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Florianópolis/ SC
2004
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Florianópolis/SC
2004
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3
AGRADECIMENTOS
acabaram.
financeiro.
À Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha; com quem redescobri o encantamento
de qualificação.
Ao Prof. Dr. Norberto Dallabrida, que foi, na acepção mais completa da palavra,
Eduardo Galeano
6
SUMÁRIO
RESUMO .................................................................................................................. 08
ABSTRACT .............................................................................................................. 09
REFERÊNCIAS ........................................................................................................118
7
LISTA DE FIGURAS
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto o livro didático de História, mais especialmente o
capítulo de Pré-História, de livros publicados durante o período de vigência da Lei
5.692/71, para o Ensino Médio. Com o suporte teórico vindo especialmente de
Foucault, Chartier, Goodson e Bittencourt, procura perceber o discurso didático sobre
esse período histórico, a partir de três variáveis: o tempo histórico, o espaço geográfico
e as origens da humanidade. Enquanto a análise do discurso didático se faz à luz da
produção científica disponível no período, o que remete à transposição didática, o
trabalho vai dialogando com as questões mais recentes que mobilizam os
pesquisadores. Levando em consideração o poder que é conferido ao livro didático por
ser um discurso autorizado para a educação formal, nunca é demais perguntar: Qual é
o lugar da Pré-História no livro de História? É possível perceber a opção historiográfica
do(s) autor(es) nesse discurso? Os textos explicitam a historicidade do conhecimento
acerca do período? Qual a relação entre o texto escrito e as imagens? Os conteúdos
apresentados contribuem para perceber a condição humana em toda sua diversidade,
complexidade e historicidade? Estão a serviço da manutenção dos conceitos e
preconceitos historicamente estabelecidos? Essas são as principais perguntas às quais
se pretende responder por meio deste trabalho.
ABSTRACT
The present study aims to analyze the didactic history book as its objects, more
specifically the prehistorical chapter of High School books published while the Law
5.692/71 had been issued. With the theoretical support, especially on Foucault, Chartier,
Goodson and Bittencourt it tries to perceive the didactic discourse on this historical
period, under three variables: the historical time, the geographical space and the origins
of mankind. While the analysis of the didactical discourse is based on the cientifical
production available for the period, remitting to a didactic transposition, the work is in
dialogue with the more recent questions that mobilize the researchers. Taking into
consideration the power conferred to the didactical book, as authorized discourse for the
formal education, it is always opportune to ask: What is the place of Prehistory in the
History look? Is it possible to perceive the historiographic option of the author(s) in this
discourse? Do the texts explicit the historicity of knowledge regarding the period? What
is the relation between written text and the images? Do the contents presented
contribute to perceiving the human condition in all its diversity, complexity and
historicalness Do they serve to maintain historically preestablished concepts and
preconceptions? These are the outstanding questions intended to be answered by this
dissertation.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Cora Coralina
sala de aula, tenho tido o cuidado de observar as dificuldades que os alunos, que
sendo frustrada à medida que as aulas, as leituras e os debates avançam. O que salta
perspectivas das escolas historiográficas, com o que está sendo trabalhado e também
alunos ainda acredita que a verdade só está acessível aos povos que dominaram a
histórico”, sendo, por isso, objeto de estudo da Antropologia, da Arqueologia, mas não
para se chegar à civilização. É preciso registrar, também, que nem todos os livros
História. Alguns iniciam pela história do Egito Antigo1, sem apresentar qualquer
História, para a qual a utilização do registro escrito é marco divisório entre o primitivo e
o civilizado.
entanto, muito pouco foi escrito sobre o período que tradicionalmente se identifica como
Pré-História. Esse período, ‘anterior à escrita’, se aparece pouco ou nem aparece nos
currículos escolares e nos livros didáticos, abre espaço para toda a sorte de conceitos e
1
BECKER, Idel. Pequena História da Civilização Ocidental. São Paulo: Dominus, 1965. Bastante
utilizado no antigo 2º grau e no início do curso superior, nas décadas estudadas, apesar de apresentar
uma introdução, considerando as diversas escolas historiográficas, inicia o conteúdo específico com o
Antigo Egito.
2
Maria Laura P. B. FRANCO. O Livro Didático de História no Brasil; José Alberto BALDISSERA, O
Livro Didático de História; Bárbara FREITAG e outros. O Livro Didático em Questão; Ana Lúcia G. de
FARIA. Ideologia no Livro Didático; Circe BITTENCOURT. O Saber Histórico na Sala de Aula; Norma
Abreu TELLES. Cartografia Brasilis ou: esta história está mal contada; Marisa LAJOLO. Do Mundo da
Leitura para a Leitura do Mundo, entre outros.
12
no País, mas que os resultados dessas pesquisas ainda permanecem num círculo
(1999), da obra Pré-História da Terra Brasilis,, que aborda de forma didática, uma
desta pesquisa, uma vez que o presente trabalho teve como principal desafio identificar
livros didáticos de História Geral para o Segundo Grau, hoje Ensino Médio, publicados
3
“Seminário para Implantação da Temática Pré-História Brasileira no Ensino de 1º, 2º e º graus”,
realizado no auditório do Instituto de Geociências da UFF, Rio de Janeiro, 16 a 20 de novembro de 1993.
13
Pública Municipal “Prefeito Rolf Colin”, onde foram identificados vários títulos de livros
didáticos de História Geral para o Segundo Grau. A primeira seleção foi executada por
Seu Método” e “A Pré-História”. Esse foi o material utilizado para análise neste
trabalho.
História das Civilizações, de Saroni e Darós, foi publicada pela Editora FTD em
à Pré-História. O livro foi fartamente ilustrado pelo artista Ivan Rodrigues e as imagens
1980. A obra marcou a década com sua metodologia inovadora, tanto na forma, ao
Todas eram obras de primeira edição e foram publicadas à luz das normas
período e seus desdobramentos sobre a Educação no País foi abordada por Germano
(1994). Nela, o autor registrou que a proposta de revisão da LDB de 1961 foi recebida
com entusiasmo pelos professores, movidos pela euforia nacional em torno do milagre
econômico.
de caráter privado, inclusive com amparo técnico e financeiro do poder público. Assim,
a Lei nº 5.692/71, imposta pelo governo militar, sem pressão popular ou dos
e compulsória, de caráter terminal, o Brasil fez uma opção caduca, na medida em que
tomou uma direção contrária às tendências que ocorriam, desde a década de 70, nos
trabalho.
“Por outro lado, “[...] a educação para o trabalho não cabia na concepção de
mundo das classes médias e alta da sociedade brasileira [...] desagradando até mesmo
carga horária de duas h/a semanais e o conteúdo programático deve dar conta de
temas ligados à História Geral. Qual é o lugar, nesta conjuntura, para a Pré-História?
Como seus conteúdos aparecem nos livros didáticos? Esse conteúdo contribui para a
apenas “ilustram” o capítulo? Que relação o aluno constrói com esse “tempo” histórico?
4
SCHUCH, Vitor Francisco. Legislação Mínima da Educação no Brasil. 7 ed. Porto Alegre: Sagra,
1986, p. 43-6. Lei nº 7.044/82, que altera dispositivos da Lei º 5.692/71, de 11 de agosto de 1971,
referentes à profissionalização do ensino de 2º grau.
16
que mostraram como Foucault (2001), estabelece que todo texto, inclusive o didático, é
um discurso e, nessa condição, também uma prática. Ele defende que o discurso ocupa
um lugar de honra, porque nós lhe conferimos poder. Assim, “[...] a produção do
certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
uma vez que “[...] não se tem o direito de dizer tudo em qualquer circunstância, [...]
O autor alerta também que o discurso é uma violência que fazemos às coisas.
Pré-História?
Foucault (2001), afirma ainda que esse sistema de exclusão possui todo um “[...]
de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das
2001, p. 17).
importância que lhe dá, não só o aluno e o professor, mas toda a estrutura educacional.
sentido que a leitura possibilita. Em sua obra “Práticas de Leitura”, trabalha com a
importância que a História tem sobre as opções de leituras disponíveis ao público. Ela
é, freqüentemente, utilizada como arma para dominar com a aparência de que se está
17
possibilitando o acesso à informação. Dessa forma, é possível afirmar que cada Nação,
cada regime político, cada momento histórico, trata de forjar a memória que deseja
Chartier (1990, p.13), afirma que “[...] cada época constitui seus modelos e seus
autorizado.
Médio das escolas públicas e privadas possuem, nesse material, uma fonte de verdade
que não deve ser questionada e que vai sendo construída ao longo de sua própria
Bittencourt (1993, p. 26) ensina que o livro didático “[...] passou a ser considerado
passando estes a ter direito de posse sobre ele.” A disputa entre a História Sagrada e a
História Profana, ou nacional, ocupou boa parte das discussões sobre a elaboração dos
[...] A Igreja e o estado vigiavam a adoção dos livros nas diferentes escolas,
públicas e particulares, primárias ou secundárias, durante o Império.
Posteriormente, na República, o Estado empreendeu sozinho a tarefa de vigiar
as escolas públicas, reforçando o poder fiscalizador dos inspetores e diretores.
