Вы находитесь на странице: 1из 127

MARTA REGINA HEINZELMANN

ENTRE CONCEITOS E PRECONCEITOS:


O DISCURSO DE PRÉ-HISTÓRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE 2º GRAU, NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980

Florianópolis/ SC
2004
1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA


CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURA

ENTRE CONCEITOS E PRECONCEITOS:


O DISCURSO DE PRÉ-HISTÓRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE 2º GRAU, NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980

Dissertação apresentada à Coordenadoria de Pós-


Graduação do Centro de Ciências da Educação –
UDESC, como parte dos requisitos à obtenção do
título de Mestre em Educação e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Norberto Dallabrida

Florianópolis/SC
2004
2
3

AGRADECIMENTOS

Ao Claudinei, ao ‘Dentinho’, ao Carlito e à Sirlei; companheiros de luta que

entenderam a necessidade de priorizar os estudos.

À Helena e à Márcia; amigas que me acolheram em muitos momentos de

insegurança durante a redação deste trabalho.

À Marlise e à Maria Ivonete; amigas que permaneceram depois que as aulas

acabaram.

Aos alunos e ex-alunos que, nesses trinta anos de caminhada, me ensinaram a

gostar ainda mais de ser professora.

Ao Werner e à Dolores, meus pais amados e à UNIVILLE, pelo suporte

financeiro.

Ao Prof. Msc. Antônio Piva, então coordenador do Curso de História/UNIVILLE,

que me desafiou a olhar mais criticamente para a Pré-História.

Ao Prof. Msc. Fabiano Oliveira, que me mostrou alguns caminhos da Geografia.


4

À Profa. Dra. Sandra Guedes; colega de departamento e pesquisadora de ‘mão

cheia’ que se tornou grande apoiadora deste trabalho.

À Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha; com quem redescobri o encantamento

pelas minhas leituras do adolescente, pela acolhida para a banca.

Ao Prof. Dr. João Batista Bittencourt; pelas prestimosas contribuições na banca

de qualificação.

Ao Prof. Dr. Norberto Dallabrida, que foi, na acepção mais completa da palavra,

meu orientador nesta jornada e ‘me ajudou a olhar’.


5

Diego não conhecia o mar.


O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,
depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor,
que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano
6

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................ 07

RESUMO .................................................................................................................. 08

ABSTRACT .............................................................................................................. 09

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................................................... 10

1 OS TEMPOS À MARGEM DA HISTÓRIA: TEMPO HISTÓRICO E PRÉ-HISTÓRIA


28
1.1 A SEGURANÇA DA TRADIÇÃO ........................................................................ 35
1.2 A PERIODIZAÇÃO TRADICIONAL É DIDÁTICA ............................................... 43
1.3 PERÍODOS CULTURAIS OU ESTÁGIOS ECONÔMICOS? .............................. 52

2 ENTRE TUNDRAS, SAVANAS E CAVERNAS: O ESPAÇO GEOGRÁFICO NA PRÉ-


HISTÓRIA ............................................................................................................... 66
2.2 UMA PRESENÇA MUITO DISCRETA ............................................................... 70
2.2 UM MEIO HOSTIL A SER DOMINADO ............................................................. 77
2.3 O ESPAÇO COMO RECURSO .......................................................................... 80

3 UMA HISTÓRIA SEM FIM: AS ORIGENS DA HUMANIDADE ............................ 87


3.1 EVOLUCIONISMO: UMA ÁRVORE POUCO FRONDOSA ................................ 92
3.2 CRIACIONISMO OU EVOLUCIONISMO: SERÁ ESTA A QUESTÃO? .............100
3.3 O HOMEM SE FEZ HOMEM ..............................................................................107

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................114

REFERÊNCIAS ........................................................................................................118
7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro Geral da Pré-História ..............................................................41

Figura 2 – Quadro-resumo para ‘Auxiliar a Memória’ ...........................................46

Figura 3 – Evolução e Cultura ..............................................................................48

Figura 4 – Bisonte Cravado de Flechas ...............................................................56

Figura 5 – Técnicas Agrícolas no Neolítico ..........................................................60

Figura 6 – O Neolítico Europeu ............................................................................73

Figura 7 – A última glaciação ...............................................................................79

Figura 8 – Áreas de importantes obras de arte do Paleolítico ..............................82

Figura 9 – Crânios dos principais hominídeos .....................................................96

Figura 10 – Escala da evolução do Homem .......................................................100

Figura 11 – Árvore Genealógica do Homem ......................................................102

Figura 12 – O Homem se faz Homem ................................................................109


8

RESUMO

O presente trabalho tem como objeto o livro didático de História, mais especialmente o
capítulo de Pré-História, de livros publicados durante o período de vigência da Lei
5.692/71, para o Ensino Médio. Com o suporte teórico vindo especialmente de
Foucault, Chartier, Goodson e Bittencourt, procura perceber o discurso didático sobre
esse período histórico, a partir de três variáveis: o tempo histórico, o espaço geográfico
e as origens da humanidade. Enquanto a análise do discurso didático se faz à luz da
produção científica disponível no período, o que remete à transposição didática, o
trabalho vai dialogando com as questões mais recentes que mobilizam os
pesquisadores. Levando em consideração o poder que é conferido ao livro didático por
ser um discurso autorizado para a educação formal, nunca é demais perguntar: Qual é
o lugar da Pré-História no livro de História? É possível perceber a opção historiográfica
do(s) autor(es) nesse discurso? Os textos explicitam a historicidade do conhecimento
acerca do período? Qual a relação entre o texto escrito e as imagens? Os conteúdos
apresentados contribuem para perceber a condição humana em toda sua diversidade,
complexidade e historicidade? Estão a serviço da manutenção dos conceitos e
preconceitos historicamente estabelecidos? Essas são as principais perguntas às quais
se pretende responder por meio deste trabalho.

Palavras-chave: Livro didático; Pré-História; Transposição didática


9

ABSTRACT

The present study aims to analyze the didactic history book as its objects, more
specifically the prehistorical chapter of High School books published while the Law
5.692/71 had been issued. With the theoretical support, especially on Foucault, Chartier,
Goodson and Bittencourt it tries to perceive the didactic discourse on this historical
period, under three variables: the historical time, the geographical space and the origins
of mankind. While the analysis of the didactical discourse is based on the cientifical
production available for the period, remitting to a didactic transposition, the work is in
dialogue with the more recent questions that mobilize the researchers. Taking into
consideration the power conferred to the didactical book, as authorized discourse for the
formal education, it is always opportune to ask: What is the place of Prehistory in the
History look? Is it possible to perceive the historiographic option of the author(s) in this
discourse? Do the texts explicit the historicity of knowledge regarding the period? What
is the relation between written text and the images? Do the contents presented
contribute to perceiving the human condition in all its diversity, complexity and
historicalness Do they serve to maintain historically preestablished concepts and
preconceptions? These are the outstanding questions intended to be answered by this
dissertation.

Keywords: Didactic book; Prehistory; Didactic Transposition


10

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O que vale na vida


não é o ponto de partida e sim,
a caminhada.
Caminhando e semeando,
no fim terás o que colher.

Cora Coralina

Há pouco mais de dez anos, sou professora de Pré-História no Curso de História

da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Como muitos professores dessa

disciplina, não sou arqueóloga nem pesquisadora de campo, apesar de já ter

participado de um projeto de pesquisa arqueológica no Estado de Santa Catarina. Em

sala de aula, tenho tido o cuidado de observar as dificuldades que os alunos, que

chegam à universidade, apresentam, em adaptar-se à lógica da academia, afinal seus

ritmos e responsabilidades são sensivelmente diferentes daqueles vividos no Ensino

Médio. Aos alunos de licenciatura em História, o curso apresenta alguns desafios

substanciais; entretanto a expectativa de que enfim conheçam ‘toda a verdade’ vai

sendo frustrada à medida que as aulas, as leituras e os debates avançam. O que salta

aos olhos é a dificuldade de lidar com a historicidade do conhecimento, com as

perspectivas das escolas historiográficas, com o que está sendo trabalhado e também

com aquilo que ainda virá a ser construído.

A Pré-História é um campo novo do conhecimento. Como resultado de um

ensino que privilegia essencialmente a História tradicional ou positivista, a maioria dos


11

alunos ainda acredita que a verdade só está acessível aos povos que dominaram a

escrita. A todos os outros, cabe o status de “primitivo”, “selvagem”, “bárbaro” ou “pré-

histórico”, sendo, por isso, objeto de estudo da Antropologia, da Arqueologia, mas não

da História. No máximo, merece um capítulo introdutório, informando o caminho trilhado

para se chegar à civilização. É preciso registrar, também, que nem todos os livros

didáticos de História Geral ou das Civilizações incluem informações sobre a Pré-

História. Alguns iniciam pela história do Egito Antigo1, sem apresentar qualquer

introdução, como se “antes” nada existisse. Trata-se de uma concepção ‘tradicional’ de

História, para a qual a utilização do registro escrito é marco divisório entre o primitivo e

o civilizado.

Por outro lado, vários autores2 já trabalharam particularidades do livro didático de

História. Abordagens sobre o seu caráter ideológico, a exclusão de etnias, a

passividade do povo brasileiro, a invisibilidade das questões de gênero, têm chegado

ao professor de História, e ao leitor comum, em belas produções gráficas, graças aos

novos temas e às novas abordagens presentes à Historiografia dos nossos dias. No

entanto, muito pouco foi escrito sobre o período que tradicionalmente se identifica como

Pré-História. Esse período, ‘anterior à escrita’, se aparece pouco ou nem aparece nos

currículos escolares e nos livros didáticos, abre espaço para toda a sorte de conceitos e

preconceitos. De toda a bibliografia consultada, apenas Baldissera (1994), apresenta e

discute rapidamente, alguns conteúdos tradicionais sobre a Pré-História.

1
BECKER, Idel. Pequena História da Civilização Ocidental. São Paulo: Dominus, 1965. Bastante
utilizado no antigo 2º grau e no início do curso superior, nas décadas estudadas, apesar de apresentar
uma introdução, considerando as diversas escolas historiográficas, inicia o conteúdo específico com o
Antigo Egito.
2
Maria Laura P. B. FRANCO. O Livro Didático de História no Brasil; José Alberto BALDISSERA, O
Livro Didático de História; Bárbara FREITAG e outros. O Livro Didático em Questão; Ana Lúcia G. de
FARIA. Ideologia no Livro Didático; Circe BITTENCOURT. O Saber Histórico na Sala de Aula; Norma
Abreu TELLES. Cartografia Brasilis ou: esta história está mal contada; Marisa LAJOLO. Do Mundo da
Leitura para a Leitura do Mundo, entre outros.
12

Tendo essas preocupações como prioridade nas discussões; arqueólogos,

professores universitários e secundaristas, antropólogos e outros profissionais

debateram em Seminário3, as possibilidades de incluir a Pré-História Brasileira nos

currículos escolares. Na introdução do documento produzido após sua realização, as

organizadoras do evento reconheceram que a pesquisa arqueológica tem aumentado

no País, mas que os resultados dessas pesquisas ainda permanecem num círculo

restrito que contempla apenas museus e centros de pesquisa. Dada a especificidade de

conteúdos e vocabulário, essas questões permanecem mais limitadas à literatura

científica e acadêmica, não chegando ao grande público. A exceção se dá quando a

mídia veicula informações sobre novas e impactantes descobertas.

Segundo as organizadoras do evento, é preciso perceber “[...] a importância do

conhecimento histórico para o fortalecimento da identidade nacional.” (TENÓRIO e

FRANCO, 1993, p. 5).

Esse fortalecimento possibilitará a preservação do nosso patrimônio cultural, com

a maciça e sistemática informação e a formação dos diversos agentes educacionais. O

seminário e as discussões que se seguiram, resultaram na publicação por Tenório

(1999), da obra Pré-História da Terra Brasilis,, que aborda de forma didática, uma

síntese das pesquisas arqueológicas e da Pré-História em terras brasileiras.

Tanto a realização do seminário como a publicação do livro e as aulas de Pré-

História no Curso de História da UNIVILLE, contribuíram para a definição do problema

desta pesquisa, uma vez que o presente trabalho teve como principal desafio identificar

e analisar os conceitos constantes nos capítulos sobre a Pré-História, inseridos em

livros didáticos de História Geral para o Segundo Grau, hoje Ensino Médio, publicados

nas décadas de 1970 e 1980.

3
“Seminário para Implantação da Temática Pré-História Brasileira no Ensino de 1º, 2º e º graus”,
realizado no auditório do Instituto de Geociências da UFF, Rio de Janeiro, 16 a 20 de novembro de 1993.
13

Esse universo foi definido a partir de uma consulta ao acervo da Biblioteca

Pública Municipal “Prefeito Rolf Colin”, onde foram identificados vários títulos de livros

didáticos de História Geral para o Segundo Grau. A primeira seleção foi executada por

meio de obras que possuíam capítulos sobre a Pré-História. Em seguida foram

descartados os títulos mais recentes. Identificada a grande quantidade de publicações

entre as décadas de 1960 a 1980, optou-se então pelas seguintes:

História Antiga e Medieval, de José Jobson de Andrade Arruda; publicada pela

Editora Ática em 1976. Outro volume trata da História Moderna e Contemporânea. O

primeiro capítulo, denominado “Introdução à História” é subdividido em “A História e

Seu Método” e “A Pré-História”. Esse foi o material utilizado para análise neste

trabalho.

O assunto foi ordenado internamente por meio de subtítulos. Mapas, imagens e

quadros explicativos permeavam o texto e, ao final de cada parte do capítulo, havia

resumo, glossário e textos complementares, intitulados como Documentos Básicos.

Ao final do livro constava uma extensa bibliografia, ordenada de acordo com as

especificidades de cada capítulo. O autor deixava claro, já na apresentação, que se

tratava de uma obra sob a perspectiva sócio-econômica da História Antiga e Medieval.

História das Civilizações, de Saroni e Darós, foi publicada pela Editora FTD em

1979. O volume I trata da Pré-História, Antigüidade Oriental, Antigüidade Clássica e

Idade Média. Neste trabalho fez-se a análise da Introdução e Unidade I do vol. I. Na

Introdução foram apresentados os conceitos utilizados e as diferentes formas de

periodização. Na Unidade I foram apresentados e discutidos os conteúdos pertinentes

à Pré-História. O livro foi fartamente ilustrado pelo artista Ivan Rodrigues e as imagens

merecem ao final do volume, as Notas Explicativas acerca das Ilustrações.


14

História das Sociedades: das comunidades primitivas às sociedades

medievais, de Aquino, Franco e Lopes, publicada pela editora Ao Livro Técnico, em

1980. A obra marcou a década com sua metodologia inovadora, tanto na forma, ao

dialogar com o leitor, como no conteúdo, explicitamente marxista. A obra completa

incluía a continuação, em ‘História das Sociedades – Das Sociedades Modernas às

Sociedades Atuais’. Foram analisadas aqui, a Parte I e a Parte II do primeiro volume. A

Parte I abordava a História e seus métodos e a Parte II as Sociedades antes da

escrita. O livro apresentava poucas ilustrações e muitas referências a textos teóricos

durante todo o desenrolar de seu discurso.

Todas eram obras de primeira edição e foram publicadas à luz das normas

estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1971. A conjuntura do

período e seus desdobramentos sobre a Educação no País foi abordada por Germano

(1994). Nela, o autor registrou que a proposta de revisão da LDB de 1961 foi recebida

com entusiasmo pelos professores, movidos pela euforia nacional em torno do milagre

econômico.

As mobilizações presentes no período pré-64, pelas reformas de base, nas

quais a Educação tinha espaço, não aconteceram, possibilitando o avanço do ensino

de caráter privado, inclusive com amparo técnico e financeiro do poder público. Assim,

a Lei nº 5.692/71, imposta pelo governo militar, sem pressão popular ou dos

segmentos mais diretamente interessados, amplia a obrigatoriedade do ensino

primário de 4 para 8 anos, incluindo uma grande massa populacional ao sistema

educacional brasileiro. Já no ensino de 2º Grau, torna-se compulsório o ensino

profissionalizante, na tentativa de preparar os alunos para o ‘mundo do trabalho’ para

acompanhar a revolução técnico-científica em curso. Em outubro de 1982 foi

promulgada a lei que detalha o ensino de 2º grau, particularmente em relação à


15

profissionalização, ao currículo e ao regime de cooperação entre empresas e outras

entidades públicas ou privadas, para a efetivação de estágios4. Na prática, essa lei

colocou o ensino profissionalizante como opcional.

Germano (1994, p. 185) afirma que, “[...] ao adotar a profissionalização universal

e compulsória, de caráter terminal, o Brasil fez uma opção caduca, na medida em que

tomou uma direção contrária às tendências que ocorriam, desde a década de 70, nos

próprios países de economia capitalista, com relação à ‘qualificação’ da força de

trabalho.

“Por outro lado, “[...] a educação para o trabalho não cabia na concepção de

mundo das classes médias e alta da sociedade brasileira [...] desagradando até mesmo

a classe trabalhadora do campo e da cidade, pois ir à escola era identificado como

‘liberação do trabalho braçal.” (GERMANO, 1994, p. 187).

A disciplina de História, nessa configuração, compõe o Núcleo Comum, tem

carga horária de duas h/a semanais e o conteúdo programático deve dar conta de

temas ligados à História Geral. Qual é o lugar, nesta conjuntura, para a Pré-História?

Como seus conteúdos aparecem nos livros didáticos? Esse conteúdo contribui para a

construção de que conceitos/imagens acerca do período? É possível perceber a

historicidade dos conceitos utilizados ou a linha historiográfica adotada pelo(s)

autor(es)? As imagens, os gráficos, os mapas, são parte constitutiva do conteúdo ou

apenas “ilustram” o capítulo? Que relação o aluno constrói com esse “tempo” histórico?

São conhecimentos que caminham na direção a fim de que se perceba a condição

humana em toda sua diversidade, complexidade e historicidade? Estão a serviço da

manutenção dos conceitos e preconceitos historicamente estabelecidos?

4
SCHUCH, Vitor Francisco. Legislação Mínima da Educação no Brasil. 7 ed. Porto Alegre: Sagra,
1986, p. 43-6. Lei nº 7.044/82, que altera dispositivos da Lei º 5.692/71, de 11 de agosto de 1971,
referentes à profissionalização do ensino de 2º grau.
16

Todos esses questionamentos foram sendo possíveis a partir de algumas leituras

que mostraram como Foucault (2001), estabelece que todo texto, inclusive o didático, é

um discurso e, nessa condição, também uma prática. Ele defende que o discurso ocupa

um lugar de honra, porque nós lhe conferimos poder. Assim, “[...] a produção do

discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por

certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,

[...].” (FOUCAULT, 2001, p. 8-9).

Por isso, há vários procedimentos de exclusão e de interdição de conteúdos,

uma vez que “[...] não se tem o direito de dizer tudo em qualquer circunstância, [...]

qualquer um não pode falar qualquer coisa.” (FOUCAULT, 2001, p. 9).

O autor alerta também que o discurso é uma violência que fazemos às coisas.

Fala especificamente sobre as áreas inerentes à sexualidade e à política, mas, não é

possível perceber o processo de exclusão e de interdição sobre os conhecimentos da

Pré-História?

Foucault (2001), afirma ainda que esse sistema de exclusão possui todo um “[...]

suporte institucional: [que] é reforçado e reconduzido por todo um compacto conjunto

de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das

bibliotecas, como as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje.” (FOUCAULT,

2001, p. 17).

O livro didático, nesse conjunto de práticas, é um instrumento de peso pela

importância que lhe dá, não só o aluno e o professor, mas toda a estrutura educacional.

Esse poder advém de outra questão, desvendada por Chartier: a produção de

sentido que a leitura possibilita. Em sua obra “Práticas de Leitura”, trabalha com a

importância que a História tem sobre as opções de leituras disponíveis ao público. Ela

é, freqüentemente, utilizada como arma para dominar com a aparência de que se está
17

possibilitando o acesso à informação. Dessa forma, é possível afirmar que cada Nação,

cada regime político, cada momento histórico, trata de forjar a memória que deseja

deixar registrada. Elege seus heróis e seus bandidos. Dá visibilidade ou remete à

escuridão os saberes, comportamentos e utopias.

Chartier (1990, p.13), afirma que “[...] cada época constitui seus modelos e seus

códigos narrativos e que no interior de cada momento existem códigos diversos,

segundo os grupos culturais.” No processo de construção desses modelos, dessas

representações do mundo, o livro didático se configura, então, como o discurso

autorizado.

Assim, o leitor do livro didático, professor e estudante do Ensino Fundamental e

Médio das escolas públicas e privadas possuem, nesse material, uma fonte de verdade

que não deve ser questionada e que vai sendo construída ao longo de sua própria

instituição como objeto indispensável ao saber escolar5.

Inicialmente produzido para atender às lacunas da formação dos professores,

Bittencourt (1993, p. 26) ensina que o livro didático “[...] passou a ser considerado

também como obra a ser consumida diretamente por crianças e adolescentes,

passando estes a ter direito de posse sobre ele.” A disputa entre a História Sagrada e a

História Profana, ou nacional, ocupou boa parte das discussões sobre a elaboração dos

manuais escolares, envolvendo professores, editoras, inspetores e diretores.

Segundo Bittencourt (1993, p.74),

[...] A Igreja e o estado vigiavam a adoção dos livros nas diferentes escolas,
públicas e particulares, primárias ou secundárias, durante o Império.
Posteriormente, na República, o Estado empreendeu sozinho a tarefa de vigiar
as escolas públicas, reforçando o poder fiscalizador dos inspetores e diretores.
A Igreja Católica, apesar de separada do Estado, continuou a exercer seu
domínio sobre a produção didática, conseguindo estender sua rede de ensino a

5
A esse respeito, são profundamente esclarecedores os estudos realizados por Circe BITTENCOURT,
em sua tese de doutorado, intitulada Livro Didático e Conhecimento Histórico: uma história do saber
escolar, de 1993. Nela constam as deliberações sobre política editorial e da definição de critérios
historiográficos para a elaboração dos livros didáticos, tanto para História Geral, quanto para História do
Brasil, durante o período imperial e o início da República.
18

partir do final do século XIX, com a vinda de várias ordens religiosas européias
atingindo com maior extensão o ensino feminino.

Com a ampliação do uso do livro didático, era preciso garantir a qualidade

desejada nos padrões definidos pela sociedade liberal da época, com um rigoroso

controle, evitando “desvios” e “distorções” em seu processo de elaboração. Seu

consumo tornou-se quase obrigatório, ainda no Império.

Martin apud Bittencourt (1993. p.131), afirma que o livro é um dos símbolos da

civilização ocidental, destacando que:

[...] foi o motor de uma verdadeira revolução que consagrou o divórcio entre o
escrito e o falado através de maneiras de ler introduzidas do texto. A escrita, e
com ela a cultura livresca, passou a predominar como forma de comunicação,
fazendo com que se renunciasse à transmissão oral, ‘à magia do verbo. ’ O livro
foi se tornando um objeto sacralizado, acabando por se transformar em ‘modelo
da cultura ocidental’.

Também Molina (1988) reconhece esse poder e chega a falar da ‘ditadura do

livro didático’ em sala de aula. Esse imaginário, portanto, se mantém presente na

atualidade e aparece nos relatos de professores, citados em muitas obras que discutem

o teor do livro didático. Uma vez, uma aluna da 6ª série de uma escola privada onde

lecionei se opôs a mim quando discutia sobre a “verdade” na História. “Mas o meu pai

não compraria um livro que não tivesse a verdade pra eu estudar!”, afirmou. Assim, o

livro didático, ao lado do professor, tem se constituído num instrumento poderoso, com

uma autoridade suplementar – é uma obra escrita. Por ser uma obra cultural, na medida

em que vincula imagens, ideologias e valores específicos, pretende explicar a realidade

para o aluno sem, no entanto, explicitar, necessariamente, a historicidade desse

mesmo saber. Essas lições são obtidas na leitura de vários autores.

Telles (1984) faz um exame minucioso da relação tempo-espaço nos livros

didáticos de 1º e 2º graus avaliados em sua dissertação de mestrado. Observa que

essa relação só existe a partir do séc. XV e à luz dos desafios da época: as


19

necessidades expansionistas do capitalismo comercial europeu. As referências à

Natureza6, à flora e à fauna, aos acidentes geográficos, assim como às sociedades

“primitivas” contatadas só aparecem como coadjuvantes das heróicas ações de

desbravamento encetadas pelos portugueses e espanhóis. Franceses e holandeses,

que igualmente se lançam ao mar, já são considerados invasores, uma vez

incorporadas às letras do Tratado de Tordesilhas.

As reflexões de Telles (1984), buscando suporte na Antropologia, apontam para

o desmonte do discurso eurocêntrico e excludente que foi se construindo nestes últimos

cinco séculos. Suas denúncias são contundentes e apontam para uma série de

‘prejuízos’ ao aluno em contato com esses manuais:

[...] o aluno não ficará sabendo que a relação que o capitalismo engendra com
a natureza, uma relação de apropriação e depredação, lhe é específica. Sendo
assim, o real, a ação e o conhecimento acabam identificados como uma
maneira única de ocupação do espaço, que é igualada ao progresso e à
racionalidade, ao conforto e ao bem viver. (TELLES, 1984, p. 145).

Ao falar na seleção dos fatos históricos que os livros didáticos apresentam,

registra que

[...] apaga-se a História da América, apaga-se a enorme destruição de


inúmeras sociedades. [...] não se justifica a apresentação distorcida das
culturas autóctones a não ser sob uma ótica etnocêntrica, que distorce os fatos
apresentados. (TELLES, 1984, p. 145).

Telles (1984, p.146), sugere ainda que “[...] o etnocentrismo dos evolucionistas

não precisa ser substituído pela noção do bom selvagem, mas as sociedades deveriam

ser colocadas como uma dentre outras.”

