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Vo l u m e 1, maio de 2019

Qual a rela ç ã o ?
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www.paolapucci.com.br
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Copyright © 2018, PAOLA PUCCI,


Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.

Nenhuma parte desse e-Book, sem autorização prévia por escrito do


autor, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os
meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação
ou quaisquer outros.

Vo l u m e 1, maio de 2019

Autora: Paola Mello Pucci.


Revisão: Raquel Fornaziero Gomes.
Diagramação: Samuel Araújo dos Santos

www.paolapucci.com.br
contato@paolapucci.com.br
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introdução
Se você já é meu aluno(a), já fez algum dos meus cursos,
principalmente o Disfagia na Prática, com certeza já me
ouviu falar que o tratamento da disfagia deve sempre levar
em consideração as habilidades cognitivas do paciente.

O problema é que muitos fonoaudiólogos ainda não


puderam estar em nenhuma das minhas turmas online, nem
presencial. E esse é um assunto tão sério, tão importante,
que eu faço questão que cada vez mais profissionais da
Fonoaudiologia entendam esse conceito e melhorem seus
atendimentos.

Essa é exatamente a proposta desse e-book: levar para


mais fonoaudiólogos a compreensão da relação entre
disfagia e cognição. Poder fazer isso me deixa muito feliz!
Espero que você aproveite esse conteúdo, que preparei
com muito carinho.
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Fonoaudióloga formada pela Faculdade de Medicina da


Universidade de São Paulo (FM-USP), aprimorada em Neuro
Geriatria pelo Hospital das Clínicas da FM-USP e em Neuro
Reabilitação pela Neuroqualis, dentre outras técnicas rea-
bilitadoras.

Atuou no setor de Neurologia do Hospital das Clínicas


(FM-USP), no Hospital Samaritano de São Paulo, na Rede
Lucy Montoro (IMREA) e fundou a empresa Home Therapy,
onde supervisiona uma equipe de fonoaudiólogos espe-
cializados em reabilitação neurológica dos distúrbios de
comunicação e deglutição em domicílio. Criadora e pales-
trante clínica do Curso Disfagia 1.0.

Ao longo de sua experiência na prática clínica de aten-


dimentos a pacientes disfágicos, Paola Pucci observou o
importante papel do familiar e/ou cuidador para o progres-
so na fonoterapia, e o quanto as orientações gerais ofereci-
das no primeiro contato podem evitar penetração ou aspi-
ração laringotraqueal.

Pensando nisso, apresentamos as principais orientações


e ainda uma ficha para que o fonoaudiólogo possa perso-
nalizar orientações e deixar junto aos cuidadores. Aprovei-
te!
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sumário
Capítulo 1
Por que é importante atender cognição e linguagem em
um paciente disfágico?

Capítulo 2
Treino das habilidades cognitivas visando à deglutição
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capitúlo 1
Por que é importante atender cognição e
linguagem em um paciente disfágico?
10

capitúlo 1
Por que é importante atender cognição e
linguagem em um paciente disfágico?
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Você sabe por que a cognição é fundamental para o


atendimento em disfagia e por que ela foi tão negligencia-
da?

A Disfagia é uma área muito nova e essas são questões


que precisamos entender bem.

Vamos começar relembrando algo simples: a neurofi-


siologia da deglutição é embasada por áreas subcorticais
(onde temos o tronco encefálico e, nele, os pares cranianos
mais importantes para a Fonoaudiologia - 5, 7, 9, 10 e 12).

Então, se nós temos essa possibilidade, de ter uma área


especialista em coisas automáticas (que é essa região sub-
cortical, onde estão os “pais” dos pares cranianos, a origem
deles), nós temos a chance de progredir nas funções auto-
máticas. Ou seja, elas vão acontecendo independente da
nossa vontade cortical.

entenda:

Subcortical:
Cortical:
involuntário
voluntário
(automático)

A deglutição tem uma fase voluntária (cortical) que en-


globa o “querer não comer”, a escolha dos alimentos, tam-
bém o “rememorar os alimentos” e “rememorar o significa-
do emocional dos alimentos”, ou a ação de segurar o talher.
Tudo isso é a parte voluntária. Mas tem também a parte in-
voluntária (subcortical), que envolve a deglutição da saliva,
o disparo do reflexo.

