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Revista Brasileira de Educação

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


rbe@anped.org.br
ISSN: 1413-2478
BRASIL

2001
Cecília M. A. Goulart
LETRAMENTO E POLIFONIA: UM ESTUDO DE ASPECTOS DISCURSIVOS DO
PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
Revista Brasileira de Educação, set-dez, número 018
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
São Paulo, Brasil
pp. 5-21
Letramento e polifonia

Letramento e polifonia: um estudo de aspectos


discursivos do processo de alfabetização

Cecília M. A. Goulart
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação

Foi aí que nasci. Nasci na sala do 3º ano, sendo pro- mentos, com base na relação passado/presente/futuro,
fessora D. Emerenciana Barbosa, que Deus tenha. Até en- de modo a não perder o sentido histórico dos sujeitos e
tão, era analfabeto e despretensioso. Lembro-me: nesse da sociedade, estando inseridos todos, professores e
dia de julho, o sol que descia da serra era bravo e parado. alunos, numa dinâmica social altamente complexa e
A aula era de Geografia, e a professora traçava no qua- heterogênea, de uma sociedade capitalista que apela
dro-negro nomes de países distantes. As cidades vinham precipuamente para aspectos individuais dos sujeitos
surgindo na ponte dos nomes, e Paris era uma torre ao e para o aqui e o agora.
lado de uma ponte e de um rio, a Inglaterra não se enxer- A dinâmica social mostra-se complexa e hetero-
gava bem no nevoeiro, um esquimó, um condor surgiam gênea, com múltiplas perspectivas. Destaco aqui, prin-
misteriosamente, trazendo países inteiros. Então, nasci. De cipalmente, a perspectiva cultural, que se expressa em
repente nasci, isto é, senti vontade de escrever. Nunca pen- diferentes áreas do conhecimento (filosófica, científi-
sara no que podia sair do papel e do lápis, a não ser bone- ca, lingüística, artística, de gênero, étnica, religiosa,
cos sem pescoço, com cinco riscos representando as mãos. entre outras), e a perspectiva de classes sociais, que se
Nesse momento, porém, minha mão avançou para a cartei- expressa pelos diferentes valores atribuídos por estas
ra à procura de um objeto, achou-o, apertou-o irresistivel- classes aos diferentes conhecimentos, agências, obje-
mente, escreveu alguma coisa parecida com a narração de tos, atividades, relações e atitudes sociais. As formas
uma viagem de Turmalinas ao Pólo Norte. como hoje esses conhecimentos se cruzam, aproximan-
do-se e afastando-se, ao mesmo tempo, geram neces-
C. D. de Andrade. Contos de Aprendiz. Rio de
sidades cada vez mais urgentes de se continuar repen-
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975, p. 153-154.
sando, entre muitas outras questões, e, no sentido deste
estudo, a prática pedagógica discursiva, no interior da
Um desafio que se coloca hoje para a escola é prática social, nas suas múltiplas dimensões.
como trabalhar a apropriação e a criação de conheci- A discussão sobre o papel da escola, que já teve

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como orientação dominante a transmissão unidirecional que parece se organizar na direção do que é definido
de conhecimentos pelo professor, para a sua amplia- como letramento.
ção pelos alunos, vem sendo encaminhada no sentido O trabalho alfabetizador aqui ressaltado vem sen-
de, além de ampliar os conhecimentos, ampliar as pos- do desenvolvido no Colégio Fernando Rodrigues da
sibilidades de todos nela envolvidos continuarem am- Silveira – Colégio de Aplicação da UERJ (CAp-UERJ) –
pliando os conhecimentos fora dela. O movimento in- e tem como ponto de partida os textos orais produzi-
terativo da sala de aula vem-se destacando como um dos pelas crianças e professores em diálogo, bem como
fator importante na construção de conhecimentos e, os textos escritos que circulam na sala de aula de vá-
mais, na possibilidade de se investigar como os co- rias maneiras e com várias funções. Um primeiro le-
nhecimentos que o aluno traz para a escola dialogam e vantamento dos pressupostos teórico-metodológicos
se ampliam com os conhecimentos que a escola coloca que fundamentam essa prática pedagógica está em
em circulação (embora investigações com enfoques Goulart (2000a) e foi realizado principalmente com
diferentes, podemos citar Smolka, 1991; Mortimer e base nas ações e propostas da professora. Em Goulart
Machado, 1997; Machado, 1999; Azevedo, 2000). (2000c), analiso dados que evidenciam o sujeito da/na
Estes estudos vão adensando a compreensão da im- linguagem, por meio da análise de reelaborações na
portância do papel da linguagem verbal no processo perspectiva sintático-discursiva que as crianças reali-
pedagógico, bem como fortalecendo a concepção da zam no processo de aprender a escrever produzindo
linguagem como atividade constitutiva, que se faz e textos. A escolha dessa escola pública como locus de
refaz pelo sujeito na direção do Outro, isto é, na pers- pesquisa deveu-se à prática alfabetizadora inovadora
pectiva ética da alteridade. É com base nessa realida- que ali vem sendo estudada, discutida e desenvolvida
de pressuposicional que este estudo procura avançar. por alguns professores desde o final da década de 1990.
Os estudos de Bakhtin, de modos diversos, fun- Venho observando que, ao analisar um modo de apren-
damentam os trabalhos acima citados, assim como se der, ressalta-se um modo de ensinar. A pesquisa que
vêm mostrando produtivos para a minha pesquisa, que realizo desde o final de 1998, e da qual o presente
tem como foco a prática alfabetizadora e os processos estudo faz parte, vem procurando compreender aspectos
de apropriação, pelas crianças, da linguagem escrita. desse modo de ensinar/aprender.
Nesse sentido, em textos anteriores (Goulart, 1999, Os textos dos alunos são, neste momento da in-
2000a, 2000 b), venho cada vez mais me aproximan- vestigação, observados na dimensão alteritária do pro-
do da noção de letramento, como também buscando cesso de constituição da linguagem verbal, neste caso,
compreender-lhe os limites e as possibilidades. Esta a modalidade escrita. Nesta concepção, o Outro é con-
aproximação e esta busca me encaminham a alguns dição para a constituição do discurso. Relaciona-se
aspectos da teoria bakhtiniana, que estarei aqui discu- deste modo a noção de polifonia com a noção de
tindo, entremeada com estudos de outros autores. letramento, como veremos adiante. É na intersubjeti-
O presente estudo caracteriza-se pela constitui- vidade que os sujeitos e os sentidos se constituem.
ção de uma base teórica inicial que aprofunde a com- No estudo, de base fundamentalmente bakhtiniana,
preensão de aspectos da noção de letramento na pers- a interlocução assume um estatuto teórico específico;
pectiva de ampliar possibilidades de discutir novas a proposta pedagógica trabalhada pela professora das
bases para a prática alfabetizadora. Neste sentido são crianças, cujos textos são objetos de nossa pesquisa,
apresentados indícios da entrada de outras vozes em tem no diálogo a condição básica para o desenvolvi-
textos escritos de crianças de seis anos, trabalhados mento de suas aulas; esta explicitação torna possível
na pesquisa de 1997 (Pacheco, 1997). O objetivo ge- pensar em depreender dos textos dos alunos marcas
ral é dar continuidade à discussão e explicitação de dos discursos alheios, constituindo a sua linguagem.
uma concepção teórico-metodológica de alfabetização Os indícios são considerados dados privilegiados que