6
A Natureza, usada com iniciais maiúsculas neste trabalho, remete à visão do Homem pré-histórico que
a considera mítica, sagrada, poderosa e enigmática. Segundo Horkheimer, o processo de emancipação
do Homem compartilha o destino do resto do seu mundo. “A dominação da natureza envolve a
dominação do Homem”. Assim para fazer a exaltação do sujeito, natureza externa, humana ou não
humana, deve subjugar a natureza em si mesmo. Num processo de interiorização da dominação. A
subjugação da natureza dentro e fora do ser humano, desde que não há motivo significativo, não se torna
transcendida ou reconciliada, mas reprimida. (Horkheimer, 2000, p.98-99).
20

E completa,

A visão idealizada da cultura ocidental, que, na sua superioridade, cumpre o


papel de alavancar todas as outras sociedades a um destino de progresso
linear, reduz, anula e exclui todas as formas diferentes da sua. Traz consigo o
grande perigo de construir “uma idéia passiva frente à história e à participação
dos agentes.” (TELLES, 1984, p. 147).

Outro importante suporte da Antropologia para os estudos históricos é registrado

por Telles (1984) numa apropriação de Lefort7. Segundo ele, a importância das análises

antropológicas, quanto a métodos e objetivos, estaria no fato de “[...] impedir de nos

atermos a uma visão estática do social e de nos constranger a levar em conta um devir

por mais indeterminado que seja.” (BITTENCOURT, ANO, p. 37-8).

Baldissera (1994) aborda a importância do livro didático para o processo de

aprendizagem em História. Mesmo trabalhando com material para o 1º grau, algumas

de suas reflexões interessam ao presente estudo. Seu principal alerta é para o fato de

que “[...] o estudante de História deve aprender os instrumentos conceituais da História.

Quando os conceitos forem ambíguos, deve perceber a ambigüidade.” (BALDISSERA,

1994, p. 35).

Traduz-se então que é preciso explicitar a historicidade do conhecimento,

mesmo para os alunos do Ensino Fundamental.

Baldissera (1994, p. 121), ao discutir o texto da Pré-História, no livro da 7ª série,

identifica o que designa de “alguns problemas na introdução da Pré-História e da

passagem para a História.”

Esses problemas estão relacionados a lacunas – Mesolítico - a conceitos -

tempo, eras geológicas, fim da Pré-História, Idade dos Metais, “surgimento da escrita” -

e a mapas que, segundo o autor, são complexos demais para a capacidade de

abstração da faixa etária dos alunos.

7
LEFORT apud TELLES, Op.cit, p. 28. LEFORT, Claude. As Formas da História. São Paulo,
Brasiliense, 1979. O autor trabalha, no segundo capítulo, com as chamadas sociedades ‘sem história’
apontando sua historicidade.
21

Alguns dos textos organizados por Bittencourt (ano), na obra de diversos

autores, intitulada “O Saber Histórico na Sala de Aula”, discutem currículo, políticas

públicas e a formação do professor de História, no período abordado por esta pesquisa.

Nessa obra é construída a conjuntura do período do regime militar, que

incrementou o modelo de concentração urbana e industrial. Naquela época, a escola

recebeu:

[...] grupos sociais oriundos das classes trabalhadoras [que] começaram a


ocupar os bancos das escolas que, até então, haviam sido pensadas e
organizadas para setores privilegiados ou da classe média ascendente. A
entrada de alunos de diversas idades e experiências, portadores de diferentes
culturas e vivências, em crise de identidade pela chegada improvisada e
forçada a centros urbanos, dentro do intenso processo migratório do campo
para a cidade (...) colocou em xeque a estrutura escolar e o conhecimento que
ela tradicionalmente vinha produzindo e transmitindo. (BITTENCOURT, 2001,
P. 14).

Assim, a História e o ensino de História passam por um violento processo de

perda de importância, explicitados pela substituição de História e Geografia e suas

especificidades pelos Estudos Sociais no 1º grau e pela aceleração dos ritmos de

mudança - das cidades e do mundo tecnológico. A ‘pasteurização’ dos conteúdos

reflete a idéia de que a erudição não é necessária à formação da classe operária

urbana em processo de construção no Brasil da época.

Os “[...] ritmos de mudanças acelerados, fazendo com que tudo rapidamente se

transforme em passado, não um passado saudosista ou como memória individual ou

coletiva, mas simplesmente, um passado ultrapassado.” Para ela, trata-se do

presenteísmo que permeia a relação das novas gerações com o tempo, motivada por

toda sorte de apelos nos filmes, nas propagandas, nas novelas, em que tudo é

espetáculo. (BITTENCOURT, 2001, p, 14).

Para Kátia Abud, que assina o capítulo sobre os currículos de História e as

políticas públicas, esses novos ritmos, essas mudanças, são captadas e incorporadas

aos currículos. É na sua definição que se dá o maior peso da intervenção do Estado ao


22

ensino. Para ela, os currículos “[...] são responsáveis, em grande parte, pela formação e

pelo conceito de História de todos os cidadãos alfabetizados, estabelecendo, em

cooperação com a mídia, a existência de um discurso histórico dominante, que formará

a consciência e a memória coletiva da sociedade.” (BITTENCOURT, 2001, p. 29).

Essa historicidade do currículo é abordada por Goodson (1998), como sendo a

invenção de uma tradição. Apropriando-se de Hobsbawn (1997), afirma que é preciso

ter cuidado para perceber o currículo como o resultado de um conflito que explicitou

olhares diferentes sobre a realidade. Não é a própria realidade em sua totalidade, mas

apenas parte dela.

Não é, porém, como acontece com toda tradição, algo pronto de uma vez por
todas; é, antes, algo a ser defendido onde, com o tempo, as mistificações
tendem a se construir e reconstruir. Obviamente, se os especialistas em
currículo, os historiadores e os sociólogos da educação ignoram, em
substância, a história e a construção social do currículo, mais fáceis se tornam
tal mistificação e reprodução de currículo tradicional, tanto na forma como no
conteúdo. (BITTENCOURT, 2001, p. 27).

Nesse mesmo caminho se coloca Forquin (1993, p. 17), ao falar da ‘versão

autorizada’ dos conteúdos escolares, sempre parte ou imagem da cultura que se

transforma em objeto da educação escolar.

Também a leitura feita por Pedroso (1997), ao analisar, em sua dissertação de

mestrado intitulada ‘O Ensino de História: da teoria à prática’, as políticas estaduais

para a educação e a construção das Propostas Curriculares em Santa Catarina, segue

esse caminho. Para ela, “Se o currículo não é um inocente processo epistemológico,

onde cientistas, intelectuais, profissionais liberais escolhem deliberadamente assuntos

que compõem o rol de conteúdos, colocamos, consciente ou inconscientemente nossa

visão de Homem8, de sociedade, de mundo no mesmo.” (PEDROSO, 1997, p, 94).

8
A visão de Homem é também amplamente estudada nos escritos de Edgar Morin. O autor inicia sua
jornada criticando o paradigma antropológico que separa e opõe as noções de Homem e de animal, de
cultura e de natureza, enfim, “[...] de reino humano, síntese de ordem e de liberdade” oposto aos “[...]
distúrbios naturais (‘lei da selva’, impulsos descontrolados)” (In: O enigma do Homem: para uma nova
23

Retomando as considerações iniciais, tem-se que a Pré-História, como ramo do

conhecimento científico está, a duras penas, abrindo seu espaço para ser levada a

sério pela comunidade dos historiadores. Como não dispõe do texto escrito é

rapidamente relegada a um ramo de conhecimento menos exato, mais propenso a

erros. No entanto, as pesquisas arqueológicas em curso, no mundo todo, estão

trazendo diariamente contribuições para aumentar e alterar nossos conhecimentos

sobre as trajetórias da humanidade.

Debruçar-se sobre a Pré-História exige, certamente, um novo olhar sobre a

tradicional noção de documento. Para isso, tem contribuído a Arqueologia, a

Paleobotânica, a Paleozoologia e, mais recentemente a Genética e a Lingüística. Se,

por um lado, falta o documento escrito como fundamento para a produção do

conhecimento histórico, há toda uma gama de sinais de atuação de grupos humanos,

interagindo com um dado espaço e uma dada fauna e flora, num determinado tempo.

Para Le Goff (1992, p. 545),

[...] o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à
memória coletiva recuperá-la e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com
pleno conhecimento de causa.

Antropologia, p. 22). Morin não somente pergunta “[...] por quem é o ser humano”, ele pergunta por “[...]
quem é o Homem no mundo”?, procurando formular uma “antropocosmologia”. (In: O enigma do Homem:
para uma nova Antropologia, p. 12). Daí advém as aptidões humanas, da pergunta pelo ser humano que
se humaniza no mundo, porém, não “[...] num mundo fragmentado em três estratos sobrepostos e não-
comunicantes: homem-cultura/vida-natureza/física-química.” (In: O enigma do Homem: para uma nova
Antropologia, p. 23), mas no cosmos, na Terra que é “[...] a totalidade complexa físico-biológica-
antropológica, onde a vida é uma emergência da história da Terra, e o homem, uma emergência da
história da vida terrestre.” ( In: A cabeça bem-feita: reformar a reforma, reformar o pensamento, p. 40). O
homem não nasceu humano, mas se tornou humano num constante processo de aprendizado, marcado
por evoluções, adaptações e construção cultural. A educação contribuirá com a “[...] aprendizagem da
compreensão e da lucidez” e na “[...] mobilização de todas as aptidões humanas” (In: A cabeça bem-feita:
reformar a reforma, reformar o pensamento, p. 54). Condições estas que, segundo Morin, devem ser
continuamente regeneradas.
24

Também os avanços nas Ciências Físicas e Químicas têm contribuído para

conseguir datações relativas e absolutas com pequenas margens de erro, possibilitando

quadros temporais bastante confiáveis. É preciso, porém, tomar alguns cuidados com a

pesquisa arqueológica nesta conjuntura. Sobre esse aspecto Leroi-Gourhan (ano)

registra a seguinte observação num texto em Le Goff e Nora (1995, p. 92-3),

[...] a superfície do solo posta a descoberto falará na medida em que o


pesquisador souber torná-la legível e, uma vez o documento inexoravelmente
destruído, daí não se poderá tirar dele mais que aquilo que a dissecação
minuciosa terá sabido colocar em estado que possibilite um registro.

A Escola dos Annales e muitos daqueles que escreveram a partir dela têm

proporcionado várias possibilidades de ‘trazer para a história’, os ‘povos sem história’,

entendidos aqui como os povos sem escrita. Ao questionar a legitimidade e o reinado

absoluto do documento escrito, historiadores têm construído caminhos para dar

legitimidade a outros sinais da ação humana. Assim, a comunicação oral, as práticas e

as realizações econômicas, políticas e religiosas podem ser apreendidas com o

exercício de ressignificar o conceito de documento e as técnicas de pesquisa para com

a cultura material.

Le Goff e Nora (1995, p.11), afirmam que “[...] no momento atual, o domínio da

história não encontra limites e sua expansão se opera segundo linhas ou zonas de

penetração que deixam entre elas terrenos já cansados ou ainda baldios.”

Ocupando parte de um desses terrenos baldios, o texto de Leroi-Gourhan (1995),

“Os Caminhos da História antes da Escrita”, aponta para a revolução que está

acontecendo “[...] na pesquisa de métodos de leitura do documento bastante complexo

que uma superfície descoberta num sítio pré-histórico constitui.” (LE GOFF e NORA,

1995, p. 91).
25

Para ele, é possível, cada vez mais, desvendar a história antes da escrita, pois,

[...] se se considera o documento pré-histórico não mais como um calendário, mas como
um texto, a atividade essencial da pesquisa não se encontra mais na reflexão
interpretativa sobre objetos devidamente recuperados na sua ordem estratigráfica, mas
na leitura do documento que é constituída pela superfície descoberta pela escavação,
documento efêmero, amálgama de poeira, pedras, restos de ossos, cujo valor
fundamental reside apenas nas relações mútuas dos elementos que o compõe. (LE
GOFF e NORA, 1995, p.92).

Dessa maneira, é possível concordar com Le Goff e Nora (1995, p. 91), quando

afirmam que,

[...] o texto vale o que valeu o trabalho de preparação do manuscrito e a


interpretação valerá o que valia o texto; em outras palavras, a superfície do solo
posta a descoberto falará na medida em que o pesquisador souber torná-la
legível e, uma vez o documento inexoravelmente destruído, daí não se poderá
tirar dele mais que aquilo que a dissecação minuciosa terá sabido colocar em
estado que possibilite um registro.

Muitos livros didáticos já incorporaram um ou dois, pequenos capítulos sobre o

período da história ‘anterior à escrita’. No entanto, seu estudo tem caráter de introdução

ao estudo da História, mero preparo para o que de fato interessa ao estudante. O

desafio aqui é o de perceber se essa ‘introdução’ contribui para a construção de

conhecimentos que levem a perceber a diversidade da condição humana, seus limites e

possibilidades, historicamente estabelecidos. Por outro lado, a crescente valorização da

preservação ambiental e do patrimônio histórico, arqueológico e cultural, coloca essa

discussão na pauta, não só de educadores, mas também de gestores públicos e de

diversos setores da vida privada. Dessa forma, a presente discussão tem a

possibilidade de transcender os espaços da educação escolar.

Considerando principalmente as contribuições já registradas dos autores citados,

o presente trabalho está organizado em três capítulos, cada um deles abordando os

títulos selecionados para análise, em cada uma das três variáveis. No início de cada

capítulo há algumas questões teóricas em torno do tema e se fará a análise dos três

livros selecionados, com abordagem individual, o que possibilita maior detalhamento.


26

O primeiro capítulo tem como tema “Os Tempos à Margem da História: tempo

histórico e Pré-História”. Freqüentemente usado como sinônimo de cronologia, o tempo

na Pré-História precisa dos ensinamentos de Whitrow (2003), ou seja, precisa ser

percebido como uma construção, historicamente datada e com objetivos nem sempre

claramente identificados. Verificar-se-á que, nas obras analisadas, a passagem do

tempo se dá como possibilidade de perceber a ‘evolução’ das sociedades primitivas,

identificando em que momento dessa evolução, rumo ao progresso da modernidade se

encontram. Assim foram criados os estágios Paleolítico, Mesolítico, Neolítico e Idade

dos Metais, ou, segundo os critérios de Morgan (1976), Selvageria, Barbárie e

Civilização. A abordagem dará especial atenção às ressignificações que os autores

propõem em relação a essas periodizações.

O segundo capítulo, “Entre Tundras, Savanas e Cavernas: o espaço geográfico

na Pré-História” exige um mergulho na Geografia e nos seus conceitos fundamentais:

espaço, região e território, sempre levando em consideração as escolas teóricas.

Procurando identificar as referências ao espaço ocupado, como fruto das relações

sociais e econômicas de cada período pré-histórico, é possível perceber como isso

parece um ato mecânico e formal, especialmente nos textos de livros didáticos

analisados. Os diferentes ambientes, tanto nos continentes como nas regiões

geográficas mais restritas, são apenas indicações, não possibilitando análises mais

detalhadas sobre a ação humana. O recurso do mapa como representação também

está contemplado. A luta pela superação das fragilidades físicas em ambientes

inóspitos marca o discurso em relação a esse tema.

Em “Uma História Sem Fim: as origens da humanidade” está contemplada como

a mais polêmica das questões em Pré-História, visto que a construção dos

conhecimentos em torno das origens da humanidade e as características de seu


27

processo evolutivo, exigem explicitar as posições e as disputas entre ciência e religião,

o que também será pontuado aqui. A transitoriedade do conhecimento acerca de um

tema está apontada, especialmente pela apresentação de resultados de pesquisas

arqueológicas mais recentes. Também aqui, a preocupação com a apropriação de

discursos de pesquisadores de diferentes tendências historiográficas e a transposição

didática se faz evidente.

O presente trabalho pretende contribuir com professores e alunos de História,

especialmente da licenciatura, no sentido de oportunizar uma reflexão cuidadosa

acerca das temáticas escolhidas, possibilitando, quem sabe, uma melhoria nas ações

em sala de aula.
28

1 OS TEMPOS À MARGEM DA HISTÓRIA: TEMPO HISTÓRICO E PRÉ-HISTÓRIA

Digo que deve ser uma espécie de doença porque,

supondo que o Branco queira fazer alguma coisa,

que seu coração queime de desejo, por exemplo, de sair para o sol,

ou passear de canoa no rio, ou namorar sua mulher,, o que acontece?

Ele quase sempre estraga boa parte do seu prazer pensando, obstinado:

“Não tenho tempo de me divertir.” (...)

Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido do tempo que perdeu.

Vamos despedaçar a sua pequena máquina de contar o tempo

e lhe ensinar que, do nascer ao pôr-do-sol,

o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar.

Tuávii, da aldeia Tiavéa, Indonésia9

As observações que Tuávii, o chefe da aldeia Tiavéa, fez quando resolveu

conhecer a Europa, por volta de 1920, soam estranhas, pois a relação que ele constrói

com o tempo e a Natureza é movida por outras forças que as da civilização urbano-

industrial, altamente controladora de todos os movimentos e desejos de seus

participantes. Outro olhar sobre os costumes e ritmos que são incorporados pelos

habitantes das cidades – mesmo no aparente e longínquo início do século XX - expõe o

9
SCHEURMANN, Erich. O Papalagui. Apud MONTELLATO, A.; CABRINI, C.; CATELLI, R. História
Temática: Tempos e culturas. São Paulo, Scipione, 2000, 5ª série, p. 54-5.
29

que já não é possível ver: construímos uma prisão em torno da idéia de que não é

desejável perder tempo, de que é necessário potencializá-lo ao máximo, esgotando

todas as possibilidades de aplicar bem cada um dos seus segundos.

De fato, a capacidade de controlar os diversos ritmos da vida, tanto na esfera

pública como no mundo privado, foi intensificada a partir da Revolução Industrial e da

concentração urbana dela proveniente. Segundo Decca (1995), porém, esse controle

iniciou muito antes, já por volta do século XVI, com a construção e a conseqüente

incorporação de um discurso moralizante por meio do qual o tempo se transforma em

moeda no mercado de trabalho.

A partir do controle na organização do trabalho, dá-se um passo decisivo para,

em seguida, desvincular-se o conhecimento sobre o processo produtivo e o

desenvolvimento tecnológico. A partir daí, começam a se desenvolver modelos de

comportamentos e expectativas, cada vez mais impregnados pela velocidade das

mudanças e pelo descarte do que já passou.

Outro aspecto importante no que diz respeito ao controle do tempo é o que é

forjado a partir da instituição dos colégios europeus, nos séculos XV e XVI. Ao substituir

os professores que atendem alunos de forma individual em locais dispersos, por um

prédio com várias salas de aula, é possível fazer um planejamento e um controle sobre

o estudo, resultando numa vigilância sobre os estudantes.

Petitat (1992), escrevendo sobre o tema, fala de um esquadrinhamento espaço-

temporal dos corpos, das idades, dos espíritos e das matérias. Além disso, registra a

analogia entre as manufaturas da época, que racionalizam a atuação dos artesãos

sobre o mesmo teto, como a instituição da mesma dinâmica nos colégios,

demonstrando a mudança de perspectiva entre o mundo medieval e religioso e o

mundo laico e burguês.


30

Portanto, o estranhamento que causou, ao Homem de Tiavéa, nossa submissão

ao tempo cronometrado, só é possível entender, seguindo as orientações de Withrow

(2003) e Glénisson (1979), e colocar o próprio tempo numa perspectiva temporal. Isso

significa levar em consideração que a consciência sobre o tempo é uma construção

social, elaborada de acordo com os interesses e as necessidades de cada sociedade.

Significa, também, perceber as formas de periodização que foram sendo produzidas

para ordenar a ação humana no tempo.

Nas obras de Besselaar (1973) e Glénisson (1979) é possível acessar uma

rápida retrospectiva histórica sobre essa necessidade de periodizar. Segundo

Besselaar (1973), nos tempos de Hesíodo, poetas e historiadores dividiram a história da

humanidade em quatro períodos: época do outro, da prata, do bronze e do ferro. Já o

romano Varrão propunha três períodos: a época duvidosa, a mítica e a histórica. No

medievo, Santo Agostinho interpretou os sete dias da criação como períodos: de Adão

ao dilúvio; deste a Abraão; da era dos patriarcas a Davi; deste ao cativeiro babilônico,

do cativeiro à encarnação e desta ao fim do mundo.

Glénisson (1979) se detém um pouco a analisar o processo pelo qual os

humanistas abandonam a periodização baseada nos escritos bíblicos. Keller publica

em 1685 a História Tripartita, na qual propõe a Antigüidade, a Idade Média e a

Renascença ou Tempos Modernos. Esse ordenamento dos tempos históricos foi

incorporado aos livros didáticos da época e tem sido ressignificado pelas diferentes

correntes historiográficas, como poderá ser percebido mais adiante.

Durante o século XIX, quando a História busca seu espaço em relação às outras

áreas, preocupa-se em construir um método para orientar o conhecimento histórico,

transformando-se em campo de atuação para especialistas. A racionalidade com que

se definem e analisam documentos aponta para o tipo de história que se constrói,


31

definindo também o que excluir do campo da História. Além disso, o século XIX é

pródigo em descobertas e pesquisas que apontam para uma necessária releitura

acerca da versão bíblica para a origem e a antigüidade do Homem. Achados acidentais

ou frutos de pesquisas ordenadas por instituições de caráter científico, possibilitam a

reconstrução de parcelas cada vez mais significativas do passado longínquo da

humanidade.

A esse tema Lantier (1965) dedica um capítulo de sua obra, registrando as

principais descobertas e propostas de periodização elaboradas, principalmente por

estudiosos franceses.

A partir dessas considerações é possível afirmar que a divisão da História em

períodos demarcados por fatos de cunho político, produzida a partir da identificação de

eventos impactantes, de acordo com as perspectivas da História Metódica, é feita em

Idades: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Antes delas, havia a Pré-História,

cujo suspiro derradeiro é a ‘invenção’ ou o ‘aparecimento’ da escrita. Além dela, soma-

se outro “ponto-zero”, que marca toda a concepção e percepção de tempo do mundo

ocidental. Trata-se no nascimento de Cristo, identificando todos os fatos com a.C.

(antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo).

Essas soluções para ordenar o desenvolvimento das sociedades, de tão

corriqueiras no mundo ocidental, parecem ‘naturais’, ou seja, tomam-se como pré-

existentes, independentes da vontade ou da deliberação humana. Segundo Whitrow

(2003) e Le Goff (1992), a invenção dessa tradição é do século VI, por iniciativa do

Papa João I, que encarregou o monge Dionísio de adequar o calendário aos novos

tempos. O uso generalizado do nascimento de Cristo como um marco histórico,

entretanto, só se deu a partir da segunda metade do século XVII.


32

Outra forma de marcar as transformações sociais é proposta pelo Marxismo, por

meio do conceito de modos de produção. Trata-se de um conceito crucial para a análise

marxista (FGV, 1986) por servir de base e moldar todas as instituições sociais e, por

intermédio delas, os aspectos mais relevantes da vida social. O ‘marco-zero’ aqui é a

instituição ou o ‘aparecimento’ do Estado, das classes sociais e da propriedade privada.

O ‘motor’ da História passa a ser as contradições internas a cada formação.

Antes do Estado, as comunidades ‘pré-históricas’ se organizam segundo o

modelo do Comunismo Primitivo. Também aqui, como pressuposto, trabalha-se com

transformações lineares e progressivas, a partir das contradições inerentes à formação

social em questão.

Um último registro é preciso fazer, ao analisar a questão da periodização. Para

os pesquisadores da Escola dos Annales, especialmente Braudel (1978), quebrar

vigorosamente a periodização marcadamente política não significa abandonar o tempo,

mas propor sua releitura, a partir da longa duração.

Segundo Laet (1977, p.80), “Os fins prosseguidos pela escola dos Annales foram

inspirados inconscientemente ou influenciados diretamente pelas investigações dos

especialistas da Pré-História, os quais prosseguiam nos mesmos fins muito antes do

nascimento desta escola.”

Os períodos da História são apontados, pelos autores das obras selecionadas

para o presente estudo, como marcos da História “tradicional” e, portanto,

ultrapassados do ponto de vista teórico. No entanto, permanecem em uso, pela

praticidade para desenvolver as atividades didáticas.

Para os pesquisadores marxistas, por exemplo, cada um desses períodos vem

ressignificado a partir das mudanças na estrutura econômica e social que apontam a

mudança de modo de produção. Outro exemplo pode ser tomado aos pesquisadores
33

dos Annales, que percebem a longa duração das tradições, especialmente em relação

à cultura política nos limites dados a cada ‘idade’.

Assim é também para a periodização da Pré-História. As obras selecionadas

para análise apontam a utilização do esquema inspirado na elaboração por Thomsem,

em 1815, quando organizou uma exposição de antigüidades nórdicas em Copenhagen.

Decidiu expor juntos, os instrumentos que considerou contemporâneos, uma vez

encontrados nos mesmos estratos e confeccionados com a mesma matéria-prima.

Propôs então, a Idade da Pedra, a Idade do Bronze e a Idade do Ferro.

Em 1863, segundo Childe (1973), a Idade da Pedra foi dividida em Antiga e

Nova, ou Paleolítico e Neolítico, pois se reconheceu a existência humana no

Pleistoceno e esse período era muito longo para indicar a Idade da Pedra. Só em 1921

foi acrescentado o Mesolítico. É preciso registrar que, em toda a bibliografia consultada,

apenas Clark (1962) e Gordon Childe (1971) fazem referência a essa elaboração.

Como se vê, trata-se realmente de uma tradição, cuja invenção se perde ‘nas brumas

do tempo’.

A proposta é, neste capítulo, percorrer o caminho inverso ao de Tuávii,

mergulhando num tempo ainda mais distante, completamente desconhecido para a

maioria de nós: um tempo que nem a memória mais cuidadosa pode recuperar, um

tempo ‘perdido num passado distante. Um tempo que vem sendo estudado graças à

obstinação de arqueólogos e historiadores e que chega ao grande público do século

XXI por dois caminhos: por meio da mídia, quando há uma descoberta que altera o

conhecimento que temos e com o auxílio do texto didático, como os que serão

analisados a seguir.

As três obras utilizadas para análise iniciam os respectivos capítulos sobre Pré-

História, apresentando a dificuldade em trabalhar com esse período, uma vez que ele
34

não dispõe daquilo que é, segundo a concepção mais tradicional, fundamental para o

estudo da História: o documento escrito.

