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ANDRÉ BUENO – DULCELI ESTACHESKI

EVERTON CREMA – JOSÉ MARIA SOUSA NETO


[ORGS.]

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 1

APRENDENDO HISTÓRIA:

VISÕES &
DEBATES
PRODUÇÃO:
LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica da UNESPAR
Leitorado Antiguo – UPE
Projeto Orientalismo

Aprendendo EDIÇÃO:
História: Edições Especiais Sobre Ontens
VISÕES E
DEBATES
Página | 2

FICHA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria
de Sousa. Aprendendo História: Visões e Debates. União da Vitória: Edições
Especiais Sobre Ontens, 2019.
ISBN: 978-85-65996-71-6
Disponível em www.revistasobreontes.site
SUMÁRIO

CONVIDAD@S
MANUAIS DE DIDÁTICA DE ESTUDOS SOCIAIS PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES COMO FONTES PARA O CÓDIGO DISCIPLINAR DA DIDÁTICA DA
HISTÓRIA
Ana Claudia Urban, 7 Aprendendo
História:
HISTORIA TRAUMÁTICA RECIENTE EN LOS TEXTOS ESCOLARES DE HISTORIA DE VISÕES E
CHILE DEBATES
Andrea Minte, 22 Página | 3
EDUCAÇÃO HISTÓRICA E INTERCULTURALIDADE: A SELEÇÃO DE CONTEÚDOS EM
FOCO
Geyso Dongley Germinari, 37

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ATUALIDADE: UM OLHAR NA PERSPECTIVA DA


PEDAGOGIA DO OPRIMIDO DE PAULO FREIRE
Joana D’Arc Vaz e Almir Sandro Rodrigues, 46

O LAPEDUH E A EDUCAÇÃO HISTÓRICA: HISTÓRIA, FUNDAMENTOS E AS


POSSIBILIDADES DE UMA DIDÁTICA DA HISTÓRIA ESPECÍFICA
Thiago Augusto Divardim de Oliveira, 53

AUTOR@S
RURALISMO PEDAGÓGICO NA INTERVENTORIA DE AGAMENON MAGALHÃES EM
PERNAMBUCO - (1937-1945)
Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos e Sandra Roberta Vaz Lira Maranhão, 64

ALFABETIZAÇÃO HISTÓRICA: ESTADO DA ARTE EM EVENTOS CIENTÍFICOS DA


ÁREA DE EDUCAÇÃO
Ana Beatriz dos Santos Silva e Fábio Alves dos Santos, 74

CURRÍCULO E IDENTIDADES: DATAS COMEMORATIVAS NAS ESCOLARES EM SÃO


BORJA
Anderson Romário Pereira Corrêa e Jailton Santos Silva, 80

“MENINAS PRA LÁ E MENINOS PRÁ CÁ”: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA


DIVISÃO DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO DE FRANCISCO BELTRÃO-PR (1950)
Carla Cattelan e João Paulo Danieli, 88

HISTÓRIA DAS MULHERES E CURRÍCULOS


Carolina Giovannetti, 97

A CAIXA DE HISTÓRIA DA AMÉRICA: A RELIGIÃO E AS GUERRAS PENINSULAR E


DO CONTESTADO
Claudio Dos Santos Pereira de Oliveira e Gabrielle Momot, 106

A QUESTÃO DO AMAPÁ NO ENSINO DE HISTÓRIA: O TRABALHO COM IMAGENS E


MAPAS
Danilo Sorato Oliveira Moreira, 114
OS LIVROS DE LEITURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA INGLATERRA ENTRE
1870 E 1901
Elizabeth de Souza Oliveira, 122

O ENSINO DE HISTÓRIA E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA


EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA LEITURA EMANCIPATÓRIA
Aprendendo Emanuela de Moraes Silva, 130
História:
VISÕES E TEORIA DA HISTÓRIA: O ENSINO E A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NA APLICAÇÃO DE
DEBATES MAPA CONCEITUAL
Página | 4 Flávio Pereira Bastos, 136

A INCIDÊNCIA DO MAL-ESTAR DOCENTE ENTRE OS PROFESSORES DE HISTÓRIA


DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Gabriela Alves Monteiro, 142

REFLEXÃO ACERCA DOS MÉTODOS AVALIATIVOS NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA


Gabriel José Brandão de Souza e Italo Nelli Borges, 148

“PERTURBADO PELA IGNORÂNCIA DA NOSSA HISTÓRIA”: AS EXPERIÊNCIAS DE


BENEDICTO MONTEIRO PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA HISTÓRIA REGIONAL NO
LIVRO HISTÓRIA DO PARÁ (2006)
Geraldo Magella de Menezes Neto, 154

DECRETO-LEI Nº 869/69: AUTORITARISMO E EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA


Gustavo Josué Simoni Paes,162

EGITO: CIVILIZAÇÃO DAS LETRAS E DAS ARTES


Jean Carlo Lima de Moura, 170

QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS: DO CURRÍCULO TRADICIONAL ÀS NOVAS


DEMANDAS DE ENSINO
Jessica Caroline de Oliveira, 187

LITERATURA E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


João Pedro Pereira Rocha, 191

A TEORIA E PRÁTICA NOS PRIMEIROS CURSOS DE HISTÓRIA NO BRASIL


Lívia Caroline Santos Alves, 198

DISPUTAS PELA MEMÓRIA E PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA DOCENTE


Lucas Rafael Santos Costa, 205

IGREJA E EDUCAÇÃO E A SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL COLONIAL


Lucas Paes do Amaral, 212

COMO SE DEVE ENSINAR A HISTÓRIA DO PARÁ? HISTORIOGRAFIA E PRODUÇÃO


DE LIVROS DIDÁTICOS NA AMAZÔNIA
Lucilvana Ferreira Barros, 218

EDUCAÇÃO CIENTÍFICA UM OLHAR PARA ENSINO BÁSICO: CAMINHOS PARA A


DIDÁTICA DE HISTÓRIA
Ludmila Pena Fuzzi, 226
O USO DE MAPAS MENTAIS E CONCEITUAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA:
DESENVOLVENDO HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
Ludmila Pena Fuzzi, 233

“EM LINGUAGEM CHAN, CLARA, CORRECTA”: A PROPOSTA DE ENSINO DE


HISTÓRIA DE BALTHAZAR GÓES
Magno Francisco de Jesus Santos, 243 Aprendendo
História:
ENSINO DE HISTÓRIA A DISTÂNCIA: OLHARES CRÍTICOS E APONTAMENTOS VISÕES E
PRELIMINARES DE UM TUTOR DE PRIMEIRA VIAGEM DEBATES
Manoel Adir Kischener, 250 Página | 5
O MÉTODO CARTESIANO E O ENSINO MILITAR FRANCÊS NO EXÉRCITO
BRASILEIRO: O CASO DA ESCOLA DE ESTADO-MAIOR
Marcus Fernandes Marcusso e Lívia Carolina Vieira, 257

O JORNAL NA SALA DE AULA NO INÍCIO DO SÉCULO XX


Mariana Dias Antonio, 265

PRINCIPAIS CONJUNTURAS HISTÓRICAS DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NO


BRASIL
Rafael Fiedoruk Quinzani e José Iran Ribeiro,271

IMAGENS E CONSTRUÇÕES: AS REPRESENTAÇÕES DO TRÁFICO NEGREIRO NOS


LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Raynara Cintia Coelho Ribeiro, 279

A EDUCAÇÃO REPUBLICANA NA AMAZÔNIA: UTILIDADE DO ESTADO, HONRA DA


NAÇÃO E GARANTIA DA REPÚBLICA (1890 - 1894)
Roberg Januário dos Santos, 291

EDUCAÇÃO HISTÓRICA NA FORMAÇÃO CONTINUADA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


Sueli de Fátima Dias e Flavio Batista dos Santos,299

A ESCOLA FASCISTA: A FILOSOFIA IRRACIONALISTA INSTITUCIONALIZADA


Tiago Tormes Souza, 306

"A LINDA HISTÓRIA DO MEU PAIZ": ELEMENTOS DO IMAGINÁRIO REGIONAL


PAULISTA (1932)
Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg, 312

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO, SUAS INCONSISTÊNCIAS E O LUGAR DAS


CIÊNCIAS HUMANAS
Walace Ferreira e Diego Cavalcanti de Santana, 319
Aprendendo
COMUNI
CADOR@S
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 6
MANUAIS DE DIDÁTICA DE ESTUDOS SOCIAIS PARA A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES COMO FONTES PARA O CÓDIGO DISCIPLINAR DA
DIDÁTICA DA HISTÓRIA
Ana Claudia Urban

Aprendendo
Introdução História:
O presente texto integra a pesquisa que vem sendo sistematizada sobre os VISÕES E
manuais de Estudos Sociais voltados à formação de professores. Os Estudos DEBATES
Sociais passaram a substituir a disciplina História, a partir da lei n° Página | 7
5692/71. A partir da implantação da Lei o governo publica uma série de leis
e resoluções regulamentando a reforma educacional que reestruturou o
ensino de História que, para o 1o. Grau foi definido como Estudos Sociais e
passou a ter o seu programa elaborado pelas Secretarias de Educação.
Dessa maneira os Estudos Sociais foram assumidos como parte integrante
do Núcleo Comum, incorporando História, Geografia e aspectos das Ciências
Humanas.

A Lei n° 5692/71 introduziu grandes e profundas mudanças, excluindo a


História e a Geografia como disciplinas independentes no currículo do
recém-criado 1o. Grau de oito anos. Nessa direção os conteúdos da História
e da Geografia foram diluídos dando lugar aos Estudos Sociais que, de certa
forma, justificavam o projeto nacional organizado pelo governo militar
implantado no País a partir de 1964.

Segundo a Lei n° 5692/71 e o Parecer n° 853/71 os Estudos Sociais


assumiram entre outros objetivos “[...] o ajustamento crescente do
educando ao meio cada vez mais amplo e complexo, em que não deve
apenas viver, mas conviver, sem deixar de atribuir a devida ênfase ao
conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu desenvolvimento”
(PARECER 853/71) e a proposta metodológica levava em conta a
necessidade de relacionar os conteúdos aos estágios de desenvolvimento
psicológico do aluno.

Afirma Martins:

“Quando o Conselho Federal de Educação (CFE) definiu, mediante o Parecer


nº. 853/71, que o núcleo comum dos currículos passava a ser composto por
“matérias”, definindo também os objetivos e a amplitude dessas matérias,
estabeleceu que três seriam as formadoras do núcleo comum: Comunicação
e Expressão, voltado para Língua Portuguesa; Ciências, composto por
Matemática, Ciências Físicas e Biológicas; e Estudos Sociais, composto pelos
conteúdos de História, Geografia e Organização Social e Política do Brasil”
(2002, p.108).

A adoção de Estudos Sociais, como área de estudos, compreendia os


conteúdos de História, Geografia, Organização Social e Política do Brasil
(OSPB) e Educação Moral e Cívica (EMC). Assim deveria desenvolver nos
alunos noções de espaço e tempo a partir dos estudos da escola, do bairro,
da casa, da rua, para ir se ampliando, chegando ao estudo da cidade, do
estado e assim por diante. Esta fragmentação, na visão de Fonseca (1993),
tratava a família, o bairro, o município como se não fossem espaços e
dimensões constitutivas da mesma realidade, reforçando a ideia de divisão,
de espaços estanques, pois não leva em conta a noção de totalidade.

Aprendendo Ainda eram reforçadas pelo ensino de Estudos Sociais noções como: pátria,
História: nação, igualdade, liberdade, bem como a valorização dos heróis nacionais
VISÕES E dentro de uma ótica que tentava legitimar, pelo controle do ensino, a
DEBATES política do Estado e da classe dominante, anulando a liberdade de formação
Página | 8 e de pensamento. [A existência de propostas de formação de áreas
integradoras de disciplinas nas ciências sociais, voltadas ao ensino, na
realidade não se constitui uma novidade, visto que desde o século XIX, há
um espaço crescente para tais propostas dentro do ensino das
humanidades, que envolvem a História]. A escola, por meio destes
conteúdos, tentava garantir a legitimação e o controle da História pelos
setores dominantes, reforçando a fragmentação do conhecimento e a
organização curricular, tornando o ensino informativo, reprodutivista e
superficial e neutralizando, de acordo com os interesses vigentes, as noções
de espaço, tempo, relações sociais, trabalho e outras.

“O aluno expectador da História é por excelência um espectador da sala de


aula. A prática de receber o conteúdo pronto, a não exigência da reflexão,
da pesquisa produziu alunos passivos frente ao saber, copiadores de
anotações e questionários que eram devolvidos na prova tal e qual
recebidos em sala de aula. História e Geografia passam a ser encaradas
desde cedo como disciplinas que não exigem reflexão e elaboração da parte
dos alunos” (FONSECA, 1993, p.72).

Levando em conta a presença dos Estudos Sociais na história da educação


brasileira, a intenção do presente texto é apresentar reflexões iniciais sobre
manuais de Didática de Estudos Sociais voltados à formação de professores,
sendo as reflexões ancoradas nas pesquisas sobre a constituição do código
disciplinar sistematizadas por Raimundo Cuesta Fernandez (1998).

As investigações sobre manuais escolares vêm colaborando com reflexões


sobre a forma de pensar os elementos que constituem uma disciplina
escolar, entre eles citamos Fernandez Cuesta que desenvolveu investigação
sobre a origem das disciplinas escolares na Espanha, para tanto, faz uso do
conceito código disciplinar e, explicita o autor, sobre o que apresenta como
código disciplinar:

“[...] una tradición social que se configura históricamente y que se compone


de un conjunto de ideas, valores, suposiciones y rutinas, que legitiman la
función educativa atribuida a la Historia y que regulan el orden de la
práctica de su enseñanza. Alberga, pues, las especulaciones y retóricas
discursivas sobre su valor educativo, los contenidos de su enseñanza y los
arquetipos de práctica docente, que se suceden en el tiempo y que se
consideran, dentro de la cultura dominante, valiosos y legítimos. [...] el
código disciplinar comprende lo que se dice acerca del valor educativo de la
Historia, lo que se regula expresamente como conocimiento histórico y lo
que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones,
prácticas y contextos escolares impregnan la acción institucionalizada de los
sujetos profesionales (los profesores) y de los destinatarios sociales (los
alumnos) que viven y reviven, en su acción cotidiana, los usos de educación
histórica de cada época” (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p. 8-9).
Aprendendo
Na perspectiva das discussões sobre o código disciplinar apontamos que as História:
investigações sobre a história das disciplinas podem ser realizadas sob duas VISÕES E
formas. Primeiramente, como uma disciplina que agregou, no decorrer de DEBATES
sua existência, ideias sobre o ensinar e o aprender, propôs rotinas Página | 9
envolvendo a prática do professor, sugeriu regras, normas em favor de sua
organicidade, identificou conteúdos necessários à formação do professor, ou
seja, incorporou discursos, formas de pensar, de legitimar o que, em cada
época, foi delineando-se como - “ensinar e aprender”. Muitos desses
elementos podem ser percebidos por meio de uma investigação tomando
como ponto de apoio os documentos, os currículos e os manuais. Uma
segunda perspectiva possível de análise é pensar este mesmo “código
disciplinar” na prática do professor.

Nessa direção investigar o código disciplinar constitui-se em um campo


específico que é das disciplinas escolares e, pode ser analisada por meio do
que Cuesta Fernandez (1998) chama, de “textos visíveis”, ou seja, os
manuais, os programas escolares, a legislação pertinente; como também
pode ser percebida nos “textos invisíveis”, que são justamente as práticas
dos professores, a vivência do que o “texto visível” sugere.

Os manuais são assumidos, nessa perspectiva, como “fontes visíveis” do


código disciplinar, por sua vez, portadores da forma pela qual se pensava o
ensino e a aprendizagem. Assim o conceito de “código disciplinar” aponta os
manuais como elementos fundamentais na constituição das disciplinas
escolares, justificando dessa maneira as investigações que tomam os
manuais como fontes para a investigação sobre a relação entre o ensino e a
aprendizagem.

Apoiando-se nas considerações sobre a disciplina História, analisada por


Cuesta Fernandez (1998), compreende-se como uma disciplina escolar foi
historicamente se constituindo e, ao mesmo tempo, delimitando o seu
espaço sob as influências e formas de pensar o ensino e a aprendizagem em
diferentes épocas; o momento em que foi institucionalizada a disciplina de
Estudos Sociais reflete justamente uma “crise do código disciplinar da
História”, tendo em vista que a História perde a sua especificidade enquanto
disciplina e passa a ser substituída por outra disciplina que reunia
conteúdos não só de História, como também de Geografia.

Os manuais, objetos da presente investigação, foram assumidos como


“fontes visíveis” do código disciplinar da História. Pois conforme Schmidt
(2006) em seu texto “Estado e construção do código disciplinar da Didática
da História”, optar pela análise de manuais:
“[...] significa tratar este objeto com base nos marcos definidores iniciais,
isto é, como manuais didáticos relacionados ao processo de escolarização,
constitutivos da cultura escolar e destinados à formação didático-
pedagógica dos professores em determinado período e contexto da
sociedade brasileira. O fato de proporem métodos e atividades de ensino da
Aprendendo disciplina de História indica a necessidade de explicar o que se entende pelo
História: conjunto de conhecimentos veiculados por estes manuais ou o tipo de
VISÕES E saberes constitutivos destas publicações” (SCHMIDT, 2006, p. 712).
DEBATES
Página | 10 Assim como Schmidt (2006), acredita-se que os manuais constituem-se
marcos definidores em relação ao período em que são produzidos e, por
certo, tornam-se indicativos da forma pela qual o ensino de História foi
entendido. Dessa maneira infere-se que as discussões tendo os manuais
como “fontes visíveis” contribuíram no sentido de se perceber como um
código disciplinar voltado ao ensino de História foi pensado.

A opção pela pesquisa em manuais destinados aos professores significa


também tratar este objeto a partir dos marcos definidores iniciais, isto é,
como manuais didáticos relacionados ao processo de escolarização,
constitutivos da cultura escolar e destinados à formação didático-
pedagógica dos professores, em determinado período e contexto da
sociedade brasileira. O fato de proporem métodos e atividades de ensino da
disciplina História indica a necessidade de explicar o que se entende pelo
conjunto de conhecimentos veiculados por estes manuais, ou o tipo de
saberes constitutivos destas publicações.

Manuais de Didática dos Estudos Sociais: primeiras questões


Tomando as discussões anteriormente mencionadas foram selecionados
para a análise manuais de Estudos Sociais destinados à formação de
professores. As obras destacadas não são as únicas, no entanto optou-se
por fazer uma seleção neste momento, procurando focalizar, nesta análise
inicial, de que maneira os manuais abordam elementos constitutivos do
ensino e da aprendizagem.

As obras são apresentadas a partir de alguns critérios. Primeiro são


relacionados os manuais publicados por órgãos públicos; na sequência
obras publicadas por autores brasileiros; e, por último, obras publicadas por
autores estrangeiros.

Manuais publicados por órgãos públicos


A obra “Estudos Sociais na Escola Primária” foi publicada pela Biblioteca da
Professora Brasileira em 1962. Maria do Carmo Marques Pinheiro de Maria
da Gloria Correa Lemos foram as colaboradoras. O prefácio da obra registra
a proposição quando da sua elaboração afirmando que:

“O meio familiar se tem modificado, levando a criança, por vezes, a


participar de experiências nem sempre formadoras. Ocorre, por isso, com
freqüência um amadurecimento que se vai processando sem a aquisição
básica de hábitos e atitudes convenientes. Tanto o professor
experimentado, como aquele que se inicia reconhecem a existência do
problema e procuram soluções adequadas na Psicologia Infantil e na
Psicologia da Aprendizagem” (1962, p. 17).

Nesse sentido a obra tem como objetivo “facilitar” o trabalho do professor


fornecendo subsídios para a aula, cada capítulo está estruturado com os
objetivos do tema e, na sequência, orientações para o professor sobre o Aprendendo
conteúdo apresentado. História:
VISÕES E
Uma das orientações do 4º. Ano tem como título “A criança e o DEBATES
conhecimento da realidade brasileira”. Neste capítulo, após os objetivos Página | 11
são apontados argumentos favoráveis à aprendizagem do aluno, afirmando
que desde que a criança iniciou seus estudos no 1º. ano teve contato com
diversos conteúdos e, dessa maneira, já no 4º. Ano:

“[...] a criança que já se habituou a informar-se sobre a evolução das


coisas que a cercam poderá chegar a certa sistematização dos fatos
históricos, sem perder o interesse ante o afastamento no tempo e no
espaço. [...] a criança de dez anos, apreendendo mais nitidamente as
relações de causa e efeito, encontrará na lógica dos fatos outro apoio de
valor” (1962, p. 236).

Vale ressaltar que as autoras defendem a ideia de que o aluno inicia sua
aprendizagem em História a partir do 4º. Ano, pois afirmam que:

“[...] cabe aqui esclarecer que a aprendizagem em História se inicia,


propriamente, no 4º. Ano, quando a criança vai amadurecendo para a
conceituação de tempo histórico. A noção de tempo vai sendo adquirida aos
poucos, desde o 1º. Ano, tendo mesmo constituído uma de nossas
preocupações constantes, por ser de gradativa apreensão, pela criança,
dificultando sobremodo o curso de História na escola primária” (1962, p.
19).

A outra obra, intitulada “Estudos Sociais 1 – Cadernos MEC” e publicada


pela FENAME – Fundação Nacional de Material Escolar* – no ano de 1969,
tem como autores James Braga Vieira da Fonseca e Lydinéa Gasman.
Dentre os manuais analisados este é o único material destinado aos alunos
e, segundo a apresentação do caderno:

“A FENAME dá a maior importância aos Estudos Sociais, disciplina de rico


conteúdo e alto sentido cultural, introduzida, em caráter optativo, nos
cursos secundário, comercial e industrial, podendo também uma obra sobre
essa matéria servir à iniciação da Cadeira de Ciências Sociais, que figura
como disciplina obrigatória especifica nos cursos de técnica de
administração, de técnica de secretariado e de técnica de comercio e
propaganda” (1969, p. 3).

*[FENAME: Fundação Nacional de Material Escolar, supervisionada pelo


Ministério da Educação e Cultura, substituiu a Companhia Nacional de
material de ensino. A Fundação foi criada em 1967 com a finalidade de
produção e distribuição de material didático (livros, peças, aparelhos e tipos
diversos de material escolar) de modo a contribuir para a melhoria de sua
qualidade, preço e utilização. [...] não visa fins lucrativos e o material
didático que produz é distribuído pelo preço de custo em todo o Brasil
(GUIA METODOLOGICO PARA CADERNOS DO MEC HISTÓRIA, 1971, p
141)].
Aprendendo
História: O “Guia Metodológico para Cadernos do MEC – Estudos Sociais 1” também
VISÕES E publicado pela FENAME é um material que acompanha o manual anterior e
DEBATES é destinado aos professores, como caderno de apoio. Foi publicado em 1969
Página | 12 e seus autores são James Braga Vieira da Fonseca e Lydinéa Gasman. O
Guia esclarece ao professor que os Estudos Sociais constituem-se em
atividade interdisciplinar, que se processa com a História e Geografia,
Economia e Política, Sociologia e Antropologia Cultural, ciências essas, cujo
ensino, ministrado por meio de metodologia especial, tem por fim realizar
valores sociais, exigidos pela época.

O manual tem como conteúdos:

“I – As finalidades da Educação e os Estudos Sociais


II – A determinação dos objetivos nos Estudos Sociais
III – Estrutura dos Estudos Sociais
IV – O planejamento didático dos Estudos Sociais
V – A orientação das atividades discentes nos Estudos Sociais
VI – A fixação da aprendizagem nos Estudos Sociais
VII – A verificação da aprendizagem nos Estudos Sociais” (1969, p. 7).

Quanto às finalidades da Educação e os Estudos Sociais, aponta o referido


material que:

“Os Estudos Sociais precisam ter seu corpo próprio, característico e


diferenciado das disciplinas e Práticas com as quais se articulam. Não se
pode aceitar a idéia de Estudos sociais como um mero artifício para se
reduzir nominalmente o numero de Disciplinas, mas, na realidade,
continuando a existir uma sucessão de retalhos de História e Geografia.
Isto, que tem ocorrido em várias escolas, é um “desserviço” à educação,
pois não chega a ser Estudos Sociais e deturpa ou quase acaba com a
Geografia e História, ambas de considerável valor pedagógico” (1969, p.
10).

Também foram analisados manuais publicados por outras instituições


públicas, entre os quais de destaca o “Manual do professor primário do
Paraná” volume 1 – 1ª. série, publicado pela Secretaria de Educação e
Cultura do Paraná em 1963; ele foi elaborado por professores e assistentes
do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da referida secretaria. Este
é um manual para professores da 1ª série e “[...] se destina a orientar os
professores primários do Estado na sua nobilitante missão de ensinar”
(1963, p. 5).
O Índice do manual compreende as disciplinas: Linguagem, Matemática e
Estudos Sociais e Naturais. Particularmente o ensino de Estudos Sociais e
Naturais compreende as páginas 105 a 116. Quanto ao Programa de Ensino,
a área de Estudos Sociais é assim definida:

“[...] é a combinação de conhecimentos e idéias mais necessárias ao Aprendendo


homem com respeito à sua formação e sobrevivência. [...] Para melhor História:
atender às necessidades da criança de 6 a 8 anos, os Estudos Sociais e VISÕES E
Naturais da 1ª. série estão ligados, principalmente, a aspectos do meio que DEBATES
a rodeia e tanto quanto possível dentro do seu campo visual, e baseado no Página | 13
presente” (1963, p. 105).

O manual apresenta uma série de “orientações” para o professor. Como


exemplo, destacam-se aqui as orientações relativas ao tema “A Família do
Aluno”.

“O aluno deverá tomar conhecimento do nome completo de seus pais, caso


não os tenha, os dos responsáveis per ele: avós, tios, padrinhos, etc... e
demais pessoas da família. Através desse trabalho o professor ficará
conhecendo melhor a família do aluno e, portanto, aquele que irá precisar
de um atendimento mais afetivo, por não contar com um ambiente
favorável no seu lar, tanto no aspecto econômico como no de formação
educativa. Agindo assim o professor terá atingido a mais alta finalidade da
educação que é ajustar o individuo na sociedade, dando-lhe a oportunidade
de tornar-se um cidadão útil” (1963, p. 110).

Em 1964 foi editado um segundo volume destinado aos professores que


atuavam na 2ª. Série, também publicado pela Secretaria de Educação e
Cultura do Paraná. Segundo o manual, o programa de ensino da área dos
Estudos Sociais compreende os seguintes temas: a escola, a localidade, o
município, pátria - (datas nacionais, símbolos da pátria, hino nacional (letra
e música), hino à bandeira nacional (letra e música), histórico da bandeira
nacional, regulamento para o uso da bandeira nacional, dados históricos
sobre o hino nacional). Também contempla sugestões para a confecção de
material didático, como um mapa de borracha, o clima do Estado do
Paraná, normas para entrevista, avaliação.

Referindo-se ao aluno da 2ª. Série, o manual aponta que: “[...] demonstra


grande interesse no que diz respeito ao ambiente em que vive e que
constitui o campo de ação de sua atividade e dos seus familiares. Nessa
idade quer tornar-se independente, mas depende constantemente da ajuda
dos pais e professores”. (1964, p. 171).

As orientações dadas aos professores para ensinar o tema “município”


foram destacadas aqui:

“O roteiro, que sugerimos para o estudo da localidade, será usado,


também, para desenvolver o estudo do município, que vem a ser uma
aplicação e ampliação dos conhecimentos já adquiridos. [...] Apresentando
o “mapa mudo” do município, [...] explicar, que o desenho representa o
município. Dizer o nome, dando assim o motivo para que os alunos queiram
saber a razão dele; vem daí o histórico do município. Fazer com que os
alunos localizem o fato histórico no espaço, correlacionando a geografia à
história” (1964, p. 180).

Aprendendo Outro material examinado são relatórios de experiências realizadas pelo


História: Departamento de História junto às turmas de 1º. Grau, publicados pela
VISÕES E Universidade Federal do Paraná na segunda metade da década de 1970. Os
DEBATES relatórios são intitulados “Estudos Sociais a partir da longa duração”. O
Página | 14 primeiro relatório foi publicado em 1976 e a coordenadora do projeto,
Professora Cecília Maria Westphalem, é quem faz a apresentação deste
manual. Os relatórios número 2 e 3 foram publicados em 1977. A proposta
das atividades visava a elaboração de matrizes que permitissem a
organização de conteúdos de Estudos Sociais, de acordo com alguns
instrumentos elaborados. Os volumes apresentam uma descrição com os
resultados da experiência.

A Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina publicou, em 1987, o


material intitulado “Estudos Sociais – 1º. Grau – subsídios para a
programação – 1ª. a 8ª. série”. A primeira parte desse manual apresenta
orientações metodológicas para os professores que atuavam em classes de
1ª. a 4ª. Série, com o seguinte título: “Estudos Sociais – Integração Social
– 1ª a 4ª. Série”. Nele é apresentado inicialmente um quadro com objetivos
gerais, objetivos específicos e cada unidade de trabalho, como se pode ver
no exemplo que segue:

“Objetivo geral:
Conhecer a escola em seus aspectos físico, histórico, sociocultural, político e
econômico.
Objetivo específico:
Relacionar as dependências e objetos escolares as suas funções.
Utilizar corretamente os objetivos escolares e deslocar-se com segurança na
escola.
Unidade:
A ESCOLA – ambiente físico da escola (dependências, pátio, jardim, horta,
etc.)” (1987, p. 9).

Na segunda parte do manual, com orientações para os professores que


atuavam em classes de 5ª. a 8ª. Série, dentro do mesmo modelo utilizado
para as séries iniciais, encontram-se sugestões como esta:

“HISTÓRIA – 5ª. a 8ª. SÉRIE:


Objetivo geral:
Identificar os países responsáveis pelas grandes navegações e descobertas.
Objetivo Específico:
Destacar Portugal e Espanha como os países responsáveis pelas grandes
navegações.
Unidade:
Navegações portuguesas e espanholas. Tratado de Tordesilhas” (1987,
p.91).
Manuais escritos por autores brasileiros e publicados por editoras
comerciais
Além dos inúmeros manuais publicados por órgãos públicos, foram também
localizadas diversas obras escritas por autores brasileiros e publicadas por
editoras comerciais. A primeira a ser destaca aqui é o manual “Habilidades
de Estudos Sociais – na escola primária” da Biblioteca de Orientação da Aprendendo
professora primária que tem como autora Maria Onolita Peixoto* publicada História:
pela Editora Nacional de Direito, em 1965. VISÕES E
DEBATES
*[A autora foi professora primária, técnica em Didática de Estudos Sociais Página | 15
do PABAEE (Programa De Assistência Brasileiro-Americana do Ensino
Elementar). PABAEE, oriundo de convênio assinado entre os Estados
Unidos, o governo federal do Brasil e o governo estadual de Minas Gerais
(1953), visava à formação e aperfeiçoamento de professores para a escola
normal e primária, além da produção e distribuição de materiais didáticos.
Várias obras de autores norte-americanos e diferentes livros nacionais, sob
a influência daqueles, foram publicados, além de serem desenvolvidos
estudos sobre a experiência realizada naquele Estado].

Segundo esse manual, as habilidades de Estudos Sociais deveriam ser


selecionadas obedecendo aos seguintes critérios:

a)Desenvolverem-se através de situações, nas quais o aluno veja uma real


necessidade para elas;
b)Desenvolverem-se considerando a prontidão do educando;
c)Desenvolverem-se dentro de uma seqüência lógica de dificuldades,
quando se trata de habilidades especificas da matéria;
Baseando-se nesses critérios, o programa dos Estudos Sociais atenderá as
seguintes questões:
QUE TIPO de habilidades deve ser formado e desenvolvido em Estudos
Sociais?
QUANDO desenvolver tais habilidades?
ATRAVES DE QUAIS EXPERIENCIAS são elas desenvolvidas?
QUE MATERIAIS são necessários para desenvolver habilidades em Estudos
Sociais? (1965, p. 22 e 23).

As autoras Leny Werneck Dornelles e Therezinha Deusdará publicaram em


1967 o livro “Estudos Sociais – Introdução”, pela Editora Ao Livro Técnico.
O manual demonstra uma preocupação com a função do professor
afirmando:

“Ele tem que conhecer muito melhor as crianças - como se desenvolvem,


de que gostam, que são capazes de fazer, quais são suas emoções, como
aprendem; não pode ignorar uma variedade de técnicas e de recursos de
ensino; precisa empenhar-se em organizar e conduzir das maneiras mais
apropriadas as experiências que levarão seus alunos às aprendizagens
desejadas” (1967, p. v).

O livro está organizado em unidades distintas. Inicialmente apresenta uma


fundamentação para o ensino de Estudos Sociais, não só analisando os
fatores básicos, a sua organização, como também dando ao professor uma
orientação geral para a sua utilização. Na sequência, com vistas voltadas
para o trabalho de classe, as orientações revestem-se de cunho prático,
apresentando normas didáticas para a direção da aprendizagem.

Aprendendo Nas considerações referentes ao programa de Estudos Sociais apontam as


História: autoras que alguns fatores devem ser considerados para a organização de
VISÕES E um programa funcional de Estudos Sociais:
DEBATES
Página | 16 “A criança, o seu desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social. É
preciso conhecer aquilo que ela sabe, faz e aprecia para que se possa
estimar o que ela precisará e será capaz de aprender. A ampliação
gradativa das experiências de aprendizagem deve se fundamentar no
desenvolvimento da criança” (1967, p. 17).

A obra “A escola e a compreensão da realidade” (ensaio sobre a


metodologia das ciências sociais) da autora Maria Teresa Nidelcoff, foi
publicada pela Editora Brasiliense em 1980. Defende a autora que a escola
tem de ajudar a criança para que, em seu processo de crescimento, vá
compreendendo a realidade que a cerca e nela consiga localizar-se lúcida e
criativamente. Este processo a inicia na realidade imediata, com o meio:
aprende a ver no mesmo, para em seguida estender seu olhar na direção de
horizontes mais largos (1980, p. 11).

O manual “A construção do grupo – Estudos Sociais para a primeira série de


1º. Grau”, de Jacy Camarão de Figueiredo, editada pela Imprensa
Universitária de Belo Horizonte, em 1980, é um manual dirigido ao
professor que visa subsidiar a prática em relação aos conteúdos de Estudos
Sociais. Argumenta a autora:

“A experiência pedagógica vem demonstrando que, para sustentar o prazer


da criança no trabalho escolar, não é suficiente selecionar os assuntos do
programa com base no seu interesse. O que mantém a alegria do aluno nas
atividades de sala-de-aula são as oportunidades de criação que lhes são
oferecidas. Essas atividades só serão criadas em um programa que estimula
a reflexão. No curso de Estudos Sociais, o essencial é que o aluno descubra
as ações que humanizam o homem, cada vez mais, diferenciando-o do
animal” (1980, p. 15).

O manual “Área de Estudos Sociais – Metodologia” dos autores Elza


Gonçalves Avancini, Helena Copetti Callai, Jaeme Luiz Callai e Maridalva
Bonfati Maldaner foi publicado em 1986 pela Editora Unijuí. O livro é fruto
de um trabalho de discussão iniciado em 1984 reunindo diversos segmentos
da região de Ijuí, em torno da definição sobre o ensino de Estudos Sociais.
A comissão formada elaborou uma “[...] proposta pedagógica e conteúdos
programáticos na área de Estudos Sociais, Geografia e História, de 4ª. a 7ª.
séries do 1º. Grau. A par destas propostas discutidas, avaliadas e
aprovadas pelo grupo passou-se à produção de material instrucional
(textos)” (1986, p. 14).
Após a elaboração o grupo fez uma testagem do material produzido em 4
escolas de 4ª. a 7ª. série. Nessa direção o material foi resultado da
discussão realizada e uma possível testagem nas escolas. Em linhas gerais
o material apresenta os seguintes conteúdos:

A Geografia – o que entendemos por Geografia, o que queremos com a Aprendendo


Geografia, proposta de trabalho; Princípios pedagógicos na definição de História:
uma metodologia – o que ensinar – como ensinar: a interação na dinâmica VISÕES E
dos conteúdos; o planejamento como forma de organização e expressão da DEBATES
proposta metodológica; a dinamização do ensino e a avaliação da Página | 17
aprendizagem; definição dos conteúdos em relação à proposta teórica-
metodológica; sugestão para a dinamização dos conteúdos – o uso do texto
didático, o uso do mapa, elaboração e interpretação de cronologias, o
trabalho com a linha do tempo, a construção de maquetes, entrevistas, o
trabalho de síntese compreensiva através de historia em quadrinhos,
dramatizações, painéis temáticos, fichários, coleções, o uso de fotografias e
ilustrações, elaboração do jornal escolar, o estudo do meio, excursões.

“O Ensino de Estudos Sociais no primeiro grau” é o manual organizado por


Dulce Maria P. Camargo Leme, Eloisa de Mattos Höfling, Ernesta Zamboni,
Newton Cesar Balzan publicado em 1986, pela Atual Editora. O livro foi
pensado com o objetivo de trazer aos professores ou futuros professores de
primeira a quarta série de Estudos Sociais elementos para uma atuação
enriquecedora e mais apropriada para esta área de estudo. Os temas da
obra são: Estudos Sociais: uma disciplina em questão; Relatos de
experiência (para as séries indicadas), Estudos Sociais: noções
fundamentais para a compreensão da realidade social.

Ainda entre os manuais produzidos comercialmente, as autoras Maria


Helena Cozzolmo de Oliveira e Ieda da Silva Monteiro publicaram em 1988
o manual “Didática dos Estudos Sociais – como aprender, como ensinar”
pela Editora Saraiva. É um manual destinado aos professores formados em
magistério no 2º. Grau. Segundo as autoras o livro contempla o essencial
que uma professoranda deve conhecer para ensinar com segurança. O
índice contempla, entre outros temas: Estudos Sociais – elo integrador;
Estudos Sociais e as demais disciplinas ou áreas de estudo do currículo;
objeto e objetivos dos Estudos Sociais; currículo e programa – definição de
currículo e linhas mestras para a organização de um programa; seleção dos
conteúdos, competência da organização; os livros em Estudos Sociais.

“Didática de Estudos Sociais” manual de Rosalva Portella e Rosaly Maria


Braga Chianca, foi publicado pela Editora Ática em 1999. Livro destinado a
professores em processo de formação possui temas como: As coisas estão
no mundo, só que eu preciso aprender. O objeto de estudo. Para que
estudar Estudos Sociais. Proposta metodológica. Proposta de conceitos a
serem trabalhados. O cotidiano como ponto de partida. Conhecendo o
aluno. A referência aos estudos de Psicologia Genética são assim feitas
pelas autoras:
“Ao elaborar um currículo ou programar atividades, o professor precisa ter
claro, primeiramente, quais são as características intelectuais, afetivas e
sociais com quem vai trabalhar. [...] Segundo Piaget, a partir dos sete anos
a criança entra no terceiro estágio do pensamento: o da operação concreta,
quando ela já é capaz de realizar uma operação até o fim e retornar ao
Aprendendo ponto de partida. Para executar uma operação mental nessa fase, a criança
História: precisa partir do conceito do concreto. Não é necessário que o objeto esteja
VISÕES E fisicamente presente, mas a criança precisa interiorizar os objetos reais
DEBATES para realizar a operação mental. Nesse momento, portanto, o ensino deve
Página | 18 partir das experiências da realidade mais próxima, do que é conhecido e
vivenciado, para que, gradativamente, os conhecimentos se ampliem e se
estabeleçam as relações necessárias entre o próximo e o distante” (1999,
p.14).

O manual “Estudos Sociais – outros saberes e outros sabores” organizada


por Roseli Inês Hickmann foi publicado em 2002 pela editora Mediação. O
livro é um conjunto de textos que, segundo a organizadora,

“[...] o enfoque é o de favorecer a construção das identidades


socioculturais, formar para a cidadania, para a aceitação ao diferente,
trabalhando com múltiplos significados das “ciências sociais”. Tal currículo
pressupõe, assim, trabalhar a realidade social em suas varias dimensões:
temas transversais, globais, planetários, através de um planejamento
interdisciplinar” (2002, p. 5).

Entre os assuntos abordados pela manual destacam-se: Ciências Sociais no


contexto escolar: para além do espaço e do tempo; o tempo histórico no
ensino fundamental; um projeto de trabalho a partir da relação história e
literatura; dinâmicas de gênero nas práticas escolares; planejamento: uma
prática articulada com o tema cultura.

Helena Callai organizou a manual “O Ensino em Estudos Sociais” pela


editora Unijuí. A obra foi inicialmente publicada em 1991, com a segunda
edição em 2002. De forma geral foram mantidas as mesmas discussões,
com pequenas alterações comentadas no Prefácio. Segundo a organizadora:

“Esta publicação tem, por objetivo, contribuir na busca de alternativas para


que o ensino da geografia e da história seja conseqüente para situar o aluno
no mundo em que vive. É, por isso, destinada para o uso em disciplinas dos
cursos em que se trabalham essas questões, como na graduação de
Geografia, de História, de Pedagogia, do 3º. Grau, e no curso de Magistério,
do 2º. Grau” (2002, p. 8).

Manual de autor estrangeiro


A obra publicada por autor estrangeiro é “Estudos Sociais para Crianças
numa Democracia” do autor John U. Michaelis (tradução Leonel Vallandro)
publicada pela Editora Globo em 1963.

“O tema central desta edição é que os valores e o comportamento


democráticos devem impregnar todas as fases do programa de estudos
sociais. As metas, o planejamento, os processos e materiais de instrução,
assim como a avaliação, devem conservar-se coerentes com este tema. [...]
Outros fatores básicos são postos em relevo através do livro. As
características de crescimento da criança e as diretrizes a adotar para o
melhoramento da aprendizagem são consideradas do ponto de vista de suas
inferências para os estudos sociais”. (p. viii) Aprendendo
História:
Entre os temas abordados na obra estão: Os Estudos Sociais na Democracia VISÕES E
Americana, Princípios e padrões de organização, O desenvolvimento da DEBATES
criança e os Estudos Sociais, Características de crescimento e Página | 19
desenvolvimento, O Planejamento de unidade nos Estudos Sociais,
Considerações essenciais ao planejamento das unidades.

Frente à diversidade de manuais publicados voltados à formação do


professor, percebemos que os elementos constitutivos do ensino e da
aprendizagem estão envoltos às prescrições destinadas aos professores, o
foco dos manuais está assentado na ideia de organizar a aula, sistematizar
a proposta dos conteúdos determinados. De uma maneira simples os
manuais analisados preocupam-se com a sistematização de uma proposta
do ensino de Estudos Sociais, vinculada a forma pela qual os alunos podem
aprender, preocupação esta pautada das discussões advindas da Psicologia.

Considerações Finais
Nesta primeira etapa de análise, entendemos que os manuais acima
mencionados constituem-se em “textos visíveis” do código disciplinar de um
momento que apontamos como da “crise do código disciplinar da Didática
da História”. Os manuais apresentam o que Fernandes Cuesta (1998)
chama de “história com pedagogia”, porque ressaltam e valorizam aspectos
pedagógicos como fundamentais para um ensino cujo objetivo era formar
verdadeiros cidadãos.

No caso específico do ensino de Estudos Sociais, o processo de


pedagogização dos conteúdos nos manuais didáticos voltados à formação do
professor esteve intrinsecamente articulado, particularmente, aos projetos
de política educacional a partir da década de 1970. Nessa direção os
resultados indicam a presença de um conteúdo e/ou orientações mediadas
por elementos pedagógicos e psicológicos e o conteúdo passou a ver visto
muito mais em função do seu interesse e adequação aos alunos.

Referências
Ana Claudia Urban
Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Paraná –
Setor de Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação, do Mestrado Profissional em Ensino de História e professora de
Metodologia e Prática de docência de História. Pesquisadora do Laboratório
de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH). claudiaurban@uol.com.br
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853/71, aprovado em 12/11/1971. Relator Valnir Chagas. Documenta,
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FENAME – Fundação Nacional de Material Escolar. Ministério da Educação e


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subsídios para a programação – 1ª. a 8ª. série. Florianópolis: Imprensa
Oficial de Santa Catarina, 1987.
HISTORIA TRAUMÁTICA RECIENTE EN LOS TEXTOS ESCOLARES DE
HISTORIA DE CHILE
Andrea Minte

Aprendendo Se presentan los resultados de una investigación acerca de hechos


História: traumáticos recientes de la Historia de Chile y cómo éstos se abordan en los
VISÕES E textos escolares de la disciplina. El objetivo fue analizar el golpe militar de
DEBATES 1973 y la dictadura en Chile, los conceptos asociados y los valores
Página | 22 presentes en el currículum explícito y oculto en textos escolares de Historia
y Geografía. La investigación se enmarcó en el paradigma interpretativo y la
metodología, por tanto, fue cualitativa. Se trató de un estudio descriptivo
con diseño hermenéutico. Se trabajó con un corpus de 15 textos escolares
de Historia de Chile para la educación media, publicados entre 2001 y 2018.
Entre los resultados cabe destacar, que los textos escolares presentan
ambigüedad conceptual, relativización de algunos hechos trascendentales y
superficialidad en el tratamiento de este proceso histórico. Es decir, la
dictadura no se aborda con profundidad, se apoya en escasas fuentes, su
análisis es somero y sintético, con lo cual se inhibe la formación de juicios
críticos, no se da espacio al pluralismo interpretativo y al análisis de los
procesos desde la multicausalidad para lograr la comprensión de esta época
histórica reciente.

Introducción
Escribir sobre historia reciente e incorporarla en los textos escolares es un
gran reto en la enseñanza de la Historia. No solo a la pretendida objetividad
sino a la importancia que poseen estos contenidos en la formación de las
futuras generaciones. La Historia reciente, conocida también como historia
de nuestro tiempo, historia del mundo actual, historia próxima, inmediata o
de lo muy contemporáneo es de compleja incorporación en los textos
escolares, especialmente, por su cercanía histórica en lo temporal y en lo
emocional.

Nora (1984) señala que la Historia reciente se define por tratarse de un


punto de vista propio, lo cual exige una actitud abierta hacia la
interdisciplinariedad y a la utilización de métodos innovadores de Historia
oral, de la Historia de la memoria o de las representaciones y no obedece a
una cronología del relato histórico.

Por otra parte, Cuesta (1993) argumenta que la Historia reciente es una
categoría dinámica, en la cual los propios actores historiadores desarrollan
su vida. Es decir, se identifica con el período cronológico en el cual ellos se
encuentran. Para De Amézola (2004) la Historia reciente o Historia del
tiempo presente, como él la denomina, posee marcas psicológicas, debido a
que se relaciona con traumas de un pasado que tiene presencia en la
actualidad. Por ello, De Amézola (2004) denomina a la Historia reciente
como la historia que duele.

Rousso (1987), sostiene que la Historia reciente trata de acontecimientos


de larga duración que siguen presentes en la mente y en el corazón de
quienes vivieron esos hechos y siguen vivos. Es decir, se trata del trabajo
de un historiador obligado a relacionarse con actores vivos, además de
documentación escrita, para escribir la historia.

Aróstegui (2008) acuñó el concepto de momentos matriarcales para


referirse a los hechos puntuales que permiten generar conciencia histórica Aprendendo
en las personas. Sobre la base de esto, Valls (2009) añadió a la Historia História:
reciente o del tiempo presente esta característica. En Chile, uno de estos VISÕES E
momentos matriarcales sería el golpe de estado de 1973. La historia DEBATES
reciente es sensibilidad y preocupación, no es un período histórico, de Página | 23
acuerdo con Aróstegui (2008) con un comienzo y un fin, que es de
momento en que se escribe esa historia. Y, por ese mismo motivo se
encuentra en constante desarrollo, es siempre inacabada, así como lo es la
interpretación histórica desde diferentes épocas. Los límites de la Historia
del presente están, de acuerdo con este autor, ligados a dos aspectos: a la
categoría generacional y a la delimitación de la coetaneidad. De esta forma,
a partir de la constatación de un nuevo acontecimiento histórico se podría
marcar el fin de una etapa y el inicio de otra.

Bádarida (1998) sostiene que la Historia reciente es el trabajo de un


historiador que refleja una construcción del alma de su tiempo. Se relaciona
con la memoria de los actores y su propia memoria como actor de ese
tiempo. En otras palabras, Huguet (2001) señala que se trata de una
experiencia histórica compartida por las generaciones vivas. Sin embargo,
existe consenso acerca de que la Historia del tiempo presente, Historia
reciente, aunque tenga connotaciones diferentes o matices, se refieren a
procesos similares. Expresan sentimientos, representaciones, sensaciones
de convergencia sobre una realidad traumática vivida y presente en la
memoria colectiva del tiempo actual. En palabras de Soto (2004) la Historia
reciente permite el análisis histórico de una realidad social vigente, en la
cual existe una relación de coetaneidad entre la historia vivida y su estudio,
así como también entre los actores/testigos y los historiadores que la
escriben.

En palabras de Iturriaga (2011) la Historia reciente comienza y termina


según la decisión del propio investigador relacionada con la experiencia
vivida. Es decir, se escribe la historia por la propia voluntad de historiar el
presente.

Levin y Franco (2007) señala que en la investigación histórica reciente se


incorporan diversos temas y problemas vinculados a procesos sociales tales
como masacres, guerras, genocidios, dictaduras, crisis sociales. Todos ellos
considerados traumáticos que han sido vividos como tiempos de profundas
rupturas en el plano individual y colectivo. No obstante, la Historia reciente,
en su opinión, no puede restringirse solo a eventos de este tipo. “La
especificidad de esta Historia no se define exclusivamente por reglas o
consideraciones temporales, epistemológicas o metodológicas sino,
fundamentalmente, a partir de cuestiones subjetivas y siempre cambiantes
que interpelan a las sociedades contemporáneas, trasformando los hechos y
procesos del pasado cercano en problemas del presente. En ese caso, tal
vez haya que aceptar que la Historia Reciente, en tanto disciplina, posee
este núcleo de indeterminación como rasgo propio y adicional”. (Levin y
Franco, 2007, pp. 15 y 16).

La Historia reciente se caracteriza por ser una deuda moral con implicancias
Aprendendo sociales y está en directa relación con la memoria colectiva. Acerca de este
História: tema, Nora (1984) fue uno de los pioneros hace más de tres décadas.
VISÕES E Señala que la memoria ha estado presente en la mayoría de los debates
DEBATES historiográficos aunque la memoria como estudio psicológico-biológico lo ha
Página | 24 estado desde mucho antes. No obstante, la memoria, en contexto
historiográfico no es sólo la representación del pasado, sino también su
construcción.

Jelin (2012) señala que la memoria es un proceso individual, no obstante,


está condicionada por el contexto, porque la persona que recuerda está
inserta en una sociedad compuesta por redes, instituciones, cultura. Es
decir, las memorias individuales están marcadas socialmente. “Quienes
tienen memoria y recuerdan, son seres humanos, individuos siempre
ubicados en contextos grupales y sociales específicos. Es imposible recordar
o recrear el pasado sin apelar a estos contextos” (Jelin 2012, p. 53). Por
ese motivo se habla de memorias colectivas, puesto que existen diversos
actores involucrados en la construcción de la memoria. Ésta es una
construcción del recuerdo. Sin embargo, existe un uso diverso de la
memoria. Cuando la política estatal de la memoria es una política de olvido
y silencio, se torna peligrosa porque efectivamente queda en el olvido.
Existen acontecimientos que debieran estar presentes siempre, con el fin de
construir una sociedad mejor.

Pollak (1992) sostiene que la memoria permite la construcción del


sentimiento de identidad individual y colectiva. Se organiza sobre la base de
personas, lugares o acontecimientos. Es “un factor extremadamente
importante del sentimiento de continuidad y de coherencia de una persona
o de un grupo en su reconstrucción de sí mismo” (Pollak, 1992, p. 204).
Giménez (2009) añade que la memoria se articula entre los miembros de un
grupo. Además, es posible diferenciar tipos de memoria colectiva, a saber:
memoria genealógica o familiar, memoria de los orígenes, memoria
generacional, memoria épica nacional, memoria regional, entre otras.

Gazmuri (2005) señala que la Historia requiere de la memoria para su


construcción y que la tarea del historiador es “des-subjetivar” las memorias
y transformar la fuentes subjetivas en fuentes fiables para lograr esa
construcción. Esto también lo señala Burke et al. (2000) quienes aclaran
que la memoria puede ser trabajada como fenómeno, fuente o experiencia.
Para finalizar, se citan las palabras de Hobsbawm (1997, p. 7), “a pesar de
todos los problemas estructurales, es necesario escribir la Historia del
tiempo presente”.

Método
El paradigma interpretativo sostuvo este estudio. La metodología utilizada,
por tanto, fue cualitativa. Se trató de un estudio descriptivo con diseño
hermenéutico, ya que se analizó un corpus de 15 textos escolares de
enseñanza media de Historia de Chile publicados por diferentes editoriales
entre los años 2001 y 2018. El objetivo general de la investigación fue
analizar la forma de abordar el contenido del golpe militar y la dictadura de
Pinochet de la década del ´70 y ´80 en los textos escolares de Historia de
Chile, correspondientes a las dos primeras décadas del siglo XXI. Se Aprendendo
identificó la conceptualización utilizada en los textos para referirse a este História:
período y posteriormente, se analizó el contenido, en cuanto a su extensión VISÕES E
y profundidad. Los textos analizados se detallan en la tabla 1. DEBATES
Página | 25
Tabla 1. Corpus de textos escolares de la investigación
Texto escolar Curso Editorial Año
Historia y Ciencias 2º Medio Mare Nostrum 2001
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Zig Zag 2001
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Arrayán 2001
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Zig Zag 2004
Sociales
Historia y Ciencias 4° Medio Santillana 2005
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Santillana 2006
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Mare Nostrum 2009
Sociales
Historia, Geografía y Cs. 3° Medio SM 2012
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Zig Zag 2012
Sociales
Historia, Geografía y Cs. 3° Medio Zig Zag 2013
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio Mare Nostrum 2014
Sociales
Historia y Ciencias 3° Medio Zig Zag 2015
Sociales
Historia y Ciencias 4° Medio Santillana 2016
Sociales
Historia y Ciencias 2° Medio SM 2017
Sociales
Historia, Geografía y Cs. 3° Medio SM 2018
Sociales
Fuente: elaboración propia

Los criterios de selección de los textos escolares fueron los siguientes: a)


contienen el tema objeto de estudio; b) corresponden a las dos últimas
décadas de enseñanza de la Historia de Chile en período de democracia; c)
cubren un variado espectro de editoriales; d) son textos escolares oficiales,
licitados por el Ministerio de Educación; e) distribuidos de manera gratuita a
más del 90% de establecimientos educacionales del país. Los datos
recabados se analizaron de forma abierta, sin pauta preestablecida. Se
clasificaron, categorizaron, rotularon los hallazgos y se extrajeron citas
alusivas para refrendarlos.

Aprendendo Resultados
História: En primer lugar se analiza la conceptualización empleada en los textos
VISÕES E escolares de enseñanza media de Historia y Ciencias Sociales, considerando
DEBATES los cursos 2° a 4° medio, en lo que atañe a la Historia de Chile en general,
Página | 26 y al golpe militar de 1973 y a la Dictadura en particular. Se pueden señalar
los siguientes hallazgos.

Se encontraron dos categorías respecto de la denominación del hecho


histórico, a saber, “Golpe militar” y “Pronunciamiento militar”. A la primera
categoría también se asocia el concepto de golpe de estado. En la segunda
categoría se incluyen otras acepciones, tales como intervención militar,
quiebre democrático, lo cual es casi un eufemismo, ya que se trata de
atenuar el duro concepto de golpe militar, que utilizan -sin ambages-
algunos textos. Sin embargo, en la mayoría se intenta evitar la nominación
de este hecho histórico con la utilización de conceptos menos directos, casi
a modo de justificación de la crisis que se vivió en esa época. Hubo una
crisis económica significativa, pero los textos casi no la mencionan, sino que
se hace alusión a una crisis de institucionalidad, lo cual no es lo mismo. De
esta forma, surge el concepto de Pronunciamiento militar, con el cual se
pretende otorgar cierta legitimidad al golpe. Se señala como un apoyo de la
ciudadanía a los militares de ese período.

Respecto de la forma de gobierno, los textos se refieren, indistintamente, a


Gobierno militar, Régimen militar y Dictadura. No obstante, en los textos
más recientes se utiliza sin problemas el concepto de dictadura, lo cual se
oculta o encubre en los textos de la primera década del siglo XXI. Se puede
agregar, que los conceptos Régimen militar y Gobierno militar son más
utilizados y pretenden naturalizar este hecho tan traumático de la Historia
de Chile. Por el contrario, al emplearse el concepto de Dictadura, el cual
tiene, indudablemente, asociada la idea de represión, muerte, víctima,
trauma, inconstitucionalidad, antidemocrático, entre otros, no se presenta
de forma tan clara y taxativa, lo cual es parte del currículum oculto de este
tema en la enseñanza de la historia nacional.

Ejemplo de esto se encuentra en el texto de tercer año medio – Zig Zag –


de 2013 (p. 191), en el cual se presenta en un esquema con cuatro
definiciones, a saber: golpe militar, pronunciamiento militar, gobierno
militar y dictadura. Sin embargo, solo dos de ellos se definen
conceptualmente: golpe de estado y pronunciamiento militar. Los otros dos,
dictadura y régimen militar son definidos a partir de la entrevista a un
historiador y de una cita extraída de un libro sobre dictaduras en América
Latina de 2012. A diferencia de las dos definiciones anteriores, realizadas
sobre la base de la Real Academia Española, los últimos conceptos se
definen a partir de la disciplina. Sin embargo, la definición dada por el
historiador posee un sesgo ideológico que se trasunta, ya que homologa los
conceptos de dictadura y régimen aludiendo a que los estudiantes no
conocen otros tipos de dictaduras en el mundo. Ello es un supuesto. No
puede definirse un concepto sobre esa base. Debería haberse utilizado la
misma fuente, a saber, la Real Academia Española de la Lengua, con la
finalidad de precisar los conceptos empleados. Respecto del libro, también
se puede extraer una cita alusiva, sin embargo, ello no necesariamente Aprendendo
puede constituir una definición. História:
VISÕES E
En síntesis, se puede señalar, que los autores de los textos no se proponen DEBATES
definir con claridad los conceptos básicos que acerca a los estudiantes al Página | 27
tema. Es más, se puede interpretar que no pretenden entrar en conflictos
ideológicos sobre un hecho que aún pervive en la memoria colectiva de la
sociedad chilena.

En segundo aspecto analizado es el del contenido propiamente tal. Es decir,


se analiza la forma en la cual se aborda el golpe militar y la dictadura
instaurada por Pinochet en la década de 1970 hasta 1990. Se ha podido
realizar un importante hallazgo respecto de este tema. Los textos escolares
– en la presentación de estos temas – pretenden minimizar el impacto y
consecuencias que éstos tuvieron, presentándolos con un lenguaje
“antiséptico”, “suave”, “esterilizado”, con lo cual el estudiante no podría
comprender la gravedad de los hechos históricos de esa época.
Ejemplo de ello son las siguientes expresiones:

“Tras la represión inicial, el nuevo régimen se consolidó y comenzó a


articular un proyecto refundacional del ordenamiento político nacional, que
quedó consagrado en la Constitución de 1980, el principal legado
institucional de este período” (Texto escolar Historia, Geografía y Sociales
3° Medio, Zig Zag, 2013, p. 188).
En el mismo texto (publicado en 2013) se evade también el uso del
concepto golpe militar. Después del relato pormenorizado de lo ocurrido el
11 de septiembre de 1973 se concluye que
“Fueron estos dramáticos sucesos los que cerraron una etapa fundamental
de la historia de Chile y dieron inicio a otra marcada en lo inmediato por el
protagonismo de los militares en el gobierno” (Texto escolar Historia,
Geografía y Sociales 3° Medio, Zig Zag, 2013, p. 193).

A partir de estos párrafos se constata que los estudiantes reciben una


información muy sesgada, sintética, escueta, con la cual no pueden
comprender este tema y, por ende, tampoco se podría desarrollar el
pensamiento crítico.

De igual forma, al referirse al golpe de estado, en otro texto escolar


(Historia, Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2012, p. 204) se mencionan
que a mediados de la década de 1960 y 1970 se produjeron varios golpes
de estado en América Latina, que condujeron a dictaduras en la región,
destacándose como las principales dictaduras, las ocurridas en Brasil
(1964), Perú (1968), Bolivia (1971), Uruguay (1973) y Argentina (1976).
No se señala la dictadura chilena. Esta omisión no es inocente. Obedece a
un currículum oculto que contienen los textos escolares chilenos de Historia.
Se trata de relevar este hecho traumático en países vecinos y no se alude
directamente a éste en el contenido del texto escolar oficial, publicado en
plena democracia.

En cuanto al caso específicamente de Chile, el mismo texto (SM, 2012)


Aprendendo apunta:
História:
VISÕES E “por la importancia que tuvieron el golpe de estado y el régimen que se
DEBATES instaló posteriormente a la configuración en la configuración de la realidad
Página | 28 chilena actual, los análisis han sido foco de discusión durante años, por lo
que es necesario conocer las explicaciones más importantes para tener una
visión integral de las causas que llevaron a la crisis de la democracia en
Chile durante la década de 1970”. (Texto escolar Historia, Geografía y
Ciencias Sociales, SM, 2012, p. 205).

De la cita precedente se deben realizar dos lecturas críticas: la primera,


relacionada con el hecho de evitar el uso del concepto dictadura. Se señala
“el régimen que se instaló…”. Derechamente es una dictadura la que se
instaló. Esa evasión de la conceptualización indica que el tema no se
pretende abordar – aún en tiempos de democracia – y con ello se minimiza
nuevamente este hecho violento presente en la historia y en la memoria de
muchos chilenos que vivieron ese período.

También se intenta desviar la atención al tema al señalarse que se deben


conocer “las causas que llevaron a la crisis de la democracia”. En efecto, se
deben conocer las causas, como de todo hecho o proceso histórico, pero
esta es otra forma de encubrir o no hacer mención al período post golpe,
que fue una dictadura. De ello nada se menciona. El solo hecho se referirse
a las causas denota también justificación del proceso, ya que en ningún
momento se hace cargo de la etapa vivida después del golpe militar. Se
recurre a relatos o interpretaciones de diversos historiadores y sociólogos
(Jocelyn-Holt, Moulián, Salazar) quienes opinan nuevamente sobre las
causas, no así sobre el tipo de régimen instaurado.

La justificación del golpe de estado - destacado en negrita y entre comillas


–en el texto escolar, con la finalidad de relevar la idea, señala que “las
Fuerzas Armadas (debieron) intervenir para deponer al gobierno´ilegítimo,
inmoral y no representativo del gran sentir nacional” y restablecer
“la normalidad económica y social del país´” (Texto escolar Historia,
Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2012, p. 208).

Nuevamente, se debe precisar el uso del lenguaje y poner en contexto. El


gobierno de Allende no fue ilegítimo ni inmoral y tampoco no
representativo. Fue elegido democráticamente con un tercio de los votos.
Llegó al poder mediante las urnas. Se debería aclarar que hubo una crisis
económica y social, producida en los tres años de su gobierno, lo cual es
considerado una causa del golpe, pero el argumento esgrimido por las
Fuerzas Armadas acerca de la ilegitimidad, inmoralidad y no
representatividad es una justificación del golpe, es un discurso instalado
que no tiene base jurídica, ya que fue elegido por votación popular. Se
puede profundizar señalando que hubo gran efervescencia social y graves
problemas económicos de desabastecimiento, inflación, falta de producción
y la intromisión de Estados Unidos en este hecho. Sin embargo, estas
causas – muchas veces ocultas también – no justifican la instalación de una
dictadura de 17 años, en la cual se violaron permanentemente los derechos
de las personas. Si bien se pudo salir de la crisis económica, ello obedeció a Aprendendo
la implantación del modelo neoliberal, en su máxima expresión, lo cual se História:
mantiene hasta la actualidad. VISÕES E
DEBATES
El texto en cuestión presenta una actividad (p. 209), consistente en un Página | 29
breve extracto del Informe de la Comisión Nacional de Verdad y
Reconciliación, documento publicado en 2004 con los casos de violaciones a
los derechos humanos producidos en Chile en ese período. En el texto se
expone brevemente (14 líneas) quienes fueron objeto de la represión militar
y se señala: “Pero la caracterización de las víctimas sería incompleta sin
afirmar que un porcentaje significativo de los casos (…) corresponde a
personas sin militancia o simpatía política alguna” (Texto escolar Historia,
Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2012, p. 209).

Este documento se presenta como una actividad opcional para profesores y


estudiantes. No se encuentra en el desarrollo del contenido mismo en el
texto, sino se presenta de forma periférica. Además, esta frase evidencia
una clara violación a los derechos de las personas, lo cual se realizó
sistemáticamente y que en los textos no se presenta de forma clara y
directa. Se debe adicionar que junto al extracto de informe se formulan dos
preguntas que no están directamente relacionadas con el texto que la
Comisión elaborara.

Otro ejemplo que constata la utilización del lenguaje impreciso es la


siguiente cita: “Las Fuerzas Armadas iniciaron un levantamiento conjunto
en contra del gobierno, que consideraban al margen de la ley” (Texto
escolar Historia, Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2012, p. 209).

Esta frase se refiere a levantamiento. Es otro eufemismo para referirse al


golpe, y más grave aún, es la segunda parte que señala que las Fuerzas
Armadas consideraban fuera de la ley. Esta es una afirmación peligrosa, ya
que cualquier grupo podría considerar algo al margen de la ley y desconocer
un proceso democrático como fueron las elecciones presidenciales que
llevaron a Allende al poder.

Aunque se evita el uso del concepto de dictadura, el mismo texto señala:

“La persecución y represión se hizo sistemática, con la creación de una serie


de organismos dedicados a detectar, perseguir, detener, torturar y hasta
asesinar a los detractores del gobierno. El poder sin contrapeso de la junta
militar llevó a que funcionarios del Estado cometieran un gran número de
arbitrariedades, abusos y crímenes en contra de ciudadanos chilenos y
extranjeros, esgrimiendo motivos políticos o de seguridad nacional y
desconociendo el derecho a un juicio justo y el respeto por la vida
humana” (Texto escolar Historia, Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2012,
p. 212).

En un texto de 2013 se presentan los siguientes temas: el establecimiento


de la junta militar, la persecución a los opositores, el estadio nacional como
Aprendendo centro de detención, las expediciones punitivas y la caravana de la muerte,
História: la prisión política y la tortura, la operación Cóndor, tópicos que se abordan
VISÕES E con detalle. Sin embargo, en el texto no se hace mención al concepto
DEBATES dictadura. Todo lo anteriormente señalado corresponde a una dictadura, la
Página | 30 cual se disfraza bajo el concepto de régimen.

En el texto mencionado se presenta también una estadística sobre las


violaciones a los derechos humanos entre 1982 y 1987 para el análisis de
los estudiantes y en un párrafo se señala que

“las cifras de los detenidos, arrestados, heridos y muertos dan cuenta de


una práctica generalizada de represión a toda manifestación de la oposición
política o de los movimientos sociales. Pero ocultan el hecho de que la
mayor cantidad de violaciones ocurrieron en los numerosos estados de sitio
decretados en el período (1982-983, 1984-1985, 1986-1987), en los que la
vigencia de la Constitución del Régimen se hallaba limitada” (Texto escolar
Historia, Geografía y Ciencias Sociales, SM, 2013, p. 242).

Se reconoce y declara la represión que se produjo en el período de


dictadura, sin embargo, se atenúa con la última frase “la vigencia de la
Constitución del Régimen se hallaba limitada”, pero no se precisa por qué se
hallaba limitada. El gobierno no se regía por la Constitución. Los discursos
siguen siendo ambiguos e inconclusos.

Respecto del fin de la dictadura, se explicita lo siguiente:

“En la década de 1980, la oposición se organizó, crecieron las


movilizaciones sociales, aumentó la conflictividad civil, pero, pese a esto, el
gobierno militar logró llevar a cabo su itinerario institucional, entregando el
poder a los civiles en 1989” (Texto escolar Historia, Geografía y Sociales 3°
Medio, Zig Zag, 2013, p. 188).

Esta cita refleja una transición sin turbulencias. Sin embargo, ello no fue
así. En la década de 1980, las protestas estudiantiles en las universidades
contra el gobierno de Pinochet fueron de gran importancia para cambiar la
situación, lo cual se oculta en este discurso.

Adicionalmente, debe señalarse que en los textos se enfatiza la idea de que


Pinochet entregaría el poder una vez cumplido su itinerario institucional.
Esto también es una falacia: él quería continuar en el poder 8 años más, a
partir de 1989, pero un plebiscito le dijo que no un día 5 de octubre de
1988, día en el cual se vio derrotado por primera vez desde el golpe militar
de 1973. Su pretensión era continuar al mando del ejecutivo. No se trataba
de “cumplir su itinerario institucional”, a pesar de que diversos textos así lo
declaran:
En otra parte se señala que: “En el gobierno se buscaba hacer coincidir los
trabajos legislativos de la Junta, con las campañas de publicidad del
régimen con miras a cumplir el itinerario institucional con éxito, y sin dejar
nada al azar” (Texto escolar Historia, Geografía y Ciencias Sociales, SM,
2013, p. 244).
Aprendendo
En este párrafo se alude no solo al itinerario institucional, sino que, además, História:
se menciona el “trabajo legislativo” de la junta, lo cual evidencia la VISÕES E
concentración del poder, ya que no existía un Parlamento que legislara. Lo DEBATES
hacía la misma “Junta”. Esto constituye otra forma de ocultar el poder Página | 31
dictatorial.

Llama la atención que en pleno siglo XXI a más de 45 años del golpe militar
y sin la presencia de los integrantes de la “junta” (ya que han fallecido
todos), se sigan escribiendo los textos escolares con tanto temor, como si
fuese la década de 1980, en la cual la represión seguía existiendo. Aún hoy
se visualiza ese temor a decir las cosas por su propio nombre. Los
conceptos son claros y precisos - golpe, dictadura – no obstante, predomina
un lenguaje eufemístico, encubierto, indirecto y suavizado sobre lo ocurrido
en esa época. Si bien se minimiza en la conceptualización, los hechos
relatados en los textos sí evidencian las características de una dictadura
traumática reciente. Se debe leer tras las líneas, aunque el discurso debiera
ser tan claro que no deje la sensación de que esa época no fue tan violenta
y traumática y que se encuentra en el recuerdo de millones de chilenos. Esa
historia se encuentra presente en la memoria individual y colectiva de los
chilenos, tanto quienes la sufrieron como quienes la vivieron sin trauma.

Se puede decir, que en la presentación del contenido tiene un efecto muy


relevante el lenguaje con que se abordan los contenidos. En este caso, la
dictadura se “disfraza”, se “encubre” y se aborda someramente, ya que no
hay una presentación clara y contundente sobre el particular. Se trató de un
hecho traumático de la historia del país y esto no se evidencia en la
presentación de los contenidos en los textos escolares para la enseñanza
media.

En este mismo texto se expone - en dos páginas - la vulneración de los


derechos humanos y la defensa de éstos, temas que en textos publicados
en la década de 1990 no se encuentran. Es un avance la presentación de
estos contenidos en el discurso de la Historia de Chile.

En textos más recientes se relata más extensamente lo acaecido en este


período, sin embargo, se siguen considerando contenidos generales y a la
vez se mitigan los horrores que tuvieron lugar en Chile, mimetizándolos
como problemas latinoamericanos. Ejemplo de ello es la cita siguiente:

“Las violaciones masivas a los Derechos Humanos es uno de los rasgos más
característicos de las dictaduras militares de seguridad nacional, por sobre
sus otras transformaciones sociales, económicas y políticas” (Texto escolar
Historia y Ciencias Sociales, Mare Nostrum, 2009, p. 174).
Los conceptos utilizados siguen siendo tangenciales e indirectos, tales como
“Quiebre y recuperación democrática”, “quiebre democrático en Chile”. Y,
cuando se mencionan directamente, tal como “golpe de Estado”, éste se
justifica con un sinnúmero de razones, entre las cuales se constatan:

Aprendendo “Los uniformados argumentaron que se habían “quebrantado los derechos


História: fundamentales”: la libertad de expresión, de enseñanza, el derecho a
VISÕES E huelga, a petición, y a la propiedad” (Texto escolar Historia y Ciencias
DEBATES Sociales, Santillana, 2° Medio, 2006, p. 314).
Página | 32
Este mismo párrafo se hubiese podido aplicar a lo sucedido después del
golpe militar de 1973, sin embargo, esto no se señala. Se justifica el golpe
y se compara la represión con la de otros países latinoamericanos y se da
cuenta de que la violación a los derechos humanos fue peor en esos otros
países y que tuvieron mayor duración. Nuevamente, no se profundiza en las
características de la dictadura, el lenguaje se suaviza, los hechos se
comparan y parecen menos graves en ese contexto comparado.

Asimismo, respecto del gobierno de Pinochet (inmediatamente después del


golpe, a partir de 1974 y hasta 1990), se señala en un texto que:

“por medio del Decreto Ley N°527 del 26 de junio de 1974, el general
Pinochet asumió el Poder Ejecutivo, con el título de jefe Supremo de la
Nación, y en diciembre un nuevo decreto cambió el título por el de
Presidente de la República. El Poder Legislativo fue asumido por la Junta de
Gobierno (comandantes en Jefe de la Marina, Aviación y Carabineros). La
Junta fue investida con potestad para modificar la Carta Fundamental de
1925” (Textos escolar Historia y Ciencias Sociales, 2° Medio, Zig Zag, 2004,
p. 225).

En este párrafo se describe la forma en que el general llegó a la


presidencia. Sin embargo, no se realiza un análisis crítico respecto de la
forma de llegar al poder (Decreto Ley) que el mismo tenía la facultad de
dictar. También se da por legítimo que el Junta asumiera el Poder
Legislativo, lo cual no es cuestionado, como tampoco es impugnada la frase
acerca de la potestad con la cual fueron “investidos” para cambiar la
Constitución.

Discusión y conclusiones
La investigación realizada denota un abordaje cauto en el tratamiento de la
historia reciente chilena relativa al golpe militar de 1973 y a la posterior
dictadura. Aún en tiempos de democracia, desde 1990 a la fecha, se evade
el tema, se utiliza un lenguaje indirecto y no se exponen los hechos de
forma directa, sino tímida o eufemísticamente. Se trata de un hecho
traumático de la historia de Chile, el cual muchas personas recuerdan o
vivieron, por lo tanto, es una herida que no sana. Por eso mismo es más
difícil abordar este tema en los textos, sin embargo, se debe señalar, que
justamente para develar los horrores y sufrimientos de muchas familias se
debiera hablar francamente sobre el particular y los textos tienen una
misión importante en ello.
La mayoría de los textos analizados carecen de un lenguaje directo para
referirse no solo al golpe o a la dictadura, sino que “ocultan” o minimizan
los hechos ocurridos. Por ejemplo, al comparar esta época con las otras
dictaduras latinoamericanas. Es evidente la forma tangencial de abordaje,
ya que se resaltan las atrocidades en otros países, sin mencionar las
acaecidas en Chile. Aprendendo
História:
Los textos escolares más recientes presentan este tema de forma más VISÕES E
profunda, en cuanto a detallar más lo ocurrido, lo cual a simple vista se DEBATES
puede constatar en el número de páginas dedicadas a este tema. Los textos Página | 33
de la primera década de 2000 incorporan esto en menor medida. Los más
recientes, además de explayarse más, presentan también mayor cantidad
de fuentes, consistentes en extractos de discursos, fotografías de la época,
documentos históricos.

Respecto del uso de los conceptos analizados, Oteíza (2006, p. 108)


también señala que en la enseñanza de la historia, se utiliza un lenguaje
pedagógico específico, el cual es capaz de transmitir un mensaje oculto.
Como ejemplo, ella señala (a partir del análisis lingüístico de un texto
escolar lo siguiente: “ …los integrantes de la Junta Militar no aparecen
“salvando” al país como otros textos escolares, pero claramente se muestra
que fue un hecho “pedido” por la gente, no una iniciativa de ellos, ellos
“responden” (la gente lo reclama), y de esa manera se aligera su
responsabilidad y se justifica la acción”. Las expresiones, conceptos, formas
verbales, etc. no son neutras ni ingenuas. Obedecen a una intencionalidad.
Las palabras expresadas en los textos analizados presentan justamente esta
característica. El discurso no es directo ni categórico, a veces evasivo y
tenue. Tampoco se abordan los temas y problemas desde diferentes
miradas. Los textos siguen reproduciendo un discurso tradicional,
conservador, que pretende minimizar los efectos del golpe y de la dictadura
vivida. Si bien en esta investigación no se realizó un análisis lingüístico de la
historia reciente, como lo hizo Oteíza (2006), se constata en el análisis del
contenido histórico la misma interpretación sobre los temas abordados en
los textos escolares.

Halliday (1993, p. 67) enfatiza en “la autoridad de la palabra escrita que


representan los textos de estudio y cómo éstos pueden ser un medio de
expresión de las ideologías dominantes de la cultura”. Lo mismo sostienen
Luke, Castell y Luke (1989, p.245) “el aspecto ideológico dominante de la
alfabetización es obviamente la autoridad de la palabra escrita. Se trataría
de un “conocimiento santificado”, tal como ellos señalan. Así ocurre con los
textos escolares analizados.

El lenguaje, recurso para construir significados o deconstruirlos, debiera ser


la forma en que se devele el currículum oculto, sin embargo, lo estudiado
revela o contrario. El lenguaje utilizado en los textos chilenos de historia al
ser poco directo y claro, al utilizar una conceptualización ambigua no estaría
propendiendo al desarrollo de la conciencia y de pensamiento crítico. Se
mantiene el statu quo y no se lograría una “alfabetización avanzada”
(Hasan, 1999).
Para Manzi et al. (2006) “además de sus efectos sociales, culturales,
políticos y económicos del golpe de Estado también supuso un alto impacto
psicosocial, que se refleja en la dificultad que ha tenido la sociedad chilena
para asimilar el golpe y sus consecuencias”. Esto se refleja en que no existe
Aprendendo una forma consensuada de denominar este hecho. Para unos es un “golpe”,
História: para otros un “pronunciamiento”. Eso depende de la visión ideológica de las
VISÕES E personas. El tratamiento de estos hechos en los textos es aún tema de
DEBATES controversia, lo cual queda de manifiesto en este estudio.
Página | 34
Los cambios vitales que este hecho traumático ha dejado en los chilenos
conforma la memoria colectiva de uno de los hechos más importantes de la
historia chilena del siglo XX. Manzi et al. (2006, p. 319) concluye que “la
significación psicosocial del golpe de Estado de 1973 en la sociedad chilena
está muy lejos de contar con una historia común acerca de los hechos”.
Esto se trasunta en los textos escolares analizados, ya que, como no existe
consenso y las opiniones están muy divididas (a pesar de casi 50 años del
hecho traumático) entre derecha e izquierda, los textos tampoco exponen
ambas posiciones. Solo lo abordan desde una posición conservadora al
utilizar una conceptualización poco clara y directa, lo cual se constata en los
textos analizados.

Osandón (2006, p. 340) afirma que en los programas de estudio para


enseñanza media omiten “todo tratamiento directo del gobierno de la
Unidad Popular. Luego, se escogen dos procesos centrales a la comprensión
del período de dictadura militar, pero que en rigor dejan fuera la
interpretación sociocultural del período, reforzando la lectura esencialmente
política de la dictadura […] la omisión en torno a la Unidad Popular parece
ser un asunto más delicado y expresa de algún modo las tensiones propias
a la elaboración de la nueva propuesta curricular”. Todo ello se trasunta en
los textos escolares. Esto evidencia el sinuoso camino que existe entre
currículum, historiografía y textos escolares.

Referencias
Autora: Andrea Minte Doctora en Educación, académica Departamento de
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andrea.minte@ulagos.cl

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Civil y Dictadura Franquista en las aulas. Valencia: Universidad de Valencia.
EDUCAÇÃO HISTÓRICA E INTERCULTURALIDADE:
A SELEÇÃO DE CONTEÚDOS EM FOCO
Geyso Dongley Germinari

O texto tem como objetivo apresentar resultados parciais de um estudo Aprendendo


exploratório sobre as ideias de jovens sobre os conceitos substantivos de História:
História no ensino Médio. A investigação faz parte do projeto de pesquisa VISÕES E
mais amplo, intitulado: O pensamento histórico de jovens de escolas da DEBATES
região centro-oeste do estado do Paraná, desenvolvido no Programa de Página | 37
Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO). O trabalho insere-se no campo teórico da Educação
Histórica, cujo foco volta-se aos processos de aprendizagem histórica em
contextos de escolarização, tendo como pressuposto que a intervenção na
qualidade da aprendizagem requer o conhecimento sistemático das ideias
históricas dos estudantes e professores. Os dados foram recolhidos por
meio de questionário semiestruturado e a abordagem orientou-se pelos
princípios da pesquisa qualitativa. A análise dos dados aponta que as ideias
dos jovens sobre conceitos substantivos de História são diversificadas e se
aproximam do conceito de interculturalidade.

Introdução
Este texto apresenta resultados de investigação realizada no âmbito do
projeto de pesquisa O pensamento histórico de jovens de escolas da região
centro-oeste do Estado do Paraná, desenvolvido no Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), campus Irati-PR. A pesquisa de caráter exploratória contou
com a colaboração de grupo de jovens estudantes do Ensino Médio, do
Instituto Federal do Paraná, campus cidade de Irati-PR, os quais
responderam um questionário fechado com perguntas sobre conteúdos de
ensino na disciplina de História, denominados pela pesquisa em Educação
Histórica de conceitos substantivos.

A Educação Histórica, como campo de investigação, inseri-se no universo


mais das pesquisas em ensino de História, seu interesse de analise e
intervenção volta-se aos processos de aprendizagem histórica em diferentes
níveis escolares, “[...] sob o pressuposto de que a intervenção na qualidade
das aprendizagens exige um conhecimento sistemático das ideias históricas
dos alunos, por parte de quem ensina (e exige também um conhecimento
das ideias históricas destes últimos)” (BARCA, 2005, p. 15).

A pesquisa sobre a aprendizagem histórica, na perspectiva da Educação


Histórica, referencia-se nos princípios e conceitos da ciência histórica, esse
caminho de análise parte do pressuposto da existência de processos
cognitivos particularmente históricos que podem ser compreendidos pela
filosofia e teoria da História. É nessa perspectiva “[...] que se pode falar da
existência de uma aprendizagem situada na História e da necessidade de se
conhecê-la, a partir da investigação e análise” (SCHMIDT; BARCA, 2009, p.
13). A cognição situada na ciência da História envolve a compreensão de
conceitos de tempo (mensuração, continuidade, mudança), o
estabelecimento de causalidades, a busca do passado por meio de fontes
escritas, visuais, orais e materiais, também abarca atividade de seleção
fontes de acordo com níveis de validade e produção de inferências sobre
fontes diversas.

Aprendendo O que se busca é compreender como alunos e professores pensam o


História: conhecimento Histórico, em outras palavras, as investigações buscam
VISÕES E conhecer as ideias desses sujeitos acerca da natureza epistemológica da
DEBATES História, de modo que os resultados obtidos, por meio da pesquisa,
Página | 38 orientem a intervenção na cognição histórica dos alunos, para que eles
qualifiquem sua aprendizagem e compreendam a História como um
conhecimento específico dotado de objeto próprio, metodologias de
pesquisa e vocabulário característico.

Assim, interessa à Educação Histórica investigar o modo como as crianças e


jovens compreendem a disciplina História, no entanto, por essa questão
“[...] entendamos que ela não está questionando os conteúdos, quanto os
alunos sabem sobre quando ou onde algo aconteceu. Ao invés disso, a
preocupação é com o que eles entendem que seja a História” (COSTA;
OLIVEIRA, 2007, p. 156).

Hoje as investigações realizadas na perspectiva da Educação Histórica


podem ser organizadas em três grandes grupos de pesquisa: a) análises
sobre ideias de segunda ordem; b) análises relativas às ideias substantivas;
c) reflexões sobre o uso do saber histórico.

A reflexão desenvolvida nesse capítulo enquadra-se no segundo grupo de


pesquisas, cujos estudos avançam na compreensão da cognição histórica de
ideias substantivas, ela concentra-se nos conceitos históricos, conhecidos
na escola como “conteúdos de ensino”, foca suas reflexões em conceitos,
como por exemplo, colonialismo, renascimento e revolução, bem como,
noções particulares vinculadas a contextos específicos no tempo e no
espaço, advindas de histórias locais, regionais e nacionais.

A análise das respostas dos jovens acerca dos conceitos substantivos no


ensino de História permitiu inferir que as ideias expressadas são
diversificadas no conteúdo e se aproximam da noção de interculturalidade.

Pressupostos teóricos da investigação


Os estudos desenvolvidos na perspectiva da Educação Histórica têm
revelado a configuração do pensamento histórico (cognição histórica) de
jovens e crianças em situações concretas de ensino-aprendizagem de
história na escola. Assim, devido à relação direta da pesquisa em Educação
Histórica com a realidade escolar, os seus resultados podem contribuir de
modo significativo para prática de professores de História em todos os
segmentos educacionais, particularmente, as investigações realizadas com
jovens em vários países indicam que os professores podem ajudar as
crianças a se relacionarem com o passado por meio da investigação
histórica.
Na Inglaterra, pesquisadores como Peter Lee, Alaric Dickinson, Peter Roger,
Denis Shemilt e Rosalyn Ashby realizaram investigações inovadoras sobre a
cognição histórica fundamentadas na lógica da própria História, trazendo
assim novas perspectivas para o ensino de História. Nesse grupo de
pesquisadores, incluem-se os estudos dos britânicos Martin Booth e Hilary
Cooper, que contribuíram de modo significativo para o campo da Educação Aprendendo
Histórica no Reino Unido, entre os 70 e 90. Os estudos de Boath partindo História:
da lógica do conhecimento histórico buscou captar o sentido atribuído pelos VISÕES E
jovens estudantes a um conjunto de imagens sobre História DEBATES
contemporânea, este instrumento de pesquisa revelou-se eficiente para Página | 39
coleta de dados acerca das ideias históricas dos alunos, influenciando
largamente as investigações nessa área. Os trabalhos de Hilary Cooper
sobre as ideias de crianças em Histórica têm inspirado pesquisas em vários
países.

Peter Lee (2001) contextualiza o inicio dos estudos em cognição histórica


situada na Inglaterra e no Reino Unido. De acordo com pesquisador, na
década de 1960, havia o receio os alunos deixassem de estudar História, o
que quase aconteceu, tal situação existia em decorrência de um currículo
descentralizado, assim poucos estudantes escolhiam a disciplina de História.
As crianças não gostavam das Histórias contadas na escola, achavam a
disciplina maçante e inútil, preferiam as histórias da TV e dos livros.

Com o objetivo de superar tal situação, o Projeto 13-16, voltado para


alunos de entre 13 e 16 anos, coordenado na sua última fase por Denis
Shemilt propunha ensinar História em termos históricos, a partir do projeto
houve um crescimento da disciplina. A partir desse projeto novas ideias
surgiram sobre o ensino de História, tendo como preocupação questões
como, que ideias os estudantes traziam para disciplina de História.

Diante desses resultados Peter Lee desenvolveu um modelo de progressão


das ideias fundamentada na natureza da explicação histórica, modelo
sofisticado por ele e Dickinson, no estudo Making Sense of History de 1984,
com alunos de 8 a 18 anos, esse segundo estudo transversal abordou
noções de empatia e imaginação histórica, fundamentais à explicação
histórica.

Ashby, Dickinson e Lee coordenaram o projeto CHATA (Concepts of History


and Teaching Approaches), cujo objetivo era investigar a compreensão
histórica dos alunos. O estudo contou com uma amostragem de 320 alunos,
de 6 a 14 anos de idade, de 3 escolas primárias e 6 escolas secundárias,
eles responderam perguntas sobre compreensão de causalidades, empatia,
objetividade da pesquisa histórica, evidência e narrativa. “Também vários
investigadores, nos Estados Unidos e Canadá, têm dedicado a sua pesquisa
a trazer à luz os critérios epistemológicos que estão na base do raciocínio
histórico, quer entre jovens estudantes quer entre historiadores e pais de
alunos. Estes investigadores têm realçado a natureza situada da construção
do conhecimento histórico” (BARCA, 2001, p. 15). Esses pressupostos
orientaram a investigação empírica sobre as ideias substantivas dos jovens.
Analisando ideias substantivas de jovens
O estudo exploratório contou com a colaboração de 75 jovens, com idades,
entre 14 e 17 anos, matriculados no Instituto Federal do Paraná, campus
Irati, estabelecimento de ensino profissionalizante localizado no município
de Irati, região centro-oeste do Estado do Paraná.
Aprendendo
História: Dessa amostra, 41 jovens cursam o 1º ano do Ensino Médio, técnico de
VISÕES E Agroecologia e 34 jovens cursam o 2º ano do Ensino Médio, técnico de
DEBATES Informática. Nessa etapa de investigação aplicou-se um questionário
Página | 40 organizado em duas partes, a primeira com questões para coletada de
dados socioeconômicos e a segunda com perguntas para os jovens
expressarem suas ideias sobre os conteúdos de História. A maioria dos
jovens participantes da pesquisa moram na cidade de Irati-PR (26 morram
em municípios vizinhos), na área urbana (8 moram na zona rural) e não
exercem trabalho remunerado.

Na segunda parte do instrumento, a seguinte questão foi apresentada aos


jovens: Do que você estudou em História, o que considera mais importante?

Dentro do extenso programa da disciplina de História estabelecido pelo


Instituto Federal do Paraná, campus Irati, para o ensino médio, os jovens
indicaram uma relação de conteúdos, os quais julgaram serem os mais
relevantes na formação histórica. Os resultados foram sistematizados na
TABELA 1.

TABELA 1 – CONTEÚDOS CONSIDERADOS RELEVANTES PELOS JOVENS

CONTEÚDOS INDICADOS QUANTIDADE DE INDICAÇÕES


HISTÓRIA DO BRASIL 29
GUERRAS 23
PRÉ-HISTÓRIA E ANTIGUIDADE 17
REVOLUÇÕES 09
COMPREENSÃO DO PRESENTE 05
IDADE MÉDIA 04
HISTÓRIA DO PARANÁ 02
HISTÓRIA LOCAL 02
HISTÓRIA DOS EUA 03
RELIGIÃO 02
ILUMINISMO 01
NÃO RESPONDERAM 11

É preciso destacar, os conteúdos indicados pelos 63 jovens (11 não


responderam a questão) tomam como referência o universo de conteúdos
trabalhados em sala, ou seja, aqueles conteúdos selecionados pela escola e
oferecido aos jovens, por meio do currículo, do livro didático e da prática de
ensino do professor, elementos articuladores da cultura escolar.

O teórico do currículo Michael Apple (1982, 1989) ressaltou o papel da


cultura na escola e as relações com o desenvolvimento econômico que
marcam os processos de seleção e distribuição do conhecimento escolar. Aprendendo
Esse processo Williams (2011, p. 54) denomina “Tradição Seletiva” História:
VISÕES E
“O que, nos termos de uma cultura dominante efetiva, e sempre assumida DEBATES
como ‘a tradição’, ‘o passado significativo. Mas sempre o ponto-chave é a Página | 41
seleção – a forma pela qual, a partir de toda uma área do passado e do
presente, certos significados e práticas são escolhidos e enfatizados,
enquanto outros significados e práticas são negligenciados e excluídos. De
modo ainda mais importante, alguns desses significados e práticas são
reinterpretados, diluídos ou colocados em formas que dão suporte ou, ao
menos, não contradizem os outros elementos dentro da cultura dominante
eficaz”.

O contínuo fazer e refazer da cultura dominante acontece nos processos de


educação; na formação social mais ampla, como a família; na organização
do trabalho; nas práticas cotidianas; na tradição seletiva em um plano
intelectual e teórico. Essas forças colaboram para manutenção da cultura
dominante, operando de modo específico no contínuo trabalho de
conformação dessa cultura dominante. Assim, a educação do tipo escolar,
interesse particular desse texto, participa de forma significativa no
processo de seleção, conservação e legitimação da cultura dominante.

