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Rev. Pol. Púb. e Seg. Soc.

| 2017/2

A INCONSTITUCIONALIDADE DAS REGRAS DISCRIMINATÓRIAS PARA


DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS MASCULINOS

Fernando de Brito Alves 1


Heloísa Helena Silva Pancotti 2
Resumo:

As normativas estatais que regulam os procedimentos para a doação de sangue no Brasil


promovem tratamento discriminatório com relação aos indivíduos homossexuais
masculinos, os HSH, sexualmente ativos, proibindo que procedam à doação de sangue, a
menos que se abstenham de relacionar-se sexualmente por período superior a doze meses,
acreditando que desta forma evitariam a contaminação dos estoques públicos dos
hemonúcleos. O mesmo tratamento não é dispensado aos indivíduos heterossexuais com
comportamento sexual de risco, apontando assimetria e discrímen sem justificativa
plausível. Houve o ajuizamento perante o Supremo Tribunal Federal de Ação Direta de
Inconstitucionalidade Genérica, pugnando pelo cancelamento da proibição com efeitos
erga omnes e ex tunc. Apresentamos uma análise da questão a partir de argumentos
jurídicos e do direito comparado para apoiar a alteração das normas de maneira a
privilegiar o tratamento inclusivo e igualitário ante a aparente colisão dos princípios
constitucionais que amparam os dois pólos desta discussão que se iniciou de maneira tímida
e ganhou cada vez mais relevância no cenário jurídico nacional, por se tratar de um marco
na luta da defesa de interesses de um segmento minoritário da sociedade, como outrora a
luta pela União Civil dos Homossexuais.

Palavras-chave: Doação de Sangue, homossexuais, dignidade, igualdade, não


discriminação, inconstitucionalidade.

INTRODUÇÃO

A homossexualidade nem sempre foi considerada tabu. Entre os gregos, na


antiguidade clássica, não havia na prática da sexualidade distinções como entre os
modernos. Inclusive, o amor na cultura grega era virtude que se concebia entre iguais, são

1
Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Coordenador do
Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da UENP/PR. Procurador Geral da UENP. E-mail:
fernandobrito@uenp.edu.br
2
Advogada. Consultora jurídica. Especialista em Direito Processual pela UNITOLEDO. Mestranda em Direito
pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha de Marília – UNIVEM/SP. E-mail: pancotti@gmail.com

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inúmeras narrativas que remetem a essa leitura, por exemplo, o famigerado diálogo O
Banquete de Platão, entre outros.
Até grandes construções teóricas sobre a sexualidade surgirem, a partir da segunda
metade do século XIX não existe as referidas distinções e toda manifestação da
sexualidade que não tivesse finalidade procriativa era considerada desvio, inclusive a
relação sexual hereterosexual; é na segunda metade do século XVII, que os psiquiatras
começaram a constituir a homossexualidade como objeto de análise.
A partir de então, o interesse e o controle sobre a sexualidade se intensifica
progressivamente, construindo-se não apenas um modelo normativo da sexualidade normal,
mas, sobretudo um imaginário discriminatório sobre a sexualidade desviante.
O presente artigo, formulado pelo método dedutivo-indutivo, por meio de análise
bibliográfica de textos e decisões judiciais, pretende analisar, sem, contudo esgotar o tema, o
debate travado no Supremo Tribunal Federal, acerca da inconstitucionalidade de texto legal
que proíbe indivíduos homossexuais masculinos sexualmente ativos de proceder à doação de
sangue e derivados, a menos que se abstenham por período superior a 12 meses antes da
doação.
Aponta-se o caráter discriminatório das regras estatais baseadas em pesquisas que
não procuram examinar as práticas sexuais seguras dos indivíduos, tão somente a orientação
sexual como critério de risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.
Com o aprimoramento dos estudos científicos, percebeu-se que a prática sexual
segura afasta o risco de exposição às doenças que maculariam os estoques dos hemonúcleos.
Ainda assim, o governo adota regramento ultrapassado e que discrimina os homossexuais
masculinos, a exemplo do que acontecia nos anos 80, quando a epidemia de AIDS recebeu a
alcunha de “Peste Gay” por acreditar-se à época que a contaminação através de sexo só era
possível nos relacionamentos homossexuais.
O regulamento impede também que o acesso dos HSH às benesses concedidas aos
doadores de sangue no país, gerando desequiparação perniciosa e desarrazoada.
A ADI 5543/DF ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro, com a adesão de várias
entidades na qualidade de amicus curiae3, promete ser um divisor de águas na luta pelos
direitos desta minoria no país, pugnando pela inconstitucionalidade da norma, que viola

3
Expressão latina que pode ser interpretada como amigo do tribunal. Pessoa física ou jurídica de notório
conhecimento, que não faz parte do processo judicial em análise, mas que possui interesse na temática de
fundo do mesmo, e que em razão desta possuir relevância para toda a sociedade, passa a integrar a ação
voluntariamente ou mediante solicitação, colaborando com juízo na discussão e esclarecimento técnico do
tema.

