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FILOSOFIA E INTERPRETAÇÃO
Série Civilização
Volume 1
Florianópolis, SC
2011
M433i Filosofia e interpretação / José Claudio Morelli Matos (org.)
.-- Florianópolis: Ed. da UDESC, 2011.
64 p.
(Civilização ; v.1)
ISBN 978-85-61136-72-7
CDD – 102
Apresentação ii
Agradecimentos vi
Os Autores vii
Leitura Como Encontro 1
O Ensino da Filosofia e a Interpretação de Textos 10
Humanos e Mortais: A Vida como Interpretação 19
As Relações entre Ética e Estética em Emmanuel Levinas: A Arte e 25
Seu Sentido
Ler e Interpretar a Obra Kantiana Fundamentação da Metafísica dos 32
Costumes
Sobre a Importância e Utilidade do Ceticismo Filosófico na Moder- 41
nidade
Interpretação dos Sentidos do “Tempo” em Aristóteles 53
i
LER E INTERPRETAR A OBRA KANTIANA
FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES
Introdução
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por dever é um efeito resultante exclusivamente da atividade volitiva que, ao
querer uma ação, põe-se em contrariedade com as inclinações. A noção de valor
moral do dever indica, nesse caso, que o fundamento universal e necessário da
moralidade tem um caráter puro e, por isso, só pode ser conhecido a priori pela
razão. Tal como no primeiro argumento, a análise do conceito de valor moral
do dever é uma estratégia para explicitar a necessidade e a universalidade da
moralidade indicada pela idéia de valor absoluto da boa vontade. Embora Kant
assegure que o conceito de dever é um conceito mais amplo, a análise deste
conceito também conduz ao reconhecimento da origem do fundamento do valor
absoluto da boa vontade atribuído à moralidade.
Há, ainda, outra função exercida pela noção de valor absoluto. No terceiro
argumento, a noção de valor absoluto está relacionada à racionalidade e tem a
função de indicar que a razão possui um fim em si mesma. Assim, o valor ab-
soluto da racionalidade indica que antes de se deixar determinar por qualquer
fim estabelecido pela inclinação e por consistir na atividade prática da razão
pura, a vontade toma sua própria racionalidade com princípio determinante da
ação. Em ouras palavras, o valor absoluto da racionalidade indica o fato de
que a atividade de querer, própria dos seres racionais, não está condicionada a
nenhum outro fim que ela mesma. A noção de valor absoluto da racionalidade
indica, assim, o princípio fundamental utilizado por Kant para explicitar a uni-
versalidade do imperativo categórico encontrada na autonomia da vontade dos
sujeitos racionais.
Nossa proposta de leitura e interpretação toma da Fundamentação, portanto,
a utilização destas três noções como fio condutor da argumentação kantiana,
pois entendemos que essas noções são utilizadas para explicitar a necessidade e
universalidade prática do fundamento da moralidade.
É oportuno, agora, apresentarmos a plausibilidade de nossa proposta.
1 A tradução portuguesa recebeu o título Fundamentação da metafísica dos costumes e apresenta o mes-
mo problema de tradução, pois, diz Alquié, “o título Fondements de la métaphysique des moeurs tornou-se
tão admitido na França que nós não pensamos em modificá-lo. Ele não traduz com exatidão o título alemão,
de acordo com o qual trata-se de estabelecer um fundamento para uma tal metafísica, pois em alemão, este
título é Grundlegung zur Metaphysik der Sitten. Estabelecer este fundamento é estabelecer que o fato moral
existe como fato da razão, distinto de todo domínio empírico, e que ele pode ser estudado a priori, por uma
verdadeira metafísica”. ALQUIÉ, F. Les Écrits de 1785, p. 224
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mentos da argumentação kantiana. No entanto, é preciso explicitar como Kant
utiliza dois conceitos específicos para avançar no propósito da Fundamentação,
a saber: ‘valor moral’ e ‘valor absoluto’. Entendemos que cada um destes con-
ceitos está relacionado com uma seção específica da Fundamentação, embora
ambos sejam utilizados com a mesma função, ou seja, pressupor a objetividade
da moralidade. Isto não significa que Kant esteja formulando uma ética dos va-
lores ou mesmo fundamentando a moralidade nos conceitos de um valor abso-
luto e um valor moral. Kant apenas utiliza estes conceitos no desenvolvimento
da sua argumentação até poder explicitar a natureza a priori da atividade prática
da razão pura. Em outras palavras, os conceitos de valor moral e valor absoluto
serão utilizados para explicitar a universalidade e a necessidade da moralidade,
tendo uma função específica para a ratio cognocendi. Do ponto de vista da ratio
essendi, no entanto, trata-se de conceitos completamente desnecessários na fun-
damentação da moralidade, pois esta exige exclusivamente uma demonstração
da sua universalidade e necessidade. Deste modo, portanto, nossa interpretação
pode pontuar o desenvolvimento argumentativo desta ratio congnocendi na
primeira, bem como na segunda seção da Fundamentação da metafísica dos
costumes.
