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AUTORES

A ideologia do ressentimento
Reprodução
Away from
the Flock"
(Distante do
Rebanho),
instalação
de Damien
Hirst na
mostra
"Sensation",
em Londres
(1997)

A crítica à crise da arte atual se


baseia em uma noção retórica e
preconcebida

JACQUES RANCIÈRE 
especial para a Folha 

Entre os debates públicos pelos quais a "intelligentsia" francesa diz se


interessar, a crise da arte ocupa uma posição de destaque. As revistas
intelectuais consagradas a "elevar" as discussões sobre os grandes problemas
da sociedade não deixam de chamar atenção para esse tópico. "Esprit", órgão
do liberalismo cristão-social-hermenêutico, lançou alguns anos atrás uma
polêmica contra o vale-tudo que, com a cumplicidade dos funcionários da
cultura, invade hoje museus e galerias.
"Le Débat", órgão do neoliberalismo nu e cru, promoveu recentemente uma
peleja entre três rivais: Jean Clair, contemptor das vanguardas em sua tese
sobre a responsabilidade do artista, opõe-se a Philippe Dagen, cujo livro, "O
Ódio da Arte", incrimina os detratores da arte contemporânea. Yves
Michaud, autor de "A Crise da Arte Contemporânea", sem dar razão a
nenhum dos seus adversários, traduz a "crise" em termos de uma evolução
sociológica, dentro da qual a democracia de massas e o multiculturalismo
liquidam não a arte, mas as utopias da arte. Enquanto isso, do periódico de
esquerda "Libération" à revista de extrema direita "Krisis", Jean Baudrillard
repete interminavelmente o refrão da nulidade fatal da arte num mundo em
que tudo é imagem.
Nada garante que essa profusão de polêmicas esclareça ao leitor no que
consiste, afinal, a famigerada crise. Ou mesmo a que nos referimos quando
falamos de arte. Os nomes dos artistas estigmatizados são significativos.
Além das vedetes Joseph Beuys/Andy Warhol, o objeto desses ataques é o
conjunto das correntes que, da arte pop à arte conceitual ou à Dokumenta de
Kassel, assimilaram suas manifestações a um certo repúdio às formas
tradicionais da arte. A crise da arte é, em resumo, o novo nome daquilo que
foi, há 30 anos, a arte contestadora -ou a contestação da arte.
Se seguissem a lógica, porém, os contemptores da crise deveriam antes de
tudo se alegrar ao constatar o recuo ou a banalização das formas que, no
máximo, se referem apenas a um setor bem limitado do vasto domínio das
artes, na fronteira das artes plásticas e das artes performáticas. Mas talvez a
retórica da denúncia seja mais importante do que aquilo que ela denuncia. E,
mais do que a análise das formas presentes da música ou do cinema, da dança
ou da fotografia, a crítica atual da "arte em crise" obedece a uma lógica
ideológica pré-constituída. Suas argumentações, de fato, só fazem cunhar os
mesmos argumentos que alimentaram, nos anos 70, a denúncia dos "maîtres-
penseurs" e sustentam, desde os anos 80, a denúncia do "pensamento de 68"
ou mesmo os apelos à restauração da sã filosofia, da moral kantiana e da
política "republicana".
Nada mais revelador, sob esse aspecto, que a leitura de "A Responsabilidade
do Artista". Seu autor, Jean Clair, tornou-se conhecido por ensaios brilhantes
e exposições memoráveis à frente do Museu Picasso. Mas nada de seu
inconteste conhecimento da pintura aparece nesse escrito, que, a exemplo de
Glucksmann, Finkielkraut, Ferry e outros oráculos da nova direita intelectual
francesa, acusa o inevitável bode expiatório: o romantismo alemão seria, é
claro, o responsável pela decadência contemporânea da arte, bem como de
todos os crimes do nazismo ou do stalinismo.

Foi ele que acabou por converter a arte moderna no frenesi vanguardista da
busca do novo ou da antecipação forçada do futuro. Foi ele que absolutizou a
noção de arte e a submeteu aos fantasmas irracionais da criação original. Os
fracassos da arte acompanharam assim os crimes da utopia, nascidos do
mesmo solo. Ontem, nos diz Jean Clair, os expressionistas alemães
-herdeiros do romantismo encarnado no simbolismo- preparavam o nazismo
(que os condenaria) anulando os limites entre o sentido e os sentidos. Hoje,
essa vertente artística, despida de todo conteúdo, insiste em se proclamar por
meio do vale-tudo a que ela se consagra.

