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TEMAS E IMAGENS POLÊMICAS NOS CONTOS DE HANS

CHRISTIAN ANDERSEN

Ana Paula Sversuti GONGORA (G-UEM)


Alice Áurea Penteado MARTHA (UEM)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

GONGORA, Ana Paula Sversuti; MARTHA, Alice


Áurea Penteado. Temas e imagens polêmicas nos
contos de Hans Christian Andersen. In: CELLI –
COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,
2009, p. 118-128.

1. INTRODUÇÃO

Enquanto gênero literário, a literatura infantil surge no século XVIII, com


características muito peculiares, na medida em que seu nascimento decorre da ascensão
da família burguesa e do espaço que a criança conquistava na sociedade. Entretanto, na
segunda metade do século XVII, já se manifestava uma preocupação com uma literatura
voltada para crianças e jovens, representada, principalmente, por Charles Perrault, na
França. Mais tarde, os irmãos Grimm, na Alemanha, recolhiam contos populares e os
destinavam ao público infantil. Nestas narrativas, todo o processo é vivido pela fantasia
e o imaginário, com a intervenção de entidades com propriedades extraordinárias, como
fadas, bruxas ou animais encantados, e, por esse motivo, os contos de fadas revelaram-
se tão adequados ao público infantil.
Cerca de vinte anos após a compilação dos Grimm, Hans Christian Andersen
(1805-1875) inicia sua produção literária. O escritor dinamarquês é hoje consagrado
como o verdadeiro criador da literatura infantil e é um dos mais famosos autores para
crianças em todo o mundo. Parte dos contos de Andersen foi retirada da memória
popular, e outra parte foi criação do próprio autor, fato que o diferencia de seus
antecessores e o revela o grande criador da literatura destinada aos pequenos. Poucos
autores conseguiram expressar tanta ternura pelo mundo das crianças, mas também
raros tornaram a violência tão presente e dolorosa nesse mesmo mundo como ele.
À luz do exposto, o presente artigo tem a proposta de observar os temas e
imagens polêmicas nos contos de Andersen, bem como o reflexo de tais temas em seu
leitor. A partir disso, pretende-se discutir a construção da personagem infantil,
considerando a preocupação do autor em criar um universo literário para crianças. Para
tanto, serão analisados os contos “O Patinho Feio”, “Os Sapatos Vermelhos”, “A