A Igreja Católica, apesar de separada do Estado, continuou a exercer seu
domínio sobre a produção didática, conseguindo estender sua rede de ensino a
5
A esse respeito, são profundamente esclarecedores os estudos realizados por Circe BITTENCOURT,
em sua tese de doutorado, intitulada Livro Didático e Conhecimento Histórico: uma história do saber
escolar, de 1993. Nela constam as deliberações sobre política editorial e da definição de critérios
historiográficos para a elaboração dos livros didáticos, tanto para História Geral, quanto para História do
Brasil, durante o período imperial e o início da República.
18
partir do final do século XIX, com a vinda de várias ordens religiosas européias
atingindo com maior extensão o ensino feminino.
desejada nos padrões definidos pela sociedade liberal da época, com um rigoroso
Martin apud Bittencourt (1993. p.131), afirma que o livro é um dos símbolos da
[...] foi o motor de uma verdadeira revolução que consagrou o divórcio entre o
escrito e o falado através de maneiras de ler introduzidas do texto. A escrita, e
com ela a cultura livresca, passou a predominar como forma de comunicação,
fazendo com que se renunciasse à transmissão oral, ‘à magia do verbo. ’ O livro
foi se tornando um objeto sacralizado, acabando por se transformar em ‘modelo
da cultura ocidental’.
atualidade e aparece nos relatos de professores, citados em muitas obras que discutem
o teor do livro didático. Uma vez, uma aluna da 6ª série de uma escola privada onde
lecionei se opôs a mim quando discutia sobre a “verdade” na História. “Mas o meu pai
não compraria um livro que não tivesse a verdade pra eu estudar!”, afirmou. Assim, o
livro didático, ao lado do professor, tem se constituído num instrumento poderoso, com
uma autoridade suplementar – é uma obra escrita. Por ser uma obra cultural, na medida
cinco séculos. Suas denúncias são contundentes e apontam para uma série de
[...] o aluno não ficará sabendo que a relação que o capitalismo engendra com
a natureza, uma relação de apropriação e depredação, lhe é específica. Sendo
assim, o real, a ação e o conhecimento acabam identificados como uma
maneira única de ocupação do espaço, que é igualada ao progresso e à
racionalidade, ao conforto e ao bem viver. (TELLES, 1984, p. 145).
registra que
Telles (1984, p.146), sugere ainda que “[...] o etnocentrismo dos evolucionistas
não precisa ser substituído pela noção do bom selvagem, mas as sociedades deveriam
6
A Natureza, usada com iniciais maiúsculas neste trabalho, remete à visão do Homem pré-histórico que
a considera mítica, sagrada, poderosa e enigmática. Segundo Horkheimer, o processo de emancipação
do Homem compartilha o destino do resto do seu mundo. “A dominação da natureza envolve a
dominação do Homem”. Assim para fazer a exaltação do sujeito, natureza externa, humana ou não
humana, deve subjugar a natureza em si mesmo. Num processo de interiorização da dominação. A
subjugação da natureza dentro e fora do ser humano, desde que não há motivo significativo, não se torna
transcendida ou reconciliada, mas reprimida. (Horkheimer, 2000, p.98-99).
20
E completa,
por Telles (1984) numa apropriação de Lefort7. Segundo ele, a importância das análises
atermos a uma visão estática do social e de nos constranger a levar em conta um devir
de suas reflexões interessam ao presente estudo. Seu principal alerta é para o fato de
1994, p. 35).
tempo, eras geológicas, fim da Pré-História, Idade dos Metais, “surgimento da escrita” -
7
LEFORT apud TELLES, Op.cit, p. 28. LEFORT, Claude. As Formas da História. São Paulo,
Brasiliense, 1979. O autor trabalha, no segundo capítulo, com as chamadas sociedades ‘sem história’
apontando sua historicidade.
21
recebeu:
presenteísmo que permeia a relação das novas gerações com o tempo, motivada por
toda sorte de apelos nos filmes, nas propagandas, nas novelas, em que tudo é
políticas públicas, esses novos ritmos, essas mudanças, são captadas e incorporadas
ensino. Para ela, os currículos “[...] são responsáveis, em grande parte, pela formação e
ter cuidado para perceber o currículo como o resultado de um conflito que explicitou
olhares diferentes sobre a realidade. Não é a própria realidade em sua totalidade, mas
Não é, porém, como acontece com toda tradição, algo pronto de uma vez por
todas; é, antes, algo a ser defendido onde, com o tempo, as mistificações
tendem a se construir e reconstruir. Obviamente, se os especialistas em
currículo, os historiadores e os sociólogos da educação ignoram, em
substância, a história e a construção social do currículo, mais fáceis se tornam
tal mistificação e reprodução de currículo tradicional, tanto na forma como no
conteúdo. (BITTENCOURT, 2001, p. 27).
esse caminho. Para ela, “Se o currículo não é um inocente processo epistemológico,
8
A visão de Homem é também amplamente estudada nos escritos de Edgar Morin. O autor inicia sua
jornada criticando o paradigma antropológico que separa e opõe as noções de Homem e de animal, de
cultura e de natureza, enfim, “[...] de reino humano, síntese de ordem e de liberdade” oposto aos “[...]
distúrbios naturais (‘lei da selva’, impulsos descontrolados)” (In: O enigma do Homem: para uma nova
23
conhecimento científico está, a duras penas, abrindo seu espaço para ser levada a
sério pela comunidade dos historiadores. Como não dispõe do texto escrito é
interagindo com um dado espaço e uma dada fauna e flora, num determinado tempo.
[...] o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à
memória coletiva recuperá-la e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com
pleno conhecimento de causa.
Antropologia, p. 22). Morin não somente pergunta “[...] por quem é o ser humano”, ele pergunta por “[...]
quem é o Homem no mundo”?, procurando formular uma “antropocosmologia”. (In: O enigma do Homem:
para uma nova Antropologia, p. 12). Daí advém as aptidões humanas, da pergunta pelo ser humano que
se humaniza no mundo, porém, não “[...] num mundo fragmentado em três estratos sobrepostos e não-
comunicantes: homem-cultura/vida-natureza/física-química.” (In: O enigma do Homem: para uma nova
Antropologia, p. 23), mas no cosmos, na Terra que é “[...] a totalidade complexa físico-biológica-
antropológica, onde a vida é uma emergência da história da Terra, e o homem, uma emergência da
história da vida terrestre.” ( In: A cabeça bem-feita: reformar a reforma, reformar o pensamento, p. 40). O
homem não nasceu humano, mas se tornou humano num constante processo de aprendizado, marcado
por evoluções, adaptações e construção cultural. A educação contribuirá com a “[...] aprendizagem da
compreensão e da lucidez” e na “[...] mobilização de todas as aptidões humanas” (In: A cabeça bem-feita:
reformar a reforma, reformar o pensamento, p. 54). Condições estas que, segundo Morin, devem ser
continuamente regeneradas.
24
quadros temporais bastante confiáveis. É preciso, porém, tomar alguns cuidados com a
A Escola dos Annales e muitos daqueles que escreveram a partir dela têm
a cultura material.
Le Goff e Nora (1995, p.11), afirmam que “[...] no momento atual, o domínio da
história não encontra limites e sua expansão se opera segundo linhas ou zonas de
“Os Caminhos da História antes da Escrita”, aponta para a revolução que está
que uma superfície descoberta num sítio pré-histórico constitui.” (LE GOFF e NORA,
1995, p. 91).
25
Para ele, é possível, cada vez mais, desvendar a história antes da escrita, pois,
[...] se se considera o documento pré-histórico não mais como um calendário, mas como
um texto, a atividade essencial da pesquisa não se encontra mais na reflexão
interpretativa sobre objetos devidamente recuperados na sua ordem estratigráfica, mas
na leitura do documento que é constituída pela superfície descoberta pela escavação,
documento efêmero, amálgama de poeira, pedras, restos de ossos, cujo valor
fundamental reside apenas nas relações mútuas dos elementos que o compõe. (LE
GOFF e NORA, 1995, p.92).
Dessa maneira, é possível concordar com Le Goff e Nora (1995, p. 91), quando
afirmam que,
período da história ‘anterior à escrita’. No entanto, seu estudo tem caráter de introdução
títulos selecionados para análise, em cada uma das três variáveis. No início de cada
capítulo há algumas questões teóricas em torno do tema e se fará a análise dos três
O primeiro capítulo tem como tema “Os Tempos à Margem da História: tempo
percebido como uma construção, historicamente datada e com objetivos nem sempre
geográficas mais restritas, são apenas indicações, não possibilitando análises mais
acerca das temáticas escolhidas, possibilitando, quem sabe, uma melhoria nas ações
em sala de aula.
28
que seu coração queime de desejo, por exemplo, de sair para o sol,
Ele quase sempre estraga boa parte do seu prazer pensando, obstinado:
conhecer a Europa, por volta de 1920, soam estranhas, pois a relação que ele constrói
com o tempo e a Natureza é movida por outras forças que as da civilização urbano-
participantes. Outro olhar sobre os costumes e ritmos que são incorporados pelos
9
SCHEURMANN, Erich. O Papalagui. Apud MONTELLATO, A.; CABRINI, C.; CATELLI, R. História
Temática: Tempos e culturas. São Paulo, Scipione, 2000, 5ª série, p. 54-5.