Por sua vez, a escola ensina às novas gerações apenas uma parte restrita
de toda a experiência humana coletiva. Os conteúdos de ensino, matéria-
prima do trabalho pedagógico, são resultados de um processo histórico de
seleção e manutenção de determinados elementos culturais em detrimento
de outros. A educação escolar supõe sempre uma seleção no interior da
cultura e uma transformação dos conteúdos da cultura destinados a serem
ensinados às novas gerações.

Nessa direção, dentre os conceitos substantivos selecionados e trabalhados


em sala de aula, a maioria dos jovens (29) compreende como mais
relevante para sua formação histórica, conteúdos relacionados à História do
Brasil, como descobrimento, colonização, ditadura, independência, colônia,
imigração e formação de nação.

Outro aspecto que merece atenção, apesar da baixa indicação, cinco jovens
consideraram de modo genérico relevantes conteúdos de história que
contribuem para compreensão do presente, como destacou Edgar, 15 anos,
2º ano do curso técnico de Informática: “Os acontecimentos importantes
que fazem o mundo atual”. As ideias desses jovens aproximam-se da
concepção de História como saber útil à compreensão do presente. O
entendimento por parte dos alunos da História como um conhecimento
específico é um princípio da Educação Histórica. Espera-se que o aluno
aprenda alguns fundamentados epistemológicos da História, como: a
História é uma ciência, com metodologia específica e sujeita as alterações
do tempo; o conhecimento possível sobre o passado é sempre parcial, e
elaborado a partir de testemunhos, muitas vez contraditórios; há diferentes
níveis de análise sobre o passado, assim como, distintas elaborações
conceituais, que caracterizam as correntes historiográficas; as explicações
Aprendendo históricas são construídas a posteriori; cada geração ou indivíduo pode
História: estabelecer novas questões e criticar o discurso histórico aceito.
VISÕES E
DEBATES Os jovens colaboradores da pesquisa responderam outra questão,
Página | 42 formulada da seguinte forma: O que você gostaria de ter estudado nas
aulas de história? A pergunta tinha como intenção captar ideias
substantivas de história dos jovens para além do currículo trabalhado em
sala. A quantidade de indicações por conteúdo foi organizada na TABELA 02.

TABELA 02 – CONTEÚDOS QUE OS JOVENS QUEREM ESTUDAR

CONTEÚDOS INDICADOS QUANTIDADE DE INDICAÇÕES

NÃO RESPONDERAM 27

HISTÓRIA DE CONTINENTES, 17
PAÍSES E CULTURAS

HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL 07


PESQUISA HISTÓRICA 07

HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL 07

GUERRA E TECNOLOGIA 07

HISTÓRIA DO BRASIL 03

HISTÓRIA E GÊNERO 01

Um dado que chama atenção é o grande número de estudantes que não


responderam à questão, 27 deixaram de responder num total 75 jovens que
participaram da pesquisa.

Outro dado de destaque encontra-se na segunda linha da tabela, 17 jovens


gostariam de estudar histórias de culturas diversas, de continentes e de
outros países além do Brasil. A especificidade das ideias verifica-se com
maior clareza, quando se observa diretamente as respostas de alguns
jovens, como as apresentadas a seguir:
“Como era a vida da população que hoje habita o continente da Oceania”.
(Gabriel, 15, 1º ano)

“Queria ter estudado sobre a America do Norte, mais a fundo como que
virou um pais tão rico e poderoso”. (Carla, 15, 1 ºano)
Aprendendo
“Estudar mais sobre nosso continente, estudamos mais os outros países e História:
deixamos um pouco de lado o Brasil e a América do Sul”. (Fabiana, 14, 1 VISÕES E
ºano) DEBATES
Página | 43
“História da Ásia”. (Márcia, 15, 2 º ano)

“História de outros continentes além do americano e europeu”. (Yasmim,


15, 2º ano)

“História de países pequenos que são considerados ‘sem importância’ e não


são passados”. (Carlos, 17, 2º ano)

“Um serie de eventos e culturas são desprezadas. As histórias dos povos


asiáticos, oceânicos e escandinavos nunca são estudados, e o ensino se
resume em História do Brasil, Idade Média, Revolução Francesa e Russa e
Primeira e Segunda Guerras. Qualquer outra coisa seria interessante,
especialmente sobre os povos citados acima”. (Julia, 16, 2º ano)

As ideias dos jovens apontam para a relação ensino de História e


intercuturalidade, quando manifestam interesse pela cultura de outros
povos, países e continentes (Asiático, Oceânico, Americano e Europeu).
Como define Castro (2009, p. 2304):

“A interculturalidade enquanto abordagem para a educação constitui-se


como um conjunto de questões que emergem actualmente por força de um
tempo marcado pela globalização. Interpelada pela Filosofia e Antropologia
contemporâneas a interculturalidade propõe uma problematização que
procura olhar o ser humano e as sociedades numa perspectiva aberta às
ideias de diversidade e universalidade”.

Nesse sentido, o interesse pelas questões interculturais dos jovens


potencializa as discussões históricas sobre cultura, identidade, alteridade e
relação. “A abordagem intercultural implica uma forma de questionamento
às diferentes áreas do saber, sendo por isso uma demanda epistemológica
que aponta para a inscrição dos conceitos de diferença/diversidade,
cultura/culturalidade, contacto/relação, universal/universalidade” (CASTRO,
2009, p. 2305).

Desse modo, as ideias históricas dos jovens podem fornecer pistas,


caminhos para pensarmos a possibilidade de um ensino/aprendizagem de
História pautada em relações interculturais. As concepções dos jovens
apontam para novas seleções de conteúdos, que possibilitam a relação
entre ensino de História e interculturalidade, que rompa com conteúdos
vazios de sentido e significado para os jovens estudantes.

Considerações finais
As ideias substantivas dos jovens reveladas no estudo exploratório
Aprendendo apresentam potencialidades interessantes para continuidade da pesquisa
História: em Educação Histórica. Tanto as ideias substantivas vinculadas ao currículo
VISÕES E ensinado e apreendido em sala de aula, quanto os conceitos substantivos
DEBATES desejados pelos jovens, como histórias de países e culturas diversas,
Página | 44 evidência, que “O professor não está sozinho perante os saberes. Ele se
relaciona com alunos que trazem consigo saberes, valores, ideias, atitudes.
A consciência histórica do aluno começa a ser formada antes mesmo do
processo de escolarização e se prolonga no decorrer da vida, fora da escola,
em diferentes espaços educativos, por diferentes meios” (SILVA; FONSECA,
2010, p.31)

Ademais, as ideias substantivas expressadas pelos jovens na investigação


fornecem indícios que podem orientar novas seleções de conteúdos e
metodologias que promovam uma Educação Histórica embasada nos
princípios da epistemologia da História, possibilitando aos jovens uma
leitura histórica do mundo.

Referências
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor
Adjunto e pesquisador do Departamento de História e do Programa de Pós-
Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade Estadual do Centro-Oeste, campus Irati, na mesma instituição
coordena o Laboratório de Ensino de História (LEHIS), também é
pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH),
articulado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Paraná. E-mail: geysog@gmail.com

APPLE, M. W. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

APPLE, M. W. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

ARENDT, H. A crise na educação. In: ARENDT, H. Entre o passado e o


futuro. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 221-247.

BARCA, I. Educação histórica: uma nova área de investigação. Revista da


Faculdade de Letras, Porto, III Série, v. 2, p. 13-21, 2001.

BARCA, I. Educação Histórica: uma nova área de investigação? In:


ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES DE ENSINO DE HISTÓRIA, 6.,
2005, Londrina. Anais... Londrina: Atrito Art, 2005. p. 15-25.

CASTRO, J. I. C. C. A. de. A interculturalidade como categoria da


consciência histórica - um estudo com jovens portugueses. In: X
CONGRESSO INTERNACIONAL GALEGO-PORTUGUÊS DE PSICOPEDAGOGIA.
10., 2009, Braga. Actas... Braga: Uminho, 2009. p. 2304-2316.
COSTA, A. L.; OLIVEIRA, M. M. D. O ensino de história como objeto de
pesquisa no Brasil: no aniversário de 50 anos de uma área de pesquisa,
notícias do que virá. Saeculum – Revista de História, João Pessoa, n. 16, p.
147-160, jan./jun. 2007.
Aprendendo
LEE, P. Progressão da compreensão dos alunos em história. In: PRIMEIRAS História:
JORNADAS INTERNACIONAIS DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA. Perspectivas em VISÕES E
educação histórica, 1., Braga. Actas... Braga: Uminho, 2001. p. 13-27. DEBATES
Página | 45
SCHMIDT; M. A.; BARCA, I. Apresentação. In: SCHMIDT; M. A.; BARCA, I.
Aprender história: perspectivas da educação histórica. Ijuí: Ed. Unijuí,
2009. p. 11-19.

SILVA, M. A. da; FONSECA, S. G. Ensino de história hoje: errâncias,


conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, n. 60,
p. 13-33, 2010.

WILLIAMS, R. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.


A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ATUALIDADE: UM OLHAR NA
PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO DE PAULO FREIRE
Joana D Arc Vaz
Almir Sandro Rodrigues

Aprendendo
História: Introdução
VISÕES E “Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem
DEBATES o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a
Página | 46 sua concretização. [...] O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da
liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não
deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora”
(FREIRE, 2018, p. 77-78).

Este texto é uma breve síntese de estudos dos autores sobre as obras de
Paulo Freire. Nesta ocasião, os 50 anos da Pedagogia do Oprimido. O
grande educador brasileiro Paulo Freire possibilita pensarmos a Educação na
atualidade, buscando compreender os caminhos por onde ela constrói seus
projetos de mundo. Nosso intuito é debater o pensamento de Freire
buscando analisar os problemas educacionais de nosso tempo atual,
percebendo a politicidade, a educabilidade do processo político brasileiro.

Antes de tudo, para atualizar o pensamento de Paulo Freire, faz-se


necessário despir de preconceitos e equívocos construídos ao longo da
história, sobretudo o reducionismo de sua teoria a um simples método de
ensino. O fato de reduzi-lo a apenas um educador que desenvolveu um
método para trabalhar com a educação de adultos nos anos de 1960, reside
ai uma estratégia política das classes dominantes de obscurecimento de sua
principal proposta e, arriscamos afirmar, que seu maior objetivo foi o de
munir os trabalhadores e oprimidos de conhecimentos que proporcionasse a
libertação das classes trabalhadoras de seus opressores.

Para Freire, o ato de alfabetizar é muito mais que tão-somente codificar e


decodificar letras e sons, pois alfabetizar é um ato criador. As palavras
deveriam ser criadas, inventadas e não doadas. Nesse processo, existem
dois sujeitos históricos denominados de professor-educando que, enquanto
sujeitos, não só transferem ou recebem conhecimentos, mas que são
capazes de transformá-los e reinventá-los, consequentemente
transformando ou buscando formas para transformar as relações sociais
alicerçadas no escravismo, na dominação e alienação. Nesse sentido que
propusemos discutir suas contribuições para a construção de estratégias na
luta por uma educação que possibilita o pensamento crítico, a liberdade, a
dialogicidade e não à lei da mordaça como reivindica o projeto lei 867/2015
que refere-se ao projeto “Escola sem partido” que está em andamento no
Brasil.
Contribuições de paulo freire para a educação brasileira do século
xxi: por uma educação que promova a criticidade e a dialogicidade
As contribuições de Paulo Freire para pensarmos a educação brasileira atual
são extremamente importantes para olharmos o processo da conjuntura
nacional e internacional e compreendê-las na perspectiva de intensas lutas
de classes. Aprendendo
História:
Leher (2018) salienta que no plano do discurso ideológico dominante as VISÕES E
lutas de classe são questões que ficaram num passado remoto e que hoje DEBATES
não mais abarcam o conjunto das classes trabalhadoras, reafirmando ser Página | 47
estas lutas, fragmentadas e identitárias, ou melhor, focalizadas; e, no
campo educacional a burguesia disputa ativamente para a implementação
de seus projetos amortecendo as lutas de educadores e estudantes que
propõe uma escola ou uma universidade que seja pública, universal,
gratuita e de qualidade.

Acerca das políticas educacionais, da Educação de modo geral, tem


propiciado a compreensão de que ela vem desempenhando uma função
importante, como estratégia de formação das classes trabalhadoras
brasileiras. Dessa maneira, tecemos análises que evidenciam o quanto que
a Educação está sendo posta no âmbito da formação de capital humano
(SCHULTZ, 1969), da empregabilidade, de formação para o
empreendedorismo e de “indivíduos livres” disponíveis para o mercado.

A apreensão da própria dinâmica do capital-imperialismo que, no Brasil e


nos países subalternos, se utiliza estrategicamente do próprio Estado, que
depende da ajuda e dos empréstimos externos, assim como a burguesia
brasileira, que se alia às burguesias internacionais, para expropriar
brutalmente as populações e para a implementação dos projetos de
expansão das relações sociais capitalistas.

A política educacional nessa sociedade é pautada na agenda do capital para


a educação e vem cumprindo a função ideológica no processo de expansão
das relações sociais capital-imperialistas. Podemos nos atentar para a
operacionalização das classes dominantes no campo educacional traduzidas
pelas reformas e projetos aprovados ou em aprovação. Como observa-se
nesse cenário, projetos que estão sendo aprovados pelo governo nos
últimos anos e, sobretudo, no governo de Michel Temer e de Jair Bolsonaro,
que atacam severamente a autonomia das instituições educacionais
públicas (Educação Básica e Ensino Superior), a criminalização de
educadores e funcionários públicos, o projeto lei “Escola sem Partido”,
militarização das escolas públicas, a tentativa de extinção dos cursos
ligados à área das ciências humanas e sociais, a reforma da previdência em
curso fortemente marcada pelo ataque ao funcionalismo público e às classes
trabalhadoras de maneira geral. Destaca-se como afronta à Educação
brasileira pública a ameaça constante de retirada do educador Paulo Freire
como patrono da Educação.

A conjuntura atual da educação (e outros campos da sociedade brasileira)


apontam para não somente o resgate de uma “educação bancária”, mas sua
ressignificação com novas fórmulas de sucateamento e obscurecimento da
classe trabalhadora e dos profissionais nas áreas da educação. As análises
freireanas realizadas na época (50 anos atrás) sobre a educação
denominada bancária se tornam muito atuais no que percebemos nos
discursos da “Escola sem Partido” e dos projetos de educação. De fato,
Aprendendo nessa concepção, o conhecimento é algo que por ser imposto, passa a ser
História: absorvido passivamente, aonde Freire (1975, p. 67) comenta que:
VISÕES E
DEBATES “Na visão bancária da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam
Página | 48 Sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da
ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro”.

Freire reforça que na perspectiva da “educação bancária” os sujeitos


envolvidos na educação apresentam um papel muito bem determinado, que
podemos dizer como sendo seres a-históricos. Comenta que:

“Na concepção ‘bancária’ que estamos criticando, para a qual a educação é


o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não
se verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a
sociedade opressora, sendo dimensão da ‘cultura do silêncio’, a ‘educação
bancária’ mantém e estimula a contradição” (FREIRE, 1975, p. 67).

Nesse sentido, o processo de resgatar e repensar as contribuições


freireanas para a construção de estratégias na luta por uma educação que
além de possibilitar o pensamento crítico, a politicidade, a liberdade, a
dialogicidade, deve refletir sobre a questão de como a educação e seus
sujeitos constroem a autonomia, a capacidade de transformação de seu
locus e das estruturas em que vivem e convivem. Freire (2002, p. 145-
146), em sua obra Pedagogia da Autonomia, explicita esse desafio, pois:

“Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove,


sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher
enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da decisão, da
ruptura, da opção. (...) Tenho afirmado e reafirmado o quanto realmente
me alegra saber-me um ser condicionado, mas capaz de ultrapassar o
próprio condicionamento. A grande força sobre que alicerçar-se a nova
rebeldia é a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a
todo reclamo das gentes (...). É a ética da solidariedade humana”.

A solidariedade pode ser explicada de diversas formas, onde sua base é a


ideia de relação e interdependência, assistência recíproca, o
companheirismo, o estar com o outro e pensar no outro, construir com o
outro, decidir com o outro em função do conjunto e sem deixar de lado as
individualidades, mas contrapondo-se a uma visão individualista
fundamentada em valores de competitividade característicos do mundo do
capital.
Pode ser identificada nessa dinâmica da solidariedade, forte influência dos
movimentos sociais vinculados em vários campos de luta e resistência,
assim como da educação popular expressa na pedagogia de Paulo Freire.
Nessa perspectiva, é importante perceber que as relações sociais
necessariamente devem ser transformadas e as dinâmicas de trabalho
devem ser repensadas quando se busca a solidariedade como característica Aprendendo
fundamental nas alternativas estratégicas de reprodução social. As História:
estruturas de sociedade e as relações sociais deixam de ser pensadas VISÕES E
apenas do ponto de vista puramente econômico (produtividade ou consumo DEBATES
material) e uma ampliação dos olhares passa a ser fundamental. Página | 49
O estudo das dinâmicas e dimensões da educação passa pela compreensão
das relações sociais que nela se dão e que dela se estabelecem com o meio
que a cerca e a integra. Dimensões de cunho socioeconômico, bem como o
reconhecimento das culturas locais e dos saberes historicamente
construídos, passam a ser elementos estruturantes de uma proposta
político-pedagógica libertadora, para além de suas dimensões puramente
técnicas ou metodológicas.

A construção das proposições de luta e resistência passam pelo


reconhecimento de alternatividades no campo da educação – os saberes das
classes trabalhadoras se impõem ao saber externo, dos “especialistas”
(quer de empresas, quer do governo ou de instituições técnicas nacionais
ou internacionais), e no âmbito das classes trabalhadoras pode se gestar
uma nova forma de reciprocidade e solidariedade, através do papel de uma
educação libertadora imbricada pela dialogicidade.

“A importância do ponto de vista de uma educação libertadora, e não


‘bancária’, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de
seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo,
manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e na de seus
companheiros. Porque esta visão da educação parte da convicção de que
não pode sequer presentear o seu programa, mas tem de buscá-lo
dialogicamente com o povo, e que se inscreve como uma introdução à
Pedagogia do Oprimido, de cuja elaboração deve ele participar” (FREIRE,
1975, p. 141).

As estratégias político-pedagógicas que incorporam o processo libertador e


emancipador de cada sujeito e suas relações com os grupos e com a
sociedade, está diretamente correlacionado com não somente o domínio da
linguagem escrita, mas de todo o processo de se autoreconhecer como
autor e coautor de sua história. Na obra “A importância do ato de ler”,
Freire (1989, p. 13) destaca essa construção da alfabetização nos seus
aspectos de criticidade e dialogicidade, não mais na perspectiva do
“opressor” – o ato criador é expressão da liberdade:

“[...] seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica


dos ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que também não pudesse reduzir
a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras. Ensino
em cujo processo o alfabetizador fosse ‘enchendo’ com suas palavras as
cabeças supostamente ‘vazias’ dos alfabetizados. Pelo contrário, enquanto
ato de conhecimento e ato criador, o processo da alfabetização tem, no
alfabetizando, o seu sujeito. O fato de ele necessitar da ajuda do educador,
como ocorre em qualquer relação pedagógica, não significa dever a ajuda
do educador anular a sua criatividade e a sua responsabilidade na
Aprendendo construção de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem. Na
História: verdade, tanto o alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por
VISÕES E exemplo, um objeto, como laço agora com o que tenho entre os dedos,
DEBATES sentem o objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de expressar
Página | 50 verbalmente o objeto sentido e percebido. [...] A alfabetização é a criação
ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Esta montagem
não pode ser feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando. Aí tem ele
um momento de sua tarefa criadora”.

Para Freire o processo de alfabetização, compreendido no campo da


totalidade, abarca para além da leitura e da escrita, pois estes atos são
expressões da própria realidade histórica e social dos sujeitos. O autor
destaca que o modelo em que as escolas trabalham com o currículo
centrado em disciplinas acadêmicas pressupondo a separação dos sujeitos
de seus objetos de estudo, gerando uma prática na qual os conteúdos
trabalhados se apresentam descontextualizados e, por vezes, alienantes,
dissociando o processo de construção do conhecimento da aprendizagem e
dos contextos em que são produzidos:

“Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um


sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os
conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...] O conhecimento, pelo contrário,
exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica
em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre
o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao
reconhecer-se assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os
condicionamentos a que está submetido seu ato. [...] Conhecer é tarefa de
sujeitos, não de objetos. E é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que
o homem pode realmente conhecer” (FREIRE, 1992, p. 27).

Essa prática hegemônica burguesa funda-se na ética educacional


efetivamente implementada no modelo eurocêntrico moderno, balizadora da
pedagogia que concebe o “não-europeu” como o “não-ser”, ou, em outras
palavras, um “não eu” que necessita de “adestramento” pedagógico,
visando à formação de um adulto adestrado, adaptado à sociedade.
Contudo, a Educação vivenciada por Freire assume a promoção dos
processos de emancipação humana, nutrindo os sujeitos de conhecimentos
e saberes que ultrapassam a realidade social já posta pelo modelo de
produção capitalista vigente. Desse modo, Freire (1975) afirma que a
educação rompe com a domesticação pelo ato de aprender e ensinar numa
relação dialética desde que tenham agentes ativos [educador ↔ educando]
que disponham perante a realidade que os cerca construindo um saber
envolvido com a multiplicidade popular.
Tecendo considerações
Freire propõe aos educadores um projeto de educação fundamentado em
círculos formativos que objetiva a promoção de práticas com princípios
pedagógicos como a dialogicidade, a liberdade, a construção coletiva e a
efetiva participação dos sujeitos, contrapondo a educação implementada e
em curso no Brasil. Em “A Educação como prática da Liberdade” Freire Aprendendo
(1986, p. 142) desenvolve uma reflexão epistemológica e político- História:
pedagógica sobre o papel de democratização da Educação, esclarecendo VISÕES E
que: DEBATES
Página | 51
“Esta situação apresenta um Círculo de Cultura funcionando. Ao vê-la,
facilmente se identificam na representação. Debate-se a cultura como
aquisição sistemática de conhecimentos e também a democratização da
cultura dentro do quadro geral da ‘democratização fundamental’. [...] ‘A
democratização da cultura’, disse certa vez um desses anônimos mestres
analfabetos, ‘tem de partir do que somos e do que fazemos como povo. Não
do que pensem e queiram alguns para nós’. Além desses debates a
propósito da cultura e de sua democratização, analisava-se o
funcionamento de um Círculo de Cultura, seu sentido dinâmico, a força
criadora do diálogo, o aclaramento das consciências”.

O formato da sociedade brasileira atual é marcado por um desenvolvimento


econômico desigual onde prevalece a superexploração do trabalho e
profundas expropriações primárias e secundárias. Temos os setores da
burguesia brasileira alinhados aos interesses das burguesias internacionais
e de seus organismos multilaterais como o Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional (FMI), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), dentre outros.

Desse modo, consolidam projetos de educação, visando a difusão de suas


ideologias, sobretudo a formação de capital humano com ampliação do
exército de reserva, que expressam o aprofundamento de novas relações de
dominação burguesa no campo do trabalho, da cultura e da sociabilidade.
A proposta de discutir em grupo as contribuições de Paulo Freire para
pensarmos a educação e seus projetos na atualidade possibilita
vislumbrarmos a construção de estratégias na e para a luta por uma
educação que permite o pensamento crítico, a politicidade, a liberdade, a
dialogicidade. Por sua vez, o desafio que temos é de apropriarmos em
coletivos nas escolas, universidades, movimentos sociais, do campo e da
cidade, na busca de refletir e vivenciar as práticas e saberes de uma
educação que ultrapasse os muros da própria educação.

Que os 50 anos da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire nos impulsione


para o processo contínuo de reflexão e reconstrução das estratégias de luta
e resistência, pois a educação é um dos elementos fundamentais dessa luta
por liberdade. As formas e relações de opressão, após 50 anos, podem
apresentar atualmente outros instrumentos de “não liberdade”, que muitas
vezes obscurecem suas mordaças ou algemas. Porém, retomando o texto
“Primeiras Palavras” (escrito em Santiago, Chile, no Outono de 1968),
enquanto uma introdução à “Pedagogia do Oprimido” Freire nos diz: “Não
são raras as vezes em que participantes destes cursos, numa atitude em
que se manifestam o seu ‘medo da liberdade’, se referem ao que chamam
de ‘perigo da conscientização’. A consciência crítica (... dizem) é anárquica”.
E continua: “ao que outros acrescentam: ‘Não poderá a consciência crítica
conduzir à desordem?’ Há, contudo, os que também dizem: ‘Por que negar?
Aprendendo Eu temia a liberdade. Já não a temo!’.” (in: FREIRE, 1975, p. 19).
História:
VISÕES E Referências
DEBATES JOANA D ARC VAZ, Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
Página | 52 em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora
da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR, campus de União da
Vitória. E.mail: darcvaz.13@gmail.com

ALMIR SANDRO RODRIGUES, Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-


Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia
(NESEF/UFPR). E.mail: filorodrigues@yahoo.com.br

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 3ª. ed., Rio de Janeiro: Editora Paz
e Terra, 1975.

_______. Educação como prática da Liberdade. 17ª. ed., Rio de Janeiro:


Editora Paz e Terra, 1986.

_______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.


São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

_______. Extensão ou comunicação? 10ª. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1992.

_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 23ª. ed., São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

_______. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 2018.

LEHER, Roberto. Universidade e heteronomia cultural no capitalismo


dependente: um estudo a partir de Florestan Fernandes. Rio de Janeiro:
Consequência, 2018.

SCHULTZ, Theodore W. Investindo no povo. Tradução Elcio Gomes de


Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
O LAPEDUH E A EDUCAÇÃO HISTÓRICA: HISTÓRIA, FUNDAMENTOS
E AS POSSIBILIDADES DE UMA DIDÁTICA DA HISTÓRIA ESPECÍFICA
Thiago Augusto Divardim de Oliveira

O texto propõe sistematizar algumas reflexões fundamentais a respeito da Aprendendo


Educação Histórica, tomando como referência o histórico e as produções do História:
Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do VISÕES E
Paraná, sob coordenação da professora Maria Auxiliadora Schmidt. O DEBATES
objetivo é dar uma contribuição a reflexões que vem sendo realizadas de Página | 53
maneira coletiva nas reuniões do grupo ao mesmo tempo que tornamos
públicas nossas reflexões para o debate na área da didática da História. As
discussões inserem-se no contexto dos 15 anos de existência do
laboratório, sendo assim um exercício de exame das características
fundantes, assim como das concepções que orientam as ações
investigativas, referenciais teóricos, filosóficos, linhas de investigação,
funções, métodos e orientações. Esse exercício de reflexão visa sustentar a
proposição da Educação Histórica como um domínio científico (SCHMIDT,
2018) e apresentar os elementos básicos de uma Didática da História
resultante de nossos debates e pesquisas, essa proposta tem a formação
histórica na perspectiva da práxis como princípio e fim dos seus trabalhos.

História
§ 1 – O Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH),
coordenado pela professora Maria Auxiliadora Schmidt desde 2003, foi
organizado a partir das discussões e pesquisas relacionadas à linha de
pesquisa “Cultura, escola e ensino” do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE – UFPR). A linha dedica
seus estudos as relações entre a cultura e a escola, assim como os sujeitos
do espaço escolar e suas relações sociais a partir do método histórico e de
abordagens conceituais, e as investigações da linha partem de diferentes
referenciais teóricos e abordagens metodológicas. Dentro dessa linha se
constituiu o LAPEDUH e a disciplina “Educação Histórica” que articulam
atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão.

§ 2 – O LAPEDUH é formado por pesquisadoras e pesquisadores dedicados


as relações de ensinar e aprender História sem restringir-se apenas a essa
relação, mas toma como pressuposto a reflexão, problematização e o
desvelamento dos fundamentos e amplitudes da relação entre o
conhecimento cientificamente organizado, a sociedade em que esse
conhecimento é organizado e circula socialmente e a educação como espaço
privilegiado para a investigação sobre a História e o seu ensino e
aprendizagem. Junto a isso a necessidade constante de reflexão crítica e
acompanhamento dos enfrentamentos que se colocam com a configuração
do capitalismo mundial e as formas de manifestações locais dessas
estruturas.

§ 3 – As características iniciais na organização do grupo, assim como da


disciplina Educação Histórica estão relacionadas à experiência e indagações
científicas da professora Maria Auxiliadora Schmidt em relação aos
processos de ensinar e aprender História, assim como sua experiência de
pós-doutoramento em Portugal entre os anos de 2001 e 2002. Essas
experiências dialogaram com as discussões e pesquisas já existentes nas
áreas da Didática da História e do Ensino de História do Brasil, e ao entrar
em contato mais específico com a Educação Histórica em Portugal formou-
Aprendendo se um contexto propício para a articulação dessas experiências e pesquisas.
História: O debate de Schmidt com a pesquisadora Isabel Barca somou-se ao
VISÕES E histórico das discussões brasileiras, possibilitando o início da constituição
DEBATES dos debates especificamente chamados Educação Histórica no Brasil, com
Página | 54 uma história e características específicas. É sobre essa história e suas
especificidades, assim como a reflexão sobre os fundamentos desses
trabalhos que esse texto propõe refletir, com isso se reconhece a existência
de outros grupos com produções semelhantes, e ao mesmo tempo
estabeleço o recorte específico dessa reflexão.

§ 4 – Para a compreensão desse histórico é necessário referenciar questões


da teoria e filosofia da História, assim como de outros campos do
conhecimento científico sem a possibilidade de explicitar aqui com detalhes
aprofundadamente o significado ou as características de tais campos e
discussões. A Educação Histórica em Portugal, assim como na Inglaterra
possuem características próprias em sua história, mas aqui as discussões
estarão limitadas a compreensão do desenvolvimento da Educação Histórica
no Brasil. Nesse sentido é possível afirmar que o grupo inglês (history
education) e português (educação histórica) possuem influências
importantes das discussões da filosofia da história anglo-americana da
segunda metade do século XX, discutida por filósofos de inspiração lógica
(analítica e/ou positivista – tais como William Herbert Dray; Karl Popper;
Carl Gustav Hempel; Arthur Coleman Danto; William Henry Walsh), e em
menor grau, filósofos de inspiração hermenêutica (Robin George
Collingwood – e num segundo momento de suas produções, com diálogos
frequentes com pesquisadores brasileiros as discussões passam a incorporar
conceitos discutidos por Jörn Rüsen e os referenciais da consciência
histórica). Essas observações se referem ao grupo de teóricos e filósofos da
História citados pela professora Isabel Barca e pelo professor Peter Lee
[Para saber mais sobre essas influências ver o capítulo 4 “Aprendizagem
histórica: um olhar e diferentes perspectivas” da tese OLIVEIRA, T. A. D. A
formação histórica (Bildung) como princípio da didática da história
no ensino médio: teoria e práxis. Tese (Doutorado em Educação).
Curitiba, 2017].

§ 5 – Além da influência de teorias e filosofias da História, os debates da


Educação Histórica, nas vertentes inglesa e portuguesa, são influenciados
por outros conhecimentos científicos da área da educação. Entre esses
conhecimentos pode-se destacar, no caso de Portugal, a teoria da mudança
conceitual (MONIZ, 1998), que possui como preocupação básica a de que, a
existência a priori de representações, implica na discussão sobre formas de
partida e de chegada entre concepções mais incipientes e outras mais
elaboradas de representações científicas nas relações de ensino. A isso se
referem as categorizações por progressão de ideias nas pesquisas
portuguesas (progressão da explicação, por exemplo). Além da mudança
conceitual figuram entre as influencias em Portugal e Inglaterra: psicologia
educacional, psicologia do desenvolvimento e psicologia da aprendizagem
de Jerome Bruner, Margaret Donaldson, Lev Vgotsky [Para saber mais a
esse respeito ver a dissertação “EDUCAÇÃO HISTÓRICA E CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS EPISTEMOLÓGICOS” do pesquisador Juliano
Mainardes Waiga]. Aprendendo
História:
§ 6 – No LAPEDUH, as pesquisas produzidas no âmbito do grupo, estão VISÕES E
influenciadas pelas discussões inglesas e portuguesas da Educação DEBATES
Histórica, assim como por conhecimentos das áreas da Filosofia da Página | 55
Educação, Pedagogia, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação,
Etnografia Educacional, Didaticistas e Psicologia Educacional (WAIGA,
2018). Além disso, é destacada a influência inicial e crescente com o passar
dos anos das contribuições de Jörn Rüsen e o paradigma narrativo da práxis
histórica (RÜSEN, 2001 p.170). Nesse sentido devem-se destacar os
diálogos e interlocuções com o professor Estevão Chaves de Rezende
Martins, presente em eventos, seminários e bancas de qualificação e defesa
de trabalhos produzidos no grupo; assim como do próprio historiador e
filósofo Jörn Rüsen que esteve presente em eventos organizados pelo
laboratório. Além das publicações das próprias obras de Rüsen, as teses e
dissertações, assim como artigos produzidos pelos integrantes do LAPEDUH,
auxiliam na historicidade da compreensão, recepção e interpretação da obra
de Rüsen ao longo dos 15 anos de existência do grupo.

§ 7 – Atualmente existem eventos específicos para a discussão da área,


como o Seminário de Educação Histórica que ocorre anualmente na UFPR,
assim como em eventos nacionais e internacionais da área de História, a
Educação Histórica frequente está presente em grupos de trabalho. Além de
eventos específicos e de caráter internacional como o caso da Jornadas
Internacionais de Educação Histórica que ocorrem anualmente entre
Portugal, Brasil e Espanha, e o History Educators International Research
Network (HEIRNET), além da Associação Iberoamericana de Pesquisadores
da Educação Histórica (AIPEDH). Além de revistas específicas e outras das
áreas da Educação e da História que dedicam espaço as reflexões da área.

Fundamentos ontológicos, teóricos, metodológicos e a definição de


um domínio científico
§ 8 – Depois de um conjunto de produções e do acúmulo gerado nesses
anos é possível perceber uma articulação geral entre as compreensões
amplas da realidade e análises mais específicas. Com esse acúmulo, é
importante de tempos em tempos revisar os fundamentos que subsidiam
essas compreensões. Em relação ao conceito de Consciência histórica
discutido por Rüsen, levamos em consideração o pressuposto de Marx e
Engels de que é necessário assegurar materialmente a existência para
podermos nos preocupar com a consciência (MARX & ENGELS, 2007 p. 33 –
35). E que a satisfação das carências mais básicas leva produção de novas
carências, processo dialético que se dá no tempo e socialmente, por isso o
caráter histórico da consciência humana. A partir disso, tomamos como
pressuposto principal, o fenômeno da consciência histórica, entendido como
capacidade inerente ao ser humano de interpretar suas experiências no
tempo mediante a relação entre presente – passado – presente – futuro, no
intuito de, a partir de suas carências de orientação, poder interpretar e
orientar ações no tempo (RÜSEN, 2001).

§ 9 – A consciência histórica não é um fenômeno que se dá por


Aprendendo autoexistência, mas mantém uma relação intrínseca com um complexo mais
História: amplo a que Rüsen chama de Cultura Histórica (RÜSEN, 2014). A cultura é
VISÕES E tomada como meio complexo em que ocorre a relação entre ser construído
DEBATES e as possibilidades de construir, como parte constitutiva e constituinte das
Página | 56 consciências e da totalidade. É na dimensão denominada cultura que os
seres humanos precisam se relacionar com o mundo e consigo mesmos
para que a vida possa ser vivida.

§ 10 – As preocupações da Educação Histórica, portanto, estão relacionadas


a um processo formativo das consciências históricas sem deixar de levar em
consideração o meio em que elas se desenvolvem. A formação histórica que
nos referimos, não é a de um ato criador que inicia a consciência, como as
vezes parece figurar no entendimento inercial de alguma crítica. A
formação histórica inclui o processo e o produto, ou seja, o processo
formativo e a formação como novo patamar de possibilidade de
compreensão e mesmo ação no tempo, por indivíduos e grupos. Essa díade
dialética, por uma parte, corresponde a dimensão dinâmica do ensino e
aprendizagem, reflexão, experiência, orientações e motivação do agir; a
outra parte, corresponde aos elementos de consolidação dos novos
patamares, referenciais, afirmações do sujeitos e grupos em relação as
circunstâncias temporais. A dialética entre processo formativo – formação
não tem início, assim como não se esgota na escola, mas a escola possui
posição prevalente na contemporaneidade. Normalmente esse processo
formativo é ilustrado como uma espiral representativa do que os alemães
chamam Bildung (RÜSEN, 2012 p.94; RÜSEN, 2015 p. 254). Por pensá-la
em relação à práxis da vida não consideramos esse processo formativo
como uma expansão sempre continua, lisa e acetinada, mas por choques e
contatos com diferentes narrativas e aspectos da cultura, em um processo
conflituoso em que as expressões da consciência podem manifestar sentidos
de orientação com perspectivas diferentes em ocasiões diferentes. As
formas básicas de consciência discutidas por Rüsen, assim como os
elementos que compõem o complexo da cultura histórica funcionam como
elaboração teórica da realidade em um sentido heurístico e hermenêutico,
assim como na dialética entre essas etapas do pensamento científico, para
a compreensão do mundo, no caso das pesquisas do LAPEDUH, a
manifestação preponderante desse mundo em um sentido empírico se dá
nas relações que envolvem a escola, o ensino e a aprendizagem da História.
As enunciações, protonarratativas e narrativas históricas são a
materialização das formas de pensamento e atribuição de sentido as
experiências no tempo.

§ 11 – Uma vez apresentadas as compreensões ontológicas da relação com


a teoria e filosofia, os encaminhamentos epistemológicos e teóricos que
articulam a relação entre os fenômenos do mundo empiricamente
observável e a pesquisa, importa demonstrar como temos procurado
articular metodologicamente essa relação. As contribuições da metodologia
da pesquisa em colaboração discutida pela pesquisadora Ibiapina (2008)
possibilitaram um comportamento metodológico que envolve
investigadoras(es) e professoras(es), seja em processos de produção
científica do conhecimento, quanto na interação entre o trabalho docente e
a pesquisa. A pesquisa colaborativa articula a práxis e a teoria como Aprendendo
elaboração da realidade permitindo que a produção do conhecimento tenha História:
desdobramentos em estratégias que promovem o desenvolvimento da VISÕES E
pesquisa e da práxis docente de uma maneira em que a colaboração DEBATES
permita a resolução, reflexão, pesquisa e compartilhamento de Página | 57
conhecimento a respeito das carências e necessidades que envolvem as
relações de ensinar e aprender história (adaptado de IBIAPINA, 2008 p.
25).

§ 12 – Uma das máximas do pensamento gramsciano é a afirmação de que


“Todos os homens são intelectuais”, em qualquer forma de trabalho, por
mais simples e repetitiva, há sempre alguma atividade intelectual naquela
forma de trabalho [Para assegurar a citação literal dos fragmentos,
mantivemos o termo “homem”, no entanto, o significado deve ser
compreendido como referente aos seres humanos.] Mas há diferenças em
relação aos intelectuais nas sociedades (GRAMSCI, 1982, p. 3 – 5). O que
importa na visão gramsciana é onde a atividade está inserida no âmbito das
relações sociais. Pois todos os trabalhos contém esforço, atividade
intelectual e importância no seio da sociedade. O trabalho de historiadores
docentes na perspectiva da educação histórica é trabalho intelectual: a
educação escolarizada é um produto do processo de produção e trabalho
socialmente condicionado, portanto é uma prática social. Compreende um
processo de transformação da matéria-prima que é o conhecimento para
um fim particular em um lugar definido que ocorre com indivíduos
socialmente organizados. Estas relações estão estruturadas a partir da
escola, dos conhecimentos, dos professores, alunos(as) e administração
escolar, e da relação que cada um possui no processo de produção. Esta
ótica permite entender o processo de transformação que ocorre no processo
de ensinar e aprender como trabalho. Mais importante que a matéria
prima ou o produto é a prática em um sentido estrito, o trabalho que realiza
o processo de transformação. Um trabalho intelectual.

§ 13 – Se os historiadores e historiadoras mobilizam os processos de


produção do conhecimento histórico influenciados pela trama pública
(RÜSEN, 2014 p. 107-108), na sala de aula os aspectos que envolvem
interpretações da história ocorrem com uma vivacidade específica. Por
exemplo, se um historiador diante da ascensão de um discurso autoritário
na política, apreende heuristicamente enunciados que serão trabalhados em
relação a um determinado período da história, e dessa maneira pretende
interferir no debate público; nas salas de aula os(as) historiadores(as)
docentes podem partir dos pressupostos da filosofia da história para realizar
um trabalho de intervenção no processo formativo das consciências
históricas de alunos e alunas na relação explicitada anteriormente entra a
cultura e as consciências históricas. A didática da História, nesse sentido,
corresponde a um trabalho de intervenção que mobiliza os elementos
apreendidos pela heurística dos enunciados das consciências e da cultura
(RÜSEN, 2012 p. 95 – 97), e efetiva um trabalho analítico e hermenêutico
desses enunciados, mediante processos relacionados à ciência da história e
as contribuições das ciências da educação, assim realiza-se uma
intervenção que possui como princípio e fim a formação histórica dos
Aprendendo discentes, isso nos referimos como didática da educação histórica na
História: perspectiva da práxis.
VISÕES E
DEBATES § 14 – As contribuições das ciências da educação e o diálogo entre
Página | 58 pressupostos ontológicos da formação humana apresentam uma das
características específicas da Educação Histórica no Brasil. Nos trabalhos
desenvolvidos por Schmidt, é possível perceber os diálogos com as
contribuições de Paulo Freire (SCHMIDT, 2005; 2006 e 2012) que envolvem
a relação entre cultura e formas de consciência, assim como a possibilidade
do processo formativo; ou ainda as discussões que envolvem referenciais do
materialismo histórico, principalmente István Mészaros (1930 - 2017) e as
referências à necessidade ou possibilidade de uma formação com
características emancipatórias que possibilitem o desvelamento da realidade
como ela se apresenta, e até mesmo ligadas a possibilidades formativas de
uma contra-consciência para além do capital (SCHMIDT, 2007; 2014;
2015). Em discussões mais recentes, o processo formativo pode ser
percebido nas narrativas dos jovens estudantes em elementos que
discutimos como expansão qualitativa do pensamento histórico e também
quantitativa dos passados discutidos (RÜSEN, 2012 p. 76). As áreas das
ciências da educação que contribuem para os diálogos da Educação
Histórica no Brasil são: Filosofia da Educação, Pedagogia, Psicologia da
Educação, Sociologia da Educação, Etnografia Educacional, Didaticistas e
Psicologia Educacional (WAIGA, 2018).

§ 15 – Os diálogos mais recentes no LAPEDUH (2018) sob a coordenação da


professora Schmidt, têm encaminhado a definição da educação histórica
como um domínio científico (LLOYD, 1995 p.54). De acordo com o autor “as
metodologias evoluem sob o impacto de novas descobertas a respeito das
complexidades da natureza, e o objeto de estudo evolui graças a
refinamentos, reavaliações e reformulações da metodologia.” (LLOYD, 1995
p. 54). E ainda que “Para a afirmação da existência de um domínio, requer-
se a reunião de um corpo de informações compartilhadas sobre a
composição e a evolução de uma classe de entidades, de forma que os
objetos tenham relações de relevância de caráter realista”. Propõe-se aqui a
sistematização dessa referência a partir da Educação Histórica brasileira
com base nos trabalhos do LAPEDUH e em consideração as interlocuções
realizadas pelo grupo. Buscou-se revisar os fundamentos das pesquisas
para oferecer alguns fundamentos provisórios a essa discussão.

§ 16 – Para a definição desse domínio é possível apontar as seguintes


características: a) Há uma lógica narrativista sobre como a história, e o
pensamento histórico surgem e demonstram sua importância para a práxis
da vida (RÜSEN, 2001; 2014; 2015), essa lógica narrativa tem uma relação
com o processo de investigação dos fatos (do passado), e a ação no
presente / futuro. A lógica é o que envolve essa tríade. Em Rüsen a ação na
vida (práxis) seja em âmbito científico ou o agir existencial mais amplo
possuem essas formas elementares da narrativa como atribuição de sentido
para a orientação existencial, (baseado em Droysen o autor apresenta a
possibilidade de um imperativo categórico do pensamento histórico (RÜSEN,
2015 p. 144-145); b) temos a articulação entre um estado de coisas do
conhecimento e o nível sócio-antropológico, elaborações teóricas da Aprendendo
realidade que nos permitem dialogar com uma ideia de totalidade (a cultura História:
histórica e seus desdobramentos), assim como as consciências históricas e VISÕES E
suas várias formas de análise, o que caracteriza a relação entre o mundo DEBATES
observável e a elaboração científica da realidade; c) as pesquisas e a Página | 59
história do LAPEDUH observadas a partir dos acúmulos palpáveis desse
histórico possibilitam a percepção material e na práxis da relação entre a
racionalidade que abstrai esse corpus do todo ao qual é constitutiva e
constituinte e os resultados que orientam novas produções e ações
relacionadas a escola, a universidade, aos documentos e o diálogo entre
pesquisas e pesquisadores; d) é possível perceber a articulação desses
elementos com os encaminhamentos teóricos e metodológicos, a posição
dos pesquisadores, os resultados de pesquisas e as possíveis orientações
para o trabalho em sala de aula (não de maneira prescritiva, mas a partir
da reflexão sobre a pesquisa e sobre as ações na vida); por conseguinte, e)
há uma comunidade de pares que realizam interlocuções de pesquisas,
resultados, apresentação em eventos, circulação social do conhecimento
através de revistas, organização de eventos, cursos de extensão na
perspectiva da colaboração, relatos de experiência, elementos efetivados
nacional e internacionalmente. Pode-se, portanto perceber a Didática da
História como um domínio científico da Ciência da História, e a Educação
Histórica assim como as possibilidades de uma Didática da História pensada
no âmbito dos debates da Educação Histórica e referenciada na perspectiva
da práxis como domínios científicos ligados a Didática da História e a
própria Ciência da História.

Possibilidades: a constituição de uma Didática da Educação


Histórica na perspectiva da práxis
§ 17 – Em relação aos acúmulos realizados nesses 15 anos do LAPEDUH
dialogou-se inicialmente com a proposta metodológica da aula-oficina
(BARCA, 2004), tempos depois o diálogo de historiadores docentes na
perspectiva da colaboração resultou na produção da Unidade Temática
Investigativa (FERNANDES, 2008). Com a ampliação das pesquisas, debates
e traduções da obra de Rüsen, passamos a perceber uma relação mais
interessante em partir das protonarrativas (AZAMBUJA, 2013) dos
estudantes do que de um conteúdo previamente estabelecido. Essas
discussões têm sido ampliadas no sentido de levar em consideração um
processo de apreensão heurística das enunciações das consciências e
mesmo da cultura histórica de nosso tempo, seja nas enunciações de
crianças pequenas (OLIVEIRA, A.G. P., 2013), ou de jovens estudantes do
ensino médio (DIVARDIM, 2017). Esses acúmulos têm encaminhado as
discussões do grupo para uma lógica mais narrativista da história, pautada
na teoria e filosofia da História proposta por Rüsen, e nos diálogos com as
ciências da educação, em um sentido de intervenção dos historiadores
docentes no processo formativo das consciências na relação com a cultura
histórica. Atualmente essas discussões têm sido compiladas pela professora
Maria Auxiliadora Schmidt em relação a uma matriz da didática da educação
histórica (Schmidt, 2017) que tem sido discutida no grupo. As questões
centrais dessa discussão giram em torno da atribuição de sentido como
princípio fundamental, assim como a relação entre cultura histórica (que
Aprendendo compreende a cultura da escola, cultura escolar e os aspectos da cultura na
História: escola); em uma relação que não separa a ciência especializada da práxis
VISÕES E da vida, e que possui a formação histórica dos estudantes como princípio e
DEBATES fim da Didática da História na perspectiva da práxis.
Página | 60
Possíveis considerações
Assume-se o caráter provisório das reflexões propostas, assim como as
discussões organizadas nesse texto estão relacionadas aos debates
coletivos realizados entre 2017 e o início de 2018 no âmbito do LAPEDUH. À
medida que o debate e o acúmulo se ampliem, novas percepções dessa
trajetória poderão surgir em enunciações de outros colegas. O esforço está
mais relacionado à seguinte tentativa:

Na construção da ciência vale o pensamento de Heráclito, de que o caminho


para cima e para baixo é o mesmo... Quanto mais crescer o edifício da
ciência e quanto maior o arrojo, com o qual ele se projeta às alturas, tanto
mais ele necessita do exame e da renovação constante dos seus
fundamentos. A afluência de novos fatos deve ser correspondida pelo
'rebaixamento dos fundamentos', que caracteriza, segundo Hilbert, a
essência de toda e qualquer ciência. Se isto é verdadeiro, fica claro o fato
de que e a razão pela qual não podemos aliviar as ciências particulares do
trabalho pela identificação e pelo fortalecimento dos princípios nem delegar
esta tarefa a uma disciplina 'filosófica' especial, à 'teoria do conhecimento'
ou à metodologia.[ Seguindo o exemplo de Rüsen (1987) no texto
“Reflexões sobre os fundamentos e mudança de paradigma na ciência
histórica alemã-ocidental” em que cita Cassirer, na epígrafe. A tentativa
aqui foi sistematizar aspectos históricos, assim como de análise e
planejamento de nossas produções].

É nesse sentido, e consciente do próprio inacabamento que proponho essas


reflexões. Se possível espero ter contribuído com as discussões do grupo e
também com os debates da Didática da História em sentido mais amplo.

Referências
Professor do Instituto Federal do Paraná (Campus Curitiba) e pesquisador
do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal
do Paraná (LAPEDUH - UFPR). Esse trabalho está relacionado ao projeto de
pesquisa “APRENDIZAGEM HISTÓRICA E DIDÁTICA DA HISTÓRIA: TEORIA,
FILOSOFIA E PRÁXIS – POSSÍVEIS ABORDAGENS REFERENTES A TEMAS
SOCIAIS CONTROVERSOS” cadastrado no IFPR (Campus Curitiba).

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Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 64
AUTOR@S Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 65
RURALISMO PEDAGÓGICO NA INTERVENTORIA DE AGAMENON
MAGALHÃES EM PERNAMBUCO - (1937-1945)
Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos
Sandra Roberta Vaz Lira Maranhão

Aprendendo
História: O objetivo desta pesquisa é analisar as práticas educacionais desenvolvidas
VISÕES E pela Interventoria de Agamenon Magalhães, em Pernambuco 1937-1945,
DEBATES em diálogo com as ocorridas nacionalmente para a educação na zona rural.
Página | 66 Trata-se de um trabalho historiográfico e documental o qual tem como
corpus documental os registros referentes às estratégias educacionais
empregadas na Interventoria encontrados nos: Relatórios dos Governadores
de Pernambuco, 1939, 1940 e 1942; Programas de Ensino, 1938, 1939 e
1945; e o artigo, da Diretora do Departamento de Educação Maria do
Carmo R. Pinto, “O ruralismo em Pernambuco” publicado na Revista da
Educação, 1942, sob a guarda do Arquivo Público Estadual Jordão
Emerenciano (APEJE).

Os registros dos documentos citados acima foram obtidos através da


fotodigitalização da documentação selecionada, visto que este procedimento
aperfeiçoa a pesquisa; posteriormente transcreveu-se de forma simples e
completa (ARÓSTEGUI ,2006).

O Estado Novo defendia a necessidade de ampliação do território nacional,


com a delimitação de suas fronteiras, e foi naquele contexto que o
“sertanejo” foi invocado pela Interventoria como fundamental para projeto
político estadonovista. Além disso, afirmando-se que agricultura em
Pernambuco estava em uma situação lastimável, o incentivo à fixação do
homem rural no campo foi considerado essencial para a transformação
econômica do estado (RAMOS, p.2014).

Conforme aprendemos com Albuquerque Júnior (2001), a região nordeste


na década de 1930 e 1940, começou a ser construída (porque até então ela
não existia) tanto como uma realidade geográfica, quanto como uma
experiência sentimental. Neste processo de construção atuaram as famílias
tradicionais “nordestinas” (expressão também criada neste processo) e seus
descendentes, os quais sofreram inúmeras perdas políticas e materiais
desde os fins do século XIX. E também atuaram milhares de homens
pobres, muitos camponeses, obrigados a imigrarem em direção ao Sudeste
(“inventado” também nesta mesma época), notadamente, São Paulo e Rio
de Janeiro, em busca de empregos, de uma oportunidade de vida,
sobretudo, no parque industrial que, a partir da Primeira Guerra, se
desenvolveu aceleradamente.

Estes camponeses deixaram um espaço em crise econômica, cujas


atividades tradicionais não conseguiam acompanhar o ritmo de
desenvolvimento de produções concorrentes, tanto do exterior, quanto de
outras regiões do país. Deixaram uma região com graves problemas
climáticos e mantenedor de relações sociais e de poder inibidoras das suas
possibilidades de ascensão social ou de melhoria das suas condições
materiais de vida e trabalho.

Diante da diminuição do fluxo imigratório europeu na década de 1920, o


homem do campo foi transformado em força produtiva de modo a contribuir
para o progresso. No discurso nacionalista, ele emergiu “na figura do Aprendendo
caboclo, sertanejo, jeca-tatu, caiçara, caipira, variantes da imagem do História:
elemento rural. Tal elemento, até então depreciado, passou a ser visto VISÕES E
como cerne e vigor da raça” (ALBUQUERQUE JR , 2001, p.217). Noutra DEBATES
direção idealizou-se o campo/natureza como “um paraíso” de “pureza e Página | 67
harmonia”, em contraposição ao “inferno urbano”. No Brasil, o campo se
opunha ao litoral, mostrado como o lugar da exploração capitalista
estrangeira e seus aliados nacionais, as oligarquias agrárias, as quais,
desde o início da colonização, exploraram as riquezas da terra brasileira,
impedindo sua prosperidade.

Como nos esclarece Capelato (1998), o nacionalismo estadonovista


enfatizava as características da comunidade brasileira forjadas num tempo
de longa duração. A história subordinava-se à índole original do povo/nação
e, nessa perspectiva, o passado estava contido no presente visto como
desdobramento de uma vocação, sempre em voga, porque constitutiva do
caráter nacional.

Embora se evidencie desde as primeiras décadas do século XX uma


preocupação de intelectuais ligados à educação com a escolarização da zona
rural, foi a partir da década de 1930 que esta se disseminou entre os
setores governamentais, tendo em vista fixar o homem no campo.
Conforme explicou Bezerra Neto (2003, p.11), “o termo ruralismo
pedagógico foi cunhado para definir uma proposta de educação do
trabalhador rural que tinha como fundamento básico a ideia de fixação do
homem no campo por meio da pedagogia”.

No projeto político da Ditadura Vargas, a educação rural ocupou um lugar


estratégico para a esperada modernização da sociedade brasileira. Nesse
contexto, as questões educacionais encontravam-se entrelaçadas com as de
cunho econômico, podendo resumir esse debate à defesa de uma escola
adaptada à zona rural. A escola rural ora foi concebida, no período, para
instruir, civilizar, moralizar, higienizar e nacionalizar, ora como instrumento
de modernização e fixação do homem no campo e sendo apresentada como
elemento de estabilidade e de segurança nacional.

A crítica dos ruralistas pedagógicos girava em torno de três elementos: o


professor, o método de ensino e o currículo. Segundo os ruralistas, os
professores deveriam ministrar conteúdos que possibilitassem a melhoria de
vida do homem no campo, além de barrar o êxodo rural. Desta forma, o
discurso ruralista relacionava o papel da educação com preocupações
relativas a outros campos, como os da política demográfica, da segurança
nacional e da colonização interna e possuía papel de destaque nas
pretensões do Estado Novo (PRADO,1995).
Para a professora Maria do Carmo (1942, p.49-50) – então Diretora do
Departamento de Educação -, em Pernambuco, a questão da fixação do
homem rural no campo era objeto de preocupação do Interventor e recebia
atenção especial. Com o objetivo de fixá-lo ao seu habitat, havia sido
iniciado, pelo Interventor, o movimento ruralista do ensino que “tudo
Aprendendo promete de animador, de positivo, de integral”.
História:
VISÕES E O artigo da Diretora destacou que o ensino rural no estado estaria
DEBATES terminado em alguns anos. Desta forma, ao final daquele ciclo, a zona rural
Página | 68 pernambucana possuiria uma educação perfeitamente ajustada a seu meio,
solucionando um problema que era percebido não apenas em Pernambuco,
mas em todo o país. Em consonância com o ideário do ruralismo pedagógico
no período, defendeu que a escola rural deveria ser diferente da escola
urbana, sendo ministrados conhecimentos diferentes, visto que as suas
demandas eram diferentes. Argumentava que fornecer os mesmos
conhecimentos às pessoas de ambos os meios, era permanecer em um erro
das antigas formas de ensino que haviam prejudicado substancialmente a
economia nacional.

O propósito defendido pelo Estado Novo e por Agamenon, desde sua


formação, não era apenas fixar o homem no campo, mas também
“colonizar” as regiões interioranas do Brasil. A preocupação com interior do
Brasil apresentava um duplo caráter: de um lado era econômica e possuía
como objetivo a expansão de mercados e a criação destes em áreas de
penetração para o capitalismo. Por outro lado, visava a ocupação do solo
brasileiro e a manutenção de suas fronteiras.

Como elemento coordenador das atividades ruralistas em Pernambuco,


foram fundados Clubes Agrícolas Escolares. A diretora explicou que
Agamenon Magalhães, em um de seus artigos diários, afirmou que “os
Clubes Agrícolas Escolares, poderão operar profundas modificações nas
nossas condutas, reconciliando a sociedade com a terra, as plantas e os
animais” (RIBEIRO, 1942, p.51).

Todos os Clubes possuíam renda decorrente da venda de produtos da horta,


do jardim, do aviário, da colheita, etc. Entretanto, os clubes não tinham a
finalidade de adquirir renda. Segundo os preceitos defendidos pela
Interventoria, aquelas ações buscavam educar economicamente as crianças
e facilitar a aquisição de materiais próprios do trabalho e ao aprendizado.

Os Clubes tinham a finalidade de despertar nas crianças, através do


incentivo a cultura da terra, o gosto pela agricultura, o amor à vida do
campo, aproveitando as tendências naturais e vocacionais dos alunos.
Deveriam ser fundados clubes em todos os Grupos Escolares que
possuíssem área aproveitável, podendo ser criados, também, nas escolas
isoladas do Estado, dos munícipios e nas escolas particulares. Eles
promoveriam concursos, exposições com os produtos da sua atividade
agrícola e semanas ruralistas. Além disso, seriam orientados por uma
professora da escola na qual estivessem instalados, considerando-se esse
serviço motivo de merecimento para promoção da professora em sua
trajetória no magistério. Deveriam ainda, organizar as festividades do Dia
do Milho, Dia da Árvore, o Dia da Colheita, o Dia da Saúva, semanas de
combates às pragas e campanhas em prol das plantas produtivas do Brasil.

No Brasil, nesse momento, a expansão do ensino primário rural adquiriu um


caráter que se sobrepôs ao combate ao analfabetismo dos anos 1920. Aprendendo
Visava, sobretudo, à fixação do homem rural no campo, tornando a escola História:
primária o lócus de difusão do conhecimento, com o intuito de levar a VISÕES E
modernização à zona rural a partir das novas técnicas agrícolas e de DEBATES
educação sanitária – noções de higiene e combate de doenças. Associado ao Página | 69
projeto da Ditadura Vargas de modernização da sociedade brasileira, a
educação rural foi vista como um meio de contenção do fluxo migratório, de
saneamento do interior e de formação técnica.

O cerne da questão era a criação de uma escola destinada à zona rural,


adaptada ao homem e ao meio no qual estava sendo inserida. O governo
estadonovista considerava fundamental a política de reter o homem no
meio rural, evitando a emigração. Desta forma combatia dois problemas: a
escassez de mão-de-obra no campo e o inchaço das cidades.

O Recife viveu um significativo aumento populacional na década de 1930,


passando a população de 446.178 (incluindo Fernando de Noronha), em
1931-32, a 550.389 habitantes, em 1939.Nas primeiras décadas do século
XX, os habitantes dos sertões, procuravam o Recife numa tentativa de
melhorar suas condições de vida.

Segundo Gominho (1998, p.115), repetimos, nas ações de Agamenon


Magalhães, urbanismo e ruralismo, eram faces de uma mesma moeda. Em
sua perspectiva, o Recife só se tornaria uma moderna cidade a partir do
momento em que os problemas rurais fossem solucionados, em especial a
questão da fixação do homem a terra. Nesse intuito, orientações específicas
foram dirigidas aos prefeitos do interior. “A política do conforto, higiene,
educação, alimentação e trabalho não deveria se limitar à capital. Por sua
vez a capital deveria expressar a prosperidade do estado”.

O ensino rural, no Recife, era feito na escola modelo Alberto Torres com
aprendizado de trabalhos manuais, jardinagem, etc. Nas Escolas Reunidas
de Beberibe e nos grupos escolares da capital, naqueles que possuíssem
áreas suficientes, praticava-se a horticultura, jardinagem e agricultura
rudimentar. Em todas as escolas primárias, seguindo os novos programas,
as crianças recebiam aulas de agricultura, criação de animais, pequenas
indústrias e trabalhos manuais.

No interior do estado, o ensino rural se fez a partir dos Aprendizados


Agrícolas de Santa Rosa e São Bento, subordinados a Secretaria de
Agricultura; nos Institutos Profissionais de Garanhuns e Pacas (que, além
do ensino industrial, promoviam também o agrícola) e; sob a orientação e
fiscalização do Departamento de Educação, nos seguintes colégios, de
acordo com os dados de 1940: Colégio Regina Coeli, em Limoeiro; Nossa
Senhora das Graças, em Vitória de Santo Antão; Sagrado Coração, em
Caruaru; Santa Cristina, em Nazaré da Mata; Nossa Senhora de Lourdes,
em Palmares; Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina; Colégio Santa
Maria, em Timbaúba. Observemos que todas estas instituições eram
católicas e que havia uma forte ligação entre o Interventor e a igreja
católica.
Aprendendo
História: A Igreja, mesmo reagindo à sua utilização como instrumento de mobilização
VISÕES E política para fins pessoais, assumiu sua parcela de responsabilidade na
DEBATES formação moral do cidadão e na defesa dos valores do autoritarismo, em
Página | 70 troca do apoio governamental para suas obras e instituições e de uma ação
repressiva contra aqueles que se apresentavam como um possível obstáculo
à sua ação.

Além da organização dos programas para as escolas rurais primárias, o


governo, através dos decretos nº507 e 571, de julho e dezembro de 1940,
fixou as normas e o regulamento disciplinar do Curso Normal Rural. Além
das escolas rurais, eram necessárias Escolas Normais para formar
professores segundo os princípios defendidos para a Zona Rural. Não se
poderia correr o risco de docentes do interior ensinarem conteúdos
desnecessários para os estudantes. Esses deveriam ser instruídos de modo
que não desejassem sair de sua localidade, bem como seus aprendizados
deviam possibilitar-lhes maior desenvoltura nas atividades no campo
(PERNAMBUCO, 1944).

Seguindo as diretrizes defendidas pelo governo federal, o governo em


Pernambuco destacou que não poderia “ficar indiferente à parte
fundamental da renovação educativa. Era mister preparar Escolas Normais
Rurais” (PERNAMBUCO, 1944, p.1). Dito isto, citou a existência, em 1944,
de 12 Escolas Normais Rurais, localizadas nos municípios de: Triunfo,
Gravatá, Pesqueira, Vitória de Santo Antão, Timbaúba, Bom Conselho,
Caruaru, Nazaré da Mata, Petrolina, Goiânia, Limoeiro e Palmares. O Curso
Normal Rural foi criado pela Interventoria, em Pernambuco, com a
finalidade de formar educadores especializados para o magistério rural
primário. Ele era constituído por um Curso Secundário, com de duração de
3 anos e um Curso Pedagógico Rural, com 2 anos de duração.

De acordo com o relatório, até o ano de 1944 haviam sido diplomadas, nas
Escolas Normais Rurais, mais de 460 alunas. Seguindo o percurso proposto
por e Jorge Nagle (1976), consideramos que alguns dos aspectos presentes
nas propostas de ruralização do ensino, durante o Estado Novo em
Pernambuco, já tinham emergido entre o fim do século XIX e o início do XX.

Partimos do pressuposto que Agamenon Magalhães e sua intelligentsia


eram frutos da Primeira República, quiçá do Império. Tal proposição
considera que apesar dos forjadores da política educacional estadonovista,
em Pernambuco, enunciarem suas práticas como novas, podemos afirmar
que não eram tão novas assim. A própria concepção do ensino primário
rural para o desenvolvimento do campo e sua integração a vida econômica
do estado; o ensino profissional e formação das Escolas Normais sob
princípios “modernos”, estas demandas já tinham emergido no século
anterior.

A grande novidade desse período foi, que pela primeira vez no país, o
governo nacional tomou para si a responsabilidade de sistematizar as
práticas educativas primárias em todo território nacional. O Estado Novo Aprendendo
incorporou as propostas de seus intelectuais na formação de seu próprio História:
programa. A cultura política brasileira buscou, em vários momentos, VISÕES E
construir o consenso entre as partes e nesse contexto, os professores e DEBATES
agentes governamentais foram também alçados à categoria de agentes. A Página | 71
documentação estudada enfatizou uma homogeneização das práticas
exercidas. É sabido que não houve na politica nacional mudanças quanto
suas práticas, o que se diferenciava nos estados brasileiros eram as
locações e os nomes das elites, mas suas práticas, seus agentes, seus
modelos de governabilidade e estratégias, continuaram as mesmas.

A política de integração do interior foi entendida como a possiblidade não só


de superação do atraso, mas de transformação do Brasil numa grande
potência do continente. Esse sonho, acalentado no passado e recuperado
fortemente naquele período, era justificado pelas dimensões territoriais do
país que indicavam seu destino de grandeza. Afirmava-se que o
povoamento, a colonização e a exploração do sertão constituiriam as bases
do progresso e da grandeza futura.

Não consideramos que o Estado Novo fosse onipotente ou onisciente, por


isso discutimos os registros deixados por seus dirigentes como exemplos de
suas intenções, idealizadas por seus forjadores. Sabemos que uma
legislação não representa o acontecimento em si, mas uma intenção do
legislador. Concordamos com Capelato (2003, p.199), quando afirmou que
o Estado Novo não vivenciou, de fato, “a imagem da sociedade UNA,
homogênea e harmônica veiculada” por sua propaganda política.

A defesa de uma vocação agrícola brasileira não foi exclusividade daquele


período e seguindo os argumentos de Ângela de Castro Gomes (2002, p.
168), segundo a qual a partir de 1910, a República, tornou o Brasil ainda
maior, assegurando seu próprio poder e legitimidade. O Estado procurou,
por meio de atividades políticas, econômicas e culturais, garantir sua
presença junto ao homem do campo. Como diz esta autora, “compreender
como foi construído o espaço do Brasil republicano é compreender como o
povo brasileiro se movimentou para o interior do país e também como o
próprio país foi sendo planejado e redesenhado pelos governos ao longo do
último século”.

A partir do discurso de civilização e modernidade argumentava-se que era


necessário identificar os problemas dos interiores do Brasil e atuar para
melhorá-los e, mesmo, suprimi-los. Todos os contextos nordestinos
deveriam ser identificados, pois, apenas a partir daquele levantamento,
poderiam ser realizadas as políticas públicas. Aquele diagnóstico
possibilitaria uma maior eficiência do Estado. Defendia-se que apenas o
poder de intervenção do Estado poderia transformar as diferentes situações
de “atraso” econômico e cultural vivenciadas na região.

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Aprendendo Federal de Pernambuco – Campus Barreiros e Mestre em Educação pela
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DEBATES
Página | 73
ALFABETIZAÇÃO HISTÓRICA: ESTADO DA ARTE EM EVENTOS
CIENTÍFICOS DA ÁREA DE EDUCAÇÃO
Ana Beatriz dos Santos Silva
Fábio Alves dos Santos

Aprendendo
História: Esta comunicação apresenta os resultados parciais da pesquisa
VISÕES E desenvolvida no âmbito do Programa de Iniciação Científica da Universidade
DEBATES Federal de Sergipe. O plano de trabalho, intitulado “Alfabetização Histórica:
Página | 74 estado da arte em eventos científicos da área de Educação”, integra o
projeto de pesquisa denominado “Alfabetização Histórica: em busca de um
reposicionamento disciplinar diante das reformas curriculares”. O termo
Literacia Histórica, tradução em Portugal de historical literacy, é estudado
no Brasil por poucos profissionais da área educacional, destacando Maria
Inês Sucupira Stamatto como uma das autoras que discute e se dedica a
trabalhar sobre esse tema. A mesma autora afirma que no ramo dos
estudos envolvendo Ensino de História, Peter Lee, pesquisador inglês, é o
referencial e é também base teórica para a pesquisa.

No geral, o projeto de pesquisa visa analisar a contribuição do conceito de


Alfabetização Histórica para as questões apresentadas ao Ensino de História
a partir das reformulações curriculares recentes da escola no Brasil.
Entende-se que estas novas configurações impõem a necessidade de
repensar a prática docente, a elaboração de materiais didáticos, os
processos avaliativos e a formação inicial e continuada de professores
(tanto de História, bem como de Pedagogia).

O currículo escolar brasileiro tem passado por reformulações recentes que


se materializaram pela primeira vez no segundo semestre de 2015. Naquela
oportunidade foi publicizada para consulta pública a versão beta da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). A partir deste momento foram abertas
à participação pública ainda outras duas versões e o texto final foi aprovado
em dezembro de 2017. Salvo todas as polêmicas envolvendo tanto o
processo de consultas, quanto o resultado final apresentado, o fato é que a
BNCC é uma realidade.

Esta materialização final traz impactos aos sistemas de ensino, para os


quais impõe-se a demanda de formulação de normativas educacionais que
atendam ao novo modelo, às instituições públicas e privadas de formação
inicial e continuada de professores, aos autores de livros didáticos e, claro,
aos docentes que irão organizar seu trabalho cotidiano tendo como lastro
organizacional de suas práticas estas determinações. Logo, a promulgação
da BNCC requer reflexões e ações de todos os envolvidos no processo
ensino-aprendizagem.

No que concerne ao ensino de História, o nível de polemização foi dos mais


altos. Quando da publicação da primeira versão do texto, emararam das
mais diversas frentes duras críticas à proposta apresentada. Constava ali
uma perspectiva que mudaria consideravelmente aquilo que se entende por
ensinar e aprender História. De concreto, restou a destituição do grupo
original de intelectuais que a formularam e as novas versões trazidas a
público coadunavam melhor com o consenso hegemônico no campo e no
senso comum.

Todavia, a versão final do documento nacional não minimiza o incomodo


acerca do lugar da História, e de seus profissionais docentes, na formação Aprendendo
do povo brasileiro. Muito pelo contrário, haja vista o fato de que a Base História:
Nacional para o Ensino Médio – mudança que foi postergada na BNCC – VISÕES E
estabelece em suas primeiras versões que “disciplinas” são apenas Língua DEBATES
Portuguesa e Matemática. Os demais campos de conhecimento, e seus Página | 75
profissionais docentes (em diferentes níveis de atuação) estão a se
perguntar como se enquadrarão neste novo modelo.

Diante de tais questões, o projeto do qual este estudo faz parte caracteriza-
se como um esforço dentro do campo da Educação Histórica. Como aponta
GERMINARI (2011) em seu levantamento, esta área de pesquisa no Brasil
teve sua constituição iniciada ainda nos idos dos anos 1980. Uma das
primeiras ações no sentido de discutir o Ensino de História teria sido a
inclusão nos quadros de sócios da ANPUH de professores de diferentes
níveis de ensino que não apenas o superior.

Segundo o mesmo levantamento, as investigações acerca da Cognição


Histórica remontam a experiências na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e
Portugal. Neste, destacam-se os estudos realizados por Isabel Barca,
referencial bastante recorrente no Brasil. Este campo de pesquisas, que
toma como objeto o ensino-aprendizagem de História, fundamentou-se na
Psicologia, Sociologia, Antropologia, Didática e, obviamente, História.
Atualmente, a Educação Histórica apresenta uma fundamentação científica
própria, baseada grandemente na Epistemologia da História.

Quando se trata especificamente da Alfabetização Histórica, os poucos


estudos no Brasil voltados para este objeto reportam-se à leitura
portuguesa no campo. Disto resulta, por exemplo, o uso mais comum do
termo literacia histórica, tradução em Portugal para historical literacy, como
esclarece STAMATTO (2009) em um dos raros trabalhos que se dedicam a
esta investigação no Brasil. Ainda segundo a autora, este é um ramo da
pesquisa em Ensino de História que tem como referencial teórico
fundamental as proposições do inglês Peter Lee.

Deste modo, um estudo acerca da Alfabetização Histórica justifica-se pela


necessidade de compreender de qual modo tal abordagem pode contribuir
para o repensar das práticas de ensino de História nas escolas brasileiras.
Mas não só, uma vez que, como já destacado, as reformas curriculares
trazem implicações para a produção de material didático, formação de
professores, estratégias de avaliação. Cabe então interrogar qual é o estado
da arte sobre o assunto, quais as estratégias adotadas por autores e
editoras, quais os movimentos institucionais para adequação dos Projetos
Pedagógicos de cursos de Licenciatura, as ações implementadas por
gestores públicos. No plano nacional já há algumas iniciativas acadêmicas,
ainda que esparsas, de compreensão deste fenômeno. Este projeto constitui
uma contribuição a este esforço científico.

Do ponto de vista do processo ensino-aprendizagem dos alunos de


Graduação de cursos de Licenciatura envolvidos no projeto de pesquisa,
Aprendendo espera-se que alcancem uma maior compreensão do universo educacional
História: no qual poderão atuar futuramente. Esta maior compreensão certamente
VISÕES E produzirá profissionais da educação melhor preparados para o efetivo
DEBATES exercício da atividade docente. Do mesmo modo, para os cursos de
Página | 76 Graduação em Licenciaturas e Programas de Pós-Graduação voltados para
áreas de educação e ensino, esta abordagem elucidará aspectos
fundamentais a compreensão e debate acerca das reformas curriculares em
curso e das possibilidades didático-pedagógicas em cena.

Os objetivos que a pesquisa busca atingir são os seguintes: compreender a


contribuição do conceito de Alfabetização Histórica para a prática do ensino
de História, identificar o estado da arte no campo da Educação e da História
acerca deste conceito, analisar os limites e possibilidades de aplicação deste
referente conceitual às demandas da escola brasileira, elaborar um
arcabouço referencial para as reformas curriculares subsequentes à
implantação da BNCC e dialogar acerca das interseções interdisciplinares
possíveis no espaço escolar.

Seguindo os objetivos específicos da pesquisa, que são os de identificar a


produção apresentada nos eventos com foco em Alfabetização Histórica,
tabular o índice de frequência do tema ao longo dos eventos, analisar as
perspectivas interpretativas e analisar os referenciais teóricos mobilizados
na produção identificada, a metodologia é dividida em três momentos, o de
apresentação de algumas teorias, destacando Peter Lee, seguindo para a
busca por eventos e anais que tratassem do tema. Essas pesquisas são
realizadas no site da ANPED (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação), que disponibiliza os eventos realizados e cadastrados no site,
seus portais e anais com os diversos trabalhos realizados e apresentados
em eventos sobre as diferentes áreas da educação. Seguindo então para a
identificação dos textos, analisando se de fato aqueles trabalhos continham
características que de alguma maneira relatavam as questões da literacia
histórica. Até o presente momento, foram analisados os anais dos eventos
regionais, 132 ao total, e mais da metade, 20 eventos analisados e 38 ao
total, dos anais nacionais.

Alguns resultados
Os artigos de Peter Lee e Maria Inês Sucupira Stamatto, textos
introdutórios, buscam trabalhar questões sobre o ensino de História, nos
anos iniciais, discutindo materiais didáticos, metodologias de ensino, visão
da importância da História para os participantes do processo ensino-
aprendizagem, a formação da consciência histórica e destacam as
características que estruturam a literacia histórica. Assim como descreve no
trecho (OAKSHOTT, 1983, p. 6):
Uma primeira exigência da literacia histórica é que os alunos entendam algo
do que seja história, como um “compromisso de indagação” com suas
próprias marcas de identificação, algumas ideias características organizadas
e um vocabulário de expressões ao qual tenha sido dado significado
especializado: “passado”, “acontecimento”, “situação”, “evento”, “causa”,
“mudança” e assim por diante”. (apud LEE, 2006, p. 134) Aprendendo
História:
Os autores, destacando Peter Lee, enfatizam que o ensino de História, VISÕES E
quando somente é passado como fatos elementares ocorridos em algum DEBATES
período passado, sem questionar quais as visões e conceitos já definidos Página | 77
pelos alunos, tem uma tendência a falharem. Nos anos iniciais, como o foco
é a alfabetização, entender seu processo histórico e suas diferentes
vertentes se faz necessário, codificando os diferentes tipos de métodos da
alfabetização e do letramento, e suas correntes filosóficas. Em destaque,
Soares (2017) debate as questões dos métodos de alfabetização, as fases
do desenvolvimento no processo de aprendizagem da escrita, a aquisição
das consciências metalinguística, fonológica e fonêmica, defendendo a ideia
de que a questão dos métodos de alfabetização é um fator histórico, e não
uma ocorrência atual.

Sendo o site da ANPED (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em


Educação) voltado para eventos de educação, com temas muito diversos,
foram encontrados poucos trabalhos que retratasse do tema de ensino de
História nos anos iniciais, porém, não foi encontrado nenhum trabalho que
houvesse em suas linhas os termos “Literacia Histórica” ou “Alfabetização
Histórica”, o que foram encontradas tinham como termo marcante o ensino
de história, as metodologias, as falhas encontradas no ensino, a formação
de professores e os saberes escolares no ensino da área em questão.
Apesar de não serem presente os termos que baseiam a pesquisa, os
trabalhos destacados discutem temas que os autores base relatam em seus
textos, obtendo assim uma relevância. Os textos abordam alguns dos
diversos motivos que acabam enfraquecendo o ensino de História nos anos
iniciais, assim como aponta Peter Lee.

A primeira abordagem destacada no trabalho de Nilton M. Pereira,


denominado “Ensino de História, dever de memória e temas sensíveis”, trás
uma critica também feita por Lee em que ambos veem a necessidade de
ensinar história sem fazer uma separação entre fatores passados, presentes
e futuros, passar para o aluno a visão de que os fatores históricos devem
ser entendidos, analisados criticamente e interpretados como percursores
de fatores atuais. Outra abordagem está no trabalho de Maria Aparecida
Leopoldino Tursi Toledo, denominado “Dimensões pedagógicas e método de
ensino: encontros de saberes na didática da História”, que segue discutindo
a formação de professores para o ensino da área. Em uma parte, destaca
então a importância do educador ter um conhecimento da sua concepção de
história, analisar então como foi seu processo de aprendizagem e o qual sua
visão à cerca da área de estudo, o que é retratado na obra de Peter Lee,
quando o mesmo vê a necessidade de conhecer o que o aluno pensa de
história e como ele interpreta toda sua formação institucional na área, para
que se formule então qual a importância da História na educação escolar.
Previsto que os eventos verificados até agora tiveram uma ordem
cronológica que seguiu dos anos anteriores para os mais atuais, e que os
termos da pesquisa tem poucos estudiosos ainda em campo, principalmente
no Brasil, é possível que ao analisar os eventos mais recentes existam
Aprendendo chances maiores de encontrarmos mais resultados.
História:
VISÕES E Referências
DEBATES Ana Beatriz é estudando do 6º período do curso de Pedagogia Licenciatura
Página | 78 Plena da Universidade Federal de Sergipe-UFS.
Fábio Alves dos Santos, orientador da pesquisa, é professor do
Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe-UFS,
mestre em educação pela Pontifícia Universidade Católica PUC-SP e doutor
em educação pela UFS.

GERMINARI, Geyso D. Educação Histórica: a constituição de um campo de


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Grande-MS. História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 79
CURRÍCULO E IDENTIDADES: DATAS COMEMORATIVAS NAS
ESCOLARES EM SÃO BORJA
Anderson Romário Pereira Corrêa
Jailton Santos Silva

Aprendendo
História: Introdução
VISÕES E As atividades com “Datas Históricas” e “Festas Cívicas” (Religiosas) nas
DEBATES escolas servem, entre outras questões, para a construção da identidade da
Página | 80 comunidade escolar. Ações que mobilizam a comunidade escolar em
atividades que muitas vezes não são refletidas e ou problematizadas. O
currículo escolar está cheio dessas “datas comemorativas” e não raro os
educadores, em especial os de História, só pra citar um exemplo, em
relação às séries finais e ou ensino médio, são “convidados” a trabalharem
com esses temas em sala de aula.

Tonholo (2012), ao investigar o impacto das datas comemorativas no


calendário escolar e especificamente no Ensino de História destaca a
possibilidade de trabalhar tais datas de forma significativa. De acordo com
Tonholo nosso calendário está repleto de datas comemorativas, sejam elas
de cunho histórico, religioso ou cultural. Dialogando com Furquim (1993),
Tonholo diz que a escola esta inserida num ambiente cultural mais amplo
que é a sociedade da qual ela faz parte. A escola não é uma ilha. Citando
Viñao Frago, Tonholo escreve que, geralmente, a escola adota algumas
datas comemorativas em seu calendário escolar, sem refletir sobre seu real
significado e sem problematizar se deve ou não inclui-las. Isso já faz parte
da “Cultura Escolar”. Citando outro autor, agora Charlote (2000), onde o
mesmo diz “o que realmente define a relação com o saber não é o que se
ensina, mas a mobilização em torno do ensinar e aprender.” Geralmente
existe mobilização de toda a comunidade escolar, em certas datas
comemorativas, e pouco se reflete sobre seu real significado. Sobre isso
Tonholo afirma:

“Quando uma ação não é efetivamente planejada, mas se repete todos os


anos, podemos concluir que está ligada a cultura da tradição. Não se
questiona as finalidades de se fazer, mas sim a necessidade de fazer. Neste
contexto, é promissor discutir qual a função pedagógica ao se repetir, anos
após anos, determinadas ações nas escolas.” (TONHOLO, 2012, p.186).

Tonholo diz que essa argumentação os aproxima do conceito de tradição


inventada, cunhado por Hobsbawm (1984). Segundo Hobsbawm “tradição
inventada” é um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras
tácita ou abertamente aceitas; práticas, de natureza ritual ou simbólica, que
tem por finalidade inculcar certos valores e normas de comportamento
através da repetição. Essas “tradições inventadas” são repetições quase que
obrigatórias. (Hobsbawm, 1984, p. 09s). Observa-se que o trabalho com
datas comemorativas nas escolas está atrelado a essa concepção. Para
Tonholo, essa situação é existente na escola. Os educadores e toda a
comunidade escolar precisam pensar sobre essa questão. Devem pensar se
querem continuar fazendo tudo somente pela tradição e repetir a cada ano
as mesmas ações ou refletir e transmitir aos alunos o real sentido e
significado dessas datas, de forma que sejam propulsoras de um ensino
significativo. Faz-se necessário partir do pressuposto de que é preciso
refletir sobre a forma como são trabalhadas as datas comemorativas dentro
da instituição escolar. (p.186)
Aprendendo
Em pesquisa realizado por Cainelli (2004) a autora investigou a construção História:
da identidade nacional através de uma pesquisa realizada com pessoas não VISÕES E
alfabetizadas. Ela escolheu investigar o conhecimento que um número de DEBATES
adultos não alfabetizados tinham sobre Tiradentes e a data de 21 de Abril. Página | 81
Ela escolheu Tiradentes pelo fato de a bibliografia apontar que ele é um
ícone da identidade nacional. As pessoas não alfabetizadas sabem que 21
de abril é feriado nacional, não sabem que é a data de Tiradentes e nem
sabem quem foi Tiradentes. Ela concluiu que a memória social e o
conhecimento sobre o que representa Tiradentes é uma construção da
Escola, muito embora aja mobilização no feriado de 21 de abril (mobilização
no sentido de feriado nacional). Essa pesquisa aponta para a importância da
escola na construção da identidade entre os brasileiros

Pollak (1992) afirma que a memória é um elemento que compõe o


sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, pois é um fator
importantíssimo do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa de um grupo em sua reconstrução de si, ou seja, a memória está
diretamente relacionada com os investimentos que um grupo deve fazer ao
longo do tempo, todo o trabalho necessário para dar a cada membro de um
grupo o sentimento de unidade. As identidades coletivas podem ser de
gênero, de classe, nacionais, étnicas/culturais, regionais.

Isabel Bilhão (2005:18) trabalha com três aspectos da construção de


identidades: o reconhecimento, a distinção e a memória coletiva. Assim, o
reconhecimento quer dizer agir de acordo com o que representa ser; ser
diferente; e ter uma memória coletiva que reforça os laços de continuidade
e ligação entre passado, presente e futuro. História e memória contribuem
na construção de identidades. Kalina (2009), ao citar estudos de David
Lowenthal, diz que identidade e memória estão indissociavelmente ligados e
que é impossível saber quem somos sem recorrermos à memória. Segundo
Le Goff (1990), a memória é a forma de conservar as informações do
passado para que jamais sejam esquecidas, no entanto, ela é essencial na
atualização do homem, onde, o mesmo estará apto a reproduzir
informações passadas, fazendo com que a história se perpetue na
consciência do ser. Por outro lado, o passado só se eterniza por meio de
sínteses do conhecimento, que nos possibilita revivê-lo a partir de períodos
em que o homem partilha suas experiências com o outro, assim, tornará a
memória viva. O estudo da memória é essencial, pois ela está fortemente
ligada a estrutura da identidade. A memória é a ferramenta essencial no
processo de construção de identidades, é através dela, que conhecemos
todos os períodos do passado, embora possamos arquivar as informações
extraordinárias e mantê-las preservadas.
Além de memória, o ritual cívico, como exemplo do ritual católico, é a
vivência e os acontecimentos que marcaram a História. Portanto, símbolos e
gestos são trasladados:

“A narrativa relata acontecimentos históricos — mas acontecimentos


Aprendendo históricos transfigurados pela mitificação que os transformou em
História: substâncias inalteráveis e imutáveis. o conteúdo dos mitos é representado
VISÕES E como não estando sujeito a qualquer espécie de mudança. o mito ensina
DEBATES que a história não é um jogo de forças contingentes.” (CONNERTON, 1993,
Página | 82 p. 51).

As datas eram vistas como um padrão para o patriotismo, coisa que seria
de grandes celebrações, porque demostrava o civismo e por muitos que
seriam considerados heróis. Vale salientar, um dos mecanismos de grande
influência foi a igreja católica, a exemplo do dia 03 de maio, onde foi
celebrada a primeira missa para consagrar o descobrimento do Brasil.

Circe Bittencourt (2009: 104) escreve que existem quatro tipos de


currículos escolares: formal, real, oculto e o avaliado. Currículo Formal é
aquele definido por Lei e faz parte dos manuais e outros documentos
escolares; o currículo real é aquele que é realmente trabalhado, aplicado; o
currículo avaliado é aquele valorizado pelo professor em suas avaliações e o
currículo oculto é aquele que exige normas e comportamentos que não são
registrados e que fazem parte da cultura e ideologia da sociedade (Ex.;
discriminações étnicas, sexuais, valorização do individualismo, da
competição). Algumas atividades com datas comemorativas são verdadeiros
rituais. Entre estes estão as atividades do dia 07 de setembro. O ritual em
uma nacionalidade é visto como homenagem à Pátria, ou seja, consiste em
produzir junto à sociedade atitudes “Sagradas”, como por exemplo, nossa
bandeira, músicas que simbolizem a Pátria, “(...) ficamos em atitude de
culto, descobertos como diante de um altar, e sempre ufanos de ver o
sagrado pendão cada vez mais alto entre os das outras nações”.
(BITTENCOURT 1988. p.48).

Para Hall (1998:08), a definição do conceito de identidade é


demasiadamente complexo, o autor distingue três definições muito
diferentes de identidade no percurso histórico: a primeira, a do sujeito do
Iluminismo, como um indivíduo centrado, unificado, contínuo ou “idêntico”
ao longo da sua existência; a segunda, a do sujeito sociológico, formado na
relação com o outro, na interação entre o eu e a sociedade; e a terceira e
última, a do sujeito pós-moderno, fragmentado, composto de várias
identidades, sem uma identidade fixa ou permanente.

Nosso problema de pesquisa consiste em investigar quais identidades são


construídas nas escolas de educação básica de São Borja. Considerando que
a cidade de São Borja é uma cidade localizada na fronteira com a Argentina.
Também buscamos verificar se a lei 10.639/09, que trata do Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana, estão sendo lembradas pelos
educando. Pretende-se conhecer quais datas comemorativas trabalhadas
nas escolas são lembradas pelos estudantes de São Borja.
Metodologia
A presente pesquisa, de acordo com a abordagem, é qualitativa; quanto à
natureza é básica; quanto ao objetivo é explicativa e quanto ao
procedimento é de Campo. Para atingir nosso objetivo e responder nossa
problemática realizou-se uma pesquisa de campo com entrevistas a alunos Aprendendo
da Educação Básica de São Borja. De acordo com o IBGE – 2017, a cidade História:
de São Borja possui aproximadamente 9.411 alunos matriculados na VISÕES E
Educação Báica. São 7.293 matriculas no Ensino fundamental e 2.118 no DEBATES
Ensino Médio. A pesquisa realizou entrevista com 93 alunos de seis escolas Página | 83
diferentes. Cada aluno respondeu a seguinte pergunta: Quais datas
comemorativas você estudou na escola? Os entrevistados podiam dar mais
de uma resposta. Cada aluno deu em média três respostas, o que
chamamos de “lembranças”, totalizando 312 respostas. Foram “lembradas”,
ao todo, 23 datas/temas. Primeiramente elaborou-se um quadro com a
descrição e quantificação das respostas. Em seguida foram classificadas as
respostas por “categorias” e depois elaborou-se um gráfico para interpretar
os dados a luz dos conceitos definidos no Referencial Teórico.

Resultados e discussão
O quadro abaixo, organizado a partir das 23 datas e atividades citadas pelos
entrevistados em relação às “datas comemorativas na escola”. Dividiu-se
as respostas em oito categorias: Identidade nacional, Identidade étnica,
Identidade de Classe, Identidade de Gênero, Religiosas, Comerciais,
Educativas e Outras.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 84

Quadro 01 – Classificação das respostas por categoria


Fonte: Elaboração Própria – 2019

Problemas que ocorreram na hora de classificar as datas citadas pelos


entrevistados:

- No que se refere à identidade nacional/regional, com as comemorações da


Semana Farroupilha. Optou-se por classificar a Semana Farroupilha, num
primeiro momento, como atividade de cunho “nacional”, podendo ser
classificada como uma nova categoria.
- Na definição da categoria “Gênero” ficou-se em dúvida em relação aos
dias das mães e dos pais. Seria possível classificar as comemorações dos
dias das mães e dos pais como gênero feminino e masculino?

- Classificou-se como “outros” as atividades, com um número bem


significativo de “respostas”, que são as “festas Juninas”. Pensou-se em Aprendendo
classifica-las como Religiosas. História:
VISÕES E
Abaixo, gráfico que demonstra a porcentagem das respostas por DEBATES
“categorias”. Página | 85

Gráfico 01 – porcentagem das repostas


Fonte: Elaboração Própria -2018

Se forem consideradas junto as atividade de cunho nacional, as de cunho


religioso e as atividades juninas terão 63% das atividades relacionadas às
Datas Comemorativas com temas cívico-religiosos (construtores da
identidade nacional)

Considerações finais
As Datas Comemorativas fazem parte dos currículos escolares em São
Borja. Verificar a construção de identidade a partir das Datas
Comemorativas é uma possibilidade que requer alguns cuidados. Não se
pode generalizar em relação a construção das identidades somente desse
“fenômeno”. As Datas Comemorativas correspondem a uma pequena
parcela daquilo que é desenvolvido no cotidiano escolar.

O objetivo da pesquisa foi conhecer quais Datas Comemorativas eram


lembradas pelos estudantes da Educação Básica de São Borja. Os
estudantes lembraram mais de atividades cívico religiosas (nacionais e
religiosas). As datas comerciais aparecem em segundo lugar e em terceiro
lugar as datas de cunho étnico, classe e gênero.

