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Delton Ricardo Soares Meirelles
Giselle Picorelli Yacoub Marques
Fabiana Alves Mascarenhas
Valter Eduardo Bonanni Nunes
(organizadores)

MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA


RESTAURATIVA

Série
Mediação e seus desdobramentos
na contemporaneidade

1ª edição

Niterói
2013
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Comissão Científica
Fabiana Marion Spengler (UNISC) Gilvan Luiz Hansen (UFF)
Humberto Dalla B. de Pinho (UERJ/UNESA) Delton Ricardo Soares Meirelles (UFF)

Comissão Executiva
Giselle P. Yacoub Marques (PPGSD/UFF) Gabriel Lima de Almeida (UFF)
Juliana Barbosa Torres (PPGSD/UFF) Vitor Cadorin (PPGSD/UFF)
Tânia Márcia Kale (PPGSD/UFF) Fabiana Alves Mascarenhas (PPGSD/UFF)
Solange Machado Blanco (UFF) Esther Benayon Yagodnik (PPGSD/UFF)
Francis Noblat (PPGSD/UFF) Mariana Paganote Dornellas (UFF)

Apoio

Editoração, padronização e formatação de texto


Francis Noblat (PPGSD/UFF)

Conteúdo, citações e referências bibliográficas


Os autores

UFF / SDC / BFD


Catalogação na Fonte: Bibliotecário Dempsey Bragante (CRB-7 6197)

M488 Mediação extrajudicial e justiça restaurativa [livro eletrônico] / Delton


Ricardo Soares Meirelles, Giselle Picorelli Yacoub Marques, Fabiana
Alves Mascarenhas, Valter Eduardo Bonanni Nunes
(organizadores). – Niterói : PPGSD – Programa de Pós-graduação em
Sociologia e Direito, 2013.
1.391,072 Kb ; pdf - (A mediação e seus desdobramentos na
contemporaneidade).

ISBN 978-85-89150-11-8 (recurso eletrônico)

1. Mediação. 2. Mediação e conciliação. 3. Acesso à justiça. 4. Poder


judiciário. 5. Justiça. I. Título.

CDD 341.46

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados.


Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

ii
AGRADECIMENTOS

A presente obra é resultado de um trabalho coletivo de amigos e parceiros


que, trabalhando em conjunto, possibilitaram esta publicação.
Este é um dos quatro volumes de uma coleção que foi organizada a partir de
estudos desenvolvidos pelos participantes do I Seminário UFF :: UERJ ::
UNESA :: UNISC — A mediação e seus desdobramentos na
contemporaneidade, que aconteceu nos dias 04 e 05 de julho de 2013, na
Faculdade de Direito da UFF. O seminário, de iniciativa dos professores Dr.
Delton Meirelles (UFF), Dr. Gilvan Hansen (UFF), Dr. Humberto Dalla
(UERJ/UNESA) e Dra. Fabiana Spengler (UNISC), possibilitou a reflexão
sobre o tema da mediação sob dife-rentes aspectos, contando com a
colaboração de diversos estudiosos da área.
Por meio de um espaço criado pela proposta dos idealizadores do evento,
foi possível institucionalizar o debate sobre o tema da mediação, viabilizando a
troca de experiências com um diálogo entre as instituições participantes, com
base nos temas centrais das políticas públicas de acesso à justiça; mediação,
cidadania e democracia; a mediação judicial e garantias constitucionais; e a
mediação extrajudicial e justiça restaurativa.
As exposições iniciais e as reflexões geradas por cada grupo de trabalho
permitiram a aproximação e intercâmbio de diversas perspectivas sobre a
temática, possibilitando um panorama sobre o atual estado da mediação no
Brasil, assim como seus desdobramentos na sociedade contemporânea. Desta
forma, cada livro desta coleção é resultado das pesquisas dos diversos
estudiosos nas temáticas centrais do evento.
Agradecemos a participação dos pesquisadores Profa. Juliana Loss de
Andrade (Carlos III-Madrid/Espanha), Prof. Ricardo Goretti (FDV/ES), Profa.
Luciane Moessa de Souza (Procuradora BACEN), Prof. Chiara Besso Marcheis
(Universidade de Torino/Itália), além dos profesores organizadores e
coordenadores dos grupos de trabalho que contribuiram de forma significativa
para todas as reflexões e resultado do seminário.
O evento contou com a importante colaboração da Pró-Reitoria de Extensão
da Universidade Federal Fluminense (PROEX), Centro de Apoio à Extensão da
Universidade Federal Fluminense (CEAEX), Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense, Laboratório Fluminense de Estudos
Processuais (LAFEP/UFF) e Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD), além da Coordenação
de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), responsável pelo

iii
financiamento de alguns pesquisadores participantes do seminário. Deixamos
registrado nosso agradecimento.
Aos professores e alunos, membros das comissões científicas e
organizadora, e todos os participantes do evento, agradecemos pelo empenho e
colaboração essenciais à realização e sucesso deste trabalho.

Giselle Picorelli Yacoub Marques

iv
APRESENTAÇÃO

Com o presente trabalho buscou-se reunir investigações (em curso ou já


concluídas) sobre a utilização de métodos alternativos e/ou adequados a
situações (conflitos familiares, criminais, coletivos, vicinais etc.) que não são
efetivamente compostas pela adjudicação estatal compulsória, comprometida
com metas de eficiência e instituída em bases autoritárias e formalistas. Neste
sentido, a obra reúne trabalhos interdisciplinares que têm por objeto mediação,
conciliação, justiça restaurativa e outros métodos afins, com reflexão teórica
e/ou análise empírica sobre práticas oficiais (judiciárias ou administrativas) ou
iniciativas da sociedade civil organizada.

Delton Ricardo Soares Meirelles


Giselle Picorelli Yacoub Marques
Fabiana Alves Mascarenhas
Valter Eduardo Bonanni

v
ÍNDICE

PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO? 3


Flávia Gallo
Isabela Dantas
Julio Mafra
Lia Amorim
O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPE-
RIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINIS-
TRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA FAVELA CARIOCA 14
Cláudia Franco Corrêa
Irineu Carvalho de Oliveira Soares
A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNA-
ÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR 27
Amanda Apelfeld
Márcia Adriana Oliveira Fernandes
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DA CIDADA-
NIA 45
Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos
Raquel Ribeiro de Rezende
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INS-
PEÇÃO DO TRABALHO E RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 61
Luiz Felipe Monsores de Assumpção
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NO-
VOS PARADIGMAS PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL 80
Márcia Adriana Oliveira Fernandes
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA
EFETIVAÇÃO DE DIREITOS 95
Clarisse Inês de Oliveira
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS A DIFE-
RENTES FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA
PRÁTICA JURÍDICA 106
Cibeli Freitas Serafim Ambrosio
Mariana Pestana Padilha
Thalita Borsato Sad Machado Cordeiro
JUSTIÇA RESTAURATIVA – CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLEN-
TAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 118
Katrine Quintanilha Fontes

1
A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL NO NÚCLEO DE PRÁ-
TICA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ATRAVÉS
DA EXTENSÃO ACADÊMICA 136
Esther Benayon Yagodnik
Cristiana Vianna Veras

2
PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?*

Flávia Gallo
Isabela Dantas
Julio Mafra
Lia Amorim

O presente trabalho pretende contextualizar a mediação no Brasil em


paralelo às dimensões da prática do psicanalista no século XXI. Verificadas
semelhanças entre o papel do Judiciário nos dias de hoje e da Medicina no
início do século XX, em seu clamor pela reserva das práticas da Mediação e da
Psicanálise, respectivamente. A partir do conceito de transgressão, observamos
que o Estado detém o monopólio da injustiça e, ao tomar para si a regulação da
prática da mediação, poderá invadir um espaço que deve pertencer à sociedade
civil, indo na contramão do próprio conceito de “empoderamento” das partes,
que deve nortear o sentido dessa prática. Normatizações burocráticas podem
esvaziar essa prática de significado, tornando o sujeito impotente frente ao seu
desejo e o mediador um mero medi(a)dor do tempo.

Vim a este mundo não, principalmente, para fazer dele um bom


lugar para se viver, mas para viver nele, seja bom ou mau.
(THOREAU, 2011)

Nenhuma harmonia do ser no mundo se ele fala. (LACAN,


1974)

De nos Antecedents

Na Escola Letra Freudiana1, a aproximação da Mediação à Psicanálise ocor-


reu na extensão Psicanálise e Direito, em 2011, quando um dos participantes do
seminário Psicanálise e Crime, mediador no Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, apresentou o tema através de sua experiência com a mediação judicial.
Na oportunidade, foi salientada a importância da escuta nesse trabalho e o
interesse em produzir efeitos de mudanças subjetivas a posteriori, e não
somente alcançar um acordo entre as partes, como acontece na conciliação.

*
Este artigo contou com a colaboração de Ana Lúcia Ligiero, Fátima Tremura, Olga Almeida e Regina Guariglia.
1
Escola Letra Freudiana fundada em 20/08/1981 a partir do desejo de trabalhar a letra de Freud e de Lacan,
articulando uma prática a um saber textual.

3
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

A perspectiva da articulação entre esses dois campos do saber, Direito e


Psicanálise, através dos conceitos de “sujeito” e “lei”, tão distintos nesses dis-
cursos, possibilitou, àquela altura, o encontro com a mediação judicial, que ace-
nava como uma abertura do sujeito da razão para o inconsciente.
Como trabalhar com esses dois discursos?
Uma mobilização em torno do tema propiciou a criação de um novo espaço
na extensão Psicanálise e Direito: o Seminário de Psicanálise e Mediação. A
aproximação ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi natural e deu azo à
produção de um artigo, publicado na Revista de Direito2 dessa instituição, em
2012. No mesmo período, os psicanalistas envolvidos no seminário foram
convidados a fazer o curso de mediação judicial, bem como a praticar a
mediação no Centro de Mediação do Tribunal.
Ao final do ano de 2011, durante a Jornada promovida pela Escola Letra
Freudiana3, um dos expositores, representante do Poder Judiciário, convidado
pelo seminário para falar sobre a implantação da mediação no Tribunal de
Justiça, situou-a como um instrumento alternativo para resolução de conflitos,
que possibilita o “empoderamento” das partes, ao mesmo tempo que contribui
para a diminuição do número de processos e o “desafogamento” do Judiciário.
Naquele momento, entendeu-se que a mediação judicial poderia significar uma
abertura no sistema, algo de novo no Poder Judiciário.
A partir daí, o trabalho direcionou-se ao mapeamento das aproximações do
discurso psicanalítico à mediação judicial proposta pelo Conselho Nacional de
Justiça e suas normas balizadoras, o que resultou na produção de um segundo
texto4 apresentado na Jornada seguinte5 da Escola Letra Freudiana, em 2012.

I. Mediação como estratégia de organização da sociedade civil

No entanto, durante essa Jornada, outro convidado do seminário abordou a


mediação sob um novo prisma, ressaltando seu caráter autônomo e, enquanto
tal, potencialmente transformador na sociedade civil. Abriu-se, nesse momento,
uma nova perspectiva, que proporcionou aos participantes do estudo uma
compreensão maior sobre as resistências que haviam surgido quanto às técnicas
utilizadas na mediação judicial, e quanto ao próprio objetivo desse modelo de

2
AMORIM, Lia et al., “Mediação e Psicanálise” in Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro – Doutrina e Jurisprudência, Rio de Janeiro: Ed. Espaço Jurídico, 2012, p. 391/394.
3
Jornada 2011 – Ética e Psicanálise: Efeitos D’Escola, realizada pela Escola Letra Freudiana nos dias 03 e
04/12/12, no South American Copacabana Hotel.
4
MAFRA, Julio et al., “Escansão na Mediação – Fala, Conflito, Escuta”, apresentado na Jornada de 2012 da
Escola Letra Freudiana. Publicação aprovada na edição de 2013 da Revista da Escola.
5
Jornada 2012 – Dimensões da Causa na Psicanálise: Ética e Política, realizada pela Escola Letra Freudiana nos
dias 07 e 08/12/12, no South American Copacabana Hotel.

4
PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?
FLÁVIA GALLO
ISABELA DANTAS
JULIO MAFRA
LIA AMORIM

mediação que, na prática, tende ao acordo. As inúmeras regras e fases pré-


estabelecidas nesse modelo de mediação acabam conferindo um certo conheci-
mento prévio aos mediadores, ostentado nesse trabalho, que pode – e deve – ser
questionado pela Psicanálise.
Apesar da proposta teórica da mediação judicial mesclar conceitos do
modelo Tradicional-Linear de Harvard6 com o modelo transformativo
europeu7, o que alguns participantes do seminário observaram, na prática, foi a
prevalência do modelo norte-americano.
Uma vez iniciado o processo e encaminhado pelo juiz à mediação, o que se
observa é o desafio, para os mediadores, de atuar segundo os conceitos do
modelo transformativo, uma vez que diante do conflito já judicializado a busca
de um acordo entre as partes torna-se um objetivo concreto. Desse modo, o
modelo transformativo, na prática, parece não atender aos interesses de
“desafogamento” do Poder Judiciário.
A partir de então, os participantes do seminário se deram conta de que o
desejo na formação persistia, porém, alinhado a um modelo transformativo (e
não satisfativo); e que, com as ferramentas da Psicanálise, já se organizavam
como grupo da sociedade civil para a prática da mediação. Essa virada
provocou mudanças na direção da pesquisa realizada no seminário e autorizou a
criação de um espaço outro para prática da mediação, a que se deu o nome de
“Espaço Rio Mediação”.
O Projeto de Lei do Senado n. 166/10, que dispõe sobre a reforma do
Código de Processo Civil, introduz a atividade da mediação na estrutura do
Poder Judiciário, prevendo que os mediadores, judiciais e extrajudiciais, devem
se inscrever no Tribunal de Justiça, para que haja registro de todos os
profissionais habilitados. Com relação à habilitação exigida, esta consiste no
preenchimento de requisitos legais8, dentre os quais a obtenção do certificado

6
A Mediação adotada pelo TJRJ segue o modelo Tradicional-Linear de Harvard, que estabelece cinco estágios no
procedimento de mediação. Essa teoria fundamenta-se na mediação “passiva”, onde não existe intervenção direta
do mediador, que apenas exerce o papel de facilitador do diálogo entre as partes litigantes. O modelo de Harvard
prevê a utilização de técnicas para se alcançar o objetivo principal da mediação que, neste caso, é a construção de
um acordo.
7
O modelo transformativo situa o acordo como uma possibilidade, trabalhando os interesses e as necessidades
das partes, o que viabiliza a restauração dos laços afetivos e uma efetiva mudança subjetiva a posteriori. Esse
modelo não valoriza as posições cristalizadas na demanda, mas o conflito, privilegiando o aspecto emocional,
afetivo, financeiro, psicológico e legal, inclusive.
8
A versão original do Projeto de Lei trazia a exigência de que o mediador fosse inscrito nos quadros da OAB. No
entanto, com o Relatório e o Substitutivo apresentados em 24/10/10, prevaleceu o entendimento no sentido de
dispensar este requisito.

5
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

de curso de capacitação através de entidade credenciada pelo Tribunal de


Justiça do Estado.
Note-se que, em sua origem, a Psicanálise atravessou um cenário
semelhante quando a sociedade médica pugnou pela reserva da prática
psicanalítica para si. Tal proposição foi duramente repreendida por Freud que,
em 1925, demostrou o quanto se fazia pertinente que a Psicanálise fosse
exercida por psicanalistas, sem que houvesse regulação da prática pela
Medicina.
Theodor Reik, relevante membro não-médico da Sociedade Psicanalítica de
Viena, foi denunciado por prática ilegal da medicina em 1926, tendo sido
proibido de praticar a Psicanálise pelo Conselho Municipal de Viena, em
fevereiro de 1925. Porém, a acusação foi revista e o processo arquivado.
Esse episódio fomentou a elaboração do texto de Freud, “A Questão da
Análise Leiga”, publicado em 1926, e seu pós-escrito. Nesse texto, Freud
dialoga com um interlocutor imaginário a respeito da prática da Psicanálise, que
se supunha até aí ser restrita aos médicos. A defesa da análise “leiga”, termo
com o qual Freud denomina a prática da psicanálise por não-médicos, é
firmemente sustentada por ele ao longo do texto:

Pois não consideramos absolutamente conveniente para a psicanálise ser devorada


pela medicina e encontrar seu último lugar de repouso num livro de texto de
psiquiatria sob a epígrafe ‘Métodos de tratamento’, juntamente com
procedimentos tais como a sugestão hipnótica, auto-sugestão e persuasão […].
Merece melhor destino e, pode-se esperar, o terá. Como uma ‘psicologia
profunda’, uma teoria do inconsciente mental, pode tornar-se indispensável a todas
as ciências que se interessam pela evolução da civilização humana e suas
principais instituições como a arte, a religião e a ordem social. [...] O emprego da
análise para o tratamento das neuroses é somente uma das suas aplicações; o
futuro talvez demonstre que não é a mais importante. Seja como for, seria errôneo
sacrificar todas as outras aplicações a essa única, só porque diz respeito ao círculo
de interesses médicos. (FREUD, 1926)

Adiante, no mesmo texto, ao referir-se às inclinações burocráticas que


representam a tentativa de apropriação da Psicanálise pela Medicina, Freud
comenta:

Em nossa pátria reina de há muito um furor prohibendi, uma inclinação a tutelas,


intervenções e proibições, que, como todos sabemos, não deu precisamente bons
frutos. [...] Opino que uma superabundância de disposições e proibições prejudica
a autoridade da lei. Pode-se observar: onde há somente umas poucas proibições, se
as respeita escrupulosamente; mas se as proibições acompanham alguém onde
quer que vá, sente-se formalmente a tentação de desobedecê-las. (FREUD, 1926)

6
PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?
FLÁVIA GALLO
ISABELA DANTAS
JULIO MAFRA
LIA AMORIM

No pós-escrito ao artigo “Questão da Análise Leiga”, publicado 1927,


Freud demonstra preocupação quanto ao interesse dos médicos pela Psicanálise
ter a finalidade de preservá-la ou de destruí-la9.
Em 1915, no texto “Considerações Atuais sobre Guerra e Morte”, essa
preocupação já é manifestada por Freud com relação ao Estado e ao Judiciário:
“[...] o Estado proibiu ao indivíduo a injustiça, não porque quisesse abolí-la,
mas porque pretendia monopolizá-la, como o tabaco e o sal”. (FREUD, 1915)
Se a formação em Medicina não garante que o médico possa funcionar
como psicanalista, também a formação em Direito ou a habilitação através de
instituições ligadas ao Poder Judiciário não garantem a formação de um
mediador.

II. Sobre a desobediência civil

A mediação encontra suas raízes históricas em tempos distantes que


remontam ao surgimento da própria humanidade, sendo ela característica
própria do ser humano na civilização. Alguns apresentam essa característica
mais marcante, outros nem tanto, mas nas relações sociais os homens estão
sempre realizando alguma forma de mediação.
A prática da mediação faz parte de diversas culturas, como as judaicas,
cristãs, islâmicas, hinduístas, budistas, confucionistas e muitas tradições
indígenas, colocando em cena, justamente, a necessidade do trabalho constante
e inesgotável de lidar com a agressividade e os conflitos humanos. (MOORE
1998, 89)
Para garantir a ordem sobre o caos na sociedade, o Estado busca, através da
normatização, a sistematização de conhecimentos lógico e empírico de
regularidades observadas entre os homens. Para Boaventura Sousa Santos, “o
conhecimento sistemático e a regulação sistemática são as duas faces da ordem”
positivista, através da qual o Direito busca tornar a realidade “previsível e
certa”. (SANTOS, 2000)
No entanto, para conferir uma estabilidade – fictícia – às relações sociais, as
leis buscam regular a realidade, que é sempre mais ampla e complexa,
reduzindo-a a uma verdade processual, passível de ser provada. Não por outra
razão, observamos que em circunstâncias excepcionais como crises sociais,

9
Quando se inaugura o século XXI, os psicanalistas, reunidos na Sorbonne, no ano 2000, nos Estados Gerais da
Psicanálise (2003), reafirmam as posições freudianas ao defender “a autonomia de sua disciplina em relação a
todas as formas de psicoterapia hoje praticadas” e “sua independência em relação aos poderes públicos e a uma
regulamentação pelo Estado, seja ela qual for, e mesmo que pelo viés das psicoterapias ditas relacionais”.

7
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

políticas ou guerras, por exemplo, a obediência à lei pode ser relativizada,


revelando a insuficiência das normatizações como forma de viabilizar a
resolução de conflitos.
Antes do início do Seminário de Psicanálise e Mediação, em 2013, o estudo
no Seminário de Criminologia convergia para os textos sobre sadismo e
masoquismo, e suas relações com as leis de fantasia. Para tal, utilizávamos a Lei
Maria da Penha e tomamos o texto “Kant com Sade”, onde Lacan faz referência
ao panfleto do Marquês de Sade10 que, em plena Revolução Francesa, por trás
das grades da prisão, escreve “Franceses, um Esforço a Mais se Quereis ser
Republicanos”, proposta sadiana de regra ao gozo. (LACAN, 1963) Uma
proposta de Lei Orgânica de subversão libertina que tenta fazer justiça “à moda
de Kant, por se colocar como regra universal”. Tão subversivo a ponto de dizer
que o crime não existe. (SADE, 1976)
Ao trazer à cena o gozo, seria Sade o mediador póstumo da interrogação
entre o gozo e uma outra lógica do desejo?
Os efeitos dessa interrogação na direção do seminário de Psicanálise e
Mediação foram imediatos. A partir da constatação de que os escritos de Sade
foram elaborados na prisão por desobediência a uma ordem social vigente, foi
natural recorrer ao manual de desobediência civil, de Henry David Thoreau,
escrito pelo autor também na prisão por desobedecer as regras da Receita
Federal norte-americana como um ato de protesto contra o sistema.
Nesse manual, Thoreau escreve: “A lei jamais tornou os homens mais
justos, e, por meio de seu respeito por ela, mesmo os mais bem intencionados
transformam-se diariamente em agentes da injustiça”. (THOREAU, 2011)
E adiante, pergunta: “Leis injustas existem: devemos nos contentar em
obedecê-las ou nos esforçar em corrigí-las; obedecê-las até triunfarmos ou
transgredí-las desde logo?”. (THOREAU, 2011)
A desobediência refere-se a uma oposição ou separação, enquanto que a
transgressão se refere a um atravessamento, uma ultrapassagem e, no caso da
lei, uma infração. Para a Psicanálise, trata-se de um franqueamento, uma
abertura na direção do sujeito do desejo, uma possibilidade para o advir de um
sujeito desejante.
Antígona, a heroína da tragédia de Sófocles (1999), desobedece a lei dos
homens, que vai contra a lei divina e aceita pagar com sua própria vida por essa
insubordinação. Enterrada viva, fica “entre duas mortes”, decidindo cumprir a
lei maior, a lei do desejo. O suplício de uma morte irremediável a partir do
encarceramento em vida, para Lacan, é um lugar-limite, “segunda morte”:

10
Para Michel Foucault, “o sexo em Sade é sem norma, sem regra intrínseca que possa ser formulada a partir de
sua própria natureza; mas é submetido à lei ilimitada de um poder que, quanto a ele, só conhece sua própria lei
[...]”.

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PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?
FLÁVIA GALLO
ISABELA DANTAS
JULIO MAFRA
LIA AMORIM

[...] a morte vivida de maneira antecipada, a morte invadindo o domínio da vida,


vida invadindo a morte. [...] Essa zona-limite entre a vida e a morte, essa zona no
entre-dois, tem uma função singular no efeito da tragédia. É na travessia dessa
zona que o raio do desejo se reflete e, ao mesmo tempo, se retrai, chegando a nos
dar esse efeito tão singular, o mais profundo, que é o efeito do belo no desejo.
(LACAN, 1988)

Sade e Thoreau: ambos presos estavam no sistema em lugar extimo11,


dentro e fora. (MILLER, 1998/99)
O manual d´”A Desobediência Civil” de Thoreau influenciou fortemente a
política adotada por Mahatma Ghandi, ao mediar o conflito entre o Império
Britânico e o povo da Índia. Em sua autobiografia, Ghandi diante de um
Tribunal escreve: “[...] Desconsiderei a ordem que me foi dada não por falta de
respeito à autoridade legal, mas por obediência a uma lei superior de nosso ser,
a voz da consciência”. (GANDHI, 1993)
Ao sugerir o não pagamento dos impostos, Thoreau faz uma proposta
utópica à sociedade americana contra um Estado injusto. A desobediência civil,
no entanto, inspira Ghandi a realizar, de outro modo, o que Thoreau não
conseguiu:

Não precisamos lutar fisicamente contra o governo, mas sim não apoiá-lo, nem
deixar que ele o apóie estando você contra ele. [...] Deixemos que cada homem
faça saber que tipo de governo mereceria seu respeito e este já seria um passo na
direção de obtê-lo. (THOREAU, 2011)

Ghandi, insatisfeito com a expressão inglesa “resistência passiva”, cria um


novo significante, Satyagraha, derivado da palavra Sadagraha (Sat = verdade e
Agraha = firmeza), que se tornou em gujarati12 a designação para “a luta”: “a
luta” de “não-cooperação não-violenta” com o Império Britânico.
Isso levantou a seguinte questão: o que é possível a partir de uma utopia?

11
Extimidade é a modulação que faz Lacan ao incluir o Real no Simbólico – o que chamou de “Realmente
simbólico”, lugar da mentira e da ilusão – e ao trazer o Simbólico para dentro do Real – o que chamou de
“Simbolicamente real”, lugar da angústia que, ao contrário da mentira, não engana. Assim, tanto no Real, quanto
no Simbólico há um elemento excluído, mas que, entretanto, está dentro. A extimidade é a modulação que torna
interna essa exclusão, uma intimidade exterior.
12
Gujarati é a língua que Ghandi acreditava poder tornar-se a língua oficial da Índia.

9
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

III. Utopias

Considerando que a nova direção do seminário passou a apontar para a


desobediência e a transgressão, começou aí a investigação da mediação
enquanto forma de organização da sociedade civil em busca de uma
convivência ideal.
A utopia surge como um devaneio. Para Freud, o devanear do adulto
corresponde ao brincar da criança em termos de elaboração psíquica. (FREUD,
1908)
No Seminário sobre a Ética, Lacan fala:

[...] a ordem da escola não é constituída para lhes permitir tocar punheta nas
melhores condições. Penso, contudo, que olhos de analistas podem decifrar o que
percorre um certo campo de sonho que chamam, isso é significativo, de utopia.
Tomem, por exemplo, Fourier [...]. Ele nos mostra suficientemente a que distância
o que se chama de progresso social se situa em relação ao que quer que seja que
seria feito na perspectiva, não digo de abrir todas as comportas, mas simplesmente
de pensar uma ordem coletiva qualquer em função da satisfação dos desejos.
(LACAN, 1960).

Tanto os utópicos que propõem o princípio da não-violência, quanto


aqueles que propõem mudanças através da violência, proposta sadiana, ambas
são ultrapassagens de egoísmos e repressões. Em Sade, a violência está na
fantasia e na escrita. A não-violência proposta por Fourier, no entanto, procede
de uma outra estrutura subjetiva e de uma outra lógica do desejo. O psicanalista
francês François Perrier assim escreve:

Fourier propõe uma nova ordem para a civilização [...]. Ele avalia as forças em
presença na realidade física e revela, no fim, Tanatos como razão e motor do viver
do homem, entre a primeira e a segunda morte. [...] ‘Ela é exigência radical para
demonstrar a carceralidade do desejo, a incomunicabilidade das almas em refutar a
lei’. Demonstrar e refutar, talvez esteja aí a paixão da qual Freud fica mais livre”.
(PERRIER, 1978)

Assim, propostas tão distintas quanto a de Sade e a de Fourier, desaguam no


mesmo lugar: na morte. Morte enquanto ruptura na ordem estabelecida, onde
não há retorno.

10
PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?
FLÁVIA GALLO
ISABELA DANTAS
JULIO MAFRA
LIA AMORIM

IV. O desejo e o risco de esvaziamento da proposta da mediação


diante de normatizações

Afinal, seria a normatização da prática da mediação pelo Judiciário um


empecilho para as práticas civis e espontâneas da mediação? Uma possível
formatação dessa prática – seja através de cursos de capacitação pelo Tribunal,
seja através de um credenciamento padronizado pelo Judiciário – não
prejudicaria a própria função do mediador em sua escuta?
A partir da experiência na Argentina, com a Lei de Mediação e Conciliação
que instituiu a obrigatoriedade da mediação prévia em casos específicos – com
exceção daqueles que comprovassem a tentativa da auto-composição anterior
ao início do processo, diante de mediador registrado pelo Ministério da Justiça –
, sabe-se que a mediação acabou aproximando-se mais do instituto da
conciliação. Perdeu-se o foco no trabalho de “empoderamento” das partes na
tomada de decisões, o que deveria nortear a mediação. Sobre o assunto, os
autores Cristiano e Andréa Valladares do Lago escrevem:

[...] Atualmente sabe-se que o procedimento prévio obrigatório da mediação tem


se tornado uma mera burocracia, pois diante da relativa ineficácia do sistema e da
tradição litigiosa das demandas latinas, tal expediente tem sido observado apenas
como pré-requisito para o inevitável acesso ao Judiciário, este que, portanto,
encontra-se novamente abarrotado de serviço, em prejuízo à efetividade do
processo judicial. (LAGO e LAGO, 2002).

Portanto, importante ressaltar que a prática da mediação não promove o


“desafogamento” do Judiciário. Se possibilitar a transformação das relações
humanas e uma resignificação do próprio conflito, através da implicação das
partes, na sua responsabilização pela crise, a mediação poderá franquear aos
envolvidos a compreensão de que são capazes de lidar e resolver a disputa de
forma independente. Eis o “empoderamento”. O Poder Judiciário deixaria de
ser acessado nesses casos e a diminuição da demanda talvez deflagrasse um
movimento de esvaziamento, mas em uma perspectiva diferente.
Na mediação, assim como na Psicanálise, não há garantias, mas apostas de
que esse trabalho vá produzir efeitos a posteriori. Em texto apresentado em
2012 sobre o silêncio, pensando a mediação no Judiciário, a pergunta era:

[...] que demanda move o sujeito que chega à mediação grávido de afetos?
Objetivamente, é a demanda de que o outro, no caso, o Judiciário, resolva seu
conflito, ou seja, ele acredita em um saber sobre seu direito. O mediador ao dizer

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

‘não sou juiz, nada sei do litígio’ [...] desconstrói a demanda inicial e lança a
pergunta: Che vuoi?”. (MAFRA, 2012)

Atravessado pela Psicanálise, o mediador deve ocupar um lugar vazio,


aberto para o novo. Com seu saber em latência, na cena, ele deve provocar a
fala das partes a fim de escutar o significante que insiste; o significante em torno
do qual essa fala gira. E nesse movimento, em que esses afetos ligados ao
imaginário são simbolizados, há perda de gozo.
A prática da mediação transformadora, portanto, é um trabalho de
reconstrução simbólica, que possibilita o equacionamento do conflito e a
conquista de uma autonomia pelas partes. (WARAT, 1998)
Nesse mesmo texto:

O mediador remete a demanda a outra coisa, original. Nem a solução unilateral de


cada parte, muito menos uma sentença, mas uma outra construção, criativa.
Sabemos com Lacan que toda demanda é demanda de amor: peço-te que recuses
o que te ofereço, porque não é isso. (MAFRA, 2012)

Assim, podemos pensar que uma mediação bem sucedida seria, talvez,
aquela que tivesse por consequência uma passagem de um “implicar com” a um
“implicar-se”, ou seja, da implicância à implicação. E para isso não há regra.

Referências bibliograficas
AMORIM, L., Criminosos sob Coação Irresistível do Supereu – Uma Contribuição da Psicanálise à
Criminologia, Dissertação de Mestrado, UERJ, 2002.
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de Janeiro: IMAGO, [1926] 1986, vol. XX.
____. Considerações Atuais sobre Guerra e Morte. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, [1915] 1974, vol. XIV.
____. Escritores criativos e devaneios. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
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GANDHI, Gandhy, an Autobiography. The Story of my Experiments with Truth, trad. livre Julio
Mafra. Boston: Beacon Press, 1993, p. 414.
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____. O Seminário, livro 7: A Ética da Psicanálise, lição de 11/05/1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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____. Télévision. Paris: Éditions du Seuil, 1974.

12
PSICANÁLISE: UM RECURSO PARA A MEDIAÇÃO?
FLÁVIA GALLO
ISABELA DANTAS
JULIO MAFRA
LIA AMORIM

LAGO, C. A.V do, LAGO A. M. R.V do, Mediação no Direito de Família. Revista de Direito
Privado (RT), n. 11, jul./set.2002, p. 88.
MAFRA, Julio et al., Escansão na Mediação – Fala, Conflito, Escuta, apresentado na Jornada de
2012 da Escola Letra Freudiana. Publicação aprovada na edição de 2013 da Revista da Escola
Letra Freudiana.
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03/01/1999. In: HANNA, M. S. G. F; SOUZA, N. S (orgs.). O Objeto da Angústia. Rio de Janeiro:
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PERRIER, F. La Chaussée d’Antin, trad. livre Lia Amorim. Paris: Union Génerale D’Éditions, 1978.
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WARAT, L.A.. Em Nome do Acordo. Mediação em Direito. Buenos Aires: Angra Impresiones,
1998.

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS
PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO
EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE
CONFLITOS EM UMA FAVELA CARIOCA

Cláudia Franco Corrêa


Irineu Carvalho de Oliveira Soares

A pesquisa que empreendemos situa-se na favela de Rio das Pedras (RJ),


em que através de um Núcleo de atendimento jurídico e pesquisa, tem-se
realizado mediações entre seus moradores na ocorrência de conflitos locais.
Com aproximadamente 80 mil moradores, a quantidade de conflitos são
igualmente consideráveis. Um dos fatores que sobressai na pesquisa é a
absorção da prática mediacional no interior de uma favela comandada por
milícia. Além disso, a observação das práticas sociais e ajurídicas que se
institucionalizaram na comunidade conduzem a um processo de administração
de conflitos fora de padrões formais e estatais. Processo em que as partes são
protagonistas de um procedimento administrado por um terceiro imparcial cuja
função é facilitar o diálogo entre as mesmas na busca de uma solução que as
satisfaça.

Introdução: contextualizando a favela de Rio das Pedras

A favela de Rio das Pedras, segundo os dados apresentados pelo censo


IBGE dos Aglomerados Subnormais1 de 2010, possui um quantitativo de
63.482 (sessenta e três mil quatrocentos e oitenta e dois) habitantes. Ocupa, no
ranking de favelas, o lugar de terceira maior do país e segunda maior do Rio de
Janeiro, ficando apenas atrás da favela da Rocinha.
Deve-se salientar, contudo, que o censo realizado pelo IBGE dividiu a
favela de Rio das Pedras em duas (A.M. e Amigos de Rio das Pedras e Rio das
Pedras propriamente dita) além de ignorar áreas grandes e densamente
povoadas entendidas pela população como integrantes da comunidade2.

1
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a terminologia aglomerados subnormais
abrange as diversas formas de ocupação do solo de forma: ilegal, fora dos padrões urbanos ou com precária oferta
de serviços públicos.
2
Apesar da falta de infraestrutura e do crescimento desordenado destas áreas o IBGE não as considera como
aglomerados subnormais, supostamente pelo fato de serem áreas inicialmente cedidas pela Prefeitura através de
instrumento formal (cessão de uso), entretanto, não explicita os motivos de sua exclusão do Censo 2010. Dentre
as áreas excluídas estão as localidades do Rio das Flores, Rio Novo e São Bartolomeu.

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

Segundo lideranças comunitárias e prestadores de serviços na comunidade, a


população de Rio das Pedras gira em torno de 80.000 (oitenta mil) habitantes,
número muito maior do que o apresentado pelo IBGE.
O elevado número de habitantes, segundo os moradores, se deve a
segurança do local, fator apontado por eles como um dos principais motivos de
terem escolhido a comunidade para morar. Além disso, a privilegiada
localização da favela beneficia os seus habitantes no que concerne a facilidade
de conseguir trabalho e deslocamento, devido à proximidade com os bairros da
Barra da Tijuca e de Jacarepaguá.
A favela de Rio das Pedras tem uma população constituída
predominantemente, de nordestinos e descendentes de nordestinos. E, tem
como característica principal o fato de ter apresentado um crescimento
imobiliário impressionante nos últimos anos. Um dos fatores que impulsionou
este crescimento foi o mercado ilegal de imóveis administrado pela Associação
de Moradores3. Esta prática esgotou praticamente todo o espaço horizontal da
favela, que na atualidade, cresce verticalmente a um ritmo impressionante.
Esse crescimento vertical, informal e ilegal, surgiu da prática do “Direito de
Laje”, o “principal instrumento institucionalizado de verticalização de moradias
que fomenta o mercado imobiliário da favela em questão” (CORRÊA; 2012).
Trata-se de uma prática local, que consiste na venda do teto do edifício ou até
mesmo do seu espaço aéreo ainda inexistente, delimitado pelas dimensões do
imóvel.
A partir desta prática já institucionalizada pela população e da
predominância de contratos orais nos negócios, com os comerciantes,
consumidores e especuladores imobiliários, de dentro e fora da favela,
naturalmente surgem conflitos. Somam-se a essas fontes de conflito favelar, as
fontes rotineiras de contendas, como as relações familiares, sucessórias, de
vizinhança etc.
Nesse contexto, de fontes rotineiras e fontes específicas, o órgão legitimado
pela maioria dos moradores como solucionador dos conflitos é a associação de
moradores, um verdadeiro órgão “judicializante” que administra um “sistema
de controle social local” (BURGOS; 2002)4. Este controle decorre da prática da

3
A Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras – AMARP gerencia organizadamente o sistema de
compra e venda dos imóveis da comunidade, contando inclusive com um “cartório” para o registro das vendas de
lajes, moradias e estabelecimentos comerciais de Rio das Pedras.
4
“[...] os mecanismos de subordinação política são lubrificados por uma rica sociabilidade, baseada na
reciprocidade horizontal, e em uma estratificação sócio espacial que situa o morador da favela em um território
hierarquizado, tanto pela escala econômica como pela de prestígio social. Além disso, como já salientado, ela
também envolve seus moradores em um sistema de controle social local, que regula os contratos e os conflitos de

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

população de procurar a associação de moradores para tentar solucionar o


conflito antes de procurar o judiciário, visto que quando o procura, não tem as
suas práticas locais reconhecidas pelo Estado. Por este motivo, também não
reconhecem o Estado como legítimo para a resolução de seus conflitos.
A associação de moradores, com o crescimento da comunidade, se viu
diante de um quantitativo substancial de conflitos para administrar. Através do
seu presidente foi feita uma proposta a uma professora de uma instituição
privada de ensino superior, que realizava pesquisa de campo para sua tese de
doutorado em direito na comunidade, para que fosse aberto um núcleo de
atendimento jurídico gratuito para os moradores. A proposta foi aceita pela
professora e apoiada pela instituição de ensino, firmando-se assim uma parceria
público-privada entre a Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras
– AMARP e a instituição de ensino Centro Universitário da Cidade –
UNIVERCIDADE.
O núcleo implantado, desde 2008, tinha inicialmente como objeto a
prestação de atendimento jurídico gratuito e a mediação de conflitos
comunitários. Hoje, além destes serviços, são ajuizadas ações na área de direito
de família, quando não é possível a mediação, a mesma fracassa ou as partes
não aceitam participar do procedimento. O núcleo conta ainda com quatro
linhas de pesquisa em andamento, uma, apoiada pela Fundação de Amparo a
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (Projeto Cidadanias
vulneráveis no Estado do Rio de Janeiro: saúde, moradia, educação e lazer. As
desigualdades sociais contra a igualdade legal, E-26/110.637/2012), voltada
para a regularização dos endereços de Rio das Pedras, uma destinada a
viabilização de soluções para o descarte adequado do lixo, uma que estuda
ocupação irregular e direito urbanístico e outra que pesquisa a mediação de
conflitos comunitários.

I. A mediação como forma de composição de conflitos

Este estudo tem como objetivo apresentar as técnicas de mediação utilizadas


no Núcleo de Mediação e Pesquisa de Rio das Pedras (RJ), mas, antes de
apresentarmos as técnicas de mediação desenvolvidas e adaptadas a realidade
desta favela carioca, vamos desenvolver o instituto da mediação através da
explicitação genérica do seu conceito, princípios e objetivos.

vizinhança. Fundado em uma moralidade que varia de lugar para lugar, esse sistema de controle social tende a
reduzir o contato dos moradores das favelas com o mundo dos direitos, expondo-os a autoridades locais pré-
jurídicas, que, nem por isso, deixam de erguer diques de proteção em face do individualismo bruto reduzido ao
estado de natureza.” BURGOS, Marcelo Baumann (org). A utopia da comunidade: Rio das Pedras, uma favela
carioca. 2ª edição. Rio de Janeiro. : PUC-Rio: Loyola, 2002, p. 29.

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

A partir da observação de alguns procedimentos extrajudiciais, do estudo do


material de formação de mediadores judiciais fornecidos por diversas
instituições e da análise doutrinária do instituto, entendemos como mediação, o
um instrumento de administração de conflitos onde um terceiro imparcial
escolhido pelas partes ou apresentado e aceito por elas, através de um
procedimento judicial ou extrajudicial, tenta restabelecer e/ou facilitar o diálogo
entre as partes contendoras interferindo o mínimo possível na formulação de
opções de acordo e na consecução do mesmo.
Nas palavras de Lis Weingartner,

A mediação é um método de resolução de conflitos em que um terceiro


independente e imparcial coordena reuniões conjuntas ou separadas com as partes
envolvidas em conflito. Seu objetivo, entre outros, é o de estimular o diálogo
cooperativo entre elas para que alcancem a solução das controvérsias em que estão
envolvidas. Neste método pacífico se busca propiciar momentos de criatividade
para que as partes possam analisar qual seria a melhor opção face à relação
existente, geradora da controvérsia. (2009).