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marcam os textos na perspectiva de significar sinais, de discurso (p.60). Olson, por sua vez, defende que a
“pegadas”, do fenômeno que está sendo investigado escrita não seja uma transcrição do discurso oral, mas
(cf. Ginzburg, 1989). A análise e as hipóteses que possibilita a elaboração de um modelo conceitual
explicativas que se vão elaborando no processo de in- para o discurso, por nos permitir detectar não só os
vestigação vão consubstanciando conclusões que po- elementos lingüísticos, mas também as estruturas lin-
dem tanto enriquecer propostas pedagógicas de alfa- güísticas em que estes elementos se inserem.
betização, quanto iluminar outras pesquisas. O denso estudo de Morrison (1995) discute ba-
sicamente a tese do aculturamento grego, na qual
Letramento como campo de pesquisa Orson (1977) postula que a invenção do alfabeto gre-
go, no século VIII a. C, gerou o texto escrito e esta-
Estudos sobre a noção de letramento e sobre o beleceu a sua prioridade sobre a oralidade. Morrison
que é ser letrado numa sociedade letrada vêm mere- contrapõe-se a essa idéia, postulando, por meio de
cendo a atenção de alguns pesquisadores (Soares, 1998; muitas evidências, que foram as mudanças históri-
Kleiman, 1995; Tfouni, 1996). Em termos gerais, o cas, ocorridas no desenvolvimento da estrutura tex-
letramento está relacionado ao conjunto de práticas tual, que ampliaram sua organização racional, o que
sociais orais e escritas de uma sociedade e, também, o faz distinguir língua escrita de textualidade, bem
segundo Tfouni, à construção da autoria. como sistema lingüístico de sistema textual. Morrison
O termo letramento vem sendo considerado ne- parece caminhar na direção de Michalowski ao centrar
cessário, uma vez que se observa o termo alfabetiza- sua atenção na linguagem escrita, como uma nova
ção muito relacionado a uma visão da aprendizagem forma de conhecer, e não na língua escrita, como uma
da língua escrita como um processo de codificação de nova tecnologia.
sons em letras, para escrever, e o movimento oposto, De acordo com o ensaio, o texto só começou a
de decodificação, para ler. Esta visão está, de um modo existir quando a página (e não a frase ou a declaração,
geral, ligada à suposição de que a linguagem escrita é como conceitos lingüísticos) passou a ser a unidade
a fala por escrito. Ou, de um outro modo, supõe que os predominante de sua organização. Inovações medie-
sistemas escritos teriam sido inventados para repre- vais na apresentação do texto redefiniram a disposi-
sentar a fala. Os autores que defendem esta idéia en- ção espacial do escrito, alterando os princípios tex-
tendem também que “a história da escrita seja a evo- tuais e originando procedimentos mais claros. Morrison
lução progressiva que culmina no alfabeto” (Olson, argumenta que o sentido é tão inerente aos modelos de
1998, p. 93). Esta tem sido considerada, entretanto, organização textual quanto às estruturas lingüísticas.
uma visão etnocêntrica dessa história (Michalowski, O autor critica “uma teoria do aculturamento que iden-
1994). A questão tem gerado debates bastante interes- tifique o desenvolvimento cultural em função de ape-
santes que podem enriquecer nossos conhecimentos em nas um termo de uma separação dicotômica entre o
três perspectivas: da elaboração da história da própria oral e o escrito, o pertencente e o não-pertencente à
escrita; do ensino/aprendizagem da leitura e da escri- cultura escrita, ou o mítico e o racional” (p.166-167).
ta; e também de como a aprendizagem da escrita afeta Morrison analisa pesquisas que o levam a rela-
a cognição. Meu interesse, neste momento, localiza- cionar o começo da utilização intensa, nos textos es-
se na segunda alternativa. critos, das notas de rodapé e da citação, à mudança no
Segundo Michalowski, a escrita não foi primei- conceito de fato histórico, já que os julgamentos con-
ramente utilizada como um veículo para a preserva- clusivos do narrador oral foram substituídos por fon-
ção da tradição oral. O autor afirma justamente o con- tes e referências comprováveis contidas no próprio tex-
trário: a escrita foi uma nova forma de comunicação to. No método textual de discurso, o conceito do que é
que trouxe à tona uma nova semiótica e novas formas real em história começa a depender cada vez mais da

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competência dos textos de corroborarem as afirmações estão fortemente vinculados à língua escrita, diferen-
por meio de um aparato acadêmico explícito, isto é, o temente dos gêneros primários.
fato e o texto se aproximam, no sentido de que “os A pesquisa de Mello (1998) tem relevância polí-
homens começam a pensar os fatos não como registra- tico-ideológica para o exame dos estudos acima. Con-
dos pelos textos, mas como incorporados neles” (Stock vergindo em parte para o estudo de Morrison, discute
apud Morrison, 1995, p.169). como historicamente se trabalhou para fazer crer que
O tipo de texto que orienta a discussão de uma certa racionalidade, tornada absoluta e universal,
Morrison é o acadêmico, que foi se desenvolvendo his- e estreitamente associada à escrita, era/é a verdade.
toricamente junto com o aprimoramento técnico do tra- Este centramento em uma verdade/ racionalidade vem
balho científico. O autor aponta dois aspectos explíci- excluindo parcelas enormes de seres humanos “que não
tos da língua escrita que transformam a obra (que pode compartilham das referências culturais letradas oci-
ser oral ou escrita) em texto (escrito): as mudanças dentais” (p. 3). Mello aponta que os sujeitos organi-
específicas que ocorrem no nível do uso gramatical e a zam o real e elaboram suas concepções e critérios ra-
organização estrutural. Este segundo aspecto está re- cionais de forma intimamente relacionada com suas
lacionado ao layout expositivo do livro e da página, vivências, práticas e relações pela/na cultura, engen-
ao surgimento de um sistema de exegese e de um siste- drando múltiplas formas de ser racional. A lógica for-
ma de pontuação, que dão sentido e clareza à ordena- mal refere-se, então, a uma forma de ser, social e his-
ção das frases, e uma divisão inteligível do texto/co- toricamente constituída, e eleita como universal pela
nhecimento para a organização das idéias “que cultura ocidental. De acordo com a autora, os critérios
expressam pontos de ênfase conceitual” (1995, p.171). desta lógica controlariam, selecionariam e distribui-
Nas palavras do autor, riam a produção dos lugares do que é considerado le-
gítimo socialmente; com esses critérios, de um modo
O texto deve incluir um aparato que imponha uma es-
geral, mede-se a racionalidade humana. Do ponto de
trutura formal a uma linha de raciocínio que faz referência
vista bakhtiniano, podemos dizer que a lógica, vista
explícita ao contexto criado pelo ato de se esquematizar uma
como um signo ideológico (variável e flexível), assu-
obra escrita extensa. [...] cuja distribuição foi estabelecida
me um caráter monovalente, “abafando ou ocultando
conforme as unidades do texto, tais como a página, o pará-
a luta de índices de valor que aí se trava” (Bakhtin,
grafo e o capítulo”. (idem, p. 172)
1988, p. 46), isto é, abafa ou oculta outras possibili-
O autor postula, então, que “a associação entre o dades de pensar logicamente.
conhecimento e a organização textual é indispensável A mesma autora destaca a importância de estu-
para a capacidade de uma cultura quanto à ordenação dos que cheguem à “revelação pequena, constante e
e codificação do conhecimento” (idem, p.191). As indiciária dos procedimentos engendrados que excluem,
mudanças históricas na estrutura textual geraram um da ordem do legítimo, da verdade que há séculos vem
conjunto de práticas, formando um conhecimento so- sendo globalizada, seres humanos e culturas diversas”
cial relacionado às argumentações históricas e filosó- (p. 5). Destaca também a necessidade de buscar com-
ficas, bem como às necessidades de outros ramos par- preender mais especificamente as formas de organiza-
ticulares do conhecimento. Essas organizações ção do real dos sujeitos adultos não alfabetizados de
discursivas parecem-nos estar relacionadas ao que modo a entender outros universos racionais.
Bakhtin (1992) denominou de gêneros do discurso se- Entendemos o entrecruzamento do estudo de
cundários. Segundo o autor, os gêneros do discurso são Mello, de Morrison, bem como de Michalowski, à me-
tipos de enunciados que vão se padronizando pelo uso dida que podemos reconhecer o que Street (1984) pro-
repetido, em função de conhecimentos específicos de põe, ao conceber o modelo ideológico de letramento
esferas sociais da realidade. Os gêneros secundários em oposição ao modelo autônomo de letramento. No