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princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, da igualdade, da não


discriminação e do direito à saúde.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No Brasil, a despeito do enorme déficit existente nos hemocentros, prevalece uma


regra com relação à doação de sangue por indivíduos homossexuais masculinos, que os
torna inaptos caso tenham tido relação sexual com homens ou mulheres parceiras destes.
Esta regra segue a tendência internacional que remonta à explosão de casos de HIV
na comunidade gay nos anos 80, quando as entidades internacionais reguladoras procuraram
se adaptar àquela realidade e proteger os estoques dos bancos de sangue de contaminação
por infecções.
Naquela época, pouco se sabia acerca da transmissão e prevenção destas doenças,
notadamente a AIDS que ficou conhecida mundialmente como “Peste Gay”, lançando sobre
os homossexuais um manto de preconceito que até hoje persiste. Com a maléfica associação
da explosão de casos de contaminação pela AIDS com a comunidade gay, o Ministério da
Saúde classificou os homossexuais como um grupo de risco, situação em que permaneceram
até 2001.
Atualmente, com o avanço das pesquisas relacionadas sobre o tema, nota-se que a
transmissão parece estar muito mais relacionada às más práticas sexuais, do que com a
prática do sexo homossexual propriamente dita, a informação e a divulgação sobre a sua
prevenção da contaminação através do sexo seguro modificaram substancialmente estes
índices.
O último relatório publicado pelo Ministério da Saúde no ano de 2016 apontou que
os casos de infecção pelo HIV registrados no Sinan de 2007 a 2015 em indivíduos maiores
de 13 anos de idade, 50,4% dos casos tiveram exposição homossexual, 36,8% heterossexual
e 9,0% bissexual. Entre as mulheres, nessa mesma faixa etária, observa-se que 96,4% dos
casos se inserem na categoria de exposição heterossexual.
A mesma restrição insculpida no regramento que proíbe a doação de sangue por
indivíduos homossexuais masculinos sexualmente ativos não é aplicada aos heterossexuais
na mesma condição, sejam homens ou mulheres, ainda que parceiros heterossexuais possam,
assim como os homossexuais, possuir práticas sexuais que os exponha a maior risco de
contágio, sem prejuízo da alta rotatividade de parceiros.
Outrossim, nos estudos publicados pelo Governo anualmente, não existe a

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preocupação de apurar os índices de contaminação em casais homossexuais masculinos


monogâmicos ou com práticas sexuais seguras.
Desta forma, os HSH que permaneceram por décadas estigmatizados como categoria
de risco de contágio de HIV, dentre outras doenças sexualmente transmissíveis, continuaram
a sofrer discriminação por sua orientação sexual, ainda que suas práticas sexuais fossem
seguras, ou que seus relacionamentos homoafetivos fossem monogâmicos e estáveis,
criando situações vexatórias e traumáticas injustificadas.
Atentos às reivindicações deste segmento da população, os movimentos sociais
passaram a buscar perante seus representantes no governo, posição que pudessem defendê-
los do estigma discriminatório que os atinge desde que o boom de casos de HIV atingiu o
mundo.

2. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.543/DF

Em 06/09/2017, o Partido Socialista Brasileiro ajuizou perante o Supremo Tribunal


Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade atacando o teor do artigo 64, inciso IV da
Portaria 158 do Ministério da Saúde e do artigo 25, inciso XXX, alínea D, da Resolução da
Diretoria Colegiada (RDC) 34, de 11 de junho de 2014 da Agência Nacional da Vigilância
Sanitária.
À primeira vista causa estranheza a adoção da ADI como meio de controle de
constitucionalidade, pois as normativas combatidas são atos administrativos, conforme
conceito clássico de Mello (1998, p.231) segundo o qual seriam:

[...]declaração do Estado (ou de quem lhes faça as vezes- como, por


exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de
prerrogativas públicas manifestada mediante providências jurídicas
complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle
de legitimidade por órgão jurisdicional.