29
que já não é possível ver: construímos uma prisão em torno da idéia de que não é
concentração urbana dela proveniente. Segundo Decca (1995), porém, esse controle
iniciou muito antes, já por volta do século XVI, com a construção e a conseqüente
forjado a partir da instituição dos colégios europeus, nos séculos XV e XVI. Ao substituir
prédio com várias salas de aula, é possível fazer um planejamento e um controle sobre
temporal dos corpos, das idades, dos espíritos e das matérias. Além disso, registra a
(2003) e Glénisson (1979), e colocar o próprio tempo numa perspectiva temporal. Isso
medievo, Santo Agostinho interpretou os sete dias da criação como períodos: de Adão
ao dilúvio; deste a Abraão; da era dos patriarcas a Davi; deste ao cativeiro babilônico,
incorporado aos livros didáticos da época e tem sido ressignificado pelas diferentes
Durante o século XIX, quando a História busca seu espaço em relação às outras
definindo também o que excluir do campo da História. Além disso, o século XIX é
humanidade.
estudiosos franceses.
(2003) e Le Goff (1992), a invenção dessa tradição é do século VI, por iniciativa do
Papa João I, que encarregou o monge Dionísio de adequar o calendário aos novos
marxista (FGV, 1986) por servir de base e moldar todas as instituições sociais e, por
social em questão.
Segundo Laet (1977, p.80), “Os fins prosseguidos pela escola dos Annales foram
mudança de modo de produção. Outro exemplo pode ser tomado aos pesquisadores
33
dos Annales, que percebem a longa duração das tradições, especialmente em relação
Pleistoceno e esse período era muito longo para indicar a Idade da Pedra. Só em 1921
apenas Clark (1962) e Gordon Childe (1971) fazem referência a essa elaboração.
Como se vê, trata-se realmente de uma tradição, cuja invenção se perde ‘nas brumas
do tempo’.
maioria de nós: um tempo que nem a memória mais cuidadosa pode recuperar, um
tempo ‘perdido num passado distante. Um tempo que vem sendo estudado graças à
XXI por dois caminhos: por meio da mídia, quando há uma descoberta que altera o
conhecimento que temos e com o auxílio do texto didático, como os que serão
analisados a seguir.
As três obras utilizadas para análise iniciam os respectivos capítulos sobre Pré-
História, apresentando a dificuldade em trabalhar com esse período, uma vez que ele
34
não dispõe daquilo que é, segundo a concepção mais tradicional, fundamental para o
privilegiada de pesquisa, uma vez que nele a história está dada, ou seja, não se pode
interpretar, apenas transcrever as informações que ele oferece.” (DIEHL, 1999, p. 57).
produtivas e das contradições que engendram. Ambas apontam para uma história
constituída por uma seqüência de etapas que cumprem uma trajetória determinada
dos marxistas. A inquietação que permanece, ainda sem resposta satisfatória, é: qual o
Arruda (1976, p. 29), apesar de afirmar que a Pré-História “[...] é muito difícil de
estudiosos em geral costumam apresentá-la em três grandes etapas, e que essa forma
de divisão, se baseia “[...] numa visão evolucionista do processo histórico, [...] bastante
História e Seu Método, Arruda (1976), apresenta seu conceito de História e percorre os
História Total12. A idéia de progresso está presente, como está também quando trata da
periodização da História, vista agora como passado que deve ser estudado. Para ele,
ordem cronológica. Por isso, costuma-se dividi-la em períodos.” (ARRUDA 1976, p. 18).
10
Trata-se, para Arruda, da “História entendida como narrativa do acontecimento e na qual preponderam
os eventos”, que tinha “uma finalidade prática: pretendia dar lições de comportamento moral; era a
mestra da vida”. Op.cit., p. 11.
11
É a história científica do séc. XIX, que “está ligada ao desenvolvimento dos métodos de investigação,
do estudo das fontes e da crítica dos documentos”. É neste momento que a História adquire um sentido
pragmático, pois “teria a função de compreender as transformações do passado e de apontar as
diretrizes que essas transformações apresentam para o futuro”. (p. 11-2).
12
Momento do encontro da História com outras ciências sociais, buscando “uma colaboração que lhe
permita realizar, numa primeira etapa, o estudo especializado dos acontecimentos e numa Segunda
etapa, uma interpretação globalizante através da busca das conexões entre esses vários estudos
preliminares”. (p. 12)
36
No entanto,
[...] para a realização de uma periodização correta, teríamos que partir das
rupturas que caracterizam os momentos de transição verificados ao nível das
estruturas, momentos esses em que os acontecimentos mais importantes
ocorrem mais próximos uns dos outros, definindo os momentos revolucionários,
de aceleração anormal do ritmo histórico. Não é sem importância, contudo, o
conhecimento da divisão tradicional dos períodos históricos, realizada com base
na evolução dos acontecimentos. Para tanto, é necessário saber como os
acontecimentos foram classificados. (ARRUDA, 1976, p. 18).
como quando cita rupturas e estruturas assume, não só a periodização, como toda a
marcos. Arruda (1976), alerta, porém, que se outros critérios fossem utilizados, ter-se-ia
ele, “[...] a pressão do tempo se impõe ao historiador que jamais poderá escapar da
De toda forma, segundo Arruda (1976, p. 20), “[...] toda produção humana é
História.”, o que, para ele, justifica a opção por iniciar os estudos pelo aparecimento do
Homem sobre a Terra. Apesar de citar Paul Veyne nas referências bibliográficas13, o
13
VEYNE, P. Comment on Écrit l’Histoire. Paris, 1971, é o registro, acrescido da observação de que se
trata de uma obra inquietante, que coloca em questão algumas posições radicais: a História não existe,
existe uma História específica; A História não tem método, ela é apenas uma crítica, os fatos não
existem, existem as intrigas [...].
37
autor passa ao largo das discussões que ele apresenta em relação a essa questão.
Não se trata de afirmar que ‘tudo é história’, mas de perceber que a narrativa pode
durações, sem identificar algum método de datação ou uma justificativa para tal
500 a 30 mil anos a.C.) e Superior (30 mil a 18 mil a.C.). A Nova Idade da Pedra ou
Neolítico tem a duração de 18 a 5 mil anos a.C. e a Idade dos Metais é o último período
que não pode passar despercebido pelo professor ou estudante. Nem os momentos
38
sendo que a História, para Arruda, “[...] lida sempre com esta dualidade: a continuidade
Esses estágios foram construídos a partir dos estudos feitos por Morgan (1976),
Morgan (1976) está convencido de que por esse processo passaram todas as tribos da
humanidade, as quais têm uma única história quanto à sua origem, à sua experiência e
análise do qual, neste momento e por muito tempo, não se escapa. Em 1877,
importante momento em que vivia, mas alertava que ainda não era possível fazer
iniciando pela Idade Antiga da Pedra ou Paleolítico com suas subdivisões. Ao tratar do
Paleolítico Inferior, identifica-o como o mais extenso da Pré-História, no qual “[...] temos
33).
pela última glaciação, obrigou o Homem “[...] a se isolar efetivamente nas cavernas.”
Com instrumentos mais elaborados, entretanto, foi possível caçar animais de grande
porte. A dificuldade de encontrar pedras, por causa do gelo, levou o Homem a “[...]
utilizar com mais intensidade o osso, aparecendo novos objetos, como arpões e
de fauna e de flora, motivadas pelo recuo da última glaciação. Pela primeira vez,
registrados nesse período. O nome Idade da Pedra Polida, segundo o texto, vem da
40
nova técnica de produzir instrumentos: “[...] depois de lascada, [a pedra] era esfregada
Economia incluía, além da caça, pesca e coleta, “[...] as primeiras formas de agricultura
37).
depois o estanho e sua liga, formando o bronze: essa foi a trajetória do domínio dos
metais pelas comunidades primitivas, em torno de 3000 a.C. Já o ferro, mais difícil de
fundir, foi utilizado mais tardiamente, na Ásia Menor, no período histórico, em torno de
1500 a.C. Sua utilização significou a supremacia dos povos que o dominaram.
Para elucidar toda essa gama de informações, Arruda (1976), apresenta, logo no
onde foi registrada a existência desses períodos, é citada a ‘cultura’ e não a localidade
criadas por Lartet e retomadas por Mortillet em 1883. Em nenhum momento do texto
42
didático o autor se refere ao quadro, tão rico em detalhes, ou mesmo, sugere o seu
estudo.
longo desses mais de 100 anos, tem recuperado e analisado os sinais da ação
humana, por meio de escavações arqueológicas, contando muitas vezes, com equipes
segue como uma narrativa em que os acontecimentos têm uma seqüência ‘natural’,
coisas porque, “[...] nessa perspectiva, o gênero humano passou por etapas
“Os utensílios foram se aperfeiçoando cada vez mais.”, afirma o texto, sugerindo que
haja uma ‘natural’ evolução do instrumental construído pelos homens, sem ligação com
todo processo de transformação ocorre de uma situação pior para uma melhor, sem
apresenta alguns títulos, nos quais essas discussões são feitas, aos detalhes. A Pré-
Isso posto, observa-se que Arruda (1976), tem uma preocupação em historicizar
o processo de construção do conhecimento histórico, uma vez que apresenta uma parte
específica para a História e seu Método, registrando os conceitos básicos utilizados por
dos Annales. Toda essa introdução, porém, chega afunilada à Pré-História, uma vez
que se mantém o discurso das dificuldades de se trabalhar com o tema devido à falta
importante para o estudo do passado, uma vez que este abrange o acúmulo de todas
alertam que “[...] a divisão aqui proposta para a Pré-História e para a História é,
claramente, uma divisão ocidental, por ser a que nos diz respeito mais diretamente.
