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| 2017/2
INTRODUÇÃO
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Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Coordenador do
Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da UENP/PR. Procurador Geral da UENP. E-mail:
fernandobrito@uenp.edu.br
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Advogada. Consultora jurídica. Especialista em Direito Processual pela UNITOLEDO. Mestranda em Direito
pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha de Marília – UNIVEM/SP. E-mail: pancotti@gmail.com
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inúmeras narrativas que remetem a essa leitura, por exemplo, o famigerado diálogo O
Banquete de Platão, entre outros.
Até grandes construções teóricas sobre a sexualidade surgirem, a partir da segunda
metade do século XIX não existe as referidas distinções e toda manifestação da
sexualidade que não tivesse finalidade procriativa era considerada desvio, inclusive a
relação sexual hereterosexual; é na segunda metade do século XVII, que os psiquiatras
começaram a constituir a homossexualidade como objeto de análise.
A partir de então, o interesse e o controle sobre a sexualidade se intensifica
progressivamente, construindo-se não apenas um modelo normativo da sexualidade normal,
mas, sobretudo um imaginário discriminatório sobre a sexualidade desviante.
O presente artigo, formulado pelo método dedutivo-indutivo, por meio de análise
bibliográfica de textos e decisões judiciais, pretende analisar, sem, contudo esgotar o tema, o
debate travado no Supremo Tribunal Federal, acerca da inconstitucionalidade de texto legal
que proíbe indivíduos homossexuais masculinos sexualmente ativos de proceder à doação de
sangue e derivados, a menos que se abstenham por período superior a 12 meses antes da
doação.
Aponta-se o caráter discriminatório das regras estatais baseadas em pesquisas que
não procuram examinar as práticas sexuais seguras dos indivíduos, tão somente a orientação
sexual como critério de risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.
Com o aprimoramento dos estudos científicos, percebeu-se que a prática sexual
segura afasta o risco de exposição às doenças que maculariam os estoques dos hemonúcleos.
Ainda assim, o governo adota regramento ultrapassado e que discrimina os homossexuais
masculinos, a exemplo do que acontecia nos anos 80, quando a epidemia de AIDS recebeu a
alcunha de “Peste Gay” por acreditar-se à época que a contaminação através de sexo só era
possível nos relacionamentos homossexuais.
O regulamento impede também que o acesso dos HSH às benesses concedidas aos
doadores de sangue no país, gerando desequiparação perniciosa e desarrazoada.
A ADI 5543/DF ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro, com a adesão de várias
entidades na qualidade de amicus curiae3, promete ser um divisor de águas na luta pelos
direitos desta minoria no país, pugnando pela inconstitucionalidade da norma, que viola
3
Expressão latina que pode ser interpretada como amigo do tribunal. Pessoa física ou jurídica de notório
conhecimento, que não faz parte do processo judicial em análise, mas que possui interesse na temática de
fundo do mesmo, e que em razão desta possuir relevância para toda a sociedade, passa a integrar a ação
voluntariamente ou mediante solicitação, colaborando com juízo na discussão e esclarecimento técnico do
tema.
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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Um olhar mais criterioso, no entanto, revela que as normas combatidas são atos
normativos prescritivos de comportamentos, subordinando a vontade humana e gerando o
dever de obediência, possuem “espírito legislativo” ainda que não tenham sido emanadas
por órgãos do Poder Legislativo.
Desta forma, apesar da estranheza inicial, o meio adotado pelo Partido Socialista
Brasileiro parece ser realmente o mais adequado.
O teor dos dispositivos impugnados são os seguintes, referentes à Portaria e
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Resolução respectivamente:
Estas normativas assumem que todo homossexual masculino tem práticas sexuais de
risco, o que, por si só, é terrivelmente discriminatório. Isto porque os indivíduos
heterossexuais podem ter o mesmo comportamento sexual de risco, semelhante aos dos
homossexuais, bem como os homossexuais podem possuir relacionamentos estáveis e
monogâmicos sem oferecer qualquer perigo à segurança dos bancos de hemoterapia.
A chamada proibição temporária se torna permanente, caso o indivíduo seja
sexualmente ativo, ainda que em uma relação monogâmica estável, proibindo-os de exercer
sua cidadania e praticar o bem, ajudando ao próximo, ou por vezes inclusive seus familiares.
Ademais, na própria Portaria 158/2016, já existem regras de caráter genérico que
proíbem a doação de sangue por indivíduos com comportamentos sexuais de risco, sem
discriminação de orientação sexual, a saber:
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Sanitária, respondeu justificando que a norma tinha o condão de proteger os estoques dos
núcleos de hemoterapias e derivados no país, atendendo aos princípios e diretrizes da
Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.
Defendia ainda que as normativas brasileiras consideravam vários critérios de
inaptidão para doadores de sangue como portadores de diabetes, vítima de estupro,
profissionais do sexo, tatuados e portadores de piercing, parceiros sexuais de
hemodialisados, dentre outros, e também apresentou índices de contaminação por HIV entre
indivíduos homossexuais masculinos e restrições praticadas por outros países em casos desta
natureza.
Na mesma peça, no entanto, o cerne de toda a discussão foi admitido pela AGU nas
fls. 7, ao afirmar que;
Assumiu-se que os HSH possuem práticas sexuais não seguras e todas as pesquisas e
estatísticas utilizadas na investigação da contaminação por infecções virais, em destaque o
HIV, não consideram os indivíduos em relações seguras, estáveis e monogâmicas.