O terceiro imparcial utiliza técnicas para aproximar as partes em conflito


facilitando e incentivando as mesmas na consecução de um acordo voluntário e
satisfatório para ambas. Ele auxilia as partes a terem uma visão diferenciada do
problema objeto da mediação, ou seja, conduz elas a uma observação do
problema sob várias perspectivas (AZEVEDO e LIEBMAN; 2009).
Tenta assim, esclarecer os fatos e interesses ligados ao conflito conduzindo
o diálogo para que cada parte se coloque no lugar da outra em relação ao
problema e, assim, possam buscar conjuntamente uma solução que as satisfaça,
habilitando-as assumir o controle da situação e encontrando soluções que
compatibilizem os interesses e necessidades envolvidos (AZEVEDO e
LIEBMAN; 2009).
É um meio participativo de composição de conflitos em que cada parte
assume a sua responsabilidade sobre o resultado final da disputa. Daí o seu
princípio basilar ser o da voluntariedade, que atribui às partes a liberdade de
participar ou não do procedimento, ou seja, o procedimento de mediação é
espontâneo e não pode ser obrigatório.
Além da voluntariedade existem outros princípios correlatos à mediação,
são eles:
O consentimento informado, que concede o direito das partes obterem
qualquer informação antes ou durante o procedimento. As informações
fornecidas dependem da necessidade das partes conflitantes e, se necessário e

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

autorizado pelas partes, pode-se consultar um especialista na área. Essas


informações podem ser jurídicas, como as ligadas ao direito de família, direito
contratual etc., ou ligadas aos costumes locais, como por exemplo, a frequente
utilização do “direito de laje” na administração de conflitos ligados ao mercado
imobiliário da favela de Rio das Pedras.
Este princípio não se refere somente ao direito de obterem qualquer
informação antes ou durante o procedimento, ele interfere diretamente no
andamento do procedimento através da atuação vinculada do mediador à
permissão das partes. Elas decidem sobre a utilização ou não de um parâmetro
durante a mediação e ditam o seu ritmo através do assentimento ou rejeição
destes.
Na mediação realizada em Rio das Pedras algumas vezes o consentimento
informado acaba por conduzir as partes a um procedimento contraditório
semelhante ao empregado nas audiências de instrução e julgamento dos
tribunais de justiça. Chama atenção a postura que as partes têm ao tentar provar
os fatos narrados e exigir a prova em contrário no momento da mediação. Essa
postura dá trabalho mediador que precisa afastar a combatividade das partes,
comum em procedimentos contraditórios, para tentar facilitar o diálogo.
Outro princípio é a autodeterminação, que confere as partes o poder de
determinar o resultado do procedimento, ou seja, o resultado depende
inteiramente do seu consenso, do pacto firmado entre as partes e não da
imposição de uma decisão. Na mediação, o mediador responsável pelo
procedimento não pode forçar as partes a dialogarem e muito menos a
aceitarem uma opção de acordo. Além de ferir a autodeterminação essa postura
põe sob suspeita a imparcialidade do terceiro facilitador do diálogo, pois se não
é do seu interesse, por que quer tanto que a mediação termine em acordo?
A imparcialidade, impõe a neutralidade do mediador como facilitador do
diálogo e o tratamento equânime na administração dos conflitos. A
imparcialidade do mediador é que oferece segurança as partes para tentarem um
acordo sem o risco do procedimento ser voltado para o benefício de uma delas.
Trata-se do princípio mais difícil de ser seguido pelo mediador que deve tomar
todas as precauções para não formar um juízo de valor sobre o problema
mediado. Essa formação de juízo em relação ao objeto da demanda pode
contaminar a sua atuação e ter reflexos na condução do diálogo, pois mesmo
que inconscientemente pode conduzi-lo para beneficiar uma das partes.
E, finalmente, a confidencialidade que assegura o sigilo do procedimento
para que as partes possam discutir qualquer assunto ligado ao problema levado
à mediação. A oitiva das partes na mediação deve ser livre e, frequentemente,
envolve a narração dos sentimentos e assuntos pessoais das partes, que, mesmo
não ligados ao objeto do procedimento são material importante para o trabalho

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

do mediador. O sigilo garante o conhecimento e a análise desses dados pelo


mediador que pode utilizá-los para facilitar o diálogo.
Entendemos que a mediação é um instrumento de inclusão social e
facilitação do acesso à justiça que tem como objetivos geralmente apontados
pela doutrina:

• Proporcionar aos litigantes uma maneira de administrar os seus


conflitos, com a ajuda de um terceiro imparcial e capacitado, de forma
voluntária.
• Preservar o relacionamento entre as partes envolvidas no conflito.
• Descongestionar o Judiciário, pois menos ações são propostas.
• Facilitar o acesso à justiça e consequentemente à cidadania, pois é
um instrumento de inclusão social.
• Diminuir os custos na resolução de controvérsias, pois dentre as
formas de resolução de conflitos é uma das que possui menor custo.
• Pacificar toda a sociedade através da prevenção de litígios.
• Resolver os conflitos de maneira ética e legal.
• Não expor as partes a constrangimento, através do sigilo do
procedimento.
• Diminuir o tempo gasto na resolução de conflitos, pois com a
facilitação do diálogo o acordo depende somente das partes e pode ser
formulado imediatamente após o procedimento.
• Fazer com que as próprias partes gerem opções para a solução da
controvérsia e não dependam do arbítrio de terceiros.

II. A prática da mediação na favela de Rio das Pedras: o trabalho


do Núcleo de Mediação e Pesquisa da UNIVERCIDADE

Atualmente, o Núcleo de Mediação e Pesquisa funciona de 2ª a 6ª feira das


10 às 14 horas, e é composto por 6 (seis) membros, entre professores e alunos
do curso de direito do Centro Universitário da Cidade, que além de prestar
atendimento jurídico e mediar conflitos, utilizam a percepção empírica da
favela de Rio das Pedras para o desenvolvimento de suas pesquisas acadêmicas.
A formação dos mediadores do Núcleo se baseia primordialmente no
aprendizado da cidadania, através da leitura e comparação de autores como T.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

H. Marshall5, que em sua obra conta a historia do desenvolvimento da


cidadania como fruto da soma dos direitos civis, políticos e sociais, que nesta
ordem se desenvolveram. E, José Murilo de Carvalho6 que descreve a história
da cidadania no Brasil e afirma que, ao contrário de Marshall, a cidadania no
Brasil se desenvolveu em uma ordem inversa, primeiro com os direitos sociais
seguidos pelos políticos e civis. Desta forma, os mediadores adquirem uma
formação transdisciplinar (SANTOS; 2007) sendo introduzidos no estudo de
outras ciências como Antropologia, Sociologia e História o que é um diferencial
nas suas atuações, pois podem fazer uma melhor contextualização social dos
problemas levados ao processo de administração.
Os mediadores iniciantes são incentivados a observar as práticas locais
através de incursões regulares na favela, entrevistas com os moradores,
observação empírica do comportamento das pessoas da localidade e
participação nas orientações jurídicas prestadas pelos mediadores mais
experientes do Núcleo. Esta prática se constitui como instrumento precioso no
trabalho de atendimento à população e principalmente no trabalho de mediação
de conflitos, pois a orientação dada aos alunos é que os problemas locais devem
ser observados sobre o ponto de vista local e não em face do direito posto.
Desta maneira, a mediação realizada em Rio das Pedras respeita e utiliza os
costumes locais, que devem ser compreendidos pelos mediadores como
instrumento mediacional eficaz, visto que, de acordo com o que foi afirmado
por Clifford Geertz, o “Direito é um saber local” (2006).
O mediador deve ter ciência da importância do seu trabalho como
colaborador na busca da população favelada pelos seus direitos, fato facilmente
observado ante à impotência que a grande maioria dos atendidos pelo Núcleo
demonstra quando se encontram na iminência de ter de reivindicar os mesmos,
quando violados, no Judiciário. Esta reivindicação é o que se chama de
“procura suprimida” (SANTOS; 2007), parte integrante da sociologia das
ausências, algo que em Rio das Pedras pode ser visto frequentemente. Como
por exemplo, na falta de comprovantes de residência (endereço formal) de
grande parte da sua população, o que impede a utilização da Defensoria Pública
para o ajuizamento de ações quando os direitos dos cidadãos sem comprovante
são violados, devido o fato do mesmo ser um requisito deste órgão para
representação em litígios.
Nesse contexto, a mediação se apresenta como uma alternativa apta a suprir
o sentimento de impotência da população favelada em relação à busca pelos

5
MARSHALL, T. H., Cidadania e Classe Social. Leituras sobre cidadania. Editor: Walter Costa Porto. Senado
Federal, Ministério da Ciência e Tecnologia – MTC e Centro de Estudos Estratégicos - CEE: Vol. I, Brasília,
2002.
6
CARVALHO, José Murilo de. A cidadania no Brasil. O longo caminho. 14ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011.

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

seus direitos, ou seja, através do procedimento de mediação, assumem o papel


de protagonistas na resolução dos seus conflitos, sem a necessidade da
intervenção estatal.
O procedimento de mediação oferecido em Rio das Pedras é livre, adotando
as técnicas de negociação de acordos sem concessões de Roger Fisher, Willian
Ury e Bruce Patton (Harvard) adaptadas aos costumes de Rio das Pedras.
Através destas técnicas, os mediadores aprendem a administrar conflitos
separando as pessoas do problema apresentado, concentrando-se nos interesses
das partes, auxiliando-as a inventarem opções de ganhos mútuos e insistindo em
critérios objetivos. Como exemplo de critério objetivo, temos o fato de se
utilizar como parâmetro nas mediações que versam sobre contratos imobiliários
na favela, o “direito de laje”.
O método de Mediação realizado segue algumas regras procedimentais:
primeiramente a parte interessada procura o Núcleo para esclarecer alguma
dúvida jurídica e no momento do atendimento é feita uma triagem verificando
se o problema pode ser submetido à mediação. Através da narrativa do
atendido, é visto se o objeto do problema apresentado é disponível e passível de
mediação, como por exemplo, se o assunto tratado é sobre direito contratual,
direito de laje, partilha de bens etc., Caso não seja, a mediação não poderá ser
marcada e o problema será encaminhado à Defensoria Pública. Após esta
constatação, o atendente fornece a orientação necessária, incluindo a opção de
tentar o procedimento de mediação e explica à parte interessada as vantagens,
regras e princípios orientadores do procedimento.
Uma vez aceita a opção de tentar a mediação, a própria parte que buscou
atendimento entrega o “Convite de Mediação” para a outra contendora, que tem
a faculdade de comparecer ou não. O convite traz o nome das partes, a data e
hora em que a mediação será realizada, as informações de que a mediação é
voluntária e o atendimento é gratuito, além da informação de que ele não pode
ser utilizado e nem entendido como objeto de coação.
Insta salientar, que as informações contidas no “Convite de Mediação” são
escritas da maneira mais informal possível e que o Núcleo fica à disposição das
partes para o esclarecimento de qualquer dúvida, pois a parte convidada pode
ter pouca instrução e não entendê-lo. A única informação omitida no convite é a
referente ao objeto da mediação, ou seja, o problema, pois acredita-se que a
parte terá o conhecimento do mesmo assim que receber o convite da parte
contendora.
No dia e hora marcados, com o comparecimento das partes, o mediador
explica o procedimento de mediação e os seus princípios (confidencialidade,

21
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

imparcialidade, autodeterminação, consentimento informado e voluntariedade)


e pergunta se as mesmas querem participar do procedimento. Se uma das partes
não aceitar participar do procedimento, ambas são informadas da possibilidade
de recorrer ao Judiciário para solucionar o litígio e o procedimento não será
iniciado. Além dessas informações, o mediador instrui que se a mediação for
bem sucedida, a critério das partes, poderá ser lavrado um “Termo de
Mediação” entre elas, termo que também poderá ser assinado por duas
testemunhas, para que adquira o caráter de título executivo extrajudicial7. Como
título executivo extrajudicial o termo de mediação se torna exequível
judicialmente caso uma das partes não cumpra o acordado, o que diminui o
tempo de duração de um possível processo judicial, pois não será necessário o
processo de conhecimento, mas apenas o de execução.
Aceito o procedimento inicia-se a mediação com a oitiva das partes sobre o
problema que as trouxe ao Núcleo (ambas as partes são orientadas a não
interromperem a fala da outra, ou seja, quem dá a palavra/administra o diálogo,
é o mediador). Inicia-se sempre com a parte que procurou primeiro o Núcleo e
depois pela convidada, salvo se as partes quiserem modificar a ordem. Após a
anuência das partes e a oitiva dos problemas, o mediador faz um resumo de
tudo o que foi dito e tenta isolar o problema esclarecendo possíveis dúvidas
sobre os fatos narrados.
Nesse contexto, as emoções expressadas pelas partes tem importância cabal,
pois elas podem ser a verdadeira causa do conflito, ou seja, os sentimentos
podem obstruir a possibilidade de acordo, daí a importância da atenção do
mediador no que as partes estão sentindo já que “sua raiva e frustração podem
obstruir um acordo que lhe seria benéfico” (FISHER, URY e PATTON; 2005).
Esse processo de familiarização do mediador com o que a parte sente o auxilia a
sensibilizar as partes quanto ao que a outra sente, pois “por mais útil que seja
buscar a realidade objetiva, é a realidade tal como cada lado a vê que, em última
instância, constitui o problema de uma negociação e abre caminho para uma
solução” (FISHER, URY e PATTON; 2005).
Se, ainda assim, restarem dúvidas a respeito do que foi dito pelos
contendores em qualquer momento da mediação o mediador deve fazer
perguntas visando esclarecê-las visto que as perguntas são um meio eficiente de
impulsionar as partes na formulação de acordos. Sanadas as dúvidas o mediador
inicia um processo de conscientização das partes fazendo com que uma se
coloque no lugar da outra em relação ao problema apresentado, ou seja, o
problema é colocado em foco. O mediador deve se concentrar nos interesses

7
Título executivo extrajudicial é um documento particular constituído fora do Judiciário, assinado pelos
contratantes e por duas testemunhas. Tal documento deve conter objeto líquido, certo e exigível e está previsto no
artigo 585, inciso II, do Código de Processo Civil.

22
O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

das partes evitando que elas entrem no jogo de rateio de posições, o que
dificultaria o trabalho do mediador de reestabelecer o diálogo entre elas.
Concentrando-se nos interesses das partes o mediador pode auxiliá-las mais
facilmente a buscarem opções de ganhos mútuos, pois elas se tornam aliadas na
procura da resolução do conflito e, consequentemente, buscam a satisfação de
ambas, objetivo primordial da mediação. Antes que as partes se concentrem
nesta busca, deve ser eleito um critério objetivo a ser utilizado na formulação de
propostas de acordo, como por exemplo, o direito de laje para divergências
sobre o mercado imobiliário da favela de Rio das Pedras, a média do valor de
um produto oferecido em diversos sites de venda de bens usados em uma
partilha extrajudicial etc. Trata-se de um acordo consensual sobre os parâmetros
que servirão de base para a administração do conflito.
Encontrada uma opção que satisfaça a ambas as partes o mediador pergunta
se elas aceitam a opção formulada como solução da contenda apresentada e em
caso de resposta positiva é digitado o termo de mediação. O termo será lido em
voz alta pelo mediador na frente das partes e das testemunhas e, posteriormente,
assinado por todos. Para evitar a ocorrência de erros o mediador pergunta as
partes se foi detectada alguma falha no termo e se tudo o que foi escrito está em
conformidade com o que foi acordado. Caso aconteça alguma modificação o
termo será lido novamente antes da assinatura.

Conclusão

Nos mais de 5 (cinco) anos de funcionamento do Núcleo, foram realizados


mais de 1.700 (mil e setecentas) orientações jurídicas e 166 (cento e sessenta e
seis) mediações com apenas 4 (quatro) acordos descumpridos, ou seja, uma
parcela mínima das mediações realizadas tiveram o objeto do seu acordo
inadimplido. Números que demonstram a aceitação da prática da mediação pela
população local como um meio resolução de seus conflitos e uma eficácia de
98%.
Essa aceitação é proveniente do contato dos seus integrantes com a
população que vive na favela e com as suas práticas locais, o que proporciona
uma “formação mais sensível aos problemas sociais” (SANTOS; 2007) e
acrescenta aspectos pedagógicos importantes na formação dos estagiários e
profissionais que participam do Núcleo.
A atuação dos profissionais do Núcleo não visa resolver os problemas dos
atendidos, impondo algum modelo jurídico de controle social (KANT DE

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

LIMA; 2000), mas sim utiliza as práticas e costumes locais na administração


dos conflitos de seus moradores e pessoas que tem alguma ligação com a
favela.
Diante da ilegalidade das relações legitimadas e internalizadas pela
população local a mediação tem demonstrado ser uma forma eficiente de
auxiliar os cidadãos a assumirem o seu papel na administração dos seus
problemas, sem precisar recorrer ao Judiciário. Neste sentido, os mediadores de
Rio das Pedras são treinados para respeitar as práticas locais e,
consequentemente, auxiliar na produção de acordos mais justos e reconhecidos
pelas partes.
A mediação é um meio de acesso à justiça e a cidadania que atua de
maneira diversa do Judiciário. Na atualidade, visa proporcionar a solução dos
litígios de maneira cada vez mais rápida para conter o problema da morosidade
da justiça, ou seja, em prol da diminuição do grande número de processos que
detém e procura resolver de maneira cada vez mais rápida os conflitos que nele
desaguam.
Nessa concepção neoliberal que privilegia tão somente a produtividade, em
um processo de “produção industrial de decisões” (NUNES; 2011), o Judiciário
se afasta da sua função basilar em que “deve produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos” (CAPPELLETTI e GARTH;1988).
A mediação visa aproximar o cidadão da resolução das suas divergências e
satisfazer ambas as partes conflitantes, diferentemente da atual postura do
Judiciário que aparentemente quer apenas o fim do litígio, o mais rápido
possível. Entretanto, não basta uma solução rápida e acessível à Justiça se a
mesma não se atém as particularidades de cada caso. Pois de que adiantaria um
resultado produzido legalmente, mas injusto socialmente e insatisfatório para os
jurisdicionados?
Portanto, aproveitando as palavras de Boaventura de Souza Santos: “deve-
se ter em mente que, nalguns casos, uma justiça rápida pode ser uma má
justiça” (SANTOS; 2007) e a mediação tem se mostrado um meio eficaz de
evitar que os conflitos sejam submetidos a esse sistema neoliberal que
constantemente frustra os que dele fazem uso.

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O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO E PESQUISA DE RIO DAS PEDRAS: A EXPERIÊNCIA DA
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS EM UMA
FAVELA CARIOCA
CLÁUDIA FRANCO CORRÊA
IRINEU CARVALHO DE OLIVEIRA SOARES

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

WEINGARTNER, Lis. Mediação é escolha alternativa para a resolução de conflitos. Revista Justilex,
ano VII, nº 76, abr. 2009.

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A
INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR

Amanda Apelfeld
Márcia Adriana Oliveira Fernandes

A discussão sobre a redução da menoridade penal sempre é retomada


quando se tem a prática de um crime por um menor de dezoito anos de idade.
Os problemas referentes à ineficácia das medidas socioeducativas previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente são substituídos pela solução “mágica” da
privação da liberdade, pela estratégia “pedagógica” do sofrimento e do bom
adestramento. Contudo, os centros de detenção juvenil reproduzem em sua
estrutura, funcionamento e mazelas as características das prisões de adultos. O
presente artigo tem por finalidade refletir sobre a prática da Justiça Restaurativa,
como forma não violenta de resolução dos conflitos para o adolescente infrator,
vítima da violência empregada pelo Estado e pela sociedade. Como já advertia
Radbruch, não precisamos melhorar o direito penal, mas superá-lo, instituir algo
melhor.

Introdução

Atualmente, o sistema punitivo é sustentado pela Teoria Mista, de um lado


abrange a teoria retributiva estabelecendo, em síntese, que “ao mal do crime, o
mal da pena”, de outro lado, incorpora as teorias prevencionistas, defendendo
que a pena de prisão tem por finalidade prevenir que novos delitos sejam
cometidos. A sanção abstrata provocaria “medo” de uma possível punição,
carregando consigo o que Feuerbach chamou de “coação psicológica”. Nesse
sentido, a pena também apresenta como finalidade impedir a reincidência.
Entretanto, a crise do sistema punitivo tem se tornado aguda. Os fins
propostos pelo legislador para justificar a pena privativa de liberdade, de adultos
e adolescentes, tem se mostrado totalmente divorciada dos seus efeitos práticos,
reais.
Também é possível constatar esse descompasso entre o texto legal e a
realidade, quando estudamos as medidas socioeducativas. Embora o Estatuto da
Criança e do Adolescente proponha o tratamento diferenciado ao adolescente
infrator pautado na política da proteção integral, o que se percebe, na prática, é
que as unidades de internação apresentam-se estrutural e ideologicamente como
se fossem minipresídios. Diante deste cenário, problemático e complexo, não há

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

como desconsiderar a deslegitimação do sistema punitivo que não produz


nenhum benefício para a vítima, o acusado e a sociedade.
Analisar e refletir sobre o sistema de justiça criminal, em especial sobre as
medias socioeducativas e sua finalidade é uma necessidade que se impõe, pois a
política criminal atual, pautada na repressão, não está adequada aos
fundamentos do Estado de Direito.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente seja um paradigma no
plano legislativo, as unidades de internação demonstram o fracasso da proposta
de proteção integral. É nesse cenário que se insere o modelo de Justiça
Restaurativa, ou “um outro olhar” sobre o crime e a punição. A partir da
compreensão do que se entende por Justiça Restaurativa, seus princípios
informadores, seus objetivos e efeitos práticos, pretende-se refletir sobre outras
formas de lidarmos com a punição, em especial, no que tange ao adolescente
infrator. Trata-se de uma proposta que valoriza o diálogo, a reconstrução dos
laços rompidos em detrimento da punição e do sofrimento.

I. A falência do sistema punitivo

Ante as contradições existentes entre o discurso jurídico e a realidade dos


cárceres, é cada vez mais evidente a crise do sistema punitivo. Em outras
palavras, a realidade do sistema carcerário brasileiro, vem se mostrando
totalmente divorciada da proposta legal, inclusive, quando estudamos as
medidas socioeducativas. Embora, o Estatuto da Criança e do Adolescente
estabeleça um tratamento diferenciado ao adolescente infrator, o que se percebe,
na prática, é que as unidades de internação apresentam-se estruturalmente e
ideologicamente como se fossem minipresídios.

I.ii. A ineficácia da privação da liberdade

É importante salientar que a maneira como a sociedade lida com o crime e o


criminoso sofreu mudanças, influenciadas por vários aspectos, sociais, culturais,
econômicos etc. Em razão disso, foram atribuídas funções diversas a pena.
Assim, inicialmente, foi-lhe atribuída a função retributiva, o crime era
compreendido como um mal e “a pena como um castigo” (BITENCOURT,
2011).
A Teoria Mista possui predominância do Direito Penal. Esta se explica pela
união das teorias retributivas, de prevenção geral e de prevenção especial da
pena criminal. Desse modo, assevera o autor que

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
INFRATOR
AMANDA APELFELD
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

[…] assim, a pena representaria (a) retribuição do injusto realizado, mediante a


compensação ou expiação da culpabilidade, (b) prevenção especial positiva
mediante correção do autor pela ação pedagógica da execução penal, além de
prevenção especial negativa como segurança social pela neutralização do autor e,
finalmente, (c) prevenção geral negativa através da intimidação dos criminosos em
potenciais pela ameaça penal e prevenção geral positiva como manutenção/
reforço da confiança na ordem jurídica. (SANTOS, 2005)

A Teoria Mista é adotada no Brasil, com fulcro no artigo 59, do Código


Penal. Este artigo demonstra, claramente, a ideia de reprovação que se remete a
concepção da retribuição do crime, na medida da sua culpabilidade.
Igualmente, assegura a concepção de prevenção do crime, a qual abrange a
neutralização e correção do autor, no caso da Teoria da Prevenção Especial,
bem como, a intimidação e manutenção da confiança na ordem jurídica, na
Teoria da Prevenção Geral.
Neste sentido, este artigo pretende fomentar a reflexão sobre as
consequências decorrentes do uso abusivo da prisão como forma “mágica” para
resolver um problema estruturante das sociedades modernas que é a violência.
Desse modo, é essencial a contribuição de (GAUER, 2003) ao aduzir que
“tornou possível vermos hoje uma banalização e rotinização da violência, cujas
consequências trazem o excesso que tende a se cristalizar como uma perversão
difícil de ser controlada”.
Nesse sentido, não se pode negar que a privação da liberdade de jovens e
adultos constitui um ato de violência praticada pelo Estado. Por isso, afirma a
doutrina que

[…] as prisões mesmas foram criadas como alternativas mais humanas aos
castigos corporais e à pena de morte. O encarceramento deveria atender às
necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovem a reeducação de
ofensores. Uns poucos anos depois de sua implementação, as prisões tornaram-se
sede de horrores e nasceu o movimento de reformulação da prisão. (ZEHR, 2008)

É preciso buscar novos caminhos, tendo em vista que não é por meio da
estratégia pedagógica do sofrimento e do “bom adestramento” que se alcançará
a responsabilização do desviante. É preciso pensar em novas estratégias de
política criminal para lidar com o crime, violências e suas consequências de
maneira menos violenta.
Em termos teóricos, pode-se dizer que os fins propostos para a pena
privativa de liberdade são: ressocializar e reintegrar o indivíduo na sociedade.
Todavia, o que realmente interessa é a sua aplicabilidade e eficácia concreta.
Sendo assim, os fins ideais da privação da liberdade estão sendo deixados de

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

lado, tanto no que tange ao âmbito da privação de liberdade aplicável aos


adultos, quanto na esfera dos adolescentes, com a aplicação da medida de
internação, cujas unidades de internação parecem mínipresídios.
Ocorre que, o modelo de aplicação das medidas socioeducativas guarda
muitas semelhanças com o sistema punitivo de adultos. Neste sentido, a
principal similaridade é o divórcio existente entre os fins propostos pelo
legislador e a realidade das unidades de internação. Sendo certo que ambos são
modelos voltados para a retribuição de um delito, sem preocupação com o
futuro dos envolvidos.
Levando em conta os efeitos deletérios da privação da liberdade e do
sofrimento causado, seu uso deveria ser excepcional. Porém, assevera
(BITENCOURT, 2011) que, a privação de liberdade é a “principal resposta
penológica” que tem por objetivo alcançar a reforma do criminoso.
O encarceramento oculta os verdadeiros maus-tratos, torturas, castigos
cruéis etc. Ademais, a superlotação carcerária diminui a privacidade do
apenado, o que propicia a ocorrência de vários abusos sexuais, inclusive, de
presos recém-chegados, comportamentos inadequados e, favorece a utilização
da violência como instrumento de sobrevivência, aonde se impera, de acordo
com (ZEHR, 2008) “a lei do mais forte” para a aquisição da “validação pessoal,
para conseguir lidar com o mundo, para resolver problemas”.
Durante o processo, apenas se focaliza no fato passado, no que já ocorreu.
Contudo, deixa-se de lado, como “prevenir a reincidência e os problemas
futuros”. Desta maneira, a concepção da culpa é “objetiva”, “técnica” e
“descritiva”, questionando apenas “se a pessoa acusada de fato cometeu aquele
ato e, em caso positivo, se esta pessoa é imputável diante da lei”.
Em que se pese o mérito dos argumentos supracitados, a crise não é
somente relacionada à privação da liberdade do apenado adulto e/ou
adolescente, mas a política criminal como um todo. Pois, mesmo que os
direitos do indivíduo sejam respeitados, ao contrário do que acontece na
realidade, na maioria dos casos, essas pessoas continuam a ser vistas como
“delinquentes” e, incapacitados de serem reinseridos na sociedade, por serem
vistos como “ex-delinquentes”. Neste sentido, a sanção penal está dando uma
resposta violenta à violência.
Isso significa que a punição exerce o papel de impor “doses justas de dor”.
Desta maneira, a justiça se baseia em estimular e justificar a violência, ao
contrário do idealismo de justiça, a qual objetiva inviabilizar que essa ocorra.
Se o tratamento dispensado aos adultos representa violação de direitos, com
mais razão deveríamos rever o tratamento dispensado aos adolescentes
infratores em face de sua situação de vulnerabilidade física e psicológica. Em
tal contexto, seria pertinente analisar o tratamento jurídico dispensado ao

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
INFRATOR
AMANDA APELFELD
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

adolescente em conflito com a lei, considerando que a internação é a medida


mais utilizada como resposta da política criminal.

II. Internação de adolescentes: entre a lei e a realidade

Impende salientar que com o advento da Constituição Federal de 1988,


acolheu-se a política da proteção integral, fundamentada em normas
internacionais acordadas anteriormente, como por exemplo, a Convenção de
Direitos da Criança. Neste sentido, foi possível estruturar um novo paradigma
doutrinário, a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº. 8069/90), posto que, este visa efetivar os direitos e garantias
fundamentais consagrados pela doutrina da proteção integral.
Todavia, os fins propostos tanto pela legislação constitucional quanto pela
norma infraconstitucional, mostram-se discrepantes na prática, no que tange,
principalmente, aos centros de detenção juvenil. Desta forma, será analisada
criticamente a privação de liberdade das unidades de internação dos
adolescentes, com a finalidade de demonstrar a falência desta modalidade de
medida socioeducativa do jovem infrator.
Nesse cenário impõe-se a reflexão sobre projeto de emenda à Constituição
no 33 de 2012, visa reduzir a maioridade penal, bem como, aumentar o tempo
de cumprimento da medida de privação de liberdade do jovem. Este projeto de
emenda constitucional significa um verdadeiro retrocesso jurídico, tendo como
fundamentado a análise crítica da realidade dos centros de detenção juvenil. Do
ponto de vista jurídico, é preciso considerar que a menoridade penal é
considerada cláusula pétrea, garantia fundamental da criança e do adolescente,
motivo pelo qual não podem ser abolidas da Constituição Federal de 1988,
conforme estabelece no seu artigo 60, §4º, inciso IV.

II.i. A legislação punitiva do Código de Menores

O Código de Menores, Lei nº. 6.697/79, representou um momento


significativo para a política criminal brasileira, no âmbito da infância e da
juventude. Desse modo, os “menores” eram vistos como “se fossem objetos do
direito e, não como sujeitos”, de acordo com (SHECAIRA, 2008). A referida
legislação era orientada pela ideia da Situação Irregular do menor, ou seja, era
um tratamento em que o Estado chama para si, a responsabilidade de “proteção,
assistência e vigilância” dos menores, com até dezoito anos de idade, que se

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

encontrassem em situação irregular, bem como, entre dezoito e vinte e um anos,


nos casos taxativos pelo referido diploma.
Isso significa dizer que, as crianças e adolescentes eram apenas “objetos de
proteção” da lei penal, e por se encontrarem enquadrados no modelo
predefinido da situação irregular, seriam alvo da intervenção estatal coercitiva,
tendo em vista que geravam um risco para a sociedade.
Assevera (KONZEN, 2007) que a Situação Irregular se baseava na
percepção de que a transgressão da norma penal pelo menor representava um
“fenômeno sociológico”, e, a medida aplicada, por conseguinte, seria concebida
por uma resposta “protetora ou terapêutica em razão de um estado de patologia
pessoal, familiar ou social”. Assim, a ação estatal, fundava-se na alegação “de
tutelar e proteger o menor incapaz, para tratar e prevenir um estado de
patologia”, mesmo que a doença tivesse procedência “familiar ou por
insuficiência social.” Em outras palavras, a privação da liberdade dos menores
abrangidos pela situação irregular, se tornava viável devido ao fato da
necessária aplicação da “bondade educativa”.

II.ii. A política da proteção integral: mudança de paradigma

A doutrina da proteção integral consagrou princípios e normas jurídicas


destinadas a garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente, bem
como reconhecer o seu status de sujeito de direitos. Em razão disso, a criança e
adolescente passaram a ser portadores não somente de direitos fundamentais
inerentes a todo indivíduo, mas também, de direitos especiais.
Vale salientar que o Brasil é signatário de tratados internacionais que devem
ser respeitados pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (lei no 8069/90). Sendo assim, o plano jurídico tem por
finalidade garantir meios necessários para que os interesses, direitos
fundamentais e garantias, da criança e do adolescente sejam efetivados, com
absoluta prioridade, por meio de políticas públicas.
Segundo (AMIN, 2013), a doutrina da proteção integral pode ser
conceituada como “um conjunto de enunciados lógicos, que exprimem um
valor ético maior, organizada por meio de normas interdependentes que
reconhecem criança e adolescente como sujeitos de direito”.
Contudo, segundo (KONZEN, 2007), “o sistema jurídico da
inimputabilidade” à luz constitucional, não deixa de prever, mesmo
implicitamente, a probabilidade de uma responsabilização penal ao considerado
inimputável, em razão da faixa etária. Em outras palavras, não se isenta de
responsabilidade a criança e o adolescente. Isto é, se responsabiliza de forma
diferenciada dos adultos. Assim, acrescenta o autor, que tanto a doutrina da

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
INFRATOR
AMANDA APELFELD
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

situação irregular quanto a política da proteção integral são pautadas na ideia de


retribuição.

II.iii. O adolescente e a medida socioeducativa de internação: entre os


fins propostos e a realidade das unidade de internação

A medida de internação é caracterizada pela privação de liberdade, estando


sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
particular do jovem em desenvolvimento. Em outras palavras, a medida de
internação quando aplicada deve ser breve e excepcional, isto é, se for possível
aplicar outra medida, não se aplica a internação, sempre visando respeitar a
condição peculiar de pessoa em formação do jovem, o qual necessita
internalizar limites para alcançar uma boa convivência social.
Conforme dito anteriormente, há uma disparidade entre o texto do Estatuto
da Criança e do Adolescente e a realidade vivenciada nas unidades de
internação. A seguir abordaremos alguns aspectos que demonstram a
impossibilidade de ressocialização dos adolescentes privados da liberdade, bem
como reduzir os índices de reincidência.
Neste sentido, o relatório produzido pela organização Human Rights Watch,
enfatiza também que a situação relacionada à higiene e ao atendimento básico à
saúde são muito degradantes. Inclusive que os locais de internação são
marcados pela superlotação, umidade e falta de circulação de ar. Há relatos de
que os jovens usam a mesma roupa por até três semanas. Também são
impedidos de ir ao banheiro à noite, tendo que urinar e defecar em sacos
plásticos. É importante ainda salientar que, os internos, às vezes, ficam dias
sem tomar banho, ou em razão dos monitores não os deixarem sair de suas
celas, ou por motivo de falta de água.
Vale registrar o alerta feito pelo Mecanismo Estadual de Combate e
Prevenção à Tortura do Estado do Rio de Janeiro de que é assustadora a
constatação de que o número de adolescentes com privação ou restrição de
liberdade mais que quadruplicou entre 1996 e 2010. Aponta o relatório que a
falta de atendimento médico permanece, bem como a ausência de tratamento
digno ao adolescente. A falta de colchões e roupa de cama é comum, e os
níveis extremos de superlotação denotam que os jovens têm, rotineiramente,
que dividir camas entre si, o que propicia a transmissão de doenças de pele,
como a sarna.
É importante frisar também que, é um absurdo os internos dependerem de
seus familiares que passam por obstáculos humilhantes para conseguirem

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

visitá-los, para poder ter acesso a sabão, pasta de dente e papel higiênico. Não
podemos esquecer que, a imundice é tão grande que tanto os internos como os
funcionários ficam a mercê de doenças contagiosas. E, por incrível que pareça
quem contrai a sarna, fica sem nenhum tratamento médico.
No que diz respeito às práticas disciplinares abusivas por funcionários dos
centros de detenção de jovens, é indispensável expor que há práticas de
espancamento reiteradas que podem ser visíveis ou não, através de cortes e
contusões aparentes no corpo dos internos, bem como, abusos verbais
frequentes. Desta forma, as ofensas podem ser meramente verbais como
xingamentos de “bandidos”, “marginais”, “vagabundos” e “demônios”.
Segundo o relatório sobre o Panorama Nacional: A Execução das Medidas
Socioeducativas, produzido pelo CNJ, a violência física sofrida pelos jovens
durante a execução da medida de internação é preocupante, posto que

“todos jovens entrevistados em conflito com a lei, 28% declaram ter sofrido algum
tipo de agressão física por parte dos funcionários, 10%, por parte da Polícia Militar
dentro da unidade de internação e 19% declararam ter sofrido algum castigo físico
dentro do estabelecimento de internação”.

É o Estado respondendo à violência do ato infracional com a violência da


internação. A severidade da medida evidencia a violação da dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos
civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e na legislação
infraconstitucional.
É essencial asseverar que os monitores praticantes dos maus-tratos ficam
impunes tanto nos centros de detenção do Rio de Janeiro, quanto em outros
estados do país. Porém, estes esforços são pequenos ainda, trazendo graves
consequências para a vida dos jovens apenados, durante o período de internação
e após o lapso temporal de cumprimento do ato infracional.
Segundo a reportagem do Jornal Extra, foram relatadas denúncias de
meninas abrigadas no Centro de Recepção de Crianças e Adolescentes
Taiguara, no Centro, do Rio de Janeiro, as quais afirmaram terem sido
submetidas a torturas e maus-tratos pelos funcionários do abrigo. Sete internas
asseveram ter recebido até choques elétricos, além de terem sido ameaçadas por
funcionários educadores do abrigo. Foi constatado que havia grades e cadeados
nas portas e janelas do abrigo.
Faz-se oportuno ressaltar que, a segregação do infrator do meio social e de
sua família, ao invés de ensinar-lhe a ter responsabilidade, retira os deveres que
o mesmo tem que prestar perante a sua família e a sociedade. Outro dado que
também contribui para a análise dos fins da internação é a reincidência.

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MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

Segundo (ZEHR, 2008), “os ofensores são levados a acreditar que, ao


aceitar a punição, estarão pagando sua dívida com a sociedade”. Contudo, o
“pagamento social”, após o cumprimento da pena, não é reconhecido pela
sociedade, somente passando a mensagem para o “ex-delinquente” de que
“você fez um mal a alguém então nós faremos um mal a você também”.
O isolamento de um indivíduo desviante “do seu meio social ocasiona uma
readaptação tão profunda” que torna muito complexo obter a ressocialização do
delinquente, sobretudo, em casos em que a pena é maior de dois anos. Então, é
impraticável ressocializar um indivíduo através da utilização de instrumentos de
“exclusão e do isolamento”.
Segundo (GOFFMAN, 1974) a privação da liberdade dos desviantes tem
como fim principal “a proteção da sociedade” e não a ressocialização, a qual se
atribui ao ideal da detenção juvenil e da prisão. Em outras palavras, os
indivíduos ao serem privados de suas liberdades, aderem às regras dos sistemas
de detenção juvenil e/ou da prisão, por conseguinte, possibilita que essas
instituições totais já alcançarem, imediatamente, os seus objetivos, a exclusão
dos ofensores respondendo à sociedade.
As instituições totais como a prisão e as unidades de internação, fazem com
que o indivíduo seja “coisificado”, tendo em vista que ao ser afastado da
sociedade, é “manuseado, classificado e moldado”, sendo lentamente
modificado, através de procedimentos humilhantes, pela falta de privacidade,
deteriorações, desculturalização da vida em sociedade etc. Isto é, são utilizados
técnicas e métodos, durante a privação da liberdade, que conduzem à perda da
personalidade e reduz o ego do desviante, impossibilitando a sua reinserção
social.

II.iv. Da redução da maioridade penal

Atualmente, há um grande debate sobre o projeto de emenda constitucional


no 33/2012 que está tramitando no Congresso Nacional, com o objetivo de
reduzir a maioridade penal para (16) dezesseis anos e aumentar de 3 (três) para
8 (oito) anos, o tempo máximo da aplicação da medida socioeducativa de
internação, eis que assegura a aplicação do Código Penal ao menor infrator que
teria a sua maioridade penal, reduzida.
A lei no 8069/90 ainda é criticada, por supostamente promover a
impunidade, na medida em que determina, somente, a aplicação das medidas
socioeducativas para o adolescente infrator. A sociedade não se conforma com
a incapacidade das medidas socioeducativas “ressocializar” o adolescente.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Contudo, em vez de discutir o que está errado, acham que é melhor manter os
adolescentes por mais tempo internados.
O artigo 228, da CRFB/88 dispõe que “são penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial ”. Para
tanto, ao expressar o texto constitucional que os menores de dezoito anos são
inimputáveis, se caracteriza em uma garantia constitucional do adolescente
responder, de acordo com a lei especial, que é o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei no. 8069/90). Logo, consagra-se uma congruência entre a
Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Desse modo, a redução da maioridade penal não poderia ocorrer, tendo em
vista que a cláusula pétrea proíbe a deliberação de proposta que tenha o objetivo
de mitigar os direitos e garantias individuais, já adquiridos e incorporados ao
patrimônio jurídico das crianças e adolescentes, com fulcro nos artigos 227 e
228, ambos da CRFB/88.
Cumpre registrar que, no artigo 1o, da Convenção de Direitos da Criança, a
qual o Brasil é signatário, determina que “para efeitos da presente Convenção
considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de
idade, […]”, confirmando os 18 (dezoito) anos como marco da maioridade
penal.
Além disso, não é possível esquecer que, conforme foi demonstrado
anteriormente, os fins propostos pela lei se dissociam bastante dos efeitos reais
das unidades de internação. Sendo assim, é incoerente aumentar o tempo de
cumprimento da medida socioeducativa de 3 (três) para 8 (oito) anos, tendo em
vista que o próprio Estado tem demonstrado que as medidas não são capazes
promover um tratamento melhor aos adolescentes.