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modelo ideológico, o autor ressalta a dimensão políti- bilidade e a negociabilidade – como características
co-ideológica daquela noção. Segundo Soares (1998, inerentes e teoricamente essenciais da linguagem or-
p. 75), dinária. Os paradigmas baseados na estipulação de
“sentidos literais” invariantes de expressões verbais
Street afirma que a verdadeira natureza do letramento
devem ser abandonados em favor de uma aproxima-
são as formas que as práticas de leitura e escrita concreta-
ção explicitamente construtivista da linguagem e do
mente assumem em determinados contextos sociais, e isso
pensamento. Os traços sociointeracionais da comuni-
depende fundamentalmente das instituições sociais que pro-
cação verbal, até agora grandemente inexplorados, tais
põem e exigem essas práticas.
como estados de intersubjetividade e realidade social,
Soares apresenta outras questões polêmicas em bem como padrões de comunicação diádica, devem,
relação à noção de letramento. Destaco aqui apenas segundo o autor, tornar-se o foco de renovadas análi-
algumas que me parecem mais problemáticas no sen- ses teóricas.
tido estrito da palavra. Primeiramente, a dificuldade Ao assumirmos um paradigma consistentemente
de conceituar letramento; em segundo lugar, a possi- pluralista, abrimo-nos para o repertório de perspecti-
bilidade de se conceberem letramentos, no plural; e vas humanas possíveis e de inúmeras estratégias de
em terceiro, como conseqüência das duas questões atribuição e categorização inerentes à linguagem or-
anteriores, a falta de condição para definir critérios dinária. Assim, segundo Rommetveit (p.186), qualquer
para avaliar ou estabelecer diferentes níveis de “real” estado de coisas é enigmático e permanece as-
letramento. Estamos portanto trabalhando em terreno sim até que seja visto de uma determinada posição e
movediço, mas que, por isso mesmo, necessita de es- dentro de alguma perspectiva referencial particular.
tudos para ganhar consistência. Podemos depreender, discutindo e interligando as
A perspectiva acima delineada interliga a noção diretrizes teóricas acima, que, para avançar na dire-
de letramento a um modo de conceber a linguagem ção do estudo sobre letramento, precisamos pensar de
escrita e seu contexto socioistórico, problematizando modo mais radical na existência de várias
de modo agudo seu ensino/aprendizagem. Tomando a racionalidades no espaço social, isto é, de vários mo-
linguagem verbal como eixo de nosso estudo, tenta- dos de ver, ouvir, falar e ler a realidade, de propor per-
mos contribuir para o aprofundamento da discussão guntas e soluções para aspectos dessa realidade, en-
de aspectos da noção de letramento, que, embora re- fim, de sentir e viver (n)essa realidade. Terzi (1997),
belde a definições e contornos, parece-nos bastante pro- com base no estudo de Heath (1982), defende a neces-
missora. Como pesquisadora ocupada e preocupada sidade de conhecermos as orientações de letramento
com a temática da alfabetização, a minha reflexão vem dos alunos para que possamos compreender seus pro-
se centrando no seguinte desafio proposto por Soares: cessos de aprendizagem.
Como alfabetizar, letrando? (Soares, 1988, p. 59) Teale (1992) realizou uma relevante pesquisa so-
Rommetveit (1985, p. 183-184) objetiva uma ex- bre as orientações de letramento de 24 crianças ame-
plicação sobre o desenvolvimento da linguagem e do ricanas pertencentes a famílias de baixa renda, inves-
pensamento no sentido de Vygotsky, mas dentro do tigando a extensão e a natureza das experiências de
arcabouço de uma aproximação consistentemente letramento das crianças pré-escolares, em suas casas,
pluralista e social-cognitiva da comunicação humana. por meio da análise de diferentes estruturas de partici-
Parte da assunção de que o discurso humano acontece pação e domínios de atividades. O autor observa, atra-
num mundo social plural (somente fragmentariamente vés das evidências encontradas, que virtualmente to-
conhecido) e somente parcialmente compartilhado. das as crianças numa sociedade letrada têm numerosas
Nesta perspectiva, trata a vaguidão, a ambigüidade e experiências com a linguagem escrita antes de entrar
a incompletude – mas também a versatilidade, a flexi- na escola. Observa também que essas crianças