Assim é que, para o movimento que tratou de organizar a elaboração do

conhecimento científico durante o século XIX, o documento escrito “[...] é a fonte

privilegiada de pesquisa, uma vez que nele a história está dada, ou seja, não se pode

interpretar, apenas transcrever as informações que ele oferece.” (DIEHL, 1999, p. 57).

Sob a perspectiva acima descrita, a História é a História Política, construída por

heróis e seus grandes feitos, que devem servir de exemplo na trajetória da

humanidade. Ou então, uma história forjada a partir do desenvolvimento das forças

produtivas e das contradições que engendram. Ambas apontam para uma história

progressiva e linear, que “[...] transmite a falsa impressão de que a História é

constituída por uma seqüência de etapas que cumprem uma trajetória determinada

como roteiro imutável.” (DIEHL, 1999, p. 59).

A esse respeito, é profundamente esclarecedor o trabalho de Glénisson (1979),

ao apresentar as influências que a História sofreu a partir dos eruditos ou metódicos e

dos marxistas. A inquietação que permanece, ainda sem resposta satisfatória, é: qual o

lugar da ‘História antes da escrita’, quando se tomam essas concepções como o

caminho para o estudo do passado?


35

1.1 A SEGURANÇA NA TRADIÇÃO

Arruda (1976, p. 29), apesar de afirmar que a Pré-História “[...] é muito difícil de

ser estudado, pois depende da análise de documentos não-escritos.”, registra que os

estudiosos em geral costumam apresentá-la em três grandes etapas, e que essa forma

de divisão, se baseia “[...] numa visão evolucionista do processo histórico, [...] bastante

criticada por numerosos investigadores da História.”.

Arruda a Apresenta três grandes etapas da evolução humana na Pré-História:

Antiga Idade da Pedra ou Paleolítico, com as subdivisões: Inferior e Superior; Nova

Idade da Pedra ou Neolítico e Idade dos Metais.

A proposta de periodização apresentada define a distribuição das informações de

toda a segunda parte do capítulo introdutório da obra. Na primeira parte da introdução A

História e Seu Método, Arruda (1976), apresenta seu conceito de História e percorre os

caminhos da Historiografia, apontando conceitos e métodos de trabalho do historiador,

segundo cada um dos momentos abordados: História-Crônica10, História-Ciência11 e

História Total12. A idéia de progresso está presente, como está também quando trata da

periodização da História, vista agora como passado que deve ser estudado. Para ele,

“[...] a História é uma sucessão dos acontecimentos no tempo, obedecendo a uma

ordem cronológica. Por isso, costuma-se dividi-la em períodos.” (ARRUDA 1976, p. 18).

10
Trata-se, para Arruda, da “História entendida como narrativa do acontecimento e na qual preponderam
os eventos”, que tinha “uma finalidade prática: pretendia dar lições de comportamento moral; era a
mestra da vida”. Op.cit., p. 11.
11
É a história científica do séc. XIX, que “está ligada ao desenvolvimento dos métodos de investigação,
do estudo das fontes e da crítica dos documentos”. É neste momento que a História adquire um sentido
pragmático, pois “teria a função de compreender as transformações do passado e de apontar as
diretrizes que essas transformações apresentam para o futuro”. (p. 11-2).
12
Momento do encontro da História com outras ciências sociais, buscando “uma colaboração que lhe
permita realizar, numa primeira etapa, o estudo especializado dos acontecimentos e numa Segunda
etapa, uma interpretação globalizante através da busca das conexões entre esses vários estudos
preliminares”. (p. 12)
36

No entanto,

[...] para a realização de uma periodização correta, teríamos que partir das
rupturas que caracterizam os momentos de transição verificados ao nível das
estruturas, momentos esses em que os acontecimentos mais importantes
ocorrem mais próximos uns dos outros, definindo os momentos revolucionários,
de aceleração anormal do ritmo histórico. Não é sem importância, contudo, o
conhecimento da divisão tradicional dos períodos históricos, realizada com base
na evolução dos acontecimentos. Para tanto, é necessário saber como os
acontecimentos foram classificados. (ARRUDA, 1976, p. 18).

Mesmo trabalhando com alguns conceitos de outras escolas historiográficas,

como quando cita rupturas e estruturas assume, não só a periodização, como toda a

concepção proposta pela História Metódica ou positivista, sempre em busca de grandes

marcos. Arruda (1976), alerta, porém, que se outros critérios fossem utilizados, ter-se-ia

como resultado, outras datas significativas.

Ele certamente leu Glénisson (1979), que identifica o esforço do historiador em

determinar datas e periodizações, não importando sua concepção de História. Para

ele, “[...] a pressão do tempo se impõe ao historiador que jamais poderá escapar da

necessidade de datar.” (GLÉNISSON, 1979, p. 29).

Nas palavras de Nelson Dacio Tomazi (2002), além de organizar a memória e o

passado, ao propor certo ordenamento temporal, o historiador está sempre fazendo

escolhas, definindo permanências e ausências, pois,

[...] as cronologias como as periodizações são sempre redutoras das


complexidades existentes numa dada sociedade. E reduz muito mais quando se
pretende fazer periodizações envolvendo muitas sociedades, retirando delas
suas especificidades e integrando-as numa unidade imaginária somente
presente na mente de quem cria a periodização. (TOMAZI, 2002, p. 30).

De toda forma, segundo Arruda (1976, p. 20), “[...] toda produção humana é

História.”, o que, para ele, justifica a opção por iniciar os estudos pelo aparecimento do

Homem sobre a Terra. Apesar de citar Paul Veyne nas referências bibliográficas13, o

13
VEYNE, P. Comment on Écrit l’Histoire. Paris, 1971, é o registro, acrescido da observação de que se
trata de uma obra inquietante, que coloca em questão algumas posições radicais: a História não existe,
existe uma História específica; A História não tem método, ela é apenas uma crítica, os fatos não
existem, existem as intrigas [...].
37

autor passa ao largo das discussões que ele apresenta em relação a essa questão.

Não se trata de afirmar que ‘tudo é história’, mas de perceber que a narrativa pode

recuperar aspectos da história dos povos, de acordo com a importância que o

historiador dá para esta ou aquela informação, permitindo entrever as lacunas

existentes, também em relação à documentação. Como para este primeiro período

não existem documentos escritos, o conhecimento se dá a partir de “[...] documentos

não-escritos, ou seja: instrumentos, armas, desenhos, pinturas, restos humanos etc.”

A periodização apresentada é bastante detalhada e historicizada, tanto em

relação à utilização da Era Cristã, como quanto às subdivisões da Pré-História. As três

grandes etapas ou períodos da Pré-História são apresentados com as respectivas

durações, sem identificar algum método de datação ou uma justificativa para tal

classificação. A Antiga Idade da Pedra ou Paleolítico aparece dividida em Inferior (de

500 a 30 mil anos a.C.) e Superior (30 mil a 18 mil a.C.). A Nova Idade da Pedra ou

Neolítico tem a duração de 18 a 5 mil anos a.C. e a Idade dos Metais é o último período

pré-histórico, tendo durado de 5 a 4 mil anos a.C.

Reconhecendo a arbitrariedade inerente às periodizações, Arruda (1976, p. 12),

identifica como tarefa dos historiadores, na atualidade,

[...] captar o processo histórico, manifesto em toda produção cultural do homem,


quer no relacionamento do homem com a natureza, quer no relacionamento dos
indivíduos entre si. Esse relacionamento, assim entendido, cria continuamente
novos meios para a produção e reprodução da existência (alimentação,
habitação, lazer, etc.), novas formas de relacionamento entre homens e novas
maneiras de pensar e de ver o mundo.

Dessa forma, ressignifica a periodização tradicional, pois percebe que há uma

continuidade de acontecimentos, que as transformações ocorreram desde o início da

humanidade e que a identificação de períodos tem o objetivo de facilitar o estudo. Alerta

o autor que essas periodizações e conceituações são historicamente datadas, aspecto

que não pode passar despercebido pelo professor ou estudante. Nem os momentos
38

identificados como rupturas ou revoluções, deixam de considerar os acontecimentos,

sendo que a História, para Arruda, “[...] lida sempre com esta dualidade: a continuidade

dos acontecimentos e a ruptura das estruturas.” Neste ponto, sugere ainda a

incorporação das temporalidades marxista e braudeliana. (ARRUDA, 1976, p.13).

O autor também identificou a utilização de padrões culturais determinando o

estágio do desenvolvimento cultural alcançado em cada período. “Surgiram as

classificações de selvageria, barbárie e civilização, relativas às diversas fases da

evolução humana.”, sendo a selvageria e a barbárie da Pré-História e a civilização da

História. A selvageria incorpora-se à Pré-História desde o surgimento da humanidade,

passando pelo uso e domínio do fogo até o desenvolvimento de conhecimentos

suficientes para a invenção do arco e da flecha. Já a barbárie inicia pela invenção da

cerâmica, a domesticação de animais e de plantas, possibilitando o desenvolvimento da

produção com maior segurança alimentar e a dominação de técnicas de fabrico de

instrumentos de metal. (ARRUDA, 1976, p.33).

Esses estágios foram construídos a partir dos estudos feitos por Morgan (1976),

numa época em que a Europa debatia acaloradamente as idéias de Darwin, enquanto

praticava o Neo-Colonialismo na África e na Ásia. Seguindo na esteira de Darwin,

Morgan (1976) está convencido de que por esse processo passaram todas as tribos da

humanidade, as quais têm uma única história quanto à sua origem, à sua experiência e

ao seu progresso. O Eurocentrismo que se vai fortalecendo, constrói não só uma

imagem sobre todos os outros povos, como também um padrão de observação ou de

leitura da própria humanidade, tendo a Europa à frente. O binômio em oposição –

civilizado/selvagem - foi tão fortemente cunhado, que se constituiu num padrão de

análise do qual, neste momento e por muito tempo, não se escapa. Em 1877,

prefaciando sua própria obra A Sociedade Primitiva, Morgan se regozijava pelo


39

importante momento em que vivia, mas alertava que ainda não era possível fazer

afirmações definitivas acerca da antigüidade do Homem. No entanto, “[...] podemos

afirmar que a existência da raça humana remonta a épocas imemoriais e se perde

numa longínqua antigüidade.” (MORGAN, 1976, p. 7).

Reconhecendo as dificuldades com a nomenclatura e a periodização que

privilegia os padrões culturais, Arruda (1976) prefere retomar a tradicional divisão,

iniciando pela Idade Antiga da Pedra ou Paleolítico com suas subdivisões. Ao tratar do

Paleolítico Inferior, identifica-o como o mais extenso da Pré-História, no qual “[...] temos

o aparecimento do Homo sapiens.” e podem ser verificados alguns avanços ligados ao

período: a descoberta do fogo, a construção de instrumentos, que eram “[...]

inicialmente de osso e de madeira, depois de pedra e de marfim.” (MORGAN, 1976, p.

33).

Por desconhecer a agricultura e a criação de animais, o Homem era forçado a

levar uma vida nômade. Já no Paleolítico Superior, a queda de temperatura provocada

pela última glaciação, obrigou o Homem “[...] a se isolar efetivamente nas cavernas.”

Com instrumentos mais elaborados, entretanto, foi possível caçar animais de grande

porte. A dificuldade de encontrar pedras, por causa do gelo, levou o Homem a “[...]

utilizar com mais intensidade o osso, aparecendo novos objetos, como arpões e

agulhas.” (MORGAN, 1976, p. 34).

O Neolítico é identificado como um período de intensas modificações climáticas,

de fauna e de flora, motivadas pelo recuo da última glaciação. Pela primeira vez,

aparece a citação de regiões específicas da Europa e da África com suas

características. A domesticação dos animais e os primeiros aglomerados urbanos são

registrados nesse período. O nome Idade da Pedra Polida, segundo o texto, vem da
40

nova técnica de produzir instrumentos: “[...] depois de lascada, [a pedra] era esfregada

no chão ou na areia até tornar-se polida.” (MORGAN, 1976, p. 36).

Nesse período ocorreram avanços na organização social, identificada como

comunidade primitiva, “[...] baseada em laços de sangue, idioma e costumes.” Já a

Economia incluía, além da caça, pesca e coleta, “[...] as primeiras formas de agricultura

itinerante. Iniciava-se a transformação da natureza pelo homem.” (MORGAN, 1976, p.

37).

Apesar de a precariedade tecnológica e das relações sociais serem baseadas no

parentesco, houve a possibilidade de desenvolver formas bastante variadas de

produção econômica, “[...] em duas direções: no sentido da extensão da posse e da

propriedade individual dos bens e no sentido da transformação das antigas relações

familiares.” (MORGAN, 1976, p. 37).

A última fase da Pré-História, a Idade dos Metais, marcou, segundo o autor, o

abandono progressivo dos instrumentos de pedra. Primeiro o cobre, de pouca dureza e

depois o estanho e sua liga, formando o bronze: essa foi a trajetória do domínio dos

metais pelas comunidades primitivas, em torno de 3000 a.C. Já o ferro, mais difícil de

fundir, foi utilizado mais tardiamente, na Ásia Menor, no período histórico, em torno de

1500 a.C. Sua utilização significou a supremacia dos povos que o dominaram.

Para elucidar toda essa gama de informações, Arruda (1976), apresenta, logo no

início do capítulo, um quadro reproduzido na Figura 1, que reúne todas as informações

do capítulo, identificando os períodos, os Homínidas correspondentes, os locais onde

foram encontrados seus vestígios, algumas características culturais e sociais.


41

Figura 1 – Quadro geral da Pré-História

Fonte: História Antiga e Medieval - Arruda (1976, p.28).

Observe-se que, no quadro, Arruda, ignora a periodização proposta por Morgan

(1976), mantendo a nomenclatura tradicional de Paleolítico, Neolítico e Idade dos

Metais. Quando relaciona os Homínidas, não explicita, a partir do Paleolítico Superior, a

existência do Homo sapiens, registrando ‘outros’ ou ‘diversos’. Ao identificar os locais

onde foi registrada a existência desses períodos, é citada a ‘cultura’ e não a localidade

que lhe deu origem.

Segundo Lantier (1965, p. 14), expressões como Chelense, Musteriense,

Aurinhacense, Solutrense e Madalenense, significando tipos de indústrias líticas, foram

criadas por Lartet e retomadas por Mortillet em 1883. Em nenhum momento do texto
42

didático o autor se refere ao quadro, tão rico em detalhes, ou mesmo, sugere o seu

estudo.

Assim termina o capítulo introdutório do livro didático de Arruda (1976), deixando

para a intervenção do professor, uma série de questões, algumas das quais é

necessário comentar, pois se referem especificamente à questão do tempo histórico.

Observe-se: em nenhum momento o autor remete ao trabalho do arqueólogo que, ao

longo desses mais de 100 anos, tem recuperado e analisado os sinais da ação

humana, por meio de escavações arqueológicas, contando muitas vezes, com equipes

constituídas de profissionais de várias nações, de diversas áreas diferentes. O relato

segue como uma narrativa em que os acontecimentos têm uma seqüência ‘natural’,

linear. Contraditoriamente, na introdução, o autor condena o Evolucionismo entre outras

coisas porque, “[...] nessa perspectiva, o gênero humano passou por etapas

sucessivas e necessárias na sua evolução’, o que não é aceito por outros

historiadores “que negam a sucessividade desses estágios.” Outra proposta, baseada

em outros critérios, no entanto, não é apresentada. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 29).

Nessa mesma linha, é importante destacar, ainda, a fabricação de instrumentos.

“Os utensílios foram se aperfeiçoando cada vez mais.”, afirma o texto, sugerindo que

haja uma ‘natural’ evolução do instrumental construído pelos homens, sem ligação com

seu desenvolvimento cultural geral, sua adaptação ao meio e a superação de novas

necessidades. Identifica-se, aqui novamente, o Evolucionismo linear, segundo o qual

todo processo de transformação ocorre de uma situação pior para uma melhor, sem

reveses ou acasos. A bibliografia que o autor cita, ao final da obra, no entanto,

apresenta alguns títulos, nos quais essas discussões são feitas, aos detalhes. A Pré-

História, de Leroi-Gourhan (1981), por exemplo, citado no original francês, apresenta as

‘culturas’ pré-históricas como obras do pensamento criador, do desenvolvimento


43

coletivo e da linguagem humana. A utilização do verbo no gerúndio vai fortalecendo

essa sensação de continuidade, linearidade, naturalidade no devir.

Isso posto, observa-se que Arruda (1976), tem uma preocupação em historicizar

o processo de construção do conhecimento histórico, uma vez que apresenta uma parte

específica para a História e seu Método, registrando os conceitos básicos utilizados por

pesquisadores da História Metódica, dita tradicional, dos marxistas e dos seguidores

dos Annales. Toda essa introdução, porém, chega afunilada à Pré-História, uma vez

que se mantém o discurso das dificuldades de se trabalhar com o tema devido à falta

do documento escrito. Além disso, a periodização definida durante o século XIX

continua servindo de referência para o tema.

1.2 A PERIODIZAÇÃO “TRADICIONAL” É DIDÁTICA

Segundo Saroni e Darós (1979, p. 11), a periodização é um recurso didático

importante para o estudo do passado, uma vez que este abrange o acúmulo de todas

as formas de cultura e variadas espécies de civilizações já existentes e, portanto, é um

exercício de muita complexidade.

A invenção da Escrita e o nascimento de Cristo são os dois grandes marcos

identificados pelos autores, no processo didático de apreensão do passado. Os autores

alertam que “[...] a divisão aqui proposta para a Pré-História e para a História é,

claramente, uma divisão ocidental, por ser a que nos diz respeito mais diretamente.

Fosse apresentada por uma cultura oriental, certamente seria outra.” Mostram ainda um

quadro com a divisão entre a Pré-História e a História e suas subdivisões, bem como a
44

contagem cronológica do tempo, entre a.C. e d.C. Ao discorrer sobre cada um dos

períodos da Pré-História, apresentam-nos com seus limites temporais e as

características de sua cultura material.

O Paleolítico, ou Antiga Idade da Pedra ou ainda Idade da Pedra Lascada, é

identificado entre 500 mil e 18 mil antes de Cristo, por intermédio de “[...] expressões

típicas da pedra lascada e da atividade predatória.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 9).

Certamente, porém, não foi o primeiro momento da existência humana, pois “[...]

já existia vida humana antes dessa época, mas praticamente nada se sabe sobre ela.”

O Neolítico, ou Nova Idade da Pedra ou Idade da Pedra Polida, com a duração entre 18

mil e 5 mil antes de Cristo, disponibiliza para análise instrumentos de pedra com

polimento e corte afiado, portanto, de ‘melhor qualidade’. A Idade dos Metais, ocorrida

entre 5 e 4 mil antes de Cristo é imediatamente anterior à invenção da escrita, portanto,

ao início da História.

Os autores alertam, do mesmo modo, para o fato de que os termos utilizados

para identificar os períodos, não representam a totalidade da vida pré-histórica, apenas

as técnicas de trabalho sobre as matérias-primas utilizadas na confecção de seus

artefatos. Essas denominações são, portanto, empregadas apenas para efeito de

sistematização do estudo. Ao encerrar a Introdução, os autores acham importante

destacar os conceitos de cultura e civilização, como introdução para a periodização da

História propriamente dita.

Quando o homem primitivo aprendeu a lascar uma pedra e fazer dela um


machado, ele fazia cultura. Quando o homem vergou a madeira e fez dela um
arco, ele criava cultura. [...] Quando um povo chegava a acumular uma tradição
significativa de valores culturais, não apenas pela variedade e quantidade de
objetos e de técnicas, mas também pela unidade de conjunto e pela riqueza de
valores sociais, econômicos, políticos, religiosos, já não se fala de cultura, mas
deve-se falar de civilização [grifo nosso].(SARONI e DARÓS, 1979, p. 10).

A origem dessas construções é antiga e a configuração atual é fruto das

discussões iluministas, especialmente no século XVIII, quando cultura é associada às


45

idéias de progresso, de evolução, de educação, de razão; e civilização evoca o

processo que arranca a humanidade da ignorância e da irracionalidade, identificando a

melhoria das instituições, da Legislação e da Educação.

Para Cuche,

O uso de “cultura” e de “civilização” no século XVIII marca então o


aparecimento de uma nova concepção dessacralizada da história. A filosofia
(da história) se libera da teologia (da história). As idéias otimistas de progresso,
inscritas nas noções de “cultura” e “civilização” podem ser consideradas como
uma forma de sucedâneo de esperança religiosa. A partir de então, o homem
está colocado no centro da reflexão e no centro do universo. Aparece a idéia da
possibilidade de uma “ciência do homem;”. [...] (CUCHE, 1999, p. 23).

Tanto Cuche (1999) como Elias (1994), buscam a origem e a tonalidade com que

a palavra civilização é empregada em diferentes países. Para franceses e ingleses, por

exemplo, civilização “[...] pode se referir a fatos políticos ou econômicos, religiosos ou

técnicos, morais ou sociais.” E é, de fato, essa a conotação dada pelos autores do livro

didático. (ELIAS, 1994, p. 24).

Nesse contexto e com esse novo olhar, a troca da ‘providência divina’ pela

racionalidade possibilita definir civilização como o processo de controle da Natureza,

desenvolvido a partir do ‘re-conhecimento’ das leis que lhe são próprias. Nesse

processo de controle da Natureza, o conhecimento acerca da Pré-História interessa

apenas porque possibilita perceber o desenvolvimento da tecnologia com esse fim.

Também a periodização da Pré-História é elaborada sob essa perspectiva de

crescente domínio sobre as forças da Natureza. Na obra analisada ela aparece, ainda,

num texto e num quadro (ver Figura 2), nos exercícios de fixação, ao final da

Introdução, identificando as Eras geológicas, o tempo de duração e os principais

acontecimentos em cada uma delas.


46

Figura 2 – Quadro-resumo para ‘auxiliar a memória’

Fonte: História das Civilizações - (SARONI e DARÓS, 1979, v.1, p. 12).

O quadro-resumo, proposto para auxiliar o aluno a construir um esquema dos

períodos pré-histórico e histórico reúne, em forma de gráfico que sugere um ponto de

interrogação, os períodos culturais, a tecnologia preponderante e as datações de início

e fim de cada um.

Nele aparecem também os marcos divisórios entre Pré-História e História sem,

no entanto, registrar seu motivo e o nascimento de Cristo, demarcando a.C. e d.C.

Observando o quadro com mais atenção, percebe-se que a interrogação compreende o

processo evolutivo do Homem e, conseqüentemente, a maior parte da Pré-História.

A linha reta, na base da interrogação, identifica o período histórico. Linha reta,

sem sinuosidades, passa a mensagem de segurança e continuidade. Uma afirmação

subliminar da opção historiográfica dos autores? Para Paiva (2002), ao discorrer sobre

a iconografia na História, “[...] o campo icônico e figurativo influencia, diretamente,

nossos julgamentos; [...] de construirmos nossas práticas culturais e de novamente

representarmos o mundo em que vivemos, em toda sua diversidade e complexidade.”

(PAIVA, 2002, p. 26-7).


47

A imagem da interrogação, portanto, pode criar a sensação de insegurança e

fragilidade em relação aos conhecimentos acerca da Pré-História.

Paiva (2002), afirma ainda que a sobrevivência da humanidade, em ambiente

inóspito, só foi possível com a elaboração de um sistema de cooperação e organização

social, que permitiu o desenvolvimento de tecnologia para exploração dos recursos

naturais.

Dividido em cinco partes, trata das atividades para sobrevivência, das técnicas,

utensílios e instrumentos desenvolvidos, do vestuário e da habitação, da organização

familiar e social e, por fim, das manifestações artísticas e espirituais do Homem pré-

histórico. Certamente por perceberem as imagens como instrumentos pedagógicos, o

livro é e fartamente ilustrado, contribuindo para a elaboração do imaginário acerca do

cotidiano do Homem primitivo.

Cenas de fabricação de instrumentos, de caça, de preparação do alimento com a

utilização do fogo, de preparação do couro, de sepultamento, de pinturas em cavernas,

de pesca, da domesticação de animais e plantas e, finalmente, da fabricação de

instrumentos mais elaborados, inclusive de metal, fortalecem exatamente a idéia que é

legendada na página: evolução, como exposto abaixo, na Figura 3. Assim, à medida

que a leitura do capítulo vai avançando, vai se fortalecendo a idéia de uma melhoria

continuada nas condições da vida primitiva.


48

Figura 3 – Cenas da evolução cultural na Pré-História

Fonte: História da Civilização (SARONI e DARÓS, 1979,v.1, p. 16).

Antes de apresentar as atividades de coleta, caça, pesca e agricultura, o texto

esclarece que é possível recuperar o passado anterior à escrita, a partir do estudo dos

vestígios da ação humana e, principalmente, dos fósseis. “Pelo conjunto desses

vestígios é possível acompanhar o esforço do Homem pré-histórico em sua

sobrevivência e a evolução observada, na medida em que ia incorporando novas

descobertas às experiências anteriores.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 17).

Todas as atividades vão sendo descritas sem referência alguma a pesquisas

arqueológicas ou à Historiografia que possibilitou tais sínteses, como se houvesse uma

“[...] evolução dos hábitos alimentares do Homem pré-histórico, passando dos frutos e
49

raízes para o reino animal, [levando-o] à atividade da pesca.”(SARONI e DARÓS, 1979,

p. 17).

Com o início do pastoreio e da agricultura, supera-se a vida nômade e inicia a

fixação das comunidades em áreas apropriadas, com água em abundância. Os autores

evidenciam, nessa fase, a evolução dos meios de sobrevivência, numa seqüência

evolutiva de ações: coleta, caça, pesca, pecuária e agricultura.

Childe (1971) chega a usar de ironia ao tratar da pretensa uniformização do

processo de desenvolvimento das comunidades primitivas. Apesar de acreditar, como

Morgan (1976), na seqüência obrigatória das Idades da Pedra e dos Metais, reconhece

a historicidade e relativiza essa temporalidade.