III. Justiça restaurativa: novo paradigma para o adolescente


infrator

O presente capítulo desenvolve a análise entre o que foi abordado


anteriormente, a respeito das críticas ao paradigma retributivo em torno da
privação da liberdade não alcançar os seus fins propostos, e se tornar um
sistema falido, e a conscientização de que devemos buscar um novo paradigma
que não seja punitivo, mas sim restaurativo, com objetivo de estabelecer novas
formas de justiça criminal. Neste sentido, tornar-se imperativa a necessidade de
se compreender o crime, o ofensor, a vítima e as consequências decorrentes da
prática daquela transgressão na vida de ambos e na comunidade em que vivem.
Nesse cenário, a justiça criminal transcende a ideia de apenas tratar do delito
ocorrido no passado, viabilizando uma nova forma de consertar as implicações
futuras decorrentes dos desdobramentos ocorridos com a prática daquele crime

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
INFRATOR
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para a vítima, o ofensor e a comunidade. Desta forma, se concede uma maior


ingerência as partes quanto ao desenvolvimento das práticas restaurativas, bem
como o resultado decorrente dos métodos restaurativos apropriados para cada
caso.

III.i. Conceito

Segundo o entendimento de (ZEHR, 2012), para tornar possível a correção


de uma situação, é preciso tratar dos danos e das causas, inclusive, é
imprescindível analisar os danos que o próprio desviante sofreu, tendo em vista
que pesquisas revelam que a maioria dos transgressores foram “vítimas de
traumas significativos” que podem ter contribuído para o cometimento do
delito.
Não obstante, a justiça restaurativa não tenha uma conceituação rígida,
propõe uma sugestão para a sua definição como sendo

[...] um processo para envolver, tanto quanto o possível, todos aqueles que têm
interesse em determinada ofensa, num processo que coletivamente identifica e
trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de
promover o restabelecimento das pessoas e endireita as coisas, na medida do
possível. (ZEHR,2012)

Entretanto, a justiça restaurativa não é formada apenas de uma


conceituação, mas também de princípios e valores que são basilares e orientam
a aplicação dos seus métodos restaurativos, como por exemplo, o respeito
mútuo entre as partes envolvidas para que haja sempre um equilíbrio durante a
prática restaurativa.
Frisa-se que de acordo com a Rede de Justiça Restaurativa da Nova
Zelândia, a aplicação da Justiça Restaurativa é composta por vários valores
essenciais que a individualiza de outras ferramentas utilizadas pela justiça para
se alcançar a resolução de conflitos. Neste sentido, os principais valores da
justiça restaurativa são: “participação, respeito, honestidade, humildade,
interconexão, responsabilidade, esperança, empoderamento”.
Desse modo, o paradigma da justiça restaurativa, poderia resumir-se em
Responsibility, Restoration and Reintegration, ou melhor, na responsabilização,
na restauração e nas reintegrações. A responsabilização nos remete ao conceito
da necessária responsabilidade do autor do delito que deve responder pela
conduta delituosa praticada. Registre-se aqui, a principal distinção com o

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A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

modelo de justiça retributiva pautada na punição e na dor ao passo que a Justiça


Restaurativa busca a responsabilização.
A restauração diz respeito ao tratamento digno que deve ser dispensado à
vítima, que tem de ser reparada do dano ocorrido, bem como sair da situação
traumática que a coloca na posição de vulnerabilidade. Por fim, visa o
reestabelecimento dos vínculos tanto do desviante quanto da vítima, para com a
sociedade, de forma que se restauram todos os relacionamentos rompidos após
o cometimento do crime.
A adoção da justiça restaurativa concede poder as partes, ao privilegiar a
oportunidade de diálogo, com a finalidade de restaurar traumas enraizados
relacionados ao delito praticado. É uma relação em que todos os envolvidos
afetados pelo crime estão em uma posição de igualdade. Isto é, traz-se um
resultado construtivo para a justiça, que não depende do funcionamento do
sistema institucional tradicional. Em outras palavras, (SALIBA, 2009) conclui
que “a punição pelo ato cometido é superada pela restauração do
relacionamento futuro”.
Neste mesmo sentido, na lição de Scuro Neto pelo autor, o conceito de
justiça restaurativa denota

“fazer justiça” do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às


infrações e a suas consequências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela
sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a
ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de
todos dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de
justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na
sua reparação, perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça,
significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; de sorte que
todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a
oportunidade de participar do processo restaurativo (PINTO , 2005)

Outro ponto interessante é que a justiça restaurativa apenas pode ser


aplicada em processos participativos e cooperativos, nos quais os envolvidos,
que sofreram as consequências do delito, isto é, os envolvidos diretamente,
possuem o interesse de participar, dialogar, e estejam dispostos a corrigir os
traumas e necessidades vivenciados, bem como o ofensor, por sua vez, em
descobrir as causas que o levaram a cometer a ofensa e assumir o compromisso
de reparar o dano causado.
Em que se pese a dificuldade de delimitar os princípios basilares da justiça
restaurativa, em virtude do seu conceito estar em constante aprimoramento,
(SALIBA, 2009) se propõe a unificá-los, resumindo-os em quatro princípios
fundamentais que consagram as principais ideias orientadoras da justiça
restaurativa, os quais se classificam em: a) Princípio do processo comucacional

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
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pautado no diálogo, no respeito mútuo e na co-responsabilidade ativa dos


envolvidos, inclusive a inclusão da comunidade neste processo participativo,
baseado na solidariedade e na cooperação; b)princípio da resolução alternativa e
efetiva dos conflitos, assenta-se na ideia de proporcionar a devida atenção às
necessidades e direitos dos participantes, possibilitando uma resposta penal
alternativa a “amarga pena”; c)princípio do consenso, determina a exigência de
haver o respeito mútuo, consideração a diversidade cultural e a convivência
pacífica que é a proposta cobiçada, a qual somente se torna possível diante do
instrumento do diálogo e do alcance de um consenso entre os envolvidos no
processo; d)princípio do respeito absoluto aos direitos humanos e da dignidade
da pessoa humana, este último princípio guia todas as práticas restaurativas,
bem como é o fio condutor de todos os demais princípios supramencionados,
provocando o fortalecimento e o respeito aos direitos e garantias da pessoa
humana.

III.ii. Métodos restaurativos

A justiça restaurativa incorpora vários métodos restaurativos, isto por que,


não há uma fórmula determinada para a realização das conferências
restaurativas que visam (re)“colocar as partes afetadas frente a frente num
ambiente não adversarial, para falarem sobre o dano decorrente do delito e
decidirem o que devem ser feito a respeito”, segundo (PALLAMOLLA, 2009).
Além disso, esses processos restaurativos também viabilizam a
responsabilização do transgressor pela conduta delituosa praticada, e, possibilita
a oportunidade da vítima e dos membros da comunidade, dialogarem sobre os
consequentes desdobramentos e implicações futuras geradas pelo crime.
Todavia, não serão analisadas todas as práticas restaurativas, mas sim os
principais métodos restaurativos existentes e conhecidos. Para tanto, vamos
tratar no presente artigo da mediação entre vítima e ofensor, das conferências
em família e dos círculos restaurativos.
A mediação vítima-ofensor (victim-offender mediation) assenta-se na
realização do encontro entre a vítima e o ofensor que são acompanhados por um
facilitador ou mediador, que tem por objetivo auxiliar o diálogo e evitar
excessos entre as partes envolvidas, em um local seguro, e, se for possível, obter
a conciliação.
As conferências de família (Family group conferencing) - a terminologia já
sugere que as sessões conjuntas ultrapassam as partes envolvidas no processo.
Quer dizer, “participam além da vítima e infrator, familiares e pessoas que lhes

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A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

dão apoio (amigos, professores etc): é a chamada “community of


care”(comunidade de cuidado). Ademais, é frequente a participação da polícia
ou agentes de liberdade vigiada ou assistentes sociais.
Os círculos restaurativos são igualmente denominados de sentencing circles
(círculos decisórios), peacemaking circles (círculos de pacificação) ou
community circles (círculos comunitários), porém, possuem em comum a
finalidade de restaurar as relações violadas com a prática da conduta delitiva.
Trata-se de encontros desempenhados com a vítima, o ofensor, seus familiares,
membros da comunidade e profissionais, dentre eles: assistentes sociais e
membros do Poder Judiciário, cuja atuação promove a facilitação do diálogo e
visa obter uma resolução adequada entre os participantes envolvidos.
Vale ressaltar que, a prática restaurativa se aplica tanto a jovens infratores
como a adultos que cometeram delitos, podendo ser utilizado para crimes
graves, conflitos na comunidade, em escolas, entre outros. Porém, os círculos
restaurativos podem ser realizados para outras finalidades, como por exemplo,
para resolver uma confusão dentro da comunidade, para promoção de apoio e
cuidado para vítima e o desviante, bem como para resolver a questão do
transgressor que esteve privado da sua liberdade não seja estigmatizado pela sua
comunidade.
Importante registrar que, as práticas restaurativas também possuem um
caráter preventivo. Além disso, os círculos restaurativos diferenciam-se das
conferências de família em razão de sua abrangência. Nestas há uma
participação maior da família, pois envolve todos os membros da família do
infrator ao passo que nos círculos restaurativos participam somente os
responsáveis.

III.iii. A justiça restaurativa na infância e na juventude: o caso de Porto


Alegre/RS

O Brasil contém, atualmente em desenvolvimento, três programas


restaurativos em localidades diferentes, em São Caetano do Sul – SP, Porto
Alegre – RS e Brasília – DF. Estas práticas restaurativas tem caráter
experimental, sendo reconhecidas como projetos-piloto, cujo apoio, em 2005,
do Ministério Público do Rio Grande do Sul e do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) estão promovendo estudos e a prática
restaurativa através do programa chamado “Promovendo Práticas Restaurativas
no Sistema de Justiça Brasileiro”. Entretanto, vamos dar enfoque ao programa
desenvolvido em Porto Alegre, cuja atuação ocorre na área da infância e da
juventude, o qual está inserido no “Projeto Justiça para o Século 21” com a

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
INFRATOR
AMANDA APELFELD
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

finalidade de “introduzir as práticas da Justiça Restaurativa na pacificação de


violências envolvendo crianças e adolescentes [...]”.
O programa de Porto Alegre é desempenhado na 3a Vara Regional do
Juizado da Infância e Juventude responsável pela execução das medidas
socioeducativas. Neste sentido, a ocorrência das práticas restaurativas incidem
após o trâmite processual designado para a apuração do ato infracional
praticado, o estabelecimento da sua culpa e o julgamento do adolescente
infrator.
Ademais, pode-se afirmar que como esta experiência restaurativa está
localizada na vara de execução de medidas socioeducativas, apenas são levados
a esta experiência restaurativa “os conflitos formalmente instituídos como atos
infracionais”. Sendo assim, vale destacar que dentre os atos infracionais mais
acolhidos pelo programa nesta localidade são tráfico de drogas, roubo na forma
simples e qualificado, lesões corporais e furto.
Cumpre ressaltar que existe todo um aparato de pessoas que compõe e
tornam possível a realização desta experiência. Dessa forma, esta equipe
objetiva alcançar uma responsabilidade social restaurativa para o adolescente
infrator, a partir da utilização de métodos que compõe doses equilibradas de
afetos e limites, em virtude do fomento da justiça restaurativa através de
políticas públicas voltadas para a segurança e a assistência, culminando na
possível cura, recuperação e correção de injustiças decorrentes do ato
infracional praticado.
A experiência restaurativa gaúcha se estrutura da seguinte maneira: quando
o adolescente é apreendido será conduzido à 3a Vara Regional do Juizado da
Infância e Juventude. Preliminarmente, os profissionais da Justiça analisam a
viabilidade do caso ser encaminhado ou não para a Central de Prática
Restaurativa. Posteriormente, sendo o caso apto ao procedimento restaurativo,
faz-se necessário que exista uma concordância da vítima e do ofensor em
participar dos círculos restaurativos. Assim, o adolescente é conduzido a
Central de Práticas Restaurativas, que é composta pela Justiça Instantânea (JIN)
que evita que o adolescente infrator seja encaminhado para uma unidade de
internação e o Centro de Atendimento Integrado da Criança e do Adolescente
(CIACA) que atua na prestação de assistência ao jovem infrator. Neste sentido,
a Justiça Instantânea atuando em conjunto com o Centro de Atendimento
Integrado da Criança e do Adolescente viabilizam o encaminhamento mais
rápido do adolescente infrator ao processo de justiça restaurativa.
Embora a justiça restaurativa tenha uma atuação complementar ao sistema
de justiça criminal, em virtude de ser uma experiência prematura, não se pode
deixar de validar a importância do adolescente infrator permanecer incluído

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

pela comunidade e evitar que cometa novos atos infracionais. É um modelo que
valoriza o diálogo para que se construa o respeito mútuo às necessidades
pessoais, tanto de indivíduos que estão em desenvolvimento quanto da vítima,
buscando restaurar relacionamentos de forma horizontal, visto que, para se
obter a justiça deve-se partir da premissa que estamos tratando de pessoas, cujos
sentimentos, traumas e garantias dos direitos humanos devem ser tratados com
a devida consideração para se alcançar soluções não-violentas, e, consequências
mais favoráveis do que as atingidas pela falta de efetividade do sistema de
justiça penal juvenil.
Por fim, embora a experiência das práticas restaurativas em Porto Alegre
seja bem pontual em relação ao seu momento e âmbito de aplicação a certos
atos infracionais juvenis, o sistema restaurativo está se aprimorando cada vez
mais, para tornar viável a ampliação da sua área de atuação e, especialmente,
ultrapassar os obstáculos encontrados com a resistência social e institucional
embasadas pelo modelo de justiça criminal retribucionista.

Considerações finais

O presente artigo pretendeu proporcionar a reflexão sobre os valores que


orientam o sistema retributivo, demonstrando o seu caráter retrospectivo, eis
que construído sobre o crime que ficou no passado. O processo é voltado para o
delito, sem levar em consideração as consequências que atingem a vítima e o
infrator.
Verificou-se que as justificativas legais para a privação da liberdade
encobrem seus verdadeiros fins. Ressocializar e prevenir o crime na sociedade,
são explicações legais para a prisão. Contudo, na prática não se verificam
alcançáveis, eis que a prisão só exclui os indivíduos e os castiga. Além disso,
não é possível olvidar que a disciplina é incompatível com a ideia de que os
condenados são sujeitos de direitos, em virtude da pretensão disciplinar
pressupor que os indivíduos não possuem direitos.
Embora as pesquisas realizadas por centros de estudos ou órgãos de
combate e prevenção à tortura demonstrem as mazelas do sistema punitivo os
projetos legislativos caminham em sentido contrário. Conforme estudo
realizado pela Fundação Getúlio Vargas, 97% (noventa e sete por cento) das
leis penais prevê como pena a prisão, o que demonstra que não há políticas
públicas, tampouco interesse social em prevenir a sua aplicação.
A crise estrutural do sistema punitivo atinge também a medida de
internação prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como os
locais de internação. Neste sentido, é preciso rever as práticas punitivas nessa
área, em razão dos adolescentes necessitarem de um tratamento especial,

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A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA ALTERNATIVA A INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE
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orientado pelo efetivo cumprimento na prática da política de proteção integral,


insculpida pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Nesse cenário, é importante trazer à baila formas alternativas, e mais
eficientes, de resolução de conflitos. Assim, conhecer a Justiça Restaurativa e,
sobretudo, suas consequências, contribui de forma significativa para o
aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal, e, quiçá, criar outro modelo de
resolução de conflitos, mais humano, solidário e democrático.
Como o tema ainda não é difundido entre os próprios operadores jurídicos,
seria importante que fossem criadas comissões para estudar e divulgar a
aplicação da Justiça Restaurativa com enfoque no adolescente infrator.
Inclusive, propagar que desde 2000, já existe um projeto que vem sendo
desenvolvido sobre prática da Justiça Restaurativa na 3a Vara Regional do
Juizado da Infância e Juventude, responsável pela execução das medidas
socioeducativas, na cidade de Porto Alegre.
Outra forma de expandir o alcance das práticas restaurativas é através da
audiência pública. Nessa seara, a audiência pública é uma excelente ferramenta
na busca de soluções práticas dos atores sociais em conjunto com a comunidade
para solucionar a crise vivenciada pelo sistema retributivo, com vista a aplicar a
justiça restaurativa como uma alternativa a internação juvenil, com fulcro no
artigo 58, §2o, inciso II, da CRFB/88.
Enfim, independente dos expedientes que se utilizem para divulgar as
práticas restaurativas na sociedade, é preciso que os próprios atores jurídicos a
conheçam melhor. Apostar em novas iniciativas pode, inicialmente, assustar,
mas não é mais possível continuar em um modelo punitivo (re)produtor de
violências. Precisamos investir, enquanto sociedade, não só como juristas, em
formas não violentas de responsabilização, que produzam mais benefícios do
que prejuízos. Precisamos fortalecer os princípios que fundam o Estado
Democrático, em especial a dignidade da pessoa. Precisamos mudar não só as
lentes, mas a direção em que estamos caminhando na política criminal
brasileira.

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A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

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44
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR
DA CIDADANIA

Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos


Raquel Ribeiro de Rezende

A sociedade, aos poucos, está adquirindo uma postura consciente de que o


acesso à justiça não pode ser entendido como sinônimo de acesso ao Judiciário.
Este deve ser encarado como a última alternativa depois de esgotadas as
tentativas de diálogo entre as partes conflitantes. E o mais admirável é que com
o crescente aumento da demanda de conflitos, as pessoas realmente estão
interessadas em compreender como funciona a mediação e os seus benefícios.
No entanto, essa postura é construída com o auxílio e o estímulo de mediadores
e outros auxiliares envolvidos em projetos e ideias voltadas para o melhor
aproveitamento das situações de diálogo que vão surgindo entre as partes.

Introdução

No ordenamento jurídico pátrio, o legislador criou formas diversas de


solução de litígios em meio às dificuldades enfrentadas pelo Judiciário como,
por exemplo, a conciliação e a arbitragem. A conciliação pode ser encontrada
no sistema dos Juizados Especiais, instituída pela Lei n. 9.099, e está
basicamente centrada na autocomposição das partes, com suas respectivas
técnicas e treinamento; já a arbitragem, através da Lei n. 9.307, em que um
terceiro escolhido pelas partes emitirá uma sentença que terá a mesma força de
título executivo judicial, contra a qual não caberá qualquer recurso, –
possibilitando soluções rápidas -, exceto embargos de declaração.
Outra forma para solucionar as controvérsias é a mediação: nosso foco de
pesquisa, e se apresenta como meio adequado, integrativo e não-adversarial de
resolução de conflitos, em que as partes participam voluntariamente na presença
de um terceiro que centra na influência da vitória recíproca do instituto, ainda
carente de regulamentação no país.
O acesso à justiça é um direito fundamental e o seu exercício pode ser
melhor facilitado através da mediação e dos seus agentes. A mediação surge
como um meio alternativo de acesso à justiça em que o Judiciário não é mais a
única opção de resolução dos conflitos e, a democracia, mais uma vez se faz
notar quando o Estado abre mão de ser o exclusivo solucionador dos problemas

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
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sociais, reconhecendo que não pode gerir todas as demandas que lhe são
apresentadas.
O terceiro que intervém deve ser um mediador neutro e imparcial capaz de
estimular, sistematicamente, a comunicabilidade e a conscientização dos
sujeitos envolvidos. Com o fomento à racionalização das relações humanas, os
indivíduos começam a sentir mais confiança em si mesmos, para realizarem as
suas próprias escolhas, do que no aparato estatal - que não deixará de ter sua
importância para casos de incomunicabilidade irreversível e outros diversos.
A mediação visa à satisfação mútua dos interessados e, para tanto, deve ser
bem incentivada por focar em proporcionar oportunidades de comunicação e
aprendizado para as partes e, inclusive, para o mediador, que só tem a ganhar e
se orgulhar com as experiências vividas e os êxitos logrados com a sua
participação.
Além de ser facilitadora do diálogo – sua principal característica motivadora
-, a mediação corresponde a uma intervenção mais célere e menos onerosa.
Mais célere, pois não apresenta os entraves do aparato estatal e menos onerosa
por não necessitar da contratação de um advogado e por não necessitar de
custas para impulsioná-la, já que o seu combustível é a vontade de interagir
objetivando o bem comum: o diálogo facilitado e apaziguador em uma
sociedade com os conflitos relacionais em ebulição.
O presente artigo pretende discorrer sobre como a mediação é capaz de
desenvolver, na sociedade atual, com a soma de forças – em que não só o
Estado é detentor da capacidade de dissolver conflitos – mas de várias outras
pessoas engajadas e interessadas, para um mesmo fim: explorar a mediação
como forma de pacificação dos conflitos.

I. Mediação como meio adequado de solução de conflitos

Desde a utilização da mediação como mecanismo de pacificação social


pelas comunidades indígenas até a sua inserção nos Estados Unidos no início do
século XX pelos imigrantes, como chineses e judeus, ela era pouco abordada.
No início dos anos 70, popularizou-se, paulatinamente, nos Estados Unidos.
No Judiciário americano, como em outros países, o direito processual se
encontrava na fase autonomista, na qual se destacavam o excesso de
formalismo, a lentidão, a falta de acesso à justiça e os altos custos do processo
adjudicatório, mostrando-se um campo extremamente fértil para os
procedimentos extrajudiciais de resolução de conflitos de interesses .
No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 previra relações extrajudiciais
nos artigos 160 e 161, a Constituição Federal de 1988 menciona, no artigo 98,

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incisos I e II, algumas soluções extrajudiciais como a Conciliação e o Código de


Processo Civil, por fim, cita no artigo 125:

O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:


I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

Quem nunca pensou em resolver seus conflitos opostos a outros,


aprendendo a construir as suas próprias soluções? Esse método auxiliar de
composição de conflitos se propõe a isso, de forma que a comunicação de
qualidade, o diálogo e a compreensão mútua entre os indivíduos seja priorizada.
Em quaisquer relações sociais surgem conflitos, mas estes devem ser encarados
objetivamente para que as soluções apareçam de forma prática e efetiva para
serem duradouras, sem que haja um desgaste que fomente ainda mais a nossa
cultura do conflito.
A cultura do diálogo é uma finalidade social ainda em construção, porém as
pessoas se interessam cada vez mais em saber do que se trata e a que fim se
destina. Além disso, qual a vantagem de participar, quais os atores sociais
envolvidos e, principalmente, sobre a sua dinamização, já que esse é o elemento
propulsor e mais atrativo àqueles que possuem a curiosidade de saber como a
mediação consegue driblar os entraves que o Judiciário não o faz.
De início, para entender o que significa a mediação, devemos inseri-la em
um contexto social que não pode ser visto à distância dela, pois para colocá-la
em prática deve haver uma formação crítica do indivíduo – quer seja
participante ativo quer seja participante passivo - a fim de que o conhecimento
qualificado juntamente com o diálogo seja alcançado.
Mas que contexto social é esse? Um contexto de conflitos dos mais diversos
tipos: nas instituições/organizações laborais, nos ambientes sociais e nos
núcleos familiares. No entanto, quando pensamos em conflito, uma imagem
negativa surge naturalmente em nossas mentes, ou seja, conflito é e sempre será
sinônimo de problemas, chateações, frustrações. Fomos acostumados
ontologicamente a encarar desta forma.
Entretanto, esse conceito pode ser reconstruído positivamente pela
sociedade, segundo o propósito da mediação e a teoria do conflito. De que
forma? Enfrentando-o como uma oportunidade de crescimento interno e, os
envolvidos, assim como a sociedade em geral, entenderiam que o pensar
positivo do conflito na mediação pode levar mais facilmente a uma decisão
consensual das partes.

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A mediação pode também ser entendida como um instrumento


transformador da cultura do conflito pela cultura do diálogo, influenciando de
forma engrandecedora na cidadania de todos. É uma forma eficiente para
solucionar disputas ou questões em substituição da justiça contenciosa, em que
o acesso à justiça corresponde a um compromisso social.
Apresenta como escopo, basicamente, a pacificação social, a prevenção e a
solução de litígios, de maneira tal que haja a humanização da disputa, a
manutenção das relações sociais e a compreensão recíproca visando uma maior
realização pessoal dos indivíduos. Entretanto, não se confunde com um
processo terapêutico ou de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.
O Judiciário, em contrapartida, se for escolhido como meio de solução da
disputa, não possui condições suficientes de humanizá-la. E, com as suas
decisões, muitas vezes, afasta mais ainda o relacionamento interpessoal sem ser
galgada, pelas partes, uma concepção real de que são sujeitos de direito capazes
de entender e discutir seus conflitos sem que haja um carimbo de vencedor e
outro de perdedor.
O benefício da participação dos mediadores como atores sociais é
inestimável. E o mediador pode, a princípio, ser qualquer um, desde que tenha a
confiança das partes – se for advogado, por exemplo, seus conhecimentos
jurídicos podem em muito contribuir para a solução do litígio -, desde que seja
um terceiro imparcial, neutro e equidistante das partes para que a livre
comunicação não seja afetada prejudicialmente.
O dinamismo deve estar ininterruptamente presente na mediação, visto que
a facilitação do diálogo depende diretamente disso. É exatamente a dinâmica
que faz com que a mediação promova a efetivação da dissolução dos conflitos
com o diálogo, deixando em segundo plano a estática própria do sistema da
jurisdicionalização.
A título de exemplo da negatividade dessa estática do sistema, é interessante
citar o desabafo da Juíza Laura Ulmann López da comarca de Tramandaí/RS,
que declarou: “A jurisdição está muito difícil” 1. E não há melhor oportunidade
de constatar que a melhoria da prestação jurisdicional não depende somente de
mais meios e recursos para o Judiciário, e sim buscar na mediação uma “nova”
alternativa.

II. Princípios

Segundo Aristóteles, princípio era uma fonte, uma causa de ação, tornando-
se um freio dos fenômenos sociais. Já Cícero, analisando o conjunto de
1
(ROGOWSKI, 2013). Disponível no site http://lapisfilosofico.blogspot.com.br/2013/04/queridos-amigosnobres-
pares-tenho.html. Acesso em 10 de maio de 2013.

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codificação civil romana, descrevia que os princípios serviriam para resolver


casos novos. Ou seja, na Antiguidade, os princípios eram tidos como fonte de
direito natural2. No Direito moderno, a questão é mais discutida, porém sua
essência continua a mesma.
E a mediação possui princípios que lhe são peculiares para facilitar a sua
orientação e aplicação prática, além é claro da boa-fé, que é norte de qualquer
diálogo. Princípios esses que direta ou indiretamente já foram ou serão aludidos
neste presente artigo. De acordo com a professora e advogada Lisiane
Lindenmeyer Kalil3, são eles:

• Voluntariedade/liberdade das partes: a mediação é voluntária e as


pessoas devem ter a liberdade de escolher esse método como forma de
lidar com seu conflito. Também devem tomar as decisões que melhor
lhe convierem no decorrer do processo de mediação.
• Confidencialidade/privacidade: o processo de mediação é
realizado em um ambiente privado. As pessoas em conflito e o(a)
mediador(a) devem fazer um acordo de confidencialidade entre si,
oportunizando um clima de confiança e respeito, necessário a um
diálogo franco para embasar as negociações. Se eventualmente os
advogados das partes também participarem de alguma sessão de
mediação, devem ser incluídos neste pacto de confidencialidade.
• Participação de terceiro imparcial: na mediação, as partes são
auxiliadas por um terceiro dito “imparcial”, ou seja, o(a) mediador(a)
não pode tomar partido de qualquer uma das pessoas em conflito.
Idealmente, deve manter uma equidistância com a pessoa “A” e a
pessoa “B”, não pode se aliar a uma delas.
• Informalidade/oralidade: em relação ao processo judicial, a
mediação possui um procedimento informal, simples, no qual é
valorizada a oralidade, ou seja, a grande maioria das intervenções é feita
através do diálogo.
• Reaproximação das partes
A mediação busca aproximar as partes, ao contrário do que ocorre
no caso de um processo judicial tradicional. Para a mediação, não basta
apenas a redação de um acordo. Se as pessoas em conflito não

2
(GABRIEL, 2007). Disponível no site http://jusvi.com/colunas/29789#0.1_01000013. Acesso em 10 de maio
de 2013.
3
(KALIL, 2006). Disponível no site http://www.mediarconflitos.com/2006/07/caractersticas-e-princpios-da-
mediao.html. Acesso em 10 de maio de 2013.

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conseguirem restabelecer o relacionamento, o processo de mediação


não terá sido completo.
• Autonomia das decisões / Autocomposição
Através da autocomposição, o acordo é obtido pelas próprias
pessoas em conflitos, auxiliadas por um ou mais mediadores. O(A)
mediador(a) não pode decidir pelas pessoas envolvidas no conflito; a
estas é que cabe a responsabilidade por suas escolhas, elas é que detêm
o poder de decisão.
• Não competitividade
Na mediação, deve-se estimular um espírito colaborador entre as
partes. Não se determina que uma parte seja perdedora e a outra
ganhadora, mas que ambas possam ceder um pouco e ganharem de
alguma forma. Procura-se amenizar eventuais sentimentos negativos
entre as pessoas em conflito.

III. Regulamentação da matéria

Mesmo havendo diversos projetos sobre o assunto, efetivamente, nosso


ordenamento jurídico é carente sobre normas que regulamentem a mediação.
Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos a fim de disciplinar a
matéria.
O projeto do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) prevê que
haverá a disponibilização de mediadores e conciliadores nos tribunais e, que a
mediação deverá ser estimulada pelos magistrados, defensores públicos,
advogados e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo
judicial. Ainda, traz regulamentados os princípios já citados anteriormente e a
exigência de só poderem ser mediadores os advogados, excluindo as questões
pertinentes à mediação que não as jurídicas.
Outrossim, o projeto do novo CPC acolhe a mediação passiva para o nosso
ordenamento, consistindo em um procedimento mais moroso, profundo e que
depende da destreza do mediador viabilizar a compreensão de que aquele
problema tem outros aspectos. Além de não apresentar limites objetivos à
mediação, que aparece como um método facultativo e de livre utilização,
cabendo o controle ao magistrado. Faz, ainda, a distinção teórica entre
mediação e conciliação, tendo por base a postura do terceiro incumbido de
compor o litígio.
O Projeto de Lei nº 4.827/1998, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra,
pretendia institucionalizar e disciplinar a Mediação como Método de Prevenção
e Solução Consensual de Conflitos, e fora aprovado pela Comissão de Justiça e

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pelo plenário da Câmara e encaminhado para o Senado, onde sofreu profundas


mudanças e em 2011 originou Substitutivo PL 4827-C.
Posteriormente, surgiu o Substitutivo PLC 94/02 – de 07 artigos
inicialmente, chegou a 47 artigos -, apresentado pelo Senador Pedro Simon que
instituiu a mediação como método de prevenção e solução consensual de
conflitos na esfera civil, e não nas esferas trabalhista e penal. Este projeto de
mediação distingue os mediadores extrajudiciais e os judiciais, em que no
extrajudicial não necessita ser advogado e no judicial sim.
Há nele a mediação prévia – feita antes da instauração do processo judicial e
pode ser judicial ou extrajudicial – e a incidental – quando já há um processo
judicial em curso e será obrigatória, salvo em alguns casos elencados.
E, o projeto do Estatuto das Famílias – Projeto de Lei n. 2.285/2007 -, que
está aguardando aprovação da CCJ para, depois, seguir para o Senado.
Privilegia a conciliação, a mediação extrajudicial, a utilização de equipes
multidisciplinares, em que o atendimento é realizado por especialistas de
diversas áreas.
O Projeto de Lei n. 8.046/2010 prevê a realização de conciliação ou
mediação no curso do processo judicial, em que cada tribuna poderá criar setor
de conciliação e mediação ou programas dedicados a estimular a
autocomposição. Pretende tão somente valorizar e regulamentar a mediação na
espera processual. Sua finalidade maior é desobstruir o gargalo que se criou
com o crescente número de processos judiciais que hoje tramitam no judiciário,
deixando de lado a preocupação com a pacificação social através do diálogo.

IV. Legitimidade de jurisdição x legitimidade de justiça

Inicialmente, para se falar em jurisdição há que se falar nos juízes. E, para


tanto, segue elucidação sobre o assunto nas palavras do renomado jurista Luiz
Guilherme Marinoni4:

O juiz exerce o poder jurisdicional, enquanto que as partes são atingidas pelos seus
efeitos, particularmente pelos efeitos da decisão final, que constitui a expressão
mais importante do exercício do poder pelo juiz. É evidente que esse poder deve
ser legítimo. Porém, a questão da legitimidade da decisão não é algo pacífico.

Restando claro que a legitimidade da jurisdição toca ao juiz, devem as


partes - por fazerem parte da relação jurídica processual juntamente com o

4
(MARINONI, 2006). Disponível no site http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20G%20Marinoni(8)%
20-%20formatado.pdf. Acesso em 21 de maio de 2013.

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Estado-juiz -, participar do procedimento com o objetivo de legitimar a decisão.


A participação deve dar às partes plena oportunidade de alegar, requerer provas
participar da sua produção e considerar sobre os seus resultados.
Numa palavra: a parte deve ter a oportunidade de demonstrar as suas razões e
de se contrapor às razões da parte contrária5.
Além disto, a parte tem o direito de assistir às audiências e aos julgamentos,
além de exigir a adequada fundamentação das decisões. É nesse sentido que se
diz que a participação, além do direito de influir sobre o convencimento do juiz
e de se opor ao adversário, requer a publicidade dos atos processuais e a
fundamentação das decisões6. Assim, a cooperação das partes é imprescindível
na atividade jurisdicional, mas não plena, pois limitada a regras que legitimam o
juiz como o único solucionador dos conflitos.
E a legitimidade de justiça, ou melhor, de acesso à justiça? O acesso à
justiça é um direito fundamental expresso na Constituição Federal de 1988 em
seu art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão
ou ameaça a direito”. Contudo, por que não ser também da apreciação dos
próprios conflitantes a lesão ou ameaça aos seus direitos? O povo é o
destinatário real e supremo da justiça e, graças a visões ultrapassadas e
desinformadas, o Judiciário ainda é visto como a autoridade para a solução dos
conflitos:

A sociedade brasileira, de forma geral, ainda enxerga no juiz, e apenas nele, o


personagem que encarna, de forma inquestionável, o poder de resolver litígios.
Outras figuras como conciliadores, juízes leigos, juízes de paz, integrantes de
câmaras de mediação ou câmaras comunitárias ainda são vistos com certa
desconfiança.7

Por isso, é de grande valia a atuação do mediador ao contribuir com o


desenvolvimento consciente das partes que a via consensual é uma forma de
lidarem com seus direitos, buscando a justiça nas suas próprias decisões.
Vale expor a observação do jurista Ricardo Lobo Torres acerca da
doutrina kelseniana, que não defendia qualquer inserção de justiça no direito,
abrangido este puro e simplesmente com o Estado:

De outra parte a doutrina de Kelsen, que procurava superar as ‘ideologias


da legitimidade’ identificando o Estado com o Direito, entendido como
ordenamento coercitivo da conduta humana, sobre o qual a moral e a justiça nada
têm a dizer, com o que restringia o Princípio da Legitimidade à questão da

5
Idem.
6
Idem.
7
(DALLA, 2009) Disponível em: <http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20090318
000023.pdf>. Acesso em 21 de maio de 2013.

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competência dos órgãos ou da validade das normas, sempre dependentes de uma


norma superior do ordenamento.8 (grifo nosso)

Ainda, pela corrente contrária à kelseniana, do ilustríssimo Norberto


Bobbio, primava por uma sociedade autônoma, consciente e consensual,
justamente o cenário onde devemos trabalhar a mediação para ter a sua
legitimidade associada à justiça:

Podemos dizer que a legitimidade do Estado é uma situação nunca plenamente


concretizada na história, a não ser como aspiração, e que um Estado será mais ou
menos legítimo na medida em que torna real o valor de um consenso livremente
manifestado por parte de uma comunidade de homens autônomos e conscientes,
isto é, na medida em que consegue se aproximar à ideia limite da eliminação do
poder e da ideologia nas relações sociais.9 (grifo nosso)

Logo, jurisdição e justiça podem andar juntas, porém não radical e


necessariamente, se as partes, em certas situações, de comum acordo,
entenderem que podem alcançar a justiça sem a provocação obrigatória da
jurisdição através de um meio adequado e legítimo de composição dos litígios –
a mediação.
Um meio criado por decisões voluntariamente debatidas, e não por decisões
cogentes e vinculadas. Deste modo, há que se tomar lugar a desmistificação de
que o acesso ao Judiciário corresponde ao acesso à justiça.

V. A união pela mediação

As mudanças da sociedade jurídica contemporânea trouxeram consigo um


grande desafio: a necessidade de aprender outras formas de resolver impasses
para facilitar a construção da cultura da pacificação dos conflitos e o abandono
do costume da sentença, ainda muito latente.
As pessoas possuem, tradicionalmente, a visão de que o juiz é capaz de
resolver todos os problemas, como se estes já nascessem jurídicos, o que na
verdade não o são. Os conflitos são essencialmente fruto da sociedade, mas ela
própria não se sente hábil para resolver os conflitos que dá causa. Pode até
parecer simples, mas não é. As pessoas em geral, muitas vezes bem instruídas,
podem se enxergar como os verdadeiros protagonistas dos conflitos, porém não
como os solucionadores – por talvez pensarem que o Judiciário seja mais
“competente” para tomar decisões do que eles mesmos ou por acharem

8
(TORRES, 1993).
9
(BOBBIO, 2000).

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conservadoramente que encontrarão a tão sonhada “justiça” ou por mera


conveniência mesmo.
Os partícipes dos conflitos necessitam de orientação, incentivo e
conscientização para se encaixarem como pensadores e reais atuantes em prol
da mediação. E o melhor auxiliador nesta empreitada é o mediador
devidamente treinado, cuja missão não é decidir, mas contribuir para que as
partes demonstrem mais sinceridade, e alertá-las dos possíveis entraves ao
acordo, na tentativa de removê-los de forma consciente, desenvolvendo a
verdadeira manifestação de suas vontades e a intenção de compor o litígio como
alternativa ao embate. 10
E os juízes? Podem se juntar como verdadeiros auxiliares nos processos de
mediação? De início, é bom frisar o posicionamento de alguém da própria área
judicante: o Juiz de Direito Gerivaldo Neiva, que em um de seus artigos11,
afirma que o juiz deve se transformar em mediador, pois o modelo atual de juiz
de direito, mero aplicador da Lei e dos dogmas jurídicos, não combina com o
papel de mediador:

O grande desafio para um magistrado formado na dogmática positivista é,


principalmente, compreender o conflito como uma possibilidade de crescimento
interior, ou seja, como inscrever o amor no conflito. Como nos ensina mais uma
vez Warat, o juiz cidadão é uma pessoa que realiza parte de sua cidadania
surrealista por meio de um processo de humanização da magistratura. (NEIVA,
2009)

Para tanto, defende ele, precisa que faça primeiro uma revolução interior;
que conheça na prática a mediação para se tornar um bom mediador; que
entenda a mediação como uma forma alternativa de intervenção nos conflitos e
não, unicamente, para desafogar as prateleiras dos cartórios.
Há também a relevância da posição do jurista Humberto Dalla12, que é a
favor da mediação incidental ou judicial13, em duas hipóteses: ou o juiz, ele
próprio, conduz o processo, funcionando como um conciliador ou designando
um auxiliar para tal finalidade (artigos 331 e 447 do CPC); ou as partes
solicitam ao juiz a suspensão do processo, pelo prazo máximo de seis meses,

10
Maria de Nazareth Serpa afirma que um dos aspectos-chave da mediação é que incorpora o uso de um terceiro
que não tem nenhum interesse pessoal no mérito das questões. O terceiro interventor serve, em parte, de árbitro
para assegurar que o processo prossiga efetivamente sem degenerar em barganhas posicionais ou advocacia
associada. (SERPA, 1999).
11
(NEIVA, 2009). Disponível no site <http://www.gerivaldoneiva.com/2009/11/mediacao-popular-uma-
alternativa-para.html>. Acesso em 10 de maio de 2013.
12
(DALLA, 2012).
13
A mediação incidental ou judicial ocorre quando já existe um processo judicial em curso e a mediação prévia é
realizada antes da instauração de um processo judicial e pode ser judicial ou extrajudicial.

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para a efetivação das tratativas de conciliação fora do juízo (artigo 265, inciso
II, c/c § 3º, também do CPC).
Entretanto, nas duas hipóteses, terá havido a movimentação da máquina
judicial (apresentação da petição inicial, recolhimento de custas, despacho
liminar positivo, citação do réu, prazo para contestação, diligências cartorárias,
resposta do réu e designação de audiência prévia, sem contar com os inúmeros
incidentes processuais que podem tornar mais complexa a relação processual),
o que poderia ter sido evitado.
Deste modo, defende que as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar
ao juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma solução consensual para o
conflito - algum tipo de comunicação, como o envio de uma carta ou e-mail,
uma reunião entre advogados, um contato com o “call center” de uma empresa
feito pelo consumidor; enfim, qualquer providência tomada pelo futuro
demandante no sentido de demonstrar ao juiz que o ajuizamento da ação não foi
a sua primeira alternativa.
Ideia que parece perfeitamente plausível, já que o enfoque da mediação é
exatamente a postura mais célere, mais individualizada, mais informal e menos
burocrática e, a conscientização de que a possibilidade de um acordo
satisfatório existe e ocorreu, porém não logrou êxito. E, assim, a parte
demandante decidiu buscar a solução no Judiciário, encarado como ultima
ratio, que pode atuar, inclusive, como auxiliar da mediação, dependendo do
nível de inclinação, comprometimento e atuação dos juízes, auxiliares da justiça
e a disponibilidade do aparato estatal.
Ainda, em outro artigo14 do acima citado magistrado Gerivaldo Neiva, este
defende a criação de instâncias locais de mediação de conflitos domésticos e
familiar, para impedir que os mesmos se tornem litígio15, num cenário atual e
desanimador de crescente violência à mulher no país.
Todavia, a advogada e professora Lisiane Lindenmeyer Kalil não concorda
que juiz e mediação possam andar juntos – pois geraria confusão com os
princípios práticos e éticos da mediação - criticando a expressão “juiz
mediador”:

[...] a função dos mediadores não pode ser identificada com o termo “juiz
mediador”. Esse último diz respeito a alguém com capacidade de deliberação, que
até pode seguir alguns princípios da mediação, mas, na medida em que profere

14
(NEIVA, 2011). Disponível no site <http://www.calilanoticias.com/2011/03/juiz-de-direito-de-conceicao-do-
coite-ba-defende-instancias-de-mediacao-como-prevencao-contra-violencia-domestica.html>. Acesso em 10 de
maio de 2013.
15
Uma questão do Poder Judiciário e que a Delegacia de Polícia crie um Departamento de Violência Contra a
Mulher com livros e armários para registro e geração de relatórios, entre outras, que possam subsidiar a dimensão
social do problema. (NEIVA, 2011).

