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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS


Disciplina: Tópicos Especiais em Teoria Política I
Professor: José Antônio Martins
Aluno: Ricardo Hidalgo Peratello
Trabalho de conclusão da disciplina

POLÍTICA: COMO RESGATAR A SUA IMPORTÂNCIA?

1. Introdução

A política brasileira vive tempos muito conturbados. Resgata-la.

Da parte dos agentes políticos, passamos por eleições marcadas por campanhas
demasiado belicosas, financiadas por fontes obscuras, repletas de promessas não
cumpridas e, até mesmo, de inverdades sobre a própria realidade fática do país e seu
povo, cujos objetivos restringem-se a alcançar vitórias a qualquer preço, sem qualquer
preocupação com a possibilidade de induzir os eleitores a erro.

Da parte dos eleitores, identifica-se uma profunda descrença com os agentes


políticos, legalmente encarregados da representação da sociedade como um todo. O
senso comum parece cada vez mais permeado da opinião de que a política é território
para desonestos e trapaceiros, dele não devendo se aproximar pessoas dotadas dos
mínimos princípios éticos.

Ocorre que o mesmo senso comum tem plena consciência de que a política,
enquanto ciência, colocada a serviço da organização, direção e administração do Estado,
é fundamental para a própria vida em sociedade. Afinal, sem uma organização
governamental, resta-nos a barbárie.

Voltando aos agentes políticos, esses vêm sendo diuturnamente chamados a


justificar seus atos perante os órgãos estatais responsáveis pela repressão criminal. Suas
condutas são cada vez mais alvo de investigação por autoridades policiais, Ministério
2

Público e Judiciário. Parece não ser mais possível exercer a política sem enfrentar
algum tipo de investigação.

Em meados de 2014 foi deflagrada de maneira ostensiva uma dessas


investigações, denominada pela Polícia Federal de Operação Lava-Jato, que atingiu
muitos integrantes ativos da vida política nacional e cujos desdobramentos, em diversas
outras investigações, atingiu outros tantos. Documentos, dados bancários e gravações
telefônicas foram expostos ao público, ocupantes de mandatos eletivos e cargos
administrativos de alto escalão foram afastados do exercício de suas funções, bens de
grande valor foram apreendidos e prisões foram decretadas, em um momento histórico
que parece único.

Os agentes políticos muito têm se queixado desse estado de coisas, ao qual


denominam “criminalização da política”. Não se estaria investigando condutas ilícitas,
mas sim atribuindo a pecha de ilegalidade ao exercício normal (e lícito) da atividade
política. Esse comportamento, assumido pelas autoridades imbuídas do poder
investigatório e punitivo, além de estar provocando sérios transtornos aos agentes
políticos, seria o responsável pela profunda desilusão das pessoas com a política em si,
que terminam por negligenciar a sua importância, até mesmo abandonando-a.

Tal opinião, conquanto não pareça majoritária entre a população em geral,


acaba sendo inevitavelmente compartilhada por parte dela.

Mas será que é correto falar em “criminalização da política”? E mais ainda,


será que é possível concluir que essa “criminalização” é a causa dessa apatia e
resignação, que parecem atingir um número cada vez maior de pessoas? É sempre
grande o número de eleitores que sequer comparece às eleições ou opta por anular seu
voto, por exemplo.

Para tentar responder a essas questões, ou ao menos buscar argumentos para


aprofundar o debate acerca do problema, optamos por uma breve análise do nascimento
e da maneira como o pensamento científico trata a importância da política.

2. A invenção da política

Dentre as muitas formas de entender o nascimento da política encontra-se o


estudo feito por Jean-Pierre Vernant em Mito e Pensamento entre os Gregos. Nessa
3

obra, o autor examina a formação do pensamento e da antiga sociedade grega (base do


pensamento contemporâneo) a partir de sua mitologia, tomando como ponto de partida a
Teogonia1 escrita pelo poeta Hesíodo.

Tratando especificamente do tema em questão, Vernant chama a atenção para


os mitos de Hermes e Héstia, deuses que foram emparelhados pelo escultor Fídias na
base da estátua de Zeus, em Olímpia.

Num primeiro momento, é difícil compreender os motivos pelos quais esses


deuses se acham emparelhados. Não formam um casal (como Zeus e Hera), não são
irmãos (como Apolo e Artemis), não são mãe e filho (como Afrodite e Eros) e nem
protetora e protegido (como Atena e Héracles), por exemplo. Por qual motivo se
relacionam a ponto de merecerem aparecer lado a lado na representação feita por
Fídias?