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vivenciam o letramento como um processo social. mentos materiais dessa realidade. Sendo a palavra o
Enfatiza que determinadas atividades de letramento fenômeno ideológico por excelência, é absorvida pela
realizadas nos lares se mostram como conseqüências sua função de signo e assim penetra em todas as ativi-
inevitáveis da participação e inserção numa sociedade dades humanas, desde a comunicação ideológica coti-
letrada. Destaca que a situação doméstica se constitui diana, passando pelo discurso interior, até as diversas
num complexo de fatores econômicos, sociais, cultu- esferas de saber especializadas e formalizadas. Desse
rais e pessoais, e que, embora a situação econômica modo, compreender as palavras está relacionado a
possa afetar as circunstâncias de letramento, isso não compreendê-las num contexto concreto preciso, a com-
é uma regra. O autor observou instâncias entre as fa- preender sua significação numa enunciação particular
mílias de baixa renda que têm sido caracterizadas por que se produz dentro de uma esfera social.
autores como “altamente letradas”. Um outro fator a De interesse ainda para o nosso estudo é o desta-
destacar nas ações domésticas de letramento é a alta que que Bakhtin dá à ideologia do cotidiano. De acor-
significação que a interface com instituições sociais do com ele, essa ideologia estabelece uma relação dia-
diversas revela (escola, trabalho, governo e igrejas, lética com outros sistemas ideológicos constituídos, que
por exemplo). estamos concebendo, de um modo genérico, como as
Estamos aqui entendendo as orientações de disciplinas, os campos do conhecimento: filosofia, ciên-
letramento como o espectro de conhecimentos desen- cia, arte, religião, entre outros. Destes sistemas, for-
volvidos pelos sujeitos nos seus grupos sociais, em re- mados a partir da ideologia do cotidiano, esta ideolo-
lação com outros grupos e com instituições sociais di- gia recebe seu tom e, em contrapartida, permite-lhes
versas. Este espectro está relacionado à vida cotidiana uma avaliação crítica viva, por meio de uma situação
e a outras esferas da vida social, atravessadas pelas social determinada. Quer dizer, a ideologia do cotidia-
formas como a linguagem escrita as perpassa, de modo no garante vida, concretude, significância aos siste-
implícito ou explícito, de modo mais complexo ou mas constituídos. Dessa tensão, ideologia do cotidia-
menos complexo. Assumindo com Rommetveit que o no/sistemas ideológicos constituídos/ideologia do
mundo social é fragmentariamente conhecido e par- cotidiano, é possível aparecerem novas forças sociais
cialmente partilhado por cada um de nós, embora que podem invadir a arena da ideologia oficial consti-
coesamente percebido e apropriado, e para nos apro- tuída, infiltrando-se nas instituições ideológicas (a li-
ximarmos das orientações de letramento dos sujeitos, teratura, a imprensa, a ciência). Entendemos então que
é preciso compreendê-lo de forma plural, no sentido afastar os campos de conhecimento da realidade coti-
das múltiplas perspectivas humanas. diana, portanto, romper esse vínculo, faria com que os
Como a apropriação da linguagem escrita é por campos deixassem de existir, pois deixariam de ser
nós entendida como parte do processo geral de apro- apreendidos como ideologicamente significantes (ver
priação da linguagem, a discussão acima vai ao en- Bakhtin, 1988, p. 118-121). De certo modo, a escola
contro do papel da linguagem na constituição da cons- vem trabalhando com as disciplinas, destaque-se aqui
ciência social dos sujeitos e, logo, da constituição do a linguagem, dessa maneira: cristalizando-as, ao tor-
próprio sujeito como ser social, encontrada nos estu- nar seus significados monovalentes, sem relação com
dos de Bakhtin (1988). De acordo com o autor, as ba- a vida cotidiana.
ses de uma teoria marxista da criação ideológica (es- Neste sentido, compreender a norma culta da lín-
tudos sobre o conhecimento científico, a literatura, a gua, estreitamente associada à língua escrita, parece
religião, a moral) estão ligadas à criação de signos ideo- funcionar para muitos segmentos sociais populares
lógicos, cujos significados remetem a algo exterior aos como compreender a palavra estrangeira, analisada por
sujeitos. Os signos não existem como parte de uma Bakhtin. A idéia está apoiada na perspectiva não só de
realidade: refletem e refratam uma outra, como frag- que a língua portuguesa foi para nós um dia língua

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estrangeira, mas também de que, em geral, a norma exterior, que é povoado de muitas visões de mundo,
culta é trabalhada de modo descontextualizado. Vol- muitas palavras, muitas histórias, de várias origens,
tando a Bakhtin, nessa parte do trabalho o autor criti- que dialogicamente se fundam no social. Um social
ca os estudos lingüísticos que se voltaram para as lín- não homogêneo, não transparente: um social ideologi-
guas mortas estrangeiras, desvinculadas de seu camente opaco, constituído de signos, que é preciso
contexto concreto, real (p. 99). Ele afirma que, na cons- desvendar para “des-cobrir” o mundo (os mundos?).
ciência histórica dos povos, a palavra estrangeira fun- A noção de polifonia é aqui entendida por meio
diu-se com a idéia de poder, de força, de santidade, de do fenômeno social da interação verbal como realida-
verdade. Na nossa realidade social, e principalmente de fundamental constitutiva da linguagem e da cons-
escolar, a variedade lingüística tomada como padrão ciência dos sujeitos. No movimento de interação so-
muitas vezes assume esses valores de poder, de força, cial os sujeitos constituem os seus discursos por meio
de santidade, de verdade. Isso se manifesta predomi- das palavras alheias de outros sujeitos (e não da lín-
nantemente pelo enfoque de caráter formal-sistemáti- gua, isto é, já ideologizadas), que ganham significa-
co que tradicionalmente conduz o trabalho com a lín- ção no seu discurso interior e, ao mesmo tempo, ge-
gua, “incompatível com uma abordagem histórica e ram as contrapalavras, as réplicas ao dizer do outro,
viva da língua” (Bakhtin, 1988, p. 104). que por sua vez vão mobilizar o discurso desse outro,
Pressupomos que seja através do prisma social e assim por diante. É então num emaranhado discursivo
concreto vivo que nos engloba que lemos o mundo. que se formam o discurso social e os discursos indivi-
Mas com que lentes o lemos? Lemos com as lentes da duais. Como nos acrescenta Bakhtin (1992, p. 313-314):
variedade de língua que constituímos interativamente
[...] a experiência verbal individual do homem toma forma e
no nosso grupo social, que vive em tensão com as ou-
evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com
tras variedades usadas, inclusive a padrão, mantendo,
os enunciados individuais do outro. [...] Nossa fala, isto é,
de um modo geral, com esta uma relação de submis-
nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos ou-
são. Para Bakhtin, “quanto mais forte, mais bem orga-
tros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou
nizada e diferenciada for a coletividade no interior da
pela assimilação, caracterizadas, também em graus variá-
qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo
veis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras
será seu mundo interior” (idem, p. 115). Essa afirma-
dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom
ção remete-nos ao nosso estudo de 1999 (Goulart,
valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos.
1999), quando, ao discutirmos as relações entre esco-
la pública e escola particular, dizemos que é tão Segundo o autor, é nesse movimento também que
alienante uma escola particular (para alunos de clas- certos sentidos vão se tornando mais estáveis nas di-
ses privilegiadas) que só deixe circular a visão de versas situações sociais, marcadas historicamente, e
mundo da classe dominante, quanto uma escola públi- vão se estabilizando gêneros do discurso, tanto liga-
ca (para alunos de classes populares) que só faça cir- dos às situações da vida cotidiana, quanto às diferen-
cular a visão de mundo da classe dominada, embora tes esferas simples e complexas da vida social. Ainda
saibamos que essa questão na realidade não possa ser de acordo com o autor, os gêneros do discurso primá-
vista de modo tão dicotomizado. rios e secundários se inter-relacionam e, de uma forma
Com Bakhtin aprendemos que “o centro organi- imediata, sensível e ágil, refletem a menor mudança
zador de toda enunciação, de toda expressão, não é na vida social.
interior, mas exterior: está situado no meio social que Os gêneros do discurso são um repertório aberto
envolve o indivíduo” (p. 121). A noção de polifonia, e heterogêneo de formas de enunciados que foram se
que entendemos entrelaçada com a de letramento, en- organizando, ao longo do tempo histórico, relaciona-
tão, organiza-se a partir desse centro organizador, desse das a determinados conteúdos e situações sociais.