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uma decisão (seja ela judicial ou extrajudicial), não é, propriamente, um


“mediador”. Salvo raríssimas exceções, o termo “juiz mediador” comporta
definições incompatíveis entre si e pode confundir a representação social sobre o
papel dos mediadores.16

VI. Núcleos de prática jurídica e mediação

Não há melhor ambiente propulsor da discussão e do estímulo à mediação


como instrumento de diálogo facilitador para o acesso à justiça – que não pode
mais ser encarada como acesso ao Judiciário – do que os Núcleos de Prática
Jurídica das Universidades. Estes permitem, através dos atendimentos jurídicos
gratuitos, que várias experiências das pessoas financeiramente carentes sejam
expostas, para que os alunos compartilhem entre si e com os seus orientadores,
no palco da vida prática, problemáticas e soluções, que não sejam vinculadas
somente ao acesso ao Judiciário.
Segue alusão à mediação pela autora Águida Arruda Barbosa, como
enriquecimento ilustrativo:

A definição de mediação também se enquadra como espaço de criatividade


pessoal e social, um acesso à cidadania. A mediação encontra-se num plano que
aproxima, sem confundir, e distingue, sem separar. (BARBOSA, 2006).

Mas como aproximar sem confundir? Distinguir sem separar? É aí que


entra a postura pró-ativa do aluno em poder identificar a demanda, com o
auxílio do seu professor, e, se existir resistência da outra parte, são repassadas
informações sobre a existência da mediação e suas vantagens. Havendo
interesse de comprometimento, os Núcleos entram em contato com o oponente
a fim de que ele compareça, para as partes tentarem abandonar a lógica
adversária e começarem a amadurecer e evoluir a solução da controvérsia.
O amadurecimento do conflito envolve trabalhar muitas áreas, que muitas
vezes vão além do próprio17, como o ressentimento, a mágoa, a frustração, a
predisposição para litigar, enfim questões que devem ser solvidas com um novo
olhar no sentido de buscar a integração social dos envolvidos com os litígios
que vivem no presente e preparados para os que virão no futuro.

16
(KALIL, 2006). Disponível no site <http://www.mediarconflitos.com/2006/09/mediao-e-seus-mitos-parte-
i.html>. Acesso em 10 de maio de 2013.
17
O Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) apresenta recomendações
interessantes a respeito: A Mediação transcende à solução da controvérsia, dispondo-se a transformar um
contexto adversarial em colaborativo. É um processo confidencial e voluntário, onde a responsabilidade das
decisões cabe às partes envolvidas. Difere da negociação, da conciliação e da arbitragem, constituindo-se em uma
alternativa ao litígio e também um meio para resolvê-lo.

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Para dar um exemplo próximo e de bons frutos há na UFF - Universidade


Federal Fluminense - o Núcleo de Prática Jurídica do CAJUFF em MACAÉ,
em que projetos como “Meios alternativos de solução de conflitos no Centro de
Assistência Judiciária – CAJUFF/Macaé” e “Mediação na Assistência Jurídica:
conscientizando-se a população sobre esta alternativa” conferem notoriedade à
prática da mediação através dos advogados e estagiários.
Com esse trabalho, o CAJUFF/Macaé teve a oportunidade de colocar em
prática a aplicação da política de conscientização da mediação como ação
estratégica de democratização e facilitação do exercício do acesso à justiça da
população, obtendo no primeiro semestre de 2012 vários casos concretos os
quais foi possível efetivarem a prática mediativa extra e endoprocessual. E,
agora, em 2013, o trabalho continua com o projeto de monitoria intitulado
“Utilização de meios alternativos de solução de conflitos no Estágio
Curricular”.
A população macaense, aos poucos, amplia a oportunidade de ganhar
conscientização e atitude na resolução de seus problemas. E, mesmo que não se
consiga chegar a acordos, as pessoas começam a ter a noção de que o
importante é levar da experiência saldos positivos, como o autoconhecimento, o
poder de negociação, a paciência e um equilíbrio maior no desenvolvimento e
manutenção das suas relações interpessoais.
Assim, as universidades são responsáveis pelo preparo de seus graduandos,
futuros bacharéis em direito, e igualmente responsáveis pela formação de
cidadãos inseridos numa conjuntura social e jurídica que clama por soluções
pacificadoras substituindo as tradicionalmente impostas.
Esses núcleos devem priorizar o ensinamento e a ação em prol dos
assistidos muito além da assistência judiciária, focando na função judicante dos
juízes a fim de que não seja mais um costume para a sociedade e para o
Judiciário a cultura da sentença e, que a redução dos processos seja uma
consequência gradual do sucesso na pacificação dos litígios.
Se por um lado a difusão dos núcleos voltados não só para a assistência
jurídica, mas também para a mediação esteja evoluindo nas universidades, de
outro, estas ficam atrasadas ainda em um ponto: a ausência do ensino da
mediação em suas grades curriculares, o que engrandeceria em muito a
formação acadêmica dos discentes, que é e sempre foi construída para
litigar/guerrear ao invés de pacificar.
E, em breve, os cursos de direito deverão começar a estudar essa
possibilidade mais a fundo, visto que em notícia18 publicada recentemente pela

18
(CONJUR, 2013). Disponível no site <http://ccapb.blogspot.com.br/2013/02/oab-estuda-incluir-mediacao-em-
exame-de.html>. Acesso em 10 de maio de 2013.

57
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Câmara de Conciliação e Arbitragem, o Conselho Federal da Ordem dos


Advogados do Brasil deverá analisar um projeto de inclusão de conteúdos
relativos à mediação, conciliação e arbitragem no Exame de Ordem.
Outra questão, apresentada pelo então secretário de Reforma do Judiciário -
vinculado ao Ministério da Justiça -, Flávio Crocce Caetano, é que a OAB
indique representantes para o comitê incumbido da elaboração de cursos na
Escola Nacional de Mediação e Conciliação da Secretaria - criada a partir de
recente acordo de cooperação técnica, firmado pela OAB e o órgão para a
disseminação desses métodos. Segundo o secretário, “o advogado é essencial
para difundir essa cultura da mediação”. O caminho é esse, pois, ao invés de
retirar mercado dos advogados, a mediação funciona como um caminho novo
para a atuação desses profissionais”19.
E, realmente, o advogado pode se tornar um incentivador e partícipe desse
meio não adversarial para solução de controvérsias, desde que possua a
confiança das partes em seu trabalho e comprometimento, assim como o
mediador pode ser também outros profissionais: psicólogos, assistentes sociais,
etc. Ou ainda, atuando juntos numa equipe multidisciplinar para auxiliar a
composição.
Neste diapasão, a OAB representa, além das universidades, um ator social
em potencial, que ajuda a fomentar toda uma cadeia de integração social que é
galgada, gradativamente, pela mediação como meio alternativo, mais adequado,
para a resolução de conflitos na caminhada rumo à democratização do acesso à
justiça.

Conclusão

No presente artigo, buscou-se demonstrar como a mediação consegue


corresponder a um meio de pacificação de litígios, fora outros, que no contexto
atual é de suma importância para os moldes de evolução da sociedade: moldes
estes voltados à incapacidade de manutenção das relações interpessoais sem
intensas desavenças, atritos e desgastes.
De início, tentou-se observar e estudar como a cultura do diálogo é crucial
para o desenvolvimento de uma mentalidade nova, sem preconceitos e com
novos paradigmas, sem que apostasse em uma análise extenuante, mas que
fosse suficiente e exemplificativa a fim de que as pessoas em geral pudessem
identificar situações semelhantes já vividas.
Posteriormente, centrou-se o estudo em breves apontamentos sobre os
princípios da mediação e a ausência de regulamentação sobre a referida matéria

19
Idem.

58
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DA CIDADANIA
CIBELE CARNEIRO DA CUNHA MACEDO SANTOS
RAQUEL RIBEIRO DE REZENDE

no ordenamento brasileiro, com os projetos de lei em tramitação: o PLS


166/2010, o PL 4827-C, o PLC 94/02, o PL n. 2.285/2007 e o PL n.
8.046/2010.
Foi realizada uma ponderação sobre a legitimidade de jurisdição e a
legitimidade de justiça de forma que ficasse clara a diferença entre o peso
decisório cogente do Estado-juiz e o voluntário das próprias partes com o
auxílio de um mediador neutro, equidistante e imparcial. E, neste diapasão,
como a ideia de acesso ao Judiciário não pode mais seguir correspondendo a de
acesso à justiça.
Em seguida, tentou-se explicar a imperiosa participação e contribuição dos
atores sociais no processo de mediação, perpassando pelos partícipes dos
conflitos, a Ordem dos Advogados do Brasil e as posições controversas da
atuação positiva dos juízes e do seu aparato judicial no método aqui abordado.
Por fim, restou aclarada a dimensão da influência que os Núcleos de Prática
Jurídica nas Universidades apresentam no crescimento da vida acadêmica,
profissional e social dos alunos envolvidos e, como isso, pode ser utilizado para
o bem de todos os envolvidos a partir de técnicas da mediação como meio
adequado na resolução de conflitos e o seu papel transformador da cidadania.

Referências Bibliográficas
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59
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado
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www.gerivaldoneiva.com/2009/11/mediacao-popular-uma-alternativa-para.html>. Acesso em 10
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como prevenção contra violência doméstica. Disponível em: <http://www.calilanoticias.com/2011/
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TORRES, Ricardo Lobo. A Legitimidade Democrática e o Tribunal de Contas. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, v. 194, p. 31, out./dez. 1993.

60
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO
DA NR 12: UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE
OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E RELAÇÕES
DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO
TRABALHO E EMPREGO

Luiz Felipe Monsores de Assumpção

Vem se desenvolvendo na Gerência Regional do Trabalho e Emprego de


Volta Redonda (RJ) interessante experiência que envolve a mediação de
conflitos trabalhistas, no âmbito do Sistema de Relações de Trabalho do MTE1.
Coerente com o protagonismo estatal no campo da composição de conflitos
trabalhistas, o objetivo da vez é formular compromissos consensuais entre
empresas e o MTE, no tocante à adequação de máquinas e equipamentos à nova
Norma Regulamentadora nº 12. Apesar de precoce, esse modelo de mediação
vem conseguindo superar um dos problemas crônicos do sistema público de
mediação de conflitos trabalhistas: a integração sistêmica com a Inspeção do
Trabalho. O objetivo deste ensaio é descrever e expor os fundamentos desse
modelo integrativo de solução administrativa de conflitos trabalhistas.

Introdução

Este ensaio visa a dar sequência à análise iniciada em 2012, sobre o sistema
público de mediação de conflitos trabalhistas2. Parte-se, desta vez, da tentativa
de enfocar, sob novas perspectivas, a questão do protagonismo estatal na oferta
de modelos de composição de conflitos oriundos das relações de trabalho. Esse
novo olhar revela que a adjudicação desses conflitos pelo Estado é fenômeno
que se relaciona com a forma pela qual o Direito do Trabalho se consolidou no
Brasil, e com a constitucionalização dos direitos sociais. Do mesmo modo, a
análise dos fundamentos da nossa estrutura sindical também auxilia a
compreensão desse fenômeno, na medida em que o modelo de origem do nosso
sistema de representações classistas, de caráter corporativista, não foi capaz,
mesmo com as ordens constitucionais que advieram após o Estado-Novo, de
criar nesses entes coletivos uma identidade realmente forte e alheada da figura
do Estado.

1
Ministério do Trabalho e Emprego.
2
A partir do ensaio intitulado “Primeiras Linhas Sobre a Mediação Pública de Conflitos Trabalhistas:
descortinando as Mesas Redondas”, apresentado pelo autor por ocasião do I CONINTER, em setembro de 2012.

61
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Retoma-se, na sequência, o modelo de mediação pública de conflitos


trabalhistas, através das Mesas Redondas realizadas no âmbito do Sistema de
Relações de Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Analisando de perto o funcionamento desse modelo, constata-se que a despeito
da longa tradição do MTE em proporcionar espaços de negociação de conflitos
trabalhistas, o instituto das Mesas Redondas se mostra relativamente
assistemático, considerando a atuação do Sistema de Relações de Trabalho em
âmbito nacional. Isto se explica, em grande parte, pela dificuldade de integração
com outro sistema de enorme importância: a Inspeção do Trabalho, cuja
atuação é orientada sob a égide de fundamentos totalmente diversos.
Numa tentativa de buscar uma solução sistêmica para o problema da
integração entre Relações de Trabalho e Inspeção do Trabalho, a Gerência
Regional do Trabalho e Emprego de Volta Redonda (GRTE/VR) vem
desenvolvendo um modelo bem interessante de mediação, em que o Estado-
Fiscal e o Estado-Mediador atuam simultaneamente. O móvel para tal
experiência é o dilema em torno da adequação das indústrias brasileiras à nova
NR 12, que de tão avançada obrigou as empresas a investirem pesadamente em
novas máquinas e equipamentos. Trata-se de um modelo experimental, que
agrega elementos da mediação em Mesas Redondas, e de outro instituto afim,
as Mesas de Entendimento3.

I. Direito do trabalho, relações de trabalho e os modelos estatais de


solução de conflitos trabalhistas

O enorme aparelho jurisdicional trabalhista, e os números cada vez mais


assustadores de demandas levadas à Justiça Especializada revelam uma
realidade que deixa pouca margem à discussão. O mundo do trabalho, ou, mais
especificamente, o mosaico que relações sociojurídicas protagonizadas pelo
homo laborans é fonte inesgotável de conflitos.
Tais conflitos, no entanto, parecem possuir um traço identitário comum,
como se fossem microexpressões de um único conflito, um conflito
fundamental e estruturante do modo de produção capitalista, o conflito capital x
trabalho.
O Direito do Trabalho sistematizado no Brasil, a despeito dos solavancos
que vem sofrendo desde a década de noventa, ainda é tributário da
principiologia que, por aqui, consolidou-se a partir da obra de Américo Plá

3
Mesa de Entendimento é um processo de negociação, conduzido no âmbito do Sistema de Inspeção do Trabalho
(Instrução Normativa nº 23/2001). Sua natureza discricionária e linear, que deixa à mostra o perfil coativo do
processo, faz das Mesas de Entendimento bem menos que um autêntico modelo de composição consensual de
conflitos.

62
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

Rodriguez (2002). Essa principiologia revela, no entanto, algo que parece


contraditório. O caráter protetivo da dogmática trabalhista exacerba a dignidade
do(no) trabalho, sugerindo um “laborcentrismo”4 que se sublima a partir da
figura singular do trabalhador. Todavia, como bem acentuam Vianna (1943) e
Delgado (2007) – embora partam de perspectivas muito diferentes – a relação
de trabalho se materializa entre um indivíduo e um ente coletivo. Oliveira
Vianna, por exemplo, não admitia a ideia de que pudessem existir sindicatos de
categorias econômicas, uma vez que as empresas são, elas mesmas, expressões
coletivas. Pela mesma razão, os professores mineiros Márcio Túlio Viana e
Maurício Godinho Delgado, ao se inserirem no debate sobre a unicidade
sindical, ressaltam a necessidade de haver uma unidade entre os trabalhadores,
como forma de equipararem-se em armas com o capital, que só se mostra
através de representações coletivas.
Desse modo, o Direito do Trabalho no Brasil se consolidou a partir do
reconhecimento de que também o trabalho tinha uma expressão coletiva, e é
através dela que se exerce o direito de resistência frente ao capital. Se, de fato,
trabalho e trabalhador são indistinguíveis, como afirma Karl Polanyi (2000),
então o Direito do Trabalho reconhecido em sua autonomia, que não seja, como
critica Romita (2001), um direito que visa à proteção do trabalhador, mas que se
destine a regulamentar um tipo específico de relação jurídica, só faz sentido, em
sua teleologia, se se referirem aos seus atores como entes coletivos. Noutros
termos, uma relação entre empregado e empregador é a representação
individuada e mediata de uma relação fundamental entre entes coletivos (capital
e trabalho), ao menos no âmbito de uma sociedade capitalista. Logo, o conflito
que emerge nessa relação será, senão, a expressão particular de um conflito pré-
existente, e que legitima o direito que o regulamenta.
A pretensão de universalização do Direito do Trabalho ressaltada por
Segadas Vianna5 (2005) é, a um só tempo, móvel e evidência saliente da
reconfiguração dos Estados, incluindo o Brasil, em Estados Sociais. Direitos
trabalhistas são, portanto, direitos sociais. Se o Estado Social se caracteriza por
“ações situadas” (WEBER, 2009), então parece lógico pressupor que a
realização das promessas constitucionais, no que tange aos direitos sociais e, em

4
A expressão “laborcentrismo” tomada aqui num sentido diferente do adotado por Acário (2009), que ilustra uma
economia cujas riquezas são produzidas e multiplicadas pela relação trabalho x consumo, em contraposição ao
“monecentrismo”, ou monetização da economia, cenário no qual as riquezas se concentram no sistema financeiro.
Utilizo, aqui, esta criativa expressão para sintetizar o conjunto de argumentos que elevam o trabalho como uma
“categoria sociológica fundamental” (OFFE, 1989).
5
Em Instituições de Direito do Trabalho (SÜSSEKIND et al).

63
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

particular, dos direitos trabalhistas, dependa da (a)vocação estatal para assumir


a titularidade de intermediador dos conflitos que brotam desse processo.
A perspectiva do Direito Coletivo do Trabalho brasileiro também nos
conduz à conclusão semelhante. A adjudicação estatal dos conflitos coletivos do
trabalho, no Brasil, é atributo estruturante do modelo corporativista imaginado
por Oliveira Viana, e constituído durante o Estado Novo, que caracterizou (e,
para muitos, ainda caracteriza) o nosso sistema sindical.
Tal modelo pressupunha uma cooperação interinstitucional: capital,
trabalho e Estado, num cenário onde o conflito não tem vez. Surge para o
Estado, nesta instância, a missão de promover a paz social, através da
magistratura del lavoro e, no plano administrativo, por meio da abertura de
espaços de negociação intercategorial, sendo esta, a negociação, bem menos
que um direito dos entes coletivos, mas um dever para com a sociedade (leia-se
Estado). Por seu turno, os espaços negociais construídos fora do halo de atuação
estatal deveriam ser ocupados exclusivamente pelos sindicatos, os quais, por
sua vez, exerciam função delegada de poder público.
Decerto que a atual ordem constitucional afastou esse atrelamento dos
sindicatos ao Estado. Da mesma forma, sobretudo depois da EC nº 45, mitigou-
se um pouco do caráter interventivo da Justiça do Trabalho, e do próprio
Ministério do Trabalho. Mas o protagonismo estatal segue forte, vitaminado
não apenas pela já citada natureza coletiva dos conflitos oriundos das relações
de trabalho, e da tradição corporativista-autoritária do modelo sindical brasileiro
(DELGADO, 2007), mas também pela muito bem assinalada “cultura da
sentença” (WATANABE, 2007) que estaria na base do fenômeno da
judicialização dos conflitos e, talvez, por um suposto traço atribuído à sociedade
brasileira, já designado por alguns autores como uma “propensão à
marginalidade” (VILLA, 2013).
Já se falou da morte anunciada dos escassos modelos brasileiros de solução
de conflitos trabalhistas, constituídos fora do perímetro estatal, mesmo os que
dispõem de alguma regulação, como é o caso das comissões de conciliação
prévia (ASSUMPÇÃO, 2012). Por outro lado, há enorme resistência, inclusive
no meio jurídico, acerca da aplicação da solução arbitral aos conflitos
trabalhistas. Até mesmo a “mediação privada” de conflitos que emergem nas
relações de trabalho, levada a cabo por mediadores credenciados oficialmente
pelo próprio Estado6, e havida como uma solução neoliberal para ampliação da
autonomia negocial entre representações classistas, nunca emplacou.
É forçoso admitir, todavia, que no âmbito das relações individuais de
trabalho, o princípio da continuidade do vínculo empregatício se desdobra, no

6
Conforme a Lei 10.192/2001, oriunda da Medida Provisória nº 1.035/1995.

64
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

contexto dos contratos de trabalho, em uma de suas características marcantes,


que é o trato sucessivo. Esta suposta propensão à perenidade da relação de
emprego poderia fomentar modelos “comunitários” de mediação de conflitos.
Sob o aspecto metodológico, tal propensão poderia estimular, no mínimo, uma
abordagem cooperativa por parte dos contendores, facilitando uma conduta
pouco interventiva do mediador. No entanto, é bem difícil imaginar espaços de
“mediação cidadã” (SIX, 2001), no âmbito das relações de trabalho, quando a
noção de “cidadania regulada” (SANTOS, 1979) construída no Brasil a partir
da centralidade do trabalho, é a que bem sintetiza nosso sistema de garantias
constitucionais sociais.
Por outro lado, o princípio da continuidade do contrato de trabalho produz
resultados muito específicos, escorados por expressa previsão legal7, ou pela
jurisprudência8. Na prática, a continuidade da relação de emprego tem, no
Brasil, a dimensão que for conveniente ao empregador, pois dele é o direito
potestativo da terminação unilateral do contrato, pouco importando a resistência
do empregado. A denúncia da Convenção da OIT nº 158 pelo Brasil sinalizou a
vitória da dispensa imotivada, ou arbitrária, como um direito do patrão. Nesse
sentido, a longevidade da relação de emprego dependerá do grau de docilidade
do trabalhador. O exercício do jus resistentiae, ainda que se limite ao simples
direito de ser ouvido, com frequência se torna “motivo” para a dispensa
“imotivada” do empregado. Não é por outra razão que a Justiça do Trabalho é
referenciada popularmente como a “justiça dos desempregados”.
Por fim, talvez nem seja desejável que haja, de fato, uma instância de
solução de conflitos trabalhistas que seja exógena ao Estado. O modelo
intersindical, ilustrado pelas comissões de conciliação prévia, não logrou o
sucesso esperado, em grande parte porque se instalou uma crise de confiança no
modelo em si. Com o passar do tempo, percebeu-se que a Justiça do Trabalho
produzia resultados patrimoniais mais apreciáveis (CASTELANI, 2008), o que
só reforçava a crença de que o Estado era, de fato, o verdadeiro protetor dos
trabalhadores, e não os sindicatos, para os quais vão polpudas somas de
recursos oriundos das contribuições sindicais, compulsoriamente extraídas dos
“mal remunerados e famélicos trabalhadores do Brasil, em proveito, às vezes,
de donos de pasquins, de políticos, de aventureiros e de outros aproveitadores”
(CIOFFI, 2008, p. 1132).

7
Como seria o caso da sucessão de empregadores (CLT, art. 10 e 448).
8
Pode-se exemplificar a tendência da jurisprudência em rejeitar a tese do pedido de demissão, quando a hipótese
de terminação contratual for controversa.

65
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

A posição de garantidor da realização das promessas sociais é coerente com


o reconhecimento constitucional da hipossuficiência jurídica do trabalhador. É
plausível que isso explique o problema da confiança em modelos não estatais de
solução de conflitos trabalhistas. A certeza que fica, entre os trabalhadores, é a
que não é possível, fora do Estado, a obtenção de uma solução justa para suas
demandas. As instituições estatais, ainda que se limitem a restaurar a legalidade,
como seria o caso da Inspeção do Trabalho, estaria transferindo parte do “poder
mantido em reserva” (GEORGE, 1891) para o trabalho, como ente coletivo, a
fim equilibrar a relação com o capital. Neste caso, o Estado estaria exercendo
uma espécie de “contrapoder” (GARCIA, 2007).
Mas é correto afirmar que, no Brasil, o garantismo trabalhista reforçado
pelas ordens constitucionais que se sucederam à República Velha, principal-
mente a de 1988, fez do conflito trabalhista não apenas uma disputa patrimonial
num cenário distributivo, mas uma disputa por poder. Diga-se isto porque a
livre iniciativa, assim como o trabalho, se firma num locus constitucional de
igual estatura, como fundamento constitutivo do nosso Estado de Direito. Logo,
a atuação estatal na forma de um contrapoder faz com que ele se insira no
âmbito do conflito como um dos interessados no seu deslinde. E pode-se dizer
que este interesse é “político-jurídico”, eis que a pacificação dos conflitos
oriundos da relação capital x trabalho também tem o condão de reforçar a
estrutura do nosso modelo de Estado Democrático de Direito.
A disputa por poder também se explica em razão de outro princípio caro ao
Direito do Trabalho consolidado no Brasil. Trata-se do princípio da indisponibi-
lidade dos direitos trabalhistas. Noves fora alguma mitigação deste princípio, o
fato é que ele restringe de forma incisiva a autonomia negocial das partes em
conflito, mesmo no âmbito coletivo9. Neste caso, o contrapoder exer-cido pelo
Estado destina-se a desempoderar as partes que estejam exacerbando os limites
do que seja aceitável, sob o ponto de vista da principiologia constitu-cional10.
Diz-se “as partes” porque este desempoderamento é simultaneamente imposto a
ambos os polos do conflito, isto é, tanto àquele que faz a proposta, quanto ao
que aceita.
Admitindo-se que o Estado atua como um “terceiro interessado” na solução
dos conflitos trabalhistas, e que, no limite, tal atuação poderá descambar para a
desqualificação do próprio consenso obtido autonomamente, é certo afirmar
que a mediação que se possa chamar de “autêntica”11 é quase inexistente, no
âmbito das relações de trabalho.

9
Seria o caso, por exemplo, do controle de legalidade dos acordos e convenções coletivas.
10
No âmbito coletivo, seria o caso de invocar o princípio da vedação do retrocesso dos direitos sociais. No âmbito
individual, a dignidade da pessoa humana.
11
Admitindo-se a polissemia de sentidos atribuídos à mediação, o que se deseja aqui é distingui-la
metodologicamente de outras formas de atuação do terceiro imparcial, seja como conciliador, ou como árbitro.

66
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

Ou mais, ou menos, dependendo do objeto do conflito, há de se admitir que


a disputa trabalhista, no Brasil, extravasa o âmbito das partes contratuais (no
âmbito individual), ou das categorias (no âmbito coletivo). O Estado parece
virtualmente sentado ao lado dos atores sociais em conflito, oferecendo-se para
solucioná-lo ou, até mesmo, impor a solução adjudicada12. Se a solução, por
vezes, implica na desqualificação dos conflitantes em sua autonomia na busca
de uma solução consensual, é porque a adjudicação estatal desses conflitos se
faz, de regra, à custa de um bom estoque de poder. Se é correto acentuar, como
faz Chiovenda13, que a qualidade da conciliação, em sede jurisdicional, tem sua
medida no quanto poder exerça o conciliador, fica fácil explicar, então, porque
o modelo conciliatório desenvolvido à luz do rito jurisdicional é, praticamente,
o único que dá conta de gerar soluções vinculantes dos conflitos trabalhistas no
Brasil.

II. As mesas redondas e a inspeção do trabalho: uma relação


(des)inte-grada

Viu-se que a adjudicação estatal dos conflitos trabalhistas é o modelo que


impera no Brasil. No entanto, a despeito da conciliação como etapa obrigatória
do processo trabalhista, a Justiça do Trabalho não é a única protagonista do que
se poderia chamar de sistema estatal de composição de conflitos trabalhistas.
De fato, coerente com uma longuíssima tradição de mediação pública de
conflitos coletivos e individuais do trabalho (ASSUMPÇÃO, 2012), o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através do Sistema de Relações de
Trabalho, oferta espaços negociais públicos para trabalhadores, sindicatos e
empresas, quando desejam resolver conflitos trabalhistas, individuais ou
coletivos. São as chamadas Mesas Redondas, reguladas pela Portaria 3.122/88,
e que podem ser utilizadas para a composição de conflitos de direitos e de
interesses.
A despeito da acertada opinião de Surlo e Dias (2009), no que tange a
desnecessidade de regulação dos modelos de mediação, a atuação do MTE se
dá através de um processo administrativo. No entanto, apesar de existir norma
que regule o modelo de mediação pública no âmbito do MTE, a normatização

12
Isto é visível, por exemplo, no caso das greves. Mesmo no âmbito administrativo, é possível a instauração da
Mesa Redonda de ofício, por iniciativa do próprio Ministério do Trabalho.
13
Citado por Athos Gusmão Carneiro, em artigo intitulado A Conciliação no Novo Código Civil, disponível em:
http://download.rj.gov.br/documentos/10112/1015391/DLFE-51740.pdf/REVISTA3046.pdf. Acesso em: agosto
de 2012.

67
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

existente é mínima, e se restringe basicamente a alguns poucos (mas


importantes) aspectos procedimentais.
É verdade que o advento da Justiça do Trabalho, e sua atuação no âmbito
dos conflitos coletivos, manteve o MTE, durante anos, como coadjuvante, no
que tange à geração de espaços de negociação de conflitos trabalhistas. A
retomada desse protagonismo se deu a partir de 1967, com a publicação do
Decreto nº 229, quando se estabeleceu uma espécie de integração entre a
instância jurisdicional, representada pelo o dissídio coletivo, e a instância
administrativa, representada pela mediação realizada pelo MTE. É bem verdade
que, no âmbito dos conflitos individuais, a própria CLT previa, desde a sua
origem, um processo de reclamação administrativa, com rito e terminologia
semelhantes ao processo judicial14, embora restrito, basicamente, às anotações
de contrato e salário na Carteira de Trabalho do obreiro. Mas foi pouco antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988 que o processo administrativo de
mediação de conflitos foi, de fato, regulado de forma específica. As Mesas
Redondas são a denominação dada à reunião destinada à mediação de conflitos,
tanto coletivos, quanto individuais. A já citada Portaria 3.122/88 dispõe sobre a
possibilidade de se adotar tanto a mediação, quanto a conciliação, a depender,
obviamente, do objeto do conflito. Nos casos em que o conflito se instaura em
razão do descumprimento da legislação trabalhista, a atuação do MTE é
orientada no sentido da regularização. Nesse sentido, a “mediação” lato sensu
se assemelha à conciliação, pois o consenso obtido não se refere “ao que se
deve fazer”, mas “ao como se deve fazer”. Por outro lado, nos denominados
conflitos de interesses, designação dada, de regra, aos processos de negociação
coletiva destinada à formulação de acordos ou convenções coletivas, o MTE
assume uma postura equidistante, ou seja, de mediador stricto sensu, cujo
propósito é facilitar o diálogo, estimulando as partes para que elas construam,
sozinhas, o pacto coletivo.
A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego se desdobra em três
grandes vertentes: políticas de emprego e renda, inspeção do trabalho e relações
de trabalho. Os modelos de mediação de conflitos trabalhistas são parte
importante das atribuições do Sistema de Relações de Trabalho. Ocorre que a
história da mediação de conflitos trabalhistas pode ser contada a partir da
atuação dos Inspetores do Trabalho15 (MICHELON, 1999), do que se conclui
que, desde sempre, os sistemas de inspeção do trabalho e relações de trabalho
sempre interagiram. Todavia, interação não significa, necessariamente,

14
(CLT, arts. 36 a 39). Na verdade, pode-se dizer que o rito administrativo é que inspirou o judicial.
15
Inspetor do Trabalho é a designação clássica dos agentes de inspeção do trabalho. Atualmente, acompanhando
a nomenclatura padronizada aplicada às outras expressões da inspeção federal, o Inspetor do Trabalho é
denomina Auditor-Fiscal do Trabalho (AFT).

68
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

coordenação ou integração. Decerto que do sistema de inspeção do trabalho


saíam os mediadores públicos. Todavia, traziam consigo não apenas o
conhecimento técnico da legislação trabalhista e do dia-a-dia das relações de
trabalho, mas também o olhar da Inspeção do Trabalho como paradigma de
avaliação das realidades do mundo do trabalho. É o olhar da autoridade dotada
de poder de polícia; de quem tem de se render ao Regulamento da Inspeção do
Trabalho; de quem tem que exercer o poder-dever de atuar coativamente.
Desse modo, a tradição mediadora do MTE, no âmbito dos conflitos
trabalhistas, revela uma interessante contradição. A atuação dos Inspetores do
Trabalho foi fundamental para consolidar a mediação pública de conflitos
trabalhistas no Brasil. Todavia, essa mesma atuação serviu para acanhá-la,
impedindo-a a se desenvolver em sua plenitude, pois se a despeito de a
mediação dispensar, como rito, regulações pormenorizadas e desnecessárias, a
atuação do mediador era, no mais das vezes, caracterizada pela autocontenção
(pretensamente) normativa.
Há muito o que se falar sobre o dilema do mediador-autoridade em sua
atuação nas Mesas Redondas. Mas tal abordagem iria além do escopo deste
ensaio. O que se pretende, nesta oportunidade, é registrar que esse dilema
existe, e é sério. É por conta desse problema, que até hoje não foi bem resolvido
pelo MTE, que alguns autores se negam a conceber a existência de um sistema
de mediação de conflitos trabalhistas conduzido pelo MTE (AROUCA, 2007),
haja vista que cada Gerência Regional, e cada Superintendência adotam sua
própria “política de relações de trabalho”, no trato da mediação de conflitos, a
depender do quanto se permitam ousar os responsáveis pelas Seções e Setores
de Relações de Trabalho, e os próprios mediadores, no âmbito dessas unidades
administrativas.
Por ora, basta reter que a mediação pública levada a cabo pelo MTE, sob
vários aspectos, é frequentemente submetida a questionamentos em torno da
sua legalidade, sendo certo que este patrulhamento não é apenas externo
(Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho), mas também interno,
por parte do Sistema de Inspeção do Trabalho.
Tem-se, então, que os quadros da Inspeção do Trabalho, atuando no âmbito
do Sistema de Relações de Trabalho, alavancaram a mediação pública de
conflitos trabalhistas no Brasil, e esse mesmo quadro colocava em xeque a
atuação mediadora do MTE. O resultado desse atrito foi, sem dúvida, o
subdesenvolvimento da integração intersistêmica: Relações de Trabalho e
Inspeção do Trabalho. Integração, diga-se, regulada, pois ela é prevista tanto no
Decreto que define a estrutura do MTE (Dec. Nº 5.063/2004), quanto na

69
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Portaria nº 153/2009, que cria o regimento interno das Superintendências


Regionais do Trabalho e Emprego, no âmbito dos estados.
Não é incomum haver verdadeiras “desautorizações” por parte da Inspeção
do Trabalho, em relação aos acordos ou compromissos firmados no âmbito das
Relações de Trabalho. Uma negociação formalizada em Mesa Redonda,
objetivando regularizar, por exemplo, os depósitos do FGTS, podia ser
solenemente ignorada pela Inspeção do Trabalho, por ocasião de uma diligência
fiscal. Este tipo de episódio, que demonstra com clareza a irracionalidade
administrativa que (ainda) caracteriza a relação inspeção x mediação, no âmbito
do MTE, pode ser explicada de diversas formas. A que nos interessa, no
momento, flerta com a questão do papel do mediador, e a dificuldade que ele
tem de se despir da autoridade que é inerente ao cargo. No entanto, essa
autoridade às vezes aflora, não só em face das partes do conflito, quando se trata
de questões de direito, mas também em relação ao próprio MTE, quando se
trata de criar vinculações intersistêmicas entre Inspeção do Trabalho e Relações
de Trabalho, lastreadas pela qualidade técnica da solução negociada. É o caso
de dizer que quanto maiores forem os atributos técnicos e a expertise do
mediador (em geral, do quadro da Inspeção do Trabalho), mais propenso a ser
respeitado estará o acordo obtido.
Não se pode negar que o próprio MTE, vez por outra, busca alguma saída
institucional para esse dilema. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso,
inaugurou-se com festança o que se passou a chamar de “novo perfil da
fiscalização do trabalho”. Era, na verdade, mais um capítulo da política
neoliberal implantada pelo ex-presidente, e o intuito era reduzir a “pegada”
coercitiva da Inspeção do Trabalho. A CLT foi alterada, acrescentando-se a ela
o art. 627-A, que dispunha sobre um instituto genérico denominado
“procedimento especial” para a ação fiscal. No rastro desta alteração legislativa,
a Instrução Normativa nº 13/1999, revogada posteriormente pela de nº 23/2001,
criou as “Mesas de Entendimento”, no âmbito da Inspeção do Trabalho. Era a
implantação do rito negocial em meio à fiscalização do trabalho. De início, a
iniciativa cabia ao próprio Auditor-Fiscal. A partir da IN nº 23/2001, a chefia
dos Setores e Seções de Inspeção do Trabalho poderia propor a Mesa de
Entendimento, à revelia do Auditor diligenciante, caso concluísse por sua
adequação. Por diversas razões, as quais não se pretende investigar neste
momento, as Mesas de Entendimento não emplacaram, e apesar de a IN nº
23/2001 ainda estar em vigor, pouco são utilizadas.
Outra medida administrativa importante foi o incremento da participação de
funcionários que não fossem Auditores-Fiscais como mediadores. De início,
nem tanto pela ampliação, propriamente dita, da participação do quadro

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AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

administrativo no ofício da mediação, mas pelo desestímulo à participação dos


Auditores-Fiscais nesse mister.
De fato, a norma jamais vedou a participação do quadro administrativo nas
Mesas Redondas. Contudo, a participação exclusiva de Agentes ou Auxiliares
Administrativos se limitava, quase sempre, aos conflitos de interesses. Não é
seguro afirmar que isto se explicaria pela escassez de especialistas em
legislação trabalhista, entre os integrantes do quadro administrativo. Intui-se
com mais facilidade que na mediação de conflitos de interesses a coação moral
do mediador é mais evidente que a normativa, o que dispensa o empoderamento
advindo do cargo, forma eficaz de atrair a confiança dos atores envolvidos nos
conflitos de direitos, crentes do poder que exala do Auditor-Fiscal, por entre as
tramas das vestes do mediador.
Ainda na primeira década deste século, mudanças no Sistema de Inspeção
do Trabalho, agregadas a certas medidas de caráter administrativo, adotadas
pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, levaram à redução da participação de
Auditores-Fiscais do Trabalho na mediação de conflitos. Essas medidas, que
não partiram do Sistema de Relações do Trabalho, mas da Inspeção do
Trabalho, estimularam uma política de qualificação de mediadores oriundos do
quadro administrativo, o que acabou por expandir o número de mediadores de
conflitos trabalhistas mais que proporcionalmente à redução do número de AFT
envolvidos com mediação.
No entanto, nem a criação de um rito negocial na Inspeção do Trabalho,
nem a ampliação do quadro de mediadores, com o incremento da participação
dos funcionários administrativos, foram determinantes para o aperfeiçoamento
sistêmico do modelo de mediação de conflitos trabalhistas, no âmbito do MTE.
Apesar dos resultados muito bons alcançados pelo Sistema de Relações de
Trabalho, com a mediação conduzida, em muitos casos, pelo quadro
administrativo, sobretudo em conflitos coletivos de interesses, a redução da
participação de Auditores-Fiscais na mediação intensificou os problemas de
integração entre Inspeção do Trabalho e Relações de Trabalho. Se os laços de
solidariedade advinda da identidade funcional, e o reconhecimento (muitas
vezes a priori) das qualidades técnicas do mediador eram as poucas garantias
de alguma vinculação interna dos consensos obtidos no âmbito das Relações de
Trabalho, o que dizer quando tais consensos não são mais obtidos pela atuação
de Auditores-Fiscais?
A despeito do resultado para lá de acanhado das Mesas de Entendimento, é
possível que a criação de uma instância negocial no âmbito da Inspeção do
Trabalho a tenha isolado, ainda mais, do Sistema de Relações do Trabalho. É o

71
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

caso de se questionar se o rigor normativo, que caracteriza a ação fiscal coatora,


auxilia o Auditor-Fiscal do Trabalho a desenvolver a habilidade de realizar uma
apreciação multidimensional das razões por trás da infração trabalhista. Além
disso, parece contraditório acomodar o processo de negociação à sujeição dos
prazos e metas, à maneira dos paradigmas de eficiência aplicáveis à
Fiscalização do Trabalho, e, mais ainda, condicionar à participação das
entidades sindicais – atores que atuam no âmbito das relações de trabalho – a
ampliação desses prazos16.

III. O cumprimento negociado da NR 12: quando os fins justificam


os meios

Santos Neto17 já havia se referido às Normas Regulamentadoras18 como


expressões normativas inusitadas. Mais peculiar, talvez, seja a forma pela qual
tais normas se legitimam, pois diferentemente da legislação em geral, que
pressupõe, conforme Kelsen (1999) um poder normativo, as NRs são
constituídas sob a égide do tripartismo: Estado, capital e trabalho. Este berço
democrático confere às NRs um caráter de cogência irresistível, nem tanto em
virtude do seu perfil normativo stricto sensu, mas do elevado nível de
adequação à realidade estampada no mundo do trabalho. No entanto, esta
adequação não macula a pretensão transformadora das relações de trabalho,
através da melhoria das condições de segurança e saúde do trabalhador. As
Normas Regulamentadoras ostentam uma “promessa de eficácia”, na medida
em que permite ao Auditor-Fiscal do Trabalho (AFT) a formulação de
diagnósticos construídos através do contato literalmente manual com a
realidade do ambiente de trabalho.
Apesar da imensa legitimidade das NRs, de seu caráter cogente, e de sua
promessa de eficácia, os AFT cuja função é atuar no cumprimento das NRs, o
fazem sob o mantra da adequação, e não da simples e pura punição. Trata-se, na
verdade, de outra promessa atribuída às NRs, a da construção da dignidade do
trabalhador, pela via da redução dos riscos a sua segurança e saúde. Diagnóstico
e adequação são, portanto, ingredientes essenciais para a construção de modelos
de negociação, nos quais esteja presente o ideário democrático. Obviamente,
16
Conforme a IN nº 23/2001, o processo de negociação do termo de compromisso, em Mesa de Entendimento,
deverá ser ultimado em até 120 dias. Esse prazo poderá ser ampliado, caso o sindicato laboral seja chamado a
participar do processo.
17
José Olímpio dos Santos Neto, em seu artigo intitulado “Consequências da natureza Jurídica (aparentemente)
inusitada das Normas Regulamentadoras”. Trabalho ainda não publicado.
18
Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, conhecidas simplesmente como NRs, são
normas complementares da legislação trabalhista consolidada (Capítulo V da CLT). Embora tenham sido
originariamente publicadas no bojo da Portaria 3.214/78, a elas já se referia a CLT ano antes, em 1977, com a
publicação da Lei 6.514, que alterou o art. 155 do Estatuto Consolidado.

