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BFL Fagundes. VIII CIH.

3018 - 3026

O QUE É, COMO E POR QUE HISTÓRIA PÚBLICA? ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES SOBRE INDEFINIÇÕES
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3426

Bruno Flávio Lontra Fagundes, UNESPAR

Resumo

Conforme discussão incipiente no Brasil, a História Pública


ganha adeptos interessados não só em saber do que se trata, como o que
se pode fazer com ela, ao mesmo tempo em que conta com a rejeição de
interessados em desqualificá-la em nome de ideais legendados, em boa
parte do tempo, sob os cuidados de “usos do passado”. A partir de leituras
de autores, estrangeiros ou não, traduzidos ou não, a comunicação objetiva
fazer ligeira incursão sobre aspectos envolvidos nas indefinições do que
seja “história pública” no Brasil. Um texto mais prospectivo, fazendo
anotações sobre indefinições do que seja exatamente história pública
como campo de saber em institucionalização. Mesmo que – pretensão
Palavras Chave:
pretensiosa – não ofereça uma definição conclusiva sobre a história
História; História
pública, o texto considera, ainda, que aspectos internos à prática
Pública; História Privada;
historiadora devem ser considerados, articulados à forma como se
públicos; legitimações.
organiza o conhecimento histórico acadêmico no Brasil quando
comparado com conhecimentos históricos não-acadêmicos, que terminam
por acolher o reconhecimento de “história pública” com muita mais
adequação do que o que fazem os historiadores acadêmicos. O texto
cogita, com isso, sobre se é viável se pensar numa natureza
conceitualmente arredia à história pública no Brasil da parte da
universidade, arredia a legitimações externas de seu conhecimento
produzido, e assinalar de vez o apelo sobre a urgência de historiadores
assumirem a discussão em vista dos impactos epistemológicos que afetam
a disciplina.
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A História Pública chegou na especialistas. A Escola dos Annales, com


agenda de discussão no Brasil, embora as autores que integram, hoje, a lista de
resistências e desconfianças ainda sejam nossas principais referências bibliográficas
grandes. Já ouvimos colegas referindo-se à em cursos de História, cresceu dessa
História Pública mais ou menos dessa comercialização ou interação com outros
forma: “Será que as pessoas vão gostar, públicos. Examinando o nascimento da
vão entender, vão querer a História?”. História disciplina ainda no século XVIII,
Mas, de quem é a História para comparando a França com a Inglaterra,
imaginarmos que as pessoas não vão Stephen Bann (1994, p.29) afirma que uma
querer? Ela, história, não lhes pertence boa pesquisa seria a de verificar as relações
também? A nosso ver, tal afirmação entre a institucionalização da História
demonstra desentendimento e sentimento disciplina com o desenvolvimento das
de ameaça. Quando se trata de História, o formas de poder do Estado Moderno.
Brasil, “permanece o país da academia”,
Henri Rousso (1984) pesquisa as
como quer Henri Rousso (1984)
origens francesas da Public History na
escrevendo sobre a França. França e as identifica ainda nos anos 1930
É ocioso dizer que a origem da na origem da Sociologia e da Economia,
História Pública são os Estados Unidos, que, segundo o autor, “conheceram um
nos anos 1970, e mais extensivamente progresso considerável (...) graças à
países anglo-saxões. Nos Estados Unidos pesquisa contratual” para empresas e
foi reconhecidamente uma iniciativa ligada governos. Rousso evita traduzir o public
a empregabilidade de historiadores o que inglês para o publique francês por questões
disparou sua discussão. Segundo Jill de semântica. Assim como, pessoalmente,
Liddington (2011, p.34): “[a história não gostamos da nomeação da história
pública refere-se também ao] método pública no Brasil como História
histórico fora da academia (...) “popular”, ou “popularização da História”
Historiadores públicos estão a trabalho pela evidente carga pejorativa que recai
sempre que, dentro de suas qualificações sobre a expressão “popular”:
profissionais, são parte do processo normalmente o “popular” são as massas,
público”. Conclui a autora: “a ênfase, aí, manipuláveis, paternalizadas, ignaras,
recai sobre os profissionais e sua normalmente desescolarizadas ou semi-
empregabilidade no espaço público (...)”. escolarizadas a quem não se atribui muita
O site norte-americano do capacidade de discernir ou que só teria
National Council on Public History (Conselho condições de gostar e compreender
Nacional de História Pública) dá a conteúdos e mensagens sem
dimensão de um dos aspectos que justifica problematizações e sensacionalistas.
a discussão nos Estados Unidos ao realçar A discussão que Rousso conduz
os lugares de trabalho e atuação em seu texto faz distinção importante:
disponíveis para historiadores formados para ele a discussão sobre História Pública
para práticas de trabalho que são não- é mais antiga do que se pensa, nada atual –
acadêmicas, ou que não têm no destino atual para ele é o reavivamento do
final o trabalho acadêmico. Ali, há uma interesse pela história, expresso no que
“jobs page updately weekly” [página de chama de “demandas sociais”. Para
empregos semanalmente atualizada]. Rousso, a História Pública é tão antiga
quanto a discussão, ainda do século XIX,
Na França não foi diferente,
da distinção entre “História
como confirma Rousso (1984),
desinteressada” e “História aplicada”.
escrevendo num momento em que os
Maurice Godelier (1982, p.10 apud
Annales avançavam sobre meios de
comunicação, coleção de livros de bolso, ROUSSO, 1983, p.114) é categórico:
difusão de história para públicos não as pesquisas nas ciências sociais não

