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FONTES JUDICIÁRIAS E FONTES JURÍDICAS.

REFLEXÕES SOBRE A
FASE ATUAL DOS ESTUDOS DE HISTÓRIA DO CRIME E DA JUSTIÇA
CRIMINAL*

Mario Sbriccoli**

Leio no número de “History Today” de fevereiro de 19881, que, depois de 15


anos de pesquisas acadêmicas sérias e depois da publicação de uma grande quantidade
de resultados, o estudo do crime alcançou tal maturidade a ponto de permitir aos
historiadores declarar-se frutiferamente em desacordo.
Não é óbvio que tal observação seja adequada à experiência italiana, que não é
tão antiga e que não parece comparável, em termos de resultados, à anglo-americana,
nem tampouco, para mencionar outra igualmente vivaz, ainda que, talvez, mais
prudente, à francesa. Mesmo assim é verdade que, inclusive na Itália, está objetivamente
em curso um confronto, implícito e mediado, entre diferentes modos de conceber (ou
melhor, de fazer) a história criminal: modos que, hoje, é possível reconhecer na
atividade de alguns centros de pesquisa, na produção de vários jovens pesquisadores
que já estão se qualificando como especialistas desse gênero de estudos, na publicação
de números monográficos por parte de revistas de prestígio, nos resultados obtidos em
mais de um congresso importante.
Tal confronto, porém, parece-me que permanece indireto e que continua a se
desenvolver à distância. E dizer que não faltaram, e não faltam, oportunidades de
verificação para os nossos historiadores da criminalidade que, talvez em função da
especificidade e da relativa novidade do seu campo de investigação, acabaram
constituindo uma pequena congregação, encontrando maneiras de se encontrar com
frequência ao redor de numerosos empreendimentos comuns, feitos de pesquisas
coordenadas, de colóquios e de pequenos (mas também de grandes) congressos focados.
Certamente, considerado o seu grau de estabilização e o seu nível de maturidade,
ainda não é possível delinear tendências metodológicas consolidadas nas experiências
*
SBRICCOLI, Mario. Fonti giudiziarie e fonti giuridiche. Riflessioni sulla fase attuale degli studi di
storia del crimine e della giustizia criminale [1988]. In: ______. Storia del diritto penale e della
giustizia: scritti editi e inediti. Vol. 2. Milano: Giuffrè, 2009. p. 1133-1147. Traduzido da língua italiana
por Ricardo Sontag.
**
Professor catedrático de História do direito medieval e moderno na Università di Macerata (Itália). In
memoriam (1940-2005).
1
T.CURTIS, J.A.SHARPE, Crime in Tudor and Stuart England, in History Today, vol.38, feb.1988, p.
23.
de estudo em curso na Itália no campo da história criminal; e me parece que os
resultados obtidos, ainda que não sejam negligenciáveis, ainda não parecem oferecer
material seguro para uma síntese séria. Mas também é verdade que se percebe a
necessidade de alguma reflexão sobre a colocação dessas pesquisas no panorama geral
da historiografia, e que não seria ruim pensar um pouco sobre algumas características
recorrentes, que estão na origem, se não me engano, do fato que esses estudos, malgrado
estejam somente no início, parecem já dar alguns pequenos sinais de cansaço.
O papel que atribuo a essas poucas páginas é somente o de pontuar problemas. O
escopo é suscitar uma reflexão que poderia ser desenvolvida entre os interessados
nesses trabalhos, talvez em um enésimo seminário, que seria, porém, o primeiro que
teria como objeto “o que fazer, como fazer, por que fazer”. É com esse espírito somente
que produzo a seguir um elenco levemente brutal de questões que me parecem abertas
ou que seria bom abrir.

As fontes judiciárias. – Assim como qualquer outro gênero de fonte, aquilo que
conseguimos extrair dos arquivos judiciários possui múltiplas valências, podem
complementar outras fontes (assim como outras fontes podem fazer o mesmo em
relação a essas), e podem ser inseridas, se quisermos, em tratamentos temáticos de
cortes variados2 . Talvez elas sejam mais versáteis do que outras e passíveis de um uso
relacional mais rico (mas todos sabem que, em se tratando de uso, mais do que de
“virtudes” das fontes, o que conta são as “virtudes” de quem trabalha sobre elas): isso as
torna merecedoras de uma utilização providas de coordenadas interpretativas, em
contextos de referência bem identificados, nem mais nem menos do que fontes não
judiciárias, digamos, notariais ou eclesiásticas. Depois, quanto ao fato de que elas são
em alto grau lugar de ‘sugestões privadas’, posso convir sem reservas com quem
considera que tal qualidade pode se transformar em uma armadilha: é preciso, de fato,
de muita experiência consumada para extrair de um mérito desse tipo todas as
oportunidades que ele oferece, sem cair na candura do “tratamento episódico
exclamativo”3.