Um olhar mais criterioso, no entanto, revela que as normas combatidas são atos
normativos prescritivos de comportamentos, subordinando a vontade humana e gerando o
dever de obediência, possuem “espírito legislativo” ainda que não tenham sido emanadas
por órgãos do Poder Legislativo.
Desta forma, apesar da estranheza inicial, o meio adotado pelo Partido Socialista
Brasileiro parece ser realmente o mais adequado.
O teor dos dispositivos impugnados são os seguintes, referentes à Portaria e

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Resolução respectivamente:

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato


que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:
[...]
IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as
parceiras sexuais destes;

Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção


de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente,
visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a
qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos:
[...]
XXX - os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções
transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas
condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um
período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se:
[...]
d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros
indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes;

Estas normativas assumem que todo homossexual masculino tem práticas sexuais de
risco, o que, por si só, é terrivelmente discriminatório. Isto porque os indivíduos
heterossexuais podem ter o mesmo comportamento sexual de risco, semelhante aos dos
homossexuais, bem como os homossexuais podem possuir relacionamentos estáveis e
monogâmicos sem oferecer qualquer perigo à segurança dos bancos de hemoterapia.
A chamada proibição temporária se torna permanente, caso o indivíduo seja
sexualmente ativo, ainda que em uma relação monogâmica estável, proibindo-os de exercer
sua cidadania e praticar o bem, ajudando ao próximo, ou por vezes inclusive seus familiares.
Ademais, na própria Portaria 158/2016, já existem regras de caráter genérico que
proíbem a doação de sangue por indivíduos com comportamentos sexuais de risco, sem
discriminação de orientação sexual, a saber:

Art. 55. Todos os doadores serão questionados sobre situações ou


comportamentos que levem a risco acrescido para infecções sexualmente
transmissíveis, devendo ser excluídos da seleção quem os apresentar.
[...]
Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato
que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: I – que tenha
feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas ou seus respectivos parceiros
sexuais; II – que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou
desconhecidos ou seus respectivos parceiros sexuais;

A Advocacia Geral da União, em resposta a Ofício do Ministro Edson Fachin


solicitando informações, representando os interesses da Agência Nacional de Vigilância

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Sanitária, respondeu justificando que a norma tinha o condão de proteger os estoques dos
núcleos de hemoterapias e derivados no país, atendendo aos princípios e diretrizes da
Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.
Defendia ainda que as normativas brasileiras consideravam vários critérios de
inaptidão para doadores de sangue como portadores de diabetes, vítima de estupro,
profissionais do sexo, tatuados e portadores de piercing, parceiros sexuais de
hemodialisados, dentre outros, e também apresentou índices de contaminação por HIV entre
indivíduos homossexuais masculinos e restrições praticadas por outros países em casos desta
natureza.
Na mesma peça, no entanto, o cerne de toda a discussão foi admitido pela AGU nas
fls. 7, ao afirmar que;

Também nota-se a ausência de estudos ou comprovações científicas sobre as


práticas sexuais de HSH consideradas seguras, por exemplo, relações
monogâmicas e/ou com uso de preservativos, corroborando com a dificuldade para
a prática de avaliações individuais em detrimento as avaliações coletivas baseadas
em evidências epidemiológicas.

Assumiu-se que os HSH possuem práticas sexuais não seguras e todas as pesquisas e
estatísticas utilizadas na investigação da contaminação por infecções virais, em destaque o
HIV, não consideram os indivíduos em relações seguras, estáveis e monogâmicas.
Caso exista o cuidado em diferenciar heterossexuais por suas práticas, por qual
motivo a mesma regra não se aplica aos homossexuais masculinos?
Não se vislumbra, por assim dizer, por parte do Ministério da Saúde a adoção de um
critério que justifique de forma razoável a vedação ao homossexual masculino a doar
sangue.
Conforme palavras de Mello (2003, p.17);

Então, percebe-se, o próprio ditame constitucional que embarga a


desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho, credo religioso e
convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidência certos traços
que não pode, por razões preconceituosas mais comuns em certa época ou
meio, ser tomados gratuitamente como ratio fundamentadora de discrímen.
O artigo 5º, caput, ao exemplificar com as hipóteses referidas, apenas
pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, por si só, uma
discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que
reputou serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a
impossibilidade de virem a ser destarte utilizados.