Para aquele autor, tal associação tem um significado religioso, que coloca os
dois deuses lado a lado, sem parentesco ou submissão. Héstia é a deusa do lar,
representada pela lareira, permanentemente acesa e que protegia a casa e a família que a
habitava. A proteção de Héstia trazia tranquilidade e estabilidade ao lar, tornando-o,
inclusive, um lugar apropriado para a realização de sacrifícios e culto a outros deuses. Já
Hermes é um deus mais complexo, que tem muitos atributos e funções (deus das
comunicações, mensageiro de outros deuses e patrono dos viajantes, dos comerciantes e
dos ladrões, por exemplo). Não tem morada fixa ou estável, representando o espaço e o
movimento no mundo humano. Na casa, protege a soleira da porta, para evitar que os
ladrões entrem. A Héstia pertence o interior do lar, atuando dentro da vida privada de
seus habitantes. Já Hermes habita no exterior, estando presente no contato com outras
pessoas, fora do lar.

Tratam-se de duas divindades que parecem antagônicas, mas, “se formam par,
na consciência religiosa dos gregos, é porque as duas divindades se situam em um
mesmo plano, porque sua ação se aplica ao mesmo domínio do real, porque assumem
funções conexas”2.

1
te·o·go·ni·a. sf. 1. Descrição do nascimento dos deuses, de sua genealogia e filiação, em religiões politeístas. 2. Conjunto das
divindades cujo culto dá o fundamento da organização religiosa de um povo politeísta. — MICHAELIS. Dicionário brasileiro da
língua portuguesa. Ed. Melhoramentos. 2015. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/teogonia/. Acesso em 06/02/2018.
2
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 193/194.
4

Essa conexão só pode ser visualizada rompendo-se a possível impressão de


oposição entre a vida doméstica das pessoas e a vida pública, que essas mesmas pessoas
levam fora do lar. Os helênicos sabiam que as relações domésticas, entre membros de
uma mesma família, regem-se de maneira própria e particular, necessitando de
estabilidade para proporcionar um convivência pacífica e duradoura, essencial para que
qualquer pessoa possa fruir a própria vida. Já as relações entre pessoas de diferentes
famílias, mas pertencentes a uma mesma coletividade (cidade) são regidas por normas e
lógica distintas e possuem um nível maior de complexidade, no qual a estabilidade e o
convívio consensual (características da vida privada) nem sempre são fáceis. Trata-se de
uma distinção que permanece, até os nossos dias.

Essa distinção, porém, não significa antagonismo ou isolamento. Para Vernant,


“nem Hermes nem Héstia podem ser colocados isoladamente. Eles assumem as suas
funções sob a forma de um casal, a existência de um implicando a do outro, na qual ele
repercute como em sua contrapartida necessária”3.

Assim, se Héstia é fundamental para dar proteção e segurança a lar, e se isto é


necessário para assegurar um vida familiar estável, Hermes é importante para conferir
proteção e auxílio no exercício da vida pública.

A vida pública, por sua vez, era exercitada na ágora, a praça principal de
Atenas, na qual os cidadãos se reuniam em assembleias para discutir e deliberar sobre
os problemas da cidade, buscando encontrar uma solução conjunta. A identificação da
participação na ágora com o nascimento da política na Grécia antiga está longe de ser
uma ideia infundada. Muito pelo contrário.

Ainda segundo Vernant, “a existência da ágora é a marca do advento das


instituições políticas da cidade. [...] Trata-se, pois, de um espaço feito para a
discussão, de um espaço público opondo-se às casas privadas, de um espaço político
em que se discute e em que se argumenta livremente”4.

Os mitos de Hermes e Héstia, assim, ilustram a distinção que a Grécia antiga


fazia entre o público e o privado. Os assuntos de domínio privado (relações familiares e
domésticas) são representados por Héstia. O que não pertencia ao domínio privado

3
Ibidem, p. 212.
4
Ibidem, p. 252/253.
5

integrava a esfera pública e é representado por Hermes. A esfera pública identificava-se


com a política.

Uma vez que Hermes e Héstia assumiam funções distintas, mas eram
entendidos como divindades conexas e complementares, conclui-se que o povo helênico
enxergava as esferas pública e privada como complementares e, portanto, necessárias
para a plenitude da vida dos cidadãos. A política era a forma como a vida pública era
exercida.