As identidades cívico-religiosas contribuem pra construção da identidade


nacional (memória, idioma, símbolos, religiosidade, etc).
Destaca-se que a Data do 20 de setembro, data importante pra identidade e
cultura regional, foi pouco lembrada pelos alunos entrevistados. As
atividades relacionadas às Datas Comemorativas nas escolas de São Borja
possibilitam a construção de identidades múltiplas com destaque à nacional.

Aprendendo Referências
História: Anderson Romário Pereira Corrêa é Mestre em História (PUCRS),
VISÕES E Especialista em Gestão Educacional (URCAMP) e Graduado em História
DEBATES (URCAMP).
Página | 86 Jailton Santos Silva, dissente de Licenciatura em Ciências Humanas na
Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja – 5º Semestre.
Este trabalho é resultado dos estudos ministrados por Anderson R. Pereira
Corrêa na Disciplina Prática de Ensino, do Curso de Ciências Humanas,
Universidade Federal do Pampa (São Borja), em 2018.

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DEBATES
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DISPONÍVEL EM: http://www.uel.br/revistas/prodocenciafope Acesso em:
17/06/2018, 10:00

VIÑAO FRAGO, A. El espacio y el tiempo escolares como objecto histórico.


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“MENINAS PRA LÁ E MENINOS PRÁ CÁ”: UMA ABORDAGEM
HISTÓRICA DA DIVISÃO DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO DE FRANCISCO
BELTRÃO-PR (1950)
Carla Cattelan
João Paulo Danieli
Aprendendo
História:
VISÕES E O presente texto tem como objetivo articular historicamente breves
DEBATES considerações sobre a educação, a divisão de gênero e a Igreja, em
Página | 88 Francisco Beltrão durante a década de 1950. Por meio da compreensão da
educação primária desenvolvida no município e a relação estabelecida com
a Igreja.

A metodologia utilizada se insere na compreensão histórica de como a


educação escolar em Francisco Beltrão foi atrelada aos projetos ideológicos
nacionais e religiosos evidenciando especificidades de acordo com o lugar.
Para tanto tecemos análise a partir de articulação entre fontes históricas
como: fotografias e memória oral de professores da época.

Breves considerações históricas da educação no Brasil


Para entender essas relações estabelecidas historicamente na educação, é
preciso compreender que desde que o Brasil Colônia e principalmente no
Império, foram criadas várias escolas e colégios, a exemplo do Dom Pedro
II em 1927. Desta forma, a materialização das escolas foi pensada e
frequentada especialmente pelo público masculino. Assim, podemos indagar
sobre o papel da mulher nesse contexto, e por qual motivo estas não
frequentavam a escola?

Aranha responde que “a maioria das mulheres do Império vivia em situação


de dependência e inferioridade, com pequena possibilidade de instrução”
(2006, p. 229). A autora continua, elas “se dedicavam sobretudo à
aprendizagem de boas maneiras e à formação moral e religiosa” (2006, p.
229). A preocupação da educação feminina nesse período tinha um objetivo
claro, prepará-las para o casamento.

Ainda segundo Aranha (2006, p. 229) a educação para as mulheres não


estava totalmente excluída. A autora cita, por exemplo, que em 1875 foi
criada a Escola Normal da Província, onde as moças poderiam se
profissionalizar na carreira do magistério. Mas ressalta a precariedade dos
cursos e da estrutura que era péssima. Enquanto que para os meninos tinha
todo aparato governamental que apoiava, além de colégios particulares e
religiosos que detinham uma estrutura invejável e dando totais condições
para o ensino.

No período Republicano encontramos um novo projeto político educacional.


Para Aranha (2006), a proposta visava implantar a educação escolarizada,
com o objetivo de oferecer o ensino para todos, além pensar em uma
organização escolar, baseada na escola seriada, com normas,
procedimentos, métodos, instalações adequadas, entre outros pontos. Tem-
se claro que esse objetivo mascarava aquilo que era vergonha nacional, o
analfabetismo. “A situação era tão grave, já que na década de 1920 o índice
de analfabetismo atingira a alta cifra de 80%” (ARANHA, 2006, p. 298). O
fator marcante nesse período foi a instituição do ensino laico, ponto que foi
criticado e gerou polêmica nas instituições religiosas.

É nesse terreno que vai brotar as ideias da Escola Nova e um ensino público Aprendendo
e gratuito à todos, que se normatizou na Constituição de 1946 e orientadas História:
pelas Leis Orgânicas de Ensino também de 1946. Visto está educação em VISÕES E
uma perspectiva moderna e prática com ênfase na aprendizagem DEBATES
significativa do aluno. Página | 89
Nas décadas de 1930 e 1940, o governo de Getúlio Vargas estabeleceu o
projeto desenvolvimentista para o Brasil, com a chamada “Marcha para o
Oeste” (deslocamento de colonizadores para áreas interioranas e
fronteiriças do país). Junto com esse deslocamento o governo também
concretizou um projeto educacional. Que era a expansão da escola primária
e a diminuição dos índices de analfabetismo, alavancando o país na rota do
progresso e da modernidade. No entanto nessas décadas (de 1930 e 1940)
são marcados por intensa disputa ideológica, no campo político, econômico
e educacional.

“De um lado, estão intelectuais liberais, socialistas e comunistas, alguns


deles, protagonistas de reformas educacionais em seus estados de origem,
agrupados em torno do movimento conhecido como Escola Nova; de outro
lado, católicos e conservadores de diferentes matizes ideológicos, reunidos
em torno de um projeto conservador de renovação educacional. As
divergências concentram-se, basicamente, ao redor de quatro pontos:
Obrigatoriedade para todos do ensino elementar. Gratuidade desse mesmo
ensino. Currículo escolar laico. Coeducação dos sexos. Inconteste é o fato
de que a igreja católica não aceitava perder a grande influência que ainda
detinha no campo educacional” (FILHO, 2005, p. 5).

Com essa disputa ideológica estabelecida no campo educacional, entre


liberais (intelectuais escolanovistas) e conservadores (intelectuais
religiosos), Vargas vai tentar atrair o apoio do clero católico, “tanto é que
concordou com o fim do ensino laico, facilitando, com sua interferência, a
volta do ensino religioso católico, principalmente, no ensino primário”
(FILHO, 2005, p. 3). Essa disputa ideológica vai continuar na constituição
de 1946, onde se começa a discutir a nossa primeira Lei de Diretrizes e
Bases – LDB. Uma disputa ideológica entre as duas alas que vai perdurar
até 1961, com a aprovação da lei número 4.024 com respaldo e aval dos
conservadores religiosos.

A década de 1950 refletiu este impasse o que se materializou na


constituição e organização das escolas primárias, principalmente no interior
do Brasil. Ora permeada pelos ideais escolanovistas, ora findadas pelas
orientações da igreja católica. Em suma, os projetos favoreciam a chamada
“fixação do homem ao campo”.
Educação para o menino e para a menina em Franisco Beltrão
Sob a ótica ideológica dos projetos e discussões nacionais a escola primária
rural no Sudoeste do Paraná, também refletiu os anseios e definiu em sua
organização a formas de ensinar o homem e a mulher, seja na difusão de
escolas específicas para formação do menino e da menina, ou na
Aprendendo organização de escolas multisseriadas mistas, que garantiam a mesma
História: formação para meninos e meninas em um mesmo ambiente escolar.
VISÕES E
DEBATES A educação em Francisco Beltrão vai ganhar importância com a chegada dos
Página | 90 migrantes vindos de outros estados, principalmente de Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e do Paraná, para ocupar essas terras que eram devolutas e
de área fronteiriça, atraídos pelos projetos de assentamento da Colônia
Agrícola Nacional General Osório – CANGO, criada pelo Governo Federal na
década de 1940. Só para termos uma ideia, segundo Lazier (1998) no
cadastramento realizado pela CANGO em 1948, 75% dos residentes da Vila
Marrecas (atual Francisco Beltrão), eram analfabetos (p. 40).

Com essa preocupação a colônia vai intensificar a ajuda para estruturar a


educação, principalmente a primária no município. Essa ajuda será através
de contratação de professores, construção de escolas, aquisição de
materiais e entre outras ações e atividades que foram executadas e
desenvolvidas pela CANGO.

A educação primária desenvolvida pela CANGO em 1948, iniciou-se com


duas (2) primeiras escolas construídas e, depois de nove anos, em 1957,
com vinte e sete (27) escolas construídas (CATTELAN, 2014). Paralelamente
após a emancipação do município de Francisco Beltrão (Marrecas) de
Clevelândia (1952), o município passou a construir e manter escolas
primárias, tanto na zona rural como na zona urbana (CATTELAN, 2014).
Porém não era somente o setor público que mantinha escolas no município,
o Ginásio La Salle coordenado pelos padres Lassalistas orientavam e
educavam na fé cristã meninos e o Instituto Nossa Senhora da Glória,
mantinha turmas formativas de meninas integralmente. Prática observável
em diversas regiões do estado e do país.

Quanto a relação da educação com a igreja o município de Francisco Beltrão


teve exemplos de muitas parcerias e convênios. Nos locais onde os
moradores estavam impossibilitados financeiramente de cooperar, as
escolas públicas foram instaladas nas capelas e onde não havia capelas, os
encontros para oração aconteciam nas escolas. A educação por muito
tempo foi aliada da igreja. Isso ficou explícito no depoimento do prefeito
Rubens Martins ao Bispo de Palmas Dom Carlos Sabóia Bandeira de Mello.

“Aqui em Francisco Beltrão, a colaboração recíproca se tem observado,


quando o Município, em algumas localidades, cede suas casas escolares
para celebração de cultos religiosos, e em outras, na falta de prédio próprio,
ministra suas aulas nas capelas locais. Esse é um exemplo de irrestrita e
recíproca cooperação: as escolas municipais sem exceção alguma, a par do
ABC da cartilha, propiciam a seus alunos o conhecimento do ABC do
catecismo” (MARTINS, 1986, p. 199).
Essa prática foi identificada em todo o município de Francisco Beltrão bem
como da região Sudoeste, principalmente nas comunidades mais longínquas
da sede do município. Temos que ter clareza que por dentro do ambiente
escolar nas comunidades locais a religião era muito forte. Talvez a vida da
comunidade de participação diária se resumia entre as escolas e a igreja. Aprendendo
História:
Por isso pode-se afirmar que os valores trazidos dentro da escola pelos VISÕES E
alunos muitos deles eram construídos através da religião. A aula iniciava DEBATES
com uma oração além da separação entre meninas e meninos, uma prática Página | 91
feita nas igrejas. Isso se confirma através das palavras do professor Padilha
(2012),

“Mas era um tempo bom, você colocava os alunos em fila lá fora, eles
entravam em fila, você chegava rezava com eles uma oração, puxa, aquilo
era tão bom, dai você dividia as meninas pra um lado, os meninos pro
outro, as séries também eram separadas nas primeiras cadeiras vinham as
primeiras séries, depois as segundas, as terceiras e a quarta série” (grifo
nosso).

Pelas palavras do professor fica evidente a influência do nacionalismo e


civismo por meio das filas, esta ação também representava disciplina.
Porém, o que também nos chama atenção é a organização da turma e a
oração feita sempre ao início da aula, e ainda a separação de meninos e
meninas efetivada na fala: “[...] meninas pra um lado, os meninos pro
outro” (PADILHA, 2012). Quanto a separação de meninos e meninas dentro
da sala de aula, o professor ainda considerou:

“É que na época era assim, era assim na Igreja, em todo lugar era assim,
na Igreja também quando você ia, “Deus o Livre” um homem estar
misturado com mulher, ou mulher com homem, era pecado, daí então na
escola também era assim, não recebia uma instrução que tinha que ser,
mas a cultura da época era assim, era essa” (PADILHA, 2012).

Como afirmado acima a escola tinha um reflexo da moralidade da dos


valores religiosos. Isso fica claro quanto vemos uma fotografia da época (n
º 01) da qual é perceptível a divisão dentro da Igreja, do lado esquerdo as
mulheres e do lado direito os homens. E, essa prática de divisão de gênero
dentro das igrejas, atualmente de forma menos acentuada ainda perdura
em algumas pequenas comunidades rurais, por ser um valor moral e aos
“bons olhos” da religião.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 92

Figura 1: Igreja Matriz em Francisco Beltrão – vista do interior


Fonte: Museu Histórico de Francisco Beltrão, 2017.

Por isso que, quanto se estuda a educação no município de Francisco


Beltrão é preciso entender essa relação com a Igreja, que foi muito forte e
marcante na década de 1950 e, interferiu no processo de organização das
escolas e na educação primária. Em entrevista o professor Luiz Bedin
(2012) conta que, os alunos participavam e ajudavam na igreja ativamente
e ele enquanto professor cobrava esta participação.

As escolas da zona rural, tanto as construídas pela CANGO como as


construídas pelo município de Francisco Beltrão, eram multisseriadas,
unidocentes e mistas, ou seja, abrigavam uma demanda de meninas e
meninos na mesma escola. Pela documentação levantada também foi
possível considerar que nestas escolas não existia separação de conteúdos
ensinados às meninas ou aos meninos, todos eram ensinados de forma
igual. Como afirma Padilha (2012) “Era a mesma coisa, só era separado lá
dentro”.

Porém, algumas escolas instaladas no município consideravam a separação


de gêneros, ou dentro da escola ou em escolas específicas e com o ensino
formativo para a menina ou para o menino. É o caso da escola representada
na fotografia 2, da qual observamos uma nítida separação entre meninos e
meninas. Um ensino orientado por irmãs católicas e o gesto dos alunos com
os braços abertos e para o alto representava também a “adoração á Deus”.
Observa-se também a vestimenta dos alunos, onde as meninas com saias
abaixo do joelho e os meninos de calça e camisa social. Ainda, a escola
possuía três portas de entrada o que pode sugerir que haviam salas
especificas para meninos e meninas na mesma estrutura escolar ou apenas
representavam séries onde os alunos eram mistos.

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 93

Figura 2: Escola com divisão de meninas e meninos na mesma


escola
Fonte: Acervo Histórico de Francisco Beltrão, 2017.

Francisco Beltrão ainda contava com duas escolas de preparação uma para
meninos representado pelo Ginásio La Salle, onde os padres salesianos
organizavam a formação específica. E o Instituto Nossa Senhora da Glória,
que atendia meninas no período integral, e no final da década de 1950
oferecia o ensino normal, com formação de normalistas. Como afirma
Belliato (2017), que em 1959 a irmã Boaventura do Instituto Nossa
Senhora da Glória “criou a Escola Normal Ginasial [...] para preparar
professoras, para esta região tão pobre de professoras preparadas” (127).
Ainda segundo Belliato (2017), havia uma preocupação das irmãs na
trajetória educacional do Instituto, “devido a grande demanda por
professoras preparadas para atuarem nos projetos educacionais” (p. 127)
da região.

Na fotografia nº 3, temos a imagem de umas das primeiras turmas do


Instituto Nossa Senhora da Glória, em 1952, e vemos um retrato fiel da
separação entre meninos e meninas, mais do que isso, na própria
vestimenta há uma caracterização de diferenciação e separação de gênero.
Aprendendo
História:
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DEBATES
Página | 94

Figura 3: Escola provisória do Instituto Nossa Senhora da Glória,


1952.
Fonte: Arquivos do Colégio Nossa Senhora da Glória. Álbum Histórico (s/s,
s/p).
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DEBATES
Página | 95

Figura 4 a e b: Ensino de meninos e meninas em escolas separadas


– Ginásio La Salle e Instituto Nossa Senhora da Glória
Fonte: Acervo Histórico de Francisco Beltrão.

Segundo Padilha (2012), havia uma participação ativa dos alunos na vida
da escola. E esta participação também se refletia nos “afazeres” da escola,
no que competia a limpeza, organização, merenda etc. que se concretiza no
trabalho. Aprendiam os serviços domésticos não diferenciando neste
trabalho meninas e meninos, todos os grupos auxiliavam nas tarefas da
escola.

“[...] aí quando chegava no sábado a gente tinha aula no sábado antes do


meio dia, daí a gente dava aula até na hora do recreio depois nos fazíamos
limpeza e eles faziam com tanto gosto sabe, você dizia: - Vamos varrer o
pátio. Então achava as vassouras do mato, tinha umas vassouras perto lá,
daí eles cortavam e uma turma varria e uns maiores e as meninas maiores
vinham esfregar a sala de aula era de madeira de tábua bruta ainda, mas
elas esfregavam tanto que no fim deixavam branquinho”.

Por meio deste estudo foi possível perceber brevemente como a educação
nas escolas de Francisco Beltrão refletiram anseios nacionais, atrelados a
projetos macros para a educação. Mas também organizaram suas
especificidades pautadas na necessidade da educação e também na
influência religiosa, constatada como forte na região estudada.

Desta forma, as escolas que se estabeleceram em Francisco Beltrão tiveram


quatro organização, seja estrutural ou metodológica: a) escolas sem
diferenciação de gênero, construídas e mantidas pelos órgãos públicos; b)
escolas mistas com separação de gênero em uma única sala de aula,
mantidas pelo poder público e também particular; c) escolas para meninas,
que atendiam somente meninas em turno especifico ou integral, mantida
pelas irmãs católicas; b) escolas para meninos, que atendia somente
meninos, organizada pelos padres. As contribuições deste estudo se
destacam no âmbito social e histórico por contextualizar e analisar a
Aprendendo organização da educação em Francisco Beltrão no que compete a relação
História: entre gênero e educação, e também gênero, igreja e poder público.
VISÕES E
DEBATES Referências
Página | 96 Carla Cattelan é doutoranda em Educação pela Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – Campus de Francisco Beltrão - UNIOESTE. Professora
colaboradora no Colegiado de Pedagogia da mesma instituição e professora
pedagoga da SEED/PR. Membro do grupo de pesquisa HISTEDOPR e
GEPHIESC. E-mail: carla.ccattelan@gmail.com
João Paulo Danieli é mestre pela Universidade Estadual de Maringá – UEM.
Especialista em Filosofia e Sociologia. Licenciado em Filosofia e Pedagogia.
Professor SEED/PR. Membro do grupo de pesquisa GEFHEMP. E-mail:
joaopaulojb@gmail.com

ARANHA, Maria L. de A. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil.


3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

BEDIN, Luiz. Francisco Beltrão, entrevista concedida no dia: 30 de junho de


2013 a Carla Cattelan.

BELLIATO, Moacir da C. O Colégio Nossa Senhora da Glória e o processo de


escolarização no município de Francisco Beltrão – PR (1951-1982). 2017.
165 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE. Francisco Beltrão – PR, 2017.

CATTELAN, Carla. Educação rural no município de Francisco Beltrão entre


1948 a 1981: a escola multisseriada. 2014. 249 f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Francisco Beltrão – PR, 2014.

FILHO, João Cardoso Palma. P. A educação Brasileira no período de 1930 a


1960: a Era Vargas. Revista História da Educação online. Universidade Est.
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/ Universidade Virtual do Estado
de São Paulo – UNIVESP, 2005. 19 f. Disponível em:
https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/107/3/01d06t05.pdf

LAZIER, Hermógenes. Análise histórica da posse da Terra no Sudoeste


Paranaense. 3ª ed., Francisco Beltrão: GRAFIT, 1998.

MARTINS, Rubens S. Entre Jagunços e Posseiros. 1ª ed. Curitiba: S/ED.,


1986.

PADILHA, Félix. Francisco Beltrão, entrevista concedida no dia: 19 de


novembro de 2013 a Carla Cattelan.
HISTÓRIA DAS MULHRES E CURRÍCULOS
Carolina Giovannetti

A história é uma ciência inserida dentro do contexto social no qual ela é


escrita, portanto, a história, enquanto saber relacionado às humanidades e Aprendendo
às características sociais e culturais de um determinado povo repassa, História:
questiona, problematiza e rompe (ou não) com as concepções, ideais e VISÕES E
discriminações da sociedade em que se insere. As sociedades ocidentais DEBATES
são marcadamente influenciadas pelo conhecimento histórico e têm neste Página | 97
conhecimento uma das suas características mais distintivas, ou seja, a
história é constituidora da civilização ocidental e a civilização ocidental
cultivou sempre sua memória (BLOCH, 2002).

Portanto, a história tem uma utilidade pragmática de valor incalculável:


estabelece o diálogo entre os seres humanos de tempos passados, em suas
situações e soluções específicas, e os seres humanos do presente, em seus
problemas próprios (REIS, 2004). Questiono, portanto, como o currículo
escolar estabelece essa relação entre as mulheres, as histórias relativas a
elas e um contexto social mais amplo. Proponho, nesse texto, esclarecer as
ligações dos currículos, com as histórias das mulheres buscando refletir
sobre as relações de gênero que as envolvem e os diálogos que se fazem ou
não com a história tradicional.

A história, como qualquer ciência, é uma construção social: desde o lugar


epistemológico que a define, passando pelas teorias que a conformam, até
aos modos de escolha e a seleção dos dados empíricos que a sustentam.
Como ciência inserida em seu tempo, a história está constantemente se
ressignificando, estabelecendo novos patamares de análise, sendo
influenciada pelo sistema de valores que regem a sociedade na qual ela se
insere, além de ser inspirada pela trama de relações sociais de poder, tais
como as relações de gênero, estabelecidas em cada momento histórico e
lugar (PINTO; ALVAREZ, 2014).

A historiografia acompanha também as mudanças sociais de seu tempo,


refletindo de uma forma peculiar as lutas sociais no ambiente acadêmico. As
décadas de 1960 e 1970 foram períodos históricos marcantes “das
margens” pressionando o centro. É neste momento histórico que surge o
movimento feminista, dando origem à epistemologia feminista (CASTRO;
EGGER, 2012). A partir da década de 1960, passou a surgir uma “história
das mulheres”, com o objetivo de se constituir um campo específico do
conhecimento historiográfico. Segundo Louise Tilly (1994), o objetivo de se
criar um campo específico da história das mulheres seria complementar a
proposta de Marc Bloch (2002) sobre a definição de história: de “ciência dos
homens no tempo” para a “ciência das mulheres no tempo”.

As mulheres foram, muitas vezes, excluídas da maior parte dos direitos


sociais e políticos, sendo por séculos relegadas à esfera da vida privada.
Portanto, entendo que há séculos de exclusão e silenciamento das mulheres
no espaço público, acadêmico e social. Michelle Perrot (2005) afirma que
“Subsistem, no entanto, muitas zonas mudas e, no que se refere ao
passado, um oceano de silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da
memória e, ainda mais, da história, este relato que por muito tempo,
‘esqueceu’ as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da
Aprendendo reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora
História: do acontecimento” (PERROT, 2005, P.9).
VISÕES E
DEBATES Perrot (1992) também reflete, em suas afirmações, uma preocupação que
Página | 98 me motiva também a questionar a produção curricular de história do Ensino
Médio: “Da história, muitas vezes a mulher é excluída” (PERROT, 1992, p.
185). Falar de mulher na história significava e, ainda significa, abordar a
“história da exclusão”. Pesquisar sobre a história das mulheres, incialmente,
era tentar reparar em parte essa exclusão, uma vez que procurar traços da
presença feminina em um domínio sempre reservado aos homens era tarefa
difícil (SOIHET; PEDRO, 2007). Segundo Soihet e Pedro (2007, p. 282), “o
que precisamos é buscar formas mais eficientes de fornecer legitimidade ao
que temos feito, ou seja, a constituição de um novo campo de estudos,
intitulado, ‘história das mulheres e das relações de gênero”

Nas ciências humanas, a disciplina história é certamente a que mais


tardiamente apropriou-se da categoria gênero, assim como da própria
inserção de “mulher” ou de “mulheres” como categorias analíticas de
pesquisa e análise (SOIHET; PEDRO, 2007). Provavelmente, grande parte
desta demora se deveu ao caráter universal atribuído ao sujeito histórico
até então, representado pela categoria “homem”. Pressupunha-se que, ao
estudar, falar, analisar os homens, as mulheres estariam sendo
contempladas, o que demonstrou-se que não correspondia à realidade
(SOIHET; PEDRO, 2007). A história, então, era uma narrativa sobre o sexo
masculino, definindo que somente, ou principalmente, os homens faziam
história.

Este caráter universal atribuído ao sujeito histórico era o predominante na


corrente historiográfica conhecida como positivista ou Escola Metódica. A
modalidade histórica positivista, herdeira do Iluminismo, centrava o seu
estudo e análise na história política e no domínio público, predominando no
século XIX e início do século XX. Essa forma de escrever a história
comumente chamada de positivista, ou as vezes “empirista”, dava enfoque
para os personagens masculinos, que tinham de alguma forma participado
dos governos e/ou de guerras. Estar inserido nesta grande narrativa
significava, e ainda significa, prestígio (PEDRO, 2005). Nela, o interesse
pelos fatos históricos estava centrado nas fontes administrativas, nas
narrativas oficiais, nos documentos diplomáticos e militares.

As transformações na historiografia, articuladas à emergência do


feminismo, a partir de fins da década de 60, do século XX, foram
imprescindíveis, no desenvolvimento da metodologia, na qual as mulheres
foram colocadas na condição de objeto de análise e sujeitas da história,
marcando a emergência da história das mulheres enquanto campo de
estudos. E, após a constituição da história das mulheres como campo de
estudos, ficou explícito que uma das mais importantes contribuições deste
campo foi a crítica contundente das correntes historiográficas que mantêm
foco no sujeito humano universal. Portanto,

“A história das mulheres – com suas compilações de dados sobre as


mulheres no passado, com suas afirmações de que as periodizações Aprendendo
tradicionais não funcionavam quando as mulheres eram levadas em conta, História:
com sua evidência de que as mulheres influenciavam os acontecimentos e VISÕES E
tomavam parte na vida pública – implicava a negação de que o sujeito da DEBATES
história constituía-se numa figura universal”. (SOIHET; PEDRO, 2007, p. Página | 99
286).

A história das mulheres, enquanto campo de pesquisa, passa a adquirir


expressão, a partir da década de 1970, muito influenciada por
“questionamentos feministas e por mudanças que ocorriam na
historiografia, entre as quais, a ênfase em termos como família,
sexualidade, representações, cotidiano, grupos excluídos” (PINSKY, 2009, p.
160). Após denunciar a exclusão das mulheres nas pesquisas e trabalhos de
história, várias historiadoras, procuraram torná-las visíveis na história geral,
como coparticipantes dos eventos históricos. Mas, para alguns críticos deste
tipo de historiografia, como Joan Scott (1990, 1994), isso não foi suficiente
por não alterar a historiografia tradicional, com seus recortes temáticos,
análises, periodizações, fontes e as constituições dos fatos históricos já bem
delimitados.

Historiadoras e pesquisadoras passaram a questionar o saber produzido e,


principalmente, a se indagarem os motivos pelos quais as mulheres foram
excluídas da história oficial. Neste sentido, acredita-se que “o forte impacto
dos movimentos de mulheres e feministas implicou a valorização das
questões relativas às mulheres, por via da sua vertente reivindicativa e
gerou um caloroso debate teórico e epistemológico no seio das ciências
sociais e humanas” (PINTO; ALVAREZ, 2014, p.9). As autoras ainda
afirmam que a chamada história das mulheres enfrentou o imperativo de
reinterpretar a sociedade, impulsionando uma história relacional e “a
consciência de que as mulheres não têm todas a mesma história, ou seja,
de que as mulheres não constituem uma categoria homogênea, exigiu que a
história das mulheres se ressituasse face à diversidade, complexidade e,
mesmo, incongruência inerentes à essa pluralidade” (PINTO; ALVAREZ,
2014, p. 11).

A reinvindicação que a história ocupasse também as análises e informações


sobre as mulheres e suas histórias trouxe à tona uma situação de
ambiguidades, já que equivale a afirmar a incompletude da história
tradicional e o domínio inconcluso e parcial que as historiadoras tinham do
passado. Nesse processo, foram fundamentais as contribuições recíprocas
entre o campo de estudos das histórias das mulheres e do movimento
feminista.

Dentro deste contexto, inicialmente, acreditou-se que “mulheres” era uma


categoria de estudo homogênea, firmando a contraposição entre homens e
mulheres. Esse entendimento levou ao discurso de identidade coletiva, no
qual as mulheres “eram pessoas biologicamente femininas que se moviam
em papeis e contextos diferentes, mas cuja essência não se alterava”
(SOIHET; PEDRO, 2007, p. 287). Tensões advindas do interior dos
movimentos feministas e do campo da história das mulheres,
Aprendendo reconfiguraram este cenário, ao propor que as mulheres representam uma
História: categoria de estudos múltipla e que era necessário repensar a questão da
VISÕES E identidade comum. A partir da década de 1970, a perspectiva inicial de
DEBATES identidade única das mulheres, foi alterada por uma visão que perpassa as
Página | 100 múltiplas facetas que correspondem à categoria mulher, fazendo-se
necessário recortes de estudo e de análise por classe, raça, etnias,
sexualidade, entre outras. “Revelaram-se múltiplas diferenças dentro da
diferença, ou seja, entre mulheres, como entre homens, embora não se
pudesse esquecer as desigualdades e relações de poder entre os sexos”
(SOIHET; PEDRO, 2007, P. 287).

A filósofa Simone de Beauvoir, em o “Segundo Sexo”, reafirma a questão da


incompletude da história, ao deixar as mulheres de fora das questões gerais
abordadas pela historiografia tradicional, uma vez que, embora a ciência
história pleiteasse um caráter universalizante dos fenômenos históricos, na
prática ignorava uma metade da humanidade, as mulheres (BEAUVOIR,
2016). A predominância na narrativa histórica era relativa às preocupações
com o político e com o domínio público, enaltecendo os homens, enquanto
sujeitos universais, em suas empreitadas e façanhas, excluindo quase por
completo as mulheres enquanto personagens e produtoras da história
(GONÇALVES, 2006). Revelar essa prerrogativa cultural e intelectual tornou-
se subversivo e fez surgir inúmeras pesquisas sobre o sexo feminino a partir
da década de 1960, favorecendo o surgimento do campo de estudos da
história das mulheres. A história das mulheres, inicialmente construída
pelas militantes feministas, integrou-se à tentativa de acompanhar os novos
questionamentos que essa nova possibilidade acadêmica trouxe para a vida
das mulheres.

A pesquisa com mulheres requer algumas abordagens peculiares, para além


da epistemologia científica tradicional. Nesse sentido, a epistemologia
feminista denuncia e alerta a supergeneralização, mostrando que os
valores, as ideias, as experiências, os objetivos e as interpretações dos
grupos dominantes são apenas as ideias concebidas e consideradas por
esses grupos, não da humanidade como um todo (CASTRO; EGGERT, 2012).
Portanto,

“Foi a partir das questões de classe social, gênero, raça, etnia, entre outras,
que surgiu uma área epistemológica dedicada a compreender a forma como
o gênero influencia aquelas concepções e práticas, e como têm
sistematicamente colocado em desvantagem as mulheres e outros grupos
subordinados. Por este motivo, podemos afirmar que pesquisar mulheres,
numa perspectiva feminista, é desafiar uma lógica dominante de um mundo
hierárquico patriarcal”. (CASTRO; EGGERT, 2012, p. 235).

Parto da ideia de que o feminismo é não somente um movimento social e


reivindicatório, mas também uma postura epistemológica e metodológica de
estudos e análises. Entendo como movimento feminista, o movimento
político para libertar mulheres da supremacia masculina, alicerçada em um
sistema maior (conhecido como patriarcado) e que almeja acabar com a
opressão sobre as mulheres, enxergando o coletivo e não somente o
individual. Dentro desta perspectiva, o viés epistemológico feminista, tanto Aprendendo
o da vida cotidiana, quanto o da perspectiva científica, permite reler a História:
história e propor novas abordagens e possibilidades de análise, menos VISÕES E
centrada nos sujeitos universais e voltadas para olhares que percebem as DEBATES
diferenças. Neste sentido os currículos escolares devem se organizar de Página | 101
forma a perceber as diferenças dos diversos agentes históricos e propor
seleção de conteúdos que também abranjam as mulheres e seus processos
históricos.

A palavra currículo tem origem na palavra latina curriculum, que significa


pista de corrida. Portanto, quando mencionamos ou estudamos currículo
escolar, em uma perspectiva processual, podemos nos referir à trajetória de
formação dos alunos ao longo dos anos escolares. O currículo faz parte de
múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente à prática
pedagógica de ensino. São ações ligadas à política, à supervisão, à
administração, à criação intelectual, à avaliação do processo educacional,
entre outras atividades, em que, enquanto são subsistemas em parte
autônomos e em parte interdependentes, geram forças diversas que
incidem na ação pedagógica (RICCI, 2006).

De forma simplificada, o currículo é a organização do conhecimento e essa


sistematização tornou-se necessária tendo em vista surgimento da
escolarização em massa e da necessidade de uma padronização do
conhecimento a ser lecionado. No entanto, o currículo não diz respeito
apenas a uma relação de conteúdos e saberes, mas envolve também uma
seleção interessada, relacionada a questões envolvendo o poder “tanto nas
relações professor/aluno e administrador/professor, quanto em todas as
relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela” (HORNBURG e
SILVA, 2007, p.1), envolvendo também “relações de classes sociais (classe
dominante/classe dominada) e questões raciais, étnicas e de gênero, não se
restringindo a uma questão de conteúdos” (HORNBURG e SILVA, 2007,
p.1). Dentro deste contexto, o currículo não é neutro e sempre privilegia
determinada cultura ou classe social.

O currículo escolar é composto, na contemporaneidade, por diferentes


forças que se articulam para formá-lo, como textos, documentos
curriculares, artefatos e discursos. Sabe-se que o "currículo é sempre o
resultado de uma seleção" (SILVA, 2011, p.15) e essa seleção é o fruto de
um processo que considera os interesses particulares dos grupos
dominantes. Portanto, é preciso compreender que currículo é um processo
de construção social, atravessado por relações de poder "que fizeram e
fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não
outras que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado
de conhecimento e não outro" (SILVA, 2002, p. 135). Segundo Tomaz Tadeu
da Silva (2011), “o currículo é sempre resultado de uma seleção: de um
universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte
que vai construir, precisamente, o currículo” (SILVA, 2011, p. 15). Assim,
discussão sobre currículo vai além de uma seleção de conhecimentos,
envolve sim, uma operação de poder.

Aprendendo Então, de forma geral, o currículo é “um espaço de lutas e disputas


História: constantes, no qual os diferentes grupos sociais tentam imprimir suas
VISÕES E verdades, divulgar seus conhecimentos e produzir determinados
DEBATES significados” (SILVA, 2011, p. 34). Portanto, “a questão central que serve
Página | 102 de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual
conhecimento deve ser ensinado” (SILVA, 2011, p.14). Essa afirmação pode
ajudar a responder se o conhecimento feminino, se a história relativa às
mulheres encontra-se nos documentos curriculares.

O currículo também é um documento de identidade (SILVA, 2011, p.16),


podendo atuar na construção e na reconstrução de identidades. O currículo,
então, é um dos espaços onde ocorrem as lutas e os conflitos culturais e
identitários, entendido como “um local em que a política da diferença e da
identidade é vivida em toda a sua intensidade; um espaço em que as
culturas são apresentadas e os diferentes grupos sociais e culturais são
nomeados e significados” (PARAISO, 2004, p. 54). Nesse sentido, o
currículo é entendido como uma prática cultural e uma prática de criação e
divulgação de significados, além de ser um espaço de representações dos
diversos grupos sociais e culturais (PARAISO, 2004).

Então, se currículo é um processo de construção sociocultural, fortemente


influenciado pelas relações de poder que envolve toda a rede social, logo,
ao selecionarmos os conhecimentos que farão parte de determinado
currículo, estamos procedendo a escolhas que refletem nossa própria
constituição, nossa identidade e que respondem aos nossos próprios
interesses. Essas escolhas serão decorrentes do tipo de sujeito que
queremos formar. Assim, não existe currículo neutro, ele sempre é
carregado de intencionalidades. Portanto, o currículo constitui os sujeitos é
também é constituído por eles e o não pode ser visto simplesmente como
um espaço de transmissão de conhecimentos.

Dentro deste contexto, as indagações propostas ao currículo não se limitam


a perguntar "o quê?" deve ser ensinado e "como?" deve ser ensinado, mas
principalmente "por quê?" um determinado conhecimento deve ser
ensinado. O que levou a opção por este e não por outro conhecimento?
Quais são os interesses que estão em jogo? Então, o currículo, a partir das
diretrizes nacionais, é definido nas instituições educativas e escolas,
construído a muitas mãos, a partir de várias histórias de vida que fazem
parte desse cotidiano. As concepções, saberes, conteúdos e as
metodologias não fazem sentido se desconectadas daquele contexto
(AGUIAR, 2018, p. 17).

Na prática pedagógica cotidiana, percebe-se que o passado histórico das


mulheres não tem sido, usualmente, estudado no sistema educacional do
Brasil e a escola, enquanto instituição formadora de cidadãos e cidadãs, de
modo geral, também não tem se dedicado ao estudo das mulheres em seu
passado e em questões sociais emergentes relativas às mulheres.
Percebemos que os currículos escolares e os planejamentos anuais dos/as
professores/as de história não trazem, sistematicamente, a temática ligada
à história das mulheres e, quando mencionam, focam nas histórias das
mulheres de forma superficial e/ou exaltando algumas poucas personagens Aprendendo
históricas com visibilidade, como, por exemplo, Joana d’Arc, na história História:
francesa e Chica da Silva, em Minas Gerais. VISÕES E
DEBATES
Então, a pergunta relativa aos interesses que estão em jogo de não se Página | 103
ensinar história das mulheres nos currículos surge de forma latente.
Acredito que dentro de uma sociedade machista e sexista, não é
interessante ensinar protagonismo feminino e a mulher como a gente
histórico influente socialmente e, muitas vezes, autônoma. Faz-se
necessário mudar essas perspectivas e propor currículos escolares que se
adequem às mais diversas realidades de uma sociedade pluralista como a
brasileira. Dentro desta ideia, as mulheres e suas ações ao longo da história
não podem mais serem invisibilizadas e devem ser estudadas, analisadas e
contempladas nos mais diversos currículos que regem o Ensino Básico no
Brasil.

Referências
Carolina Giovannetti é historiadora e professora de história da rede pública
de Minas Gerais; mestranda em Educação pela UFMG, na linha de pesquisa
Currículos, Culturas e Diferenças.

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Nacional de Educação mediante pedido de vista e declarações de votos. In:
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2018.

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1994: pp. 30. Disponível em:
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A CAIXA DE HISTÓRIA DA AMÉRICA:
A RELIGIÃO E AS GUERRAS PENINSULAR E DO CONTESTADO
Claudio Dos Santos Pereira de Oliveira
Gabrielle Momot

Aprendendo
História: Introdução
VISÕES E Este texto tem como objetivo refletir as atividades desenvolvidas na
DEBATES disciplina História da América, 3º ano do curso de História, campus da
Página | 106 UNESPAR, União da Vitória/PR, bem como avaliar seus resultados. A partir
da Prática dos Componentes Curriculares foi proposta a criação do projeto
de Caixa de História, a qual visa desenvolver material didático para
professores da Educação Básica. Com isto é possível fortalecer os vínculos
entre a academia e a escola, através da extensão universitária, o que
requer a difusão das atividades junto ao público em geral. É preciso dizer
que, geralmente, os acadêmicos tendem a um distanciamento do trabalho
em conjunto com o Ensino Fundamental e Médio. Caso contrário, os índices
dos alunos brasileiros seriam melhores nas avaliações internacionais.

Note-se que, no caso da Unespar, a curricularização da extensão


universitária só veio reestruturação de cursos, que se iniciará em 2019. Em
relação ao material didático proposto, diga-se de passagem, que ele é
interessante e viável, uma vez que o professor pode aprimorá-lo.
Certamente o seu compartilhamento entre grupos de professores e suas
constantes melhorias podem ampliar o volume de atividades a serem
desenvolvidas. Ganham os alunos, professores e comunidade, as quais
podem potencializar suas reflexões sobre assuntos variados, estabelecendo
conexões entre temas aparentemente distantes e sem sentido.

Em conjunto com a caixa de história disponibilizamos aos professores um


manual com os procedimentos de uso indicações de leitura para
aprofundamento através de pesquisa. Na recepção do material o professor
fará uma avaliação prévia, a fim de verificar todos os aspectos que
considera relevantes, determinando se as atividades podem ser aplicadas.
Num segundo momento, avaliar-se-á se a aplicação é precisa, conforme
expresso no manual. A caixa de história conta com diversas atividades,
cada uma visando um tipo de fonte, como por exemplo, fotografia,
patrimônio material e imaterial, crônicas, etc. Na caixa de história da
América inserimos um texto teórico para sinalizar encaminhamentos de
leitura e pesquisa. Nossa pretensão é a de que os professores de história a
usem, adaptando-se à sua realidade escolar. Por outro lado, é de extrema
importância que os materiais desenvolvidos sejam práticos, fáceis de usar e
não tenham custos elevados, já que muitas escolas não têm recursos
suficientes.

Síntese da Guerra Peninsular


Durante as aulas de História da América, a turma se dividiu em grupos,
sendo que cada um se decidiu por um tema. Ele deveria se relacionar com
as obras que o artista Goya pintou no contexto da Guerra Peninsular. Nosso
grupo decidiu abordar a religiosidade. O título original de nosso trabalho
ficou “A religião em meio ao conflito: uma reflexão sobre a Guerra
Peninsular e a Guerra do Contestado”. Nesse texto buscamos explorar, de
forma panorâmica, a Guerra Peninsular, a Guerra do Contestado e as obras
do artista Francisco de Goya.

Antes de tudo, torna-se importante esclarecer do que se trata quando Aprendendo


falamos da “Guerra Peninsular”, ocorrida entre 1807-1814. Este episódio História:
histórico pode ser entendido como um conflito militar entre o império VISÕES E
Francês, e a Aliança do Reino Unido, o Império Espanhol e do Reino de DEBATES
Portugal e Algarves pelo domínio da Península Ibérica durante as invasões Página | 107
napoleônicas. Esses conflitos foram marcados pela expansão territorial e
pelas invasões e, consequentemente pela revolução e pela
contrarrevolução. Elas foram concretizadas inicialmente pela França e pela
Espanha, as quais ocuparam Portugal, e posteriormente, quando elas
romperam seus vínculos, França se voltou contra a Espanha. As invasões e
os conflitos continuaram até a derrota de Napoleão, momento em que se
iniciou a guerra pela libertação nacional e a busca pela independência.

As resistências contra a ocupação napoleônica deixaram boa parte da


Europa desestruturada, pois a instabilidade na economia e na sociedade de
Portugal e da Espanha estavam à beira da calamidade. Isso levou a diversas
guerras civis e à busca de uma restauração e, simultaneamente, à soluções
para a crise. Perante a tragédia e com o resultado desses conflitos a Igreja
e o clero tiveram que se articular entre a população e o poder. Segundo
Silva (2015, p. 9) “O papel da igreja foi importante; franceses são vistos
como o inimigo de Deus. Há um lado menos “nobre” nestas revoltas: há
aproveitamentos e ajustes de contas, vinganças pessoais, ataques aos
“ricos e poderosos”, a todo o suspeito de ser afrancesado, etc.”. Porém, por
muitas vezes o clero, com intuito de poupar a população e seus fiéis das
dores e sofrimentos causados pela guerra, recomendavam que Portugal
cedesse aos interesses dos Franceses:

"A pastoral daquele prelado de 8 de Dezembro, que a 10 apareceu afixada


pelas portas dos templos da capital e sucessivamente o foi pelas das igrejas
paroquiais do patriarcado, na qual com expressões as mais enérgicas se
recomendava a obediência aos usurpadores, engrandecendo com mil
elogios a bondade de Napoleão e do seu cruel delegado. É deste modo que
a primeira personagem da Igreja lusitana, e uma das primeiras, pela sua
representação, entre os Grandes de Portugal, servia aos opressores da
religião e do Estado (ARAÚJO 2008, p. 264)"

Devido a essas declarações o clero foi considerado como um dos principais


associados às causas francesas, pois a crítica não poupava o clero e muitos
destes eram acusados de traidores da pátria: “Começa por acusar o cardeal
patriarca de Lisboa, o inquisidor geral e os bispos por pregarem, num
primeiro momento, com desmesurada subserviência” (ARAÚJO 2008,
P.264).

Essa ambivalência dentro da Igreja, ora ansiando aos desejos nacionais e a


pátria, ora cedendo às ideias dos franceses “inimigos” é equivalente a sua
atuação igualmente dúbia entre a sua ligação para com a população e o
monarca. É possível identificar essas questões nas obras de um dos maiores
mestres da pintura espanhola. Francisco Goya pintou os horrores da guerra.
Em “Los Desastres de La Guerra” Goya representa o terror e o medo
produzidos pela guerra.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 108

Anexo 01
Imagem catalogada sob o n°77 disponível em:
http://clio.rediris.es/n31/desastreguerra/desastres.htm#ana
Acessado em:03/12/2018

Segundo a legenda disponível na própria imagem, ela representa:

“Um eclesiástico que se vê atravessando uma corda bamba, sob ele um


público o contempla. O frade que anda na corda bamba é a alegoria da
Igreja na Espanha, sendo a corda a situação delicada pela qual isso
acontece depois da Guerra da Independência espanhola [..]”.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 109

Anexo 02
Imagem catalogada sob o n°43 disponível em:
http://clio.rediris.es/n31/desastreguerra/desastres.htm#ana
Acessado em: 03/12/2018
A segunda legenda, por conseguinte, representa:

“Vários frades fugindo do convento onde estavam. No mesmo sentido que


todos os revoltosos, Goya nos apresenta a fuga dos clérigos. Neste caso
trata-se de frades e pode estar se referindo às leis desmortizadoras do novo
rei José I, assim fazendo com que frades fossem forçados a deixar os
conventos.

As imagens são profundas e nos levam a várias reflexões. Analisá-las e um


grande desafio. Entretanto, eles podem fornecer um significativo suporte
analítico e de compreensão dos acontecimentos históricos. De acordo com
Litz “o trabalho com imagens deve possibilitar discussões sobre as
condições de produção daquela imagem, ou seja, o contexto social,
temporal e espacial em que foi produzida” (LITZ, 2009).

Síntese da Guerra do Contestado


Na Guerra do Contestado não podemos esquecer que os conflitos entre os
camponeses e as forças militares envolveram elementos religiosos dispares.
Os problemas sociais e religiosos, ligados a regularização da posse de terras
e insatisfação da população se agravou com o fanatismo religioso e o
messianismo (CARVALHO, 2009)
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 110

Anexo 03
Foto: Reprodução / Reprodução disponível em:
http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2012/12/historia-em-
quadrinhos-ilustra-principais-acontecimentos-da-guerra-do-contestado-
3970520.html?pagina=9
Acessado em: 03/12/2018

Entre os estados do Paraná e Santa Catarina haviam os “monges


errantes”, os quais não estavam ligados à Igreja ou a qualquer outra ordem
religiosa. Estas figuras eram, na realidade, beatos, curandeiros, profetas
populares, cujas comunidades escutavam e, cujos ensinamentos seguiam.
Eles passaram a ter carga religiosa atribuída pela própria população, que
diante da crise e da insatisfação popular, ganhou força com a figura do
beato José Maria. Este pregava a criação de um mundo novo, regido pelas
leis de Deus, onde todos viveriam em paz, com prosperidade justiça e
terras para trabalhar. José Maria conseguiu reuniu milhares de seguidores,
principalmente de camponeses sem terras (CARVALHO, 2009)

Os coronéis da região e os governos (federal e estadual) começaram a ficar


preocupados com a liderança de José Maria e sua capacidade de atrair os
camponeses. O governo passou a acusar o beato de ser um inimigo da
República, que tinha como objetivo desestruturar o governo e a ordem da
região, pois se acreditava que ele era um apoiador da monarquia, uma
monarquia cabocla. Com isso, policiais e soldados do exército foram
enviados para o local, com o objetivo de desarticular o movimento, os
soldados e policiais começaram a perseguir o beato e seus seguidores
(CARVALHO, 2009)

“O estopim da revolta foi "o ajuntamento" em torno de um monge chamado


José Maria em agosto de 1912. Perseguido por tropas catarinenses, os
seguidores do monge fugirão em direção ao Paraná até chegar ao sertão de
Palmas, na localidade de Irani, onde ocorreu o primeiro combate contra a
força publica paranaense. José Maria Morreu durante este conflito, assim
como o comandante do regimento de Segurança Coronel João Gualberto.”(
CARVALHO 2009 p.17)
Como podemos constatar, na Guerra Peninsular e na Guerra do Contestado,
pode-se verificar ações religiosos e práticas populares da religiosidade, as
quais buscaram se articular entre as forças conflitantes, a população e os
poderosos, de forma que seu “aspecto religioso ou messiânico” viesse a
influenciar suas ações. Aprendendo
História:
Em relação às imagens é possível identificar tanto nas obras de Goya VISÕES E
quanto na arte sobre a Guerra do Contestado o impasse, a “corda bamba” a DEBATES
qual os religiosos tinham de atravessar. Podemos ver que eles estão Página | 111
situados em um ambiente em meio ao conflito, ao terror e ao medo.
Identificar a menor semelhança nestes conflitos distintos através de
imagens é de certa forma interessante, pois, segundo Litz:

“A história deve ser trabalhada por sua relevância, dentro de um contexto


histórico, entendendo que os acontecimentos se inter-relacionam no tempo
e não estão circunscritos pelo espaço, permitindo que os alunos reflitam
sobre os temas e a realidade de forma crítica e autônoma” (LITZ 2009 p.12)

A Caixa de História é uma idéia sobre a educação patrimonial e o ensino de


história local. Atividades todas preparadas para alunos de diferentes séries
do Ensino Fundamental inspiradas em documentos que evocam a história
local incentivam a formação de identidades e a valorização do patrimônio
material e imaterial pelos alunos moradores dessas regiões. O formato de
“caixa” sugere a possibilidade de extrair daquele recipiente inúmeras
histórias, em uma criação constante e infindável.

Se referindo no próprio material didático, conforme o Guia de Tecnologias


Educacionais (MEC, 2009, p. 48) “O formato de “caixa” sugere a
possibilidade de extrair histórias daquele recipiente, um processo de criação
aberto, com materiais compostos de pranchas fotográficas, CDs, papéis,
folhetos, livretos, fac-símile de jornal, e outros”. Sendo assim, como a caixa
contém vários materiais didáticos nela, decidimos fazer uso das fotografias
e em nosso material sugerimos três maneiras de como usar as fotos e
também o texto auxiliar. São elas:

Opção 1 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências


sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. Posteriormente o
professor irá expor as imagens de Goya na sala e solicitará que os alunos
façam uma releitura destas obras, buscando manter em sua releitura os
aspectos de terror, e do medo em meio ao conflito, essa releitura poderá
ser feita em conjunto com a professora de artes.

Opção 2 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências


sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. Para dinamizar a
aula o professor irá expor as imagens na sala, e então o professor irá
solicitar que os alunos escolham uma das cartas, após isso os alunos terão
de ler o seu conteúdo e buscar interpretar qual imagem condiz com o texto
retirado das cartas.
Opção 3 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências
sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. O professor fará uso
das imagens de Goya buscando fornecer contato dos alunos para com a
fonte histórica. Através destas imagens o aluno deverá traçar uma breve
discussão através da sua interpretação pessoal buscando demonstrar o que
Aprendendo ele conseguiu perceber nestas imagens, quais são os aspectos presentes
História: nela, quais as práticas sociais presentes nela e o que ela busca retratar?
VISÕES E Após isso o professor poderá abrir as cartas com as legendas das fotos e
DEBATES apresentar o conteúdo aos alunos, para que esses assimilem a legenda com
Página | 112 o que eles interpretaram.

O desenvolvimento dessa prática dos componentes curriculares mostra o


quanto é importante essa interação de academia e escola, já que dentro da
grade curricular do curso só está na matéria de estágio, que nos
proporciona esse contato. A escola é o local onde, possivelmente, será
nosso local de trabalho futuramente, aquilo que aprendemos na
universidade será aplicado lá, e quando nos é possibilitado desenvolver um
trabalho.

Referente ao projeto da Caixa de História espera-se que o conteúdo destas


páginas possa servir de suporte e apoio quando utilizadas em sala de aula
para trabalhar a Guerra Peninsular ou a Guerra do Constado, entre outros
conteúdos pertinentes, evidenciando ao aluno “A relevância de se estudar
história deve residir na repercussão dos acontecimentos na própria história,
ou seja, quanto esses fatos modificaram as relações sociais posteriores ou
contemporâneas a eles, sempre fazendo uma relação passado-presente”.
(LITZ 2009 P. 11)

Por fim, acredita-se que as imagens têm valor ímpar, uma vez que a
iconografia não é só um enfeite nas páginas dos livros, ou um passa tempo,
ela é um texto que pode melhorar a compreensão do conteúdo a ser
trabalhado pelo professor de História. As formas de utilização são inúmeras,
tanto na sala de aula ou em aula extraclasse. Na medida em que os
professores tiverem contato com as obras e procurarem compreendê-las em
todo seu contexto, mais fácil será ensinar seus alunos a lê-las ou abstrair
informações que possam ajudá-los a entender melhor aquele momento
histórico importante, mas que, às vezes não exploramos devidamente.

Referências
Claudio Dos Santos Pereira de Oliveira é graduando do curso de Licenciatura
em História da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR.
Gabrielle Momot é graduanda do curso de Licenciatura em história da
Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR.
Michel Kobelinski, é professor Doutor da Universidade Estadual do Paraná,
integra o Gt- Strictu sensu História e é docente permanente do Mestrado
Profissional em Ensino de História (UNESPAR/UFRJ), campus de Campo
Mourão, é membro da associação Nacional de Pesquisadores e Professores
de História das Américas (AMPHLAC),é Professor de História da América
(UNESPAR, União da Vitória) e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura &
Sensibilidades. Sua pesquisa se concentra na história e na cultura, e
patrimônio urbano e lugares de memória.

ARAÚJO, Ana Cristina “Memória e mitos da Guerra Peninsular em Portugal:


A História Geral da Invasão dos Franceses de José Acúrsio das Neves”. Ed
Imprensa da Universidade de Coimbra Revista de Historia das Ideias Vol. 29 Aprendendo
(2008) História:
VISÕES E
CARVALHO, Tarcísio Motta. "Coerção e consenso na Primeira República: A DEBATES
Guerra do Contestado (1912- 1916) Universidade Federal Fluminense 2009 Página | 113
LITZ, Valesca G. O uso da imagem no ensino de História UFPR Curitiba 2009

SILVA, João Paulo F. "Primeira Invasão Francesa 1807-1808: A invasão de


Junot e a Revolta Popular". Ed. Academia das Ciências de Lisboa 2015
LINKS: acessados em 03/12/2018

Francisco Goya. Los desastres de la guerra. Dibujos y grabados. Madrid,


Museu del Prado. Disponível em:
http://bdh.bne.es/bnesearch/biblioteca/LOS%20DESASTRES%20DE%20LA
%20GUERRA%20Colecci%C3%B3n%20de%20ochenta%20l%C3%A1minas
%20inventadas%20y%20grabadas%20al%20agua%20fuerte%20/ql
HYPERLINK
"http://bdh.bne.es/bnesearch/biblioteca/LOS%20DESASTRES%20DE%20LA
%20GUERRA%20Colecci%C3%B3n%20de%20ochenta%20l%C3%A1minas
%20inventadas%20y%20grabadas%20al%20agua%20fuerte%20/qls/Goya
,%20Francisco%20de%20(1746%201828)/qls/bdh0000051307;jsessionid=
EC01886F3320936F8D589A5F1E0DA649"s/Goya,%20Francisco%20de%20(
1746%201828)/qls/bdh0000051307;jsessionid=EC01886F3320936F8D589
A5F1E0DA649
http://clio.rediris.es/n31/desastreguerra/desastres.htm
http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2012/12/historia-em-
quadrinhos-ilustra-principais-acontecimentos-da-guerra-do-contestado-
3970520.html?pagina=9
A QUESTÃO DO AMAPÁ NO ENSINO DE HISTÓRIA: O TRABALHO COM
IMAGENS E MAPAS
Danilo Sorato Oliveira Moreira

Aprendendo A presente comunicação pretende discutir a utilização da Questão do Amapá


História: no Ensino de História através da iconografia. Esse trabalho busca fazer
VISÕES E orientações para o professor de História, com base numa metodologia
DEBATES inovadora na análise de imagens e mapas em sala de aula, a fim de
Página | 114 conseguir uma melhor aprendizagem histórica.

A Questão do Amapá no Ensino de História

Fig.1
https://journals.openedition.org/terrabrasilis/744?lang=pt

O mapa acima foi produzido em fins do século dezenove por autoridades


francesas que buscavam defender os interesses de seu país perante o Brasil
no Tribunal de Berna. Apesar dessa informação, o problema de fronteiras
entre os Rios Oiapoque e Araguari é explorado de forma discreta nas
escolas do Estado do Amapá. No trabalho de Sorato (2018), viu-se que as
narrativas históricas escolares, subdivididas em didáticas e paradidáticas,
especialmente as primeiras, mantém um certo silêncio e esquecimento
sobre o assunto. Em grande medida, isso decorre por vários motivos. O
primeiro deles é a inexistência do tema nos livros didáticos escolares,
mesmo nas séries/anos que trabalham o período, como o 9º ano do Ensino
Fundamental e a 3ª série do Ensino Médio. O segundo motivo é o
desconhecimento dos professores de história acerca da Questão do Amapá,
em sua maioria reproduzem narrativas históricas consagradas. E o terceiro
motivo é a falta de profundidade da História Local nos espaços escolares,
muitas vezes relegadas pelo excesso de História Nacional. Aprendendo
História:
A partir das constatações acima, entende-se nessa apresentação necessário VISÕES E
repensar o trabalho sobre a Questão do Amapá em sala de aula, em DEBATES
primeiro lugar, para que ela seja trabalhada nos espaços escolares, e em Página | 115
segundo lugar com a finalidade de melhorar a aprendizagem histórica dos
alunos. Portanto, com uma metodologia específica de análise de imagens e
mapas, espera-se que os professores de História se sintam estimulados a
utilizar em suas práticas.

A aprendizagem histórica é um elemento basilar no Ensino de História. Ele é


um conceito articulado entre experiência, interpretação e orientação
históricas. É quando o aluno chega a um nível de consciência histórica
acerca da sua experiência humana temporal, onde emite significação para
os fenômenos históricos do presente e passado, como aponta Rüsen (2011,
p. 79). Em sala de aula, quando professores e alunos interagem, essa
aprendizagem histórica é uma condição fundamental para que ambos os
sujeitos dialoguem historicamente. Ela pode ser alcançada em muitas
formas e sobre muitas metodologias, mas nessa apresentação, o
entendimento das narrativas históricas entre interlocutor e receptor se dá
pelo assunto da Questão do Amapá. E partindo da premissa que a
consciência histórica é uma formação contínua, nessa comunicação são
apresentadas orientações metodológicas para o trabalho em sala de aula
com mapas e imagens.

A compreensão dessas orientações metodológicas, especificamente com


mapas e imagens, pode-se utilizar como modelo a proposta de Silva (2016,
p. 93) para a leitura de imagens no Ensino de História, com a adaptação
para o caso específico dessa comunicação que diferente da autora não
analisa quadros de arte, mas focaliza em mapas e imagens sobre a Questão
do Amapá. A necessidade de compreensão dos documentos e da sua
limitação, devem ser refletidas nos espaços escolares com as seguintes
perguntas: quem foi o produtor da imagem/mapa, quando foi produzido e
em quais conjunturas históricas foram feitas. Além disso, existem três
categorias a serem levadas em consideração para uma aprendizagem
histórica consciente, a visão objetiva, subjetiva e formal. Na primeira
categoria, são percebidos os aspectos visuais da imagem/mapa tal como se
percebe nela própria; Na segunda categoria, são analisados os aspectos
simbólicos da imagem/mapa tal como a emoção/impressão que causa no
aluno; e finalmente, na terceira categoria, são apontados os aspectos
estéticos da imagem/mapa tal como sua composição estética e histórica.
Assim, com esses elementos analíticos, a utilização de mapas e imagens
sobre a Questão do Amapá aprofunda a possibilidade da aprendizagem
histórica.
Mapas e Imagens trabalhados na Questão do Amapá

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 116

Fig. 2
http://www.manioc.org/images/ORK121240001

A imagem acima foi produzida no ano de 1898 na região da Questão do


Amapá entre os rios Oiapoque e Araguari. Ela revela importante
problematizações para os professores de história quando estiverem nos
espaços escolares. Em primeiro lugar, o professor precisa ter domínio
basilar da língua francesa para poder compreender as informações do
documento. Com essa habilidade linguística, ele pode problematizar muitas
questões com seus alunos, por exemplo, por que o título da imagem coloca
“Territoire Contesté” (Território Contestado)? Mas afinal, o que é um
território contestado? Ou ainda, por que os franceses não utilizavam a
expressão “Question du Amapa” (Questão do Amapá)? Essas perguntas
devem ser expostas para os alunos para que possam discutir as diversas
narrações e visões históricas sobre o tema. Ao professor cabe, sobretudo,
articular as visões brasileiras e francesas como disputas pela posse de um
território. Logo, a França utilizava “Território Contestado”, como mostra a
imagem da Companhia de Navegação e Colonização, enquanto que o Brasil
usava “Questão do Amapá. Além dessas orientações, em segundo lugar, o
professor tem que ensinar os alunos a explorarem informações na
iconografia, como reconhecimento do ano, de símbolos ou vocábulos que
remetam interpretações históricas. Por exemplo, no canto direito superior,
existe a estátua simbólica da República francesa. Aqui, o reconhecimento
desse símbolo republicano é importante para fazer conexões com o Brasil e
sua forma de governo no período, recém imposto em 1889.

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 117

Fig. 3
http://www.manioc.org/images/B_CG973FRAN_RES_00F-15009_006_081b

Após a utilização da imagem 2, o professor de História tem a possibilidade


do trabalho com mapas. A figura 3, mostra o território da Guiana durante o
século XVII. A sua inserção nas salas de aulas são importantes para que
sejam feitas muitas problematizações sobre o tema. O primeiro aspecto a
salientar é que o docente necessita fazer com que os alunos encontrem no
próprio mapa, o produtor dele, no caso, no canto inferior, Claes J. Vooght.
Essa dinâmica é fundamental porque é uma condição da aprendizagem
histórica. Nesse mesmo lugar, os alunos e o professor podem
perceberquando foi feito o mapa. Com essas informações extraídas do
próprio documento, chega-se ao segundo aspecto. A questão sobre quem
era o cartógrafo e qual o seu interesse na produção do mapa “Guiana”?
Mesmo com a dificuldade de conhecimento acerca desse autor, o professor
deve explorar isso até mesmo para conscientizar historicamente os
discentes de que cada mapa tem uma leitura de mundo. Assim, nesse
mapa, não fabricado por franceses ou brasileiros, haviam outras
motivações, especialmente levando em conta que fora produzido num
momento em que as tensões e distensões na fronteira estavam diminuindo.
O terceiro aspecto a destacar é o reconhecimento das pessoas localizadas
no canto esquerdo superior, onde aparecem o indígena junto com animais.
Uma importante reflexão sobre o assunto é perguntar se na região do
conflito haviam apenas indígenas e animais? Essa questão é vital para
desnaturalizar essa percepção, já que haviam negros, escravos, desertores,
mestiços, dentre outros. Assim, outras pessoas, que não aquelas memórias
consagradas, como Rio Branco e Cabralzinho, são reveladas em sala de
aula.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 118 Fig. 4
http://www.manioc.org/images/HASH01ba0484982defbe58b42aa5

Depois da inserção de mapas no trabalho com a Questão do Amapá, pode-


se partir para imagens de pinturas produzidas no século XIX sobre a região
da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Na imagem acima,
existem muitos elementos a serem explorados pelo professor de História, a
começar pela extração de informações visuais mais até do que escritas
como nas outras figuras. Um primeiro problema a ser trabalhado com os
alunos é dialogar com eles sobre aquilo que estão vendo na pintura.
Certamente, elementos como a descrição da flora, dos indígenas e do rio
vão ser destacados pelos alunos. Nesse momento, o professor de história
tem que propor uma conexão com a fala dos alunos e a realidade
experimentada do presente, em outras palavras, a imagem como algo
familiar ao entorno amapaense e amazônico. Além desse debate de (re)
conhecimento entre uma realidade passada e presente, um segundo
problema é debater os personagens históricos presentes na pintura. Ao
professor de História cabe destacar o papel de indígenas, escravos e
moradores da fronteira enquanto pessoas que tinham um cotidiano
importante de transportar as pessoas pelos rios e florestas. Essa valorização
das gentes comuns não pode ser desmedida, e se espera que o docente
consiga fazer um diálogo profícuo com os agentes históricos popularizados
no conflito de fronteiras, como Rio Branco e Cabralzinho.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 119

Fig. 5
http://www.manioc.org/images/FRA110270108i1

Na mesma direção de análise da figura 4, a imagem acima aponta para a


região do Oiapoque com um olhar para além do conflito fronteiriço em si.
Como no documento não há pistas históricas acerca do tempo em que foi
produzida, o professor de história necessita dizer tal informação. No ano de
1901, o autor Jacques Brousseau, fez um livro chamado ‘As riquezas da
Guiana Francesa e do antigo contestado franco-brasileiro: onze anos de
exploração’. Após dizer aos alunos sobre o tempo e o título da obra, o
docente necessita problematizar algumas questões. Em primeiro lugar,
pensar com os discentes o papel dos viajantes e intelectuais na produção de
conhecimento sobre a região. Assim, pode-se questionar, por que viajantes
franceses produziram desenhos, pinturas e mapas durante o século XIX?
Para além de uma resposta pronta, espera-se que sejam refletidos os
papeis dos intelectuais junto aos governos, a fim de defender os interesses
do país no tribunal internacional. Essa prática, também, foi feita pelo Brasil
com o viajante Emílio Goeldi e outros, que se instalaram entre os rios
Oiapoque e Araguari para conseguir desvendar os mistérios do local. Em
seguida, em segundo lugar, pensar com os alunos quais são os elementos
que aparecem em maior destaque na imagem? Tal como na figura 3, a
possibilidade de respostas são na direção de falar sobre a natureza, a
fauna, a flora, o rio, a pesca e os indígenas. O professor de História tem que
aproveitar a fala sobre as comunidades originárias, para fazer uma conexão
com o subtítulo da pintura,”Oyampis du Haut-Oyapock”. Nessa fala, devem
ser mostradas quem são os Wajãpi, a partir da exploração da sua cultura e
forma econômica de viver, como bem apresenta a iconografia com a pesca.
A ideia naturalizada de que todo o indígena é igual tem que ser discutida,
pois é fundamental que sejam demonstradas as diferenças de cada etnia.
Por fim, o professor de História precisa mostrar o protagonismo indígena na
região, inclusive na Questão do Amapá, pois eram cruciais em muitas
formas de trabalho e vivência com as pessoas da região. Portanto, lembrar
Aprendendo a importância do sujeito histórico indígena na Questão do Amapá em
História: consonância com os personagens mais conhecidos, arquetipados em heróis,
VISÕES E como Rio Branco e Cabralzinho.
DEBATES
Página | 120

Fig. 6
http://www.manioc.org/images/FRA110270054i1

Para finalizar a seção, a figura 6, é uma pintura, também, extraída da obra


de Jacques Brousseau comentada no parágrafo anterior. Dessa vez, com o
título de “Une Batée du prospection”, detalha com mais especificidade
outros aspectos sobre a Questão do Amapá, no caso, a extração de ouro. O
nome em francês já sugere de antemão o assunto, pois é a técnica de
extração de ouro com a peneira. Essa informação deve ser pesquisa pelo
professor de História de forma anterior, para que possa diante da
informação dialogar para com seus alunos. Um dos recursos naturais mais
procurados na região, com uma corrida aprofundada no século XIX, o ouro
se torna um dos elementos de maior cobiça pelas pessoas alocadas entre o
rio Oiapoque e Araguari, especialmente em Cunani. Diante desse contexto,
explicado para os alunos, o professor de História tem como destacar o papel
de dois personagens que aparecem na iconografia: o garimpeiro e o militar.
A primeira questão é o diálogo entre o presente e o passado na imagem do
primeiro personagem: Qual a finalidade do garimpeiro e o que ele faz? Essa
questão, debatida com seus alunos, deve ser trazida para a atualidade das
Guianas. O Professor de História precisa enfatizar que parte da economia do
Platô das Guianas, área que envolve Guiana Francesa, Suriname, Guiana
Inglesa, Venezuela e Amapá, são feitas por ilícitos como a extração de ouro.
Portanto, o que foi pintado no século XIX, de alguma forma, está presente
na realidade do Oiapoque. A segunda questão é apontar para o papel dos
militares na região: Como eles faziam suas funções? É vital demonstrar que
nem todos os militares atuavam como agentes da lei, quer dizer, alguns,
inclusive, desertaram das suas obrigações militares. Na imagem, essa
perspectiva pode ser imaginada se a interpretação for no sentido em que o
militar está auxiliando o garimpeiro, novamente, algo corriqueiro nos locais Aprendendo
de extração de ouro. Ademais, esses militares podem ser analisados como o História:
responsável por manter a ordem e legalidade no Araguari e Oiapoque, o VISÕES E
que os torna pessoas centrais para o estado brasileiro e francês durante o DEBATES
século XIX. Página | 121
Considerações Finais
Essa comunicação apresentou a Questão do Amapá a partir de uma
metodologia que valoriza a aprendizagem histórica. Ela utiliza mapas e
imagens com orientações para os professores de História trabalharem em
suas salas de aula no Amapá e Brasil. Não sendo obrigatória, elas aparecem
como uma forma de ver o assunto sobre outro prisma narrativo histórico
que não o corriqueiro, ora esquecido/silenciado nos livros didáticos do
Amapá, ora lembrado sobre as formas de memória e história em
personagens históricos arquetipados como Rio Branco e Cabralzinho. As
problematizações apresentadas se encaixam na ideia de entender uma
imagem no seu sentido triplo, objetiva, subjetiva e formal. Quer dizer, a
partir dessa estrutura, algumas vezes organizada, outras não racionalizada,
o professor de História pode fazer um diálogo profícuo com os alunos com a
finalidade que se tornem conscientes historicamente. O Oiapoque, local de
fronteira, não é passado, mas presente, em que esses discentes encontram
em seu cotidiano por meio de ruas, estabelecimentos, gentes, livros,
feriados, bustos, etc. Também, por que não podem ver em uma sala de
aula renovada sobre a Questão do Amapá?

Referências
Danilo Sorato Oliveira Moreira é professor de História no Centro de Ensino
Madre Tereza (CEMT) e Mestre em Ensino de História pela Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP).

SILVA, J. Enegrecendo as Belas Artes: ensinando história por meio das


trajetórias de dois pintores negros do Rio de Janeiro na segunda metade do
século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 2016.

SORATO, D. Silêncios que falam, palavras que nada explicam: as narrativas


históricas comparadas sobre a Questão do Amapá. Macapá: UNIFAP, 2018.

RÜSEN, J. Experiência, interpretação, orientação: as três dimensões da


aprendizagem histórica. In SCHMIDT, M; BARCA, I; MARTINS, E (Orgs.).
Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
OS LIVROS DE LEITURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA
INGLATERRA ENTRE 1870 E 1901
Elizabeth de Souza Oliveira

Aprendendo Apresentamos neste artigo uma investigação inicial sobre o uso do livro de
História: leitura na Inglaterra. O objeto de estudo será analisado através dos
VISÕES E discursos que já foram estabelecidos por estudiosos ingleses. O marco
DEBATES temporal para o desenvolvimento deste trabalho compreenderá o ano de
Página | 122 1870 a 1901, que abarca o momento em que há a afirmação da educação
compulsória através do Education Act de 1870 e o momento em que o
ensino de história torna-se legal no currículo da escola elementar. Este
artigo, por sua vez, faz parte do projeto que visa trabalhar com a História
do Ensino de História, por meio da linha de pesquisa do Grupo de pesquisa
sobre Ensino de História (GPEH/UFS).

Ao traçar o uso deste livro didático na Inglaterra será necessário lidar


inicialmente com o conceito de livro de leitura. Feito isto, pretendemos
entender, através das fontes, a finalidade dos livros de leitura e os
conteúdos substantivos que geralmente são tratados nos livros de leitura.

As fontes, por sua vez, possuem uma grande importância como ferramenta
no desenvolvimento de estudos. Com elas o estudo tem maior autenticidade
na sua reconstrução. Logo, elas devem ser colhidas, selecionadas e
estudadas para assim contextualizar com o estudo em pauta, conforme
Lopes e Galvão (2001, p.77). Para tanto, nesta pesquisa foram utilizadas
como fontes os discursos presentes nas obras que tratam sobre o objeto de
estudo, e que nortearam o desenvolvimento da pesquisa.

Logo, este artigo se tornou possível através das leituras que foram
realizadas, dentre elas: ‘Citizenship, nation, empire: The politics of history
teaching in England, 1870-1930’ (2015) de Peter Yandle, ‘The Right Kind of
History: Teaching the past in twentieth-century England’ (2011) de David
Cannadine, Jenny Keating e Nicola Sheldon e o artigo ‘”Let us remember
that we, too, are English”: Constructions of Citizenship and National Identity
in English Elementary School Reading Books, 1880-1914’ (1995) de
Stephen Heathorn. Nas obras citadas pode-se também identificar as
características do desenvolvimento do Ensino de História na Inglaterra
durante o Século XIX.

Quanto ao quadro teórico utilizado neste artigo, buscamos compreender o


conceito de livro de leitura conforme foi apresentado por Bittencourt (2008)
e por Galvão (2009), bem como fazer um contraponto entre os conceitos
concebidos na primeira parte deste texto. No tocante ao termo conteúdo
substantivo, toma-se por base a definição proposta por Freitas (2010), ou
seja, as terminologias didáticas que se dão aos acontecimentos. Conforme o
autor: “Se mesclarmos a nomenclatura utilizada por Hilary Cooper (2002) e
Peter Lee (2005), veremos que essas duas ordens de conceitos históricos
são chamados, respectivamente, de conceitos substantivos – termos que
medeiam a compreensão do mundo no tempo [...].” (FREITAS, 2010, P.
197).

Desde já, clarificamos que a pesquisa em sua totalidade encontra-se em


seus passos iniciais, e por este motivo as informações que constam no
desenvolvimento deste artigo são parciais, mas que constituem parte Aprendendo
imprescindível para o andamento da pesquisa. História:
VISÕES E
Esta totalidade que iremos desenvolver faz parte do projeto em que tem por DEBATES
objetivo geral comparar duas realidades opostas, o Brasil e a Inglaterra, na Página | 123
segunda metade do século XIX. Para tanto, serão investigadas as teorias
pedagógicas supostamente presentes nos livros de leitura; os conteúdos
substantivos, ao qual se pretende catalogar a partir dos livros de leituras
previamente selecionados que serão utilizados como fontes; e a possível
construção de identidade nacional a partir dos livros de leitura.

Na primeira parte deste artigo trataremos do conceito de livro de leitura,


atribuído por autores brasileiros, e como o livro de leitura é visto por
autores que nos baseamos para dialogar durante o artigo. Pretendemos
também discutir sobre para quem eram destinados os livros de leitura e
com qual finalidade. Na segunda parte correlacionaremos o livro de leitura
com o Ensino de História na Inglaterra e a sua importância no processo de
tornar a História legal no currículo das escolas elementares inglesas, como
também apresentaremos os conteúdos substantivos que foram perceptíveis
nas leituras de obras que tratam sobre o livro de leitura.

O que era o livro de leitura?


Durante a primeira metade do século XIX no Brasil, a produção de
instrumentos didáticos era muito escassa. Mas foi a partir da aplicação de
novos métodos que, então, notou-se a necessidade de novos e mais
adequados instrumentos didáticos. Então, antes dos livros didáticos serem
produzidos e se tornarem importantes para o ensino, em um primeiro
momento, como manual do professor e em um segundo momento como
instrumento direcionado para o aluno, a falta de recursos didáticos levou ao
uso de outros materiais, como nos exemplifica Galvão e Batista (2009):

“Até meados do século XIX, os livros destinados explicitamente ao ensino


da leitura praticamente inexistiam nas escolas. Várias fontes, como relatos
de viajantes, autobiografias e romances indicam que textos manuscritos,
como documentos de cartório e cartas, serviam de base ao ensino e à
prática da leitura corrente.” (BATISTA; GALVÃO, 2009, P. 76)

Com o desenvolvimento de novos instrumentos, em meados do século XIX


no Brasil, tem-se o exemplo dos livros didáticos. Esses, inicialmente, foram
produzidos através da tradução da produção estrangeira (Ex.: França, Itália
e Inglaterra), mas que através de uma revolução de ideias que ocorreu no
Brasil na segunda metade do século XIX, ainda no Brasil Império,
posicionadas pelos liberais, passou-se a produzir livros didáticos
inteiramente brasileiros, ou seja, escritos pelos educadores brasileiros e
para o povo brasileiro.
Com a busca por inovações didáticas, perante a necessidade que surgiu
através das inovações das metodologias pedagógicas, produzem-se os
livros de leitura já na segunda metade do século XIX. Esses eram, então,
um instrumento de alfabetização e de formação de visão de mundo, como
Aprendendo informa Rebeca Gontijo, no capítulo dois presente no livro ‘A história na
História: Escola: autores, livros e leituras’ (2009):
VISÕES E
DEBATES “No fim do século XIX e início do XX, a expressão livro de leitura servia para
Página | 124 designar as obras destinadas ao aprendizado da língua nacional e à
aquisição de conhecimentos e regras de moral considerados úteis à
socialização do indivíduo. Fundamentalmente, o livro de leitura dá ênfase à
transmissão de valores, ideias e concepções de mundo. Sua leitura deve
ser, sobretudo, prazerosa, de modo a despertar na criança o gosto pelo ato
de ler.” (GONTIJO, 2009, P. 50)

Através da breve introdução sobre o livro de leitura no Brasil é perceptível


que os livros eram voltados para o ensino da língua nacional e da
transmissão de valores. A conceituação do livro de leitura, no entanto,
segundo Bittencourt (2008, P. 43), é de difícil conceituação e embasando-se
em Arroyo (1968) aborda que a separação dos livros para diversão e o livro
para estudo não é fácil de distinguir.

Já com Galvão (2009) o livro de leitura é “identificado como aquele sobre o


qual se apoiava a própria atividade de leitura que ocorria na escola, seja
para aprender a ler ou exercitar as habilidades de leitura que ocorria na
escola [...]” (GALVÃO, 2009, p. 107).

De acordo com o estudo em andamento, a caracterização em que Galvão


(2009) aborda é a que será levada adiante neste artigo, pois aqui
buscaremos entender os livros de leitura que eram utilizados em escolas
com fins próximos do que Galvão (2009) nos aponta. E ao definirmos o local
da sua utilização, escola elementar inglesa, sabemos que o que será
levantado durante o artigo são informações que estejam vinculadas aos
livros de leitura à escola elementar com objetivo didático. Dito isto, temos
como referência o conceito de livro de leitura que nos ajudará a entender o
que era o livro de leitura na Inglaterra.

No período estudado, 1870 a 1901, o livro de leitura na Inglaterra era um


instrumento didático elaborado com conteúdos voltados à alfabetização, ao
qual pertenciam a uma coleção, e tais coleções poderiam chegar até em
cinco ou sete volumes, e os conteúdos presentes em cada volume eram a
cada ano mais avançados, acompanhado o crescimento das jovens crianças.
Este mesmo estilo didático é encontrado no Brasil até a entrada do século
XX, e como já citamos, voltados também à alfabetização das crianças.

Na totalidade da pesquisa iremos utilizar o terceiro volume da coleção que


visava contar histórias históricas – stories historical. Assim, podemos
constatar que estes livros de leitura buscavam tratar a história – history – a
partir de histórias – stories – e não fatos secos, ou seja, fatos históricos que
visam somente à memorização, como se faziam nos Textbooks – livros
didáticos.

Além de visar à alfabetização, o propósito era principalmente que as


crianças das classes trabalhadoras se espelhassem nessas histórias, como
podemos ver em Heathorn (1995). O mesmo demonstra como que na Aprendendo
escola elementar inglesa as crianças da classe trabalhadora – Lower Class – História:
, era importante ensinar essas crianças a cidadania e a identidade Anglo- VISÕES E
saxã. DEBATES
Página | 125
Bem como é pontuado que entre 1870 e 1914 era importante ensinar para
as crianças a cidadania como um todo, como uma sociedade unida, para
que a criança reconhecesse a sua nação como todos iguais. Este fato nos
aponta uma questão racial muito forte e presente nas leituras dos livros de
leitura que ocorriam na escola elementar, assim como a ideia de orgulho
disseminado por meio das leituras.

É de muita importância citar quando Heathorn (1995) nos mostra a


diferença entre as upper-class e a lower class ou working-class:

“However, a critical difference was that while upper-class children were


inculcated with the “imperial ethic” because they would one day form the
governing and administrative class of the empire, working-class children
were informed of their fortunate heritage in terms which pointed to their
essential solidarity and harmony, if not equality, with the managers of the
imperial project.” (HEATHORN, 1995, P. 408)

Portanto, constatamos que o livro de leitura na Inglaterra era um


instrumento didático voltado para a alfabetização e quando voltado para a
escola elementar inglesa o seu propósito, segundo Heathorn (1995), era
modificado para ensinar somente as crianças da classe trabalhadora sobre o
orgulho que devem ter da pátria, o reconhecimento dentro dela, sobre
valores civis e morais, com o intuito de torná-los bons e obedientes
cidadãos.

Livro de leitura para o Ensino de História na Inglaterra:


O Ensino de História passou por muitas transformações até chegar em 1901
e tornar-se legal no currículo da escola elementar, ou seja, tornar-se
obrigatória através do Balfour Act de 1902, e este fato pode ser visto no
livro de Cannadine, Keating e Sheldon (2011).

Uma das transformações mais importantes foi a supressão do payments by


results em 1890 (CANNADINE, KEATING, SHELDON, 2011, P. 18), pois
como o estudo histórico era somente decorar fatos cronologicamente e os
alunos não conseguiam se sair bem nos exames aplicados por um
supervisor, isto acarretava na desvalorização do saber histórico, como fica
claro na seguinte citação:

“The Revised Code of 1862 not only introduced the compulsory teaching of
the 3 'R's - reading, writing and arithmetic - but introduced a system of
payments by result. Schools received payment for children passing exams
in these and other subjects. The teaching of subject-specific history had
been castigated before the Code, and continued to be criticised after its
introduction.” (YANDLE, 2015, P. 22. Tradução nossa)

Aprendendo A situação citada acima perdurou por décadas, até o momento em que se
História: passou a ver o Ensino de História com uma função atrelada aos interesses
VISÕES E do Estado. Para tanto, a valorização do ensino de história na Inglaterra não
DEBATES foi uma particularidade, mas sim, foi uma “(…) part of a broader parttern
Página | 126 across the western world.” (CANNADINE; KEATING; SHELDON, 2011, P. 19.
Tradução nossa).

Entretanto, é importante ressaltar que a valorização do ensino de história


ocorreu por diversos motivos ao se analisar a história do ensino de história
de diferentes países. Como exemplo de comparação temos o Brasil, que a
valorização do ensino de história, e até mesmo pode-se falar do uso do livro
de leitura, ocorreu com o florescer da Primeira República, momento em que
se pretendia criar um sentimento nacional, uma identidade nacional, como a
criação de datas comemorativas, do hino, etc.. Percebemos, então, que
havia a necessidade de criação de fatos históricos puramente nacionais.

Já na Inglaterra, como os mesmos autores informam, houve mudanças no


contexto econômico e social, neste caso a Segunda Revolução Industrial, no
qual se pensou ser necessário incutir “(…) a shared sense of national
indentify, national loylaty, na national pride” (CANNADINE; KEATING;
SHELDON, 2011, P. 19), ou seja, na Inglaterra buscava-se uma reafirmação
de sua nacionalidade. O que se pode também relacionar com a ameaça a
supremacia econômica britânica.

Então, a partir deste momento, o objetivo do ensino de história passou a


ser, explicitamente, inculcar o enlightened views, grosso modo ‘visão
iluminada’, como nomeia Peter Yandle (2015) em sua obra. Ainda de acordo
com o autor, tal termo significa a visão de orgulho que se deve ter dos
grandes homens do passado e dos seus legados, o que também se conecta
com o que já foi apontado na primeira parte do artigo com Heathorn
(1995).

Como já foi brevemente citado, para quem eram destinados os livros de


leitura? Em um momento em que vigorava a educação em massa, onde os
filhos de trabalhadores, aos poucos, teriam que frequentar a escola, isso
através da Compulsory School (GOUVÊA, 2013, P. 288), os livros de leitura
passaram a ser direcionados para estas crianças da escola elementar
visando a alfabetização.

Além deste intuito citado, a produção do livro de leitura, mencionando


somente os direcionados para o Ensino de História, buscava desenvolver o
sentimento patriótico, cidadão com boas atitudes tanto na sua vida pública,
quanto na sua vida privada. E em torno disto aprendiam a história do seu
país sem a necessidade de memorização de fatos. Logo, o livro de leitura
com conteúdo histórico era direcionado para crianças da escola elementar
inglesa, com o intuito de alfabetizar, desenvolver sentimento patriótico,
valor moral e cívico.

Agora quais os conteúdos substantivos que podemos citar? Nos livros de


leitura produzidos para atender ao público da escola elementar, a
abordagem geralmente são sobre heróis ingleses, os reis e suas histórias, Aprendendo
sobre a própria Inglaterra e os Anglo-saxões. Como Yandle (2015) aponta, História:
através destes livros sobre heróis seria possível disseminar aquilo que VISÕES E
marca o Enlightened Patriotism “(...) values of fair play, courage, self- DEBATES
sacrifice, obedience, love of liberty and a devotion to Christianity.” Página | 127
(YANDLE, 2015, P.119).

A partir de 1880 foi disseminada a ideia da utilização dos heróis nos livros
de leitura e os conteúdos substantivos mais tratados são Alfred, Harold,
Eleonor of Castile, Drake, Philip Sidney e Nelson e Florence Nightingale.
Todos estes são heróis tratados nos livros de leitura. Outros exemplos
percebidos na literatura são: a História da Inglaterra, Anglo-saxões,
expansão colonial, etc..

A partir desses conteúdos substantivos, percebemos a forte presença da


história na construção dos livros. Os heróis citados têm em comum a
coragem para proteger a nação, mesmo que isto custe à vida. Por exemplo,
Eleonor deu a própria vida para salvar o seu marido, Edward I, permitindo
que o mesmo continuasse sendo o rei.

E quanto aos conteúdos substantivos citados: História da Inglaterra, Anglo-


saxões e expansão colonial, estes serviriam para instigar o orgulho da sua
nação e dos seus ancestrais, por tudo o que fizeram pela pátria.

Portanto, neste breve levantamento vimos a importância dos livros de


leitura voltados para o ensino da história e como os livros deveriam
responder aos interesses do Estado formando cidadãos da working-class.
Além disto, podemos perceber como os interesses em volta da alfabetização
e da inculcação de valores auxiliou no processo de tornar a História legal no
currículo das escolas elementares inglesas.

Conclusão
Neste artigo percebemos que o Ensino de História na Inglaterra teve um
desenvolvimento lento e foi prejudicado ainda mais pela forma em que foi
proposta a organização escolar durante a segunda metade do século XIX,
principalmente entre a década de 60 a 80, momento em que é extinto o
payments by results, pois, até este momento, não pensavam na História
como um veículo importante para formação das crianças.

Com as mudanças sociais e econômicas que o país presenciou, percebeu-se


que os livros de leitura com conteúdo histórico não somente serviriam para
alfabetizar, como também para poder inculcar valores morais, cívicos e
patrióticos nas crianças da escola elementar, pois os livros de leituras foram
instrumentos didáticos constituídos por histórias em que promoviam as
ideias imperiais.
Aqui priorizamos os Reading books utilizados na escola elementar inglesa,
que segundo Heathorn (1995), quando estes livros eram utilizados nestas
escolas, o seu propósito de inculcar tais valores nestas crianças da classe
trabalhadora era voltado para que as mesmas tivessem orgulho pátrio, e
Aprendendo que se reconhecessem dentro dela, atuando como um bom cidadão com o
História: que aprendeu sobre valores cívicos e morais, e que fossem obedientes.
VISÕES E
DEBATES De certa forma, esse objetivo pode ser visto como uma forma de manter a
Página | 128 classe trabalhadora satisfeita com o seu papel na sociedade. Enquanto isso,
nas Upper-class as crianças eram ensinadas de forma que quando adultas
ocupassem cargos superiores. Aqui também apresentamos a importância do
livro de leitura voltado para o ensino da história, que passou a cumprir os
interesses do Estado em formar cidadãos da working-class.

Quanto as histórias presentes nestes livros, assim como vimos por meio dos
conteúdos substantivos apresentados, foi importante para se conseguir
atingir o objetivo. E o maior facilitador seriam as biografias de heróis,
geralmente heróis militares, que inspirassem as crianças e as deixassem
com vontade de ser como o herói apresentado na história, heróis que
auxiliassem a sua pátria.

Para concluir, toda a discussão que apresentamos neste trabalho nos


mostra que a valorização do ensino de história, que passou a ocorrer
durante este período na Inglaterra, teve o livro de leitura como um grande
aliado, o que auxiliou no processo de tornar a História legal no currículo das
escolas elementares inglesas.

Referência
Elizabeth de Souza Oliveira é aluna no mestrado em Educação da
Universidade Federal de Sergipe orientada pelo Professor Dr. Itamar Freitas.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes; DE OLIVEIRA GALVÃO, Ana Maria;


KLINKE, Karina. Livros escolares de leitura: uma morfologia (1866-1956).
Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro: ANPED, vol. 20, fascículo, p.
27 – 47. 2002.

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1910. 2008, p. 239.

CANNADINE, David; KEATING, Jenny; SHELDON, Nicola. The Right Kind of


History: Teaching the past in twentieth-century England. Basingstoke:
Palgrave Macmillan, Vol. 16, 2011, p. 306.

FREITAS, Itamar. Fundamentos teórico-metodológicos para o ensino de


História (anos iniciais). São Cristóvão: Editora UFS, 2010, p. 272.

GONTIJO, Rebeca. Coração: um diário, vários tempos e algumas histórias.


In: REZNIK, Luís; DE SOUZA MAGALHÃES, Marcelo; ROCHA, Helenice
Aparecida Bastos. A história na escola: autores, livros e leituras. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 49 – 65.
HEATHORN, Stephen. "Let us remember that we, too, are English":
Constructions of citizenship and national identity in English elementary
school reading books, 1880-1914. Victorian Studies, Toronto: Indiana
University Press, v. 38, n. 3, 1995, p. 395-427.

LOPES, Eliane Marta TEIXEIRA; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da


Educação. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2001, p. 115. Aprendendo
História:
SOARES DE GOUVÊA, MARIA CRISTINA. Escola compulsória inglesa: história VISÕES E
e historiografia. Revista Brasileira de Educação, v. 18, n. 53, 2013, p. 377- DEBATES
496. Página | 129

YANDLE, Peter. The politics of history teaching in England, 1870-1930.


Manchester: Manchester University Press, 2015, p. 244.
O ENSINO DE HISTÓRIA E AS DIRETRIZES CURRICULARES
NACIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA LEITURA EMANCIPATÓRIA
Emanuela de Moraes Silva

Aprendendo Quando falamos de Ensino de História, logo nos vem à cabeça a imagem da
História: sala de aula. E não há nada mais diversificado do que um sala de aula, que
VISÕES E em média comporta entre 30 a 40 alunos, todos diferentes entre si, em
DEBATES vários aspectos sociais e culturais e que, no entanto, estão designados num
Página | 130 mesmo espaço e em tese, para os mesmos fins: apreender processos
históricos, valores éticos e cidadania, transmitidos pelo professor e que, ao
fim do ano, possam progredir tanto nas séries escolar, quanto na vida
enquanto pessoas-cidadãos. Então, como o professor pode trabalhar com
um conjunto de alunos tão diferentes em suas especificidades?

Uma primeira problemática que logo localizamos refere-se ao seguinte


tema: como o professor de História, diante de grandes diferenças, pode nos
auxiliar a trabalhar questões como respeito e compreensão do Outro, da
diferença e da alteridade?

