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INTRODUÇÃO:

VERDADE E CONCÓRDIA

"A verdade vos tomará livres." Cada vez me parece


mais evidente essa promessa evangélica: a verdade é a
própria condição da liberdade, porque o erro - para não
dizer a falsidade - conduz inevitavelmente à servidão.
Grande parte dos males deste mundo, aqueles que são
em princípio evitáveis - porque dependem dos com­
portamentos humanos e não da estrutura da realidade -,
procede das más relações com a verdade, que podem
chegar à aversão por ela, a levá-la a ser considerada o
inimigo que deve ser evitado ou destruído. A falta de
clareza sobre isso faz que não se entenda grande parte
do que ocorreu ao longo da história e continua acon­
tecendo na atualidade.
Não só a liberdade é conseqüência da verdade, de
sua descoberta e de sua aceitação. A concórdia o é igual­
mente. Convém não confundi-la com a unanimidade,
nem mesmo com o acordo. A diversidade do humano,
a índole conflituosa, exclui a homogeneidade, a unani­
midade, que sempre é imposta, precisamente à custa
2 TRATADO SOBRE A CONVIVÊNCIA

da verdade, de seu desconhecimento ou falsificação.


O desacordo é muitas vezes inevitável. Mas pode ser
confundido com a discórdia.
Esta é a negação da convivência, a decisão de não
viver juntos aqueles que discrepam em certos pontos,
em algumas questões em que o acordo não parece pos­
sível. As diferenças não podem levar ao esquecimento
dos elementos comuns, nos quais se funda precisa­
mente a possibilidade da convivência. E essa palavra
me parece valiosa; em muitas línguas não existe, sen­
do substituída pelo vocábulo "coexistência", que é algo
muito diferente .
Coexiste tudo o que existe juntamente e ao mes­
mo tempo. As coisas coexistem, e o homem com elas;
conviver é viver juntos e se refere às pessoas como tais.
Isto é, com suas diferenças, com suas discrepâncias,
com seus conflitos, com suas lutas no âmbito da con­
vivência, dessa operação que consiste em viver juntos.
Isso é precisamente a concórdia, cuja condição é o
escrupuloso respeito ao que é verdade, ou seja, à estru­
tura da realidade, o que exclui a homogeneidade, a una­
nimidade, que escassas vezes existe; e igualmente o
desconhecimento dos fatores comuns, desde a condição
humana até a contemporaneidade, isto é, a pertinên­
cia a um mundo que, se não é uno, está em presença e
no quadro de um sistema de relações mútuas; e, sem
dúvida, todas as unidades históricas, sociais, culturais,
não menos reais que a diversidade e as diferenças.
Viver, para o homem, não é um empreendimento
demasiado fácil. Ele não tem outra solução senão acer­
tar; sua vida é permanente insegurança; não dispõe de
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um sistema eficaz de instintos que orientem e regu­


lem seu comportamento; tem projetos, sendo neces­
sário decidir se são ou não factíveis, e se são conciliá­
veis com os dos outros homens. Por essa razão, o erro,
tão raro na vida animal, é a ameaça constante da vida
humana. Por isso, o homem não pode senão pensar,
usar a razão, que nem sempre possui em grau neces­
sário, mas de que - e isto é o decisivo - precisa, sem a
qual não pode viver humanamente.
Se se observa o mundo atual, vê-se que está cheio
de conflitos, com freqüência atrozes, que se procura evi­
tar sem pensar primeiro em suas causas, sem tentar ver
em que consistem. Recorre-se a diversas terapêuticas
sem preocupar-se com o diagnóstico.
Foram freqüentes na história a imposição das vi­
gências majoritárias, a opressão dos discrepantes, o fato
de não reconhecê-los e respeitar suas diferenças, a
possibilidade de conviver com eles. Alguns resquícios
dessa atitude perduram em nosso tempo, mas ela está
sendo substituída por outra, que de certo modo a in­
verte: são os discrepantes que procuram impor-se, e isso
de duas formas ou graus. Em alguns casos, mediante a
ruptura da convivência, isto é, negando-se a conviver
como parcelas de unidades superiores e com diversi­
dade. Em outro, de forma mais exacerbada, pretendem
impor sua variedade particular a essas unidades - tal­
vez ao mundo inteiro -, correndo o risco de sua destrui­
ção e ruína, com o máximo desprezo ao que é a reali­
dade efetiva e, portanto, à verdade.
O que costuma ser denominado "integrismo" ou
"fundamentalismo" é o exemplo atual dessa atitude.
4 TRATADO SOBRE A CONVIVt.NCIA

