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Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
Abril de 2013
Juliana Moreira Lopes
Ficha Catalográfica
CDD:340
Agradecimentos
Ao professor João Ricardo Dornelles, pela experiência do estágio docente, por sua
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1112601/CB
Palavras Chave
Keywords
Introdução 8
São muito severinos no Brasil, mas todos têm o mesmo retrato. Eles são
jovens, negros ou pardos, pobres, moradores de comunidades ou da favela, com
baixa escolaridade. A vida severina não está simbolizada somente no nordestino,
ela está espalhada pelo país, mais numerosa e, paradoxalmente, invisível aos olhos
da sociedade. De acordo com os censos nacionais, em 2010 o Brasil apresentou a
taxa de 49.932 homicídios1. Para cada indivíduo branco morto, foram dois
indivíduos negros vítimas de homicídios. Entre essas vítimas, a maior letalidade
se situa entre a faixa etária dos 15 aos 24 anos. Os números revelam uma marca
letal que vai além da questão racial, ela é determinada principalmente pelo aspecto
social.
A força letal da policia brasileira tem um foco maior nos jovens negros.
Não somente pela questão racial, mas principalmente por serem pobres. É a eterna
associação entre pobreza e crime. Esse tipo de visão remonta ao nosso passado
escravocrata. Para os oprimidos, o estado de exceção vigorou como regra na
administração colonial, expressão da violência soberana. O controle social é
1
Mapa da Violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil. CEBELA,
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php. (Acesso em: 01/02/2013)
9
2
O presente trabalho irá tratar do termo estado de exceção na obra de Giorgio Agamben. O
autor parece não adotar um conceito definitivo. Ao contrário, diante da complexa realidade atual,
essa definição parece se transformar constantemente. Por isso, esse sintagma servirá como um
termo técnico para um conjunto de fenômenos jurídicos. Agamben afirma que “o estado de
exceção não é tanto uma suspensão espaço-temporal quanto uma figura topológica complexa, em
que não só a exceção e a regra, mas até mesmo o estado de natureza e o direito, o fora e o dentro
transitam um pelo outro. (...) O que ocorre e ainda está ocorrendo sob os nossos olhos é que o
espaço “juridicamente vazio” do estado de exceção (em que a lei vigora na figura – ou seja,
etimologicamente, na ficção – da sua dissolução, e no qual podia portanto acontecer tudo aquilo
que o soberano julgava de fato necessário) irrompeu de seus confins espaço-temporais e,
esparramando-se para fora deles, tende agora por toda parte a coincidir com o ordenamento
normal, no qual tudo se torna assim novamente”. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder
soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 44.
10
não podem mais ser definidos em conceitos maniqueístas. Pelo contrário, esses
dois regimes entram em processo de convergência, o que dificulta traçar algum
tipo de previsão dos novos tempos. Essa época é marcada pela expansão sem
limites do poder punitivo e do Estado de Polícia nos países ditos democráticos,
das declarações cada vez mais frequentes de emergência para gestão das formas
de vida.
3
O paradigma da vida nua é central na obra de Giorgio Agamben. Segundo o autor,
“protagonista deste livro é a vida nua, isto é, a vida matável e insacrificável do homo sacer, cuja
função essencial na política moderna pretendemos reivindicar”. AGAMBEN, Giorgio. Homo
Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 16.
4
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 14.
11
5
Fonte: O GLOBO (17/10/2007)
6
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança
pública no Primeiro Governo Brizola. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2005. p. 16.
12
país. Operando por meio da eficácia penal, a polícia aplica arbitrariamente a sua
força contra a população. O uso da categoria “figura suspeita”, empregado de
acordo com o juízo subjetivo do policial assegura a execução indiscriminada de
práticas repressoras. Consolidou-se seletivamente uma identificação da
criminalidade com a criminalidade das baixas camadas sociais, a qual, associada
com a ideologia da periculosidade e dos grupos perigosos, estabeleceu uma
relação direta com a violência.
passando pelo processo de abertura política, numa época em que a sociedade civil,
ainda traumatizada buscava se resguardar desse passado brutal. Em seguida vêm
os primeiros governos estaduais democráticos, marcados pelo embate ideológico
no campo da segurança entre uma perspectiva penal repressiva, em oposição a
uma visão humanista, que entendia o crime como desvio próprio de uma
sociedade naturalmente excludente. Até chegar ao atual governo estadual, que
começou com uma política de confronto direto e permanente contra a
criminalidade, até mudar para um discurso de aparente pacificação da cidade.
do campo não está num passado encerrado, mas significa a emergência de uma
(re)produção contemporânea política, com outra forma, camuflada pela tradição
hegemônica.
Janeiro. Os vestígios deixados pelo estamento militar dos anos de chumbo são
nitidamente sentidos nas práticas policiais contemporâneas.
1
NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e exclusão social. Revista Tempo. Vol. 2, nº 3,
1997.
2
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro. Editora Revan,
2003. p. 41.
17
atual ordem vigente, na medida em que seu foco criminalizante sobre o sujeito
pobre, sua moradia e suas estratégias de sobrevivência encobre a compreensão da
conflitividade social5.
O poder punitivo6 esteve durante muito tempo sob monopólio das agências
militares. No período pós-regime militar, ocorreu a sua transferência para as
agências policiais, associado ao paradigma bélico. Essa ideologia significou um
aprofundamento do poder punitivo por meio da valorização desmedida da
segurança, provocando então um enfraquecimento dos vínculos sociais e um
3
Reduzir o sofrimento é a única finalidade legítima da sanção criminal, dentro de um
caráter político. E o controle do exercício do poder punitivo é um instrumento central nos limites
da sanção criminal. CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. p. 138.
4
O policial europeu é treinado sob a técnica de prevenção do crime e com o objetivo de
causar a menor lesividade a sociedade. Diferente das polícias latino americanas, as quais são
treinadas sob a ideologia de guerra e do confronto direto, onde o fim é a eliminação do criminoso.
No entanto, a prática do confronto direto e permanente provoca um elevado índice de morte não só
de civis mas também entre os próprios policiais. Essa situação deflagra o custo humano da
mentalidade da guerra. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Op. Cit. p. 58.
5
BATISTA, Vera Malaguti. Adesão subjetiva à barbárie. In: BATISTA, Vera (Org.). Loic
Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012. p. 310.
6
Para Zaffaroni poder punitivo consiste em uma forma de coação estatal caracterizada por
sanções diferentes daquelas empregadas pelos demais ramos do saber jurídico: as penas.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Op. Cit. p. 39.