Com tudo isso, podemos dizer que existe um casamento


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

entre o subcortical e o cortical – um casamento entre o invo-


luntário e o voluntário.

Então, nós precisamos treinar um paciente que teve uma


lesão subcortical, uma lesão cortical, ou as duas, tornando
o mais voluntário possível o que antes era automático, rea-
bilitando esse paciente por vias voluntárias, que é o nosso
trabalho como fonoaudiólogos.

Assim, estaremos exercendo com ele um trabalho NEURO-


LÓGICO.

No entanto, durante muito tempo a Fonoaudiologia não


fez parte do trabalho de reabilitação, mesmo porque a Neu-
rologia não tinha nem estudos que comprovassem a eficácia
do treinamento de uma nova célula como resposta efetiva
de uma célula que já morreu. Ou seja, células que estavam
presentes ali o tempo todo e que, por sua vez, poderiam ad-
quirir novas funções.

Quando isso ganhou espaço dentro da Neurologia, os


fonoaudiólogos, os fisioterapeutas, os terapeutas ocupa-
cionais, os serviços de reabilitação cresceram junto. Neste
momento, fomos inseridos no mercado. Porém, muitos fo-
noaudiólogos já eram formados e muitos não foram estudar
Neuro, mas eles entendiam a função estomatognática, por-
que o fonoaudiólogo já estava acostumado a ver degluti-
ção atípica no consultório do dentista.

ALERTA!
Você precisa estar nos congressos de Neuro!
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Foi dessa forma que começamos a estudar a disfagia


através da MO (motricidade orofacial).

“E daí, Paola? Qual o problema?”


O problema é que na MO nós temos objetivos de postura,
sensibilidade e função voltados para um sistema ortognático
e não para um sistema fisiológico que evita broncoaspira-
ções.

Quando trabalhamos para que um paciente não faça in-


terposição de língua na deglutição, visando unicamente que
isso pode prejudicar os dentes, a neurofisiologia da degluti-
ção é claramente negligenciada. Compreende? Se viemos
de uma formação onde a MO embasou os fonoaudiólogos,
dificilmente iremos considerar as células neurológicas que
estão envolvidas na deglutição.

Não estamos descobrindo algo surreal, super inovador!


Na verdade, estamos nos aprofundando no momento mais
crítico da neurofisiologia, que é quando alguma coisa dá
errado, seja na fase oral ou na fase faríngea, por exemplo.

Quando você se aprofunda mais, você conhece os pares


cranianos, você percebe a importância do treinamento do
aumento de frequência na deglutição de saliva para evitar
sialorreia, você percebe o quanto a estimulação sensorial é
importante no processo! Isso faz a disfagia crescer no âm-
bito neurológico. Porém, ainda assim, muito da neurologia
envolvida na deglutição está sendo negligenciada no aten-
dimento do fonoaudiólogo.

A pergunta é: Por quê?


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Você sabe como funciona a plasticidade neural?

Ela é baseada em células cognitivas. Essas células foram


memorizando o que acontecia em outras regiões, para que
depois você pudesse pedir ajuda a elas e, pela memória,
elas conseguissem te ajudar. Em muitos casos, as células
não fazem a menor ideia do que a outra célula fazia, mas
mesmo assim elas se oferecem para ajudar e nós vamos
treiná-las pela aprendizagem.

É isso que você faz com um paciente que está engasgan-


do com líquido fino, por exemplo. Você não pede pra que
ele abaixe a cabeça e engula com força? Neste momento,
você está treinando com ele uma coisa que era involuntá-
ria/automática, algo que ele nunca fazia pensando, para
que se torne algo cortical/voluntário.

Ou seja, quando fazemos isso, estamos tirando uma fun-


ção do subcórtex e trazendo para o córtex. Estamos tirando
uma função de pares cranianos, de núcleos da base, de coi-
sas que funcionavam automaticamente, e estamos dando
essa função à programação motora da fala, por exemplo.
Para que eu possa fazer com que essas células, que nun-
ca trabalharam com deglutição, comecem a trabalhar, elas
precisarão memorizar, estar atentas, planejar e vão precisar
executar. Essas são as quatro atividades cognitivas do cére-
bro.

Sem cognição, não há reabilitação!