Aqui, a conclusão não é ainda muito clara. Segundo essa lógica, poderíamos
dizer que a utopia chegou a seu termo. O vale-tudo, tão depreciado,
corresponderia ao final da ditadura das vanguardas e à coexistência pacífica,
própria das formas de arte pós-moderna de uma sociedade multicultural.
Este, em suma, é o argumento do livro de Yves Michaud. Contudo, esse
"happy end" multicultural não é visto com bons olhos pelos luminares da
nova ideologia francesa. Para ela, o que se deve opor à derrocada das utopias
não é o simples consenso multicultural, mas o sentido renovado dos valores
republicanos e nacionais.

Assim, o combate ritual das luzes cosmopolitas de Kant contra as trevas do


solo e da origem de Herder é substituído por um outro combate -aquele que
opõe os encantos natais do solo republicano francês ao deserto multicultural
norte-americano. A derrocada da arte francesa contemporânea seria, portanto,
a submissão aos ditames estéticos da América do pós-guerra. É assim que
Jean Clair reconduz o triunfo do "all over" no expressionismo abstrato
americano à sua causa evidente: a infinita auto-semelhança de um país plano,
gigantesco arrabalde uniformemente cortado por rodovias em linha reta. A
esse deserto rodoviário opõe-se o encanto dos bosques e dos caminhos
tortuosos do campo francês, de que os escritores do território normando,
Maupassant e Flaubert, são os pintores.
A bem da verdade, existem algumas montanhas nos Estados Unidos (aliás, há
alguns anos a Universidade de Montana organizou um colóquio para chamar
a atenção de Jean Baudrillard para esse detalhe). As rodovias francesas não
serpenteiam no trigo mais do que suas irmãs americanas. E Flaubert, por sua
vez, odiava essa França boscareja e amava sobretudo o vazio dos desertos do
Oriente. No entanto, a ideologia do ressentimento tem suas razões, que pouco
se preocupam com a realidade dos fatos ou com a coerência dos argumentos.
Mas há uma lógica nessa estranha operação, que converte o escritor da "torre
de marfim" num pintor apaixonado por sua aldeia. Existe um fato singular
que caracteriza todos os discursos sobre a crise ou o fim da arte. Todos eles,
quando tratam da arte, se referem somente à pintura ou ao que hoje
corresponde ela. Jean Clair, que dramatiza a "responsabilidade do artista",
teria sem dúvida encontrado argumentos mais convincentes nos escritores,
músicos ou cineastas do que na pintura, cujos poderes de mobilização da
massa não são nada evidentes. Yves Michaud, que anula a dramaticidade da
crise da arte, também não parece considerar que a arte ultrapassa as fronteiras
de museus e galerias.
Ora, o cinema ou a dança se gabam de boa saúde. A música contemporânea
tende a sair de seu gueto e se mesclar a outras músicas. E mesmo quando ela
entedia, raras são as acusações de que os compositores ignoram seu ofício.
Ninguém fala da "crise da literatura", ainda que tão poucos escritores
suscitem entusiasmos delirantes. Por que então considerar que a arte em geral
está em crise, se aqueles que apreciam quadros encontram nos museus um
monte de roupas velhas, televisores empilhados ou porcos fendidos ao meio?
Ainda que se pudesse acusar de nula a pintura atual em sua totalidade, por
que o eclipse momentâneo de uma arte entre outras seria a catástrofe final da
arte?
É porque existe, nos diz Jean Clair, um poder da imagem figurativa a que
nenhum outro gênero estético pode se igualar. Mas por que, exatamente?
Porque, nesses discursos, a "pintura" designa, por assim dizer, uma revelação
ontológica ou mística. Nele, a pintura é concebida como um sacramento
original do visível, no qual a divindade ou o Ser aparece em sua glória. Não
vejo o quadro como uma coisa, afirmava Merleau-Ponty, meu olhar vaga por
ele "como nos nimbos do ser". Para ele, a visão onívora do pintor abria para
"uma textura do Ser", que o "olho habita como sua casa".
É facil compreender que o olho não encontra nos animais seccionados de
Damien Hirst essa casa do homem, que é também o abrigo de deus. Toda
uma parte da mística do visível se nutre dessa versão fenomenológica da
transubstanciação cristã. E, no final das contas, a crítica pós-situacionista do
"espetacular" comunga, em Baudrillard, essa nostalgia da presença perdida e
da encarnação oculta. A acusação levantada contra a "divinização" romântica
da arte possui também a necessidade dessa religião do visível, a que ela dá o
nome de pintura. A arte segue vivendo; mas o pensamento dos áugures, esse,
não vai muito bem.
Jacques Rancière é filósofo político francês, autor de "A Noite dos Proletários"
(Companhia das Letras) e "O Desentendimento" (Ed. 34), entre outros.
Tradução de José Marcos Macedo.

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