Fosse apresentada por uma cultura oriental, certamente seria outra.” Mostram ainda um
quadro com a divisão entre a Pré-História e a História e suas subdivisões, bem como a
44
contagem cronológica do tempo, entre a.C. e d.C. Ao discorrer sobre cada um dos
identificado entre 500 mil e 18 mil antes de Cristo, por intermédio de “[...] expressões
Certamente, porém, não foi o primeiro momento da existência humana, pois “[...]
já existia vida humana antes dessa época, mas praticamente nada se sabe sobre ela.”
O Neolítico, ou Nova Idade da Pedra ou Idade da Pedra Polida, com a duração entre 18
mil e 5 mil antes de Cristo, disponibiliza para análise instrumentos de pedra com
polimento e corte afiado, portanto, de ‘melhor qualidade’. A Idade dos Metais, ocorrida
ao início da História.
Para Cuche,
Tanto Cuche (1999) como Elias (1994), buscam a origem e a tonalidade com que
técnicos, morais ou sociais.” E é, de fato, essa a conotação dada pelos autores do livro
Nesse contexto e com esse novo olhar, a troca da ‘providência divina’ pela
desenvolvido a partir do ‘re-conhecimento’ das leis que lhe são próprias. Nesse
crescente domínio sobre as forças da Natureza. Na obra analisada ela aparece, ainda,
num texto e num quadro (ver Figura 2), nos exercícios de fixação, ao final da
subliminar da opção historiográfica dos autores? Para Paiva (2002), ao discorrer sobre
naturais.
Dividido em cinco partes, trata das atividades para sobrevivência, das técnicas,
familiar e social e, por fim, das manifestações artísticas e espirituais do Homem pré-
que a leitura do capítulo vai avançando, vai se fortalecendo a idéia de uma melhoria
esclarece que é possível recuperar o passado anterior à escrita, a partir do estudo dos
“[...] evolução dos hábitos alimentares do Homem pré-histórico, passando dos frutos e
49
p. 17).
Morgan (1976), na seqüência obrigatória das Idades da Pedra e dos Metais, reconhece
Essa observação pertinente de Childe (1971) não é apropriada pelos autores que
pedra que, de tão largamente utilizada, deu origem à denominação das subdivisões da
[...] a evolução continuava [...] pois, sabe-se que o primeiro foi o cobre,
trabalhado a frio, depois fundido e modelado a fogo. [...] O domínio do uso do
ferro constituiu um outro passo importantíssimo na evolução do homem e na
sua luta pela sobrevivência. Coletor, caçador, pescador, criador, pastor,
agricultor – agora o homem se torna artesão. Seu domínio sobre o meio
ambiente, de início tão hostil, já era uma realidade. (SARONI e DARÓS, 1979,
p. 21).
50
“[...] à medida que o tempo passava, o homem pré-histórico ia dominando com maior
mulheres entram em cena, explicitamente, pela primeira vez, responsáveis pela ‘arte da
ovelhas.
Gordon Childe, que trabalha com os conceitos desenvolvidos por Morgan (1976) e
geralmente grupos de clãs que, sendo mais estáveis, obscurecem e até mesmo
Egito e Índia.
Morgan (1976) para construir sua interpretação acerca dos dois períodos pré-históricos:
quem teria escrito o livro, não fosse seu falecimento. De toda forma, o pensamento de
chegar a Idade dos Metais, já se nota uma boa organização social.” O texto reforça a
idéia de que, quanto mais evoluído, mais próximo da organização atual, mais aceitável
Histórico”, ocorre o registro das pinturas, especialmente rupestres, ligadas à magia. “Os
caça pretendida, nas pinturas das cavernas, podiam dominá-los com maior facilidade e
revolução agrícola e a revolução urbana, conceitos importantes que não são explicados
nem historicizados.
No entanto,
A obra de Saroni e Darós (1979) está bastante atualizada para a época, uma vez
que incorpora uma série de conhecimentos produzidos pelas ciências. Apesar de ter
sido publicada por uma editora católica, a F.T.D., fica clara a postura dos autores em
aos desafios que a natureza e a vida colocam para a sociedade humana da Pré-
têm consciência de sua vida e discernimento para fazer escolhas. O pesquisador tem
conhecimento dessas escolhas por meio de sinais deixados pela ação humana. Em “O
trajeto das sociedades humanas primitivas, observando, por intermédio de sua ação
14
Trata-se de Evolução Cultural do Homem, já citada, cujo título original é Man Makes Himself. Publicado
em 1936, teve a primeira edição brasileira em 1966, traduzida da quarta edição inglesa, de 1965.
53
Aquino Franco e Lopes (1980), explicam também que o fazer-se Homem implica
socialmente construídos para compensar essas limitações físicas. Além disso, nas
O animal. [...] não se compromete, não assume a vida e por isso não pode
construí-la [...] vive, mas não dá um significado a sua vida; [...] o animal é
ahistórico. ... [já os homens], ao se perceberem como indivíduos no mundo – ao
separarem sua atividade de si mesmos, ao terem o poder de decisão em si
próprios, nas relações com o mundo e com os outros homens – dão significado
ao seu viver. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 54).
perpassa toda a obra, pois para os autores é no fazer cultura que se manifesta a vida
Portanto, para o Homem não existe o nada, o Homem sempre está sendo de
alguma forma, e as possibilidades de ele ser mais são infinitas. Assim, o que
ele é, numa determinada circunstância, será determinado pelo que ele está
fazendo, ou melhor, pelo modo como está fazendo – pelas relações que
estabelece com os outros homens no processo de agir sobre a Natureza.
(AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p. 55).
produto dela, uma vez que ele nasce com potencialidade para desenvolvê-la, mas
15
O texto clássico que apresenta esta interpretação, “Humanização pelo Trabalho”, é apêndice da obra
do mesmo autor “A Dialética da Natureza”, publicado pela Paz e Terra.
54
classificar as culturas e que eles se identificam com a proposta elaborada por Morgan,
a barbárie, que os autores passam a abordar, fazendo um alerta que denuncia sua
opção historiográfica: nem todas as sociedades passaram por esses estágios, sendo
que há coexistência, ainda hoje, de sociedades civilizadas e outras, algumas das quais
consideração os períodos culturais que não devem ser confundidos com os períodos
Natureza, que foi o uso e o controle do fogo. Segundo eles “[...] ao fazer o fogo, o
16
A segunda edição em português, uma parceria entre uma editora brasileira e portuguesa, foi publicada
em 1976. Trata-se da obra de Lewis MORGAN, A Sociedade Primitiva, publicada em 1877. Os autores
não citam a obra, nem a consultam diretamente, segundo Bibliografia constante ao final da obras.
55
homem tornava-se um criador, e consolidava o seu domínio sobre a Natureza. [...] Essa
inovação técnica foi partilhada por todo o grupo humano – isto é, todos os homens
retiraram dela benefícios, ao contrário da escrita, que, aparecendo mais tarde, foi
5).
seguem afirmando que os homens viviam em bandos “[...] mas aprenderam a cooperar
para o enterramento dos mortos, devido aos vestígios junto aos esqueletos encontrados
e de manifestações artísticas, com função mágica. A obra traz uma imagem de bisonte
cravado com flechas, de uma gruta francesa – como se pode ver na Figura 4 – e a
afirmação que nessas manifestações, “ [...]o homem imita o objeto de seu desejo.” uma
vez que toda a arte tinha uma função de magia simpática ou propiciatória. (AQUINO,
Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, v.1, p.66).
Os dados que até nós chegaram inculcam que ela [a arte] constituía
instrumento de uma técnica mágica e, como tal, dotado de funções
pragmáticas, visando diretamente a objetivos econômicos. Semelhante magia,
porém, nada tinha de comum, ao que parece, com aquilo que designamos na
linguagem corrente por religião. [...] As pinturas faziam parte da técnica dêste
(sic) processo de magia; eram a ‘ratoeira’ em que a caça havia de cair, ou a
ratoeira com o animal já capturado. É que os desenhos constituíam
simultâneamente (sic) a representação e a coisa representada; eram
simultâneamente (sic) o desejo e a realização do desejo. (HAUSER, 1972, v. 1,
p. 16).
um animal na parede de uma caverna, produzia um animal real, uma vez que ele não
animais aparecem atravessados por flechas, na pintura. Observou ainda que, em várias
delas, há sinais de que tenham sido atingidas por flechas reais após a conclusão da
obras de Gordon Childe17, que servem de referência para os autores, e que foram
físico, Aquino, Franco e Lopes (1980), asseveram que o “Homo sapiens” apareceu por
comunidade primitiva19.
plantas e o pastoreio dos animais vão ter um impacto de tal envergadura na qualidade
17
CHILDE, Gordon. A Evolução Cultural do Homem. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. A primeira
edição, em inglês, é de 1936. Para as próximas edições, de onde são feitas as tradições para o
português, não há substancial alteração com relação às datações, questão destacada em texto próprio,
‘Nota sobre a Cronologia’. A outra obra citada na bibliografia, do mesmo autor é O Que aconteceu na
História. A quarta edição em português é de 1977 e foi traduzida da edição inglesa de 1941. Também
não discute datações.