Retomando, as quatro atividades cognitivas do cérebro:

1- Memorizar | 2- Atentar | 3- Planejar | 4- Executar


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Exemplo:

Temos uma pizzaria. Na pizzaria, o pianista só toca piano


e o pizzaiolo só faz as pizzas. Um belo dia, o pianista morre,
mas a nossa pizzaria não pode ficar sem música. Então, trei-
namos o pizzaiolo para que ele faça as pizzas, mas também
toque piano.

Agora, pense na deglutição: Faz de conta que o nosso


pianista é uma célula no núcleo da base, no sulco bulbo-
-pontino, entre o bulbo e a ponte, no tronco cerebral. E essa
nossa célula – nosso pianista – morre (degenera por de-
mência; ou morre na queda de uma laje, por traumatismo
craniano; ou até mesmo por acidente vascular encefálico
- AVE). Essa célula é uma célula perdida, uma célula morta.

Ou seja, esse grupo celular morto deixa de desempenhar


sua função, nosso pianista não vai mais tocar piano.

A função desse grupo celular era ajudar a disparar o refle-


xo da deglutição assim que o alimento chegasse na região
posterior da língua. Nisso, o paciente passa a ter um tempo
de trânsito oral muito maior. Ele começa a ficar sem reflexo.
Isso tudo porque o disparador do reflexo morreu.
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

“E como a gente faz para o córtex


ser o novo disparador do reflexo?”
Antes, as coisas aconteciam sem o córtex saber. Seu pa-
ciente podia fazer duas coisas o mesmo tempo, por exem-
plo: comer enquanto planejava uma viagem.

Então, entenda que agora ele não pode mais comer e as-
sistir televisão, comer e fazer outra coisa. Nesse momento,
nós vamos usar o córtex de forma exclusiva.

USE O CÓRTEX DE FORMA EXCLUSIVA!


• • • • • Você deve fazer o seguinte com seu paciente:

Dispare um comando verbal, como: “quando o alimento


chegar, você olha para mim e engole, fazendo esse carão
aqui” (e faça um “carão” de quem está engolindo algo difí-
cil, como modelo para ele).

Essas duas funções são os comandos auditivo e visual. Es-


ses dois comandos estarão entrando no córtex do seu pa-
ciente que, por sua vez, irá receber a informação de repeti-
ção.

Na cabeça dele, funcionará da seguinte maneira:

“Para que eu repita, vou olhar a cena,


lembrar da cena, planejar a cena e reproduzir”.
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Nesse processo, seu paciente já não vai usar mais nada


do automático, mas sim do voluntário, pra algo que foi sem-
pre automático.

• • • • • • • VOLTO A REPETIR • • • • • • •
Para que isso aconteça, são necessárias
células cognitivas, de atenção, memória,
planejamento e execução!

O que eu quero que vocês entendam é que no mundo


fonoaudiológico de hoje essas células não estão sendo con-
sideradas. O trabalho da memória operacional, o trabalho
da atenção, o trabalho do planejamento e o trabalho da
execução não são considerados no treino!

Vamos aprofundar um pouco mais...

Se você tem um paciente apráxico, você sabe que ele


tem dificuldade no córtex, na região do planejamento motor
da fala. Ele pensa uma palavra e fala outra. O que podemos
esperar da deglutição dele?

Podemos esperar que ele tenha dificuldade em planejar


movimentos, certo? Então, provavelmente ele será um pa-
ciente que vai receber um sólido e demorar para planejar
como vai ser essa mastigação. Ele tem um tempo de trânsi-
to oral aumentado, então também tem o reflexo demorado.
Isso acontece porque estão faltando células de memória
operacional. Portanto, a cognição voltada para a lingua-
gem prejudicou o planejamento motor que você quer tra-
zer para esse paciente na deglutição. Ele perdeu células no
subcórtex e você quer trazer para o córtex, mas ele não tem
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

condições, porque as células do córtex também foram pe-


didas.

E agora?!
Bom, você vai ter mais tempo para “ensaiar” as células de
outras áreas, porque nós temos memória operacional, aten-
ção, planejamento e execução pelo cérebro inteiro. Deve-
mos recrutá-las, trazê-las para a área motora e reproduzir a
ação da deglutição.

A boa notícia é que todo esse processo no seu paciente


se tornará automático, com muito treino. E com muito treino,
as próprias células percebem que isso vai acontecer sempre
e elas deixam de trazer isso para a atenção o tempo todo.