Quando nós pensamos em compreender o outro, quando nós intentamos


em ir ao outro não vamos para conhecê-lo, mas ao pensar o outro,
começamos a desconfiar de si mesmos. A ideia de alteridade é, sobretudo
de relação ao compreender o outro, você está alterando a você mesmo. Ao
compreender o outro estamos alargando o nosso próprio Eu, e leva,
sobretudo, a uma profunda desconfiança dos nossos próprios valores
construídos socialmente.

Neste trabalho, buscamos nas entrelinhas das Diretrizes Curriculares


Nacionais, algumas respostas para uma educação equânime, tentando
compreender a noção de diversidade, respeito, diferença, sejam elas nas
dimensões físicas, ideológicas, étnicas, culturais, religiosas e de gênero.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (utilizaremos aqui a


sigla DCN’s) são normas que regem e orientam o currículo escolar no Brasil.
Ele tem como finalidade a garantia da promoção da igualdade na
aprendizagem, propondo e orientando uma base comum dos conteúdos e
do currículo escolar. As DCN’s vêm com intuito de assegurar que o ensino
básico tenha uma base nacional comum, para que a formação dos alunos
seja realizada de maneira igualitária, em todas as escolas do país,
respeitados as especificidades e contextos sociais de cada região do país.
Como fonte norteadora, as DCN’s dão às escolas e aos professores uma
autonomia no planejamento do currículo e da seleção de seus conteúdos:

“Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação


Básica visam estabelecer bases comuns nacionais para a Educação Infantil,
o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades
com que podem se apresentar, a partir das quais os sistemas federal,
estaduais, distrital e municipais, por suas competências próprias e
complementares, formularão as suas orientações assegurando a integração
curricular das três etapas sequentes desse nível da escolarização,
essencialmente para compor um todo orgânico.” (BRASIL, 2013, p. 7)

O documento das DCN’s é formado por um conjunto de textos de orientam


professores e gestores a cumprirem os seguintes objetivos: sistematizar os
princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na Constituição, Aprendendo
na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que História:
contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como VISÕES E
foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; estimular a reflexão DEBATES
crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação Página | 131
do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica; orientar os
cursos de formação inicial e continuada de profissionais – docentes,
técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos
diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da
rede a que pertençam.

Dando mais especificidade aos objetivos das DCN’s, os textos abordam os


seguintes temas: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica; Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil; Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
(nove) anos; Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio;
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de
Nível Médio; Diretrizes da Educação do Campo; Diretrizes Operacionais para
o atendimento educacional especializado na Educação Básica, na
modalidade Educação Especial; Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta
de Educação para Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade
nos estabelecimentos penais, Diretrizes Operacionais para a Educação
Jovens e Adultos (EJA), Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Escolar Indígena, Diretrizes para atendimento de educação escolar de
crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância, Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Diretrizes Nacionais
para a Educação em Direitos Humanos e Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Ambiental.

Neste primeiro momento, elencamos o texto geral das DCN’s para, numa
análise mais crítica, tentarmos compreender como esta Diretriz age no
tocante às relações de diversidade em que nosso país é formado.
Reiterando que estamos num momento histórico de renovação de nossas
práticas de ensino, novas abordagens e perspectivas, reconhecendo e
afirmando as diferenças e as múltiplas identidades do Brasil.

Segundo Abreu e Matos (2008, p. 6) as determinações legais são fruto do


encontro de múltiplas intenções e vontades. Os documentos finais nesse
tipo de processo são, antes de tudo, o resultado de muita negociação. Neste
sentido, o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental não foge desta perspectiva.
Em seus fundamentos, as DCN’s indica que o Ensino Fundamental é
resultante de uma luta travada pelos diferentes grupos sociais,
principalmente aos setores populares onde a luta por esse direito está
diretamente ligada ao exercício da cidadania, “uma vez que a educação
como processo do potencial humano garante o exercício dos direitos civis,
Aprendendo políticos e sócias” (BRASIL, 2013, p. 104). Esse processo de formação de
História: um “potencial humano”, nos leva a crer que a educação tem como um dos
VISÕES E objetivos primordiais o acesso ao conhecimento que, consequentemente,
DEBATES nos leva a uma autonomia:
Página | 132
“É urgente afirmar esse horizonte emancipatório em todas as ações e
intervenções, nas políticas, nos livros didáticos, na formação de
professores, nas ações afirmativas etc. Se essas intervenções perderem
essa dimensão libertadora e emancipatória e se reduzirem a ações
integracionistas sem intervir no sistema e nas logicas e estruturas
excludentes ou nas logicas do mercado ou do sucesso perdem seu sentido
de origem.” (ARROYO, 2010, p. 118)

No entanto, como levar esta educação para uma postura mais democrática
para a escola, sabendo que ao longo de sua história tal sistema escolar se
estrutura como uma instituição reguladora e normatizadora? Segundo
Arroyo (2010, p.119) a escola tem sido e continua sendo extremamente
reguladora das instâncias da diferença, da diversidade dos povos e
reproduzindo uma espécie de marginalização. Regula o tempo de pesquisa,
o tipo de conhecimento que considera como legítimo, regula valores,
culturas, as memorias e identidades a partir de padrões universalistas. Tudo
isto sem construir um diálogo com a diversidade ou alteridade. As DCN’s
como projeto norteador do currículo escolar, apresentam em seu texto,
exatamente o oposto deste ideário regulamentador. Em relação aos direitos
civis, políticos, sociais e o direito à diferença, sejam culturais, étnico,
religioso, gênero, orientação sexual, ressalta-se:

“Nas últimas décadas, tem se afirmado ainda, como resultado dos


movimentos sociais, o direto á diferença, como também tem sido chamado
o direito de grupos específicos verem atendidas suas demandas, não apenas
de natureza social, mas também individual. Ele tem fundamento a ideia de
que devem ser consideradas e respeitadas as diferenças que fazem parte do
tecido social e assegurado lugar à sua expressão. O direito a diferença,
assegurado no espaço publico, significa não apenas a tolerância ao outro,
aquele que é diferente de nós, mas implica na revisão do conjunto dos
padrões sociais da sociedade, exigindo uma mudança que afeta a todos, o
que significa que a questão da identidade e da diferença tem caráter
politico. O direito à diferença se manifesta por meio da afirmação dos
direitos das crianças, das mulheres, dos jovens, dos homossexuais, nos
negros, dos indígenas, das pessoas com deficiência, entre outros, para que
de fato se efetivares, necessitam ser reconhecidos socialmente. (BRASIL,
2013, p. 105)”

Utilizaremos o conceito de Identidade como um fenômeno circunstancial,


alterativo, relativo e de uso extremamente político. Entendemos aqui como
a Identidade pode ser agenciada de acordo com determinados contextos. É
preciso trabalhar as identidades, diferenciando-as, porém, sem impor um
padrão único. E, a partir da compreensão de como essas identidades são
formadas e em quais contextos elas são construídas, é que segundo as
DCN’s, partimos para uma formação de um currículo multicultural. Mas,
aqui, reside uma questão: como fazer este exercício de identidade, sem Aprendendo
categorizar os sujeitos como superior e inferior? Nós que ainda somos História:
intolerantes com a diferença e tendemos a transformar tudo que não nos é VISÕES E
igual como “falta” (culturas que faltam isso, costumes que faltam aquilo). DEBATES
A construção identitária e a formação/ reformação da memória, com suas Página | 133
produções mais recentes, tem nos auxiliado a abordar esses conceitos a
seguir, de uma forma mais plástica. Nos últimos anos, porém, o conceito de
Identidade tem sido um campo de investigação para várias disciplinares.
Todas essas novas posturas criticam a ideia de uma identidade integral,
originária e unificada. Portanto, há uma nova compreensão sobre a
Identidade como um conceito “estratégico, onde as identidades dos sujeitos
se alteram ao longo do tempo, e estão cada vez mais fragmentadas e
fraturadas e multiplamente construída ao longo de discursos” (HALL, 2007,
p.108.). As identidades estão constantemente em processo de mudança e
transformação.

Nas DCN’s, a escola tem um papel primordial para a elaboração do currículo


escolar, e por sua vez, de identidades. De acordo com o contexto e as
experiências que a escola traz, buscando articular a experiência dos alunos,
seus saberes, suas histórias de vida. Partindo para um currículo
multicultural, temos uma abordagem:

“A perspectiva multicultural do currículo, leva ao reconhecimento da riqueza


das produções culturais e à valorização das realizações dos indivíduos e
grupos sociais e possibilita a construção de uma autoimagem positiva a
muitos alunos que vêm defrontando constantemente com fracasso escolar,
agravadas pela discriminação manifesta ou escamoteada no interior da
escola. Além de evidenciar relações interdependência e poder na sociedade
e entre sociedades e culturas, a perspectiva multicultural tem o potencial de
conduzir a uma profunda transformação do currículo comum” (BRASIL,
2013, p. 115)

Para Tomaz Tadeu da Silva (2009 p. 85) um currículo multicultural


caracteriza-se por não compreender as diferenças culturais fora das
relações de poder, como cita a DCN’s. Para além de um currículo que se
baseie nas propostas como de tolerância e respeito entre as diferentes
culturas, a abordagem crítica deste currículo multicultural é que, termos
como tolerância e respeito “implica uma certa superioridade de quem
mostra tolerância e a noção de respeito implica um certo essencialismo
cultural, pela qual as diferenças são fixas, devidamente estabelecidas,
restando apenas, respeitá-las”(SILVA, 2009,p.88).

Portanto, as propostas das DCN’s, como um documento normatizador do


currículo escolar nacional, nos orientam a trabalhar numa perspectiva
multicultural, que a partir de uma abordagem crítica, para além do ensino
do respeito e da tolerância, manter em constante debate essas questões
sobre a diferença, como são produzidas, qual contexto, evitando assim,
como já dito antes, essencialismo ou naturalizando as diferenças.

“A escola, face às exigências da Educação Básica, precisa ser reinventada:


Aprendendo priorizar processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos,
História: cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas,
VISÕES E culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar
DEBATES as formas de produção e de vida. A escola tem, diante de si, o desafio de
Página | 134 sua própria recriação, pois tudo que a ela se refere constitui-se como
invenção: os rituais escolares são invenções de um determinado contexto
sociocultural em movimento.” (BRASIL, 2013)

Acreditamos que é a partir dessas lacunas que podemos subverter a


instituição escolar reguladora, como um espaço de compreensão das
diferenças, como espaço de disputas dessas diferenças e que
constantemente se agenciam, se modificam e se alteram. E o Ensino de
História pode contribuir para esse aprendizado e respeito a diversidade? No
confronto com o processo histórico, os acontecimentos, as diferentes
formas de organização de sociedades e povos, contribuindo para enriquecer
o nosso próprio “mundo da vida” (termo utilizado frequentemente pela
fenomenologia) passamos a ter uma nova compreensão acerca do Outro.

Este Outro, não entra em nossa compreensão, passivos, como se


esperassem por “nós” para serem vistos ou ouvidos. Este Outro, antes de
tudo, é agente e autônomo. A relação que se dá entre o eu e o outro é de
compreensão múltipla, a compreensão passa a ser de via dupla, eu
compreendo o outro na medida em que sou compreendido e assim se dá a
situação relacional. Este estado de compreensão nos leva a um estado de
reflexão de nós mesmos.

Referências
Emanuela de Moraes Silva é mestre em Ensino de História pela
Universidade Federal do Tocantins.

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Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
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MEC, 2013. História:
VISÕES E
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

SCHWARCZ. Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e


questão racial no Brasil no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.

SILVA, Thomas Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma Introdução às


Teorias do Currículo. Autêntica: 2010.
TEORIA DA HISTÓRIA: O ENSINO E A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NA
APLICAÇÃO DE MAPA CONCEITUAL
Flávio Pereira Bastos

Aprendendo Diante das dificuldades, desvalorização e tensões que há no ensino da


História: disciplina de história, percebemos a importância de estabelecer
VISÕES E fundamentos que deem sentido para a prática do professor e sua relação
DEBATES com a comunidade escolar, isto é, a gestão pedagógica, estudantes e os
Página | 136 familiares responsáveis. Nesse sentido, o propósito deste trabalho é
apresentar uma apologia da história enquanto ciência e a aplicação de
tecnologia para os seus objetos de ensino a fim de enriquecer as aspirações
e objetivos a serem alcançados. Sendo assim, buscamos no autor Marc
Bloch em seu livro ‘Apologia da História ou o ofício de historiador’ uma
interrogação que nos faz refletir, a saber: para que serve a história? Este é
um ponto de partida para desenvolver teórica e metodologicamente a
difusão das características e significados quando se pensa em ordenar, dar
forma e tornar significativo um conjunto disperso de experiências e das
vivências dos fatos. Portanto, o historiador ou professor de história “deve
saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes” (BLOCH, 2001, p.
41). A partir desta frase, vamos desenvolver o conceito de “consciência
histórica” que possibilita a relação entre uma identidade e dever (ações) ao
sujeito que é conduzido a uma expectativa futura, uma história vivida e
percebida. Para isso, faremos uso do livro ‘Ensino de história e consciência
histórica’ do autor Luis Fernando Cerri (2011), com intuito de demonstrar a
capacidade de ensinar a “ciência histórica e a consciência histórica” que
proporciona uma autonomia de reflexão do ser humano dentro de seu
tempo e espaço.

Significado de consciência histórica para o ensino de história


A priori, ao pensarmos em consciência histórica, não podemos compreender
como sendo certo tipo de fomento ou produção de “lembranças” nas
memórias das pessoas, com abstrações e utopias insignificantes,
desvinculadas de fatos e contextos da vida, pois, inclusive, a memória
transita entre o espaço de experiência e horizonte de expectativas dentro
de uma função de orientação. Todavia, esta não é a definição para a
consciência histórica dentro de sua ciência onde apresenta objetivos que
permeiam características humanas. E que objetivos são esses? A princípio,
revelam-se vários objetivos, que adentram nas identidades históricas,
nacionais, individuais, coletivas e sociais, que são produtos de análises de
problemas que surgem a partir de desqualificações, despolitização, crise
identitária, seja de gênero ou classe social, ausência de reconhecimento
nacional e indiferença de um trabalho historiográfico que busque
potencializar o espírito cívico, formação para a cidadania e valorização de
personalidades. Sendo assim, qual o papel ou sentido do ensino escolar de
história? O autor Cerri faz algumas indagações significativas para mostrar a
importância de uma reflexão mais profunda na prática deste ensino, diz ele:

“como formar autenticamente a identidade do aluno, na ausência de uma


identidade global, sobreposta a todas as outras, como era o caso da
identidade nacional? Claro que o nacionalismo continua tendo o seu papel,
mas, no presente momento, ele é temperado por outros clamores
identitários, e o bom cidadão não é aquele que apoia o governo,
entendendo-o como encarnação da nacionalidade. Pelo contrário, ir contra
governos, não raros, é um ato de civismo! Mas como formar esse civismo
diante da necessidade acadêmica de ensinar também as mazelas e Aprendendo
dilacerações da história nacional? Como assumir a identidade nacional, História:
como amar o país ao mesmo tempo em que se compreende todo o drama, VISÕES E
as desonestidades e as violências que estão presentes até hoje, ainda que DEBATES
enterradas junto com seus alicerces? Como é que se aprende a amar a Página | 137
nação e, ao mesmo tempo, ser atento, questionador, portador da dúvida e
da desconfiança que formam o senso crítico?” (CERRI, 2011, p. 109-110).

Nesse sentido, tais problemas levantados podem ser considerados como


uma oportunidade de potencializar o espírito cívico, a sensibilidade em
relação às causas históricas, à compreensão da dinâmica do tempo, à
coesão social, visto que “o fazer história” está intrínseco, também, na
profundidade do presente, pois “a educação da sensibilidade histórica nem
sempre está sozinha em questão. Ocorre de, em uma linha dada, o
conhecimento do presente ser diretamente ainda mais importante para a
compreensão do passado” (BLOCH, 2001, p. 66). No entanto, a partir desta
verificação, definimos o que seria o “ensino de uma consciência histórica”
dentro de um panorama complexo de ações que buscam subordinar e
relativizar a disciplina de história como algo “dominador ou doutrinador”.
Deste modo, buscamos a definição de Rüsen (1992), “a consciência
histórica é pré-requisito que faz a mediação entre a moral, nossa ação,
personalidade e orientações valorativas”. Assim, vemos um campo de
domínio da história para ensinar a aprender, a verificar os valores e
características do passado, interpretá-lo, despertar competências para a
construção de conhecimentos que deem sentidos históricos e
contextualizados para os estudantes, ou seja, tudo isso faz parte da tarefa
relacional entre o professor e o estudante capaz de mediar essas
aprendizagens.

Portanto, aprofundando na tarefa de definir o “ensino e a consciência


histórica” no âmbito escolar, pontuamos que conscientizar não é dominar ou
impor algo, pelo contrário, essa conscientização está intimamente ligada ao
processo relacional, de diálogos, debates, discussões, contrapontos, com o
objetivo de ampliar a capacidade crítica, a percepção e a identidade cidadã.
Pois, primeiro, os alunos não vêm para as escolas desprovidos de razão,
preconceitos, imaginários e mentalidades socialmente construídos dentro de
seus contextos, seja familiar ou comunitário, mas, sim, vindos exatamente
com essas orientações e características previamente determinadas, onde,
ao chegar às salas de aula, demonstram e expõem essas experiências de
modo profundo, necessitando de um confronto de ideias para sair de seu
nicho estático e produzir sentidos históricos dentro das narrativas
orientadas e discutidas. No entanto, isso pode ocorrer à medida que a
competência de orientação e interpretação esteja qualificada para buscar o
conhecimento do passado, interrogá-lo, para nele encontrar respostas para
questões atuais e, além disso, despertar a presença do passado coletivo, a
significação de tempo e da história como memória vital na vida dos alunos.

Aplicação Tecnológica no Ensino/Aprendizagem: Mapas Conceituais


Seguimos, neste momento, para a reflexão dentro dos campos práticos
Aprendendo pedagógicos e didáticos, de ferramentas ou mecanismos que atendam as
História: necessidades vigentes, assim como daquele que ensina e daquele que
VISÕES E aprende. No âmbito educacional existem diversas propostas e estratégias
DEBATES de intervenções para sanar ou minimizar dificuldades, resultados negativos
Página | 138 e, até mesmo, uma busca de criar unidade teórica para estabelecer um
modelo fixo, inflexível e burocrático a fim de moldar características de
disciplinas, conteúdos, ensinamentos e aprendizagens. Contudo,
enfatizamos a compreensão de avanços tecnológicos, que não se prendem
apenas em ofertas eletrônicas, mas, sobretudo, na possibilidade de facilitar
e abrir caminhos para as diversificadas formas de tecnologias e demandas
existentes no dia a dia escolar.

No entanto, apresentamos um modo de ver e fazer na prática do ensino


escolar, a saber: a noção do “mapa conceitual”, como sendo um meio para
atingir determinados fins, que são observados empiricamente através das
relações professor-aluno, assim como na tarefa de apresentar o objetivo
central e os específicos de acordo com a realidade apresentada. Nesse
sentido, articulamos o conceito de consciência histórica relacionado com a
utilização do mapa conceitual como uma ferramenta que oferece outras
formas de dimensão de “sentido” nos ensinamentos dos conteúdos como,
por exemplo, experiências educativas que provoquem reflexão e a busca de
compreensão dos conceitos, a interpretação adequada de acordo com o
contexto aplicado dos conteúdos nos mapas, além da possibilidade de
ampliar a avaliação das especulações e interrogações feitas pelos alunos,
assim como a construção do conhecimento, por intermédio dos termos de
ligações dentro das dinâmicas do ensino/aprendizagem. Por conseguinte,
definimos o mapa conceitual como sendo entendido por uma proposição
teórica e de metas que são estabelecidas anteriormente e antes de ser
aplicada de forma espontânea, sem clareza teórica e metodológica, pois,
sendo assim, ela permite ser defendida como uma técnica de
ensino/aprendizagem. Cumpre aqui ressaltar algumas características
demarcadas por esse modelo, a saber:

“a) ser centrado no aluno e não no professor; b) atender ao


desenvolvimento de habilidades e não se conformar apenas com a repetição
memorística da informação por parte do estudante; c) pretender o
desenvolvimento harmonioso de todas as dimensões da pessoa e não
apenas as intelectuais” (ONTORIA, 2005; MOREIRA, 2006).

Deste modo, o que se levanta é a questão de que se o ensino tem sido


qualificado como útil, permanente, eficaz e solucionando problemas de
aprendizagens. Acontece que, no entanto, é necessário considerar os
métodos que estão ligados ao sentido, significado e a profundidade dos
interesses e contextos que possam estar em oculto nas relações
educacionais, que se concentram, também, nos projetos políticos
pedagógicos. Assim, “a análise crítica da matéria de ensino deve ser feita
pensando no aprendiz, pois de nada adianta o conteúdo ter boa organização
lógica, cronológica e epistemológica, e não ser psicologicamente aprendível”
(MOREIRA, 2006).

A aprendizagem significativa subordina-se a quatro princípios: diferenciação Aprendendo


progressiva, reconciliação integrativa, organização sequencial e História:
consolidação (MOREIRA, 2006; ONTORIA, 2005). Em síntese, destacamos o VISÕES E
primeiro princípio como aquele que abrange conceitos amplos ou DEBATES
generalizados, capazes de ser apreendidos de forma mais facilitada e Página | 139
também, por outro lado, existem aqueles conceitos hierarquizados, que
necessitam de um desenvolvimento cognitivo mais progressivo para a
absorção do conhecimento e, portanto, um complementa o outro através da
diversidade de ideias que são difundidas ao longo do processo de
aprendizagem. O segundo princípio refere-se ao modo como é formado,
organizado e reproduzido as instruções, os conceitos, buscando harmonizar
ideias conflituosas e facilitar a identificação das divergências e
convergências no contexto educativo. No terceiro princípio, a organização
sequencial se dá pelo processo contínuo de compreensão e apropriação de
conteúdos. Por fim, o quarto princípio, a consolidação estabelece a
capacidade técnica do domínio de seu objeto de ensino, isto é, saber
profundamente e significativamente aquilo que está sob o seu controle de
conhecimento.

Após apresentar algumas características e definições teóricas,


metodológicas e estratégicas, avançamos para destacar a aplicação
específica de um modelo de ensino/aprendizagem proposto, ou seja, o
mapa conceitual e a consciência histórica. Esta apresentação irá se
concentrar no desenvolvimento da prática do ensino de disciplinas escolares
dentro das capacidades técnicas e metodológicas de um mapa conceitual.
Em tese,

“os mapas conceituais, compreendidos como diagramas hierárquicos que


indicam relações entre conceitos. Mais especificamente, podem ser
interpretados como diagramas hierárquicos que procuram refletir a
organização conceitual de uma disciplina ou parte dela” (MOREIRA, 2006, p.
45-46).

Assim, nos mapas há uma esquematização que interligam, no interior de


“caixas” em formas geométricas, linhas inseridas por frases explicativas,
buscando esclarecer e representar os ensinamentos temáticos. Visto isso,
aparece uma possibilidade de configurar o mapa conceitual de maneira
organizacional, buscando coerências entre os enlaces (ligações). Exemplo
de esquematização:
CONCEITOS GERAIS E INCLUSIVOS

(ordenados)

CONCEITOS INTERMEDIÁRIOS CONCEITOS INTERMEDIÁRIOS

(subordinados) (subordinados)
Aprendendo
História: (Enlaces) (Enlaces)
VISÕES E (Enlaces) (Enlaces)
DEBATES
CONCEITOS ESPECÍFICOS CONCEITOS ESPECÍFICOS
Página | 140
(pouco inclusivo) (pouco inclusivo)

De acordo com este esquema exemplificado, destacamos as


particularidades destacadas dentro da configuração do mapa conceitual,
com o objetivo de demonstrar possíveis articulações didáticas para o ensino
da disciplina. Sendo assim, explanamos como acontece o funcionamento
deste esquema a partir das palavras de enlaces, ou seja, os termos
utilizados que farão ligações entre os conceitos a fim de unir e tornar
significativo e elucidativo, de forma enfática e objetiva, a aprendizagem dos
conteúdos. Contudo, este modelo experimentado pode impactar o aluno e
mobilizá-lo no planejamento e monitoramento dos seus pensamentos,
desenvolvendo e conhecendo funções cognitivas e emotivas frente ao objeto
estudado. Portanto, percebemos que os mapas conceituais aplicados como
tecnologia de ensino, por exemplo, no domínio da consciência histórica
dentro da disciplina de história, tem o propósito de provocar interesses,
reflexões, identificações e atender necessidades específicas dentro de um
amplo campo de abordagem, que pode ser estruturado, diferenciado,
relacionado e integrado a conceitos de determinada unidade de estudo,
tópico ou disciplina, assim como promover adequação, articulação,
flexibilização e gestão de uma “contextualização curricular”.

Fig. 1
http://www.scielo.br/img/revistas/edur/v26n3/a10fig10.jpg
Por fim, com base no ensino, consideramos uma definição da palavra em
sua raiz etimológica, “ensinare”, que se define como “sinais de dentro”, ou
seja, analisar os processos de ensino é propor e cativar um desvelar, um
reconhecimento, uma descoberta daquilo que está sendo sinalizado
continuamente, aguardando para ser despertado à luz do conhecimento. Aprendendo
História:
Referências VISÕES E
Flávio Pereira Bastos é graduando em Licenciatura em História pela DEBATES
Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e membro do Núcleo de Teoria e Página | 141
Ensino de História, orientado pelo Prof. Dr. Leandro Couto Carreira Ricon.
Agradeço ao meu amigo Lucas Ventura da Silva, também estudante de
História, por todo incentivo em produções acadêmicas.

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Organização


e Tradução: LE GOFF, Jacques; SCHWARCZ, Lilia; TELLES, André. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica:


Implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro:
FGV, 2011.

MOREIRA, M. A. A teoria da aprendizagem significativa e sua


implementação em sala de aula. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.

ONTORIA, A. Mapas conceituais: uma técnica para aprender. São Paulo:


Loyola, 2005.

RÜSEN, Jörn. El desarollo de la competência narrativa en el aprendizaje


histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la consciencia moral.
Propuesta Educativa, Buenos Aires, n. 7, p. 27-36, 1992.

SOUZA, Nadia Aparecida; BORUCHOVITCH, Evely. Mapas Conceituais:


Estratégia de Ensino/Aprendizagem e Ferramenta Avaliativa. Educação em
Revista, v. 26, n. 03, p. 195-218, 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/edur/v26n3/v26n3a10. Acesso em: 04 mar. 2019.
A INCIDÊNCIA DO MAL-ESTAR DOCENTE ENTRE OS PROFESSORES
DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Gabriela Alves Monteiro

Aprendendo Introdução
História: O presente texto visa discutir os fatores que mais influenciam a incidência
VISÕES E do mal-estar docente entre os professores de História da educação básica.
DEBATES Para tanto, um questionário foi aplicado junto a 21 professores que
Página | 142 lecionam na cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí, Brasil.

A questão do mal-estar docente recebeu substancial interesse acadêmico ao


longo dos últimos anos. A análise da literatura sobre o tema permitiu
perceber que alguns pesquisadores buscaram discutir os fatores
responsáveis pela presença do mal-estar sugerindo formas para o alcance
do bem-estar. Nesses estudos, observou-se a existência de uma sobrecarga
de tarefas atribuídas aos docentes, além de outras dificuldades que se
apresentam como constantes e crescentes e que acabam cercando as
condições de formação e de trabalho dos professores (SAMPAIO; MARIN,
2004).

Schmidt (1998) já havia apontado que há muito se fala da rudeza do ofício


de professor e que isso se aplica com pertinência ao professor de História.
Com relação a esse aspecto, observa-se que “formado, o professor de
História, como tanto outros, envolve-se com encargos familiares, com a luta
pela sobrevivência e quase sempre não dispõe de tempo e nem de dinheiro
para investir em qualificação profissional” (SCHMIDT, 1998, p. 55). Ele
convive com a insegurança e a defasagem entre sua própria formação e o
aceleramento contínuo dos novos estudos e pesquisas do conhecimento
histórico. Para essa pesquisadora, a imagem do professor de História é
também ambígua: oscila entre o sacerdote, uma espécie de detentor do
conhecimento do passado e o militante, uma espécie de líder revolucionário.

Destacamos que no contexto atual, em que assistimos o avanço político da


direita no país, o professor de História vem perdendo status social e a
imagem do profissional dessa área é, muitas vezes, tachada de
“doutrinadora” e/ou “esquerdista”, numa perspectiva negativa dos termos.
Entre imagens e representações construídas sobre o professor de História
no Brasil, o que se observa é que seu processo de formação e as suas
condições de trabalho continuam marcadas pelas dificuldades, pela falta de
recursos físicos e materiais e pela falta de verbas (CERRI, 2013). Além
disso, os constantes embates educacionais, como o controverso movimento
“Escola Sem Partido” defendido por membros do atual governo, fazem com
que as pressões sobre o ensino se tornem cada vez maiores. Isso porque,
há muito a escola se constituiu como um espaço complexo de disputas
políticas e intelectuais (SILVA; FONSECA, 2010). Em meio a essas disputas,
o professor se sente, muitas vezes, sobrecarregado, desorientado e
perplexo (MARCHESI, 2008). Nesse sentido, considera-se importante uma
análise sobre o mal-estar docente a partir da percepção dos professores de
História. A pesquisa visa dar um contributo para o desenvolvimento do
estudo sobre o tema, principalmente no Estado do Piauí, onde não
encontramos muitos trabalhos acadêmicos que validem as proposições
expostas pelo referencial teórico.

O que é Mal-estar docente?


Esteve (1999) definiu o mal-estar docente como uma doença social Aprendendo
produzida pela falta de apoio da sociedade aos professores. Desse modo, o História:
termo surgiu na literatura pedagógica como uma forma de resumir um VISÕES E
conjunto de reações dos professores como um grupo profissional DEBATES
desajustado diante de mudanças sociais. Página | 143
Neste mesmo viés, Jesus (1998) entende que o conceito de mal-estar
traduz uma realidade causada por diversos indicadores. Entre eles, é
possível citar o crescimento da “era da informação” e a democratização do
ensino. Nesta nova configuração, a transmissão do conhecimento, que
antes era função apenas do professor, hoje também pode ser realizada
pelas tecnologias de informação e comunicação, como a internet. De fato,
podemos perceber uma crescente desvalorização da imagem/figura do
professor que é, por vezes, visto como um profissional quase que
substituível. No tocante a democratização do ensino, observa-se que ela
teve como consequência negativa o aumento do número de alunos e de
professores, mas sem a necessária qualificação destes.

Por sua vez, Cordeiro (2007) constata que atualmente é perceptível um


acentuado descompasso entre as rápidas mudanças que acontecem em
todos os setores da sociedade e a resistência ou permanência das
estruturas básicas de ensino, e isso vem trazendo implicações muito
complexas para os professores. Ainda segundo o autor, cada vez mais esses
profissionais recebem uma sobrecarga de tarefas, com a intensificação do
ritmo de trabalho e as pressões de tempos e prazos curtos. Em decorrência
disso, é possível observar o aparecimento de uma doença profissional
conhecida como síndrome da desistência ou Burnout. A síndrome de
Burnout é caracterizada por um estado de exaustão física, emocional ou
mental. Para Cordeiro, uma das causas dessa doença é natureza aberta do
ensino: “trata-se de um trabalho que jamais se acaba nem se esgota:
sempre há mais a fazer, mais a ensinar, mais a cuidar” (CORDEIRO, 2007,
p. 58).

Por sua vez, Niches (2010) pontua que o mal-estar docente é significado
enquanto produto de um contexto, onde estão associados elementos
estruturais como a burocratização da educação, as gestões escolares, a
questão salarial e a falta de apoio.

Apesar da gravidade do mal-estar docente, muitos professores conseguem


reagir face às dificuldades profissionais. Segundo Picado (2009), o processo
de desenvolvimento de bem-estar/mal-estar docentes pode ser explicado da
seguinte forma: os professores tendem a avaliar os potenciais fatores
profissionais como desafios (interpretação positiva) ou como problemas
(interpretação negativa). Para esse autor, “estas interpretações conduzem a
diferentes reações de alarme que antecedem uma posterior fase de
resistência em que o professor procura adaptar-se à situação
potencialmente problemática” (PICADO, 2009, p. 4). Nessa perspectiva, o
bem-estar docente se traduziria na motivação e na realização do professor
em virtude de um conjunto de competências de resiliência e de estratégias
para superar as dificuldades.
Aprendendo
História: Metodologia
VISÕES E Com o intuito de alcançar os objetivos da investigação, recorreu-se a uma
DEBATES metodologia de índole mista, que combina os métodos de natureza
Página | 144 qualitativa e quantitativa. No método misto é possível utilizar instrumentos
de recolha de dados que apresentem questões abertas e fechadas, incluindo
procedimento de análises estatísticas e análises textuais. Por essas
características, se apresenta como o método mais indicado para o tipo de
pesquisa aqui proposto.

Os participantes da pesquisa foram 21 professores de História que lecionam


em escolas das redes pública e privada na cidade de Teresina, capital do
Estado do Piauí. O instrumento de coleta de dados foi o questionário online.
Foram formuladas questões em que os professores podiam indicar, se
houvessem, os fatores que mais influenciam a incidência do mal-estar sobre
eles. As respostas foram obtidas através do correio eletrônico, durante os
meses de fevereiro e março de 2017.

Resultados e discussão
Os fatores que mais influenciam a incidência do mal-estar docente citados
pelos professores de História da educação básica podem ser observados
abaixo:

1. Desvalorização/falta de reconhecimento (20%)


2. Baixos salários (11%)
3. Carga horária de trabalho excessiva (11%)
4. Falta de estrutura da escola (11%)
5. Pressão da coordenação/governo (11%)
6. A violência/falta de segurança nas escolas (9%)
7. Desrespeito (7%)
8. Desinteresse dos alunos (7%)
9. A indisciplina (4%)
10.Falta de autonomia na escolha de materiais e recursos didáticos (4%)
11.Convívio com outros professores (2%)
12.Falta de unidade entre os professores (2%)
13.Outros (2%)

Na percepção dos professores de História que responderam o questionário,


a incidência do mal-estar docente se deve principalmente a desvalorização
da profissão. 20% das citações correspondem à insatisfação quanto à falta
de apoio e de reconhecimento pela sociedade. Eles mencionaram o não
reconhecimento “por parte de pais e chefes do esforço no cumprimento do
fazer docente diário, bem como desvalorização cada vez mais presente da
imagem/figura do professor, por vezes visto como profissional menor e
substituível” (Professor 5).
Outros fatores citados foram os baixos salários e as altas cargas horárias de
trabalho (11% ambos). Neste quesito, observa-se a existência do que
podemos chamar de “carga horária oculta”, uma vez que, muitas vezes, os
professores acabam levando trabalho para casa.
Aprendendo
A falta de estrutura das escolas (11%), a violência (9%), o desrespeito História:
(7%), o desinteresse dos alunos (4%) e a indisciplina (4%), já são fatores VISÕES E
bastante conhecidos pelos professores, especialmente os que lecionam em DEBATES
escolas públicas. Por outro lado, chama a atenção que muitos professores Página | 145
se sentem pressionados pela coordenação da escola ou pelo governo (aqui
representados através das secretarias de educação) para atingir
determinados resultados. Os entrevistados afirmaram que há a prática de
culpar somente os professores quando os alunos apresentam queda no
desempenho ou não atingem as metas estabelecidas pela escola. Nessa
perspectiva, o professor ganha um protagonismo paradoxal: nele se
identifica a responsabilidade pelas mazelas do ensino e o mágico poder de
extirpá-las (SHIROMA, MORAES e EVANGELISTA, 2000).

Foi citada também a falta de autonomia dos professores na escolha dos


materiais e dos recursos didáticos (2%), especialmente nas escolas
particulares, onde os materiais trazidos pelos professores só podem ser
usados após avaliação e aprovação da escola. Por fim, foi citado o convívio
e a falta de unidade entre os professores (2%), o que dificulta que a classe
obtenha conquistas sociais, políticas e educacionais importantes.

Ainda há observações interessantes a serem feitas com relação aos dados


obtidos. Notamos que o mal-estar docente se apresenta de maneira distinta
entre os professores que lecionam em escolas públicas e os que lecionam
em escolas particulares.

De modo geral, o mal-estar docente apresentado pelos professores das


escolas públicas é influenciado por fatores como a violência, os baixos
salários e falta de estrutura da escola. Com relação a este aspecto o
Professor 3, que leciona em uma escola da rede municipal de ensino,
afirmou o seguinte: “A violência. Já sofri ameaças de alunos. A falta de
respeito, dos alunos para com os profissionais da educação, a falta de
respeito de alguns pais ou responsáveis para com os professores”. As
ameaças, que ocorrem de forma direta ou indireta, podem partir tanto dos
alunos quanto dos familiares dos alunos.

Por outro lado, o mal-estar docente apresentado pelos professores das


escolas particulares sofre influência principalmente da pressão da
coordenação da escola e dos pais em busca de resultados positivos dos
alunos. Sobre o mal-estar causado por esse fator, um professor que leciona
em uma escola particular afirmou o seguinte:

“Os pais acabam por transferir, único e exclusivamente, a responsabilidade


de educar aos professores. Nessa transferência, os estudantes acabam por
se transformar em frequentadores de sala de aula, onde são focadas as
estratégias de desenvolvimento somente de habilidades cognitivas,
esquecendo de aprimorar outros conhecimentos e valores, que são
fundantes à consolidação de um cidadão crítico, participativo e justo. A
nossa realidade é bastante cruel, sobretudo das escolas privadas, pois
criamos a política da exaustão do ensino. Cumprimos uma carga horário
Aprendendo intensa e devastadora, onde o estudante se vê diante de problemas de
História: cobrança, de números, de resultados e, por não terem desenvolvido
VISÕES E experiências de tolerância às adversidades e capacidade de resolução das
DEBATES questões-problema, marcam a sua ineficiência com estratégias de violência
Página | 146 autodirigida. Em contrapartida, o acompanhamento que os pais dão aos
filhos é da blindagem, onde culpar os fracassos e os erros, desde pequenos,
aos coparticipes do processo (professores) é a tarefa primária, e nisso os
filhos vão se desenvolvendo com deficiências sociais enormes. Essa postura
familiar me choca profundamente, contudo, também sei que muitos
professores deixam a desejar no processo de ensino e aprendizagem, mas
educação não é algo que se obtém pagando meramente uma mensalidade”
(Professor 16).

O relato acima reflete a realidade vivida pelos professores das escolas


particulares, em que a educação é, muitas vezes, entendida como uma
mercadoria. Essa perspectiva pode ser entendida como reflexo da
configuração neoliberal que ganhou força na educação brasileira, sobretudo,
a partir da década de 1990. Ressaltamos que as escolas particulares de
Teresina vêm despontando nos últimos anos nos rankings de melhores
escolas do Brasil e nos que obtêm os melhores resultados no Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em 2016, duas escolas da cidade
figuraram entre as 20 melhores do Brasil, na 3ª e na 16º posição. Para que
esses resultados sejam mantidos ou melhorados, são criadas estratégias e
rotinas sistemáticas que devem ser obedecidas tanto pelos professores
quanto pelos alunos. Os prazos são curtos e, segundo alguns professores,
as cobranças são constantes e em lugares e momentos inoportunos, o que
acaba gerando o mal-estar. Esse mal-estar vai refletir também nos alunos,
pois a cobrança se estende a eles.

Essa pressão por resultados também existe nas escolas públicas, mesmo
que seja em menor escala e com objetivos diferentes. Um dos professores
afirmou que o seu mal-estar é influenciado pela pressão do governo,
representado pela secretaria de educação, para passar de ano alunos, que
em sua concepção não apresentam “a mínima condição de progressão”
(Professor 10) com a finalidade de aumentar o índice de aprovação da
escola. Essa prática, além de distorcer os dados sobre a realidade
educacional no Estado, dificulta o processo de ensino-aprendizagem, uma
vez que o aluno somente avança de série, muitos ainda sem saber ler e
nem escrever, mas não progridem nos estudos.

Considerações finais
O estudo teve como objetivo identificar os fatores que mais influenciam a
incidência do mal-estar docente a partir da perspectiva dos professores de
História da educação básica. Com base no que foi exposto podemos inferir
que as causas do mal-estar são diversas e ele se apresenta de maneira
distinta entre os professores das escolas públicas e os das privadas. A sua
incidência tem influenciado negativamente prática educativa dos
professores e o processo ensino-aprendizagem, além de trazer prejuízos ao
emocional dos docentes. Além disso, percebemos serem verdadeiras as
proposições levantadas pelo referencial teórico, uma vez que, como foi
apontado por Esteve (1999) e Jesus (1998), o mal-estar docente reflete, Aprendendo
entre outras coisas, a falta de apoio da sociedade aos professores, como História:
indicaram também os entrevistados. VISÕES E
DEBATES
Referências Página | 147
Gabriela Alves Monteiro é Mestra em História do Brasil (UFPI) e professora
do curso de Licenciatura Plena em História (UESPI).

CERRI, L. F. A formação de professores de história no Brasil: antecedentes


e panorama atual. História, Histórias. Brasília, vol. 1, n. 2, p. 167-186,
2013.

CORDEIRO, J. Didática. São Paulo: Contexto, 2007.

ESTEVE, J. M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos


professores. São Paulo: EDUSC, 1999.

JESUS, S. N. de. Bem-estar dos professores: estratégias para realização e


desenvolvimento profissional. Porto Codex – Portugal: Porto Editora, 1998.

MARCHESI, Á. O bem-estar dos professores: competências, emoções e


valores. Porto Alegre: Artmed, 2008.

NICHES, C. C. Significados do mal-estar docente entre os professores de


História. Dissertação (Mestrado em Educação). São Leopoldo: Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, 2010.

PICADO, L. Ser professor: do bem-estar para o mal-estar docente, 2009.


Disponível em: <www.psicologia.com.pt> Acesso em 6 de março de 2017.

SAMPAIO, M. F.; MARIN, A. J. Precarização do trabalho docente e seus


efeitos sobre as práticas curriculares. Educação & Sociedade. Campinas, vol.
25, n. 89, p. 1203-1225, 2004.
SCHMIDT, M. A. A formação do professor de história. In: BITTENCOURT,
Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.

SHIROMA, E.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Política Educacional.


Rio de janeiro: DP&A, 2000.

SILVA, M. A.; FONSECA, S. G. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas


e perdas. Revista Brasileira de História. São
REFLEXÃO ACERCA DOS MÉTODOS AVALIATIVOS NA EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
Gabriel José Brandão de Souza
Italo Nelli Borges

Aprendendo
História: O presente trabalho possui o objetivo de fazer uma reflexão acerca dos
VISÕES E métodos avaliativos utilizados na educação contemporânea, no intuito de
DEBATES ressaltar a importância e o papel do educador aliado ao educando na
Página | 148 construção do conhecimento e na avaliação do aprendizado. Compreende-
se aqui a necessidade de uma nova abordagem dentro da perspectiva dos
métodos avaliativos, uma vez que, embora as modernizações e a presença
da tecnologia sejam constantes na sala de aula, os meios avaliativos
continuam engendrados a uma metodologia de cunho tradicionalista, onde
os instrumentos são mesmos e já não atendem a necessidade real do
educando. Deste modo, surge a necessidade de adaptação e utilização de
métodos que coloquem o educando como agente transformador da sua
realidade, sendo o mesmo, capaz de refletir criticamente sobre o contexto
no qual está inserido e trabalhar diante das abordagens feitas na sala de
aula sempre na perspectiva do pensamento local para o global.

A Educação Tradicional x Educação Inovadora


Diante de uma sociedade que delega à escola o papel de educar e formar
cidadãos, é perceptível a necessidade de discutir temas e metodologias
relevantes para a formação integral do educando. Para que uma
aprendizagem significante venha acontecer é necessário o investimento em
ações favoráveis ao desenvolvimento sócio cognitivo do discente. Este,
precisa ser o agente do seu aprendizado, para que assim, seja capaz de
criar uma concepção do mundo e de vida a partir das situações que o cerca.
A nova perspectiva da educação contemporânea, permite-nos a uma
inovação e utilização das tecnologias nas escolas bem como os meios
aplicados, propondo aumentar as oportunidades de ampliar e conhecer
novos campos a serem estudados, diversificando o objeto de estudo e
aproximando o aluno a sua realidade, fazendo com que assim ele perceba
que é agente da história, evidenciando de tal modo, o surgimento de uma
consciência histórica.

Acreditar em um ensino de qualidade significa valorizar o potencial do


aluno, possibilitando, demonstrar e exercer seu potencial criativo e crítico.
Para que isso aconteça, torna-se necessário que a teoria e a prática estejam
sempre presentes. Neste sentido, o processo de ensino aprendizagem deve
valorizar o saber do educando, percebendo o indivíduo, enquanto ser
dotado de experiências anteriores, levando-o à percepção crítica da
realidade do país e de seu próprio espaço de vivência.

Nesse contexto, torna-se necessário unir algumas teorias metodológicas do


ensino, fazendo-se o uso tanto do método técnico, quanto humano e crítico
dentro do processo de ensino-aprendizagem. Para Candau (1994), a
dimensão técnica é inseparável do processo como um aspecto racional da
prática pedagógica, em que se têm a seleção dos conteúdos, estratégias de
ensino, avaliação, etc., no entanto se esta for dissociada de suas raízes
político-sociais e ideológicas, a educação torna-se vazia de sentido e
meramente instrumental. Ainda segundo o autor;

“A prática pedagógica, exatamente por ser política, exige a competência


técnica. As dimensões política, técnica e humana da prática pedagógica se Aprendendo
exigem reciprocamente. Mas esta mútua implicação não se dá automática e História:
espontaneamente. É necessário que seja conscientemente trabalhada”. VISÕES E
(CANDAU, 1994:21) DEBATES
Página | 149
Como afirma a autor, faz-se necessário o uso adequado tanto de aulas
expositivas, quanto do fator crítico e humano no processo de ensino-
aprendizagem, pois este, para ser adequadamente compreendido, precisa
ser analisado, de tal modo que, articule consistentemente as dimensões
humanas, técnica e político-social. A abordagem crítico-reflexivo permite ao
educando, uma visão ampla da realidade, em que aprenda a respeitar as
diferentes culturas e desenvolva um saber crítico-político que o possibilite
transformar o meio em que vive e a sua própria realidade. Segundo Paulo
Freire (1996) ensinar não é transferir conhecimentos, pois não há docência
sem discência, de forma que, o educando torna-se parte imprescindível do
processo de ensino-aprendizagem.

Partindo do pressuposto que durante muito tempo a educação brasileira


teve caráter tradicionalista, não tendo a preocupação de questionar ou
mesmo permear no alunado uma postura crítica, o grande desafio que se
apresenta aos educadores é adequar o olhar as exigências do mundo, sem
deixar ser sugados pela onda neoliberal. É preciso mostrar a possibilidade
de desenvolvimento da prática de ensino adequado ao novo tempo e ao
novo aluno, um ensino rico em conteúdo e perspectivas.

Em se tratando de onda neoliberal, é extremamente necessário que


adotemos uma perspectiva crítica com relação a uma abordagem
educacional que secundarize a formação cidadã deixando em primeiro plano
apenas uma educação que forma para um mercado de trabalho dinâmico,
mutável e que exija forte capacidade de adaptação do trabalhador, caso
contrário, rapidamente tornar-se-á obsoleto para o que foi formado.
Tomando as contribuições de Kuenzer (2007), esta perspectiva de
vinculação irrestrita e prioritária da educação aos ditames do mercado faz
com que a educação em sua práxis transformadora inexista atrelando,
assim, uma dimensão social importante na formação da cidadania à
hegemonia de um sistema capitalista essencialmente produtor de pobreza e
desigualdade social.

A autora segue seu raciocínio alertando que os parâmetros que norteiam a


educação, a avaliação entre eles, não devem dar combustível a uma
exclusão includente que se caracteriza como uma estratégia do mercado de
trabalho de excluir o trabalhador de certo sistema formal garantidor de sua
proteção para inclusão na informalidade ou na formalidade com menos
direitos e menor salário (que são tônicas pintadas de maneiras mais
eufemísticas do que aqui pelo neoliberalismo). Por sua vez, a inclusão
excludente, neste sistema educacional servil à hegemonia, está associada a
perspectiva educacional de inclusão excludente configurando-se numa
modalidade educativa de formação que, no limite, despreza a práxis no
sentido que entendemos e forma o estudante para que ele possa ser afável
para com sua própria exploração futura.
Aprendendo
História: Desta forma, percebemos que no mundo atual, marcado pela intensa
VISÕES E globalização e exacerbação de uma economia de mercado, os espaços estão
DEBATES se configurando com a homogeneidade e padronização das ações
Página | 150 antrópicas. Mas, ao mesmo tempo, em que estes espaços sofrem com os
efeitos da globalização, também padecem com o fenômeno da
fragmentação marcada pela individualização e regionalização.

Portanto notamos, cada vez mais, a formação de grupos com características


e interesses semelhantes no mundo atual. Mas deve-se lembrar que estes
mesmos grupos apresentam características internas que não são idênticas.
Para que estes grupos sejam estabelecidos, são necessários critérios dentre
eles, políticos, econômicos, naturais, sociais ou até mesmo culturais.

Através da compreensão destes critérios e do conceito de região é que o


discente pode analisar e compreender a realidade do seu lugar, por
exemplo, a proposta política e econômica em que seu município, estado ou
país está inserida, fato que permite que ele tome conhecimento dos
problemas enfrentados no meio social em que vive.

Entendendo-se que para uma melhor aprendizagem é mister a socialização


de diversos saberes, com propósito, portanto, que os discentes adquiram
uma curiosidade epistemológica (FREIRE, 1996). Assim o ato de aprender e
ensinar envolve a busca por uma curiosidade epistemológica, de uma
postura crítica que só será alcançada pelo reconhecimento de que somos
eternos aprendizes. Neste sentido;

“Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheia, de um lado,


do exercício da criticidade que implica a formação da curiosidade ingênua à
curiosidade epistemológica e do outro, sem o reconhecimento do valor das
emoções, da sensibilidade da afetiva, da intuição ou da advinha”. (Freire,
1996, p.95)

Quando pensarmos uma discussão entre o ensino tradicional e o chamado


ensino inovador, precisamos perceber que um está intrínseco ao outro. Com
isso, cabe-nos questionar se o inovador é utilizar somente de novas
tecnologias, ou se inovar é trazer elementos tradicionais numa nova
perspectiva, propondo ao aluno uma perspectiva crítica e acima de tudo
situando estes alunos como principais agentes desta história.

As estratégias avaliativas compõem parte importante dentro desse campo


discursão sobre inovador e tradicional. A avaliação nas escolas brasileiras,
em muitos casos vem sendo um método de motivação negativa, na qual
alguns educadores a utilizam não como forma de diagnóstico, mas como
meio de punição e ameaça. O que leva aos momentos destinados a
avaliação, serem momentos insatisfatórios de modo por parte dos
educandos.

A aquisição de uma boa nota é considerada, assim, como um prêmio e


diante disso muitos discentes utilizam de diversos meios para consegui-la,
entre elas a popular “pesca”, esquecendo o principal objetivo que é a Aprendendo
construção de um conhecimento mais abrangente. No entanto a avaliação História:
pode e deve ser uma oportunidade de se refletir sobre o desempenho do VISÕES E
aluno e do professor de forma qualitativa, analisando as habilidades, o DEBATES
conhecimento e competências desenvolvidas por ambos. Assim como serve Página | 151
como norteador para correções no processo de ensino-aprendizagem.

A escola, muitas vezes, comunga também da ideia de que o importante é a


nota e não a preparação de indivíduos críticos e atuantes observa assim os
resultados gerais dos exames, que vão ser postos principais para o título da
escola como “líder de um conhecimento”, ou seja, se as notas são boas, não
é necessário maiores preocupações por parte dos educadores,
coordenadores, pais... Porém se ocorrer, o contrário, há uma inquietação
frente a esse processo, portanto o que muitas vezes está em discussão é a
nota e não o conhecimento.

Diante disso, como o discente, se preocupará em ser um cidadão? Em


buscar um conhecimento amplo e estimulado em muitos casos, a
simplesmente a obter notas azuis? Isso favorece aos estudantes
acreditarem que a prova é um meio de punição é/ou simplesmente
promoção de uma série para a outra, já que são muitas vezes estimulados.
Para LUCKESI (1998) a avaliação como meio de ameaça, manutenção da
disciplina, através das provas, já ocorria desde os séculos XVI e XVII.
Sendo assim, nesses séculos já se utilizavam às provas como meio de
coesão, como por exemplo, a divulgação dos resultados para constranger os
discentes, outra maneira, era o incentivo para que estes estudantes
sentissem medo da avaliação.

Tais métodos se cristalizam no Ensino Tradicional, mas infelizmente ganham


vida até hoje, como educadores que utilizam como um triunfo, no geral as
notas tornam-se mais importantes, do que o diagnóstico da aprendizagem.
Ainda segundo a autora;

“No que se refere à aprovação ou reprovação, as médias são mais fortes do


que a relação professor e aluno. Por vezes, um aluno vai ser reprovado por
“décimos”; então, conversa, com o professor sobre a possibilidade de sua
aprovação e este responde que não há possibilidade, uma vez que os
resultados já se encontrem oficialmente da secretaria do estabelecimento
do ensino; então, a responsabilidade já não está mais em suas mãos. Ou
seja, uma relação entre sujeito – professor e aluno passam a ser uma
relação entre coisas: as notas”. (LUCKESI, 1998, P.24).

Ainda refletindo a partir dos escritos de Luckesi, percebe-se que não


devemos encarar a avaliação apenas como um exame – e não raro um
exame que punirá os estudantes por diversas complexidades ocorridas no
espaço de aprendizagem – mas sim como um processo contínuo de
observação, compreensão e interlocução com o educando. Nesta
perspectiva, provas, seminários, trabalhos, etc, são apenas fragmentos da
avaliação do aprendizado de modo que não deve ser perder do exercício da
docência a avaliação contínua e cotidiana que visa, de maneiras diferentes
Aprendendo das dos exames específicos, compreender a qualidade da aprendizagem do
História: estudante.
VISÕES E
DEBATES Diante disso, a avaliação torna-se um meio de classificar e colocar
Página | 152 estereótipos, o julgamento de valor na avaliação em vez de ser utilizado
para perceber o crescimento intelectual do educador passa a determiná-lo
inferior, médio ou superior (LUCKESI, 1998). No entanto, como percebe
HOFFMANN (2001) a avaliação quando bem conduzida, pode ser um meio
de subsidiar a continuidade do trabalho do educador, portanto ela deve
pautar-se em uma análise mais abrangente, sendo, deste modo, um
processo complexo e multidimensional, não restringe a um momento.

Se todo processo de ensino-aprendizagem deve ser ‘situado’, como afirma


Candau (1994:14), a dimensão político social deve ser inerente à mesma,
desta forma torna-se imprescindível saber o porquê fazer a avaliação, de
forma que esta prática não se torne vazia de sentido. Deste modo, antes
mesmo de submeter à turma de discentes a um processo avaliativo é
preciso estar ciente do significado da mesma, levando em conta perguntas
básicas como o por que fazer? E o porquê avaliamos?

Considerações Finais
Dentro desta perspectiva, é possível perceber que a avaliação se torna uma
importante ferramenta dentro do processo educativo, pois possibilita uma
transformação de atitudes tanto por parte dos professores como dos alunos.
No entanto, a mesma deve ser uma prática contínua, que não necessite ser
meramente técnica, mas um processo que aconteça constantemente como
uma forma de refletir sobre a permanente construção do conhecimento e
não algo padronizado, vista a grande diversidade e especificidade de cada
região ou grupo de indivíduos.

Neste sentido, Hoffmann (2003:17), afirma que a avaliação é a reflexão


transformada em ação. Ação essa, que nos impulsiona a novas reflexões.
Reflexão permanente do educador sobre sua realidade, e acompanhamento
de todos os passos do educando na sua trajetória de construção do
conhecimento.

A forma de avaliação não pode ser submetida apenas a instrumentos


técnicos do ensino, mas ser construída partindo de uma pedagogia
libertadora, que segundo Hoffmann (2003:91), é uma prática coletiva que
exige a consciência crítica e responsável de todos na problematização das
situações. Desta forma, diálogo e a participação dos alunos se constituirão
como elementos fundamentais no processo avaliativo, haja visto que “o
sentido fundamental da ação avaliativa, é o movimento, a transformação”.
(HOFFMANN. 2003, p. 90)
Referências
Gabriel José Brandão de Souza é Mestre em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História Regional e Local – Universidade Estadual da Bahia e
atualmente é doutorando pelo PPGH - UFRGS – Bolsista Capes.
Italo Nelli Borges é Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em
História Regional e Local – UNEB e atualmente é doutorando em História Aprendendo
Social pelo PPGH – UFU e membro do Núcleo de História Social da Arte e da História:
Cultura (NEHAC) VISÕES E
DEBATES
CANDAU, Vera Maria. A didática e a formação de educadores – da exaltação Página | 153
à negação: a busca da relevância. In. CANDAU, Vera Maria (org.) A didática
em questão. – Vozes: Petrópolis, 1994. 12ª edição.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. – São Paulo: Paz e Terra. 1996

KUENZER, Acácia. Da Dualidade Assumida à Dualidade Negada: o discurso


da flexibilização justifica a educação includente. Revista Educação e
Sociedade. v. 28. p. 1553 – 1178. 2007

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação: mito e desafio: uma


perspectiva construtivista. – Porto Alegre: Mediação, 2003, 32ª Ed. Revista.

_______________________________, Avaliar para promover; as setas do


conhecimento. Porto Alegre: Mediação, 2001.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação de aprendizagem escolar: estudos e


proposições. São Paulo: Cortez, 1998
“PERTURBADO PELA IGNORÂNCIA DA NOSSA HISTÓRIA”: AS
EXPERIÊNCIAS DE BENEDICTO MONTEIRO PARA A CONSTRUÇÃO DE
UMA HISTÓRIA REGIONAL NO LIVRO HISTÓRIA DO PARÁ (2006)
Geraldo Magella de Menezes Neto

Aprendendo
História: Introdução
VISÕES E Em tempos de reformas curriculares que visam um currículo nacional, como
DEBATES a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e uma prova de seleção para a
Página | 154 entrada no ensino superior comum a todo o Brasil, como o Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), torna-se importante discutir o lugar no regional no
ensino de História. Sabe-se que o ensino de História construído no Brasil
priorizou em sua narrativa os personagens e eventos ligados ao eixo Rio-
São Paulo, deixando em segundo plano as outras regiões, como a
Amazônia. Marcos Lobato Martins ressalta que ainda hoje, nos livros
didáticos empregados no ensino fundamental e médio, a trajetória
republicana brasileira, por exemplo, é examinada à luz do “modelo
paulista”. (MARTINS, 2010, p. 142).

Nesse contexto, cabe examinarmos algumas iniciativas de valorização de


uma história tida como regional. No Pará, por exemplo, por muito tempo
existiu uma disciplina denominada História do Pará ou Estudos Paraenses,
adotada pela Secretaria de Educação do Pará (SEDUC) e pela Secretaria
Municipal de Educação de Belém (SEMEC). Em 1999 foi instituída pela
SEDUC, num caráter mais interdisciplinar, a disciplina Estudos Amazônicos,
que pode ser ministrada por licenciados em Geografia, ou Ciências Sociais
ou História em turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental ou 2º ano do
Ensino Médio. (TEIXEIRA JÚNIOR, 2016, p. 15).

Um dos livros adquiridos pela SEDUC em grande quantidade para


distribuição nas escolas com o objetivo de estimular um ensino mais voltado
para o regional foi o livro História do Pará, de Benedicto Monteiro, publicado
em 2006 pela editora Amazônia. Esta obra possui uma trajetória singular,
pois não foi inicialmente produzida com fins didáticos, mas foi apropriada
pelo governo paraense e distribuído nas escolas públicas, sendo facilmente
encontrado nas bibliotecas, cumprindo um papel importante da veiculação
de uma história do Pará e da Amazônia. Tal livro pode ser inserido na
categoria de livro regional, que segundo Flávia Caimi, são “impressos que
registram a experiência de grupos que se identificam por fronteiras
espaciais e socioculturais.” (CAIMI, 2013, p. 49).

Assim, considerando que História do Pará é uma fonte importante para o


estudo de uma cultura escolar regional, nosso objetivo neste trabalho é
analisar o livro de Benedicto Monteiro, relacionando as experiências do
autor com alguns conteúdos escolhidos para uma história regional.

Benedicto Monteiro (1924-2008): vida e obra


Benedicto Vilfredo Monteiro nasceu em 1924, em Alenquer, no Pará. Fez o
curso de Humanidades no Colégio Marista N.S. de Nazaré em Belém e
completou os seus estudos de ginásio no Rio de Janeiro, onde cursou Direito
na Universidade do Brasil. Ainda no Rio de Janeiro, exerceu o jornalismo na
imprensa local e publicou o seu primeiro livro de poesia, intitulado Bandeira
Branca, em 1945, prefaciado pelo escritor Dalcídio Jurandir. (MONTEIRO,
s/d)

Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, exerceu os cargos de Aprendendo


Promotor Público, Juiz de Direito e Secretário de Estado. Foi eleito Deputado História:
Estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tendo sido cassado em VISÕES E
1964, pelo regime civil-militar instalado. Ficou preso e incomunicável por DEBATES
vários meses, tendo seus direitos políticos suspensos por mais de 10 anos. Página | 155
Depois que saiu da prisão, dedicou-se ao exercício da advocacia agrarista e
à literatura, tendo publicado o livro Direito Agrário e Processo Fundiário e
vários livros de poesia e ficção, destacando-se sua tetralogia amazônica
composta por Verde Vagomundo, O Minossauro, A Terceira Margem e
Aquele Um. Nos anos 1980, foi deputado federal pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Abandonando a vida pública, passou a se
dedicar exclusivamente às atividades de escritor. Redigiu seis livros sobre a
história do Pará, desde a época pré-colonial até o período atual, voltados
para o ensino fundamental. (CPDOC, s/d).

O livro História do Pará, publicado pela Editora Amazônia em 2006, com


264 páginas, foi produzido originalmente em fascículos encartados pelo
jornal O Liberal no ano de 2001. Segundo o blog dedicado a Benedicto
Monteiro, este livro representa a “síntese da história paraense, desde os
fundamentos da pré-história amazônica à sua contemporaneidade, sob o
ponto de vista econômico, geográfico, social, político e ecológico.”
(MONTEIRO, s/d). Já os editores da obra História do Pará, Álvaro Jinkings e
Paulo Palmieri, afirmam que:

“Esta obra consegue falar do Pará num momento histórico, porque não
dizer, em que os olhos do mundo falam dos problemas da Amazônia e se
voltam para apontar soluções. Por isso, nós, Amazônidas, paraenses
precisamos conhecer a escrita da nossa história, para não nos tornarmos
reféns do nosso futuro e algozes do nosso passado. Benedicto Monteiro,
dessa maneira, ajuda nossa luta, possibilitando às gerações futuras um
encontro com o que somos e, através de suas práticas, com o que podemos
ser.” (JINKINGS; PALMIERI, 2006, p. 3).

Nesse discurso de valorizar a identidade amazônida, apontar seus


problemas e sugerir soluções, a obra História do Pará apresenta os
seguintes capítulos:

Capítulo Título Páginas


I A inserção do Pará no cenário europeu 10-25
II Os estrangeiros no Pará colonial 26-44
III Inserção do Pará no cenário nacional 45-75
IV O índio e o negro na história social do Pará 76-95
V Transição da colônia para o império 96-10
VI A Cabanagem 109-151
VII O Pará sob a república 152-172
VIII O Brasil e o Pará pós 1930 173-189
IX O Pará pós 1964 190-210
X O Pará no recente contexto brasileiro 211-222
XI Sociedade e cultura no Pará 223-238
Aprendendo XII Os recursos naturais na história do Pará 239-251
História: XIII Problemas sociais do estado do Pará 252-261
VISÕES E
DEBATES A escolha e abordagem desses temas está diretamente relacionada às
Página | 156 experiências de Monteiro, principalmente nos capítulos finais quando trata
do contexto mais recente da história do Pará, na segunda metade do século
XX, como veremos a seguir.

Imagem: Capa de História do Pará, de Benedicto Monteiro (2006)


(MONTEIRO, 2006). Acervo pessoal do autor.

Experiências para a escrita do livro História do Pará


A ideia de escrever um livro sobre a história do Pará decorre muito da
experiência de vida de Benedicto Monteiro. Essa experiência é relatada pelo
próprio Monteiro no Prefácio de História do Pará. O autor afirma que ao se
formar no curso de humanidades no Colégio Marista Nossa Senhora de
Nazaré, em Belém, “infelizmente”, “não sabia nada sobre a nossa história.
Mas sabia tudo sobre a história da França e sobre todos os episódios da
Revolução Francesa” (MONTEIRO, 2006, p. 5), o que revela que teve um
ensino de história voltado para os fatos ocorridos na Europa. Isso era
comum, porque, conforme aponta Elza Nadai, a história ensinada no Brasil,
desde a o período do Império tem uma matriz europeia, tendo como
influência os manuais franceses. Essa história ensinada aos alunos, ainda
presente em vários livros e escolas nos dias de hoje, foi “a História da
Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da Civilização.”
(NADAI, 1992/1993, p. 146). Aprendendo
História:
Benedicto Monteiro demonstra uma insatisfação maior com o VISÕES E
desconhecimento sobre a Cabanagem (1835-1840), movimento popular DEBATES
ocorrido no Pará durante o período regencial. Não por acaso, é o conteúdo Página | 157
que tem o maior espaço no livro, com 42 páginas. A valorização do
movimento cabano está relacionada à experiência de vida de Monteiro. Ao
rememorar seu tempo de estudante no colégio Nazaré, Monteiro afirma que
“não sabia nem que tinha havido no Pará um movimento e uma revolução
denominada Cabanagem.” (MONTEIRO, 2006, p. 5). Já mais tarde, como
deputado estadual, esta “ignorância tornava-se maior, pois a revolução da
Cabanagem era historiografada, nos raros livros dos arquivos públicos,
como uma revolta de negros, mestiços e bandidos”. (MONTEIRO, 2006, p.
5). Questionando essas ideias em relação ao movimento cabano, Monteiro
relata:

“Compartilhei desses falsos conhecimentos na minha juventude, na minha


mocidade e até no período em que exerci os meus dois mandatos de
deputado estadual. E, nesse período, fui ainda mais perturbado pela
ignorância da nossa história e da verdadeira história da Cabanagem, que
hoje é considerada como um dos mais importantes movimentos nativistas e
sociais, ocorridos no Brasil.” (MONTEIRO, 2006, p. 5).

Após ser cassado pela ditadura civil-militar em 1964, Monteiro relata que
procurou “pesquisar sobre a nossa história baseado nos trabalhos do
desembargador Hurley e do escritor Carlos Rocque.” (MONTEIRO, 2006, p.
5). Já em seu mandato como deputado federal, a partir de 1982,
pronunciou vários discursos sobre a história do Pará, estimulando órgãos
educacionais “a publicar livros didáticos que ensinassem a nossa história
aos estudantes das nossas escolas e até das nossas universidades”, não
conseguindo sensibilizar as autoridades responsáveis. (MONTEIRO, 2006, p.
5). Após essa tentativa “mal-sucedida” de estimular a produção didática da
história regional enquanto político, Monteiro relata:

“Como tinha me retirado da militância política partidária, me consagrei a


pesquisar nossa história. Percorri as bibliotecas e os arquivos públicos
daqui, do Estado do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Lisboa. Li e reli mais
de 200 livros relacionados com os descobrimentos e a história do Pará. E aí,
me propus a escrever esta História do Pará para suprir essa falta de
conhecimento.” (MONTEIRO, 2006, p. 5).

Segundo a narrativa de Benedicto Monteiro, foi por iniciativa pessoal e pelo


desejo suprir a lacuna do conhecimento regional que resolveu pesquisar a
história do Pará. Percebemos nisso a construção de uma narrativa pelo
autor de uma trajetória que transpareça uma missão que foi perseguida
durante toda a sua vida: a de tornar conhecida a história do Pará. Desde
sua época de estudante ao período que foi cassado pela ditadura, passando
pelo seu mandato como deputado federal até após o fim de sua militância
política, todas essas experiências estiveram relacionadas à obra História do
Pará, que representa a materialização de seu esforço.
Aprendendo
História: História do Pará ou da Amazônia? Monteiro esclarece assim o recorte
VISÕES E espacial da sua narrativa:
DEBATES
Página | 158 “Não é possível escrever a história do Pará sem se referir à Amazônia.
Assim como não é possível escrever a história da Amazônia sem conhecer a
história do Pará. Isto porque até o século XVIII, o Estado do Pará incluía
todo o território amazônico, descoberto e conquistado da foz do Amazonas
até o extremo-oeste, não respeitando a linha imaginária do Tratado de
Tordesilhas.” (MONTEIRO, 2006, p. 10).

Percebe-se na explicação de Monteiro que a história do Pará se confunde


com a história da Amazônia, pelo menos até o século XVIII. A justificativa
para isso se baseia sobretudo na questão territorial.

A reforma agrária como solução para os problemas do Pará


Devido às limitações de formatação estabelecidas pelas normas para os
trabalhos deste Simpósio, vamos nos restringir a analisar os conteúdos
referentes ao período da ditadura civil-militar e ao final do século XX,
principalmente nas questões relacionadas à reforma agrária, nas quais
Monteiro dialoga com as suas vivências.

Benedicto Monteiro faz várias abordagens em relação à questão ambiental


no Pará. A natureza está presente em praticamente todos os capítulos do
livro, além de um capítulo específico sobre ela, intitulado “Os recursos
naturais na história do Pará”. Em seu prefácio, Monteiro se refere à
Amazônia como a região que “ainda guarda, com enorme sacrifício, a maior
bacia hidrográfica do mundo, a maior reserva de água doce, a maior
floresta tropical, com a maior biodiversidade do planeta.” (MONTEIRO,
2006, p. 6).

Devemos aqui relacionar com as experiências políticas de Benedicto


Monteiro, especialmente no início dos anos 1960, às vésperas do golpe civil-
militar de 1964. Suas preocupações em relação à Amazônia estavam
voltadas sobretudo para o projeto de reforma agrária.

Monteiro foi secretário de Obras, Terras e Aviação do governo do Pará,


durante o mandato do governador Aurélio do Carmo (1961-1964). Apesar
de oficialmente pertencer ao PTB, Monteiro era ligado ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB), que estava na ilegalidade desde 1947. Segundo Edilza
Fontes, como membro do PCB, Monteiro defendia a reforma agrária, já que
a temática do campo foi inserida nas preocupações do partido desde o final
dos anos 1940. (FONTES, 2015, p. 382).
O projeto de reforma agrária de Monteiro tinha como prioridade a
redistribuição de terra dos latifundiários para o pequeno agricultor sem-
terra, ou seja, o confisco da terra. Para ele, há a contradição entre o
latifúndio e o campesinato, a sociedade socialista e sua conquista
orientavam a luta pela reforma agrária. (FONTES, 2015, p. 382).
Aprendendo
Edilza Fontes sintetiza as ideias de Benedicto Monteiro sobre a reforma História:
agrária da seguinte forma: VISÕES E
DEBATES
“Benedito Monteiro é um homem do seu tempo, entende que os problemas Página | 159
da concentração de terras, os latifúndios e as relações sociais que eles
estabelecem são problemas históricos e podem ser resolvidas por meio de
ações políticas como a reforma agrária. Ele nomina o homem do campo
como trabalhador rural, camponês, pequeno proprietário, migrante sem
recursos, que poderiam receber terras e desenvolver uma economia
produtiva, progressiva e coletivizada. Um homem do campo capaz de
mudar o local de moradia e trabalho. Um homem do campo produtivo.
Organiza-se em cooperativas e associações. A reforma agrária eliminaria o
latifúndio e suas relações de dominação.” (FONTES, 2015, p. 383).

Benedicto Monteiro fez um projeto de reforma agrária enquanto deputado


estadual, o qual criava o Instituto de Reforma Agrária do Pará e disciplinava
o aproveitamento de terras públicas do Estado. O projeto deu entrada em
1º de maio de 1962, contudo, não foi avaliado pela Assembléia Legislativa
do Estado do Pará. (FONTES, 2015, p. 382). O golpe civil-militar de 1964
encerrou as expectativas de uma efetivação do projeto.

Dessa forma, podemos questionar: como essas experiências, tanto no


Partido Comunista, quanto na secretaria de obras e no mandato de
deputado estadual, se refletem na produção de Benedicto Monteiro, mais
especificamente em História do Pará? Refletem principalmente nos valores
que Benedicto Monteiro atribui à ocupação e aos usos dos recursos naturais
da Amazônia, bastante presentes no livro. As vivências de Monteiro na
política e em cargos públicos no Pará inspira o autor a realizar constantes
comparações entre o passado e o presente na sua obra, tendo como foco a
questão da reforma agrária. Vamos citar algumas.

O capítulo “O Pará pós 1964”, ao tratar dos conflitos agrários, traz algumas
informações sobre a atuação de Monteiro em relação à reforma agrária
quando ocupava o cargo de secretário de Obras e Terras. Monteiro teria
obtido do governador em 1961 alguns decretos que reservavam as margens
das estradas federais Belém-Brasília e Pará-Maranhão “para a instalação de
um plano piloto objetivando a reforma agrária e a instalação de colônias
agrícolas para pequenos produtores. Por este motivo, até 1964, nessas
áreas foram distribuídos milhares de títulos de posse e de títulos coloniais.”
Entretanto, tal ação não teve continuidade pelos governos sucessores,
provocando um povoamento desordenado. (MONTEIRO, 2006, p. 204).

A visão de Monteiro sobre como deveria ter sido feita a reforma agrária
influencia na sua abordagem do tema. O autor considera que o problema da
reforma agrária continua até o presente, pois o que se tem feito no Estado
do Pará é apenas uma “política de assentamento que atende aos interesses
de proprietários de terras mal exploradas.” (MONTEIRO, 2006, p. 204).

As críticas de Monteiro no tema da reforma agrária também possuem


Aprendendo relação com a sua oposição à ditadura civil-militar (1964-1985). Monteiro
História: denuncia as “intervenções arbitrárias” que o governo do Pará sofreu com o
VISÕES E regime ditatorial, por meio de órgãos como o Instituto Nacional da
DEBATES Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Grupo Executivo para as Terras
Página | 160 do Araguaia e Tocantins (GETAT), que estabeleceram a chamada
colonização dirigida. Conforme Benedicto Monteiro, essa colonização foi a
verdadeira responsável pelo “indiscriminado e violento desmatamento” que
sofreu a região do sul do Pará, já que, contando com financiamento público,
“foram derrubadas e queimadas imensas florestas com madeiras preciosas
como o mogno e densos castanhais.” (MONTEIRO, 2006, p. 210).

Benedicto Monteiro conclui a História do Pará reforçando mais uma vez a


sua defesa da reforma agrária. Para Monteiro, “o desemprego é, sem
dúvida, o maior problema social do Pará”, sendo que “os problemas da falta
de moradia, de educação e de saúde não deixam de ser consequência da
grande falta de emprego.” (MONTEIRO, 2006, p. 260). A falta de emprego
gera conflitos agrários e violências urbanas nas cidades. O que poderia
resolver esses problemas seria uma verdadeira reforma agrária:

”A falta de terra para trabalhar, o déficit de moradia, a falta de atendimento


na saúde, a falta de vagas para educação, a falta de uma política sanitária e
a falta de segurança que afeta hoje todas as grandes cidades, é uma
consequência de não ter havido uma verdadeira reforma agrária, pois os
assentamentos feitos pelos órgãos criados pelos governos militares e que
estão sendo feitos hoje não afetaram nem afetam os latifúndios, porque na
sua maioria estão sendo feitos em terras públicas.” (MONTEIRO, 2006, p.
261).

Cabe dizer também, ainda sobre o período da ditadura, o silêncio do autor


sobre a práticas de tortura utilizadas pelos militares contra seus opositores.
Em relação às resistências ao regime, Monteiro cita, apenas em uma
página, a Guerrilha do Araguaia. O silêncio sobre a tortura talvez se
explique pelo fato do autor ter sofrido essa prática na prisão, o que
certamente foi um acontecimento traumático em sua vida, preferindo então,
deixá-lo no esquecimento. Dessa forma, as críticas ao regime civil-militar
são mais direcionadas à forma da apropriação que a União fez das terras do
Pará, contribuindo para o aumento dos conflitos agrários e a desigualdade
social.

Considerações finais
O caso de Benedicto Monteiro é singular na produção de um livro regional
utilizado nas escolas porque, mais do que narrar a história do Pará, mais do
que selecionar conteúdos que julga serem importantes para os alunos
conhecerem da história regional, o autor intervém nessa história,
apontando problemas e oferecendo soluções. Há um inconformismo do
autor, pois não lhe “deram ouvidos”, não aceitaram a sua proposta de
solução para os problemas do Pará, que é a reforma agrária. Não tendo a
proposta aceita, Monteiro recorre à produção de um livro para que os
jovens tomem conhecimento de suas tentativas e levem à frente o projeto
de concretização da reforma agrária. Dessa forma, não podemos entender o
livro sem dialogarmos com as experiências de seu autor. Aprendendo
História:
Referências VISÕES E
Geraldo Magella de Menezes Neto é Professor da graduação e da pós- DEBATES
graduação em História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA), e Página | 161
do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Belém
(SEMEC). Atualmente é Doutorando em História Social da Amazônia pela
Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: geraldoneto53@hotmail.com

Blog Benedicto Monteiro. s/d. Disponível em:


http://benedictomonteiro.blogspot.com.br/p/benedicto-monteiro.html
Acesso em 08 mar. 2019.

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil


(CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), verbete “Benedito Vilfredo
Monteiro”. s/d. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/benedito-
vilfredo-monteiro Acesso em 08 mar. 2019.

CAIMI, Flávia. O que sabemos (e o que não sabemos) sobre o livro didático
de História: estado do conhecimento, tendências e perspectivas. In:
GALZERANI, Maria Carolina Bovério; BUENO, João Batista Gonçalves; PINTO
JÚNIOR, Arnaldo. (orgs.). Paisagens da pesquisa contemporânea sobre o
livro didático de História. Jundiaí-SP: Paco Editorial; Campinas-SP: Centro
de Memória/ Unicamp, 2013.

FONTES, Edilza Joana. A reforma agrária em projeto: o uso do espaço legal


para garantir o acesso a terra no Pará (1960-1962). Antíteses. vol. 8, n. 15
esp., p. 366-392, nov. 2015.

JINKINGS, Álvaro; PALMIERI, Paulo. Apresentação. In: MONTEIRO,


Benedicto. História do Pará. Belém: Editora Amazônia, 2006.

MARTINS, Marcos Lobato. História Regional. In: PINSKY, Carla Bassanezi.


(org.). Novos temas nas aulas de História. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

MONTEIRO, Benedicto. História do Pará. Belém: Editora Amazônia, 2006.

NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista


Brasileira de História. São Paulo, v. 13, n. 25/26, set. 1992/ago. 1993.

TEIXEIRA JÚNIOR, Tiese. Ditos e escritos sobre os Estudos Amazônicos, no


Ensino Básico, do Estado do Pará. Bilros, Fortaleza, v. 4, n. 7, p. 13-24,
jul.- dez. 2016.
DECRETO-LEI Nº 869/69: AUTORITARISMO E EDUCAÇÃO MORAL E
CÍVICA
Gustavo Josué Simoni Paes

Aprendendo O exame deste decreto se concentra na afirmação do autoritarismo que


História: envolveu a sua aprovação através de uma analise do contexto histórico
VISÕES E baseada nas novas bases legais com o regime militar; Também no destaque
DEBATES das noções gerais acerca da Educação Moral e Cívica – EMC - constantes no
Página | 162 decreto-lei, a partir do ímpeto saneador e reformador dos militares,
revelando assim as condições históricas de produção da lei e sua inserção
naquela estrutura do poder, conforme indica o método de analise de
Jacques Le Goff.

Contexto Histórico
O golpe civil-militar de 1964 teve como seus articuladores diferentes
correntes da direita, mas que convergiam no fato de serem contra o
governo de Goulart. Para Marcos Napolitano (2014) o golpe foi o ‘carnaval
das direitas’, com referência a heterogeneidade dos envolvidos.

Com o golpe o primeiro militar a assumir a presidência foi Castelo Branco.


De acordo com Napolitano o governo de Castelo Branco não foi capaz de
aplacar a crise econômica que assolava o país desde o início da década
gerando o descontentamento na classe média, sustentáculo do regime.

A insatisfação da classe média somou-se a da ala liberal da imprensa e


política que antes saudaram os militares, no entanto logo se desiludiram,
devido às imposições dos Atos Institucionais – AI – e não convocação de
eleições presidências em 1965 (NAPOLITANO, 2014 p.78).

Com o crescente desagrado das bases sociais do regime e a situação


econômica, o governo viveu períodos de crise, segundo Napolitano
precisando se apoiar nos quarteis, fazendo concessões à ala da ‘linha dura’.

A ‘linha dura’ refere-se aos militares que exigiam punições mais severas aos
opositores sem prestar-se a institucionalização de tais ações. Um
representante desta corrente é o General Costa e Silva. (NAPOLITANO,
2014 p. 78).

Costa e Silva torna-se presidente da república em 1967, entretanto ainda


com uma situação desfavorável, de acordo com Napolitano (2014, p. 88).
Segundo o autor o movimento estudantil volta a ter protagonismo
somando-se a oposição política que aliava diferentes correntes ideológicas.

O governo temia que a insatisfação de parte de sua base de apoio social


descontente alia-se aos estudantes, a oposição parlamentar e a guerrilha
formando um movimento de massa capaz de ameaça-lo (NAPOLITANO,
2014 p. 90). Nesse sentido aprovou o AI nº5.
Para Napolitano (2014, p. 94) o AI nº5 significou a substituição de uma
repressão até então seletiva fruto da institucionalização do Estado
autoritário em uma sistemática a toda e qualquer forma de oposição ao
regime.

Institucionalização do regime autoritário quer dizer, segundo Napolitano, as Aprendendo


ações administrativas elaboradas com vistas a aumentar a tutela do poder História:
executivo acerca do processo político como forma conter crises e perseguir VISÕES E
opositores. DEBATES
Página | 163
A mobilização estudantil ocorrendo desde o inicio do golpe, mas com maior
relevo em 1968 fará com que o regime edite leis de contenção especificas
para o âmbito educacional ou que nele interfiram como: a Lei Suplicy de
Lacerda, o decreto-lei nº 348 e 477 e a lei nº 5.540/68 – a reforma
universitária – (NAPOLITANO, 2014 p. 361).

Nesta esteira de institucionalização do autoritarismo e crescentes


manifestações de insatisfação, o governo aprofunda a perseguição quando
decreta em 1968 o AI nº5, que segundo Filgueiras (2006, p. 45) permitia
ao presidente intervir nos Estado e municípios, cassar mandatos e
suspender direitos, demitir ou aposentar funcionários públicos, suspender
habeas corpus para crimes contra Segurança Nacional, censura prévia e
fechamento provisório do Congresso.

Ainda em 1968 o Congresso Nacional é fechado permanecendo assim até


outubro de 1969 para confirmar a eleição, feita a partir do voto dos oficiais-
generais das três armas (NAPOLITANO, 2014 p. 365) de Emilio Médici.

Entretanto até a eleição de Médici o regime militar teve de enfrentar outra


crise em 1969, com o afastamento de Costa e Silva fruto de um derrame,
segundo Napolitano (2014, p. 121).

Seu vice, Pedro Aleixo – civil -, foi impedido de assumir por uma junta
militar, composta por Augusto Grunewald, Aurélio Tavares e Marcio Mello;
ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica por meio do AI nº 12
(NAPOLITANO, 2014 p. 122).

Neste contexto de institucionalização do autoritarismo, Estado policialesco e


crise de sucessão é que foi editado o decreto-lei nº 869/69, que não só
dispõe sobre a EMC, mas fornece as bases filosóficas de toda educação,
conforme consta no paragrafo único do artigo nº 2 do respectivo
documento.

Estrutura legal do decreto-lei nº 869/69


O Decreto-lei nº 869/69 apresenta seguinte ementa: “Dispõe sobre a
inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas
de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e da
outras providencias.” (BRASIL, 1969).
Destaca-se a EMC enquanto uma disciplina obrigatória. A EMC esta presente
no cotidiano da educação brasileira desde o início do século XX, mas sempre
como pratica educativa, ou seja, diluída entre outras disciplinas.

Sobre desenvolvimento da EMC no Brasil destacamos a posição do Conselho


Aprendendo Federal de Educação – CFE – desde a década de 1940, que entendia que
História: deveria ser uma prática educativa, ou seja, deveria estar tranversalizada
VISÕES E nas disciplinas e atividades escolares, pois a disciplina de Organização
DEBATES Social Política Brasileira (OSPB) já estaria imbuída da formação cívica
Página | 164 explicita do educando (FILGUEIRAS, 2006, p. 73).

Entretanto, para os militares da linha dura a educação como estava, no


contexto de novos paradigmas socioeconômicos oriundos da década de
1960 e guerra fria, não favorecia o “sistema de defesa democrático contra a
guerra psicológica e revolucionária”, nos termos de Costa e Silva, conforme
consta em sua ‘Exposição de Motivos 180-RP/65’. Era preciso o
revigoramento da EMC por meio de uma disciplina obrigatória.

Todavia, o CFE apresentava resistência acerca desta percepção de EMC,


mas com o recrudescimento da repressão e muitos de seus membros
perseguidos ou exonerados, o Conselho modifica seu entendimento,
viabilizando a EMC como disciplina.

Para o General Moacir Araújo - autor do anteprojeto do decreto-lei em


questão -, o decreto significou a premiação de um esforço que vinha desde
1965 no sentido de resgatar o “quase abandonado campo de valores
eternos” do brasileiro, conforme consta em sua conferência: A grande opção
brasileira consubstanciada na doutrina de EMC.

Nesse sentido podemos afirmar que o condicionamento da EMC como


disciplina obrigatória é um indicio do predomínio da ala mais radical dos
militares, bem como causa indireta da perseguição imposta pelo regime.

Seguido a ementa o decreto-lei apresenta o preambulo:

“OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXERCITO E DA


AERONAUTICA MILITAR, usando das atribuições que lhes confere o artigo 1º
do Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, combinado com o 1º
(caput) do artigo 2º do Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968,
decretam:” (BRASIL, 1969).

O que chama atenção é a origem de todas as atribuições destacadas pelos


ministros: os Atos Institucionais. A função dos atos institucionais é variada
segundo Napolitano (2014, p. 80) e envolve: o reforço legal do poder
executivo e a tutela dos militares, que em última instância está ligada a
militarização do Estado.

O suplemento do poder executivo na forma do Presidente da República, de


acordo com Napolitano (2014, p. 80) corresponde à importância de não
personalizar o poder, ou seja, criar um ‘ditador’, pois isso acirraria as
divergências entre as diferentes correntes militares e daria poder maior aos
comandantes imediatos da tropa.

A importância da figura do presidente no regime e do Ato institucional era a


consolidação da normatização autoritária, pois dava certa previsibilidade ao
exercício do poder, além de dar um amparo jurídico para as decisões no Aprendendo
âmbito politico principalmente no sentido tutelar, ou seja, a possibilidade de História:
veto e expulsão da vida publica. (NAPOLITANO, 2014 p. 80). VISÕES E
DEBATES
Estes aspectos dos atos institucionais estão ligados à militarização do Página | 165
Estado pelos golpistas, bem como sua ideia geral de tutela. Argumenta
Napolitano (2014, p. 162) que a atuação dos militares se deu pela limitação
do sistema político, controle repressivo do tecido social - em diversos graus
– e ocupação do poder formal necessariamente por um militar de alta
patente (Presidência da Republica), além de adequação do sistema jurídico
a seus interesses.

Na análise dos atos institucionais citados pelo preambulo do decreto-lei é


possível perceber as características citadas acima. O artigo 1º do AI nº 12
diz o seguinte:

“Art. 1º - Enquanto durar o impedimento temporário do Presidente da


República, Marechal Arthur da Costa e Silva, por motivo de saúde, as suas
funções serão exercidas pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e
da Aeronáutica Militar nos termos dos Atos Institucionais e
Complementares, bem como da Constituição de 24 de janeiro de 1967.”
(BRASIL, 1969).

Trata-se da necessidade de se manter a presidência da republica nas mãos


de um militar, no caso três, impedindo desta forma a transição do poder
para um civil mesmo que aliado do regime. Para Napolitano (2014, p. 122)
esta ação foi feita na tentativa de promover um equilíbrio interno das
diferentes corrente militares para atuarem de forma mais unida no combate
à guerrilha e tutela da oposição.

Já o 1º caput do 2º artigo do AI nº 5, que propõe a sobreposição do


executivo, na medida em que anula o legislativo e conduz seu poder para si,
afirma:

“Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica


autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições
previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios” (BRASIL,
1968).

O AI nº 5 pode ser entendido a partir da perspectiva da ‘utopia autoritária’,


definida por Carlos Fico (2004), conforme citado por Filgueiras (2006, p.
46), que em linhas gerais trata do saneamento do corpo social através da
eliminação da subversão e correção das deficiências estruturais brasileiras.
Por fim conclui-se que o decreto-lei nº 869/69 é afirmação no âmbito da
educação da ala militar linha dura através da constituição da EMC como
disciplina obrigatória em todos os graus e modalidades e que foi aprovada
em um cenário de Congresso Nacional fechado, bem como de instabilidade
politica com o afastamento de Costa e Silva, reafirmando o caráter
Aprendendo autoritário do período.
História:
VISÕES E EMC a partir do Decreto-lei nº 869/69
DEBATES A análise dos artigos constantes no decreto-lei buscará apontar as relações
Página | 166 entre o conteúdo deste com os objetivos do golpe militar indicados por
Napolitano, a saber: a destruição de opositores políticos e suas relações
com os movimentos sociais.

O artigo 1º institui “[...] em caráter obrigatório, como disciplina e, também,


como prática educativa, a Educação Moral e Cívica, nas escolas de todos os
graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País”.

Trata-se da demanda dos setores militares mais radicais em contraste com


a visão do CFE, marcada pelo entendimento da EMC apenas como pratica
educativa. Referencia a EMC, na forma de disciplina obrigatória, objetivava
de munir o cidadão contra a “sedução de hábil propaganda subversiva”,
segundo Costa e Silva e nesse sentido uma forma dos militares protegerem
a “democracia”.

O artigo 2º é ligado à finalidade da EMC e as bases filosóficas da educação,


sendo a finalidade:

“A) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito


religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com
responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
B) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valôres espirituais e
éticos da nacionalidade;
C) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade
humana;
D) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes
vultos de sua historia;
E) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família
e à comunidade;
F) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento
da organização sócio-político-ecônomica do País;
G) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com
fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao
bem comum;
H) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na
comunidade.”.

De acordo com Filgueiras (2006, p. 198) podemos entender a finalidade da


EMC a partir do civismo, Estado e moral. O civismo vinculado à defesa da
democracia, através da preservação dos valores religiosos, ao passo que o
fortalecimento da unidade nacional se daria por meio do culto as tradições
nacionais ligadas ao Estado e o seu conhecimento sócio-politico-econômico
em um esforço de formar no jovem uma moral ligada ao desenvolvimento
do país e resguardo da tradição.

Juntamente com desenvolvimento esta o culto a lei, pois ela é controlada


pelos militares através do processo de institucionalização do autoritarismo, Aprendendo
nesse sentido EMC, na medida em que estimula a reverência da lei, torna- História:
se legitimadora dos militares. Além da obediência a lei esta a fidelidade ao VISÕES E
trabalho e a integração da comunidade como forma de inserir o jovem no DEBATES
processo modernizador. (NAPOLITANO, 2014 p. 104). Página | 167
Para o General Moacir Lopes a maior importância desta lei reside na parte
que estende a finalidade da EMC, pois conforme o referido artigo “[...] as
bases filosóficas de que trata este artigo deverão motivar: a ação nas
respectivas disciplinas, de todos os titulares do magistério nacional [...]”.

O 3º artigo diz respeito à adequação da EMC em “[...] todos os graus e


ramos de escolarização”, sendo no Ensino médio ministrado também o “[...]
curso curricular de OSPB” e na pós-graduação a EMC “[...] sob a forma de
Estudos de Problemas Brasileiros”.

Segundo Filgueiras (2006, p. 51) percebe-se resistência do CFE, na medida


em que mantém para o ensino médio a OSPB, disciplina regulamentada
anteriormente ao golpe.