Em tôdas (sic) as regiões, as várias idades seguem-se na mesma ordem. Mas


não começaram nem terminaram simultâneamente (sic) em todo o mundo. Não
devemos imaginar que, num determinado momento da história mundial, soou a
trombeta do céu, e todo caçador, da China ao Peru, deixou de lado suas armas
e armadilhas e começou a plantar o trigo ou o arroz ou o milho, e a criar porcos,
ovelhas e perus. (CHILDE, 1971, p. 57-8).

Essa observação pertinente de Childe (1971) não é apropriada pelos autores que

seguem afirmando uma evolução de hábitos e um progresso nos acúmulos de

experiências. Ao abordar as técnicas para confecção de utensílios na Pré-História, os

autores seguem a mesma linha de argumentação: os artefatos mais antigos são

produzidos com pedras, chifres e marfim, osso e madeira, destacando a importância da

pedra que, de tão largamente utilizada, deu origem à denominação das subdivisões da

Pré-História. A descoberta do fogo, a cerâmica e a cestaria receberam pequenos

destaques no texto, registrando a importância de sua utilização e invenção. Já a Idade

dos Metais mereceu mais atenção:

[...] a evolução continuava [...] pois, sabe-se que o primeiro foi o cobre,
trabalhado a frio, depois fundido e modelado a fogo. [...] O domínio do uso do
ferro constituiu um outro passo importantíssimo na evolução do homem e na
sua luta pela sobrevivência. Coletor, caçador, pescador, criador, pastor,
agricultor – agora o homem se torna artesão. Seu domínio sobre o meio
ambiente, de início tão hostil, já era uma realidade. (SARONI e DARÓS, 1979,
p. 21).
50

Tratando do vestuário e da habitação, Saroni e Darós (1979, p.21), registram que

“[...] à medida que o tempo passava, o homem pré-histórico ia dominando com maior

segurança os recursos da Natureza.” como se o simples passar do tempo assegurasse

as mudanças de comportamento e de intervenção das sociedades primitivas. As

mulheres entram em cena, explicitamente, pela primeira vez, responsáveis pela ‘arte da

tecelagem’, trabalhando com a palha, as fibras, o linho, o cânhamo e a lã de cabras e

ovelhas.

A bibliografia citada ao final da obra registra O que Aconteceu na História de

Gordon Childe, que trabalha com os conceitos desenvolvidos por Morgan (1976) e

Engels (1978), comparando “[...] as tribos selvagens contemporâneas [que] são

geralmente grupos de clãs que, sendo mais estáveis, obscurecem e até mesmo

substituem a família como instituição. (CHILDE, 1977, p.48).

A apropriação já é visível na leitura do índice com capítulos intitulados como: A

Selvageria Paleolítica, A Barbárie Neolítica, A Barbárie Superior da Idade do Cobre, A

Revolução Urbana na Mesopotâmia, A Primitiva Civilização na Idade do Bronze no

Egito e Índia.

Friedrich Engels (1978), como o próprio subtítulo de sua obra A Origens da

Família, da Propriedade Privada e do Estado explicita, baseia-se nas investigações de

Morgan (1976) para construir sua interpretação acerca dos dois períodos pré-históricos:

a selvageria e a barbárie. Apresenta a obra como sendo um testamento de Marx, com

quem teria escrito o livro, não fosse seu falecimento. De toda forma, o pensamento de

Engels percorre textos de vários outros estudiosos que se debruçaram sobre as

sociedades primitivas, a fim de dar corpo e sustentação aos pressupostos levantados

por Morgan (1976).


51

Na descrição da sociedade pré-histórica, Saroni e Darós (1979), destacam que a

divisão de trabalho se acentuava, cabendo aos homens as atividades de caça e pesca,

a fabricação de armas e instrumentos e a limpeza do terreno para a semeadura. Com a

agricultura, coube também às mulheres, socar e cozinhar os cereais, fiar e tecer o

vestuário, modelar a cerâmica, além de preparar os objetos de adorno e magia. “Ao

chegar a Idade dos Metais, já se nota uma boa organização social.” O texto reforça a

idéia de que, quanto mais evoluído, mais próximo da organização atual, mais aceitável

se torna a sociedade primitiva. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 27).

Em seu estudo sobre as “Manifestações Artísticas e Espirituais do Homem Pré-

Histórico”, ocorre o registro das pinturas, especialmente rupestres, ligadas à magia. “Os

caçadores pré-históricos acreditavam, certamente, que ao retratar os exemplares da

caça pretendida, nas pinturas das cavernas, podiam dominá-los com maior facilidade e

segurança.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 30).

O Painel de Anotações, ao final do capítulo, traz uma sucinta revisão das

atividades econômicas na Pré-História e registra que os estudiosos apontam

inicialmente para uma atividade predatória de caça e coleta, substituída, no processo

evolutivo, pela vida sedentária, com o cultivo de cereais e a domesticação de animais.

Essas transformações, que indicam o final da Pré-História, são identificadas como a

revolução agrícola e a revolução urbana, conceitos importantes que não são explicados

nem historicizados.

A percepção do tempo histórico na obra de Saroni e Darós (1979) está ligada

aos avanços e recuos das geleiras, às alterações climáticas e faunísticas da terra

Do mesmo modo, questionam sobre outras glaciações no futuro e afirmam ser

impossível saber, ao certo, sobre isso.


52

No entanto,

[...] uma coisa é certa: nosso planeta continua e continuará se transformando.


Mas, em geral, são mudanças tão lentas, que são necessários milhares de anos
para se tornarem perceptíveis. Em outras palavras: só daqui a milhares de anos
as transformações geológicas de nossa época serão claramente perceptíveis
para uma análise do homem de então (do mesmo modo como hoje analisamos
o que ocorreu no tempo do homem pré-histórico...). (SARONI e DARÓS, 1979,
p. 26).

A obra de Saroni e Darós (1979) está bastante atualizada para a época, uma vez

que incorpora uma série de conhecimentos produzidos pelas ciências. Apesar de ter

sido publicada por uma editora católica, a F.T.D., fica clara a postura dos autores em

privilegiar a ação humana e seu aperfeiçoamento progressivo e contínuo em relação

aos desafios que a natureza e a vida colocam para a sociedade humana da Pré-

História, afastando-se, assim, da interpretação criacionista.

1.3 PERÍODOS CULTURAIS OU ESTÁGIOS ECONÔMICOS?

A temporalidade é explorada por Aquino Franco e Lopes (1980), partindo da

idéia da transformação contínua de todos os seres vivos, destacando o Homem que

têm consciência de sua vida e discernimento para fazer escolhas. O pesquisador tem

conhecimento dessas escolhas por meio de sinais deixados pela ação humana. Em “O

Homem se fez Homem”, uma apropriação de Gordon Childe14, permite-se redescobrir o

trajeto das sociedades humanas primitivas, observando, por intermédio de sua ação

sobre a Natureza e sobre os seus iguais, a passagem de um tempo, que não é

cronológico e linear, mas cultural.

14
Trata-se de Evolução Cultural do Homem, já citada, cujo título original é Man Makes Himself. Publicado
em 1936, teve a primeira edição brasileira em 1966, traduzida da quarta edição inglesa, de 1965.
53

Aquino Franco e Lopes (1980), explicam também que o fazer-se Homem implica

em desenvolver certas características físicas que, mesmo com desvantagens pontuais

em relação a muitos outros animais, potencializou características que permitiram o

apuramento de sensibilidades. As mãos, segundo Engels (1971)15, são produto e

produção do processo de hominização. Essas, por sua vez, permitiram a

racionalização, a comunicação e a criação de equipamentos extracorpóreos,

socialmente construídos para compensar essas limitações físicas. Além disso, nas

palavras dos autores,

O animal. [...] não se compromete, não assume a vida e por isso não pode
construí-la [...] vive, mas não dá um significado a sua vida; [...] o animal é
ahistórico. ... [já os homens], ao se perceberem como indivíduos no mundo – ao
separarem sua atividade de si mesmos, ao terem o poder de decisão em si
próprios, nas relações com o mundo e com os outros homens – dão significado
ao seu viver. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 54).

A historicidade dos humanos é percebida porque eles respondem aos estímulos

e apelos da Natureza, de acordo com as relações sociais construídas e o

desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, as soluções às dificuldades podem ser

completamente diferentes de uma comunidade para a outra. Essa historicidade

perpassa toda a obra, pois para os autores é no fazer cultura que se manifesta a vida

humana. Essa assertiva é explicitada na transcrição abaixo,

Portanto, para o Homem não existe o nada, o Homem sempre está sendo de
alguma forma, e as possibilidades de ele ser mais são infinitas. Assim, o que
ele é, numa determinada circunstância, será determinado pelo que ele está
fazendo, ou melhor, pelo modo como está fazendo – pelas relações que
estabelece com os outros homens no processo de agir sobre a Natureza.
(AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 55).

Assim, o Homem é o único que produz cultura ao mesmo tempo em que é

produto dela, uma vez que ele nasce com potencialidade para desenvolvê-la, mas

precisa fazê-lo na convivência com outros humanos, observando, treinando, se

15
O texto clássico que apresenta esta interpretação, “Humanização pelo Trabalho”, é apêndice da obra
do mesmo autor “A Dialética da Natureza”, publicado pela Paz e Terra.
54

comunicando. Nessas condições, os autores afirmam que existem várias formas de

classificar as culturas e que eles se identificam com a proposta elaborada por Morgan,

em 1877. Ao estudar a sociedade primitiva, descreve a percepção como momentos em

que são identificadas diferentes formas de obter os meios de existência: a selvageria, a

barbárie e a civilização, já devidamente identificadas neste trabalho.16

No período tradicionalmente chamado de Pré-História, inserem-se a selvageria e

a barbárie, que os autores passam a abordar, fazendo um alerta que denuncia sua

opção historiográfica: nem todas as sociedades passaram por esses estágios, sendo

que há coexistência, ainda hoje, de sociedades civilizadas e outras, algumas das quais

sequer praticam agricultura. Os autores citam explicitamente o Brasil e a Austrália, onde

tal situação se permite observar.

Aquino, Franco e Lopes (1980), identificam ainda a necessidade de levar em

consideração os períodos culturais que não devem ser confundidos com os períodos

geológicos, com os quais trabalham os geólogos. Para os primeiros, propõem dividir o

passado em Idades da Pedra (Paleolítico Inferior e Superior e Neolítico) e dos Metais

(cobre, bronze e ferro). Para o tempo geológico, identificam as eras subdivididas em

períodos e épocas. Novamente aparece o alerta para o fato de que,

As diversas Idades obedecem a uma ordem cronológica, mas não começam


nem terminam ao mesmo tempo. [...][e] Embora ainda existam atualmente
alguns poucos povos que vivem numa economia de Idade da Pedra, isto não
implica necessariamente que o desenvolvimento mental desses povos não
tenha evoluído. Suas idéias e práticas não são exatamente as mesmas dos
homens da Pré-História, nem os levarão, necessariamente, aos mesmos
resultados. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 64).

Ao abordar “Caçadores, Pescadores e Coletores”, ou seja, o período da

Selvageria, os autores destacam o importante passo em direção ao domínio sobre a

Natureza, que foi o uso e o controle do fogo. Segundo eles “[...] ao fazer o fogo, o

16
A segunda edição em português, uma parceria entre uma editora brasileira e portuguesa, foi publicada
em 1976. Trata-se da obra de Lewis MORGAN, A Sociedade Primitiva, publicada em 1877. Os autores
não citam a obra, nem a consultam diretamente, segundo Bibliografia constante ao final da obras.
55

homem tornava-se um criador, e consolidava o seu domínio sobre a Natureza. [...] Essa

inovação técnica foi partilhada por todo o grupo humano – isto é, todos os homens

retiraram dela benefícios, ao contrário da escrita, que, aparecendo mais tarde, foi

monopolizada pelas classes privilegiadas.” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 64-

5).

Aparece aqui, claramente, a opção historiográfica dos autores pelo materialismo

histórico, pois que opõem o regime de comunidade primitiva à sociedade de classes. E

seguem afirmando que os homens viviam em bandos “[...] mas aprenderam a cooperar

uns com os outros para obter o alimento necessário.” A economia de subsistência,

desenvolvida em atividades de caça e coleta, aponta para uma divisão natural do

trabalho, um conhecimento da Natureza, tanto de plantas como de pedras que

possibilitavam o desenvolvimento de um artesanato rudimentar, onde,

Cada homem possuía apenas os seus utensílios e ferramentas de uso pessoal:


as florestas, os rios, os lagos eram possuídos, usados e usufruídos
coletivamente. A esse regime de propriedade coletiva dos meios de produção
dá-se o nome de regime de comunidade primitiva. (AQUINO, FRANCO e
LOPES, 1980, p. 65).

Esse tempo histórico registrado possibilitava identificar também práticas rituais

para o enterramento dos mortos, devido aos vestígios junto aos esqueletos encontrados

e de manifestações artísticas, com função mágica. A obra traz uma imagem de bisonte

cravado com flechas, de uma gruta francesa – como se pode ver na Figura 4 – e a

afirmação que nessas manifestações, “ [...]o homem imita o objeto de seu desejo.” uma

vez que toda a arte tinha uma função de magia simpática ou propiciatória. (AQUINO,

FRANCO e LOPES, 1980, p. 67).


56

Figura 4 - Bisonte cravado de flechas

Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, v.1, p.66).

Com essa afirmação, Aquino, Franco e Lopes (1980), explicitam a incorporação

dos estudos de Hauser, para quem,

Os dados que até nós chegaram inculcam que ela [a arte] constituía
instrumento de uma técnica mágica e, como tal, dotado de funções
pragmáticas, visando diretamente a objetivos econômicos. Semelhante magia,
porém, nada tinha de comum, ao que parece, com aquilo que designamos na
linguagem corrente por religião. [...] As pinturas faziam parte da técnica dêste
(sic) processo de magia; eram a ‘ratoeira’ em que a caça havia de cair, ou a
ratoeira com o animal já capturado. É que os desenhos constituíam
simultâneamente (sic) a representação e a coisa representada; eram
simultâneamente (sic) o desejo e a realização do desejo. (HAUSER, 1972, v. 1,
p. 16).

Ainda segundo Hauser (1972), quando um artista do período paleolítico pintava

um animal na parede de uma caverna, produzia um animal real, uma vez que ele não

via diferença entre o representado e a representação. Por isso, especialmente nas

cavernas datadas do Paleolítico Superior, há profusão de cenas de caça, em que

animais aparecem atravessados por flechas, na pintura. Observou ainda que, em várias

delas, há sinais de que tenham sido atingidas por flechas reais após a conclusão da

pintura, o que reforça a interpretação de sua função mágica.


57

Já ao tratar das datações, verificou-se um avanço significativo para além das

obras de Gordon Childe17, que servem de referência para os autores, e que foram

escritas antes da descoberta do processo do carbono 1418. Todo o conhecimento que

até então deveria se contentar com as aproximações da cronologia relativa passou a

contar com datas bastante fidedignas.

Johnson fez algumas reflexões acerca da importância da datação

radiocarbônica, na obra de Libby,

Desde su perfeccionameniento inicial por el doctor Lippy, el método del


radiocarbono prometió convertirse en um valioso instrumento de investigación,
mejorando nuestros conocimientos de la cronología. Esta promesa há sido
ampliamente cumplida. Las muestras datadas provienen de varias partes de
Europa y Africa, del Cercano Oriente, Oceanía y América del Norte, central e
del Sur. Se han datado muestras del Artico y de los trópicos, asi como de una
gran variedad de zonas de ambiente intermedio. Al parecer, existem las base
para una cronologia de alcances universales. (JOHNSON apud LIBBY,
c1970,167).

Sem fazer comentários acerca do processo evolutivo em relação ao seu aspecto

físico, Aquino, Franco e Lopes (1980), asseveram que o “Homo sapiens” apareceu por

volta de 25 mil anos a.C., correspondendo ao Paleolítico Superior. A atenção dos

autores está definitivamente centrada na discussão das características do regime de

comunidade primitiva19.

De caçadores-coletores, à medida que as comunidades aperfeiçoam suas

técnicas, seu instrumental e observam os ritmos da Natureza, vão construindo uma

alternativa econômica para a dependência extrema da própria Natureza. O cultivo das

plantas e o pastoreio dos animais vão ter um impacto de tal envergadura na qualidade

17
CHILDE, Gordon. A Evolução Cultural do Homem. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. A primeira
edição, em inglês, é de 1936. Para as próximas edições, de onde são feitas as tradições para o
português, não há substancial alteração com relação às datações, questão destacada em texto próprio,
‘Nota sobre a Cronologia’. A outra obra citada na bibliografia, do mesmo autor é O Que aconteceu na
História. A quarta edição em português é de 1977 e foi traduzida da edição inglesa de 1941. Também
não discute datações.
18
Em 1949, o professor Willard F. Libby, desenvolveu e aplicou o método que identifica, com bastante
precisão, a quantidade de carbono existente em restos de seres vivos, a partir da vida média de 5.568
anos, o que revolucionou os conhecimentos acerca da Pré-História, ampliando-os significativamente.
19
O processo de hominização será abordado no Capítulo III desta dissertação.
58

de vida das comunidades que é chamada de Revolução Neolítica. No entanto, como já

vêm alertando os autores, também aqui,

Não foram evidentemente todos os homens que se tornaram produtores, mas


tão-somente algumas comunidades humanas. E tampouco a Revolução
Neolítica ou Agrícola deu-se de um dia para outro. Foi um longo processo de
desenvolvimento das forças produtivas, verificado em certas comunidades, sob
determinadas condições históricas, que fez com que se desse esse salto na
economia da sociedade ‘primitiva’. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 67).

Segundo Morgan (1976), esse período da Barbárie possibilitou alterações na

organização econômica da sociedade, oportunizando o desenvolvimento de novas

tarefas, como o cultivo da terra, a fabricação de potes para armazenar a produção, o

aprendizado do trabalho com a lã, o linho e as fibras vegetais, significando a

redistribuição de tarefas e sua crescente especialização.

O papel da mulher nessa nova configuração sócio-econômica recebe um

tratamento especial estudado em capítulo à parte. Fazendo transcrições de Friedrich

Engels e Gordon Childe20, Aquino, Franco e Lopes (1980), apresentam a divisão natural

do trabalho entre homens e mulheres, cabendo à mulher assegurar o sustento do grupo

com atividades de coleta de frutos e raízes comestíveis. A caça, responsabilidade do

homem21, foi considerada atividade ou contribuição ocasional à sobrevivência do grupo.

Além de Engels e Childe, outro clássico marxista que aborda o papel da mulher

na sociedade primitiva é a obra de dois autores russos, Diakov e Kovalev (1972). Eles

apresentam a sociedade do Neolítico como baseada no clã matriarcal, reportando-se

aos estudos de Morgan (1976) com os iroqueses. Os agregados familiares, chamados

20
Trata-se das obras A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels e A
Evolução Cultural do Homem, de Gordon Childe, ambas traduzidas para o português na década de 1970.
21
O termo “homem” (com iniciais minúsculas), utilizado neste trabalho, relaciona-se ao macho da
espécie, em contraposição à “mulher”, a fêmea. Os dois são tidos, dentro da teoria do Evolucionismo,
construída por Darwin, como perpetuadores da espécie humana através da relação sexuada.
59

de grandes famílias matriarcais exogâmicas, faziam com que o homem22 se fixasse no

clã da mulher e também a ele pertencessem os filhos dessas relações, que não eram

estáveis.

Os autores do livro didático em análise explicitam, nos conceitos expressos por

Engels, Morgan (1976) e Diakov e Kovalev (1972), as contradições internas das

sociedades primitivas quando alcançam o grau de desenvolvimento necessário ao

aparecimento da propriedade privada dos meios de produção (rebanhos, terra). Vem, a

reboque, a transferência do poder ao homem, inclusive sobre a mulher, para garantir a

paternidade dos filhos. No entanto, nas palavras dos autores,

[...] a opressão da mulher não foi produto da mente “má” dos homens
individualmente, mas uma exigência objetiva da propriedade privada dos meios
de produção, quando a mulher também se tornou um objeto do homem – tal
qual a terra, o gado, os escravos etc. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p.
70).

Um capítulo inteiro é dedicado à revolução urbana, apresentada aos leitores

como o momento em que, segundo o título, “[...] a riqueza transformou-se em uma força

oposta ao povo.” (CHILDE, 1971, p. 71).

Segue aí, a utilização inoportuna da categoria ‘povo’. Segundo Bobbio, Matteucci

e Pasquino (1995, p. 986), o termo ‘povo’, é empregado pela primeira vez para designar

uma parcela componente do Estado romano. Não deveria ser, nesse momento,

apropriado para se referir, portanto, à população que vai compondo as vilas e cidades

22
Darwin, além de trabalhar com a seleção natural das espécies, construiu também o conceito de
seleção sexual num livro publicado em 1871, intitulado The Descent of Man and Selection in Relation to
Sex. Na primeira parte do livro Darwin argumenta que mesmo as características mais especiais do
homem (macho), como a sua inteligência, podem ser explicadas de acordo com as leis da seleção
natural, também por ele anteriormente descritas. Na segunda parte do livro Darwin introduz a noção de
seleção sexual, que depende da "[...] vantagem que certos indivíduos machos têm sobre outros da
mesma espécie e sexo apenas e só em relação ao acasalamento. [no original Darwin usa o termo
"reproduction", mas "acasalamento" é mais fiel à idéia do livro]". Aqui Darwin distingue claramente a
seleção sexual da seleção natural, sendo que esta é por ele relaciona com a luta pela sobrevivência e a
anterior com a luta pela descendência. Interessante ressaltar que, por meio da seleção sexual, é a
mulher quem determina e escolhe o macho, dentre vários, a fim de acasalar.
60

que se formam a partir do desenvolvimento da agricultura, da obtenção de excedentes,

do crescimento demográfico, da especialização de tarefas.

No melhor estilo do materialismo histórico, “[...] a acumulação de riquezas nas

mãos de alguns, foi a base para o advento da Civilização.” (AQUINO, FRANCO e

LOPES, 1980, p. 73).

O que é importante registrar e destacar neste momento é o trabalho teórico de

Childe sobre os escritos marxistas e que são incorporados pelos autores do livro

didático. Para ele, as modificações na qualidade de vida possibilitadas pela agricultura

são de suma importância, de maneira que o assunto merece por parte de Aquino,

Franco e Lopes (1980) uma das raras ilustrações do livro.

A imagem, reproduzida abaixo, mostra a utilização do arado na preparação do

solo. A legenda informa que as sementes são calcadas pelas patas dos animais. Os

traços da imagem sugerem ser de uma comunidade ‘egípcia’, mas não há referência

alguma sobre sua origem ou datação.

Figura 5 – Técnicas Agrícolas no Neolítico

Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, v.1, p.76).

Tal é o impacto dessas novidades que Childe chama de Revolução Neolítica

para o processo de dominação sobre a terra e a produção de alimentos, período no


61

qual vigorava o regime de propriedade coletiva dos meios de produção ou o comunismo

primitivo; e de Revolução Urbana para o período em que se dá um significativo

desenvolvimento das forças produtivas a partir do domínio da tecnologia de fundição de

metais, do arado e da especialização do trabalho que possibilitaram a formação de

excedentes, a delimitação de territórios e a superação das limitações impostas pelo

comunismo primitivo.

Segue-se a descrição do regime de comunidade primitiva, identificando a

propriedade coletiva dos meios de produção, a propriedade privada dos instrumentos

de trabalho, a divisão sexual do trabalho, o parentesco, a chefia totêmica e as noções

mágico-religiosas que certamente esses grupos construíam num encadeamento que

parece ‘natural’.

Os autores, no entanto, fazem um alerta para que o leitor leve em consideração

que “[...] não existiu propriamente uma ‘civilização neolítica’, mas, na verdade, culturas

locais, cada uma delas apresentando grande variedade em seus sistemas de crenças

mágico-religiosas.” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 74).

Um novo tempo histórico se configura com o desenvolvimento das forças

produtivas, resultado do aumento de conhecimentos técnicos: tração animal, roda,

metalurgia, calendário, escrita, possibilitaram a chamada revolução urbana que, por sua

vez, preparou a passagem da Barbárie à Civilização, com a instituição do Estado.

As contradições cada vez mais irreconciliáveis de interesses no interior das

comunidades levaram à propriedade privada da terra e à instituição da escravidão

patriarcal ou da servidão coletiva.

Engels apud Aquino, Franco e Lopes (1980, p.79), destacam a questão que,

como afirmado anteriormente, se constitui no ‘ponto zero’ do Marxismo,

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de


fora para dentro [...] É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um
determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se
62

enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar.

Uma sociedade rigidamente estratificada entre poderosos (monarca, sacerdotes,

burocracia) e não poderosos (camponeses, artesãos, escravos) tinha sua amálgama na

‘ideologia religiosa’ que dá legitimidade a essa configuração teocrática. Os autores não

a explicam, preferindo centrar-se na análise das tarefas de cada estrato, ressaltando

que “[...] todas as numerosas categorias de trabalhadores urbanos tinham de ser

mantidas pelo excedente de alimentos produzido pelos camponeses das aldeias ou

pelos escravos.” Isso justificava a rigidez de sua organização social. (AQUINO,

FRANCO e LOPES, 1980, p. 80).

O esforço dos autores para se manterem fiéis ao materialismo histórico fica

evidenciado a cada linha de todos os capítulos avaliados para o presente trabalho. A

opção metodológica está devidamente respaldada pela citação de obras e autores que

marcaram essa linha historiográfica23, inclusive para os demais capítulos.

Ao destacar a capacidade humana de construir-se a si mesmo, os autores

marcam época na literatura didática com uma obra ricamente respaldada em reflexões

e provocações, pois a pergunta da introdução - quem tem medo da História? –

perpassa todos os capítulos do livro e chama, continuamente, para uma ação

transformadora.

De forma contundente, os autores afirmam, na conclusão deste volume, que a

consciência histórica é fundamental para a transformação da sociedade e que é com

uma atuação consciente e construtiva que se caminha em direção à liberdade e que

assim “[...]a vida será mais vivida, mais justa, onde o trabalho será uma forma de

expressar sua capacidade criativa.” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 446).