2
Estou usando as palavras recentemente escolhidas por E. GRENDI, na Premessa ao número
monográfico dedicado a Fonti criminali e storia sociale, dos Quaderni Storici, 66, XXII, 1987, fasc.3,
p.695, cujo sentido geral já tinha sido expressado oito anos atrás na advertência à seção intitulada Per lo
studio della storia criminale no número dos Quaderni Storici, 44, XV, 1980, fasc. 2, p. 580.
3
A expressão, eficaz e pontual, é, mais uma vez, de E.GRENDI, Premessa, cit., p. 695.
O que se compreende menos é por qual razão tais fontes judiciárias (ou, como se
diz hoje, ‘criminais’) deveriam sustentar uma história social que repele ou negligencia
os aspectos de estudo do crime e da justiça criminal. Se é bom louvar a polivalência de
uma fonte para indicar usos alternativos ou ulteriores, não é tão bom fazer disso
argumento para interditar a sua função natural e originária, que é a de ser antes de tudo
fonte no seu próprio âmbito. Uma das explicações possíveis talvez esteja no fato de que
ainda não providenciamos a estipulação do significado da expressão história criminal
(ou melhor, a área de pertinência, o objeto e os utensílios de tais estudos), de modo que
acabaram sendo excluídos dela alguns dos seus elementos constitutivos, comprimindo-a
dentro de uma casinha que não é a sua.
Eu estou mirando, essencialmente, duas presunções. Em primeiro lugar, a
suspeição de positivismo ritual que acompanha esses estudos, solicitados a se
desculparem do seu suposto vício criminológico, no sentido de criminologia etiológica
d’antan. Repelindo tal preconceito, acrescento, todavia, que, como sempre, a presença
da suspeição também é fumaça de um incêndio: e eu não vou negar a existência de
ingênuos que concebem a história criminal como a ciência do determinado, da medida e
das quantidades, e que pensam o crime como efeito de algumas causas, e que se
propõem a descobri-las fazendo somas. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que a
disponibilidade, pelo menos, de raciocinar em termos quantitativos, se necessário, não
pode ser totalmente banida dos estudos de história criminal4. Trata-se, evidentemente,
de uma questão de dose, contextos e medida, especialmente se pensarmos que as
principais objeções que foram direcionadas ao serial/quantitativo dizem respeito à
confiabilidade das séries e à presença da cifra negra: diante de séries confiáveis e crimes
altos (para os quais é de se esperar uma incidência menor do black number), se forem
observadas acuradas cautelas, o quantitativo pode ser relegitimado, considerando a
hipótese de que ele serve para alguma coisa. A discussão entre quem o considera inútil
ou deturpador e quem o considera essencial e iluminador já ficou para trás: a terceira
posição, que diz “depende”, é a mais difundida, e provavelmente é a mais justa5.

4
Eu acredito que pesquisas capazes de fornecer dados quantitativos conscienciosamente recolhidos,
relativos à época pré-estatística, ou publicações de séries estatísticas oficiais (como aquela em preparação
na França por parte do grupo que está ligado à Déviance et Societé, relativa ao Compte Général de
l’Administration de la Justice Criminelle) são de grande utilidade. Como bem se compreende, o ponto
não é ter à disposição dados bem colocados (que, talvez, o problema é que tenhamos poucos), mas de não
carregá-los com operações historiográficas que eles não seriam capazes de sustentar.
5
Palavras equilibradas sobre esse ponto também no citado escrito de T.CURTIS E J.A.SHARPE, Crime
in Tudor and Stuart England, p. 24.
A questão é diferente, é preciso convir, quando nos referimos à resistência do
paradigma etiológico. A opinião segundo a qual o crime tem causas, e que, portanto, é
sensível ao surgimento de fatores (o calor e o frio, a penúria e a abundância) possui toda
a força da inércia e da sobrevivência de preconceitos mascarados pela obviedade. Ora, é
verdade que tudo pode influenciar tudo, mas, sobretudo, é verdade que os
comportamentos criminosos não conhecem leis e que os furtos podem (aparentemente)
aumentar em tempos de carestia, tornando-se, depois, clamorosamente inumeráveis na
sociedade do bem-estar e do desperdício. Qualquer historiador criminal sabe que, para
encher de fascículos um arquivo de tribunal conta muito mais uma justiça eficiente do
que uma sociedade transgressora; e ele sabe, também, que, quando os processos por
furto parecem aumentar em tempos de carestia, isso poderia ser o resultado não tanto da
fome dos ladrões, mas do medo – e, portanto, da vigilância – dos proprietários. Alguém
irá dizer, de acordo, mas continua verdadeiro que a carestia faz aumentar os furtos: não
sei, eu só vejo que aumenta (quando e se aumenta) o número de fascículos no tribunal; e
acrescento que eu não me sentiria capaz de formular a “lei do aumento dos furtos em
tempos de fome” não somente porque eu não estou certo dos pressupostos científicos da
sua formulabilidade, mas, sobretudo, porque um princípio criminológico que não
acrescenta absolutamente nada ao patrimônio do nosso senso comum não merece tanto
esforço, tantos cotejos, verificações e controles, que, de qualquer forma, não poderiam
anular a sua margem de erro nada pequena.