18
1.1
Da Doutrina de Segurança Nacional para o modelo de segurança
pública contemporâneo
“Era só mais uma dura
resquício de ditadura
mostrando a mentalidade
de quem se sente autoridade
neste tribunal de rua”
(Marcelo Yuka)
7
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Op. cit. p. 59
8
Nesse sentido Cristina Buarque de Hollanda afirma que “o olhar atento para essa
experiência me parece útil para pensar a questão da violência policial a partir de duas categorias
estruturantes da lógica nazista: a definição de diferentes níveis de humanidade e a angústia da
imprevisbilidade causal. Estes itens são levados a seu extremo em Auschwitz, mas podem ser
identificados, em variações difusas, com potencial destruidor mitigado. Este é o caso do cotidiano
das interações policiais com a população. Ainda eu desprovidos do caráter absolutizante que
adquirem na experiência nazista, a hierarquia de níveis de humanidade e o tema da
imprevisibilidade são também centrais na descrição da ação policial”. HOLLANDA, Cristina
Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança pública no Primeiro Governo
Brizola. Op. Cit. p. 29.
9
RAMOS Silvia; MUSUMECI Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 35.
19
10
Por meio do National War College dos Estados Unidos, em convênio com a Escola
Superior de Guerra no Brasil, foi disseminado o discurso jurídico da ordem, constituindo
antagonismos e pressões sobre quaisquer atitudes em discordância da lógica autoritária, na qual
quem não era amigo era inimigo. SULOCKI, Victoria-Amália. A constituição de 1988 e segurança
pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 104.
11
“Quando sob a ditadura militar, a doutrina da segurança nacional ganhou positividade
jurídica, numa conjuntura em que a mera manifestação do pensamento poderia constituir-se num
ato de “guerra psicológica adversa”, o conceito de inimigo interno foi internalizado pelos
operadores da repressão aos crimes políticos, para a qual a tortura de suspeitos era um instrumento
investigatório rotineiro. (...) O conceito de inimigo interno sobreviveria a ditadura, sendo
recuperado em documentos militares, já em pleno processo de redemocratização, deslocado da
criminalidade política para a criminalidade comum, para a compreensão da violência urbana.”
BATISTA, Nilo. A violência do estado e os Aparelhos policiais. In: Discursos Sediciosos, nº4. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, ICC, 1997. p. 151.
12
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a
operação Rio. Revisa Discursos Sediciosos: crime direito e sociedade. Nº 1, 1996. p. 163.
13
TELES, Edson. Entre Justiça e Violência: estado de exceção nas democracias do Brasil e
da África do Sul. In TELLES, Edson e SAFATLE, Wladimir. (Orgs.) O que resta da Ditadura: a
exceção brasileira. São Paulo, Boitempo, 2010. p. 302.
20
14
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 26.
15
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança
pública no Primeiro Governo Brizola. Op. Cit. p. 30.
21
políticos, direitos sociais também. Uma nova carta constitucional foi instituída em
decorrência de uma Assembléia Constituinte. Após muitos anos de governo
autoritário, a sociedade civil ansiava por uma nova carta libertária, garantista
contra a violenta repressão do regime militar, experiência muito viva ainda na
memória. Durante mais de duas décadas a repressão política coube às Forças
Armadas. A continuidade das práticas de repressão durante o período democrático
pós 1985, foi possibilitada pela permanência de todo o aparato repressivo
construído na época da ditadura. Apesar do processo de redemocratização,
resquícios autoritários são observados ainda hoje. Nesse período ocorreu um
esforço muito grande na remoção do “entulho autoritário” o qual se refere às
instituições montadas pelos militares como serviços de inteligência, no caso o
DOPS e o DOI-CODI. Foi durante o governo militar que se aprofundou a
militarização das polícias e o uso das polícias políticas. No entanto, esse esforço
não conseguiu romper totalmente a antiga estrutura, pois alguns legados são
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sentidos até hoje, como a Febem, o controle militar da segurança pública e a Lei
de Segurança Nacional16.
16
TELES, Edson. Entre Justiça e Violência: estado de exceção nas democracias do Brasil e
da África do Sul. In TELLES, Edson e SAFATLE, Wladimir. (Orgs.) O que resta da Ditadura: a
exceção brasileira. São Paulo, Boitempo, 2010. p. 300.
17
SULOCKI, Victoria-Amália. A constituição de 1988 e segurança pública. Op. Cit. p. 99.
22
amigo é inimigo, não existia possibilidade para um terceiro tipo. Instala-se assim
um clima de guerra interna21. Esse é o ambiente no qual se desenvolveram as
formas mais violentas de perseguições e as polícias estaduais foram as executoras
da garantia de manutenção dessa nova ordem. Já as polícias militares receberam
um ensino unificado em todo Brasil com a ideia de um “inimigo interno” e
prioridade sobre o uso da força para solucionar casos policiais. Para essas polícias,
a segurança pública era um aspecto de segurança interna.
18
Registros apontam para a cifra de 50 mil pessoas atingidas pela brutalidade do regime
ditatorial: 360 pessoas mortas, 144 desaparecidos, 20 mil pessoas submetidas à tortura, 7.367
acusados, 10.034 pessoas foram alvo de inquéritos em 707 processos por crimes contra a
segurança nacional e milhares de pessoas exiladas do território nacional. ARNS, D. Paulo
Evaristo. (Prefácio). Relatório Brasil nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985.
19
O corpo incluído na lei só reforça a ideia paradoxal da sua exclusão legal. Ele era o corpo
violentado pela tortura militar e hoje se mantém presente nas salas de tortura das delegacias e nas
vítimas de balas perdidas. “O corpo passa a ser fundamental para a ação do regime. Se a sala de
tortura tem como resto de sua produção um corpo violado e se o assassinato político produz o
corpo sem vida, o desaparecimento de opositores fabrica a ausência do corpo. No caso do
desaparecido político, sabe-se da existência de um corpo (desparecido) e de uma localidade
(desconhecida). O significativo aumento de desaparecidos políticos a partir do AI-5 estabeleceu
esta peça jurídica como a implantação do Estado de Exceção permanente.” TELES, Edson. Entre
Justiça e Violência: estado de exceção nas democracias do Brasil e da África do Sul. Op. Cit. p.
305.
20
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. In TELLES, Edson e SAFATLE, Wladimir. (Orgs.) O que resta da Ditadura: a
exceção brasileira. São Paulo, Boitempo, 2010. p. 56.
21
PILATTI, Adriano. Apud SULOCKI, Victoria-Amália. A constituição de 1988 e
segurança pública. Op. Cit. p. 104.
23
penal23, ao afirmar que a pena é aplicada de maneira igual para todos. Essa ideia é
facilmente desconstruída ao observar a cor negra dos cárceres brasileiros. A
realidade demonstra a desigualdade na reprovação social e sua consequente
punição, a repressão não atinge os crimes funcionais, ela é claramente dirigida
para os crimes de rua.
22
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a
operação Rio. Op. Cit. p. 162.