Caso exista o cuidado em diferenciar heterossexuais por suas práticas, por qual
motivo a mesma regra não se aplica aos homossexuais masculinos?
Não se vislumbra, por assim dizer, por parte do Ministério da Saúde a adoção de um
critério que justifique de forma razoável a vedação ao homossexual masculino a doar
sangue.
Conforme palavras de Mello (2003, p.17);
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Portanto, a proibição temporária, que na prática tem caráter permanente para o HSH
sexualmente ativo, fere recomendação do Alto Comissariado na ONU para os Direitos
Humanos, colocando o Brasil em posição contrária de documentos dos quais é signatário.
A cultura de discriminação existente no Brasil, permite que situações assim se
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O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está insculpido no artigo 1º, inciso III
da Constituição Federal de 1.988, sendo considerado como fundamento da República
Federativa do Brasil.
É inerente à existência humana, atributo indissociável que nos protege ainda no
ventre materno, nos dotando de razão e consciência, qualidade dissociativa do homem em
relação aos demais seres que habitam a Terra. Os cristãos costumavam apontar a origem da
dignidade humana nos textos bíblicos nos quais se assinalava que o homem fora criado à
imagem e semelhança de Deus, conforme lição de Sarlet (2015, p.35).
Em outras ocasiões, já se disse que esta é a razão porque este valor supremo foi
elevado à categoria de princípio jurídico. Este princípio traz subjacente ou nas suas
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entranhas o seu valor-dignidade da pessoa humana - que, por isso, passou a ser o
fundamento do sistema democrático brasileiro. Daí a sua força, a obrigatoriedade que o
torna um princípio jurídico incontestável.
A dignidade é um bem maior a ser protegido, pois é inerente à própria existência
humana, é uma qualidade valorativa que distingue os homens das bestas, e dada sua
importância o Direito jamais legitimará qualquer ato atentatório a ela.
Nunes (2007, p.50) defende que a dignidade “é um verdadeiro supra princípio
constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e
infraconstitucionais”.
Ao Estado compete além de respeitar e zelar pela dignidade, adotar uma postura
ativa que proteja o homem de agressões de terceiros. A dignidade é limite e tarefa do
Estado.
A garantia insculpida neste princípio, de que o poder público não viole a dignidade
pessoal, dá azo ao questionamento da ação declaratória de Inconstitucionalidade em questão,
porquanto desrespeita, desprotege e segrega um segmento da sociedade.
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Bem pondera Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) que as normas jurídicas não
fazem outra coisa senão discriminar situações, deferindo direitos á certa categoria de pessoas
e negando a outras, criando regimes jurídicos diferenciados para não reproduzir injustiças. A
lei sempre elege algo como elemento diferencial, nas diversas situações qualificadas, a fim
de discriminar situações para atribuir-lhes o efeito correspondente.
Ainda que qualquer elemento presente nas coisas, pessoas ou situações pode ser
eleito pela lei como fator discriminatório, de tal fato é possível extrair a regra de que não é
no traço de diferenciação que normalmente residem às ofensas ao princípio da igualdade. A
única exigência é que exista correlação entre a peculiaridade diferencial e a desigualdade de
tratamento por ela pretendida, além de não haver afronta aos princípios constitucionais.
O princípio da igualdade limita aquelas discriminações injustificadas ou arbitrárias,
fundadas em especificações fortuitas ou absolutamente singulares.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) propõe três questões para se perquirir
sobre a quebra do princípio da isonomia: 1) a primeira diz respeito ao fato de
desigualação; 2) a segunda refere-se à correlação lógica abstrata que deve existir entre o
fator utilizado como critério para o discrímen e a disparidade estabelecida pelo tratamento
juridicamente diversificado; e finalmente, 3) a terceira que atina a consonância desta
correlação lógica com o sistema constitucional e o ordenamento jurídico.
O ministro do STF, Joaquim B. Barbosa Gomes (2002, p. 24), fazendo referência a
Joaquim de Arruda Falcão, afirma que:
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CONCLUSÃO
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5543/DF.
O fator discriminador adotado pelo Poder Público ao restringir a possibilidade do
HSH doar sangue não possui base científica, bem como social, uma vez que a
homossexualidade em si não é sinônimo de comportamento sexual de risco capaz de
macular os estoques dos hemonúcleos, ocasionando o contágio viral aos receptores.
Desta forma, não existe perigo apto a deflagrar uma situação de risco ao se permitir
que indivíduos HSH sexualmente ativos doem sangue.
A retirada da restrição insculpida no regramento estatal contribuiria para o aumento
do estoque nos hemonúcleos, beneficiando toda a sociedade. Por esta razão a declaração de
inconstitucionalidade do texto legal combatido é medida que se impõe em benefício de uma
sociedade justa, solidária, digna e que não discrimina seus pares.
O reconhecimento da inconstitucionalidade por discriminação de homossexuais
masculinos na doação de sangue reforçaria a posição protetiva dos direitos antidiscriminação
do Supremo Tribunal Federal, na esteira de decisões que tem tomado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EUROPA, European Court. Processo C-528/13. Geoffrey Léger contra Ministre dês
Affaires sociales, de la Santé et dês Droits des femmes e Établissement français du sang,
distribuído em 01 de outubro de 2013. Disponível para consulta no endereço eletrônico
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62013CJ0528_SUM&f
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GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética,
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