O fato é que os exercícios de história criminal conduzidos em bases etiológicas
(frequentemente, inclusive, criptoetiológicas), e/ou com altíssimas dosagens de
serial/quantitativo, repousam todos no falso pressuposto de que nos arquivos judiciários
se encontra efetivamente a história da criminalidade, enquanto ali está somente a
história da justiça criminal. Esse falso pressuposto não é, obviamente, falso em absoluto
e sem qualquer resíduo: é evidente que elementos para uma história do fenômeno
criminal devem ser recolhidos também interrogando fontes judiciárias, mas é preciso
saber, e não esquecer, que os processos tratam o crime, mas revelam a justiça. Os
números que podemos extrair de um fundo arquivístico criminal não quantificam os
delitos cometidos, mas os delitos perseguidos, e, assim, não medem a presença do
crime, mas o funcionamento da justiça. Como bem sabemos, uma grande quantidade de
elementos pode ser extraída de tais fontes: a dinâmica dos processos, a estrutura deles,
caráter ordinário ou extraordinário do procedimento, as práticas de investigação e de
interrogatório, o estilo das cortes; e, ainda, a condição dos acusados, a cultura dos
juízes, o andamento e o conteúdo das sentenças, a qualidade das penas aplicadas, a
seleção dos delitos e dos acusados, a atividade sui generis de magistraturas especiais, e
muito mais. Todos elementos, como bem se vê, para uma história da justiça criminal.
A segunda presunção é aquela que toma como óbvia a qualidade de mera
história social dos resultados desta área de pesquisa. Existe relutância em reconhecer na
história criminal o elemento da autonomia (como se dizia antigamente), considerando o
fato de que um robusto componente histórico-jurídico veda a sua dissipação na história
social tout court, assim como a sua dimensão histórico-social a emancipa do domínio da
história dos meros fatos jurídicos. E parece-me que olhar para a história criminal no
espírito de admitir a sua autonomia (o que, para certas visões presentes inclusive entre
os historiadores juristas, poderia comportar a passagem prévia de admissão da sua
legitimidade)6 integra a condição preliminar para a estipulação da sua acepção.
Não acredito que seja possível conceber a história criminal senão como história
dos aparatos complexos (e da atividade) da justiça penal, em relação aos quais o
fenômeno criminal – que deve ser lido como fenômeno ‘social’, mas vinculado aos seus
numerosos contextos – é somente um dos componentes que contribuem para marcar os
contornos da repressão7. O pressuposto desse modo de ver as coisas está na forte
indicação que vem das fontes judiciárias e no papel que o direito desenvolve na relação
entre uma ação ameaçada por uma pena e o sistema punitivo entendido em sentido
amplo, ou amplíssimo.
A história criminal, forçosamente, é história de relações, e não história de fatos,
no máximo de fatos enquanto extremidades ou fontes de relações. As relações
implicadas são aquelas que atravessam poderes, sociedade e sujeitos, pela mediação do
direito, normas e práticas. Em termos criminológicos muito aproximativos, seria
possível dizer que a história criminal deve ser colocada na perspectiva da “reação
social”, e não na da “passagem ao ato”.

6
Ao usar palavras como autonomia e legitimidade eu não pretendo, deus me livre, reivindicar espaço
(quiçá acadêmico: número, agrupamento, asterisco) para uma nova disciplina. Eu penso somente no
estatuto científico de uma experiência de pesquisa, que precisa identificar o seu terreno, assinalar limites
que lhe sejam úteis para conviver com outras experiências próximas a ela, permitindo, inclusive, fazer
acordos com elas, no caso de um regime, por assim dizer, de ajuda mútua. Tudo isso para chegar a ser
reconhecida, de modo que os seus produtos possam ser avaliados, isto é, comparados, mensurados de
acordo com algum padrão convencional, talhado segundo um critério que seja “dessa arte”.
7
Eu já tive a oportunidade de refletir sobre a história criminal como lugar (em hipótese) privilegiado de
uma relação mais estrita entre história social e dimensão jurídica. Quem quiser, pode consultar
M.SBRICCOLI, Storia del diritto e storia della societa`. Questioni di metodo e problemi di ricerca, in
Storia sociale e dimensione giuridica, a cura di P.Grossi, Milano, Giuffrè, 1986, pp. 127-148.
As ações sancionadas penalmente, tomadas em si mesmas, ou no interior de
episódios, espaços e momentos pontuais, se avaliadas fora das suas relações com o
funcionamento dos aparatos repressivos, revestem-se de relevância demasiado tênues.