23
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a
sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan. p. 73.
24
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a
operação Rio. Op. Cit. p. 166.
24
25
DORNELLES, João Ricardo W. Direitos humanos, violência e barbárie no Brasil: uma
ponte entre o passado e o presente. In: ASSY, Bethania; MELLO, Carolina C.; DORNELLES,
João Ricardo; GOMEZ, José Maria. Direitos Humanos: Justiça, verdade e memória. Rio de
Janeiro, Lumen Juris: 2012. p. 440.
26
SULOCKI, Victoria-Amália. A constituição de 1988 e segurança pública. Op. Cit. p. 108
27
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. Op. Cit. p. 54.
25
apóia políticas de confronto de alta letalidade, assim como também demanda uma
maior violência por parte das forças policiais no enfrentamento da criminalidade e
aceita o alto número de mortos e desaparecidos nas periferias urbanas como um
custo colateral necessário. É o processo de banalização da violência institucional,
o qual, após a transição política, manteve o aparato repressivo dentro da
instituição policial. A constituição de 88 não rompeu totalmente a estrutura
militar, uma vez que manteve a polícia vinculada ao exército28. Dessa forma, a
segurança pública passou para as atribuições das polícias, estas agora como forças
auxiliares do exército.
28
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. Op. Cit. p. 56.
29
COIMBRA, Cecilia. Operação Rio: o mito das classes perigosas... Rio de Janeiro:
Editora Intertexto, 2001. p. 245.
30
CERQUEIRA, Carlos M. N. Política de Segurança pública para um estado de direito
democrático chamado Brasil. In: Discursos Sediciosos, nº 2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, ICC,
1996. p. 193.
26
a iniciativa dos pactos “por cima”, de conciliação das elites, sem a participação
ativa e independente dos movimentos populares. Ao final, prevaleceu a autonomia
das Forças Armadas, caracterizando a polícia brasileira com uma “estética
militar”31. A ideia inicial da Assembleia era manter o exército como força de
reserva da Polícia Militar, e em tempo de guerra o inverso. Entretanto, essa
organização não prevaleceu. Os militares, ao saírem do governo, tiveram poder
para negociar suas condições e conseguiram manter-se como força responsável
pela segurança pública.
31
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. Op. Cit. p. 46.
32
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. Op. Cit. p.48.
33
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição
brasileira de 1988. Op. Cit. pag. 49.
27
dessa forma, cabe as Forças Armadas definirem quando esta ordem for violada e
por quem. Aqui se verifica nitidamente o poder de decisão nas mãos do exército,
qual a situação que ameaça a ordem, qual a situação de necessidade ensejadora da
declaração de medidas de exceção34.
34
Atualmente está um pouco diferente, pois foi criado o Ministério da Defesa comandado
por um civil, como tentativa de retirar parte do poder das Forças Armadas.
35
De acordo com Zaverucha, a Constituição de 1988 incorporou um verniz democrático na
questão da segurança pública, polícias e Forças Armadas. O autor afirma que “em termos
procedurais, o processo de redação da Constituição foi democrático. Contudo, a essência do
resultado não foi liberal. Não há, com isto, a intenção de invalidar a definição da democracia
liberal em termos de procedimentos, mas chamar atenção para as limitações de uma concepção
subminimalista”. ZAVERUCHA, Jorge. FHC, forças Armadas e Polícia. Rio de Janeiro: Editora
Record, 2005.
36
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth, Política de Segurança pública para um estado de
direito democrático chamado Brasil. Revista Discursos Sediciosos, nº 2, 1996. p. 205.
37
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança
pública no Primeiro Governo Brizola. Op. Cit. p. 30.
28
38
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança
pública no Primeiro Governo Brizola.Op. Cit. p. 32/33.
39
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança
pública no Primeiro Governo Brizola. Op. Cit. p. 35.
40
RAMOS Silvia; MUSUMECI Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Op. Cit. p. 31.
41
ZACCONE, Orlando. Sistema penal e seletividade punitiva no tráfico de drogas ilícitas.
In: Revista Discursos Sediciosos: crime direito e sociedade, nº14. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p.
186.
29
1.2
As políticas estaduais de segurança pós ditadura
42
DORNELLES, João Ricardo W. Direitos humanos, violência e barbárie no Brasil: uma
ponte entre o passado e o presente. Op. Cit. p. 439.
43
CASTRO, Lola Aniyar de. Direitos Humanos: delinquentes e vítimas, todos vítimas.
Revista Discursos Sediciosos. Ano 11, nº 15/16, 2007. p. 196.
44
TELES, Edson. Entre Justiça e Violência: estado de exceção nas democracias do Brasil e
da África do Sul. Op. Cit. p. 316.
30
política nos EUA que seria exportado para diversos países ocidentais, inclusive o
Brasil, a política de “lei e ordem”.
45
GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro:
Revan, 2006. p. 96.
46
GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2006. Op. Cit. p. 32.
47
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000. p. 43.
48
WACQUANT, Loic. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio
de Janeiro, Revan, 2ª edição, 2003. p. 9.
31
49
Dario Melossi afirma ocorrer atualmente a perda de sentido das instituições de controle
disciplinar na sociedade pós-fordista criado na modernidade. “numa situação de expulsão
permanente e estrutural da força de trabalho do processo produtivo – e, ao mesmo tempo, de
profunda transformação do modo pelo qual a força de trabalho vem sendo constituída na fase atual
–, a “subalternidade” das principais instituições de controle social em relação à fábrica está de
algum modo perdida e se teria tornado obsoleta. O ensinamento disciplinar não tem mais sentido
na sociedade pós-industrial/ pós-fordista porque não há mais ensinamento a propor; por isso, as
instituições que foram criadas na modernidade com esse objetivo perdem progressivamente a
razão de ser. resta apenas aquilo que Cohen chama de warehousing, o “armazenamento” de
sujeitos que não são mais úteis e que, portanto, podem ser administrados apenas através da
neutralilizazzione, “neutralização” como se diz em italiano. In. GIORGI, Alessandro de. A Miséria
Governada através do Sistema Penal. Op. Cit. p. 15/16.
50
NASCIMENTO, Maria Livia. e RODRIGUES, Rafael Coelho. A convergência
social/penal na produção e gestão da insegurança social. In: BATISTA, Vera (Org.) Loic
Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012. p. 198.
32
51
WACQUANT, Loic. Rumo a militarização da marginalização urbana. Revista Discursos
Sediciosos. Ano 1, nº 15 e 16, 2007. p. 439.
52
ZAFFARONI, Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Op. Cit. p. 43.
53
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução: Sergio Lamarão. Rio
de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 73 e 75.