Esse é aquele paciente que você sempre lembrava: “co-


loca o copo, segura e quando eu contar até 2, o senhor en-
gole”. Depois de um tempo, ele sozinho já faz isso, sem pre-
cisar do auditivo (da sua ordem). Depois de mais um tempo,
ele vai fazer isso sem pensar.

Ou seja, ele conseguiu fazer com que um córtex especia-


lizado mandasse a informação para o subcórtex e ela vol-
tasse a ser automática em outra área do subcórtex.

Veja como é complexo! Eu sei que não se fala sobre isso


por aí, mas agora você entende a importância de correla-
cionar cognição e linguagem em um paciente disfágico?

Vamos discutir agora uma situação típica de hospital,


para você compreender como os pacientes são negligen-
ciados. Todos nós já passamos por algo parecido:

Um paciente com traumatismo craniano encefálico (TCE),


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

com 20 anos, caiu da moto.

Ele está na internação há 45 dias, em coma.

Você o visita depois que ele já tirou a maior parte da me-


dicação e já está ficando um pouco mais alerta (porque até
então ele dormia dia e noite, mas agora ele acorda em al-
guns momentos).

Quando você chega no quarto, eles está assim:

Você encosta nele e fala “Otávio, tudo bom?! Oi, Otávio!”.

Ele abre um pouco os olhos.

Você o chama para sentar, para comer! Ao mesmo tem-


po, já começa a passar um estímulo no lábio do paciente.
Mas ele continua do mesmo jeito e até com a saliva escor-
rendo!

Se você já viu esse tipo de situação, é comum pensar que


não tem como continuar o atendimento, porque o paciente
está muito sonolento, sem atenção, sem condições.

Quando pensamos isso, se torna comum deixar de aten-


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

der o paciente e ainda colocamos no prontuário hospitalar:


“Paciente sonolento, sem condições de atendimento. Tento
contato, porém, sem sucesso”. Não é isso que, normalmen-
te, nós fazemos?

Então, vamos lá!

Faz parte do treinamento de deglutição você levar um es-


pelho, fazer um autorreconhecimento, você ver se o pacien-
te está reconhecendo a si mesmo, reconhecendo objetos,
estímulos táteis, cumprimentos, saudações, fotos.

Você não está lá só para ver se ele vai deglutir.


Percebe?! A deglutição só virá depois!

No atendimento infantil, é muito comum os fonoaudiólo-


gos fazerem essa relação entre cognição, linguagem e dis-
fagia. Por exemplo: se você atende um paciente com pa-
ralisia cerebral, você tem que levar em consideração, em
primeiro lugar, em que estado cognitivo ele se encontra. Se
ele está no sensório motor, no pré-operatório, no operató-
rio concreto. Você vai ler Piaget, para poder atender o seu
paciente com paralisia cerebral. Você não vai chegar lá e
brincar com ele.

Você vai trabalhar em que área da linguagem


e da cognição esse paciente se encontra!
Provavelmente, ele está em atraso no desenvolvimento. E
esse atraso no desenvolvimento levou o paciente a ser um
disfágico. Presta bem atenção nisso!

Um paciente com paralisia cerebral que faz uma mastiga-


ção verticalizada, que não é capaz de lateralizar o alimento,
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

dificilmente faz classificação semântica também. É um pa-


ciente que ainda não consegue ver os dois lados das coisas,
que não faz seriação, não coloca objetos do pequeno para
o grande. Portanto, dificilmente ele saberá o tamanho do ali-
mento que deve colocar na colher para deglutição.

Você não vai conseguir reabilitar um paciente sem saber


em que fase ele está no desenvolvimento, não vai conseguir
caminhar com ele para o próximo nível. Então, se é um pa-
ciente totalmente sensorial, que ainda não consegue sim-
bolizar e entender figuras, se é um paciente que precisa do
sensorial, você não vai oferecer uma prancha de comunica-
ção alternativa cheia de desenhos. Vai apresentar texturas,
cheiros, porque é isso que trará a deglutição do paciente!

Ou seja, os fonoaudiólogos que atendem disfagia infan-


til já estão acostumados a fazer esse raciocínio. O erro da
maioria dos fonoaudiólogos é tratar o paciente adulto como
se ele não tivesse o cognitivo, só músculo.