18
Em 1949, o professor Willard F. Libby, desenvolveu e aplicou o método que identifica, com bastante
precisão, a quantidade de carbono existente em restos de seres vivos, a partir da vida média de 5.568
anos, o que revolucionou os conhecimentos acerca da Pré-História, ampliando-os significativamente.
19
O processo de hominização será abordado no Capítulo III desta dissertação.
58
Engels e Gordon Childe20, Aquino, Franco e Lopes (1980), apresentam a divisão natural
Além de Engels e Childe, outro clássico marxista que aborda o papel da mulher
na sociedade primitiva é a obra de dois autores russos, Diakov e Kovalev (1972). Eles
20
Trata-se das obras A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels e A
Evolução Cultural do Homem, de Gordon Childe, ambas traduzidas para o português na década de 1970.
21
O termo “homem” (com iniciais minúsculas), utilizado neste trabalho, relaciona-se ao macho da
espécie, em contraposição à “mulher”, a fêmea. Os dois são tidos, dentro da teoria do Evolucionismo,
construída por Darwin, como perpetuadores da espécie humana através da relação sexuada.
59
clã da mulher e também a ele pertencessem os filhos dessas relações, que não eram
estáveis.
[...] a opressão da mulher não foi produto da mente “má” dos homens
individualmente, mas uma exigência objetiva da propriedade privada dos meios
de produção, quando a mulher também se tornou um objeto do homem – tal
qual a terra, o gado, os escravos etc. (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, p.
70).
como o momento em que, segundo o título, “[...] a riqueza transformou-se em uma força
e Pasquino (1995, p. 986), o termo ‘povo’, é empregado pela primeira vez para designar
uma parcela componente do Estado romano. Não deveria ser, nesse momento,
apropriado para se referir, portanto, à população que vai compondo as vilas e cidades
22
Darwin, além de trabalhar com a seleção natural das espécies, construiu também o conceito de
seleção sexual num livro publicado em 1871, intitulado The Descent of Man and Selection in Relation to
Sex. Na primeira parte do livro Darwin argumenta que mesmo as características mais especiais do
homem (macho), como a sua inteligência, podem ser explicadas de acordo com as leis da seleção
natural, também por ele anteriormente descritas. Na segunda parte do livro Darwin introduz a noção de
seleção sexual, que depende da "[...] vantagem que certos indivíduos machos têm sobre outros da
mesma espécie e sexo apenas e só em relação ao acasalamento. [no original Darwin usa o termo
"reproduction", mas "acasalamento" é mais fiel à idéia do livro]". Aqui Darwin distingue claramente a
seleção sexual da seleção natural, sendo que esta é por ele relaciona com a luta pela sobrevivência e a
anterior com a luta pela descendência. Interessante ressaltar que, por meio da seleção sexual, é a
mulher quem determina e escolhe o macho, dentre vários, a fim de acasalar.
60
Childe sobre os escritos marxistas e que são incorporados pelos autores do livro
são de suma importância, de maneira que o assunto merece por parte de Aquino,
solo. A legenda informa que as sementes são calcadas pelas patas dos animais. Os
traços da imagem sugerem ser de uma comunidade ‘egípcia’, mas não há referência
Fonte: História das Sociedades (AQUINO, FRANCO e LOPES, 1980, v.1, p.76).
comunismo primitivo.
parece ‘natural’.
que “[...] não existiu propriamente uma ‘civilização neolítica’, mas, na verdade, culturas
locais, cada uma delas apresentando grande variedade em seus sistemas de crenças
metalurgia, calendário, escrita, possibilitaram a chamada revolução urbana que, por sua
Engels apud Aquino, Franco e Lopes (1980, p.79), destacam a questão que,
enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar.
opção metodológica está devidamente respaldada pela citação de obras e autores que
marcam época na literatura didática com uma obra ricamente respaldada em reflexões
transformadora.
assim “[...]a vida será mais vivida, mais justa, onde o trabalho será uma forma de
Por outro lado, é importante também registrar alguns limites desta obra didática,
partir de perguntas e respostas, um diálogo com o leitor, sobre como o Homem se fez
Homem.
disponíveis na época.
Como o trabalho privilegia o método do diálogo com o leitor, faz pouquíssimo uso
entanto, como se trata de um tema muito distante da realidade cotidiana do aluno, exige
um poder de abstração e imaginação maior, o que seria facilitado pela inclusão de mais
imagens no texto.
exploradas por cada uma das obras escolhidas é possível fazer algumas considerações
finais, ainda em caráter preliminar. O discurso sobre o tempo, nas obras analisadas,
fins didáticos’. Está presente em todos os livros didáticos a periodização proposta por
trabalho e de defesa. Outra presença nas três obras é o nascimento de Cristo, usado
Ainda assim, está explicitado nas obras de Arruda (1976) e Aquino, Franco e
Lopes (1980) que, se outro método fosse utilizado para a periodização, os resultados
seriam diferentes, evidenciando uma opção historiográfica que privilegia certo tipo de
períodos culturais ou ‘idades’ são apresentadas por todos os autores, com pequenas
nuanças diferenciais.
é adequada ao livro didático, pois facilita o estudo do período tão distante no tempo e
Franco e Lopes (1980), essas transformações são o motor da História e o centro das
Uma última anotação deve ser feita sobre a Pré-História das Américas. Não há
vez que ele trata dos espaços ocupados pela humanidade na Pré-História.
66
Do tamanho da antena
Parabolicamará.
Gilberto Gil24
vez que o espaço aparece, em sua grande maioria, adjetivado, o que remete ao alerta
de Harvey, citado em Elpídio Serra. Para ele “[...] os conceitos de espaço estão
24
Parabolicamará, letra e música de Gilberto Gil. CD Gilberto Gil Unplugget, 1994.
25
A exceção é para a vertente chamada ‘história das paisagens’, bastante recente na Historiografia.
Fernand Braudel, por exemplo, ao repensar o mundo mediterrâneo, recoloca a importância do espaço
para a História.
67
Por isso, a escolha da epígrafe com o texto de Gil, que relativiza o tamanho do
os textos didáticos.
aos avanços e ao domínio das relações capitalistas, em franca expansão a partir dessa
histórico, reinventa o espaço como lugar da ação humana, como uma instância da
Economia, da Psicologia a partir das especificidades de sua área de atuação. Seu uso,
porque aborda intensas modificações climáticas num tempo de longa duração, altera,
atual estágio das pesquisas geológicas indica terem existido quatro grandes
É ainda Suguio (1999, p. 41) que informa que, atualmente, se conhece também
interglaciais.
dessa forma, uma única causa, mas sim a interação de diversas causas, atuando em
único Homem das cavernas é o moderno espeleólogo, uma vez que os homens pré-
certamente contribuiu para a construção desse imaginário. Sobre essa questão, Lantier
das cavernas que habita nossas referências acerca da Pré-História e reconhecer que
nem mesmo esse ‘porto seguro’ era tão ‘seguro’. No entanto, é preciso dizer, também,
informar que, segundo “[...] se acreditava até há bem pouco tempo[...]”, que a
partes da Terra. A opção por fazer um registro extremamente vago deve-se - como
que sim. Causa muita estranheza, no entanto, essa concepção de espaço ‘remoto’ para
autores já citados no Capítulo I. Sem uma mediação crítica do professor, como pode o
história?
História eurocêntrica, numa tal potência que se consegue identificar como ‘região
26
Sob o nome do autor, na folha de rosto do livro, encontra-se registrado que é professor doutor da USP
e coordenador do Departamento de História do Curso, Colégio e Faculdades Objetivo.
27
TELLES, Norma Abreu. Cartografia Brasilis ou: esta história está mal contada. São Paulo, Loyola,
1984. Analisa livros didáticos de História do Brasil.
71
sapiens sapiens que chega para colonizar o continente americano, o Novo Mundo.
Todos esses dados já eram disponíveis na época em que Arruda escreveu seu livro
temas da Pré-História para produzir uma síntese das pesquisas e dos resultados já
utilizado pela Geografia, tem a função de mostrar “[...] o pleno encontro do homem, da
cultura com o ambiente, a natureza.” (CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 62) com
essa região? Qual era esse clima? Quais as suas características em relação ao relevo,
à hidrografia, à flora e fauna? Perguntas que ficam sem resposta no texto analisado.
28
LEROI-GOURHAN, André. Pré-História. São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981. Arruda utiliza o original
francês, publicado em 1966. O Capítulo VII, assinado por Annette Laming-Emperaire e Claude Baudez, é
totalmente dedicado à América, apresentando o histórico das descobertas, as etapas da Pré-História
americana, os ‘predadores’ e os ‘produtores’. Além disso, apresenta lista de fontes documentais (listagem
de sítios pesquisados) e referências bibliográficas.