Na experiência da criminologia histórica clássica, vinculada ao princípio epistemológico
da “criminologia da passagem ao ato”8, essa perspectiva (metodologicamente coerente
com a história meramente quantitativa do crime) certamente é responsável pela sua
precoce eclipse, depois de um primeiro florescimento europeu (sobretudo alemão) nos
anos trinta e quarenta. Isso não exclui que tenhamos hoje reapresentações inconscientes,
na substância, de uma criminologia histórica já irremediavelmente datada. Assim, se
penso no gênero historiográfico chamado de “história do criminoso e do seu ato”, eu
consigo reconhecer os seus traços em mais de um estudo daqueles que agora são
publicados como estudos de história social da criminalidade: o escopo de tal gênero, de
fato, era penetrar na psicologia do criminoso, ou dos grupos criminosos, bem como da
vítima, avaliando motivos e a psicologia das pessoas às quais se demandava a aplicação
do direito9.
É nisso que eu pensava quando fiz alusão, no início, a sinais de cansaço que é
possível identificar mesmo nos estudos que vem sendo feitos na Itália sobre o crime e a
justiça criminal. Percebe-se certa ânsia, por exemplo, no uso que nesses estudos se
pratica do gênero historiográfico chamado de case history. É preciso dizer,
preliminarmente, que se trata de um gênero muito difícil de praticar, ainda que ele possa
assumir a aparência de um gênero fácil de enfrentar. Fortemente envolvido no risco
belletristico, ele possui, ainda, na sua versão histórico-criminal, uma enganadora força
de atração, feita, sobretudo, de episódios impressionantes, de fascínio pelo pouco usual,
pelo tom sugestivo dos faits divers. Sob pena de se tornarem negligenciáveis, o
episódio, o exemplum, o fato, o caso, devem possuir, como é fácil de compreender, um
alto grau de representatividade, ou, pelo menos, um bom poder de representação; ou
então não ser nada “exemplar”, mas testemunhar a excepcionalidade em relação à
routine da vida e da justiça: isto é, ser verdadeiramente extraordinário, porque os picos
da representatividade são dois, o igual absoluto e o estremo desigual. Essas
8
Eu penso, sobretudo, no fundamental, nessa perspectiva, e, de qualquer forma, um clássico, estudo de
G.RADBRUCH E U.GWINNER, Geschichte des Verbrechens. Versuch einer historischen Kriminologie,
Stuttgart, Enke, 1951. Ele representa concretamente uma tentativa de fazer história do crime (ou “dos
crimes”, como se dizia), sucedido por alguns outros (por exemplo, H.VON HENTIG, Studien zur
Kriminalgeschichte, Bern, ..., 1962 ), e, depois, substancialmente abandonada.
9
É assim que ilustra tal método, acreditando nele, W.MIDDENDORFF, La criminologie historique. Ses
tâches et ses responsbilités, spécialement en France, in La Criminologie. Bilan et perspectives, Mélanges
offerts à Jean Pinatel, Paris, Pedone, 1980, p. 50.
características constituem a paradoxal fragilidade da case history, porque a falta delas a
invalida, enquanto a presença delas a torna árdua e arriscada.
Depois, se refletirmos em perspectiva sobre a “história feita partindo do
acontecimento criminoso”, ou, de maneira mais genérica, “a propósito disso”, a
indicação que se pode extrair parece ser o (necessário) progressivo desgaste do próprio
significado da case history (of crime) a medida que se procede com a prática do gênero
historiográfico. Isso vale ainda mais na história do crime e da justiça criminal, na qual a
matéria de investigação corresponde (aparentemente) a uma soma de acontecimentos ou
de “rationes operandi”, que contém comportamentos e histórias (isto é, fascículos
específicos nos arquivos judiciários) que parecem prestar-se a serem trazidos novamente
à luz um a um. Podemos, assim, com medíocre vantagem para os nossos
conhecimentos, produzir numerosas e sucessivas “histórias”, a partir de diferentes
fattispecie do mesmo tipo penal (digamos, o infanticídio), que acabarão por ir cada vez
mais à direção da lógica de uma história unius rei, construída uno medio. Os
acontecimentos crus são diferentes, mas, em termos de princípio metodológico, eles
tendem a se sobrepor e a se parecerem uns com os outros, até se tornarem,
historiograficamente, a mesma coisa. Uma “lei” da história/caso parece sancionar que,
nela, a quantidade procede alimentando-se da qualidade. Os seus produtos são de grande
interesse quando são poucos, de modo que, se o primeiro estará cheio de insights,
sugestões e ensinamentos, o enésimo será totalmente négligeable. Ora, já que esse
gênero de exercícios demonstra render muito mesmo diante de modestos investimentos,
há o risco do abuso, com o resultado de deixar em hipoxemia um setor de investigação
que, por si só, mostra ter alguns problemas de fôlego.