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AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

não se trata de mitigar o poder da Inspeção do Trabalho, mas de aperfeiçoar os


diagnósticos e a apreensão das várias realidades que compõem o mundo do
trabalho. Considera-se que atuação do MTE no campo das NRs é uma
expressão extremamente saliente do poder coativo da Inspeção do Trabalho. Ao
mesmo tempo, impõe-se de forma não divorciada da realidade, e por isso
mesmo é tão irresistível.
O flerte com a realidade parece se extremar, no que tange à ação do MTE
para que as empresas se adequem à NR 12. A Norma Regulamentadora nº 12
dispõe sobre a “Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos”, tendo
sido, há pouco tempo, radicalmente (sem exagero) modificada. A pretensão
desta NR 12 é a de construir uma nova cultura da segurança no ambiente de
trabalho, no que tange a máquinas e equipamentos. Sem adentrar muito em
questões técnicas, convém mencionar que a nova NR 12 foi inspirada no padrão
europeu de segurança relacionada a máquinas e equipamentos, superlativando a
utilização da tecnologia para reduzir ao nível do imponderável a ocorrência de
acidentes de trabalho. Demais disso, a NR 12 propõe a formação de uma rede
de garantias que faz lembrar as revolucionárias garantias previstas no Código de
Defesa do Consumidor, trazendo para a seara das responsabilidades não só o
empregador, mas o fabricante ou importador das máquinas, e até os técnicos
que acreditam o conjunto de medidas de segurança que lhe complementam a
estrutura.
O advento da nova NR 12 obrigou a indústria brasileira a investir
pesadamente na adequação dos equipamentos existentes, ou adquirir novos, já
adaptados às novas regras. Porém, investimentos em bens de capital
pressupõem a existência de poupança disponível para a formulação de boas
linhas de crédito, sendo certo que a poupança nunca foi a variável forte da
demanda agregada brasileira. Isto significa que a realidade dos investimentos da
indústria brasileira se verifica num horizonte de médio-longo prazo. Tempo
para se adequarem, portanto, é uma exigência da realidade da indústria
nacional.
Mas o compromisso com a realidade não basta para pontuar integralmente a
ação da Inspeção do Trabalho, no trato das questões relativas à segurança e
saúde do trabalhador. Diga-se isto porque, na essência, tal atuação está atrelada
a paradigmas de eficiência calcados em prazos e metas, sem os quais fica difícil
conceber a Inspeção do Trabalho.
De um lado, quer-se a expertise técnica do AFT, especialista nas questões
relacionadas ao meio ambiente do trabalho. De outro, deseja-se desatrelá-lo das
(discutíveis) medidas de eficácia impostas à Inspeção do Trabalho. Não estaria,

73
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

aí, uma oportunidade de ouro para se estabelecer novos vasos comunicantes


entre a Inspeção do Trabalho e o Sistema de Relações de Trabalho?
Decerto que sim.
A atuação da Inspeção do Trabalho, no âmbito da segurança e saúde do
trabalhador, tem caráter manifestamente construtivo. Trata-se, pois, de construir
uma dada realidade que seja apreciável por outras lentes, ampliando a
perspectiva de que tal realidade seja, de fato, uma plataforma confiável para a
formulação de pactos consensuais que gozem de grande respeitabilidade. O
ambiente das Mesas Redondas, mesmo nos casos de conflitos de direitos,
possibilita a participação de vários atores (internos e externos ao conflito) que
não sejam propriamente aqueles que dispõem de poder para se
compromissarem. Por outro lado, o caráter relativamente arritualístico das
Mesas Redondas, e o desvencilhamento dos paradigmas de eficácia, tão caros à
Inspeção do Trabalho, permitem uma apreciável margem de manobra, tanto do
mediador, quanto do conjunto de integrantes do processo de mediação.

III.i. O processo de mediação conduzido pela Gerência Regional do


Trabalho e Emprego de Volta Redonda

Durante mais de uma década a Gerência Regional do Trabalho e Emprego


de Volta Redonda (GRTE/VR) vem se consolidando como um polo expressivo
de mediação de conflitos trabalhistas, no âmbito do Sistema de Relações de
Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo Assumpção19 (2012),
a quantidade de Mesas Redondas implantadas pela GRTE/VR, entre os anos de
2002 a 200820, correspondeu a quase 4% do total de mediações realizadas no
país. Ajuda a explicar esse protagonismo a elevada complexidade das relações
de trabalho na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. Além disso,
no âmbito dos conflitos coletivos, o fato de que parte expressiva da história do
“Novo Sindicalismo” pode ser contada a partir da atuação dos sindicatos
daquela região, em particular o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda.
O processo, em si, tem começado no âmbito da Inspeção do Trabalho,
através da fiscalização direta das condições de segurança no trabalho nas
empresas. A partir do relatório e do diagnóstico técnico elaborado pelo AFT, o
processo migra para o âmbito das relações de trabalho, onde é agendada a Mesa

19
Informações constantes da dissertação de mestrado do autor, intitulada “Os reflexos do dissídio coletivo
'consensual' nas negociações coletivas: uma análise do desempenho negocial de sindicatos e empresas da região
sul-fluminense do Rio de Janeiro, antes e depois da EC nº 45”, defendida no âmbito do PPGSD/UFF. Trabalho
ainda não publicado.
20
Trata-se da comparação entre o banco de dados de mesas redondas, da GRTE/VR, criado em 2001, com as
estatísticas divulgadas pela Secretaria de Relações de Trabalho (disponível em: <http://portal.mte.gov.br/
data/files/FF8080812B62D40E012B6F1DAFC36A53/est_4934.pdf>), limitadas a 2008.

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AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

Redonda, que contará com a participação dos representantes da empresa


diligenciada, do AFT diligenciante, e de outros atores, que podem ser técnicos
especializados em máquinas e equipamentos, fabricantes, entidades sindicais,
comissões de fábrica etc.
O objetivo da Mesa Redonda, neste caso, é realizar a mediação entre a
Inspeção do Trabalho e as empresas que precisam se adequar à legislação.
Obviamente não se trata de uma “mediação de fim”, mas uma “mediação de
meio”. A Mesa Redonda é implantada a partir de um consenso ex ante, que diz
respeito ao seu objetivo: a adequação aos parâmetros da NR 12. O que a Mesa
Redonda irá proporcionar é, justamente, o espaço negocial entre a Inspeção do
Trabalho e as empresas, mediado por um representante do Sistema de Relações
do Trabalho. O objetivo da Mesa Redonda, neste caso, é possibilitar a
elaboração de um cenário realista, em que todos os interesses sejam apreciados.
Decerto que o consenso ex ante é a condição mesma de existência do
modelo. Mas é também um sinal evidente de boa-fé, expressão do princípio da
sinceridade, que é essencial em qualquer experiência de mediação de conflitos.
Os tais interesses em disputa, neste caso, dizem respeito ao equacionamento
ótimo de diversas variáveis: o imperativo da segurança do trabalho, o
imperativo da manutenção da atividade empresária, a complexidade da planta
industrial, a capacidade de investimento da empresa, o dimensionamento do
quadro de funcionários, o grau de qualificação dos trabalhadores, os níveis de
risco inerentes ao processo industrial, as limitações tecnológicas, o histórico de
acidentes de trabalho, o histórico das fiscalizações do trabalho, a configuração
das jornadas de trabalho, o volume de reclamações encaminhadas pelas
entidades de classe, dentre outras.
Note-se que neste modelo o consenso não é integralmente formado no
âmbito da Inspeção do Trabalho (como seria o caso das Mesas de
Entendimento ou dos “procedimentos especiais”), tampouco resulta da atuação
isolada das Relações de Trabalho. Nessa Mesa Redonda, a Inspeção do
Trabalho não é assistente do mediador, tal como propõe o art. 18, VII, da
Portaria nº 153/2009 (Regimento Interno das Superintendências Regionais),
mas polo dessa relação pretensamente adversarial entre o Estado e as empresas,
mas que pela ação da mediação, em sede de relações de trabalho, tenta-se
migrar para uma relação de cooperação.
Desta vez, o problema da legitimidade do resultado da mediação não
precisa sofrer uma crítica interna, autofágica, por parte da Inspeção do
Trabalho, pois é ela que frutifica o consenso obtido segundo este modelo. E não
se trata de uma negociação sumarizada e linearizada, como em geral se dá na

75
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

esfera exclusiva da Inspeção do Trabalho. Aliás, o denominado “procedimento


especial para a ação fiscal”, cuja forma nominada é a Mesa de Entendimento,
parte de um pressuposto completamente diferente das Mesas Redondas.
A negociação no âmbito da Inspeção do Trabalho não passa de uma
concessão discricionária do Estado. Quase um ato de benevolência. Não se
trata, pois, de um direito subjetivo público das empresas pleitear a concessão de
um espaço negocial para o fim de se adequar à determinada legislação. Desse
modo, seria realmente difícil conceber outro comportamento do Agente de
Inspeção, no âmbito das Mesas de Entendimento, que não seja o de sustentar
posições maximalistas, segundo uma estratégia que vise impor à empresa a sua
visão do que seja razoável e justo.
O consenso obtido em sede de Mesa Redonda, segundo o modelo proposto,
goza de uma legitimidade que não se limita aos aspectos formais. Não sendo o
mediador um mero assistente da Inspeção do Trabalho, cujo papel seria tão só o
de convencer as empresas de que a solução proposta pelo Auditor-Fiscal é a
única razoável, torna-se possível, nessa seara, construir um consenso que
realmente seja fruto de uma apreciação multidimensional do problema.
Este modelo de mediação, manejada para o fim de negociar a adequação
das empresas da Região Sul Fluminense do Rio de Janeiro à NR 12, já teria
compromissado cinco empresas, estando outras quatro em fase formulação de
propostas. Alguns cronogramas são bastante curtos, e já será possível finalizar21
alguns desses processos ainda este ano. Noutros casos, tem sido necessário
negociar em etapas, estabelecendo cronogramas parciais, pois no horizonte
visível não é possível circundar totalmente todo o processo de adequação.
A experiência da GRTE/Volta Redonda começou de forma quase intuitiva,
tendo que se ressaltar a iniciativa dos Auditores-Fiscais do Trabalho, que atuam
exclusivamente no âmbito da segurança do trabalho. Isto ajuda a explicar o
porquê que esse modelo de mediação vem sendo deflagrado a partir da
Inspeção do Trabalho. Este traço, no entanto, não parece ser da essência do
modelo. Pelo próprio conceito de Mesa Redonda, nada impediria que a
proposta de mediação fosse encaminhada pela própria empresa interessada, ou
pelas entidades sindicais. O fundamental, nesta questão, é que a Inspeção do
Trabalho tome seu lugar num dos polos da mediação. Processualmente, a
condução interna dessa mediação não dispensa uma apreciação técnica da
situação da empresa, algo que só a Inspeção do Trabalho pode realizar.

21
Finalizar, aqui, significa cumprir integralmente o cronograma de adequação negociado com o Ministério do
Trabalho e Emprego.

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AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

Considerações finais

Apesar da longa e consolidada tradição do Ministério do Trabalho e


Emprego, no que tange à oferta de espaços de negociação de conflitos
trabalhistas, percebe-se algo de assistemático no modelo de mediação em
Mesas Redondas. Não que a sistematização seja da essência do modelo,
principalmente no que se refere ao aspecto procedimental, e mesmo no que se
refere aos limites materiais dos consensos obtidos no âmbito das Relações de
Trabalho. Mas a ausência da integração necessária com o Sistema de Inspeção
do Trabalho confere um traço de irracionalidade à atuação do MTE, nesse
particular.
A experiência que surgiu do dilema em torno da adequação das empresas à
NR 12, levada a cabo pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Volta
Redonda, constitui-se num modelo que tenta romper com essa relação
assíncrona entre Inspeção do Trabalho e Relações de Trabalho. A estratégia é
elevar a representação fiscal ao nível de polo do processo de negociação, e não
de mero assistente do mediador. Nessa condição, a Inspeção do Trabalho
constrói o consenso, e desta forma o legitima formalmente. Por outro lado, a
coação moral que se impõe ao mediador, aliada à sua experiência e
qualificação, esta sistematicamente patrocinada pelo MTE, permite que se
contenha a força coativa da representação fiscal, durante a Mesa Redonda,
abrindo a possibilidade de consensos materialmente mais adequados, e com alta
probabilidade de que sejam efetivamente cumpridos. Os resultados são
incipientes, mas inspiradores. Ao que tudo indica, o modelo foi bem recebido
pela comunidade industrial Sul-Fluminense. Mas é um modelo em construção,
e é certo que há muito que ajustar, até porque o maior desafio é, certamente,
sistematizá-lo no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego.

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78
AS MESAS REDONDAS E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DA NR 12:
UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE INSPEÇÃO DO TRABALHO E
RELAÇÕES DO TRABALHO, NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO

Gerenciamento do Processo. Revolução na Prestação Jurisdicional. Guia prático para a


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WEBER, Max. Economia e Sociedade, vol 1. Brasília: Ed. UnB, 2009. p. 1002. 2v.

79
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME,
CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS PARA O SISTEMA DE
JUSTIÇA CRIMINAL

Márcia Adriana Oliveira Fernandes

O sistema de justiça criminal na América Latina tem experimentado, desde


a década de 90, o aperfeiçoamento das leis processuais penais, buscando um
viés mais garantista, reconhecendo os acusados como sujeitos de direitos.
Paralelamente a esse processo de aprimoramento legislativo percebe-se um
incremento nos índices de encarceramento. Somem-se a isso, os altos índices de
reincidência criminal, que no Brasil, segundo o Departamento Nacional de
Política Penitenciária, está em 80%. Por outro lado, pesquisas evidenciam a
descrença da população no Poder Judiciário. Nesse contexto é fácil perceber a
necessidade de se buscar novas formas de enfrentar a questão da criminalidade.
É preciso investir em modelos que valorizem a participação da vítima e que
apostem na efetiva responsabilização dos autores. A Justiça Restaurativa
apresenta-se como um novo paradigma de justiça criminal. No Brasil, há um
projeto em andamento na cidade de Porto Alegre/RS, Brasília/DF, São Caetano
do Sul/SP e Joinville/SC. Em Porto Alegre, inicialmente, destinava-se a poucos
casos envolvendo menores infratores. Atualmente, o modelo de Justiça
Restaurativa está sendo aplicado em escolas e comunidades, levando à
comunidade uma cultura de paz e diálogo, demonstrando na prática que outro
caminho é possível.

Introdução

Tecer considerações sobre o sistema de justiça criminal, seus limites e


possibilidades pressupõe, necessariamente, analisar o sistema carcerário e a
pena privativa de liberdade, os quais, segundo leciona Bitencourt (1993)
encontram-se em processo de falência.
O final da década de 80 e início dos anos 90 marcam profundamente o
ordenamento jurídico brasileiro. Em 1988 surge a chamada Constituição
Cidadã, instituindo uma nova ordem jurídica, cujo conteúdo encontra-se em
consonância com os valores de um Estado Democrático de Direito (STREK,
MORAIS, 2006). De um lado, restringe os poderes do estado ao estabelecer
uma esfera de direitos sobre os quais não é possível transigir, e, de outro, eleva

80
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

os cidadãos à condição de sujeitos de direitos, cujas garantias encontram-se


enumeradas no art. 5º, da Carta Magna.
Paralelamente ao processo de redemocratização do país é possível perceber,
em especial no início dos anos 90, o recrudescimento crescente da legislação
penal. Mudanças legislativas para estabelecer penas mais elevadas, vedação da
possibilidade de progressão de regime prisional e criação da categoria crime
hediondo são características da legislação criminal brasileira.
Contudo, o endurecimento da legislação em matéria penal não imprime
reflexos nos índices de reincidência e criminalidade, evidenciando a pena
privativa de liberdade não cumpre seus fins proclamados.
Por outro lado, para além do plano teórico, é preciso questionar quais são os
objetivos possíveis de serem alcançados com a privação da liberdade de jovens
e adultos, se levarmos em consideração a situação das prisões brasileiras e dos
locais de internação.
O incremento da legislação penal e processual penal traz consequências
diretas para o sistema prisional brasileiro. Prisões superlotadas, com péssimas
condições de atendimento, estrutura física deterioradas, falta de atendimento
médico e jurídico são alguns dos problemas decorrentes da inflação legislativa.
Situação que também se faz presente nos estabelecimentos destinados à
internação de adolescentes.
A opção preferencial pela pena de prisão pode ser percebida se analisarmos
a taxa nacional de encarceramento, isto é, 269,79 pessoas presas por cem mil
habitantes. De acordo com o mesmo relatório divulgado (DEPARTAMENTO
PENITENCIÁRIO NACIONAL – (DEPEN, 2011) – em dezembro de 2011 a
população carcerária do país era de 514.582 (quinhentos e catorze mil e
quinhentos e oitenta e duas) pessoas privadas da liberdade. Conforme relatório
divulgado pelo International Centre Prision for Prison Estudies, do King’s
College London1, o Brasil possui a quarta maior população prisional do mundo.
Porém, é preciso estar atento para o fato de que prender mais não é
sinônimo de redução dos índices de criminalidade. Nesse contexto, é claro o
divórcio existente entre os fins declarados da pena privativa de liberdade,
ressocialização e prevenção, e a realidade.
A proposta resssocializadora não leva em consideração que a prisão é uma
instituição total, e, como tal pressupõem que a sobrevivência no cárcere impõe
a necessária assimilação de regras e valores dispares dos princípios que

1
Disponível em <www.prisonstudies.org>, consultado em 10/06/2012.

81
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

orientam a sociedade extramuros. Assim, quanto mais o preso estiver adaptado


à prisão, mais difícil será o processo2 de adaptação à vida em sociedade.
Por outro lado, os fins preventivos da pena também não encontram respaldo
no mundo real. No que tange à finalidade preventiva especial, isto é, levando
em consideração a pessoa do delinquente com vistas a evitar a prática de novos
delitos. Quanto a isso os dados do DEPEN e CNJ falam per se. Diante da
informação de que os índices de reincidência estão em torno de 80% não há que
se falar em prevenção especial.
Além disso, sobre o caráter preventivo especial – efeitos psicológicos da
punição sobre a sociedade – analisemos o caso do crime de tráfico, delito
equiparado aos crimes hediondos e que recebe, desde a década de 90, um
tratamento jurídico extremamente severo, marcado por mais de 15 anos pela
impossibilidade de progredir de regime. As informações insertas no Relatório
Estudos da Prisão Provisória e Lei de Drogas (NÚCLEO DE ESTUDOS DA
VIOLÊNCIA/UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – NEV-USP, 2011)
indicam que de 2006 a 2010 a população prisional por tráfico teve um aumento
de 124%. Se efetivamente o rigor da legislação penal produzisse algum efeito
sobre os indivíduos, impedindo-os de praticar delitos, seria possível perceber a
estagnação dos índices criminalidade. Desse modo, quanto mais rigorosa a
legislação, menores os indicadores de criminalidade.
A suposta eficiência do paradigma punitivo há muito tempo está em
cheque! Impõe-se a necessidade, premente, de se buscar outras formas de
interpretação e efetivação do sistema de justiça criminal. É preciso resignificar o
papel dos sujeitos no processo criminal, bem como, desde uma leitura
prospectiva, encontrar novas formas de pensar o crime, o infrator e a vítima.

I. Crime e punição: considerações necessárias

Para o Direito crime é a conduta que lesiona ou ameaça de lesão um bem


(interesse) tutelado pelo Direito. E, para ser possível aplicar a respectiva
punição é necessária a realização do devido processo, observando-se as
garantias asseguradas aos réus.
Porém, como afirma Santos (2006) é preciso distinguir os objetivos
declarados dos objetivos reais do Direito Penal. De um lado o discurso oficial
sustenta a funcionalidade do Direito Penal na proteção a bens jurídicos e na
necessidade de manutenção da paz social.
Conforme leciona Portanova (1992) trata-se de uma visão tradicional do
direito, segundo a qual “o mundo e a sociedade são naturalmente harmônicos”.
2
Para GOFMANN esse processo é chamado de prisionização e é necessário para possibilitar a sobrevivência nas
instituições totais.

82
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

E, para assegurar essa harmonia cabe ao Poder Judiciário aplicar a lei àqueles
que violarem a ordem estabelecida. Nesse contexto, a Lei simboliza a ideia de
segurança jurídica, eis que é aplicada a todos indistintamente e de forma
equânime. Além disso, a noção de segurança jurídica é reforçada pela
compreensão de que a Lei será aplicada ao caso concreto por um julgador
imparcial. A Lei é axiologicamente neutra e todo o jogo de interesses existente
no processo legislativo é desconsiderado.
É fácil perceber, desde uma perspectiva crítica, que tais argumentos cedem
facilmente ao contato com a realidade. Não é possível olvidar os fins reais do
Direito Penal enquanto “centro de estratégia de controle social das sociedades
contemporâneas”(SANTOS, 2006). O processo de criminalização primária
atribuiu a determinadas condutas o status de crime. A conduta não é
ontologicamente criminosa, mas é adjetivada como tal em razão de motivos
políticos, sociais, culturais e econômicos. Como esclarece Batista (2011) o
crime não é produto da natureza, mas algo construído pelas sociedades.
Assim, ao longo da história da humanidade é possível perceber as diferentes
formas de lidar com o crime e a punição. O trajeto percorrido entre as penas
corporais e de morte até a instituição da pena privativa de liberdade como
principal resposta para o crime foi longo e cruel. Assiste razão a Ferrajoli
(2005) quando afirma que a história das penas é mais sangrenta que a história
dos crimes. Esclarece o autor que o Direito Penal é uma técnica de repressão
que se manifesta através de restrições sobre os indivíduos desviantes e também
sobre os não desviantes. Daí a necessidade de justificar os custos causados.
Por isso, entende-se que a prisão representou um avanço e “humanização”
na forma de punir. Paulatinamente a pena de prisão passou a ocupar um lugar
de destaque entre as sanções, sendo considerada a principal das penas. De
acordo com Zehr

As prisões mesmas foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos
corporais e à pena de morte. O encarceramento deveria atender às necessidades
sociais de punição e proteção enquanto promovem a reeducação de ofensores. Uns
poucos anos depois de sua implementação, as prisões tornaram-se sede de
horrores e nasceu o movimento de reformulação da prisão. (2009)

A despeito da eterna crise de legitimidade da pena privativa de liberdade, no


âmbito do Direito Penal, ainda não foi possível pensar para além da pena de
prisão, superar a ideia de reformar o que é ontologicamente irreformável, bem
como a crença de que o sofrimento pode servir como estratégia pedagógica
para a adequação de comportamentos (AGUINSKI, BRANCHER, 2004).

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Nesse sentido impende concordar com Sica (2002) quando afirma que “a
evolução do pensamento humano e a conformação do conceito de Estado
Democrático de Direito passaram a exigir do Direito Penal mais do que
vingança pública, a mera expiação da culpa, ou ainda, sua duvidosa eficácia
dissuasória.”
Ao analisarmos os custos/benefícios, tão ao gosto da ideologia capitalista,
da onda punitiva (WACQUANT, 2003) conclui-se com Pallomolla (2009) que
a ideia de retribuição não traz benefícios para a sociedade e tampouco para o
infrator, adulto ou adolescente. Além disso, a falência não é somente da pena
privativa de liberdade, mas do sistema de justiça criminal.
Em última analise, essa funcionalidade do sistema de justiça criminal
evidencia o fracasso da política criminal adotada. De um lado, as opções são
limitadas às políticas repressoras (“lei e ordem”). O criminoso é visto como um
inimigo da sociedade, motivo pelo qual não é merecedor de direitos
(ZAFFARONI, 2007). O que muda de acordo com o tempo e lugar são os
critérios utilizados para determinar quem são os inimigos3 (terroristas,
traficantes, imigrantes etc.).
Do outro lado, estão as políticas pautadas na utilização racional do Direito
Penal (Direito Penal Mínimo e Garantismo Penal). O Direito Penal, e, em
última instância, a pena privativa de liberdade, devem ser utilizados com
parcimônia. O criminoso, desde que respeitadas as garantias penais e
processuais constitucionais, deverá sujeitar-se a sanção, cuja preferência é pela
pena privativa de liberdade, isto é, o criminoso adquire o status de inimigo com
direitos.
Como se percebe, inobstante aos alertas doutrinários sobre a falta de
legitimidade da pena de prisão, essa forma de punir e causar sofrimento ao
criminoso continua sendo a pedra angular dos sistemas de Justiça Criminal.
Entretanto, o problema não se resume somente à falência da pena privativa de
liberdade. O que precisa ser questionado é o próprio paradigma retributivo. Por
que punir? Para que punir? Não estamos respondendo à violência do crime com
a violência da pena? A pena é uma resposta satisfatória para a vítima e para o
criminoso?
O processo e a pena não possuem um caráter prospectivo. O foco é o
passado: provar que o delito ocorreu e que o acusado foi o seu autor para, ao
final, aplicar uma pena. Quanto a esse aspecto a atividade jurisdicional
restringe-se às provas coletadas nos Autos de Prisão em Flagrante, pois, a
maioria dos processos criminais ocorre com a prisão do suposto autor no
momento, ou logo após, a prática do ato delitivo. Somem-se a essas provas

3 Alusão à obra “Quem são os Criminosos” de Augusto Thompson.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

periciais as declarações das testemunhas (via de regra os policiais condutores) e


da própria vítima. O esforço para determinar a autoria e materialidade é muito
pequeno, mas com consequências demasiadas severas para a vítima, para o
réu/condenado e para a sociedade.
Determinar que o causado é o culpado constitui o cerne do processo. E,
como alerta Zehr (2009) “uma vez estabelecida a culpa diminui a preocupação
com direitos e garantias, e com o próprio resultado do processo”. Em termos
práticos, a condenação não guarda nenhuma relação com a resolução efetiva do
conflito que lhe deu origem, bem como com as necessidades dos envolvidos.
A vítima não é ouvida. Sua função é informar se o crime ocorreu e de que
forma aconteceu o fato, bem como esclarecer se o acusado é o ator da conduta.
Não há um trabalho específico para as vítimas. Os verdadeiros efeitos da
experiência com o crime não são tratados no processo.
Por outro lado, determinado que o réu é culpado é só iniciar o cumprimento
da pena. Não há preocupação com os efeitos deletérios da privação da liberdade
na vida do condenado, sua família e comunidade. Some-se a essa ausência de
efeitos positivos na pena privativa de liberdade o estigma gerado pela
condenação. Aqui está a marca mais profunda de que o processo e a pena têm
suas bases fincadas no passado. O crime permanecerá para todo o sempre com
o condenado, ou como menciona Soares (2011) “o sujeito ficará acorrentado ao
seu crime”.
Conforme explica Zehr (2009) a noção de culpa que faz parte do senso
comum, e também dos juízes e promotores de justiça, é moral. A culpa
funciona como se fosse uma qualidade moral da pessoa. Assim, a imposição do
rótulo de culpado é mais um estigma resultante do processo retributivo.
Desse modo, ante da constatação de que o paradigma da retribuição,
pautado na privação da liberdade, não apresenta respostas satisfatórias para as
reais necessidades dos envolvidos, impõe-se a busca por outras formas não
violentas de resolução de conflitos e mais adequadas com os valores
informadores de um Estado Democrático de Direito.

II. Justiça restaurativa

A partir da década de 70 se intensificaram as críticas ao paradigma


retributivo, ficando evidente que a pena privativa de liberdade não possui um
caráter pedagógico. Desde a constatação da ausência de legitimidade da pena de
prisão, teve início a busca prática por estabelecer novas formas de compreender
o Sistema de Justiça Criminal, bem como de abordar o crime. É preciso
ressaltar que não se trata de instituir novas formas de punição, mas criar um

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

novo modelo pautado em outros valores. A mudança de paradigma parte da


alteração na forma de perceber o crime, o criminoso, a vítima e as
consequências que deverão ser abordadas.
Para Pallomolla (2009) os antecedentes da Justiça Restaurativa encontram-
se nos movimentos abolicionista e na vitimologia. Por sua vez, Zehr (2009), a
partir de fundamentos religiosos, como o perdão, redefine a relação criminoso –
ofensor – crime – punição. Para o autor o crime transcende a ideia de infração à
lei, representa uma violação das relações pessoais e, gera necessidades para os
envolvidos que precisam sem consideradas pela Justiça.
Em que pese o mérito dos argumentos supracitados, merece destaque a
construção teórica elaborada por Konzen (2007) ao utilizar como suporte a
Ética da Alteridade, formulada por Emmanuel Levinas. Apropriando-se das
categorias propostas por Levinas: o Outro, ética do encontro, Justiça e Ética da
Alteridade.
Ao contrário do que ocorre com o sistema acusatório de tradição retributiva,
no qual os sujeitos são reduzidos a rótulos, conceitos (o criminoso, o presidiário
etc.), a Ética da Alteridade reconhece o Outro como pessoa, sujeito com direito
de fala. É no encontro face-a-face, olhos nos olhos que surge a consciência
ética, pela instalação do humano. Acrescenta o auor que a não-submissão
recíproca dos falantes é instituidora do respeito, que se manifesta pela
linguagem, sinônimo de responsabilidade.
Assim, propõe o autor, com base no pensamento de Levinas, que a Ética da
Alteridade sirva de estatuto ético de justificação da Justiça Restaurativa,
aduzindo que

Se o sentido da existência humana está na responsabilidade de uns pelos outros (eu


mais do que todo mundo), se o humano só se dá pela prioridade do Outro em
relação ao Mesmo, pela prioridade do Tu em relação ao Eu, pela não-indiferença
de Eu ao tu, se a Justiça é um direito a palavra e se é no encontro , rosto a rosto,
face-a-face, o locus de nascimento da consciência ética, então pronuncia-se uma
carta principiológica que não só coloca em crise todo o paradigma retributivo,
inclusive o absolutismo garantista das formas do sistema acusatório estruturado na
premissa da prevalência da liberdade como bem absoluto cuja limitação é causa
de escândalo, mas também anuncia-se em formato de boa nova a legitimidade da
existência de escolhas

Embora exista divergência entre os autores pesquisados quanto aos


fundamentos adotados, é consenso a necessidade de superar o paradigma
retributivo através modelo de Justiça Restaurativa.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

II.i. Delimitando um conceito de justiça restaurativa

Muitas são as formas de denominar as práticas restaurativas, dentre elas,


como aponta Jaccound (2005): justiça transformadora ou transformativa, justiça
relacional, justiça recuperativa, justiça restaurativa comunal, sendo que a
expressão justiça restaurativa é predominante. Porém, alerta a autora que essa
diversidade de denominações envolve múltiplas formas e procedimentos
restaurativos, sendo por isso, mais pertinente pensar a Justiça Restaurativa
como um “conceito eclodido”.
Esclarece Saliba (2009) que a multiplicidade conceitual deve-se ao
constante processo de discussão e aprimoramento, ratificando a preferência dos
doutrinadores pela expressão Justiça Restaurativa. Na concepção Do autor é a
opção mais adequada por que compreende a vítima, o autor e a comunidade.
Considerando que ao longo dos anos as práticas restaurativas passaram por
transformações, o que implicou na alteração conceitual, Pallomolla (2009)
sustenta que “Justiça restaurativa não só é um conceito aberto como também
fluído”.
Não é uma tarefa simples encerrar em uma ou duas palavras toda a
complexidade que envolve as práticas restaurativas: encontros vítima-ofensor,
mediação, participação da comunidade, responsabilização do ofensor, reparação
dos danos causados e restauração das relações sociais afetadas. Contudo, nos
socorremos das lições de Neto (Apud PINTO, 2005) para elucidar o que se
compreende por Justiça Restaurativa

“fazer justiça” do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às


infrações e a suas conseqüências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela
sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a
ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de
todos dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de
justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na
sua reparação, perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça,
significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; de sorte que
todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a
oportunidade de participar do processo restaurativo

Ressaltamos também a conceituação proposta por Jaccound (2005)

A justiça restaurativa é uma aproximação que privilegia toda a forma de ação,


individual ou coletiva, visando corrigir as consequências vivenciadas por ocasião
de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes ligadas a
um conflito.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Acrescente-se a contribuição de Konzen (2007) aduzindo que é possível


compreender as práticas restaurativas como uma forma de solução pacífica e
dialogada de conflitos pelos próprios interessados. Desse modo, desde uma
perspectiva de que estamos lidando com um conceito forjado desde as práticas
restaurativas que são desenvolvidas e aprimoradas, importante considerar que o
fim restaurativo de restabelecer as relações que foram abaladas com o crime é o
elo que une todas as (re)definições.

II.ii. Princípios informadores

Em que pese a dificuldade de delimitar um conceito para a Justiça


Restaurativa, é mais ou menos uniforme a relação de princípios/valores que
devem orientar as práticas restaurativas, sendo certo que a vítima é protagonista
desse modelo. Além disso, são formas de resolução de conflitos voltadas para o
futuro, isto é, prospectivas, cuja preocupação central é construir uma solução
que atenda a necessidade das partes.
No plano legal vamos utilizar como marcos regulatórios dos princípios
básicos que devem orientar as práticas restaurativas a Resolução do Conselho
Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU, 2002) – referência internacional; e a Carta de
Araçatuba (2005), de âmbito nacional.
No intuito de reunir a diversidade de princípios informadores da Justiça
Restaurativa Saliba (2009) propõe a seguinte classificação: a) Princípios do
processo comunicacional (respeito mútuo entre as partes, co-responsabilidade
ativa dos participantes, envolvimento da comunidade, dentre outros); b)
Princípio da resolução alternativa e efetiva dos conflitos (atenção às pessoas
envolvidas no conflito com atendimento as suas necessidades e possibilidades);
c)Princípio do Consenso (respeito mútuo entre os participantes, autonomia e
voluntariedade na participação das práticas restaurativas, co-responsabilidade
ativa dos participantes, respeito à diversidade); d) Princípio do respeito absoluto
aos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana (esse é o princípio é o
fio condutor de todas as práticas restaurativas) .
Por sua vez Carvalho (2005) enumera os princípios da Justiça Restaurativa
da seguinte forma:

(i) empoderamento do ofensor por meio do desenvolvimento de sua


capacidade de assumir responsabilidade sobre seus atos e de fazer suas
escolhas;
(ii) reparo de danos, ou seja, contrariamente à Justiça estritamente
retributiva, que se atém exclusivamente ao ofensor, a Justiça Restaurati-

88
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

va enfoca também a vítima, seu grupo familiar e suas necessidades a


serem reequilibradas;
(iii) e, por fim, resultados integrativos, restaurando a harmonia entre
os indivíduos, re-estabelecendo o equilíbrio e identificando e provendo,
por meio de soluções duradouras, necessidades não atendidas.

Para Braithwaite (2005) “é necessário valorizar a cura mais do que o


ferimento, buscando a injustiça, restaurando (especialmente as relações
humanas), muito mais do que a punição. O mais fundamental seria valorizar a
democracia, especialmente o núcleo dos valores democráticos, tais como ouvir
e tratar todas as vozes com igual respeito.”
Importante mencionar que a reparação (real ou simbólica) dos danos
causados pelo crime é um dos princípios informadores da Justiça Restaurativa.
O dano material precisa ser reparado, e, se faz necessária a assistência
especializada para os problemas de ordem psicológica decorrentes da experiên-
cia com o crime.

II.iii. Práticas restaurativas

Como mencionado anteriormente não existe uma fórmula única para as


práticas restaurativas. Muito pelo contrário, tendo em vista que se trata de um
modelo em construção é bem possível que surjam outras práticas para além das
que vamos tratar no presente artigo.

(i) mediação vítima-ofensor: trata-se do encontro entre a vítima e o


ofensor acompanhados por um mediador que terá como função facilitar
o diálogo entre as partes. Conforme esclarece Birol (2010) esses
encontros têm por finalidade proporcionar o diálogo e a conciliação.;
(ii) conferências de famílias: como o próprio nome sugere são
encontros que transcendem às partes envolvidas. Segundo Pallomolla
(2009) trata-se de pratica utilizada na Nova Zelândia para casos de
adolescentes em conflito com a lei.;
(iii) círculos restaurativos: são encontros realizados entre o ofensor,
a vítima, seus familiares, demais envolvidos da comunidade e
profissionais (assistentes sociais, representantes da Poder Judiciário) que
atuam facilitando o diálogo e a busca de uma solução.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

II.iv. Justiça restaurativa no Brasil

O Ministério da Justiça brasileiro, desde 2005, está fomentando a utilização


de práticas restaurativas em nosso sistema jurídico através do Programa
“Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, atend-
endo as recomendações da Organização das Nações Unidas.
No Brasil existem três programas de Justiça Restaurativa em
desenvolvimento: na cidade de São Caetano do Sul/SP e Porto Alegre/RS – na
área da infância e juventude e, em Brasília/DF – atuando junto ao Juizado
Especial Criminal. Consoante pesquisa desenvolvida (BENEDETTI, RAUPP,
2007) são programas que utilizam práticas restaurativas diferentes, motivo pelo
qual apresentam distinções.
Quanto ao programa desenvolvido em São Caetano do Sul as autoras
chamam a atenção para sua peculiaridade, eis que atua na esfera judicial (Vara
da Infância e Juventude) e também na área da educação (três escolas estaduais).
Conforme Mello (2012) o “projeto teve como foco inicial os atendimentos e aos
poucos foi se transformando em práticas de disseminação da cultura de paz e
dos princípios e valores norteadores da Justiça Restaurativa”.
De acordo com o trabalho acima mencionado o programa é coordenado
pela Vara e Promotoria Infância e Juventude. Em ambas as instâncias são
utilizados como procedimentos os círculos restaurativos. Os critérios de seleção
dos casos no âmbito judicial são: admissão da responsabilidade pelo
adolescente e vontade de acolher a vítima. Em sede escolar a atuação é mais
ampla, pois qualquer caso pode ser encaminhado ao programa, com especial
atenção para os casos de bullying, sendo permitida a participação de crianças
(menores de 12 anos), o que não ocorre em juízo.
Levar a concepção de justiça restaurativa para as escolas constitui um
aspecto positivo, na medida em que institui a cultura de paz como um novo
paradigma das relações interpessoais, permitindo, efetivamente, a resolução dos
conflitos sem que seja necessária a intervenção judicial.
Em Porto Alegre, o projeto teve início junto a 3ª Vara da Infância e
Juventude, cuja atuação é voltada para a execução das medidas sócio-
educativas. Nesse caso, a incidência das práticas restaurativas ocorre após o
trâmite processual destinado a apurar o ato infracional e “estabelecer a culpa”
do infrator.
Embora seja possível a utilização das práticas restaurativas (JACCOUND,
SLAKMON, 2005) no âmbito da execução da pena ou medida sócio-educativa,
há que se convir que, levando em consideração os valores restaurativos, em
especial permitir que os envolvidos construam a solução que julgarem mais

90
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

apropriadas para o caso, esse não é o momento mais oportuno para a utilização
dos procedimentos restaurativos.
Segundo a pesquisa acima referida os critérios utilizados para selecionar os
casos são: admissão da autoria pelo adolescente, identificação da vítima, e não
se tratar de fato análogo a homicídio, latrocínio, estupro e conflitos familiares.
Além desses, constitui requisito para participar do programa a aceitação
voluntária dos envolvidos.
Atualmente o programa ampliou suas fronteiras para a comunidade, para o
Judiciário e também nas escolas, não estando limitado ao universo jurisdicional.
Conforme esclarece Santos, D., ( 2012) em 2010, a partir de uma iniciativa do
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, inserida no projeto “Justiça
para o Século XXI”, teve inicio o projeto Justiça Restaurativa Juvenil na
comunidade. Em determinados casos os adolescentes infratores são
encaminhados para as Centrais de Práticas Restaurativas.
Para Aguinsky e Brancher (2004) a adoção de práticas restaurativas no
âmbito da execução da medida sócio-educativa tem como paradigma a redução
de danos:

A Justiça Restaurativa tem sido acolhida na experiência de Porto Alegre


justamente como eixo estruturante e ordenador das concepções disfuncionais do
sistema de execuções sócio-educativas, buscando reduzir o dano de violência
cultural, institucional e historicamente instaladas nas formas usuais de
responsabilização penal dos adolescentes submetidos à jurisdição sócio-educativo.

Apesar do programa restaurativo, em juízo, restringir-se ao processo de


execução da medida socioeducativa, conforme propõe Konzen (2012) é
possível optar pela aplicação das práticas restaurativas em momento anterior,
envolvendo a própria comunidade. É preciso privilegiar procedimentos que
favoreçam a construção de um caminho diferente.
A partir de informações extraídas da pesquisa de Benedetti e Raupp (2007),
tem-se que o projeto de Justiça Restaurativa em andamento em Brasília/DF está
vinculado ao 1° e 2° Juizados Especiais Criminais do Núcleo Bandeirantes.
Desse modo, o programa atua com os chamados delitos de menor potencial
ofensivo utilizando-se da prática do encontro de mediação vítima-ofensor, cuja
participação é voluntária. Além disso, são critérios de seleção de casos:
“conflitos em que os envolvidos mantêm vínculo ou relacionamento que se
projetam para o futuro e que o conflito permanece, casos em que há necessidade
de reparação emocional ou patrimonial”.
Como se vê, as experiências reais com a implementação do paradigma da
Justiça Restaurativa são díspares em razão de adotarem práticas restaurativas

91
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

diferentes ou de atuarem com delitos diversos. Contudo, tem em comum o


propósito de empoderar os envolvidos, direta e indiretamente, no conflito, bem
como de permitir a construção de soluções não violentas e suas conseqüências
prospectivas.
Apesar de ambos os projetos atuarem de maneira limitada, pontual, em
alguns casos, como Porto Alegre/RS e São Caetano do Sul/SP percebem-se o
processo de aprimoramento, constante, dos procedimentos com vistas a ampliar
a esfera de abrangência dos programas, e, sobretudo, vencer as resistências
sociais e institucionais arraigadas no modelo de justiça retribucionista.