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Menina dos Fósforos”, e “A Pequena Sereia”. Assim, busca-se, com a pesquisa, refletir
sobre o modo como os temas e as imagens polêmicas são tratados nos contos do
escritor, partindo-se do pressuposto de que a proposta dessas narrativas não é o
mascaramento da realidade, mas sim mostrar que a morte, o medo, o sexo, a violência,
os ritos de passagem, a miséria, a dor, o sofrimento, fazem parte da vida.
Entre 1835 e 1872, Andersen publicou, com o título geral de Eventyr, cerca de
168 contos infantis, entre os quais estão: “O Patinho Feio”, “A Pequena Sereia”, “O
Soldadinho de Chumbo”, “Os Novos Trajes do Imperador”, “Os Cisnes Selvagens”,
“Olé Lukoeje”, “O Guardador de Porcos”, “A Margaridinha”, “Mindinha”, “O
Pinheirinho”, “A Rainha da Neve”, “Os Sapatos Vermelhos”, “A Pastora e o Limpador
de Chaminés”, “A Menina dos Fóforos”, “João-Pato”, “Nicolau Grande e Nicolau
Pequeno”, “O Isqueiro Mágico”, “A Princesa e o Grão de Ervilha”, “As Flores da
Pequena Ida”, “As Galochas da Fortuna”, “O Rouxinol”, e outros.
No universo literário de Andersen não há a alegria e a leveza de atmosfera,
presentes na maioria dos contos dos irmãos Grimm e Perrault, como afirma Coelho
(1987). O que predomina em seus contos é um ar de tristeza ou dor, que é compensado
por uma ternura humana dirigida, principalmente, aos pequenos e desvalidos. Além
disso, as narrativas de Grimm são marcadas pelo mundo maravilhoso, e na maior parte
das de Andersen, é na realidade concreta do cotidiano que o maravilhoso é descoberto.
Andersen reinventou o conto de fadas para os novos tempos. Seu primeiro livro
de literatura infantil foi publicado em uma época em que as crianças já eram objeto de
preocupação por parte dos adultos. A sociedade que passou a valorizar a infância
atentava para a construção da vida de cada indivíduo, considerando seus pensamentos,
convicções, desejos e particularidades. A literatura, por sua vez, sofreu transformações,
as personagens não eram mais estereotipadas e as aventuras incluíam aspectos relativos
a tensões subjetivas. Como afirmam Corso e Corso (2006), Andersen colocou muito
conflitos emocionais modernos, incluindo o sofrimento subjetivo das personagens,
dentro de um formato que se beneficiou dos recursos dos contos maravilhosos. Assim,
recriou os conto de fadas para as necessidades de outros tempos e contribuiu para a
consagração do gênero.
De acordo com Coelho (1991), Andersen, essencialmente influenciado pelos
ideais românticos de exaltação dos valores populares, e pelos ideais de fraternidade e
generosidade humana, revela-se uma das vozes mais puras do espírito dos “simples”,
não do rudimentar e tosco, mas do singelo, do ingênuo que vive mais pelas emoções que
pelo intelecto.
Além disso, embora muitas das narrativas de Andersen aconteçam no mundo
fantástico da imaginação, a maioria está presa ao cotidiano. O autor viveu em uma
época em que a ascensão econômica se fazia por meio da industrialização e uma nova
classe de operários se formava. Assim, Andersen pôde perceber os contrastes daquela
sociedade, a abundância de um lado, e miséria de outro. Segundo Coelho (1991), as
histórias do escritor mostram que sua principal reação a essa situação foi mais de
resignação e refúgio na fé religiosa do que de revolta contra as injustiças sociais.
É importante observar que, na opinião da autora, a emotividade que perpassa no
mundo de ficção de Andersen e o seu poder de tocar a sensibilidade do leitor foram os
aspectos que mais diretamente contribuíram para que o escritor conquistasse sua glória.
Ainda hoje Andersen continua tendo um vasto público, pois aliou a ternura ao realismo,
não omitindo traços de violência ou deixando de tratar de temas polêmicos, inerentes à
vida.

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Uma das peculiaridades de Andersen é a mistura entre o maravilhoso e o
realismo presente em sua matéria literária. Nas narrativas, não há fadas, exceto uma em
“Os Cisnes Selvagens”, mas isso não impede a onipresença do maravilhoso em seu
universo. A maioria dos contos apresenta personagens, espaço e problemática presentes
na realidade.
É significativo observar que as narrativas de Andersen fluem entre a ternura e a
violência. Como já foi aqui referido, poucos autores demonstraram tanta ternura pelo
universo infantil, mas também poucos tornaram a violência tão presente. Os irmãos
Grimm já haviam suavizado a violência existente em certas histórias de Perrault, mas
ainda conservavam-na. Entretanto, na visão de Coelho (1991), nos irmãos Grimm, a
violência e o mal passam quase despercebidos ao leitor, pois estes, além de serem
envolvidos pela magia que domina todo o espaço, são totalmente vencidos pelo final
feliz, que os neutraliza. Já em Andersen, a derrota final da personagem é muito comum
e os finais negativos superam os desenlaces felizes.