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poderão ser jamais transformadas Por aqui, o mercado profissional


numa sorte de engenharia social de História – que numa longa tradição se
apta a produzir intervenções limitou ao magistério de Ensino Básico e,
milagrosas sobre as contradições mais difícil, ao Magistério Superior - não
sociais. Em todo caso, o princípio a tem sido promissor e, provavelmente, há
se respeitar em matéria de demanda
outras razões nem sempre profissionais
social de pesquisa é que unicamente
a comunidade científica é quem por detrás da escolha da maioria daqueles
deve traduzir em objetivos que querem a área como curso superior.
conhecimento de realidade que a Se o horizonte de expectativa de trabalho
sociedade lhes pede para analisar. para historiadores se amplia para diversos
(tradução nossa) trabalhos com memória localizados em
lugares e pontos de atuação em que os
Após analisar a relação da historiadores formados poderiam estar
História Pública americana e francesa, e mas que não estão, nem por isso isso não
levantando questões relativas ao grau de se discute. Não é comum que empresas,
História como investimento financeiro, mídias, órgãos governamentais tenham em
tanto num país como noutro, Rousso nem seus quadros historiadores no Brasil. Thais
por isso se abstém de dizer que, entre estas Nivea de Lima e Fonseca (2012, p.132)
questões que levam a discussão para um também realça o aspecto.
lado mais mercadológico, há questões de
fundo epistemológico. Ele diz: “entre esta [Com relação à História Pública] no
concepção idealizada da história, quase Reino Unido e nos Estados Unidos
mística mas certamente respeitável, e a esses foram elementos motivadores
engenharia social, de Maurice Godelier, o para a construção do que seria uma
campo de exploração é vasto, incerto e forma diferenciada de inserção do
largamente aberto” (ROUSSO, 1983, conhecimento na sociedade e dos
profissionais da área em funções
p.114, tradução nossa)
mais diversificadas e próximas do
A França não é mesmo o Brasil, grande público, respectivamente.
embora as demandas sociais por História Assim, outras instituições e espaços,
sejam enormes lá como aqui. Demandas tais como museus, arquivos,
que evitamos pensar sejam só por televisão, cinema, centros de
sensações e espetáculos, mas também por memória, parques, seriam lócus
possíveis de reflexão sobre a
esclarecimentos. A disciplinarização da
História, de sua divulgação para o
História, a transformação da História em público e de trabalho para pessoas
algo ensinável, a didatizou e esvaziou dela com formação na área. Outras
seu caráter de conhecimento memorial instâncias seriam as publicações de
que pertence a todos. Embora sua divulgação científica e, mais
precisão e caráter investigativo evite recentemente, os blogs, sites
“conhecimento do passado” que não é especializados etc.
conhecimento, mas desconhecimento.
Historiadores brasileiros não
Se outras realidades da História estão alheios aos debates nestes termos.
Pública não são comparáveis ao Brasil,
Em discussões profissionais da
não há dúvidas de que existem pontos de
área, reuniões da ANPUH, nacionais e
contato entre as motivações que
regionais, desde pelo menos há 10 anos,
redundaram na História Pública naqueles
temas correlatos têm sido tratados, tais
países e hoje no Brasil. É possível que
como: O ofício do historiador e os novos
pesquisas ainda apontem que a História
territórios da História; História: desafios para o
Pública no Brasil também seja mais antiga.
tempo presente; Comunidades e identidades:
Abafada pela força da academia em
História (s) para que (m)?; História e
mantê-la distante.
Diversidade: Novas Narrativas, Sujeitos e