A criança que pede água para a mãe sem precisar apon-


tar um copo com água é a criança que não precisa do ob-
jeto concreto para pedir o que ela quer. Ela imagina o ob-
jeto, o conteúdo, e faz algum gesto para pedir. Isso indica
que ela guardou na memória o que ela precisa, armazenou,
mandou pro pré-operatório, planejou um gesto e executou
o movimento que a leva a entregar o que ela precisa, sem a
necessidade de que o objeto esteja por perto.

O paciente que faz isso, tanto adulto, quanto infantil, é


capaz de figurar a deglutição dele e, portanto, é capaz de
pedir o alimento que quer comer e de lembrar que ontem
comeu algo gostoso e hoje quer de novo.

Já o paciente que não faz isso, que ainda precisa do ob-


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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

jeto concreto, não vai conseguir falar qual o alimento que


ele quer, da lista de alimentos que você está falando, por
exemplo. A resposta será meramente automática. Entende?

Agora, reflita: por que com um adulto não devemos pensar


na cognição, sendo que com o adulto estamos ativando a
aprendizagem de uma célula que nunca fez isso?

Então, pare de chegar no paciente e negligenciar


que ele tem cognição, que ele precisa ser testado!
Se a linguagem é pouco eficiente, nós percebemos que
o cognitivo do paciente é capaz de planejar atividades mo-
toras, através de um input semântico, do tipo: vou oferecer
uma escova de dentes. Será que ele continua dando seg-
mento a isso?

A relação entre o cognitivo linguístico e a deglutição é


mais do que necessária no tratamento do paciente adulto.
Então, se o paciente está afásico, células cognitivas foram
perdidas em qualquer lesão ou degeneração.

“Mas isso significa que, obviamente, eu vou observar alte-


rações cognitivas no paciente?”

Se você tiver treinado, vai perceber! Porque, às vezes, o


paciente está se comunicando muito bem, aparentemente
está ótimo, mas se você fosse ao mercado com ele, perce-
beria que ele iria pegar todas as frutas e colocar no carrinho
sem o saquinho (ele pularia uma parte do planejamento),
buscaria peras no setor de perfumaria... Isso porque ele não
está mais fazendo classificações. Talvez ele também não
conseguisse selecionar o que seria necessário para sair de
casa, como a carteira e a chave do carro, por exemplo.
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capitúlo 1 Por que é importante atender cognição e


linguagem em um paciente disfágico?

Tudo isso precisa ser testado, porque um paciente que faz


isso é uma pessoa que come quatro colheradas com aten-
ção e as demais ele vai engasgar. Isso é a famosa disfagia
leve (e tem gente dando alta pra disfágico leve, que depois
volta a internar). É por isso que existem muitas mortes hoje
por pneumonia aspirativa, por negligência do cognitivo no
treino do fonoaudiólogo.

Compreende o que eu estou falando?

Muitas vezes, no âmbito hospitalar, é comum que o pa-


ciente tenha alta para continuar a reabilitação em casa,
com outro profissional. E o que eu posso te dizer é que é mui-
to legal você dar alta para um paciente falando tudo que
ele precisa fazer.

Ao passar o caso para outro profissional, você tem que


fazer levantamentos, fornecer informações, como: “ele está
desatento”, “precisamos ter diversas atividades”, “aprende,
mas volta a errar, então precisa de treino da memória ope-
racional” etc.

Tudo isso você deve alertar no prontuário da alta dele. Di-


zer o que fez, o que não fez, o que foi avaliado, quais as
habilidades de compreensão e de expressão que foram tes-
tadas, e especificar detalhadamente a condição em que se
encontra a cognição do paciente.

Vamos ver agora, então, como você deve treinar as habi-


lidades cognitivas!
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25

capitúlo 2
Treino das habilidades cognitivas
visando à deglutição
26

capitúlo 2
Treino das habilidades cognitivas
visando à deglutição
27

capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

1) Memória
•••••••
Recrutar o sistema límbico através da memória episódica
•••••••

Temos vários tipos de memória: recente, de trabalho, epi-


sódica e tardia.

A memória de trabalho é a memória mais utilizada na


neurofisiologia da deglutição, mas temos também a memó-
ria episódica, que acessará nosso límbico emocional. Por
exemplo, se você está comendo um pedaço de banana e
faz muito tempo que não faz isso, ou está tomando um cafe-
zinho, comendo o molho de tomate da mãe, algo que reme-
ta ao passado ou a algo vivenciado, você pode começar a
chorar ou rir.