2. ANDERSEN E OS TEMAS POLÊMICOS

“O Patinho Feio” é uma narrativa que muito agrada às crianças pequenas. O


conto pertence à coleção lançada em 1844, época em que Andersen já criava suas
próprias histórias. Assim, o patinho que se perenizou na literatura ocidental é fruto
exclusivo da imaginação do autor. O conto, já bastante conhecido entre crianças do
mundo todo, narra a trajetória do patinho que, por ser diferente dos irmãos, é rejeitado
pela mãe e pelos outros. Após um período de maus-tratos, o patinho decide fugir, e essa
fuga é uma sucessão de agressões e sofrimentos até que ele encontra os cisnes e se
descobre um deles.
A narrativa foi escrita em um momento em que as crianças já eram objeto de
preocupação por parte dos adultos, e a literatura passava por um período de
transformações, pois as histórias começaram a incluir aspectos relativos a tensões
subjetivas. Sob essa perspectiva, o Patinho Feio é um dos primeiros heróis modernos
escritos para crianças, cujo drama se baseia em um profundo sentimento de rejeição.
Segundo Corso e Corso (2006), poucas histórias infantis foram capazes de uma empatia
tão forte e duradoura com o público, certamente por traduzir muito bem a angústia da
criança pequena. Além disso, para Zilberman (1992), o patinho, diminuído perante os
outros e em busca de sua identidade, sintetiza o mundo infantil, uma vez que a criança é
vista como um ser menor na sociedade dominada por valores do mundo adulto.
É importante observar que os períodos de transição que ocorrem na vida de todo
ser humano, ou seja, os ritos de passagem, estão presentes em “O Patinho Feio”, e a
ocorrência deles na estrutura narrativa pode propiciar à criança o reconhecimento e a
valorização desses momentos de transição inerentes à condição humana. Vale ressaltar
que os ritos de passagem são momentos de mudança que ocorrem na vida de todas as
pessoas, nos âmbitos biológico, religioso e social, como o nascimento, a morte, o
casamento, a adolescência, o autoconhecimento, a descoberta do novo.
Pode-se considerar que o modo como são narrados os ritos de passagem em “O
Patinho Feio” é um atrativo para as crianças. O conto já se inicia com o rito do
nascimento do Patinho Feio e de seus irmãos: “Finalmente, um após o outro, os ovos
foram estalando: “Pip, pip! diziam, e as gemas adquiriam vida e botavam a cabecinha de
fora” (ANDERSEN, 1992, p.06).

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Outro momento no conto que pode ser entendido como um rito de passagem é a
fuga do patinho do convívio familiar, pois após um período de rejeição e maus-tratos o
patinho decide ir embora, e isso acarreta várias mudanças em sua vida, promovendo a
descoberta do novo, como o encontro com os gansos selvagens no brejo, a chegada na
casa da velha senhora, o momento na casa do camponês. Ao encontrar os gansos
selvagens no brejo, pela primeira vez a personagem se depara com a morte, pois
presencia o assassinato dos animais pelo caçador: “Bang, bang! ouviu-se nesse
momento acima deles, e os dois gansos selvagens caíram mortos entre os juncos e água
tingiu-se de vermelho...” (IDEM, idem, p.14). Além disso, a personagem sente medo
diante da situação: “Juncos e bambus deitaram-se para todos os lados; foi um horror
para o pobre patinho, que enfiou a cabeça embaixo da asa...” (IDEM, idem, p.15).
O patinho enfrenta muitas dificuldades desde que sai de perto de sua família até
seu encontro com os cisnes, o que permite sua identificação com um grupo que o aceita
como um igual. Assim, o momento em que Patinho Feio se transforma em cisne marca
sua chegada à maturidade e configura, portanto, outro rito de passagem: “... mas o que
ele viu na água cristalina? Ele viu debaixo de si sua própria imagem, mas não era mais
um pássaro cinzento, grosseiro, feio e sem graça, era um cisne” (IDEM, idem, p.23). O
reconhecimento com o novo grupo separa a vida do patinho da vida anterior.
Na visão de Zilberman (1992), a popularidade de “O Patinho Feio” decorre dos
vários aspectos que o caracterizam, como por exemplo, a sua estrutura narrativa, na qual
se cruzam a inventividade do escritor na criação da personagem e o aproveitamento de
padrões narrativos tradicionais, o da história de aventuras, no que diz respeito ao
desenvolvimento da trama, e do conto de fadas, na solução do conflito.
Outro aspecto decisivo do conto, conforme a autora, advém do significado que
ele tem para o leitor. A este cumpre assumir o papel do patinho, vítima da rejeição dos
outros por razões variadas, algumas irracionais, outras fruto do comodismo que leva à
marginalidade os que recusam incorporar papéis sociais convencionais.
Além disso, é válido ressaltar que o patinho, como personagem central, é
fundamental para a adesão do leitor ao texto. “A posição de filho, a busca da identidade
e a intolerância com suas opiniões por não serem de “gente grande” propiciam a
identificação do destinatário” (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1982, p.50). Assim,
pode-se considerar que o patinho é a personagem representação da criança. Sua
aventura consiste na busca da própria identidade e do lugar que irá localizá-lo perante os
demais. Dessa forma, ao encontrar essa identidade, o patinho se localiza e é aceito. O
conto fala da autodescoberta e da descoberta da própria identidade, o que é essencial
para o crescimento.
Outro tema polêmico abordado no conto é a rejeição. Como já foi aqui
observado, o patinho é maltratado por todos, inclusive pela mãe, a qual acaba desejando
não vê-lo mais por não suportar a estranheza que ele provoca: “E a mãe dizia: Se pelo
menos você estivesse longe daqui!” (ANDERSEN, 1992, p.12).
Ainda sobre este conto, é importante ponderar que, segundo Zilberman (1992),
poucas histórias trataram de modo tão condensado e, ao mesmo tempo, tão concreto,
uma das principais aspirações infantis. E o faz sob a perspectiva da criança, uma vez
que o narrador apresenta as ações sob o ângulo do Patinho Feio, personagem
representação da criança, e evita observações de cunho pedagógico ou lições morais,
deixando espaço para a interpretação do leitor e sua participação no universo ficcional.
Outro conto muito significativo no que diz respeito aos temas polêmicos é “Os
Sapatos Vermelhos”. Neste, Andersen aborda, além das muitas imagens violentas, o