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Espaços; Conhecimento Histórico e Diálogos responsáveis pelo que se diz do passado,


Sociais; Lugares dos historiadores: velhos e novos pelos usos sociais do passado e saem em
desafios; Profissão historiador: formação e defesa do tratamento dos materiais do
mercado de trabalho. passado e de suas memórias por um
Embora pouco a pouco procedimento científica e
assumida, a discussão no Brasil não é sem metodologicamente orientado, que, a seu
juízo, não incorreria em
conflitos.
irresponsabilidades metodológicas na
Ela deixa em pé de guerra os apresentação daqueles passados. E em
recalcitrantes à História Pública – a que enormes enganos e usos ideologizados do
alguns chamam pejorativamente de passado para fins particularistas e/ou de
“história fast food” - normalmente sob a grupos.
ironia de que a publicização da História
A definição de História Pública
especialista pode comprometer a
com uma conotação negativa que rejeita a
qualidade de pesquisas e investigações cuja
suposta apresentação pública de passados
demanda deve provir da academia e não
metodologicamente não-embasados
de demandas da sociedade – e esvaziada
contaria também com um componente de
do caráter metodológico, e mais vagaroso,
autoridade que subtrairia dos historiadores
com que qualquer pesquisa metódica
exige. profissionais o monopólio de dizerem o
passado.
Tomada como divulgação, a
Schitino (2016, p.45) nos sugere
História Pública não pode ser mais que um
mero clique no History Channel? (a expressão que “é possível pensar numa ideia de
história pública onde a história científica
é de Liddington, 2011). Ou uma hora
marcada com a minissérie de televisão ou não encarna a posição de juiz do passado
a novela de época? “(...) o estudo de (...) e não toma para si a tarefa de
história pública está ligado a como desenvolver a consciência histórica
adquirimos nosso senso do passado – por levando conhecimento ao público leigo”.
meio da memória e da paisagem, dos Também Duclos-Orsello, ao tratar de
arquivos e da arqueologia” como defende museus na Austrália, menciona o trabalho
Jill Liddington (2011) (e, por em colaboração de profissionais de
museus e “scholars”, convivendo numa
consequência, é claro, do modo como
esses passados são apresentados lógica de “igualdade de inteligências”.
publicamente). Segundo Duclos-Orsello (2013, p.125), há
um princípio nesta troca: “aqueles que
O argumento da resistência de sabem alguma coisa se engajam com
muitos historiadores com a História outros que sabem alguma outra coisa”.
Pública induz a um raciocínio de que a
História Pública seria algo como “aquela No Brasil, a discussão parece
história que chega a públicos não- ameaçar a “autoridade para dizer a
história” dos historiadores acadêmicos,
formados mas que tem pouco cuidado
onde academias e grupos de discussão
metodológico, feita de modo rápido e sem
intelectual, historicamente, não aceitavam
rigor”, o que contém mistificações sobre o
se justificar publicamente, uma vez que o
conhecimento do passado. Não haveria
que justificaria sua existência seria tão
um mal alojado na apresentação pública
natural que não teriam mais com quem se
disfarçada de falta de cuidado
justificar a não ser consigo mesmos.
metodológico e história apressada?
Tocados por algum senso de A questão da autoridade remete,
responsabilidade profissional – quando primeiramente, no interior do debate
não tocados por um componente de sobre História Pública, ao conceito já
defesa particular do campo para si quase canônico de “shared autorithy” de
próprios – historiadores sentem-se Michael Frisch, ao trabalhar na

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perspectiva da História Oral, a uma ideia de história” não é pertinente?