É a inversão da forma tradicional de abuso: não o das


maiorias, mas o das minorias. À injustiça e à violência
se agrega a inverossimilhança; não apenas a falta de
razão, mas a inversão da racionalidade. É a versão mais
acentuada de tomar a parte pelo todo.
Por isso, é difícil compreender esses fenômenos,
que brotam e proliferam em diversas partes do mundo.
Isso suscita um problema intelectual de grande mag­
nitude, ao qual se presta muito pouca atenção. Como
é possível? A tendência a impor a uniformidade, a
considerar que o valioso é o que é compartilhado por
quase todos, a "surpresa" negativa, e que pode ser
hostil, com relação ao que rompe a unidade e a coe­
rência é algo que significa uma violência exercida so­
bre o real, mas é inteligível, embora reprovável. O discre­
pante produz um evidente incômodo, obriga a rever a
posição pessoal, a realizar ajustes a outras visões do
mundo - em suma, complica as coisas. Mas o fato de
se chegar a uma situação em que acontece o contrário,
em que se pretenda estender uma interpretação mar­
ginal e fragmentária a um amplo conjunto, em casos
extremos a todo o mundo, ultrapassa os limites da com­
preensão normal.
Sempre recordo o admirável título de um capítulo
do curioso livro do Pe. Antonio Fuente la Pena, El ente
dilucidado, publicado por volta de 1690 e que comprei
há muitos anos: " Sobre se os monstros são eles ou so­
mos nós". A perplexidade do bom frade me invade mui­
tas vezes, e não a propósito dos duendes, assunto prin­
cipal do livro, mas de muitos contemporâneos. O grau
de fanatismo que esses fenômenos supõem não é mui-
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to bem explicado, e tenho a impressão de que mal se


tenta fazê-lo. Sua origem é provavelmente a de espa­
ços confinados, caracterizados por "ritos de iniciação"
que obnubilam a visão do real e a substituem por al­
guma fantasmagoria. Mas resta entender como se con­
segue a extraordinária difusão que esses fenômenos
têm, transcendendo os estreitos limites de uma seita.
Creio que a chave está no incrível poder que nesta
época conseguiram os meios de comunicação, que per­
mitem a proliferação maciça do que se engendrou em
obscuros espaços maníacos. Mas mesmo assim falta
compreender a estrutura psíquica - talvez fosse melhor
dizer antropológica - que permite a entrada e o enrai­
zamento dessas estranhas formas de instalação vital.
Algo mais inteligível é a forma que se pode dizer
atenuada dessa "imposição da discrepância", aquela
que não consiste especialmente em "proselitismo" e
pretensão de universalidade, mas que, ao contrário, se
reduz à "dissidência", à ruptura das unidades superio­
res e mais complexas. É o caso do que se chama "na­
cionalismo", que apareceu brevemente na Europa no
começo do século XIX e reapareceu aqui e ali em nossa
época, e em continentes em que não existiu propria­
mente a estrutura nacional das sociedades.
Por diversos motivos - ou pretextos -, que podem
ser as diferenças reais, históricas, religiosas, lingüísticas,
que são conciliáveis com a convivência e foram normais
em quase todo o mundo, ou então fundando-se em
algo tão problemático e discutível quanto a diversidade
étnica, rompem-se as unidades amplas, embora tenham
uma realidade muito superior à de seus componentes,
6 TRATADO SOBRE A CONVIVÊNCIA

e se enfatiza o diferencial, desdenhando o comum, que


pode ser de magnitude e alcance incomparáveis.
A forma mais aguda, grave e irracional é o estado
de fragmentação étnica da África, o que poderíamos de­
nominar a substantivação das tribos, que alcança limi­
tes incalculáveis de ferocidade, destruição e absurdo.
Num grau menor, mas que pode chegar a extremos
comparáveis, há a ocorrência desse fenômeno em so­
ciedades européias, de longa história e que foram ca­
pazes de consideráveis refinamentos, daquilo que em
outros tempos se chamava "civilização" . A realidade
presente do que foi até há pouco a Iugoslávia - um
dos resultados do desmembramento de uma das con­
quistas mais admiráveis da política e da sociologia,
apesar de seus evidentes defeitos, o Império Austro­
Húngaro - é um aterrador exemplo do ponto até onde
pode levar isso que se designa como nacionalismo.
Seu ponto de partida é o fascínio por essa forma
particular de sociedade e de estrutura estatal que rece­
be o nome de "nação". Considera-se pressuposto que
se trata do "superior" e, em conseqüência, se aspira a
isso. Não importa o fato notório de que um grande
número das formas mais ilustres de convivência não
foram nações. Nem as cidades gregas, de tão maravi­
lhosa memória, nem a Hélade em seu conjunto, nem
Roma - nem a urbs nem o Império -, nem o califado
do Oriente, nem o de Córdoba, nem nenhum reino ou
principado medieval na Europa, nem o Sacro Império
Romano Germânico, foram nações.
No sentido moderno da palavra - não no senti­
do medieval, ligado ao "nascimento", e do qual se con-
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serva até a expressão "tonto de nación" [tolo de nas­