Se o regramento já possui normas de caráter genérico capazes de prevenir a


contaminação dos bancos de sangue e hemoderivados por DST´s, não há razão lógica para

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que se aplique indistintamente a todos os indivíduos, independente de sua orientação sexual.


Portanto, é inegável o caráter meramente discriminatório do texto combatido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.543/DF, que contraria nosso texto Constitucional
que busca dar a toda sociedade tratamento humano e igualitário, infringindo vários
princípios insculpidos em nosso ordenamento jurídico.
Isto sem prejuízo da ofensa de outros postulados constitucionais que corroboram o
combate à arbitrariedade praticada pelo Poder Público.

3. OS DIREITOS HUMANOS, A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A


PROIBIÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO COM BASE NA ORIENTAÇÃO SEXUAL

Segundo Piovesan (2012, p. 42), a Constituição Federal de 1.988 de maneira


inovadora, elencou no artigo 4, inciso II, o princípio da prevalência dos Direitos Humanos
como princípio fundamental a reger os Estados nas relações internacionais, além de trazer o
maior rol jamais visto em uma Constituição brasileira, de Direitos Fundamentais.
É também signatário de várias Convenções da ONU sobre eliminação de
discriminação baseadas em cor, gênero, raça, etnia, idade e orientação sexual dentre outras.
Reconhece a necessidade de se combater todas as formas de discriminação, agente de
promoção de desigualdade no território nacional, valendo-se inclusive da normatividade
destes tratados internacionais.
Dentre tantos documentos, destaca-se a publicação da ONU, Nascidos Livres e
Iguais, de 2013 que posiciona as questões de gênero e orientação sexual no regime
internacional dos Direitos Humanos, introduzindo a recomendações, dentre as quais
enfatiza-se:

Proibir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de


gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação sexual e
identidade de gênero como motivos proibidos para a discriminação. Em
especial, assegurar o acesso não discriminatório a serviços básicos,
inclusive no contexto de emprego e assistência médica. Promover educação
e treinamento para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas
intersexo e LGBT.

Portanto, a proibição temporária, que na prática tem caráter permanente para o HSH
sexualmente ativo, fere recomendação do Alto Comissariado na ONU para os Direitos
Humanos, colocando o Brasil em posição contrária de documentos dos quais é signatário.
A cultura de discriminação existente no Brasil, permite que situações assim se

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perpetuem, sobrepondo-se inclusive aos interesses da sociedade e à saúde pública, pois a


regra impede o acesso de milhares de pessoas aos bancos de sangue, o que poderia diminuir
a defasagem e os baixos estoques de suprimentos sanguíneos nos hemonúcleos nacionais.
Ainda sobre a discriminação, Piovesan (1998, p.133) destaca:

Percebe-se assim, a busca da legislação brasileira em coibir as práticas


discriminatórias. Ainda que essa legislação repressiva seja decisiva ao
alcance desta meta, persiste, contudo, uma lamentável lacuna na legislação
brasileira, no tocante à discriminação de que são vítimas as mulheres, os
adolescentes, as pessoas portadoras do vírus HIV e outros grupos
socialmente vulneráveis.

Os Direitos Fundamentais, positivações dos direitos ligados à Igualdade e à


Liberdade no ordenamento constitucional pátrio possuem caráter de defesa e
instrumentalização, por esta razão, nas palavras de Canotilho, (2003, p. 1.941),“É
necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro
das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos
do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica
política.”
A ADI 5.543/DF, muito além de declarar a inconstitucionalidade das normativas já
explicitadas, faz parte sem sombra de dúvida de um esforço para garantir a efetividade dos
Direitos Fundamentais, delineados nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da
Igualdade, da Não Discriminação e da Liberdade.

3.1 Dignidade da Pessoa Humana

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está insculpido no artigo 1º, inciso III
da Constituição Federal de 1.988, sendo considerado como fundamento da República
Federativa do Brasil.
É inerente à existência humana, atributo indissociável que nos protege ainda no
ventre materno, nos dotando de razão e consciência, qualidade dissociativa do homem em
relação aos demais seres que habitam a Terra. Os cristãos costumavam apontar a origem da
dignidade humana nos textos bíblicos nos quais se assinalava que o homem fora criado à
imagem e semelhança de Deus, conforme lição de Sarlet (2015, p.35).
Em outras ocasiões, já se disse que esta é a razão porque este valor supremo foi
elevado à categoria de princípio jurídico. Este princípio traz subjacente ou nas suas