A existência da EMC, na forma de Estudo dos problemas brasileiros, na pós-


graduação corrobora com a inserção do jovem no processo de
modernização, mas em uma estrutura com parâmetros de tutela já
definidos pelos militares a partir das leis Suplicy Lacerda e Reforma
Universitária como forma de despolitizar as universidades.

Os artigos 4º e 7º apresentam um problema em comum, pois tratam


respectivamente da elaboração dos currículos da EMC e formação de
professores. Trata-se da inexistência uma ciência de referência, ou seja,
seus conteúdos são um agrupamento de conhecimentos advindos da
História, Geografia, Filosofia, Economia, Sociologia, Ciência política,
antropologia e teologia (FILGUEIRAS, 2006 p. 92).

No 4º artigo o decreto delega que “os currículos e programas básicos, para


os diferentes cursos e áreas de ensino, com as respectivas metodologias,
serão elaborados pelo CFE [...]” em colaboração com a Comissão Nacional
de Moral e Civismo – CNMC – e aprovação do Ministro da Educação.

Pode-se perceber a tendência do regime assinalada por Napolitano (2014,


p. 162) na qual a militarização do Estado não se dava pela atuação dos
militares no sentido de exercerem alguma função ativa, mas em direcionar
ou vetar as ações.

O artigo 7º afirma que a “formação de professores e orientadores de EMC


far-se-á em nível universitário, e para o ensino primário, nos cursos
normais.”; os Conselhos Federais, Estaduais e Centros Regionais de pós-
graduação tomarão medidas para o preparo dos professores; e no caso de
falta de professores “[...] habilitação de candidatos por meio de exame de
suficiência”; no ensino primário professores ministrarem EMC
“cumulativamente com as funções próprias”; ou “diretor avocara” a EMC.
Aprendendo
História: A ausência do aparato acadêmico implicou em formas distintas de
VISÕES E contratação de professores como o exame de suficiência. Os profissionais
DEBATES admitidos desta maneira eram empregados de modo provisório, conforme
Página | 168 dispõe o decreto-lei nº 200/67, não os caracterizando como funcionários
públicos.

Segundo Filgueiras (2006, p. 89) estas contratações em caráter


emergencial estão ligadas as licenciaturas curtas determinadas pela
Reforma Universitária no âmbito de expansão do ensino superior.

As licenciaturas curtas criavam professores com o mínimo conhecimento


para aplicarem na sala de aula apenas os conteúdos proscritos nos
programas curriculares, gerando dependência dos livros didáticos e
revelando função dos professores para o regime: apropriar-se dos
conteúdos e transmiti-los (FILGUEIRAS, 2006 p. 92).

Os artigos 5º e 6º dispõem respectivamente sobre a criação da Comissão


Nacional de Moral e Civismo – CNMC – e seu funcionamento. No primeiro
afirmar-se a CNMC “diretamente subordinada ao Ministro de Estado”, sendo
composta por “nove membros, nomeados pelo presidente da republica, por
seis anos” e sua estrutura de funcionamento é baseada no CFE.

Para Filgueiras (2006, p. 51) a subordinação da CNMC ao MEC ao invés de


um órgão da repressão é um exemplo da resistência do CFE na organização
da EMC. No entanto autora lembra também que ambos os órgãos – CNMC e
CFE – eram de indicação do presidente, sem consulta do Congresso
Nacional ou participação popular gerando o fato destes discutirem apenas a
viabilidade e melhor forma de executar as decisões do executivo, nunca o
contrariando, ou seja, deveriam dar ‘racionalidade’ as decisões do governo.

Kaé Lemos (2011, p.15) afirma a respeito da composição, visão ideológica e


perspectiva acerca da EMC dos membros da CNMC:

“[...] era, na prática, espaço de atuação de militares ligados à Escola


Superior de Guerra (ESG), civis militantes de direita e sacerdotes católicos,
apresentava um caráter mais conservador e por isso defendia que a EMC
deveria ser uma disciplina curricular específica e, acima de tudo, obrigatória
em todos os níveis de ensino, atribuindo ao seu ensino forte conotação
ideológica e prescritiva.”

Acerca das funções da CNMC, conforme dispõe o artigo 6º, estão


destacadas atividades para difusão da EMC como “articular-se com as
autoridades civis e militares, de todos os níveis de governo [...] colaborar
com as organizações sindicais [...] influenciar e convocar [...] órgãos
formadores da opinião pública”, elaboração de currículos e programas, além
do assessoramento do Ministro para aprovação de livros didáticos.

Os demais artigos 8º, 9º e 10º dizem respeito respectivamente à criação da


Cruz do Mérito da EMC; a necessidade da CNMC em enviar ao presidente
em até noventa dias a regulamentação do respetivo decreto-lei e a vigência Aprendendo
imediata da lei, sendo assinada pelos ministros da junta militar e Társio História:
Dutra, da Educação. VISÕES E
DEBATES
Em última analise ressaltamos o contexto autoritário de fechamento do Página | 169
Congresso Nacional e acirramento da crise institucional do regime na forma
da Junta militar, o decreto-lei nº 869/69 representa a guinada da linha dura
no âmbito da Educação que para atingir os objetivos de ‘sanear’ a política e
sua ligação com os movimentos sociais, no caso o estudantil, criou uma
disciplina obrigatória em todos os níveis, baseada em legitimadores do
regime militar – Religião, família e Pátria -, a EMC.

Referências
Gustavo Josué Simoni Paes é graduando da UEM e pesquisador bolsista do
CNPq – Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marcia Elisa Teté Ramos -.

FILGUEIRAS, Juliana Miranda. Educação Moral e Cívica e sua produção


didática: 1963-1993. 2006. 222f. Dissertação (Mestrado em Educação:
História, Política e Sociedade). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. Campinas, SP


Editora da UNICAMP, 1990.

LEMOS, Kaé Stoll Covero. A normatização da Educação Moral e Cívica


(1961-1993). 2011. 195f. Dissertação (Mestrado em educação: área de
concentração de Politicas e Instituições Educacionais). Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São


Paulo: Contexto, 2014.
EGITO: CIVILIZAÇÃO DAS LETRAS E DAS ARTES
Jean Carlo Lima de Moura

No Brasil, quando pensamos em educação, infelizmente vem à mente os


Aprendendo péssimos índices que elencam o país nas últimas posições de rankings como
História: o Pisa, ciências 63° posição, leitura 59° e matemática 66° de 70 países. A
VISÕES E desvalorização do ensino se observa quando o assunto é piso salarial,
DEBATES enquanto temos como parâmetro de vencimento o estabelecido pelo
Página | 170 Ministério da Educação R$ 2.557, 74, para quarenta horas semanais de
trabalho a partir de primeiro de janeiro de 2019, ainda existem estados,
Goiás é um deles (certame 2019 – vencimento R$1.753,31), insistem em
realizar seleções de professores onde o salário para mesma carga horária
não chega nem próximo do piso nacional da categoria.

É importante refletir-se sobre a história e desvelar detalhes que


intrinsecamente são primordiais a se construir uma sociedade que
desenvolva seu potencial, tenha qualidade de ensino e garanta
oportunidades igualitárias a todos, nesse sentido historiadores e
arqueólogos trazem à luz a grandiosidade da Civilização Egípcia, mais de
três mil anos de ocupação humana na crescente fértil do Nilo. Conhecidos
por suas enormes pirâmides, suntuosos palácios como o de Karnak em
Luxor, ou pelo zelo e dedicação às artes tão maravilhosamente
representados pelas tumbas do Vale dos Reis na região de Tebas.

Fig. 1
https://c1.staticflickr.com/8/7005/6693879095_6c78471ff1_b.jpg

Mais do que isso, os egípcios desenvolveram ao longo de sua história, um


dos mais fabulosos códigos de escrita da humanidade: os hieróglifos. Mas
não foi o único, em papiros os textos sacerdotais e religiosos eram escritos
na linguaguem hierática, um formato cursivo de hieróglifo, sem a simetria
dos pigtogramas hieroglíficos, uma escrita mais livre e didática. Com o
passar das eras e dinastias egípcias, a linguagem escrita do cotidiano foi
sendo padronizada para melhor administração em todo o Egito, a escrita
demótica (de demos - povo), assim chamada, foi uma evolução do hierático
egípcio, ainda mais rápida, cursiva e abstrata. Em destaque imagem do
deus Thot protetor e patrono dos escribas egípcios:

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 171

Fig. 2
https://i.pinimg.com/originals/55/bd/fc/55bdfcb4fdf281d1930cc57bee60dff
2.jpg
Educação, um fator de orgulho e distinção social
Profissionais da educação metódica e institucionalizada eram os escribas,
uma classe valorizada na pirâmide social egípcia, apenas oficiais, sacerdotes
e a realeza tinham prestígio superior. De acordo com o historiador pela USP
e especialista em Egito Antigo, Thomas de Toledo, o salário de um escriba
Aprendendo era da ordem de 7,5 khar de cereais, uma família necessitava 66 khar de
História: cereais para seu sustento ao ano, o salário de um escriba era equivalente a
VISÕES E 576 litros, ou 1365 gramas de cobre, 22,8 gramas de prata, o mesmo que
DEBATES 11,4 gramas de ouro (em época de Ramsés IX 6,82 gramas de ouro),
Página | 172 somente os altos postos do exército e capatazes recebiam esta quantia. Era
uma profissão invejável, em todo o Egito o escriba era quem tomava nota
de tudo, seja no comércio, na contabilidade, na administração pública, nas
expedições e viagens de contatos com outros povos, durante guerras, e por
vezes era o único meio de se ascender socialmente, superando a profissão e
classe social dos pais.

Fig. 3
https://www.unifal-mg.edu.br/remadih/wp-
content/uploads/sites/11/2018/04/014-
Pir%C3%83%C2%A2mideSocialEgitoAntigo-page0001.jpg

“Os materiais de trabalho dos escribas eram uma paleta com reentrâncias
para pedaços sólidos de pigmento vermelho e preto, um recipiente com
água, que podia ser uma bolsa de couro ou um pequeno pote, e um cálamo
de junco. A paleta era normalmente feita com um pedaço retangular de
madeira ou pedra. Suas dimensões podiam variar entre 20 e 43 centímetros
no comprimento, entre cinco e oito centímetros na largura e entre um e
cinco centímetros na espessura. Numa das extremidades havia duas ou, às
vezes, várias cavidades para conter as tintas na forma sólida. Entre as
paletas encontradas pelos arqueólogos muitas continham inscrições a tinta
em hierático, as quais parecem ser anotações administrativas feitas pelo
próprio escriba, tais como medidas, nomes, contas, registro de
mercadorias, etc. Outras paletas contém inscrições em hieróglifos, Aprendendo
geralmente invocando o deus Thoth, deus da escrita e da sabedoria e História:
divindade tutelar dos escribas, o que parece indicar que faziam parte do VISÕES E
equipamento funerário de seus donos. A tinta preta era feita com carvão ou DEBATES
fuligem e a vermelha com ocre dessa cor finamente moído. O branco se Página | 173
obtinha do carbonato ou sulfato de cálcio, enquanto o azul e o verde eram
produzidos com uma combinação de sílica, cobre e cálcio. Os ingredientes
eram misturados com uma solução fraca de cola, gelatina, cera ou clara de
ovo, de forma a endurecerem ao secar. Ao escrever o profissional misturava
água à pasta do pigmento, como fazem as crianças de hoje com as suas
aquarelas. O cálamo era feito de uma haste de junco, com cerca de 15 a 25
centímetros de comprimento. Sua ponta era cortada obliquamente e depois
mordida pelo escriba para quebrar as fibras. Os cálamos eram guardados
em uma ranhura cavada na parte central da paleta. Tais ranhuras podiam,
às vezes, conter uma tampa corrediça, como os estojos escolares de
plástico, ainda hoje utilizados pelas crianças. As pinturas eram feitas com
pincéis, enquanto linhas finas eram frequentemente desenhadas com
estiletes de madeira. Todo esse material o profissional da escrita carregava
dentro de caixas de madeira ou de bolsas de couro.” [in Netto, 2016]

Fig. 4
https://www.britishmuseum.org/collectionimages/AN16129/AN1612998431
_l.jpg

Eram centenas de símbolos hieroglíficos que o jovem estudante, escriba em


formação, deveria aprender, iniciavam aos quatro anos e permaneciam na
escola por mais doze. O regime de estudos era bastante rígido e criterioso,
ensinava-se aritmética (o papiro Rhind é um excelente exemplo da cultura
matemática no antigo Egito), geometria, processos administrativos,
agrimensura, arquitetura, mecânica, literatura, história, desenho e o
domínio da língua escrita.

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 174

Fig. 5
https://pbs.twimg.com/media/BsCoUFnCcAAcpLB.png:large

Literatura, paixão do povo egípcio


Uma das mais conhecidas crônicas que estabelece o fascínio pelas letras e
da formação das escolas para escribas é a Instrução de Kheti a seu filho
Pepi, também conhecida como a Sátira das Profissões por super valorizar a
profissão do escriba em detrimento a todas as outras consideradas
inferiores e aviltantes. O único papiro completo é o Sallier II, que encontra-
se no Museu Britânico.

Fig. 6
https://www.britishmuseum.org/collectionimages/AN00429/AN00429014_0
01_l.jpg
Sua história conta que numa viagem ao sul, um homem chamado Kheti leva
seu filho Pepi, de sua casa para a residência real, com o objetivo dele iniciar
seus estudos na escola de escribas, junto aos filhos dos magistrados. Pelo
caminho detalha uma série de profissões ao filho que em seu entendimento
são inferiores aos escribas. São caracterizadas de modo muito realista, por Aprendendo
vezes em tom pejorativo, satírico, comparando-as aos escribas, considera a História:
melhor das profissões já no início de sua explanação. Ao final, ressalta que VISÕES E
cada um deve aceitar o destino reservado para si, para não ir contra os DEBATES
deuses e a ordem natural das coisas, o maat. Detalhe, oficina de escribas: Página | 175

Fig. 7
https://www.historymuseum.ca/cmc/exhibitions/civil/egypt/images/writ09b
.jpg

A beleza da escrita é vista como uma arte, Kheti diz que fará seu filho amar
mais a escrita que a própria mãe. Em sua narrativa, Kheti esmiúça cada
profissão e suas características severas, o pescador está ao alcance dos
crocodilos; o oleiro com o corpo e os olhos está o tempo todo no calor das
fornalhas, tem os dedos putrefatos; se um tecelão perde seu dia de
trabalho recebe cinquenta chicotadas; mesmo com todo o pesado trabalho
do carpinteiro, ele não leva o suficiente aos seus filhos; o apanhador de
canas tem os braços cortados, o corpo chacinado por moscas e mosquitos
que o afligem; o barbeiro trabalha até tarde da noite e perambula pelas
ruas desesperado procurando alguém a barbear; o entalhador de gemas
produz belas jóias porém ao finalizar seu trabalho, seus braços estão
arruinados pelas duras predras preciosas. São mais de trinta profissões
detalhadas por Kheti a seu filho, todas demandam grande esforço físico, são
descritas como em contato com a imundície ou porventura enfrentamento
de grandes perigos, como é o caso do mensageiro que sendo enviado ao
exterior pode não mais voltar, seja pelo perigo dos asiáticos (povos do
Levante e Pérsia), ou sendo vítima de leões. Kheti evidencia as vantagens
da profissão de escriba e faz um adendo à condição superior que esta
possui devido ao fato de não possuírem chefes, escribas são seus próprios
patrões.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 176

Fig. 8
https://4.bp.blogspot.com/-
mabPbVfpDc4/Vero0rJgaiI/AAAAAAAAOLU/2X1gTAs6Bxo/s1600/p18bh0iljc1
r1akl6r111frr374s.jpg

Este texto literário egípcio não apenas demonstra com riqueza de detalhes
as profissões do Egito antigo, mas também é a lição de ética, moral e
retidão de um pai a seu filho. Kheti orienta Pepi a evitar os brigões; fugir de
fofocas; não dizer mentiras; comer e beber moderadamente; respeitar os
altos dignitários; ser ponderado e respeitoso. Ensina Pepi a andar com “os
filhos dos homens”, aprender a ouvir, para ser valoroso de coração.
Ressalta que ao escriba não falta comida ou bens no palácio real.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 177

Fig. 9
https://lanceton.files.wordpress.com/2008/09/abusimbeltemplecloseup.jpg

As Instruções de Kheti representam um momento de ouro das escrituras


egípcias, o amor pela escrita é visivel nas inúmeras obras literárias e
narrativas, como A Instrução de Ptahhotep; O Conto do Náufrago; Os
Contos da Corte do rei Quéops; O camponês Eloquente; e o clássico escolar
As Aventuras de Sinué. São dois papiros que representam a história
completa de Sinué, o papiro B (recebe este nome por encontrar-se no
Museu Egípcio de Berlim), e o papiro R, por ter sido encontrado em 1896
por J. E. Quibell no templo Ramesseum, templo de Ramsés II, em uma
caixa localizada num túmulo dos finais do Império Médio, situada sob os
armazéns do templo, que continha diversos papiros literários. O que
demonstra o amor egípcio pela literatura, estes papiros manuscritos foram
cuidadosamente armazenados como valiosa relíquia por aqueles que as
possuíram em vida. Tais textos eram reproduzidos e recopiados nas escolas
preparatórias para escribas como parte do currículo da formação.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 178

Fig. 10
http://www.egyptian-museum-berlin.com/bilder/g_q_papyr_sinuhe_2.jpg

Sinué foi uma história escrita em língua egípcia clássica e em hierático,


conta a história do membro da guarda real do harém que devido a tensões
políticas, a morte do rei Amenemhat I e a ascenção ao trono de Sesóstris I,
temendo por sua vida, acaba sendo forçado a abandonar o Egito, após a
difícil travessia do Sinai, refugia-se na Palestina. Torna-se genro e homem
de confiança do rei do país de Retenu Superior (no alto Líbano), Amunenchi,
que o põe à frente de suas tribos e no comando de suas tropas. O prestígio
e a riqueza de Sinué não param de aumentar, principalmente após o duelo
contra um herói local que o havia desafiado, tornando-se assim ainda mais
rico e poderoso. Após conquistar toda honra, riqueza e poder que seu país
adotivo pode proporcionar, Sinué com saudades de sua terra natal, pede ao
faraó do Egito que lhe permita voltar. O rei Sesóstris não apenas concede o
retorno a Sinué como o trata de modo afetuoso deixando-o emocionado. O
relato termina com o encontro no palácio real, a reinstalação de Sinué na
corte e até o tranquilo fim de sua vida.
Aprendendo
História:
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DEBATES
Página | 179

Fig. 11
https://www.ancient.eu/uploads/images/6045.jpg?v=1485682678

Hieróglifos, a perfeição da técnica


Nesse contexto de intensa valorização da educação e formação dos
escribas, ocorre a evolução das escrituras egípcias, os hieróglifos foram
aperfeiçoados para servirem aos mais distintos fenômenos da vida cotidiana
e social. Em templos e tumbas onde o efeito da decoração era descritivo, os
hieróglifos eram frequentemente executados com o detalhe mais elaborado
e belamente colorido. Em estelas de pedra e similares, os sinais são
encravados, ou mais raramente em relevo, sem marcas interiores. No
papiro, os contornos eram, por outro lado, abreviados em uma extensão
muito considerável. A categoria às vezes chamada por semi-cursiva, ou
escrita de livros, também encontrada em narrativas hieráticas era bastante
rara em inscrições ligadas a cenas ilustradas.
Aprendendo
História:
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DEBATES
Página | 180

Fig. 12
(CAMINOS, 1976)

Os exemplos 1 e 2 são hieróglifos encravados em pedra com elevada


simetria, regras de posicionamento e exatidão das formas, já no exemplo
3a são hieróglifos encravados, usualmente em madeira ou metal, porém
mais cursivos que os exemplos anteriores. Os exemplos 3b e 4 são
tipicamente cursivos para escritas em papiros ou ostracas.

Egito, superpotência da antiguidade


Com o desenvolvimento do demótico como língua escrita e falada, a parcela
da população letrada aumentou significativamente, muitas mulheres e
rainhas egípcias como Nefertari, Nefertiti e Cleópatra VII, sabiam ler e
escrever. Aos iletrados, restava a leitura e a encenação pública das
narrativas e épicos da literatura egípcia, levando o lazer às pessoas mais
comuns. No detalhe, imagem entalhada da tumba do general e faraó
Horemheb em Sacara, é postulado por egiptólogos serem garotas escribas
realizando o registro dos espólios de guerra após domínio da Núbia:
Aprendendo
História:
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Página | 181

Fig. 13
https://i.pinimg.com/originals/23/3a/cc/233acc4a0892c9a3b18ddcf7cd4cc5
e5.jpg

“O ensinamento no Egito não era feito apenas para a formação de escribas.


Eram necessários professores nos palácios reais, para os príncipes e
princesas de sangue real, bem como para os filhos de monarcas
estrangeiros que lá iam estudar. As residências provinciais dos
governadores, inspiradas sempre no modelo do Faraó, tinham as mesmas
exigências. Os templos, de outra parte, demandavam os escribas versados
nas ciências sagradas, que pudessem interpretar os velhos livros canônicos,
para compor novos, formular as legendas que deveriam ser gravadas nas
muralhas dos santuários construídos ou no pedestal das estátuas erigidas.”
[in Bakos, 1999, p.220]

A arte e escrita egípcias representam fantasticamente sua cosmogonia,


deuses, rituais e simbologias. Na necrópolis tebana, no Vale dos Reis, o
conjunto de tumbas estão decorados com uma série de livros sagrados que
por vezes protegem, descrevem o submundo, fazem a travessia do difunto,
trazem fórmulas sagradas, oferendas, métodos de alimentação na outra
vida, descrevem o julgamento do deus Osíris, detalha a viagem ao outro
mundo. Toda esta evolução artística e literária tem seus primórdios nos
‘Livros das Pirâmides’, durante o Reino Novo.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 182

Fig. 14
https://media.buzzle.com/media/images-en/gallery/historical-events/1200-
510679530-ancient-egyptian-hieroglyphs-on-the-wall.jpg

A construção das tumbas no Vale de Tebas foi a máxima expressão desta


cultura funerária, o ‘Livro das Cavernas’, ‘Livro das Portas’, ‘Livro dos
Mortos’ e os Textos dos Sarcófagos são retratados entre tetos estrelados,
personagens moldados em alto-relevo policromáticos, hieróglifos com
caracteres extremamente simétricos e bem entalhados e frisos altamente
detalhados. Na imagem, papiro do julgamento de Hunefer, após ter o
coração pesado numa balança contra uma pena de avestruz, é levado à
presença de Osíris:

Fig. 15
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1b/The_judgem
ent_of_the_dead_in_the_presence_of_Osiris.jpg/1200px-
The_judgement_of_the_dead_in_the_presence_of_Osiris.jpg
O ensino e a educação no Egito Antigo não eram reservados apenas à elite,
houve registro na história egípcia de escribas que eram escravos,
estrangeiros, como toda sorte de gentes do povo e da nobreza. O
letramento não era universal, muitos dos conceitos que conhecemos de
universalização do ensino são modernos, aqui não se discorre a abrangência
da escolarização do povo egípcio para não se incorrer em anacronismos, Aprendendo
mas sim deseja-se situar que o amor desta civilização pelas letras e pelas História:
artes estiveram num patamar tão alto em intensidade, que ainda na VISÕES E
atualidade nos deslumbramos com seu potencial criativo, beleza estética e DEBATES
excelência. Em detalhe, imagem mural das raças que mantinham contato Página | 183
com o povo egípcio:

Fig. 16
https://cristianaserra.files.wordpress.com/2014/08/races2.jpg

Valorizar a educação faz a diferença


Apesar da enorme receita das universidades federais brasileiras, em terras
tupiniquins nunca surgiu um nobel da física, da química, da matemática ou
da literatura. Em contrapartida, há mais de três mil anos na dádiva do Nilo,
edifícios colossais com mais de 130 metros de altura eram erguidos com
técnicas rudimentares, crônicas e sátiras eram produzidas com varetas,
folhas de fibras vegetais e pigmentos extraídos de rochas, estátuas
gigantestas eram esculpidas, sistemas de irrigação, produção de
cosméticos, acreditavam na imortalidade e por isso produziam para ser
eternizado. No Brasil por sua vez, como diria o filósofo Bauman, com o
advento da sociedade na modernidade líquida, onde nada encontra solidez,
tudo é delével, sem profundidade e cheio de jeitinhos. É necessária a
reflexão, o diálogo, e a produção de saberes estrategicamente pensados
para a evolução, o desenvolvimento e a preparação das novas gerações
para os desafios da modernidade.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 184

Fig. 17
http://www.historyonthenet.com/wp-content/uploads/2014/07/800px-
All_Gizah_Pyramids.jpg

Referências
Jean Carlo Lima de Moura é acadêmico do último ano do curso de História
da Universidade Norte do Paraná.

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http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=72571, 2019.

ESCOLA DE GOVERNO. Edital de seleção simplificada Professor 2019 in


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História:
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S. Paulo, 19 de outubro de 2003. Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/4_E
ncontro_Entrevista_A_Sociedade_Liquida_1263224949.pdf, p. 2
QUESTÕES ETNICO-RACIAIS: DO CURRÍCULO TRADICIONAL ÀS
NOVAS DEMANDAS DE ENSINO
Jessica Caroline de Oliveira

Frutos de tensões e estratégias políticas, os currículos educacionais Aprendendo


dialogam intimamente com os anseios do Estado no tocante ao perfil de História:
produção do conhecimento histórico, direitos humanos e cidadania, os VISÕES E
quais, em contextos particulares, foram orquestrados a partir da ideia de DEBATES
uma homogeneização social. Isto é, um ensino que aglutinava as singulares Página | 187
identitárias, históricas e as diversas memórias coletivas, a fim de cristalizar
um modelo único de ser, pensar e se perceber historicamente. Dentro
destas perspectivas, os grupos subalternos (em linhas gerais, africanos,
indígenas e mulheres) eram marginalizados, apagados ou representados
enquanto ‘anexos’ do processo histórico em virtude da exaltação de
personagens e eventos que acabavam por privilegiar nomes e datas
importantes e, por assim dizer, a grandeza da nação.

Nesta acepção, em suas primeiras décadas, o ensino de história e a própria


História pautavam-se em mitos fundadores que pouco ou em nada
dialogavam com suas teias sociais, afinal, mais do que problematizar uma
história brasileira, objetivava-se uma aproximação com ‘a grande história
europeia’. Noutras palavras, o Brasil sentia-se europeizado, ignorando
assim, suas matrizes africanas, indígenas e latinas – entendendo-se como
uma Nação ‘fora do seu lugar’. A invenção da sua ‘origem’ valia-se de
sentidos e significados da cultural ocidental civilizada, recorrendo as demais
fissuras de seu tecido social apenas para legitimar o discurso hegemônico e
salvacionista europeu. E, de representações como estas, perspectivas
históricas vinculadas a dicotomia atraso/progresso, selvagens/civilizados
e/ou dóceis/hostis, legaram aos currículos educacionais um déficit gigante
para as demandas de ensino e aprendizagem.

Se até década de 1960 os princípios educacionais voltavam-se para eventos


políticos, nota-se que durante o período de Ditadura Militar, este viés foi
adicionado ao intuito de ajustar as crianças ao sentimento cívico, patriota e
de cidadania, elegendo novamente sujeitos históricos que serviam como
‘exemplos’ da Nação Brasileira e que deveriam ser reverenciados pelo seu
povo, conforme comenta Oliveira (2016). Somente nos anos de 1990 é que
novas normativas operacionalizaram mudanças nas bases de ensino,
delineando, deste modo, inovações quanto à função da disciplina de
história, suas temáticas e ferramentas metodológicas. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) vinculavam a História enquanto elemento
fundamental da identidade, fosse ela individual, social e coletiva, as quais
se constituiriam e dialogariam com a identidade, memória e história
nacional. Ou seja, a pessoal, individualmente, possuía elementos que se
conectavam com uma identidade que aglutinava singularidades, e estas,
por sua vez, não eram descaracterizadas por aspectos mais amplos, pois
permitiam reconhecer a relação entre o ‘eu’ e o ‘outro’.
Esse ‘outro’, neste contexto, teria seu lugar na história e nos currículos
educacionais, no entanto, de forma transversal. Logo, as temáticas étnico-
raciais e de gênero seriam discutidas em momentos específicos, como o Dia
da Mulher, Dia do Índio, 13 de maio, ou quando houvesse interesse ou
projetos ligados ao tema. Esse culto à datas ‘comemorativas’ restringia os
Aprendendo debates de forma mais abrangente por três motivos centrais: primeiro,
História: porque oportunizava a continuidade dos modelos de ensino anteriores; o
VISÕES E segundo, porque acabava se tornando uma atividade que pouco se
DEBATES relacionava com os demais conteúdos, isto é, apagava a presença dos
Página | 188 grupos subalternos dos processos históricos, afinal, os mesmos atuaram
enquanto agentes históricos em toda a História Brasileira (ou, boa parte
dela) e não somente nestas situações específicas; por fim, porque privava
de uma discussão mais ampla e impossibilitava desvelar como as
resistências, heranças e contribuições subalternas deram corpo à cultura,
história, memória e identidade nacional, a qual é formada no seio de
processos históricos que contam com aspectos que se mesclam, se
transformam, resistem e permanecem nos grupos e subgrupos que formam
o que conhecemos e entendemos enquanto Brasil.

É claro que este contexto educacional trouxe reformulações nas balizas de


ensino, entretanto, ainda assim, era preciso mais.... Esse mais foi
conquistado por meio de diversas críticas, questionamentos e lutas de
múltiplos movimentos sociais que buscavam um modelo de ensino
democrático e igualitário, para que os grupos subalternos, os quais durante
séculos foram marginalizados e excluídos das demandas educacionais,
tivessem seu espaço nos currículos. E, mais do que isso, fossem
apresentados de maneira crítica e a trazer luz à resistência, diversidade e
importância para a formação da cidadania, bem como, composição e
integração à História Nacional, sendo esta composta por pilares
heterogêneos – povos africanos, indígenas e europeus em conjunto,
diálogos e intersecções culturais, e não enquanto aculturados ou vieses que
denotassem a superioridade de um sobre o outro.

Esta prerrogativa, embora ecoe no século XX, sabe-se que tem suas vozes
nos séculos anteriores, as quais eram representadas por lideranças e
grupos que ansiavam por uma sociedade em que as pessoas, indiferente
aos seus credos e origens, dividissem o mesmo espaço, contando com os
mesmos direitos e entendendo-se enquanto iguais. Frente a estas diretrizes,
é possível identificar diferentes sujeitos que lutaram por essa igualdade, ou
a liberdade de african@s e afro-brasileir@s, tais como Zumbi dos Palmares,
Teresa de Benguela, Luís Gama, Aqualtune, Castro Alves, Luisa Mahin, José
do Patrocínio, Dandara dos Palmares, José Rebolças, e segue uma lista
quase esquecida de pessoas que lutaram por uma transformação social.
Infelizmente, no que tange ao período de escravidão no Brasil, seu fim é
tido como um favor da Princesa Isabel ao assinar a Lei Áurea. É evidente
que este fato histórico tem sua relevância, todavia, não deve e nem pode
mascarar todo o processo de luta e resistência que o antecedeu.

Pensando no século XX, foram conhecidas e notórias as ações do


Movimento Negro Unificado e do Teatro Experimental do Negro que
resistiram aos modelos hegemônicos de história e memória nacional,
buscando assim, o respeito, valorização e reconhecimento da cultura afro.
Além disso, defendiam a ideia de que para se combater o preconceito e o
racismo, se fazia preciso o desenvolvimento de ações afirmativas que
incluíssem as formas de cultura que, historicamente, haviam sido
marginalizadas e/ou elaboradas de maneira depreciativa, em que se Aprendendo
reafirmavam estereótipos ligados à escravidão e inferioridade afro em História:
comparação aos parâmetros raciais europeus. VISÕES E
DEBATES
Neste viés, é possível dizer que o conhecimento foi, e ainda é, uma Página | 189
importante ferramenta na construção do respeito e da valorização das
pessoas enquanto seres humanos. Esse conhecimento é o caminho para
romper as barreiras entre as diferenças e a ponte que liga os sujeitos e
grupos, permitindo a compreensão que as singulares não devem significar
ou justificar qualquer ideia ou ação discriminatória. Dito isso, dois
documentos foram fundamentais para (re)pensar as premissas de ensino e
aprendizagem no tocante as questões étnico-raciais, sendo eles: as
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”
(2004), cujo teor está embasado no intuito de oferecer, por meio de
políticas de ações afirmativas, uma ”política curricular, fundada em
dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade
brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem
particularmente os negros”; o segundo documento se trata da Lei
10.639/03, assinada pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva que, em
síntese, orienta para o reconhecimento e valorização das etnias afro e suas
composições sociais, religiosas, culturais, literárias e intelectuais a partir da
reflexão e diálogo com as temáticas que já compõe o currículo escolar,
utilizando-se de metodologias e epistemologias que fortaleçam e visibilizem
o legado afro.

Portanto, partindo das premissas relacionadas aos movimentos sociais,


antepara à Lei 10.639/03 e orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Etnico-Raciais, com as quais concordo, este
texto dialoga com seus princípios, anseios e a busca por um ensino crítico
que permita o (re)conhecimento da história afro, integrando os grupos
subalternos que, abafados e maquiados – social e politicamente –, foram
abordados de uma forma que pouco contribuía para uma prática educativa
da sociedade como um todo e de defesa das especificidades culturais, a fim
de promover políticas de integração social. Frente a estas colocações,
entende-se que utilizando de uma nova roupagem teórica e um olhar crítico
para as temáticas afro, oportuniza-se novas representações acerca de
sujeitos e povos que historicamente possuem suas imagens estereotipadas.
Além disso, ao romper com as perspectivas depreciativas, tem-se a
possibilidade de gerar práticas de respeito e valorização sociocultural,
gerando, deste modo, a reprodução de novas representações, as quais
revelam e retratam personagens e situações de luta e de resistência. E,
sobretudo, demonstrando o quanto nós somos africanizados em nossos
jeitos de ser, falar, agir e pensar. Mas para perceber estas influências, se
faz necessário conhecer, debater e problematizar, tal como nos fala Serrano
(2007). E, aqui estamos nós, apontando mais uma vez para a importância
do conhecimento e a maneira como ele pode transformar saberes,
experiências e vidas quando permite o sentir-se representado, valorizado e
integrante da História.

Aprendendo Referências
História: Jessica Caroline de Oliveira, licenciada em História pela Universidade
VISÕES E Estadual do Paraná, Pós-Graduada em História e Cultura Afro-brasileira pela
DEBATES Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduada em História, Cultura e Arte
Página | 190 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também obteve o título
de Mestra em História, Cultura e Identidade, Doutoranda em História, Poder
e Movimentos Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: história/Secretaria de Educação


Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 jan. 2003.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-


Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Disponível em:
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/DCN-s-
Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf Acesso em: 14 Jun. 2014.

OLIVEIRA, J. C. África na sala de aula: considerações sobre a inserção do


ensino de história da África e da cultura afro-brasileira no currículo escolar.
In: BUENO, André; CREMA, Everton e ESTACHESKI, Dulceli. (Org.)
Pensando Amanhãs: falando sobre o ensino de história.. 00ed.Rio de
Janeiro/União da Vitória, 2015.
LITERATURA E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
João Pedro Pereira Rocha

Introdução
A última década do século XX foi marcada por acontecimentos significativos Aprendendo
para o histórico das disciplinas escolares. No caso particular da disciplina História:
história, além da reconquista da autonomia plena, desvencilhando-se de VISÕES E
ciências sociais, as mudanças aconteceram em algumas direções, com DEBATES
destaque para o currículo, a formação de professores, conteúdos e métodos Página | 191
a serem empregados em sala de aula. Assim, as reflexões em torno da
importância, ou do espaço, do conhecimento histórico, na formação para o
exercício da cidadania iniciava-se e seriam reforçadas no início do século
XXI, quando, por exemplo, é regulamentada a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana, na Educação Básica.
Visivelmente o horizonte sobre o ensino de história se ampliará desde a
última década do século XX, e até o presente nos incita a pensa/repensar,
entre outras, métodos e práticas em sala de aula. Nesse contexto, podemos
refletir sobre um tipo de fonte, em particular, que fazer parte do processo
de ensino aprendizagem em história, a literatura.

No contexto de ensinar e aprender História, nossa reflexão consiste em


pensar alguns pontos em relação a esse processo, e que levam em
consideração os usos da Literatura como ferramenta de trabalho. A
proposta tem como objetivo analisar o espaço que determinadas obras
podem ocupar no ensino de história, sobretudo mediante possibilidades de
pensar o tempo presentes e suas problemáticas. Ao fim da discussão,
esperamos ter levado professores, estudantes e pesquisadores a pensar o
valor das fontes literárias, algumas de suas contribuições e seus limites
para a sala de aula.

De modo didático, o estudo articula-se em dois momentos e que formam o


desenvolvimento do texto. No primeiro fazemos um esforço em reunir
algumas ideias, acerca da relação Literatura e Ensino de História, que
entendemos como úteis ao nosso empreendimento. Ideias e pesquisas no
campo do Ensino de História serão apresentadas como forma de expor os
apontamentos que estudiosos têm feito em relação à presença da literatura
nas aulas de história. Em seguida, tratamos de verificar algumas
possibilidades didáticas para o ensino de história quando do uso de duas
obras de perfil histórico e que compõem a Literatura Brasileira, são elas: “O
Mulato” [1881] e “O Cortiço” [1895], do escritor brasileiro Aluísio Azevedo.
Visando colocar em destaque um aspecto das obras, e que podem servir
aos interesses do processo de ensino aprendizagem em história, nos
detemos, aqui, sobre a relação entre obra e tempo.

Literatura no Ensino da História


A presença da literatura no ensino da História não é algo recente e,
atualmente, encontra-se presente em sala de aula, seja de forma direta,
quando o professor faz uso de textos literários em alguma atividade, seja
de forma indireta, nos livros didáticos, quase sempre em recorte de trechos
específicos como complemento dos conteúdos previstos. Como produção
artística, a literatura carrega consigo elementos inerentes à criatividade, a
imaginação, a concentração, a interpretação, entre outros, e que são
importantes no processo de apreensão do conhecimento histórico.
Pesquisadores têm buscado registrar as contribuições para o ensino de
Aprendendo história quando do uso da literatura como ferramenta no processo de ensino
História: aprendizagem.
VISÕES E
DEBATES Por se tratar de uma criação artística a literatura, em sua aproximação com
Página | 192 o ensino de história, tem levado pesquisadores a chamar atenção para duas
de suas características fundamentais: ser uma ficção e por sua diversidade
de manifestação (romances, contos, crônicas, poemas). No primeiro caso,
que identifica a natureza artística da literatura, Selva Guimarães Fonseca
destaca as diferenças entre a narrativa histórica e a literária [2003, p. 165],
que se distanciavam na relação com os fatos, a primeira ocupada em
aproximar-se da verdade e a segunda sem pretensão de tal ato. Já Circe
Bittencourt sugere que a diversidade de formas para manifestar-se permite
a literatura ser uma facilitadora em trabalhos de caráter interdisciplinar
[2011, p. 339].

Para a sala de aula, as pesquisas também apontam para os pressupostos


necessários ao uso da literatura na disciplina história. Assim, e indo além da
distinção entre as narrativas e das formas de manifestação da arte literária,
é interessante haver uma preparação profissional acerca dos indícios
teóricos que podem auxiliar no trabalho com as fontes literárias. Nesse
sentido, por exemplo, pesquisadores têm evidenciado o papel do
desenvolvimento observado no campo historiográfico e que podem ser úteis
para o ensino de história. Assim:

“As considerações de Edward P. Thompson e Raymond Williams são


relevantes para a compreensão das condições sociais da obra literária como
produto cultural. [...] Assim, o conceito “experiência social”
historicamente vivida (THOMPSON, 1987 e 2002) ajuda a entender como o
texto literário pode comportar o testemunho de vida, comportamentos,
valores, percepções sobre o lazer, angústias, embates cotidianos, relações
de poder, ideais de luta, táticas de inserção pública, social e política. De
igual modo, estas “vivências pessoais” inseridas na história e constantes na
obra literária demandam uma análise da “estrutura de sentimentos”
(WILLIAMS, 1990). Ou seja, mediante a experiência dos autores (sujeitos
sociais), no limite entre a ficção e a realidade, deve-se entender como se
estruturaram os desejos reais e as possibilidades imaginadas por estes
produtores culturais feitos agentes históricos, no campo das suas
inquietações sociais, ora metaforizadas, omitidas ou denunciadas.” [in
Sampaio, et al, 2015, p. 275-276]

As ferramentas teóricas seriam, assim, os meios por meio dos quais


professores poderiam recorrer para explorar os textos literários de forma
profunda e de modo a construir momentos propícios para o estudo do
passado em sala de aula. Como historiador, o professor vale-se dessas
orientações para fundamentar sua práxis e para melhor planejar suas
atividades, uma vez que é a teoria o suporte que justificará e apontará os
caminhos de interpretação social das obras, por exemplo. É na reflexão
sobre os pressupostos teóricos de uma análise sobre a literatura que o
professor poderá encontrar o melhor caminho para uma clientela
diversificada, social, cultural e economicamente. Assim, e a partir do perfil
do estudante é possível pensar algumas estratégias possíveis ao processo Aprendendo
de ensino aprendizagem e que podem levar em consideração a figura do História:
autor/escritor como agente social posicionado do tempo. Como apontam os VISÕES E
autores, a análise sobre o autor levará em consideração sua figura social, DEBATES
um agente da história, e a obra é ferramenta que nos coloca em contato Página | 193
com seus objetivos e pensamentos.

Uma vez decidido utilizar a literatura como ferramenta no processo de


ensino aprendizagem, é necessário identificar qual gênero literário irá
atender aos objetivos. Nesse contexto, o romance pode surgir no horizonte
de professores de história, uma vez que são obras responsáveis por
consagrar a literatura entre as artes nas sociedades. Tomado como opção
útil, os romances podem ser pensados a partir classificações temporais,
obras antigas, medievais, modernas e contemporâneas algo que nos leva a
pensar o caráter histórico das obras. Como romances históricos, ou de
época, determinadas obras podem ser pensadas/refletidas a partir da
perspectiva que considera o autor como agente social, compartilhando
valores e ideologias de seu tempo. Essa situação pode ser pensada a partir
da observação de dois clássicos da Literatura Brasileira, “O mulato” e “O
cortiço”, ambos do escritor Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo.

Caminhos metodológicos possíveis: o Brasil oitocentista em sala de


aula
O valor de um romance histórico para o ensino de história caminha no
sentido tal como os demais documentos de época: oferecer ao estudante
um vestígio do passado e por meio do qual, ele poderá construir
interpretações acerca de modos de vida distante no tempo. Como objetos
de seu tempo, esses objetos tendem a carregar consigo códigos temporais
que dizem sobre sociedades passadas. Assim, e tendo em vista que nossa
proposta de trabalho pensa os usos de obras históricas no ensino de
história, coloquemos em destaque o valor social das obras já citadas. Sobre
a relação autor-obra, é interessante fazermos um breve apontamento
biográfico antes de adentrarmos nas características das obras e suas
contribuições para o ensino de história.

A biografia de Aluísio Azevedo [1857-1913] destaca sua importância frente


ao desenvolvimento da Literatura Nacional no século XIX, sobretudo por ser
apontado como fundador do naturalismo no Brasil. Influenciado pelo estilo
naturalista francês de denuncia social, suas obras romperam com o
romantismo, explorando outros espaços, outras narrativas, outras
realidades, outros sujeitos, outras representações. Em sua jornada como
escritor “O Mulato” inaugura sua campanha naturalista, causa repercussão
principalmente por criticar laços que arregimentavam a sociedade
maranhense tradicional e escravista da época. O romance reúne aspectos
sociais, a exemplo do preconceito, que era camuflado por ações diretas de
instituições tradicionais, a exemplo da Igreja e que esteve representada no
personagem do cônego Diogo.

A postura frente a problemáticas, fundamentalmente, sociais permitiu a


Aluísio Azevedo estabelecer-se como importante escritor a partir da
Aprendendo publicação de “O Cortiço”. O cenário da obra é a capital, Rio de Janeiro, o
História: Império em seus últimos anos apresenta-se na diversidade de personagens:
VISÕES E trabalhadores simples, imigrantes, negros, prostitutas, homossexuais, mas
DEBATES o personagem principal da obra é o conjunto de casebres que formam um
Página | 194 cenário de degradação humana, o cortiço.

“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos,


mas uma infinidade de portas e janelas alinhadas. [...] As portas das
latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um
entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda
amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de
lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da
estalagem ou no recanto das hortas. [...] Sentia-se naquela fermentação
sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os
pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir,
a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.” [in Azevedo, 1996, p. 38-
39]

O enredo ficcional envolve tramas, desejos, intrigas, conflitos e sentimentos


que caracterizaram, na ficção, o cotidiano das zonas marginais da capital
federal. O cotidiano do povo, das classes desfavorecidas ganha
representatividade nas linhas de Aluísio Azevedo. Assim, a obra enquanto
produto histórico representa a configuração política e social de pessoas
simples, comuns, e que podem facilmente ser marginalizados no processo
de ensino aprendizagem em história tendo em vista práticas de ensino
ainda tradicional e as limitações de materiais didáticos.

Na trajetória do escritor Aluísio de Azevedo, “O mulato” e “O cortiço” são


obras distantes em relação ao ano de produção, 1881 e 1895, quatorze
anos, mas que mantiveram proximidade com a escola naturalista e o
empenho na crítica à sociedade brasileira da época. Uma das possibilidades
para pensar a presença dessas obras em sala de aula é colocar em
destaque conceitos que se identificam com o objetivo do autor ao “capturar”
aspectos da realidade social. Nesse sentido, podemos destacar os conceitos
de racismo e cidadania, entendidos como veículos por meio dos quais é
possível perceber a relação autor-obra-contexto. Para a sala de aula esses
conceitos podem apontar para a reflexão acerca de questões temáticas, a
exemplo da “Formação política e social do Brasil no século XIX”.

Como vemos, a perspectiva temática aparece no horizonte do processo de


ensino aprendizagem como possibilidades didáticas para os usos dos
romances de Aluísio de Azevedo em sala de aula. É importante sublinhar
que, “Ensinar a partir da abordagem da História Temática significa
principalmente pensar o ensino de História como decorrência das urgências
do presente” [in Pereira; Graebin, 2010, p. 174]. Dessa forma, os conceitos
de racismo e cidadania podem ser pensados no sentido de promover
debates, discussões e reflexões em torno da formação histórica da
sociedade brasileira. Nesse sentido, é possível uma abordagem que sublinha
o contexto das obras.

Localizadas no século XIX da História do Brasil, “O mulato” e “O cortiço” são Aprendendo


representativas desse tempo e dialogam de forma próxima com os História:
acontecimentos registrados à época. Independência [1822] e Abolição da VISÕES E
Escravidão [1888] e Fundação da República [1889] são três acontecimentos DEBATES
que situam a escala macro da conjuntura política e social brasileira no Página | 195
período oitocentista e encontram nos romances espelhos de representação.
Para a sala de aula, essa questão poderá ser traduzida em
questionamentos, interrogações com vistas a introdução de um
determinado conteúdo, por exemplo. Qual o espaço do negro na sociedade
brasileira no pré e pós-abolição e a relação dessa situação com a existência
do racismo no Brasil, ontem e hoje? Qual a configuração da cidadania na
pós-independência? Perguntas que podem ser para introdução de conteúdos
ligados à História Nacional no século XIX.

Para responder essas questões, e uma vez que um ensino temático permite
um diálogo com o tempo presente, as abordagens podem ocorrer no sentido
de pensar, historicamente, os termos racismo e cidadania. Isso permite
refletir acerca de suas construção histórica nas sociedades e as
particularidades em relação a formação da sociedade brasileira. Nesse
sentido, as discussões em sala de aula podem partir da construção coletiva
do preconceito racial, fruto de um longo processo de escravização do negro
e que se instalou na História do Brasil por quase quatro séculos de
escravidão. A crítica feita por Aluísio de Azevedo expõe com objetividade a
perspectiva coletiva de não aceitação do negro em determinados espaços
de referencial. A história que se passa em torno do personagem Raimundo,
filho de escrava com português, é uma denúncia acerca do comportamento
de duas instituições fundamentais na construção da sociedade brasileira na
época: a família e a igreja.

Indo além dos espaços privados, o autor coloca o espaço público como lugar
de negação para os “homens de cor”, termo usado pelo autor e que carece
de uma reflexão em sala de aula, uma vez que fala sobre a identidade
socialmente compartilhada de determinadas pessoas. Assim, a exposição do
preconceito racial, e de forma tão nítida, abre espaço para atividades que
podem pensar pontes de conexões entre o racismo, ontem e hoje,
sobretudo no que tange a sua manifestação nos espaços públicos.

Na esfera política da História Nacional, os conteúdos designados para a


disciplina história encontram na Fundação da República Brasileira referência
para discussões que, entre outras, perpassam sobre a perspectiva de
cidadania, no contexto da recém-criada nação. Tal como é possível discutir
o espaço do negro no período, é possibilidade fazer esse exercício reflexivo
em relação aos demais integrantes da jovem República. Por meio do
romance “O cortiço” essa abordagem pode seguir a análise da sociedade
brasileira em fins do século XIX e de modo a assinalar os espaços de
pobres, negros e mulheres. A crítica social contida no romance auxilia em
atividades nesse sentido, uma vez que o autor se preocupou em “capturar”
o cotidiano de sujeitos integrantes desses grupos e que vivenciaram uma
realidade histórica específica. O enredo é ficcional, mas suas raízes são
sociais e historicamente comprovadas. Sobre esse aspecto, é interessante
Aprendendo lembrar a biografia do autor:
História:
VISÕES E “Para Aluísio, como para Zola, a influência do meio, no sentido amplo, era
DEBATES determinante. Os personagens de seus romances não podiam ser levados
Página | 196 em conta individualmente, mas sim em conjunto, mesmo se fossem levados
a adquirir, através de sua significação, um valor de símbolo.” [in Mérian,
1988, p. 555]

O aspecto da coletividade na conformação da personalidade e ação dos


personagens é algo que pode ser explorado no sentido de fomentar
discussões sobre exploração do trabalho e sua relação com a condição
racial, por exemplo. Ao longo do romance, dualidades emergem por meio
dos personagens: João Romão x Bertoleza, Rita Baiana x Piedade, Jerônimo
x Firmino, são alguns exemplos. O conflito criado pelo autor representa o
modo como acorriam as relações sociais no Brasil de fins do século XIX, e
pós-Independência da antiga colônia. No caso particular de João Romão e
Bertoleza a questão diferencia-se por se tratar da relação entre português e
escravo, que, ao fim da história mostra-se pouco harmoniosa e igualitária.
Pensar a relação entre dois personagens como proposta para o ensino de
história é um dos recortes que podem ser feitos, uma vez que esse caminho
também nos leva a refletir sobre a importância da obra como produto
histórico. João Romão tem sua história de vida narrada, e parte significativa
dela é construída junto à Bertoleza. O que pode ser destacado em sala de
aula é a relação de exploração do personagem João Romão que usa de
artimanha para enganar Bertoleza em provimento de seu enriquecimento.
Assim, é possível criar situações por meio das quais seja possível pensar a
relação da acumulação de riqueza com a exploração do trabalho e/ou
práticas irregulares do ponto de vista do respeito à dignidade humana. A
morte de Bertoleza também é aditivo interessante, uma vez que o autor
expõe as barreiras étnico-raciais como agente modelador das relações
sociais no Brasil da época, ponto que aproxima a obra de “O mulato”.

Sendo objeto de interesse para o processo de ensino aprendizagem, os


romances “O mulato” e “O cortiço” devem ser utilizados com o devido
cuidado. Levando em consideração sua natureza documental, “é necessário
respeitar os limites próprios do discurso, e, ao mesmo tempo, não confundir
história com ficção e aventura, ao tentar tornar seu ensino mais prazeroso”
[GUIMARÃES, 2003, p. 166]. Nesse contexto, cabe ressaltar a importância
de fazer uso de outras fontes e/ou recursos como forma de
solidificar/reforçar a crítica social presente nas obras indicadas.

Considerações Finais
Ao fim dessa breve discussão, esperamos ter contribuído em algum grau
com propostas que pensam as possibilidades didático-metodológicas
advindas da relação entre literatura e ensino de história. Não foi nossa
intenção criar um roteiro para o trabalho docente, mas, e sim, chamar
atenção para os caminhos possíveis quando professores tencionam
trabalhar obras clássicas em sala de aula.

Os clássicos da literatura são, notadamente, reconhecidos por seus valores


culturais e por sua capacidade em contribuir positivamente no modo como o Aprendendo
leitor observa o mundo e se reconhece nele. Dentre as substâncias que História:
tornam esse tipo de arte referência, encontra-se a capacidade do autor em VISÕES E
observar e representar, no espaço e especificidade de sua produção, o seu DEBATES
tempo, com seus dilemas e conflitos. Para o ensino de história, essa Página | 197
característica significa a oportunidade de criar, em sala de aula, as
conexões necessárias para o estudante perceber a forte relação entre
presente e passado e como este auxilia em uma melhor compreensão de
problemáticas da atualidade.

Referências
João Pedro Pereira Rocha é Pós-Graduando em História, Mestrado
Profissional. Universidade federal de Goiás, UFG, Regional Catalão. Bolsista
na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).
Orientador(a): Dra. Regma Maria dos Santos.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1996.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. São Paulo: Klick Editora, 1984.

BITTENCOURT, C. M. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4. ed.


São Paulo: Cortez, 2011.

GUIMARÃES, Selva. Didática e prática de ensino de história. Campinas, SP:


Papirus, 2003.

MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio de Azevedo: vida e obra (1857-1913). Rio de


Janeiro: Espaço e Tempo Banco Sudameris; Brasília: INL, 1988.

PEREIRA, Nilton M.; GRAEBIN, Cleusa M. G. Abordagem temática no ensino


da história. In: BARROSO, V. L. M. et al (orgs.). Ensino de História: desafios
contemporâneos. Por Alegre: EST: EXCLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010, 169-
181.

SAMPAIO, A. R. et al. Literatura e Ensino de História. In: MAGALHÃES


JUNIOR, A. G.; ARAÚJO, F. M. L (org.). Ensino & linguagens da história.
Fortaleza: EdUECE, 2015, p. 267-301.
A TEORIA E PRÁTICA NOS PRIMEIROS CURSOS
DE HISTÓRIA NO BRASIL
Lívia Caroline Santos Alves

Aprendendo Introdução
História: Desde o início, os cursos de História no Brasil tiveram uma relação
VISÕES E problemática com a formação do professor, isso porque as disciplinas
DEBATES teóricas não tinham uma relação com aquelas que lidavam com a prática.
Página | 198 Podemos averiguar essa situação com a criação da USP – Universidade de
São Paulo, em 1934, nela, o curso de história foi implementado junto ao de
geografia e as disciplinas teóricas eram colocadas no primeiro plano, em
detrimento das disciplinas que compunham a prática. Nem na UDF -
Universidade do Distrito Federal, criada em 1935, “com o seu modelo
integrado de formação de professores, em que formação profissional e
conteúdos específicos não eram vistos de forma dissociada”(NASCIMENTO,
2012, p. 269), conseguiu enfrentar o modelo da USP, que influenciou as
instituições posteriores e foi chamado de “3+1”, quando nos três primeiros
anos os estudantes aprendiam os conteúdos da área teóricas, nas
faculdades de Filosofia, Ciências e Letras e ganhavam o título de bacharel e,
no último, faziam as disciplinas práticas, nos institutos de Educação, ou
numa seção especial chamada genericamente por “Didática” e ganhavam o
título de licenciado.

No período da USP, os estudantes teriam uma educação desinteressada,


sem se preocupar necessariamente com a sua utilidade, a formação do
professor. Porém o objetivo do curso, ao longo do tempo, foi mudando, as
pessoas que começaram a entrar nele tinham a finalidade de ensinar, mas a
relação entre teoria e prática não tiveram sucesso até a LDB de 1996.
Diante dessas questões cumpre problematizar: por que a formação de
professor teve essa estrutura? Por que segregavam as disciplinas teóricas
da prática? Por que as denominadas História do Brasil, História Geral tinham
uma importância maior, do que disciplinas da prática, aquelas que eram
responsáveis pelo fazer profissional, como a Didática?

Uma explicação pode ser dada por Jörn Rüsen (2006). Ao analisar a didática
da história na Alemanha, avaliou que, até o século XVIII, a história foi
orientada pelos problemas práticos da vida e um dos seus fundamentos
básicos era a necessidade de criar uma consciência em relação ao passado,
presente e futuro. Ela considerava importante a Didática de História. Esta
tinha a função de proporcionar uma reflexão acerca do ensino e
aprendizado da história que estava sendo produzida, de uma forma geral e
não apenas as que envolviam o ensino escolar, para que, cada vez mais, a
história estivesse afinada na sua utilidade.

“... a escrita da história era orientada pela moral e pelos problemas práticos
da vida, e não pelos problemas teóricos ou empíricos da cognição metódica.
Mesmo durante o Iluminismo, quando as formas modernas de pesquisa e
discurso acadêmicos foram sendo forjadas, historiadores profissionais ainda
discutiam os princípios didáticos da escrita histórica como sendo
fundamentais para seu trabalho.” (RÜSEN, 2006, p.8)

Porém, a relação da história com a sua didática foi desfeita a partir o século
XIX. Nesse momento aquela ganhou o status de ciência e seus princípios
básicos de orientar a vida nas estruturas do tempo, foram substituídas pela Aprendendo
metodologia da pesquisa histórica. História:
VISÕES E
“A ‘cientifização’ da história acarretou um estreitamento consciente de DEBATES
perspectiva, um limitador dos propósitos e das finalidades da história. A Página | 199
esse respeito, a cientifização da história excluiu da competência da reflexão
histórica racional aquelas dimensões do pensamento histórico
inseparavelmente combinadas com a vida prática. Desse ponto de vista,
pode ser dito que a história científica, apesar de seu clamor racionalista,
havia conduzido aquilo que eu gostaria de chamar ‘irracionalização’ da
história.” (RÜSEN, 2006, p.9)

Assim, tudo o que dizia respeito a didática foi relegada para o segundo
plano e colocada na área da pedagogia, não estando mais dentro dos
objetivos dos historiadores.

Ora, se na construção da história enquanto ciência ocorreu a separação da


sua produção com a sua utilidade, os cursos de formação de professor
foram influenciados por essa dicotomia. Desse modo, faremos uma análise
da construção dos primeiros cursos de licenciatura em história no Brasil, a
USP, UDF e UDN, para analisar detalhadamente como foram alocadas as
disciplinas que correspondiam a prática na formação do professor e como
foi sua relação com a teoria.

As experiências iniciais: USP, UDF e UDN


Desde o início do século XX e mais particularmente após a Primeira Guerra
(1914-1918), várias reformas sociais começaram a serem feitas pelo Estado
brasileiro com o intuito de modernizar o país. Dentre as áreas, estava a
Educação. A mudança na sua estrutura era fundamental para dar uma
maior organicidade na formação do professor, que, sem cursos específicos
para as áreas de atuação no ensino secundário, este era providos por
profissionais autodidatas.

Alguns intelectuais que se reuniam em torno do movimento da escola nova


também ajudaram nas discussões acerca da docência e começaram a “se
preocupar com a formação de professores em nível superior e a criticar o
ensino tradicional” (NASCIMENTO, 2012, p. 26-27). Desse modo, vários
projetos foram construídos por eles e posteriormente integrados aos
documentos do governo, neles, os intelectuais traziam a ideia de uma
formação de um professor pesquisador e não só de um disseminador de
conhecimento, bem como a importância de técnicas e métodos na
preparação profissional.

A questão da preparação para a docência na universidade era colocada em


relevo, justamente porque havia no ensino secundário várias pessoas que
lecionavam, mas não tinham uma formação específica para o ensino. O
surgimento de um ensino superior viria para preparar os profissionais para
essa etapa da escola.

Estas reformas educacionais começaram a ganhar mais destaque no cenário


Aprendendo brasileiro com a deposição do então Presidente Washigton Luis (1926-
História: 1930), na “crise de sucessão, quando Minas Gerais deveria escolher o
VISÕES E sucessor do paulista Washington Luís para a presidência da República, como
DEBATES ficara previamente estabelecido com a política café com leite” (SILVA, 2010,
Página | 200 p. 32) e a ascensão de Getúlio Vargas, quando promoveu a criação do
Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.

No que diz respeito as universidades e por consequência, a criação dos


cursos para formação de professor, alguns decretos foram produzidos. O
primeiro que gerou resultados posteriores, foi o decreto de Francisco
Campos em 1931, primeiro titular do Ministério da Educação e Saúde
Pública e que promulgou, em 11 de abril o Estatuto das Universidades
Brasileiras, o Decreto nº 19.851 e o “Decreto nº 19.852 que dispunha sobre
a organização da Universidade do Rio de Janeiro. Estes decretos tinham por
objetivo estabelecer o padrão do ensino superior para o país.”
(NASCIMENTO, 2012, p. 37-38). Eles queriam agrupar os institutos que
existiam no Rio de Janeiro em uma única unidade administrativa, com
formação utilitária e desinteressada. Apontou a Faculdade de Educação
Ciências e Letras como um lugar que conjugasse, portanto, esses dois
ideais, a de uma formação que levasse em conta a formação do indivíduo e
a realização de pesquisas originais.

“Art. 32. Na organização didática e nos métodos pedagógicos adotados nos


institutos universitários será atendido, há um só tempo, o duplo objetivo de
ministrar ensino eficiente dos conhecimentos humanos adquiridos e de
estimular o espírito da investigação original, indispensável ao progresso das
ciências.” (BRASILa, 1931 apud Nascimento, 2012, p. 40). (grifos nossos)

Desse modo, a seção de Educação dava habilitação em licenciatura e a de


Letras dentre outras habilitações, a de História e Geografia (que ficariam
conjugadas em uma única disciplina). Muito embora essa universidade
nunca tenha saído do papel, é interessante destacar como o Estatuto e as
ideias criadas pelos educadores vão influenciar na criação das outras
universidades e seus respectivos cursos, porém fazendo uso da
determinação da parte utilitária e desinteressada, de acordo com seus
interesses.

Isso aconteceu com a primeira experiência, a USP. Criada de maneira


independente pelo governo de São Paulo, em 1934, após a revolução
constitucionalista de 1930, embora tivesse o pressuposto de formar
professores, usufruiu naquele momento como um dos principais objetivos “a
formação intelectual das elites políticas paulistas.” (NASCIMENTO, 2013,
p.268), que desejavam recuperar a hegemonia política tirada por Vargas e
por isso, não tinham o interesse imediato de preencher o mercado de
trabalho. Foi criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e colocaram
numa única habilitação História e Geografia. Os conteúdos teóricos não
tinham relação com os práticos. Estes eram colocados no último ano,
reproduzindo o modelo “3+1”.

Outra experiência foi com a UDF, em 1935, no Rio de Janeiro e que seguiu
inicialmente um modelo diferente do primeiro, inspirados nos ideais da Aprendendo
Escola Nova. Tendo a frente Anísio Teixeira, o prefeito do Rio de Janeiro História:
Pedro Ernesto Batista queria representar “a defesa de um sistema escolar VISÕES E
público, gratuito, obrigatório e leigo” (FERREIRA, 1999, p. 279 ), e tinham DEBATES
(inicialmente) uma maior preocupação em relação ao magistério, “o projeto Página | 201
privilegiava a formação de professores, sem, no entanto, apartá-la das
atividades de pesquisa como fio condutor do ensino [...]” (NASCIMENTO,
2012, p. 46), tinha o ideal de construir não apenas técnicos e professores e
conservar o saber, mas produzir conhecimento. Os cursos de história
tinham autonomia, eram desvinculados do de Geografia e a parte específica
que formava o bacharelado, tinham uma relação com a da Didática,
portanto, iam mais de encontro com o Estatuto das Universidades, do que a
USP.

Porém, além da mudança do currículo promovidos por intelectuais


franceses, que veremos mais adiante, houve uma eclosão da revolta
comunista nesse período e resultou em afastamentos de vários professores.
Outros assumiram, mas com o clima de uma “polarização política entre
forças de esquerda e direta no Brasil, acabou por levar Getúlio Vargas a dar
um golpe de Estado que garantiu sua permanência no poder, agora como
ditador” (FERREIRA, 1999, p. 271) e consequentemente, Gustavo
Capanema (1934-1945), ministro da educação, extinguiu a UDF e integrou
os seus quadros para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade do Brasil em 1939, a UDN.

O decreto que viabilizou sua construção e a extinção da UDF apontava a


necessidade da relação entre a pesquisa e ensino, como apontava o
Estatuto das Universidades Brasileiras:

“Art. 1º A Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, instituída pela


Lei n. 452, de 5 de julho de 1937, passa a denominar-se Faculdade
Nacional de Filosofia. Serão as seguintes as suas finalidades:
a)preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades
de ordem desinteressada ou técnica;
b)preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal;
c)realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto
de ensino.” (Decreto-Lei n º 1.190, de 4 de Abril de 1939).

Porém, a UDN - Universidade do Brasil, em 1939, acabou por seguir o


mesmo modelo de ensino, o “3+1”. Nesta instituição, os conteúdos
históricos e geográficos foram ofertados nos três primeiros anos na
Faculdade Nacional de Filosofia (FNIFi), eles seriam dados na Seção de
Ciências e entregava ao estudante o título de bacharel, caso este quisesse,
o de licenciatura, cumpria mais um ano com disciplinas relativas a prática
na Seção Especial de Didática, no qual o aluno recebia uma formação
pedagógica paro o ensino secundário, separada da sua área. Cabe ressaltar
que começou a existir nesse período, um número mínimo de disciplinas que
já iam prontas para os cursos, conhecido como “currículo mínimo”.

Quadro 1 – Currículo Mínimo do curso de História da


Aprendendo Faculdade Nacional de Filosofia (Universidade do Brasil)
História: 1º 2º ano 3º ano 4º ano
VISÕES E ano
DEBATES Geografia Geografia Geografia Didática
Página | 202 Física Física do Brasil geral

Geografia Geografia História Didática


Humana Humana Contemporânea especial
Antropologia História História Psicologia
Moderna do Brasil educacional
História da História História Administração
Antiguidade e do Brasil da América escolar
da Idade
Média
Etnografia Etnografia Fundamentos
do Brasil Biológicos
da Educação
Fundamentos
Sociológicos da
Educação
FONTE: (NASCIMENTO, 2013, p. 272)

É interessante mostrar mais detalhadamente as disciplinas dessa


instituição, pois ela se tornou o modelo curricular nacional e disseminou o
conhecido “3+1”, já iniciado pela USP e juntou novamente a habilitação de
história com geografia.

Um parêntese deve ser feito em relação as três instituições – USP, UDF e


UDN e que dialoga com as discussões feitas início deste trabalho, por Jörn
Rüsen (2006). Todas essas três universidades tiveram ajuda dos franceses
que desde o início do século XX (FERREIRA, 1999), vinham fazendo missões
culturais no Brasil, mas que a partir da década de 30 deste século,
participaram ativamente da estruturação dos cursos de história. Partindo
também dos interesses dos brasileiros, os franceses tiveram uma influência
importante no momento fundamental de mudanças educacionais, como na
construção dos currículos e na execução das aulas.

Alguns dos franceses, por terem relação de influência e trânsito entre as


autoridades, o campo intelectual e acadêmico franceses, foram
arregimentaram alguns professores de história para atuar no Brasil. Dois
aliados e que tiveram papel fundamental foram George Dumas, que era
professor da Sorbonne pela USP e Henri Hauser, também professor da
Sorbonne, para as instituições do Rio de Janeiro. Porém, “O historiador mais
importante a integrar as missões universitárias francesas nos anos 1930 foi
Henri Hauser” (FERREIRA, 1999, p. 286), por ocupar lugar de destaque na
estrutura acadêmica francesa e por indicar muitos dos nomes que compôs o
quadro de profissionais, inclusive os da USP, como o de Fernand Braudel,
bem como organização dos cursos. No contexto da UDF,

“[Ele] centrou-se não só em organizar a cadeira de história moderna, mas Aprendendo


também de fazer propostas para a montagem do curso como um todo. A História:
atuação de Hauser fez-se sentir especialmente na valorização das cadeias VISÕES E
de conteúdo histórico em detrimento das disciplinas de formação DEBATES
pedagógica. A cadeira de história moderna sofreu então uma duplicação de Página | 203
sua carga honorária passando de três para seis horas semanais. A influência
de Hauser - marcante na estruturação curricular e na difusão de uma nova
concepção de história econômica e social - estava conectada com os
movimentos de renovação da disciplina na França.” (FERREIRA, 1999, p.
288)

Ele desenvolveu sua carreira no momento de afirmação da História


enquanto ciência e a exaltação do historiador na França, “período 1870–
1914 [que] é considerado como a Idade de Ouro da profissionalização da
história na França” (FERREIRA, 1999, p. 286) e influenciou o modo como
estava sendo organizados os cursos na UDF e USP. As disciplinas
pedagógicas da UDF, que tinham relação com todo o currículo inicialmente,
por não ser valorizada em relação as cadeiras de conteúdo histórico foram,
em 1937 postas com carga horária reduzida e aumentaram a “carga horária
de disciplinas de conteúdo” (NASCIMENTO, 2013, p. 270).

Considerações Finais
Desse modo, por mais que tenham existido um debate no meio dos
intelectuais brasileiros e inicialmente, alguns esforços federais na criação de
uma organicidade nas universidades, aliando o ensino e pesquisa, teoria e
prática e frisando a necessidade de um professor qualificado para ensinar, o
modelo que venceu foi aquele que corresponde a uma história científica que
se distancia de uma das suas utilidades, a preparação para a sala de aula,
vinda da tradição científica do século XIX e privilegiando uma pesquisa
histórica desinteressada.

Jörn Rüsen (2006) afirma que esse quadro começou a mudar na Alemanha,
nos anos 60 e 70 do século XX, quando os estudos históricos deixaram de
ser legitimados pela sua própria existência e precisaram de reflexões mais
amplas sobre os seus fundamentos, sua interrelação com a vida prática e
com a educação, a partir de uma crise de legitimidade pela qual passou. A
visão sobre ela, dessa forma, foi transformada. De limitadora, passou a ter
relação com o próprio trabalho dos historiadores.

No Brasil, a mudança entre a teoria e prática começou a ser efetivada com


a criação da LDB de 1996, quando trouxe no seu documento a importância
de relacionar o estágio supervisionado e prática de ensino aos conteúdos
teóricos. A prática de ensino teve o objetivo de ajudar o futuro professor a
vivenciar outras experiências, que não a sala de aula propriamente dita e
relacionar com todo as disciplinas do currículo.
Referências
Lívia Caroline Santos Alves é mestranda em História Social pela UFBA, apoio
Capes.

BRASIL, Decreto-Lei n º 1.190, de 4 de Abril de 1939. Diário Oficial da


Aprendendo União - Seção 1 - 6/4/1939, Página 7929 (Publicação Original). Disponível
História: em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-
VISÕES E 1190-4-abril-1939-349241-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 11
DEBATES de nov. de 2018.
Página | 204 FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios.
Cultura Vozes, Petrópolis, v.94, nº 3, p.111-124, maio/jun., 2000.

NASCIMENTO, Thiago Rodrigues. A formação do professor de História no


Brasil: percurso histórico e periodização. Revista História Hoje, v. 2, p. 265,
2013.

______. Licenciatura curta em Estudos Sociais no Brasil: sua trajetória na


Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo/RJ (1973-1987).
236 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Formação
de Professores de São Gonçalo, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). São Gonçalo (RJ), 2012.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir


do caso alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07–16,
jul./ dez. 2006.

SILVA, Vanessa Magalhães da. No embalo das redes: cultura,


intelectualidade, política e sociabilidades na Bahia (1941-1950). 256 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, 2010. Salvador, 2010.
DISPUTAS PELA MEMÓRIA E PERSPECTIVAS
PARA A PRÁTICA DOCENTE
Lucas Rafael Santos Costa

No ano de 2014, completou-se 50 anos do golpe civil-militar de 1964. O Aprendendo


regime instaurado com o golpe perdurou até o ano de 1985, quando se tem História:
o processo de redemocratização no Brasil. Esse período se caracterizou por VISÕES E
ser um período controverso da história brasileira marcado pelo cerceamento DEBATES
de valores e liberdades democráticas, a censura aos meios de comunicação, Página | 205
prisões políticas, desaparecimentos, torturas, exílios de pessoas contrárias
ao governo. Por outro lado, foi neste período que o Brasil apresentou seu
maior crescimento. Foi o chamado “milagre econômico”. Na década de
1970, a seleção brasileira vence a copa do mundo, fato que foi utilizado
como propaganda ideológica a favor do governo dos governos militares. Em
resultado dessa conjuntura política de opressão sugiram diversas agentes
políticos e sociais em oposição em oposição aos governos militares,
contando até mesmo com a luta armada e a importante ação dos
movimentos sociais.

Considerando a multiplicidades de narrativas e eventos, esse foi e continua


a ser um período recheado de contradições da nossa história que é
permeado de disputas pela história e memória. Mediante conjuntura
política, econômica e social e a disputas pelas narrativas, podemos nos
problematizar qual a memória deve prevalecer acerca da ditadura no Brasil?
Partindo deste dilema este artigo propõe uma atividade de reflexão em
torno da memória como atividade possível para a prática docente sobre a
temática da ditadura civil-militar (1964 – 1985), no Brasil.

Para assuntar esse debate em sala de aula sobre as disputas pela memória
do passado recente da história brasileira, propomos metodologicamente a
leitura em sala de aula de dois textos base: o primeiro intitulado “A árvore
boa”, escrito pelo General do exército brasileiro e ex-chefe do Estado-Maior
da Defesa, Rômulo Bini Pereira, publicado no Jornal Estadão, em que ele se
posiciona favorável a ditadura civil-militar. O segundo, intitulado “A eterna
transição”, é do professor de filosofia Vladmir Safatle, e foi publicado no
jornal Carta Capital, e surge como resposta a defesa da ditadura esboçada
pelo general, e traça uma versão divergente para este mesmo período da
história brasileira. A partir desses artigos temos uma continuidade em
outras matérias que esboçam debates acalorados de visões diferentes,
embora sob o mesmo passado.

O artigo publicado no jornal Estado de S. Paulo no dia 19 fevereiro de 2014,


pelo ex-general Rômulo Bini Pereira argumenta o seguinte:

“A Revolução Democrática de 31 de março completa 50 anos este ano e já


se observa elevado número de reportagens e artigos sobre esse fato
histórico. Nesse diapasão, nas esferas federal, estaduais e até municipais
avultam as diversas Comissões da Verdade criadas no País, a levantarem
fatos que vão repercutir na opinião pública com uma visão num só sentido.
Seu escopo maior é denegrir o fato histórico, cujo combustível veio do
coração nacionalista do povo brasileiro no limiar do outono de 1964. Ao
passo que os crimes cometidos pelas esquerdas radicais são nefanda e
irresponsavelmente acobertados por essas comissões. A atual "presidenta"
da República, que participou ativamente da luta armada, em recente visita
Aprendendo à paradisíaca Ilha de Cuba demonstrou ao mundo sua prestimosa
História: submissão ao líder comunista Fidel Castro. Esse seu ato mostra que, se a
VISÕES E revolução não fosse vitoriosa, estaríamos sob a vigência de uma
DEBATES "democracia sanguinária", semelhante à que ainda escraviza e aterroriza o
Página | 206 povo cubano. Após 30 anos da Nova República e de cinco governos civis,
notam-se análises negativas quanto ao presente e ao futuro do Brasil. Os
três Poderes da República, base de todo regime democrático, vivem hoje
momentos sensíveis e preocupantes - corrupção e mordomias em todos os
seus níveis. [...] O Executivo passa por sérias dificuldades, pois a
"presidenta" demonstra ser incapaz de governar com seriedade, equilíbrio e
competência. Diante de qualquer obstáculo, convoca especialistas em
propaganda e marqueteiros para que façam diminuir ou mascarar os pontos
negativos que poderão surgir, pois só o que ela e seu partido querem é
conseguir a reeleição. [...] Nosso país está sendo ridicularizado em todo o
mundo por tantos escândalos. País assim não pode postular distinção de
tamanha expressão mundial. Nos dias atuais o País vive momentos
conturbados, que se vêm agravando desde os surpreendentes movimentos
populares de junho de 2013. A Copa do Mundo traz efetivas preocupações
ao povo brasileiro. Manifestações ininterruptas conduzidas por vândalos
transformaram algumas cidades, principalmente as capitais, em verdadeiras
praças de guerra. Os "rolezinhos", já bastante disseminados, trazem em seu
bojo indícios de luta de classes. A criminalidade já é endêmica entre nós e
isso faz com que não mais sejamos vistos como um povo pacífico e cordato.
Nossos índices de crimes anuais já atingem a cifra de 50 mil mortos/ano,
próximos aos de países onde há guerra civil. As autoridades constituídas
pouco fazem para reverter essa situação. Propalam promessas vãs, são
incompetentes, demonstram desinteresse e má-fé. Seu aparato policial está
sempre pressionado, pois suas ações são consideradas agressivas. As
soluções não surgem e o País vive uma situação de descalabro político e
moral, com manifestos sinais de incipiente desobediência civil. É essa a
democracia que desejamos? Finalmente, um enorme paradoxo. As Forças
Armadas continuam sendo a instituição de maior credibilidade no País, e
isso é se deve não apenas à eficiência, à noção de responsabilidade, ao
trato da coisa pública, mas, sobretudo, aos valores morais que são
cultivados em todos os seus escalões. A honestidade, a probidade, a
disciplina e o empenho no cumprimento da missão são algumas virtudes
que norteiam as Forças Armadas e que deveriam também ser exercidas
pelos diversos mandatários dos governos de nosso país. O que,
infelizmente, não ocorre. Na área militar nota-se ainda repulsa aos atos das
citadas comissões. Ela é flagrante, crescente e de silenciosa revolta.
Pensam que os integrantes das Forças Armadas - quietos, calados e
parecendo subservientes - assistem passivamente aos acontecimentos
atuais com sua consciência adormecida. Não é bem isso que está
acontecendo! As esquerdas sempre alardeiam que os "militares de hoje"
não são como "os de 1964". Sem dúvida! Aqueles, mais preparados cultural
e profissionalmente e mais informados que estes, mantêm, contudo, bem
viva a mesma chama que seus predecessores possuíam e lhes legaram: o
amor à liberdade, aos princípios democráticos, à instituição e ao Brasil.
Também não aceitarão e, se necessário, confrontarão regimes que
ideólogos gramscistas queiram impor à sociedade brasileira, preconizados
pelo Foro de São Paulo, órgão orientador do partido que nos governa e de Aprendendo
alguns países da América do Sul que se dizem democratas. Mesmo sendo História:
vilipendiada, devemos saudar a Revolução Democrática. É voz geral entre VISÕES E
os esquerdistas que 64 jamais será esquecido. Ótimo, nós, civis e militares DEBATES
que a apoiamos, também não a esqueceremos. A Revolução de 1964 será Página | 207
sempre uma "árvore boa"!”

Neste texto de opinião, o ex-general e comandante do estado maior do


exército brasileiro busca traçar uma memória positiva do período da
ditadura referindo se a este momento da história não como “golpe”, mas
como “Revolução Democrática de 31 de março”. Estabelece duras críticas a
“Comissões da Verdade”, que segundo suas análises tem um propósito
maior de “denegrir o fato histórico, cujo combustível veio do coração
nacionalista do povo brasileiro no limiar do outono de 1964”. Este
pensamento em certa medida, corrobora com recentes intepretações
históricas das últimas décadas, dos anos 1970 e 1980 que compreende os
regimes autoritários e as ditaduras como produto social ( ROLLEMBERG,
2010) que nascerá, a partir de construções amoldadas no âmago da
sociedade e não simplesmente como algo desvinculado do fator social que
se sustenta unicamente sob a ótica de seus mecanismos de repressão.

Dando sequência ao seu plano de defesa da ditadura o mesmo estabelece


críticas a, então presidenta do Brasil no sentido de desqualifica-la e estende
análises negativas para os cinco governos civis o que estabelece previsões,
também negativas para o Brasil futuro. Em seguida estabelece análises
críticas aos três poderes e aponta para o aumento da criminalidade e uma
conjuntura de “descalabro político e moral, com manifestos sinais de
incipiente desobediência civil”. Também, chama atenção para o descrédito
internacional do povo brasileiro que segundo ele era visto como um “povo
pacifico e cordato”. Então, fecha sua argumentação com fazendo uma
defesa as forças armadas que segundo ele é a instituição de maior
credibilidade no país defensora dos valores morais. Por fim, saúda a
“revolução democrática” apresentando-a como uma “arvore boa”.

Michael Pollak (1989) no texto “memória, esquecimento, silêncio” trabalha o


conceito de enquadramento da memória. O enquadramento seria uma
proposta de busca de coesão interna de um grupo, e também sua
adequação, de acordo com os interesses do presente. Dessa forma, “As
memórias coletivas impostas e defendidas por um trabalho especializado de
enquadramento [...] são certamente um ingrediente importante para a
perenidade do tecido social e das estruturas institucionais de uma
sociedade” (POLLAK, 1989, P.12). Assim, o trabalho de enquadramento da
memória deve atender demandas de justificação que garanta credibilidade.
Ao que parece, o mesmo tenta estabelecer uma conjuntura de descredito
dos governos civis, afim de uma abertura política para um possível retorno
de um governo militar que como é esboçado parece a única solução possível
frente a ausência de perspectivas de melhorias de um futuro para o país.

O segundo texto escrito no jornal “Carta Capital” emerge em resposta


defesa da ditadura feita pelo ex-general. Vladimir Safatle que traça algumas
Aprendendo análises críticas a este período e a primeira fala, vejamos:
História:
VISÕES E “A reflexão a respeito dos 50 anos do golpe de 64 começou. E estão
DEBATES demonstrados com clareza os malefícios da transição à brasileira. Sua maior
Página | 208 característica é o fato de ela nunca acabar. Vende-se a falsa versão de que
o Brasil seria um país de reconciliação fácil, capaz de mobilizar todos os
setores da sociedade para uma superação de traumas passados. Na
verdade, somos uma nação onde os traumas nunca são superados, pois
eles sequer são nomeados. Dessa forma, somos obrigados a conviver com
fantasmas que parecem sair do nada, mas são, na verdade, a expressão de
visões que nunca morreram de fato. Há pouco, o jornal O Estado de S.
Paulo decidiu publicar um artigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito
da grandeza do que esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo
imaginar nenhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de
ver um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem
passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito de seus
crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um Estado ilegal
comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no Uruguai ou Espanha,
seria inimaginável. Um senhor como este, mesmo na reserva, seria
destituído de suas patentes e processado por apologia do crime contra o
Estado democrático [...] Mas estamos no Brasil e aqui elogiar nosso período
ditatorial, com seus assassinos e torturadores, é tratado como um “direito
de opinião”. É de se admirar ainda que uma empresa de comunicação que
participou ativamente do golpe e que o defendeu até a última hora,
principalmente por meio de editoriais nos quais criticava movimentos
democráticos como as Diretas Já, não tenha sensibilidade para evitar esse
constrangimento [...] O que poderíamos esperar de um país no qual
nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso ou simplesmente
julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da reconciliação nacional sem
que as Forças Armadas mostrem minimamente terem entendido o que
fizeram e ofereçam publicamente um pedido de perdão à população
brasileira por terem destruído nossa democracia. Enquanto isso não ocorrer,
elas serão vistas por vários setores da sociedade brasileira como um corpo
estranho, uma corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por
meio da força e do arbítrio [...] O que se espera deste momento de reflexão
a respeito dos 50 anos do golpe é, ao menos, o fim dessa prática medonha
de nunca colocar claramente como objetos de repúdio público aqueles que
destruíram não apenas 20 anos da história brasileira, mas contribuíram
para um presente ainda assombrado pelos piores fantasmas. O Brasil
merece Forças Armadas defensoras da democracia, não um clube dedicado
a abrigar os defensores de estupradores, torturadores, assassinos e
ocultadores de cadáveres. ”

Este artigo traz uma outra visão destoa da tecida no primeiro artigo. As
críticas elaboradas a primeira fala são duras e pondera que não consegue
imaginar como um militar pode elogiar ditadura e criticar governos
democráticos e não sofrer nenhuma pena ao que segundo ele constata-se
como uma apologia do crime contra o Estado democrático. O “lugar de fala”
de ambos nos oferece subsídios para entendermos suas construções, onde
temos de um lado um general do exército e do outro um filho de um ex-
guerrilheiro, sua família se mudou para o Brasil em virtude da ascensão de Aprendendo
Augusto Pinochet, o que caracterizam como um exilado político da ditadura História:
do Chile. VISÕES E
DEBATES
Todavia, não foi a última vez que o ex-general levantou voz em defesa da Página | 209
ditadura militar no Brasil e esboça ataques a Comissão Nacional da
Verdade. Em 24 de março de 2014 escrevera um artigo intitulado "Nova
história" no qual estabelece denúncia contra a Comissão Nacional da
Verdade que segundo ele está ligada a “homens ideologicamente envolvidos
com a esquerda” e “prevalecendo uma deliberada e vingativa campanha
contra as Forças Armadas” que tem o objetivo de compor uma “nova
história” que, por sua vez não trata de uma “nova história”, mas sim uma
“mentira histórica”. Em 08 de novembro de 2015, escreve outro artigo
intitulado Alertar é preciso! Onde qualifica o, então cenário político como
“horas de total escuridão, desacertos, mentiras e degeneração política e
moral do País” apontado para o preparo das forçar armadas para uma
possível atuação frente a incapacidade das instituições democráticas e das
lideranças políticas de gerir os destinos e interesses da nação brasileira. Em
15 de dezembro 2016, publicará outro artigo Alertar é preciso! (2) que dá
continuidade ao artigo anterior destacando um crescente aumento de
adeptos da adoção de uma intervenção militar. Finalizando o artigo com as
seguintes palavras: “Se o clamor popular alcançar relevância, as Forças
Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e
das instituições. Elas serão a última trincheira defensiva desta temível e
indesejável “ida para o brejo”. Não é apologia ou invencionice. Por isso,
repito: alertar é preciso””. Em 06 de dezembro 2017 no artigo Pesos e
contrapesos novamente faz apontamentos em defesa de uma intervenção
destacando o crescimento de adeptos da adoção de uma intervenção militar
diante do que ele destaca graves crises frutos de governos corruptos e
incompetentes destacando que “não chegamos a um nível democrático que
nos dê esse equilíbrio”. Considerando uma provável internação militar quase
que um ato profético.

O pensamento delineado pelo ex-general contra a Comissão Nacional da


Verdade não representa um pensamento particular e desconexo, pelo
contrário constitui uma lógica compartilhada por outros representantes
militares ao ponto que vários representantes dos mais altos escalões do
exército lançaram um manifesto contrário a comissão que pode ser visto na
integra no jornal O Estado de S. Paulo em 26 de setembro de 2014. Neste
manifesto deixam claro que a Comissão Nacional da Verdade se trata de um
órgão depreciativo das Forças Armadas e fecha com a seguinte afirmativa
“Nós sempre externaremos a nossa convicção de que salvamos o Brasil! ”.
Para estes militares é claro o seu papel quanto sua atuação no período
referenciado: o de salvadores da pátria. E negam insistentemente qualquer
pedido de desculpas das forças armadas ao período da ditadura. Rômulo
Bini Pereira, inclusive crítica no artigo "Nova história", jornal Folha de São
Paulo publicado em 24 de março de 2014, o editorial do jornal O Globo que
reconhecia que foi um equívoco apoiar a ditadura: “A consciência não é de
hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo
concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco”.
Aprendendo
História: Daniel Aarão Reis (REIS, 2010) faz as seguintes provocações “até que ponto
VISÕES E o exercício da memória não passa de autoflagelação? Não seria melhor e
DEBATES mais saudável cultivar a paz das consciências? E olhar para a frente,
Página | 210 deixando o passado sossegado, e as feridas, cicatrizando? ” Em 2004, o
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em mensagem relativa aos 40
anos do golpe militar considerou o golpe militar de 1964 um "episódio
histórico encerrado". Vejamos um trecho “ Devemos olhar para 1964 como
um episódio histórico encerrado. O povo brasileiro soube superar o
autoritarismo e restabelecer a democracia no país. A nós corresponde lutar
diariamente para consolidar e aperfeiçoar essa democracia reconquistada.
Cabe agora aos historiadores fixar a justa memória dos acontecimentos e
personagens daquele período. ” (Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em 31/03/2004). É claro neste discurso a adoção de uma política de
apaziguamento. O que está em jogo é a dimensão política da memória.
Qualquer um que tente esboçar uma justa memória, algo que pressupõe
uma história verdadeira de um fato é, no mínimo perigoso e controverso.
Este discurso de apaziguamento é problematizado no texto do Vladimir
Safatle que chama atenção para o que aponta como “falsa versão” de que o
Brasil seria um país de reconciliação fácil. Esse processo de rememoração e
de transição política gerou traumas na sociedade brasileira o que
desqualifica a política de apaziguamento destacada no qual vários teóricos
já se debruçaram sobre este processo no Brasil e seus desdobramentos.

Estás são falas que caminham em sentido contrário e estabelecem discursos


opostos sobre o mesmo período que deverá ser identificado pelos alunos
para que estes estabeleçam conexões com este período da história recente
compreendendo as continuidade e rupturas na atual democracia. As
análises destes discursos buscam promover reflexões sobre as disputas
pelas memórias e as relações entre o vivido e o narrado no âmbito do
ensino de história compreendendo melhor este período da história brasileira
e suas ressonâncias na posteridade. Para que os objetivos da prática
docentes sejam cumpridos parto do pressuposto que o trabalho do
professor de história e historiador é problematizar circunstâncias que,
embora polêmicas torna-se necessário ao exercício de reflexão, em torno da
memória do período ditatorial na memória da sociedade dos brasileiros.

Referências
Lucas Rafael Santos Costa é professor da Rede Estadual de Educação do
Piauí (SEDUC-PI), e mestrando em História do Brasil pelo Programa de Pós-
graduação em História do Brasil da UFPI (PPGHB).
A eterna transição. CartaCapital. São Paulo. 20 de dez de 2017. Disponível
em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/a-eterna-transicao-
7263.html<. Acesso em 10 de jan de 2019.

ALERTAR é preciso! (2) O Estado de S.Paulo. São Paulo: 15 Dez. de 2016.


Disponível em: < http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,alertar-e-
preciso-2,10000094619> Acesso em 12 de jan de 2019. Aprendendo
História:
ALERTAR é preciso! O Estado de S.Paulo. São Paulo: 08 Nov. de 2015. VISÕES E
Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,alertar-e- DEBATES
preciso,10000001414 >. Acesso em 10 de jan de 2019. Página | 211

APOIO editorial ao golpe de 64 foi um erro. O Globo. São Paulo: 31 de


agosto de 2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-
editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604 >. Acesso em 12 de jan de
2019.

LULA diz que golpe militar de 64 é um episódio histórico encerrado. Agência


Brasil: Empresa Brasil de Comunicação. São Paulo: 31 de març de 2004.
Disponível em:< http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2004-03-
31/lula-diz-que-golpe-militar-de-64-e-um-episodio-historico-encerrado>
acesso em 12 de jan de 2019.

NOVA história. Folha de São Paulo. São Paulo. 24 de març. de 2014.


Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/1429769-
romulo-bini-pereira-nova-historia.shtml?loggedpaywall <. Acesso em 10 de
jan de 2019.

POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, RJ,


v.02, n.03, 1989, p. 3-15.

REIS, Aarão Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro:


Zahar, 2000.

ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (orgs). A construção social


dos regimes autoritários. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 3v.
IGREJA E EDUCAÇÃO E A SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL COLONIAL
Lucas Paes do Amaral

Introdução
Aprendendo Este presente artigo aborda o período do Brasil colônia e ressalta alguns
História: parâmetros desse tempo como a Igreja e a educação, sendo assim
VISÕES E explorando novos pontos de vista sobre a formação do conhecimento nesse
DEBATES período que foi o avanço da formação dos brasileiros. Ao qual foi a através
Página | 212 da colonização dos portugueses que novos conceitos, paradigmas e
concepções são abordados e questionados. Sendo assim explorando por
exemplo concepções em que a igreja católica proporcionou a formação
social, a catequização e deixou conhecimentos até os até os dias atuais no
Brasil. Vale salientar que a educação também foi bastante explorada pela a
igreja católica e que novos conhecimentos e percepções puderam ser
alcançada pelo processo de evolução da educação.