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Mesmo a seleção de uma palavra, durante a elabora- vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é
ção de um enunciado por um sujeito, passa por outros também através dos enunciados concretos que a vida pene-
enunciados ouvidos/lidos que, na maioria das vezes, tra na língua. (Bakhtin, 1992, p 282)
são aparentados à especificidade do gênero que está
Quando Bakhtin afirma que “a variedade dos gê-
sendo utilizado (p. 311). Esses enunciados/gêneros
neros do discurso pode revelar a variedade dos estratos
parecem formar-se polifonicamente, porque estão li-
e dos aspectos da personalidade individual”1 (p. 283),
gados, não só aos elos que os precedem, mas também
estabelecemos uma ponte entre a noção de polifonia e a
aos elos que os sucedem, na cadeia de comunicação
noção de letramento, que é central no nosso estudo. En-
verbal: o papel dos outros, como interlocutores, desti-
tendemos que a variedade dos gêneros do discurso utili-
natários – participantes ativos, é, então, fundamental.
zada por uma pessoa pode revelar a sua variedade de
Bakhtin atribui grande importância teórica à dis-
conhecimentos (conhecimentos de vários estratos so-
tinção entre os dois tipos de gênero, salientando que
ciais) e aspectos de sua personalidade, em duas medi-
não se deve trivializar os gêneros primários, colocan-
das: (i) na medida em que os conhecimentos produzidos
do-os como ponto de referência, e que se deve levar
pelas diferentes classes sociais circulam na sociedade
em conta a inter-relação de gêneros primários e se-
de um modo geral; e (ii) na medida em que classes so-
cundários, bem como o processo histórico de consti-
ciais diferentes atribuem valores diferentes aos signos
tuição dos gêneros secundários. Situa estes gêneros
ideologicamente constituídos e vivenciam as situações
como ligados à comunicação cultural mais complexa e
sociais de modos diferentes. O fenômeno do letramento
relativamente mais evoluída, associada à escrita. Em-
está então associado a diferentes gêneros discursivos,
bora o autor não discuta a relação entre a língua oral e
caracterizando as classes sociais de modo diferente tam-
a língua escrita, diz que, em cada época de seu desen-
bém do ponto de vista discursivo.2 Estudos de natureza
volvimento, a língua escrita é marcada pelos gêneros
etnográfica já vêm mostrando desempenhos diferentes
do discurso, tanto secundários, quanto primários. As-
de crianças de distintas classes sociais em atividades
sim como afirma que os gêneros secundários absor-
orais de sala de aula, sem, contudo, estarem apoiados
vem e transmutam os gêneros primários de todas as
na fundamentação bakhtiniana. Desse ponto de vista,
espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma
estudos que envolvam a análise das orientações de
comunicação verbal espontânea. Nesta transformação
letramento dos sujeitos podem mostrar-se produtivos,
os gêneros primários perdem sua relação imediata com
tanto para a compreensão de que saberes circulam na
a realidade cotidiana e com a realidade dos enuncia-
sociedade, e de que modo, quanto para a reflexão sobre
dos alheios, já que esses enunciados passam a se si-
processos de aprendizagem.
tuar como fenômenos de uma determinada esfera so-
Como então relacionar polifonia e letramento de
cial (literária, científica, jurídica) e não como realidade
modo que contribuam para uma melhor compreensão do
cotidiana, ainda que conservem sua forma e seu signi-
ficado cotidiano, em alguns casos. O estudo de
Morrison apresentado aprofunda a compreensão do
processo histórico de constituição de gêneros de dis- 1
Consideramos que deva ter havido aqui problemas de tra-
curso secundários, vindo ao encontro do trabalho de dução, conforme foi observado por Castro (1997), analisando uma
Bakhtin. Este autor esclarece mais: seção da primeira parte desse mesmo livro. Problemas de tradução
vêm sendo observados por outros autores em relação a outras obras
Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades
de Bakhtin.
de gênero que assinalam a variedade do discurso em qual- 2
A questão da personalidade está associada à discussão que
quer área do estudo lingüístico leva ao formalismo e à abs- o autor faz sobre a relação entre gênero discursivo e estilo, que, por
tração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vín- não se mostrar pertinente ao nosso trabalho nesse momento, não é
culo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na apresentada.

12 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
Letramento e polifonia

processo de alfabetização, no sentido com que nos pro- outras vozes e dimensões do conhecimento, para am-
voca Soares (1998) de “alfabetizar, letrando”? pliar o mundo social plural dos sujeitos com múltiplos
Com base na discussão teórica apresentada, a modos de mostrar, apreender, discutir e sentir as faces
noção de polifonia é entendida, na perspectiva dialéti- da realidade. Aumentar-se-ia dessa maneira o espec-
ca, tanto do que se repete nos discursos e cria, em dife- tro fragmentário do conhecimento dos sujeitos. Não
rentes grupamentos sociais e de modo relativamente de uma forma hierarquizada e homogênea, mas, sob o
estável, significações e gêneros de discurso, quanto olhar de Foucault (1996), recusando o discurso “ver-
do que se diferencia nos discursos e permite pensar o dadeiro”, e discutindo o novo, que não está no que é
signo ideologicamente aberto para diferentes interpre- dito, “mas no acontecimento de sua volta” (p.26). Como
tações. Como essa noção tem sido relacionada às vo- o “tema” bakhtiniano que, envolvendo o enunciado,
zes dos sujeitos, podemos pensar tanto em vozes que cria-lhe uma significação única, irrepetível. Rompen-
se aproximam, consonantes, quanto em vozes que se do o cinturão de poder que se foi formando na socieda-
afastam, dissonantes. de, costurado pela escrita (Rama, 1985), apropriando-
A noção de polifonia é vista como básica para a se do modo como diversos fatos e conhecimentos foram
compreensão da noção de letramento no sentido de que incorporados por ela, e colocando em circulação ou-
este está relacionado ao conjunto de práticas sociais, tros modos de incorporação de fatos e conhecimentos,
orais e escritas, e a instituições, atravessados pelo po- que podem nos levar a novas formas de tensão social,
der que a língua escrita possui na sociedade e aos con- a novas práticas discursivas, a uma nova ordem do dis-
teúdos a que, histórica e culturalmente, essa modali- curso – ou ao diálogo entre as múltiplas formas de ser
dade de linguagem está associada (Gnerre, 1985). racional, de acordo com Mello (1998).
Diante da discussão anterior, estaria, conseqüentemen- Podemos pensar com Bakhtin que o processo aci-
te, relacionado de modo forte à formação dos diferen- ma delineado se ancora na pressuposição de que “Um
tes campos de conhecimento e das diferentes configu- sentido revela-se em sua profundidade ao encontrar e
rações discursivas. Assim, vivendo em sociedades tocar outro sentido, um sentido alheio; estabelece-se
letradas, tanto os sujeitos escolarizados quanto os não entre eles como que um diálogo que supera o caráter
escolarizados são afetados de alguma forma pelo fe- fechado e unívoco, inerente ao sentido e à cultura con-
nômeno do letramento. siderada isoladamente” (Bakhtin, 1992, p. 368). En-
Considerando-se essas diretrizes, e entendendo- caminhando a reflexão sobre a prática pedagógica des-
se que a apropriação do saber das classes dominantes sa maneira, entendemos que os alunos formularão
pelos alunos, ou da leitura que a classe dominante tem novas perguntas às “outras formas de ser racional” que
da realidade, por si só não garante a mudança nas re- essas formas nem cogitavam. A formulação de novas
lações de poder da sociedade (Orlandi, 1988), duas perguntas permite que as formas “alheias” respondam,
questões mostram-se relevantes na perspectiva do tra- assumindo faces novas de sentido. Segundo Bakhtin,
balho político-pedagógico de inclusão de grupos so- somente ao formularmos perguntas próprias (próprias
ciais tradicionalmente excluídos na dinâmica social: de outras formas de ver o mundo), participamos de uma
(i) os sujeitos aprenderem o que a escrita faz com eles, compreensão ativa de tudo que é outro e alheio.
assim como o que podem fazer com a escrita; e (ii) a Aí me parece estar a semente da transformação,
escola trabalhar no sentido de que o conhecimento dos unindo o letramento – como a condição de, pela lin-
alunos dialogue com o conhecimento (escrito) valori- guagem, ser interno de modo crítico aos conteúdos e
zado socialmente, sem que este se sobreponha àquele. formas sociais que, atravessados pela escrita, dispu-
Na perspectiva pressuposta do conhecimento frag- tam o jogo do poder no espaço político das relações
mentário e parcialmente compartilhado que se tem do sociais – e a polifonia – como a compreensão, também
mundo, a escola pode ser um espaço de abertura para crítica, dos outros e alheios – que ao comporem o es-