Há casos que só de citar o alimento já existe uma reação


emocional por parte do paciente. Entenda que tudo isso vem
da memória associada ao sistema emocional, o límbico.

Nem sempre o sistema límbico foi lesado. Então, pense


em acessar tudo o que ele tiver. Como você não sabe quais
foram as perdas, você só vai saber se testar. Vamos pensar
assim: “Bom, eu vou agora começar minha estimulação tá-
til-térmica-gustativa (ETTG) com um paciente que está há 2
meses em coma e está sem deglutição de saliva”. Procure
sempre pensar qual seria a melhor estimulação do mundo!

Quando vamos fazer uma ETTG sem considerar o que o


paciente mais gosta, o que ele está há muito tempo sem
comer, qual era o hábito dele? Nunca! Porque é isso que vai
reforçar as células de memória dele.
28

capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

Todos nós temos alimentos que nos despertam memórias


e se nos colocássemos na situação do paciente, colocásse-
mos quem a gente ama na situação do paciente, nós iría-
mos querer ofertar o que mais nos traz memórias.

Isso acontece porque, quanto mais input neurológico,


mais rápido as células aprendem.

No meu caso, eu amaria se fosse limão, porque é a minha


fruta preferida, eu chupo limão todos os dias. Mas pense se
você estivesse no lugar do paciente... Teria que ser a sua
fruta preferida, certo? Agora, como terapeuta, pense no pa-
ciente: qual é a fruta preferida dele?

Entende?!

Às vezes, o paciente pede algo que nem é tão estimulan-


te para o par craniano, mas vai trazer tantas células cogniti-
vas, que o resultado será semelhante ou até melhor!

Então, o primeiro contato com o paciente que não come


via oral será o contato gustativo que traz mais memória.

Pense que a memória operacional, a de trabalho, é aque-


la que vai nos ajudar a trazer aprendizagem de um sistema
novo que queremos criar no paciente. Mas a episódica é a
responsável por fazer o paciente lembrar que gostava de
feijoada, por exemplo, porque quando ele era novo, ia para
o pagode e ele adorava etc. Há sempre uma história por trás
da refeição.

Precisamos acessar essas memórias, porque elas irão,


por sua vez, acessar o sistema emocional do paciente. Com
isso, teremos mais recrutamento. Esse é o primeiro passo:
observar quais são os alimentos, quais as estimulações que
29

capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

recrutam células de memória no paciente.

Então, esquece aquela papinha pronta, que você com-


pra no supermercado, com sabor de fruta, que não significa
nada para o paciente, neurologicamente. Se o seu paciente
é apaixonado por picanha, pede para prepararem o molho
da picanha, usa o espessante e essa vai ser a sua “papinha”
da terapia!

Se não for possível através da sensibilidade gustativa (o


que é muito raro), você terá que acessar essa memória por
meio do tato, do cheiro, por meio de imagens etc.

•••••••
Estimular memória recente
•••••••

Como a gente vai pensar para estimular a memória re-


cente?

Primeiro, entenda que a memória recente é aquela que


vai lembrar no dia seguinte o que você fez hoje. Diferente
da memória de trabalho, que é usada durante a terapia, a
recente é usada a semana toda.

Exemplo prático:
Hoje você pegou um cafezinho preto, que é a coisa que
seu paciente mais ama na vida, passou um suabe no café,
ele sentiu o cheiro, recebeu o café na xícara, viu o café, a
foto, viu um vídeo de como se faz café. Depois que você
fez tudo isso, que você colocou o paciente no mundo do
café, aí você coloca o café na boca dele: você posiciona
o espelho de frente pra ele e, juntos, você com o seu suabe,
e ele com o dele, passam café na boca e ambos têm essa
30

capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

experiência sensorial.

Agora, você combina com ele que tem que passar o su-
abe na língua 5 vezes para sentir o gosto e a temperatura
do café (sem volume), e que quando acabar a sequência
e ele tiver sentido o prazer da sensação e estiver salivando,
ele vai abaixar a cabeça e engolir com força. Ao fazer isso,
nós estamos recrutando células, dizendo que ao cair qual-
quer estímulo na língua, ele terá que deglutir com força e se
proteger. Nesse momento, isso ainda é uma manobra, mas
com o tempo se tornará automático.