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entranhas o seu valor-dignidade da pessoa humana - que, por isso, passou a ser o
fundamento do sistema democrático brasileiro. Daí a sua força, a obrigatoriedade que o
torna um princípio jurídico incontestável.
A dignidade é um bem maior a ser protegido, pois é inerente à própria existência
humana, é uma qualidade valorativa que distingue os homens das bestas, e dada sua
importância o Direito jamais legitimará qualquer ato atentatório a ela.
Nunes (2007, p.50) defende que a dignidade “é um verdadeiro supra princípio
constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e
infraconstitucionais”.
Ao Estado compete além de respeitar e zelar pela dignidade, adotar uma postura
ativa que proteja o homem de agressões de terceiros. A dignidade é limite e tarefa do
Estado.
A garantia insculpida neste princípio, de que o poder público não viole a dignidade
pessoal, dá azo ao questionamento da ação declaratória de Inconstitucionalidade em questão,
porquanto desrespeita, desprotege e segrega um segmento da sociedade.

4. A GARANTIA DA IGUALDADE E AS VEDAÇÕES A DISCRIMINAÇÃO

A ideia de igualdade teve tratamentos diversos ao longo da história do direito. No


constitucionalismo clássico a igualdade era concebida como meramente formal e abstrata.
O paradigma liberal reconheceu direitos individuais, mas ainda permaneceu atrelado a
noção formalista do constitucionalismo clássico. Com a inauguração do paradigma social,
houve um amplo movimento que procurou sustentar a igualdade em direitos econômicos e
sociais, principalmente trabalhistas e previdenciários. Atualmente, a igualdade é concebida
como reconhecimento de igual direito de participação em todas as esferas do Estado
Democrático.
Marciano Seabra de Godoi afirma que “é muito mais apropriado definir a igualdade
como “tratar os indivíduos como iguais” do que tratar os indivíduos igualmente” (1999, p.
106).
O princípio da igualdade encontra-se expressamente consagrado pela Constituição
Federal de 1988 já no seu preâmbulo, juntamente com o pluralismo, e reaparece no caput do
artigo 5.º, devendo ser interpretado em harmonia com outros princípios que estão implicados
no adequado tratamento jurídico da igualdade, como o inciso III do artigo 1.º ou o inciso IV
do artigo 3.º da referida Carta de Direitos.

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Bem pondera Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) que as normas jurídicas não
fazem outra coisa senão discriminar situações, deferindo direitos á certa categoria de pessoas
e negando a outras, criando regimes jurídicos diferenciados para não reproduzir injustiças. A
lei sempre elege algo como elemento diferencial, nas diversas situações qualificadas, a fim
de discriminar situações para atribuir-lhes o efeito correspondente.
Ainda que qualquer elemento presente nas coisas, pessoas ou situações pode ser
eleito pela lei como fator discriminatório, de tal fato é possível extrair a regra de que não é
no traço de diferenciação que normalmente residem às ofensas ao princípio da igualdade. A
única exigência é que exista correlação entre a peculiaridade diferencial e a desigualdade de
tratamento por ela pretendida, além de não haver afronta aos princípios constitucionais.
O princípio da igualdade limita aquelas discriminações injustificadas ou arbitrárias,
fundadas em especificações fortuitas ou absolutamente singulares.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) propõe três questões para se perquirir
sobre a quebra do princípio da isonomia: 1) a primeira diz respeito ao fato de
desigualação; 2) a segunda refere-se à correlação lógica abstrata que deve existir entre o
fator utilizado como critério para o discrímen e a disparidade estabelecida pelo tratamento
juridicamente diversificado; e finalmente, 3) a terceira que atina a consonância desta
correlação lógica com o sistema constitucional e o ordenamento jurídico.
O ministro do STF, Joaquim B. Barbosa Gomes (2002, p. 24), fazendo referência a
Joaquim de Arruda Falcão, afirma que:

[...] a legislação infraconstitucional deve respeitar três critérios


concomitantes para que atenda ao princípio da igualdade material: a
diferenciação deve (a) decorrer de um comando-dever constitucional, no
sentido de que deve obediência a uma norma programática que determina
a redução das desigualdades sociais; (b) ser específica, estabelecendo
claramente aquelas situações ou indivíduos que serão “beneficiados” com
a diferenciação; e (c) ser eficiente, ou seja, é necessária a existência de
um nexo causal entre a prioridade concedida e a igualdade
socioeconômica pretendida.