23
ANTONIADIS-BIBCON, H. e outros. O Modo de Produção Asiático; DIAKOV e KOVALEV. Histoire
de l’Antiquité; ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado; GORDON
CHILDE. A Evolução Cultural do Homem e O Que Aconteceu na História; GORENDER, J. O
Escravismo Colonial; HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte, entre outras.
63

Por outro lado, é importante também registrar alguns limites desta obra didática,

especialmente nos capítulos introdutórios e no que diz respeito às pesquisas

arqueológicas. O processo de construção do conhecimento que temos da História

Primitiva está praticamente naturalizado pela narrativa que vai se desenvolvendo a

partir de perguntas e respostas, um diálogo com o leitor, sobre como o Homem se fez

Homem.

Não são citadas as pesquisas de campo, quando e em que condições

aconteceram e que contribuições trouxeram para melhorar o panorama que temos do

período. Também no quesito datação o livro é muito falho, dadas as informações já

disponíveis na época.

Como o trabalho privilegia o método do diálogo com o leitor, faz pouquíssimo uso

de imagens o que, para alunos do Ensino Médio já é bastante recomendável. No

entanto, como se trata de um tema muito distante da realidade cotidiana do aluno, exige

um poder de abstração e imaginação maior, o que seria facilitado pela inclusão de mais

imagens no texto.

Com esses apontamentos e as reflexões feitas acerca das temporalidades

exploradas por cada uma das obras escolhidas é possível fazer algumas considerações

finais, ainda em caráter preliminar. O discurso sobre o tempo, nas obras analisadas,

segue as limitações da periodização de uso corrente.

A periodização é classificada como ‘tradicional’, ‘linear’ ou ainda ‘apenas para

fins didáticos’. Está presente em todos os livros didáticos a periodização proposta por

Thomsem, baseada na matéria-prima básica para confecção de seus instrumentos de

trabalho e de defesa. Outra presença nas três obras é o nascimento de Cristo, usado

como marco na civilização ocidental cristã e quase ‘naturalizado’ pela Historiografia.


64

Ainda assim, está explicitado nas obras de Arruda (1976) e Aquino, Franco e

Lopes (1980) que, se outro método fosse utilizado para a periodização, os resultados

seriam diferentes, evidenciando uma opção historiográfica que privilegia certo tipo de

informações, desprezando ou minimizando a importância de outras.

Apenas em Aquino, Franco e Lopes (1980) o texto promete - e cumpre - a

intenção de ‘quebrar’ com a lógica da periodização tradicional. A História das

Civilizações trabalha com a periodização marxista dos modos de produção, fazendo

apenas referência à periodização tradicional do Paleolítico, Neolítico e Idade dos

Metais. Os autores ressignificam cada um desses períodos, acrescentando-lhes

informações acerca das características da vida social.

Pode-se afirmar, no entanto, sem medo de errar, que a periodização marxista,

com seus modos de produção usa a mesma matriz: o Evolucionismo e a linearidade

presentes na Historiografia metódica.

As transformações econômicas, sociais e mesmo tecnológicas, explicitadas nos

períodos culturais ou ‘idades’ são apresentadas por todos os autores, com pequenas

nuanças diferenciais.

Para Arruda (1976), apesar dessa periodização, cada povo desenvolve um

processo único. Já em Saroni e Darós (1979), embora ultrapassada, essa periodização

é adequada ao livro didático, pois facilita o estudo do período tão distante no tempo e

com as dificuldades próprias da leitura dos documentos pré-históricos. E, em Aquino,

Franco e Lopes (1980), essas transformações são o motor da História e o centro das

atenções durante todo o livro, dada a postura historiográfica adotada.

Uma última anotação deve ser feita sobre a Pré-História das Américas. Não há

uma única referência sobre a existência de sociedades primitivas no continente. Para

os autores analisados, a América passa a existir a partir de 1492, pois as populações


65

existentes só são registradas enquanto possibilidade econômica de acordo com os

interesses mercantilistas e do Antigo Sistema Colonial implantado nas colônias

americanas. O silêncio em relação à América será tratado no próximo capítulo, uma

vez que ele trata dos espaços ocupados pela humanidade na Pré-História.
66

2 ENTRE TUNDRAS, SAVANAS E CAVERNAS: O ESPAÇO GEOGRÁFICO NA PRÉ-


HISTÓRIA

Antes mundo era pequeno

Porque terra era grande

Hoje mundo é muito grande

Porque terra é pequena

Do tamanho da antena

Parabolicamará.

Gilberto Gil24

Conceito-chave para geógrafos, o espaço aparenta ser para historiadores em

geral, um coadjuvante na análise histórica25, especialmente em se tratando dos textos

em livros didáticos. Já para a Geografia, há uma série de questões a considerar, uma

vez que o espaço aparece, em sua grande maioria, adjetivado, o que remete ao alerta

de Harvey, citado em Elpídio Serra. Para ele “[...] os conceitos de espaço estão

baseados na experiência e variam de um contexto cultural para outro.” (HARVEY apud

SERRA, 1984, p. 7).

24
Parabolicamará, letra e música de Gilberto Gil. CD Gilberto Gil Unplugget, 1994.
25
A exceção é para a vertente chamada ‘história das paisagens’, bastante recente na Historiografia.
Fernand Braudel, por exemplo, ao repensar o mundo mediterrâneo, recoloca a importância do espaço
para a História.
67

Por isso, a escolha da epígrafe com o texto de Gil, que relativiza o tamanho do

mundo em função da tecnologia em comunicação, disponível em cada um dos tempos.

É o olhar do historiador, pois, que vai exercitar o foco de aproximação ou

distanciamento dos espaços e das experiências humanas ali desenvolvidas.

Assim como o tempo é um conceito-chave para a História, o espaço o é para a

Geografia. Ambos demandam, por parte do aluno, o aprendizado de representações e

abstrações específicas. Como toda construção teórica, também é possível – é

necessário – perceber a historicidade dos conhecimentos geográficos utilizados neste

capítulo, especialmente os conceitos de espaço, região e território. Uma rápida

exploração na obra de Castro, Gomes e Corrêa (1995), permite perceber essa

historicidade e destacar as delimitações conceituais a partir das quais serão analisados

os textos didáticos.

Para a Geografia tradicional que segue os postulados positivistas, o espaço é

estudado pela Geografia Física, em oposição à Geografia Humana e é o espaço

concreto, finito e delimitável, ou seja, a superfície terrestre. A sistematização do

repertório de informações acerca dos variados lugares do Planeta, presente desde a

Antigüidade Clássica, amplia-se enormemente com as grandes navegações dos

séculos XV e XVI, especialmente com o relato de viajantes. Está, portanto, vinculada

aos avanços e ao domínio das relações capitalistas, em franca expansão a partir dessa

época. No século XIX, os conhecimentos geográficos contribuíram significativamente

para a constituição das explicações evolucionistas, desembocando, inclusive no

perigoso determinismo geográfico. A Geografia Crítica, calcada no materialismo

histórico, reinventa o espaço como lugar da ação humana, como uma instância da

sociedade. (SANTOS apud CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 28).


68

Essas duas conotações, a de simples espaço físico e a de espaço histórica e

politicamente ocupados pelas sociedades, está presente nos textos didáticos

analisados. O Novo Dicionário Aurélio (1977) informa 12 acepções distintas para o

verbete espaço, sendo que é utilizado por estudiosos da Astronomia, da Matemática, da

Economia, da Psicologia a partir das especificidades de sua área de atuação. Seu uso,

portanto, deve ser sempre, claramente adjetivado.

Neste trabalho, serão considerados os aspectos físico-naturais dos espaços em

que viveu a humanidade pré-histórica, assim como algumas características

climatológicas, especialmente em relação às glaciações.

O tema glaciações é recorrente a todo trabalho que trate de Pré-História. Isso

porque aborda intensas modificações climáticas num tempo de longa duração, altera,

por isso mesmo, as condições de vida e as características das sociedades humanas. O

atual estágio das pesquisas geológicas indica terem existido quatro grandes

movimentos de extensão das geleiras.

Segundo informa Suguio (1999, p. 35), a sua formação é observada e descrita

desde meados do século XVIII. O processo de acumulação de camadas sucessivas de

neve, transformando-se em gelo de geleira, se dá pela repetição dos fenômenos de

fusão e congelamento e o avanço das geleiras forma as glaciações.

É ainda Suguio (1999, p. 41) que informa que, atualmente, se conhece também

os pequenos movimentos de esfriamento e aquecimento, dentro dos períodos glaciais e

interglaciais.

Aprofundar o conhecimento acerca das glaciações não é o objetivo aqui. No

entanto, as influências que exercem os períodos de resfriamento do Planeta sobre a

humanidade pré-histórica não podem ser olvidadas. O que importa, no momento, é

saber que “[...] a origem das variações paleoclimáticas é complexa e resulta da


69

interação de diversos fenômenos astronômicos, geofísicos e geológicos. Não existe,

dessa forma, uma única causa, mas sim a interação de diversas causas, atuando em

diferentes escalas temporais e espaciais.” É sobre as influências dessa atuação que

interessa aqui refletir. (SUGUIO, 1999, p. 45).

Outro tema recorrente é ser o Homem pré-histórico, ‘Homem das cavernas’,

como se essa fosse a única alternativa de moradia. No entender de Prous (1992), o

único Homem das cavernas é o moderno espeleólogo, uma vez que os homens pré-

históricos deixaram vestígios de aldeias, acampamentos a céu aberto e abrigos sob-

rocha. A descoberta de uma grande quantidade de pinturas rupestres em cavernas,

certamente contribuiu para a construção desse imaginário. Sobre essa questão, Lantier

(1965, p. 25-26) informa que,

[...] uma caverna é, primeiro, um canal de rio ou de regato. [...] Durante um


período maior ou menor, a caverna é uma guarida para as grandes feras [...]
Nessa época os caçadores empreendem aí incursões, trincham suas presas no
próprio local e acendem fogueiras. Freqüentemente muito úmidas, essas
guaridas foram abandonadas.

Com esses argumentos é possível começar a desconstruir a imagem do Homem

das cavernas que habita nossas referências acerca da Pré-História e reconhecer que

nem mesmo esse ‘porto seguro’ era tão ‘seguro’. No entanto, é preciso dizer, também,

que os ambientes de caverna, pela dinâmica impressa pela ação da Natureza e do

Homem, é um espaço privilegiado de pesquisa para o arqueólogo, dada a quantidade

de informações que advém de seu estudo.


70

2.1 UMA PRESENÇA MUITO DISCRETA

A abordagem do espaço em Arruda (1976), no que diz respeito aos capítulos

introdutórios, é reduzidíssima. O autor privilegia as etapas do processo de hominização

e das culturas pré-históricas, sendo a primeira referência espacial empregada para

informar que, segundo “[...] se acreditava até há bem pouco tempo[...]”, que a

humanidade surgiu de um só grupo que, “[...] tendo-se estabelecido em uma região

climaticamente favorável, irradiou-se em ondas sucessivas de migrações que atingiram

as mais remotas regiões, até mesmo a América.” (ARRUDA, 1976, p. 30).

Logo em seguida, o autor afirma que outras descobertas apontam para a

existência de traços culturais comuns em grupos humanos espalhados em diferentes

partes da Terra. A opção por fazer um registro extremamente vago deve-se - como

afirmou Arruda (1976), às limitações dos conhecimentos acerca do tema? É possível

que sim. Causa muita estranheza, no entanto, essa concepção de espaço ‘remoto’ para

a América, num texto de um professor brasileiro26, que escreve para estudantes do

Ensino Médio. Isso reporta às reflexões de Eurocentrismo denunciado por vários

autores já citados no Capítulo I. Sem uma mediação crítica do professor, como pode o

aluno construir uma relação menos preconceituosa e inferiorizada de sua própria

história?

Retomando o trabalho de Telles (1984)27, a presente abordagem fortalece a

História eurocêntrica, numa tal potência que se consegue identificar como ‘região

remota’ o continente que habitamos. Nenhuma referência à ocupação primitiva da

América, ou ao fato de que a evolução física se dá no Velho Mundo e é o Homo

26
Sob o nome do autor, na folha de rosto do livro, encontra-se registrado que é professor doutor da USP
e coordenador do Departamento de História do Curso, Colégio e Faculdades Objetivo.
27
TELLES, Norma Abreu. Cartografia Brasilis ou: esta história está mal contada. São Paulo, Loyola,
1984. Analisa livros didáticos de História do Brasil.
71

sapiens sapiens que chega para colonizar o continente americano, o Novo Mundo.

Todos esses dados já eram disponíveis na época em que Arruda escreveu seu livro

didático, inclusive em obras traduzidas para o português.

Na bibliografia citada, destaca-se a obra de Leroi-Gourhan (1991), que dedica

um capítulo inteiro à América.28 Esse professor reuniu especialistas em diferentes

temas da Pré-História para produzir uma síntese das pesquisas e dos resultados já

obtidos, possibilitando a inclusão da temática no livro didático. Arruda (1976),

entretanto, preferiu considerar a América, um espaço remoto.

De toda forma, Arruda (1976), utiliza o conceito de região que, construído e

utilizado pela Geografia, tem a função de mostrar “[...] o pleno encontro do homem, da

cultura com o ambiente, a natureza.” (CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 62) com

a descrição das características físicas e culturais que a diferenciam das outras.

Nesse sentido, a ‘região climaticamente favorável’ onde, segundo Arruda (1976),

se formou a humanidade, está corretamente empregada. No entanto, onde se localiza

essa região? Qual era esse clima? Quais as suas características em relação ao relevo,

à hidrografia, à flora e fauna? Perguntas que ficam sem resposta no texto analisado.

A descrição dos hominídeos que compõem o processo de hominização se

sucede com rápidas referências espaciais: o Australopithecus foi ‘encontrado na África

do Sul’; do grupo dos Pithecantropus, o Javantropo ‘foi encontrado’ em Java, o

Sinantropo ‘foi descoberto’ na China e o Paleantropo tem apenas características físicas

descritas, sem referência ao local de achamento; o Homo neanderthalensis ‘foi

encontrado’ na Alemanha, no vale do Rio Neander (Neanderthal - que merece um

28
LEROI-GOURHAN, André. Pré-História. São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981. Arruda utiliza o original
francês, publicado em 1966. O Capítulo VII, assinado por Annette Laming-Emperaire e Claude Baudez, é
totalmente dedicado à América, apresentando o histórico das descobertas, as etapas da Pré-História
americana, os ‘predadores’ e os ‘produtores’. Além disso, apresenta lista de fontes documentais (listagem
de sítios pesquisados) e referências bibliográficas.
72

verbete no glossário ao final do capítulo) e também na França, Iugoslávia, Palestina e

África do Sul; o Cro-Magnon também não encontra registro espacial. Do Homo sapiens,

não se faz descrição das características físicas nem de sua espacialização.

O uso dos nomes de países atuais para identificar os achados não seria

problema se tivesse havido um alerta para que o leitor leve em consideração que se

trata de uma estratégia metodológica para facilitar a compreensão. Afinal, cada um

desses países teve sua formação e a definição de limites em diferentes momentos de

sua própria história. A Palestina, por exemplo, é uma criação do pós-guerra e Java,

uma das ilhas da atual Indonésia, é usada como referência, diferenciando-se das outras

indicações, representadas todas por países.

Ao se referir aos períodos culturais, há, ainda, outras dificuldades. No texto, o

relato das características do Paleolítico Inferior é completamente descolado de um

espaço definido que sequer é sugerido. Quando o autor aborda o Paleolítico Superior

entra em cena o norte do continente europeu, fustigado pela ação das geleiras: “Era o

fenômeno da glaciação, que acontecia pela quarta vez, obrigando o homem a se isolar

efetivamente em cavernas.” (ARRUDA, 1976, p. 34).

A influência das mudanças climáticas que ocorreram no Pleistoceno provocou o

esfriamento do Planeta e as geleiras que se formaram, tiveram extensão e duração

diferenciadas de região a região. Esse processo, pelo texto, não fica esclarecido.

Esse pequeno trecho do texto contém uma série de simplificações que dificultam

o entendimento das importantes transformações ocorridas nas regiões habitadas por

comunidades humanas, com influência direta sobre seu modo de vida. No caso

específico das glaciações, é interessante saber que o estudo em torno delas começou

na primeira metade do século XIX, observando o comportamento dos Alpes, quando se

imaginava que teria havido apenas uma grande glaciação.


73

Segundo Suguio (1999), o avanço das pesquisas estratigráficas demonstrou ter

havido avanços e retrações dos lençóis de gelo, formando as glaciações hoje

conhecidas, especialmente no Hemisfério Norte. Do ponto de vista do tempo geológico,

essas glaciações estão localizadas no período Pleistoceno da Era Quaternária.

Por outro lado, a referência à utilização das cavernas durante esses períodos de

resfriamento geral do Planeta, construiu o imaginário do Homem pré-histórico como

Homem das cavernas. Isso porque as pesquisas arqueológicas se desenvolveram com

muita intensidade, inicialmente na França, onde foram localizados muitos sinais de

habitação e, especialmente, de pinturas rupestres, o que incentivou a propagação

dessa representação do Homem primitivo.

O texto didático aborda o Neolítico com mais detalhamento. Apresenta um mapa

com a legenda ‘O Neolítico Europeu’ que, no entanto, focaliza apenas parte norte do

continente, indicando as diversas culturas do período: ‘do vaso campaniforme’, ‘da

cerâmica de bandas ou cordas’ e ‘materiais correspondentes a culturas específicas’,

além de ‘culturas da Europa suboriental’, e ‘culturas européias ocidentais’, como se

pode ver na Figura 6.

Figura 6 – O Neolítico Europeu

Fonte: História Antiga e Medieval. (ARRUDA, 1976, p. 35).


74

Em nenhum momento do texto escrito aparece alguma referência a um desses

termos destacados no mapa, apontando as características culturais desses períodos. O

mapa em si pode ser lido como uma peça de quebra-cabeças que se retira do seu local.

Reconhece-se a Europa pelo contorno do sul da Inglaterra e do norte da França, mas

fica difícil perceber o que é terra e o que é mar.

A leitura de mapas, para Almeida e Passini (1999), exige um processo de

formação e de domínio da linguagem cartográfica, pois se trata de uma representação

de um determinado espaço. Para as autoras é tão importante aprender essa leitura,

quanto ler e escrever ou a matemática básica. No caso do mapa utilizado por Arruda

(1976), neste capítulo do seu livro didático, não há o aproveitamento dos elementos que

ele aponta. Para contribuir com o tema, o mapa poderia ser o planisfério, com a

localização dos diferentes hominídeos encontrados.

O ambiente físico do Neolítico também merece alguns rápidos registros. As

modificações climáticas alteram a vegetação na face da Terra, promovendo, por sua

vez, alterações na fauna. A temperatura no norte da África torna-se temperada,

possibilitando o aparecimento de regiões desérticas e semidesérticas, obrigando o

Homem a procurar as margens dos rios. A América aparece novamente, uma vez que

“[...] não se sabe se a produção neolítica se desenvolveu espontaneamente ou se foi

introduzida por grupos originários da China e da Polinésia.” (ARRUDA, 1976, p. 36).

Nesse momento, “[...] começam as viagens por terra e por mar.”, sem identificar

de onde e para onde, em que condições, com que equipamento e tecnologia e quando.

Esse seria outro bom momento para fazer a discussão da ocupação primitiva da

América, uma vez que a hipótese mais aceita para esse fato tem sido a migração via

Estreito de Behring. Atualmente, discutem-se as datas dessa migração, já consagradas,


75

e acrescentam-se diversas levas migratórias, incluindo as navegações de cabotagem,

segundo informam Neves e Hubbe. (2003, p. 64-71).

O espaço também aparece sob a denominação de ‘Natureza’ que é ‘explorada’ e

‘transformada’ pelas comunidades primitivas do Neolítico, com atividades que incluem

caça, pesca e uma agricultura itinerante. Aqui fica evidente a apropriação dos

enunciados marxistas.

Segundo Moraes e Costa (1987), a Geografia crítica retoma o conceito de

espaço, dessa vez percebendo a ação humana sobre ele. Desde o início da

humanidade se constitui uma relação permanente de apropriação da Natureza pelo

Homem e, “[...] ao modificar a ‘Natureza externa’, o Homem transforma a sua ‘Natureza

interna’, ou seja, se humaniza ao antropomorfizar a Natureza ambiente.” (MORAES e

COSTA, 1986, p. 75).

Reforçando essa apropriação, o autor segue identificando esse período como

sendo o da “[...] chamada comunidade primitiva [...]”, na qual o “[...] solo pertencia a

todos.”

Por último, a Idade dos Metais destaca que o bronze, resultado da liga do cobre

com o estanho, foi produzido no Egito e na Mesopotâmia e introduzido em Creta,

passou à Grécia e à Península Ibérica. Nenhuma referência ao espaço que oferece, ou

não, a matéria-prima para a elaboração do instrumental que denomina o período. Já o

ferro é trabalhado bem mais tarde, na Ásia Menor, por se tratar de “[...] um minério mais

raro e mais difícil de extrair e mais difícil de fundir.” apresentando, portanto, uma

difusão bem mais lenta. (ARRUDA, 1976, p. 38).

Uma leitura atenta permite inferir que o cobre e mesmo o bronze, fruto de uma

liga, são mais facilmente produzidos do que o ferro. Também aqui não fica claro o que
76

Arruda (1976), identifica como Ásia Menor, nem para onde acontece a ‘difusão mais

lenta’ da tecnologia de trabalhar com a fundição do ferro.

Nesse texto didático, ‘aparecem’ fortes ‘ausências’. Como se trata de um texto de

caráter didático, deveria enfocar com mais cuidado e precisão algumas informações que,

mesmo com a fragilidade dos resultados de pesquisas, como Arruda (1976) anunciou, já

estavam suficientemente acordadas entre a comunidade científica. Referindo-se

especificamente à questão espacial, teria sido extremamente esclarecedor se Arruda

(1976) tivesse incluído um mapa mundi, apontando a localização dos principais achados

no processo de hominização. Um mapa com uma boa legenda é profundamente

esclarecedor e contribui para a incorporação de conteúdos, de resto tão distantes da

realidade dos alunos. Ao discutir a origem do Homem, Arruda (1976) admite que, em

relação a esse tema, o conhecimento é ainda muito limitado e as pesquisas de campo

muito recentes. Muito material recolhido, garante o autor, foi feito por pessoas sem o

devido conhecimento técnico, justificando-se, assim, as “[...] dúvidas existentes sobre o

assunto [...]” e a “[...] existência de interpretações contraditórias.” Aqui, vale retomar as

palavras de Borloz (1990), sobre a transitoriedade dos conhecimentos em Pré-História e

sobre a necessária preparação dos professores para lidar com essa historicidade.

É possível, no texto de Arruda (1976), perceber que haveria um momento em que

essas dúvidas seriam menores ou desapareceriam?


77

2.2 UM MEIO HOSTIL A SER DOMINADO

Para Saroni e Darós (1979), a categoria espaço inexiste. O Homem pré-histórico

vai acumulando experiências culturais até chegar à História e à civilização, mas todo

esse processo acontece ‘suspenso’ em algum lugar do Planeta Terra. Não há sequer

uma referência espacial: nem continente, nem habitat, nem características ou

dificuldades geográficas a transpor. Apenas uma vaga referência à “[...] conquista dos

recursos da Natureza, no domínio do meio ambiente, [...]” (SARONI e DARÓS, 1979, p.

11).

Já o capítulo sobre Os Primórdios das Sociedades Humanas, privilegiando a

evolução cultural, fala de diversos tipos de vestígios em cavernas ou em sítios a céu

aberto, onde os estudiosos encontram traços da ação humana. As cavernas são o

espaço preferido dos ‘trogloditas’, segundo os autores, não só para se proteger do frio,

mas para os momentos de magia, invocando sorte na caça. Aspectos do ambiente

aparecem durante a descrição das atividades da caça, uma vez que,

[...] os sistemas de caça variavam, de acordo com as condições locais onde


viviam os rebanhos selvagens (...) [pois que] bloqueavam todas as saídas de
uma toca, menos uma delas, de onde saía e era apanhado o pequeno roedor.
(...) Para os animais maiores, procuravam encurralar os rebanhos em
desfiladeiros sem saída, ou ateavam fogo em círculos na relva seca ao redor das
manadas de elefantes, ou atraíam os rebanhos para os pântanos [...] (SARONI e
DARÓS, 1979, p. 17).

O espaço geográfico aparece como lugar para a ação humana, nas suas

estratégias de sobrevivência, especialmente com o auxílio da atividade de caça. Já

durante o processo de sedentarização, as comunidades se fixavam em “[...] áreas

apropriadas com pastagens e presença de água.”, o que facilitou a criação dos

rebanhos, a coleta das plantas selvagens e sua posterior plantação.


78

Ao tratar das técnicas para elaboração de utensílios e instrumentos, há apenas

referência das matérias-primas utilizadas, sem relação com o ambiente em que

existiam, nem dos conhecimentos acerca da Natureza necessários para seu

aproveitamento. Para os instrumentos das Idades da Pedra Lascada e Polida eram

utilizados o quartzo, a lava, a obsidiana e o sílex. Já o uso dos metais e o domínio da

metalurgia se ressentem dessa mesma ausência. É como se, num dado momento

evolutivo, todas as sociedades pré-históricas independentemente do espaço físico

habitado, com suas características e dinâmicas próprias, ‘alcançassem’ o conhecimento

e tivessem acesso ao trabalho com os metais. As palhas e fibras utilizadas pelas

mulheres para a tecelagem, também dão sinais de certo ambiente em que ocorrem

esses materiais. Já as cavernas, as palafitas e as ‘tendas desmontáveis de pêlos’ são

outros indícios de espaços ocupados pelas comunidades primitivas sem, no entanto,

terem sido alvo de detalhamento dessas condições. Dolmens, Menires e Cromlechs

também citados, descritos e ilustrados, não têm endereço.

No item “Amplie seus Conhecimentos”, depois de discorrer sobre “Vestuário e

Habitação do Homem Pré-Histórico”, há um mapa mundi, reproduzido na Figura 7. Nele

estão apontados os limites da última glaciação, com flechas que indicam o avanço das

geleiras, a partir dos pólos Norte e Sul. Não há uma única identificação para além

dessa. Nem a linha do Equador e as dos trópicos, que poderiam contribuir com a

percepção da distância em relação aos pólos, ou o nome dos continentes estão

presentes. A legenda possui um único item e está bem clara.