A vida privada, embora possa trazer conforto e segurança, não era capaz de
tornar completa a existência de um cidadão grego. O exercício da política é que
colocava as suas virtudes a serviço da cidade a qual pertencia, valorizando-as perante a
comunidade.

A construção da ágora também denota a conclusão de que a política só pode ser


exercida no campo público, não podendo ficar circunscrita aos lares. Se assim se
limitasse, ficaria reduzida a um mero quadro mental, com ações cujos alcances não
poderiam ultrapassar os limites da vida privada.

A política nasce na Grécia antiga, portanto, como um fenômeno social, de


reflexão conjunta entre os cidadãos, exercida em espaço público, que gera ações
concretas e constantes, exigindo grande engajamento no debate dos assuntos de
interesse da comunidade. Participar dos debates na ágora era a forma de exercer a vida
pública, essencial para os cidadãos, que não se contentavam com a mera fruição da vida
privada.

Apenas essas breves considerações já seriam suficientes para deixar claro o


quanto é impróprio o descaso como vem sendo tratada a importância do debate político.
Enquanto cidadãos que viveram há milênios consideravam o exercício da vida pública
uma necessidade (em equiparação de importância com a vida privada), cidadãos
contemporâneos simplesmente não lhe dão valor algum, alijando-se voluntariamente de
qualquer forma de participação política (inclusive, muitas vezes, do voto, conforme já
mencionado).

3. A natureza política
6

Embora a mitologia, estudada por Vernant, possa ajudar a explicar a forma


como a política era encarada pela civilização helênica — e até mesmo como poderia ser
encarada nos presentes dias —, é por meio do pensamento de Aristóteles que
conseguimos compreender a sua natureza.

Em sua obra Política, o filósofo dedica-se ao estudo da Cidade5, assim


entendida como a “comunidade mais elevada de todas”, constituída para alcançar o
bem comum de seus membros6.

A primeira comunidade, cuja formação antecede a Cidade, é o casal, formado,


segundo o filósofo, pela união entre um macho e uma fêmea para a finalidade precípua
da procriação. Com o nascimento da prole surge uma nova comunidade: a família 7. As
necessidades materiais de sustento e proteção das famílias requerem a sua reunião com
outras famílias, formando aldeias ou tribos.

A aldeia, segundo Aristóteles, “é a primeira comunidade formada por várias


famílias para satisfação de carências além das necessidades diárias”8.

As aldeias ou tribos são governadas por reis, que são escolhidos, em regra,
dentre os membros mais velhos, dos quais derivam os graus de parentesco entre os
membros da comunidade.

Percebe-se que as comunidades, até então, são formadas a partir de


necessidades naturais (formação de prole, descendência e proteção física, por exemplo).
Quando as aldeias ou tribos se reúnem, surge enfim a Cidade, “uma comunidade
completa, formada a partir de várias aldeias e que, por assim dizer, atinge o máximo
de auto-suficiência. Formada a princípio para preservar a vida, a cidade subsiste para
assegurar a vida boa”9.

Longe de identificar-se como um mero agrupamento de indivíduos ou famílias,


a Cidade pode ser entendida como a finalidade pela qual as pessoas escolhem viver em
comunidade. Mais do que meramente garantir a própria sobrevivência, as pessoas
5
Atualmente, há estudiosos que identificam o conceito de Cidade, em Aristóteles, com o conceito de Estado. Preferimos manter o
vocábulo original, sem com isso pretender polemizar acerca da terminologia mais adequada a ser utilizada, que não é o objetivo do
presente trabalho.
6
ARISTÓTELES. Política. Lisboa:Vega, 1999, p. 49.
7
Para os fins deste trabalho, abandona-se, no ponto, a discussão acerca do moderno conceito de família (que abrange, por exemplo,
a união entre pessoas do mesmo sexo e as famílias monoparentais), para concentrar a análise nas lições de Aristóteles.
8
Ibidem, p. 53.
9
Ibidem, p. 53.
7

almejam uma vida boa, com liberdade para decidir sobre suas próprias vidas e da
comunidade a qual pertencem.

Essa, para Aristóteles, não é uma mera invenção ou imposição externa. É da


natureza humana buscar uma vida boa, plena em liberdade, que só pode ser alcançada
por meio da Cidade. Esta última, assim, “é uma daquelas coisas que existem por
natureza”, do que se conclui que “o homem é, por natureza, um ser vivo político”10.