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castigo, o medo, a tristeza, o sofrimento, a culpa e a religiosidade. Nesta narrativa, os
traços de crueldade chocam o leitor e fazem do conto um exemplo de como a literatura
destinada a crianças e jovens trata de temas polêmicos.
Em “Os Sapatos Vermelhos”, Karen, a personagem central, é uma menina muito
pobre que, ao perder a mãe, é adotada por uma velha senhora. Antes, porém, da morte
da mãe, Karen é presenteada pela sapateira da aldeia em que vive com um par de
sapatos vermelhos. A menina, como não tem outros, vai ao enterro da mãe com os
novos sapatos. Após adotar a menina, a velha senhora queima os sapatos vermelhos,
alegando que aqueles eram horríveis. Entretanto, com o passar do tempo, a obsessão da
menina pelos sapatos vermelhos só aumenta.
Quando atinge a idade de ser crismada, Karen ganha novos sapatos da velha
senhora. Como esta não enxergava bem, é enganada pela menina e compra-lhe sapatos
vermelhos, sem saber. Assim, Karen é crismada com os sapatos vermelhos e, na igreja,
todos olham muito para seus pés. A velha senhora, quando sabe do que ocorrera,
censura a menina e exige que esta só use sapatos pretos na igreja, ordem que a menina
não obedece. Um dia, porém, um velho soldado, de muletas, com barba comprida e
vermelha, junto à porta da igreja, se oferece para limpar os sapatos de Karen e diz: “-
Que lindos sapatos de baile! Que fiquem firmes no seu pé, quando dançarem!”.
(ANDERSEN, 2002, p.333).
Depois disso, a menina passaria muito tempo dançando, pois seus pés não lhe
obedeciam mais. Karen encontrou um anjo que lhe disse que ela deveria dançar sempre
e mostrar-se para as crianças vaidosas, para que estas tivessem pavor dela. Dessa forma,
a menina dançava sem parar e por todos os lugares, o que só teve fim quando um
carrasco cortou seus pés com um machado. Karen, então, passa a usar pernas de pau e
uma muleta, e se arrepende do valor que havia dado aos sapatos vermelhos.
Segundo Abramovich (1997) há muito o que se trabalhar com a criança ao lhe
contar “Os Sapatos Vermelhos”. O conto já tem início com um tema polêmico, a morte
da mãe da Karen. A menina fica órfã e é adotada por uma velha senhora que, algum
tempo depois, também morre. Assim, Karen se sente extremamente sozinha, uma vez
que esta segunda perda ocorre quando ela está dançando, momento de grande
sofrimento para ela.
Outro aspecto significativo no conto é a idéia do castigo, da punição, fortemente
ligada à religiosidade. O fato de Karen não conseguir parar de dançar é um castigo por
ter sido tão vaidosa, a ponto de só pensar nos sapatos vermelhos. As palavras do anjo
confirmam essa idéia:

- Dançarás! – disse o anjo – Dançarás com teus sapatos vermelhos até


estares pálida e fria, até tua pele enrugar-se como a de um cadáver.
Dançarás de porta em porta, e, onde morem crianças soberbas,
vaidosas, baterás à porta, para que te ouçam e tenham pavor de ti!
Dançarás, dançarás sempre...(ANDERSEN, 2002, p.335)

Além disso, vale destacar que Karen vai ao Crisma com os sapatos vermelhos e,
mesmo na igreja, só pensa neles. Dessa forma, é possível considerar que todo o
sofrimento da menina é um tipo de punição por sua vaidade.

Lá dentro, todo mundo olhou para os sapatos vermelhos de Karen, e


até mesmo as imagens como os fitaram. Quando Karen se ajoelhou
ante o altar e levou o cálice de ouro aos lábios, pensou nos sapatos

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vermelhos: era como se estes boiassem no cálice à sua frente. Ela se
esqueceu, até, de cantar o salmo e de rezar o “Padre Nosso”. (IDEM,
idem, p.333)

É importante notar que a própria personagem vê seu sofrimento como uma


forma de expiar seu pecado. Quando não agüenta mais dançar, Karen procura o carrasco
e é ela quem pede para que ele lhe corte os pés: “Não me cortes a cabeça! – pediu Karen
– Pois assim eu não poderia expiar o meu pecado! Corta meus pés, com os sapatos
vermelhos!” (IDEM, idem, p.336).
Entretanto, a culpa acompanha a menina mesmo depois de ter os pés cortados e
de seu sofrimento. Em todos os lugares aonde vai, Karen vê os sapatos vermelhos
dançando à sua frente e isso a apavora: “Saiu andando tão depressa quanto podia, rumo
à igreja, mas, ao chegar à porta, viu os sapatos vermelhos dançando à sua frente.
Retrocedeu, apavorada” (IDEM, idem, p.336).
Assim, o medo se configura como um outro tema polêmico no conto. Medo da
vaidade, medo da culpa, medo de não ser perdoada, medo de ter sido abandonada por
todos, inclusive por Deus. Em vários momentos, Karen sente medo: “Aterrorizada,
voltou, e arrependeu-se, do fundo do coração, do seu pecado”. (IDEM, idem, p.336). E
ao lado do medo, está a tristeza, pois a menina sofreu muito: “Passou a semana inteira
entristecida. Chorou muito”. (IDEM, idem, p.336).
Um dos aspectos que mais impressionam em “Os Sapatos Vermelhos” são as
imagens de violência. Karen, ao dançar por onde os sapatos a levam, machuca-se e fica
coberta de sangue:

E ela dançava sempre. Sem descanso, sem parar, dançava pela noite
adentro. Os sapatos a levaram por sobre espinheiros e tocos de
árvores, que a deixaram coberta de sangue. Dançando através de um
tojal, chegou a uma casinha solitária. Lá, sabia-o morava o carrasco.
Bateu com o dedo na vidraça. (IDEM, idem, p.335)

A imagem mais cruel e violenta do conto é quando a menina tem seus pés
cortados com um machado:

Confessou todos os seus pecados, e o carrasco cortou-lhe os pés


calçados com os sapatos vermelhos. Os sapatos saíram dançando, com
os pés cortados, pelo campo afora, e desapareceram na mata. (IDEM,
idem, p.336)

Esta cena é seguida de outra, muito triste, que demonstra a resignação da


personagem:

O homem esculpiu-lhe umas pernas de pau e umas muletas, ensinou-


lhe um salmo cantado pelos pecadores, e ela, depois de beijar a mão
que vibrara o machado, saiu caminhando pelo campo. (IDEM, idem,
p.336)

É significativo observar que, a despeito de todas as imagens violentas presentes


no conto, a cena final faz com que o leitor esqueça que a menina tivera seus pés
cortados:

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O órgão soava, e ternas eram as vozes das crianças no coro. A clara
luz do sol entrava, cálida, pelas janelas da igreja. Também o coração
de Karen se encheu de sol, paz e alegria. Sua alma voou para Deus,
num raio de sol. E ninguém mais perguntou pelos sapatos vermelhos.
(IDEM, idem, p.333)

De acordo com Coelho (1991), o castigo de Karen está relacionado ao fato de


que a vaidade é um dos sete pecados capitais que precisam ser extirpados do coração do
homem. Além disso, a vaidade está ligada também à luxúria, outro pecado capital,
identificado tradicionalmente pela cor vermelha. Pode-se considerar que o fato de os
sapatos serem vermelhos e de haver tanto sangue presente na narrativa apontam o
caráter sexual do objeto. O sangue não está somente relacionado à violência, mas
também à sexualidade, que dever ser castigada, como a trajetória da menina demonstra.
Para Coelho (1991), o fundo moralizante-religioso do conto está bastante claro, mas este
pertence a uma época em que tais interditos faziam parte da vida do homem.
À luz do exposto, é possível perceber, em “Os Sapatos Vermelhos”, os dois
pólos entre os quais fluem as narrativas de Andersen: a ternura e a violência. Para
alguns, esta pode parecer uma história negativa para crianças porque castiga de maneira
cruel a natural vaidade e a fantasia de alguém que sonha em usar algo que lhe parece
belo e atraente. Entretanto, a maneira terna com que o autor trata de assuntos
considerados polêmicos supera o aspecto negativo, e mostra que a violência, a crueldade
e o medo fazem parte da vida.
Morte, desamparo, carências, violência em casa e pobreza são alguns temas
abordados em “A Menina dos Fósforos”. O conto narra a história de uma menina muito
pobre, que vende fósforos nas ruas. É noite de Ano Novo e a menina, com frio e com
fome, sem conseguir vender um palito sequer, vê as luzes, a comida, as árvores de
Natal, em todas as casa por onde passa. Como não agüenta o frio, a menina vai
acendendo os fósforos, um a um, e, a cada chama, imagina uma cena alegre. Em uma
das chamas, a menina vê sua avó, que já havia morrido e, momentos depois, ela também
morre, de frio, sentada em um canto entre duas casas.
A morte da menina, embora seja causada por motivos muito tristes – a fome, o
frio, o desamparo, a miséria – é narrada de forma terna. A menina é levada pela avó a
um lugar onde não há fome, frio ou medo. No dia seguinte à morte, a menina é
encontrada com um sorriso nos lábios.
É importante observar que, assim como ocorre em “Os Sapatos Vermelhos”, a
cena final do conto faz com que o leitor esqueça a forma trágica que a menina morre:
“Ninguém sabia que maravilhas ela vira, nem imaginava o esplendor que a cercara, com
a velha avó, nas alegrias do Ano Novo” (ANDERSEN, 2002, p.356).
Outro tema polêmico presente no conto são as carências da menina. A fome e o
frio são retratados duramente, o que, de certa forma, pode chocar o leitor mais sensível.
Além disso, é possível considerar que o conto aponta, ainda, para a temática da
violência em casa, na medida em que, se a menina voltasse para casa sem ter vendido os
fósforos, apanharia do pai.
Vale ressaltar que a temática da menina que vende fósforos na rua, para ajudar
no sustento da casa, é muito atual. Sobre este aspecto, Abramovich (1997, p.133) diz
textualmente:

Tão parecido com nossos pivetes, com nossas crianças esfomeadas,


vendendo seus objetos em esquinas e praças, de dia ou de madrugada,

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querendo também – como qualquer criança – comida, agasalho,
proteção, teto... querendo estar dentro duma casa e não apenas
enxergando seu interior pela janela e sendo protagonistas de uma
situação social injusta, cruel, desumana...Querendo ser recebidas com
carinho, com amor, por sua família – como acontece com aquelas
mais ricas – e desejando apenas que isso suceda enquanto ainda estão
vivas, e não depois de sua morte.

Dessa forma, mesmo abordando temas considerados tão polêmicos para crianças
neste conto, Andersen faz com que a ternura e a magia de sua arte superem o lado
negativo. Ao tratar de temas como miséria, morte, carências, o autor o faz sob a
perspectiva da criança, abrindo espaço para a sua interpretação.
“A Pequena Sereia” foi escrito em 1836-1837 e consolidou a fama de Andersen.
Em 1913, a cidade de Copenhague encomendou a estátua de bronze da Pequena Sereia,
que se tornou o monumento nacional da Dinamarca. De acordo com Warner (1999),
Andersen elaborou essa perturbadora história a partir de vários elementos de contos
orais e escritos tanto na tradição ocidental como na oriental, sobre ondinas e selkies,
gênios das águas, em que a criatura mágica podia viver na terra como mulher e ter um
companheiro mortal desde que cumprisse certas condições.
Em “A Pequena Sereia” todo o amor que a sereia sente pelo príncipe, que ela
salva do naufrágio, faz com que a personagem repudie sua espécie natural e se
transforme em mulher. Nesse processo, a Pequena Sereia é submetida às mais terríveis
dores, as quais ela suporta até o momento da morte. Assim, a narrativa trata de temas
como amor, escolhas, renúncia, sacrifício, dor, sofrimento e auto-anulação. A
personagem renuncia à sua condição de sereia por amor e essa escolha acarreta muito
sofrimento. A narrativa gira em torno do amor que a sereia sente pelo príncipe. É por
amor que ela decide deixar de ser sereia, mesmo que para isso tenha que renunciar à sua
voz. Depois que o vê pela primeira vez e por ele se apaixona, a personagem não pode
mais esquecê-lo e conviver com o fato de não possuir, como ele, uma alma imortal.
Há, no conto, muitas imagens de dor e sofrimento que demonstram como a
Pequena Sereia se sacrificou para torna-se humana: “... cada vez que seus pés tocavam o
chão, sentisse que pisava em facas afiadas (...) e embora seus pés delicados sangrassem”
(ANDERSEN, 2002, p.101).
Além disso, há imagens violentas, pois, aos preparar a beberagem, a bruxa corta
o próprio peito para usar seu sangue: “Em seguida, cortou o próprio peito, e deixou o
seu sangue negro gotejar no caldeirão” (IDEM, idem, p.99). Há, ainda, a imagem em
que a bruxa corta a língua da pequena sereia: “-Pronto! – disse a bruxa, e cortou a língua
da pequena sereia, que se tornou muda, não podendo mais nem cantar, nem falar”
(IDEM, idem, p.99).
Outro tema polêmico apontado no conto é a sexualidade, uma vez que a bruxa
do mar, ao dividir as pernas da Pequena Sereia, concede-lhe a sexualidade humana em
troca de sua voz. Para Warner (1999), o poder de sedução da linguagem feminina ainda
parece uma questão predominante no exercício da sexualidade das mulheres.
Um aspecto significativo a ser observado nos contos de Andersen é a construção
da personagem infantil. Em cada um dos contos aqui apresentados a personagem
principal é uma criança, ou uma representação desta, como no caso do Patinho Feio.
Vale ressaltar que antes de Andersen, nos contos de Perrault e dos Grimm, quase não
havia crianças no centro das narrativas. Em “O Patinho Feio” a personagem central é a
representação da criança, ou o que simboliza a sua condição. Há, no conto, a oposição