79

Figura 7 – A Última Glaciação

Fonte: História das Civilizações (SARONI e DARÓS, 1979, v. 1, p. 26).

O mapa reproduzido acima tem as mesmas dimensões no livro didático e, se

ampliado, poderia ter sido utilizado para identificar uma série de elementos trabalhados

no capítulo: locais em que foram descobertos os hominídeos citados e os sítios

arqueológicos representativos dos aspectos abordados. Como as imagens são muito

utilizadas pelos autores, com ilustrações de todos os temas, o mapa complementaria a

contento as informações, incluindo a espacialização da ação humana.

De toda forma, é com a mediação do professor que os alunos conseguirão

perceber as diferentes regiões habitadas pelas comunidades pré-históricas, como

sendo um espaço em que interagem a cultura e a Natureza, produzindo toda sorte de

soluções para os desafios enfrentados.


80

2.3 O ESPAÇO COMO RECURSO

Segundo Aquino, Franco e Lopes (1980), o Homem se faz Homem na relação

que consegue construir, ao passar do tempo, com a Natureza, adaptando-se às suas

características e transformando-a em seu benefício. O fato de utilizar as palavras

Natureza e Homem sempre com letra maiúscula marca a importância dessa relação e

são constantes as referências a esse processo:

[...] as mudanças corporais ocorreram a partir das necessidades encontradas


pelos homínidas no próprio contato com a Natureza: [...] sua evolução
demonstra não uma especialização a este ou àquele ambiente, mas sim uma
evolução no sentido de se adaptar a qualquer ambiente. [...] Por tudo que foi
dito, chegaríamos à conclusão de que o Homem se fez Homem na medida em
que se tornou mais sensível para perceber diferentes tipos de modificações no
meio ambiente? (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 50).

Essa ação sobre a Natureza, reforçada em todo o capítulo, se dá especialmente

com o conhecimento das suas dinâmicas, possibilitando o desenvolvimento de técnicas

e tecnologias que apontam para uma maior dominação do espaço, por meio da

adaptação a quaisquer ambientes e circunstâncias novas. O conhecimento dessa

dinâmica da Natureza, especialmente o que será usado como matéria-prima para a

produção de seus instrumentos, será fundamental. Essa ação consciente de conhecer

para dominar, por outro lado, demonstra também a distinta ação de homens e animais

em relação à Natureza. Esses últimos, presos aos limites e às possibilidades de sua

constituição física, têm alterações determinadas pela Genética, enquanto que no

Homem essas alterações têm um componente cultural poderosíssimo.

A Natureza que o Homem precisa conhecer para dominar, segundo os autores,

tem densidade, sons, cheiros e é experimentando possibilidades de manusear, lascar,

fundir, tecer, que vão sendo feitas as descobertas essenciais para a constituição da

humanidade. Esse processo de observação e descobertas é descrito por Aquino,


81

Franco e Lopes (1980), colocando em destaque a riqueza de cada nova experiência no

sentido de aprofundar a consciência de tudo o que o cerca e, inclusive, dando

significados diferentes a cada uma delas.

A referência ao espaço geográfico é dada quando da identificação dos locais

onde foram encontrados os diferentes hominídeos: África, China e Alemanha são

citados explicitamente. África, um continente, é utilizada junto a dois países, para

identificar a localização dos hominídeos. Nessa parte do texto de Aquino, Franco e

Lopes (1980), há uma confusão entre os períodos geológicos e culturais, quando

Paleolítico Inferior (período cultural mais primitivo) é usado como sinônimo de

Plistoceno (período geológico em que ocorreu o surgimento dos primeiros sinais dos

hominídeos). Logo em seguida, no entanto, é feito o registro de que os períodos

culturais não ocorrem em todas as regiões do Planeta ao mesmo tempo e na mesma

seqüência, alertando que os estágios culturais, apontados por Morgan (1976),

correspondem aproximadamente aos estágios econômicos, apontados por Marx e

Engels.

Segundo Suguio (1999, p. 24 e seg.), o Quaternário (Era Geológica) começou

em torno de 1,8 milhões de anos atrás, o que remete para o Terciário o surgimento dos

primeiros hominídeos. Plistoceno é o último período do Terciário enquanto o

Pleistoceno é o primeiro do Quaternário, em que já é possível identificar sinais do

Paleolítico Inferior.

Um aspecto da Natureza – e do seu domínio pelas comunidades primitivas – é

apresentado com destaque por Aquino, Franco e Lopes (1980). Trata-se do controle e

domínio do fogo, processo que significou um salto de qualidade na vida daquelas

comunidades. Relatando alguns possíveis processos de sua fabricação e os

conseqüentes benefícios de seu uso, os autores afirmam que “[...] ao fazer o fogo, o
82

Homem tornava-se um criador, e consolidava o seu domínio sobre a Natureza.”

(AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 63).

Cavernas, lagos, rios, estações do ano, fases da lua, tipos de vegetais e animais

disponíveis em cada região, são também apontados como importantes na configuração

cultural de cada comunidade.

Somente um mapa está presente para registrar os locais em que foram

encontradas “[...] importantes obras de arte.” Reproduzido na Figura 8, limita-se à parte

meridional da Europa, ao norte da África e à Ásia Menor.

Figura 8 – Áreas de Importantes Obras de Arte do Paleolítico

Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 66).

O mapa não tem legenda que facilite sua interpretação. Supõe-se, pelo título que

sobrepõe o mapa, que as ‘áreas onde foram encontradas as principais obras’

paleolíticas sejam os círculos. Se assim o for, qual o significado da região mais clara do

mapa. Quais são os seus limites na África ou na Ásia Menor? Note-se que há uma
83

referência aos limites da Zona Glacial. Logo abaixo desse mapa está a imagem de um

‘cravado de flechas’, reproduzido na Figura 4 do Capítulo I, que poderia ter seu local de

achamento identificado no mapa. Como já citado ao analisar os autores dos outros

livros didáticos analisados, a representação espacial por meio de mapas, independente

de sua categoria – sejam planisférios, turísticos – exige um aprendizado, uma

decodificação, uma vez que utilizam um sistema próprio de símbolos.

Além da utilização do espaço geográfico para identificar o local onde se

desenvolveram as ações humanas, Aquino, Franco e Lopes (1980) também utilizam os

conceitos de região e de território, que serão abordados aqui, percebendo a

apropriação feita.

Região é o conceito utilizado para identificar o espaço com características

peculiares em relação aos demais29 e que lhe confere uma identidade. Assim, ao

identificar vales aluvionais e áreas desérticas e semidesérticas, onde foi possível

exercitar um grande trabalho coletivo, os autores apresentam, mesmo que não

explicitando e aprofundando, o conceito de região. Vale lembrar que a fixação de

aldeamentos próximos a esses vales proporcionou também um aumento significativo da

população.

Conforme (Souza apud Castro, Gomes e Correa, 1995), a idéia de território, que

evidencia as relações de poder num determinado espaço pode ser lida nas seguintes

citações,

A terra normalmente era propriedade comum do clã, em geral lavrada


coletivamente. As pastagens, os rios e lagos, e as florestas eram também
propriedade comunal. (CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 74).
A passagem da Barbárie à Civilização ocorreu primeiramente na faixa
geográfica que corresponde ao Oriente Próximo: do Vale do Nilo e do
Mediterrâneo Oriental, passando pela Síria e pelo Iraque (Mesopotâmia) até o
Planalto Iraniano e o Vale do Indo. Nessas regiões, de vales aluvionais e áreas
desérticas e semidesérticas, o trabalho coletivo de um grande número de
trabalhadores era a condição necessária para regularizar o curso dos rios,
drenar pântanos, construir canais de irrigação, enfim, recuperar o solo para a

29
Conforme Gomes, citado em CASTRO, já anteriormente nominado neste capítulo.
84

agricultura. (par.) Sendo regiões cortadas por grandes rios, que anualmente
renovam as terras aráveis, facilitou a sedentarização das populações.
(CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 75).

As populações que habitavam as regiões do Vale do Nilo, do Tigre e do


Eufrates e da Bacia do Indo desde cedo desenvolveram grandes obras
públicas, como drenagem de pântanos e construção de diques e canais de
irrigação, domesticando as águas e preparando o solo para a agricultura. [...]
Assim, por volta de 3000 a.C., o Egito, a Mesopotâmia e o Vale do Indo já não
eram mais um conjunto de aldeias de agricultores auto-suficientes, vivendo sob
o regime de comunidade primitiva, mas constituíam Estados, com uma
complexa organização social dividida em classes rigidamente hierarquizadas.
(CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 77).

A transformação de uma produção auto-suficiente em uma economia urbana,


baseada no artesanato especializado e no comércio externo, foi muito diversa
nas diferentes áreas geográficas. Dessa maneira, as estruturas econômicas,
políticas e ideológicas, daí resultantes, divergiam. (CASTRO, GOMES e
CORREA, 1995, p. 78).

A necessidade de manter os escravos em submissão e de ampliar o território e


de protegê-lo contra os inimigos do exterior fez aparecer na Grécia e Roma
antigas o Estado de classes. (CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 79).

O poder evidenciado no texto é aquele que ordena a economia, que dá as

características das relações sociais enquanto amálgamas das relações de produção, o

que é compreensível, dada a opção historiográfica dos autores. Dessa forma, todas as

indicações são no sentido de apontar a definição de um território, cujos limites são

estabelecidos na função prática da manutenção da formação social em questão.

No entanto, Claval (1976, p. 16) adverte que, “[...] enquanto a densidade

populacional é fraca e a terra abundante, poucas são as regras que devem ser

estabelecidas para melhor aproveitar o meio: basta assegurar a cada qual o fruto do

seu trabalho.”

Mesmo assim, o espaço utilizado exige um mínimo de ordem para que possa

produzir o resultado desejado. Com os recursos mais raros, impõem-se organização

mais rigorosa, fortalecida pelo exercício de autoridade concentradora de poder, como

evidenciado nas citações do livro analisado, especialmente para a realização das

grandes obras públicas.


85

Os textos didáticos em análise são extremamente econômicos nas referências

ao espaço ocupado pelas comunidades pré-históricas. Os primeiros apontamentos

feitos para este capítulo indicam a localização geográfica dos principais achados

arqueológicos do processo de hominização, reforçada por mapas da Europa em dois

deles e do Mundo no outro.

Os continentes são citados como espaço geográfico em que se desenvolvem os

processos de expansão das sociedades humanas, enquanto que as características

climáticas, alteradas pelas sucessivas glaciações, vão exigindo o desenvolvimento das

técnicas e tecnologias que permitam a sobrevivência em ambientes mais ou menos

inóspitos.

Há imensos vazios espaciais nos livros didáticos analisados. E há, também, um

flagrante discurso eurocêntrico, como o de Arruda (1976), por exemplo, ao afirmar que

a sociedade humana “[...] irradiou-se em ondas sucessivas de migrações que atingiram

as mais remotas regiões, até mesmo a América.” (ARRUDA, 1976, p. 30).

O que leva um autor de livro didático brasileiro, professor universitário a afirmar

que a América é uma região remota? De onde ele, como professor e escritor, está

‘olhando’ o espaço em que vive? Depreende-se, daí, o caráter de informação

complementar dada à espacialidade. A América, registre-se, tão distante para Arruda

(1976), desaparece completamente nas duas outras obras analisadas. E a África, berço

da humanidade, aparece em rápidas referências, apenas para garantir o registro da

localização geográfica em que se deu o desenvolvimento dos primeiros hominídeos.

Já segundo Saroni e Darós (1979), toda a apresentação e a descrição dos

períodos da Pré-História, com características e duração aproximada de cada um, se

dão sem uma referência sequer aos espaços ocupados pelas comunidades humanas.
86

O mapa mundi apresentado por eles registra apenas o avanço máximo da última

glaciação. E é só. Será preciso fazer falar o silêncio.

Na obra de Aquino, Franco e Lopes (1980), o espaço, como área geográfica, é

uma categoria pouquíssima explorada. Já a Natureza freqüenta todas as páginas

dedicadas a entender o processo de o Homem fazer-se Homem, num caráter de

oposição a ela na medida em que crescem os dotes culturais das comunidades

primitivas.

Dito isso, é momento de lembrar as observações de Telles (1984), ao analisar

livros didáticos de História do Brasil. Ela percebeu o esvaziamento dos continentes de

seus próprios espaços e histórias, uma vez que todos, à exceção da Europa, passando

a adquirir sentido apenas em relação à expansão ibérica dos séculos XV e XVI.

Assim é o registro do espaço geográfico quando se trata de Pré-História, um

registro raro e superficial, insuficiente para que o aluno consiga, sozinho, sentir-se

seguro, não só em relação à localização geográfica dos sítios arqueológicos, mas

também às características dos diferentes espaços ocupados pelas sociedades pré-

históricas.
87

3 UMA HISTÓRIA SEM FIM: AS ORIGENS DA HUMANIDADE

A importância da hominização

é primordial à educação voltada para a condição humana,

porque nos mostra como a animalidade

e a humanidade constituem, juntas,

nossa condição humana.

Edgar Morin30

A mais intrigante de todas as temáticas referentes à Pré-História, sem dúvida, é

a que trata das origens da humanidade. Conhecer o(s) longo(s) caminho(s) de

hominização tem sido o desafio das ciências. Inicialmente com a intenção de diferenciar

o Homem dos outros animais, à sombra da imagem divina, os caminhos nessa busca

mostraram outras possibilidades como aponta, por exemplo, Edgar Morin (2000), na

epígrafe deste capítulo. A condição humana, dual, que gravita da Biologia à cultura,

parece esquecida, às vezes, e remete aos sectarismos e violências entre nações,

etnias, religiões, assim como à depredação ambiental que permanecem nos noticiários

internacionais.

30
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo/Brasília,
Cortez/UNESCO, 2000, p. 50.
88

A temática ‘origens’ aponta, neste início de milênio, para o trabalho, não do

arqueólogo em algum novo sítio, mas para o dos cientistas da Genética, em

laboratórios cercados das mais modernas tecnologias. A Biologia e especialmente a

Genética entraram num campo que, até poucas décadas era terreno, além dos

arqueólogos, de paleontólogos, climatólogos, paleobotânicos, geólogos, zoólogos,

antropólogos físicos e outros representantes de ciências chamadas auxiliares da Pré-

História. Para além de restos ósseos e de instrumentos e outros vestígios associados à

presença humana, a análise do DNA mitocondrial vem trazendo novas e revolucionárias

contribuições para responder as intrigantes perguntas: Quem somos? De onde viemos?

A essas perguntas, cada sociedade constrói suas respostas. Com o auxílio da

Filosofia e da Antropologia é possível observar algumas delas, por intermédio dos

chamados mitos de origem. Essas narrativas lendárias buscam explicar a origem do

universo, o funcionamento da Natureza e os valores básicos de cada povo.

Quando o século XIX coloca o desafio de, por intermédio de metodologia

rigorosa definir os limites das ciências, o conhecimento acerca da vida no planeta toma

um grande impulso. Pesquisas e mais pesquisas vão construindo um grande quebra-

cabeça que vai descortinando os paleoambientes, os animais extintos, o avanço e o

recuo dos lençóis de gelo, as alterações no nível do mar, do curso dos rios, da

existência e desaparecimento de lagos, desertos e florestas. É também desse século o

confronto entre religião(ões)31 e ciência, com a oposição entre o Criacionismo e o

Evolucionismo. Num pequeno texto, Lima apresenta, de forma sintética, os dez

principais tópicos defendidos pelos criacionistas, baseados nos relatos bíblicos,

31
O presente trabalho delimita as religiões dentro do espectro do Cristianismo.
89

1. Houve um tempo em que nada havia.


2. A atmosfera sempre foi a mesma a partir do momento em que foi criada;
assim, o oxigênio da atmosfera atual é anterior ao aparecimento dos
vegetais.
3. Os primeiros seres vivos foram criados sobre a terra; depois foram criados
os seres aquáticos;
4. A Terra, sob o ponto de vista teológico, é o centro do universo; os demais
astros do cosmo aí estão para servir o homem.
5. As aves foram criadas antes dos répteis.
6. As plantas e os animais foram criados como espécies diferentes e
distintas.
7. O homem foi criado a partir do pó, à imagem e semelhança de Deus.
8. Deus criou o Planeta e os seres vivos em seis dias de 24 horas.
9. Após o sexto dia, Deus terminou sua obra criadora; ela era perfeita e
independia de aperfeiçoamentos.
10. Adão foi o primeiro Homem, criado independente e diferente de qualquer
outro animal. (LIMA, 1988, p. 24).

Os itens transcritos acima apontam para a aceitação dogmática e textual do

Gênesis. Quem neles crê, rejeita os estudos científicos, sob a alegação de que estão

repletos de dúvidas insanáveis. O Criacionismo, aparentemente superado pelas

pesquisas científicas, vem recuperando significativos espaços nas escolas e

sociedades “[...] de pesquisa [...]”, não só nos Estados Unidos, onde o Protestantismo é

dominante, mas também no Brasil, especialmente no Estado do Rio de Janeiro,

segundo divulgado pela imprensa nacional.32

No entanto, a dicotomia Criacionismo X Evolucionismo foi sendo superada

porque, segundo Lima (1988, p. 34) “[...] perceberam, cientistas e teólogos, que ciência

e religião se completam, pois enquanto uma procura explicar o mundo físico, a outra se

ocupa em encontrar um significado para a vida humana.”

Esse movimento de aproximação percorreu um longo caminho nos últimos

séculos. Talvez tenha começado com a aceitação dos preceitos de Copérnico sobre o

Heliocentrismo. Passou, seguramente, pelas ‘heresias’ de Galileu e pelos ensinamentos

de Santo Agostinho. Sofreu grande impacto com os postulados darwinistas. No século

XX, deveu-se principalmente à ação do Padre Pierre Theilhard de Chardin (1970) que,

32
MOON, Peter. Fé Sem Razão. In: Isto É. Nº 1560, 25/8/99, p.88-90. A matéria registra vários casos
em que os conteúdos curriculares em escolas americanas foram retirados ou revistos, em função de
pressões de grupos religiosos criacionistas.
90

especialmente em O Fenômeno Humano, procura adequar o discurso católico frente às

descobertas científicas. Ele mesmo pesquisador, contribuiu para ver e fazer ver, como

afirma no prólogo da obra, a questão das origens da humanidade. Mas não é só. Em

1941, o Papa Pio XI, pronunciando-se na Pontifícia Academia de Ciências, estimulou a

pesquisa científica sobre a evolução, lembrando apenas que os seres humanos, na

evolução, ocupam uma posição de destaque. E Lima, para fortalecer esse caminho de

aproximação, reproduz uma declaração ‘recente’ do Papa João Paulo II:

A Bíblia fala das origens do universo e da sua constituição não para oferecer
um tratado científico, mas para definir as relações do homem com Deus e com
o universo. A Sagrada Escritura quer apenas declarar que o mundo foi criado
por Deus e, para ensinar esta verdade, se exprime com os termos da
cosmologia própria dos tempos dos autores sacros. (PAPA JOÃO PAULO II
apud LIMA, 1988, p. 38).

Dessa feita, à exceção das vertentes fundamentalistas33, a evolução é aceita

como fato indiscutível, mantendo, no entanto, a vontade divina como impulsionadora

das transformações observadas através dos tempos.

Ao contrário do que aconteceu com a questão espacial, os livros didáticos

trabalham o tema ‘origens’ ou ‘evolução’, com alguns detalhes, permitindo uma análise

mais aprofundada neste capítulo. É possível, claramente, perceber as diferentes

apropriações que vão sendo feitas das recentes - à época da publicação dos livros

didáticos em análise - descobertas de diversos ramos das ciências. No reverso da

medalha está o cuidado com a incorporação desses conhecimentos, uma vez que se

tratam justamente de descobertas com grande impacto para a comunidade científica e

a mídia, cautelosamente tratados quando se trata da transposição didática.

A construção da árvore genealógica da humanidade iniciou com a análise de

fósseis encontrados em diferentes pontos do Planeta, colocando em destaque o

trabalho dos paleontólogos. Segue-se durante a primeira metade do século XX, uma

33
Recomenda-se a leitura de BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da
humanidade. Rio de Janeiro, Sextante, 2002.
91

profusão de pesquisas de campo e publicações descrevendo o material encontrado,

realização de análises comparativas que foram acrescentando ´ramos à árvore`. Nesse

caminho, a maior preocupação era encontrar o elo perdido entre antropóides e

hominóides. O modelo que apontava a origem africana, a cada nova pesquisa, revelava

voltar ainda mais no tempo. As características físicas da caixa craniana, dos maxilares,

da bacia, do fêmur ou das mãos e pés vão evidenciando maior distância ou

proximidade com o Homo sapiens. O andar bípede é marco nesse processo de

evolução.

A primeira grande síntese do processo de hominização, afirmava o processo

evolutivo linear de espécies sendo substituídas por outras mais avançadas. A imagem

do macaco ‘se levantando’, evoluindo até o Homem moderno está registrada no

imaginário popular, fortalecendo a idéia de evolução em direção ao progresso como

único caminho, e assim também aparece na literatura didática analisada neste trabalho.

No entanto, segundo Tattersall (2003, 24),

[...] a hipótese da espécie única jamais foi convincente – mesmo considerando


os esparsos registros de 40 anos atrás referentes a fósseis de hominídeos. Mas
o cenário implícito da lenta e simples transformação do encurvado e bruto
ancestral hominídeo em gracioso e talentoso H.sapiens moderno mostrou-se
bastante sedutor – como sempre são as fábulas de sapos que se transformam
em príncipes.

Novas pesquisas de campo e laboratório, desenvolvendo um trabalho cada vez

mais interdisciplinar, apontam para uma antigüidade ainda maior e para a coexistência

de algumas espécies, derrubando a hipótese da evolução linear. Já na década de 1960

são publicadas em português, algumas obras34 defendendo a teoria sintética da

evolução que, como o próprio nome anuncia, retoma e relê os conceitos até então

34
SIMPSON, G. O Significado da Evolução. São Paulo, Pioneira, 1962; DOBZHANSKI, T. O Homem
em Evolução. São Paulo, Polígono/EDUSP, 1968; DOBZHANSKY, T. Genética do Processo
Evolutivo. São Paulo, Polígono/EDUSP, 1973; PETIT, C. e PREVOST, G. Genética e Evolução. São
Paulo, Edgard Blücher, 1973.
92

formulados, acrescentado os conhecimentos da Genética, o que altera

significativamente toda a discussão em torno das origens da humanidade.

3.1 EVOLUCIONISMO: UMA ÁRVORE POUCO FRONDOSA

Arruda (1976) dá tanta importância ao tema que constrói um capítulo especial,

falando especificamente sobre a origem do Homem. Inicia alertando o leitor para a

precariedade dos dados em direção a um conhecimento seguro, uma vez que os

estudos ainda são muito recentes. Por outro lado, registra que muitas descobertas

foram ocasionais, feitas por pessoas sem habilitação para dar o devido tratamento

científico ao material coletado. Por esses motivos, afirma que “[...] a cronologia sobre o

aparecimento do Homem na Terra baseia-se sempre em hipóteses. Existem numerosas

classificações das fases do aparecimento, as quais muitas vezes entram em

contradição umas com as outras. E não há dados precisos para resolver esse

problema.” (ARRUDA, 1976, p. 30).

Ao escrever seu livro didático em 1976, Arruda, no entanto, já dispunha de uma

série de elementos que possibilitavam algumas sínteses acerca da origem do Homem,

mas, cuidadoso e atento, não deixou de registrar a transitoriedade desses mesmos

dados.

Da mesma forma Lima (1988, p. 49), defende que foi o recente desenvolvimento

científico que “[...] demonstrou não existir verdades absolutas em ciência, demonstrou

que todas as teorias são aproximações, descrições incompletas da realidade, que

demonstrou haver limitações inerentes à mente humana.”


93

Lidar com essa transitoriedade é, para Borloz (1990), professor de Pré-História,

trabalhar com a insegurança presente nas ‘verdades’ que o conhecimento científico

apresenta. Ele sugere que “[...] ensinar Pré-História pode ser, e entendemos que deve

ser, ensinar a insegurança. Ao aluno emergente do Ensino Médio corresponde quase

sempre uma tendência a procurar, no conhecimento de nível superior, a verdade sobre

seus assuntos de interesse.”35 Por isso mesmo, Borloz (1990), enfatiza a riqueza de

possibilidades,

É importante evidenciar sempre que o conhecimento sobre a Pré-História está


nas fronteiras da ciência. São freqüentes as notícias de resultados de
pesquisas científicas que alteram os conteúdos da disciplina. Na Pré-História,
mais do que nas outras disciplinas, fica evidente o caráter não definitivo do que
se supõe ser a realidade histórica. (BORLOZ, 1990, p. 85).

Esse também é o enfoque de Santomé (1998) que, ao identificar os benefícios

da integração das disciplinas para a formação de um cidadão ‘polivalente’, com

capacidade de iniciativa e que saiba lidar com um mundo em mudanças cada vez mais

aceleradas, verifica o desserviço prestado pelos livros didáticos entre outras coisas

porque demoram a incorporar os novos conhecimentos. Para ele,

[...] é muito difícil atualizar os conteúdos dos livros-texto, o que é visível se nos
detivermos a analisar o grau de demora em que as novidades científicas,
artísticas, literárias etc., produzidas dia-a-dia, passam a fazer parte do seu
temário. Importantíssimas descobertas matemáticas, físicas, biológicas,
históricas, artísticas, econômicas etc., demoram muito para ser incorporadas a
estes recursos didáticos, mas inundam os meios de comunicação de massas.
(SANTOMÉ, 1998, p. 178).

Esse descompasso entre a produção científica e a literatura didática, a lentidão

com que se faz a transposição didática dessa produção, contribui para o distanciamento

do ‘mundo real’ e o desinteresse por parte do aluno para com a dinâmica da escola e

da sala de aula. Parece haver o conteúdo escolar, exigido pelos currículos e pelas

avaliações e o conhecimento chamado senso comum, que norteia o cotidiano.