A história/caso do crime e da justiça criminal, entre outras coisas, e eu vou dizer
isso porque sou obrigado, obscurece o momento jurídico e processual, mesmo quando
parece ter sido construída na esteira deles, ou, talvez, tendo como próprio objeto o
segundo. Mas o processo é mudo e não se deixa apreciar quando o caso é pontual,
porque ele pode ser lido (não digo avaliado, digo lido) somente se colocado em
perspectiva, comparado, e inserido dinamicamente em cronologias e conjuntos de casos
longos e ponderados. Assim como nenhuma política do direito, estatal ou pré-estatal,
pode ser hipotizada ou desvelada se aquilo que se está construindo, na verdade, é o
“exemplar” de outra dinâmica, não jurídica, não histórico-criminal, mas (normalmente)
psicológica, ou então, como se diz hoje em dia, conflitual. O que aparece, de qualquer
forma, muito frequentemente, é um defeito de problematização, uma história feita como
se dizia antigamente, de “lacunas”, que é bastante frequente e vem se tornando objeto de
alguma reflexão nos meios mais atentos da história criminal, e em toda a Europa.
Refletindo um pouco mais sobre os marcos iniciais destas considerações,
permaneço convicto de que, com as fontes ditas criminais, é possível fazer muitas
coisas, e continuo, assim, achando um pouco ingênua a atitude de quem afasta sem mais
a ideia de empregá-las para a história do crime e da justiça criminal. A uva deve ser
comida ou devemos fazer vinho? Parece-me que podemos atribuir a ela a dupla
prerrogativa. Dito isso, não podemos deixar de perceber como atentos e bem preparados
historiadores (não juristas, de qualquer forma) dão indicações, propõem percursos de
pesquisa e questionamentos que se inserem a pleno título10 “no filão correto da história
criminal recente”. Naquelas páginas, salvo a divergência de ideias sobre o uso e
destinação das fontes judiciárias (que deveriam, talvez, passar por uma verificação,
porque o teor das posições provoca fortes suspeitas de mal-entendido), encontro
intuições programáticas inteligentes e observações equilibradas, e, ao mesmo tempo,
não consigo encontrar divergência de visões a não ser argumentando ex silentio. O
silêncio – que, imagino deve-se ao fato de as barreiras entre as ciências sociais ainda
serem altas11, mas que podem derivar também de uma renúncia – diz respeito ao papel
do “penal” nessas pesquisas.
Eu digo “penal” para me referir à experiência jurídica em sentido amplo:
positiva/substancial e processual, doutrinária e normativa, como pretendo esclarecer
mais adiante, com referência a todos os momentos relevantes da prática da repressão: da
prevenção (quando existe) à pena, passando pelo julgamento. Não me refiro, porém, a
nenhum tipo de história administrativa, que poderia se relacionar com a história do
crime e da justiça criminal somente de maneira mediata e eventual, como poderia
acontecer com qualquer outro ramo especial da pesquisa histórica possível.
Certamente, é sensível a carência de dimensão jurídica nesses estudos. Por
vezes, ela é aparentemente (ou parcialmente) elidida, dissolvendo o direito em um
impreciso espaço ‘ideológico’, de modo a envolvê-lo no raciocínio, mas sem torná-lo
uma presença condicionante, com a qual é preciso, depois, prestar contas tecnicamente;
outras vezes, o direito é tomado pelo seu lado ‘antropológico’, e considerado um
medium cerimonial, não sem traços exotéricos, “operando no mesmo registro que a

10
Refiro-me a E. GRENDI, Premessa, cit., p. 696.
11
Paráfrase de uma expressão de J. LE GOFF, Histoire médiévale et histoire du droit: un dialogue
difficile, in Storia sociale e dimensione giuridica, cit., p. 59, o qual desenvolve uma fértil reflexão sobre a
reflexão entre direito e história, ao qual eu tenho prazer em remeter por inteiro.
atividade mágica nas sociedades não reguladas pelo rule of law”12 . Mais
frequentemente, expressando uma renúncia, a dimensão normativa dos problemas, ou
pior, as peças jurídicas do mosaico são francamente removidas do quadro da pesquisa.
A renúncia poderia nascer do fato de que o direito, entendido como ciência, mas,
também, somente enquanto ‘presença’ cultural e ideológica, sempre colocou os
historiadores sem dupla formação em séria dificuldade. O direito tem uma complexa
linguagem própria, consequência de uma lógica que é sua, específica, abstrata e
rigorosa, para a qual aproximações são erros; tem uma quantidade indefinida de
aspectos diversos, de institutos, de mecanismos, de princípios gerais e particulares, de
regras, por assim dizer, idiomáticas, conhecidas somente por aqueles que o praticam
assiduamente13.
Motivos compreensíveis, portanto, fizeram com que a bagagem dos historiadores
[sociais] acabasse por agregar oportunas fórmulas retóricas e comportamentais capazes
de dar a eles um conjunto de possíveis bypass, através dos quais escapar ou atravessar
ilesos os núcleos jurídicos dos seus objetos de estudo. “O ‘direito’ é mais ou menos
irrelevante para as investigações dos historiadores sociais” – escreveu J. H. Baker –
“exceto na medida em que o sistema legal acaba produzindo registros para os quais eles
dependem para obter informação factual”14. É dessa ordem de problemas, isto é, do
silêncio/rejeição, ou silêncio/elisão, que emerge a oportunidade de alargar o discurso
que eu venho fazendo sobre as fontes, deslocando-o, agora, para o campo do direito.