72
África do Sul; o Cro-Magnon também não encontra registro espacial. Do Homo sapiens,
O uso dos nomes de países atuais para identificar os achados não seria
problema se tivesse havido um alerta para que o leitor leve em consideração que se
sua própria história. A Palestina, por exemplo, é uma criação do pós-guerra e Java,
uma das ilhas da atual Indonésia, é usada como referência, diferenciando-se das outras
espaço definido que sequer é sugerido. Quando o autor aborda o Paleolítico Superior
entra em cena o norte do continente europeu, fustigado pela ação das geleiras: “Era o
fenômeno da glaciação, que acontecia pela quarta vez, obrigando o homem a se isolar
diferenciadas de região a região. Esse processo, pelo texto, não fica esclarecido.
Esse pequeno trecho do texto contém uma série de simplificações que dificultam
comunidades humanas, com influência direta sobre seu modo de vida. No caso
específico das glaciações, é interessante saber que o estudo em torno delas começou
Por outro lado, a referência à utilização das cavernas durante esses períodos de
com a legenda ‘O Neolítico Europeu’ que, no entanto, focaliza apenas parte norte do
mapa em si pode ser lido como uma peça de quebra-cabeças que se retira do seu local.
quanto ler e escrever ou a matemática básica. No caso do mapa utilizado por Arruda
(1976), neste capítulo do seu livro didático, não há o aproveitamento dos elementos que
ele aponta. Para contribuir com o tema, o mapa poderia ser o planisfério, com a
Homem a procurar as margens dos rios. A América aparece novamente, uma vez que
Nesse momento, “[...] começam as viagens por terra e por mar.”, sem identificar
de onde e para onde, em que condições, com que equipamento e tecnologia e quando.
Esse seria outro bom momento para fazer a discussão da ocupação primitiva da
América, uma vez que a hipótese mais aceita para esse fato tem sido a migração via
caça, pesca e uma agricultura itinerante. Aqui fica evidente a apropriação dos
enunciados marxistas.
espaço, dessa vez percebendo a ação humana sobre ele. Desde o início da
sendo o da “[...] chamada comunidade primitiva [...]”, na qual o “[...] solo pertencia a
todos.”
Por último, a Idade dos Metais destaca que o bronze, resultado da liga do cobre
ferro é trabalhado bem mais tarde, na Ásia Menor, por se tratar de “[...] um minério mais
raro e mais difícil de extrair e mais difícil de fundir.” apresentando, portanto, uma
Uma leitura atenta permite inferir que o cobre e mesmo o bronze, fruto de uma
liga, são mais facilmente produzidos do que o ferro. Também aqui não fica claro o que
76
Arruda (1976), identifica como Ásia Menor, nem para onde acontece a ‘difusão mais
caráter didático, deveria enfocar com mais cuidado e precisão algumas informações que,
mesmo com a fragilidade dos resultados de pesquisas, como Arruda (1976) anunciou, já
(1976) tivesse incluído um mapa mundi, apontando a localização dos principais achados
realidade dos alunos. Ao discutir a origem do Homem, Arruda (1976) admite que, em
muito recentes. Muito material recolhido, garante o autor, foi feito por pessoas sem o
sobre a necessária preparação dos professores para lidar com essa historicidade.
vai acumulando experiências culturais até chegar à História e à civilização, mas todo
esse processo acontece ‘suspenso’ em algum lugar do Planeta Terra. Não há sequer
dificuldades geográficas a transpor. Apenas uma vaga referência à “[...] conquista dos
11).
espaço preferido dos ‘trogloditas’, segundo os autores, não só para se proteger do frio,
O espaço geográfico aparece como lugar para a ação humana, nas suas
metalurgia se ressentem dessa mesma ausência. É como se, num dado momento
mulheres para a tecelagem, também dão sinais de certo ambiente em que ocorrem
estão apontados os limites da última glaciação, com flechas que indicam o avanço das
geleiras, a partir dos pólos Norte e Sul. Não há uma única identificação para além
dessa. Nem a linha do Equador e as dos trópicos, que poderiam contribuir com a
ampliado, poderia ter sido utilizado para identificar uma série de elementos trabalhados
Natureza e Homem sempre com letra maiúscula marca a importância dessa relação e
e tecnologias que apontam para uma maior dominação do espaço, por meio da
para dominar, por outro lado, demonstra também a distinta ação de homens e animais
fundir, tecer, que vão sendo feitas as descobertas essenciais para a constituição da
Plistoceno (período geológico em que ocorreu o surgimento dos primeiros sinais dos
Engels.
em torno de 1,8 milhões de anos atrás, o que remete para o Terciário o surgimento dos
Paleolítico Inferior.
apresentado com destaque por Aquino, Franco e Lopes (1980). Trata-se do controle e
conseqüentes benefícios de seu uso, os autores afirmam que “[...] ao fazer o fogo, o
82
Cavernas, lagos, rios, estações do ano, fases da lua, tipos de vegetais e animais
O mapa não tem legenda que facilite sua interpretação. Supõe-se, pelo título que
paleolíticas sejam os círculos. Se assim o for, qual o significado da região mais clara do
mapa. Quais são os seus limites na África ou na Ásia Menor? Note-se que há uma
83
referência aos limites da Zona Glacial. Logo abaixo desse mapa está a imagem de um
‘cravado de flechas’, reproduzido na Figura 4 do Capítulo I, que poderia ter seu local de
apropriação feita.
peculiares em relação aos demais29 e que lhe confere uma identidade. Assim, ao
população.
Conforme (Souza apud Castro, Gomes e Correa, 1995), a idéia de território, que
evidencia as relações de poder num determinado espaço pode ser lida nas seguintes
citações,
29
Conforme Gomes, citado em CASTRO, já anteriormente nominado neste capítulo.
84
agricultura. (par.) Sendo regiões cortadas por grandes rios, que anualmente
renovam as terras aráveis, facilitou a sedentarização das populações.
(CASTRO, GOMES e CORREA, 1995, p. 75).
que é compreensível, dada a opção historiográfica dos autores. Dessa forma, todas as
populacional é fraca e a terra abundante, poucas são as regras que devem ser
estabelecidas para melhor aproveitar o meio: basta assegurar a cada qual o fruto do
seu trabalho.”
Mesmo assim, o espaço utilizado exige um mínimo de ordem para que possa
feitos para este capítulo indicam a localização geográfica dos principais achados
inóspitos.
flagrante discurso eurocêntrico, como o de Arruda (1976), por exemplo, ao afirmar que
que a América é uma região remota? De onde ele, como professor e escritor, está
(1976), desaparece completamente nas duas outras obras analisadas. E a África, berço
dão sem uma referência sequer aos espaços ocupados pelas comunidades humanas.
86
O mapa mundi apresentado por eles registra apenas o avanço máximo da última
primitivas.
seus próprios espaços e histórias, uma vez que todos, à exceção da Europa, passando
registro raro e superficial, insuficiente para que o aluno consiga, sozinho, sentir-se
históricas.
87
A importância da hominização
Edgar Morin30
hominização tem sido o desafio das ciências. Inicialmente com a intenção de diferenciar
o Homem dos outros animais, à sombra da imagem divina, os caminhos nessa busca
mostraram outras possibilidades como aponta, por exemplo, Edgar Morin (2000), na
epígrafe deste capítulo. A condição humana, dual, que gravita da Biologia à cultura,
etnias, religiões, assim como à depredação ambiental que permanecem nos noticiários
internacionais.
30
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo/Brasília,
Cortez/UNESCO, 2000, p. 50.
88
Genética entraram num campo que, até poucas décadas era terreno, além dos
rigorosa definir os limites das ciências, o conhecimento acerca da vida no planeta toma
recuo dos lençóis de gelo, as alterações no nível do mar, do curso dos rios, da
31
O presente trabalho delimita as religiões dentro do espectro do Cristianismo.
89
Gênesis. Quem neles crê, rejeita os estudos científicos, sob a alegação de que estão
sociedades “[...] de pesquisa [...]”, não só nos Estados Unidos, onde o Protestantismo é
porque, segundo Lima (1988, p. 34) “[...] perceberam, cientistas e teólogos, que ciência
e religião se completam, pois enquanto uma procura explicar o mundo físico, a outra se
séculos. Talvez tenha começado com a aceitação dos preceitos de Copérnico sobre o
XX, deveu-se principalmente à ação do Padre Pierre Theilhard de Chardin (1970) que,
32
MOON, Peter. Fé Sem Razão. In: Isto É. Nº 1560, 25/8/99, p.88-90. A matéria registra vários casos
em que os conteúdos curriculares em escolas americanas foram retirados ou revistos, em função de
pressões de grupos religiosos criacionistas.
90
descobertas científicas. Ele mesmo pesquisador, contribuiu para ver e fazer ver, como
afirma no prólogo da obra, a questão das origens da humanidade. Mas não é só. Em
evolução, ocupam uma posição de destaque. E Lima, para fortalecer esse caminho de
A Bíblia fala das origens do universo e da sua constituição não para oferecer
um tratado científico, mas para definir as relações do homem com Deus e com
o universo. A Sagrada Escritura quer apenas declarar que o mundo foi criado
por Deus e, para ensinar esta verdade, se exprime com os termos da
cosmologia própria dos tempos dos autores sacros. (PAPA JOÃO PAULO II
apud LIMA, 1988, p. 38).
trabalham o tema ‘origens’ ou ‘evolução’, com alguns detalhes, permitindo uma análise
apropriações que vão sendo feitas das recentes - à época da publicação dos livros
medalha está o cuidado com a incorporação desses conhecimentos, uma vez que se
trabalho dos paleontólogos. Segue-se durante a primeira metade do século XX, uma
33
Recomenda-se a leitura de BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da
humanidade. Rio de Janeiro, Sextante, 2002.