35
BORLOZ, Alexis Acauan. Sobre o ensino de Pré-História. In: Revista Catarinense de História.
Florianópolis, ANPUH, ano I, nº 1, maio 1990, p. 86, (grifo nosso).
94

Tendo como parâmetros as considerações de Borloz (1990) e Santomé (1998), é

possível retornar ao texto didático e, com olhar cuidadoso, fixar-se sobre os dados

taxonômicos de que se dispõe e perceber a existência de um tronco comum para os

macacos e os humanos. Sem precisar uma datação, Arruda (1976), registra a

separação entre eles, sendo que cada grupo segue um processo evolutivo próprio. No

caso dos Pongidae, o estágio atual se materializa nos gorilas, chimpanzés e

orangotangos e, para os homínidas, a forma é o “Homo sapiens” atual. Para essa

introdução ao tema, e para cada um dos ‘estágios’ da evolução36, o autor utiliza entre

quatro e cinco parágrafos com relato das características físicas marcantes de cada um.

Apesar de ser bastante conciso nas informações, é bem provável que o esquema

evolutivo no qual acredita, é o que Foley (1993) chama de modelo clássico, em que o

Ramapithecus é o ancestral direto dos hominídeos recentes e a separação dos

pongídeos se deu em torno de 15 milhões de anos atrás.

Foley (1993) apresenta uma retrospectiva da estrutura cronológica da evolução

humana, alertando que essa evolução está ligada, sofrendo influências e influenciando,

a todas as espécies vivas. Partindo do sistema de classificação proposto por Lineu, no

século XVIII, lembra que a abordagem tradicional, baseada na análise da morfologia

fóssil associada a depósitos geológicos, propôs uma separação entre hominídeos e

símios em torno de 12 milhões de anos atrás.

Os biologistas moleculares situam a divergência entre os hominídeos e outros


símios africanos em cerca de 6 milhões de anos atrás, e a melhor evidência
para o aparecimento mais antigo dos hominídeos no registro fóssil encontra-se
por volta de 5 milhões de anos atrás [...] (FOLEY, 1993, p. 52).

Outra abordagem, a do “relógio molecular”, utilizando como dados as proteínas

do soro sangüíneo, os genes virais e o mapeamento do DNA, é didaticamente

36
Arruda apresenta quatro estágios, a saber: o Australopithecus, o Pithecanthropus erectus, o Homo
neanderthalensis e o Cro-Magnon.
95

apresentada por Braidwood (1988) a partir das pesquisas de Sarich, que estabeleceu

um relógio evolucionário que sugere a quantidade de tempo necessária para se

desenvolverem as diferenças imunoquímicas. Com base nesses estudos, sugere que a

separação entre humanos e antropóides tenha ocorrido entre 6 e 12 milhões de anos

atrás. A calibração dessas datas, segundo Foley, foi sendo possível,

[...] a partir das revisões das datas moleculares, de uma melhor datação do
registro fóssil e, o que é mais importante, do reconhecimento por parte dos
paleontologistas de que nem todos os fósseis podem ser relacionados às
formas modernas, porém, em vez disso, representam padrões de diversidade
do p0assado que não continuaram até os dias de hoje. (FOLEY, 1993, p. 51-2).

Arruda (1976), não se detém muito aos detalhes, mas fortalece a idéia de

evolução, quando ilustra o texto com quatro perfis de crânio. Em geral, o crânio, por ter

uma massa óssea mais densa é, de todo o esqueleto, a parte que mais se preserva em

longas distâncias temporais. Por meio destes, os pesquisadores, especialmente os

antropólogos físicos, podem obter muitas informações acerca das condições de vida:

hábitos alimentares, longevidade, doenças crônicas, por exemplo. De cima para baixo

da página, estão dispostos o “Sinantropo”, o “Homem de Neanderthal”, o “Homem de

Cro-Magnon” e o “Homem da Palestina”.37

37
O Cro-Magnon, o Neanderthal e o Homo sapiens, assim como os Pongidae e os Homínidas têm o
privilégio de constar do glossário ao final do capítulo, que não é o caso dos Australopithecus e os
Pithecantrhopus. Pode-se ler aqui, certo desleixo para com o mais primitivo?
96

Figura 9– Crânios dos Principais Hominídeos

Fonte: História Antiga e Medieval (ARRUDA, 1976, p.32).

A ilustração dos crânios é meramente decorativa, uma vez que não reproduz os

principais hominídeos apontados no texto, o que possibilitaria perceber as diferenças

morfológicas e reforçar a idéia de transformação. O texto traz informações do

Australopithecus, do qual não há imagem. Já o Pithecantropus erectus, descrito como

um dos estágios evolutivos, na ilustração é representado por um Sinantropo.

Especialmente em relação ao “Homem da Palestina”, é preciso registrar que ele não

aparece em parte alguma no texto didático. A Palestina, entretanto, é citada como um

dos locais onde foram localizados restos do Homo neanderthalensis. Ao invés de

contribuir com a elucidação de um tema por si só já bastante denso, confunde o leitor.


97

Mesmo assim, ilustrar um capítulo da Pré-História com crânios de hominídeos, fortalece

o imaginário da evolução, pois eles são a prova cabal e material das transformações

físicas ocorridas. A opção de apresentar os crânios de perfil acentua as diferenças,

especialmente no que se diz respeito aos traços da arcada supraciliar, do maxilar e do

queixo. A reprodução das imagens não obedece a uma escala única, o que dificulta a

percepção das diferenças de tamanho dos crânios.

Do Australopithecus, o autor registra a semelhança com os humanos, por conta

da forma dos dentes, os traços cranianos e a cintura pélvica, demonstrando o andar

bípede e a postura ereta. Do Pithecanthropus, destaca os maxilares maciços e os

dentes grandes, o aumento do volume do cérebro e as diferenças em relação à caixa

craniana, além da melhor adaptação ao andar bípede e à postura ereta. O Javantropo,

o Sinantropo e o Paleantropo são citados como os exemplares mais conhecidos, sendo

que, junto ao Sinantropo, segundo o texto, há uma associação de grande quantidade de

material produzido em pedra, “[...] demonstra(ndo) o seu elevado estágio de

desenvolvimento.” (ARRUDA, 1976, p. 31).

Para o Homo neanderthalensis há também o registro de suas características

físicas, com destaque para a capacidade craniana excepcionalmente elevada. O clima

frio levou-o à busca de abrigo em cavernas, nas quais “[...] deixaram inúmeros traços

de sua existência.” sem especificar de que tipo. (ARRUDA, 1976, p. 31).

Sobre o Cro-Magnon, o último estágio apresentado, Arruda (1976), registra a

chegada ao “Homo sapiens”38 por volta de 40 mil anos a.C., com características muito

diferentes do Homem de Neanderthal. “Sua grande capacidade craniana demonstra um

elevado grau de inteligência, da qual deu provas através do aperfeiçoamento da arte,

da magia e da vida social.” (ARRUDA, 1976, p. 31).

38
Ele deve querer dizer, aqui, Homo sapiens sapiens, pela datação que apresenta. O Homo sapiens
pode ser ainda entendido, como em Braidwood (1988, p. 33), o H.s.Neanderthalensis.
98

Somente a mediação do professor poderia ligar esses aspectos – arte, magia e

vida social – à produção de instrumentos e à arte rupestre, apontados no capítulo

“Padrões culturais da Pré-História”.

O material arqueológico disponível sobre os tipos hominóides conhecidos já era

razoavelmente grande no início da segunda metade do século XX, quando Arruda

(1976) escreve seu livro didático. Das sete referências bibliográficas registradas ao final

do livro, para o capítulo de Pré-História, três tratam da evolução física e as outras

quatro privilegiam a compreensão das características sócio-culturais. As obras são de

inclinação eminentemente antropológica, o que se revela no texto didático, dando

destaque à descrição do modo de vida das comunidades primitivas, especialmente a

partir do Paleolítico Superior. Em relação às características físicas, elas são apontadas,

especialmente a partir do estudo de restos de crânios e outros fragmentos ósseos, mas

são dados acessórios.

Ao encerrar a discussão em torno da origem do Homem, Arruda (1976) destaca,

mais uma vez, a importância do desenvolvimento da capacidade craniana no processo

de transformação dos hominídeos. Isso porque identificar os diferentes “estágios” da

evolução humana a partir da descrição dos aspectos físicos dos restos encontrados foi

o método mais seguro, pelo menos até o aprofundamento dos estudos em Genética.

Vários autores consultados por ele39, assim como outras obras40, contemporâneas ou

não, ocupam-se de descrição minuciosa das semelhanças e diferenças entre cada um

dos estágios, nem sempre ligando as implicações morfológicas aos impactos nas

características da vida social.

39
Como LEROI-GOURHAN, André e outros. La pré-histoire. Paris, 1966; LINTON, Ralph. O Homem:
uma introdução à Antropologia. São Paulo, Livraria Martins, 1971; MUSSOLINI, G. Evolução, Raça e
Cultura. São Paulo, Companhia. Editora Nacional, 1969; e TAX, S. e outros. Panorama de
Antropologia. São Paulo, Fundo de Cultura, 1966.
40
Como LEAKEY, Richard. A Origem da Espécie Humana. Rio de Janeiro, Rocco, 1995;
BRAIDWOOD, Robert. Homens Pré-Históricos. 2. ed. Brasília, UnB, 1988; CHILDE, Gordon Vere. A
Evolução Cultural do Homem. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971, por exemplo.
99

Nesse sentido, a obra de Braidwood (1988) é de grande auxílio. De forma

bastante didática, ele discorre sobre os hominídeos, evidenciando o(s) pesquisador(es),

os locais onde foram encontrados. Descreve as características físicas de cada um e

acrescenta alguns dados de caráter cultural. Dos Australopithecus, apenas para

exemplificar, afirma terem sido fabricantes – ou pelo menos usuários – de ferramentas,

serem bípedes e terem passado por crescimento do crânio e redução dos caninos.

Arruda (1976) reforça ainda o alerta para a lacuna que existe na história da

Paleontologia dos homínidas, afirmando que só a localização de mais material fóssil

poderá completar o quadro dos antepassados do Homem. Vale lembrar, novamente, o

ritmo com que os conhecimentos científicos são incorporados aos textos didáticos.

Nesse sentido, é importante frisar que os estudos acerca das origens da humanidade,

apenas recentemente deixaram de procurar o “elo perdido” no processo de

hominização. E, para dar mais ênfase à necessidade de mais pesquisas na área, há um

texto de leitura complementar, ao final do capítulo, extraído da obra de Linton (1968),

que destaca justamente as lacunas sobre o conhecimento dessa fase da vida humana.

Mesmo com uma série de outras publicações mais recentes, inclusive traduzidas para o

português, o autor, identificado na página de rosto do livro didático como professor de

cursos universitários, faz referência a um texto datado de 1941 que, não desmerecendo

sua importância histórica e historiográfica, já estava superado em muito na atualidade

das informações sobre o tema enfocado. Essa dificuldade de atualização contribui para

o distanciamento do ‘mundo real’ e o desinteresse por parte do aluno para com a

dinâmica da escola e da sala de aula e, por outro lado, permite a cristalização de certa

verdade que o sistema educacional pretende cristalizar.


100

3.2 CRIACIONISMO OU EVOLUCIONISMO: SERÁ ESTA A QUESTÃO?

‘Origem do Homem’ ou ‘aparecimento do Homem’ são as referências que Saroni

e Darós (1979) fazem, ainda no capítulo introdutório, ao definirem os conceitos que

serão utilizados mais adiante.

No Painel de Anotações, que encerra e relembra pontos importantes da

Introdução, aparece a seguinte citação: “[...] foi na Pré-História (fase dos documentos

não-escritos) que o Homem apareceu sobre a Terra, organizando-se em famílias e em

grupos maiores.” (ARRUDA, 1976, p. 11). Essa expressão “o Homem apareceu” sugere

uma ação mágica, instantânea e não o resultado de uma série de fatores biológicos,

climáticos em interação com a própria ação humana.

Figura 10 – Escala de Evolução do Homem

Fonte: História das Civilizações (SARONI e DARÓS, 1979, v. 1, p. 28).


101

No primeiro capítulo, ‘Os Primórdios das Sociedades Humanas’ a questão da

origem do Homem não aparece no corpo do texto, e sim, apenas no final, durante os

exercícios de fixação.

Na coluna Amplie seus Conhecimentos está a imagem clássica do ‘macaco se

levantando e se transformando em Homem’, identificando cada um dos exemplares,

conforme a Figura 10.

Ela mostra os estágios evolutivos e contribui para a formação ou a cristalização

da idéia de evolução etapista, na qual cada novo estágio supera o anterior, em direção

ao Homem moderno, o ápice da evolução. A lista, ao lado da imagem, mostra que o

processo inicia com o Proconsul e termina com o Homem de hoje, identificando, no

caminho, o Driopiteco, o Ramapiteco o Australopiteco, o Pitecantropo, o Homo sapiens,

o Homem de Neandertal e o Homem de Cro-magnon.

É interessante destacar que o representante australopitecíneo empunha um

pedaço de pau, o Homo sapiens (que vem registrado simplesmente assim) aparenta ter

um machado ou uma lasca na mão esquerda e os homens de Neandertal e Cro-

magnon carregam instrumentos mais elaborados.

Aqui fica flagrante a ligação entre evolução física e cultural, especialmente

porque parecem caminhar, da esquerda para a direita, como é nosso costume escrever.

Além disso, o ‘passo’ está sendo dado com a perna direita, deixando cobertos os

órgãos genitais.
102

11 – Árvore genealógica da humanidade

Fonte: História das Civilizações (SARONI E DAROS, 1979, v. 1. p. 29).

Logo em seguida, no topo da outra página, têm-se uma ilustração encabeçando

o texto da Revista Manchete, reproduzido aqui na Figura 11. Em forma de árvore

genealógica, a imagem é apresentada como gráfico, partindo da representação do

Driopithecus, e chegando ao ‘Homem de hoje’. A orientação do exercício é para que o

texto seja lido, observando o gráfico, que localiza cada um dos hominídeos. Com essa

simples orientação, portanto, os autores do livro didático esperam que as informações

do texto contribuam para o entendimento da imagem e vice-versa.

Essa compreensão não pode ser completa uma vez que o Homo sapiens, por

exemplo, está na ilustração, mas sequer foi citado no texto. As datas apontadas para o

início de cada espécie que gerou o ‘Homem de hoje’, também indicam a concepção de

Evolucionismo unilinear e a preocupação de encontrar os elos desse processo

evolutivo. Há também o ramo dos “macacos modernos” e mais outro, que produziu os

Australopithecus e outros, também já extintos.

O texto, transcrito da Revista Manchete (1977), não apresenta identificação de

autor ou título e é utilizado para um exercício de fixação com três questões objetivas.

Inicia explicitando tratar-se dos resultados de pesquisas elaboradas pelos antropólogos.


103

Apresenta a constituição da ‘árvore genealógica do Homem’, cujo mais antigo

representante é o Dryopithecus, com idade aproximada de 20 milhões de anos, seguido

do Gigantopithecus e do Ramapithecus. Um hiato de 3 milhões de anos e surge o

Australopithecus, seguido do Homo habilis.

As habilidades próprias de cada uma das espécies citadas vão sendo

apresentadas, privilegiando-se os aspectos de obtenção de alimentos, fabricação de

instrumentos e as transformações físicas daí decorrentes. O texto, transcrito da Revista

Manchete, afirma que,

O Australopithecus africanus, lutando para aumentar seu suprimento de


alimentos, começou a se tornar carnívoro, não caçando, mas se aproveitando
das carniças ou restos deixados por outros grandes predadores. Enquanto isso,
o Australopithecus robustus, por seu lado, continuava a ser vegetariano.
Ambos acabaram por desaparecer, incapazes de competir eficazmente com os
grandes predadores, ou como o Homo, que começava a se afirmar. (REVISTA
MANCHETE apud SARONI e DARÓS, 1979, p. 29).

Qual é a importância de fazer o registro das diferenças entre os dois tipos de

Australopithecus num texto tão pequeno? Certamente para destacar que, mesmo a

existência de diferentes soluções para a obtenção de alimentos não foi suficiente para

permitir mais longevidade à espécie, que desaparece para dar lugar ao ‘primo’ Homo

habilis. Este último aparece na árvore genealógica, mas não na outra imagem e é,

seguramente, mais ‘evoluído’ por ter cérebro maior, o que garante maiores

possibilidades de construir alternativas aos perigos a enfrentar.

Saroni e Darós (1979) citam na bibliografia ao final da obra três livros que tratam

da origem e da evolução humanas. Trata-se de Childe (1977)41, Clark (1985)42 e

41
Trata-se de O Que aconteceu na História, consultada em sua 4ª edição de 1977, editada pela Zahar.
No seu primeiro capítulo, aborda a “Arqueologia e a História”, destacando como surgiu e evoluiu o
Homem.
42
“A Pré-História”, de 1963, também publicada pela Zahar, em seu primeiro capítulo, “O Lugar do
Homem na Natureza” apresenta o meio físico e a evolução biológica.
104

Varagnac (1963)43. Leakey (1995), apesar de ter sido citado no texto transcrito da

Revista Manchete (1977), não consta como consultado.

Como cada um desses autores apresenta a questão? Childe (1971), como já foi

registrado aqui, faz uma coerente apropriação dos postulados de Engels (1976) e

Morgan (1976), é mais importante dedicar-se à compreensão dos diversos tipos de

cultura produzidos pelas comunidades primitivas, do que ater-se à descrição detalhada

das características físicas de cada um dos hominídeos44. Exatamente por estar

convencido desse processo evolutivo é que afirma que a Pré-História é,

[...] uma continuação da História Natural. Esta última [a Pré-História] estuda nos
registros geológicos a ‘evolução’ das várias espécies de criaturas vivas, como
resultado da ‘seleção natural’ - a sobrevivência e multiplicação daqueles
fisicamente adaptados ao seu meio. O homem é a última grande espécie a
surgir, e nos registros geológicos seus restos fósseis são encontrados nas
camadas superiores e neste sentido literal ele é o produto mais alto daquele
processo. (CHILDE, 1977, p. 9-10).

Nesse pequeno trecho fica evidente seu compromisso com uma História que é

contínua, em que a espécie humana é parte de um processo de transformação,

implicando em adaptações, sobrevivências e desaparecimentos. Reconhece, também,

que a humanidade é o ‘produto mais alto desse processo’, denotando a superioridade

que a racionalidade de nossa espécie possibilita.

Já Clark (1962), concentra as informações sobre a evolução biológica num

capítulo, O Lugar do Homem na Natureza, apresenta uma proposta de árvore

genealógica para a família Hominidae, citando a proximidade biológica com os

Pongidae e destacando a importância da posição ereta para o longo caminho em

direção ao Homem atual. Registra os três gêneros principais: Australopithecus,

Pithecantropus e Homo, citando locais onde foram encontrados os fósseis e suas


43
Organizador de extensa e detalhada obra “O Homem antes da escrita”, publicada em português pela
Edições Cosmos, em 1963, apresenta no Livro I – As origens do Homem. Os caçadores, um texto de
Camille Arambourg sobre os dados da Paleontologia Humana.
44
É por isso que o título dos capítulos reporta essa apropriação, incorporando também a periodização
proposta por Thomsem: A Selvageria Paleolítica, A Barbárie Neolítica a Barbárie Superior a Revolução
Urbana na Mesopotâmia, A Primitiva Civilização da Idade do Bronze no Egito e Índia [...].
105

características físicas. Todos os capítulos que seguem, apresentam as ‘culturas’

paleolítica e neolítica, assim com a ascensão à civilização, em diversas partes do

Planeta evidenciando, também, uma apropriação dos períodos culturais de Thomsem.

Para Arambourg que aborda sobre ‘Os Dados da Paleontologia Humana’ na obra

dirigida por Varagnac (1963), tratar da Pré-História ou da origem do Homem é estar

atento e ligado à evolução da biosfera. Para ele é possível, no atual estágio das

pesquisas, leia-se década de 1960, “[...] compreender como é que o Homem, longe de

ser um isolado zoológico na Natureza, se liga estreitamente ao resto do Mundo vivo, e

como é que a História das suas origens se enraíza cada vez mais profundamente no

Tempo.” (VARAGNAC, 1963, p. 11-2).

Essa ligação não está, no entanto, explícita ou implicitamente colocada pelos

autores do livro didático em análise. Ao contrário, eles afirmam que a História revela

todo o esforço do Homem “[...] na conquista dos recursos da Natureza, no domínio do

meio ambiente, na valorização pessoal do indivíduo e na sua integração em

comunidade.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 11).

O texto de Arambourg possibilita outras reflexões pertinentes. É o capítulo de

uma obra que compõe a coleção ‘Rumos do Mundo’, sob a direção de Febvre e

Braudel (1978). Na ‘Introdução Geral à Coleção’, Braudel incentiva o pesquisador a

fazer mudanças de observatório, pois “[...] elas restituem à História Geral e aos nossos

resumos monocromáticos as cores fundamentais em que se decompõe a vida dos

homens, dos povos e das civilizações.” (VARAGNAC, 1963, p. XXII).

Ao assinar o prefácio de “O homem antes da escrita, sentencia o fim de uma

idade da humanidade.”, a idade da Escrita, ou melhor, da Escrita sozinha e soberana.”

(VARAGNAC, 1963, p. 1).


106

Essa posição defendida pelos historiadores dos Annales, não só de lançar outro

olhar sobre a História, mas principalmente, uma deliberação de trazer para a História,

‘os povos sem história’, leia-se, sem escrita, ilumina todo o período comumente

chamado Pré-História. Essa disposição aliada à ressignificação do conceito de

documento, não só permite como exige dialogar com outras áreas do conhecimento, o

que vem contribuindo para a desconstrução de preconceitos em relação às sociedades

não-ocidentais. Nada mais significativo nessa postura do que a trilogia assinada por Le

Goff e Nora (1995), História: novos problemas, novas abordagens, novos objetos.

Muitos pesquisadores, a partir disso, voltam suas atenções para a Pré-História.

É preciso destacar e comentar outro argumento do texto jornalístico transcrito no

livro didático em questão. Tratam-se das explicações bíblicas para a origem do Homem.

Na Idade Média, afirma o texto, o Gênesis era suficiente resposta. Estudiosos se

debruçaram em identificar a distância temporal dessa origem, até que,

[...] James Ussher, Arcebispo de Armagh, em 1650 decidiu determinar quando


esse dia [o sexto dia, da criação do homem] ocorrera. Calculando às avessas,
com base em todas as datas bíblicas, chegou à conclusão de que o homem
fora criado 4004 anos antes de Cristo. John Lightfoot, professor do St.
Catherine College, da Universidade de Cambridge, pouco depois fixou esse
momentoso acontecimento com precisão ainda maior: ocorrera num dia 23 de
outubro, às 9 horas da manhã. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 29).

Ao afirmar que a leitura bíblica acerca da origem do Homem é uma leitura

medieval, o texto sugere que está ultrapassada, pela quantidade de informações vindas

de pesquisas científicas. Sem dúvida, a riqueza de informações que o texto jornalístico

contém não é devidamente explorada, pois serve apenas de apêndice ao restante do

conteúdo e não é comentado com olhar crítico. Exige um profundo trabalho

complementar do professor, a fim de ter as principais questões incorporadas ao

universo dos alunos.


107

Encerrando o texto transcrito, uma reprodução de fala do pesquisador Leakey

(1995), que é oportuno citar pela lucidez e atualidade, passados já quase 30 anos.

As pessoas acreditam que podem sobreviver mesmo cometendo erros sobre


erros, só porque somos humanos. Mas a verdade é que não vivemos sozinhos.
Milhares de organismos vivos já desapareceram. E nada prova que não
possamos desaparecer também. (...) O homem é o único organismo capaz de
refletir sobre seu passado e seu futuro. Essa capacidade de refletir, é o que
nos permite planejar o futuro de tal maneira que possamos evitar o que parece
inevitável. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 29).

Essas palavras possibilitam retomar o texto de Morin (2000), citado na epígrafe

deste capítulo. As contradições da era planetária que vivemos hoje começaram a ser

esboçadas a partir das grandes navegações do séc. XV e dos desenvolvimentos

científicos e tecnológicos produzidos a partir do séc. XVIII.

Segundo Morin (2000), no entanto, essa ‘era planetária’ exige, para a

sobrevivência da espécie humana e do próprio planeta, a constituição de uma ética

também planetária, uma vez que ele alerta que “[...] enquanto o europeu está neste

circuito planetário de conforto, grande número de africanos, asiáticos e sul-americanos

acha-se em um circuito planetário de miséria.” (MORIN, 2000, p. 68).

Infere-se então que hoje é desejável, e mesmo necessária, essa volta às origens,

às raízes, numa busca pelo reencontro da identidade terrena e pela construção de uma

ética planetária.

3.3 O HOMEM SE FEZ HOMEM

O livro didático de Aquino, Franco e Lopes (1980) iniciam com a pergunta “Quem

somos nós?” Apresenta as características que, segundo eles, constituem a humanidade


108

conforme a conhecemos na atualidade. Mantendo um diálogo constante com o leitor,

instigam-nos a refletir sobre os fatores que contribuíram para que o Homem se fizesse

Homem: seria apenas uma questão biológica? Ou certo grau ou potencial de

sensibilidade? Ou ainda a capacidade de criar cultura? Para os autores, “[...] a distinção

entre o Homem e os animais só começou a existir quando os homens iniciaram a

produção dos seus meios de vida, passo à frente que só foi possível, é claro, em

conseqüência da sua organização corporal.” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p.

52).

Os autores não fazem a citação de um texto de Engels (1976), o qual parece ter

influenciado a sua postura teórica, quanto ao papel do trabalho na criação do Homem. O

atual estágio das pesquisas no campo da Paleontologia já recoloca a questão de outra

forma, não lhe tirando o caráter de reflexão inovadora à época e que, pela análise

marxista assumida pelos autores do livro didático, parece estar presente, ressignificado

por influência também de outras leituras.