Note-se que não é o número de indivíduos ou famílias que qualificam uma


comunidade como Cidade. Atualmente, não é incomum encontrarmos bairros ou mesmo
condomínios de lares cujo número de moradores excede em muito a população de
diversos Municípios brasileiros. Esses bairros ou condomínios, porém, não podem ser
classificados como Cidades, pois não possuem autonomia política. Seus membros não
podem deliberar isoladamente sobre a Cidade a qual pertencem.

O filósofo demonstra, ainda, essa condição natural da política com a


constatação de que apenas o homem possui a capacidade de emitir palavras. Apenas
seres humanos são capazes de discursar, sendo que o discurso é o instrumento por
excelência do exercício da política. A palavra só existe em função da vida em
comunidade, dentro da Cidade. O exercício da política, que se faz por meio das
palavras, por sua vez, corresponde à participação ativa na comunidade, reunida na
Cidade.

Conclusão: para Aristóteles, o homem é um “ser vivo político”, sendo que essa
condição decorre da Cidade, que é uma forma de organização comunitária exclusiva dos
seres humanos.

Apenas exercendo a política, dentro da Cidade, é que uma pessoa atinge a


plenitude de sua existência em sua condição humana. Isolar-se desse exercício atenta
contra a natureza do homem e reprime a sua própria liberdade.

4. A importância da política

A identificação do exercício da política com a própria natureza humana,


porém, pode não convencer a muitos acerca da sua real importância. Afinal, trata-se de
uma argumentação muito mais filosófica do que prática, que talvez não impressione
10
Ibidem, p. 53.
8

àqueles que tendem a dar menos valor a pensamentos abstratos do que a ideias mais
concretas.

Nesse caso, cumpre chamar a atenção para os estudos desenvolvidos por


Hannah Arendt em A condição humana.

A autora inicia apresentando a expressão vita activa, assim identificada como o


conjunto de três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. A definição
precisa é melhor compreendida pela leitura do próprio texto:

O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos


crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais
produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a
própria vida.
O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana,
existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade
não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo “artificial” de coisas,
nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida
individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas
individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade.
A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação
das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que
homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição
humana têm alguma relação humana com a política; mas esta pluralidade é especificamente a
condição — não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam — de toda vida
pública. [...] A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos,
isto é, humano, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido,
exista ou venha a existir.11

O labor, portanto, identifica-se com a atividade desenvolvida com finalidade a


assegurar a subsistência, tanto do indivíduo quanto da espécie humana. A espécie
humana não pode prescindir do labor (pois acabaria por extinguir-se), mas este é
naturalmente efêmero e insuficiente para distinguir os homens entre si.

Tal papel incumbe ao trabalho, que agrega identidade ao labor, que passa a
assumir maior durabilidade e permanência perante a sociedade. O trabalho soma
“artificialismo” ao labor natural, individualizando-o em relação aos demais indivíduos e
conferindo-lhe perenidade. O labor é efêmero, enquanto que o trabalho é perene.

Essa perenidade, porém, também é limitada, visto que o artificialismo presente


no trabalho não tem, em regra, alcance junto à comunidade.

11
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 15/16.
9

Já a ação, “na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos


políticos, cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história”.12 E mais do que
isso, aproximando-se muito da lição de Aristóteles, a autora deixa claro que “só a ação
é prerrogativa exclusiva do homem; nem um animal nem um deus é capaz de ação, e só
a ação depende inteiramente da constante presença de outros”13.

Labor e trabalho, assim, são importantes e podem, até mesmo, trazer satisfação
pessoal momentânea. Produções e conquistas materiais, porém, não tornam ninguém
especial. Não distinguem os indivíduos e nem os destacam em relação a outras criaturas.
Apenas a ação, exercida na política, por meio da difusão do pensamento e do debate de
ideias é que tem esse condão.

A vita activa, desse modo, não pode ficar restrita a um simples “fazer” ou
“produzir”. Ela é um “agir político”, promovido por meio do debate de ideias,
fundamental para que as pessoas possam contribuir para a constante evolução da
sociedade em que vivem.

Esse “agir político”, por sua vez, não pode ser exercitado individualmente, ou
mesmo dentro do círculo familiar ou de amizades. Ele só pode existir junto à
comunidade, o que o caracteriza como coletivo. Essa natureza coletiva talvez seja o
principal traço distintivo entre o labor, o trabalho e a ação. Enquanto os dois primeiros
podem ficar restritos à vida privada e familiar, a última só pode existir na vida pública.
Essa a razão pela qual Hannah Arendt é categórica ao afirmar que “só a ação depende
inteiramente da constante presença de outros”14.