Para isso se tornar automático, é necessário aprendiza-


gem. A memória de agora, usada durante a terapia, que
guarda a sequência “língua pra fora + 5 repetições + abaixar
a cabeça + deglutir” é a memória de trabalho. Mais tarde,
será necessário repetir isso com o cuidador e, assim, se fizer
direitinho, ele trabalhará a memória recente. Exercitar dessa
maneira, após um tempo, ligará o automático a partir do es-
tímulo gustativo do paciente.

“Ah Paola, mas o cuidador me disse que o pacien-


te nunca lembra a sequência. Como eu faço?”
É importante mostrar vídeos, fotografias, sequências lógi-
co-temporais, contar uma história/piada agora e mais tarde
perguntar o que aconteceu. Isso é estimular o paciente a
armazenar informações em médio prazo (memória recente),
porque foi percebido que ele não se lembra do que tem pra
fazer.

Então, treinar essas memórias é importante para o traba-


lho da deglutição.
31

capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

2) Atenção
emos vários tipos de memória: recente, de trabalho, epi-
sóO que acontece quando treinamos atenção?

Imagine que você vai numa casa de repouso e o pacien-


te tem Alzheimer, é apático e não se comunica. Está sempre
sem estímulo nenhum. O único estímulo que ele tem é uma
vez por semana, quando você chega. Como você mantém
a atenção do paciente quando você não estiver lá?

É difícil um treinamento cognitivo dar certo, se ele não se


perdura depois. Casa de repouso é o maior desafio para as-
sociar cognição e linguagem, cognição e disfagia, porque
o paciente não tem com quem treinar.

Por isso é importante atrair a família para a sessão, porque


você, como profissional, injeta uma responsabilidade nos
familiares, de que quando você não estiver, eles têm que
treinar com o paciente ou então ter um profissional todos os
dias para treinar com ele.

Você apresenta para essa família qual é a atividade de


atenção a ser realizada em cada dia, e com o decorrer dos
exercícios ele se tornará mais atento.

Para prestar atenção nas coisas, é necessário se ter o que


mais gosta.

A atenção é estimulada pelo interesse!


Entenda isso!

Tem fonoaudiólogo que chega pra mim se queixando:


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capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

“Eu treino, treino, treino e o meu paciente com


afasia não consegue aumentar o nível de atenção”.
Aí eu pergunto o que ele está treinando com o paciente,
ele me fala que está treinando escrita. Pergunto:

“é mesmo? E seu paciente gosta de escrever?”.


Ele me responde que não. Isso jamais vai dar certo! Per-
cebe que não faz sentido?

Então, repito:

a atenção é estimulada pelo interesse!


Descubra o que ele mais gosta. Se seu paciente não fala, a
família sabe e vai te contar! Eu tive uma paciente que gosta-
va de bijuteria. Então, eu levava um monte de coisa de fazer
bijuteria, ela colocava as bolinhas no cordão, tinha todo um
trabalho, mantinha o foco de atenção, e eu contava quan-
tos minutos ela conseguia ficar presa nessa atividade sem
perder o interesse. Depois, essa mesma atenção eu tentava
incluir na alimentação. Como? Alternando.

Um exercício para estimular seu paciente na atenção é


alternar o que ele mais gosta com o que é de fato a ativida-
de. Isso estimulará e desenvolverá mais tempo da atenção
dele para ambas as coisas. Minha paciente da bijuteria, por
exemplo, tinha 5 minutos de atenção plena. Então, eu que-
brava o tempo, alternando a atividade preferida com o de-
senvolvimento atencional na deglutição. Ela colocava uma
bolinha no cordão e treinávamos a deglutição. A partir do
interesse do paciente, você conquista a atenção dele.
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capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

Antes de ser treinado, o atencional tem que ser conquis-


tado através do interesse e, depois, planilhado, para você
acompanhar a evolução. Por exemplo: na primeira sessão,
conseguiu ficar 5 minutos, na segunda foi pra 6 minutos, de-
pois pra 7... e agora a paciente é atenta o suficiente para
comer uma refeição completa, sem engasgar, sem olhar
para a televisão, sem se recusar a comer.