33
prender, processar e julgar todos os crimes descritos nas leis. O que implica
necessariamente em um processo de seleção de quais condutas e agentes irão fazer
cumprir a lei. Nesse processo incide um sistema de controle social54 penal com
caráter classista, pois tanto a tipificação de crimes como a política repressora são
direcionadas para crimes e agentes pertencentes das classes mais baixas, vistas
como clientela do sistema penal, enquanto os crimes executados pelas elites não
se deparam com a mesma intolerância e empenho no seu controle. Pois ainda que
se considere que o controle social não se restringe aos pobres, ele é o único foco
de suas políticas de atuação, dessa forma, o modelo de controle da ordem
neoliberal induz uma naturalização da desigualdade.
dramáticas.
54
Para Stanley Cohen, controle social pode ser definido como “um conjunto de meios pelos
quais uma sociedade responde aos indivíduos ou grupos sociais que, de alguma maneira, colocam
em risco a ordem estabelecida. A partir da utilização desses meios, os indivíduos ou grupos são
classificados como rebeldes, desviados, transgressores, perigosos, delinquentes, suspeitos,
inadaptados, problemáticos, ameaçadores, indesejáveis, etc., buscando-se induzir à conformidade
com a ordem social estabelecida.” COHEN, Stanley. Apud D DORNELLES, João Ricardo W.
Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit. p. 20.
55
WACQUANT, Loic. Rumo a militarização da marginalização urbana. Revista Discursos
Sediciosos. Ano 11, nº 15 e 16, 2007. p. 204.
56
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit. p.
53.
34
saxão transicional do estado providência para o estado policial, foi importado pelo
Brasil sem qualquer tipo de crítica. Uma vez que, no Brasil nunca houve um real
Estado de Bem Estar. O que existiram foram alguns serviços sociais básicos,
prestados de forma precária. Então, esse recrudescimento do aparato repressor
significou somente um aumento da violência e perversidade das formas de
controle sobre a população60. A guerra contra as drogas é lema justificante da
máquina de extermínio do estado e o processo de criminalização por drogas passa
de 8% em 1968 e 16% em 198861 para quase 70% no ano de 2000. O
57
A taxa de encarceramento no Brasil também aumentou rapidamente como pode ser
observado pelos índices oficiais dos últimos anos. Esses indícios demonstram que a antiga lógica
ressocializante dos presídios está sendo substituída pela ideologia da neutralização da juventude
pobre, esconder a miséria mias gritante, como pode ser visto na definição de Vera Malaguti: “A
prisão é uma instituição fora-da-lei: devendo dar remédio à insegurança e à precariedade, ela não
faz senão concentrá-las e intensificá-las, mas na medida em que as torna invisíveis, nada mais lhe
é exigido.” BATISTA, Vera Malaguti. In WACQUANT, Loic. Punir os Pobres. Op. Cit. p. 15.
58
FREIXO, Marcelo. Artigo do deputado estadual Marcelo Freixo. Disponível em:
www.marcelofreixo.com.br.
59
FREIXO, Marcelo. Artigo do deputado estadual Marcelo Freixo. Op. Cit.
60
“(...) o projeto penal do neoliberalismo é muito mais sedutor e muito mais nefasto quando
se infiltra nos países atravessados por profundas desigualdades de condições sociais e de
oportunidades de vida, privados das tradições democráticas e desprovidos das instituições públicas
capazes de amortecer os choques provocados pelas concomitantes transformações do trabalho, dos
laços sociais e dos sujeitos no limiar do novo século.” WACQUANT, Loic. Rumo a Militarização
da Marginalização Urbana. Op. Cit. p. 204.
61
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1998. p.93.
35
62
WACQUANT, Loic. Punir os pobres. Op. Cit. p. 29.
63
Essa expressão foi utilizada por Soares a época de seu livro e difundida nos meios
acadêmicos. No entanto, hoje se constata que não houve uma pendularidade entre as políticas de
segurança pública. Na verdade, o que ocorreu foi um breve momento, durante a gestão de Leonel
Brizola, de implantação de práticas policiais mais humanas, com uma grande diminuição do uso da
força nas favelas cariocas. SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de General: quinhentos dias no
front da segurança pública do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2000. p.
110.
36
64
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit. p.
142.
65
Essa demonização do morador da favela como bandido ocorre ainda hoje com forte ajuda
da mídia.
37
ocorreu a Chacina de Acari, na qual homens ditos policiais levaram onze pessoas
a força e seus corpos nunca mais foram encontrados.
66
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Política de Segurança pública para um estado de
direito democrático chamado Brasil. Op. Cit. p. 206.
67
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. p. 154.
68
SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de General: quinhentos dias no front da segurança
pública do Rio de Janeiro. Op. Cit. p. 248.
38
69
Essa cultura do medo é fomentada até hoje pelos veículos de mídia, a serviço dos setores
conservadores, e foi um fator determinante para a adoção do modelo de “pacificação” das favelas
adotado pelo atual governo estadual.
70
“Tramas vão sendo tecidas (...) no sentido de ética e politicamente desqualificar e
desautorizar o Executivo estadual, sugerindo abertamente a necessidade de uma intervenção
federal. Afinal, estamos em pleno período eleitoral. Pela pesquisa realizada nos jornais, constata-se
que, aliada a corrupção, temos a massiva produção do medo através do descontrole que o governo
estadual demonstra sobre seus agentes e, por conseguinte, sobre os segmentos “perigosos”
COIMBRA, Cecilia. Operação Rio... Op. Cit. p.146.
71
COIMBRA, Cecilia. Operação Rio... Op. Cit. p. 183.
72
ZAVERUCHA, Jorge. FHC, forças Armadas e Polícia. Op. Cit. p. 56.
39
Defesa Civil e Cidadania por ter denunciado uma “banda podre” na polícia
carioca, ele havia denunciado um setor da polícia como corrompido e com íntimas
relações com o narcotráfico. Essa exoneração significou na verdade um
rompimento definitivo desse governo com o modelo proposto por Soares. Um
modelo de controle do crime associado com políticas sociais em áreas carentes,
além de exigir uma profunda reestruturação interna na instituição policial74.
73
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit. p.
175.
74
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit. p.
194.
40
chegar a 20 para cada 100 mil habitantes no início dos anos 90, sendo esta elevada
a 60 mortes para cada 100 mil habitantes no Rio de Janeiro75.
75
Essa incidência aproxima o Rio de Janeiro das metrópoles mais violentas das Américas
nos últimos anos. Acrescentaria a seguinte conclusão de Loic Wacquant “O atual funcionamento
da polícia é tão ineficiente, deficiente e caótico, do ponto de vista estritamente jurídico, que
precisariam ser reorganizados de cima a baixo para poderem fazer emergir as mínimas normas
estipuladas pelas convenções internacionais, ao menos para assegurar os níveis básicos de
uniformidade e justiça através das linhas de cor e de classe.” WACQUANT, Loic. Rumo a
militarização da marginalização urbana. Op. Cit. p. 205 e 208.