O período do Brasil colônia foi um tempo que trouxe novas formações para
o ser humano, sendo assim novas culturas, povos e conhecimentos
puderam se reunir no Brasil. Sendo assim essas transformações de outrora
deixou resquícios na formação da sociedade atual. Um grande exemplo foi a
educação que até os dias atuais o Brasil possui como cursos mais
procurados o de medicina e o direito.

Essa transformações sociais através do descobrimento do Brasil puderam


ser ampliados e os povos já existe nesse local, tiveram contato com outras
formas de vidas. Desta forma com essa aproximação dos português ao
Brasil, novos povos com o passar dos anos adentram ao Brasil. Um grande
exemplo foram os africanos, pois muitos foram trazidos ao Brasil para
serem escravos no período colonial.

A educação também é outro ponto bastante interessante, pois no começo


da educação no Brasil a religião estava bastante presente, sendo assim a
educação possuía grandes restrições e frequentemente ensino forçado, ao
qual muitas vezes se utilizava mecanismo para realizar agressões contra os
alunos e força uma aprendizagem que seguidamente era vista como
punitiva e não como iniciativa ou apoio ao desenvolvimento do aluno.

Vale salientar a participação da igreja no período do Brasil Colônia que


deixou resquícios até os dias atuais,pois o Brasil é um dos países mais
católicos do mundo. Sendo assim demonstrando resquício da formação
social, cultural e cognitiva do Brasil. A igreja não só possibilitou novos
estudos, mas também utilizou mecanismos como cartilhas, reconhecimento
e apropriação da linguagem indígena para catequizá-los e também o
ensinamento da escrita e leitura básica tanto para o índio como também
para os escravos.

Por conseguinte o período do Brasil colônia trouxe acontecimentos que


foram importantes, mas que tiveram acontecimentos dolorosos e punitivos,
ao qual nesse período nem todos tinham direito a educação e se caso
tivessem a igreja tinha como princípios a teologia e algumas metodologias
que punia a formação do conhecimento do indivíduo no processo de
aprendizagem. Sendo assim muitos escravos e índios tiveram grandes
dificuldades tanto para aprender a escrita e a fala como também para
conseguirem ter sua liberdade ou conquistá-la através do dinheiro.
Aprendendo
Desenvolvimento textual História:
A educação é um dos mais importantes mecanismos para a evolução de VISÕES E
novos conceitos e aprimoramento pessoal, desta forma a construção de DEBATES
novas perspectivas pode auxiliar na evolução da sociedade. A igreja no Página | 213
Brasil colônia teve uma grande importância na formação do conhecimento,
mas mesmo sendo algo voltado para a religião, muitos conhecimentos
puderam ser adquiridos, tanto pela formação dos padres jesuítas, pois
necessitava de conhecimentos como, por exemplo, estudar a linguagem
indígena e o comportamento dessa sociedade e entre outros conhecimentos
que foram explorados para catequizar os índios, sendo assim conhecendo a
cultura indígena. Vale salientar também os escravos que possuía como
educador jesuíta que auxiliava na formação da linguagem brasileira.

A contribuição da educação jesuíta aos brasileiros deixou marcas em nossa


formação social e cultural. Um grande exemplo desses resquícios são as
estátuas de santos que algumas escolas possuem, a forma como o
catolicismo influencia a sociedade através da religião em nossa formação
social. Sendo assim contribuições positivas como o desenvolvimento da
educação no período colonial que acabou auxiliando no desenvolvimento de
novas concepções da população brasileira, mas o lado negativo foi
posicionamento da igreja para a cauterização, pois muitas vezes os
indígenas e escravos eram obrigados a aprender uma nova forma de
comunicação.

“No campo da educação cristã, prevalentemente para a catequese dos


índios e negros, segundo Martins Terra (1988), os jesuítas procuravam
aprender as suas línguas e elaborar catecismos, e, quanto aos escravos
africanos, havia uma espécie de intercâmbio entre a Província do Brasil e as
missões de Angola, tendo alguns estudantes do Colégio de Luanda sido
escolhidos para serem missionários no Brasil. Alguns deles elaboraram
catecismos e manuais de instrução na língua dos negros.” (CASIMIRO,
2009, p.98)

Vale salientar que no período do Brasil Colônia o ensino era algo que criava
mecanismo de aplicação de conteúdos ao quais os índios e os escravos
recebiam o básico e as elites que possuíam mais dinheiro recebia uma
educação bastante formal e com ensino da religião para a formação de
grandes pensadores. Um ponto bastante interessante é e que até os dias
atuais reflete esse posicionamento sobre os cursos que no período do Brasil
Colônia a formação Universitária era mais voltada para os cursos de direito
e medicina, mas essa formação era feita na universidade de Coimbra. Nos
dias atuais esses cursos são os mais concorridos e que foram um dos
primeiros a serem ofertados na formação acadêmica para os brasileiros.
A teologia também foi bastante presente na formação cultural do Brasil.
Atualmente o Brasil um dos países mais católicos do mundo e com a
chegada dos portugueses essa formação católica logo se apropriou da
formação cultural brasileira criando resquícios que até os dias atuais temos
em nossa formação cultural e com a aplicação da teologia nas instituições
Aprendendo de ensino esse reforço cultural influenciou na formação de conhecimento,
História: pois os acadêmicos buscavam estudos para reforçar a formação do
VISÕES E conhecimento católico.
DEBATES
Página | 214 Outro fator importante eram os conventos que auxiliava as meninas sobre a
educação. O grau de ensino no Brasil Colônia trazia variações em sua
estrutura educacional. Ao quais as mulheres do convento possuía uma
diferença na educação, pois a mulher era vista como submissão ao homem
e não superior ou igual a ele, pois se recebesse muita educação ficaria
superior aos homens.

“Devemos lembrar, ainda, a educação religiosa ministrada nos conventos,


irmandades, ordens terceiras, engenhos e paróquias.” (Casimiro, 1996).
Essa educação era severa e obrigatória. Sendo assim a educação religiosa
era prioridade na educação e bastante dolorosa, pois a igreja era bastante
presente na formação da sociedade e tinha alto grau de disciplinas que
eram bastante rígidas e muitas vezes dolorosas. Castigos como a
palmatória e entre outras formas de repressão eram bastante usados
naquele período do início da educação. Esses fatores de opressão muitas
vezes dificultavam na formação do conhecimento. Muitos alunos possuíam
grandes dificuldades na forma do conhecimento, pois os que mais sabiam
tinham privilégios, pois eram aplaudidos diante das respostas. Vale salientar
que a idade média utilizava esse método, mas já no Brasil, mesmo na idade
moderna, continuou essa maneira de prejudicar os aprendizes.

A escravidão no Brasil foi algo bastante doloroso e que acabaram milhares


de pessoas morrendo. O etnocentrismo acabou devastando milhões de
indígenas. No começo da colonização os índios foram mecanismos
importantes para a colonização dos portugueses no Brasil, mas ao passar
dos anos a coisa piora, pois tentam transformar os indígenas em escravos,
entretanto não conseguem, pois os indígenas fugiam pelas matas. Esses
indígenas no começo descoberta do Brasil sofreram bastante, pois não visa
essa dolorosa conquista feita por outros colonizadores. Por isso a educação
vinha para tentar ajudar de certa forma a população indígena para
combater esse sistema que foi opressor.

A chegada dos jesuítas ao Brasil foi bastante conturbada, pois não sabia
como seria sua adaptação ao Brasil, pois existia o forte calor , as matas que
eram bastante perigosas, mas ao decorrer do tempo souberam lidar com a
população 4 indígena, portuguesa e entre outros povos que acabaram
influenciando a formação da educação com o catolicismo, estabelecendo
mecanismos educacionais ao qual visa uma diversidade de conteúdo para
cada grupo que eram os negros, os brancos, os pardos , os indígenas e
entre outros povos que acabou auxiliando no desenvolvimento da educação
no Brasil.
"Em 1750, apogeu numérico e véspera da reviravolta pombalina, havia
22.126 jesuítas, 37 províncias e 1 vice província, 25 casas de profissão, 578
colégios e 150 seminários. "( CASIMIRO, 2009, p.90) Com os bons tempos
e a perseverança do trabalho dos jesuítas muitas reviravoltas houveram,
sendo assim um avanço tanto para a educação teológica como também
para a evolução das influências da religião na sociedade. A pedagogia Aprendendo
inaciana foi outros importantes mecanismos adotados para a formação do História:
conhecimento no Brasil colônia, essa prática pedagógica permitiu que VISÕES E
alguns princípios como a educação e a religião causando impacto na DEBATES
formação educacional do indivíduo. Página | 215
“Os jesuítas procuravam aprender as suas línguas e elaborar catecismos, e,
quanto aos escravos africanos, havia uma espécie de intercâmbio entre a
Província do Brasil e as missões de Angola, tendo alguns estudantes do
Colégio de Luanda sido escolhidos para serem missionários no Brasil. Alguns
deles elaboraram catecismos e manuais de instrução na língua dos
negros.”(CASIMIRO, 2009, p.97)

É interessante ressaltar que a educação tanto para o indígena e tanto para


os africanos eram feitas estudos para a educação se enquadra no seu
conceito, pois os jesuítas estudavam a língua dos indígenas para ensinar de
maneira melhor e os negros eram trazidos pessoas qualificadas da África
para catequizá-las aqui no Brasil. Desta forma a comunicação e a
catequização chegava a todos os meios sociais. A elaboração de cartilhas
também era outra função que a sociedade jesuíta trazia para a formação do
conhecimento, pois eram feitas cartilhas com especificidades tanto para
quem iria aprender como também para quem iria ensinar, demonstrando
assim um estudo contínuo. As cartilhas para as pessoas que iriam 5
aprender eram com bastantes ilustrações, pois demonstrava com mais
facilidade o que deseja passar para as pessoas.

O iluminismo também trouxe novas concepções para a educação,


abrangendo mecanismo que facilitou no desenvolvimento de novos
paradigmas na sociedade. O iluminismo em sua vertente possui como visão
uma inovação e abertura de novos conceitos sobre certos assuntos. No
Brasil colônia algumas concepções sobre o iluminismo demoraram a chegar.
O iluminismo pregava a liberdade de expressão, das ideias e entre outros
conteúdos que buscavam novas metodologias para a inovação da
humanidade.

Vale salientar a pedagogia aplicada no mundo que era diferente do Brasil,


pois após o iluminismo novos métodos de ensinamento foram aplicados,
desta forma em muitas vezes eram descartadas a possibilidade da religião
com a educação, mas em tempos diante a educação acaba criando um
estabelecimento com a educação que outrora não queria por perto. Mesmo
nas escolas no período do Brasil colônia muitas mudanças foram alcançadas
diante do iluminismo de certa forma acabou auxiliando no desenvolvimento
da educação católica.
Por conseguinte a descoberta do Brasil aconteceu já na idade moderna, ao
qual a valorização da infância começa a surgir, mas vale salientar que no
Brasil esse período ainda é bastante conturbado e muitas teorias e métodos
educacionais demoraram a ser efetivados no Brasil. De fato a educação
trazida pelos portugueses mesmo no período do iluminismo era bastante
Aprendendo ultrapassado que acabou deixando resquícios na formação da sociedade.
História: Vale salientar que o ensino público no Brasil foi algo que se construiu aos
VISÕES E poucos com bastante lentidão.
DEBATES
Página | 216 Considerações finais
Ao realizar este presente artigo é perceptível como o processo educacional
evoluiu, mas grandes conquistas podem ser alcançadas, pois a educação
está em constante transformação como a sociedade brasileira, pois grandes
processos como a Igreja, educação e a escravidão, deixaram grandes
conhecimentos mesmo sendo um processo doloroso e tenebroso.

Sendo assim é interessante o simples fato da educação ajudar na formação


do conhecimento, mas ao longo dos anos era algo bastante restrito e que
nem todos poderiam ter a educação, mas com o passar do tempo a
educação vai criando novos parâmetros até atingir os dias atuais.

Com o passar do tempo fatores como a idade também influenciam no


desenvolvimento da educação e as novas percepções pedagógicas acabam
adquirindo uma separação por idades. Até os dias atuais a separação de
alunos por idade ou a idade certa para os alunos é bastante presente na
sociedade contemporânea, o simples fato de comparação muitas vezes
acaba frustrando os alunos. Pois a diversidade do conhecimento e
aprendizagem é diferente e essa mistura de idades, pode render frutos
bastante positivos.

“O processo histórico permite visualizar como crianças e adolescentes


foram, ao longo do tempo, envolvidos em relação de agressões e maus
tratos por diversas instituições sociais.” (FALEIRO, 2008, p.15).É
interessante perceber que crianças nessa formação social, pois até certo
tempo a criança era vista como um homem e não como uma criança. Em
meados do século atual a criança começa a ter mais visibilidade na
sociedade, sendo assim mais cuidados com a formação desses indivíduos,
pois são essas crianças que iram estabelecer mecanismo inovadores e dá
continuidade para a sobrevivência humana.

Por conseguinte o ensinamento é um fator que ao longo dos anos foi


ganhando novas percepções e a psicologia acabou sendo atrelada a esses
fatores, na idade moderna novas atribuições são atreladas a educação e ao
aluno. Teorias começaram a surgir criando estudos dessa relação
aprendizagem e conhecimento, sendo assim a teorias pedagógicas
começaram a trazer para a sala de aula a visão do conteúdo com a prática.
Uma interação entre a formação e a aprendizagem começou a criar novos
rumos, atualmente muito dos conhecimentos utilizados para o
acompanhamento dos alunos e essas técnicas facilita no reconhecimento
das dificuldades que cada um possui. Sendo assim a importancia de novos
mecanismos que acaba auxiliando no desenvolvimento do aprendizado e do
aprendiz, contribuindo assim para as duas vertentes e que colaboram para
processos que antigamente tinham certos resquícios sobre conteúdos que
cercavam a humanidade.

Referência Aprendendo
Lucas Paes do Amaral é Graduando no curso de licenciatura em história pela História:
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Email: VISÕES E
lucaspaes132@gmail.com DEBATES
Página | 217
FREIRE, Luis Gustavo Lima. Educação colonial em Pernambuco: um estudo
de caso. In: Revista História da Educação – RHE Porto Alegre v. 15 n. 34
Maio/ago. 2011 p. 45-57.

CASSIMIRO, Ana Palmira Bitencourt Santos. Igreja, Educação e Escravidão


no Brasil Colonial. In: http:// periodicos.uesb.br /index.php /politeia /article
/viewFile /224/ 242
Educação no Brasil Colonial. Link do YoTube one o video está disponivel:
https://www.youtube.com/watch?v=MBhHRLPalWk

FORMIGONI, Beatriz de Morais Salles. Da Idade Média a Idade Moderna: um


panorama geral da história social e da educação da criança. In: https://
periodicos .fclar.unesp .br/tes /article / viewFile /9523/6313.

JUNIOR, Magno Leal de Britto. Escola Tradicional. Disponível em: . Acessado


em: 25 de Janeiro de 2019.
COMO SE DEVE ENSINAR A HISTÓRIA DO PARÁ? HISTORIOGRAFIA
E PRODUÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS NA AMAZÔNIA
Lucilvana Ferreira Barros

Aprendendo O presente texto é parte de uma pesquisa de doutorado desenvolvida no


História: Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade
VISÕES E Federal do Pará- UFPA, e busca analisar o perfil das obras de natureza
DEBATES didática da Historiografia Amazônica na década de 1930, na perspectiva de
Página | 218 compreender o aparato teórico e metodológico dos compêndios escolares
elaborados pelos historiadores amazônicos neste contexto, em especial a
obra “Noções de História do Pará: Da conquista e colonização à
Independência”, de autoria do historiador paraense Ernesto Horácio da Cruz,
publicada em 1937, buscando investigar o perfil desta obra didática, a
natureza de sua narrativa e as influências historiográficas presentes na
estrutura narrativa do texto.

A obra “Como se deve escrever a História do Brasil” de Von Martius, escrita


originalmente em 1843 e publicado na Revista do IHGB em 1844 destacou-se
como o texto vencedor do concurso aberto em 1840 por um dos fundadores
do IHGB, Januário da Cunha Barbosa, o trabalho de von Martius se
enquadrava nos parâmetros solicitados pelo edital para a definição de um
plano para se escrever a história do Brasil, neste plano/artigo “von Martius
define as linhas mestras de um projeto historiográfico capaz de garantir uma
identidade - especificidade à Nação em processo de construção”
(GUIMARÃES, 1988. p.8). Na perspectiva de von Martius o ofício de
Historiador no Brasil neste momento, deveria ser pautado pela compreensão
de que:

“A história é uma mestra, não somente do futuro, como também do


presente. Ele [o historiador] pode difundir entre os contemporâneos
sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo. Uma obra histórica
sobre o Brasil deve, segundo a minha opinião, ter igualmente a tendência de
despertar e reanimar em seus leitores brasileiros amor da pátria, coragem,
constância, indústria, fidelidade, prudência, em uma palavra, todas as
virtudes cívicas” (MARTIUS, 1845, p. 401).

Quase um século depois, na historiografia brasileira ainda podemos encontrar


impressas as marcas desta historiografia do século XIX escrita aos moldes de
Carl Friedrich Philipp von Martius; o debate sobre a construção da
nacionalidade, bem como algumas teorias e metodologias da História
pautadas nas compreensões metódicas (positivistas) do oitocentos, que
influenciados pelo método de Langlois e Seinobos apresentado em seu
manual Instroduction aux études historiques entendiam que “A função do
historiador seria a de recuperar os eventos[...] através da documentação e
fazer-lhes a narrativa. A história se limitaria a documentos escritos e oficiais
de eventos políticos. O Estado destacava-se como sujeito histórico universal”
(REIS, 1999).

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, IHGB, por exemplo, dos anos


1930 e 1940 não recepcionou integralmente algumas mudanças
apresentadas pela historiografia brasileira deste momento, caracterizada pelo
“redescobrimento do Brasil” presente em obras e publicações de intelectuais
a exemplo de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado
Júnior, bem como a influência dos primeiros cursos de História “da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, e a Aprendendo
Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935”, priorizando, contudo, a História:
manutenção de um projeto de história nacional, voltada para o estudo das VISÕES E
fundações da história do Brasil, com “um discurso erudito, impregnado de DEBATES
influências historicistas, dotado de ordenação pragmática e matizado tanto Página | 219
pelo romantismo como nacionalismo”, enfatizando os fatos nacionais e as
lições dos “grande homens” nas narrativas magistra vitaes (COELHO, 1991,
s/p). Nos vários Institutos históricos espalhados pelo Brasil, suas instituições
congêneres, as novidades historiográficas também não se tornaram tão
perceptíveis, pois em regiões mais distantes do centro Sul do país, como foi o
caso da Amazônia, por exemplo:

“Pesquisadores e historiadores regionais, ou autoditadas ou formados em


áreas do saber que não a da História, seguiram os passos dos pais
fundadores da historiografia brasileira contemporânea. Atrelados a uma
leitura essencialmente política e factual do processo histórico regional,
ligeiramente matizada por uma inspiração positivista mal trabalhada,
construíram uma narrativa deslocada da sua realidade maior. Uma crônica
oficializada do poder e da conquista, de governadores e de generais, de
potentados e de bispos, extremamente regionalizada e localizada. Uma
crônica, portanto, reveladora do olhar hierarquizado que organizou a
sociedade de forma extremamente demarcada” (COELHO, 1994, p. 177-
178).

Assim, as mudanças que afetaram o cenário historiográfico nacional entre as


décadas de 1930 e 1950 não atingiram o país como um todo, pois, “os rumos
seguidos pela pesquisa e pelo ensino da História na Amazônia, por exemplo,
tão logo iniciada a segunda metade deste século [...] seguiu bem de perto o
modelo oitocentista criado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”,
permanecendo as novidades historiográficas circunscritas ao restrito
ambiente acadêmico de São Paulo e do Rio de Janeiro, e mesmo “vinte anos
depois da criação, no início da década de 1930, das primeiras Faculdades de
Filosofia do país, o ensino superior de História do Brasil tinha os seus quadros
docentes formados principalmente por intelectuais saídos dos Institutos
Históricos e das Academias de Letras. Tomemos como exemplo os livros
didáticos utilizados na educação escolar neste contexto, pois havia uma
tradição dos historiadores dos institutos históricos na produção de materiais
para o ensino de história, conforme afirma Thaís Nívia Lima Fonseca, ao se
referir ao IHGB, os livros didáticos advindos do IHGB eram utilizados nos
ensinos primário e secundário, de modo que os vínculos entre o Instituto e o
ensino “[...] garantiriam a continuidade das formas de interpretação então
predominantes da História do Brasil, que passavam do IHGB às salas de aula
das escolas através da mediação dos livros didáticos (FONSECA, 2001, p.
93).
Nas principais capitais da Amazônia, Belém e Manaus, dos anos 1930
encontramos esse vínculo entre os Institutos Históricos e o ensino, em obras
como “Noções de História do Pará: Da conquista e colonização à
Independência”, de autoria de Ernesto Cruz, por exemplo, publicada em
1937, adotada nas escolas primárias do estado do Pará, encontramos uma
Aprendendo obra didática de História organizada a partir de uma característica típica da
História: historiografia brasileira à época, marcada por “um passado histórico, ligado a
VISÕES E uma ideia de tempo linear, cronológico, datado e referido à memória de fatos
DEBATES e personagens únicos, existentes numa sucessão à qual é vedado conviver
Página | 220 com o presente” (GOMES, 1996. p. 143). Seu livro foi considerado pelo
intelectual amazonense e sócio fundador da Academia Paraense de Letras e
do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Manoel Lobato, como uma “obra
de lenta gestação, cheia de pesquisas e analyses, que comprovam a verdade.
Foi elaborada com o fim de transmitir á infância ideias Moraes e cívicas,
geradoras dos grandes sentimentos e das grandes energias” [...] [onde] são
ventilados os fatos importantes da história do Pará (CRUZ, 1937, 05).

Considerado “historiador da cidade de Belém”, Ernesto Cruz caracterizou-se


no IHGP como um historiador da geração ensaísta desta capital, pois não
possuindo formação acadêmica, posto que o primeiro curso superior de
História na região Amazônica data de 1954, imprimiu em suas obras as
paisagens e principais acontecimentos históricos de Belém, escrevendo até
sessenta e cinco anos de idade “um conjunto de vinte e dois títulos, voltados
para os estudos monográficos sobre temáticas ora peculiares à memória de
Belém, ora pertinentes à história do Pará” (COELHO, 1999. s/p). Em sua obra
didática “Noções de História do Pará” Ernesto Cruz, em que pese o trato da
história do Pará na esteira da história do Brasil, acaba por produzir uma
narrativa cronológica, de fatos e biografias, algo que guardava suas
distâncias em relação ao chamado novo ensino de História do Brasil, como
pressupôs Pedro Calmon, três anos antes (1934), ao postular em sua
conferência sobre o novo ensino de História do Brasil, publicada pela Revista
da Educação da Sociedade Amazonense de Professores em 1934, destacando
a expressa necessidade de ensinar a história da civilização brasileira em
detrimento da história geral, de matriz francesa e inglesa. Calmon
reverberava os pressupostos de uma história brasileira miscigenada – um
reflexo das teorias da democracia racial advindas do pensamento Freyriano
em Casa Grande & Senzala –, uma história da civilização como conjunto da
sociedade e seu “progresso material e social” diferentemente da história da
civilidade aos moldes europeus, recomendando que essa história do Brasil
seria implantada “quando, nas escolas, a história social substituir à
declamada história chonologica do Brasil [...]” (CALMON, 1934, p. 2).

O professor Pedro Calmon apresenta aos professores amazonenses e, por


conseguinte amazônicos, um novo modelo de ensino de história,
notadamente brasileiro e criticava o modelo estrutural da narrativa histórica
difundida até aquele momento, apresentando como não deveria ser o ensino
de história no país:

Historia sem alma, desfibrada da sua contextura viva, synthetizando em


capítulos de almanach, em taboas de datas, em theorias de fantasmas a sua
interpretação do passado – exterior, episodica, desinteressada historia
entrelaçada sem verdade, engendrada sem sciencia, desenvolvida fóra desta
realidade singela e forte que continuou mysteriosa e inexplicavel porque não
coubera nos compendios e não entrára nos collegios [...] (CALMON, 1934, p.
2).
Aprendendo
Assim, Pedro Calmon, autor de vários livros sobre a História do Brasil na História:
década de 1930, influenciado pelos debates acerca da reformulação do VISÕES E
Ensino de História no país, realizado no primeiro governo Vargas, proclama a DEBATES
necessidade de um modelo de ensino que chegue as “classes populares”, Página | 221
evidenciando a necessidade de uma narrativa oficial que enfatize a História
da civilização, “não a historia espectral das nossas crises politicas; mas a
história animada das nossas fórmas sociaes” (CALMON, 1934, p. 2).

A obra de Ernesto Cruz publicada em 1937, organizada em 20 capítulos,


caracteriza-se pela estrutura convencional de narrativa histórica, enfatizando
em sua percepção, os principais personagens e acontecimentos da História
do Pará associados à história do Brasil entre a Colônia e a Independência:

“I Antecedentes Históricos; II Fundação de Belém; III Colonisação do Pará;


IV Francisco Roso Caldeira de Castello Branco (Traços biographicos); V O
desenvolvimento da Colonia; VI Luetas pela posse do Amazonas - O Pará
integrado no dominio Português. VII A bandeira de Pedro Teixeira. VIII Pedro
Teixeira (Notas biographicas). IX O Padre Antonio Vieira; X O Pará
dependente do governo do Maranhão; sua separação. XI A tomada de
Cayenna; XII A Revolução Constitucionalista de 1821. XIII Creação da
Imprensa – “O Paraense”. XIV Filippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente
(Tra. Biográficos). VX A Revolta de 14 de Abril. XVI A adhesão do Pará á
Independencia. XVII A revolta de outubro – prisão do conego Batista
Campos. XVIII A tragedia do brigue “Palhaço”. XIX John Pascoe Greenfell
(Notas biograp.) XX Dom Romualdo de Souza Coelho (Notas biographicas)
(CRUZ, 1937, 187).

Assim, neste compêndio escolar, como em várias de suas obras produzidas


posteriormente, Ernesto Cruz demonstra um caráter de escrita positivista e
ao mesmo tempo pedagógica, “tratando-se de um modo de explicação
histórica amparado no que seria a chamada história dos acontecimentos,
essencialmente narrativa, marcada pela forma e pelo ritmo da crônica de
feições novecentistas, preocupando-se apenas “em destacar vultos e
episódios, que permaneciam injustamente esquecidos, respeitando,
honestamente, o texto dos documentos” (COELHO, 1999, p. 21).
Interessante observar na escrita didática de Ernesto Cruz duas questões
presentes na escrita da história paraense de outros historiadores locais:
primeiro a ideia de a História do Brasil iniciar-se na região do rio Amazonas,
contrariando as narrativas oficiais que tomam como ponto inicial da história
brasileira Porto Seguro na Bahia. Exemplo precedente foi o do historiador e
pintor paraense Theodoro Braga, que em 1908 produziu a tela A Fundação da
Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, quando as cenas da chegada
dos portugueses e a construção de um forte resultando no contato com
indígenas da região e a presença de uma natureza peculiar com destaque
para uma seringueira elevam à tela à condição de narrativa de
descobrimento, concorrendo assim com a narrativa fundadora da história do
Brasil (FIGUEIREDO, 2005).

Outro elemento que chama atenção no compêndio é a estrutura


Aprendendo organizacional da obra, elaborada por pontos da História do Pará, uma
História: tradição da didática da História paraense, já apresentada em outras obras de
VISÕES E História de natureza escolar, a exemplo da obra do historiador paraense
DEBATES Arthur Vianna, intitulada Pontos de História do Pará, escrita em 1919. Não se
Página | 222 perde de vista que o título da obra de Ernesto Cruz, Noções de História do
Pará, ainda oferece outro indício da tradição didática da historiografia
paraense, a saber: o uso da ideia de noção, como algo que permitia tratar de
um vasto assunto de modo resumido. Nestes termos, em 1898, o historiador
paraense Hygino Amanajás escreveu Noções de Educação Cívica: para uso
nas escolas, um material encomendado pelos primeiros governos
republicanos paraenses. Outras duas obras foram: Noções de Chorographia
do Pará (1919), de Theodoro Braga e Noções de História Pátria: adaptadas
nas escolas públicas do estado do Pará (1926) de Raymundo Proença e Silvio
Nascimento. Na prática, essas obras buscavam destacar as efemérides da
História patriótica regional e local e os heróis, os grandes homes da História
paraense, evidenciando uma preocupação com “um novo sentimento de
amor à pátria, à terra, que seria promovido por uma educação cívica,
centrada no espaço escolar” (GOMES, 2009, p. 11).

Teórica e metodologicamente é importante atentarmos para a bibliografia


utilizada e arquivos pesquisados por Ernesto Cruz, pois constituem a base da
construção narrativa do autor, posto que é necessário conhecer, conforme
afirma Michel de Certeau, “o lugar social de produção destas narrativas, o
universo institucional a que pertenceram seus autores, o processo de
produção (prática de escrita) das mesmas e a natureza de suas escritas”
(CERTEAU, 2008. p. 65-106), para compreendermos a natureza de sua
narrativa. Para melhor examinarmos este ponto, apresentamos abaixo o
quadro dos autores e arquivos consultados para a escrita da obra:

OBRAS AUTORES
Limites do Pará - Goiaz Eng. Palma Muniz
História do Rio Amazonas Dr. Henrique Santa Rosa
O Maranhão Fran Pacheco
História da Adhesão do Pará á Independência Palma Muniz
Compêndios das eras da Provincia do Pará Antonio Monteiro Baena
Motins Politicos Domingos Antonio Rayol
Ruas de Belém (Revista do Inst. H. G. do Pará) Manuel Barata
Revista da Sociedade de Estudos Paraenses. J. Lucio de Azevedo
Notas sobre a verdadeira data da Fundação do
Pará
Pedro Teixeira (Revista do Inst. H. G. do Pará) M. Braga Ribeiro
História Colonial do Pará Barão do Guajará
As egrejas de Belém (Revista do Inst. H. G. do M. Braga Ribeiro
Pará)
Annaes Historicos do Estado do Maranhão Bernardo Pereira de
Berredo
História do Brasil J. l. de Abreu e Lima
Aprendendo
Os generais do Exercito Brasileiro (Trs. Alfredo Pretextato Maciel
História:
biográficos) da Silva
VISÕES E
J. Brigido DEBATES
Ceará – Homens e factos
Página | 223
D. João VI no Brasil O. Lima

LUGARES E ARQUIVOS PESQUISADOS


Collecção de jornais pertencentes á Biblioteca e
Achivo Público do Estado do Pará: Relatório dos
governadores do Estado
Diarios officiaes pertencentes ao Archivo do
Instituto Historico e Geographico do Pará.

Realizando uma rápida análise das referências bibliográficas e arquivísticas


utilizadas por Cruz, percebemos a importância das gerações de intelectuais
que precederam o autor. Em linhas gerais, destaca-se representantes de
duas épocas da historiografia paraense: primeiro, observa-se que Cruz faz
referências aos conhecidos historiadores paraenses do século XIX,
notadamente Antonio Monteiro Baena e Domingos Antonio Rayol, membros
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), inclusive o segundo
ficou imortalizado no Pará como patrono do instituto histórico estadual;
segundo, os engenheiros João de Palma Muniz e Henrique Santa Rosa,
responsáveis pela construção de uma tradição historiográfica na Amazônia
entre o final do século XIX e décadas iniciais do século XX com a publicação
de uma grande quantidade de obras e artigos, revistas, mapas, dicionários,
monografias, etc., que narravam “sobre o passado, os limites territoriais e o
espaço natural e urbano da região” amazônica (MORAES, 2009, p. 14), na
busca, conforme Moraes, da “identidade regional amazônica, inserindo-a
numa longa tradição marcada pelo desenvolvimento progressivo da
civilização [...] a partir da ótica do poder do Estado-Nação”.

No que se refere aos documentos e arquivos pesquisados, Cruz cita as


Revistas do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, e “Diarios officiaes
pertencentes ao Archivo do Instituto Historico e Geographico do Pará”, bem
como a “Collecção de jornais pertencentes á Biblioteca e Achivo Público do
Estado do Pará- Relatório dos governadores do Estado”. Dois espaços
tradicionais de pesquisa na Amazônia, destacando-se, em especial o Arquivo
Público do Estado do Pará. Foi neste espaço de documentação que durante
décadas, segundo Ernesto Cruz (1973), muitas pesquisas históricas foram
concebidas por historiadores amazônicos como: “Arthur Viana, Domingos
Antônio Raiol, padre Serafim Leite, Lúcio de Azevedo, Henrique Santa Rosa,
Palma Muniz, Jorge Hurley, Manoel Barata e Arthur Cézar Ferreira Reis”
(CRUZ, Ernesto. Pesquisas Históricas. Jornal A Província do Pará. Belém.
30/10/1973). O acervo deste arquivo guarda, de acordo com Cruz (1969),
“detalhes importantíssimos da conquista e da colonização, nos seus diversos
aspectos: - político, religiosos, econômico e social” [...], documentos que
destacam fases da formação da Amazônia em quase três séculos de domínio
português, 1616-1823” (MENDONÇA, Carlos A. de. Na Biblioteca Um
Historiador. Jornal Folha do Norte. Belém, 29/05/1969).
Aprendendo
História: Portanto, dentre estes historiadores menciona-se o próprio Ernesto Cruz,
VISÕES E historiador que a partir de pesquisas realizadas neste e em outros arquivos
DEBATES da Amazônia produziu inúmeras obras acerca da História do Pará, a exemplo
Página | 224 de “Noções de História do Pará”, ajudando a construir uma tradição de
pensamento histórico na região, e uma bibliografia oficial sobre a História da
Amazônia. Um historiador que seguiu traços de uma historiografia didática
paraense anterior, com uso de pontos e noções, bem como uma estrutura
convencional de narrativa histórica. Historiador que diante de certa
renovação no ensino de história do Brasil realizada na década de 1930,
persistiu nas leituras clássicas e no modelo de história com traços
oitocentistas, aos moldes do IHGB e sua historiografia tradicional.

Referências
Lucilvana Ferreira Barros: Doutoranda em História Social da Amazônia pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará-
UFPA. Professora efetiva do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará-
IETU/UNIFESSPA. Pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará-
UFPA.

CALMON, Pedro. Civilização Brasileira: a conferência do prof. Pedro Calmon


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Amazonense de Professores, edição de abril, maio e junho de 1935, p. 05.

COELHO, Geraldo Mártires. História e Identidade Cultural na Amazônia. In:


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COELHO, Geraldo Martires. Rito e Memória. Gráfica da Editora Universitária.


1991. s/p.

CRUZ, Ernesto. Pesquisas Históricas. Jornal A Província do Pará. Belém.


30/10/1973.

CRUZ, Ernesto. Procissão dos Séculos: Vultos e Episódios da História do Pará.


Belém. Imprensa Oficial do Estado. 1999.

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independência. [S.I]: Officinas Graphicas da Livraria Internacional, 1937.

FERREIRA, Marieta de Morais. SILVA, Norma Lucia da. Os caminhos da


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Londrina, v. 2, n. 17, p. 283-306, jul./dez. 2011.
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A tela e o fato: a invenção moderna e a
fundação do Brasil na Amazônia. In: FORLINE, Louis; MURRIETA, Rui;
VIEIRA, Ima. Amazônia além dos 500 Anos. Museu Paraense Emilio Goeldi,
2005.

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história da nação. In: SIMAN, Lana Mara Castro; FONSECA, Thaís Nívia de Aprendendo
Lima (org.) Inaugurando a História e Construindo a Nação: discursos e História:
imagens no ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. VISÕES E
DEBATES
GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora Página | 225
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REIS, José Carlos. A História: entre a filosofia e a ciência – 2ª edição – São


Paulo: Ática, 1999.
EDUCAÇÃO CIENTÍFICA UM OLHAR PARA ENSINO BÁSICO:
CAMINHOS PARA A DIDÁTICA DE HISTÓRIA
Ludmila Pena Fuzzi

Aprendendo A História é uma área que vem se transformando nos campos da Educação,
História: principalmente na Metodologia de Ensino. Temos que ter em mente que
VISÕES E Aprender é se informar e, dependendo da natureza da informação, aprender
DEBATES História pode também se transformar. Dentro desta perspectiva, observar o
Página | 226 método de Ensino como tornar o aluno um pesquisador e protagonista deste
processo é oportunizar exclusivamente que ele se desenvolva em várias
frentes, gerando sua autonomia entre o objeto do conhecimento e sua
realidade, para isto, os professores passam de meros transmissores do
saber para mediadores deste conhecimento.

Para Simone Selbach (2010), o professor informa, mas só ensina quando


sabe transformar a informação em conhecimento que transforma o aluno,
ou seja, que o objeto do conhecimento faça sentido para seu processo de
aprendizagem refletindo em sua realidade. Este processo se inicia com o
confronto entre a realidade do que sabemos e algo novo que descobrimos
ou mesmo uma ova maneira de ser encarar a realidade, passando a um
conceito novo, consistente e crítico.

A proposta da Educação Científica, no ensino básico, vem tornar essa


transformação possível, pois irá oportunizar uma reflexão profunda do
aluno sobre o ele vem explorando, com sua curiosidade nata humana,
holistizando assim seus horizontes e transformando sua forma de ver o
mundo, compreendendo assim a importância da ciência histórica no seu dia
a dia.

Dentro da Educação Científica, a ciência produz o conhecimento a partir de


critérios planejados e estabelecidos de forma sistemática para garantir
resultados precisos, explicando fenômenos que ocorrem no planeta, e neste
caso na relação Homem, Tempo e Espaço. Para Zancan (2000), esse
sistema se converte em diretrizes metodológicas que promovem a
imparcialidade na obtenção de resultados e que se tornarão teorias se dão
pela metodologia de investigação científica.

A partir dessa ideia, trazer a Educação Científica, promovendo a reflexão e


a exploração de processos metodológicos, conciliando com as metodologias
pedagógicas, e mediar com os objetos do conhecimento curriculares, se
rompe as barreiras do tradicionalismo para inserir os processos de
contextualização e práxis. Mirian Goldenbnerg (2004), afirma que
metodologia científica é muito mais do que algumas regras de como fazer
uma pesquisa: ela auxilia a refletir e propicia um novo olhar sobre o
mundo: um olhar científico, curioso, indagador e criativo. Desta forma, a
pesquisa científica promove o desenvolvimento da sociedade e traz
explicações a inúmeros fenômenos e problemas, impulsionando sua
evolução em busca de melhorias. Para isso, Collis e Hussey (2005)
apresentam sete objetivos da pesquisa científica:
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 227

Figura 1: Objetivos da Pesquisa Científica Referência: Adaptado de Collis


e Hussey (2005, p. 16)

No ensino de história, entende-se que com o uso da pesquisa científica


ampliaremos as potencialidades humanas, estimulando o aluno a tornar-se
um sujeito questionador e transformador de suas práticas, também da
realidade que os cerca. Como se observa na Figura 1, verificamos que o
processo da pesquisa científica esta totalmente interligada, porém na parte
em revisar e sistematizar o conhecimento, gerando um novo, pode-se
mediar com o aluno a finalidade do estudo da História, verificando as
permanências e transformações da Humanidade no tempo e no espaço,
gerenciando a formulação de Hipóteses, refletindo a presença da
subjetividade da área.

O ensino de História deve oferecer aos alunos a formulações de hipóteses


em suas pesquisas, pois as funções das hipóteses na pesquisa científica,
tanto no que se refere a uma pesquisa específica que está sendo
concretamente realizada, como no que se refere ao conhecimento científico
de uma maneira geral. Para Barros (2013), a Figura 2, apresentada
abaixo, enumera algumas destas funções, organizando na parte sombreada
aquelas funções referentes a uma pesquisa determinada ou ao seu Projeto.
Na parte não sombreada estão as funções que a Hipótese desempenha em
relação ao desenvolvimento científico em geral.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 228

Figura 2: Funções das Hipóteses na Pesquisa Científica Referência:


Barros, José D’Assunção, O Projeto de Pesquisa em História, 9 Edição,
Vozes, Petrópolis, p. 138, 2010.

Observando a Figura conseguimos verificar as principais Habilidades que os


alunos devem ter a oportunidade de desenvolver no Ensino de História,
sempre verificando que as Hipóteses estabelecem uma direção mais
definida para se chegar às argumentações coerentes. Elas nos fazem fixar
finalidades, relacionar etapas, curar fontes para análises e então chegar a
resultados coesos: “Uma Hipótese é norteadora precisamente porque
articula as diversas dimensões da pesquisa, funcionando como um
verdadeiro ponto nodal, onde se encontram o tema, a teoria, a metodologia
e os materiais ou fontes de pesquisa” (BARROS, 2010, p. 137)

Ao se apresentar a ideia de questionar a História, com formulações de


Hipóteses, através da pesquisa científica no ensino básico, traremos a foco
o desenvolvimento amplo e profundo do indivíduo crítico e autônomo. Paulo
Freire (1996) idealizou um cidadão crítico de si mesmo e da sociedade para
provocar as mudanças necessárias e na busca do rompimento dos
paradigmas negativos. Entenda-se aqui o conceito de crítico como sendo a
capacidade cognitiva de pensar e refletir sobre o papel de si mesmo no
sistema social da humanidade, reconhecendo potencialidades e problemas
dos fenômenos presentes nos fatos históricos, buscando suas causas e
consequências no tempo e espaço. Isso se diferencia do sentido negativo de
crítica por crítica, de oposição e sem fundamentação/argumentação, que
não analisa e ou reflete sobre os fatos das situações discutidas e sempre
tendendo a uma postura pessimista, justificando assim que educação e
ciência devem fazer parte do processo de aprendizagem dos alunos
tornando-o um cidadão crítico.

Na História, muitos professores acabam acreditando na ideia de que tudo


que não é muito veloz é chato. Para Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
(2010), na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por Aprendendo
“achismos”, alunos trocam a investigação bibliográfica por informações História:
superficiais dos sites de pesquisa pasteurizados, vídeos são usados para VISÕES E
substituir (e não complementar) livros. E o passado, visto como algo DEBATES
passado, portanto superado, tem tanto interesse quanto o jornal do dia Página | 229
anterior.

Brasil (2017) apresenta que as questões que nos levam a pensar a História
como um saber necessário para a formação das crianças e jovens na escola
são as originárias do tempo presente. O passado que deve impulsionar a
dinâmica do ensino-aprendizagem no Ensino Fundamental é aquele que
dialoga com o tempo atual. Com isto, compreendemos que ao oferecermos
a oportunidade do objeto do conhecimento ser questionado pelos alunos,
traremos a eles a oportunidade de investigar e ir mais a fundo, tralhando as
Habilidades para se alcançar as competências.

“A relação passado/presente não se processa de forma automática pois


exige o conhecimento de referências teóricas capazes de trazes
inteligibilidade aos objetos históricos selecionados [...] A História não
emerge como um dado ou um acidente que tudo explica: ela é a correlação
de forças, de enfrentamentos e da batalha para a produção de sentidos e
significados, que são constantemente reinterpretados por diferentes grupos
sociais e suas demandas” (BRASIL 2017, p. 395)

As transformações que ocorrem na Historiografia e consequentemente nos


futuros livros didática podem ser apresentadas como um fenômeno da
ciência, que é sua constante transformação. Com a pesquisa em
andamento, os alunos terão a oportunidade de verificar que certas
informações iniciais elencadas com as Hipóteses podem não se
fundamentar, trazendo assim a luz os valores essenciais do campo científico
na sua formação como ser produtor de saberes.

Para Menezes (1998), toda operação com documentos é de natureza


retórica, pois um objeto se torna documento quando apropriado por um
narrador que a ele confere sentido, tornando-o capaz de expressar a
dinâmica da vida das sociedades. Nisto o que nos interessa é verificar a
forma como os indivíduos construíram, com diferentes linguagens, suas
narrações sobre o mundo em que viveram e vivem suas instituições e
organizações sociais, se tendo o foco assim no conhecimento histórico.

Para isto, a proposta da inserção da Metodologia Científica como algo


revolucionário na sala de aula é de grande valia para ensinar ao aluno a ser
curador de seu processo de ensino e aprendizagem, focando na seleção das
informações das diferentes fontes e o diálogo entre elas, inclusive
desenvolvendo a habilidade na análise crítica da veracidade do material
interpretado, podemos verificar isso no seguinte processo:

Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 230

Figura 3: Escada Sistemática das Ações Metodológicas Referência: A


Autora (2019)

O que apresentamos na figura de forma sistematiza, descritas como


Tematização: consiste em constar o tema a ser analisado, podendo ser um
assunto a ser discutido em formato de projeto, pesquisa ou discussão em
sala de aula. Problematização: se considera os conhecimentos já
existentes, gerando uma pergunta que foi observada e, ao mesmo tempo,
uma possível resposta inicial para a pesquisa, já trazendo o recorte que
será analisado do tema proposto. Investigação: Alinhar metodologias e
diálogos de fontes, coletando informações para posterior análise e
entendimento dos fenômenos que ocorrem. Resultados: Com os dados
coletados, interpretar e analisar para se obter respostas, soluções e
reversões de situações problemas, já verificando a importância desses
resultados para a sociedade na atualidade. Conclusão: Ao fim deste
processo, chega-se a uma conclusão do porquê de os fenômenos ocorreram
e se o evento sempre ocorrerá da mesma forma, gerando assim uma teoria,
ou seja, uma afirmação verdadeira.

Nganga (2018) e Miranda (2018) dizem que a pesquisa esta presente no


processo de ensino-aprendizagem desde os anos iniciais. Podemos citar
como exemplo um exercício amplamente difundido, que é o plantio do feijão
no algodoeiro. Por meio dele, a criança acompanha como a planta germina
e se desenvolve, inter-relacionando teoria e prática. Por isso, a prática da
pesquisa na educação abre novos horizontes e possibilidades, além de
auxiliar na melhoria da qualidade do ensino. Ao verificarmos o processo que
apresentamos na Figura 2, com a escada sistemática das ações
metodológicas, compreenderemos que isto irá oferecer a oportunidade de
desenvolvermos o aluno historiador, proposto pela Base Nacional Comum Aprendendo
Curricular (BNCC), em que ele irá Identificar, Comparar, História:
Contextualizar, Interpretar, Analisar e Analisar, diferentes fontes VISÕES E
produzidas pela humanidade ao longo de sua história. DEBATES
Página | 231
“Uma sequência organizada de situações estimuladoras e desafiadoras de
aprendizagem, na qual o professor e estudantes estão envolvidos como
sujeitos do processo, na perspectiva de formação de cidadãos críticos,
capazes de entender e transformar a realidade circundante. Aprender com
pesquisa é um processo dialógico que envolve a problematização do
conhecimento, a construção de argumentos e sua respectiva validação”
(Nganga e Miranda, 2008, p.32)

A partir do exposto, é possível verificarmos o que a ruptura do ensino com a


pesquisa faz com o conservadorismo presente no ensino de história,
ressignificando o papel do professor apenas como transmissor dos fatos
históricos e das aulas simplesmente expositivas, a um mediador do
conhecimento, tornando seus alunos o centro do processo de ensino
aprendizagem. Por isso, ao contrário de métodos tradicionais de ensino, a
utilização da pesquisa como estratégia contribui significativamente com o
aprendizado do objeto do conhecimento que se ensina, uma vez que o
estudante se debruça com mais afinco sobre o tema.

É interessante ressaltar que como a estratégia de ensino com pesquisa


propõe um alinhamento entre teoria e prática, a aplicação do que foi
aprendido também pode ser meta alcançada, possibilitando ao aluno refletir
de forma ativa sobre o conteúdo aprendido e utilizá-lo para a solução de
outros problemas e desafios. Nessa perspectiva Selbach (2010), nos diz que
todo professor de História deve buscar sempre um caçador de curiosidades,
um inventor de desafios relacionando o ontem e o agora, instigando o aluno
a sentir-se parte fundamental da História, sempre os motivando.

Neste ponto podemos concluir que todo este processo conduz ao alunos a
verificar 4 importantes pontos: a Intervenção (agentes e possibilidades de
ação), a Sensibilização (fruir, observar, pesquisar, registrar o que
acontece no mundo em relação ao tema), a Compreensão (características,
conceitos, transformações, regulamentação e responsabilidades em
diferentes contextos) e por fim a Responsabilização (como se dá a
relação indivíduo/sociedade com o tema proposto), assim caminharemos
para uma formação integral do aluno, focando em seu entendimento de
Humanidade se relacionando com o tempo e espaço, constituindo o
indivíduo crítico e combatendo o analfabetismo funcional.
Referências
Ludmila Pena Fuzzi, Licenciada em História pela Universidade de Taubaté
(2008), Pós Graduada em Políticas e Sociedades do Brasil Contemporâneo
pela Universidade de Taubaté (2010), Pós Graduada em Educação,
Patrimônio e Cidadania pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ
Aprendendo (2017), Professora de História pela Prefeitura Municipal de Taubaté,
História: Membro da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), Membro da
VISÕES E Associação Brasileira de História (ANPUH), Diretora e Fundadora do
DEBATES Instituto de Pesquisa Histórica e Ambiental Regional (IPHAR)e Membro
Página | 232 Técnico e Educacional do Grupo de Patrimônio Cultural de Taubaté.

BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História: Da escola do


tema ao quadro teórico. Vozes, Petrópolis, 2013.

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ZANCAN, Glaci T. Educação científica: uma prioridade nacional. São Paulo


em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 3-7, 2000.
O USO DE MAPAS MENTAIS E CONCEITUAIS NO ENSINO DE
HISTÓRIA: DESENVOLVENDO HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
Ludmila Pena Fuzzi

Introdução Aprendendo
As imagens são representações impregnadas de memórias e significações, História:
quando organizadas de diferentes formas, propiciando reflexões mais VISÕES E
concretas de conceitos e temas. O presente trabalho objetivou tornar o DEBATES
aluno como indivíduo autônomo em seu processo de ensino aprendizagem, Página | 233
utilizando-se da ferramenta de Mapas Mentais e Conceituais, tendo como
foco as aulas inversas e metodologias ativas, propostas nos novos modelos
educacionais, inclusive se embasando da integralidade do desenvolvimento
de Habilidades e Competências propostas na Base Nacional Comum
Curricular. O público alvo desta pesquisa foram os anos finais do Ensino
Fundamental (6º ao 9º Ano), com atividades, ações e testes aplicados
durante o ano de 2018 e início de 2019, em escolas municipais de Taubaté.

As experiências humanas sempre imersas em uma cultura criam


significados para tudo o que está à sua volta e uma forma de captar as
concepções do indivíduo e sua forma de organizar o pensamento referente a
um conceito ou temática é propondo mapas mentais e ou conceituais, para
serem produzido pelos alunos. Os resultados apresentados desta proposta
pedagógica tende a ser significações de algo presente em sua mente,
construídas socialmente e historicamente. Para Ferrara (2007), toda
representação é uma imagem, um simulacro do mundo a partir de um
sistema de signos, ou seja, qualquer representação é um gesto que codifica
o universo.

Com base no que estamos apresentando, podemos verificar que o uso de


mapas mentais e conceituais nas aulas de História no Fundamental é
oportunizar a articulação entre objetos do conhecimento, conceitos
históricos e saberes aprendidos pelos alunos ao longo da sua formação,
além de desenvolver a autonomia na organização de seu pensamento,
gerando situações problemas a serem solucionados com a reorganização da
ideia para elaboração de seus esquemas. Esta proposta também vem
oferecer a formação de alunos construtores de mapas conceituais e
mentais, sendo leitores críticos das informações ali a serem inseridas e do
espaço que deverão utilizar para organizar suas ideias. Para isto, Loçandra
Borges de Moraes (2008), nos faz refletir que:

“A necessidade de considerar o saber do aluno e sua realidade; de encará-lo


como sujeito do processo ensino-aprendizagem; de transformar as
informações científicas em conteúdos didaticamente assimiláveis,
considerando sua idade, seu nível de desenvolvimento mental, suas
condições de aprendizagem e socioeconômicas; de o professor investigar
sua prática para modificá-la”. (MORAES 2008, p. 21)
A Ferramenta do Mapa Mental e ou Conceitual e o Desenvolvimento
de Habilidades e Competências.
Através dos estudos realizados por Richter (2011) e Kozel (2008) sobre os
mapas mentais como um recurso didático, nos apresenta o registro de
representações, imagens mentais sobre as experiências vividas, os
Aprendendo raciocínios organizados, interligados com pré-conhecimentos sobre
História: determinados assuntos, oferecendo um diagnóstico da rede compreendida
VISÕES E pelo aluno. Estas informações mentais transpostas para o papel procuram
DEBATES ser vinculadas aos objetos do conhecimento de História com a finalidade de
Página | 234 construção de novas competências para a aprendizagem dos alunos dos
anos finais do Ensino Fundamental. A proposta com mapa mental difere-se
das atividades relacionadas ao desenho, mediante aos objetos propostos
pelo professor em sua orientação da tarefa a ser realizada, delimitando um
tema abordado.

Para se verificar a profundidade na lógica do uso do signo, trazemos ao


debate sobre mapas mentais Vigotski (1998) e Bakhtin (2012), que
observam no signo a possibilidade da comunicação social. A unidade
dialética das habilidades, inteligência posta em prática e a competência, o
conhecimento, do saber histórico e do saber cotidiano que possibilidade a
comunicação do sujeito e se aprimora na complexidade da vida social.

Para Salete Kozel (2008), desta maneira a intenção é levar as relações


simbólicas espaciais, a compreensão que os sujeitos adquirem da mesma,
suas múltiplas relações para com o real, considerando o saber e saber-fazer
do aluno enquanto sujeito social, que vive, experiência a sociedade e suas
tramas cotidianas.

Ao longo da história, a humanidade desenvolveu suas atividades de caça,


pesca e coleta de frutos para a sua sobrevivência, construiu civilizações,
transformou o meio, mapeou o tempo de diferentes formas, extraiu matéria
prima para produzir utensílios necessários para a manutenção do grupo
humano, o que para referendar este processo, Paul Claval (2011), nos diz
que a capacidade de traçar itinerários, de locomover-se e memorizar o
espaço, resulta na atividade de representação.

Nesta perspectiva podemos compreender a importância de oferecer aos


alunos o uso do mapa mental e ou conceitual de diferentes formas, como
realizamos no período mencionado na abertura deste artigo. Para iniciarmos
o aluno na proposta, oferecemos a oportunidade que suas anotações no
caderno sejam realizadas em formato de mapas mentais e ou conceituais,
trazidos pelo professor, que media a ferramenta em sua aula expositiva
dialogada, depois podemos ir inserindo a autonomia, em que a partir de
textos o aluno vá criando seus mapas mentais e ou conceituais simplificados
até chegarmos na proposta na confecção de mapas mentais e ou
conceituais em grupos produtivos, estimulados pela aula inversa e
metodologia ativa, em que o professor solicita dos alunos uma preparação
sobre um determinado tema em que ainda não mediou em sala de aula,
gerando a elaboração de grupos produtivos. Ao final, o professor irá dar a
sua aula expositiva dialogada com o material elaborado pelos seus alunos.
“Um mapa mental utiliza todas as habilidades do cérebro para interpretar
palavras, imagens, números, conceitos lógicos, ritmos, cores e percepção
espacial com uma temática simples e eficiente. Ele nos dá a liberdade de ir
aonde quer que nossa mente nos leve” (BUZAN 2009, p.11)

Para compreendermos a eficiência dos mapas mentais e conceituais em sala Aprendendo


de aula, podemos verificar como nosso cérebro funciona. Para isto, Tony História:
Buzan (2009), nos diz que o cérebro é um processador extraordinário, VISÕES E
superpoderoso, capaz de realizar infinitas reflexões e criar o Pensamento DEBATES
Radiante (pensar em diferentes direções ao mesmo tempo, partindo de Página | 235
ativadores centrais presentes em Imagens-chave ou Palavras-Chaves). Para
isto, o autor nos apresenta as cinco funções principais:

Figura 1: Cinco Funções Cerebrais e os Mapas Mentais e Conceituais


Referência: Adaptado de BUZAN (2008, p. 16)

Ao analisarmos a Figura 1, em contraponto a proposta do uso de mapas


mentais em sala de aula verificou que uma única atividade compreenderá
em como o aluno Recebe as informações, depois como ele as Armazena,
verificando logo em seguida seu poder de Análise, concebendo sua forma
de Controle dessas informações e seu gerenciamento e por fim como nós a
Expressaremos em desenhos, movimentos, manifestações criativas e
organizações pictográficas, palavras chaves e ligações, se tendo assim um
verdadeiro mapa avaliativo do processo de aprendizagem do aluno ou grupo
produtivo daquele determinado objeto do conhecimento. Para este fim,
trabalhos múltiplas habilidades e competências, podendo ser interligadas
com o que se propõe a Base Nacional Comum Curricular.

Os resultados dessa expressão do cérebro podem ser representações em


forma de mapas mentais e ou conceituais. Para Salete Kozel (2008), os
Aprendendo mapas mentais são uma forma de linguagem que reflete o espaço vivido,
História: sendo produtos de relações dialógicas estabelecidos entre o eu, o outro e o
VISÕES E tema proposto, proporcionando uma análise mais ampla do indivíduo no
DEBATES contexto social e cultural em que se esta inserido.
Página | 236
“No objeto real pode existir pouco a ordenar e observar e, no entanto, a sua
Figura Mental pode ter ganho identidade e organização através de uma
longa familiaridade. Por exemplo, um indivíduo poderá facilmente encontrar
objetos onde para outros, aparentemente, apenas existe uma mesa de
trabalho completamente desarrumada” (LYNCH, 1960, p. 16).

Nos estudos acerca da importância de compreendermos das múltiplas


leituras que o aluno faz acerca de um tema e ou imagem, é de grande valia,
pois trará ao professor uma visão diferenciada, podendo levar a uma troca
de aprendizagem. Para isso é muito interessante o professor partir do
material elaborado pelo próprio aluno, ampliando desafios e visões em suas
explanações.

Figura 2: Mapa Mental sobre Inconfidência Mineira. Referência: Material


elaborado por alunos do 8º Ano da EMEF Profa. Marisa Lapido Barbosa em
2018, Escola Municipal de Taubaté. Fotografia do Acervo da Autora.
Na Figura 2, resultado de uma proposta realizada no ano letivo de 2018,
com alunos do 8º Ano, na metodologia de grupos produtivos, observamos
que a palavra chave proposta foi Inconfidência Mineira. Através do grupo
produtivo, os alunos dialogaram, se organizaram e representaram em
símbolos e palavras sua compreensão do tema proposto.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 237

Figura 3: Mapa Mental sobre Inconfidência Mineira. Referência: Material


elaborado por alunos do 8º Ano da EMEF Profa. Marisa Lapido Barbosa em
2018, Escola Municipal de Taubaté. Fotografia do Acervo da Autora.

A proposta resultou em diferentes mapas mentais, mas com raciocínios


alinhados à identidade do grupo, como também podemos observar na
Figura 3, em que os autores demonstraram habilidades com desenhos,
mas não deixaram de seguir a proposta da professora em elaborar um Mapa
Mental ligado ao objeto do conhecimento referente à Inconfidência Mineira.

A Produção de Mapas Mentais e a Proposta da BNCC:


Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o conceito de Competência é
apresentado como a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e sociomocionais),
atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do
pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Nesta perspectiva,
compreendemos como a ferramenta proposta como metodologia de ensino
neste artigo esta ligada ao que se deseja alcançar com o nova Normatização
da Educação Nacional vem nos trazer.
Dentre as 10 Competências Gerais propostas pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), a competência de número 2 é a que esta mais ligada ao
debate da importância do uso de Mapas Mentais e ou Conceituais,
denominada pela Profa. Ana Penido de Competência 2: Pensamento
Científico, Crítico e Criativo, em que com esta proposta podemos
Aprendendo oportunizar o desenvolvimento desta Competência através de várias
História: Habilidades, focadas no objetivo em que o professor estabelecer a partir da
VISÕES E forma como organizará sua atividade.
DEBATES
Página | 238 “2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das
ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação
e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses,
formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com
base nos conhecimentos das diferentes áreas.” (BRASIL, 2017, p. 9)
Considerando o que se propõe na BNCC e o uso de Mapas Mentais em sala
de aula, podemos delinear as principais Habilidades que podem ser
desenvolvidas a partir da Competência aqui apresentada, listando:

 Interpretação de dados e informações com precisão. Posicionamento


crítico a partir de critérios científicos, éticos e estéticos;
 Uso de raciocínio indutivo e dedutivo para analisar e explicar
recursos, soluções e conclusões de processos de investigação;
 Formulação de hipóteses. Explicação da relação entre variáveis.
Sustentação de raciocínio com intuição, observação, modelo ou
teoria;
 Análise de argumentos, raciocínios e evidências. Aprimoramento da
lógica da investigação;
 Comparação, agrupamento e síntese de informações de diferentes
fontes para produzir conclusões sólidas e evitar erros de lógica;
 Testagem, combinação, modificação e geração de ideias para atingir
objetivos e resolver problemas;
 Conexão entre ideias específicas e amplas, prévias e novas, a partir
de diferentes caminhos;
 Questionamento e modificação de ideias existentes e criação de
soluções inovadora;

Verificando essas Habilidades, embasamos que o a proposta desta


Ferramenta caminha em direção as normais mais atuais da Educação
Brasileira,visando sempre ressignificar códigos apresentados, o papel do
professor, o vislumbre do aluno e muitos outros aspectos.

O Trabalho de Mapas Mentais em Grupos Produtivos


Muito tem se falado em agrupamentos produtivos, que consistem em
agregar alunos em diferentes níveis de escrita e ou aprendizagem para que
possam interagir e assim, juntos construir e trocar conhecimentos,
entendendo que a aprendizagem não acontece de forma isolada e
individual, mas na interação entre os sujeitos e o objeto. Há nesse
momento uma troca de conhecimentos, e consequentemente um avanço na
aprendizagem. Russo (2012) nos afirma que grupos produtivos é uma das
estratégias mais úteis à aprendizagem porque, quando as crianças ficam
juntas, trocam ideias, ensinando e aprendendo naturalmente, sem inibições
e preconceitos.

Os agrupamentos seguem os princípios dos saberes já construído pelos


alunos em percurso escolar, bem como leva em consideração a
heterogeneidade de saberes existes no espaço escolar e a sua importância Aprendendo
na construção dos saberes dos alunos, pois essa forma de trabalhado é História:
ancorada, em sua concepção, pela interação entre as crianças com a VISÕES E
mediação do professor. Na elaboração em conjunto dos Mapas Mentais, DEBATES
esses saberes são fundidos e uma aprendizagem dialogada ocorre, Página | 239
ampliando visões sobre um mesmo tema proposto.

O trabalho com os agrupamentos produtivos considera que os alunos têm


saberes diferente e pressupõe um trabalho em um sistema de ensino que
possibilidade que esses saberes sejam compartilhados, discutidos,
confrontados, modificado, e que, ao mesmo tempo, possam trocar seus
saberes relacionados ao objeto do conhecimento, como ainda pensar em
estratégias para a resolução da situação problema demandada pelo
professor, analisar os diferentes pontos de vista para realizar generalizações
e negociar em um acordo que represente o grupo.

Tony Buzan (2009) nos diz que os Mapas Mentais despertam o interesse
imediato dos estudantes porque ser criados como um exercício de equipe.
Eles estimulam os alunos a se manterem mais receptivos e atentos na sala
de aula. O interessante é que podemos verficar alguns aspectos da
aprendizagem em grupo produtivo somado à estratégia de produção de
mapas mentais, tais como:

 A abrangência dos assuntos tratados;


 A profundidade da abordagem desses temas em grupos produtivos;
 A inclusão de diferentes visões em um único esquema mental;
 A adoção de técnicas que facilitam o aprendizado, como cores, símbolos
e setas, interligando os diferentes pontos de vista do grupo.
Aprendendo
História:
VISÕES E
DEBATES
Página | 240

Figura 4: Grupos Produtivos e Mapa Mental sobre Revolução Francesa.


Referência: Material elaborado por alunos do 8º Ano da EMIEFM Emílio
Amadei Beringhs em 2019, Escola Municipal de Taubaté. Fotografia do
Acervo da Autora.

Figura 5: Grupos Produtivos e Mapa Mental sobre Feudalismo. Referência:


Material elaborado por alunos do 7º Ano da EMIEFM Emílio Amadei Beringhs
em 2019, Escola Municipal de Taubaté. Fotografia do Acervo da Autora.

Os trabalhos em grupos produtivos para elaboração de Mapas Mentais


tornam a experiência espontânea, prazerosa e criativa, oferecendo o
constante diálogo e ensinando os alunos a trabalhar em equipe, debater
ideias, gerenciar discordâncias e delinear os pontos de vistas pontuais do
grupo na elaboração de seus materiais. Podemos apresentar que os
resultados foram além do que a professora esperava, observamos que os
alunos dos anos finais do ensino fundamental necessitam de propostas
assim para deixarem de serem analfabetos funcionais, refletirem
divergências de um mesmo tempo e saber o significado de trabalhar em Aprendendo
grupos. História:
VISÕES E
Conclusão DEBATES
O registro da percepção dos alunos por meio de mapas mentais possibilitou Página | 241
uma maior conhecimento acerca do entendimento dos mesmos, referente
aos temas propostos pela professora nestes 1 ano de aplicação (2018-
2019). A partir das informações obtidas houve uma discussão a fim de
delinear ideias, acrescentar ou retirar informações, discordar para chegar a
pontos em comuns sobre temas e conceitos, somando a ideia dos mapas
mentais com os grupos produtivos. Foi possível trabalhar conceitos a partir
dos conhecimentos prévios dos alunos, estimulando a imaginação,
desenvolvendo habilidades e competências, trazidas pela Base Nacional
Comum Curricular, como norma mais atual da nossa legislação educacional.
Por fim, destaca-se a importância da aplicação dessa ferramenta aqui
analisada, apliando as possibilidades de seu uso, desde da forma individual
até com o trabalho em grupos produtivos, gerando e apliando o
conhecimento e o senso crítico dos alunos perante as temáticas e conceitos
presentes nos currículos de História, já focando as Habilidades propostas
pela Base Nacional Comum Curricular, proporcionando aos mesmos a
conscientização e a sensibilização com as organizações de suas ideias e as
divergências com seus companheiros, as representando de forma coerente.
Assim, a utilização de Mapas Mentias, sua codificação e posterior debate é
uma alternativa favorável para que os professores estimulem seus alunos a
terem autonomia, servindo inclusive como um mapa avaliativo mais
complexo referente a evolução da compreensão do aluno, já verificando as
Habilidades propostas pelos currículos comuns nacionais e aspectos
regionais.

Referências
Ludmila Pena Fuzzi, Licenciada em História pela Universidade de Taubaté
(2008), Pós Graduada em Políticas e Sociedades do Brasil Contemporâneo
pela Universidade de Taubaté (2010), Pós Graduada em Educação,
Patrimônio e Cidadania pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ
(2017), Professora de História pela Prefeitura Municipal de Taubaté,
Membro da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), Membro da
Associação Brasileira de História (ANPUH), Diretora e Fundadora do
Instituto de Pesquisa Histórica e Ambiental Regional (IPHAR)e Membro
Técnico e Educacional do Grupo de Patrimônio Cultural de Taubaté.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 13ª ed. São Paulo:


HUCITEC, 2012
BAZAN, Tony. Mapas Mentais: Métodos criativos para estimular o raciocínio
e usar ao máximo o potencial do seu cérebro, Rio de Janeiro, Sextante,
2009.

CLAVAL, Paul. Epistemologia da Geografia. Florianópolis: Ed. Da UFSC,


2011.
Aprendendo
História: FERRARA, L. D'A. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
VISÕES E
DEBATES KOZEL, Salete. Mapas mentais – uma forma de linguagem: perspectivas
Página | 242 metodológicas. In: KOZEL, S. [et al.] (orgs.). Da percepção e cognição à
representação: reconstrução teórica da Geografia Cultural e Humanista. São
Paulo: Terceira Margem; Curitiba: NEER, p.114-38, 2007.

___________. Representação e Ensino: Aguçando o olhar geográfico para


os aspectos didático-pedagógicos. In: SERPA, Angela (org.). Espaços
culturais:vivencias, imaginações e representações. Salvador: EDUFBA, p.
71 – 88, 2008.

LYNCH, K. A Imagem da Cidade. (Versão Portuguesa). Lisboa: Edições 70,


1960.

MORAES, Loçandra Borges de. A cidade em mapas: Goiânia e sua


representação no ensino de Geografia. Goiânia: E. V., 2008.

RICHTER, Denis. O mapa mental no ensino de Geografia: concepções e


propostas para o trabalho docente. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

RUSSO, Maria de Fátima. Alfabetização: um processo em construção. São


Paulo, Saraiva, 2012.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da: o desenvolvimento dos


processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
“EM LINGUAGEM CHAN, CLARA, CORRECTA”: A PROPOSTA DE
ENSINO DE HISTÓRIA DE BALTHAZAR GÓES
Magno Francisco de Jesus Santos

Importante nome do movimento republicano, o intelectual Balthazar Góes Aprendendo


destacou-se no cenário sergipano como um dos principais entusiastas das História:
reformas educacionais pautadas no método intuitivo entre o final do século VISÕES E
XIX e o alvorecer do XX. Com a paulatina perda de espaço na arena política DEBATES
e as decepções com os governos republicanos, Góes passou a atuar Página | 243
exclusivamente no campo educacional, transitando entre a docência e os
cargos administrativos em instituições como a Diretoria de Instrução
Pública, a Escola Normal e o Colégio Atheneu Sergipense. Ocupando estes
cargos, ele escreveu importantes obras históricas e, principalmente, de
cunho educacional, nas quais elucidavam suas propostas voltadas para o
ensino.

Neste sentido, proponho a discutir as propostas de ensino de história


pensadas por Balthazar Góes, considerando como fontes centrais o livro
“Apostilas de Pedagogia”, publicado em 1905 e o “Programa para o Ensino
Primário”, publicado nos idos de 1912. Tenho o intuito de pensar a
concepção do autor atinente à história ensinada e sua articulação com a
cultura política republicana gestada pelos intelectuais vinculados ao
movimento republicano de Sergipe, ou seja, os chamados republicanos
históricos. É importante salientar que Balthazar Góes, além de ter sido um
sujeito que protagonizou o processo de transição entre a monarquia e a
república, também foi um dos seus primeiros intérpretes, com o livro “A
República em Sergipe: apontamentos para a História”, publicado em 1891.
Com isso, é possível afirmar que o lente de Geografia do Atheneu
Sergipense também se tornou um intérprete do seu tempo, com a escrita
de uma obra que historiava as experiências no tempo presente e elucidava
um direcionando para o futuro. Desse modo, o cotejo entre as diferentes
obras possibilitam a compreensão das possíveis articulações entre as
demandas políticas e a construção das propostas voltadas para o ensino de
História.

Se na virada do século XIX para o XX Balthazar Góes aparecia como um


intelectual relutante em expor seus escritos, nos anos posteriores a
publicação da biografia de Horácio Hora a situação mudou drasticamente.
As causas para essa mudanças são difíceis de serem explicadas. Uma
hipótese é pautada na boa recepção de sua obra inaugural, que pode ter
contribuído para a superação da insegurança e mobilizado para retirar da
gaveta parte dos manuscritos. Outra parte de seu estado de saúde, no qual
esteve por um período afastado de suas funções docentes e, assim, com as
publicações pode ter sanado a ânsia de professor e a necessidade de
diálogo.

O seu segundo livro foi publicado em 1905. Era um trabalho de cunho


metodológico, intitulado “Apostillas de Pedagogia” e reunia preceitos do
método intuitivo dos chamados “bons mestres”. No entender de Góes, a
educação tinha como intuito promover “o estudo que procura os meios
próprios para desenvolver e aperfeiçoar as faculdades e inclinações do
homem para lhe tornar a vida mais fácil” (GÓES, 1905, p. 14). Neste
sentido, a educação estava voltada para a preparação para a vida e a
pedagogia, tida como “a arte de educar creanças” (GÓES, 1905, p. 13),
Aprendendo seria o caminho para se pensar a aplicabilidade desse intuito.
História:
VISÕES E As “Apostillas de Pedagogia” de Balthazar Góes tornou-se um instrumento
DEBATES de formação utilizado na Escola Normal de Aracaju. Assim como era
Página | 244 recorrente na época, obra era resultante das anotações realizadas pelo
professor em sala de aula e do planejamento das disciplinas lecionadas.
Neste sentido, o manuscrito foi avaliado por uma comissão do Conselho
Superior de Instrucção, constituída por Severiano Cardoso, José Moreira de
Magalhães e Francisco Monteiro de Carvalho Filho. Eles produziram
assinaram o parecer que elucidava a utilidade do texto, ao registrar que era
“um trabalho utilíssimo; e sua adopção impõe-se. Riquissimo de
proposições syntheticas, ornado de conceitos que muito revelam a erudição
do auctor é, sobretudo, o que se poderá chamar um livro pratico (GÓES,
1905, p. 9).

Em relação ao ensino, Balthazar Góes se preocupou em articular as


disciplinas escolares com as propostas metodológicas do método intuitivo.
Tratava-se de um guia para orientar a formação de professores e de
construção dos elementos norteadores de cada disciplina escolar. Para
António Viñao Frago,

“A disciplina é o elemento chave da profissionalização do docente, o que


define o conteúdo e o espaço acadêmico de sua profissionalização. Daí, que
não se pode estudá-los separadamente, como se fossem dois campos sem
relação alguma, a história das disciplinas escolares e a do processo de
profissionalização dos docentes. Quer dizer, a história de sua formação e
titulação, de sua seleção, das matérias que ensinam, dos temas sobre os
quais trabalham ou investigam e do controle que exercem tanto sobre a
formação e seleção dos futuros professores de seu campo disciplinar – ou
outros campos – como sobre o trabalho profissional de quem já pertence ao
mesmo (o quê e como ensinam, o quê e como investigam, com quem e
como se relacionam profissionalmente em seu campo disciplinar ou fora do
mesmo)”. (VINÃO, 2008, p. 205).

Neste sentido, tanto a Apostilla de Pedagogia, como o Programma de


Ensino, escritos por Góes, reverberam as características pensadas para as
disciplinas escolares, com a construção de um perfil docente e a
caracterização metodológica do ensino. O propósito era tornar o ensino
significativo, deixando de ser uma inútil enunciação de nomes que só
contribuíam para a memorização. A ênfase recaia em ações como conhecer,
especialmente em disciplinas como Geografia, Corografia e História. Em
relação ao ensino de Corografia ele destacou:

“O ensino de Chorogrphia não deve ter por mira o conhecimento exclusivo


e, pois, inútil dos nomes das localidades e rios. A Chorographia tende a dar
conhecimento da conformação do terreno; das direcções em que estão
localizadas e seguem os rios, as estardas, os cannaes, etc. É ella que nos
faz conhecer as riquezas do solo, os monumentos, os pontos commerciaes,
os meios de transportes e as distancias” (GÓES, 1904, p. 93).

Duas questões se destacam na explanação do docente. A primeira é a Aprendendo


conjunção entre o que não deveria ser feito e o modelo potencial a ser História:
aplicado. Possivelmente, o início de cada definição metodológica para as VISÕES E
especificidades disciplinares elucidavam elementos que norteavam a prática DEBATES
vigente, ou seja, são indícios para a compreensão do que era combatido e Página | 245
que acabava por vigorar nas escolas públicas sergipanas. A segunda
questão é atinente ao campo metodológico. Cada disciplina escolar foi
pensada segundo os princípios básicos do método intuitivo, partindo do
simples para o complexo, do concreto para o abstrato, do próximo para o
distante.

Diante dessa concepção, o ensino de história tornava-se um desafio, quase


sempre apresentado como um problema de difícil solução. Afinal, como
deveria ser lecionada para crianças uma disciplina que tinha a sua
identidade pautada em conteúdos abstratos, espacial e temporalmente
distantes e em relações sociais e políticas complexas? Balthazar Góes
tentou solucionar o enigma da esfinge e apresentou breves considerações
atinentes á história ensinada:

“O ensino da História, nas escholas primarias, tomado como resenha dos


factos, que meninos não compreendem, é um saber inútil: em relação ao
tempo e ao trabalho perdido, um grande prejuízo; e em relação ao tédio e
perda de amor ao estudo que o ensino assim feito produz no espírito das
creanças, elle é um grande mal” (GÓES, 1905, p. 94).

Neste primeiro momento, Balthazar Góes explicitou os problemas atinentes


ao ensino da História no ensino primário ao longo dos primeiros decênios do
século XX. Ele sintetiza os defeitos que permeavam o ensino da disciplina
escolar: resenha de fatos, perda de tempo, inutilidade do trabalho docente,
tedio e perda do amor à disciplina. Em poucas disciplinas escolares o
docente elucidou um quantitativo tão vasto de problemas acerca do ensino.
Isso não implica em afirmar que ele entendesse que a história não fosse
relevante para a formação do cidadão republicano. Pelo contrário, ele
reconhecia o papel da história no fortalecimento dos sentimentos cívicos,
mas criticava a forma pela qual a disciplina era operacionalizada nas escolas
publicas. Para Góes, a história ensinada deveria priorar:

“É necessário que a História para as creanças seja na eschola primaria, o


que lhes for na família o conto da boa fada: um conto moral mais extenso
que de ordinário; mas com principio, razão e fim, que sirva de espelho da
vida” (GÓES, 1905, p. 94).

Na explicitação de como a história deveria ser ensinada para crianças nas


escolas primárias, Balthazar Góes se aproxima de Graça Affreixo, com a
busca das narrativas do lar, com as historietas, sem uso de livros didáticos
e pautados na exposição dos docentes. A história deveria partir do sensível,
da linguagem conhecida dos alunos a partir da experiência das narrativas
familiares. Essa ideia foi complementada na apresentação da história no
Programa de ensino das escolas primárias de Sergipe, publicado em 1912.
Nele o então diretor da Instrução Pública de Sergipe estimula os docentes a
Aprendendo iniciarem o ensino da disciplina pautado nas narrativas dos homens da
História: terra, por meio da história local.
VISÕES E
DEBATES “Os acontecimentos mais importantes de influência feliz ou nefasta na vida
Página | 246 da população do logar a que pertence a eschola; biografia dos homens que
se celebrizaram na localidade, por bons ou maus. Estes exercícios devem
ser feitos em linguagem chan, clara, correcta, em tom de narrações de lar,
que o professor fará repetir por seus discípulos, ajudando-lhes a memória e
corrigindo-lhes os defeitos de exposição e de linguagem. Attender à
moralidade dos factos” (GÓES, 1912, p. 3).

É interessante perceber como, em diferentes momentos, Balthazar Góes,


um exímio biógrafo, se preocupa com o ensino de história pautado na
apresentação dos homens que se celebrizaram na localidade. A biografia era
entendida como o espelho, no qual os jovens do presente viam os homens
do passado como exemplos a serem seguidos ou condutas a serem
evitadas. Um espelho que orientava nas escolhas do presente, que guiava a
juventude na vida no tempo presente. Nessas escolhas, a ênfase na história
local e nos homens notáveis do lugar não pode ser entendida apenas como
uma questão metodológica do ensino ou uma concepção teórica da história
pautada na ideia de ser a mestra da vida. Reverbera também a cultura
política republicana da qual o próprio Balthazar Góes foi um dos inventores
e difusores, que tinha como eixo a ênfase nos heróis republicanos e a
defesa da contribuição de Sergipe para a história pátria a partir dos
expoentes intelectuais. Ao contrário do Rio Grande do Norte, que tinha o
sacrifício em defesa da liberdade, da religião, da república e da pátria como
pilar, Sergipe tinha como eixo central na cultura política republicana o envio
de mentes pensantes para os grandes centros do país.

Os conteúdos de história estabelecidos pelo seu Programa de Ensino


também reverbera as escolhas politicas de episódios que conectavam o
passado ao presente. Tudo deveria ser ensinado a partir da leitura e das
exposições dos professores. No primeiro ano de ensino de história, ou seja,
na segunda série, os conteúdos eram:

“História
(Nada decorado: leitura e explicações)
I. a) Descobrimento do Brasil; seus primeiros habitantes; colonização pelos
portugueses. b) Reinado de D. João VI; sua volta a Portugal.
II. a) D. Pedro I, sua regência, perturbações do paiz; projecto de retirada; o
fico, a independência, principaes personagens desses acontecimentos. b) D.
Pedro I resolve retirar-se; a abdicação; D. Pedro II na menoridade; a
Regência. c) Maioridade de D. Pedro II e seu reinado até a proclamação da
República.
III. a) O 15 de Novembro; Benjamin Constant, marechal Deodoro da
Fonseca; b) O governo provisório, a constituição republicana, a bandeira; c)
Os presidentes da República até nossos dias. – Este ensino deve ser feito
como as histórias do lar, escrevendo e fazendo escrever no quadro a
summa dos acontecimentos, especialmente o nome dos protagonistas”
(GÓES, 1912, p. 10-11). Aprendendo
História:
A história do Brasil foi dividida em três partes, regidas pela dimensão VISÕES E
política. É interessante perceber a ênfase nos protagonistas, na DEBATES
apresentação dos nomes dos presidentes e, principalmente, como a Página | 247
República, um regime com uma trajetória de 23 anos ocupava o mesmo
espaço dos demais períodos. Considerando que a segunda fase, o Império,
ainda contava com o ensino sobre o movimento republicano, é plausível
afirmar que a proposta de ensino apresentada por Góes era
predominantemente presentista (MAGALHÃES; GONTIJO, 2013). O tempo
presente norteava o ensino. A experiência republicana protagonizava a
história escolar. Na terceira série apareciam os conteúdos atinentes a
História de Sergipe:

“História
Revisão e ampliação do anno anterior, especialmente quanto ao período
republicano.
a) Divisão da história de Sergipe. b) Resumo do período colonial até a
capitania independente. c) Sergipe sob o regime imperial. d) Sergipe
desde a proclamação da República até nossos dias” (GÓES, 1912, p.
11).

Novamente, é visível o predomínio da experiência republicana, que deveria


ser a ênfase da revisão dos conteúdos do ano anterior. Em relação ao
ensino da história estadual, ocorre uma tentativa de delimitar os conteúdos
também a partir dos parâmetros da política nacional. O início do ensino de
história pelo distante e complexo nacional pode ser entendido como uma
tentativa de atenuar o problema da evasão. Neste caso, mesmo com a
evasão, a criança sairia da escola com algum conhecimento sobre o passado
nacional. Por esse motivo, a história de Sergipe só aparecia na terceira série
e era repetida na série seguinte, quando ocorria a “revisão e ampliação do
programma do 3º anno” (GÓES, 1912, p. 12).

Se a evasão era compreendida como um dos maiores entraves para a


educação brasileira, o civismo disseminado nas escolas era o instrumento
ideal para edificar uma pátria civilizada. Para Baltazar Góes, “o patriotismo
não mata o altruísmo. Amar a pátria, exforçar por seu progresso, é um
sentimento mui nobre de emulação, que nos leva a igualarmos as nações
que admiramos e aplaudimos em suas altas conquistas” (GÓES, 1912, p.
15). Neste cenário, os símbolos nacionais eram espelhos que refletiam o
patriotismo, pois “a bandeira nacional, deixa de ser uma tela, convertendo-
se em symbolo de nosso valor, de nosso mérito; o seu aspecto afflagará
sempre o nosso amor, o nosso enthusiasmo pela pátria” (GÓES, 1912, p.
15).
O civismo proposto extrapolava os conteúdos disciplinares de História,
Corografia e Educação Moral e Cívica. O espaço escolar das escolas
primárias (SANTOS, 2013) deveria ser transformado em espaços de culto às
personalidades nacionais e locais, especialmente, os heróis republicanos.
Góes propôs:
Aprendendo
História: “Serão organisados previamente, de accordo entre professores e o director
VISÕES E dos grupos (ou entre os professores e a auctoridade da instrucção, nas
DEBATES escholas isoladas) programas próprios para a celebração das principaes
Página | 248 festas nacionaes: o 7 de Septembro – a independência; o 13 de Maio –
remissão dos captivos; o 15 de Novembro – proclamação da República; a
Bandeira Nacional; o 24 de Outubro – independência de Sergipe.
Os professores procurarão formar em suas aulas pantheons ou galerias de
retractos dos homens célebres nas letras, artes, indústrias, armas, na
pedagogia, de preferencia os grandes homens de nossa pátria” (GÓES,
1912, p. 15).

Nas propostas curriculares e extracurriculares de Balthazar Góes, a sala de


aula deveria se tornar um espaço de culto público e cívico, no qual os
grandes homens deveriam ser referenciados, homenageados. Todavia,
assim como ocorria em sua escrita biográfica, bem como em sua defesa dos
princípios democráticos, no qual afirmou que era de família pobre (GÓES,
1902), os grandes homens em sua acepção não eram somente os do campo
da política, mas também incluía homens de letras (condizente com a cultura
política republicana da qual foi entusiasta), artes (ele mesmo foi artista que
esculpiu o altar-mor do Senhor dos Passos na Igreja da Ordem Terceira do
Carmo de São Cristóvão e foi cunhado do pintor Horácio Hora) e pedagogia
(seu principal campo de atuação).

Neste artigo, tornou-se possível compreender como as propostas de ensino


de uma disciplina escolar atendiam a diferentes prerrogativas, como a do
método pedagógico e das preocupações atinentes ao campo da
aprendizagem, bem como às inquietações de intelectuais vinculados ao
processo de constituição de uma nova cultura política. Partindo da premissa
de que a cultura política busca construir uma leitura comum do passado e
um projeto comum de futuro, os programas de ensino podem ser
entendidos como instrumentos que extrapolam a cultura escolar e
reverberam uma questão que não pode ser negada: a cultura escolar está
em constante diálogo com a cultura da sociedade à qual pertence, incluindo
projeções na política.

Referências
Magno Francisco de Jesus Santos é Professor Adjunto do Departamento de
História, do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Integrante
do Grupo de Pesquisa Teoria da História, Historiografia e História dos
Espaços. E-mail: magnosantos@cchla.ufrn.br
GÓES, Balthazar de Araújo. Apostillas de Pedagogia: precedidas de algumas
noções de Psycologia coligidas de bons mestres. Rio de janeiro: Orosco,
1905.

GÓES, Balthazar de Araújo. Programma para o Ensino Primário:


especialmente para os Grupos Escholares. Aracaju: Estado de Sergipe, Aprendendo
1912. História:
VISÕES E
MAGALHÃES, Marcelo de Souza; GONTIJO, Rebeca. O presente como DEBATES
problema historiográfico na Primeira República em dois manuais escolares. Página | 249
Revista História Hoje, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 81-101, 2013.

SANTOS, Magno Francisco de Jesus Santos. Ecos da Modernidade: a


arquitetura dos grupos escolares sergipanos (1911-1926). São
Cristóvão/SE: EDUFS, 2013.

VIÑAO FRAGO, Antonio. História das disciplinas escolares. In: Revista


Brasileira de História da Educação. N.18. set/dez, 2008, p.173-215.
ENSINO DE HISTÓRIA A DISTÂNCIA:
OLHARES CRÍTICOS E APONTAMENTOS PRELIMINARES DE UM
TUTOR DE PRIMEIRA VIAGEM
Manoel Adir Kischener

Aprendendo
História: Introdução
VISÕES E A Educação a Distância (EAD) está em evidência. Faz parte do discurso dos
DEBATES gestores de políticas públicas, daqueles que se dizem preocupados com a
Página | 250 educação da população e também está nas falas da comunidade em geral,
mesmo os trabalhadores que, em conversas no dia a dia comentam de seus
planos de continuar a estudar. Nesse sentido, ela veio para auxiliar setores
sociais na busca por formação constante e aperfeiçoamento, em especial
àqueles que possuem poucos recursos financeiros ou de outro lado, com
tempo escasso, que também ficaram pelo caminho no calendário da
educação formal, por razões diversas. Segundo Vianney (2008) no Brasil ela
está estruturada (pelo menos até o ano de 2008, o recorte dele) em seis
formas de atendimento aos alunos, dependendo da região e da
universidade, com umas tendo mais de uma das possibilidades seguintes:
tele-educação via satélite, polos de apoio presencial (semipresencial),
universidade virtual, vídeo-educação e unidade central.

Um olhar crítico se faz necessário sobre as práticas dos atores que estão
presentes nesse exercício que cada vez mais se dissemina e rende dinheiro,
afinal se transformou em filão de mercado, corporações estão cada vez
mais envolvidas nesse produto. O capitalismo a tudo mercantiliza, conforme
expõe Streeck (2012), em consórcio com seu entendimento, inclusive a
educação se transformou em mais uma mercadoria. Esse texto, no entanto,
não tem a intenção de ser uma varredura e expor pontos negativos, a ideia
é trazer elementos para uma análise crítica, pois os resultados positivos da
Educação a Distância são muitos e bastante destacados. Tampouco, essa
não será uma história da Educação a Distância no Brasil, há desde aqueles
que enxergam sua origem desde os cursos por correspondência ou mesmo
via rádio, pois no país já havia “(...) a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro,
em 1923, que transmitia programas educacionais” (FARIA, SALVADORI,
2010, p. 18), mas há quase um consenso que essa se dissemina a partir
dos anos 1960.

No tocante a crítica a Educação a Distância, busca-se se associar ao que


defende Alonso (2014) pois “(...) é essencial que se confronte o instaurado
frente ao que se preconizou como objetivos, fazendo valer direitos,
responsabilidade social e transparência na discussão sobre a EaD de forma
mais global, orgânica, provocando/contribuindo para a democratização da
educação superior” (ALONSO, 2014, p. 50) e, àquilo que Marx defende:
“(...) na ciência, os antagonismos se resolvem por meio da própria ciência”
(MARX, 2013, p. 34), donde e a partir de então, se espera o diálogo com os
pares.

Entre a crítica dos entes externos e, a pouca criticidade daqueles que a


praticam, frente a esse impasse e desafio de pesquisa, deixam-se como
questões-problema: na forma que a Educação a Distância tem sido
praticada, seja por tutores, seja por professores, há diferenças significativas
no trato dessa em relação a educação presencial? Como os alunos se
portam, aproveitam a oportunidade educacional propiciada por esse tipo de
ferramenta educacional? Qual o grau de aprendizagem que comporta essa
iniciativa e ela está associada a que fatores (se mais de ação pessoal ou da Aprendendo
estrutura que a propicia)? História:
VISÕES E
Objetiva-se assim, problematizar algumas dessas questões a partir do olhar DEBATES
de tutor do autor), como participante de um curso há cerca de um ano, em Página | 251
nível de Especialização (pós-graduação).

O ensino de História através da Educação a Distância a partir do


olhar do tutor
Como alertado a escrita é tributária da análise da experiência, e entre a
prática dos professores que foram observados e a dos alunos, é óbvio que a
mea culpa do tutor se faz presente, já nas análises preliminares que se
ensaia, até por questão de ética e de não se furtar aos limites que tenha
contribuído nessa experiência. Saliente-se que outros aspectos poderão
dizer mais a respeito da Educação a Distância do que propriamente apenas
a prática de dois dos que compõem o tripé visível que a sustenta:
professores-tutores-alunos. Outros estudos poderão perceber a importância
e mesmo detectar as falhas da equipe externa, a Secretaria técnica dos
cursos, que também apresentou falhas na experiência exposta.

Aqui não se traz a análise dos conteúdos de História propriamente ditos, e


sim a prática dos professores, tutores e alunos no ensino dessa área. Em
outra oportunidade poderá se averiguar essa questão, mas grosso modo
atestou-se revisão de literatura apurada e pautada em edições recentes, o
que é salutar, em geral há uma amplitude de temas dentro da temática das
disciplinas, em que pese o direcionamento, normal em se tratando de
pessoas, pois não há neutralidade. Se ofertou amplas possibilidades aos
alunos e, mesmo tutores, dependia do apetite de ambos, aliás, como ocorre
em qualquer curso presencial, geralmente o professor se esforça mais, até
por sua bagagem e idade, na busca de levar aquele que estuda o que há de
clássico e novo na área.