Temos mais de 1 bilhão de células cognitivas em torno


de todo o cérebro. É impossível não restar nada em alguém
para não estimular a plasticidade neural.
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capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

3) Planejamento
Tudo que fazemos na vida é planejado. Tudo! Não só
aquela viagem de férias, mas também quando vamos fa-
lar, caminhar, comer etc. Sempre existiu e sempre existirá
um planejamento milissegundos antes da ação. Por isso que
os pacientes ficam apráxicos, lembra? Eles planejam falar
“jaca”, mas acaba saindo “Toddy”. Isso acontece porque o
planejamento está ruim e mandou a musculatura fazer outro
movimento.

Qualquer coisa que pensamos em fazer é planejado. E


esse planejamento é cognitivo, por isso é tão importante o
ensaio mental. Pense que o paciente deve visualizar o final.
É o famoso topdown: consiste em fazer todos os passos da
refeição dele, planejando todas as fases, de mastigação,
deglutição, mesmo que ele esteja só com saliva na boca. O
planejamento faz com que o paciente tenha êxito na exe-
cução.

Lembre-se de que as células executivas são pré-plane-


jadoras. Então, o planejamento deve ser ensaiado. Você,
como fonoaudiólogo, é o modelo do ensaio, é a referência
visual e auditiva para o paciente. O que não pode aconte-
cer é você estar de frente para o paciente. Ambos devem
estar de frente para o espelho: você é o modelo, mas não
é o reflexo. Seu paciente olhará o que tem que fazer, mas o
reflexo dele é que indicará se ele está fazendo certo ou não.

Para treinar o planejamento, é necessário ensaiar com a


maior quantidade de input possível. É input visual? É input
auditivo? São todos! E não importa se o seu paciente não
fala, porque aqui o assunto é cognição, não comunicação.
Ok?
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capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

Não esqueça isso: o planejamento precisa ser treinado,


ensaiado, repetido. E o planejamento faz uso das células da
memória de trabalho, que você já vai ter começado a trei-
nar lá no início.

“Então, memorizar número de


telefone é bom pra disfagia?”
Sim!!!
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capitúlo 2 Treino das habilidades cognitivas


visando à deglutição

4) EXECUÇÃO
As células executivas também compõem uma habilidade
cognitiva.

Será que faz sentido pedir para o paciente mover a língua


pra cima e pra baixo? Vai ser eficiente?

A execução é o que faz o terapeuta deixar a academia e


partir para o “crossfit”. Esquecer essa prática de dar exercí-
cio aleatório, apenas por dar, e começar de fato a focar na
função, na execução.

Se o paciente tem trismo, por exemplo, em vez de só fazer


massagem e relaxamento da musculatura, você fala para
ele imaginar que vai morder uma maçã. Ele só imagina e
abre a boca o quanto conseguir. Aí você realmente pega a
maçã e marca, na própria fruta, a amplitude de abertura da
boca do paciente.

A cada sessão, você vai vendo o progresso no alcan-


ce funcional das células executivas dele, que implicam na
ação motora. Ele tem que executar, mesmo sem nada na
boca, porque quem está memorizando isso são as células
executivas. Quem não tem visão, vai pelo tato, pelo auditi-
vo, usa o máximo que conseguir.
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CONSIDERAÇÕES
FINAIS
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CONSIDERAÇÕES
FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez você já tivesse conhecimento sobre tudo isso, mas
talvez essas sejam informações totalmente novas e você es-
teja até um pouco assustado(a).

Então, calma! Respira fundo e confia. Os fundamentos te-


óricos estão aí... Agora é só você se aprofundar, estudar e,
principalmente, praticar! Aplique esses conhecimentos nas
suas sessões de terapia e veja com seus próprios olhos os
efeitos positivos de se trabalhar disfagia e cognição em con-
junto.

Eu espero, de verdade, que esse e-book possa ter des-


pertado sua atenção para a importância da cognição na
disfagia e que eu possa ter contribuído com o seu trabalho.

Desejo muito sucesso profissional e que seus pacientes se


beneficiem de tudo isso que você aprendeu aqui!
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
Este e-book foi embasado em uma mentoria realizada
para a Turma 1 do curso “Disfagia na Prática”.

Todo o conteúdo tem como referência dois livros:

• Distúrbios neurológicos adquiridos: Linguagem e cogni-


ção | Autora: Karin Zazo Ortiz

• Neurolinguística: princípios para a prática clínica | Au-


tores: Letícia Lessa Mansur e Márcia Radanovic

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