76
SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de General: quinhentos dias no front da segurança
pública do Rio de Janeiro. Op. Cit. p. 115.
41
1.3
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1112601/CA
Sergio Cabral Filho foi eleito governador em 2006 e reeleito para o cargo
em 2010. Seu programa político nos primeiros anos de governo, apesar das
promessas feitas a época da campanha de promover reformas na área de segurança
pública, foi a política do confronto direto e permanente nas periferias do Rio de
Janeiro, por meio de mega operações policiais, com a utilização do tanque
blindado chamado de “caveirão”, do helicóptero denominado “caveirão do ar”,
emprego de um contingente enorme de agentes policiais. Essas incursões foram
executadas as custas de um aumento acentuado na taxa de homicídios praticados
pelas autoridades policiais79.
77
Um episódio representativo dessa diferenciação de tratamento e valoração da vida foi a
seguinte declaração de José Mariano Beltrame, Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro:
“É difícil a polícia ali entrar. Porque um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no
Alemão, é outra.” Fonte: O GLOBO. (Acesso em 02 de maio de 2010).
78
“As práticas policiais estão pautadas em conteúdos ideológicos difusos que concebem a
estrutura social de maneira hierárquica. Além disso, as ações arbitrárias aplicadas à função
judiciária da polícia estão, em larga escala, apoiadas e legitimadas pela sociedade, que inclusive,
cria expectativas nesse sentido.” HOLLANDA, Cristina Buarque de. Polícia e Direitos Humanos:
política de segurança pública no Primeiro Governo Brizola. Op. Cit. p. 42.
79
O número de mortos em autos de resistência atingiu o impressionante índice de 1.330
casos somente no ano de 2007, primeiro ano do mandato Sergio Cabral. Fonte: ISP - Instituto de
Segurança Pública. Disponível em: www.isp.rj.gov.br.
42
80
Fonte: O GLOBO. Disponível em: www.oglobo.com.br.
43
81
O papel determinante da mídia sobre a opinião pública é assunto que já vem sendo
analisado há bastante tempo e questiona-se até que ponto ela influencia a sociedade no sentido de
transmitir essa sensação de insegurança e incentivar as intervenções policiais e do exército nas
favelas em questões de segurança urbana. Sobre esse tema, Cecília Coimbra analisou outro
episódio de intervenção do exército no Rio – a Operação Rio. Muito influenciada pela mídia a
opinião pública apoiou maciçamente a presença das Forças Armadas. Sobre esse tem, Coimbra
examina “Neste acontecimento analisador – “Operação Rio” – procuramos colocar em evidência
duas questões: o papel espetacular e teatral dos meios de comunicação de massa que meses antes
da deflagração das “ações militares”, valendo-se de seus noticiários, editoriais e artigos, produziam
massivas subjetividades para pensar e interpretar a situação do Rio como a mais caótica das
cidades brasileiras com relação à explosão da violência. (...) A segunda questão refere-se à estreita
vinculação que se fez entre pobreza e criminalidade durante todo o período da intervenção”.
COIMBRA, Cecilia. Operação Rio: o mito das classes perigosas... Op.Cit. p. 180.
82
No dia 26 de novembro de 2010 o jornal O Globo anunciava, além de um caderno
especial, o dia D do combate ao tráfico em letras garrafais na primeira página: “população aplaude
polícia e acompanha operação pela TV em clima de Tropa de Elite 3”. BATISTA, Vera Malaguti.
O alemão é muito mais complexo. p. 8. Disponível em:
http://www.labes.fe.ufrj.br/arquivos/Alemao_complexo_VeraMBatista.pdf.
83
BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é muito mais complexo. Op. Cit. p. 6.
84
BATISTA, Vera Malaguti. Entrevista retirada do site Fazendo Média: “Do ponto de vista
da guerra, então, é um sucesso? Não é um sucesso, é um sucesso de vendas, tanto para a mídia
quanto para os armamentos que estão sendo anunciados . Eu não vi ainda o sucesso do outro ponto
de vista. Porque a finalidade explícita era o sucesso da operação, mas a implícita é vender a guerra,
a ode à polícia. (...) Polícia civil é polícia investigativa, mas o cara está lá vestido de rambo, com
44
colete, todo orgulhoso. E do lado de lá está Canudos. É aquilo que conhecemos há 500 anos, desde
a colonização.”
85
Fonte: Folha de São Paulo. 30 de novembro de 2010, p.c3.
86
BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é muito mais complexo. Op. Cit. p. 6.
87
MENEGAT, Marildo. O sol por testemunha. In: BATISTA, Vera (Org.). Loic Wacquant
e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012. p. 212.
88
BATISTA, Nilo. A violência do estado e os Aparelhos policiais. Revista Discursos
Sediciosos, nº 4, 1997. p. 153.
45
de Giorgi destaca como “as novas estratégias penais se caracterizam cada vez
mais como dispositivos de gestão do risco e de repressão preventiva das
populações consideradas portadoras deste risco. Não se trata de aprisionar
criminosos perigosos individuais, isto é, de neutralizar fatores de risco individual,
mas sim de gerir, ao nível das populações inteiras, uma carga de risco que não se
pode (e, de resto, não se está interessado em) reduzir”.89
89
GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Op. Cit. p. 97.
90
NASCIMENTO, Maria Livia. e RODRIGUES, Rafael Coelho. A convergência
social/penal na produção e gestão da insegurança social. In: BATISTA, Vera (Org.). Loic
Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Op. Cit. p. 199.
91
Nesse sentido, Cristina Rauter afirma “Um racismo desempenha nesse segundo polo do
controle “da vida” um papel fundamental. Um racismo associado à preservação da “civilização
ocidental”, ou dos valores democráticos, (...) Ou que aparece associado à promoção da paz na
cidade, ainda que essa paz seja a paz dos cemitérios. Para se chegar a implantar as Unidades de
Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro, saudadas por grande parte da população como solução para
a criminalidade na cidade, foi necessária uma década de política genocida, de extermínio dos
suspeitos de crime. Sabemos que esses suspeitos são justamente os pretos e pobres, moradores das
comunidades populares.” O estado penal, as disciplinas e o biopoder. In: BATISTA, Vera (Org.).
Loic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012. p. 73.
46
92
MISSE, Michel. Os Rearranjos de poder no Rio de Janeiro. Le Monde Diplomatique
Brasil. Ano 4. Nº 48, p. 6.
93
COIMBRA, Cecília. Operação Rio: o mito das classes perigosas... Op. Cit. p. 163.
94
RAUTER, Cristina. O estado penal, as disciplinas e o biopoder. In: BATISTA, Vera
(Org.). Loic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012.
p. 73.