A Educação a Distância: a prática dos professores


Umas questões são postas de início: i) a ação, a prática dos docentes que
adentram a Educação a Distância tem sido de que forma? ii) ela é
diferenciada em relação a presencial? iii) os professores que estão nela,
estão nas duas formas de ensino? iv) e estando, há preparação para a
aventura do ensino online (já que ambas se diferem em prática e sentido)?

Um dos problemas que se põe as práticas ruins de professores na Educação


a Distância provavelmente se associa que há aqueles que estão nas duas
formas de educação, presencial ou a distância e as tratam como formas de
aprendizado iguais. Mantêm as mesmas formas de ação educacional da
presencial, daquilo que já se evidencia não estar dando certo (tive a
experiência de ter um professor de forma presencial – fui seu aluno – e,
pude observá-lo enquanto professor nesse curso a distância – agora eu era
tutor), esse não alterou a forma de conduzir sua prática pedagógica.
Descumpriu prazos, demorou a abrir fóruns de comunicação, ficou
incomunicável com seus tutores (a coordenação tentou resolver), na hora
de postar a avaliação aos alunos não fez, também a chave de correção aos
Aprendendo tutores, pelo que soube, demorou a ser entregue. Impera a
História: incomunicabilidade. Há professores que praticamente não acessam o
VISÕES E ambiente virtual.
DEBATES
Página | 252 Talvez uma das razões disso ter ocorrido é que esses professores não
tenham recebido alguma forma de treinamento para tanto. Uma hipótese.
Mas sei que há entre nós professores aqueles que agem com desdém às
formações que as coordenações pedagógicas ofertam, como se a formação
fosse algo acabado e mensurável no período a que se dedica a um curso,
em geral, quatro anos. Arrogantes que não aceitam correção alguma e, que
ao final sempre tem razão, e se culpabiliza a crise da educação. Mas quem
faz a sua parte?

Há casos de professores desse tipo de ensino que estão em férias, pois


muitas vezes esses cursos se iniciam na parte final do ano letivo regular
(presencial) nas universidades. E estes atuam em ambos. Viajam e por isso
não acessam o ambiente virtual do curso. Irresponsabilidade, pois se
levassem a sério não teriam aceitado a empreitada. Há recursos públicos
sendo utilizados e pouco zelo por isso. Poderá ter outra hipótese para o
caso de professores não considerarem aqueles cursos como algo
desafiante? A maioria doutores, consolidados, ávidos por publicações e, de
repente são obrigados a uma série de tarefas mais mecânicas e com certa
regularidade. A Educação a Distância exige dinamicidade por parte daqueles
que estão envolvidos nela, pois tudo é rápido, as atividades em geral
ocorrem de forma semanal, a entrada de alunos nos fóruns é diária, os
problemas de acesso (mais de técnica, do site, dos alunos que não se
encontram etc.) podem ocorrer constantemente. A ausência dos
responsáveis pode conduzir a uma má-formação aos alunos.

Dado que o curso é a distância e que as pessoas estão dispersas pelos mais
distantes locais e apenas estão juntas virtualmente, que os contatos de e-
mails os aproximam ou nos chats de troca de mensagens, “tira dúvidas”,
mas efetivamente o contato pessoal é quase impossível. O professor pode
estar no exterior, a passeio de férias, como ocorreu, o tutor desesperado
por uma direção, orientações a respeito das inquietações do aluno e que
não está dando conta. Os alunos impacientes esperam respostas prontas e
diretas. Mas a dinamicidade não ocorre. Apesar da conexão que deveria
funcionar, às vezes impera e, passam-se dias em que problemas, dúvidas
básicas, ficam insolúveis por problemas de comunicação entre as partes,
professores com tutores e, tutores com alunos. Se uma parte falha,
compromete as demais.

A maioria dos tutores está pouco comprometida em desenvolver de fato a


condução das discussões que os fóruns abertos deveriam alimentar. Muitos
alunos são de baixo nível educacional, incapazes de reagir a provocações
educacionais mínimas. Mas há outros sedentos. E esses como ficam? Se
nivela por baixo. Uma das razões, talvez é que a tutoria é um quebra-galho,
uma forma de incrementar a renda nesse mundo de tarefas infindáveis e
precarização das relações de trabalho, com baixa remuneração e extrema
competitividade, as pessoas devem se desdobrar para sobreviver. Nesse
sentido, Alonso (2014) defende a profissionalização do tutor e o não Aprendendo
enfrentamento dessa questão, segundo a autora “(...) implicará, sem História:
dúvida, como vem ocorrendo, a precarização do trabalho dos envolvidos VISÕES E
com a docência na EaD e da qualidade da formação dos alunos que, por DEBATES
várias razões, optaram por cursos ofertados nessa modalidade de ensino” Página | 253
(ALONSO, 2014, p. 47). Um preço alto à Educação a Distância e aos seus
adeptos (os alunos ou clientes como muitas instituições nominam) que têm
de sobreviver a esses impasses. Como poderão competir com os alunos das
presenciais?

A Educação a Distância: a prática dos alunos


Outras questões são postas, dessa feita em relação ao olhar que se pode ter
a respeito da prática dos alunos na Educação a Distância: i) os alunos que
se inscrevem em cursos de Educação a Distância estão preparados para o
desafio (tem conhecimentos mínimos de internet, por exemplo)? ii) como
tem sido a sua prática, ela é responsável para com a formação que
aderiram? iii) porque razão estão na Educação a Distância? iv) esses alunos
têm tido uma prática condizente com as normas e aquilo que se espera do
ensino online?

A maior parte dos alunos está em sala de aula como professor na educação
básica, ao menos nesse curso que participei. E como isso já se forma
espécie de bengala, pois quando o tutor pensa em cobrar algo com maior
exigência de autorresponsabilidade para com a própria formação, vem o
alerta da coordenação, “Eles estão a tanto tempo longe da Universidade,
não dá para exigir muito”. Não deveria ser um argumento se as pessoas se
questionassem antes de adentrar a essa aventura que é a Educação a
Distância. “Ah, é a distância, serve qualquer coisa”, “Não vale exigir demais,
professor” (os alunos em geral chamam os tutores de professores) e assim
se vai ao longo dos dois anos de convívio virtual. Uns querendo menos
responsabilidade, outros procurando atalhos e, ao final, a maioria é
beneficiada.

Então, a maioria não está preparada. Não tem noção mínima do que deverá
fazer. De como deve agir frente aos espaços que se apresenta, que exigem
sua participação, pois tudo é (ou deveria ser) avaliado. A superficialidade
impera. Por exemplo, quando se abrem os fóruns se exige uma postagem
ou duas em cada um, como estratégia de certa forma obrigar o aluno a
participar. E aí está, talvez um dos problemas, a forma como os professores
planejam as suas disciplinas e, no anseio da inclusão, do viés populista que
têm dominado os professores das áreas de humanidades e sociais, todo
mundo é coitadinho e se tem que flexibilizar, ao extremo, as formas de
avaliação. Então, o aluno de forma mecânica passa a postar qualquer coisa
e a qualquer hora. Assim, muitas vezes é a dinâmica da Educação a
Distância. Com a disseminação de celulares, muitas vezes o aluno em tela
menor e, na pressa, no intervalo do trabalho ou fazendo outra atividade (as
duas ao mesmo tempo) se arroga a condição de poder participar do fórum
que o professor ou o tutor abriu. Algumas questões são postas: a) qual a
qualidade dessa postagem? b) de que vale o postar por postar? c) que tipo
de avaliação será possível a partir dessa forma de mensurar a
Aprendendo aprendizagem?
História:
VISÕES E O que pensará o aluno que agrega ao seu fazer de aprendizagem essas
DEBATES práticas? Como poderá cobrar a dita aprendizagem, a formação ao curso
Página | 254 que se escreveu? Por estas ações, intencionais, de muitos alunos, que a
Educação a Distância tem sido mal avaliada. No fundo, em qualquer forma,
seja na presencial, seja na a distância, na semi, sempre haverá bons e
péssimos alunos, aqueles que estão em busca de aprendizagem, acesso a
informação e ao conhecimento e, os que estão atrás de um certificado
apenas (o canudo), pois dele dependem para promoção, aumento de salário
e mesmo justificativa para suas vidas, o autoengano a que muitos de nós se
aprisionam. “Estou fazendo pós”, mas está levando a sério? Se a está
bancando, com recursos próprios, até se entende. Mas, e quando há recurso
público, quando foi aberto edital, com a seleção de candidatos, como foi o
caso da experiência que ampara esse relato?

Há também aquele aluno que enxerga nos ambientes e fóruns abertos e


que deveriam tratar dos conteúdos que a disciplina estipula (a partir da
seleção, do recorte do professor) um espaço para a politicagem, para aquilo
que não é política, é a militância político-partidária, a tentativa de doutrinar
outros, o convencimento arbitrário e a invasão do local que é próprio para
as tarefas e que deveria ser respeitado por todos. O que fazer? Como lidar
com essa situação? Aos tutores é exigida a tal urbanidade (como se as
pessoas do campo fossem todas ignorantes e desprovidas da tal qualidade
que, na ausência dela é critério de demissão por justa causa, segundo o que
se divulga em alguns estatutos de trabalhadores urbanos), mas, e os alunos
a têm? Muitos escrevem mensagens afrontosas, com desrespeito àquilo que
se imagina que deveria ser a relação entre tutor-aluno, portanto hierárquica
pela necessidade que o espaço exige e, pela qualificação que se espera que
o tutor deva ter. Outros, quando criticados e, de forma pedagógica, reagem
usando do politicamente correto e da auto-vitimização que impera nos
ambientes pedagógicos e que tem sido legitimada pelos modismos que
assolam a educação, desde a básica à superior (que a é, às vezes, apenas
no nome). Teve o caso de um aluno que foi irregular em todas as tarefas e
de repente, sem prática que pudesse corporificar tal exigência, passou a
fazer cobrança veemente e desprovida. Foi colocado em seu lugar, adotou a
prática da auto-vitimização, alegou perseguição do tutor e abandonou o
curso. Estamos vivendo uma sociedade que se pauta em práticas
adolescentes, infantilizadas, mesmo em espaços que se espera certo
profissionalismo (afinal a maioria já é professor).

Época de fartas exigências e pouquíssimo ou nenhum comprometimento em


contrapartida. É a cultura da exigência de direitos, mas deveres ninguém
parece os ter ou conhecer quais são os seus, o de cada um, os nossos.
Quando se adentra a um curso, que contém as suas exigências, as suas
normas, as condições mínimas para que alguém possa cursar, enfim, se
espera o mínimo. Mas como mensurar o mínimo? Não estará aí o problema
de sempre se nivelar por baixo? Tratar as pessoas como desprovidas de
condições de cumprir suas responsabilidades? O tutelamento como regra, a
forma paternalista de conduzir as relações reproduzindo tudo aquilo que os
políticos profissionais fazem, como se nem cidadãos fossem. Muitas vezes é Aprendendo
o caminho e rende avaliações positivas, “O tutor me salvou”, “Ah, escrevi História:
qualquer coisa na prova e ele considerou” ou “O meu projeto estava uma VISÕES E
m..., mas fui aprovada” e, na reunião dos tutores com a coordenação, DEBATES
parece conselho de classe que, aliás, é vergonhoso a quebra de decoro que Página | 255
ocorre nessa ocasião, na maioria das escolas de educação básica, em
desfavor dos alunos e, muitas vezes de sua família (pois “Sendo filho de
fulano, esperar o quê?” Ouvi muitas vezes de sábios e éticos professores),
pasmem.

Prática recorrente é o uso de plágio por parte dos alunos e, o fechar o olho
por parte de tutores e professores, como recomendação dos últimos. Manda
quem pode e obedece aquele que necessita da bolsa (e é uma remuneração
irrisória). E a ética? Essa é uma exigência difícil de se levar ao extremo
quando quase toda a sociedade está enviesada por ausência de valores. O
que espera o aluno que faz uso do recurso de copiar algo de outrem,
daquilo que não é seu, que tem autoria? Como ele poderá exigir de seus
alunos, sendo professor, prática diferente?

Considerações finais
Esse texto possui uma série de limites e, muitos poderão alegar que a
forma como foi escrito não se insere plenamente naquilo que se
convenciona na aceitação da comunidade acadêmica. No entanto, o fazer-se
da ciência não se dá sem enfrentamento com as narrativas dominantes,
assim o foi ao longo da história da ciência, com os grandes nomes que um
dia perseveraram espaço e, assim faz-se justificável lançar mão de
artesanatos metodológicos diversos do convencional, até para se aproveitar
as brechas e galgar algum espaço no debate. Do intento da colaboração
dessa escrita não está incluso a ideia de expor as pessoas que participaram,
ao contrário, o intuito é a análise da prática sustentada por recursos
públicos e se atentar para além do discurso.

Do exposto, se apresenta uma série de desafios, pois professores têm


mantido a mesma prática da educação presencial, os alunos e tutores não
ficam atrás, com a sua parte nos limites que se colocam a efetiva educação
que a modalidade a distância pode concretizar. O que se fará? Poderão ser
levadas a sério essas ponderações generalizantes e abertas, subjetivadas
de um tutor?

Os três pilares devem estar sólidos (professores-tutores-alunos), assim a


EAD funcionará e possibilitará avanços rumo a perspectivas e possibilidades
de emancipação social através da educação. Em nosso caso, ressalte-se, a
coordenação era exemplar e sempre esteve aberta a crítica e sugestões.
Referências
Manoel Adir Kischener é Bacharel e Licenciado em História, Mestre em
Desenvolvimento Regional e Doutorando em História pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM).

Aprendendo ALONSO, Katia M. A EAD no Brasil: sobre (des)caminhos em sua


História: instauração. Educar em Revista, Curitiba, ed. Especial n. 4, p. 37-52, 2014.
VISÕES E
DEBATES DALRYMPLE, Theodore. Qualquer Coisa Serve. Trad. Hugo Langone. São
Página | 256 Paulo: É Realizações, 2016.

FARIA, Adriano A.; SALVADORI, Angela. A educação a distância e seu


movimento histórico no Brasil. Revista das Faculdades Santa Cruz, Curitiba,
v. 8, n. 1, p. 15-22, jan./jun., 2010.

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Trad. Nélio Schneider. 1ª ed., 1ª


reimpr. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.

STREECK, Wolfgang. How to study contemporary capitalism? European


Journal of Sociology, Cambridge, v. 53, p. 1-28, may./2012.

VIANNEY, João. A ameaça de um modelo único para a EAD no Brasil.


Colabor@ - Revista Digital da CVA-RICESU, Porto Alegre, vol. 5, n. 17,
s./p., jul./2008.
O MÉTODO CARTESIANO E O ENSINO MILITAR FRANCÊS NO
EXÉRCITO BRASILEIRO: O CASO DA ESCOLA DE ESTADO-MAIOR
Marcus Fernandes Marcusso
Lívia Carolina Vieira

Aprendendo
A Escola de Estado-Maior do Exército (EEM) foi criada em 1905 e tinha História:
como principal objetivo fornecer aos oficiais do Exército Brasileiro uma a VISÕES E
instrução militar complementar superior que os habilitasse para o serviço no DEBATES
Estado-Maior no Exército (EME). Os primeiros anos de funcionamento da Página | 257
EEM foram marcados pela estrutura física simples, pela frequência de
poucos alunos e pela influência do pensamento militar alemão. Tal cenário
foi consideravelmente alterado a partir de 1919, quando o governo
brasileiro contratou uma Missão Militar Francesa (MMF) para realizar uma
grande reforma no Exército Brasileiro. A EEM foi uma das primeiras
instituições militares a ser reorganizada pelos oficiais franceses. O período
de influência francesa, de 1919 a 1940, foi marcado pela construção de um
prédio escolar próprio, pelo aumento de cursos, pela criação de diretorias,
pela redação de manuais próprios e pela capacitação de oficiais brasileiros
para atuar como instrutores e professores na própria EEM. A não renovação
do contrato com a MMF em 1940 marcou o fim da presença dos oficiais
franceses na estrutura do Exército e da EEM.

A chegada da Missão Militar Francesa causou grande impacto no Exército


Brasileiro, especialmente nas instituições militares de ensino. Algumas das
primeiras ações dos franceses se concentraram na Escola de Estado-Maior,
com a criação do regulamento de 1920 e a presença maciça de professores
e instrutores franceses no seu quadro docente. Como visto, os conteúdos
essencialmente militares eram responsabilidade exclusiva dos oficiais da
missão, assim como a Direção de Estudos da EEM. O domínio também se
manifestou na definição da metodologia de ensino, pois a Escola de Estado-
Maior, e posteriormente as demais escolas, passaram a adotar os princípios
do pensamento cartesiano como método de ensino.

O método de ensino francês se baseava no pensamento do filósofo René


Descartes (1596-1650), especialmente no princípio de explicação racional
para a realidade, embasada por fundamentos metafísicos. Descartes
propunha o constante e sistemático uso da razão para distinguir o
verdadeiro e o falso e, consequentemente, produzir conhecimento. Na
primeira parte de sua obra O discurso do método o filósofo afirma que “o
poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é
propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual
em todos os homens.” (DESCARTES, 2001, p.5). Portanto, a diversidade de
opiniões não discorreria de maior ou menor razão dos indivíduos, e sim do
caminho percorrido por essa razão até chegar a sua opinião, “pois não basta
ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem.” (DESCARTES. 2001,
p.5).

Na segunda parte, Descartes destaca quatro preceitos da lógica filosófica


que deveriam ser rigorosamente observados no uso da razão para a
dedução de um conhecimento verdadeiro sobre qualquer coisa. O primeiro
era não aceitar algo como verdadeiro, sem conhecê-lo, ou seja, evitar e
precipitação e só incluir em nosso juízo as coisas que se apresentassem
“tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma
ocasião de pô-lo em dúvida.” (DESCARTES. 2001, p.23). O segundo
Aprendendo preconizava “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas
História: parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-
VISÕES E las.”(DESCARTES. 2001, p. 23). O terceiro determina que a ordem de
DEBATES condução dos pensamentos deve começar pelos “objetos mais simples e
Página | 258 mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o
conhecimento dos mais compostos; supondo certa ordem mesmo entre
aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros.” (DESCARTES.
2001, p.23). Por fim, é necessário realizar em tudo “enumerações tão
completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse certeza de nada omitir.”
(DESCARTES. 2001, p.23).

Assim, segundo Bellintani (2009), o pensamento cartesiano “é uma ciência


dedutiva que valoriza o experimento, pois é através dele, nessa perspectiva
filosófica, que se comprova a teoria.” (BELLINTANI, 2009, p. 304). O uso do
cartesianismo para embasar ensino militar francês gerou um método de
ensino que propunha, em primeiro lugar, a valorização da aplicação prática
dos ensinamentos teóricos, o que seria concretizado nas manobras e
exercícios militares. Nos estudos teóricos, o principio norteador é o nível de
complexidade dos conhecimentos, do mais simples para o mais complexo,
sempre acompanhado pelo uso constante da razão. A partir dessa base se
desenvolveram outros processos importantes para a formação militar nos
moldes franceses, como o comando, a instrução e a execução.

Pelegrino Filho, afirma que o método de ensino aplicado pelos oficiais


franceses nas instituições militares de ensino visava “a resolução dos
problemas militares. Nele, os fatores da decisão: missão, inimigo, terreno e
meios foram os principais instrumentos dos alunos para as soluções e
justificativas dos temas táticos, sempre inéditos.” (PELEGRINO FILHO,
2005, p. 13). O autor afirma que a um das principais consequências da
autuação da MMF na EEM foi a introdução dos chamados fatores da decisão
militar (missão, inimigo, terreno, meios) como “elementos universais para o
estudo de um problema táticos.” (PELEGRINO FILHO, 2005, p. 14). A
aplicação constante do método, especialmente, na resolução dos problemas
táticos reforçava seu uso e contribuía para a construção da doutrina militar.
Nesse processo, o autor destaca o importante papel de novos mecanismos
de estudo e avaliação, como os trabalhos em domicílio, o estudo em grupo
e as avaliações sem graus numéricos.

Vale fazer uma importante distinção entre as situações-problema nos


exercícios táticos e a metodologia de ensino chamada de “resolução de
problemas”, típica do ensino de ciências exatas, mas com recente aumento
de interesse por parte outras áreas do conhecimento. Onuchi e Allevato,
estudiosas dessa metodologia, ressaltam que o método usado na EEM era
comum nas publicações matemáticas, do fim do século XIX e início do XX, e
se caracterizava por um aspecto limitado em comparação ao atual, pois
ensinar a resolver problemas significava “apresentar situações-problema e,
talvez, incluir um exemplo com uma resolução realizada a partir da
aplicação de alguma técnica específica.” (ONUCHIC; ALLEVATO, 2011,
p.75).

No discurso de cerimônia de inauguração da EEM, em 1920, o general Aprendendo


Gamelin descrevia o método de ensino que seria ensinado pelos membros História:
das MMF nas escolas militares como “Método do caso concreto”, pela qual VISÕES E
seria ensinada a arte da guerra, especialmente pela constante resolução dos DEBATES
casos de guerra. Gamelin afirmava que não seriam copiados modelos Página | 259
prontos para resolver essas questões táticas, e que a missão ensinaria a
raciocinar progressivamente sobre elas. Malan (1988) destaca as palavras
do General Mangin, que visitou diversos países latino-americanos em
missão oficial, e escreveu em relatório endereçado ao Ministro da Guerra da
França, datado de 6 de novembro de 1921: “o método de ensino adotado
por Gamelin na Escola de Estado-Maior, a adaptação ao território brasileiro
dos casos vividos na guerra, neles destacando as causas de êxito ou de
insucesso, buscando assim assentar uma tática nacional e adequada ao
Brasil.” (MALAN, 1988, p.118).

O Diretor de Estudos da EEM, o Coronel Baudouin também descreveu o


método cartesiano de ensino francês, na Conferência de abertura dos
trabalhos letivos de 1930:

“Em primeiro lugar, o ensino que vos será ministrado comportará princípios
imutáveis, consagrados pelos estudos e a experiência e cujos fatores
básicos são os quatro elementos – missão, terreno, informações sobre o
inimigo e meios disponíveis. Tais são os leitmotivs que ouvireis todos os
dias e dos quais não permitiremos que vos liberteis. Por outro lado, indicar-
vos-emos os processos de execução, igualmente baseados na reflexão e na
experiência, porém variáveis de acordo com as circunstâncias e o
temperamento do Chefe. Daí resulta que em uma situação tática, a título de
exemplo ou de correção, será preciso não ver aí uma solução única e,
principalmente, não ver um esquema passe partout [chave mestra] ser
reproduzido em outra situação do mesmo gênero.” (BAUDOUIN, 1930,
p.607).

A fala de Baudouin sintetiza os principais elementos descritos do método


descritos até aqui, mas também evidencia um paradoxo em sua concepção.
Ao elencar elementos universais de para os estudos de tática o método
descrito, inevitavelmente, incorre em uma situação que Baudouin e Gamelin
rechaçavam: a utilização de estruturas de interpretação pré-concebidas.
Vale ressaltar que apesar de não se tratarem de soluções gerais, esse
método de resolução de problemas táticos geraria “respostas semelhantes”
para “situações semelhantes”, o que também contrariava a concepção
apresentada pelos altos oficiais da MMF.

Em sua autobiografia Leitão de Carvalho, aluno do curso de revisão em


1921 e a época capitão, descrevia sucintamente as atividades requisitadas
pelos professores franceses, assim como o próprio método:
“O estudo dos temas a resolver em domicílio, exigindo um exame prévio de
suas variadas questões, aconselhava o trabalho em equipe, cujas vantagens
eram evidentes, pois resultava dele um conhecimento completo dos vários
aspectos das questões, habilitando, assim, a proceder à seleção das
soluções mais acertadas. Foram-se formando, em consequência, os grupos
Aprendendo de estudo, espécie de estados-maiores, que se entregavam ao trabalho
História: coletivo.” (CARVALHO, 1961, p. 40).
VISÕES E
DEBATES O trecho acima aponta para outro elemento importante do ensino militar
Página | 260 francês: o trabalho em equipe. Essa dinâmica de trabalho era comum na
EEM, principalmente nos exercícios de manobras sobre cartas, embora
sempre acompanhada de uma grande quantidade de atividades individuais,
especialmente nas destinadas à resolução em domicílio.

Em relação ao ensino aplicado na EEM, Nelson Werneck Sodré descreve


detalhadamente, em suas memórias, os três anos de seu curso, entre 1944
e 1946. Embora não se refira diretamente ao recorte cronológico de nossa
pesquisa, é possível afirmar que não houve grandes mudanças nesse
período, por duas razões simples: a proximidade com o fim da atuação da
MMF (1940) e a continuidade de traços do ensino nos moldes franceses, em
parte existente até os dias atuais como vimos. A época, Sodré já era um
intelectual consideravelmente conhecido, com diversas publicações sobre a
História do Brasil. De acordo com suas memórias algumas, inclusive, usadas
no concurso de admissão e nas aulas do próprio curso de estado-maior. Tal
situação gerou irritação em alguns instrutores, que tentaram diminuí-lo, em
seu primeiro ano, em uma atitude com “traços de anti-intelectualismo que
se manifesta, por vezes, no meio militar.” (SODRÉ, 1986, p.290).

Em seus primeiros dias na EEM, ao caminhar pelo saguão de entrada, um


oficial do terceiro ano do curso lhe saudava com a seguinte frase:
“Quarenta temas nos separam!”. O oficial-aluno veterano se referia aos
temas táticos que apresentavam as situações-problema a serem resolvidas
nas atividades de casa ou em sala. Para Sodré, o curso consistia,
basicamente, na resolução destes temas, o que o faz considerar que a
Escola de Estado-Maior não se destinava a “ensinar a raciocinar”, mas a
criar reflexos e a “ensinar a redigir ordens resultantes desses reflexos. (...)
Assim, na Escola de Estado-Maior, resolvidos quarenta temas, as soluções
futuras serão respostas reflexas a situações gravadas. Raciocínio, nada,
mas nada mesmo.” (SODRÉ, 1986, p.254).

Tomemos como exemplo o trabalho de conclusão de estágio de tática de


armas, do curso de estado-maior elaborado pelo oficial-aluno Artur Levy em
1937, quando ocupava posto de major. Trata-se da redação de uma ordem,
de uma decisão de um comandante militar em um campo de batalha. As
correções de trabalhos eram coletivas, portanto, o instrutor faziam
considerações iniciais, apresentava uma possível solução para os problemas
propostos e ao final expunha uma conclusão sobre o desempenho dos
oficiais-alunos. A correção ficou a cargo do Capitão Aluízio de M. Mendes,
provavelmente o instrutor da aula, e começava com a seguinte introdução:
“De um modo geral as provas não são más. Denotam apenas falta de
conhecimento dos regulamentos de Artilharia e pouca leitura das
conferências fornecidas pelo Curso. Com um pouco mais de meditação
acerca das prescrições regulamentares e um estudo mais cuidadoso das
notas de aula, as questões propostas seriam rapidamente resolvidas.”
(LEVY, 1937, p.5). Aprendendo
História:
As considerações evidenciam que as exigências do trabalho eram VISÕES E
razoavelmente simples, e dependiam de um conhecimento básico sobre os DEBATES
regulamentos e as conferências. Página | 261
A conclusão da correção não foi nem um pouco lisonjeira, como se
costumava falar. O capitão criticou o desempenho dos oficiais-alunos, como
podemos observar no trecho abaixo:

“As provas, APESAR DE JULGADAS COM EXCESSIVA BENEVOLÊNCIA, ainda


deixaram muito a desejar, não só pelo desconhecimento dos regulamentos
e notas do Curso, como também pela falta de EDUCAÇÃO DA VONTADE que
quase todos denotaram, em tomar francamente um partido... Nota-se que
em quase todas as provas, lamentável INDECISÃO. Essa última atitude,
principalmente na guerra, é pior do que uma péssima decisão, tomada com
a firme resolução de executá-la até o fim.” (LEVY, 1937, p.10).

As duras palavras da conclusão ressaltam as habilidades requisitadas no


trabalho: a memorização de algumas determinações regulamentares e dos
conteúdos ministrados nas conferências, duas fontes eminentemente
teóricas, verbalistas e mnemônicas.

Ao abordar o método de ensino francês, adotado na época de seu curso,


Sodré (1986) afirma que o fato dos franceses chamarem o método de
“cartesiano”, se configurava como uma tentativa de conferir ao trivial a
complexidade do científico, de “dar cunho científico a coisa muito mais
simples, para fins de mero envaidecimento.” (SODRÉ, 1986, p.255). Para
ele, a única semelhança com a complexa e inovadora filosofia cartesiana de
Descartes ficava por conta do exercício de “decompor para analisar” diante
de uma situação tática, ou seja, “análise do terreno, análise dos meios,
análise do inimigo, análise da missão, das quais se tira conclusões e da
relação de umas sobre as outras, corando-se com uma decisão.” (SODRÉ,
1986, p.255).

A análise de Sodré evidencia uma crítica contundente a estrutura curricular


da EEM, e ao método de ensino-aprendizagem proposto. Para ele, os
estudos se baseavam em “pura memorização” de conteúdos presentes em
manuais, chamados a sua época de Vade Mecum, que os oficiais-alunos
recebiam no início do curso e que deveriam estudar antes de tudo. Na
prática, eram verdadeiros “dicionários de organização, coma diferença de
que, quem usa dicionários, consulta-os nos momentos de necessidade e
dúvida, e quem usa os Vade Mecum, na Escola de Estado-Maior, deve trazer
os seus dados informativos de cabeça.” (SODRÉ, 1986, p.259).
O general Gustavo Moraes Rego Reis, aluno da EEM entre 1955 e 1958,
rememorava, em depoimento cedido ao CPDOC em 1992, uma conversa
com o General Castelo Branco, quando foi servir no Comando Militar da
Amazônia logo após a conclusão do curso de Estado-Maior. Na ocasião o
comandante questionava o então major sobre a documentação do curso,
Aprendendo que ele descrevia como “os famigerados polígrafos, temas táticos
História: desenvolvidos na carta, com situações que evoluem e sobre os quais são
VISÕES E levantadas questões e debatidos os ensinamentos a serem aprendidos.”
DEBATES (REIS, 2005. p.14).
Página | 262
Tratava-se, dos manuais referidos por Sodré e que, como vimos, constam
como material de ensino da EEM desde meados da década de 1920. Reis os
descrevia como uma “vasta papelada mimeografada, muito bem elaborada
como instrumento de trabalho, mas sem qualquer finalidade prática
posterior, salvo a cópia servil, sem nenhum mérito.” (REIS, 2005. p.14).
Por acreditar que tal material não teria utilidade após o fim do curso, o
então Major Reis declarou que havia jogado fora toda aquela papelada após
a realização das provas, o que gerou, segundo ele, desconforto imediato ao
General Castelo Branco. Diante dessa situação incômoda, veio a explicação:

“Enchi-me de coragem e expliquei que admitia aquele material necessário


apenas para adestrar-nos no hábito, na prática e, afinal, na incorporação de
um “método de raciocínio”, o chamado “Estudo de Situação”, e na
abordagem e solução de todo problema, em particular no terreno tático. E
mais, o entendimento, a real apreensão dos princípios de guerra –
economia de forças, segurança, surpresa, iniciativa, unidade de comando,
liberdade de manobra – conclui que julgava ter aprendido a lição, prova é
que jogara fora a papelada. Castelo desanuviou a fisionomia, mas não
comentou nada.” (REIS, 2005, p.15).

Esse trecho fornece subsídios para reforçar a crítica realizada por Sodré, ao
mesmo tempo em que permite atenuar parte desta. Reforça-a, pois
constata, anos depois, o caráter intensamente mnemônico e não reflexivo
do ensino na EEM, bem como sua pouca utilidade prática para a vida militar
“real”. Em contrapartida, as considerações também se alinham com parte
do discurso dos oficiais da MMF, no tocante à incorporação do “método de
raciocínio” e a importância de apreensão dos “princípios de guerra”.

A abordagem de Sodré é muito diferente da maioria das memórias


analisadas por conta do evidente tom crítico em relação ao ensino oferecido
na EEM, em contraposição os frequentes elogios de outros ex-alunos. A
explicação é relativamente simples: sua capacidade analítica e de
construção de um pensamento crítico fora dos tradicionais espaços de
produção intelectual militar, marcados pelo usual corporativismo elogioso.
Geralmente, as críticas às Forças Armadas, sejam em relatórios ou
memórias, tendiam a ser omitidas ou, em alguns casos, diluídas e
suavizadas. Como vimos, enquanto oficial-aluno da EEM, Sodré já figurava
como estudioso de temas não militares, o que o gabaritava como uma
intelectual diferente dos tradicionais historiadores militares. Sua produção
tinha como base metodológica o materialismo-histórico dialético, enquanto
a maioria dos historiadores militares se baseava no positivismo histórico,
com sua típica narrativa, falsamente neutra, dos acontecimentos.

De maneira geral podemos considerar que o método de ensino militar


francês aplicado desde o início de sua atuação na EEM apresenta algumas
características distintivas: 1) estrutura-se nos estudos de casos e na Aprendendo
resolução de situações-problemas propostas previamente, que poderiam ser História:
resolvidos individualmente em trabalhos domésticos ou em atividades em VISÕES E
grupo na EEM; 2) o método usado para as resoluções continha elementos DEBATES
do chamado pensamento cartesiano, especialmente os princípios de Página | 263
“decomposição em partes” e de “crescente complexificação”; 3) A
necessidade de memorização de grande quantidade de conteúdos,
geralmente compilados em manuais de referência.

Referências
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efetivo de História (IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes).
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VISÕES E
DEBATES
Página | 264
O JORNAL NA SALA DE AULA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Mariana Dias Antonio

Lucy Maynard Salmon foi uma professora e historiadora norte-americana


cuja trajetória situa-se nas décadas finais do século XIX e iniciais do século Aprendendo
XX. Nascida em 1853 e falecida em 1927, sua produção perpassa a História História:
Política, o trabalho doméstico, as marcas do tempo nos registros urbanos e VISÕES E
a imprensa enquanto fonte para o historiador. DEBATES
Página | 265
Num trabalho anterior apresentamos algumas provocações a partir da
autora para motivar a incorporação da cultura material cotidiana (fontes
não escritas) no ensino de História [ANTONIO; CHAVES, 2018], mas sem
muito desenvolvimento quanto à sua pedagogia. No presente ensaio a
ênfase é distinta, e nossa atenção se volta à utilização de jornais na sala de
aula por Lucy Maynard Salmon a partir do panfleto ‘Suggestions for the
Year's Study: History D’, distribuído às suas alunas no Vassar College.
Também optamos por uma abordagem menos propositiva e mais descritiva,
visando apresentar o trabalho da professora e historiadora num momento
específico e para um público específico.

Deve-se pontuar de antemão que a pedagogia de Lucy Maynard Salmon


categoriza fases distintas e mais ou menos bem definidas no
desenvolvimento do aluno. Um estágio inicial (6 a 9 anos de idade) seria
marcado pelo predomínio de traços imaginativos, no estágio seguinte (10 a
13 anos) a tônica seria o entusiasmo, adiante viriam traços de integração
(14 a 17 anos), seguidos pela crítica e julgamento (18 a 21 anos), e
posteriormente traços criativos (após os 21 anos). Em concordância com os
estágios propostos, a escolha do material didático gradativamente ampliaria
seu escopo e complexidade, se iniciando com narrativas heroicas de caráter
mitológico ou biográfico, seguindo para a apresentação do contexto social
em que seus personagens se inserem, à apresentação das relações entre
personagens distintos e entre contextos distintos, e culminando no
desenvolvimento de trabalho independente [SALMON, 1902].

Em observância às supracitadas fases e sua concordância com faixas etárias


e critérios escolares, fica evidente que o desenvolvimento de trabalho
independente seria motivado apenas no nível superior (18 a 21 anos), uma
condição que nem sempre se faz explícita em obras que comentam a
pedagogia de Lucy Maynard Salmon [NELSON, 1996; SALMON, 2001;
SPONGBERG, 2005]. Entretanto, mesmo nos níveis fundamental e médio, a
utilização de fontes históricas na sala de aula para além da simples
ilustração de conteúdos já se faz presente na literatura [AVELAR, 2012;
GUIMARÃES, 2012; METZGER; HARRIS, 2018], sendo motivada para
desenvolver a prática de pensar historicamente e compreender a construção
das narrativas históricas. Pontuamos tal particularidade na obra de Salmon
como lembrete do contexto sócio-histórico em que suas ideias foram
gestadas, de modo que certa incompatibilidade com a Pedagogia e a
Psicologia do Desenvolvimento contemporâneas é mais ou menos
inevitável, embora isso não descarte possíveis contribuições da autora para
os professores de História que entram em contato com sua obra.

‘Suggestions for the Year's Study: History D’ foi impresso inicialmente em


1908, revisado e reimpresso em 1913. Apoiamo-nos na versão revisada e
Aprendendo reimpressa para o presente ensaio. O panfleto distribuído às alunas de uma
História: disciplina específica no Vassar College se apresenta como uma compilação
VISÕES E de sugestões para desenvolver o trabalho independente com fontes de
DEBATES imprensa, e diversas propostas ali contidas podem auxiliar o professor de
Página | 266 História no desenvolvimento de novas propostas.

O curso sintetizado em ‘Suggestions...’ propõe treinar o aluno para a leitura


de jornais e periódicos a partir da perspectiva do historiador, levando à
compreensão tanto de seu valor enquanto registro histórico quanto das
suas limitações. Dada a condição de History D enquanto disciplina num
curso superior de História, com pré-requisitos, ‘Suggestions...’ rememora
brevemente os conteúdos da disciplina anterior (History I ou História Geral
da Europa Ocidental) e segue para seus tópicos específicos [SALMON,
1913].

Entre as aptidões a serem desenvolvidas no decorrer do curso, com a


prática da pesquisa, estariam capacidades como: analisar a credibilidade e
legitimidade das partes que constituem o jornal; compreender o que o
historiador pode exigir e esperar deste tipo de fonte; organizar coleções e
amostras de maneira crítica; aguçar a percepção; traçar conclusões; e
adquirir mais independência e precisão no trato com as fontes [SALMON,
1913]. E se falamos de trato com as fontes, estas não poderiam ser
excluídas do material sugerido para o curso, que contempla os próprios
periódicos e a Constituição dos Estados Unidos da América. Temos aqui algo
que se mostra atemporal numa proposta regionalmente situada e não em
outra. Se a estabilidade da Constituição norte-americana permite que ainda
se utilizem os mesmos materiais no início do século XX e hoje em dia, em
igual período (de 1913 até os dias atuais) o Brasil já passou por seis
Constituições e inúmeras emendas que alteraram substancialmente
questões referentes à liberdade expressão, de imprensa e direitos de
propriedade sobre veículos de imprensa.

O material não se esgota nos jornais e nas condições jurídicas do meio em


que foram produzidos. Salmon [1913] sugere diversas obras que abordam a
história da imprensa, descrevem atividades jornalísticas e nichos específicos
da produção jornalística, e que rememoram jornalistas importantes. Para
além das condições de produção, a bibliografia sugerida também contempla
textos que orientem o historiador no trato com as fontes, entre os quais
encontramos capítulos de James Ford Rhodes, William Nelson e John Martin
Vincent.

O texto de Rhodes [1909] acrescenta pouco quanto às potencialidades e


especificidades do registro jornalístico, mas o autor enfoca diversas críticas
sobre as imprecisões e vieses dos jornais e relembra que todo documento
produzido por agentes históricos é dignitário das mesmas críticas, de modo
que as imprecisões e vieses não se apresentam como condição suficiente
para que o historiador negligencie as fontes de imprensa.

Nelson [1909] atenta para os vários discursos implícitos e explícitos nas


páginas de jornal, que testemunham de alguma forma as mudanças no
cenário e no convívio urbano; nos costumes e na etiqueta; o progresso da Aprendendo
indústria, transportes e comunicações; perturbações no mercado, no setor História:
financeiro e no ideário político; de modo que um historiador que ignore os VISÕES E
jornais enquanto fontes perderia diversos testemunhos de tempos DEBATES
passados. Página | 267
Vincent [1911] também se atenta aos indícios contidos em cada página de
jornal, sejam eles fruto de ações conscientes ou inconscientes. Demandas
específicas do meio, como a velocidade de circulação, explicariam as
imprecisões; se as notícias relatam o passado próximo, o editorial traz uma
aspiração de futuro; por fim, enquanto parte da atividade humana em
sociedade, as condições circundantes não podem ser negligenciadas se
quisermos compreender o jornalismo, de modo que devemos considerar o
controle da imprensa, seu financiamento, circulação e público [VINCENT,
1911].

A similaridade de observações e pluralidade de análises empreendidas por


William Nelson [1909] e John Martin Vincent [1911] nos leva a crer que
estes autores exerceram forte influência sobre Lucy Maynard Salmon [Cf.
SALMON, 1913; 1923a; 1926; ainda que estes trabalhos específicos não
figurem entre as referências]. Não obstante, as análises de anúncios de
escravos fugidos também nos permitem pensar uma eventual influência
destes autores sobre o pensamento de Gilberto Freyre [Cf. FREYRE, 2010].

Um dos trabalhos propostos na disciplina seria composto das seguintes


etapas: análise das partes constituintes de um jornal (notícias, manchetes,
editoriais, anúncios publicitários, cartas publicadas, reportagens,
ilustrações, fotografias, resenhas e críticas); comparação entre jornais
(situando diferenças de periodicidade, localidade, conteúdo e aparência
externa); classificação dos jornais (quanto ao controle/propriedade e nicho
de atuação); e análise de sua personalidade (questões estéticas, qualidade
do material, alinhamento editorial, viés político, viés econômico,
sensacionalismo, nome, slogan, etc.). As possibilidades não se esgotam por
aí, podendo ser objeto de análise também as relações entre a imprensa e
setores específicos da sociedade (Estado, igreja), os suplementos especiais,
os padrões éticos e as escolas de jornalismo. A diversidade de
possibilidades analíticas sobre um mesmo objeto coexistindo numa mesma
proposta demonstra a complexidade de algo corriqueiro, um simples jornal,
e dez anos depois da versão revisada e reimpressa de ‘Suggestions...’, e
possivelmente de vários anos lecionando e refinando a disciplina, as
publicações de ‘The Newspaper and the Historian’ [SALMON, 1923a] e ‘The
Newspaper and Authority’ [SALMON, 1923b] compilariam inúmeros
exemplos, possibilidades e questões históricas em mais de 1000 páginas,
enquanto resultado de uma prática dupla entre a pesquisa e a sala de aula.
O trabalho seguinte, ou final, levaria os alunos a refletir sobre alguns
aspectos do jornal, como sua credibilidade, confiabilidade, limitações, seu
valor social e histórico, e o lugar da imprensa no trabalho do historiador.
Esta última questão imposta aos alunos seria respondida por Salmon em
1923. O jornal permitiria recuperar anseios políticos, dinâmicas econômicas
Aprendendo e sociais de uma época em suas páginas, além de capturar nas suas
História: imagens as mudanças visíveis no cenário urbano, moda e arquitetura.
VISÕES E Enfim, para Salmon [1923b], o jornal se apresenta como a mais rica fonte
DEBATES para a escrita da História Moderna.
Página | 268
Suggestions... ilustra uma pedagogia imersiva e dialógica, sustentada pela
prática cotidiana de construção do conhecimento histórico. Embora o foco
da disciplina sejam páginas de jornal, outros registros deixados por Salmon
nos permitem abordar a vida urbana de forma ampla, contemplando as
ruas, os quintais e as cozinhas, por exemplo [SALMON, 2001]. Todo assunto
do saber histórico se constrói nas dinâmicas sociais cotidianas, e a
incorporação desse cotidiano naquele da pesquisa e ensino de História seria
um traço marcante no legado da professora e historiadora [BOHAN, 1999;
NELSON, 1996; SALMON, 2001].

Apesar do pouco destaque na literatura ampla sobre Historiografia e ensino


de História, Salmon e sua postura pedagógica de “ir às fontes” permanecem
influenciando iniciativas de valorização de fontes negligenciadas, e um
exemplo recente é a coleção de zines do Vassar College [BERTHOUD,
2017]. Enquanto pequenas revistas de produção independente para a
circulação de ideias em determinados circuitos sociais, as zines compõem
registros históricos ímpares e livres de diversos formalismos e restrições
impostas aos suportes de grande circulação, como jornais e revistas, sendo
uma excelente via de acesso ao ideário e às dinâmicas sociais de alguns
grupos específicos. Também iniciativas independentes do legado da autora
têm surgido na atualidade para um ensino de História mais imersivo, prático
e dialógico, como é o caso da iniciativa Reading like a historian [STANFORD
HISTORY EDUCATION GROUP, s.d.]. Embora mais de um século nos separe
de diversos textos e aulas de Lucy Maynard Salmon, sua relevância e
contribuições permanecem atuais, e sua memória digna de resgate e
destaque.

Referências
Mariana Dias Antonio é licenciada em História pelo Centro Universitário Dr.
Edmundo Ulson, mestra e doutoranda em História pela Universidade Federal
do Paraná. Membro discente do “NEMED - Núcleo de Estudos
Mediterrânicos” (UFPR) e do grupo de pesquisa “Cultura e Poder” (UFPR). O
presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001. E-mail: mariana.diasant@gmail.com.

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PRINCIPAIS CONJUNTURAS HISTÓRICAS DO LIVRO DIDÁTICO DE
HISTÓRIA NO BRASIL
Rafael Fiedoruk Quinzani
José Iran Ribeiro

Aprendendo
Introdução História:
O livro didático tem fundamental importância na história escolar. Trata-se VISÕES E
de um dos principais materiais pedagógicos usados pelos professores de DEBATES
história, e muitas vezes, é o único (FERREIRA, 2003). Porém, devemos Página | 271
frisar que a compreensão do livro didático exige a abrangência de diferentes
discussões. Por um lado, houve e há diversas formas, interesses e
condicionantes na produção deste material didático (ROCHA, 2014;
BITTENCOURT, 2008.). Por outro, o entendimento do que é e para que
serve o livro didático muda ao longo do tempo, juntamente com sua
nomenclatura (GATTI JR., 2000; e CHOPPIN 2004). Para dar conta desta
multiplicidade de questões, é fundamental estabelecer a compreensão geral
da história deste material no Brasil, apontando os principais processos pelos
quais o material tem passado. Assim, decidimos pela análise dessas
conjunturas, destacando as mudanças e as características dos livros
didáticos que devem ser consideradas na sua compreensão, seja
atualmente ou em alguma das conjunturas anteriores.

Desenvolvimento
A primeira conjuntura histórica que podemos estabelecer para uma melhor
compreensão do livro didático ocorreu do século XVI até a Instalação da
Imprensa Régia, em 1808. “Poucos e caros eram os livros na América
Portuguesa” (STAMATTO, 2009, p. 133). No século XVI, os livros destinados
ao ensino, além de importados, eram em latim, com a exceção das cartilhas
utilizadas para a alfabetização. Havia a preponderância de escolas
jesuíticas, que usavam, em grande quantidade, obras clássicas ou materiais
relativos à catequese, intrínseca ao processo educativo da época. Em 1759,
com a expulsão dos jesuítas, o governo institui e passa a controlar o
sistema de ensino (Idem, p. 133-134). Junto à expulsão, são proibidos os
livros didáticos utilizados anteriormente nos colégios jesuítas, mas as novas
aquisições continuariam sendo importadas, sem que houvesse produção na
colônia, continuando os livros de uso restrito a um pequeno grupo
econômico. Estas ações, tomadas nas Reformas Pombalinas, foram de
grande impacto na educação. Até o decorrer do século XIX, o livro didático
se caracterizaria por ser destinado ao professor. Assim, a didatização do
conhecimento não era a prioridade nos manuais, sendo que o formato
destes livros didáticos, se comparado ao do livro didático atual, pode causar
estranheza. Eram praticamente nulas as ilustrações e exercícios, tampouco
eram “didatizados” para o uso de jovens.

Uma segunda conjuntura percebida vai da Chegada da Família Real ao


Brasil e a instalação da Imprensa Régia, em 1808, à independência
brasileira, em 1822. Nesse período iniciam-se impressões brasileiras de
obras didáticas, a partir de, pelo menos, 1810. Porém, a Imprensa Régia
detêm o monopólio das produções editoriais. As produções didáticas eram
secundárias e regidas por órgãos governamentais, ainda que existissem
(BITTENCOURT, 2008, P.17). Grande parte das obras eram impressões de
traduções de obras estrangeiras. De acordo com Bocchi (2005, citado por
MUNAKATA, 2013), nessa conjuntura foram criadas as primeiras legislações
sobre o livro didático. Até então, estas iniciativas eram creditadas ao
Aprendendo período do Estado Novo (1937-1945).
História:
VISÕES E De acordo com Bittencourt (2008), após perder o monopólio da produção de
DEBATES manuais didáticos, seguiu-se o descaso oficial em relação à produção de
Página | 272 livros. Temos, assim, entre 1822 e 1860, um terceiro momento da história,
em que, aos poucos, editoras privadas passam a assumir o lugar do Estado
na produção didática. Desejava-se que os autores de manuais didáticos
fossem pessoas ligadas ao rei. Porém, poucos esforços de elaboração
didática partiram desses grupos, o que resultou na abertura para que outros
autores prestigiados socialmente produzirem textos de natureza didática,
mesmo que mais distantes da “Graça do rei”. Antes do que lucro, os
discursos valorizavam a escrita do livro como um ato patriótico, embora
seja importante frisar que o prestígio social era fundamental nessa
sociedade. Assim, através do reconhecimento advindo deste suposto “ato
patriótico”, o autor também poderia obter diversos benefícios.

Para a compreensão do contexto educacional do período é fundamental o


destaque à criação do Colégio Pedro II, em 1837. Trata-se da escola mais
reconhecida e prestigiada do Império, cujo currículo servia de base para
diversas das outras instâncias educacionais. Também consideramos
fundamental entender as motivações para um sistema de ensino que
valorizava um ensino secundário e superior, ao passo que não priorizava a
expansão da educação para um grupo maior da populaçao, a fim de que
entendamos a educação brasileira a partir de seu próprio contexto:

“Vários estudos de história da educação brasileira criticam a atuação das


elites do Império quanto à efetivação de uma política educacional para o
ensino elementar. Um dos pontos do fracasso educacional residiu, segundo
alguns historiadores, na “importação de idéias alheias à realidade do país e
na prioridade da organização do ensino superior e secundário, relegando-se
para um segundo plano, o ensino primário. A opção das classes dominantes
assentadas no poder em priorizar o ensino superior e secundário foi
evidente, mas cabe-nos perguntar: por que agiriam diferentemente? (...)
Não foram como simples “copiadores” de idéias estrangeiras que D. João VI
e D. Pedro I deram prioridade ao ensino superior e militar, mas como
respostas à exigência da nova ordem imposta com a criação do Estado
Moderno. E, com mais razão, decidiram que a “educação do povo” poderia
esperar. Nada os pressionava nesse sentido, como no caso europeu. O
catolicismo no Brasil predominava sem grandes concorrências, sem lutas
religiosas, não se vendo forçado a cuidar de aumentar as leituras dos textos
religiosos para seus fiéis, como na França, que desde o século XVI teve de
se haver com os protestantes. Também para o Estado não havia
necessidade de impor a escola para se obter uma unidade linguística, em
territórios sem dialetos, após a derrota sobre os índios, mortos,
escravizados ou espalhados pelas selvas. E os setores agrários, dominantes
da vida política, desconfiavam das “luzes” para as classes inferiores, que em
nada fortaleceriam seus empreendimentos e menos ainda concorreriam
para a manutenção de seus privilégios.” (BITTENCOURT, 2008, p.35-36.)

Entre 1860 e 1900, a estrutura da educação passou por importantes


mudanças. A produção de livros didáticos se efetiva com maior intensidade, Aprendendo
e discussões pedagógicas pautam a mudança na estrutura do ensino. Os História:
livros didáticos passam a ser materiais de acesso direto aos alunos. Nesse VISÕES E
período os livros didáticos adquirem espaço fundamental nas editoras, DEBATES
mesmo que não representasse grande parte das vendas em grande parte Página | 273
delas. A partir da década de 1870, autores de grupos sociais menos
distintos passam a elaborar livros didáticos (BITTENCOURT, 2008). Era
bastante comum que os professores compilassem os manuais didáticos com
base nas aulas preparadas. Passa-se a valorizar autores com experiência
docente, que estruturariam as informações do livro com o objetivo de
didatizar as obras para o uso do aluno.

No Colégio Pedro II lecionava Joaquim Manuel de Macedo, principal escritor


de livros didáticos de história do Brasil nas últimas quatro décadas do
século XIX. Em suas Lições da História do Brasil (MACEDO, 1861), que
inspirou as estruturas curriculares das escolas brasileiras, Macedo buscou
reproduzir, o mais fielmente possível, a visão historiográfica de Varnhagen,
um dos principais autores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Tratava-se de uma obra apologética aos monarcas brasileiros em todos os
acontecimentos que retratava e que denegria qualquer oposição à soberania
do trono (MELO, 2008). Em relação à idéia de raça, muitas das obras ainda
se pautavam pela invisibilização de negros e indígenas. Diversas obras
desse período traziam o entendimento de que negros e indígenas não
tinham protagonismo relevante, invisibilizando-os das obras didáticas
(MELO, 2008).

De 1900 a 1930, ocorreu propriamente a transformação da produção


didática para a estruturação de uma visão republicana das obras didáticas
nacionais. O leitor atento pode se indagar o porquê da seleção do ano 1900,
se a República é bastante anterior a esta data. Entretanto, somente em
1900 seria lançado um livro didático “genuinamente Republicano”. Tratava-
se do livro “História do Brasil-Curso Superior”, de João Ribeiro, autor que
pode ser entendido como a principal referência brasileira em relação a livro
didático de história nas quatro primeiras décadas do século XX. A imigração
e o estabelecimento da mão-de-obra livre demandavam novo significado ao
papel da educação, principalmente na educação dos anos iniciais. Então a
educação de primeiro grau para os grupos populares passou a ser vista
como importante pelos grupos de elite, tanto para a qualificação da mão-
de-obra como para a assimilação de ideias nacionalistas. Ao mesmo tempo,
grupos populares intensificaram a luta pelo acesso à educação, percebendo-
a como um direito de todos e todas, situação que se repete até os dias
atuais. Oliveira (2015) aponta para a inserção de ideologias de amor ao
trabalho nos livros de geografia desta época. Pode-se inferir que o mesmo
ocorria nos livros de história, mas ainda não encontramos referências a
respeito.
No governo Vargas de 1930 a 1945, verificamos, de um lado, os impactos
da crise de 1929, que levaram à expansão da produção didática nacional
em relação à estrangeira e, de outro, um processo de centralização dos
materiais didáticos. A História do Brasil e a História da Civilização (ou
Aprendendo História Geral) costumavam ser lecionadas em anos ou matérias diferentes
História: e, portanto, não necessariamente correspondiam à mesma coleção.
VISÕES E
DEBATES Também se dificultava, assim, qualquer esforço de estabelecer relações
Página | 274 entre o contexto brasileiro e o da história geral. Sem relações entre as
mesmas, não havia tamanha necessidade de que a história geral fosse
escrita por autores brasileiros, sendo ainda traduzidos e importados muitos
livros didáticos estrangeiros, especialmente sobre a “história geral”.

Para o nacionalismo autoritário proposto por Vargas era fundamental um


ensino que convergisse com o viés ideológico do regime e o propagasse.
Porém, podemos afirmar que ocorreu censura de livros didáticos no
período? Seria a Comissão Nacional do Livro Didático criada em 1938 para
esse fim? Trata-se de um tema controverso: “ao contrário do que se
imagina, não houve censura de caráter político-ideológico, mas também não
se apresentaram para a avaliação livros passíveis de condenação”
(MUNAKATA, 2012, p.188). Podemos pensar que a situação política
desestimulasse a submissão de obras de viés divergente do regime
getulista, mas trata-se de uma situação diferente da Ditadura Militar
brasileira, quando livros foram censurados explicitamente por suas
ideologias. No contexto do Estado Novo, a expansão da educação significou
a ampliação da demanda por livros didáticos, já que o livro didático,
censurado ou não, era visto como parte fundamental na aprendizagem,
especialmente num ambiente que visa a centralização da autoridade do
Estado, devido à necessidade de sistematização dos conteúdos.

Diversas são as possibilidades de organizar o período entre os anos de 1945


e 1964. Dentre os trabalhos que analisamos de história do livro didático
poucas vezes este período foi mencionado, preferindo-se apontar para as
mudanças do Estado Novo e da Ditadura Militar. Em outras sistematizações,
os acontecimentos ou processos específicos deste período parecem ser
pouco mencionados, talvez por entender que o impacto do Estado Novo e
das políticas da Ditadura tenham sido mais significativos.

Uma das principais mudanças no livro didático neste período é apontada por
Moreira (2011, p. 47):

“No contexto da Guerra Fria, pós-1945, o LDH toma outro rumo. Ao invés
de privilegiar conteúdos de História do Brasil que auxiliassem na formação
de uma consciência nacional e patriótica, enfocaram conteúdos com o
objetivo de promover a paz entre as nações e o respeito aos vários povos
do mundo. A Unesco passa a interferir na elaboração dos LDs.

(...) o LDH destaca-se nesse contexto de pós-guerra por seu papel político
pacificador.”
As décadas de 1950 e 1960 costumam ser definidas como o início do
Processo de Democratização da Educação, marcando uma intensa expansão
na estrutura educacional. Junto com a expansão da educação, intensificou-
se a aquisição de materiais didáticos. O cenário de ideias plurais,
juntamente com o ambiente democrático, permite e estimula a educação
pública, gratuita e de qualidade. Ao mesmo tempo, o nacionalismo teria de Aprendendo
disputar, num processo lento, gradual e não-linear, com diferentes projetos História:
educacionais que afloravam. Dentre eles, estaria o projeto História Nova, VISÕES E
coordenado por Nelson Wernek Sodré, que visava “renovar o estudo da DEBATES
História no nível médio, introduzindo um enfoque marxista nos LDHs” Página | 275
(MOREIRA, 2011, p.47-48); novos métodos de ensino estavam sendo
testados por Paulo Freire; em relação às políticas públicas, Darcy Ribeiro
debatia com Carlos Lacerda defendendo a escola pública; e o governo João
Goulart adotou a padronização total do livro didático como método para
reduzir seu custo, entrando em conflito com grande parte das editoras,
descontentes com o barateamento e a reestruturação de suas obras.
Porém, com o Golpe Militar de 1964, diversas lideranças e suas pautas
educacionais vêem-se obrigadas ao silêncio, e importantes discussões são
temporariamente abortadas.

Com a Ditadura Militar brasileira entre 1964 e 1985, inicia-se um novo


conjunto de questões envolvendo o livro didático e a educação em geral. De
acordo com Miranda (2004, p.125):

“Sob o período militar, a questão de compra e distribuição de livros


didáticos recebeu tratamento específico do poder público em contextos
diferenciados- 1966, 1971 e 1976-, todos marcados, porém, pela censura e
ausência de liberdades democráticas (...). Os governos militares
estimularam, por meio de incentivos fiscais, investimentos no setor editorial
e no parque gráfico nacional que exerceram papel importante no processo
de massificação do uso do livro didático no Brasil”

Vemos, assim, que o livro didático, como produto material, teve um dos
maiores crescimentos em sua produção e distribuição. Porém, nesse período
de censura, em que se caracterizava esse material didático?

“Vários trabalhos acadêmicos debruçaram-se sobre a produção didática


nacional nesse período e evidenciaram os compromissos ideológicos
subjacentes, seu caráter manipulador, falsificador e desmobilizador, que
mal disfarçava o intento de formar uma geração acrítica” (MIRANDA, 2004,
p.125)

Os livros didáticos da época foram marcados por abordagens na perspectiva


de civismo, bem como pelo “estímulo a uma determinada forma de conduta
do indivíduo na esfera coletiva” (MIRANDA, 2004, p. 125). Na primeira
metade da década de 1980, algumas discussões tangenciaram o livro
didático, mas a mudança definitiva da conjuntura só se daria com a
redemocratização. A opressão, porém, não impediu, durante a Ditadura, a
continuidade da defesa da democratização do ensino. O livro didático, nesse
sentido, teve um papel importante, embora não positivo em todos os
aspectos. Ao mesmo tempo em que era fundamental permitir maior acesso
à educação, num contexto em que os esforços por formar mais professores
levariam anos para suprir a expansão do ensino, o material era criticado por
seu caráter “controlador”, à medida que reproduziu, em algum nível, a
ideologia do Estado ditatorial. Porém, é importante perceber que essa
Aprendendo afirmação varia conforme o livro em questão e os usos que dele seriam
História: feitos. Neste contexto surgem algumas das primeiras pesquisas científicas a
VISÕES E respeito do livro didático. Baseavam-se, principalmente, na análise da
DEBATES ideologia presente nos mesmos, temática importante no contexto de
Página | 276 resistência da época.

Outro período pode ser compreendido a partir da instituição do Programa


Nacional do Livro Didático em 1985 até a atualidade. Quando da
reestruturação de um ambiente democrático, cria-se o PNLD- Programa
Nacional do Livro Didático, que tinha como objetivo a distribuição de livros
didáticos,

“Passando a ser o Estado brasileiro o principal comprador desta mercadoria.


No entanto, essa distribuição era apenas para o antigo 1º grau. O ensino
médio passou a receber gradativamente por disciplinas, livros didáticos a
partir de 2003” (AGUIAR, 2006, p. 61).

Até então, os livros didáticos eram aceitos sem avaliação pedagógica.


Porém, em 1996, foi estabelecida uma avaliação prévia das obras que
desejassem ser publicadas no PNLD, já que alguns livros apresentavam
sérios problemáticos, como erros nos usos de conceitos, ao nível do
absurdo; presença de preconceitos; e, em grande parte dos casos,
distanciamento com o que se esperava de um livro didático reutilizável
destinado aos anos escolares para os quais concorria, o que não
caracterizaria um “erro”, mas uma inadequação. Assim, elabora-se um
programa que aumenta, gradativamente, seus padrões para aprovação. A
cada edição é publicado um edital especificando as orientações para os
livros, que passarão por avaliação de especialistas da área e por professores
de escolas públicas. É elaborado um Guia com os livros aprovados,
contendo diversas informações sobre os livros para que o professor possa
utilizá-las como parâmetros na escolha do livro didático que desejam adotar
num determinado triênio, embora o Guia do Livro Didático seja pouco usado
como ferramenta principal de escolha. O principal na relação que
caracterizamos, mesmo com uma série de problemáticas, baseadas na
distância entre as expectativas (ou conflito de interesses) dos grupos
envolvidos, é a manutenção do equilíbrio mínimo entre a pertinência
acadêmica e a autonomia dos educadores, que, podendo escolher o livro
considerado mais adequado à sua prática docente, mas partindo de um
mínimo de pertinência acadêmica\pedagógica, contribui para um ensino de
qualidade. Ao mesmo tempo, é exigido que os próprios autores e editores
de livros didáticos se atualizem historiográfica e pedagogicamente, o que é
comprovado nas intensas melhorias que têm sido verificadas nos livros
didáticos.
Conclusão
O livro didático é um material complexo, com muitas abordagens e usos
possíveis. Porém, acreditamos que, para a compreensão historiográfica
deste material, é necessária a compreensão geral das principais mudanças
pelas quais este material tem passado. Como vimos, a um primeiro
momento, os livros didáticos utilizados no Brasil eram caros e Aprendendo
exclusivamente importados e, somente com mudanças diversas nos História:
cenários conjunturais se tornariam o que são hoje, um material VISÕES E
predominantemente produzido no país, expressivo tanto em nível de DEBATES
demanda como de produção, e acessível a praticamente toda a população Página | 277
do nível básico de educação. De um Estado que detinha o monopólio de
livros na Imprensa Régia, passa-se a um Estado como maior comprador de
livros didáticos e a editoras privadas, cujo lucro provem, principalmente, da
produção de materiais didáticos. De materiais didáticos sem qualquer
padronização e exigência de qualidade, passamos a dispor de livros
didáticos que tem mudado de qualidade intensamente a cada edição do
PNLD.

Referências
Rafael Fiedoruk Quinzani é discente do curso de História - Licenciatura da
Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisa áreas relacionadas ao Ensino
de História, com destaque ao Livro Didático de História; participa do
PENSEH - Grupo de Estudos de Ensino de História.
Orientação: José Iran Ribeiro é professor do Departamento de Metodologia
do Ensino. É licenciado em História (UFSM), Mestre em História (PUCRS) e
Doutor em História Social (UFRJ).

AGUIAR, E. P. Currículo e ensino de História: entre o prescrito e o vivido.


Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2006.

BITTENCOURT, C. M. F. Livro Didático e Saber Escolar: 1810-1910. Belo


Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

CHOPPIN, A. História dos Livros e das Edições Didáticas: sobre o estado da


arte. Educação e pesquisa. São Paulo, p. 549-566, set./dez. 2004.

MIRANDA, S. R. DE LUCA, T. R. O Livro Didático de História Hoje: um


panorama a partir do PNLD. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24,
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FERREIRA, J. C. S. Ensino de História e Educação Cidadã: análise de


concepções e práticas de cidadania do discurso do livro didático de História.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Conhecimento e Inclusão Social, Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

GATTI JR, D. Dos Antigos Manuais Escolares aos Modernos Livros Didáticos
de História no Brasil, dos anos sessenta aos dias atuais. Ícone: Uberlândia,
v. 6, n.1, p. 97-116, 2000.
ROCHA, H. Ap. CAIMI, F. E. A(s) história(s) contada(s) no livro didático
hoje: entre o nacional e o mundial. Rev. Bras. Hist. 2014, vol.34, n.68,
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Aprendendo STAMATTO, M. I. S. Livros Didáticos de História: o passado sempre


História: presente. História & Ensino: Londrina, v.15, p. 131-158, ago 2009.
VISÕES E
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MELO, C. F. de C. B. de. Senhores da História e do Esquecimento: a


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MOREIRA, K. H. SILVA, M da. Um inventário: o livro didático de História em


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RIBEIRO, J. História do Brasil. curso superior. 4ª ed., Rio de Janeiro:


Francisco Alves e Cia., 1912.

OLIVEIRA, J. B. F. de. Ideologia do Trabalho nos Livros Didáticos na


República Velha (1910-1930). Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2015.
IMAGENS E CONSTRUÇÕES: AS REPRESENTAÇÕES DO TRÁFICO
NEGREIRO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Raynara Cintia Coelho Ribeiro

Neste artigo pretendo empreender uma análise dos livros didáticos Aprendendo
anteriores e posteriores a lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da História:
África nos bancos escolares, buscando através deste estudo compreender VISÕES E
como o tráfico negreiro tem sido representado nos livros didáticos do ensino DEBATES
fundamental visto que, durante muito tempo se cristalizou na mente da Página | 279
sociedade brasileira uma visão distorcida e preconceituosa sobre o
continente africano, o qual era retratado somente como um continente onde
predominava a miséria e a fome, sendo o seu povo vitimizado por uma
representação em que o negro se tornava apenas coadjuvante de sua
própria história. Esquecendo-se de ressaltar sua heterogeneidade e seu
passado de desafios, lutas, resistências pelo qual o povo africano percorrer
durante anos até alcançarem sua liberdade, além de ocultarem dos alunos o
aprendizado acerca da diversidade cultural afro-brasileira do qual devemos
ser eternamente gratos, pois a formação do povo brasileiro se deu a partir
da união de três povos: branco, índio e negro, portanto o continente
africano teve uma grande contribuição à construção de nossa identidade
brasileira. Além disso, irei realizar um breve panorama do tráfico negreiro,
diáspora e outros aspectos relevantes para nossa pesquisa.

Imagens e construções
A temática do tráfico negreiro em relação à forma como eles vem sendo
representados nos livros didáticos gera no decorrer do tempo uma série de
debates e questionamentos que acarretam em serias repercussões. Pois, a
visão que tínhamos sobre o negro era algo bastante restrito que nos levava
a ver os povos africanos apenas como um mero objeto ou uma mão de obra
rentável. Por isso, tenho a plena convicção da importância de estudarmos o
tráfico negreiro, suas resistências e a formação de quilombos nas escolas
brasileiras, trazendo este assunto para sala de aula podemos conhecer e
aprender a valorizar muito mais as nossas raízes afro-brasileiras das quais
recebemos muitas influências no decorrer de nossa vida.

Num contexto, que ao longo dos séculos a História dos povos africanos, foi
marcada por constantes transformações, sendo o que sabemos hoje sobre a
historiografia da cultura afro-brasileira é ainda muito pouco diante do
enriquecimento, em termos culturais, que a presença destes povos trouxe
para nos. Deste modo, é de grande relevância a contribuição que os
estudos em torno da diversidade, resistência e formação de quilombos
trouxe para a história dos povos africanos. Dessa forma, este trabalho
busca entender as representações que foram se perpetuando ao longo dos
anos em torno do tráfico negreiro tendo como objeto de pesquisa os livros
anteriores e posteriores a lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da
África nos bancos escolares.

Ao nós debruçarmos em torno do tráfico negreiro observarmos que a


escravidão oriental e ocidental, tanto sob sua forma mais antiga, como sob
sua forma colonial se expandiu na África no século XIX buscando, em sua
essência, formar um modo de produção que fizesse do escravo,
praticamente privado de direitos, um bem imobiliário ou uma mercadoria
negociável e cedível. Os escravos constituíam, na maioria das vezes, o
grosso da população ativa de uma sociedade, como ocorria no sistema
Aprendendo ateniense e nas plantações coloniais da Arábia medieval, ou mesmo na
História: América pós-colombiana. Esse fenômeno contribui para um conflito que
VISÕES E continuaria a afligir o continente africano até o século XX. [Ajayi, 6 ]
DEBATES
Página | 280 Tráfico negreiro: problemas e perspectivas
Antes de iniciarmos a análise das fontes iremos fazer um pequeno
panorama do tráfico negreiro em torno do mundo, no qual pode ser
identificado que na maior parte do século XV, o tráfico negreiro, por estar
ligado ao desenvolvimento das plantações portuguesas no Brasil, e
holandesas nas Guianas, permaneceu necessariamente limitado ao Caribe e
à América Central e do Sul. No século XVI, coincidiu com a participação
africana na exploração das Américas.

Em 1415, com a tomada de Ceuta pelos portugueses inaugurou-se o


período de penetração europeia no continente africano. Em 1435, os
portugueses alcançaram o Senegal e, em 1483, o Congo, a partir de 1441,
houve deportações de africanos para Lisboa, marcando assim o início da
imigração forçada de africanos, ou seja, do tráfico negreiro que continuaria
até a época moderna. [Ajayi, 6 ]

Segundo Harris, na França a partir do século XV, começou-se a prestar mais


atenção na presença africana no território nacional. Na França o
desenvolvimento da escravidão não se deu, no início, de forma deliberada,
um tribunal real chegou a proclamar, no ano de 1571: “A França, mãe da
liberdade, não permite nenhum escravo”. [Harris, 8 ] Porém, na prática
havia uma variação em função dos casos: alguns africanos eram
escravizados, ao passo que outros permaneciam teoricamente livres, ainda
que num meio hostil. A partir do fim do século XVII e, durante o século
XVIII, a política real permitiu aos franceses donos de escravos na Américas
trazê-los de volta para a França, com isso os franceses começaram a
acostumar-se à presença dos negros entre eles.

No que diz respeito às revoltas de escravos, nas Américas as mais graves


foram aquelas que ocorreram na Jamaica e na Guiana. Está formada pelas
regiões de Essequibo, Berbice e Demerara, sofreu uma série de grandes
revoltas nos séculos XVIII e XIX, as quais atingiram seu ápice em 1823.
Nos séculos XVI e XVII, no México, importantes revoltas foram fomentadas
por escravos africanos, a fim de provocar a emergência de comunidades
africanas. É importante percebermos que antes da revolta de São
domingos, foi no Brasil que a luta armada teve maior relevância, em termos
de amplitude e duração, sendo que as revoltas de pequeno alcance sempre
marcaram a história da escravidão no Brasil; contudo, foi no Estado de
Palmares que se manteve, durante quase todo o século XVIII, uma
comunidade africana autônoma estimada em vinte mil membros.
De acordo Harris, estas lutas de libertação testemunham o despertar do
nacionalismo no seio da diáspora africana do Caribe e da América Latina.
Para os africanos, não se tratava apenas de uma necessidade de vingança
ou de fuga nas montanhas, mas também, e, sobretudo, de criar zonas
politicamente autônomas, permitindo-lhes defenderem-se contra seus
inimigos. [Harris, 9 ] Aprendendo
História:
Os africanos da diáspora americana eram integrantes de um mundo VISÕES E
dominado pela supremacia europeia, no qual potentes forças econômicas e DEBATES
intelectuais procuravam reorganizar as estruturas políticas e sociais. Alguns Página | 281
africanos eram convencidos que salvação passava pela assimilação dos
valores e dos ideais europeus, enquanto que outros, pelo contrário queriam
afirmar sua africanidade, sendo por isso prestes a arriscar suas vidas, a fim
de protestar e resistir à repressão a eles imposta pelos europeus.

Para Harris, foi na América que a luta de libertação adquiriu uma dimensão
realmente internacional, sendo que em toda América, pequenos grupos de
negros conquistaram sua liberdade. Neste cenário o sucesso do movimento
de libertação africano no Haiti provocou um sentimento de pânico junto aos
brancos dos Estados Unidos, que temiam que os afro-americanos também
reivindicassem eles mesmos sua liberdade. Assim, tanto o Haiti como
Toussaint Louverture, que era um escravo culto e cristão, tornaram-se
símbolos para os negros que, em outras regiões das Américas e do Caribe,
almejavam a liberdade, e até mesmo a independência.

Na Ásia o comércio de escravos de acordo com Harris, foi um fenômeno


histórico permanente muito mais antigo. A maioria dos escravos importados
para a Ásia eram crianças, com um número maior de meninas do que
meninos. O avanço do tráfico negreiro no século XIX favoreceu o
desenvolvimento das comunidades africanas das ilhas Mascarenhas, porém,
antes desse período, constituíra-se uma comunidade de crioulos, de notável
influência, no decorrer dos séculos XIX e XX.

Neste cenário Harris ressalta que a presença de escravos africanos parece


ter sido um pouco mais substancial na Ásia do Sul do que nas outras
regiões do continente. Isto ocorreu provavelmente pelas relações
comerciais com a África serem mais antigas e intensas, comparativamente a
qualquer outra região. A partir do século XIII, houve muitos escravos
africanos na Índia. Na segunda metade do século XV ocorreu o
estabelecimento da presença africana em Bengala, no norte da Índia.

Em 1530, os portugueses desempenharam um domínio político e econômico


sobre várias regiões da costa ocidental da Índia, notadamente na costa do
Concan, onde um grande número de escravos africanos foi importado.
Dessa forma, é importante entendermos que em todo o território da Índia
portuguesa, os escravos negros executavam as tarefas domésticas,
inclusive transportar água em imensos vasos. Os portugueses usavam-nos
também como carregadores e guardas de suas escoltas. Com relação às
mulheres escolhiam-nas muitas vezes como amantes.
Para Harris, os africanos desempenharam, como indivíduos, um papel
importante na história da Índia, além de conseguirem o apoio e a estima de
vários indianos, sem perder suas especificidades.

Nessa perspectiva, entende-se de acordo com Harris, que é de suma


Aprendendo importância este estudo, pois nos possibilita perceber a presença do negro
História: no mundo inteiro, ao que tudo indica isto se deve principalmente ao tráfico
VISÕES E intercontinental de escravos. Sendo que, a natureza de tal tráfico e suas
DEBATES consequências, mais especificamente na América e nos Caribes, levaram os
Página | 282 africanos a travarem diversas lutas por sua liberdade.

Uma vez que, essas lutas com o passar do tempo, despertaram nas
consciências a preocupação generalizada da redenção da África e da
libertação dos negros do mundo inteiro. Dessa forma este processo
constituiu-se no início da época moderna e demonstrou-se, em 1880, uma
real influência em escala mundial. De fato, Toussaint Louverture surgiu,
como um símbolo internacional da liberdade dos negros. Porém apesar da
dominação colonial, tal processo seguiu seu curso, tratando-se
possivelmente da mais importante consequência histórica da diáspora
africana.

Dessa forma, as mudanças ocorridas na África durante o “século pré-


colonial” em função da intensificação da atividade dos europeus coloca em
evidencia o segundo problema característico deste período, a crescente
integração da África ao sistema econômico mundial é considerada, não
somente como um elemento importante, mas antes como o principal
acontecimento da história da África no século XIX. A África no início do
século XIX se destaca pelas características e tendências deste período e
pelas inovações e outros elementos novos. [Ajayi, 10 ] De acordo com
Ajayi, a pressão demográfica ligada ao tipo de uso das terras, muitas vezes
resultante de um crescimento populacional normalmente durante um
período de relativa prosperidade, ou a imigração provocada por vários
fatores como, guerra, desmoronamento dos sistemas políticos, seca
prolongada, epidemia ou outra catástrofe natural que podiam ocasionar
processos de expansão progressiva. Foi o que ocorreu no século XIX um
grande número dessas expansões.

Dessa maneira, no início do século XIX, estimava que a população africana


possuísse 100 milhões de habitantes, com a organização da agricultura, do
grau de desenvolvimento das técnicas e da higiene, bem como da forte
mortalidade infantil causada pelas doenças, os demógrafos supõem
geralmente que a população total não podia aumentar. Na África do Norte,
a população permanecia estável e que se praticava uma agricultura
intensiva, e a irrigação nas regiões férteis, principalmente nos oásis, a
população aumentava regularmente durante os períodos de prosperidade.

Segundo Ajayi, ás catástrofes naturais, o tráfico de escravos e as guerras


mortíferas causaram perdas demográficas de grande escala e,
notadamente, a diminuição, durante um longo período, do número de
mulheres em idade de procriar, tais perda fizeram com que a população
total da África diminuísse nos séculos XVII e XVIII. O século XIX não alterou
de vez a situação demográfica em seu conjunto, no início do século XIX e
no século XVII, a população tendeu a crescer no conjunto do continente. O
crescimento demográfico no início do século XIX ocorreu por diversos
fatores tanto internos quanto externos, foi por si mesmo, um importante
fator de mudança, particularmente em regiões que, como a África Oriental e Aprendendo
Austral setecentista, não foi atingida, ou muito pouco, pelo tráfico de História:
escravos. VISÕES E
DEBATES
Segundo Ajayi, no início do século XIX além das consequências do Página | 283
crescimento demográfico, houve um crescente interesse dos europeus pela
África. Interesse este que levaram de início os europeus a empreenderem,
aproximadamente a partir do fim do século XVIII, expedições visando
recolher informações mais precisas sobre as principais características
geográficas do continente africano, procuravam também conhecer quais
eram os maiores Estados, os mais importantes mercados e as principais
produções agrícolas e industriais.

Na África, as missões cristãs constituíram um fator de mudanças mais


importante na segunda metade do século XIX do que na primeira. Na
primeira metade do século XIX, a atividade dos comerciantes europeus
expandiu-se de forma muito rápida e alcançou territórios muito maiores do
que a influência dos missionários. O comércio europeu crescia rapidamente,
mas tal expansão só foi possível em virtude do sistema existente das
relações comerciais locais e regionais.

No início do século XIX, a economia de todas as comunidades africanas se


baseava na produção de alimentos por meio de uma ou mais atividades,
tais como: cultivo do solo, criação de animais, pesca e caça. Outras
atividades como, comércio, política, religião, produção artesanal e
industrial, construção, exploração de minas eram secundárias em relação à
agricultura. Além de a agricultura ocupar, neste período, um lugar essencial
na vida econômica da imensa maioria dos africanos, os diversos sistemas
de produção agrícola permitem, em grande parte, entender a estrutura das
relações sociais e políticas no seio das comunidades e as relações das
comunidades entre si.

Para Ajayi, é importante destacarmos a diversidade dos modos de produção


agrícola, apresentada pelas diferentes áreas ecológicas da África, quer se
trate dos sistemas de propriedade e de sucessão, das ferramentas básicas,
dos tipos de culturas, do uso do solo, da divisão das tarefas entre homens e
mulheres, ou ainda, da especialização das diferentes comunidades no que
concerne à escolha das culturas, ás técnicas agrícolas ou à criação de
animais. [Ajayi, 10]

Com a notória expansão da agricultura extensiva praticada pela classe


dirigente e os principais negociantes agravou a escassez de terras,
particularmente a proximidade de Kano e das outras cidades, o que levou
os pequenos agricultores a estabelecerem-se em regiões mais afastadas, a
abandonarem a agricultura para a fabricação artesanal e industrial, ou a
submeterem-se totalmente aos grandes proprietários, juntando-se a sua
clientela.

De acordo Ajayi, os exemplos de Kano e do Bunafu mostram, sob duas


formas diferentes, a influência que a estrutura política podia ter sobre o
Aprendendo desenvolvimento da agricultura na África no início do século XIX. Em Kano,
História: o sistema político era centralizado e amplamente estruturado, já os
VISÕES E habitantes de Bunafu tinham a impressão de viver sob a autoridade de um
DEBATES governo. As mudanças ocorridas no século XIX agiram nas estruturas de
Página | 284 poder, não somente ao modificar a estrutura dos Estados, como também ao
reforçar, em vários casos, as estruturas não políticas que já abrangiam o
conjunto da sociedade.

Os acontecimentos ocorridos no início do século XIX revelavam uma


tendência à centralização dos sistemas políticos e à consolidação da
autoridade real. A introdução do milho no século XVIII e a substituição das
culturas tradicionais como base da alimentação no início do século XIX
foram um dos fatores que parecem ter acarretado uma relativa
prosperidade e um crescimento demográfico que, ao agravar a concorrência
em torno da posse das terras, provocaram, por sua vez, novas tensões
sociais e políticas.

No século XIX o Mfecane foi considerado uma das principais causas das
grandes mudanças na África, explica-se em primeiro lugar pela maneira
com que o desenvolvimento social e econômico se adaptou, antes do século
XIX, a evolução histórica. Os impulsos na base do Mfecane vinham
principalmente da própria África, isso também se verifica no que diz
respeito a outros grandes acontecimentos do início do século XIX, tais como
as reformas de Mauhammad Ali e as jihad da África Ocidental.

Segundo Ajayi, a jihad recebeu seu impulso dos próprios africanos, os


soberanos que tomaram parte da jihad esforçaram-se para desenvolver a
produção agrícola, tanto nas explorações familiares tradicionais, quanto nos
grandes domínios explorados por escravos ou por clientes. Também
incentivaram a indústria e comércio, melhoraram as rotas comerciais e a
segurança dos comerciantes. Os soberanos africanos tentaram tirar partido
da atividade crescente dos europeus, mas, vítimas dessa atividade,
acabaram vendo frustrada sua esperança de renovação.

Nota-se neste contexto segundo Serge Daget, que se propôs a discutir o


tráfico negreiro e toda a extensão desse fenômeno, mostrando como o
tráfico provocou no continente africano mudanças e transformações nas
estruturas socioeconômicas e políticas. Explicando no decorrer deste
processo a profundidade de cada uma das inovações que o século XIX
proporcionou à África, além de destacar as grandes dificuldades
encontradas pelas nações do mundo ocidental para abolir o tráfico de
escravos negros. [Diagne, 12]

Como também nos textos “África no início do século XIX: problemas e


perspectivas” e “Conclusão: a África as vésperas da conquista europeia” de
Ajayi, no qual o autor apresenta as transformações ocorridas no século XIX
no continente africano, período este cercado de modificações no cenário
africano como a intensidade da atividade dos europeus e à crescente
integração da África ao sistema econômico mundial, bem como a
organização das rotas comerciais e o desenvolvimento das trocas,
destinadas a alimentar o comércio interno, eram os principais fatores que Aprendendo
contribuíram para a mudança na história da África. História:
VISÕES E
Portanto, podemos entender que o texto “África no início do século XIX: DEBATES
problemas e perspectivas” de Ajayi, é de essencial importância uma vez que Página | 285
fornece mecanismos para compreendermos o surgimento de novos fatores
de mudanças na história da África, sendo o principal deles o maior desejo
dos europeus de não apenas fazer comércio na África, mas também intervir
na vida social e econômica das populações africanas. Contudo é importante
lembrar que o comércio praticado no século XIX era o prolongamento do
que existia antes; que os homens que o inauguraram e as estruturas que o
sustentaram eram os mesmos da época do tráfico negreiro; que este
comércio se baseava, em grande medida, no tráfico interno e no trabalho
dos escravos; e, portanto, nos sistemas políticos, na rede de rotas
comerciais, nas relações sociais e econômicas e, antes de tudo, no sistema
de produção agrícola preexistentes.

Dessa maneira, podemos relacionar este texto com “as estruturas políticas,
econômicas e socais africanas durante o período considerado” de Diagne, no
qual é descrito o processo de mudanças ocorrido entre os séculos XVI e XIX
no continente africano, proporcionando transformações nas estruturas
sociais ocasionadas pelo o Islã e o cristianismo; econômicas provocadas
pelo sistema de castas que substituiu o sistema de guildas ou corporações e
a economia de pilhagem; e por fim políticas que causaram uma modificação
na própria natureza do Estado africano. Como também o texto “Conclusão:
a África as vésperas da conquista europeia” de Ajayi, no qual o autor
aborda a história da África antes da partilha, além de ressaltar o período de
profundas transformações no século XIX, uma vez que estas modificações
tiveram uma dimensão intensa, na qual estiveram ligadas tanto a fatores de
ordem interna, como a fatores que foram produzidos em grande parte sob a
influência ou mesmo provocados pela incidência das atividades dos
negociantes.

O tráfico negreiro e suas representações didáticas


Ao iniciaremos nosso debate em torno da análise das fontes devemos tomar
o cuidado de não generalizar o povo africano visto que, a África é um
continente repleto de diversidade e por isso tornasse relevante pensarmos a
ideia de multiplicidade. Assim nosso estudo tem como objeto de estudo os
livros didáticos anteriores a lei das autoras Bruna R. Cantele e M’ Bakolo, no
livro “História e Dinâmica do Brasil” de Bruna Cantele, no qual a autora
aborda o tráfico negreiro, representando o negro apenas como um mero
objeto de venda, no qual o povo africano é visto como principal elemento ou
mercadoria utilizado pelo comércio de escravos, sendo que, ela ainda trás
para a discussão as diferentes motivos pelos quais os negros se tornavam
prisioneiros. [Cantele, 83] É importante percebemos que nem todo escravo
resistiu a escravidão uns haviam passivamente enquanto que outros
utilizavam das mais diversas formas de resistências para tentar se livrar do
cativeiro.

No livro “África Negra” de M’ Bakolo, o tráfico de escravos, ou melhor,


Aprendendo dizendo o comércio regular de seres humanos, também é representando de
História: uma forma restrita, no qual o negro é apresentado apenas como uma das
VISÕES E mercadorias mais procuradas e acompanhada de outros objetos como: o
DEBATES marfim, couro e até madeira. Além, disso é importante ressaltar que antes
Página | 286 mesmo do negro se tornar um objeto para o comércio mais ou menos
regular, ele era adquirido mediante os métodos mais primitivos e violentos
como o rapto. [M’ Bokolo, 211] Nota-se através dessas informações a forma
como negro e o continente africano é representado pelos livros didáticos
apagando sua heterogeneidade e seu passado de lutas e resistências
diversos que ressalta sua multiplicidade.

Para Cantele, em relação ao comércio de escravos, os africanos eram vistos


apenas como um bom negócio para seus senhores, especialmente porque o
preço de um negro era de três a quatro vezes mais alto do que um índio.
Deste modo, com a escravidão negra forçava-se ainda mais a saída de
produtos do Brasil para a compra de escravos. [Cantele, 88] O que
identificamos trata-se de um distanciamento de discursos entre os livros
didáticos e os acadêmicos, no qual a maior parte dos livros didáticos tentam
repassar uma visão distorcida em torno do continente africano impregnada
pelas mídias que expõe a representação de um país devasto pela miséria,
fome e doenças.

De acordo com M’ Bakolo a utilização da mão-de-obra servil era realmente


um bom negócio, mas que logo no começo iniciou-se em pequena escala,
sendo empregada principalmente pelos europeus, mais em pouco tempo ela
rapidamente se ampliou tornando assim uma mão-de-obra quase que
exclusiva. [M’ Bokolo, 273] Com essas informações observa-se que diversos
livros buscam expor uma visão restrita do continente africano ressaltando
apenas o tráfico negreiro nas páginas de seus livros dando assim, pouca
ênfase para as formas de resistências que africanos utilizavam para escapar
da servidão.

Neste contexto, a mão-de-obra africana, era considerada ótima, visto que o


negro desempenhava diversas atividades importantes como: lavrador,
construtor, artifício, pedreiro, oleiro, vaqueiro, criado doméstico, ferreiro,
além desenvolver até trabalhos de fundição e forja de metais. [Cantele, 88]
Observa-se que em todo o momento o negro é apenas retratado como uma
mão de obra relevante para o comércio porém, é necessário atentarmos
para diversidade de estratégias para fugir da escravidão como a fuga para
os quilombos e até o suicido. Além disso, haviam aqueles escravos que não
resistiam a essa condição aceitando passivamente a servidão.

Segundo M’ Bokolo, a utilização desses africanos eram múltiplas, sendo que


três dentre elas se destacavam como: a domesticidade, de onde eram
empregadas principalmente mulheres que participavam de preferência nos
serviços domésticos, seja como criadas ou diaristas; já no serviço das
armas, eram os negros que participavam de maneira regular na história
militar, visto que o principal trabalho desses africanos estava veiculado
agricultura onde eram considerados como mão-de-obra altamente
produtiva. [M’ Bokolo, 223-230] Observamos através dessas informações a
construção que foi forjada ao longo dos anos em torno do povo africano, no Aprendendo
qual o olhar que se lança para ele é apenas do ponto de vista de uma História:
mercadoria, força de trabalho ou de mão de obra necessária, restringindo VISÕES E
assim, nossos alunos a conhecer a diversidade cultura, resistência e DEBATES
formação quilombola. Página | 287
Dando continuidade à nossa discussão, será analisado o livro didático
posterior à lei dos autores Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues, fazendo-se
assim um paralelo entre os livros anteriores e posteriores a lei. No livro
“Saber e fazer História” os autores continuam apresentando o tráfico
negreiro de maneira restrita, no qual o negro é representado apenas como
figurante de sua própria trajetória, onde eles expõem em seu texto a forma
como surgiu à escravidão a partir da expansão marítima, além de ressaltar
que foram os europeus os primeiros a participarem no comércio de
escravos. [Cotrim, Rodrigues, 144] Ao empreendermos uma análise em
torno dos livros anteriores identifica-se que houve pouca mudança com
relação à forma como o continente africano é representado no material
didático, haja vista que a história do povo africano é retratada com apenas
algumas páginas reforçado assim, a pouca ênfase que é dada a
historiografia negra.

Assim, as informações que encontramos nos livros didáticos posteriores a


lei a lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da África nos bancos
escolares sempre reforçam as seguintes ideias, de acordo com M’ Bokolo o
tráfico negreiro já existia, mas foi a partir do tráfico europeu que ele
começou a se expandir por diversos países e assim começou a ganhar
dimensões e amplitudes sem precedentes, expandindo-se como um
comércio altamente produtivo. [M’Bokolo, 252] Mostrando apenas o negro
como mercadoria de venda, apagando assim, sua história de lutas, desafios,
resistências e confrontos ao se depararem com uma outra realidade a qual
lhe foi imposta. Entretanto também se faz necessário salientar sua
heterogeneidade, sua diversidade haja vista que nem todos resistiram a sua
condição.

No livro dos autores Cotrim e Rodrigues também são colocadas às formas


como os africanos eram vendidos para América e como acontecia quase
todo esse processo, como por exemplo: por onde os africanos passavam
para serem transportados a outros países e assim chegarem ao seu destino
nos mercados onde seriam vendidos. [Cotrim, Rodrigues, 145] O que
observamos é apenas uma narrativa vista do ponto do outro sobre o
continente africano, carregada de uma visão restrita em torno de riqueza
tão grande de diversidade cultura.