Revista Brasileira de Educação 13


Cecília M. A. Goulart

pectro discursivo social, compõem o meu discurso, re- tivessem descoberto o principio alfabético da escrita.
velando as diferenças/afastamentos entre mim e os As atividades de escrita propostas pela professora en-
outros, as semelhanças/aproximações, bem como as volvem sempre a produção de textos. Palavras isola-
tensões/conflitos. das só são trabalhadas ou no sentido de responder a
Como, então, incluir discursivamente o Outro na alguma pergunta de um aluno, em função da escrita
sala de aula? Que papel o Outro desempenha mais es- dos textos, ou como recurso para destacar alguma di-
pecificamente numa prática alfabetizadora que tem o ficuldade observada pela professora, ou se valem como
diálogo como ponto de partida e de chegada? Como o texto. O sentido da linguagem escrita é o eixo do tra-
Outro compõe o discurso próprio com o discurso balho; aspectos gramaticais e ortográficos estão
alheio? Como podemos evidenciar esse Outro do dis- subordinados ao sentido que os textos têm para as
curso constituindo o processo de aprendizagem da lin- crianças e para a professora, sem, contudo, serem ne-
guagem escrita? Na próxima seção apresentamos in- gligenciados. De modo dinâmico, considerando as ne-
dícios de vozes de Outros, nos textos infantis. cessidades dos alunos e as observações da professora,
aspectos da língua são analisados, tanto para respon-
Letramento e polifonia: evidências do Outro no der a demandas pontuais, quanto de modo sistemático,
processo de constituição da linguagem escrita envolvendo conteúdos lingüísticos específicos dos pro-
cessos de produção de linguagem oral e escrita.
A sala de aula é, como já foi expresso, de uma O diálogo é a condição básica para que o traba-
escola pública vinculada, como colégio de aplicação, lho pedagógico se constitua e para que novos conheci-
a uma universidade. Embora a variável de classe so- mentos sejam criados. A apropriação da língua escrita
cial não tenha sido considerada, trata-se de uma turma pelas crianças é uma meta da professora e dos alunos,
heterogênea, composta por vinte crianças de seis anos, mas é focalizada principalmente como linguagem, pela
que ali chegaram por terem participado de um sorteio possibilidade de trazer para a sala de aula novos uni-
público, além de outras, filhas de funcionários e/ou versos discursivos, novas vozes. Desse movimento, as
professores da referida universidade. Todos os profes- leituras possíveis aos alunos vão se realizando e se
sores das séries iniciais do 1º grau da escola têm o 3º adensando, provocando-os no sentido da sua necessi-
grau; reúnem-se semanalmente para estudos e discus- dade, e a produção de textos é incentivada. Os textos
são de suas propostas de trabalho. possíveis também vão sendo realizados e se adensando.
A abordagem dos textos escritos das crianças, aqui Estes textos iniciais permitiram-me caracterizar as es-
realizada, visa subsidiar próximas pesquisas, no sen- tratégias que as crianças utilizam na transição do que
tido de contribuir para a elaboração de uma teoria da chamo de “intenção de texto”3 para o texto em que já
alfabetização na perspectiva discursiva do letramento. se podem evidenciar indícios do princípio alfabético
Na primeira parte da seção, caracterizamos de modo do sistema de escrita (Pacheco, 1997; Goulart, 2000d).
breve o contexto da pesquisa realizada em 1997, que Permitem-nos, no presente estudo, buscar as marcas
englobou 318 textos escritos por dez crianças durante da presença do Outro nos processos de constituição da
dois anos, Classe de Alfabetização e 1a série (Goulart, linguagem das crianças, considerando o estatuto teó-
2000d), apresentando uma releitura de aspectos de seus
resultados também de modo sintético. São destacados,
em textos elaborados pelas crianças no primeiro se- 3
A “intenção de texto” se caracteriza pela produção de aglo-
mestre da Classe de Alfabetização, indícios da pre- merados de letras (aparentemente aleatórios) que são lidos pelas
sença de Outro(s), nos processos de constituição da crianças de forma significativa e adequada à proposta da professo-
linguagem escrita. ra. Desses aglomerados de letras vão surgindo aos poucos textos
O critério para a seleção das crianças foi que não legíveis (cf. Pacheco, 1997, p. 5-8).