2
favorável para esse processo. De acordo com Paulo Arantes “golpes de estado
hoje em dia são politicamente incorretos”1. Os regimes militares nos países
periféricos se tornaram obsoletos. Quando o muro ruiu e o regime comunista
entrou em colapso, não havia mais necessidade da manutenção de um regime
autoritário nos governos do Cone Sul para controlar as insurgências. Só que os
esperados dividendos da almejada paz não vieram. Pelo contrário, foram
reinvestidos em um novo período de guerra.
3
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do império.
Op. Cit. p. 43.
4
Agamben escreve sobre as diversas formas de interpretação do conceito de paradigma,
para esclarecer o caráter de sua investigação não era meramente historiográfico. O autor
estabelece sua definição de paradigma como um objeto singular, válido para todos da mesma
classe, define a ideia do conjunto do qual faz parte e constitui. O homo sacer, o muçulmano, estado
de exceção e o campo de concentração são casos de paradigmas “no son hipótesis a través de lãs
cuales se intenta explicar La modernidad, reconduciéndola a algo así como a uma causa o um
origen histórico. Por El contrario, como su misma multiplicidad podría dejar entrever, se trata em
todos lós casos de paradigmas que tenían por objetivo hacer inteligible uma serie de fenômenos
cuyo parentesco se le había escapado o podia escapar a La mirada Del historiador.” AGAMBEN,
Giorgio. Qué es um paradigma? p. 42.
5
Figura do direito romano arcaico que representava um indivíduo fora do direito, contra o
qual a morte não representava um homicídio. Sua figura representa o contraposto do poder
soberano no campo jurídico. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p.16.
49
exceção aparece em toda sua potência, como estrutura em que o direito inclui em
si o vivente por meio de sua suspensão. Essa ordem do presidente dos Estados
Unidos autoriza a detenção do indivíduo suspeito por tempo indefinido, são os
detainees – um tipo inclassificável, objeto de dominação de fato. Essa detenção
não tem natureza específica, pois não encontra respaldo no campo legal e, fora de
qualquer tipo de controle6.
Mundo”7.
6
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 14.
7
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 175.
8
Para efeito deste trabalho não serão apresentadas aqui as diferenças teóricas do conceito
de biopolítica na obra de Foucault e na obra de Agamben.
9
COSTA, Flavia. Entrevista com Giorgio Agamben. Op. Cit.
50
saber11. Por muito tempo a grande particularidade do poder soberano foi o direito
de vida e de morte. O filósofo francês estuda a transição do Estado-territorial para
o Estado de população, o que significa uma atenção direcionada aos fatores da
vida biológica da população. O poder começa a penetrar no corpo do sujeito e em
suas formas de vida, o Estado assume um duplo vínculo político entre as técnicas
de individualização subjetivas e a totalização objetiva: ele adota um cuidado com
a vida natural dos indivíduos, ao mesmo tempo em que desenvolve as tecnologias
de subjetivação, que consistem em vincular o indivíduo à própria identidade e
10
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: anti-semitismo, imperalismo,
totalitarismo. Companhia das Letras, 1998. p. 513.
11
“Concretamente, esse poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século XVII, em duas
formas principais; que não são antitéticas e constituem, ao contrário, dois polos de
desenvolvimento interligados por todo um feixe intermediário de relações. Um dos polos, o
primeiro a ser formado, ao que parece, centrou-se no corpo como máquina: no seu adestramento,
na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade
e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos – tudo isso
assegurado por procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: anátomo-políticas do
corpo humano. O segundo, que se formou um pouco mais tarde, por volta da metade do século
XVIII, centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como
suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde,
a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais
processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma
bio-política da população.” FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber.
Graal, 1977. Tradução: Maria Theresa da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon de Albuquerque. p.
132.
51
12
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit.p. 13.
13
Neste ponto ocorre uma distinção entre as concepções de biopoder em Foucault e
Agamben. A teoria de Foucault é construída sob uma separação bem definida entre os termos
como disciplina e controle, ou entre disciplina e segurança, de forma a evitar uma teoria unitária
do poder. Já Agamben trata do tema da soberania como um ponto de interseção nas
transformações do poder, sem se preocupar com o poder de forma unitária, ou não. VIEIRA,
Rafael Barros. Exceção, violência e direito: notas sobre a crítica ao direito a partir de Giorgio
Agamben. Dissertação de Mestrado. Orientadora: Bethania Assy. PUC, 2012. Nota 274. p. 115.
14
BATISTA, Vera Malaguti. Vida Nua e Soberania. Resenha Bibliográfica. Revista
Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 7, nº 12, 2º semestre de 2002. p. 386.
15
“A nova governamentalidade da política de Estado se apoia em dois grandes conjuntos de
saberes e de tecnologias políticas, uma tecnologia político-militar e uma ‘polícia.’ No cruzamento
dessas duas tecnologias, encontram-se o comércio e a circulação interestatal da moeda: ‘é a partir
do enriquecimento pelo comércio que se espera a possibilidade de aumentar a população, a mão de
obra, a produção e a exportação, e a possibilidade de se dotar de exércitos fortes e numerosos’”.
REVEL, JUDITH. Dicionário Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p. 75.
16
Como uma razão de estado, ela foi formada por dois campos: “ uma tecnologia
diplomático-militar que consiste em assegurar e desenvolver as forças do Estado por um sistema
de alianças e pela organização de um aparelho armado. (...) A outra é constituída pela “polícia”, no
sentido que então se dava a esse termo: o conjunto dos meios necessários para fazer crescer, do
interior as forças do Estado.” Segurança, Território, População – Curso dado no Collège de
France (1977-1978). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes 2008. p. 83.
17
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 289.
52
18
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 10.
19
SAFATLE, Vladimir. A política da profanação. Folha de São Paulo. 18 de setembro de
2005.
20
COSTA, Flavia. Entrevista com Giorgio Agamben. Op. Cit. p. 2-3.
53
exemplo, o homo sacer, uma figura limítrofe utilizada por Agamben como um
paradigma da biopolítica contemporânea.
2.1
“Se fosse possível e desejável resumir em uma única fórmula o atual estado do
mundo, eu não pensaria duas vezes: estado de sítio”.21
(Paulo Arantes)
21
Paulo Arantes não distingue estado de sítio de estado de exceção, ou de plenos poderes,
ou estado de emergência. Todos são denominações para “o regime jurídico excepcional a que uma
comunidade política é temporariamente submetida, por motivo de ameaça à ordem pública, e
durante o qual se conferem poderes extraordinários às autoridades governamentais, ao mesmo
tempo em que se restringem ou suspendem as liberdades públicas e certas garantias
constitucionais.” ARANTES, Paulo. Extinção. Op. Cit. p.153-154.