91
hominóides. O modelo que apontava a origem africana, a cada nova pesquisa, revelava
voltar ainda mais no tempo. As características físicas da caixa craniana, dos maxilares,
evolução.
evolutivo linear de espécies sendo substituídas por outras mais avançadas. A imagem
único caminho, e assim também aparece na literatura didática analisada neste trabalho.
mais interdisciplinar, apontam para uma antigüidade ainda maior e para a coexistência
evolução que, como o próprio nome anuncia, retoma e relê os conceitos até então
34
SIMPSON, G. O Significado da Evolução. São Paulo, Pioneira, 1962; DOBZHANSKI, T. O Homem
em Evolução. São Paulo, Polígono/EDUSP, 1968; DOBZHANSKY, T. Genética do Processo
Evolutivo. São Paulo, Polígono/EDUSP, 1973; PETIT, C. e PREVOST, G. Genética e Evolução. São
Paulo, Edgard Blücher, 1973.
92
estudos ainda são muito recentes. Por outro lado, registra que muitas descobertas
foram ocasionais, feitas por pessoas sem habilitação para dar o devido tratamento
científico ao material coletado. Por esses motivos, afirma que “[...] a cronologia sobre o
contradição umas com as outras. E não há dados precisos para resolver esse
dados.
Da mesma forma Lima (1988, p. 49), defende que foi o recente desenvolvimento
científico que “[...] demonstrou não existir verdades absolutas em ciência, demonstrou
apresenta. Ele sugere que “[...] ensinar Pré-História pode ser, e entendemos que deve
seus assuntos de interesse.”35 Por isso mesmo, Borloz (1990), enfatiza a riqueza de
possibilidades,
capacidade de iniciativa e que saiba lidar com um mundo em mudanças cada vez mais
aceleradas, verifica o desserviço prestado pelos livros didáticos entre outras coisas
[...] é muito difícil atualizar os conteúdos dos livros-texto, o que é visível se nos
detivermos a analisar o grau de demora em que as novidades científicas,
artísticas, literárias etc., produzidas dia-a-dia, passam a fazer parte do seu
temário. Importantíssimas descobertas matemáticas, físicas, biológicas,
históricas, artísticas, econômicas etc., demoram muito para ser incorporadas a
estes recursos didáticos, mas inundam os meios de comunicação de massas.
(SANTOMÉ, 1998, p. 178).
com que se faz a transposição didática dessa produção, contribui para o distanciamento
do ‘mundo real’ e o desinteresse por parte do aluno para com a dinâmica da escola e
da sala de aula. Parece haver o conteúdo escolar, exigido pelos currículos e pelas
35
BORLOZ, Alexis Acauan. Sobre o ensino de Pré-História. In: Revista Catarinense de História.
Florianópolis, ANPUH, ano I, nº 1, maio 1990, p. 86, (grifo nosso).
94
possível retornar ao texto didático e, com olhar cuidadoso, fixar-se sobre os dados
separação entre eles, sendo que cada grupo segue um processo evolutivo próprio. No
introdução ao tema, e para cada um dos ‘estágios’ da evolução36, o autor utiliza entre
quatro e cinco parágrafos com relato das características físicas marcantes de cada um.
Apesar de ser bastante conciso nas informações, é bem provável que o esquema
evolutivo no qual acredita, é o que Foley (1993) chama de modelo clássico, em que o
humana, alertando que essa evolução está ligada, sofrendo influências e influenciando,
36
Arruda apresenta quatro estágios, a saber: o Australopithecus, o Pithecanthropus erectus, o Homo
neanderthalensis e o Cro-Magnon.
95
apresentada por Braidwood (1988) a partir das pesquisas de Sarich, que estabeleceu
[...] a partir das revisões das datas moleculares, de uma melhor datação do
registro fóssil e, o que é mais importante, do reconhecimento por parte dos
paleontologistas de que nem todos os fósseis podem ser relacionados às
formas modernas, porém, em vez disso, representam padrões de diversidade
do p0assado que não continuaram até os dias de hoje. (FOLEY, 1993, p. 51-2).
Arruda (1976), não se detém muito aos detalhes, mas fortalece a idéia de
evolução, quando ilustra o texto com quatro perfis de crânio. Em geral, o crânio, por ter
uma massa óssea mais densa é, de todo o esqueleto, a parte que mais se preserva em
antropólogos físicos, podem obter muitas informações acerca das condições de vida:
hábitos alimentares, longevidade, doenças crônicas, por exemplo. De cima para baixo
37
O Cro-Magnon, o Neanderthal e o Homo sapiens, assim como os Pongidae e os Homínidas têm o
privilégio de constar do glossário ao final do capítulo, que não é o caso dos Australopithecus e os
Pithecantrhopus. Pode-se ler aqui, certo desleixo para com o mais primitivo?
96
A ilustração dos crânios é meramente decorativa, uma vez que não reproduz os
o imaginário da evolução, pois eles são a prova cabal e material das transformações
queixo. A reprodução das imagens não obedece a uma escala única, o que dificulta a
frio levou-o à busca de abrigo em cavernas, nas quais “[...] deixaram inúmeros traços
chegada ao “Homo sapiens”38 por volta de 40 mil anos a.C., com características muito
38
Ele deve querer dizer, aqui, Homo sapiens sapiens, pela datação que apresenta. O Homo sapiens
pode ser ainda entendido, como em Braidwood (1988, p. 33), o H.s.Neanderthalensis.
98
(1976) escreve seu livro didático. Das sete referências bibliográficas registradas ao final
evolução humana a partir da descrição dos aspectos físicos dos restos encontrados foi
o método mais seguro, pelo menos até o aprofundamento dos estudos em Genética.
Vários autores consultados por ele39, assim como outras obras40, contemporâneas ou
dos estágios, nem sempre ligando as implicações morfológicas aos impactos nas
39
Como LEROI-GOURHAN, André e outros. La pré-histoire. Paris, 1966; LINTON, Ralph. O Homem:
uma introdução à Antropologia. São Paulo, Livraria Martins, 1971; MUSSOLINI, G. Evolução, Raça e
Cultura. São Paulo, Companhia. Editora Nacional, 1969; e TAX, S. e outros. Panorama de
Antropologia. São Paulo, Fundo de Cultura, 1966.
40
Como LEAKEY, Richard. A Origem da Espécie Humana. Rio de Janeiro, Rocco, 1995;
BRAIDWOOD, Robert. Homens Pré-Históricos. 2. ed. Brasília, UnB, 1988; CHILDE, Gordon Vere. A
Evolução Cultural do Homem. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971, por exemplo.
99
serem bípedes e terem passado por crescimento do crânio e redução dos caninos.
Arruda (1976) reforça ainda o alerta para a lacuna que existe na história da
ritmo com que os conhecimentos científicos são incorporados aos textos didáticos.
Nesse sentido, é importante frisar que os estudos acerca das origens da humanidade,
que destaca justamente as lacunas sobre o conhecimento dessa fase da vida humana.
Mesmo com uma série de outras publicações mais recentes, inclusive traduzidas para o
cursos universitários, faz referência a um texto datado de 1941 que, não desmerecendo
das informações sobre o tema enfocado. Essa dificuldade de atualização contribui para
dinâmica da escola e da sala de aula e, por outro lado, permite a cristalização de certa
Introdução, aparece a seguinte citação: “[...] foi na Pré-História (fase dos documentos
grupos maiores.” (ARRUDA, 1976, p. 11). Essa expressão “o Homem apareceu” sugere
uma ação mágica, instantânea e não o resultado de uma série de fatores biológicos,
origem do Homem não aparece no corpo do texto, e sim, apenas no final, durante os
exercícios de fixação.
da idéia de evolução etapista, na qual cada novo estágio supera o anterior, em direção
pedaço de pau, o Homo sapiens (que vem registrado simplesmente assim) aparenta ter
porque parecem caminhar, da esquerda para a direita, como é nosso costume escrever.
Além disso, o ‘passo’ está sendo dado com a perna direita, deixando cobertos os
órgãos genitais.
102
texto seja lido, observando o gráfico, que localiza cada um dos hominídeos. Com essa
Essa compreensão não pode ser completa uma vez que o Homo sapiens, por
exemplo, está na ilustração, mas sequer foi citado no texto. As datas apontadas para o
início de cada espécie que gerou o ‘Homem de hoje’, também indicam a concepção de
evolutivo. Há também o ramo dos “macacos modernos” e mais outro, que produziu os
autor ou título e é utilizado para um exercício de fixação com três questões objetivas.
Australopithecus num texto tão pequeno? Certamente para destacar que, mesmo a
existência de diferentes soluções para a obtenção de alimentos não foi suficiente para
permitir mais longevidade à espécie, que desaparece para dar lugar ao ‘primo’ Homo
habilis. Este último aparece na árvore genealógica, mas não na outra imagem e é,
seguramente, mais ‘evoluído’ por ter cérebro maior, o que garante maiores
Saroni e Darós (1979) citam na bibliografia ao final da obra três livros que tratam
41
Trata-se de O Que aconteceu na História, consultada em sua 4ª edição de 1977, editada pela Zahar.