Exposto o esquema geral, vejamos como esta proposta de leitura e interpre-
tação pode ser aplicada aos argumentos iniciais da Fundamentação.
A análise da primeira seqüência de argumentos encontrados na seção I da
Fundamentação da metafísica dos costumes mostra o modo como Kant utiliza
a noção de valor absoluto para justificar a tese de que a moralidade se reduz
à atividade prática da razão pura chamada boa vontade. A análise da segunda
seqüência de argumentos da seção I mostra como Kant utiliza o conceito de
‘valor moral’ para explicitar o princípio geral do dever. Em outras palavras,
essa proposta de leitura e interpretação aponta para os pressupostos que per-
mitem a Kant explicitar o fundamento da moralidade, partindo da definição
de boa vontade e concluindo com a forma da lei moral encontrada nos juízos
comuns acerca da moralidade.
A nossa estratégia de análise divide a argumentação kantiana da seção I da
Fundamentação da metafísica dos costumes em quatro etapas. Entendemos que
os três primeiros parágrafos da primeira seção se ocupam da definição do con-
ceito de boa vontade. Ou seja, o argumento desses três primeiros parágrafos
restringe a moralidade à atividade prática da razão pura chamada boa vontade.
Os quatro parágrafos seguintes (4º-7º), que constituem o segundo momento da
análise, ocupam-se da idéia de valor absoluto da boa vontade (Kant, 1964, p.
55) com o intuito de apontar a finalidade intrínseca da razão pura na sua ativi-
dade prática. O terceiro momento desta análise ocorre a partir do oitavo pará-
grafo (8º-17º), em que Kant se propõe a examinar o conceito de valor moral do
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dever como forma de elucidar a idéia de valor absoluto da boa vontade (Kant,
1964, p. 57). Por fim, o quarto momento da analise kantiana explicita, por meio
da análise das ações realizadas por dever, como o princípio geral do dever está
presente em toda consciência racional comum. Nossa proposta de leitura e in-
terpretação permite, portanto, a análise detalhada dessas quatro etapas (ou se-
quências argumentativas) com o propósito de explicitar a função que os con-
ceitos de valor absoluto e valor moral exercem em cada argumento kantiano
utilizado na fundamentação da moralidade. Vejamos.
Analisa da primeira seqüência de argumentos da seção II da Fundamentação
da metafísica dos costumes distingue três passos na argumentação kantiana e
aponta a relevância direta que cada um deles tem para os propósitos de Kant.
O primeiro passo argumentativo (§1º-§11º) estabelece a necessidade de uma
filosofia moral capaz de analisar as determinações a priori da razão.
Este argumento é fundamental para a caracterização de uma metafísica dos
costumes capaz de explicitar os fundamentos da moralidade indicada pela idéia
de valor absoluto da boa vontade.
O segundo passo argumentativo (§12º-§59º) pode ser dividido em quatro
partes.
A primeira parte classifica os modos distintos de determinação da vontade
para poder especificar exatamente o que ocorre com a vontade humana.
A segunda parte analisa a determinação da vontade humana e define os mo-
dos distintos de imperativos. Esta distinção classifica os imperativos em hipo-
téticos e categórico.
O terceiro passo demonstra, por um lado, as condições de possibilidade dos
imperativos hipotéticos e, por outro lado, esclarece o motivo pelo qual não po-
dem ser demonstradas as condições de possibilidade do imperativo categórico,
cabendo apenas explicitar a sua natureza universal e necessária.
Assim como o primeiro argumento, estes três passos do segundo argumento
não tratam dos conceitos de valor moral e valor absoluto. Entretanto, cada um
deles tem o propósito de definir a moralidade de modo negativo. Em outras
palavras, estes argumentos explicitam quais são os elementos práticos que estão
destituídos de valor moral, de modo que os elementos puros possam ser explici-
tados por contraposição. Assim, parte do êxito de nossa proposta está no fato
de que essa proposta de leitura e interpretação pode explicitar detalhadamente o
modo como Kant define os elementos práticos destituídos de valor moral.