de autoridades de interlocução que sabem
Já de dentro do debate sobre a
a seus modos sobre algo. O item
História Publica, e da formação que
“autoridade” está encarnado no debate
nossos cursos de História oferecem,
sobre História Pública e sua importância
Jurandir Malerba (2014) refere-se ao que
advém de certa recusa da parte de
identifica como profissionais que, de
historiadores em aceitar que a autoridade
dentro do ambiente digital para um
que uma formação científica concede não
público que tem na web o lugar em que
possa com alguma igualdade de condições
procura – e encontra – história, conferem
discutir com outros que não tenham a
àqueles profissionais, não importa se
formação que não conta com a sanção
especialistas ou não, o papel de emissores
científica. Egresso da História Oral, Frisch
da história de que os públicos precisam, ou
elabora o conceito de “shared autorithy”
desejam – muitas vezes públicos de
(autoridade compartilhada) pensando
colegiais, os quais historiadores percebem
nesta possibilidade de diálogo entre quem
que precisam conquistar. Malerba afirma
sabe história a seu modo – sejam
que – em outras palavras - os não-
historiadores formados ou qualquer
profissionais estão “ganhando esta
cidadão. disputa” pela autoridade de responder
De dentro da discussão entre a sobre o que é o passado, que poderia ser
história orientada pelo mercado e a dos historiadores também.
história acadêmica, sem referir-se ao Mas há ainda um aspecto
debate sobre a História Pública, Beatriz
indispensável, a nosso ver.
Sarlo (2007) acaba por dizer aspecto que
se desloca para a discussão do caráter A discussão sobre a História
público da História. A autora chama a Pública requer estender a reflexão para
atenção para um conflito de autoridades nossos cursos, e repensar parte de nossa
numa disputa entre consumidores de formação baseada na produção textual-
história no mercado em que os verbal-alfabética. Malerba (2014) faz
historiadores, em concorrência com ponderações sobre os desafios que
profissionais não-acadêmicos, estão envolvem a relação públicos externos e
perdendo, e isso por alguns motivos cursos de História, e pondera que os
arrolados por SARLO (2007, p.12-15). historiadores não podem mais fugir dessa
Segundo a autora: discussão: “é imperiosa a necessidade de
os historiadores acadêmicos assumirem a
Nessa concorrência, a história importância da dimensão pública de sua
acadêmica perde por motivos de atividade, ultrapassando os muros da
método, mas também por suas academia para cada vez mais tomar parte,
próprias restrições formais e
como especialistas, nos debates de
institucionais, que a tornam mais
preocupada com regras internas do interesse público.” (MALERBA, 2014,
que com a busca de legitimações p.43)
externas que, se são alcançadas por Se uma das premissas da História
um historiador acadêmico, podem Pública é a de imaginar o historiador
até gerar a desconfiança de seus falando extra-muros da universidade,
pares. As histórias de grande
circulação, em contrapartida,
comunicando para públicos que não se
reconhecem na repercussão pública limitem a seus pares – presumido que o
de mercado sua legitimidade que tem a dizer pode ser muito bom – é, a
(SARLO, 2007, p.15) meu ver, da parte da relação entre história
e memória que provém um primeiro
Relevante, e tomada a história fundamento epistemo-ontológico da
pública como divulgação, não seria o caso História Pública e onde os historiadores
de perguntarmo-nos se discutir “mercado profissionais têm muito a ajudar a