cença] -, não houve nações até o final do século XV,
em primeiro lugar Espanha e Portugal, um pouco de ­
pois França e Inglaterra, mais tarde as outras que che­
garam a ser nações, e que nunca vieram a ser todas as
partes da Europa. O uso dessa palavra se estendeu,
com bastante inadequação, à América, e depois a todo
"estado", supostamente independente, e assim se fala
de Nações Unidas.
O nacionalismo é a hipertrofia da condição nacio­
nal, principalmente por parte das nações mais tardias,
recentes e de breve história como tais - por exemplo, a
Itália e a Alemanha, que chegaram a sê-lo por volta de
1870 -, e mais ainda por parte das unidades de convi­
vência que nunca foram nações, mas partes das ver­
dadeiras (ou de conjuntos mais amplos e de caráter
não propriamente nacional, como o mencionado Im­
pério Austríaco, o Austro-Húngaro, ou a imensa po­
tência colonial que foi a Rússia, e, durante meio século,
a União Soviética) .
Quando se fala de "nações" na Idade Média, re­
nuncia-se a entender o seu significado. Não existiram
em nenhum lugar da Europa, e menos ainda fora dela.
Na Espanha, não o foram nem mesmo as duas maio­
res comunidades, os reinos de Castela e Aragão - não
digamos suas partes integrantes, unidas neles por duas
séries de incorporações. Outro tanto poderia ser apli­
cado ao resto da Europa, fora da Península Ibérica.
Qual foi o estímulo mais freqüente dessa defor­
mação da realidade que é o nacionalismo? As diferen­
ças são consideráveis, de acordo com os lugares e as
8 TRATADO SOBRE A CONVIVÊNCIA

épocas. O fator quase constante é o descontentamento.


Mas deve-se perguntar com o quê. A habitual persis­
tência desse sentimento sugere que não se trata da si­
tuação mas da condição. A situação refere -se a "como
vão as coisas" para alguém, individual ou coletivo; a
condição, ao que "é". Pode-se estar descontente com
a situação em algum momento da vida ou fase da his­
tória; mas sempre? Há alguma situação que abarque
toda a vida de uma pessoa, ou a história inteira de uma
sociedade?
Se se trata da condição, do que se é, a coisa é mais
grave. Indicará alguma deficiência ou anomalia cons­
titutiva? Não é provável. Há comunidades que se con­
sideram "oprimidas" desde sempre. Não é verossímil;
uma sociedade, às vezes toda uma nação, pode passar
por uma etapa transitória de opressão; grandes parce­
las da Europa a padeceram, em alguns casos durante
decênios; mas sempre? Se assim fosse, dever-se-ia pen­
sar em alguma inferioridade, o que, dada a condição
livre do homem, se mostra inverossímil.
É preciso pensar, em contrapartida, num erro,
numa interpretação falsa da realidade própria e de suas
relações com outras ou com os conjuntos a que se
pertence. Quase sempre, essa distorção da realidade,
que engendra o descontentamento e o mal-estar, isto
é, a falta de verdadeira instalação, e com isso o desas­
sossego, é algo inventado por alguns, de origem indi­
vidual, que contagia outros e que finalmente se arraiga,
transformando-se na interpretação vigente, dificílima
de superar.
Essa é a origem da imensa maioria das di�córdias
que afetam nosso planeta. Os homens lutaram entre si
INTRODUÇÃO 9

desde que o mundo é mundo, quase sempre com gran­


de torpeza, amiúde com grande violência e crueldade .
Mas não se tratava propriamente de discórdias, mas
de ambições, interesses, afã de predomínio. As guer­
ras entre nações eram conciliáveis com a admiração
mútua; as lutas em seu interior eram conflitos entre
partes que não se excluíam.
Foi preciso chegar a tempos recentes para que
apareçam os fenômenos de distorção da realidade que
estou mencionando. As rupturas da concórdia - que é
do que se trata - têm duas condições: uma delas, a ati­
tude totalitária, a idéia de que tudo é politicamente re ­
levante; a outra, o incremento do poder dos meios de
comunicação, o que torna possível que os vírus "pe­
guem" e se estendam a grandes parcelas de uma so­
ciedade, ou ao conjunto dela.
Trata-se, pois, do que acontece à verdade; quando
esta é desconhecida ou negada, não só se perde a li­
berdade e se é servo da falsidade, como também é sus­
citada a destruição da concórdia, da capacidade de con­
viver conservando todas as diferenças, as discrepâncias
ocasionais; em suma, o conjunto das diversas e verda­
deiras liberdades.

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