Considerações finais

Há muito tempo que estudiosos do sistema de justiça criminal apontam


vários aspectos que contribuem para a falência do paradigma retributivo, bem
como para a crise de legitimidade da pena privativa de liberdade. Contudo, é
preciso superar a ideia de reformar para continuar da mesma forma, como
sempre foi.
Faz-se necessário, independente dos fundamentos filosóficos adotados,
instaurar uma nova forma de enfrentar as consequências geradas pelo delito.
Nesse sentido,
importante a contribuição, teórica e prática, da Justiça Restaurativa
permitindo um novo olhar sobre o crime, que deixa de ser compreendido como
mera infração da Lei, e passa a ser entendido em uma dimensão mais ampla,
como uma conduta que causa consequências para ambos os envolvidos.
As lentes que permitem visualizar um caminho diferente são orientadas pela
necessidade de escuta da vítima e da responsabilização do autor do fato,
permitindo-lhes participar ativamente da construção da solução mais adequada.
O protagonismo dos envolvidos é importante para o processo de construção de
respostas voltadas para restauração das implicações geradas a partir da
experiência com a prática delitiva. O envolvimento da comunidade também
assume papel de destaque no modelo restaurativo. Outro aspecto relevante
nesse modelo de restauração é a preocupação com o futuro dos envolvidos, na
medida em que não se limita a estabelecer a culpa, mas volta-se para uma
responsabilização compartilhada, construída pelos envolvidos com vistas à
redução dos danos.
Em vários países, há mais de 20 anos, existem experiências na área da
Justiça Restaurativa. No Brasil, estamos experimentando um processo de
aproximação e sensibilização com o modelo restaurador. São três projetos em
andamento. Contudo, é possível perceber uma ampliação da abrangência
estabelecida inicialmente, saindo do universo jurídico (restrito a atos

92
JUSTIÇA RESTAURATIVA: REFLEXÕES SOBRE CRIME, CASTIGO E NOVOS PARADIGMAS
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
MÁRCIA ADRIANA OLIVEIRA FERNANDES

infracionais e crimes de menor potencial ofensivo) para alcançar as escolas e


comunidade. A mudança de locus de atuação permite que a Justiça Restaurativa
desempenhe a função de restauração, na medida em que fornece à comunidade
os instrumentos necessários para resolverem seus próprios conflitos.
Esse processo de transformação de perspectiva não é fácil, pois o novo
sempre assusta e enfrenta resistências muito grandes. Porém, não é mais
possível continuar apostando em um modelo de justiça criminal em que todos
perdem. Os primeiros passos estão dados, agora é continuar caminhando em
busca de formas não violentas de resolução dos conflitos sociais.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

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94
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS
HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS

Clarisse Inês de Oliveira

O presente artigo analisa a prática da mediação extrajudicial em uma área


pouco explorada academicamente: o Direito do Trabalho. As relações
conflituosas decorrentes das relações laborais compreendem direitos de
natureza patrimoniais que muitas vezes encontram obstáculos para uma
composição fora da tutela do poder coercitivo ao Estado. Os desafios de se
superar a cultura da onipresença estatal na esfera trabalhista não são poucos,
tanto em âmbito de dissídios individuais quanto em dissídios coletivos.
Historicamente os direitos trabalhistas sempre foram judicializados, muito antes
de se discutir a temática do ativismo judicial, de modo que a adjudicação do
conflito por parte do Estado é chancelada por empregados e empregadores,
desafiando uma nova concepção de arranjo institucional para a solução de
conflitos laborais.

Introdução

O Brasil ainda enfrenta muitos desafios a serem superados na aplicação do


instituto da mediação. O ordenamento jurídico brasileiro, originário do legado
da tradição romano-germânica, depositou nas mãos do Estado a tutela dos
interesses dos cidadãos e a consequente prerrogativa de dirimir os conflitos
decorrentes de tais interesses, muitas vezes conflitantes, fazendo uso da força
coercitiva estatal, se necessário.
A alternativa do uso da mediação no campo do Direito do Trabalho
encontra terreno ainda mais arenoso, pelo envolvimento dos direitos
patrimoniais nele contidos. A correlação de forças empregado X empregador
torna litigiosa muitas relações não mais existentes que vinculavam as duas
partes no passado e que no presente devem equacionar o conflito. Entender o
instituto da mediação e afastar antigos dogmas existentes nas relações laborais
para aplicá-la tanto na esfera coletiva quanto individual são o objetivo central
do presente artigo, apresentando um caso concreto como estudo empírico da
aplicação do instituto da mediação em dissídios individuais.
Algumas questões norteadoras, contudo, merecem ser trazidas à baila
quando pretendemos aplicar a mediação no campo do Direito do Trabalho. As
relações desfeitas oriundas do contrato de trabalho entre empregado e

95
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

empregador em geral terminam com o desfecho do contrato em si, não havendo


outros equacionamentos perenes a serem solucionados, como o que ocorre com
mais habitualidade no campo do Direito de Família, onde perduram relações
entre filhos e genitores.
No campo do Direito Individual do Trabalho, não podemos falar em
relações de afeto ou laços parentais que persistem mesmo após o término das
relações inicialmente pactuadas.
O mesmo não ocorre nas relações coletivas de trabalho, onde os sujeitos
coletivos da relação empregador X empregado devem sentar-se à mesa
anualmente para rever condições de trabalho defasadas, perpetuando um
vínculo a exigir negociação mútua e concessões recíprocas.
Contudo, mesmo em se tratando de relações individuais de trabalho, há
especificações que merecem atenção especial por diferir do contrato que visa à
exploração do lucro empresarial, como o que ocorre nas relações com o
empregado doméstico, cuja proximidade familiar do empregador pode dar
ensejo à alternativa da mediação como solução de conflitos fora da esfera
estatal.
A justificativa do tema se agiganta quando o acesso à justiça ao empregado
individualizado se torna mais difícil pela implantação de processo eletrônico em
fase experimental, onde programas de computador não dão conta do número de
demandas a serem ajuizadas, congestionando o sistema e paralisando o ingresso
de novas Ações, limitando por via transversa o acesso à justiça do
jurisdicionado.
Por outro aspecto, na seara dos Dissídios Coletivos, a figura estatal já se
encontra afastada por força de norma constitucional pelo desiderato contido da
Emenda 45/04, que visava à devolução aos atores sociais coletivos o poder de
gerenciar os conflitos, limitando a atuação do Poder Judiciário Trabalhista às
hipóteses em que haja “comum acordo” para ingressar com o Dissídio
Coletivo.
Isto é, os sujeitos coletivos de trabalho somente poderiam ingressar no
Judiciário em conjunto, visando assim um estímulo à negociação coletiva. Nas
hipóteses em que não haja consenso, tampouco comum acordo para litigar, o
instituto da mediação se revela de excelente valia, conforme aconselhamento e
prática de mecanismos internacionais de conciliação e mediação chancelados
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O presente estudo será conduzido pela revisão bibliográfica acerca do tema
em esfera trabalhista, com enfoque no Direito Internacional comparado e
também através de estudo de caso praticado nos atendimentos prestados nas
dependências do Escritório Modelo da Faculdade de Direito IBMEC/RJ.

96
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
CLARISSE INÊS DE OLIVEIRA

I. Mediação e direito do trabalho

A origem etimológica da palavra “mediação” provém do latim mediatitio,


cujo radical med remete à idéia de cura. Logo, mediação deve ser entendida
como intervenção e mediador como intermediário.
A aplicação do instituto da mediação possui caráter universal e com o
Direito do Trabalho não poderia ser diferente. As relações que se estabelecem
no mundo do trabalho desafiam a composição sinalagmática da obrigação de
dar a contra-prestação salarial em troca do trabalho exaurido.
Em que pese vozes consideráveis que vaticinavam o fim do trabalhado
assalariado (GORZ, 2003), hoje se verifica que o trabalho é indissociável da
produção (ANTUNES, 2000), o que desafia o regular equacionamento de
interesses polarizados.
Na esfera dos Direitos Individuais, a tutela do Estado sempre se fez presente
mesmo antes do advento da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.
Hoje, contudo, a miríade de conflitos decorrentes das relações laborais, que
incluem a questão da informalidade, da subcontratação, da precarização, da
terceirização em cadeia, etc.
A grande crítica que se faz ao Direito do Trabalho hoje perpassa pela
ausência de resposta adequada aos fenômenos vivenciados pelos trabalhadores
em tempos de globalização.
A terceirização nem mesmo é admitida normativamente pelo ordenamento
jurídico brasileiro e hoje já encontramos processos de quarteirização e
quinteirização na cadeia produtiva, subsistindo apenas marcas e patentes de
empreendimentos que lançam suas chancelas finais, mas que sequer participam
efetivamente da linha de produção tradicional.
A tradução de conceitos de “empregado” e “empregador” nos moldes
previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, é prescrita
como:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os


riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação dos serviços.
Considera-se empregado toda a pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A leitura das definições legais sob um prisma não atualizado, conferindo


interpretação axiológica de um conceito fechado em si mesmo, prisioneiro do
marco temporal de 1943, como parte do Judiciário Trabalhista vem levando a
efeito, não alcança a tutela jurisdicional vindicada pelos atores, esvaziando a
resposta jurisdicional e deixando à míngua a tutela pretendida por aqueles que

97
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

sentem na pele os efeitos da economia globalizada, que, não por acaso,


pulverizou a figura do empregador e seus consectátios protetivos legais.
Essas formas atípicas de contrato de trabalho, muitas vezes sequer
permitidas por lei, mas que existentes no cotidiano de muitos trabalhadores, já
não contam com a tutela do Estado, conforme inúmeros julgados de
improcedência ou extinção do feito sem resolução do mérito, ante a ausência
dos elementos ensejadores do vinculo empregatício.
A cultura de se adjudicar à figura do Estado a prerrogativa de solucionar os
conflitos, praticada tanto por empregadores, que reclamavam uma segurança no
manuseio das conciliações, a fim de não perpetuar as demandas, quanto por
empregados, que “desconfiavam” de meios alternativos de solução de conflitos,
hoje já começa a ser questionada, ante os hiatos normativos e esvaziamento de
decisões tomadas pelo Judiciário, que muitas vezes conta com um corpo de
Juízes sem formação adequada para julgar os novos conflitos que surgem de
relações econômicas igualmente novas.
O acirramento de ânimos em uma demanda judicial com predisposição de
polarização de interesses, como no caso trabalhista, se torna ainda mais
conflitivo com o aparecimento de figuras como o perdedor e o vencedor da
ação.
Nesse sentido, vale o magistério de (ROBLES, 2009):

[...] a mediação representa uma importante ferramenta, já que possibilita que as


partes compreendam o litígio, que vejam o lado do outro, que recuperem a
comunicação e a autodeterminação, visando solucionar a lide de forma
consensual, através de um acordo por elas mesmas obtido, com o auxílio de um
mediador.

Os desafios de se superar a cultura da onipresença estatal na esfera


trabalhista não são poucos. Vale o registro que, historicamente, os direitos
trabalhistas sempre foram judicializados, muito antes de se discutir a temática
do ativismo judicial.
A “segurança” oferecida pelo Estado, porém, começa a ser questionada ante
os entendimentos conservadores frente a um mundo globalizado do trabalho em
transição.
No Direito Internacional Público, o uso da mediação é comumente
utilizado, o que encontra mais força quando se trata de partes- Nações com
soberanias próprias, em que o uso da força perde o mesmo efeito no cotejo a
uma relação entre particulares.
Em especial, podemos citar as Recomendações e Convenções exaradas pela
Organização Internacional do Trabalho e ratificadas pelos Estados-membros,
em especial a Convenção 151 e a Recomendação 159.

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MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
CLARISSE INÊS DE OLIVEIRA

A Convenção 151 estabelece o Princípio da negociação coletiva no âmbito


da Administração Pública e seus servidores, nas esferas municipal, estadual e
nacional.
Recentemente, a referida Convenção foi ratificada pelo Senado Federal
através do Decreto 7944 de 06.03.13, o que foi comemorado pelo movimento
sindical como uma conquista a obrigar o ente público a negociar com seus
serventuários antes de enviar qualquer projeto de lei ao Legislativo com o fito
de regulamentar determinada situação de impasse.
A resistência histórica do empregador público em negociar com seus
servidores, em qualquer esfera da Administração, faz surgir greves muitas vezes
intermináveis até que a empregador público aceite a negociação com seus
trabalhadores.
Merece o registro que, no caso da Administração Pública, não estamos
tratando do empregador clássico, que sofre as consequências do instrumento de
pressão coletiva dos empregadores - a greve - como forma de dar prejuízo ao
empreendimento empresarial.
Em que pese a Constituição Federal em seu artigo 37, prever o direito de
greve aos servidores públicos, este deve ser entendido como instrumento para
negociação e não um fim em si mesmo. A negociação coletiva na esfera
pública, portanto, estava implicitamente prevista.
Nesse sentido, as conquistas alcançadas não podem ser menosprezadas. A
exigência de uma pauta reivindicatória onde os atores devam negociar,
afastando a ingerência do Estado, atendendo à Convenção 151 da OIT, dá
ensejo a outra pauta vindicatória dos Sindicatos, qual seja, a admissibilidade do
instituto da mediação para composição de conflitos não resolvidos com
prevenção de remessa de demandas ao Judiciário Federal, uma das esferas
menos céleres de todo o Judiciário.
Em que pesem algumas questões nebulosas nos conceitos entre mediação,
conciliação e arbitragem do Direito Internacional, é certo que a União Européia
definiu mediação como um processo estruturado, independentemente da
maneira como é exposto, onde duas ou mais partes litigantes concordem de per
si chegar a um acordo com o auxilio de um mediador.
O caráter de espontaneidade na eleição da forma de solução do conflito é
universal no caso da mediação: as partes livremente concordam com a opção da
mediação, que não possui natureza coercitiva ou impositiva.
A figura de um terceiro para apaziguar e transformar o conflito – o
mediador- seja em esfera individual seja em esfera coletiva, é prevista pela OIT.
Considerar a mediação na relações de trabalho é acima de tudo observar o
conjunto dos métodos existentes e levá-los no cotejo de uma perspectiva atual,

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

onde o Estado já não satisfaz as demandas exsurgentes do mundo globalizado


do trabalho.
A OIT recomenda fortemente a introdução da mediação para fazer frente às
novas demandas e afastar a ingerência estatal que torna ainda mais litigioso o
conflito, a fim de facilitar a negociação entre as partes.
Vale citar aqui e exemplo da Convenção da OIT nº 154 sobre a negociação
coletiva que convoca os Estados membros a desenvolver órgãos e métodos para
a resolução dos conflitos do trabalho de maneira que contribua para a promoção
da negociação em conjunto.
A União Europeia, por seu turno, também enfatiza a importância de existir
recursos para soluções amigáveis em casos de disputas coletivas de trabalho,
como expõe a Carta de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores de 1989.
A Carta afirma primeiramente que o direito de recorrer à greve, em casos de
conflito de interesses em ações coletivas, deve estar sujeito às normas das
regulamentações nacionais e dos acordos coletivos.
Para as estruturas dedicadas à mediação dentro das relações de trabalho,
existem aquelas que dispõem de competências gerais e outras com abrangência
mais limitada.
A instauração de tais estruturas resulta da iniciativa de autoridades
governamentais, podendo ser citado como exemplos no Direito Comparado a
Federal Mediation & Conciliation Service dos EUA, o Instituto de Mediación,
Arbitrage y Conciliación da Espanha, o Medlinginstitutet, da Suécia e o
National Institute for Reconciliation and Arbitration da Bulgária.
Porém, continuam sendo poucos os Estados onde os parceiros sociais
elaboram acordos visando o auto regulamento em assuntos de disputadas
coletivas de trabalho.

II. Mediação e dissídios individuais

Se, por um aspecto, a mediação é bem vinda na esfera dos Dissídios


Coletivos, sendo mesmo uma vindicação dos Sindicatos representativos dos
trabalhadores, é certo que na seara individual, os desafios aumentam.
Ainda que o Judiciário se mostre despreparado tanto pela formação de
juízes quanto à estrutura operacional e física de absorção de demandas, o receio
de se remeter um litígio a uma mediação permanece arraigado no horizonte de
muitos trabalhadores e ainda em maior proporção em relação a empregadores.
A experiência mantida no Escritório Modelo da Faculdade de Direito
Ibmec/RJ, de levar o instituto da mediação às relações laborais de maior
proximidade entre as partes, como ocorre com o empregado doméstico, vem
demonstrando forte resistência pelas partes, fruto da colonização da cultura de

100
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
CLARISSE INÊS DE OLIVEIRA

que somente o Estado, detentor da coerção, pode fazer valer o ajuste entre as
partes.
Tendo em vista à proximidade física com o Ministério do Trabalho e
Emprego da cidade do Rio de Janeiro, situado no bairro do Centro, a uma
quadra da Faculdade e, ainda, a orientação daquele órgão de encaminhar as
pessoas para Núcleos de Prática Jurídica, a demanda diária de pessoas em busca
de orientação jurídica supera a casa das dezenas.
Vale citar o exemplo da assistida M.A.S. que procurou o escritório modelo
narrando que trabalhou por mais de vinte anos na residência de uma médica,
onde viu crescer os filhos de sua patroa que atualmente residem em outros
lugares.
Com as recentes notícias divulgada pela mídia acerca dos novos direitos do
empregado doméstico, a assistida procurou orientação para saber como
proceder, já que sequer possuía carteira de trabalho registrada.
Em verdade, nem mesmo os direitos mais básicos dos domésticos,
anteriormente previstos na CLT, foram respeitados no caso em exame. E a
possibilidade de ausência de êxito em uma ação judicial, dada à frequência ao
trabalho em até três dias por semana, poderia ensejar a improcedência do
pedido de reconhecimento do vínculo empregatício, ante o entendimento
consolidado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª. Região através da
Súmula 19, de que o labor doméstico exercido em até três vezes por semana
não configura o reconhecimento do vínculo.
A assistida trabalhou na casa da Patroa por mais de vinte anos e permanecia
trabalhando. De cinco anos para cá, passou a trabalhar três vezes por semana,
pois a Patroa já morava sozinha.
A assistida viu os filhos da Patroa crescerem, saírem de casa e a exigência
de um trabalho contínuo, de segunda a sexta feira, não se fez mais necessária.
Com a idade avançando, buscava uma aposentadoria impossível, dada a
ausência de contribuições.
A proposta da mediação foi levada à assistida, mas o receio foi de tal monta
que foi precedido de um pedido para avaliar a questão. A possibilidade de vir a
ser dispensada de vez pesava na balança desfavoravelmente.
Em outro caso, a assistida C.M.O. demonstrou ânimo de tentar a mediação
antes do ajuizamento da demanda. Contudo, o contato com a Patroa não
permitiu o desenrolar da tentativa, recebendo a proposta da mediação com a
resposta de uma promessa de interposição de todos os meios e recursos cabíveis
na esfera judicial.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Ante a negativa da parte passiva, o conflito prosseguiu perante o Judiciário,


com designação de audiência de instrução e julgamento e aguardo de prolação
de sentença.
Merece o registro que as Patroas em questão eram profissionais liberais bem
sucedidas, uma médica com consultório na Zona Sul do Rio de Janeiro e outra
empresária, que ainda destacou ter formação em Direito e que usaria de todos
os meios cabíveis para não perder a Ação Judicial.
Nos conflitos oriundos de relações com empregados domésticos, cujo
ambiente de trabalho é o lar do empregador, que muitas vezes é compartilhado
com sua família e cujo doméstico é tido como um “quase integrante” da
mesma, a mediação pode ser um instrumento poderoso de resolução de
conflitos, mas ambas as partes necessitam aceitar a proposta.
No mundo judicial em que pouco se ouve e muito se decide
unilateralmente, a adoção de novas práticas pode ser uma excelente alternativa a
um Judiciário que deve se repensar como instituição, desde a forma de ingresso
de seus membros até a mentalidade estatística que predomina em todos os
julgados e atos praticados em seu âmbito.
A mediação pressupõe a vontade das partes em solucionar o conflito e,
quando se trata de questões patrimoniais, muitos empregadores ficam receosos
em aceitar a mediação e vir a ser demandados no Judiciário com a mesmas
questões já solucionadas anteriormente.
Por outro aspecto, a figura do Juiz como representante do Estado ainda
impõe no jurisdicionado tanto o respeito reverencial quanto uma segurança
utópica, na medida em que as novas demandas exigem uma reinvenção do
Direito do Trabalho, com novas interpretações de conceitos e a aceitação de
novos instrumentos aptos à pôr fim às demandas.

Conclusões

O aspecto patrimonial colocado acima de qualquer outro prisma nas


relações laborais dificulta a aproximação das partes na tentativa de chegar a um
consenso.
Mesmo no caso do empregado doméstico, cuja natureza da relação se
distancia do empregador clássico que pretende obter lucro no empreendimento,
surgem resistências por ambas as partes na aceitação de métodos alternativos de
solução de litígios.
A mudança de concepção de que nas mãos do Estado o conflito estará apto
a ser dirimido é o primeiro passo que as partes necessitam avançar em dissídios
individuais para entender que a solução do conflito não é uma prerrogativa

102
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
CLARISSE INÊS DE OLIVEIRA

estatal, em que as partes são tuteladas e não dispõem de opiniões, razões,


sentimentos, emoções ou mesmo suscetibilidades passageiras.
O Judiciário Trabalhista hoje conta com um corpo de Juízes aprovados em
provas que testam a capacidade mnemônica do candidato e não buscam uma
averiguação de simulações de casos concretos de problemas atuais, fazendo
surgir sentenças que rejeitam reconhecimento de vínculos empregatícios
baseados em relações terceirizadas, quarteirizadas, quinteirizadas.
Em paralelo, o sistema de processo eletrônico, conhecido como PJ-e sofre
constantes “bugs”, isto é, paralisações do sistema em função de um grande
número de acessos, reduzindo bruscamente o numero de Reclamações
trabalhistas ajuizadas no corrente ano.
O Estado não pode ser tomado como o único ator apto a falar sobre os
conflitos de outros atores. Na seara dos Dissídios Coletivos, é histórica a pauta
vindicatória dos Sindicatos de afastamento da ingerência estatal, a fim de que o
sujeito coletivo de trabalho patronal, seja público ou privado, aceite a ideia da
negociação coletiva, ainda que homologada por via mediação.
A antiga mentalidade das partes componentes da relação de trabalho
necessitada ser oxigenada. O trabalhador se sentia seguro ao colocar sua
pretensão nas mãos do Juiz e o empregador não depositava fidúcia em outros
meios alternativos de composição, com receio de que venha a pagar em
duplicidade. A cultura da adjudicação do conflito pelo Estado-Juiz era
chancelada por ambas as partes.
A Emenda Constitucional 45/04 foi um importante marco regulatório para
impor uma pauta de negociação entre os sujeitos coletivos de trabalho e o
instituto de mediação pode ser alavanca importante na alteração da mentalidade
da instituição judiciaria como único palco capaz de solucionar os conflitos.
A sociedade pós-moderna e plural desafia uma reinterpretação dos
conceitos e Princípios do Direito do Trabalho, inclusive o método
tradicionalmente utilizado para resolução de conflitos no Direito do Trabalho, o
institucionalizado.
A judicialização dos conflitos laborais nasceu com a própria CLT e merece
ser reinterpretada sob pena de anacronismo crônico. O Direito Internacional
prevê diversos institutos que afastam a ingerência do Estado em conflitos
trabalhistas e no Brasil a promulgação do recente Decreto 7.944 de 06 de março
de 2013 é um importante atalho na ratificação de tais medidas.
Diferentemente de relações que se perpetuam no tempo, decorrentes de
outros laços, afetivos, parentais, etc, como no Direito de família, as relações
laborais, em que pesem seu caráter patrimonial não podem ser analisadas
unicamente sob a ótica pecuniária.

103
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

As partes devem ter uma percepção holística de que a perpetuação do


conflito gera um clima de insegurança e insatisfação a todos, pois o manejo da
máquina do Estado possui um custo, afora os demais custos de pagamento de
honorários advocatícios, periciais, de contadores, etc.
A relação de emprego doméstico é exemplificadora do acima exposto. Não
raras vezes o empregador doméstico possui condições de entrar em um
consenso com o empregado domestico, mas não o faz porque entende não estar
obrigado por lei.
A concepção que deve nortear as partes não pode se limitar ao aspecto
indenizatório e deve conceber boa dose de psicologia para estender àquele
empregado que participa da rotina familiar por longa data uma retribuição
previdenciária, um reconhecimento pelo trabalho prestado.
Verifica-se pelos atendimentos prestados no âmbito do Escritório Modelo
da Faculdade de Direito Ibmec/RJ que os assistidos, potenciais autores de
ações, aceitam na grande maioria das vezes a tentativa de uma mediação
extrajudicial.
Mas a resistência por parte de empregadores domésticos ainda é muito forte.
Em relação ao empregador privado, a tentativa é praticamente nula e vem
acompanhada da clássica frase “vá procurar seus direitos na Justiça”.
A perpetuação dos litígios não prejudica somente as partes envolvidas, mas
também perde toda a Sociedade como um todo indissolúvel. A insatisfação de
uns não pode vir acompanhada do acúmulo de riquezas do outro se o Brasil
pretende se impor como República que se rege pelos Princípios Democráticos
do Direito.

Referências bibliográficas
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho, 7ª ed. São Paulo: Cortez, Campinas: Unicamp, 2000.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense.
Universitária, 2005
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Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 24ª ed., São Paulo : Saraiva, 2009, v. 5.
GORZ, A. Metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo: Annablume, 2003.
MORAIS, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem Alternativas à Jurisdição! 2ª ed. Porto
Alegre : Livraria do Advogado, 2008.
MUSZKAT, Malvina Ester. Guia prático de mediação de conflitos, 2ª ed. rev. São Paulo: Summus,
2008.

104
MEDIAÇÃO LABORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS HISTÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS
CLARISSE INÊS DE OLIVEIRA

______. (org.). Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Summus,
2003.
ROBLES, Tatiana. Mediação e direito de família. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2009.
SALINAS, Daniel. ESCOBAR, Samuel. Pós-modernidade: novos desafios à fé cristã, 2ª ed. São
Paulo : ABU Editora, 2002
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 9ª ed.
São Paulo: Cortez Editora, 2003
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça: In: SOUZA
JUNIOR, J. G.; AGUIAR, R. (org.). Introdução critica ao Direito do trabalho. Brasilia:
Universidade de Brasilia, 1993.
URIARTE, O. E. A aplicação das normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos
trabalhistas. In: TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (org.). Fórum internacional sobre
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VIANNA, L. J. W. et. al. A judicialização da politica e das relações sociais no Brasil, 1ª. ed., vol. 1.
Rio de Janeiro: Revan, 1999.

105
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS
SENSÍVEIS A DIFERENTES FORMAS DE RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

Cibeli Freitas Serafim Ambrosio


Mariana Pestana Padilha
Thalita Borsato Sad Machado Cordeiro

O Laboratório de Práticas Sensíveis a Diferentes Formas de Resolução de


Conflitos é fruto do Projeto de Extensão desenvolvido no Centro de Assistência
Jurídica da Universidade Federal Fluminense (CAJUFF), desde maio de 2012,
e tem como objetivo propiciar aos graduandos em direito uma nova alternativa
para as soluções dos conflitos, utilizando, sobretudo, técnicas de mediação.
Neste Laboratório, a vontade dos envolvidos possui forte relevância, o objetivo
é oferecer às partes condições para que exerçam sua autonomia e apresentem,
através do diálogo, soluções para o caso, afastando a lógica adversarial que
encontramos nos processos judiciais, em que há de um lado o ganhador e de
outro o perdedor. Buscamos relatar o processo de implantação e o início das
atividades do Laboratório no núcleo de prática jurídica.

Introdução

A sociedade brasileira tem redefinido o significado de conflito. Esta


palavra, que encontra origem no latim conflictus, tradicionalmente foi vista sob
uma perspectiva negativa, sendo associada à desordem, à luta e à disputa1,
situações que deviam ser evitadas e reprimidas a qualquer custo. No entanto,
percebendo-se ser algo intrínseco à sociedade, nas últimas décadas, uma nova
denotação foi atribuída ao conflito, ao invés de negá-lo ou escondê-lo,
percebeu-se que ele poderia ser muito mais produtivo se as partes que têm
interesses contrapostos tivessem um espaço para desenvolver seus pontos de
vista e compreender o porquê de seus embates, pois assim poder-se-ia criar uma
lógica mais benéfica e produtiva nas relações interpessoais. A esse fenômeno
deu-se o nome de positivação do conflito.
A partir deste novo ponto vista é possível vislumbrar modificações e
conseqüências na esfera jurídica. Isso porque as relações sociais se demonstram
mais complexas, e a população brasileira tem se conscientizado de seus direitos

1
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/>. Acesso em: 25 de
outubro de 2012.

106
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

e reclamado que os mesmos sejam respeitados. Desse modo, para atender a


atual conjuntura, há uma sensível abertura das instituições de nosso país para
utilização de métodos alternativos de resolução de controvérsias, que tratam do
conflito sob um novo enfoque.
Aliado a isto, constatou-se que grande parcela das crises pelas quais passa a
nossa sociedade advém das crises institucionais, como a qual atingiu o Poder
Judiciário, por isso as mesmas necessitavam passar por um processo de
reestruturação, o que inclui adotar novos meios que tornem possível buscar
decisões através de procedimentos institucionalizados e transparentes2.
Observando a necessidade de adequar o ensino da prática jurídica a nesse
novo contexto surgiu o Laboratório de Práticas Sensíveis a Diferentes Formas
de Resolução de Conflito3.
O referido Laboratório é fruto de ação de extensão universitária que tem
como objetivo experimentar e desenvolver diferentes formas de resolução de
conflitos, alternativas ao modelo adjudicatório, de modo a proporcionar aos
estudantes de direito uma formação mais ampla sobre as práticas jurídicas e, ao
mesmo tempo, dar tratamento adequado aos conflitos sociais levados pela
comunidade local ao Centro de Assistência Jurídica da Universidade Federal
Fluminense (CAJUFF). O foco principal é a integração universidade e
sociedade, por meio do desenvolvimento de ferramentas que fomentem as
soluções pacíficas nos processos que envolvam relações continuadas, como é o
caso de vizinhos, parentes, colegas de trabalho e que são frequentemente
encaminhadas ao Núcleo de Prática Jurídica (CAJUFF).
Acredita-se que uma solução construída pelos envolvidos pode ser uma
alternativa mais adequada na resolução das controvérsias do que a decisão
imposta pelo Estado-juiz. Isso porque a solução do conflito não é dada por um
terceiro, mas construída pelas partes, de modo que elas passam a ter voz no
procedimento, demonstrando-se mais dispostas a cumprir o que foi estabelecido
por elas próprias. Assim, busca-se afastar a idéia tradicional de que todo
conflito é necessariamente um litígio, enriquecendo e ampliando a formação
profissional dos alunos estagiários do curso de direito a partir do conhecimento

2
Tradução livre: “Una característica del Estado de derecho democrático y social es que no niega o reprime
conflictos existentes y busca generar las decisiones pertinentes a través de procedimentos institucionalizados y
transparante.” Evaluación de La ley de Mediación y Conciliación – Despúes Del primer año de vigência. Pág. 5.
3
O Laboratório é coordenado pela Cristiana Vianna Veras (professora de prática jurídica da Faculdade de Direito
da UFF) e desenvolvido por uma equipe permanente composta por dois alunos bolsistas de extensão, tendo
também como integrantes alunos de direito inscritos no estágio curricular obrigatório que ao longo do curso
demonstram interesse. Profissionais e alunos de outras áreas do conhecimento, como Psicologia e Serviço Social,
também podem participar.

107
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

e do incentivo para que novas práticas de solução de conflitos sejam exercidas


no mundo jurídico por seus próprios operadores.
Desvencilhando-se das técnicas puramente positivistas e da aplicação fria da
lei, o Laboratório tem se mostrado um ambiente propício para a introdução de
diferentes práticas de resolução de controvérsias, ampliando o campo de
atuação e conhecimento dos alunos de direito para além do paradigma do
assistencialismo social próprio dos escritórios modelos. Neste sentido, o
presente trabalho pretende apresentar as atividades desenvolvidas no
Laboratório, os resultados obtidos até hoje, bem como suscitar algumas
reflexões sobre o impacto da mediação e conciliação no CAJUFF.

I. Forma de trabalho

I.i. Capacitação

Podemos identificar dois campos de atividades sobre os quais foi pautado o


projeto de extensão “Laboratório de práticas sensíveis a diferentes formas de
resolução de conflitos”. O primeiro deles consistiu na capacitação dos discentes
envolvidos no projeto. Para tanto, participaram do curso de Mediação
Comunitária, que ocorreu na Escola de Administração Judiciária (ESAJ)
vinculada ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem como foram feitas
pesquisas bibliográficas sobre diferentes formas de resolução de conflitos, como
mediação e conciliação. Desse modo, as alunas bolsistas tiveram acesso aos
primeiros subsídios para a ampliação do conhecimento de mediação sob um
prisma teórico e aprendizagem de técnicas que viabilizam o bom
prosseguimento dos casos concretos. O segundo foi a realização de atividades
complementares com acompanhamento da professora orientadora, de modo a
concretizar o conteúdo teórico aprendido por meio da implementação das
técnicas assimiladas à realidade dos casos levados ao CAJUFF e direcionados
ao Laboratório, propiciando, assim, uma integração com a comunidade na qual
está inserido o centro de assistência jurídica.
Ainda compôs a etapa de capacitação a elaboração de material didático
utilizado como suporte para a aula teórico- expositiva realizada para os alunos
do CAJUFF, visando introduzi-los ao conhecimento da prática da mediação e
da conciliação desenvolvida no Laboratório.

I.ii. Análise de todos os processos patrocinados pelo CAJUFF

Para implantar as técnicas estudadas, foi feito um levantamento de todos os


processos judiciais patrocinados pelos professores e advogados integrantes do

108
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

CAJUFF. Essa análise resultou na elaboração de uma tabela, contendo o


número dos autos do processo judicial, contato das partes, tema relacionado,
síntese do caso, bem como breve abordagem sobre a pertinência ou não da
aplicação das diferentes formas de resolução de conflitos, como a mediação e a
conciliação.
Tal procedimento foi de extrema importância, isso porque não é
recomendável a utilização da mesma técnica para resolução de todas as
controvérsias, uma vez que haverá aqueles casos nos quais o ajuizamento de
ação judicial se impõe.

I.iii. Seleção de casos

Utilizando-se como base as informações sintetizadas na planilha elaborada,


selecionamos quatro casos para iniciarmos a aplicação na prática da teoria
assimilada, nos quais percebemos ser mais indicada aplicação das técnicas
propostas pelo Laboratório.
Importante esclarecer que realizamos uma análise qualitativa e não
quantitativa dos processos judiciais do Cajuff, uma vez que o projeto tem por
principal objetivo o desenvolvimento de um Laboratório onde seja possível a
resolução efetiva do conflito, e não como mera forma de "desafogar" o
judiciário, ou tampouco resolver todas as questões judicializadas.

I.iv. Sessões

Selecionados os casos, após o estudo dos processos, foram marcadas


sessões de atendimento com as partes envolvidas, ao decorrer das quais foram
colocadas em prática as técnicas assimiladas no curso e na primeira etapa do
projeto referente à capacitação. Nessas sessões foi possível apreciar nos casos
concretos como funcionam os institutos estudados (mediação e conciliação)4.
Conforme já afirmado, o Laboratório de Práticas Sensíveis a Diferentes
Formas de Resolução de Conflitos tem como proposta abordar o conflito sobre
um novo enfoque, utilizando como base as premissas do instituto da mediação e

4
Importante salientar que no Laboratório trabalhamos com a diferenciação do instituto da mediação e da
conciliação a partir do papel do mediador. Desta forma, na mediação, o mediador não deve sugerir soluções para
o caso nem tampouco negociar uma solução com base em concessões mútuas, mas facilitar a comunicação das
partes, o que pode ser feito a partir de perguntas que levem a uma reflexão. Na conciliação, o conciliador deve,
juntamente com as partes, apresentar soluções para o conflito, demonstrando os benefícios do acordo. Neste caso,
a solução adotada é fruto de uma negociação, que pressupõem concessões das partes.

109
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

da conciliação. Dessa forma, a ideia é proporcionar um ambiente informal, no


qual as partes possam dialogar, relatando todo e qualquer ocorrido, para, juntas,
chegaram à solução mais adequada.
O procedimento proposto é baseado no sigilo das informações e não almeja
produzir provas com a finalidade de serem utilizadas no processo judicial já em
andamento ou ao que se pretende dar início.
O papel do estudante de direito, neste momento, é facilitar a comunicação
entre os envolvidos. Não se tem o intuito de julgar ou retirar conclusões
precipitadas sobre o caso, buscamos ajudá-los a compreender uma situação já
existente, auxiliando a comunicação para se chegar a um entendimento. Para
tanto, o estudante será imparcial e manterá a confidencialidade de tudo que será
passado durante a sessão.
Em alguns casos, se necessário, existe a possibilidade da realização de
sessões individuais com as partes, para melhor entender o ponto de vista que
cada um deseja passar e para, também, manter sua privacidade em relação à
outra parte.

I.v. Elaboração de material informativo

Com o intuito de conferir publicidade ao projeto, divulgando aos alunos da


Faculdade de Direito e à comunidade local as atividades desenvolvidas no
Laboratório foi elaborado um material informativo. Em parceria com a Pró-
Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense, a equipe
confeccionou um banner e um cartaz que informam os objetivos do Laboratório
de Práticas Sensíveis a Diferentes Formas de Resolução de Conflitos, bem
como um folder que explica passo a passo todo o procedimento e a finalidade
de introduzir métodos alternativos de resolução de conflito à realidade do
CAJUFF. O referido material informativo é distribuído àqueles que procuram o
núcleo de prática jurídica da Faculdade de Direito da UFF.

II. Síntese dos casos concretos

Visando dar maior concretude e possibilitar o entendimento do funciona-


mento do projeto que se apresenta nesse artigo, desenvolveremos quatro casos
concretos que passaram pelo Laboratório.

II.i. Caso 1

O primeiro caso selecionado, no qual obtivemos sucesso, refere-se a um


processo de guarda de uma menor, pleiteado pela sua avó.

110
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

A primeira sessão ocorreu em agosto de 2012, no CAJUFF, ocasião em que


compareceram as Sras. D5. (mãe), R. (avó que possui a guarda provisória) e a
menor K., com a finalidade de apresentarmos a proposta do Laboratório de
Praticas Sensíveis a Diferentes Formas de Resolução de Conflitos.
As partes demonstraram ter um bom relacionamento e acordaram quanto à
guarda definitiva ser concedida a avó materna. A menor K. transpareceu estar
bem instalada na casa de sua avó, relatou que não tem muito contato com o pai,
apenas quando ele liga e que o mesmo fornece como ajuda financeira apenas o
pagamento de um tratamento dentário no valor de R$100,00 mensais. Ademais,
a avó manifestou interesse em ficar com a guarda definitiva da neta, relatando a
necessidade de ser fixada uma ajuda financeira por parte do pai, já que a mãe já
pensiona a filha, sendo descontado um valor diretamente de seu salário.
A segunda sessão também aconteceu em agosto de 2012, no CAJUFF,
estando presente o Sr. X (pai), R. (avó que possui a guarda provisória) e a
menor K. Confirmou-se que não há conflito no que tange a guarda da menor
visto que todos os presentes concordam com a permanência com a avó materna
e demonstraram que mantém uma relação familiar saudável.
Nessa oportunidade, todos concordaram em solucionar a questão dos
alimentos de forma consensual. Após as partes exporem seus reais interesses e
necessidades foi firmado um acordo, formalizado por meio de uma petição ao
juízo no qual tramita a ação de guarda, assinada por todos os envolvidos.
O acordo foi homologado pelo MM. Juízo, dando fim ao processo judicial
que tramitava no CAJUFF desde 2009. Registra-se que em recente contato as
assistidas informaram que o acordo vem sendo cumprido regularmente.

II.ii. Caso 2

O segundo caso trabalhado envolvia o relacionamento entre duas irmãs,


cujos pais haviam presenteado todos os filhos com um apartamento em lugares
diferentes. Ocorre que, por condições específicas, a irmã T. residia na
propriedade da irmã E., sendo certo que a última precisava retornar ao seu
apartamento.
Cumpre esclarecer que de imediato seria possível a propositura de uma ação
judicial, mas o aluno estagiário identificou que a questão envolvia aspectos
além de direito real de propriedade.

5
Visando manter o sigilo das informações, utilizaremos a inicial de nomes fictícios para relatar os casos
concretos.

111
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Na primeira sessão realizada, em julho de 2012, com a Sra. E., assistida que
procurou o CAJUFF, apresentamos a proposta do Laboratório e a mesma
demonstrou interesse em participar, sendo, porém, relevante para ela a chancela
de seus pais.
Foi marcada uma segunda sessão, que ocorreu em agosto de 2012. Nesta
sessão, estavam presentes a Sra. E. e seus pais, restando demonstrada a
necessidade de participação da rede social da interessada, os quais apoiaram a
proposta apresentada.
Passou-se, então, a tentar obter contato com a irmã T., para convidá-la a
participar de uma reunião. Não se logrou êxito, porém, em fazer contato seja
por meio telefônico, envio de e-mails, nem mesmo via correios.
Como a proposta do Laboratório reside no resgate da autonomia das partes
e como uma das envolvidas não se mostrava colaborativa à iniciativa, não
restou outra solução senão o encaminhamento do caso para a solução judicial.