A vita activa, portanto, não pode prescindir da ação, que é essencialmente


política e exercida coletivamente.

5. Conclusão

Embora essa análise não costume ser feita com frequência pela maioria das
pessoas, acreditamos que dificilmente seria contestada por aqueles a quem venha a ser
apresentada.

12
Ibidem, p. 16/17.
13
Ibidem, p. 31.
14
Ibidem, p. 31.
10

Não temos dúvidas de que, assim como pensavam os antigos gregos (segundo
Vernant), a vida pública é diferente da vida privada. É errado, porém, acreditar que elas
se opõem, visto que, na verdade, se complementam.

Aparentemente, difundiu-se a crença de que o exercício da vida pública é


prejudicial à vida privada, optando as pessoas por afastar-se da primeira, de modo a
viver prioritariamente a segunda, junto ao seu círculo mais próximo de familiares de
amigos. Nesse quadro, sendo a política o exercício da vida pública por excelência, é
natural que a participação popular perca cada vez mais adeptos. Deixa-se de lado o
exercício da política, para que este não atrapalhe a vida particular.

Essa escolha pela prioridade à vida privada, porém, é um equívoco. Quem faz
essa opção acredita que assim terá mais liberdade. Utilizando os termos de Hannah
Arendt, ao priorizar a vida privada, abre-se mão da ação, a fim de dedicar-se
exclusivamente ao labor e ao trabalho, com vista à satisfação exclusivamente pessoal e
familiar, com total liberdade.

Não se está atentando, contudo, para o fato de que, na vida privada, a


liberdade para agir é, por definição, limitada. Já na vida pública, a liberdade para agir é
plena, dando ao indivíduo a possibilidade de projetar suas ações à toda a comunidade,
contribuindo para que todos — e não apenas o seu círculo restrito de convivência
particular — alcancem melhores condições de vida (a “vida boa”, segundo Aristóteles).

Esse é precisamente o motivo pelo qual optamos, enquanto seres humanos, por
viver em sociedade. O exercício da política é intrínseco à condição humana.

As pessoas que optam por alijar-se da vida pública, portanto, embora possam
acreditar que o fazem para ampliar sua liberdade de ação, na verdade a estão
restringindo. A condição humana exige que se viva intensamente a vida privada (labor e
trabalho) e, também a vida pública (ação).

É difícil imaginar que as pessoas abram mão da participação política em razão


de sua repentina “criminalização”, mencionada no capítulo introdutório. As denúncias
nesse sentido nada mais são do que falácias propagadas por agentes políticos que,
comumente, estão envolvidos em investigações de atos de corrupção, alicerçadas em
fortes evidências probatórias.
11

A população não vem se afastando da política por receio de sofrer as


consequências dessa “criminalização”. Ela o vem fazendo por enxergar no exercício da
política um total antagonismo com a sua vida privada e, ainda, a inutilidade de sua
participação. Atualmente, conforme já dito, valoriza-se por demais o labor e o trabalho,
não se atribuindo grande valor à ação.

A consequência imediata da falta de ampla participação na vida pública é fazer


com que os que se interessam pelo exercício da política não tenham grande preocupação
com o zelo, a eficiência e mesmo a ética. As queixas populares quanto a péssimas
administrações em nível federal, estadual e municipal, são fruto desse descaso.

Atualmente, pessoas qualificadas, e que poderiam contribuir para a melhor


organização, direção e administração do Estado, desistem de participar da política,
preferindo priorizar a vida privada. É essa, acreditamos, a real crise vivida pela política
nacional.

Com efeito, ninguém nega a importância da política em si. Ninguém considera


o seu exercício regular um crime. Porém, cada vez menos ela é vista como algo
importante para a realização pessoal de cada um. Apenas quando as pessoas se
conscientizarem de que é possível e necessário viver uma vida privada e participar da
política em paralelo, complementarmente, é que será possível vencer (ainda que
parcialmente) essa indiferença com o debate público.

As medidas concretas para alcançar essa conscientização são uma discussão


mais complexa e para a qual talvez não haja, ainda, uma resposta segura. Mas não temos
dúvidas de que delimitar corretamente o problema e traçar os objetivos a serem
alcançados com a sua solução são os primeiros passos para escolher os meios adequados
para tanto.

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2007.


12

ARISTÓTELES. Política. Lisboa : Vega, 1999.

VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro : Paz e


Terra, 1990.

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