De qualquer forma, o mais importante para que o reconhecimento da diferença e o


tratamento jurídico especial de situações que o justifiquem não se desnature em tirania é
que essa diferenciação esteja em consonância com os outros interesses protegidos pela
Constituição. Ainda que uma norma jurídica discriminante colidisse diretamente com valor
ético-social acolhido pelo sistema constitucional ela teria sua validade preservada se
encontrasse guarida nos direitos fundamentais.
Não existe vedação constitucional explícita da discriminação por orientação sexual

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no nosso ordenamento, ela debruça seus fundamentos em outros princípios da sistemática


constitucional, apenas a Constituição da África do Sul e a do Equador que contemplam tal
situação de modo explícito. Dessa forma devemos considerar a discriminação por orientação
sexual, na verdade, como uma modalidade de discriminação fundada no sexo, essa sim
expressamente vedada (inc. IV, art. 3o. da Constituição Federal). Ainda que não fosse
possível tal exegese, tal discriminação seria incompatível com a principiologia
constitucional de um modo geral, principalmente com o princípio da dignidade humana, que
é fundamento da República (inc. III, art. 1o. da Constituição Federal), e do princípio da
igualdade.
O principio constitucional da igualdade (art. 5o., caput) assegura tanto a igualdade
formal quanto a igualdade material de homossexuais e outras pessoas em condição análoga
com os heterossexuais, enquanto sujeitos de direitos.
Do ponto de vista da igualdade material é possível destacar algumas ações
interessantes no âmbito legislativo principalmente da União Européia e da França (RIOS,
2002, p. 136-138). Com relação a União Européia destaca-se a Resolução do Conselho da
Europa, de 1o. de outubro de 1981 que exortou os países membros à descriminalização da
homossexualidade e da promoção da igualdade de direitos; a Resolução do Parlamento
Europeu, de 13 de março de 1984, que além das promoções anteriores, estabelecia outras
medidas como: igualdade na idade de consentimento entre homossexuais e heterossexuais; a
realização de campanhas contra a discriminação por orientação sexual e a adoção de um
regime geral na legislação civil, militar, trabalhista, administrativa, civil, e comercial com
relação aos homossexuais.
De acordo com o Relatório anual 2005 Igualdade e não-discriminação, na Finlândia
houve anulação de uma decisão da Igreja Luterana que proibia pessoas que viviam em
relação homossexual de se tornarem capelães; no Reino Unido houve decisões judiciais com
relação a igualdade de emprego, e na Hungria com relação a titularidade jurídica de ONG’s
para ingressar em juízo com actio popularis nos termos da lei húngara para garantir
igualdade de tratamento.
O direito francês aproximadamente até 1981 previa uma série de discriminações aos
indivíduos homossexuais. Para exemplificar, a maioridade sexual para heterossexuais
ocorria aos 15 anos, enquanto para os homossexuais ocorria apenas aos 18 anos. Não eram
poucas às recorrências da lei aos “bons costumes” ou aos “bons pais-de-família”, o que
evidenciava uma postura claramente excludente.
Nesse contexto, quando pensamos especificamente as regras discriminatórias para

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doação de sangue, existe a necessidade ainda de se justificar a necessidade do tratamento


díspar, que não pode ser infundado. A prática sexual de risco é a razão para a
desequiparação e não a orientação homossexual. A premissa básica que fundamenta a
legislação está equivocada, baseada em dados colhidos desarrazoadamente.
Percebendo tal equívoco, várias nações passaram a questionar as normas
regulamentadoras, alterando as restrições para a doação por parte dos HSH. Na França, a Lei
nº 2016-41, de modernização do sistema de saúde, diminuiu o interregno de abstinência
exigida para doação de sangue dos HSH e dispôs em seu artigo 40 que ninguém poderá ser
excluído da doação de sangue em razão de sua orientação sexual.
No Caso paradigmático Geoffrey Léger contra o Ministro dos Assuntos Sociais, da
Saúde e dos Direitos das Mulheres e Estabelecimento Francês de Sangue, que foi julgado
pelo Tribunal de Justiça da União Européia sob nº C-528/13, o autor questionava a recusa de
sua doação de sangue em razão de ter se relacionado sexualmente com um homem.
Naquele país a doação de sangue por indivíduos HSH sexualmente ativos era
permanentemente proibida. A decisão sopesou o conflito existente entre o interesse coletivo
em assegurar a integridade dos bancos de sangue contra a contaminação viral e a vedação à
discriminação dos indivíduos em relação à orientação sexual dos doadores masculinos.
Justificou que a restrição somente se justificaria se não houvesse na ciência, método menos
restritivo capaz de assegurar o elevado nível de proteção da saúde dos receptores
sanguíneos.
Asseverou que o questionário de entrevista individual aplicado aos doadores em
geral já era capaz de acusar situações de alto risco de contaminação, pois analisava o
período da “janela silenciosa” de contaminação em que os resultados dos testes seria
negativo, a estabilidade da relação afetiva do doador e a sua natureza protegida e o
comportamento sexual do doador.
A contra indicação permanente da doação naquele país não respeitaria o princípio da
proporcionalidade previsto naquele país no diploma legal nacional. Firmou-se a questão,
conforme a seguir:

O n.º 2.1 do anexo III da Diretiva 2004/33/CE da Comissão, de 22 de


março de 2004, que dá execução à Diretiva 2002/98/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho no que respeita a determinadas exigências técnicas
relativas ao sangue e aos componentes sanguíneos, deve ser interpretado no
sentido de que o critério de suspensão definitiva da dádiva de sangue,
previsto nesta disposição e relativo ao comportamento sexual, abrange a
hipótese em que um Estado-Membro, tendo em conta a situação nele
existente, estabelece uma contra-indicação permanente à dádiva de sangue

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para os homens que tiveram relações sexuais com homens, quando se


demonstre que, com base em conhecimentos e em dados médicos,
científicos e epidemiológicos atuais, tal comportamento sexual coloca
essas pessoas em grande risco de contrair doenças infecciosas graves que
podem ser transmitidas pelo sangue e que, no respeito do princípio da
proporcionalidade, não existem técnicas eficazes de detecção dessas
doenças infecciosas ou, na falta dessas técnicas, métodos menos restritivos
do que tal contra-indicação, para assegurar um elevado nível de proteção
da saúde dos receptores. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar
se essas condições estão preenchidas no Estado-Membro em causa.

Caberia à ciência estabelecer o período da “janela silenciosa” em que a infecção viral


não seria detectável e a triagem capaz de proibir a doação deveria ser realizada pelo
“comportamento sexual” e não pela orientação sexual de cada indivíduo, heterossexual ou
homossexual. Em especial, decidiu-se que caberia aos órgãos jurisdicionais a verificação dos
casos de progresso da ciência e técnicas sanitárias, a opção de colocação das doações em
quarentena a fim de que possam ser testadas fora do período da “janela silenciosa”
indistintamente, para a garantia da segurança dos estoques sanguíneos, a menos que os
custos daí resultantes forem excessivos face aos objetivos de proteção da saúde.
Na Espanha, por força do Decreto Real 1.088/2005 que regula o funcionamento dos
Núcleos de Hemoterapia naquele país, é proibido recusar a doação de sangue de um
indivíduo HSH com base em sua orientação sexual tão somente. Na Espanha a doação de
sangue é um gesto solidário, voluntário e altruísta, para o qual é indispensável ser maior de
idade, pesar mais de 50 quilos e não padecer nem ter padecido de doenças transmissível pela
via sanguínea. Portanto, em nenhum momento a condição sexual do doador é motivo de
discriminação na Espanha, como ocorre na França onde o direito pátrio exclui
permanentemente da doação de sangue os homens que tem relações homossexuais.
À luz das mudanças sociais e descobertas científicas, a proibição insculpida no
regramento combatido na ADI 5543 de relatoria do Ministro Edson Fachin, não mais se
sustenta. Percebido o caráter discriminatório da norma legal, cabe ao Poder Judiciário atuar
de forma consistente para evitar agressões aos Princípios Fundamentais, elementos
justificadores do Estado regulador.
O regramento que proíbe a doação de sangue por indivíduos HSH sexualmente ativos
impede que possam exercer a solidariedade e fraternidade insculpidas no gesto altruístico da
doação de sangue. Priva também que possam acessar direitos inerentes à categoria dos
doadores de sangue como aqueles previstos em Lei, como o direito de abonar uma falta ao
ano no trabalho sem sofrer os descontos decorrentes, isenção de taxa de inscrição em
concursos públicos recepcionado no ordenamento legal da maioria dos Estados brasileiros.

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A INCONSTITUCIONALIDADE DAS REGRAS DISCRIMINATÓRIAS PARA DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS MASCULINOS

Cria situações vergonhosas e traumáticas como o impedimento da doação de sangue


entre membros de um mesmo grupo familiar a despeito do risco de vida que o receptor possa
correr.
No entanto, um dos piores aspectos da segregação causada pelo malfadado
dispositivo legal é demarcar um grupo minoritário como imprestável a salvar vidas, fazer o
bem, pelo conteúdo do líquido vital que lhes percorre o corpo.