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esclarecer: como conhecer o passado de “alta instrução”, aquele que “lhe dá alta
tal modo que o conhecimento produzido valia”. Porém, ao mesmo tempo, o ex-
seja importante para aqueles que o jagunço sabe que, sem seu conhecimento,
consomem? Penso que a relação da o escritor nunca vai conseguir escrever
História com a Memória pode uma história do sertão como contraponto
compreender isso. Investigar memórias é dos livros e dos materiais escritos que o
encontrar novas narrativas e outros escritor lê em sociólogos e intérpretes do
sentidos de História, inclusive sentidos Brasil. O ex-jagunço sabe que, na pesquisa,
mais inclusivos para muitos que estão fora o único que ainda guarda histórias do
de narrativas memorialísticas consagradas sertão como arquivo vivo é ele, que tem
de História. Só a pesquisa pode fazer isso. outra memória do sertão para contar, tão
Os que resistem à História Pública válida como a do escritor. Que também
guardam sua dose de razão. entende e reconhece a autoridade do ex-
jagunço. O mestre não é quem sempre
O fundamento social da História
ensina, mas quem de repente aprende. Eis
pode ser entendido como a convicção de
que o passado é matéria viva encarnada em o epíteto do romance rosiano.
narrativas que contam, do princípio ao O início da História ciência
fim, o que teriam sido acontecimentos e contou com conflitos assemelhados a uma
processos sociais, de tal forma a significar disputa por memórias e lugares. Quando
para outros públicos sobre o que são suas instituída a ciência histórica no século XIX
vidas individuais e/ou coletivas. Se numa europeu, como modo de exaltar sua
tradição intelectualista – que põe o relevância social, os cientistas quiseram
intelectual como consciência do público a fazer passar pelo seu crivo a validação de
quem falta a compreensão que, ele, qualidade das narrativas do passado
intelectual, deve suprir - e mesmo numa produzidas, como se só houvesse valor
tradição científica – em que o cientista é naquilo que eles escreviam. Pois todos
aquele que chega a resultados para o aqueles que escreviam do ou sobre o
conhecimento mais bem acabados e passado, e cujos públicos não faziam
firmados na convicção de que suas questão da chancela científica, foram
verdades sejam mais precisas e exatas por aqueles públicos que aceitavam, por outro
causa de seus métodos e o rigor de sua sistema de autoridade, a validade de
análise validada pela autoridade da ciência conhecimento dos que escreviam história
– tais tradições podem ocultar um risco. O por modos que não eram autorizados pela
de que o cientista ou o intelectual mais universidade (Bann, 1994). Talvez
bem conhecem o passado para fazer registrem-se aí os acontecimentos ligados
aquela narrativa - é ele quem sabe. E a um passado da disciplina histórica que
ninguém mais saberia. A questão da firmou as bases de sua validação e de sua
especialização em História é bem explicação auto-centrada: uma vez que
imbricada com a pesquisa sobre o públicos diversos não aceitavam a
humano, uma vez que tratar do humano autorização de historiadores formados e
para o humano não deve pretender dizer treinados pelos rigores da ciência, então
ao humano o que ele é, desdenhando seu desprezem-se os públicos. Mesmo fossem
conhecimento. eles “homens de letras”, que foram
aqueles quem, até antes da cientifização da
Na obra-prima Grande Sertão:
história, compunham as academias e
Veredas, de João Guimarães Rosa, o
grêmios intelectuais onde se escreviam
protagonista, um ex-jagunço, Riobaldo
sobre o passado de um lugar, um povo,
Tatarana, é o sertanejo que concede uma
uma nação. E que eram reconhecidos
entrevista ao homem da cidade que vai
publicamente.
publicar um livro. O ex-jagunço entende o
homem da cidade como alguém que lhe dá Para um saber de valor e uso

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social através de narrativas de memórias discussão. Tudo afeta, a nosso ver, a


que são tomadas como história, a trajetória disseminação da História Pública, uma vez
pode ter sido o de um caminho de auto- que tudo isso dá forma ao que públicos
enclausuramento. A nosso ver, a História podem esperar da História como algo que
Pública força para o desencastelamento, o favoreça uma história na vida prática e
reconhecimento de que, contra as afeta, ainda, a caracterização de um caráter
narrativas de memória que não resistem a público da atuação do historiador de
uma inquirição dos fatos provenientes da modo a fazê-lo ver que tudo que faz atinge
investigação metódica, teórica e públicos diversos. Santhiago faz
metodologicamente orientada, a história questionamento importante,
acadêmico-científica pode ser um complexificando a questão da relação
antídoto. A História Pública, a nosso ver, entre cursos de História e a História
poderia ser uma contra-história, ou uma Pública: seria a pesquisa especialista – e
outra narrativa de memória produzida por extensão sua formação – a mesma que
como conhecimento do passado cuja se faz quando se pensa em outros públicos
compreensão deve passar a participar da como os alvos da história?
esfera dos debates públicos. A História (SANTHIAGO, 2016)
Pública não é só aparecer na tevê ou fazer
Não há dúvidas das distorções e
blog na web. Com certeza que não.
abusos que não-profissionais andam
Outro aspecto indispensável que cometendo ao fazerem história para
a discussão ainda terá de enfrentar, contra públicos dispostos a ouvir história de
todos os interesses nele assentados, é que qualquer um, ainda mais em ambientes
ela não vai conseguir desconectar a relação carregados de polarização ideológica.
História Pública e cursos de História, Ciosos de sua responsabilidade social,
como já dissemos. Um olhar para o historiadores saem em defesa, resta saber
mercado terá de ser feito, em algum se em defesa da pertinente leitura do
momento, e o primeiro alerta para isso passado ou do campo de saber histórico,
está sendo feito, há algum tempo, pelos no sentido de Bourdieu. É preciso saber
cursos EAD. ficar atentos a aventureiros e interessados
Não é impertinente tocar em em se apegar ao passado para dizer
aspectos já apontados por autores para qualquer história como se verdade fosse.
Não há dúvida de que a crítica à História
outros países em comparação com a
realidade da adoção da História Pública no Pública feita às pressas e com o fim de
Brasil, embora as diferenças sejam garantir o espaço acadêmico fechado pode
gritantes. Há diferenças gritantes entre ser tão incabida quanto sua exaltação
Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, como solução de todos os problemas.
Austrália, Alemanha, França, por Mas a discussão sobre história
exemplo, e o Brasil. Diferenças sejam em pública não deve levar em conta
termos de tipo de demanda social pela desqualificações, mas discussões e debates
função do historiador, mercado de onde historiadores treinados devem
trabalho e empregabilidade, o perfis do participar.
“homo academicus”, (Bourdieu, 2011) o Como Thais Fonseca defende ao
nível sócio-cultural da população, renda estudar as mídias e a divulgação de
média do cidadão, qualidade de prestação conhecimento histórico como
do serviço educativo-escolar, atuação componentes de uma aproximação da
política dos agentes definidores de História acadêmica com públicos maiores:
políticas educacionais, institucionalização “História Pública como um caminho para
da cidadania, igualdade de tratamento se pensar a função e os usos dessas mídias
público das demandas da vida pública etc. na divulgação da História como
Isso, no entanto, não pode paralisar a conhecimento academicamente