II.iii. Caso 3

O terceiro caso trabalhado pelo Laboratório referia-se a quatro processos


judiciais: guarda, regulamentação de visitas, alimentos e execução de alimentos.
Ao percebermos que os processos em curso no judiciário não estavam sendo
suficientes à solução do conflito, no qual eram envolvidos os pais e um filho
menor, convidou-se à assistida, Sra. A, para conhecer a proposta do
Laboratório.
No caso em apreço, considerando-se as suas peculiaridades, optou-se,
previamente, por realizar uma sessão individual, em novembro de 2012. Nesta
oportunidade foi possível identificar o real interesse da assistida, e a mesma foi
convidada a participar da proposta do Laboratório. Cumpre esclarecer, porém,
que não houve aceitação porque a Sra. A. tinha posições fechadas, não estando
aberta ao identificando-se como real “titular do direito” quanto a seu filho
menor. Nesse momento, portanto, o papel dos alunos que realizaram o
atendimento foi resgatar que o interesse maior era do menor, filho da Sra. A.
Considerando-se que um dos princípios do Laboratório é dar ênfase a
autonomia e o voluntarismo das partes, encerrou-se a sessão e a Sra. A voltou a
ter atendimento quanto aos seus processos judiciais.
Em momento posterior, porém, já com uma decisão judicial que
regulamentava a visita e ia de encontro aos anseios da Sra., foi designada uma
audiência de conciliação no âmbito do Tribunal de Justiça, referente ao
processo de regulamentação de visitas, a Sra A. procurou o Laboratório
manifestando interesse em ter a presença de um dos integrantes da equipe na
aludida audiência.

112
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

Nessa segunda sessão realizada, em fevereiro de 2013, a Sra. A demonstrou


postura distinta àquela apresentada na primeira sessão uma vez que deixou de
falar em primeira pessoa para dar enfoque a situação do filho menor.
Manifestou, ainda, o interesse em regulamentar consensualmente a visitação a
ser exercida pelo pai, com quem até antes da primeira sessão não falava,
estando, porém, o diálogo começando a ser reestabelecido, sendo importante
para ela o apoio dos “alunos mediadores” para auxiliar na comunicação na
audiência de conciliação.
Destaca-se que foi realizado o acordo na audiência realizada em março de
2013, sendo exercida a visitação nos moldes que atingiam o real interesse do
menor em ter contato com o pai e a mãe.
Percebe-se, por fim, que embora a sessão individual, a priori, não tenha
apresentado um resultado imediato, como a construção de um acordo, no
âmbito do Laboratório, a finalidade do procedimento foi atingida, uma vez que
a assistida voltou para o processo judicial com uma nova postura, mais
colaborativa, comprovado por meio da celebração de acordo judicial quanto à
visitação do menor pelo pai, possível de ser construído por meio do diálogo
entre os genitores.

I.iv. Caso 4

O quarto caso refere-se a um divórcio. Os envolvidos compareceram ao


CAJUFF para o primeiro atendimento demonstrando interesse no divórcio
judicial e, nessa oportunidade, o aluno-estagiário percebeu que o caso poderia
ser conduzido por uso de técnicas colaborativas, razão pela qual encaminhou o
casal ao Laboratório.
Em janeiro de 2013, compareceram a Sra. M. e Sr. G., com a finalidade de
apresentarmos a proposta do Laboratório de Práticas Sensíveis a Diferentes
Formas de Resolução de Conflitos.
As partes demonstraram ter um bom relacionamento, sendo identificado o
real interesse em regulamentar judicialmente a situação fática vivida pelo casal
desde a separação.
Acordaram, assim, quanto à guarda compartilhada da filha menor, sendo a
residência fixa a do genitor. Ademais, a mãe continuaria a exercer seu direito
de visitação de forma livre.

113
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Por fim, foi formalizada a petição inicial pertinente, qual seja, de


homologação de acordo de guarda e responsabilidade c/c divórcio direto, que
tramita no Tribunal de Justiça competente.

Conclusão

O projeto de extensão acima descrito não serviu apenas para o


enriquecimento acadêmico das bolsistas envolvidas. Obviamente o mesmo
contou com o estudo de temas voltados para o direito brasileiro e aprimorou o
conhecimento das estudantes. Entretanto o projeto também foi capaz de
proporcionar uma aprendizagem mais voltada para a realidade em si do
conflito, além da sua teoria.
O contato direto com os envolvidos, semanalmente, garantiu maior
proximidade com os mesmos e, consequentemente, fez com que eles
acreditassem de fato na proposta oferecida pelo Laboratório. Ademais foi
também essencial para as alunas bolsistas já que presenciaram as desavenças
existentes e puderam ali auxiliar as partes – de acordo com cada situação – nas
soluções construídas e nos caminhos mais adequados a serem seguidos.
Segue abaixo algumas metas alcançadas – a partir das perspectivas dos
pontos de vistas pessoais das alunas bolsistas diretamente envolvidas - por meio
da implantação do Laboratório de Práticas Sensíveis a Diferentes Formas de
Resolução de Conflitos:

- Oportunidade singular para as alunas bolsistas e, também,


estudantes da faculdade de Direito da UFF, alcançarem uma maior
proximidade com comunidade que atuam, compreendo melhor suas
necessidades e anseios, por meio de técnicas utilizadas na Conciliação e
Mediação;
- Conhecimento e aprendizagem de temas (Mediação/Conciliação)
pouco debatidos em sala de aula e em franca expansão no ordenamento
jurídico brasileiro;
- Nova percepção do conflito, mudando o foco da figura
ganhador/perdedor para ganhador/ganhador através da comunicação
entre as partes.

O Projeto vem sendo desenvolvido junto ao CAJUFF desde maio do ano de


2012 e trouxe até o dia de hoje vários resultados positivos. Como relatado
anteriormente, os processos pertencentes ao CAJUFF foram analisados
individualmente, para que pudéssemos verificar, ou não, a possibilidade de
aplicação das técnicas de Conciliação e/ou Mediação nos mesmos. Alguns

114
A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

processos nem chegaram a ser selecionados para a realização de uma sessão


com as alunas bolsistas, pois já estavam em vias de serem arquivados ou não
existia um conflito possível de ser resolvido por meio das técnicas interentes ao
instituto da Conciliação e/ou da Mediação.
Daqueles processos selecionados para a aplicação das técnicas da
Conciliação e/ou Mediação, em um deles não obtivemos a adesão da parte para
participar da proposta do Laboratório. A Conciliação e Mediação dependem da
voluntariedade do indivíduo e se ele não tiver o interesse, ou sequer a vontade,
não estará obrigado a participar. Dessa forma, o assistido não achou viável,
naquele momento, buscar a resolução do seu conflito com os procedimentos
adotados pelo Laboratório. No entanto, constatamos que, posteriormente, em
audiência de conciliação judicial, a mesma já não tinha uma posição tão rígida
quanto ao diálogo, o que nos faz pensar que embora não tenha participado da
mediação no Laboratório, a sessão por nós realizada, de alguma forma, surtiu
algum efeito.
Por outro lado, conseguimos firmar alguns acordos nos processos
encaminhados para as sessões de Conciliação e Mediação, garantindo a
efetividade das técnicas e conceitos utilizados e, também, o incentivo para
continuação do Projeto descrito acima.
Durante a 17ª Semana de Extensão da Universidade Federal Fluminense o
projeto teve grande e boa repercussão. As bolsistas envolvidas apresentaram o
trabalho desenvolvido no Laboratório, ressaltando os seus objetivos em
consonância com as atividades do CAJUFF e para a comunidade acadêmica.
Como resultado do grande esforço e dedicação, o primeiro e terceiro lugares
relativos à área temática Direitos Humanos e Justiça foram para as bolsistas
envolvidas neste Projeto.
O projeto foi renovado para o ano de 2013 e como perspectivas e metas
para os dois próximos semestres (2013.1 e 2013.2) a listagem abaixo:

- Dar seguimento ao projeto, analisando mais casos patrocinados ou


recém-chegados ao CAJUFF;
- Ampliar a divulgação das atividades desenvolvidas tanto para os
integrantes da Faculdade de Direito da UFF, como para as áreas de
conhecimento afins e para a comunidade em geral;
- Repassar o aprendizado do tema para demais alunos, com o intuito
de inseri-los no conhecimento da Mediação/Conciliação;

115
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

- Contar com o auxílio voluntário de alunos/estagiários do CAJUFF


para realização das sessões com as partes, tornando o projeto ainda mais
eficaz e acessível.
- Elaborar artigos sobre o projeto desenvolvido bem como analisar
os resultados das atividades implementadas.
- Participar de seminários, congressos e eventos sobre meios
alternativos de solução de conflitos a fim de dar publicidade ao projeto
bem como trocar experiências com projetos e atividades próximas ao do
Laboratório.

Referências Bibliográficas
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CASELLA, Paulo Borba; SOUZA, Luciane M. de. (coord.) Mediação de Conflitos. Belo
Horizonte: Fórum, 2009.
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PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord). Afeto, Ética, Família e Novo Código Civil. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004.
BORATTI, Larissa Verri e SIQUEIRA, Thaís Pereira. A experiência do núcleo de prática jurídica
em MEDIAÇÃO/SAJUIR/UNIRITTER/CAMPUS CANOAS e seus desdobramentos na Extensão
Universitária. Disponível em <http://www.uniritter.edu.br/eventos/sepesq/vi_sepesq/
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CAPPELLETTI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflito no Quadro do Movimento
Universal de Acesso à Justiça. Revista do Processo. Vol.74,1994.
CINTRA, Antônio Carlos Araújo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.
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DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias (coord). Mediação, Cidadania e Emancipação Social. A
experiência do centro de mediação e cidadania na UFOP e outros ensaios. Belo Horizonte:
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DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. A guarda dos filhos da família em litígio: uma interlocução da
psicanálise com o direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Evaluación de La ley de Mediación y Conciliación – Despúes Del primer año de vigência. Konrad –
Adenauer: Buenos Aires. 1998.
FISHER, Roger, URY William e PATTON Bruce. Como Chegar ao sim – Negociações de Acordos
sem Concessões, 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Imago. 2005.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. A Mediação na Atualidade e no futuro do Processo
Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.humbertodalla.pro.br/arquivos/a_mediacao_na_
atualidade_e_no_futuro_do_proc_civ_brasileiro.pdf>. Acesso em: 14 set. 2012.
____. Mediação: a redescoberta de um velho aliado na solução de conflitos. Disponível em: <http://
www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20090318000023.pdf>. Acesso em: 12
nov. 2012.

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A EXPERIÊNCIA DO LABORATÓRIO DE PRÁTICAS SENSÍVEIS AS DIFERENTES FORMAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SEU IMPACTO NA PRÁTICA JURÍDICA

CIBELI FREITAS SERAFIM AMBROSIO


MARIANA PESTANA PADILHA
THALITA BORSATO SAD MACHADO CORDEIRO

____. O novo CPC e a mediação: reflexões e ponderações. Disponível em: <http://www.humberto


dalla.pro.br/arquivos/O_novo_CPC_e_a_Mediacao.PDF>. Acesso em: 26 dez. 2012.
SURLO, Gerlis Prata e DIAS, Maria Tereza Fonseca. Mediação e cidadania nos núcleos de prática
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TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método,
2008.

117
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Katrine Quintanilha Fontes

O sistema criminal brasileiro vive um processo de decadência, já que a sua


principal prática é a pena privativa de liberdade, incapaz de alcançar o seu
objetivo. Nossas penitenciárias, superlotadas e degradantes, não ressocializam
pessoas, que são postas à margem. Neste cenário surge a Justiça Restaurativa
como forma de resolução de conflitos, pretendendo atribuir cidadania a
indivíduos que delinqüiram. Propõe-se trazer a vítima para dentro do conflito e
firmar um acordo amparado por uma gama de profissionais preparados para
lidar com a questão de uma forma mais humana que jurídica e chegar a um
consenso sobre a melhor forma de responsabilizar, sem causar sofrimento ao
infrator, que aceitará o cumprimento de um encargo, desenhando-se, a partir daí
novas perspectivas para seu futuro.

Introdução

O presente artigo tem por finalidade discutir e refletir sobre o sistema de


justiça criminal retributivo e suas implicações para as pessoas envolvidas, direta
e indiretamente, com o crime. Essas considerações são necessárias para que se
possa compreender o paradigma da Justiça Restaurativa, bem como suas
características e valores.
Como se verá adiante, a pena privativa de liberdade não alcança os fins à
que se destina, haja vista o altíssimo índice de reincidência, o que levou à
falência do sistema penitenciário nacional, que está em péssimo estado de
conservação e não ressocializa os detentos, que são obrigados a se adaptar a
regras próprias e paralelas, impostas pelos próprios detentos. Assim, impossível
exigir que finda a pena de um indivíduo encarcerado, ele tenha facilidade para
lidar com o “novo mundo” que o espera.
À contramão desta constatação, nota-se que o clamor midiático conduz ao
agravamento das sanções penais e que a lei foi assumida como instrumento
rápido e barato de responder aos anseios por segurança. Ainda assim, o Brasil é
o quarto colocado no ranking dos países com maior população carcerária do
mundo, e os índices de violência e criminalidade não diminuem o que impõe a
busca por um novo método de resolução de conflitos.

118
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

É tempo de perceber que a prisão nada mais é do que responder a uma


violência praticada pelo infrator com uma violência praticada pelo Estado, que,
não raras vezes, demonstra-se desproporcional em relação à ofensa praticada
pelo acusado, como se o Estado fosse agente de vinganças privadas e como se o
Direito penal não fosse um ramo de ultima ratio esquecendo-se que estamos em
um Estado Democrático de Direito.
Trata-se de uma forma de exercício da justiça criminal que valoriza a
participação da vítima. Contudo, não se trata de uma atuação pautada na
vingança, mas na reconstrução dos laços rompidos com a vivência do crime.
Além disso, a Justiça Restaurativa retira do Estado-juiz a responsabilidade pela
resolução do conflito e ao mesmo tempo empodera as partes para que possam
deliberar sobre a melhor forma de reconstruir uma solução para o caso. Pode-se
dizer que é uma forma mais humana que jurídica, chegando, juntos, a um
consenso sobre a melhor forma de responsabilizar (sem necessariamente punir)
o infrator, que aceitará o cumprimento de um encargo, desenhando-se, a partir
daí, novas perspectivas para seu futuro.
A Justiça Restaurativa ainda está em fase dedesenvolvimento e
aprimoramento, no entanto, é consenso que o que se busca é oferecer uma
resposta efetiva ao problema gerado pela conduta delituosa e suas
consequências, reestabelecendo-se o elo quebrado, buscando uma solução que
atenda aos anseios de ambas as partes, minorando os efeitos danosos da conduta
do agente.

I. O paradigma retributivo e sua “eficácia”

O Direito Penal é um ramo subsidiário do direito, por isso, ao ser criada


uma nova norma estabelecendo um tipo penal, deveria se considerar que a
sanção penal não é, e jamais poderá ser, a principal forma de lidar com o crime,
que normalmente encobrem problemas sociais.No entanto, o legislador tem
feito um uso indiscriminado da lei penal como a principal forma de enfrentar as
questões afetas à criminalidade, sem levar em conta o aspecto transdiciplinar do
tema. Mesmo assim, a lei é feita sem que haja um estudo prévio sobre o
impacto dos novos crimes sob a perspectiva social, econômica e até mesmo
jurídica, violando as garantias constitucionais.
As normas penais não só burlam princípios básicos do direito, como os
princípios da ultima ratio e da fragmentariedade, como também não têm
efetividade e eficiência quando aplicadas a um caso concreto.
A preferência do legislador pela Lei Penal como forma de solução
“imediata” para a criminalidade se deveao fato de que criar leis é um processo

119
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

rápido e pouco oneroso e que a pena de prisão permite a imediata exclusão de


um indivíduo indesejado.
Além disso, os casos pontuais que ganham repercussão na mídia são
utilizados como motivos propulsores de reformas legislativas para agravar o
tratamento das condutas, mas isso não tem atendido aos interesses da maioria da
população, mas somente dos grupos que têm o poder de influir no processo
normativo-criminalizador de condutas.
Esclarece (PAIVA, 2009) que o Brasil é um país de “semi-periferia”, e
como tal,nosso problema não é só a “super produção legislativa”, mas acima de
tudo uma crise de caráter material e ideológico. O mundo globalizado provoca a
exclusão social na medida em que não consegue incluir todas as pessoas no
mercado de trabalho, tornando a maior parte da população automaticamente
excluída do sistema e, por conseguinte, da vida social e isso terá como
consequência, a incidência da repressão penal.
Leciona (CIRINO, 2012) que o “Direito Penal como um instrumento de
gestão diferencial da criminalidade pela posição social do autor, concentra a
repressão nas camadas sociais subalternas e garante a imunidade das elites do
poder”. Assim, de fato,as leis, embora válidas em sua maioria, não são
legítimas, afinal, em uma sociedade tão grande, conflitiva e culturalmente
oposta, não é possível determinar com exatidão o que seria o “bem comum”, de
maneira que o que temos em termos de lei penal é uma consolidação truncada e
unilateral que representaas pretensões de grupos detentores de poder político e
de interesse econômico.
A pretensão dos detentores do poder é óbvia: angariar simpatia da sociedade
a partir da falsa sensação de segurança, proporcionada pela exclusão de
indivíduos indesejados do meio social, de modo a conquistar a aquiescência e a
passividade da sociedade para que haja tranquilidade para continuar
implementando atos em proveito próprio.

II. Crime, pena e violência: considerações necessárias

Segundo pesquisas do DEPEN a população carcerária brasileira aumentou


no primeiro semestre de 2012 na mesma proporção que todo o ano de 2010.
Constatou-se, ainda, que os índices de reincidência aumentam quase na mesma
progressão que os índices de aumento da população carcerária e nos últimos 20
anos a população carcerária aumentou em 511%, ao passo que a população
nacional aumentou somente em 30% no mesmo período, concluindo-se que em
poucos anos toda a população brasileira estaria encarcerada (GOMES, 2013).
Vemos que o agravamento das leis penais, o encarceramento em massa e o
endurecimento das leis penais não amenizam a sensação da sociedade quanto à

120
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

segurança. E, continuamos assistindo às mazelas humanas derivadas do uso


utilitário do direito.
A realidade prisional revela um cenário lamentável e absolutamente incapaz
de ressocializar um indivíduo, além de ser degradante, humilhante e violento.
Como exemplo desta situação precária menciona-se o caso da Cadeia Pública
Feminina de Colina (SP) onde as detentas não recebiam sequer absorventes
íntimos e eram obrigadas a usar miolos dos pães que recebiam pela manhã para
conter o fluxo menstrual (CONSULTOR JURÍDICO, 2013).
O Projeto de reforma do Código Penal, em tramitação no Congresso
nacional, vem recebendo críticas da comunidade jurídica, porque seu texto
implica no aumento do encarceramento e no agravamento das penas, ao invés
de humanizar o Direito Penal, confirmando-se a tendência do Estado de ser
autoritário. Segundo (CIRINO, 2012) o novo Código Penal, com seus poucos
méritos, é a manifestação de um populismo penal, isto é, incute na população a
ideia de que o Direito Penal é o caminho para resolver os problemas sociais,
isentando-se da responsabilidade de criação de programas sociais que amédio e
em longo prazo teriam o condão de efetivamente solucionar interferir nas várias
causas da criminalidade e, assim, continuamos marginalizando os pobres.
Nesta linha Lombrosiana, o Direito Penal representa uma forma de “defesa
social” contra estas pessoas “indesejáveis” e a pena seria um meio de defender
os “bons” (homens de bem) dos “maus” (os criminosos natos). Foi em razão
desta concepção que o sistema penal seestruturou como uma resposta ao senso
comum que estereotipa os indivíduos e trabalha com uma “clientela” específica
para as prisões, como se a sociedade concordasse em jogar o nosso lixo humano
em um apêndice do mundo e fingir que ele não está lá.
Não há como ignorar que a criminalidade é resultado de um duplo processo,
afinal não há crime se não houver alguém ou um grupo de pessoas que diga
expressamente que um determinado comportamento é passível de punição,
rotulando a conduta como crime. Por outro lado, também não se pode olvidar
que há uma seleção e rotulação de indivíduos como autores de crimes,
normalmente aqueles que vivem à margem dos padrões da sociedade, ou
porque não puderam se inserir ou porque já nasceram à margem.
Assim, não poderíamos falar em criminalidade, mas em criminalização,
chegando a conclusão de que o processo penalizante é dinâmico e várias
instituições concorrem para o seu funcionamento seletivo. É nesta estrutura que
a pena privativa de liberdade, ao invésproporcionar condições efetivas de
resolver os danos causados pelo crime, aprofunda e agrava suas consequências.
Vítima, infrator e sociedade perdem.

121
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

O fato é que o sistema penal conta com uma “cifra negra”, na qual se
incluem os crimes de “colarinho branco”. Esta criminalidade oculta não é
computada nas estatísticas e se assim fosse demonstraria que ao contrário do
que a criminologia positiva entende que a criminalidade não privilégio de uma
parcela da população predestinada, mas que o crime ocorre em toda a sociedade
com muito mais frequência do que se imagina. Trata-se de um sistema seletivo
no qual se pune as pessoas em função do lugar que ocupam na sociedade e não
em função da conduta praticada.
Em pesquisa realizada em 1993/1994 (WACQUANT, 2008) sobre o Estado
e o funcionamento do sistema penal apontou um crescimento extraordinário na
população carcerária e, sobretudo, que a maior parte das pessoas aprisionadas
eram negras e provenientes do gueto americano. A partir desta constatação o
pesquisador passou a estudar o gueto e pôde comprovar que a estrutura da
cadeia assemelhava-se em muito à estrutura dos guetos, principalmente quanto
às características da população: desviantes, perigosos e dependentes.
Esse é o legado do capitalismo que exaltamos – a equiparação formal das
pessoas, que provoca a sua desigualdade substancial, fazendo com que o Direito
(re)produza regras voltadas predominantemente para um grupo determinado de
indivíduos que detém o poder

III. Justiça restaurativa: delimitando um conceito

Ante o exposto impõe-se a necessidade de re-pensar esse modelo secular, há


muito criticado por (FOUCAULT, 2009), ao afirmar que as prisões não só não
reduzem as taxas de criminalidade, como as aumenta, haja vista o tratamento
degradante destinado aos detentos. Nesse cenário, a Justiça Restaurativa surge
como um contraponto às promessas não cumpridas do sistema penal.
A Justiça Restaurativa surge em meados da década de 70, nos Estados
Unidos. A ideia inicial surgiu com a necessidade de lidar com crimes
patrimoniais, como o roubo e o furto, nos quais é permitido ao ofensor a
reparação do dano. Porém, entendo ser possível defender a aplicação das
práticas restaurativas aos crimes de maior lesividade, como por exemplo,
homicídios causados por embriaguez ao volante, agressão e até mesmo para os
casos de estupro.
Pesquisas realizadas pelo Instituto Vera (PALLAMOLLA, 2009) em alguns
países da Europa, especialmente na França, identificaram que as vítimas de
crimes têm mais necessidade de expressar os seus sentimentos diante do crime,
do que vontade de mover um processo criminal contra o autor do fato. Ao
revés, à vítima é dado um papel secundário no âmbitodo processo penal, e a
carência de informação e atenção tem como consequência direta duas situações:

122
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

o aumento de medidas protetivas às vítimas e a mudança de concepção baseada


em um modelo mais interativo, reformando-se o processo penal, para tanto.
A Justiça Restaurativa prima pela participação de todos os envolvidos no
crime. Para a vítima, e isso às vezes significa ter alguma forma de contato direto
ou indireto com o ofensor. Além disso, entendendo que faz parte do processo de
superação da vítima, que ela possa contar o fato que a feriu sob sua ótica,
narrando sua versão àquele que infringiu a lei diretamente para fazê-lo entender
a dimensão dos danos que causou, também são importantes os encontros
restaurtivos.
Para o ofensor, a Justiça Restaurativa oportuniza que ele restitua o bem que
foi retirado da outra pessoa e reparar o dano provocado, como se afirmasse:
“estou assumindo a responsabilidade pelo que fiz e você não é culpado por
isso” (ZEHR, 2012). Isto significa respeitar o infrator enquanto sujeito de
direitos.
O objetivo da Justiça Restaurativa é fazer com que o infrator se sinta
realmente responsabilizado pelo ato que cometeu e não como objeto de
vingança do sistema penal, que parece ter esquecido que o Direito Penal
também deve cuidar da vida futura da pessoa julgada após o cometimento do
crime, neste sentido (NETO, 2013).
É um processo pelo qual todas as partes juntam-se para resolvê-la uma
questão coletivamente e para tratar de suas implicações futuras. Assim, é
possível dizermos que a Justiça Restaurativa tem um caráter prospectivo, na
medida em que suas atividades estão voltadas para o futuro dos envolvidos e
não para o passado como ocorre no sistema de justiça criminal convencional.
Na visão de (ZEHR, 2012), é preciso que o sistema ofereça ao cidadão
infratoruma responsabilização que cuide dos danos, e que estimule a empatia e
a responsabilidade, transformando a vergonha de si mesmo, em vergonha por
um fato. Trata-se do que (PALLAMOLLA, 2009) chama de “vergonha
reintegrativa”, que tenta resgatar o ofensor sem humilhá-lo.
De forma simplificada, pode-se afirmar que a missão da Justiça
Restaurativa é oferecer uma chance para que o diálogo entre as partes
estabeleça uma conciliação entre elas, sem que haja, necessariamente, perdão.
Logo, não é correto falarmos em “mediação na seara criminal” como sinônimo
de Justiça Restaurativa, porque os encontros restaurativos não atribuem
qualquer culpa às pessoas ofendidas, e isso seria pressuposto para que se
pudesse falar em “mediação”. Além disso, para que haja encontro o infrator
precisa assumir sua responsabilidade diante de um fato de forma voluntária,
para que a partir se tentarestabelecer um diálogo. Neste diálogo conceitos
fossilizados, como “culpa”, “perseguição”, “imposição”, “castigo” e “coerção”,

123
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

são substituídos termos como “encontro”, “diálogo”, “reparação do dano” e


“coesão social”, que se acomodam melhor à Constituição, isto é, há uma
preocupação de prevenir novos crimes.
Considerando que a Justiça Restaurativa é mais que um modelo de sistema
criminal, mas acima de tudo uma filosofia, seus princípios podem permear não
só a seara criminal, como também serve de método educativo em escolas, locais
de trabalho e em qualquer instituição social que seja composta por indivíduos
em conflito, superando a cultura obsoleta de que a violência contra pessoas tem
o condão de educá-las e torna-las sociáveis, quando na realidade o que se busca
é apartá-los do resto das pessoas.
Na Nova Zelândia a Justiça Restaurativa é o norte principal do sistema
penal de juventude desde a década de 80 (RAUPP, 2007) e atualmente expande
a aplicação deste modelo. A pouca experiência nacional conjugada com a
experiência de outros países comprova que, embora o objetivo da Justiça
Restaurativa não seja reduzir os índices de reincidência e criminalidade, mas
estimular que uma pessoa de fato assuma a responsabilidade por um ato que
haja causado danos, a redução dos índices é uma constatação.
A fim de evidenciar a distinção entre modelo retributivo e as práticas
restaurativas transcreve-se tabela elaborada por (PALLAMOLLA, 2009):

Quadro comparativo entre o Sistema Penal tradicional e a Justiça Restaurativa


Direito Penal Direito Restaurador
Ponto de referência O delito Os prejuízos causados
Meios A aflição de uma dor A obrigação de restaurar
Objetivos O equilíbrio moral A anulação dos Erros
Posições das vítimas Secundários Central
Critérios de avaliação Uma “pena adequada” Satisfação dos interessados
Contexto social O Estado opressor O Estado responsável

Em síntese, trata-se de uma proposta que se preocupa com a correção dos


danos e com o reestabelecimento do status quo ante, na medida do possível.
Este objetivo principal passa, em primeiro lugar, pela delimitação do dano e das
necessidades de todas as partes. O segundo passo é definir a obrigação do autor
do fato para com a reparação do que fato que cometeu, na maior extensão
possível. O processo conta com a participação de todas as pessoas diretamente
interessadas, e os agentes do Estado são meros reguladores e promotores dos
encontros.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

Justiça Restaurativa é um sistema que busca envolver tantos quantos sejam


os afetados pelo fato criminoso, que vão buscar, coletivamente, identificar
danos e causas, estabelecer obrigações e oferecer tratamento para aquele que
precisar, seja ofensor ou ofendido.

IV. Princípios

A Justiça Restaurativa tem como idéia propulsora que o infrator aja para
reparar o mal que causou, atendendo às necessidades de todas as partes. Para
isso o modelo se divide em três pilares essenciais, sendo o primeiro deles a
delimitação do dano causado, para que se possa dar uma resposta à vítima, seja
concreta, seja representativa.
Além da vítima, é preciso atender às necessidades do ofensor e da
comunidade, partindo do pressuposto de que o crime abala sim - e de forma
significativa - aquele que o cometeu o delito. Por isso é preciso destinar atenção
às suas necessidades e descobrir os motivos que o fizeram agir de forma
ofensiva aos bens de terceiros.
Recentemente o Rio de Janeiro viveu uma desagradável experiência
conhecida como “massacre de Realengo”. À época a mídia, cooptada, rotulou
Wellington Menezes de Oliveira, o autor dos disparos, como um “monstro”.
Não obstante ao enorme sentimento de pesar, não é possível afirmar que
Wellingtontenha sido um “monstro”. Testemunhos de pessoas próximas à ele
esclareceram que foi ex aluno da escola Tarso da Silveira, onde por longos anos
foi vítima de bulling por parte de seus colegas, e que em certa ocasião,
inclusive, foi jogado na lixeira pelos outros alunos da escola. Em razão disso,
muito provavelmente, Wellington desenvolveu sérios traumas que nunca foram
tratados e assim, tornou-se um homem doente, o que, provavelmente, fez com
que ele agisse da forma que agiu.
Fatos como estes nos demonstram a premente necessidade de tratar as
pessoas como seres humanos que vão além de uma rotulação entre o bem e o
mal, porque somos todos um misto de sentimentos que determinam quem
somos em um determinado momento de nossas vidas e este status não é
permanente.
A reparação do dano passa, em primeiro lugar, pela obrigação do autor
reparar as consequências do seu ato, responsabilizado-o (e não punido) pelo que
fez. Esse processo significa fazer o infrator entender o dano, de forma a
estimulá-lo a deixar de seguir este caminho em oportunidades futuras, por meio
de uma obrigação exequível e não um castigo.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

O princípio do engajamento é o terceiro pilar da Justiça Restaurativa e


significa que todas as partes afetas pelo crime devem participar do processo de
reparação e responsabilização e, nesta medida, todos participam da decisão que
estabelecerá a obrigação de quem infringiu as regras.
Pelo exposto, conclui-se que são três os principais princípios da Justiça
Restaurativa, a delimitação dos danos e necessidades que surgem do crime,
atendendo-se, em primeiro lugar, a vítimas e depois o infrator e a comunidade,
depois as obrigações do ofensor para com a reparação dos males e por último o
engajamento de todos os interessados para chegar à uma decisão que se
coadune aos interesses de todos.
É importante mencionar que embora este modelo seja empregado na justiça
juvenil, é certo que os princípios da Justiça Restaurativa orientem também, e,
sobretudo, a justiça criminal imposta aos adultos. É cediça a necessidade de
humanização das práticas das varas criminais, varas de execução penal, Polícia
Judiciária, unidades prisionais e todas as outras instituições envolvidas na
aplicação da sanção criminal.
No Brasil já demos o primeiro passo e temos a Justiça Restaurativa
implantada em alguns lugares e os resultados são positivos. Merece ressalva
que para que a Justiça Restaurativa seja de fato efetiva é preciso que sejam
observados alguns valores que lhe são inerentes, isto é, que a sociedade seja
reconhecida como um local de inter-relações.

V. Práticas restaurativas

Os programas de Justiça Restaurativa podem ser aplicados em diversos


cenários da sociedade, como nas escolas, locais de trabalho e em processos
comunitários. No entanto, no Brasil, a ausência de previsão legal impede sua
adoção em maior escala.
Os encontros restaurativos podem ocorrer entre a vítima e o ofensor, ou por
meio de conferência de grupos familiares ou círculos restaurativos, ou até
mesmo a mescla de todos e via de regra, as pessoas que participam são
previamente preparadas para tanto. Em certos casos não haverá possibilidade de
encontro, porque isto pode magoar ainda mais a vitima, que às vezes está muito
resistente ao ofensor. Mesmo assim, pode haver uma interação entre eles, seja
por meio de carta escrita, vídeo gravado ou um encontro entre representantes
das partes, o importante é que as informações sejam trocadas de alguma forma.
Os encontros são liderados por facilitadores, que têm a missão de proteger o
objetivo do momento abrindo uma via de comunicação entre as partes, sem,
contudo, pressionar ou impor o estabelecimento de um acordo, mas reservando
uma postura ativa quanto a impedir que uma parte tente impor uma dominação

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JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

sobre a outra, o que seria extremamente prejudicial para os objetivos do


momento. Os principais interessados são a vítima e o ofensor, e a exposição de
seus sentimentos é o foco de tudo.
A implantação da Justiça Restaurativa pode trazer algumas vantagens, tais
como a suspensão do processo penal nos casos em que o ofensor aceite a
responsabilidade pelo ato, e se for verificado o cumprimento integral da
obrigação, a extinção definitiva do processo, sem gerar reincidência, ou que o
fruto do encontro promovido entre vítima e ofensor paradigma para a prolação
de uma sentença. O que não se pode perder de vista é que o acordo firmado
entre as partes tem caráter de definitividade, isto é, o seu conteúdo não pode ser
deixado de lado pelas autoridades judiciárias, que terão poder de fiscalização
para proteger a dignidade da pessoa humana e evitar situações vexatórias para o
ofensor.
As partes, quando aceitam se submeter à Justiça Restaurativa, precisam
estar dispostas a reestabelecer a equidade, garantindo que não se trate de mais
uma ocasião para trocas mútuas de mais agressões.
No encontro também será tratado do futuro, isto é, o infrator deve se
comprometer a não incidir no mesmo erro pela segunda vez e que a
comunidade em que vive não ficará em risco com a sua presença.
Não podemos afirmar que o encontro restaurativo é uma experiência fácil
para as partes, mas com certeza seus resultados são absolutamente
compensadores, já que a proposta de ajudar trazer um ser humano de volta para
o eixo de sua vida é uma sensação bastante gratificante para a vítima.
Essa constatação pode ser comprovada a partir de uma pesquisa realizada
pela Faculdade de Serviço Social da PUCRS, em Porto Alegre, que
acompanhou 380 casos submetidos à círculos restaurativos entre os anos de
2005 e 2007 e segundo entrevistas realizadas, 95% das vítimas relataram
satisfação com os resultados, e na mesma proporção, 90% dos ofensores
afirmaram que aprovam o modelo.
Há diferentes tipos de encontros restaurativos, os círculos restaurativos, por
exemplo, podem ser círculos de sentenciamento, que visam estabelecer uma
sentença criminal formal; círculos de apoio, que são uma preparação para o de
sentenciamento, e os círculos para lidar com conflitos no ambiente de trabalho.
Como o próprio nome sugere, os participantes se acomodam em círculos e
um instrumento de auxílio chamado de “bastão da fala” passa de mão-em-mão
entre os participantes, dando voz a cada um na ordem em que estão dispostos
no círculo, sem que outro participante tenha o direito de intervir durante a fala.
Esta estratégia é um meio de mostrar a cada um que todos os envolvidos
merecem respeito, independente da posição que ocupe. Neste modelo o

127
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

facilitador é nomeado como “guardião do círculo” e contam com um maior


número de participantes – vítima, ofensor, familiares, profissionais do judiciário
e membros da comunidade.
A mediação vítima-ofensor consiste em um encontro entre vítima e ofensor
conduzido por um facilitador que tem a missão de manter o equilíbrio entre as
partes. Em certos casos é aconselhável que haja um momento anterior onde se
trabalha separadamente com cada um deles e, posteriormente, caso queiram, o
segundo momento será aquele em que ofensor e vítima poderão dialogar sobre
seus sentimentos, dores e necessidades. O resultado genérico é o
estabelecimento de um acordo, que na maioria dos casos é cumprido pelo
infrator em sua integralidade. Nesta oportunidade os familiares e amigos de
ambas as partes podem estar presentes, mas não assumem uma postura ativa
neste momento, têm apenas papel de apoio para seus entes. Este modelo está
em exercício na Catalunha e vêm apresentando resultados positivo. Entre 1998
e 2002 foram analisados 452 casos, 116 destes não foram objeto de mediação
porque se considerou inviável, tendo-se iniciado a mediação de 336 casos, e
destes 301 foram finalizados. A pesquisa constatou que em 66,2% houve
reparação, ainda que simbólica (PALLAMOLLA, 2009).
Nas conferências de famílias, há uma ampliação dos sujeitos participantes,
que poderão ser os familiares e outras pessoas que tenham importância para a
vítima ou ofensor, como a família e os amigos, que funcionam como estímulo
para que o infrator assuma a responsabilização pelo dano causado.
A conferência de famílias pode ocorrer “roteirizadamente”, como ocorre na
Austrália, sendo conduzido por autoridades treinadas para tal ou como ocorre
nas varas de infância e juventude da Nova Zelândia desde 1989, onde
osencontros são facilitados por assistentes sociais especializados na área da
Justiça Restaurativa e custeados pelo Estado. À estes profissionais dá-se o nome
de “coordenadores de Justiça do Adolescente”, cuja a missão é buscarsempre a
imparcialidade, mas com atenção a uma resposta que estabeleça a
responsabilização do infrator de forma compatível com o dano causado e que
sane as causas, quando existirem.

128
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

VI. Justiça restaurativa no Brasil – as experiências em Porto


Alegre, São Caetano do Sul e Brasília/DF

No Brasil, desde 2005, temos três programas de Justiça Restaurativa em


desenvolvimento: em São Caetano do Sul – SP, Porto Alegre-RS e Brasília –
DF68, todos marcados pela utilização de procedimentos restaurativos diversos.
Em São Caetano do Sul o modelo adotado foi o do “círculo restaurativo” eo
programa é desenvolvido na Vara de infância e Juventude, a partir da assunção
de responsabilidade pelo fato por parte do infrator e recebe o apoio de duas
organizações não governamentais, a CECIP (Centro de Criação de imagem
popular), que tenta facilitar a mudança cultural no sistema educacional, e a
CNV (Comunicação não-violenta), que promove a capacitação de facilitadores.
Quando da audiência de apresentação, o juiz arbitra uma prestação de
serviço à comunidade cumulada com o cumprimento do acordo restaurativo, e
em caso de descumprimento impõe uma medida socioeducativa.
Além de ocorrer no âmbito do Judiciário, três escolas estaduais participam
do programa, para se tentar que as questões problemáticas dos alunos sejam
resolvidas em esfera extrajudicial, sem que seja necessária a aplicação de
medida socioeducativa. Nelas os encontros são facilitados pelos professores e
diretores das escolas, tendo como foco os alunos, e o objeto pode ou não ser
questões criminais, como ocorre nos casos de bulling, por exemplo. O objetivo
é que estes alunos que têm o primeiro contato com a Justiça Restaurativa na
condição de ofensor/vítima, seja um futuro facilitador.
O Judiciário se faz presente no programa de forma enfática e ainda que haja
orientações pautadas pelos princípios restaurativos, a decisão final ainda
pertence ao juiz togado, de modo o juiz pode ampliar a obrigação do infrator
impondo-lhe uma prestação de serviço a comunidade em maior grau, por
exemplo. Evidentemente isto descaracteriza a proposta da Justiça Restaurativa,
exatamente por que deixa de lado a marca principal deste novo modelo – o
protagonismo das partes. Entendemos, portanto, que o Judiciário deveria ter
papel secundário no ambiente restaurativo, assumindo a função de fiscalização,
tão somente.
Em Brasília, a Justiça Restaurativa é desenvolvida perante o 1º e 2º Juizado
Especial de Competência Geral do Núcleo Bandeirantes, aplicando-se a Justiça
Restaurativa à crimes de menor potencial ofensivo cometidos por adultos. Neste
núcleo, utiliza-se o modelo de mediação vítima-ofensor, por isso, é importante
que tanto a vítima quanto o ofensor aceitem participar do encontro. No entanto,
68
Em 2005 estes programas receberam apoio do Ministério da Justiça e do PNUD (Programa das nações Unidas
para o desenvolvimento), através do projeto “Promovendo práticas restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”.