4.1 O Direito a não Discriminação

Desde a época da “Peste Gay” até hoje as inovações científicas e os aprimoramentos


tecnológicos produziram conhecimento suficiente para esclarecer sobre as formas de
contágio e as pesquisas publicadas anualmente pela Unaids revelam flutuação dos índices de
contaminação entre homossexuais e heterossexuais revelando que a orientação sexual não é
fator decisivo para a contaminação, senão o comportamento sexual de risco.
O fato de ainda assim existir no Brasil normativa baseada em fundamentos
preconceituosos, afronta o Princípio da não discriminação que está umbilicalmente ligado ao
Princípio da Igualdade.
Acerca da discriminação, já aduziu Bobbio (2002, p. 108-109);

Num primeiro momento, a discriminação se funda num mero juízo de fato,


isto é, na constatação da diversidade entre homem e homem, entre grupo e
grupo. Num juízo de fato deste gênero, não há nada reprovável: os homens
são de fato diferentes entre si. Da constatação de que os homens são
desiguais, ainda não decorre um juízo discriminante. O juízo discriminante
necessita de um juízo ulterior, desta vez não mais de fato, mas de valor: ou
seja, necessita que, dos dois grupos diversos, um seja considerado bom e o
outro mau, ou que um seja considerado civilizado e o outro bárbaro, um
superior e outro inferior. Um juízo deste tipo introduziu um critério de
distinção não mais factual, mas valorativo.

Percebe-se claramente o discrímen pernicioso, que recusa imotivadamente as


doações sanguíneas dos indivíduos HSH em detrimento das doações dos heterossexuais
ainda que o primeiro grupo tenha comportamento sexual mais seguro que o segundo.

CONCLUSÃO

Ante o desenvolvimento de toda a problemática atinente ao aparente conflito de


princípios constitucionais, demonstra-se desarrazoada a legislação combatida na ADI

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5543/DF.
O fator discriminador adotado pelo Poder Público ao restringir a possibilidade do
HSH doar sangue não possui base científica, bem como social, uma vez que a
homossexualidade em si não é sinônimo de comportamento sexual de risco capaz de
macular os estoques dos hemonúcleos, ocasionando o contágio viral aos receptores.
Desta forma, não existe perigo apto a deflagrar uma situação de risco ao se permitir
que indivíduos HSH sexualmente ativos doem sangue.
A retirada da restrição insculpida no regramento estatal contribuiria para o aumento
do estoque nos hemonúcleos, beneficiando toda a sociedade. Por esta razão a declaração de
inconstitucionalidade do texto legal combatido é medida que se impõe em benefício de uma
sociedade justa, solidária, digna e que não discrimina seus pares.
O reconhecimento da inconstitucionalidade por discriminação de homossexuais
masculinos na doação de sangue reforçaria a posição protetiva dos direitos antidiscriminação
do Supremo Tribunal Federal, na esteira de decisões que tem tomado.

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Recebido em: 14 de Setembro de 2017


Avaliado em: 26 de Novembro de 2017
Aceito em: 27 de Novembro de 2017

Title: THE INCONSTITUTIONALITY OF THE DISCRIMINATORY RULES FOR BLOOD


DONATION BY MALE HOMOSEXUALS

Abstract:

State regulations about blood donations procedures in Brazil promote discriminatory


treatment wich concerns to male homosexuals sexually active, the MSM, forbidding blood
donation, unless they refrain from sexual intercourse by more than 12 months, believing that
way, they would avoid the contamination the public stocks from the blood banks. The same
treatment is not required for heterosexual individuals with risc sexual behavior, pointing the
asymmetry and the discrimination without plausible justification. There was the filing before
the Supreme Court of a Direct Action of Unconstitutionality, challenging for the
cancellation so the prohibition with erga omnes and ex tunc effects. We present an analysis
of the issue from legal arguments and comparative Law to support the amendment of the
norms in order to favor inclusive and egalitarian treatment in the face os the apparent
collision of the constitutional principles that support the two poles of the discussion that
began in a timid way and gained more and more relevance in the nations legal scenario,
since its a milestone in the defense of the interests of a minority segment of society, as was
once the struggle for the Civil Union of Homosexuals.

Keywords: Blood Donation, Homosexuals, Dignity, Equality, Non Discrimination,


Unconstitutionality.

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