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entre o mundo da criança, representado pelo patinho, e o mundo dos adultos. A criança
se identifica com o Patinho Feio, que, diminuído perante os outros, é considerado o ser
menor.
Em “Os Sapatos Vermelhos” a personagem central é uma criança, e, embora esta
sofra terríveis punições, possui uma característica comum a muitas crianças – a
teimosia. Karen insiste em desobedecer às ordens da velha senhora, usando os sapatos
vermelhos, e se mostra uma criança muito teimosa.
No conto “A Menina dos Fósforos”, a personagem principal também é uma
criança e, como já foi aqui apresentado, esta representa muitas crianças carentes. O
leitor pode se identificar com a menina na medida em que também tem carências,
quando não financeira, de afeto, de atenção.
Além disso, a Pequena Sereia também é criança no início do conto, embora
cresça durante a narrativa e se transforme em mulher. Esta é descrita como uma criança
“estranha, quieta e meditativa”, mas se mostra impaciente ao desejar ardentemente
chegar aos quinze anos para visitar a terra pela primeira vez.
Dessa forma, ao centralizar as narrativas na criança, Andersen propiciou uma
maior participação do leitor no mundo ficcional. O escritor, na tentativa de criar um
universo literário infantil, parte da realidade concreta e, nesta, a criança descobre o
maravilhoso.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os temas polêmicos, como a morte, o medo, a violência, o sexo, os ritos de


passagem, a dificuldade de ser criança, as carências, as autodescobertas, a dor, os
sacrifícios, as escolhas, o sofrimento, as renúncias, as perdas, as tristezas, os
desconfortos, são, muitas vezes, escamoteados ou suprimidos da literatura destinada a
crianças e jovens. Entretanto, como se sabe, as fontes primárias da literatura infantil
apontam a presença desses assuntos, como por exemplo, os clássicos contos de fadas, os
quais não eram, em sua gênese, destinados às crianças. Foi devido à fantasia que essas
narrativas se tornaram tão adequadas ao público infantil e passaram a atrair cada vez
mais o seu interesse. Ao utilizarem a fantasia e o imaginário, os contos de fadas
transmitem importantes mensagens às crianças e ajudam-nas a compreender o mundo.
Andersen reinventou o conto de fadas para os novos tempos, na medida em que
se valeu dos recursos dos contos maravilhosos, mas incluiu neles os conflitos
emocionais modernos e as tensões subjetivas. Poucos autores infantis, tanto clássicos
como contemporâneos, trataram a violência de forma tão dolorosa como Andersen.
Entretanto, o que o singulariza é a maneira com que o faz, demonstrando uma
extraordinária ternura pelo mundo das crianças em seus contos. Mesmo tratando de
questões tão delicadas, o escritor, com a magia de sua arte, supera os aspectos
negativos, os quais poderiam se sobressair perante tanta violência, e mostra à criança
que tais assuntos fazem parte da vida.
Por fim, vale salientar que Andersen foi o primeiro escritor a se preocupar
realmente com a criança e, assim, faz-se necessário uma especial atenção à sua
produção, considerando sua relevância no panorama da literatura infantil. O autor
continua cativando o público infantil, uma vez que aliou a ternura ao realismo, não
omitindo traços de violência ou dor, ou deixando de tratar de temas polêmicos, inerentes
à vida.

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REFERÊNCIAS

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Scipione, 1997. (Série Pensamento e ação no magistério).

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ANDERSEN, Hans Christian. O Patinho Feio. Porto Alegre: Kuarup, 1992. Tradução
de Tabajaras Ruas.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo: Ática, 1987. (Série Princípios).

__________. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil. 4ª ed. Ática: São


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__________; MAGALHÃES, Lígia C. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação.


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WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São
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