22
AGAMBEN, Giorgio. Onde começa o novo êxodo. Revista Lugar Comum – Estudos de
mídia, cultura e democracia. nº 7, janeiro-abril 1999. p. 175.
54
23
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção.Op. Cit. p. 15.
24
O estado de sítio remonta a tradição do Império Romano, entretanto, para efeito deste
trabalho, o histórico iniciará a partir do século 18. AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op.
Cit. p. 16.
55
25
Uma evidência dessa tese é a tendência da política na era Bush em se auto denominar
Commander in chief of the army, Bush procurou com isso produzir um ambiente de guerra, onde a
emergência se torne permanente e não exista mais distinção entre paz e guerra. AGAMBEN,
Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 38.
26
SCHMITT, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 7.
56
exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta
da sua suspensão”29.
27
A exceção comprova que a soberania não se esgota na ordem jurídica. Da mesma forma
que não a transcende pois ela é intrinsecamente relacionada com o direito.
28
A expressão “ao mesmo tempo” é fundamental para a compreensão do paradoxo pois “o
soberano, tendo o poder legal de suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei”.
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 23.
29
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 23.
30
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 25.
31
Ao se entender a exceção como uma lacuna, tem que ser compreendida fora do seu
sentido próprio. Se ela fosse um espaço no ordenamento, ela seria interna ao direito, o que não é
57
suficiente para explicar o instituto. Nas palavras do autor “A lacuna não é interna à lei, mas diz
respeito à sua relação com a realidade, à possibilidade mesma de sua aplicação. É como se o
direito contivesse uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua aplicação e que,
em caso extremo, só pudesse ser preenchida pelo estado de exceção, ou seja, criando-se uma área
onde essa aplicação é suspensa, mas onde a lei, enquanto tal, permanece em vigor.” AGAMBEN,
Giorgio. Estado de exceção.Op. Cit. p. 48.
32
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 28.
33
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 58.
34
SAFATLE, Vladimir. A política da profanação. Folha de São Paulo. 18 de setembro de
2005.
58
35
AGAMBEN, Giorgio. Sovereign Police. In: Means without end – Notes on politics.
Minneapolis: University of Minessota Press, 2000. p. 105.
36
AGAMBEN, Giorgio. A zona morta da lei. Folha de São Paulo. 16 de março de 2003.
37
Agamben cita uma frase de um policial italiano durante uma manifestação em Gênova
característica desse tipo de pensamento: “O Estado não quer que imponhamos a ordem, mas que
administremos a desordem.” Como política governamental, os Estados Unidos articulam suas
intervenções mundiais sob essa perspectiva: “Parece-me evidente que este é o princípio que guia,
particularmente, a política exterior norte-americana, mas não apenas ela. Trata-se de criar zonas de
desordem permanente (“zones of termoil”, como dizem os estrategistas) que permitem
intervenções constantes orientadas na direção que se julgar útil. Ou seja, os Estados Unidos são
hoje uma gigantesca máquina de produção e gestão da desordem.” AGAMBEN, Giorgio.
Entrevista a Folha de São Paulo. 18 de setembro de 2005.
38
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 13.
59
39
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 25.
40
DE LA DURANTAYE, Leland. Giorgio Agamben: A critical introduction. California:
Stanford University Press, 2009. p. 212.
41
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 166.
Grifos do autor.
60
Weimar. Ele agora produz a situação de fato, como resultado da decisão sobre a
exceção. Por isso, o campo se torna um espaço virtual híbrido entre a noção de
direito e de fato, onde não é possível identificá-los separadamente. Agamben faz
uma provocação sobre esse assunto, para retirar o véu sobre a pergunta superficial
de como foi possível cometer crimes tão cruéis contra seres humanos e, direciona
a pergunta sobre o real questionamento diante da situação: quais foram os
dispositivos jurídicos e políticos da época que permitiram cometer um genocídio
em tamanha proporção sem que fosse considerado crime? A condição extrema de
vida nua que seus habitantes foram expostos não pode ser considerado um fato
extrapolítico e extrajurídico, catalogado no campo dos atos atrozes. “O campo
como localização deslocante é a matriz oculta da política em que ainda vivemos,
que devemos aprender a reconhecer através de todas as suas metamorfoses, nas
zones d’attente de nossos aeroportos bem como em certas periferias de nossas
cidades”42. Esse é o questionamento mais útil diante da tragédia e elucida o real
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1112601/CA
42
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 171.
Grifos do autor.
43
AGAMBEN, Giorgio. Onde começa o novo êxodo. Revista Lugar Comum – Estudos de
mídia, cultura e democracia. nº 7, janeiro-abril 1999. p. 75.
44
NEGRI, Antonio & HARDT, Michael. Campo. Revista Lugar Comum – Estudos de
mídia, cultura e democracia. nº 7, janeiro-abril 1999. p. 70.
61
45
Agamben defende a ideia da presença virtual do campo nos dias atuais “toda vez que é
criada uma tal estrutura, independentemente da natureza dos crimes que aí são cometidos e
qualquer que seja a sua denominação ou topografia específica”. AGAMBEN, Giorgio. Homo
Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 169.
46
Essa discussão se coloca de forma muito presente no nosso tempo devido a tendência das
democracias ocidentais em estender os poderes do executivo no âmbito legislativo, por meio da
expedição de decretos com força de lei como consecutivo da crescente delegação por meio de lei
de plenos poderes: “Entendemos por leis de plenos poderes aquelas por meio das quais se atribui
ao executivo um poder de regulamentação excepcionalmente amplo, em particular o poder de
modificar e de anular, por decretos, as leis em vigor”. TINGSTEN, Herbert. Apud AGAMBEN,
Giorgio. Estado de exceção.Op. Cit. p. 18-19.
62
47
Essa expressão foi apresentada por Jacques Derrida em 1990 na conferência intitulada
“Força de Lei – O Fundamento Místico da Autoridade” para demonstrar como as leis tem seu
fundamento de validade apoiado sobre a autoridade daquele que a decreta, como os decretos
formulados pelo executivo com “força de lei” principalmente no estado de exceção. Agamben
ainda cita o caso limite no julgamento de Eichmann em que ele alegava em sua defesa “as palavras
do Führer têm força de lei.” AGAMBEN, Giorgio. A zona morta da lei. Folha de São Paulo. 16 de
março de 2003.
48
AGAMBEN, Giorgio. A zona morta da lei. Folha de São Paulo. 16 de março de 2003.
49
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção.Op. Cit. p.61.
50
VIEIRA, Rafael Barros. Exceção, violência e direito: notas sobre a crítica ao direito a
partir de Giorgio Agamben. Op. Cit. p. 142.
63
51
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 12.
52
COSTA, Flavia. Entrevista com Giorgio Agamben. Op. Cit.
53
BATISTA, Vera Malaguti. Vida Nua e Soberania. Op. Cit. p. 386.