14 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
Letramento e polifonia

rico que o diálogo tem na concepção de linguagem tra- prio nome como referência. Não foi observada uma
balhada. ordem na utilização dessas estratégias pelas crianças.
No período analisado as crianças produziram di- Foi possível indicar com o estudo que o processo de
ferentes tipos de texto: histórias, parlendas, notícias construção do objeto textual escrito é próprio a cada
de jornal, anúncios, mensagens, regras de jogo, recei- sujeito (ver Goulart, 2000d).
tas, letras de música e relatórios de observação. Estes A maioria das estratégias acima mencionada, de
textos foram gerados como conseqüência de ativida- alguma forma, evidencia a participação do Outro no
des que envolviam conversas, leituras e discussões, processo, considerando que as crianças utilizam os tex-
propostas pela turma e pela professora, bem como de tos escritos legitimados socialmente, com autoria, como
necessidades sentidas pelo grupo. Muitos “Outros” fonte para conceberem as suas escritas. O modo de ver
entraram, então, na sala de aula, de várias formas e o texto como cadeias de letras; o uso de sinais de pon-
trazendo questões e configurações discursivas de na- tuação e acentuação de modo aparentemente indiscri-
turezas diferentes para a reflexão das crianças. Pude minado em textos ainda ilegíveis; a percepção da síla-
observar a quantidade e complexidade de conhecimen- ba padrão da língua (consoante+vogal) e a tentativa
tos que estão envolvidos no processo de alfabetização. de regularização da escrita de palavras com esse pa-
A análise dos textos, em 1997, possibilitou evi- drão; o preenchimento de espaços no texto, configu-
denciar, entre as inúmeras estratégias singulares utili- rando o texto de uma dada maneira; todas essas estra-
zadas pelas crianças para a produção de textos, nove tégias fundam-se nos textos alheios, nesta classe em
estratégias que chamei de gerais. São elas: (1) o uso que a linguagem escrita é aprendida na experiência de
de cadeias de letras valendo como partes do texto; (2) ler e de escrever.
o uso de palavras ou expressões legitimadas; (3) o uso A estratégia (2) merece um tratamento separado
de grafemas (sinais de acentuação e pontuação) dife- por destacar de modo muito explícito a entrada do Outro
rentes de letras; (4) a canonização de sílabas não no texto das crianças. Essa estratégia caracteriza-se
canônicas; (5) preenchimento aleatório de espaços (isto pela apresentação nas “intenções de texto” das crian-
é, espaços nos quais as crianças consideravam que ças de palavras ou expressões legitimadas nos textos
deveria haver algo escrito); (6) formação de amálgamas de pessoas autorizadas no espaço social, legitimando
de palavras; (7) a utilização do valor sonoro do nome os próprios textos infantis, como pode ser visto no tex-
da letra; (8) escrita silábica; e (9) a utilização do pró- to de Fernanda abaixo:

Leitura da criança:

Era uma vez


uma sereia.
Ela foi no fundo do mar.
E encontrou uma sereia.

Revista Brasileira de Educação 15


Cecília M. A. Goulart

Lado esquerdo do texto: Lado direito do texto:

Viram ovo, Ela as borboletas


Depois larva, pegam uma semente.
Depois crisálida. As borboletas elas têm
3 partes do corpo:
Cabeça, tórax,
abdômen. As borbo-
letas não (se) pode colocar
a mão nas lagartas
peludas que pode queimar
BORBOLETAS E MARIPOSAS
você. As borboletas passeiam de manhã e
BORBOLETAS
as mariposas de
AS BORBOLETAS ELASTEN 4 ASAS ELA NACEN noite.
A ASAS DAS BORBOLETAS NACEN COM ESCAMAS

AS BORBOLETAS TEN CABESATORCS E ABIDOME

AS BORBOLETAS TEN ANTENAS

SIVOCE TOCAR NA LACARTA QUEIMA

MARIPOSAS

AS MARIPOSAS DEN CORESCURAS

AS MARIPOSAS TEM ANTENAS

AS MARIPOSAS TANBENTEN CABESA TORACS E ABEDOME

16 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
Letramento e polifonia

Fernanda insere na terceira linha de sua intenção ças dão para os mesmos problemas, de um modo geral
de texto a escrita convencional “Era uma”. Ressignifica ortográficos, em um mesmo texto. Por outro lado, a
desse modo no seu texto uma parcela de linguagem oscilação apresentada no nível sintático-discursivo
escrita do Outro, legitimando-o. pode estar relacionada tanto à repetição, na direção da
Outro ponto a destacar com relação aos proces- estabilização dos sentidos das palavras e expressões,
sos estudados é que não foram encontrados textos orais quanto às múltiplas possibilidades de “dizer” num tex-
escritos. Em muitos estudos sobre alfabetização, apre- to. O fragmento de texto de Fabiana, abaixo, ilustra
sentam-se de modo tácito textos escritos por crianças essa segunda possibilidade e mostra a tensão entre re-
que, na verdade, são textos escritos em linguagem oral. cursos expressivos, a forma ativa (furaram as casas) e
Esta característica encontra-se até de uma certa forma a forma passiva (todas as casas foram furadas), na ter-
naturalizada na literatura, como se isso fosse espera- ceira linha, para a apresentação da informação.
do, necessário como uma etapa do processo. De acor-
...eles quiria robar 190 reals mas não
do com os resultados de minha pesquisa, esta é uma
conce gue robar eles quado eles
característica circunstancial, relacionada a aspectos da
quado elesatirou furão as casa guasi todas casas forão furadas.
metodologia de alfabetização trabalhada. Por que esta
(...eles queria roubar 190 reais mas não consegue roubar
característica não foi encontrada nos processos das
eles quando eles quando eles atirou furaram as casa quase
crianças aqui estudadas? A explicação plausível é que
todas casas foram furadas.)
o fato de elas terem acesso desde o início a materiais
escritos legitimados socialmente, ouvindo leituras, dis- Outro destaque nesse texto, que também nos en-
cutindo-as e, aos poucos, lendo e escrevendo. Os tex- caminha para o Outro do discurso, é a escrita da pala-
tos de Camila e de Vítor, abaixo, que podemos consi- vra reais como reals. Observa-se que Fabiana está ope-
derar um relatório de observação e estudo da rando com as categorias da língua escrita; no caso
transformação de lagartas em borboletas e mariposas, usando a desinência “s”, característica da flexão de
mostram o esforço das crianças para produzirem um número. Como diz Abaurre (1988, p.140), a afirma-
texto em linguagem escrita. ção de que a criança escreve como fala é ingênua e
A observação dos dois textos aponta para o des- equivocada, já que as crianças recorrem à oralidade
taque das crianças a aspectos dos objetos em questão para fazer hipóteses sobre a escrita, mas também usam
que lhes parecem mais significativos. Chama atenção a escrita para analisar a própria fala, como acontece
no segundo texto, de Vítor, a organização temática do na ocorrência em questão.
texto em duas partes distintas: Borboletas e Maripo- A mesma professora da turma e as mesmas pro-
sas, sendo que também lhe dá este título geral. Já postas de produção, muitas vezes em função de um
Camila, no primeiro texto, parece estar lidando com mesmo texto, são capazes de levar os alunos, que são
mais dificuldades para garantir a organização sintáti- diferentes, porque têm histórias de vida diferentes,
co-discursiva de seu texto. As crianças são apresenta- participam de grupos sociais diferentes, interagindo
das desde o início à língua escrita como um sistema portanto com o Outro de forma diferente, a textos
complexo, altamente convencional e dissociado da lín- marcadamente diferentes. Os textos seguintes, de
gua oral. Isso parece favorecer uma distinção mais rá- Gabriel, Marcos Vinicius e Raphael, respectivamente,
pida entre as duas modalidades de linguagem verbal. anunciam as condições polifônicas de suas constru-
A atividade de reflexão sobre o que está sendo ções, apontando para indícios de diferentes estilos de
produzido enquanto escrevem também parece indiciar linguagem. O título da notícia foi escrito no quadro de
a presença do Outro materializado no que se repete na giz pela professora. Esta é uma prática sua, sempre
língua, isto é, nas convenções sociais. Esta atividade que está trabalhando com textos: apresentar os títulos,
manifesta-se nas soluções diferenciadas que as crian- os autores, conversar sobre os temas envolvidos, bus-

Revista Brasileira de Educação 17


Cecília M. A. Goulart

Leitura da criança:
Uma mulher morreu com uma
bala perdida num tiroteio.
Cerca de cerca de vinte homens tentaram roubar
um carro forte. Não conseguiram
e fugiram.

