organização de partidos políticos e sindicatos[2]. É
neste contexto continuamente imprevisível que os seres humanos agem, interpretam e transformam
o mundo, não numa perspectiva unilinear, mas com escolhas que tanto poderão manter o sistema
capitalista como transformá-lo. E a transformação já não será possível identificar com uma única
fórmula, e talvez seja esta diversidade e falta de fundamento último que poderá construir um mundo
melhor, não livre de conflitos mas mais democrático e justo.
Referências
SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2005 (25-
102)
__________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006
* Graduada em Filosofia pela Unijuí, Mestre em Filosofia pela UFSM. Funcionária pública da
Secretaria Estadual de Saúde/RS e graduanda em Ciências Sociais pela UFSM.
[1] Bauman diz que sua opção por modernidade liquida em contraposição à modernidade sólida
(caracterizava o período anterior) é para evitar ser confundido com os defensores de pós-
modernismo/pós-moderno (ideal, valores de uma nova sociedade). Pós-modernidade é uma
abordagem sociológica da época atual (Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 de outubro de
2003).
[2] Daniel Bensaid, teórico de esquerda, no artigo “Uma Nova Época Histórica” publicado na obra
“Marxismo, Modernidade, Utopias” (2000), afirma que a estratégica de conquista da arena nacional
(hegemonia nacional) que caracterizou o discurso de esquerda por vários anos nos, dias atuais não é
falsa, mas já não é o suficiente. A luta pelo poder nacional cada vez está mais influenciada pela
dinâmica regional/mundial. Além disso, a reorganização produtiva e por conseqüência a diminuição
enorme dos postos de trabalho exigem do movimento sindical outras saídas (que ao meu ver
certamente devem ultrapassem o tradicional assistencialismo e o corporativismo predominante da
prática sindical nos dias atuais. Assim, a esquerda terá que lidar com estas mudanças que não são
apenas conjunturais, mas oriundas de uma nova fase do capitalismo, bem como se abrir a novas
formas de participação social.