Nas representações trazidas pelo autor M’ Bokolo, o processo pelo qual os


negros passavam para serem transportados a outros mercados onde seriam
vendidos compreendia-se em uma longa viagem em que muitos negros
acabavam morrendo devido à precariedade dos transportes e aglomeração
de negros em um único lugar. [M’Bokolo, 320-321] Nesse contexto, as
construções giram sempre em torno de uma visão que foi imposta a
sociedade como um continente onde impera a pobreza, a miséria e a fome.
Aprendendo Além de um povo que terrivelmente escravizado, sofrendo as mais terríveis
História: atrocidades, chegado a ser transportado como uma simples mercadoria
VISÕES E lançada no fundo de um porão.
DEBATES
Página | 288 De acordo com Cotrim e Rodrigues, o tráfico negreiro proporcionou a
diversos países um lucrativo negócio, sendo que este fato se comprova no
século XVIII onde o tráfico chegou a dar mais lucro para metrópole
portuguesa do que o próprio açúcar, uma vez que não foi só Portugal que
aderiu a está visão, muitos outros países entraram no tráfico entre os quais
podemos observar a presença de vários países como: a Espanha,
Inglaterra, Holanda e França. [Cotrim, Rodrigues, 147] Nota-se que mesmo
depois da instituição do ensino obrigatório da história da África há muita
coisa que precisa ser mudada com relação à forma como os negros são
representados nos livros didáticos, para que ocorra mudanças nas
estruturas pedagógicas de ensino que ao selecionar os assuntos que serão
debatidos em sala de aula tão pouca ênfase a diversidade cultural do povo
africano, além da falta de cuidado ao selecionar livros que contemple todas
culturas e povos pertencentes ao formação da sociedade brasileira.

Nesse contexto, entre suas linhas argumentativas M’ Bokolo expõe, que não
devemos colocar esse processo como o tráfico negreiro, mas sim como os
“tráficos negreiros”, sendo que está pluralidade não apenas nos remete a
diversidade das épocas que isso ocorreu e nem pelos explícitos ou não pelo
qual aconteceu, mas isto se refere aos atores desse tráfico entre os quais
encontramos todos os vizinhos de continente africano, assim como os povos
da Ásia, em particular os árabes e europeus cristãos, assim como
muçulmanos.

Portanto, a partir dos elementos aqui explicitados com base nos livros
didáticos de antes e depois da lei 10639/03, podemos perceber que com
relação à implantação da lei pouco se notou de diferença no material
didático do ensino fundamental. Deste modo, entendemos que essa pouca
relevância que é dada ao continente africano está associada à falta de
informação sobre a diversidade cultural da África e a visão preconceituosa e
distorcida em torno do povo africano. No qual o continente africano é
representado apenas como um ponto geográfico e os africanos como mão-
de-obra necessária para o tráfico. Assim como descreve Mattos:

“Não haja nem uma palavra sequer sobre a África, os africanos ou os


diversos povos daquele continente e de como participaram destes
desencontros. Elas entraram em cena na terceiras unidade, para
caracterizar “a construção da sociedade colonial”, basicamente como força
de trabalho”. [Olavia, 427]
Nesse contexto, compreendemos que nos livros didáticos continuam sendo
incorporada uma visão racista e preconceituosa sobre o continente africano,
no qual ele é representado da maneira em que é reproduzido pela média.
Como aponta Anderson:

“Reproduzimos em nossas ideias as noticias que circulam pela mídia e que Aprendendo
revelam um continente africano marcado pelas misérias guerras etnias, História:
instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. As imagens e VISÕES E
informações que dominam os meios de comunicação”. [Olavia, 421] DEBATES
Página | 289
Além disso, podemos observar que nos livros didáticos o negro é sempre
representado por figuras inferiores, sendo apresentado em “imagens
reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrando o africano e a História
da África em uma condição negativa.” [Olavia, 431-432] Reforçando uma
imagem construída pela mídia e pelos livros didáticos que constrói
representações forjada numa visão restrita do processo, dando pouca
visibilidade a diversidade cultura dos povos afro-brasileiros.

Com base no que foi apresentado percebe-se que essas informações


refletem o grande efeito das leituras dos livros didáticos e da mídia, pois as
principais associações que eram feitas aos povos africanos eram sempre
referentes a forma como eram tratados o qual apareciam na maior parte
como coadjuvantes de sua própria história e não como sujeitos históricos,
onde eram descritos apenas do ponto de vista dos conquistadores. Por isso
algumas imagens do negro como “selvagem” e “mão de obra barata” foram
no decorrer dos séculos se perpetuando.

Porém, esta falta de entendimento dos alunos com relação aos povos
africanos e a cultura afro-brasileira não se resumem apenas a ausência de
informação das escolas, mas também pela grande deficiência das políticas
públicas de valorização da diversidade cultural.

Por isso, o continente africano continua a ser visto somente como um


figurante de sua própria história, onde é representado apenas com um olhar
estrangeiro observado do lado de fora e não com um olhar de quem
vivenciou todos os dias essa realidade, que são os próprios africanos. Deste
modo, continua-se nutrindo uma série de interpretações e visões racistas e
discriminatórias, formuladas por nós mesmo como resultado de ações e
pensamentos distorcidos que vão sendo construídos ao longo dos séculos
por diversos veículos de comunicação, que apresenta apenas uma visão
negativa do continente africano.

Portanto, diante de diversas informações podemos compreender que


durante séculos os povos africanos foram vistos apenas como mercadoria
rendável ao comércio, ou seja, uma mão de obra necessária para o tráfico.
Sendo assim a história do povo africano ao longo do tempo foi contada
apenas sobre uma perspectiva a partir da visão do outro, mas hoje
podemos entender que os povos africanos são partes, e de extrema
importância não só para nossa história, mas também para nosso presente e
futuro.
Deste modo, tendo como base as leituras dos textos aqui expostos,
analisados e discutidos é de suma importância que a escola hoje assuma o
seu papel de formadora de pessoas e adquira assim um potencial
estratégico capaz de atuar para que os povos africanos deixem de ser vistos
apenas como “outro”, o qual era observado somente de longe e com
Aprendendo desprezo. E passem a ser notados com destaque e admiração que
História: merecem, ou seja, como parte de nosso maior tesouro: a diversidade.
VISÕES E
DEBATES Referências
Página | 290 Raynara Cintia Coelho Ribeiro é Mestre em História Social da Amazônia pela
Universidade Federal do Pará.

AJAYI, J. F. A de. “África no início do século XIX: problemas e perspectivas”.


In: História geral da África, VI : África do século XIX à década de 1880/
editado por J.F Ade Ajayi. Brasília: UNESCO, 2010.

HARRIS, J. E. “A diáspora africana no Antigo e no Novo Mundo”. In: História


geral da África, V: África do século XVI ao XVIII/ editado por Bethwell Allan
Ogot. - Brasília: UNESCO, 2010.

AJAYI, J. F. Ade. “Conclusão: a África ás vésperas da conquista europeia”.


In: História geral da África, VI: África do século XIX à década de 1880/
editado por J.F Ade Ajayi. Brasília: UNESCO, 2010.

DIAGNE, P. “As estruturas políticas, econômicas e sociais africanas durante


o período considerado”. In: História geral da África, V: África do século XVI
ao XVIII/ editado por Bethwell Allan Ogot. - Brasília: UNESCO, 2010.

CANTELE. R, Bruna. História e Dinâmica do Brasil (ensino fundamental),


1991.

M’ BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Salvador EDUFBA;


São Paulo: Casa das Áfricas, 2009.

COTRIM, Gilberto e RODRIGUES, Jaime. Saber e fazer História (ensino


fundamental). São Paulo, 2009

OLIVIA, Anderson Ribeiro. Estudos Afro-Asiáticos, nº3, 2003.


A EDUCAÇÃO REPUBLICANA NA AMAZÔNIA: UTILIDADE DO ESTADO,
HONRA DA NAÇÃO E GARANTIA DA REPÚBLICA (1890 - 1894)
Roberg Januário dos Santos

Neste texto, como parte de uma pesquisa de doutoramento no PPGHist – Aprendendo


UFPA, pretendo examinar a implantação do projeto educacional republicano História:
na Amazônia aplicado ao Pará, com os seguintes interesses específicos de VISÕES E
estudo: entender as relações do discurso educacional e oficial dos DEBATES
republicanos da Amazônia paraense com o ideário francês do século XIX e Página | 291
compreender a inserção de temas locais e regionais no currículo escolar.

Anos antes da Proclamação da República um dos principais críticos do


Império brasileiro, Aureliano Cândido Tavares Bastos, – natural de Alagoas
e parlamentar liberal brasileiro – na década de 1860 adiantava
pressupostos que embasariam décadas depois parte do projeto republicano
de instrução pública:

“Dai ao menino da cidade e do campo a chave da ciência e da atividade, a


instrução elementar completa; dai-lhe depois as noções de ciências físicas,
livrai dos mestres pedantes de latim e retórica, e o jovem será útil à pátria,
um industrioso, um empresário, um maquinista, como é o inglês, o norte-
americano, como é o alemão, será um homem livre e independente, e não
um desprezível solicitador de empregos políticos, um vadio, um elemento
de desordem” (BASTOS, 1862, P.38).

O cenário da instrução pública no Império do Brasil era pouco animador,


motivo pelo qual Tavares Bastos desenvolveria suas reflexões e críticas.
Segundo Irma Rizzini (2004, p.59), ao se referir ao Pará e ao Amazonas,
tomando por base o censo de 1872 “Os percentuais expõem um baixo grau
de escolarização das duas sociedades, contudo correspondiam à situação da
maioria das províncias brasileiras”.

A estrutura republicana a partir de 1889 delineava um novo projeto de


sociedade a partir de uma nova concepção educacional, como menciona
Maricilde Coelho (2008, p.70):

“A ideia de educação como fator de desenvolvimento para a nação brasileira


estava atrelada a um projeto liberal de sociedade, que via na instrução
popular um elemento de ação política que permitiria a construção da
identidade nacional e a inserção do Brasil na modernidade. [...] ao valorizar
a ciência e a cultura letrada por meio da instrução popular, as autoridades
políticas proclamavam uma nova concepção de escola, com renovados
métodos e programas de ensino, diferente das precárias escolas
elementares legadas do Império”.

Ao transmitir o governo do Estado para Lauro Sodré em 1891, Duarte Huet


de Bacelar Pinto Guedes informava em Relatório que das reformas
realizadas com a inauguração da República, a que mais se avultava era a
reforma do ensino público, que em nível paraense ficaram inicialmente a
cargo de José Verissimo, responsável pela implantação de “um plano
metódico”, “consoante com a pedagogia moderna”, o qual teria seguido o
modelo do país que à época teria mais realizações no âmbito da instrução
Pública, a França (1891, p.26). No Pará, após a chegada ao poder dos
republicanos, a instrução passou a ser um dos pontos importantes das
Aprendendo administrações do novo regime. Um dos marcos iniciais deste cenário foi a
História: chegada de José Veríssimo (1857-1916) à Diretoria Geral da Instrução
VISÕES E Pública do Pará, em 1890. Veríssimo que viria a ser conhecido
DEBATES nacionalmente anos depois com a sua chegada aos círculos intelectuais da
Página | 292 capital do país, apresentou um novo regulamento de ensino, novos
programas de ensino e cuidou de iniciar um projeto educacional mais amplo
a partir da valorização da ciência. Ele havia fundado em 1883 a revista
Amazônica para tornar conhecida uma região pouco vista pelo Brasil e no
mundo e com a Diretoria de Instrução reinaugurou o Museu Paraense.

Foi no governo de Lauro Sodré, entre 1891 – 1897, que é possível


identificar um amplo programa educacional sob o comando do citado
governador, o qual antes de assumir o governo paraense ocupou cargos na
estrutura administrativa republicana nacional e legislativo nacional: foi
secretário de Benjamin Constant no Ministério da Guerra, Secretário de
Estado da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e deputado federal pelo
estado do Pará. Como já evidenciado, foi no primeiro governo de Lauro
Sodré, visto que em 1917 ele voltou a ser governador do Pará, que foi
montado um aparelhamento cultural e educacional no Estado,
especialmente em Belém, a exemplo da transformação da antiga biblioteca
da cidade em Biblioteca e Arquivo Público do Pará, segundo Arthur Viana
(1975), ambos representavam uma instituição que honrava a história da
República.

Além destes, cita-se: a reinauguração do Museu Paraense, já citado; o


Conservatório de Música, em 1895, sendo dirigido por alguns meses do ano
de 1896 pelo famoso maestro Carlos Gomes; a Sociedade Propagadora de
Ensino juntamente com o Lyceu de Artes e Ofícios, posteriormente
Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes, em substituição a antiga
Sociedade Artística Paraense (ALVES, 2013). Segundo Moema Alves (2013),
com a exportação considerável de borracha, o contato com centro mundiais
e a navegação estrangeira na Amazônia, o fluxo e as trocas tornaram-se
algo cotidiano em cidades como Belém e Manaus, influenciando uma cultura
burguesa na elite regional. Por fim, não menos importante, deve-se lembrar
de que após o primeiro mandato de Lauro Sodré com o governo de José
Paes de Carvalho, um dos influentes fundadores do Clube Republicano do
Pará, foram criados o Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) e a
Academia Paraense de Letras, ambos em 1900. Em 1917, com o novo
governo de Lauro Sodré o IHGP foi refundado.

O projeto educacional republicano teve suas bases firmadas no processo


produzido pelos grandes impérios do mundo chamado ocidentalização,
decorrido entre 1875 e 1914. De acordo com Hobsbawm (2003, p.60):
“O que o imperialismo trouxe às elites efetivas ou potenciais do mundo
dependente foi, portanto, essencialmente a "ocidentalização". Esse processo
já estava, sem dúvida, em curso há muito tempo. Por várias décadas fora
claro, para todos os governos e elites confrontados à dependência ou à
conquista, que eles tinham que se ocidentalizar, caso contrário
desapareceriam”. Aprendendo
História:
Hobsbawm (2003, p.60) expõe que as elites dos países ocidentalizados VISÕES E
tiveram como base ideologias que datavam entre a Revolução Francesa e DEBATES
meados do século XIX quando revestiram a forma do positivismo de Página | 293
Auguste Comte (1798-1857), doutrina modernizadora que inspirou os
governos do Brasil, do México [...]”. Neste contexto é que se pode ler o
relatório da instrução pública encaminhado pelo Dr. Alexandre Vaz Tavares
ao Governador Lauro Sodré, em 1894. Vaz Tavares, Diretor da Instrução
Pública no Pará, iniciava sua apresentação pautando-se em reflexões
anteriores de um ministro da instrução da França, denominado Jules
François Simon Suisse, estadista francês, republicano que chegou a ser
primeiro ministro (1876-1877). Diante de pronunciamentos do estadista
francês que criticava a falta de realidade dos discursos governamentais com
a instrução pública primária e elementar, Vaz Tavares transplantava tal
cenário para o Brasil imputando a falta de trato com estes níveis
educacionais no Brasil, mas adiantava que vivia-se “eras novas!”, uma
menção à República. O referido Diretor da instrução Pública exaltava o que
os governos republicanos já haviam feito pela educação paraense, mas se
postava no dever de solicitar melhorias para a instrução no relatório que
apresentava, tendo em vista a expressão de sua preocupação com a
situação paraense manifestadas em questões infra estruturais, bem como a
necessidade de rever a situação de um cenário em que de uma população
avaliada em 800 mil habitantes no Pará, segundo o Diretor, subtraindo
cerca de 200 mil estrangeiros, somente uma sexta parte desta população
não era analfabeta.

Vaz Tavares, se dirigindo ao governador como homem de letras, requisitava


mais escolas primárias, com edificações modernas e higiênicas. Ele atribuía
a morosidade da instrução primária a dois fatores: a não colaboração dos
pais e o não preparo dos professores. Sua maior preocupação, como já
citado em relação aos republicanos, era a instrução primária, ponto pelo
qual, parafraseando Jules Simon, considerava que a este nível de ensino
dever-se-ia destinar “[...] todos os milhões que ela precisa e não lamenta-
os nunca” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO
SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.217). Vaz Tavares colocava
ao governador a necessidade de investimentos na educação (primária),
visto que se pautando em literatura francesa (Claud e Bernard),
demonstrava que o maior lugar do mundo seria ocupado pelas nações que
concentrassem seus esforços na cultura intelectual, nas descobertas
científicas “porque é somente pela inteligência que o homem deve dominar
e conquistar o mundo” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS
APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.217).
Consideramos que suas solicitações e sugestões de trabalho são de âmbito
amazônicas, pois direcionadas ao Pará acabam por refletir demandas da
região. A situação paraense e amazônica foi discutida tomando como
espelho a situação educacional da França. Primeiro, relembrando Jules
Simon acerca do tema da evasão escolar, Vaz Tavares relatava que “entre
Aprendendo nós” ocorria uma evasão muito maior do que na França, sendo que apenas
História: uma quinta parte das “nossas crianças” frequentavam as escolas e que duas
VISÕES E causas principais provocavam a evasão: o fabrico da borracha e a pesca do
DEBATES pirarucu. Evidenciava que a situação de alfabetização era baixa, algo similar
Página | 294 ao restante do país, informando que na agricultura, indústria extrativa e
pastoril, existia um grande número de analfabetos. Para combater a evasão
escolar, o Diretor da Instrução lançava mão de um instrumento da de
regulação do mundo burguês e base da filosofia positiva, notadamente a lei.
Ele sugeria ao Governo a possibilidade de criação de uma lei que obrigasse
aos pais a manterem os filhos nas escolas. Neste ponto respondia as críticas
feitas em discussões pretéritas no Congresso estadual acerca da
possibilidade da citada lei. Vaz Tavares argumentou a parti de três eixos:
Estado, Nação e República.

Para o Diretor da Instrução Pública paraense uma lei da obrigatoriedade do


ensino seria de utilidade para o Estado, pois este deveria se constituir em
“[...] zelador dos direitos da infância, em protetor dos fracos que se
pretende zelar” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO
AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.234). Nestes termos, o
Estado deveria ser agente ativo tornando-se útil para a educação nacional.
O tema do Estado esteve intimamente ligado ao de Nação, visto que vivia-
se no século XIX a era do nacionalismo, quando os Estados foram sendo
transformados em Estado-Nação. Hobsbawm (2003, p.126) aponta que:

"A nação" era a nova religião cívica dos Estados. Oferecia um elemento de
agregação que ligava todos os cidadãos ao Estado, um modo de trazer o
Estado-nação diretamente a cada um dos cidadãos e um contrapeso aos
que apelavam para outras lealdades acima da lealdade ao Estado - para a
religião, para a nacionalidade ou etnia não identificadas com o Estado, e
talvez, acima de tudo, para a classe”.

Vaz Tavares esclarecia ao Governador que “[...] uma Nação se engrandece,


quando, pela instrução dos seus habitantes, que faz neles gerar a dedicação
e o patriostimo” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS
APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.226).
Neste ponto, pode-se observar que o Diretor da Instrução Pública
reverberava o pensamento nacionalista reinante na Europa à época, pois,
conforme Hobsbawm (2003, p.127) o nacionalismo estatal exigia educação
elementar em massa, a principio pela alfabetização, e:

“Do ponto de vista do Estado, a escola tinha ainda outra vantagem


essencial: poderia ensinar todas as crianças a serem bons súditos e
cidadãos, Até o triunfo da televisão, não houve meio de propaganda secular
que se comparasse à sala de aula. Em termos educacionais, portanto, a era
de 1870 a 1914 foi, na maioria dos países europeus, acima de tudo a era da
escola primária”.

O nacionalismo de inspiração francesa trazia consigo a ideia de liberdade e


Vaz Tavares reproduzia tal pensamento ao considerar que “uma Nação é
tanto mais livre e independente, quanto maior é o número dos seus filhos Aprendendo
instruídos, porque a inteligência libertada e não sabe ser paciente ao julgo História:
da tirania” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO VISÕES E
SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p. 226). A ideia de instrução DEBATES
como honra da Nação era mediada pela perspectiva de liberdade. Ele ainda Página | 295
considerava que a educação de uma Nação era um bem coletivo e social, o
que garantiria a existência da moderna República. No que tange a lei de
obrigatoriedade do ensino, Vaz Tavares elencava que a liberdade deveria
estar no Estado em propiciá-la aos cidadãos através da instrução e não
liberdade entendida pela via individual dos sujeitos em procurar ou não à
escola. Neste ponto, Vaz Tavares volta a ancora-se em Jules Simon, citando
“toda a vez que se instrui um cidadão, diz Jules Simon, trabalha-se pela
liberdade. Toda vez que se impede a instrução, trabalha-se contra ela”
(1894, p.229). Debatia-se, desta feita, contra a acusação de que uma lei de
obrigatoriedade do ensino infligia às liberdades, usava-se, inclusive, dos
exemplos norte-americano, suíço, ressaltando que todos os países que
estavam na vanguarda das letras, ciências e artes admitiam o ensino
obrigatório, como Estados Unidos, Holanda, Suíça, Bélgica, Alemanha e
França, entre outros. Hobsbawm (2003, p. 127) amplia a geografia dos
países em marcha em relação à educação primária, informando que:

“Triplicou na Suécia e cresceu quase de igual modo na Noruega. Países


relativamente atrasados quiseram alcançá-los. Dobrou o número de
crianças de escola primária nos Países Baixos; no Reino Unido (que não
possuíra sistema educacional público até 1870) esse número triplicou; na
Finlândia aumentou treze vezes. Mesmo nos Bálcãs, terra de analfabetos,
quadruplicou o número de crianças em escolas primárias, e o número de
professores quase triplicou”.

Vaz Tavares voltou a sugerir medidas para tornar a instrução elementar e


primária eficaz no Pará, o que não deixava de servir ao cenário amazônico.
Com relação à fiscalização, recomendava que a população fosse dividida em
três categorias: primeiro, a população residente em zonas mais ou menos
povoadas; segundo, dos moradores de áreas mais ou menos populosas que
passavam parte do ano fora em seringais, pescarias e outros; terceiro, dos
moradores que residiam distantes e espaçadamente, mas que residiam fixo.
Para a primeira categoria, sugeria um momento do ano em que os pais que
não tinham matriculados seus filhos em uma escola pública fossem
obrigados a apresentar os filhos para exames a fim de provar que estavam
continuando a instrução que a lei previa; para a segunda categoria, indicava
que fosse criado um grupo de professores ambulantes ou que os pais ao se
ausentarem para a extração da goma elástica ou pescarias deixassem seus
filhos com famílias fixas em determinado lugar; para terceira categoria
recomendava a criação de uma classe de “explicadores ambulantes” que
demorassem de três a cinco semanas nas residências, ministrando aulas
diurnas para os pequenos e aulas noturnas para os adultos. As palavras do
Diretor da Instrução Pública do Pará expressam a preocupação com o
cenário amazônico e suas especificidades, visto que à época a economia da
borracha ocupava boa parte da população da região. Na década de 1890
vivia-se a era de ouro do produto com tamanha exportação internacional,
Aprendendo haja vista que de 1889 ao segundo semestre de 1892, a exportações da
História: Borracha pelo porto do Pará já atingiam o montante de 23.318.957 kg
VISÕES E (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO SR.
DEBATES GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, QUADRO DE EXPORTAÇÃO DA
Página | 296 BORRACHA, S/P).

Uma outra parte do Relatório de Vaz Tavares se ocupou das demandas da


instrução e dos feitos de sua Diretoria. Entre as demandas citou a
necessidade de construção de escolas, mobílias escolares e distribuição de
livros escolares, o que evidencia os problemas da instrução à época. Sobre
os livros escolares, Vaz Tavares reverbera a ideia presente no projeto
republicano de instrução pública, a saber: a padronização e distribuição de
livros didáticos. Segundo o Diretor da Instrução Pública, antes as famílias
das crianças pobres matriculadas adquiriam compêndios conforme as suas
posses, de modo que existia uma tamanha diversidade de materiais que
impossibilitavam uma padronização do processo de ensino. Com vistas à
padronização do que se ensinava, a Diretoria de Instrução comprou livros
de diversas áreas para distribuição nas escolas, uma ação tida como
progressista e de civilidade, mas Vaz Tavares registrou juntou ao
Governador o descontentamento de livros de autores paraenses terem sido
os mais caros, entre estes: Geografia Primária, de autoria de N. Novaes e o
Terceiro Livro de Leituras de Dr. Freitas. Acerca dos livros escolares, segue
relação e quantidade de livros comprados para distribuição:

Livros Autores Quantidade


Primeiro Livro de Augusto Pinheiro 7.000
Leituras
Lição de Cousa A. E. Zaluar 8.600
Gramática portuguesa João Ribeiro 1.000
2º Ano
Gramática portuguesa João Ribeiro 4.000
1º Ano
Terceiro Livro de Dr. Freitas 4.000
Leituras
Coração – leitura _ 5.000
expressiva de Amices
História Pátria Moreira Pinto 1.000
Vida Prática Félix Ferreira 500
Geografia Primária Dr. Novaes 1.000
Geometria Elementar A. da Gama 200
Aritmética Trajano 10.000
Mapa Demonstrativo dos livros escolares distribuídos aos alunos da
instrução primária do Pará, 9 de maio de 1894, in: Relatório das repartições
estaduais apresentado ao sr. governador dr. Lauro Sodré, 1894.
Por mais que os livros de autores paraenses tenham sido considerados
caros, observa-se que a intenção e a confirmação da compra dos livros
revela o interesse dos republicanos de contemplarem a história local e
regional no currículo escolar, visto que diferentemente do projeto de
unidade nacional do Império, pensado enquanto centro, o projeto Aprendendo
republicano buscava contemplar dentro de um projeto de nação – a partir História:
da federação de Estados – temas locais e regionais, especialmente no VISÕES E
campo da geografia, história e lições de coisas, como se pode observar no DEBATES
Regulamento de Ensino do Pará de 1890, item Instruções de Ensino para a Página | 297
instrução primária, quando constava entre os temas gerais sobre o Brasil os
seguintes assuntos: Geografia, a “recordação da Geografia do Pará”, a ilha
de Marajó e sua importância econômica, além dos limites físicos da região;
em História, da “conquista do Pará” ao “Pará Estado”; em lições de coisas,
metais e recursos minerais do Pará, as salinas do Pará e a riqueza florestal
do Brasil e do Pará (REGULAMENTO ESCOLAR, ENSINO PRIMÁRIO, 1890,
pp. 19 – 24). Os temas locais e regionais também eram inseridos na
educação cívica dos alunos, como se pode comprovar no livro Noções de
Educação Cívica (1898), de autoria de Hygino Amanajás, quando nomeava
de pátria o Brasil também o Pará e a região liderada pelo rio Amazonas.

Nestes termos, pode-se compreender que entre o Império e a República,


em que pese à permanência de vários problemas na instrução pública,
houve uma mudança de postura em relação à instrução primária, visto que
a educação imperial priorizava o ensino secundário e superior em
detrimento do elementar e primário, sobretudo, “[...] direcionada a grupos
sociais específicos, no geral, proprietários de escravos e terras, e que
estavam relacionados à classe dirigente” (MORAES E COELHO, 2011, p.6). A
educação republicana assumiu a perspectiva de reformar a sociedade pela
instrução a partir da instrução elementar e primária, bem como por um
conjunto de ações e instituições que, embalados pela filosofia das luzes,
pretendiam reformar a sociedade a partir da base escolar – com a instrução
primária – e o restante da população mediante outras ações e instituições
tidas como educadoras a serviço do progresso e da civilização em
consonância com os ideais de civismo, patriotismo e moralidade.

Referências
Roberg Januário dos Santos: Doutorando em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Pará. Professor efetivo
da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa.

AMANAJÁS, Hygino. Noções de Educação Cívica: para uso nas escolas


primárias do Estado do Pará. Belém: impresso na tipografia do Diário
Oficial, 1898.

HOBSBAWN, E. A Era dos Impérios (1875-1914). 8º Edição. Paz e Terra:


Rio de Janeiro, 2003.

RELATÓRIO COM QUE O CAPITÃO TENENTE DUARTE HUET DE BACELAR


PINTO GUEDES PASSOU A ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ EM 24
DE JUNHO DE 1891 AO GOVERNADOR LAURO SODRÉ. Typografia Oficial,
Belém, 1891.

ALVES, Moema de Barcelar. Do Lyceu ao Foyer: exposição de arte e gosto


no Pará da virada do século XIX para o século XX. Dissertação de mestrado
em História – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências
Aprendendo Humanas e Filosofia, departamento de História, 2013.
História:
VISÕES E RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos
DEBATES meninos desvalidos na Amazônia Imperial / Irma Rizzini. – Rio de Janeiro:
Página | 298 UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004.

RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO SR.


GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ EM 1894. Belém: Tipografia do Diário
Oficial, 1894.

COELHO, Maricilde Oliveira. A escola primária no Estado do Pará (1920-


1940). Tese apresentado ao programa de pós-graduação em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2008.

REGULAMENTO ESCOLAR: ensino primário. Pará: Imprensa de Tavares


Cardoso & Ci., 1890.

MORAES, Felipe Tavares de; COELHO, Wilma de Nazaré Baía. A República e


a Educação na Província do Pará (1886 - 1889): o discurso de uma
educação republicana. Simpósio Nacional de História, ANPUH, 2011.

BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Cartas ao Solitário. 2ª edição. Rio de


Janeiro: Typografia Atualidade, 1863.

VIANA, Arthur. A Biblioteca e Arquivo Público do Pará – resumo histórico.


Brasília: Bibliotecon, 3 (1), jan/jun, 1975.
EDUCAÇÃO HISTÓRICA NA FORMAÇÃO CONTINUADA:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Sueli de Fátima Dias
Flavio Batista dos Santos

Aprendendo
Nessa reflexão partimos de dados que integram investigações em História:
desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação, na VISÕES E
Universidade Estadual de Londrina e que buscam na interlocução com DEBATES
professores de História, na Escola Básica, no Estado do Paraná, reconhecer Página | 299
apropriações da Educação Histórica e seus significados nos processos de
aprendizagem da disciplina.

Consideramos a Educação Histórica no contexto das discussões do ensino


de História e como pensamento que vem se intensificando nas duas últimas
décadas no Brasil. Conforme Pina (2012) esse contexto é abrangente e
diversificado. Aborda questões relativas aos métodos, materiais, introdução
de diferentes linguagens em sala de aula, busca de inovações, entre outras.
Temáticas recorrentes e estreitamente relacionadas à formação de
professores.

É um processo que pode ser considerado de formas distintas e desde a


introdução da disciplina no currículo escolar brasileiro, no século XIX, que,
conforme aponta Nadai (1993), atentava para o ensino da história da
civilização, ou mais especificamente, para a história da Europa Ocidental,
entendida como modelo para o ensino e para a aprendizagem
acompanhando, em grande parte, o trajeto histórico da disciplina. Schmitd
(2012) oferece uma sistematização para auxiliar na compreensão desse
caminho a partir de 4 fases assim definidas - construção do código
disciplinar da História no Brasil: 1838 – 1931; Consolidação do código
disciplinar da História no Brasil: 1931-1971; Crise do código disciplinar da
História no Brasil: 1971-1984; A reconstrução do código disciplinar da
História: 1984/...

As três primeiras fases que citam a construção, consolidação e crise do


código disciplinar representam a multiplicidade de ideias e ações que ora
fortificaram ora retiraram a autonomia da disciplina nos currículos
brasileiros e na formação de professores. Um reforço de tal afirmação é a
observação da deliberação da Lei nº 5.692 de 1971 que introduziu a
disciplina de Estudos Sociais nas escolas de 1º Grau concorrendo para que
os conteúdos da área fossem abordados em caráter mínimo e
generalizantes, além da implantação das Licenciaturas curtas que executou
uma formação aligeirada e polivalente para a áreas das ciências humanas.
Importante ressaltar que a Lei nº 5.692 de 1971 “foi anunciada como
grande renovação no ensino. Entretanto, ela vinha consolidar uma série de
medidas e estratégias educacionais adotadas paulatinamente após o golpe
militar de 1964” (FONSECA, 2006, p. 23).

Nessa conjuntura e diante das condições sociais e políticas do país, o ensino


de História e a formação de seus professores seguiu padrões pré-
estabelecidos e que pouco aprofundaram as especificidades da disciplina,
nem havendo maior interação entre produção acadêmica e trabalho dos
professores na Escola Básica, pois

“o professor formador ensinava o futuro professor a trabalhar com as


Aprendendo ferramentas mais usuais: livro, quadro e giz. Isso significava que o
História: professor formado nesse modelo deveria apenas ater-se a determinadas
VISÕES E técnicas que promovessem o repasse mecânico do conhecimento produzido
DEBATES pelos doutos, aqueles investigadores que detêm e produzem o
Página | 300 conhecimento científico” (MESQUITA; ZAMBONI, 2008, p.133).

As maiores mudanças começaram a surgir por volta da década de 1980.


Fase que Schmitd (2012) qualifica como reconstrução do código disciplinar
e período de lutas tanto pela redemocratização do país como pela retomada
da autonomia e princípios da disciplina de História. De acordo com Nadai
(1993) surgiram diferentes propostas e discussões que tendiam para a
renovação do ensino ou até para o reforço do conservadorismo, porém
essenciais por representarem o movimento de discussão na área. Dentre os
trabalhos pioneiros desse período destacam-se as pesquisas e atuação de
Dea Fenelon (2008) criticando a formação a partir de “uma colcha de
retalhos” e a manutenção de um ensino de História arraigado às bases
tradicionais, enciclopédico, sem interação com a realidade, demasiado preso
aos saberes considerados clássicos, informativos e incontestáveis,
patrimônio dos livros e universidades.

Pina (2013), ressalta que as considerações de Fenelon apontavam para a


necessidade de reestruturar o ensino de História e a formação dos
professores em novas bases, como “pensar o presente, unir ensino e
pesquisa, pensar história enquanto construção também a partir do cotidiano
e enquanto movimento a partir do princípio que todos a fazem em todos os
espaços” (PINA, 2013, p.2).

Pesquisadores como Abud (2005), Cabrini (1987), Fonseca (1994, 2003,


2005, 2006), Fonseca (2006), Schmtidt; Cainelli (2004), Zamboni (2005),
entre outros, investigaram tal processo de discussão e em diversos espaços
como universidades, Secretarias de Educação, sindicatos e associações de
professores. Registraram análises demonstrando interesse nas abordagens
da aprendizagem como relação social construída e partindo da valorização
das experiências de vida dos sujeitos.

A influência dessas discussões nas práticas pedagógicas foi observada tanto


em propostas institucionais e em documentos norteadores, como na
realização de experiências alternativas, com mudanças metodológicas e
incorporação de “diferentes linguagens e recursos de ensino, tais como
música, literatura, filmes, TV, história em quadrinhos e outros documentos”
(FONSECA, 1994, p.86).

Nesse ínterim o ensino de História consolidou-se como objeto de pesquisa


ampliando-se para abordagens que abarcam o método, concepção e teoria
da História como campo de conhecimento científico. É parte de um processo
e sua importância está reafirmada nas considerações de Abud ao destacar
que

“Há cerca de quatro décadas vimos assistindo à introdução de novas


concepções da história, que já alcançaram a organização de currículos e a
atuação de professores e que modificam o ensino e promovem inovações Aprendendo
teóricas e métodos renovados, substituindo as velhas práticas consagradas História:
de ensinar história, que valorizavam sobretudo, o fato político, o herói e a VISÕES E
data. Concepções renovadas da disciplina conduziram em busca de novos DEBATES
objetos, de novos temas e sujeitos que passaram a compor os currículos Página | 301
escolares e mostraram caminhos trilhados pela pesquisa sobre o ensino de
história, ao buscar o significado para sua existência” (ABUD, 2013, p.10).

Para a autora as propostas se direcionam à formação de professores e às


práticas pedagógicas também pela legislação e organização de documentos
norteadores como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9.394/96 (LDB), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Diretrizes para
a formação de professores, Diretrizes Curriculares estaduais, entre outros.
No entanto, nesse processo de repensar o ensino de História e ampliando as
possibilidades de análise, percebeu-se a necessidade da “construção de
uma teoria da aprendizagem histórica referenciada em uma cognição
situada na própria história” (SCHMITD, 2012, p.88).

Assim, na busca de fundamentar as práticas pedagógicas, a compreensão e


atuação no cotidiano escolar, aliando ensino, pesquisa e aprendizagem da
história, vem se consolidando no Brasil, nas duas últimas décadas, a
Educação Histórica. É um aporte teórico-metodológico embasado no campo
da Didática da História, com fundamentações no pensamento de Jorn Rüsen
e nascido da interação com o desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao
ensino de História na Inglaterra, Alemanha e Portugal, desde os fins do
século XX.

A Educação Histórica reúne investigações acerca do pensamento e ação dos


sujeitos a partir da compreensão da História, em espaços escolares ou além
deles e está se constituindo numa rede de pesquisa que envolve variadas
instituições por intermédio de seus laboratórios ou grupos de estudo.

O Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH) ligado à


Universidade Federal do Paraná (UFPR) destaca-se dentre os pioneiros e
grande líder nas investigações e discussões dessa temática. No entanto, as
práticas se disseminam também por outras instituições como a
Universidade Estadual do Londrina UEL), Universidade Estadual do Centro-
Oeste – PR (UNICENTRO), Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (FEUSP), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), Universidade Federal de
Goiás (UFGO), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), entre
outros polos dos Estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande
do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Bahia, Goiás, onde se destacam
investigações a respeito da cognição em História e os sentidos que lhe são
atribuídos.
São inúmeras as contribuições para a valorização do conhecimento histórico
observadas nos trabalhos desenvolvidos no campo da Educação Histórica
organizadas, em quase 20 anos de publicações, em teses, dissertações,
relatos de experiência, comunicações em eventos como as Jornadas,
Aprendendo Encontros, Simpósios, Congressos e nelas destacamos importantes
História: parâmetros para a formação de professores como o entendimento que
VISÕES E
DEBATES “definitivamente, os professores de história precisam saber que devem
Página | 302 abandonar o pressuposto de que aprender história significa acumular
conhecimentos, mesmo que adotando metodologias ativas e lúdicas e que
aprender história não é manter-se no nível do senso comum ou adquirir
bom senso a respeito das questões do passado” (SCHMITD; URBAN, 2018,
p.18).

De acordo com as autoras e apoiando-se nas concepções de Rüsen a


Educação Histórica apresenta-se como (re)significação do ensino de História
promovendo aprendizagens que atribuam sentido à compreensão dos
eventos estudados, às experiências temporais e favoreçam a tomada de
ações que contribuam com o compromisso cidadão do sujeito.

No intuito de conhecer a extensão da Educação Histórica na formação de


professores observamos pela interlocução com profissionais, em exercício
na Escola Básica, no Estado do Paraná que as apropriações desse aporte
teórico-metodológico, no caso dos investigados, ocorreram mais
intensamente no processo de formação continuada que na formação inicial.
Dialogando com professores em diferentes fases do exercício da profissão,
ou seja, aqueles que estão iniciando a carreira, no meio dela ou próximos a
aposentadoria e com formação inicial em diferentes momentos, registramos
que estes relatam o contato com concepções da Educação Histórica mais
comumente no período de exercício da função.

Os professores citam percepções da Educação Histórica a partir da


construção coletiva ou estudos para aplicabilidade de documentos
norteadores das práticas pedagógicas como o texto das Diretrizes
Curriculares de História (DCE), em estudos descentralizados como o
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), Grupo de Trabalho em
Rede (GTR) e cursos de formação específica para a disciplina como o DEB
Itinerante e o dia de Formação em Ação.

As Diretrizes Curriculares de História (DCE), (PARANÁ, 2008), destacam a


aprendizagem da História a partir da perspectiva da formação da
consciência histórica. Embasada na teoria de Jorn Rüsen e nas
considerações de Barca, ressaltam que a aprendizagem em História se dá
quando professores e alunos investigam as ideias históricas, além de
considerar a narrativa histórica como princípio organizador dessas ideias.
Apresentam elementos da Educação Histórica como novo aporte teórico
metodológico para o ensino de História, no entanto, não citam tal vocábulo
em seu texto.
O PDE é um programa da formação continuada lançado pela SEED-PR, em
2007, porém, suspenso desde o ano de 2017. O GTR é uma das extensões
do PDE e quando o professor cursista compartilha com os colegas, em
cursos na modalidade à distância, sua temática de estudos e o projeto de
intervenção pedagógica que desenvolve.
Aprendendo
No período em o PDE foi realizado, professores eram liberados, em 100% História:
de sua carga horária no primeiro ano e em 75% no segundo ano, para VISÕES E
cumprir um plano de estudos em uma Instituição de Ensino Superior e DEBATES
desenvolver um projeto de intervenção na realidade de sua escola. Nos Página | 303
documentos que o legitimaram foi considerado

“uma política pública que estabelece o diálogo entre os professores da


Educação Superior e os da Educação Básica, através de atividades teórico-
práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e
mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense.
(PARANÁ, 2009).

Este programa promoveu múltiplas interações e pode ser tratado como


experiência de reconhecimento e valorização do saber docente
fundamentando-se nas diferentes necessidades da prática. Estabeleceu
também parcerias entre a universidade e a escola como seu lócus de
formação reforçando o processo ensino e aprendizagem como ponto de
partida e chegada da pesquisa. Nos arquivos de seus estudos encontramos
experiências de ensino e pesquisa fundamentadas na Educação Histórica.

Das considerações dos professores reforçamos o interesse pela formação de


professores reconhecendo-a, como destaca Mizukami (2013), como um
movimento vagaroso, dependente das condições e experiências
profissionais e das vivências pessoais. Podendo ser compreendida como
uma junção das iniciativas e interesses do profissional com as exigências
legais e responsabilidade das instituições e mantenedoras do trabalho
docente. Mas, de extrema importância para o desenvolvimento do Sistema
educacional e construção do conhecimento científico.

Atentamo-nos, ainda mais, para a formação continuada, pois com seu


sentido abrangente foi sempre carregada de uma série de nomenclaturas
como formação permanente, em serviço, continuada, capacitação, entre
outros. São chamamentos que demonstram mais divergências de
concepções que tratamentos semânticos e, por esse motivo, devem ser
organizadas para cumprir responsabilidades e compromissos com a ação de
ensinar e aprender e os seus sentidos. Outra questão para promover
reflexão é que, sob nenhuma hipótese, deve ser preterida como política
pública.

É a formação continuada em seus mais variados processos, que pode


oferecer o encontro com novas possibilidades de abordagens e
(re)significação da atuação, inclusive apresentando novas concepções
teóricas do ensino da disciplina, além de diferentes espaços de discussão
como a Educação Histórica.
Referências
Sueli de Fátima Dias – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
Educação na Universidade Estadual de Londrina (UEL), Professora de
História – Secretaria de Estado da Educação – Estado do Paraná (SEED-PR),
Aprendendo orientanda pela Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli.
História: Flávio Batista dos Santos - Doutorando no Programa de Pós-Graduação em
VISÕES E Educação na Universidade Estadual de Londrina (UEL), Professor de História
DEBATES – Secretaria de Estado da Educação – Estado do Paraná (SEED-PR),
Página | 304 orientando pela Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli.

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e aprendizados. 5ª ed. Campinas: Papirus, 2006.

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pesquisadores na área de ensino de História. In: ARIAS NETO, J. M. (Org.).
Dez anos de Pesquisas em ensino de História: VI encontro nacional de
pesquisadores de ensino de História. Londrina: AtritoArt, 2005. p. 31-35.

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A ESCOLA FASCISTA: A FILOSOFIA IRRACIONALISTA
INSTITUCIONALIZADA
Tiago Tormes Souza

Aprendendo Este trabalho tem como objetivo apresentar a escola no Terceiro Reich como
História: uma reação a escola liberal e o racionalismo, além da institucionalização da
VISÕES E filosofia irracionalista. Usando a psicologia das massas como uma teoria
DEBATES para a hierarquia patriarcal estar presente na ideologia nazista na escola.
Página | 306
O Surgimento da ideologia fascista
O fim da Grande Guerra trouxe a alteração da geopolítica mundial, a
dissolução do Império Alemão, da Rússia Tsarista - enterrada com a
Revolução Bolchevique de 1917, do Império Otomano e do Império Austro-
Húngaro. Alterando o mapa europeu com novos Estados-Nação
independentes com conflitos de razão cultural.

O lado vencedor também viu seu prestígio se esfacelar com o término do


conflito mundial. A França prendeu-se em um revanchismo contra o Estado
alemão e sua indústria destruída. O Império Britânico manteve-se, afundado
em dívidas e sem condições de controlar seu império global, principalmente
na Índia e no continente africano.

Os Estados Unidos foi um dos poucos países beligerantes a se manter


relativamente estável, entrando no conflito apenas em 1917. Com
superprodução e sendo o credor dos países europeus, proporcionou um
boom econômico e o despontou como a nova grande potência ocidental.

Nos principais países industriais da Europa, a população se encontrou


amargurada e desolada. O esforço da guerra total, a morte de seus
familiares e conhecidos e os “caras-quebradas” que inundaram as cidades
trouxeram a radicalização e o ódio de diversas camadas sociais contra o os
governos que os conduziram ao massacre.

Na República de Weimar a situação foi mais crítica, o orgulho do militarismo


prussiano, as sanções impostas pelo Tratado de Versailles e a hiperinflação
radicalizaram o pensamento da população alemã.

O Partido Comunista Alemão (KPD) teve o maior número de votos em sua


história, “em 1920 o partido ocupara apenas 4 lugares no Reichstag, já, em
maio de 1924 [...] o partido conseguiu ocupar 62 cadeiras no parlamento”
[in Ferraz, 2009, p.95]
Em 1932 conseguiu 100 cadeiras no Reichtag, mas não conseguiu convencer
uma parcela da população, a classe média baixa.

Uma nova força política surgia na Alemanha, o Partido Nacional-Socialista


dos Trabalhadores Alemães, inspirado pelo Partido Fascista de Benito
Mussolini na Itália e pela filosofia irracionalista.
O fascismo tornou-se a principal ideologia da classe média baixa do campo e
das cidades, o que possibilitou a vitória de Adolf Hitler nas eleições de 1933
e posteriormente, se tornar o Führer.

A Ideologia e a massificação da Classe Média


Ideologia é um conjunto de pensamentos e crenças da sociedade e de seus Aprendendo
indivíduos. Ela se altera de acordo com a localidade e com o tempo, mas História:
sempre retém elementos mais arcaicos. Então, o Estado busca a hegemonia VISÕES E
dessa ideologia para manter sua coesão e poder através de seus Aparelhos DEBATES
Ideológicos, Porém, cada um deles acaba sendo relativamente independente Página | 307
e têm seus próprios interesses, mesmo que o objetivo desses aparelhos seja
a manutenção da ideologia hegemônica. Como a igreja e a escola que
acabam por conflitar pelas questões seculares e religiosas nas escolas.

A classe média baixa insere-se em dois contextos distintos no campo e na


cidade, mas partilham de semelhanças que os levaram a uma polarização
política, voltada principalmente para a extrema-direita. Pois havia o medo
da proletarização e a influência da ideologia patriarcal judaico-cristã.

A religião tem um grande controle sobre os aspectos psíquicos das famílias


que a circundam, o controle sexual e a moral são derivadas dessa
aproximação da família com a Igreja. O patriarca é extremamente místico e
moralista, exercendo coerção sobre a sua mulher e seus filhos. A violência e
a hierarquia patriarcal garantem seu controle sobre o seu núcleo familiar,
causando grande repressão sexual e uma aversão a qualquer idéia
considerada “liberal” ou “socialista”, pois ela vai contra as suas ideologias
tanto religiosas quanto políticas, causando um desconforto, pois sua
situação como o chefe da família está comprometida.

A ciência, principalmente aquela apresentada aos seus filhos na escola laica,


é vista com desconfiança e medo, sendo considerada uma deturpação dos
dogmas cristãos e um atentado a sua legitimidade.

A crise econômica agrava o seu medo, pois além de estar sujeito à


intervenção das políticas de Estado em sua família, a crise econômica, esta
causada pelas próprias políticas dos governos liberais, pode o levar a sua
proletarização e a perda de seu lugar na hierarquia social e o status de sua
família. Nessa situação extrema ele se radicaliza, mas não é um
revolucionário e também não é um reacionário, como explica Reich:

“o trabalhador médio tem em si uma contradição; que ele não é nem


nitidamente revolucionário nem nitidamente conservador, mas está dividido.
Sua estrutura psíquica resulta, por um lado, da situação social (que prepara
o terreno para atitudes revolucionárias) e, por outro, da atmosfera geral da
sociedade autoritária — dois fatores que não se irmanam” [in Reich, 1988,
p.39]

Os fascistas não se apresentaram como revolucionários em suas campanhas


e também não se apresentaram como favoráveis ao grande sistema
econômico. Construíram um discurso em que o seu governo não repetiria as
barbáries do governo soviético e não seguiriam os planos dos governos
imperialistas que conduziram à Grande Guerra.

A educação liberal
A educação pública surge como uma forma de preparar tecnicamente os
Aprendendo trabalhadores para o trabalho nas fábricas. Além disso, de constituir uma
História: ideologia aliada aos preceitos democráticos do Estado burguês emergidos
VISÕES E com a Revolução Francesa.
DEBATES
Página | 308 Caberia, ao mesmo tempo, ao Estado, dividindo com a família e a Igreja, a
educação de seus cidadãos. De acordo com Durkheim é papel do Estado
educar suas crianças e combater os pensamentos retrógrados baseados na
religião e família pois são reacionários e:

“ousam negar aberta e diretamente: o respeito pela razão, pela ciência,


pelas ideais e sentimentos que constituem a base da moral democrática” [in
Durkheim, 2010, p.48]

A educação seria a coluna que sustenta a ideologia burguesa, formando


seus cidadãos na ideologia liberal e mantendo a legitimidade do Estado-
Nação.

Na escola pública, o misticismo da religião foi abolido. A hierarquização


derivado do patriarcalismo, em partes, deixaria de existir no espaço escolar.
Todos os alunos são iguais, abaixo apenas do professor e da administração
da escola, os valores isonômicos deveriam imperar frente a autoridade
paterna da violência, sem diálogo e baseando-se no misticismo e na
repressão sexual.

O misticismo é abandonado das escolas, mesmo havendo o ensino religioso,


a ciência passa a ser o norte de toda a educação pública laica. A gramática,
história, filosofia, matemática, física e química são os alicerces de uma nova
sociedade baseada no progresso da indústria, moral democrática e da razão.

A ascensão do fascismo ao governo trouxe um combate ao pensamento e


ideologias racionalistas que se estenderam ao sistema educacional. Uma
nova forma de educar os jovens para o novo nacionalismo que tomava a
Europa.

A escola fascista e irracionalista


A chegada ao poder do Nacional Socialismo trouxe um novo modelo político
e uma nova ideologia à Alemanha. Para que seus objetivos totalitários
alcançassem a população de forma efetiva, seria necessário coagir as
massas com uma nova hegemonia ideológica, que substituísse as ideologias
liberais e socialistas.

Houve uma reforma educacional em todos os níveis em que todos os


professores deveriam pertencer ao Partido Nacional-Socialista e serem
favoráveis ao Reich.
As disciplinas ministradas foram radicalmente alteradas e foram renomeadas
como: “Química Alemã”, “Matemática Alemã”, “História Alemã” e etc. A
educação física foi posta como uma das principais disciplinas, tanto
professores quanto alunos deveriam estar sempre exercitando-se com o
objetivo de construir o corpo ariano ideal e prepará-lo para a vida militar.
Aprendendo
As ciências foram tomadas pelo irracionalismo nazista com conteúdos História:
totalmente alterados para justificar a ideologia nacional-socialista e sem VISÕES E
nenhum compromisso com o método científico e a razão iluminista. O DEBATES
Führer era contrário aos professores racionalistas e a pedagogia, pois Página | 309
considerava que a educação afastava os alunos daquilo que realmente
importava, a defesa da nação alemã.

O irracionalismo é um ramo da filosofia que tomou força no final do século


XIX, tendo suas maiores influências em Nietzsche e Kierkegaard, sendo um
ecletismo entre esses filósofos nihilistas e revisionistas marxistas, tornando-
se uma filosofia reacionária que tenta destruir a ideologia burguesa e
socialista junto com o intelectualismo e o racionalismo. Fazendo o
imediatismo sua grande proposta como explica Belli:

“Ao invés de compreender a racionalidade como uma realização abstrata


que visa superar os limites da observação imediata da realidade, o
irracionalismo considera a racionalidade como a própria observação direta”
[in Belli, 2017, p.16]

A escola nazista deixa de ser uma instituição racionalista baseada na ciência


e passa a ser uma instituição irracionalista arraigada na hierarquia militar e
sua estrutura de massa artificial, que para Freud: “certa coação externa é
empregada para evitar sua dissolução e impedir mudanças em sua
estrutura.” [in Freud, 2011, p.46]

Um movimento de massas necessita de estímulos para continuar existindo,


no fascismo a presença de um líder e uma estrutura hierárquica são
extremamente importantes para a continuidade da ilusão e
consequentemente da massa.

A massa respeita a força e a violência da autoridade, buscando no líder uma


segurança que não existiria fora da massa, obviamente, essa segurança é
apenas uma ilusão construída que contagiam outros indivíduos.

A institucionalização desse pensamento na escola - a propaganda fora do


ambiente escolar sendo um grande catalisador , fortalecem a massa,
transformando os elementos violentos e de massa primitiva em valores
morais.

O combate à razão e ao indivíduo são implementados na escola, nenhum


cidadão estaria fora do coletivismo da nação alemã e todas as suas
disciplinas estavam ligadas ao Estado-Nação e seus cidadãos. Uma educação
reacionária que busca construir uma realidade semelhante àquela anterior
ao iluminismo e a Revolução Francesa, mesmo que de forma
essencialmente idealizada.

“Por não concordar com as novas bases instauradas, e ainda discordando


das antigas, é proposta uma nova modalidade de entendimento do mundo
Aprendendo baseada na irrazão; uma forma de conhecimento negadora da crítica
História: científica e assentada de maneira bastante curiosa numa forma de saber
VISÕES E imediatista, próxima a do senso-comum. “ [in Belli, 2017, p.49]
DEBATES
Página | 310 Esse imediatismo leva o ensino como um meio para atingir a finalidade
militar, formar soldados e trabalhadores, pois seria necessário para uma
expansão territorial baseada na ideia de “espaço vital” do Reich. A reflexão e
a crítica científica seriam inúteis para isso, já que a guerra não demandaria
isso dos jovens, apenas o aperfeiçoamento técnico demandado pelas
operações em campo.

O jovem seria preparado para obedecer aos seus superiores. A autoridade e


o respeito pelo docente seriam essenciais para formar um grande exército
alemão que responderia mais agilmente as ordens.

Alicerçada em uma estrutura paramilitar, a educação nazista traz consigo a


estrutura libidinal do exército em que “o general é o pai, que ama
igualmente todos os seus soldados, e por isso eles são camaradas entre si.”

Como liderança, o Füher assumia o papel arquetípico de pai, seus eleitores,


ou melhor, o patriarca e a esposa da família nuclear alemã assumem o
papel arquetípico da grande-mãe,, obedecendo a uma estrutura hierárquica
construída pela cultura tornando-se os intermediários entre o füher e seus
“filhos”, os jovens a serem educados na escola e futuramente à Wehrmacht.

A educação familiar é baseada no medo e no recalcamento sexual das


gerações mais jovens, usando da violência (forma coercitiva) e ideológica
(forma coesiva) como a religião, a moral e a autoridade paterna. A educação
totalitária assume então o papel patriarcal da família, assumindo sua
estrutura coesiva.

O professor como membro interino do Partido Nacional-Socialista está


subordinado diretamente ao Führer, o professor seria o mais próximo que o
jovem na escola poderia estar dele, constituindo uma relação libidinosa
entre o “pai” e o “filho”.

Esse indivíduo durante toda a sua vida estaria ligada a uma relação
patriarcal de subordinação, primeiramente subordinado ao seu pai, depois
aos professores e por fim ao seu superior na Wehrmacht e reproduzir isso a
geração seguinte. Mas em todas essas fases o Führer estaria como um ser
onipresente, governando sua ideologia e psique.

Conclusão
Movida pelo irracionalismo, a educação do Terceiro Reich tornou-se um
Aparelho Ideológico do fascismo. Combatendo o racionalismo, essa
educação buscava formar o novo exército alemão e a manutenção do
Governo Nacional-Socialista.

As reformas educacionais realizadas pelo governo demonstraram a força do


totalitarismo e sua expansão, trazendo uma hegemonia ideológica e um
monopólio do poder sem escala, controlando a psique da população em sua Aprendendo
vidas públicas e privadas. História:
VISÕES E
Envolvidos pela massa, essa população foi facilmente manipulada e tornou- DEBATES
se extremamente crédula no Führer e violenta com seus opositores. Página | 311
Fazendo uma idealização da guerra e da sociedade patriarcal.

Referências
Tiago Tormes Souza é graduando em História/Licenciatura pela FURG
Email: tormes.tiago@gmail.com

BELLI, Rodrigo Bischoff. O Irracionalismo como Ideologia do Capital: Análise


de suas expressões ideológicas fascista e pós-modernista. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de
Filosofia e Ciências: Marília, 2017.

DURKHEIM. Émile. Educação e Sociologia: São Paulo. Hedra, 2010

FERRAZ. João Grinspum. Ordem e Revolução na república de Weimar.


Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo(
USP), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas: São Paulo, 2009

FREUD,Sigmund. Psicologia das Massas e análise do eu e outros textos


(1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011

REICH,Wilhelm. Psicologia das Massas do Fascismo. São Paulo: Martins


Fontes, 1988
"A LINDA HISTÓRIA DO MEU PAIZ": ELEMENTOS DO IMAGINÁRIO
REGIONAL PAULISTA (1932)
Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg

Aprendendo Este estudo se insere na temática da história do livro didático sendo


História: relacionada a formação de um determinado imaginário acerca do Estado de
VISÕES E São Paulo. Tem o objetivo de desvelar as marcas regionais, as evidências e
DEBATES características do regional paulista, no livro didático para ensino de história
Página | 312 pátria denominado: "A linda história do meu país" de autoria de Cesar
Prieto Martinez.

Os livros didáticos materializaram-se no cotidiano escolar tanto as


aspirações, quanto nos conflitos, nos ideários e nos imaginários dos
diferentes projetos políticos, culturais e ideológicos em disputa.
(BITTENCOURT, 2008, p. 25). Assim compreende-se que a sociedade
letrada paulista e o Estado utilizaram-se de estratégias para controlar e
direcionar o saber a ser difundido através do livro didático. (FREITAG,
MOTA, DA COSTA, 1989).

Da Primeira República à Era Vargas a questão do nacional torna-se uma


constante seja através da opção pelo federalismo no alvorecer da República,
ou na centralização proposta pelo Estado Novo, os diferentes elementos e
propostas de constituição da nação transparecem no discurso dos membros
da Comissão de Revisão de 1918. Esses debates sobre nacional e regional
ganharam diferentes formas e ressonâncias, seja sob a forma de
separatismo, nos debates da imprensa advento do movimento de 1887
(ADDUCI, 2000), seja pela construção desta lembrança heroica do
bandeirante (BITTENCOURT, 1990), desta "Raça de Gigantes" Expressão
correspondente ao título da obra publicada em 1926, por Alfredo Ellis
Júnior, indicado por Velloso (1984) como um membro do grupo Verde-
Amarelo, dedicado a elevar a contribuição paulista na literatura e história
brasileira. Desta forma, incorre na representação do paulista como herdeiro
de uma tradição de modernidade, como forma de confirmar sua vanguarda
no processo civilizatório, culminando com a recorrência da Revolução
Constitucionalista de 1932 (CERRI, 1996), imaginário que se rompe na
instauração do Estado Novo em 1937 (COELHO, 2015).

A referencialidade do termo imaginário constituí-se num elemento vivo e


constante nas diferentes relações cotidianas, torna-se político, recorrente
nas diferentes relações de poder.

"O domínio do imaginário não se limita a isso: a política, queremos dizer, as


práticas políticas e não apenas as pretensas ideologias, possuem a
arbitrária e a esmagadora inércia dos programas estabelecidos; a "parte
oculta do iceberg" político da cidade antiga durou quase tanto quanto o
mito; sob a ampla roupagem pseudoclássica com a qual nosso racionalismo
banalizador a envolve, teve delineamentos estranhos que só a ela
pertencem." (VEYNE, 1984, p.133)
Neste sentido tanto as diferentes concepções do que seria este imaginário
acabam transcendendo seus elementos, signos e práticas, para a realidade
transbordando seja para a política, a cultura, constituindo instituições, e
imbricam-se nas histórias particulares; um discurso de ficção que se torna
realidade na memória das pessoas, assim, este imaginário não só não pode
ser recusado pois constituí e substituí a tanto verdade e quanto a realidade, Aprendendo
Trata de uma acepção absoluta da verdade envolta pela “fabulação”. História:
(VEYNE, 1984, p.130). VISÕES E
DEBATES
"...as construções imaginárias representam a realidade não de um ponto de Página | 313
vista, mas, como própria aceitação da verdade. Compreendendo que a vida
em sociedade é uma constante construção histórica, uma alternância de
ideologias; um derrubar constante de verdades alcunhadas supremas ou
intransponíveis enveredam um constante diálogo social." (NICARETA,
ABBEG, 2016a, p.578)

Este livro de Martinez (1932), desta forma, não se encontra isolada entre
outras produções que abrangem a mesma necessidade ou difundem a
mesma ideologia, mas, corrobora por incorporar no seu discurso, imagem e
signo o ato de enaltecer uma identidade particular para o paulista forjando
ou contribuindo para a constituição deste imaginário.

O livro de Cesar Prieto Martinez (1932) "A linda História do meu País" teve a
primeira edição publicada em 1930, aprovado pela "Seriação de livros
didacticos para o exercicio escolar de 1930", no Diário Oficial do Estado de
São Paulo, em 14 de janeiro de 1930. Editado pela Livraria Francisco Alves,
sendo indicado para o 4ª ano do ensino primário. Possuí 40 capítulos e 251
páginas.

Este livro apresenta a maior incidência de marcas regionais, com citações


diretas sobre o Estado de São Paulo, sendo encontradas menções em 167
páginas. Desta forma, São Paulo está presente em 67% páginas do livro,
que pelo título trata da "linda" história do "meu país". Segundo Abud (2004,
p.99) este livro é exemplo da ação civilizatória voltada a expressar o
destino progressista de São Paulo.

A capa da primeira edição é colorida, amarelo e preto, tem ao topo


esquerdo no céu escuro a inscrição da "Série Vida Escolar", sendo ilustrada
com barcos portugueses tendo ao fundo um monte, que pode ser tanto o
Monte Pascoal na Bahia, como local da chegada dos portugueses ao Brasil;
quanto o Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, pela semelhança de imagem. Ao
centro do livro, traz o título em duas linhas, seguido do nome do autor. Na
parte inferior ao título, tem-se a imagem do Edifício Martinelli a direita, logo
abaixo uma plantação de café com trabalhadores a direita, e, a esquerda
compondo a imagem Dom Pedro I montado a cavalo com fardamento ilustre
e com a espada desembainhada e erguida ao alto.

Na parte inferior direita há o texto "Livraria Alves" Na quarta edição a cor


da capa muda para verde e preto mantendo as mesmas ilustrações, sendo
acrescido a folha de rosto, na qual consta: a menção a "Série Vida Escolar",
o título, a aprovação da Diretoria Geral de Instrução Pública, a destinação
da obra para o quarto ano do curso primário, a edição, nome do autor,
nome da editora e respectivos endereços e por fim ano de publicação. O
conteúdo de ambas edições se modificam minimamente pela tipografia de
algumas páginas e a correção de alguns erros de grafia.
Aprendendo
História: Os discursos de grandiosidade, modernidade, pioneirismo paulista
VISÕES E fomentam a constituição de imaginários específicos. Mitos são criados e
DEBATES recriados e sujeitos históricos são personalizados, extirpadas de sua
Página | 314 nacionalidade para representarem um "tipo" paulista considerado símbolo
do desenvolvimento próprio e particular demonstrado pelo Estado, como o
bandeirante.

"A base discursiva para o regionalismo nessa versão é a agressiva


afirmação da distinção regional como o equivalente da superioridade,
geralmente acompanhada pela reivindicação de que a região em questão é
desproporcionalmente responsável pela grandeza e sustentação da nação."
(WEINSTEIN, 2007, p.283)

Mais que responsável, o bairrismo apresentado, tinha a pretensão de


discriminar as demais regiões as inferiorizando. A representação das
imagens presentes na obra de "A linda história do meu paiz", de Martinez
(1932), surge como um ponto de evidencia em tal estratégia, uma vez que
São Paulo é representada por arranha-céus, construções modernas, ícones
do processo de desenvolvimento econômico, social e cultural; enquanto as
imagens do Rio de Janeiro demonstram arquiteturas arcaicas,
remanescentes do período colonial e imperial.

O texto foi todo construído numa prosa contínua, como uma história do
primeiro ao último capítulo, não há uma coletânea de textos, envolvendo
apenas uma narrativa e diálogos principalmente entre três personagens,
dois americanos, Senhores Kendal e Wilson, e um Brasileiro denominado Sr.
Campos.

Os "excursionistas" assim definidos por Martinez, percorrem no texto o


Brasil de São Paulo, para o Norte e Sul, passando por diversos Estados, não
todos, retornando à São Paulo. A referência não é explícita a Campos Sales,
pois este aparece como personagem histórico, responsável por "erguer o
pais" (MARTINEZ, 1932, p.132).

Segundo Abud (2004, p.100) o texto da apresentação indica que o livro


trata da história do Brasil, todavia, a maior parte aborda temas ligados a
São Paulo, e continua como ponto de referência para a maioria dos demais
capítulos.

Na apresentação do livro denominada "Ao leitor", Martinez (1932, p.3-4)


argumenta em favor do objetivo de ensino da história pátria:

"O ensino da historia, segundo o moderno conceito, deve, principalmente


concorrer para a formação clara da idéa de patria, afim de que o individuo,
recebendo, em tempo oportuno, o influxo dessa idéa, possa ser um bom
patriota, convicto de seus deveres e direitos. O nosso pais reclama tal
ensino, mais do que nenhum outro. Basta considerar a enorme massa
popular formada de raças as mais diversas, que se infiltra dia a dia no
povoamento do sólo. Para os filhos desses imigrantes, principalmente, é
preciso escrever obra nossa, eminentemente nossa, que retrate de maneira Aprendendo
a mais viva o Brasil de hoje, de hontem e de amanhã. O ensino História:
proporcionado pelas escolas oficiaes ou particulares deve ser VISÕES E
essencialmente nacional. A propria literatura infantil necessita de DEBATES
preocupar-se, exclusivamente, com assuntos brasileiros." Página | 315
O ensino de história devem formar o patriota, mais que converter o
imigrante em brasileiro deve proporcionar a formação nacional. Martinez no
seu primeiro relatório enquanto Inspetor Geral do Ensino no Paraná, já
evidenciava esta questão de diversas "raças", pois considerava que o ensino
das escolas estrangeiras “desnacionalisa a infancia” (PARANÁ, 1921, p.23).
Não foram encontradas menções ou referências nos textos analisados de
que Martinez fosse contra a imigração ou contra qualquer "raça", apenas
suas críticas dirigidas às escolas estrangeiras, que deveriam ao seu ver ser
fechadas (PARANÁ, 1921, p.24), e a preocupação com a formação dos filhos
dos imigrantes, conforme se observa na apresentação do livro.

No primeiro capítulo do livro, "Uma grande cidade", os turistas americanos


visitam a Capital paulista. Na primeira frase do diálogo há a exclamação: " -
Como é grande S. Paulo!" (MARTINEZ, 1932, p.5). Neste diálogo, entre os
Srs. Kendal e Wilson, e Sr. Campos, descrevem sua visita a Capital, e
conforme o "auto" (carro) ia rodando pela cidade "...as exclamações
explodiam seus lábios." (MARTINEZ, 1932, p.5). Os americanos no texto
comparam São Paulo a Chicago, e no deslocamento, vão sendo citados
diversos bairros: Vila Mariana, Jardins Paulista, Vila Pompéia, Perdizes,
Lapa, entre outros. As qualidades são de grandiosidade, tudo é na casa das
centenas de automóveis, bondes, pontes e milhares de casas e pessoas,
atributos de progresso, tecnologia e modernidade. As imagens presentes no
texto são do Edificio Martinelli1, qualificado por Martinez (1932, p.9) como
um arranha-céu: "...talvez a maior construção de cimento armado do
mundo." A imagem impressa no livro é notadamente distorcida
apresentando um pé direito mais alto, dando mais altura que uma imagem
comum, artifício que não é utilizado nas outras imagens do livro.

O Edifício Martinelli foi projetado pelo arquiteto Wilmos Fillinger, húngaro


formado em Viena, e construído pelo Comendador Giuseppe Martinelli,
possuí 105 metros e foi o maior arranha-céu da cidade até 1947,
ultrapassado pelo Edifício Joseph Gire. As outras imagens são vistas
parciais da Igreja de São Bento e do Braz, designado como o "bairro das
industrias" (MARTINEZ, 1932, p.12). As imagens fotográficas visam
fornecer uma prova visual da grandiosidade da cidade, uma demonstração
do poder econômico e político.

No capítulo seguinte intitulado "Salve, São Paulo!" Martinez exclama a


história da primitiva São Paulo de Piratininga. Nesta história, o Palácio dos
Campos Elíseos, sede do governo estadual, foi o local onde D. Pedro I,
ainda príncipe teria se hospedado, e como afirma Martinez (1932, p.15):
"Poucos dias depois de nele ter habitado, proclamou a independencia e ali,
dentro daquelas paredes, escreveu o Hino da Independencia e lavrou os
primeiros atos de seu Governo, inclusive a formação do exercito nacional."
Aprendendo A estrutura da escrita sugere que a independência ocorreu por ter habitado
História: o Palácio, e este serviu de inspiração do hino e para a formação do exército.
VISÕES E Nas páginas seguintes, anuncia o grito do Ipiranga, realizado em terras
DEBATES paulistas, e retoma a história de São Paulo e a presença dos jesuítias:
Página | 316 Manoel de Paiva, Manoel da Nóbrega e José de Anchieta. (MARTINEZ, 1932,
p.17). Estes responsáveis pela criação da cidade, na qual resolveram ficar e
em 25 de janeiro 1554, realizam a missa solene para fundar a "futura
cidade", e por ser dia consagrado a São Paulo, o povoado foi batizado com
este nome. (MARTINEZ, 1932, p.18).

O terceiro capítulo "Uma palestra interessante" trata de uma palestra


realizada para empresários no Hotel Esplanada, onde apresenta as
benfeitorias realizadas em São Paulo, encerrando com os caminhos que
levam a Santos: a São Paulo Railway e a "Estrada do Vergueiro", que foi a
principal rota rodoviária que ligava São Paulo a Santos até a construção da
Via Anchieta em 1947.

O quarto capítulo denominado "Informações Preciosas" continua trazendo


informações a respeito de São Paulo, tendo início num passeio dos
personagens após o jantar, pela esplanada do Teatro Municipal. Martinez
(1932, p.27) destaca a iluminação pública por luz elétrica, o viaduto
"...coalhado de povo, de bondes e de autos", o Teatro Municipal e o Palácio
da Light, a Praça do Patriarca e a Praça da Catedral. Martinez (1932, p.28-
30) imprime no texto a grandiosidade da nova Catedral, que será "...o
maior e mais belo templo da América do Sul."

No próximo capítulo "O Ipiranga", os personagens partem para Santos, mas


antes passam pelos local histórico da independência. Ao descer a rua da
Glória, Martinez (1932, p.34) apresenta: "Agora, em vez de casas de
negócio, eram grandes fábricas, muitas das quais iluminadas. Em São Paulo
trabalha-se dia e noite." Desta forma, Martinez (1932) promove a mística
de uma cidade moderna, industrial, onde o trabalho nunca para.

Os livros didáticos tornam-se potenciais explicadores não apenas como


profusão das políticas estatais, mas enquanto elementos formais voltados à
formação das mentes, quanto aos primeiros anos escolares, tornam-se
instrumentos simbólicos, culturais e políticos, sobre os quais se pode
apropriar um determinado projeto, determinadas concepções de homem e
sociedade, revelando enlaces e seus embates na superação de dada
situação ou sua mera conformação. As marcas foram encontradas com
maior incidência em alguns autores, que proclamaram diferentes formas de
pensar a paulistanidade. Refletir sobre o passado implica em atuar sobre
seus objetos.
"Assim, a ação de pensar sobre o tempo passado, a constituição de crenças,
costumes, do próprio cotidiano envolvem diferentes tipos de julgamentos,
tidos como verdades, mas foram construídas sobre uma suposta premissa
de serem únicas, onipotentes, numa congregação analógica. Uma
construção sobre este imaginário social parte da verdade se constitui como
objeto histórico concreto, uma vez que se materializa nas relações sociais Aprendendo
as quais representa e é representado. Transforma-se num instrumento vivo História:
e vive constante nas diferentes relações sociais, torna-se político, VISÕES E
recorrente nas diferentes relações de poder." (ABBEG, NICARETA, 2016a, DEBATES
p.2) Página | 317
A existência de marcas do regionalismo paulista encontradas em livros
publicados por diferentes editoras, não permite afirmar que houve uma
ação de intervenção política pelo viés editorial. A própria incidência destas
marcas em diferentes autores, editoras, mesmo que pontualmente permite
afirmar que o imaginário constituiu-se a partir da imagem de progresso,
desenvolvimento e modernidade. Elementos que convergiram para
constituir uma imagem da paulistanidade, proclamada, impressa e difundida
nas escolas paulistas no referido período de estudo.

Referências
Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg – Mestre em Educação (UNIFESP), e,
Pedagogo da Rede Estadual de Ensino do Paraná e Professor da Rede
Municipal de Araucária.

ABBEG, V. A. J. O.; NICARETA, S. E.. Anonimato literário e imaginário


feminino: a obra "Cartas sobre a educação das meninas" (1838).
ENCONTRO NACIONAL DISCURSO, IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE. Anais do
Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, Teresina-PI, 27 a
29 de abril de 2016a. Teresina: UFPI, 2016. p.1-12.

ABUD, K.M. Progresso e trabalho: da vila bandeirista à Chicago brasileira.


Revista USP, São Paulo, n.63, p.94-101, set.-nov. 2004. Disponível em
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13370/15188 Acesso
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ADUCCI, C. C.. A "Patria Paulista": o separatismo como resposta à crise


final do Império Brasileiro. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial,
2000.

BITTENCOURT, C. M. F. Pátria, civilização e trabalho: o ensino de história


nas escolas paulistas (1917-1939) São Paulo: Loyola, 1990.

BITTENCOURT, C. M. F. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo


Horizonte: Autêntica, 2008.

CERRI, L.F. Non ducor, duco. A ideologia da paulistanidade e a escola.


Campinas, 1996. 214 fls. Dissertação (Mestrado em Educação - Metodologia
de Ensino) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.
COELHO, G. L. S. O bandeirante que caminha no tempo: apropriações do
poema “Martim Cererê” e o pensamento político de Cassiano Ricardo.
Goiânia, 2015. 368 fls. Tese (Doutorado em História) – Universidade
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FREITAG, B.;MOTA, V.R.; DA COSTA, W.. O livro didático em questão. São


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História:
VISÕES E MARTINEZ, C. A linda história do meu paiz. 2.ed. Rio de Janeiro; São Paulo;
DEBATES Belo Horizonte: Editora Francisco Alves, 1932.
Página | 318
PARANÁ. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário Geral de Estado
pelo Professor César Prieto Martinez, Inspetor Geral do Ensino, 1920.
Curitiba: Tipografia da Penitenciária Geral do Estado, 1921. p.1-34.

NICARETA, S. E.; ABBEG, V. A. J. O.. Imaginário social e literacia na


educação histórica. BUENO, A.; ESTACHESKI, D.; CREMA, E. (orgs.). Por
um outro amanhã: apontamentos sobre aprendizagem histórica. Rio de
Janeiro/União da Vitória: Edição LAPHIS/Sobre Ontens, 2016b. p.577-582.

VEYNE, P. Acreditavam os gregos em seus mitos? São Paulo: Brasiliense,


1984.

WEINSTEIN, B. Racializando as diferenças regionais: São Paulo x Brasil,


1932. Esboços - Revista do Programa de Pós-Graduação em História da
UFSC, Florianópolis, v. 13, n. 16, p. pp. 281-303, out. 2007. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/133>. Acesso
em: 1 set. 2016.
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO, SUAS INCONSISTÊNCIAS E O
LUGAR DAS CIÊNCIAS HUMANAS
Walace Ferreira
Diego Cavalcanti de Santana

Aprendendo
A problemática e os engodos da reforma História:
O uso de medida provisória como instrumento de mudanças estruturais em VISÕES E
políticas públicas expõe um governo com dificuldades de diálogo junto à DEBATES
sociedade. Reside nesse aspecto a primeira característica antidemocrática Página | 319
da reforma do ensino médio durante o governo Temer. Sua aprovação no
Congresso também foi acelerada, impedindo uma discussão mais profunda
entre estudantes, professores e profissionais da área educacional a fim de
avaliar os reais impactos desta medida.

Deve-se registrar que há anos o assunto vinha sendo pauta de debates,


com projetos em discussão nos fóruns educacionais e no próprio Congresso
Nacional, o que foi desconsiderado pela MP 746.

O recurso utilizado para tentar aproximar a população da reforma consistiu


na disseminação de propagandas que cultivaram principalmente a
expectativa de desengessamento do ensino médio e o suposto ganho de
autonomia do estudante. Aplicou-se, ainda, o discurso do caos para
justificar as mudanças aceleradas impostas pelo governo, explorando
informações sobre os problemas existentes nesta etapa de ensino, como o
alto índice de evasão e o baixo desempenho dos alunos em avaliações
padrões nacionais.

Uma observação mais atenta, todavia, nos revela a opção por uma reforma
seletiva em lugar de um investimento ampliado baseado em experiências
que, embora tenham sido pouco aplicadas na rede pública, são
consideradas de sucesso nos locais onde ocorreram. Como destacado por
Moura e Filho (2017):

“Ao fazer política de terra arrasada sobre o EM público, o discurso oficial


omite experiências positivas, em particular no ensino médio integrado à
educação profissional (EMI) realizado em inúmeras escolas estaduais e na
rede pública federal (Cefet, Institutos Federais, escolas vinculadas às
universidades federais, Colégio Pedro II e UTFPR). Tais escolas se destacam
em qualidade porque, dentre outras razões, reúnem o que em linhas
anteriores denominamos condições de funcionamento necessárias, aliadas à
concepção de formação humana integral, com a integração entre ciência,
tecnologia, cultura e trabalho como eixos norteadores do currículo”
(MOURA; FILHO, 2017, p. 120).

Devemos ressaltar que as escolas em tempo integral no Brasil são em


maioria privadas e destinadas às famílias de classes médias e altas, haja
vista seu alto custo. Segundo dados do Censo Escolar de 2016, somente
6,4% dos alunos do ensino secundário encontravam-se em tempo integral à
época da pesquisa.
Se a ideia da reforma de ampliação do ensino médio das atuais 2.400 horas
para 3 mil horas parece interessante num primeiro momento, a grande
incógnita reside na inviabilidade de sua aplicação na rede pública sem que
haja financiamento estatal de peso, a considerar a redução de
Aprendendo investimentos que a educação pública tem vivido. Ao contrário, pode gerar
História: uma dificuldade a mais para os gestores educacionais terem de resolver.
VISÕES E Como apontado por Mocarzel, Rojas e Pimenta (2018, p. 169):
DEBATES
Página | 320 “A reforma apresenta-se como um problema para os gestores dos sistemas
de ensino e também para os escolares, que terão que reorganizar espaços,
buscar orçamento para construir mais salas de aula, contratar mais
professores, comprar mais merenda escolar”.

Ademais, pode gerar uma dificuldade adicional para o estudante trabalhador


que, num contexto de crise econômica, tem saído cada vez mais cedo de
casa para trabalhar e contribuir junto à renda familiar. Como manifestado
pelos mesmos autores:

“O açodamento da medida, sem consulta prévia é seu maior problema,


acompanhado do perfil do aluno do Ensino Médio, que muitas vezes
trabalha e contribui com a renda familiar e que talvez não tenha interesse
ou condições de permanecer na escola durante 7 horas, o que pode agravar
o problema da evasão, que é uma constante no Ensino Médio” (MOCARZEL,
ROJAS, PIMENTA, 2018, p. 169).

A pressa na aprovação da Lei também foi alvo de críticas pelo meio


acadêmico, posto que a reforma foi divulgada com alguma antecedência da
Base Nacional Curricular Comum (BNCC), cuja resolução do ensino médio
somente foi aprovada no dia 04 de dezembro de 2018, sendo homologada
pelo MEC no dia 14 de dezembro de 2018. A previsão é de que as etapas do
ensino fundamental e médio sejam implementadas no início do ano letivo
de 2020.

O texto da Base segue a reconfiguração do ensino médio apregoada pela


reforma, separando o ensino por áreas (Ciências Humanas, Ciências da
Natureza, Linguagens e Matemática), além de indicar apenas português e
matemática como disciplinas obrigatórias nos três anos. Uma das principais
críticas a BNCC questiona a ausência de um detalhamento dos conteúdos
das áreas de ciências humanas e ciências da natureza.

A maneira ampla e genérica que as competências são abordadas, provocou


novas críticas ao documento da BNCC aprovado. Um dos possíveis
desdobramentos desse não detalhamento dos conteúdos e habilidades é a
ampliação das desigualdades escolares entre os estados, desencadeada
pelas diferentes condições de investimento, representando mais um desafio
de implementação nas diferentes realidades do país.

Com relação ao aumento de carga horária do ensino médio, apenas 1.800


horas serão destinadas aos conteúdos das disciplinas obrigatórias,
encaixadas dentro das áreas definidas pela BNCC. As demais 1.200 horas
serão destinadas ao caminho escolhido pelo estudante dentre os itinerários
disponíveis, sendo cinco eixos formativos: linguagens, matemática, ciências
da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. A
perspectiva subjacente de escolha do estudante, contudo, esconde um
engodo. A flexibilização é da oferta a ser definida pelas escolas e sistemas Aprendendo
educativos e não de construção de itinerários de formação dos estudantes, História:
a partir dos seus interesses e aspirações em suas escolas e municípios, VISÕES E
como o governo passado quis fazer crer (OJ, 2017). DEBATES
Página | 321
O ponto central a ser ressaltado é que, conforme a nova Lei, não há
obrigatoriedade de oferta de todos os eixos formativos pelas escolas,
ficando a cargo de cada instituição definir quais efetivamente serão
oferecidos aos estudantes. Observando os problemas de infraestrutura da
maioria das escolas públicas, como a ausência de instalações físicas
adequadas, bibliotecas, laboratórios, espaços para a prática esportiva e
atividade artístico-culturais somos levados a imaginar que muitos serão os
obstáculos para que as escolas ofereçam todos os itinerários formativos.

Há um risco real de que os sistemas educativos não ofereçam itinerários


nas áreas em que há pouca disponibilidade de professores. Se isso
efetivamente acontecer, jovens da rede pública encontrar-se-ão diante da
falsa possibilidade de escolha, ao invés de uma ampliação, caracterizando
uma lógica dual segundo a qual uma oferta de ensino sem igualdade de
condições poderá acentuar ainda mais as disparidades educacionais do país.

Os estudantes oriundos de famílias com melhor condição econômica


poderão se formar em quaisquer dos itinerários formativos, já que poderão
pagar pelas escolas que realizam essa oferta, enquanto os estudantes de
escolas públicas terão de se contentar com o que for oferecido pela unidade
que frequentam (PENNA, 2017).

A relação com o mercado


As características desta MP convertida em Lei evidenciam a visão neoliberal
que encampa as modificações educacionais efetuadas pelo governo Temer e
que, a considerar as promessas de campanha, tendem a continuar no
governo Bolsonaro. O ensino médio, orientado, segundo a Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), para “uma formação comum com vistas ao exercício da
cidadania e ao fornecimento dos meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores” (BRASIL, 1996, art. 22), com a reforma, aproxima-se
do mercado.

Devido à ausência de professores de todos os itinerários formativos na rede


pública, esse sistema poderá ser levado a priorizar a “formação técnica e
profissional” uma vez que, para atuar nesta área, está autorizada a
contratação de “profissionais com notório saber”. Trata-se de uma
equivocada percepção de que basta saber o conteúdo para poder transmiti-
lo, quando na verdade a formação docente necessita de ampla formação
desenvolvida por diversos eixos pedagógicos dos cursos de licenciatura.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) fazem uma crítica a essa concepção
utilitária e mercadológica que privilegia a inserção dos estudantes no
mercado de trabalho à sua formação humana integral:

“A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido


Aprendendo historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a
História: ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da
VISÕES E preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado,
DEBATES escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-
Página | 322 tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana,
o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador
o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a
atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua
sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das
relações sociais subjacentes a todos os fenômenos” (FRIGOTTO, CIAVATTA,
RAMOS, 2005 apud MOURA, FILHO, 2017, p.85).

Pacievitch, Motin e Mesquida (2008), advertem que os parâmetros


curriculares com os quais nos deparamos constituem uma formação
pragmática destituída ao máximo de conteúdos que envolvam a capacidade
do indivíduo de colocar o mundo sob análise, de modo que o trabalhador
egresso da instituição escolar torna-se quase tão somente adestrado para o
trabalho.

Com a possibilidade de a Lei 13.415 dar mais espaço à atuação da rede


privada de ensino, avança-se às orientações liberais que marcam o atual
estágio do capitalismo e que o Brasil tem visto crescer no pós-impeachment
de Dilma Rousseff (PT). No ideário neoliberal, o Estado reduz seus
investimentos sociais em nome da liberdade de mercado, resultando na
precarização da educação pública a despeito dos discursos de negação e de
proclamação da sua prioridade.

O reforço deste posicionamento ocorre especialmente em tempos de crise,


escondendo a natureza sistêmica e até mesmo necessária destas crises
para a reconfiguração do capitalismo, tal como explicado por Frigotto
(2017):

“Sendo o capitalismo uma sociedade de classe e frações de classe, na


ganância pelo lucro (...) a história nos mostra que tem se resolvido por
guerras, revoluções e golpes. Por outra parte, trata-se de uma sociedade
que tem em sua estrutura a crise como o seu motor. Uma crise cada vez
mais profunda e que o seu enfrentamento se efetiva por destruição de
meios de produção e de forças produtivas, em particular eliminando direitos
das classes trabalhadoras” (FRIGOTTO, 2017, p. 18-19).

A reforma, com isso, apresenta-se como aliada aos interesses de mercado


predominantes na educação brasileira cujos representantes enfrentam
significativos prejuízos após um período de altos ganhos econômicos nos
anos 2000. Nesse sentido, Cunha (2017) salienta:
“Há alguns anos o segmento privado do Ensino Superior está em crise.
Depois de vários anos de acelerado crescimento, para o que não faltou
apoio governamental, as falências de faculdades, centros universitários e
até de universidades levaram a uma concentração institucional sem
precedentes. Grandes grupos se formaram a partir de capital nacional e
internacional, absorvendo pequenas e médias instituições. Agora, até as Aprendendo
grandes se fundem e disputam o mercado” (CUNHA, 2017, p. 373). História:
VISÕES E
Diante deste cenário, e mediante a atual orientação política na área DEBATES
educacional, Cunha (2017), valendo-se de um suporte histórico, traça um Página | 323
horizonte de relevante preocupação:

“Política educacional “contenedora” no Segundo Grau/Ensino Médio, para


desviar demanda do Ensino Superior, já tivemos na ditadura e no octênio
Fernando Henrique Cardoso. Estamos destinados a repetir o passado?
Presumo que pode ser ainda pior do que isso. Durante a ditadura, não
faltaram propostas de transferência das universidades públicas para o setor
privado, pelo menos para que elas passassem a cobrar mensalidades a
preço de mercado. Tais propostas não se concretizaram devido à grande
resistência de estudantes e professores, assim como pelo aumento da
oferta de vagas nas universidades e faculdades privadas. Hoje, o caldo de
cultura ideológica favorece a adoção de tais medidas, que podem funcionar
como contraponto à penalização das instituições privadas, que perderam
parte das benesses do FIES” (CUNHA, 2017, p. 383).

As ciências humanas no ensino médio e os impactos da reforma


O estreitamento do currículo, com a retirada de disciplinas de demarcada
importância, compromete a qualidade do ensino e vai contra a concepção
de formação integrada que busca munir o estudante de instrumentos
essenciais à compreensão de sua realidade.

Observemos que, na nova Lei, está prevista apenas a obrigatoriedade de


“estudos e práticas de Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia”. Com
isso, não se determina a obrigatoriedade das disciplinas, mas apenas de
seus estudos, deixando em aberto a preocupante possibilidade de como
esses conteúdos serão desenvolvidos.

Ao se refletir sobre o lugar de disciplinas de Humanas na educação básica,


em particular da Sociologia, da História, da Geografia e da Filosofia, é
possível afirmar que suas aulas proporcionam ao estudante o contato com
ferramentas de potencial análise do mundo de forma crítica e abrangente,
permitindo aos jovens a interpretação do cotidiano com a consciência de
que os fenômenos políticos, econômicos, geográficos e culturais são fruto
de um amplo processo histórico e social.

Essa perspectiva emancipadora faz com que estas disciplinas despertem o


enfrentamento de defensores de uma educação conservadora. Como
materialização da ofensiva contra algumas áreas formativas, a primeira
proposta de reforma oferecida pelo governo Temer retirava a
obrigatoriedade, Filosofia e Sociologia do currículo, assim como de Artes e
Educação Física. Após forte mobilização social, o texto final foi modificado
pelo Congresso, passando a apresentar a já mencionada obrigatoriedade de
“estudos e práticas” destas disciplinas.

A reforma do ensino médio e a elaboração da BNCC ilustram o recente


Aprendendo contexto de disputas na sociedade brasileira. Ao optar por um documento
História: mais amplo, não definindo as habilidades a serem estudas nas áreas de
VISÕES E ciências humanas e ciências da natureza, por exemplo, o governo mais uma
DEBATES vez explicita sua dificuldade em dialogar com os profissionais que
Página | 324 apontaram as prováveis consequências negativas dessa indefinição, tal
como um aumento das desigualdades já existentes no âmbito educacional.

Essa abordagem mais genérica dos conteúdos já tinha sido exposta durante
o processo de elaboração da BNCC para o ensino fundamental. Os temas
relacionados a gênero e orientação sexual foram direcionados para a parte
de ensino religioso em uma das últimas versões do documento, medida
bastante criticada pelos educadores. No entanto, tais habilidades, que
seriam trabalhadas no 9º ano do ensino fundamental, sequer foram
apresentadas na versão final do documento divulgado pela Comissão
Nacional de Educação. Desta forma, temáticas de grande relevância para a
formação dos estudantes passaram a compor o documento de maneira
implícita, fato que dificulta a abordagem de temas como a violência contra a
mulher, gravidez na adolescência e homofobia, por exemplo.

Considerações Finais
Tendo em vista o cenário descrito, preocupa-nos as possíveis consequências
da Lei 13.415/2017, principalmente no que se refere ao acesso efetivo à
educação pública, uma vez que as alterações propostas podem servir
apenas para acirrar as disparidades já existentes.

Ao se implementar os itinerários formativos no ensino médio, será


suprimida a diversidade de conhecimentos presentes nessa etapa de ensino,
reduzindo o contato dos jovens da rede pública à conteúdos fundamentais
para sua formação humana e cidadã.

Como defendido por Ferreira e Filho (2017), um indivíduo dotado de


habilidades e competências para manejar os preceitos da democracia e da
cidadania transita melhor em ambientes marcados pela diversidade,
contribuindo de forma determinante para a afirmação e para a ampliação de
direitos.

É preocupante que a nova Lei não tenha tratado de questões realmente


estruturantes da educação brasileira, como as condições de infraestrutura
da rede pública ou das condições do trabalho docente nas escolas públicas
do país, fatores imprescindíveis para um ensino de qualidade. Não parece
que o caminho para atacar os problemas do ensino médio seja o estímulo
da formação para o mercado, tampouco a abertura para os interesses do
capital, mas sim o investimento numa escola pública de qualidade e que
valorize todo tipo de conhecimento.
Referências
Walace Ferreira é doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ e Professor Adjunto
de Sociologia no CAp-UERJ. E-mail: walaceuerj@yahoo.com.br

Diego Cavalcanti de Santana é mestrando em Ciências Sociais no


PPCIS/UERJ. E-mail: diego.dimassantana@gmail.com Aprendendo
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