Ao discorrer sobre as diferenças entre homens e animais, os autores identificam

semelhanças no fato de que em ambos há transformações e diferenças pela origem

destas: no animal, elas se dão na espécie a que pertence e, no Homem, por

deliberação, ato racional, querer, bem como pela compreensão de sua própria

historicidade. E esta, por sua vez, lhe possibilita dar “[...] respostas aos obstáculos à

existência [que] podem ser completamente diferentes de um grupo para o outro.”

(AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 54).

A criatividade e a iniciativa são as marcas da humanidade e, por isso, os autores

qualificam o Homem como produto e produtor de cultura. Trabalham com o imaginário

do aluno/leitor ao descrever o prazer de produzir seus próprios instrumentos. “[Você] já

sentiu a emoção de ver um trabalho seu pronto e sendo usado todos os dias? Imagine o
109

que sentiam nossos ancestrais ao descobrirem todas essas coisas. Ao sentirem que

eles estavam construindo o mundo!” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 58).

Essa tônica perpassa todo o capítulo. Ao reconhecer a fragilidade física dos

seres humanos em relação aos outros animais, identifica na sua atitude criativa e

inventiva a partir de sua capacidade de abstração, a força em superar os obstáculos que

a Natureza lhes colocava. Trabalhando com as obras de Ostrower (1978)45, Childe

(1971) e Varagnac (1963) constroem sua argumentação, de que “[...] o homem, assim,

faz sua própria cultura. Num certo sentido, pode-se dizer que da fragilidade do homem

nasceu a sua própria força.” (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, 63).

Figura 12 – O Homem se faz Homem

Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, v. 1, p. 51).

45
A obra de Ostrower consultada é Criatividade e Processos de Criação, publicada pela ed. Vozes em
1978.
110

Observe-se na reprodução acima, que a figura humana está sempre em ação e

acompanhada de instrumentos, ou seja, interagindo e modificando a Natureza em seu

benefício.

Essa imagem remete à fala de Diniz (2001), para quem as imagens são

simbolizações construídas histórica e socialmente, idealizando um campo de

significação. Ele afirma que “[...] nas formas visuais que se pretendem objetivas,

racionais, metódicas, o imaginário manifesta-se em surdina, explicitando por uma

segunda ou várias interpretações além da que se apresenta e é reconhecida como tal.”

(DINIZ, 2001, p. 116).

Com esse olhar, a imagem, mais do que mostrar a ação do Homem sobre a

Natureza, reforça a idéia de que ele se fez Homem por meio dessa ação.

O critério adotado neste trabalho a fim de identificar o processo físico de

hominização, para Aquino, Franco e Lopes (1980), não ocupa mais de três parágrafos,

dando conta dos resultados das pesquisas, da necessidade de mais aprofundamento e

dos consensos entre pesquisadores. A importância da descoberta de métodos de

datação também é citada como auxiliar importante para os estudos do período. Apesar

disso, opera com uma datação extremamente defasada para o Homo sapiens: 25 mil

anos, ‘segundo o registro geológico’, deixando entrever que, efetivamente, essas não

são questões centrais de suas reflexões.

Os tipos Ramapithecus, Australopithecus, Pithecantrous e Paleontropus são

citados em descobertas feitas na África do Sul, Java, Pequim, Alemanha, Quênia e

Etiópia. Por essa abordagem fica ainda mais marcada a posição dos autores. Para eles,

mais do que características físicas em transformação, o que importa são as

características culturais, ou seja: a hominização vai se processando na medida em que


111

o Homem desenvolve a capacidade de abstrair situações e se comunicar, de fabricar

instrumentos, de vagarosamente, dominar a Natureza. Em uma palavra: criar.

Mais do que nos capítulos anteriores, fica bastante evidenciado ao discutir as

origens da humanidade, o que Borloz (1990), apontou como sendo o desafio central do

professor ao trabalhar os conteúdos de Pré-História: ensinar a lidar com a

transitoriedade, isto é, com a historicidade dos conhecimentos, não só porque a História

se constrói a cada dia mas, especialmente, porque muitas pesquisas estão em

andamento. As técnicas de laboratório e o diálogo entre as diferentes áreas do

conhecimento aumentam a cada dia, propiciando novos olhares, novas leituras desse

processo de hominização.

Referente às origens da humanidade, os autores apresentam os resultados das

pesquisas arqueológicas ordenadas segundo uma concepção - a darwinista, da

evolução linear – fazendo o registro de que muito ainda há que caminhar nesse campo.

A hipótese de que os humanos modernos surgiram na África e, a partir de lá

ocuparam todos os outros ´cantos´ do Planeta, está hoje sendo reavaliada. A idéia da

linearidade evolutiva há muito foi descartada. Mas, salvo engano, permanece presente

no imaginário do aluno, se considerado o texto didático disponível para estudo. Essa

postura crítica, apenas registrada, não significa o avanço em direção a uma alternativa,

uma vez que, no desenrolar do texto, mantém a descrição dos estágios evolutivos,

como se se tratasse de um processo único, contínuo e progressivo. Como a cultura

material é elemento fundamental para a (re)construção desse passado, os aspectos

relativos às características físicas de cada hominídeo vão sendo descritos com o

máximo de detalhes possíveis, enaltecendo o aparecimento das características cada

vez mais próximas às modernas, pertencentes ao “Homo sapiens sapiens”.


112

Todos os autores fazem o registro de que os dados disponíveis sobre a questão

ainda são precários, necessitando de mais pesquisas para oferecer conhecimentos

mais seguros. Por outro lado, essa falta de dados não impede o ato de rechaçar as

explicações criacionistas. Nesse sentido, é preciso registrar que todo o século XX é

riquíssimo em pesquisas e novos dados sobre o tema.

Um bom trabalho, com caráter de panorama das investigações científicas em

torno da hominização, é a publicação de um número especial da revista Scientific

American Brasil com o tema Novo Olhar sobre a Evolução Humana. O novo olhar

anunciado no título está sendo possível graças ao aprofundamento das pesquisas que

contam, não só com a continuidade das pesquisas arqueológicas em diversas regiões

do Planeta, mas também, e principalmente, com uma parceria importante: os estudos

genéticos. Com eles, a árvore genealógica foi redesenhada, ficando muito mais

‘frondosa’ e apontando para a coexistência de várias espécies, tanto na África como na

Europa, situação que o Evolucionismo unilinear não suportou, caindo também em

descrédito.

A ‘aparente’ oposição ciência X religião é apontada – como não poderia deixar

de ser – pela obra de Saroni e Darós (1979). Tendo sido publicada pela F.T.D., uma

editora católica, coloca a discussão dessa dicotomia no espaço da sala de aula,

exigindo reflexões cuidadosas por parte dos professores, a fim de que, perante as

novidades apresentadas pelas ciências, o aluno não opte pela segurança da tradição

religiosa construída a partir das relações familiares.

A tradicional representação da evolução, com o ‘macaco se levantando’ até

chegar ao Homem atual, fruto dessa visão evolucionista unilinear, aparece em apenas

uma das obras pesquisadas, mas todas elas procuram construir uma árvore

genealógica para a humanidade, conforme está apontado com a reprodução das


113

imagens. Para fortalecer a idéia de o texto estar acompanhando as mais recentes

pesquisas, há a publicação de vários trechos de textos científicos, atestando a

veracidade das informações. No entanto, nenhuma dessas transcrições aponta para

novas hipóteses que contemplam a coexistência de múltiplas espécies, por exemplo, o

que colocaria por terra a análise unilinear.

Por fim, está claro que o livro didático, ao adequar os conhecimentos científicos à

realidade educacional, o que se convencionou chamar de transposição didática, o faz

com certo atraso. Tanto as pesquisas arqueológicas quanto os avanços nas Ciências

em geral têm contribuído com alterações significativas acerca desse tema, mas essas

não aparecem claramente, merecendo apenas referências evasivas e veladas.

De todos os desafios colocados quando ficou definido o teor desta pesquisa,

certamente essa é a questão mais delicada, que mais envolve explicitar uma postura

ideológica, pois que, qualquer que seja a posição adotada pelo professor em sala de

aula, haverá sempre polêmica. A descrição das características físicas de cada um dos

hominídeos pode não causar mais nenhum incômodo. No entanto, quais delas,

exatamente, constituem ou definem um hominídeo? Qual a responsabilidade que nós,

homens modernos, temos para com o futuro de nossa espécie e com a do Planeta?
114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O futuro é algo que jamais existiu antes.

E quando o número de possibilidades concretas aumenta,

os futuros possíveis

são mais numerosos e ficam mais perto de nós,

porque o presente conflitivo

é um terreno fértil.

Milton Santos46

Debruçar-se sobre o livro didático, sua historicidade, suas intenções e

representações é, e continuará sendo uma tarefa importante, especialmente para

educadores. Identificar os conceitos e preconceitos construídos a partir das

apropriações feitas às ciências pelos autores dos livros didáticos, num intrincado mar

de interesses que passam pela economia (pois que livro é mercadoria), política (é

carregado de ideologia e deve atender à legislação educacional) e pedagogia (na

linguagem, nos conteúdos, ilustrações e exercícios que propõe), torna-se um desafio

poucas vezes encarado pela comunidade que produz e consome o livro didático.

46
SEABRA, Odete, CARVALHO, Mônica e LEITE, José Corrêa. Território e Sociedade: entrevista com
Milton Santos. 2. ed. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 71.
115

No presente trabalho, ao propor a análise do livro didático de História, em seu

conteúdo de Pré-História, o recorte feito possibilitou um olhar mais atento sobre três

variáveis: o tempo histórico, o espaço geográfico e as origens da humanidade, em

obras produzidas e adotadas/consumidas nas décadas de 1970 e 1980, permitindo as

seguintes considerações:

O tempo de produção e utilização das obras analisadas é um tempo de

sombras, silêncios e resistências. Nesse período, para controlar e normatizar a

elaboração de livros didáticos, foram criadas algumas instâncias nas estruturas de

poder, a fim de garantir tanto os detalhes técnicos da fabricação dos livros como a linha

teórico-metodológica das obras destinadas a fins educacionais. O objetivo confesso era

proporcionar acessibilidade a toda população estudantil, incluir os recém migrantes das

regiões rurais e padronizar currículos, conteúdos e metodologias de acordo com a

legislação vigente. Em poucas palavras: homogeneizar o conhecimento escolar.

Essa homogeneização, no entanto, só pode ser controlada em parte, porque o

texto, uma vez publicado e alcançado pelo leitor, será sempre reinterpretado, alterando

a mensagem original do escritor. Mesmo no mundo escolar, em que o professor é

encarregado de mediar a relação aluno - conhecimento, esse movimento de

ressignificação acontece. E poderá ser mais rico, quanto mais aberto estiver o professor

a lidar com os saberes do aluno, a ciência e o mundo escolar.

No que diz respeito aos conteúdos específicos da Pré-História, não se percebeu

interferência da conjuntura política sobre a sua produção e veiculação no texto didático.

Arruda (1976), logo na introdução do seu livro, abre bem o leque teórico, colocando sob

o prisma temporal as diferentes escolas historiográficas. Saroni e Darós (1979)

privilegiam o legado cultural de cada uma das sociedades enquanto Aquino, Franco e

Lopes (1980), utilizam o arcabouço teórico marxista com desenvoltura. Foi possível
116

observar como cada um dos livros analisados, usando como referência primeira a

História Metódica, procurou ressignificar datas, períodos e conceitos, omitindo ou

acrescentando informações, bem como destacando aspectos que fortalecem a opção

teórica dos autores.

Um registro importante a fazer diz respeito ao material imagético utilizado. A

reprodução de quadros, mapas e imagens de objetos foi bastante utilizada em Arruda

(1976) e Saroni e Darós (1980), mas pouco explorada nos textos. De modo geral,

parecem apenas ilustrar, e não instigar também a reflexão do leitor. Uma imagem, seja

ela uma pintura em parede de caverna, um mapa ou um gráfico reproduzindo o

processo de hominização está impregnada de sentidos. Foi produzida com uma

intenção e o leitor pode lhe dar outra, como de resto também o texto escrito, se Chartier

(1990), for levado em consideração.

A importância da Pré-História em sala de aula?

Para além do texto didático, há muitos discursos a (re)construir. Se, por um lado

é preciso socializar as descobertas científicas, por outro, essa socialização via material

didático se faz com alguma demora. Apontar a necessidade de mais pesquisas para dar

mais segurança ao discurso científico e não dizer de como o que já existe foi construído

é também desconsiderar a ciência. Esse é um tema privilegiado entre todas as áreas do

conhecimento, pois dá a conhecer o longo trajeto que a humanidade já trilhou para

chegar onde está. E também para respeitar todas as dores e alegrias, avanços e

recuos, vergonhas e orgulhos, já vividos. Não é pouco o tempo e nem poucas foram as

experiências que devem ser valorizadas. Exercitar a tolerância aos diferentes é um

desafio, um futuro possível, como pediu Santos (1997), na epígrafe.

E para concluir provisoriamente, fica uma certeza, dentre tantas situações

provisórias: a de que esses foram os primeiros passos num terreno extremamente fértil
117

de possibilidades para a investigação acadêmica. Do ponto de vista bibliográfico, ficou

claro que o campo da Pré-História prescinde de mais trabalhos de sínteses regionais,

de calibração de dados, de eventos em que se promova a apresentação e o debate de

novos resultados de pesquisas, além de mais espaço nos currículos da graduação,

especialmente nas licenciaturas. Do ponto de vista do trabalho docente, as reflexões

sobre o discurso do texto didático apontaram a necessidade de uma mediação mais

intensa do professor, aproximando do aluno, um conteúdo tão distante e,

paradoxalmente, tão próximo do seu cotidiano. Este é ´o´ momento para incorporar

essa discussão, seja na academia, na escola ou na(s) cidade(s): discute-se tão

acaloradamente, por exemplo, a antigüidade do Homem na América, seus roteiros de

entrada no continente e suas origens. Em termos regionais, o complexo estuarino da

Baía da Babitonga, no litoral norte de Santa Catarina, apresenta uma das mais ricas

regiões do País em ocupação pré-colonial, especialmente as chamadas sociedades

sambaquianas.

O envolvimento da(s) universidade(s) em parceria com as instituições de

pesquisa e preservação do patrimônio histórico e pré-colonial, certamente significarão

um avanço, não só para a ciência, mas, principalmente, para uma prática social mais

engajada. Conhecer essas realidades culturalmente tão diferentes certamente

contribuirá para o exercício da plena Democracia que pressupõe, entre outras coisas, o

acesso à informação. Agora, resta aguardar, com grande expectativa, as novas

significações que serão dadas a essas reflexões.


118

REFERÊNCIAS

Obras analisadas

AQUINO, Rubim. FRANCO, Denise e LOPES, Oscar. História das Sociedades: das
comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico,
1980.

ARRUDA, José Jobson. História Antiga e Medieval. São Paulo, Ática, 1976.

SARONI, Fernando e DARÓS, Vital. História das civilizações: Pré-História,


antigüidade oriental, antigüidade clássica, Idade Média. São Paulo, FTD, 1979.

Obras consultadas

ALMEIDA, Rosângela e PASSINI, Elza. O espaço geográfico: ensino e representação.


São Paulo, ed. Contexto, 1999.

BALDISSERA, José Alberto. O livro didático de História: uma visão crítica. 4.ed.
Porto Alegre, Evangraf, 1994.

BESSELAAR, J.J. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo, 3. ed., EPU. 1973.

BITTENCOURT, Circe. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do


saber escolar. São Paulo, USP, 1993. Tese de doutorado.

___________________ (org.) O Saber histórico em sala de aula. São Paulo,

Contexto, 2001.
119

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de


Política. Brasília, 8. ed., vol.2, UnB, p. 986, 1995.

BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de


Janeiro, Sextante, 2002.

BORLOZ, Alexis Acauan. Sobre o ensino de Pré-História. In: Revista catarinense de


História. Florianópolis, ANPUH, ano I, nº 1, p. 85, maio de 1990.

BURKE, Peter (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo, Ed.
UNESP, 1992.

BRAIDWOOD, Robert J. Homens pré-históricos. 2. ed. Brasília, UnB, 1988.

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo, Perspectiva, 1978.

CADERNOS DA GRADUAÇÃO. IFICH/UNICAMP. O Negro em folhas brancas.


Campinas, nº 2, 2002.

CASTRO, Iná, GOMES, Paulo Cesar, CORREA, Roberto (org.). Geografia: conceitos
e temas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. O Fenômeno humano. 3. ed. Porto, Livraria Tavares
Martins, 1970.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de


Janeiro, Difel, 1990.

_______________. Práticas de leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.

CHILDE, Gordon Vere. A evolução cultural do Homem. 2. ed. Rio de Janeiro,


Zahar, 1971.

___________________. Introducción a la Arqueologia. Barcelona, Ariel, 1973.


120

__________________. Para uma recuperação do passado. São Paulo, Difel, 1976.

___________________. O que aconteceu na História. 4.ed. Rio de Janeiro, Zahar,


1977.

CLARK, Grahame. A identidade do Homem: uma exploração arqueológica. Rio de


Janeiro, Jorge Zahar, 1985.

__________. A Pré-História. Rio de Janeiro, Zahar, 1962.

CLAVAL, Paulo. Espaço e poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.

____________. Geografia Cultural. Florianópolis, Ed. UFSC, 1999.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro, Francisco Alves,


1978.

CORACINI, Maria José (org.) Interpretação, autoria e legitimação do livro didático.


Campinas, Pontes, 1999.

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. São Paulo, EDUSC,
1999.

CUNHA, Luiz Antônio e GÓES, Moacyr de. O golpe na Educação. 6. ed. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1989.

CUNHA, Maria Teresa Santos. Armadilhas da sedução. Belo Horizonte, Autêntica,


1999.
DALLABRIDA, Norberto. A fabricação escolar das elites: o ginásio catarinense na
primeira república. Florianópolis, Cidade Futura, 2001.

DARWIN, Charles. The Descent of Man and Selection in Relation to Sex. London,
1871.
121

DECCA, Edgar Salvadori de. O nascimento das fábricas. 10. ed. São Paulo,
Brasiliense, 1995.

DIAKOV, V. e KOVALEV, S. A sociedade primitiva. Lisboa, Editorial Estampa, 1972.

DIEHL, Astor Antônio (org.). O livro didático e o currículo de História em transição.


Passo Fundo, Ediupf, 1999.

DINIZ, Airosvaldo da Silva. A Iconografia do medo. In: Imagem e memória. Rio de


Janeiro, Garamond, 2001.

DOBZHANSKY, Theodosius. O Homem em evolução. São Paulo, Polígono/EDUSP,


1968.

ELIAS, Norbert. O Processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar ed., vol. 1,1994.

ENGELS, Friedrich. Humanização do Macaco pelo Trabalho. In: ____. Dialética da


Natureza. 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.

________________. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 4.


ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no livro didático. 8. rd. São Paulo, Cortez, 1989.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro, ed. Nova Fronteira, p. 698, 1999.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar. Porto Alegre, Artes Médicas, introdução,1993.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 7. ed. São Paulo, Ed. Loyola, 2001.
122

FREITAG, Bárbara, COSTA, Wanderlei F. da e MOTTA, Valéria R. O livro didático em


Questão. 3. ed. São Paulo, Cortez, 1997.

FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Arqueologia. São Paulo, Ática, 1988.

Fundação Getúlio Vargas (FGV). Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro,


p.776, 1986.

GERMANO, José Willington. Estado militar e Educação no Brasil (1964-1985). 2.


ed. São Paulo, Cortez, 1994.

GLÉNISSON, Jean. Introdução aos estudos históricos. 3. ed. São Paulo, Difel,
1979.

GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e História. 2. ed.. Petrópolis, Vozes, 1998.

GUGLIELMO, Antonio Roberto. A Pré-História: uma abordagem ecológica. São


Paulo, Brasiliense, 1999.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 5. ed. São Paulo, Loyola, 1992.

HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. Ed.2. São Paulo, Mestre
Jou, 1972, tomo I.

HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A Invenção das tradições. São Paulo, Paz
e Terra, 1997.

HORKHEIMER, Max. A Revolta da Natureza. In: Eclipse da Razão. São Paulo:


Centauro, 2000.
HUNT, Lynn. A nova História Cultural. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

JOHNSON, Fredirick. Reflexiones sobre la importância de la datación


radiocarbónica. In: LIBBY, Willard F. Datación Radiocarbónica. Barcelona. Editorial
Labor, p. 167, c1970.
123

KOURY, Mauro Guilerme Pinheiro (org.). Imagem e memória: ensaios de Antropologia


visual. Rio de Janeiro, Garamond, 2001.

LAET, Sigfried de. A Arqueologia e a Pré-História. Lisboa, Bertrand, 1977.

______________, DANI, A. H., LORENZO, J. L. e NUNOO, R. B. (org.) A Pré-História


e o início da Civilização. Lisboa, Verbo, v. 1 de História da Humanidade, 2000.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. ed. São Paulo,
Ática, 2000.

LANTIER, Raymond. A vida Pré-Histórica. 2. ed. São Paulo, Difel, 1965.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2.ed. Campinas, Ed. Unicamp, 1992.

_______________. A História Nova. São Paulo, Martins Fontes, 1990.

________________ e NORA, Pierre. História: novos problemas. 4. ed. Rio de


Janeiro, Francisco Alves, 1995.

LE ROY LADURIE, Emmanuel. O Clima: a história da chuva e do bom tempo. In: LE


GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos objetos. 4. ed. Rio Janeiro, Francisco
Alves, 1995.

LEROI-GOURHAN, André. Os Caminhos da História antes da Escrita. In: LE GOFF,


Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1995.

LEROI-GOURHAN, André. Pré-História. São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981.

LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro, Rocco, 1995.


124

LIMA, Celso Piedemonte. Evolução biológica: controvérsias. São Paulo, Ática, 1988.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo, Cia. das Letras, 2001.

MOLINA, Olga. Quem engana quem? Professor X Livro Didático. 2. ed. Campinas,
Papirus, 1988.

MORAES, Antonio Carlos. Geografia: pequena História crítica. 18. ed. São Paulo,
Hucitec, 2002.

_____________________, COSTA, Wanderley M. da. Geografia crítica: a valorização


do espaço. 2. ed. São Paulo, Hucitec, 2002.

MORGAN, Lewis H. A sociedade primitiva. 2. ed. Portugal/Brasil, Presença/Martins


Fontes, vol. 2, 1976.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad.


Eloá Jacobina. Rio de Janeiro, 7.ed., Bertrand Brasil, 2002.

____________. O enigma do Homem: para uma nova Antropologia. Trad. Fernando


de Castro Ferro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979.

____________. Os sete saberes necessários à Educação do futuro. São


Paulo/Brasília, Cortez/UNESCO, 2000, p.50.

NASCIMENTO, Regina Maria Lassance de Oliveira. O conceito de tempo histórico


na formação inicial do professor de História. Florianópolis, dissertação de mestrado
em Educação da UFSC, 2002.

NEVES, Maria Aparecida Mamede. Ensinando e aprendendo História. São Paulo,


EPU, 1985.

NEVES, Walter e HUBBE, Mark. Luzia e a Saga dos Primeiros Americanos. In:
Scientific American. Novo olhar sobre a evolução humana. São Paulo, Edição
especial nº 2, p. 64-71, nov. 2003.
125

NOVAES, Adauto (org.) Tempo e História. São Paulo, Cia. das Letras, 1992.

OLIVEIRA, João Batista Araújo, GUIMARÃES, Sônia Dantas Pinto e BOMÉRY, Helena
Maria Bousquet. A política do livro didático. São Paulo, Summus, 1984.

PAIVA, Eduardo França. História & imagens. Belo Horizonte, Autêntica, 2002.

PEDROSO, Gelta Madalena Joncks. O ensino de História: da teoria à prática.


Blumenau, FURB, Dissertação de Mestrado em Educação, 1997.

PETITAT, André. Entre História e Sociologia: uma perspectiva construtivista aplicada


à emergência dos colégios e da burguesia. In: (revista) Teoria e Educação, n.6, Porto
Alegre, 1992.

PINSKY, Jaime (org.) O ensino da História e a criação do fato. 2. ed. São Paulo,
Contexto, 1990.

PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília, UnB, 1992.

REIS, Carlos Eduardo dos. História social e ensino. Chapecó, Argos, 2001.

REIS, José Carlos. Tempo, História e evasão. Campinas, Papirus, 1994.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 25.


ed. Petrópolis, Vozes, 1991.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado.


Porto Alegre, Artmed, 1998.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do Homem. São Paulo, Hucitec, 1997.


126

_____________. O Trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo. São Paulo, Hucitec,


1978.

SCHUCH, Vitor Francisco. Legislação mínima da Educação no Brasil. Porto Alegre,


Sagra, 1986.

SERRA, Elpídio. Noções de ‘Espaço’ e de ‘tempo’ em geografia. In: Boletim de


Geografia. Maringá, ano 2, nº 2, jan. 1984.

SILVA, Marcos A. da (org.). Repensando a História. 2. ed. Rio de Janeiro, Marco


Zero, [s.d].

SUGUIO, Kenitiro. Geologia do Quaternário e mudanças ambientais: passado +


presente = futuro? São Paulo, Paulo’s Comunicaçòes e Artes Gráficas, 1999.

TATTERSALL, Ian. Não Estávamos Sozinhos. In: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL.


Novo olhar sobre a evolução humana. São Paulo, Especial Evolução, nº 2, nov.
2003.

TELLES, Norma Abreu. Cartografia Brasílis ou: esta história está mal contada. São
Paulo, Edições Loyola, 1984.

TENÓRIO, Maria Cristina. Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ,
1999.

__________ e FRANCO, Teresa. (org.) Seminário para a implantação da temática


Pré-História no ensino de 1º, 2º e 3º graus. Rio de Janeiro, UFRJ/MN, 1994.

TOMAZI, Décio Dácio. Tempo, História e Cronologia. Revista & Ensino, Londrina, Vol.
8. Edição Especial, outubro de 2002.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo, Difel, 1983.

VARAGNAC, André. O Homem antes da Escrita. Lisboa, Edições Cosmos, 1963.

WHITROW, G. J. O tempo na História: concepções de tempo da Pré-História aos


nossos dias. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2003.

Вам также может понравиться