As fontes jurídicas. Um elemento natural da história criminal é o direito. Digo
natural para dizer essencial e inderrogável. Em primeiro lugar, o direito ritual 15,

12
Nesse sentido, R. ROTH, Evaluation de l’apport des résultats de la recherche historique à la politique
criminelle.....,in La recherche historique sur la criminalité et la justice pénale, (VIe Colloque
Criminologique), Strasbourg, Conseil de l’Europe, 1984, p. 67. É o caso de recordar, como, de resto,
também o fez Roth, o escrito de G. H. MEAD, The psychology of punitive justice, in Id., Selected
writings, New York, Liberal Art Press, 1964, pp. 212-239.
13
Repito palavras já escritas em Storia del diritto e storia della società, cit.,p.128 ss. A dificuldade de
abordar o universo do direito que, leva, por vezes, a ignorar a dimensão jurídica dos problemas históricos,
mesmo quando é evidente para todos que seria necessário enfrentá-la, é a mesma que – na história da
cultura – conduz, às vezes, a amputar os juristas, como se isso fosse decente, do grupo dos intelectuais
levados em consideração. Eu escrevi algo a respeito em Il diritto penale liberale. La Rivista Penale di
Luigi Lucchini, 1874-1900, in Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, 16,
1987, nota 1.
14
J.H.BAKER, The Refinement of English Criminal Jurisprudence, 1500-1848, in L.A.KNAFLA
(Editor), Crime and Criminal Justice in Europe and Canada, Calgary, Wilfrid Laurier University Press,
1981, p. 17.
15
A terminologia jurídica, como sabem bem os historiadores do direito, não é fungível no tempo. O uso
convencional da terminologia contemporânea (vinculada, entre outras coisas, à área cultural de quem se
serve dela) para indicar noções jurídicas históricas é tolerado na medida da sua eficácia, desde que não
induza mal-entendidos. O risco de imprecisão, ou de equívoco, é muito forte no caso da história criminal,
quando é necessário fazer referência sinteticamente a fases longas ou complexas da experiência, que não
entendido grosso modo como conjunto das regras (ou das práticas) que, em relação às
instituições judiciárias, disciplinam as competências e o procedimento. Depois, o direito
penal substancial, em todas as suas epifanias históricas, a mais decisiva delas, do ponto
de vista da história criminal, está na fase de emersão16, medieval e moderna, na qual
(ament meminisse periti) o direito vigente é inteiramente Iuristenrecht: um direito de
juristas que, por vezes, acaba sendo integrado (do século XVIII em diante cada vez
mais) pela legislação, mas que permanece durante muito tempo o lintel e o fundamento
de toda a ordem jurídico-penal. As normas penais estão nos livros dos juristas. Mesmo
quando as normas vão se tornar lei, nesses livros ainda permanecerão a cultura dos
juízes e a base fundamental da atividade de interpretação e aplicação deles.
Somente em consequência do ingresso do jurídico, objetos de história social se
transformam em objetos de história do crime e da justiça criminal: e é a inexorável
qualificação jurídica que faz de uma ação socialmente o polo de um vínculo relacional
(com quem tem poderes, com os aparatos de justiça, com a vítima, com o resto da
sociedade, e assim por diante), de modo a impedi-la de ser pensada na perspectiva de
uma mera “história [social] da criminalidade”, a qual seria, exatamente, uma das
reedições possíveis da “história das ações criminosas”, que não me parece que
estejamos sentindo falta.
A história criminal se apresenta, então, como produto de uma interface posta
entre a história da sociedade e a história do direito penal e da justiça criminal. E não se
trata somente de afirmar a necessidade de uma sinergia17: a partir do momento que o

é possível designar com expressões extraídas do uso contemporâneo, por causa dos seus significados
rigorosos ou historicamente circunscritos. ‘Direito processual’ ou ‘processo penal’, em relação às práticas
de justiça do antigo regime são expressões com forte odor de anacronismo, mas, mesmo que o equívoco
fosse evitado pela inteligência do leitor, certamente elas não cobririam todo o complexo conjunto de
operações e ritos judiciais que está dentro dos tantos (e diferentes) “processos” possíveis nas tantas
combinações espaço-temporais possíveis, considerando que se trata de uma miríade de ‘instituições’
judiciárias (várias por Estado em vários Estados) e de um arco temporal de três séculos. O mesmo
aconteceria com termos como ordo, iudicium, ritus, processus, praxis e outros, que têm significados
demasiado precisos, ou demasiado imprecisos, vinculados a experiências pontuais, ou sugeridos por uma
exigência de generalidade (ver, sobre isso, a inteligente contribuição de N.PICARDI, Processo civile
(diritto moderno), in Enciclopedia del diritto, XXXVI, 1987, p.101 ss.). O historiador, então, deve
recorrer a expressões capazes de designar com eficácia, mas puramente inventadas, para evitar equívocos,
exclusões ou anacronismos.