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produzido e como patrimônio coletivo” quando se tem a autoridade reconhecida e


(2012, p.132). aceita. Vamos nos bastar na auto-
Ana Maria Mauad (apud legitimação financiada todo mês pelo
Santhiago, 2016) sugere que a “história Estado ou procurar também por
pública é uma atitude” mais do que uma legitimações externas, extra-muros? Com
prática. A afirmação da autora é-nos as demandas sociais por identidade, por
revisão de memórias, a História é
pertinente e alinha nosso raciocínio ao
suposto de que a asserção positiva da naturalmente reconvocada.
história pública está no fato de que o A escola é, talvez, o grande
historiador deve mudar de atitude e, a universo dessas novas demandas, onde
nosso ver, mudar de atitude com relação elas aparecem com clareza. Durante largo
ao conhecimento que produz, a relação tempo o livro didático e o professor-
desse conhecimento com o conhecimento mestre garantia, em benefício de um
histórico-social existente na cultura passado tomado como “nacional”, a
histórica e a imaginação sobre qual seu função e a autoridade indiscutíveis da
papel na sociedade. No Brasil não são História – em situações, mesmo, em que
poucos os colegas que têm tomado a professores das escolas eram também
atitude de participar da História para professores da universidade. Mas novas
outros públicos acrescentando ao demandas de uma sociedade cuja
conhecimento histórico corrente, visibilização de sua diversidade a tornou
maculado de usos particularistas, as ideias uma realidade de muitos passados e
que o conhecimento científico elabora. O histórias, vêm à história com outros
mais difícil, a meu ver, é lidar com dois apelos. Sarlo garante que a História perdeu
dados fortemente arraigados na realidade seu poder de síntese, seu paradigma
brasileira: por um lado, o de que existe totalizante, “sínteses hoje consideradas
forte preconceito contra o intelectual e, impossíveis, ora indesejáveis e, em geral,
por outro lado, o desdém do intelectual conceitualmente errôneas”, sínteses que
contra aqueles que eles insistem em pensá- corresponderiam, hoje, às “visões globais,
los como ignorantes, incapazes, alienados. aquelas que, na ambição dos grandes
historiadores do século XIX, foram [suas]
O processo é quase que
sínteses” (SARLO, 2007, p.13).
mutuamente explicativo: numa terra de
imensa maioria de semi-escolarizados e Mas essa realidade de perda de
desescolarizados, homens instruídos e poder de síntese, com consequente
ilustrados aprenderam, naturalmente, a se afastamento do público em geral, pode ser
dirigir a muito poucos que liam e diferente, se as realidades requerem
escreviam, os quais, por sua vez, levou abordagens com especificidades e sem
nossos intelectuais se distanciarem deles enormes generalizações/sínteses? A
cada vez mais, enclausurando-se em suas escola é um radar dessa mudança de
universidades, centros de pesquisa, suas realidade por demandas pelo
altas teorias. É similar a história da conhecimento histórico. São demandas
literatura brasileira, em que escritores outras, sejam por conteúdos, por
sempre escreveram para seus pares, num encaminhamentos didáticos mais
país de iletrados ou semi-letrados, sem próximos do que os alunos já fazem e com
nunca precisarem escrever conectados os quais são mais familiarizados. É preciso
com demandas de seus públicos dispersos ensiná-los outros encaminhamentos? Sem
socialmente. O fardão acadêmico sempre sombra de dúvidas, mas não desdenhar o
foi seu sonho e lhes bastava! que eles sabem e trazem consigo.
Provavelmente seja isso que deixe
E aqui terminamos com algo
sobre legitimação – conexa ao sentido da professores atônitos: como fazer com a
formação erudita de pesquisa que tenho –
obediência ou do reconhecimento público