BALA PERDIDA MATA MULHER NA TIJUCA


CAI20 IOEUIAC AOTI TAURE OARAM IOACUTRIDET
CARSERHOMSIASLANANMTBS NIALTOGLFECOSRAREF
U CA U CAIAU MITS UMHANIA

Leitura da criança:
Cerca de 20 homens, assaltantes, tentaram roubar dinheiro de um carro forte.
Uma bala perdida matou uma mulher num tiroteio.
Os ladrões conseguiram fugir.
Um cara do carro forte ligou para a polícia.

Leitura da criança:

Cerca de 20 homens assaltantes tentaram roubar dinheiro de um carro forte.


Uns ladrões colocaram um caminhão na rua.
Os ladrões tentaram fugir; conseguiram fugir.
Um cara do carro forte telefonou para a polícia.

18 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
Letramento e polifonia

cando provocar as crianças para relacionar os temas e manente tensão, compondo as orientações de letramen-
os autores a outros textos conhecidos ou lidos, e a si- to dos sujeitos, como espectros fragmentários de conhe-
tuações da vida dos alunos – desse modo a interdis- cimentos, coesamente organizados e parcialmente par-
cursividade vai sendo construída, cruzando os gêne- tilhados dependendo das interações de que se participa.
ros discursivos da vida cotidiana com outros gêneros O papel da escola seria, como foi dito na introdu-
de discurso. ção, não só o de ampliar os conhecimentos de os alu-
É interessante observar como a escrita da pro- nos, mas o de ampliar as possibilidades de os alunos
fessora se introduz nos textos das crianças, marcando continuarem a aprender. Esta ação parece estar ligada
a presença simultânea da orientação convencional da à vida cotidiana das crianças que, interligada a outros
escrita e das orientações possíveis às crianças nesse universos conceituais, lhes possibilitaria estabelecer
momento. pontes, fazer relações e gerar novas interpretações dos
No segundo texto é possível observar as marcas diversos aspectos da realidade.
da oralidade atravessando a escrita, de modo mais acen- Pelo que pode ser observado na releitura dos re-
tuado nos finais das formas verbais “tentaram” e “fu- sultados da pesquisa de 1997, as crianças vão agen-
giram”, expressas como “taro” e “fugiro”, em que o ciando recursos para a construção da linguagem
ditongo nasal final é reduzido. Um sentido polifônico interagindo com os Outros do discurso. As crianças
pode ser depreendido nesta particularidade também. vão apreendendo o valor simbólico da linguagem em
A estratégia (9) indicia que algumas crianças fi- questão, e ao mesmo tempo apropriando-se dela como
cam muito absortas com a construção do objeto tex- uma nova forma de linguagem. As discussões sobre os
tual, no interior de convicções muito próprias sobre a usos sociais da linguagem escrita através de textos,
operacionalização do sistema de escrita. Este pareceu temas e situações variadas, bem como autores varia-
ser o caso das crianças que durante um período usa- dos são estruturantes da produção pelas crianças de
ram seus próprios nomes como referência, como alfa- textos escritos, com valor social, fundando as suas iden-
beto básico, para suas produções escritas. A análise tidades em linguagem escrita nas identidades sociais.
do processo de Raphael, de modo mais explícito, per- Estas atividades infantis sugerem que as crianças vão
mitiu observar que à medida que ele começou a consi- ampliando a possibilidade de desenvolver estratégias
derar o material escrito a sua volta como fonte para a metadiscursivas, interligando complexamente os co-
escrita de seus textos, houve um sensível salto de qua- nhecimentos relacionados às várias áreas do conheci-
lidade. No texto abaixo, escrito logo no início do ano mento. Nesse sentido, é necessário repensar a forma
letivo, o menino faz uma pequena alteração no seu como vêm sendo selecionados os conteúdos curricula-
nome, ao escrever a parte da história d’Os Três res. O trabalho definido com base em eixos temáticos
Porquinhos, e lê como: “Eu gostei mais do pedaço que pode mostrar-se relevante, já que os textos orais e es-
o lobo mau assoprou a casa”. critos, que são produzidos e/ou circulam no espaço da
sala de aula, são sempre polifônicos, e envolvem con-
Considerações Finais ceitos de áreas diversas.
Considerando que os conhecimentos são sempre
A noção de letramento pode ser encarada, diante produzidos e que essa produção é também determina-
do que foi exposto, como um horizonte ético-político da pelas diferentes visões de mundo dos sujeitos, con-
para a escola. Formar pessoas letradas no sentido de dicionadas pela cultura das classes sociais e pelas sin-
abrir as possibilidades de entrada de outras vozes em gularidades destes sujeitos, o espaço social letrado
suas vidas, histórias e discursos, outros modos de co- constitui-se em arena para que, de modo crítico, dialo-
nhecer, ver e viver no mundo, do interior de uma pers- guem e lutem as múltiplas perspectivas de saber e de
pectiva crítica. Essas outras vozes estariam em per- participação criadora de todos.

Revista Brasileira de Educação 19


Cecília M. A. Goulart

Ao articularmos discursivamente as noções de GNERRE, M., (1985) Linguagem, escrita e poder. São Paulo:
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Bakhtinianas para o Ensinar e Aprender”. 10º ENDIPE – En-
contro Nacional de Didática e Prática de Ensino, UERJ.
CECÍLIA MARIA ALDIGUERI GOULART é doutora em
Letras pela PUC-Rio e professora adjunta da Faculdade de Educa- , (2000c). A produção de textos narrativos, descriti-
ção da Universidade Federal Fluminense, atuando no Programa de vos e argumentativos: evidências do sujeito na/da linguagem.
Pós-Graduação em Educação. Publicações recentes: A apropria- Trabalho apresentado na sessão coordenada: Argumentação e
ção da linguagem escrita e o trabalho alfabetizador na escola, Ca- escrita, III Congresso de Psicologia do Desenvolvimento, Niterói,
dernos de Pesquisa (São Paulo, Fundação Carlos Chagas nº 110, Universidade Federal Fluminense.
p. 157-175, jul. 2000) e Leveza, visibilidade, multiplicidade e con-
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(v. 6, nº 36, nov.-dez. 2000). E-mail: cecilia@ism.com.br
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Revista Brasileira de Educação 21

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