16
A fase de emersão do penal (ritual e substancial) abrange um período muito longo que vai do século
XIII até o século XVIII: é evidente, então, que é preciso colocar alguma ordem nesse arco de tempo. Uma
hipótese de trabalho aceitável foi proposta por Ph.ROBERT E R.LEuVY, Histoire et question pénale, in
Revue d’Histoire Moderne et Contemporaine, XXXII, 1985, pp.483 ss., que indicam uma fase do direito
penal dito preparatório (na época pré-estatal) e uma fase proto-penal, que poderia ser colocada (na
experiência francesa, porém) entre os séculos XVI e XVIII.
17
Sobre as várias razões de tal necessidade, e sobre as numerosas componentes culturais e disciplinares
que a formam, eu escrevi em Storia del diritto e storia della società, cit., p. 145 ss.
penal ancora na fase de construção18, isto é, fundamental, ao longo do século XIX, ele
produz e governa o crime, um ente cada vez mais jurídico e cada vez menos
“comportamental”; a criminalidade torna-se, efetivamente, um fenômeno normativo19 e
o penal acaba sendo em absoluto um dos termos mais relevantes da relação entre
sujeitos, sociedade e poderes: terreno e objeto de batalhas históricas sobre civilização,
liberdade, igualdade e emancipação, ele não pode deixar de impor à pesquisa histórica
um deslocamento de foco para melhor equilibrá-lo entre a sociedade e o ordenamento.
Não são poucos os historiadores criminais, de Thompson20 a Soman21, até
Hammer22, Hay23, Bellamy24 e outros25, que, em relação à fase de emersão,
compreenderam o caráter inelidível dessa passagem, frutificando, alguns mais outros
menos, as suas extraordinárias potencialidades. No entanto, não são muitos os que
souberam aproveitar o valor da fase de construção do penal, que é a do penal em sentido
moderno26: impregnado de “estatalidade”, ancorado no mito da lei, apoiado em aparatos
de justiça muito mais sólidos e autônomos do que no passado; constrangido, enfim, em
uma ambiguidade (defesa da sociedade, garantia dos particulares) que o coloca até

18
Uma convincente colocação em perspectiva dessa dinâmica encontra-se, mais uma vez, em
PH.ROBERT E R.LÉVY, Histoire et question pénale, cit., pp. 481-526.
19
A expressão foi usada por M.PAVARINI, La criminologia, Firenze, Le Monnier, 1980, p. 36.
20
Sobretudo, E.P.THOMPSON, Whigs and Hunters: the Origins of the Black Act, London, Allen Lane,
1975.
21
A.SOMAN, Deviance and Criminal Justice in Western Europe, 1600-1800: na Essay in Structure, in
Criminal Justice History, I, 1980, pp. 3-28.
22
C.J.HAMMER, Patterns of Homicide in fourteenth-Century Oxford, in Past and Present, 78, 1978, pp.
3-13, em que a relação de valorização está presente, mas, em certo sentido, invertida, já que Hammer
ilustra, substancialmente, a contribuição que os estudos sobre homicídio deram para a história penal.
23
D.HAY, Property, Authority and the Criminal Law, in D.Hay et al, Albion’s Fatal Tree, Middlesex,
Allen Lane, 1975, pp. 17-63.
24
J.C.BELLAMY, Crime and Public Order in England in the Later Middle Ages, London, Routledge &
Kegan Paul, 1973, ed il piu` recente Criminal Law and Society in Late Medieval and Tudor England,
London, Alan Sutton & St Martin’s Press, 1985.
25
Eu lembro, a puro título de exemplo, os escritos de D.GREENBERG, Crime and Law Enforcement in
the Colony of New York, 1691-1776, Ithaca and London, Cornell University Press, 1974; N.CASTAN, La
justice expéditive, in Annales ESC, XXVIII, 1976, fasc. 2, pp. 331-361; D.T.KONIG, Law and Society in
Puritan Massachussetts. Essex County, 1629-1692, Chapel Hill, The Univ.of North Carolina Press, 1979;
M.R.WEISSER, Crime and Punishment in early modern Europe, s.l., The Harvester Press, 1979; o
volume organizado por V.A.C. Gatrell, B.Lenman e G.Parker, Crime and the Law.The Social History
of Crime in Western Europe since 1500, London, Europa Publications, 1980, com escritos expressamente
voltados a avaliar o conteúdo, papel e impacto do direito penal em relação ao crime, de B.Lenman e
G.Parker, C.Larner, M.Weisser, J.A. Sharpe, D.Philips, S.J.Davies; a pesquisa de I.A.CAMERON, Crime
and Repression in the Auvergne and the Guyenne, 1720-1790, Cambridge, University Press, 1981, e, por
mais de um ângulo, os mais recentes estudos de J.A.SHARPE, Crime in seventh-century England. A
county study, Cambridge-Paris, Cambridge University Press & Maison des Sciences de l’Homme, 1983 e
Crime in early modern England, 1550-1750, London-New York, Longman, 1984.