A análise do último passo do segundo argumento apresentado na seção II da
Fundamentação da metafísica dos costumes distingue-se dos três passos argu-
mentativos do capítulo anterior porque aborda diretamente principais conceitos
da Fundamentação.
Em outras palavras, a análise apresentada no quarto capítulo aponta para
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o fato de que o conceito de valor absoluto da racionalidade está no cerne do
procedimento kantiano de fundamentação da moralidade – pois Kant o utiliza
para postular a objetividade do princípio moral do dever e, assim, explicitar sua
necessidade e universalidade até poder deduzi-la da idéia de liberdade.
Desse modo, Kant constrói hipoteticamente a moralidade utilizando o con-
ceito de valor absoluto da racionalidade para indicar como o estatuto objetivo
do imperativo categórico deve ser estabelecido.
Nossa proposta de leitura e interpretação permite, assim, explicitar o modo
como a utilização desse conceito postula a idéia de fim em si mesmo para esta-
belecer a objetividade da atividade prática da razão pura, isto é, o fim puramente
racional para toda vontade. Em outras palavras, essa proposta de leitura e inter-
pretação permite encontrar a exata utilização do conceito de valor absoluto na
formulação do imperativo categórico – e, finalmente, demonstrar a sua função
na construção hipotética da idéia de autonomia da vontade.
Podemos indicar, agora, alguns detalhes que envolvem os passos argumen-
tativos de Kant na Fundamentação.
Duas observações são imprescindíveis para que se possa iniciar uma análise
dos argumentos de Kant e se possa explicitar o uso que ele faz dos conceitos
de valor absoluto da boa vontade, valor moral do dever e valor absoluto da
racionalidade.
A primeira observação diz respeito às divisões do texto e a segunda diz res-
peito ao método kantiano de análise do conhecimento prático.
A divisão do texto, apresentada pelo próprio Kant, é a seguinte:
Primeira seção: passagem do conhecimento racional comum da moralidade
ao conhecimento filosófico.
Segunda seção: passagem da filosofia moral popular à metafísica dos cos-
tumes.
Terceira seção: último passo da Metafísica dos costumes à crítica da Razão
Prática (Kant, 1964, p. 51).
Esta separação do texto em três partes visa facilitar a utilização do método
de investigação analítico-sintético que Kant emprega para fundamentar a mor-
alidade. Assim, diz ele:
O método que penso ser mais convincente, quando pretendemos elevar-nos
analiticamente do conhecimento vulgar à determinação do princípio supremo
do mesmo, e, depois, por caminho inverso, tornar a descer sinteticamente do ex-
ame deste princípio e de suas origens ao conhecimento vulgar, onde se verifica
sua aplicação (Kant, 1964, p. 50-51).
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O procedimento analítico tem, portanto, o objetivo de explicitar em que
condições o conhecimento da moralidade será universal e necessário, avan-
çando dos conceitos comuns da moralidade aos princípios a priori. Deste modo,
seguindo a análise de Zingano acerca destas duas citações, podemos dizer o
seguinte:
A primeira seção pode ser entendida como uma passagem do “reconheci-
mento da moralidade à consciência do seu caráter puro, descobrindo a pos-
sibilidade de universalidade e necessidade que os princípios morais exigem”
(Zingano, 1989, p. 38).
A segunda seção consiste numa “crítica das tentativas empíricas e na or-
ganização do saber puro da moralidade” (Zingano, 1989, p. 38).
A terceira seção “demonstra que condições garantem a efetividade ainda
que na região do dever ser e não do ser” (Zingano, 1989, p. 38).
Segundo Zingano, ainda, nós podemos considerar que estes três passos seg-
uem um procedimento analítico, restando apenas a demonstração da liberdade
da vontade para o momento sintético (Zingano, 1989).
Aceitando essas divisões no texto kantiano, podemos especificar as seções
fundamentais para a aplicação dos nossos critérios de leitura e interpretação.
Considerações finais
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Referências e Bibliografia
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ROSS W. D. Kant’s Ethical Theory. Oxford: Clarendon Press. 1964
WALKER, Ralf. Kant e a Lei Moral. São Paulo. EDUSP. 1999.
WOLF, Susan R. Freedom Within Reason. New York: Oxford University Press.
1990.
WOLFF Robert Paul. Kant: Foundations of the Metaphysics of Morals. India-
napolis: Bobbs-Merrill. 1969.
_________________. Paul. The Autonomy of Reason. New York: Harper
Torchbooks. 1973.
ZINGANO, Marcos. Razão e História em Kant. São Paulo: Brasiliense. 1989.
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