No seu primeiro capítulo, aborda a “Arqueologia e a História”, destacando como surgiu e evoluiu o
Homem.
42
“A Pré-História”, de 1963, também publicada pela Zahar, em seu primeiro capítulo, “O Lugar do
Homem na Natureza” apresenta o meio físico e a evolução biológica.
104
Varagnac (1963)43. Leakey (1995), apesar de ter sido citado no texto transcrito da
Como cada um desses autores apresenta a questão? Childe (1971), como já foi
registrado aqui, faz uma coerente apropriação dos postulados de Engels (1976) e
[...] uma continuação da História Natural. Esta última [a Pré-História] estuda nos
registros geológicos a ‘evolução’ das várias espécies de criaturas vivas, como
resultado da ‘seleção natural’ - a sobrevivência e multiplicação daqueles
fisicamente adaptados ao seu meio. O homem é a última grande espécie a
surgir, e nos registros geológicos seus restos fósseis são encontrados nas
camadas superiores e neste sentido literal ele é o produto mais alto daquele
processo. (CHILDE, 1977, p. 9-10).
Nesse pequeno trecho fica evidente seu compromisso com uma História que é
Para Arambourg que aborda sobre ‘Os Dados da Paleontologia Humana’ na obra
atento e ligado à evolução da biosfera. Para ele é possível, no atual estágio das
pesquisas, leia-se década de 1960, “[...] compreender como é que o Homem, longe de
como é que a História das suas origens se enraíza cada vez mais profundamente no
autores do livro didático em análise. Ao contrário, eles afirmam que a História revela
uma obra que compõe a coleção ‘Rumos do Mundo’, sob a direção de Febvre e
fazer mudanças de observatório, pois “[...] elas restituem à História Geral e aos nossos
Essa posição defendida pelos historiadores dos Annales, não só de lançar outro
olhar sobre a História, mas principalmente, uma deliberação de trazer para a História,
‘os povos sem história’, leia-se, sem escrita, ilumina todo o período comumente
documento, não só permite como exige dialogar com outras áreas do conhecimento, o
não-ocidentais. Nada mais significativo nessa postura do que a trilogia assinada por Le
Goff e Nora (1995), História: novos problemas, novas abordagens, novos objetos.
livro didático em questão. Tratam-se das explicações bíblicas para a origem do Homem.
medieval, o texto sugere que está ultrapassada, pela quantidade de informações vindas
(1995), que é oportuno citar pela lucidez e atualidade, passados já quase 30 anos.
deste capítulo. As contradições da era planetária que vivemos hoje começaram a ser
também planetária, uma vez que ele alerta que “[...] enquanto o europeu está neste
Infere-se então que hoje é desejável, e mesmo necessária, essa volta às origens,
às raízes, numa busca pelo reencontro da identidade terrena e pela construção de uma
ética planetária.
O livro didático de Aquino, Franco e Lopes (1980) iniciam com a pergunta “Quem
instigam-nos a refletir sobre os fatores que contribuíram para que o Homem se fizesse
produção dos seus meios de vida, passo à frente que só foi possível, é claro, em
52).
Os autores não fazem a citação de um texto de Engels (1976), o qual parece ter
forma, não lhe tirando o caráter de reflexão inovadora à época e que, pela análise
marxista assumida pelos autores do livro didático, parece estar presente, ressignificado
deliberação, ato racional, querer, bem como pela compreensão de sua própria
historicidade. E esta, por sua vez, lhe possibilita dar “[...] respostas aos obstáculos à
sentiu a emoção de ver um trabalho seu pronto e sendo usado todos os dias? Imagine o
109
que sentiam nossos ancestrais ao descobrirem todas essas coisas. Ao sentirem que
seres humanos em relação aos outros animais, identifica na sua atitude criativa e
(1971) e Varagnac (1963) constroem sua argumentação, de que “[...] o homem, assim,
faz sua própria cultura. Num certo sentido, pode-se dizer que da fragilidade do homem
45
A obra de Ostrower consultada é Criatividade e Processos de Criação, publicada pela ed. Vozes em
1978.
110
benefício.
Essa imagem remete à fala de Diniz (2001), para quem as imagens são
significação. Ele afirma que “[...] nas formas visuais que se pretendem objetivas,
Com esse olhar, a imagem, mais do que mostrar a ação do Homem sobre a
Natureza, reforça a idéia de que ele se fez Homem por meio dessa ação.
hominização, para Aquino, Franco e Lopes (1980), não ocupa mais de três parágrafos,
datação também é citada como auxiliar importante para os estudos do período. Apesar
disso, opera com uma datação extremamente defasada para o Homo sapiens: 25 mil
anos, ‘segundo o registro geológico’, deixando entrever que, efetivamente, essas não
Etiópia. Por essa abordagem fica ainda mais marcada a posição dos autores. Para eles,
origens da humanidade, o que Borloz (1990), apontou como sendo o desafio central do
conhecimento aumentam a cada dia, propiciando novos olhares, novas leituras desse
processo de hominização.
evolução linear – fazendo o registro de que muito ainda há que caminhar nesse campo.
ocuparam todos os outros ´cantos´ do Planeta, está hoje sendo reavaliada. A idéia da
linearidade evolutiva há muito foi descartada. Mas, salvo engano, permanece presente
postura crítica, apenas registrada, não significa o avanço em direção a uma alternativa,
uma vez que, no desenrolar do texto, mantém a descrição dos estágios evolutivos,
mais seguros. Por outro lado, essa falta de dados não impede o ato de rechaçar as
American Brasil com o tema Novo Olhar sobre a Evolução Humana. O novo olhar
anunciado no título está sendo possível graças ao aprofundamento das pesquisas que
genéticos. Com eles, a árvore genealógica foi redesenhada, ficando muito mais
descrédito.
de ser – pela obra de Saroni e Darós (1979). Tendo sido publicada pela F.T.D., uma
exigindo reflexões cuidadosas por parte dos professores, a fim de que, perante as
novidades apresentadas pelas ciências, o aluno não opte pela segurança da tradição
chegar ao Homem atual, fruto dessa visão evolucionista unilinear, aparece em apenas
uma das obras pesquisadas, mas todas elas procuram construir uma árvore
Por fim, está claro que o livro didático, ao adequar os conhecimentos científicos à
com certo atraso. Tanto as pesquisas arqueológicas quanto os avanços nas Ciências
em geral têm contribuído com alterações significativas acerca desse tema, mas essas
certamente essa é a questão mais delicada, que mais envolve explicitar uma postura
ideológica, pois que, qualquer que seja a posição adotada pelo professor em sala de
aula, haverá sempre polêmica. A descrição das características físicas de cada um dos
hominídeos pode não causar mais nenhum incômodo. No entanto, quais delas,
homens modernos, temos para com o futuro de nossa espécie e com a do Planeta?
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
os futuros possíveis
é um terreno fértil.
Milton Santos46
apropriações feitas às ciências pelos autores dos livros didáticos, num intrincado mar
de interesses que passam pela economia (pois que livro é mercadoria), política (é
poucas vezes encarado pela comunidade que produz e consome o livro didático.
46
SEABRA, Odete, CARVALHO, Mônica e LEITE, José Corrêa. Território e Sociedade: entrevista com
Milton Santos. 2. ed. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 71.
115
conteúdo de Pré-História, o recorte feito possibilitou um olhar mais atento sobre três
seguintes considerações:
poder, a fim de garantir tanto os detalhes técnicos da fabricação dos livros como a linha
texto, uma vez publicado e alcançado pelo leitor, será sempre reinterpretado, alterando
ressignificação acontece. E poderá ser mais rico, quanto mais aberto estiver o professor
Arruda (1976), logo na introdução do seu livro, abre bem o leque teórico, colocando sob
privilegiam o legado cultural de cada uma das sociedades enquanto Aquino, Franco e
Lopes (1980), utilizam o arcabouço teórico marxista com desenvoltura. Foi possível
116
observar como cada um dos livros analisados, usando como referência primeira a
(1976) e Saroni e Darós (1980), mas pouco explorada nos textos. De modo geral,
parecem apenas ilustrar, e não instigar também a reflexão do leitor. Uma imagem, seja
intenção e o leitor pode lhe dar outra, como de resto também o texto escrito, se Chartier
Para além do texto didático, há muitos discursos a (re)construir. Se, por um lado
é preciso socializar as descobertas científicas, por outro, essa socialização via material
didático se faz com alguma demora. Apontar a necessidade de mais pesquisas para dar
mais segurança ao discurso científico e não dizer de como o que já existe foi construído
chegar onde está. E também para respeitar todas as dores e alegrias, avanços e
recuos, vergonhas e orgulhos, já vividos. Não é pouco o tempo e nem poucas foram as
provisórias: a de que esses foram os primeiros passos num terreno extremamente fértil
117
paradoxalmente, tão próximo do seu cotidiano. Este é ´o´ momento para incorporar
Baía da Babitonga, no litoral norte de Santa Catarina, apresenta uma das mais ricas
sambaquianas.
um avanço, não só para a ciência, mas, principalmente, para uma prática social mais
contribuirá para o exercício da plena Democracia que pressupõe, entre outras coisas, o
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