26
Sobre essa passagem: PH. ROBERT e R.LEuVY, Le sociologue et l’histoire pénale, in Annales ESC,
XXXVI, 1984, fasc. 2, p. 409.
demais na condição objeto de disputa entre autoridade, ordem e segurança, por um lado,
liberdade, legalidade e garantismo de outra.
Por todas essas razões, na fase de emersão de uma maneira, na de construção de
outra, o penal aparece como fonte primária da história criminal ou, se preferirmos, da
história social que se vale de fontes ditas “criminais”27. Ele é o instrumento de uma
contextualização do objeto da pesquisa. É absolutamente evidente, de fato, que, para
reconstruir, situar e avaliar a transgressão (em si e nas suas relações), o elemento
normativo apresenta-se, por um lado, coessencial, e, por outro, antecipador em relação
ao elemento judiciário: o qual, de resto, muito frequentemente examinado em vestes
ainda mais reduzidas, que é a estritamente processual, por vezes sublimitada, ainda, a
uma particular fase do evento processo.
No sistema das fontes penais, possui um lugar especial a obra dos juristas. Não
somente em sentido técnico (porque tais obras, por alguns séculos, e não somente na
área italiana, trouxe em si de maneira direta ou mediata quase toda a normatividade
pensável), mas em sentido qualitativo. Talvez ainda passará muito tempo antes que os
historiadores não juristas encontrem uma maneira (o tempo? a paciência? a coragem?)
de adentrar nesse território feito de centenas de volumes, difíceis de enfrentar e
dominar, mas densos de indicações e de centelhas; eu estou convicto de que quando o
momento estiver amadurecido e se começar a fazê-lo, encontrar-nos-emos diante do
estabelecimento de uma grande atenção. Seria possível dizer: mas hoje alguns
historiadores do direito trabalham sobre essas fontes, e nada de similar está
acontecendo; é verdade, mas o ingresso em um campo como esse de novos pontos de
vista, guiados por outras competências e estimulados por interesses extrajurídicos, é a
condição para a formulação de perguntas inéditas, e, assim, para a obtenção de novas
respostas.
Não será, certamente, uma escavação fácil. Aqueles intelectuais eram arredios ao
discurso direto, não era do estilo deles falar explicitamente daquilo que acontecia no
mundo, e eles consideravam elegante poupar referências explícitas às relações de poder,

27
Vale também o contrário: pensar, por exemplo, como faz R. ROTH, Evaluation, cit., p.66, na extrema
importância da história da pobreza para o aprofundamento dos conhecimentos em matéria penal: “Qui
pénètre ce territoire traditionnellement fort e bien exploré a souvent l’impression de traverser le
laboratoire de l’histoire pénale stricto sensu. Se rencontrent entre autres phénomènes connus des
spécialistes du pènal, mais à des époques antèrieures et de manière souvent plus transparente, les
mécanismes de répression et d’exclusion (la séparation entre ‘bons’ et ‘mauvais’ pauvres), le
développement d’institutions de régénération combinant répression pure et rééducation, la rationalisation
des méthodes de prise en charge, la bureaucratisation de ces institutions et même la mise au point de
politiques d’intimidation qui annoncent l’idéologie pénale de la prévention générale”.
sociais ou interpessoais: poucas pepitas, portanto, para os historiadores do social, em
meio a uma grande quantidade de areia jurídica. Em compensação, muitos daqueles
juristas podiam estar com a razão, na realidade deles, entre as cimeiras da
intelectualidade da época: atentos, especializados, providos de autoridade, não
ignoravam o poder e os seus mecanismos, às vezes críticos e muitas vezes preocupados
com o grau de racionalidade do ordenamento punitivo: coisas que acabavam sendo
úteis, inclusive, para o seu nível de civilidade.
Dizia-se outrora que nos papeis dos processos penais, bem ou mal, é possível
escutar as vozes dos subalternos, se não fosse por isso, emudecidos pela história alta.
Pois bem, nos livros dos juristas falam os intelectuais, os homens do poder, os homens
dos aparatos, e o fazem produzindo o discurso constitutivo da repressão penal. Tal
discurso é, ao mesmo tempo, declarativo e esclarecedor, e, enquanto funda e explica as
engrenagens e as razões de um sistema punitivo, também dá conta largamente dos
contextos que lhe são correlatos. Porque o direito, como bem sabe quem trabalha com
ele pelos lados certos, tem na sua natureza um extraordinário poder de absorção e uma
altíssima capacidade de refração. Em alto grau, ele é capaz de imprimir sobre si, ainda
que de maneira cifrada, os sinais distintivos das atitudes sociais, para, depois, remetê-
los com clareza a quem souber lê-los ou decodificá-los.

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