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devem perguntar-se - com esses alunos Referências


que me pedem alguma coisa para o que eu
nunca fui formado? BANN, Stephen. A história e suas irmãs; direito,
medicina e teologia. In: _____. As invenções da
Talvez seja hora mesmo de os História. Ensaios sobre a representação do
historiadores tomarem a rédea da História passado. SP: Ed. UNESP, (1994), p.27-50.
que desagua no mercado, por onde BOURDIEU, Pierre. Homo Academicus.
chegam até as mentes. E se conectarem, Florianópolis, SC: Ed. Da UFSC, 2011.
dentro de seus cursos, fazerem a parte da DUCLOS-ORSELLO, Elizabeth. Shared
revisão que os capacite ao argumento em Authoriy: the key to Museum Education as social
favor da História Pública, definindo-a com change. Journal of Museun Education, v.38,
mais precisão. Não será preciso abandonar n.2, july 2013, p.121-128.
esta ideia/noção possivelmente FONSECA, Thaís Nivia de Lima e. Mídias e
equivocada de que os divulgação do conhecimento histórico. Revista
ouvintes/leitores/consumidores são Aedos, n.11, v.4, set.2012. p.129-140.
incapazes de compreender ou se interessar GODELIER, Maurice. Les sciences de l’
por outra coisa para além do homme et de la Société en France. Paris: La
sensacionalismo? Documentation Française, 1982.
LIDDINGTON, Jill. O que é história pública? O
Porque o processo de aprender público e seus passados. In: ALMEIDA, Juniele
não começa no saber o conteúdo, mas no Rabêlo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira
processo de aceitar que o que o outro tem (Orgs.). Introdução à História Pública. SP:
algo a dizer pode ser importante para sua Letra e Voz, 2011. p.31-52
compreensão das coisas. Neste processo, MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou
historiadores acadêmicos terão o que como cada um escreve a história? uma reflexão
ensinar, mas também o que aprender no sobre o embate entre historiadores acadêmicos e
não-acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre
sentido de perceber que o conhecimento
a Public History. História da Historiografia,
histórico não lhes pertence. Se são UFOP, Ouro Preto, n.15, agosto 2014, p.27-50.
conhecimentos diferentes, certamente,
ROUSSO, Henri. L’histoire appliquée ou les
mas nunca devem ser diminuídos ou historiens thaumaturges. Vingtième Siècle, revue
aumentados uns com relação a outros. d’histoire, n.1, janvier 1984. p.105-122.
Mas discutidos. Enquanto historiadores
SANTHIAGO, Ricardo. Duas palavras, muitos
não aceitarem que assim seja, continuarão significados. Alguns comentários sobre a história
perdendo espaços que poderiam estar pública no Brasil. In: MAUAD, Ana Maria;
ocupando. Ou então continuarão tendo de ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; Santhiago,
garantir o espaço secular que garantiram Ricardo. (Orgs.) História Pública no Brasil.
um dia na universidade, espaço que, hoje, Sentidos e Itinerários. 2016. p. 23-36.
anda cada vez mais difícil de garantir, SARLO, Beatriz. Tempo Passado. Cultura da
sofrendo ataques de todos os lados e sob Memória e Guinada Subjetiva. BH: Ed. Da
argumentos contra os quais ou agimos ou UFMG, 2007
corremos sérios riscos de sermos SCHITINO, Renata. O conceito de público e o
esvaziados. compartilhamento da história. In: MAUAD, Ana
Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; Santhiago,
Ricardo. (Orgs.) História Pública no Brasil.
Sentidos e Itinerários. 2016. p. 37-46.

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