129
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

o programa se desenvolve no JECRIM, cuja principal característica é a


celeridade, e a Justiça Restaurativa tem como norte o alcance da pacificação
social, o que pode precisar de um pouco mais de tempo, por isso, talvez ambos
conceitos sejam incompatíveis na medida em que a práticas restaurativas são
mais lentas, pois demoram o tempo necessário para a restauração. Assim alerta-
se desde já para um risco premente – a submissão dos princípios restaurativos
em relação aos que orientam o JECRIM, aplicando-se aqueles somente em
casos específicos em que for evidente a inaptidão do juizado especial para trata-
lo.
Aspecto positivo na experiência de Brasília é que os encontros restaurativos
são precedidos de tantos encontros quantos sejam necessários, entre uma das
partes e o facilitador, com o fim de que vítima e ofensor superem as questões
que eventualmente impediriam o estabelecimento de um acordo. Realizam-se
pelo menos três encontros – consulta, cujo objetivo é elucidar qualquer tipo de
dúvida, encontro preparatório e encontro restaurativo, sendo que os dois
primeiros ocorre entre o facilitador e uma das partes e o ultimo somente é
marcado quando ambas as partes estão de acordo. Esta é mais uma forma de
tentar garantir a voluntariedade do processo. No programa de São Caetano do
Sul e de Porto Alegre isto não se verifica. Nestes locais ocorre apenas uma
oportunidade prévia entre as partes e o sistema, com o propósito de explicar
detalhes e objetivos e colher a aquiescência expressa dos interessados em
participarem do encontro.
Há de se mencionar também uma vantagem – os encontros restaurativos
que acontecem em Brasília não são roteirizados como ocorre em São Caetano
do Sul e em Porto Alegre, o que segundo vítimas entrevistas por pesquisadores
é um ponto negativo, por ser algo muito “impessoal”.
Quanto ao programa desenvolvido em Porto Alegre, inserido no “Projeto
Justiça para o Século 21”,ele está em curso na 3ª Vara Regional da Infância e
Juventude de Porto Alegre, desde 2000(RAUPP, 2007).
O “Projeto Justiça para o Século 21” não se preocupa apenas com a
inclusão da Justiça Restaurativa nos processos de execução das medidas
sócioeducativas, mas também na solução de conflitos em âmbito escolar e
comunitário.
O exercício do modelo se dá sob duas formas, a primeira delas ocorre antes
da fixação da medida de segurança, quando se realiza uma audiência no JIN
(Justiça Instantânea), que atua conjuntamente com o Centro de Integração de
Atendimento da Criança e do Adolescente e o adolescente é encaminhado para
o círculo restaurativo. Após a ocorrência deste momento, caso o acordo firmado
seja considerado suficiente pelas autoridades judiciárias, não haverá

130
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

necessidade de aplicação de medida de internação. Caso contrário, o acordo


restaurativo será complementar ao processo formal.
A segunda forma de Justiça Restaurativa em Porto Alegre é após o
estabelecimento da medida de internação, e durante a execução desta, quando
então é elaborado um plano de atendimento ao jovem que cumpre a sua pena.
É neste ponto que o programa gaúcho se difere dos demais já citados – nele
há a possiblidade de aplicação da Justiça Restaurativa durante o cumprimento
da medida de segurança. A vantagem desta diferença consiste no fato de que a
partir do momento em que os princípios restaurativos estiverem presentes na
execução da medida sócioeducativa, a sua função social passa a ser verificada
de forma mais enfática.
O programa de Justiça Restaurativa em desenvolvimento em Porto Alegre
se divide em algumas etapas, consideradas essenciais para o sucesso do
programa como um todo: primeiro ocorre o pré-círculo, que é uma preparação
para o encontro entre as partes. E o encontro propriamente dito se subdivide na
etapa de compreensão mútua dos objetivos do momento, a auto-
responsabilização do infrator e no estabelecimento do acordo. A última fase é a
do pós-círculo, isto é, a fiscalização do cumprimento do acordo.
Pesquisas apontam que entre os anos de 2005 e 2007, constatou-se que em
muitos casos submetidos ao círculo restaurativo não foi estabelecido um acordo
de reparação material, mas sim simbólico, e que mesmo assim a satisfação das
vítimas foi de 95%, porque puderam mais do que simplesmente ver o ofensor
“pagar pela infração”, mas se sentirem realmente responsáveis por um dano e,
além disso, tiveram a oportunidade de entender o ofensor como um ser humano,
o que não é comum na justiça penal tradicional. Os jovens infratores, por sua
vez, declaram a sua felicidade em ter participado do programa, que faz com que
se sintam tratados com respeito.
Quanto ao índice de reincidência, primeiramente, dividiu-se os casos que
foram encaminhados ao CPR, mas não finalizaram o procedimento, e os que
fizeram o procedimento integral até o fim. Quanto aos que não finalizaram o
procedimento, 56% voltaram a cometer infrações, enquanto que dentre os
adolescentes que firmaram o acordo e o cumpriram integralmente o índice de
reincidência gira em torno de 44%.
Os programas de Justiça Restaurativa na fase de execução de medida
sócioeducativa (onde a vítima não participa) foram analisados em separado em
razão de sua especialidade, e por esta razão visam obter acordos no sentido de o
ofensor aceitar ser submetido à tratamento de saúde, acompanhamento
psicoterápico, inclusão no mercado de trabalho, inserção em atividades
esportivas, etc.

131
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Dentre os 139 casos estudados nos anos de 2005 e 2006, 95 casos foram de
roubo, 11 de furto, 7 de tráfico de drogas, 6 de latrocínio, etc. Destes, obteve-se
acordo restaurativo em 92,7% dos casos e houve cumprimento integral em
75,6%. Quanto à estes, houve apenas 21% de reincidência, índice bastante
inferior à taxa nacional da justiça criminal.
O que se constata, é que em Porto Alegre, a Justiça Restaurativa encontra
dificuldade em substituir o modelo de justiça tradicional evitando a medida
socioeducativa, mas é preciso frisar que ainda não há dados estatísticos para
comprovar esta afirmação.
Os operadores da Justiça Restaurativa no âmbito de execução das medidas
sócio-educativas afirmam que o que ela pode acelerar o processo de empatia do
ofensor, que quanto maior seja a infração por ele cometida, maior será seu grau
de distanciamento para com o ordenamento, e assim, maior será a sua privação
de liberdade plenamente justificada. Na medida em que a Justiça Restaurativa
faz com que a “ficha caia mais rápido” a proporcionalidade entre ação e
reprimenda pode atuar com menor incidência.
Há um aspecto positivo a ser ressaltado – o fato de que nos três modelos
analisados a prática restaurativa está vinculada ao judiciário. No entanto,
tratam-na como modelo complementar e não alternativo à justiça tradicional, o
que representa um ponto negativo.

Considerações finais

O aumento significativo da violência nos faz questionar a legitimidade do


sistema tradicional de justiça criminal e foi a partir deste questionamento que
nasceu a Justiça Restaurativa, que objetiva tratar o crime de forma diferente
para tentar obter resultados efetivos, sem a presunção de ser uma estrutura fixa e
inamovível, mas algo que se contraponha ao sistema falido que temos hoje.
Para isso, a base do modelo é, principalmente, a participação da vítima e do
ofensor em busca de uma responsabilização objetiva, contudo digna,
reestabelecendo-se a situação anterior ao delito sempre que possível. Além
disso, também é um objetivo do modelo restaurativo que se evite a aplicação de
penas privativas de liberdade, por meio da realização de encontros e ciclos que
surtam os efeitos esperados pela pena, mas sem impor uma dominação
degradante. Assim, a Justiça Restaurativa se fundamenta em princípios, valores,
meios e finalidades próprias, que rompem com a estrutura atual em busca de
algo novo, que seja um primeiro passo para alcançarmos a paz social tão
desejada.
Porém, é preciso alertar para o fato de que somente esta iniciativa, por
melhor que seja, não surtirá grandes efeitos se não for aliada a políticas públicas

132
JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

de qualidade, como investimento em educação e geração de empregos, por


exemplo.
É preciso mencionar também, que nem sempre será possível afastar
completamente a ideia de punitivismo da proposta restaurativa, afinal a
responsabilização significará, em alguma medida, uma onerosidade para o
ofensor e, por maior que seja sua ingerência sobre o processo de
responsabilização, não poderá escolher não responder pelo dano provocado.
Princípios como o consentimento informado, a voluntariedade,
confidencialidade e manutenção da presunção de inocência, caso a questão
volte a ser objeto de tratamento pelo judiciário, não podem ser deixados de lado
em nenhuma fase do processo restaurativo, nem mesmo na fase pré-processual,
sob pena de haver uma subversão do sistema, que o faça perder todas as suas
características básicas, aproximando-o do sistema atrasado que temos hoje, ao
invés de obter o avanço que esperamos alcançar.
Com isto o que se quer dizer é que a Justiça Restaurativa não se propõe a
substituir o sistema penal, mas complementá-lo, criando uma outraforma de
responder ao crime que não seja a imposição de pena. Mesmo assim, por ter
seus princípios próprios, a Justiça Restaurativa deve manter certa autonomia e
neste ponto deve-se ter o maior cuidado para não corrermos o risco de
confundir as coisas.
Quanto às práticas restaurativas, pode-se concluir que o ideal é que os
encontros sejam realizados antes do ingresso da questão criminal no bojo do
Poder Judiciário, evitando o processo penal.
Um outro elogio que deve ser feito a Justiça Restaurativa é quanto a sua
capacidade de flexibilizar-se. Ao contrário do processo penal, que tem regras
estanques, as regras que norteiam as práticas restaurativasvariam de projeto para
projeto, obedecendo às necessidades específicas da sociedade em que está
inserida. Ora, o direito é o reflexo da cultura de um povo, e a cultura é marcada
pelo dinamismo e a Justiça Restaurativa respeita esta realidade.
O fato é que a Justiça Restaurativa está nascendo no Brasil em um contexto
de reconhecida ineficiência da Justiça para lidar com os conflitos criminais. Este
fato, somado a curva crescente dos índices de violência no Brasil, impõe a
necessidade de o Sistema judiciário se reinventar e buscar alternativas e neste
trabalho restou demonstrado que a Justiça Restaurativa é um excelente meio
para alcançar o fim de legitimar o sistema de justiça criminal, criando-se uma
possibilidade de resolver as questões que lhes são submetidas de maneira não
violenta.

133
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

É preciso tempo para que as pessoas que se acostume e se adaptem ao novo.


O fato é que as pessoas ainda não estão preparadas para viver em um lugar em
que não haja as ameaças do direito penal.
No entanto, ainda assim, é possível sustentarmos que o processo penal que
se mantém, altere as suas bases e que se deixe permear pelos princípios
restaurativos, abandonando a finalidade escondida de se vingar do outro.
O Direito Penal atual rompe com todas as conquistas pelas quais a
sociedade lutou durante séculos. Por fim, a Justiça Restaurativa deve ser
concebida como um instrumento de inovação e de intervenção penal que rompa
as atuais estruturas.

Referências Bibliográficas
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Livraria do advogado. 2003.
BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro, Revan.
2012
FERNANDES, Marcia Adriana. Justiça Restaurativa: reflexão sobre crime, punição e formas não
violentas de resolução de conflitos. 2012
PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. A Fábrica de Penas. Rio de Janeiro. Revan. 2009.
PALLAMOLLA, Rafaela Porciuncula. Justiça Restaurativa – da teoria à prática. São Paulo.
IBCCRIM. 2009.
RAUPP, Mariana & BENEDETTI, Juliana. A implementação da Justiça Restaurativa no Brasil: Uma
avaliação dos Programas de Justiça Restaurativa de São Caetano do Sul, Brasília e Porto Alegre.
Revista Ultima Ratio. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2007.
ROSA, Alexandre Moraies. Para um Processo Penal Democrático. Rio de Janeiro. Lumen Juris.
2010.
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo. Curitiba. Juruá. 2009
SANTANA, Selma Pereira. Justiça Restaurativa. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010
SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e Alternativas à Prisão. São Paulo: RT, 2010.
SOARES, Luiz Eduardo. Pensando alto sobre Violência, Crime e Castigo. Nova Fronteira. 2011.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro. Revan. 2007
ZEHR, Howard. Justiça restaurativa, 1ª ed. São Paulo: Palas Athena. 2012.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes – um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas
Athenas.
Entrevista com Juarez Cirino dos Santosconcedida a Rômulo Cardoso. Novo Código Penal,
Criminologia e Política Criminal. Revista Novos Rumos, publicação oficial da Associação dos
Magistrados do Paraná e Judicemed, edição nº 176, 2012.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA –
CRIME, PUNIÇÃO E FORMAS NÃO VIOLENTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
KATRINE QUINTANILHA FONTES

Entrevista com LoicWacquant. A Segurança Criminal como Espetáculo para Ocultar a insegurança
social. Fractal Revista de Psicologia. V. 20 – n.1, p. 319 -330, Jan/jun. 2008.

135
A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL NO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE ATRAVÉS DA EXTENSÃO
ACADÊMICA

Esther Benayon Yagodnik


Cristiana Vianna Veras

Diante do processo de transformação que a sociedade contemporânea vem


experimentando, surge a necessidade de se repensar a adequação do ensino
jurídico das faculdades de Direito ao modelo assistencialista tradicional de
acesso à justiça. Para tanto, o presente estudo busca demonstrar a possibilidade
de a implantação de formas alternativas de resolução de conflitos no âmbito do
Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal Fluminense, por meio de
ações de extensão acadêmica. O Programa de Proteção e Facilitação da
Convivência Harmônica, em conjunto com os projetos de extensão intitulados
Mediação Extrajudicial e Mediação e Conciliação no CAJUFF, sendo
inovadoras neste sentido, alcançam, através da identificação do conflito real
pelo diálogo entre os agentes sociais envolvidos no conflito, um viés
emancipatório e de qualificação cidadã.

Introdução

A partir do presente estudo, que envolve uma perspectiva interdisciplinar e


busca aproximar áreas de conhecimento das ciências sociais aplicadas e das
ciências humanas, surge a necessidade de se repensar a adequação do ensino
jurídico das faculdades de Direito ao modelo assistencialista tradicional de
acesso à justiça que, atualmente, se limita ao incentivo de práticas litigiosas,
confeccionado na esteira da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988.
A atual proposta de ensino jurídico, em especial no aprimoramento da
prática, tem seu foco direcionado para a solução do litígio, baseado na disputa
adversarial, levando a busca por um “vencedor”. Contudo, diante do constante
processo de transformação que a sociedade contemporânea vem experimen-
tando e a demanda por práticas mais adequadas às necessidades e peculiari-
dades dos conflitos sociais, se torna necessário buscar outros modelos de
abordagem dos litígios, visando à efetividade dos direitos.

136
A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL NO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ATRAVÉS DA EXTENSÃO ACADÊMICA
ESTHER BENAYON YAGODNIK
CRISTIANA VIANNA VERAS

Para tanto, encontra-se em desenvolvimento três ações de extensão de viés


complementar, no âmbito do núcleo de prática jurídica da Universidade Federal
Fluminense, sendo elas Programa de Proteção e Facilitação da Convivência
Harmônica, Mediação Extrajudicial e Mediação e Conciliação no CAJUFF
que permite introduzir e alcançar a resolução alternativa de conflitos através da
prática dialógica.
As ações de extensão, que tem como público alvo o institucional
(estudantes, professores, servidores e funcionários técnico-administrativos) e
social (cidadãos), residentes na municipalidade de Niterói, no Rio de Janeiro,
convidam, mediante veiculação nas principais mídias, aqueles que possuam
conflitos de vizinhança ou de natureza familiar e que estejam dispostos a
participar do projeto.
A proposta principal é contribuir com a facilitação da convivência
harmônica e instruir as partes mediandas, consolidando experiências de
autocomposição de conflitos através do diálogo das partes, a partir de uma
articulação entre alunos, professores e grupos sociais na perspectiva dos direitos
humanos e da reconstrução da cidadania, permitindo, nesse sentido, uma
resolução mais permanente e flexível ao conflito. Assim, objetiva-se a
ampliação dessa cultura não litigiosa na busca pela solução pacífica do conflito
pelas próprias partes envolvidas, através de comunicação ética, qualificando,
desta forma, sua participação na sociedade e ampliando os espaços de
cidadania.

I. Crise do ensino jurídico no Brasil e a necessidade de


transformação

Uma breve análise da trajetória do ensino jurídico no Brasil permite


concluir que o modelo de formação dos bacharéis, futuros profissionais e
operadores do Direito, ainda é tradicionalista, calcado nas técnicas e nas práticas
adversariais e litigiosas de resolução de conflitos. Em decorrência, podemos
compreender o desconhecimento ou conhecimento carente por parte dos
bacharéis, discentes e operadores de práticas alternativas de resolução de
controvérsias, como a mediação, por exemplo, além de outras formas de
facilitação do direito fundamental de acesso à justiça.
Fazendo uma retrospectiva histórica sintética, criados em 1827 no Brasil, os
cursos de Direito eram sediados em dois conventos: o de São Francisco (São
Paulo) e o de São Bento (Olinda). Os cursos foram criados apenas pela
necessidade de se formar profissionais que atendessem às emergências do

137
MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Estado Nacional da época, quais eram, a formação de advogados, julgadores e


burocráticos das funções administrativas do Estado. Note-se, contudo a
dissociação com questões sociais do contexto brasileiro da época.
Com o advento da República, o ensino jurídico sofreu modificações,
principalmente em razão da filosofia positivista, mas que não conseguiram
repercussões estruturais significantes.
Como parte integrante dos desdobramentos da Revolução de 30, em 1931, a
Reforma Francisco Campos trouxe a orientação pelo ensino jurídico
profissionalizante, pautados no estudo do Direito Positivo, na tentativa de
modernizar o ensino superior brasileiro.
Com mais de cem anos de criação, afirmou Santiago Dantas, que a crise do
ensino jurídico ainda se mantinha viva (DANTAS, 2005). O ensino jurídico,
burocratizado, descontextualizado da realidade social e descompromissado com
a questão da justiça, advertiu Santiago Dantas, declinava na qualidade e
acarretaria uma perda de credibilidade.
Ocorre que até a presente data encontramos o mesmo sistema de ensino
jurídico, que denota séria e complexa crise estrutural. Sobre esta complexa
crise, Horácio Wanderlei Rodrigues se posiciona:

No quadro social, político e econômico brasileiro, uma série de fenômenos vem


contribuindo para a crise do ensino do Direito. [...] Modificaram-se as exigências
com relação à prática profissional do jurista, mas o ensino do Direito não
acompanhou essa evolução. Continua inerte, estacionado na era dogmática, não
tendo, em muitas situações, superado o século XIX, ainda reproduzindo a ideia de
que a simples positivação dos ideais do liberalismo é suficiente para gerar a
democracia e que o positivismo é o modelo epistemológico adequado para a
produção do conhecimento científico (RODRIGUES, 2005).

Assim, observa-se que o ensino jurídico no Brasil é tradicionalmente


conservador, voltado às práticas litigiosas e adversárias, não se levando em
consideração o contexto social, mas sim um dogmatismo normativista.
Note-se que os atuais quadros curriculares do ensino jurídico derivam de
herança puramente histórica de dominação e colonização, pois se fossem
considerados os teóricos do Direito, os quadros certamente seriam diversos.
Destacamos Francesco Carnelutti que teceu importantes pesquisas sobre
conflito e lide e ainda sinalizou a categoria dos sucedâneos da jurisdição estatal
há mais de seis décadas atrás (CARNELUTTI, 1960).
Traçado o panorama da crise, se faz necessária a quebra desses paradigmas
para adequar o ensino jurídico para além do modelo tradicional, com ênfase no
contexto social em que pertencemos, procurando inserir nos cursos, entre outras
propostas, a prática dialógica da resolução não adversarial de conflitos, como
por exemplo, a conciliação e mediação. A educação dos discentes a esta prática

138
A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL NO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ATRAVÉS DA EXTENSÃO ACADÊMICA
ESTHER BENAYON YAGODNIK
CRISTIANA VIANNA VERAS

é fundamental até porque há uma tendência de desformalização de


controvérsias, desjudicialização de conflitos e ampliação do modelo
assistencialista tradicional de acesso à justiça.
Seria interessante, portanto, que a mudança de paradigmas se iniciasse pelos
cursos de Direito, na formação de profissionais capacitados em administrar
conflitos sem judicializá-los. Contudo, isso não será possível, por já existirem
iniciativas institucionais (Tribunais de Justiça, Ministério Público, Defensorias)
que já praticam a mediação como modo alternativo de resolução de
controvérsias.
Pioneiro ou não, o importante é que o ensino jurídico se adeque a esse novo
enfoque, sobretudo para possibilitar o caminho evolutivo e o acompanhamento
da sociedade com as práticas coexistenciais de resolução de conflitos, evitando
a falência de instituições e do próprio sistema do Direito.
E este é o objetivo deste estudo e principalmente das ações de extensão:
permitir, no âmbito da extensão acadêmica, a partir de construções teóricas
interdisciplinares, o contato real de discentes, docentes e sociedade civil a
conflitos que possam atingir seu fim através da resolução alternativa, sem que
seja necessário recorrer ao Poder Judiciário.

II. A busca do acesso à justiça na contemporaneidade

Considerando a sociedade contemporânea, multifacetada e pluralista, em


que vivemos, e a busca pelo amplo acesso à justiça, por meio da efetividade dos
direitos, a exigência por práticas adequadas e sensíveis para resolução dos
conflitos é cada vez maior.
A discussão acerca do acesso à justiça traz muitos questionamentos e
pensamentos jurídicos, sendo pulverizado o significado da expressão. Ventila-
se se o acesso ao poder estatal pode satisfazer a expressão ou ainda se não existe
justiça para além do Poder Judiciário.
Indubitavelmente, considerando as lições trazidas por Mauro Cappelleti e
Bryant Garth, na obra “Acesso à Justiça”, decorrente do Florence Project
(1973 a 1979), extraímos que a expressão certamente ultrapassa ao acesso ao
Poder Judiciário. Este, não se pode negar, é um dos meios de acesso à justiça,
considerado em sua perspectiva formal, todavia, não é o único.
Há que ser levado em conta o aspecto material, substancial da expressão, no
sentido de se garantir ao cidadão não apenas o ingresso aos Tribunais, mas
principalmente a efetivação dos seus direitos.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

No desenvolvimento da obra dos autores, que divide o movimento do


acesso à justiça em três ondas, percebe-se que justamente na primeira onda
estão incluídos os programas de assistência judiciária, que permitem que
cidadãos que não possuem condições de custear despesas judiciais sem prejuízo
do próprio sustento ou de sua família possam também alcançar a justiça. Esses
programas são desenvolvidos, sobretudo pela Defensoria Pública e pelos
Núcleos de Prática Jurídica das faculdades de Direito, adiante tratados.
Além disso, não há dúvida de que na terceira onda está inserida uma
concepção mais ampla de acesso à justiça, onde estão inclusos os meios
alternativos, denominados ADR’s – Alternative Dispute Resolution. Isso porque
essa terceira onda de reforma destaca não só a advocacia judicial e extrajudicial,
mas também salienta que a prevenção de disputas na sociedade moderna deve
ser fruto de um processo articulado e participativo entre instituições,
mecanismos, pessoas e procedimentos. Nas palavras dos próprios autores,

Já foi sugerido que a mediação ou outros mecanismos de interferência


apaziguadora são os métodos mais apropriados para preservar os relacionamentos.
As partes, ademais, podem diferir grandemente em poder de barganha,
experiência ou outros fatores já comentados anteriormente no presente estudo sob
o título “Possibilidades das Partes” (CAPPELLETTI, 2002).

Assim, a despeito do conceito tradicional de acesso à justiça, aqui se propõe


uma complementação, podendo ser compreendido como também acesso aos
meios de resolução de conflitos. Tal pensamento quando esposado na obra era
distante da realidade brasileira, porém hoje já sabemos que os próprios
Tribunais de Justiça possuem Núcleos de Mediação Judicial, reconhecendo os
meios alternativos como essenciais e adequados na administração da justiça.

III. A noção microssistema de direito processual e mediação

De acordo com Norberto Bobbio, vivemos na Era dos Direitos (BOBBIO,


20 04). São direitos humanos, direitos da personalidade, direitos decorrentes de
tratados, das constituições de cada país, das leis esparsas, decorrentes de
costumes, de atos negociais privados, enfim, são muitos os direitos proclamados
na contemporaneidade. Se estes direitos materiais estão caracterizados por este
pluralismo tanto na forma quanto no conteúdo, podemos facilmente considerar
que amplos também deverão ser os meios de resolução de conflitos criados a
partir da observância ou não destas normas.
Decorre desse pluralismo de normas que as crises, conflitos e litígios estão
longes de atingir a uniformidade, sendo certo, portando que a reposta a essas
demandas também não poderá ser únicas.

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A princípio, como resposta ao conflito judicializado temos a sentença.


Ocorre que o sistema jurídico estatal através do Poder Judiciário nem sempre é
o mais efetivo e adequado na gestão intermitente de certos conflitos que surgem
com o quotidiano da convivência.
Por mais contraditório que possa parecer, existe uma iminente tensão no
Poder Judiciário no que concerne ao acesso à justiça. Ao mesmo tempo que foi
facilitado o acesso (entrada) ao Poder Judiciário ao cidadão comum (através da
criação dos juizados especiais por exemplo), de tantas demandas, o mesmo se
encontra atualmente assoreado, sendo imperioso encontrar uma forma de saída
de demandas do mesmo, sem contudo limitar o acesso à justiça.
Para resolver esse paradoxo, incentiva-se a “saída” da justiça com soluções
pacíficas gerais, podendo ser elas dentro (endoprocessual) ou fora
(extraprocessual) do processo. Esse incentivo é necessário para a própria
sustentabilidade do Poder Judiciário.
Diversos conflitos, mormente de natureza familiar que já encontraram pelo
Poder Judiciário o seu fim mediante a entrega da prestação jurisdicional, apenas
iniciaram sua longa jornada de existência através de discussões e desavenças
entre as partes integrantes das relações intersubjetivas. A ocorrência desse
fenômeno repetidamente traz fatalmente um descrédito do Poder Judiciário e
principalmente da efetividade de suas decisões que juridicamente são perfeitas,
porém imperfeitas na prática da convivência.
É nesse contexto destacado que surge a necessidade de redemocratização e
da busca de uma justiça cidadã, que propõe ser inserida através de institutos
novos tais como a mediação, no complexo de reformas processuais
contemporâneas. Contudo, a sociedade brasileira ainda está carente de uma
cultura que podemos denominar como mediacional. Ao revés, ainda impera
uma cultura litigiosa, conflitual. Em vez de uma resolução de conflitos através
da autocomposição, de forma consensual, a maioria dos integrantes da
sociedade brasileira busca diretamente a via judicial, heterocompositiva.
A mediação é tratada no direito como potencial método alternativo de
resolução de conflitos de forma não adversarial na busca para efetividade do
acesso a justiça. Assim, a mediação, considerada como meio complementar que
pode ser utilizada para conflitos não administráveis pelos tribunais, pode
contribuir para o desenvolvimento institucional, na busca pela sustentabilidade
do Poder Judiciário.
Assim, nesta perspectiva auxiliar, de complementação ao modelo
tradicional, podemos considerar que os meios alternativos compõe um
microssistema, que denota uma ordem, coerência, conjunto, havendo inclusive
doutrinadores que propõe uma teoria geral.

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MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

IV. Mediação como meio de promoção dos direitos humanos e da


emancipação social

Considerando a pluralidade das sociedades contemporâneas, o sistema


jurídico estatal, por meio da atuação do Poder Judiciário, nem sempre é o
caminho mais efetivo e adequado na gestão intermitente de certos conflitos que
surgem com o quotidiano da convivência.
Contudo, não apenas este acesso formal deve ser objeto das transformações
do sistema, a preocupação com a real fruição dos direitos levou à redefinição do
direito do acesso à justiça, cujo conteúdo deve superar a mera possibilidade de
estar em juízo, acrescentando-se outros importantes aspectos, orientados à
garantia de uma resposta efetiva.
É nesse contexto específico que destacamos os meios adequados e
complementares de resolução de conflitos, em especial a mediação. Contudo,
não apenas as universidades, mas também a própria sociedade brasileira ainda
está carente de uma cultura voltada para a emancipação do indivíduo, uma
cultura que trabalha com um terceiro no conflito que atue de maneira apenas
gerencial e não de forma decisionária. Ao revés, ainda impera uma cultura
litigiosa, conflitual.
Assim, a mediação constitui um mecanismo fundamental para a instauração
de uma sociedade direcionada para a harmonia entre seus membros, podendo-se
entendê-la como um instrumento de exercício da cidadania na medida em que
significa uma experiência pedagógica de resolução de conflitos, contribuindo
para a superação de diferenças e para decisões que expressem efetivamente os
interesses das partes envolvidas.
Ressalta-se que, em nosso entender, a mediação possui um viés integrador
de um projeto civilizatório, eis que qualifica a cidadania e a participação efetiva
social, sob o viés emancipatório.
A mediação pode ser utilizada antes (pré-processual) ou após
(endoprocessual) a judicialização do conflito. Para atingir com magnitude seus
objetivos, sustenta-se que seria adequado a mediação se dar pré-
processualmente, não nas dependências dos tribunais, onde circulam os
processos, mas em ambiente mais descontraído e menos oficial. Por isso, dentre
outros, destaca-se os núcleos de prática jurídica das universidades de Direito,
que nada mais são do que espaços de cidadania e de justiça social.
Isso porque, na mediação extrajudicial, é possível identificar a verdadeira
matriz da mediação: a autonomia das partes. Dentro de um procedimento em
que se busca a responsabilidade e liberdade das partes e, em decorrência, disto,
a efetivação da democracia fora de um núcleo de poder institucionalizador, a

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mediação extrajudicial atinge sua finalidade sem estar maculada por possíveis
vetores de poder.
Nesse contexto, a mediação é alternativa de resolução extrajudicial de
conflitos, de forma adequada, ultrapassando o modelo adversarial característico
das disputas jurídicas. Centra-se não no embate entre as partes, mas no
consenso dialogado através da prática da argumentação e do entendimento,
tidas como uma forma de reflexão do agir comunicativo. Trata-se de um projeto
social baseado na dignidade e retomada de responsabilidade, na medida em que
permite a participação social através da reflexão individualizada dos conflitos e
para além da busca de soluções, ainda que não jurídicas, porém práticas.
Na esteira do que foi dito ao longo do presente artigo sobre a questão da
legitimidade das decisões tomadas a partir de medidas conciliatórias é mister
ressaltar, primeiramente, a diferença categorial entre os termos aceitação e
aceitabilidade, nas acepções de Jürgen Habermas, quando estuda a teoria do
agir comunicativo.
Habermas relaciona a simples aceitação com o aspecto positivo do direito,
onde há a diminuição do risco de dissenso, inerente ao agir comunicativo,
porém por possuir o seu fundamento de indisponibilidade exclusivamente numa
razão superior, coloca em xeque a questão da legitimidade das normas e, por
consequência, a participação do indivíduo no processo de construção de tensões
que pautem as dinâmicas sociais através do agir comunicativo.
Diante deste impasse, importante se faz levar em consideração a
aceitabilidade como parte do processo de atribuir legitimidade às normas que
tiveram uma gênese baseada num processo de edição e intensa discussão.
Neste sentido: “[...] o modo de validade do direito aponta, não somente para
a expectativa política de submissão à coerção, mas também para a expectativa
moral do reconhecimento racionalmente motivado de uma pretensão de
validade normativa, a qual só pode ser resgatada através da argumentação”
(HABERMAS,
Com isto, é latente a necessidade de se criar um novo paradigma que seja
para além da forma jurídica procedimental (como sustentam as variantes do
positivismo) e do conteúdo moral imutável dado a priori (como sustentam as
diferentes variantes do jusnaturalismo). Tal paradigma daria, então, o equilíbrio
necessário entre a inevitável tensão entre as racionalidades de cunho
dominatório e emancipatório que coexistem na sociedade.
Nesta altura do artigo preferimos nos ater ao aspecto emancipatório contido
no processo de mediação, o que está intimamente relacionado à manutenção da
autonomia do indivíduo como indicativo de um estado democrático de direito
pautado nos direitos humanos. Esta emancipação promovida pela mediação vai

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A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

ao encontro do impulso moral da força dos direitos humanos, a saber, a


proteção da dignidade igual de cada um.
A dignidade humana pode ser entendida, então, como “um sismógrafo que
mostra o que é constitutivo para uma ordem jurídica democrática – a saber,
precisamente os direitos que os cidadãos de uma comunidade política devem se
dar para poderem se respeitar reciprocamente como membros de uma
associação voluntária de livres e iguais.”
No contexto brasileiro observa-se que o apelo aos direitos humanos
alimenta-se na indignação dos humilhados pela violação de sua dignidade
humana, no caso em análise, consequência da violação do seu direito de acesso
à justiça.
Desta forma, os direitos humanos podem ser entendidos como condições de
inclusão (grifos nossos) e a indignação dos que foram violados tem respaldo
num processo político de direitos humanos.
Neste sentido, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)
apresenta as bases de uma Política de Estado para os Direitos Humanos e traz a
utilização de modelos alternativos de solução de conflitos (dentre os quais a
mediação está incluída) como um de seus objetivos estratégicos. O PNDH-3
propõe reformular o sistema de Justiça, avançando propostas de garantia do
acesso universal à justiça, com disponibilização de informações à população,
fortalecimento dos modelos alternativos de solução de conflitos e modernização
do sistema judiciário.69
O fomento de iniciativas de mediação e conciliação, estimulando a
resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior
pacificação social, é tomado, agora, como política pública em direitos humanos
o que denota algum avanço na participação e na ação comunicativa dos
movimentos nos quais os direitos humanos se fortalecem, com o objetivo de
consolidar o processo de democratização do Estado e da própria sociedade.
Dessa forma se alcança, consequentemente, uma sociedade mais próxima
da realidade dos direitos humanos, estes entendidos como propiciadores de
inclusão social. A luta pelo igual acesso à justiça como um direito fundamental
e reflexo da dignidade do ser humano ganha um aliado, qual seja, o conjunto de
meios alternativos de composição das lides. E mais, objetiva-se inseri-lo no
âmbito dos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito por meio de
iniciativas extensionistas.

69
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República. Brasília: SEDH/PR, 2010.

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V. A implementação das ações de extensão acadêmica

Dentro desse contexto, a Universidade Federal Fluminense, junto a


Faculdade de Direito, desenvolve um laboratório de reflexões e experiências
dentro de uma proposta de formação jurídica que busca ser essencialmente
emancipadora e humanista, na medida em que visa demonstrar como a
implantação de técnicas de resolução alternativas de conflito no ambiente do
Núcleo de Prática Jurídica pode contribuir não só com a sociedade, mas
também com a própria sustentabilidade do Poder Judiciário,
“desjudicializando” conflitos, sem, contudo, limitar o acesso à justiça.
O Centro de Assistência Jurídica da UFF (CAJUFF) atende a população
carente residente na municipalidade de Niterói. Além disso, é nesse ambiente
que os alunos desenvolvem a disciplina curricular de prática laboratorial
aprendendo, concretamente, a atuação profissional da área do direito.
Com a observação da atuação do Poder Judiciário e a atual crise, verifica-se
que alguns processos seriam desnecessários se houvesse tentativa de resolução
alternativa daquela controvérsia, mormente quando a natureza do conflito é
familiar ou envolve direito de vizinhança. Buscando “desjudicializar” os
conflitos, propõe-se um campo de diálogo entre as partes, orientadas pelos
alunos e professores na busca de uma solução amigável do conflito. A
recuperação da voz ativa das partes, num ambiente de liberdade comunicativa70,
de diálogo e respeito, promove a construção de um consenso responsável e
legitimado pelos envolvidos, de forma democrática, fazendo com que o conflito
real seja dissolvido de forma eficaz.
Foi nesse sentido que foram aprovadas as ações de extensão intituladas
Programa de Proteção e Facilitação da Convivência Harmônica, Mediação e
Conciliação no CAJUFF e Mediação Extrajudicial.
Cada uma delas possui uma natureza, sendo a primeira um programa, a
segunda um projeto e a terceira um curso; e por essa razão é que se
complementam na busca pela adequação do ensino jurídico.
Enquanto o curso (Mediação Extrajudicial) possui o objetivo pedagógico e
educacional de informar ao público alvo acerca do instituto, o projeto
(Mediação e Conciliação no CAJUFF) busca fazer uma triagem dos conflitos

70
Explica Jürgen Habermas (2010, p.155/156): “eu entendo a ‘liberdade comunicativa’ como a possibilidade –
pressuposta no agir que se orienta pelo entendimento – de tomar posição frente aos proferimentos de um
oponente e às pretensões de validade aí levantadas, que dependem de um reconhecimento intersubjetivo. [...]
Liberdade comunicativa só existe entre atores que desejam entender-se entre si sobre algo num enfoque
performativo e que contam com tomadas de posição perante pretensões de validade reciprocamente levantadas”.

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A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CONTEMPORANEIDADE

já judicializados e tentar averiguar quais destes conflitos poderiam ser


resolvidos harmonicamente através da mediação ou da conciliação.
Complementarmente, o programa (Programa de Proteção e Facilitação da
Convivência Harmônica), diferentemente do núcleo de prática, não só atende a
população carente, mas também está aberto a receber quaisquer pessoas em
conflito, porém dispostas a solucioná-los pacificamente. Esta abertura foi
possível justamente pela proposta de desjudicialização do conflito. Quando o
conflito está judicializado, a observância do benefício da gratuidade de justiça
cinge-se a aplicação literal da Lei 1.060/50.
A proposta pedagógica e metodológica é paradigmática: trabalhar com
casos concretos trazidos pela comunidade local ou pelos mediadores. No
desenvolvimento do projeto, serão realizadas sessões de conciliação e
mediação, onde será oportunizado o diálogo entre as partes, possibilitando uma
solução amigável e pacífica ao conflito.
Na hipótese do procedimento resultar em um consenso legitimado pelos
envolvidos, será elaborado um termo de acordo para posterior requerimento de
homologação judicial. Em hipótese contrária, as partes poderão ajuizar a ação
pertinente junto ao Poder Judiciário, desde que hipossuficientes. Caso não o
sejam, deverão procurar profissionais privados.
Sendo assim, a ação de extensão busca o diálogo entre os envolvidos no
conflito, como forma de garantir o acesso à justiça e principalmente permitir aos
participantes, através da prática do conhecimento, alcançar um viés
emancipatório, para além da simples solução do conflito, atingindo também a
efetividade do acesso à justiça e, por consequência, os direitos.
Assim, o programa permite a administração intersubjetiva da razão de cada
participante através de sessões de mediação, de modo que o entendimento se
concretize no sentido dos enunciados argumentativos por ambos propostos, na
busca da evolução do conflito, para reconstruir a convivência pacífica.
Quando se permite às partes formar seu convencimento através de sua
razão, do livre agir comunicativo, juntamente com o próprio consenso, advém
uma expectativa legítima de validade e efetividade do mesmo. Enquanto o
resultado da mediação traz essa expectativa legítima, o mesmo não podemos
afirmar das sentenças prolatadas pelo órgão do Poder Judiciário, principalmente
quando o caso se refere à relações continuadas, como as de família ou de
vizinhança.
Nas sessões de mediação, oportuniza-se uma forma ímpar de se operar a
razão de cada participante, de forma que eles sejam capazes de pensar e propor
os enunciados argumentativos em condições que garantam uma expectativa
legítima de observância, propiciando com o tempo o entendimento e a
reconstrução da relação afetada pelo conflito.

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Por mais utópico que isto possa parecer, nas circunstâncias em que se
encontra a sociedade e temendo seus rumos, a mediação é proposta como um
mecanismo de transformação da própria realidade social e da prática da
cidadania, favorecendo a concretização dos direitos humanos.
Com efeito, compreendida como ação dirigida aos protagonistas dos
conflitos sociais, a mediação propicia a abertura de um amplo debate sobre os
antagonismos existentes no próprio seio da sociedade, possibilitando o diálogo
e ampliação da compreensão das partes, transformando-se a situação adversarial
em uma situação de cooperação, promovendo assim, o acesso à Justiça na sua
forma mais eficaz, que é o gerenciamento e, possível, solução efetiva do
conflito, resposta tão almejada pela sociedade e pelo próprio Direito.
A partir desses dados e constatações, após aprovação das três ações, ambas
se encontram em fase de implementação e desenvolvimento e recebe adeptos e
contribuições relevantes a cada dia, tanto por parte dos graduandos, pós-
graduandos e docentes, como também por parte da sociedade e dos mediandos.
Dessa forma, incentivam-se práticas sensíveis para resolução dos conflitos
no CAJUFF, a partir de uma prática diferenciada, mas complementar ao atual
ensino adversarial e litigioso. Os objetivos principais são verificar a
possibilidade de uma nova proposta de ensino da prática jurídica, baseada na
cooperação e no resgate da cidadania e responsabilidade dos envolvidos no
litígio, além de analisar a implementação da mediação como método alternativo
e adequado de resolução de conflitos no âmbito do núcleo de prática jurídica da
Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, analisando
descritivamente os resultados decorrentes de tal proposta.

Conclusão

A partir dos dados da pesquisa teórica que resultou na submissão do projeto


aprovado, chegou-se a conclusão de que a técnica da mediação extrajudicial
tende a ser a mais adequada à resolução alternativa de controvérsias, tendo em
vista sua natureza e finalidade de dissipar o conflito, dissolvendo a litigiosidade
contida neste, sendo indicada em casos que envolvam relações continuadas, que
tendem a permanecer após o procedimento, como é o caso de relações de
vizinhança, escolares e, em especial, relações familiares.
Objetivando-se desconstruir os conflitos e restabelecer a convivência
harmônica entre as partes, na esteira do discurso de Habermas, as sessões de
mediação desenvolvidas no Núcleo de Prática da Universidade Federal
Fluminense tem como escopo o viés emancipatório, em que as próprias partes,

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por meio do entendimento gerado pelo procedimento, poderão buscar uma real
pacificação do conflito.
O consenso legitimado pelos mediandos, ausentes as figuras do vencedor e
do vencido, com a possibilidade de uma relação social equilibrada
posteriormente. O procedimento de mediação como instrumento transformador
de relação adversarial em relação colaborativa, facilitando o descortinar de
soluções criativas e proporcionando aprendizado e esclarecimento das partes
para, inclusive, prevenção de futuros conflitos.
Como decorrência lógica da mudança estrutural da nossa sociedade e da
ampliação do conceito de acesso à justiça, para permitir a coexistência de meios
alternativos de resolução de controvérsias, é fundamental a mudança de
paradigmas do ensino jurídico no Brasil.
É imprescindível que seja incluído, como parte da formação do bacharel em
Direito, futuro jurista e operador, seja por ação extensionista ou mesmo pela
inclusão curricular, formas de administração de conflitos sem a necessidade de
judicializá-los.
Assim, sugere-se que o ensino jurídico se adeque a esse novo enfoque,
sobretudo para possibilitar o caminho evolutivo e o acompanhamento da
sociedade com as práticas coexistenciais de resolução de conflitos, evitando a
falência de instituições e do próprio sistema do Direito.
E este é o grande objetivo deste estudo e principalmente das três ações de
extensão acadêmica: permitir, a partir de construções teóricas interdisciplinares,
o contato real de discentes, docentes e sociedade civil a conflitos que possam
atingir seu fim através da resolução alternativa, sem que seja necessário recorrer
ao Poder Judiciário.

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