54
“A tatuagem biopolítica que os EUA nos impõem neste momento para podermos penetrar
em seu território pode muito bem ser o sinal precursor daquilo que, futuramente, nos será exigido
aceitar como a inscrição normal da identidade do bom cidadão nos mecanismos e engrenagens do
estado.” Agamben cancelou seus cursos em Nova York quando soube da nova política de
segurança dos Estados Unidos nos seus aeroportos impondo a todos o registro de suas impressões
digitais. Matéria foi publicada no jornal francês “Le Monde” para justificar o cancelamento e
publicizar seu repúdio a essas técnicas biopolíticas de controle. AGAMBEN, Giorgio. Não a
tatuagem biopolítica. Folha de São Paulo. 18 de janeiro de 2004.
64
política - o cidadão em sentido estrito, restringindo seu espaço, até o ponto em que
a humanidade torna-se perigosa aos olhos do estado.
seja, dispositivo é uma máquina de subjetivações (no sentido dos sujeitos serem
sempre sujeitados a um poder) e, enquanto tal, uma máquina de governo.
Entretanto, nos dispositivos contemporâneos, o processo é no sentido de
dessubjetivação. Então, não é mais possível a produção de um sujeito real, mas
sim um sujeito espectral, pois os processos de subjetivação e dessubjetivação são
ambos indiferentes, e não dão lugar a produção de um novo sujeito. Os
dispositivos são empregados como ferramentas de sujeição dos indivíduos às
estratégias de poder. Essas premissas são importantes para relacionar com o
estado de exceção, vida nua e a elevada letalidade da força policial. O nexo entre
violência e direito é feito pela exceção. Por isso, quando é acionada a
matabilidade de categorias de indivíduos para garantir a segurança do conjunto da
população, essa prática é considerada um dispositivo inserido na biopolítica. A
dessubjetivação ocorre a partir do momento em que naturaliza a morte de sujeitos
inimigos da sociedade, o dispositivo opera a inclusão exclusiva do sujeito matável
e insacrificável.
55
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos,
2009. p. 40.
65
uma lei) que decide e dispõe”56. Esse entendimento é útil para se pensar a política
de segurança pública do Rio de Janeiro, onde o policial detém o poder de decisão
do soberano e o homicídio praticado por ele representa uma sentença – de morte.
A vida nua se apresenta na sua forma mais pura quando o agente inscreve a vida
humana por meio da sua inclusão-exclusiva e decide sobre o momento de morte
do individuo, como estratégia de controle social nas periferias urbanas. A captura
da vida nua é um mecanismo de dessubjetivação e de constituição de
subjetividades-alvo do extermínio.
exceção virou a regra, a problematização dos limites do estado recebem uma nova
perspectiva. O estado de exceção se faz permanente por meio de práticas
institucionais reprodutoras de violências.
56
No seu sentido tecnológico significa “o modo em que estão dispostas as partes de uma
máquina ou de um mecanismo e, por extensão, o próprio mecanismo”. No seu sentido militar
significa “o conjunto de meios dispostos em conformidade com um plano”. AGAMBEN, Giorgio.
O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Op. Cit. p. 34.
57
“Às classes confortáveis do núcleo orgânico correspondiam, como um complemento
exato, as classes torturáveis nas zonas periféricas do sistema. Em tempo: na literatura
especializada, e chocada, com esse paradoxo brasileiro que vem a ser a explosão exponencial da
violência à medida que se consolida a “democratização” da sociedade, observa-se que as classes
torturáveis são compostas especificamente de presos comuns, pobres e negros, torturáveis
obviamente nas delegacias de polícia e prisões, rotina invisível que o escândalo da ditadura militar
recalcou ainda mais, por ser inadmissível torturar brancos de classe média.” ARANTES, Paulo.
Extinção. Op. Cit. p. 163.
66
nitidamente seletiva58. Paulo Arantes afirma que a exceção não foi extinta no
sistema democrático, “empurraram-na para a periferia, terra de ninguém mesmo,
na qual vegetou rotineiramente, durante todo o período, preciosa contribuição para
o conforto moral da metrópole”59. O sistema punitivo mata mais no dito Estado
Democrático de Direito do que na época da ditadura: desde 2003, mas de 11 mil
pessoas foram mortas e, apenas no ano de 2007, foram registradas 4.423 pessoas
como desaparecidas60. As violências massivas passam a ser uma referência atual,
e a excepcionalidade deflagra o momento da barbárie.
violência praticada pelas figuras individuais dos policiais deve sua legitimidade
não a alguma característica particular, mas a função que desempenha,
fundamentada esta última na crença da validez da norma.
62
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do império.
Op. Cit. p. 34.
63
SCHWARZ, Roberto. Apud ARANTES, Paulo. Extinção. Op. Cit. p. 19-20.
68
contém uma tensão latente, atingindo seu ápice nos momentos de crise política ou
social, e assim, a exceção permanente entra no cenário como medida necessária,
sem excluir necessariamente a violência dos mecanismos de sujeição. Pelo
contrário, o fator violento se faz presente nesses momentos de decisão do
soberano sobre a exceção, influenciando de forma determinante nos dispositivos
de contenção e sujeição.
64
Nesse mesmo sentido se refere a ideia apresentada anteriormente, na qual o Estado não
está interessado em instalar a ordem, mas em controlar a desordem. Muitas vezes, esta fora criada
por ele próprio.
65
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do império.
Op. Cit. p. 57.
69
2.2
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1112601/CA
“Homo sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito
sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na
primeira lei tribunícia se adverte que “se alguém matar aquele que por plebiscito
é sacro, não será considerado homicida”. Disso advém que um homem malvado
ou impuro costuma ser chamado sacro”67.
66
COSTA, Flavia. Entrevista com Giorgio Agamben. Op. Cit. p. 133.
67
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 74.
Tradução na página 186.
70
68
NASCIMENTO, Daniel Arruda. Do fim da experiência ao fim do jurídico: percurso de
Giorgio Agamben. Tese de doutorado em filosofia. Orientador: Oswaldo Giacoia Júnior.
UNICAMP, 2010. p. 131.
69
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 75.
71
A questão está nesta vida sacra do indivíduo exposto a morte. Essa vida
nua corresponde ao elemento político originário. A esfera-limite do agir humano
encontra-se na relação de exceção, ou seja, quando a decisão soberana suspende a
lei, ela implica na vida nua. Como o espaço político da soberania se constitui no
homo sacer, nele é configurada uma dupla exceção, uma zona de indiferença entre
sacrifício e homicídio. “Soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1112601/CA
70
De acordo com Agamben, o homo sacer corresponde ao bando soberano “Aquilo que
define a condição do homo sacer, então, não é tanto a pretensa ambivalência originária da
sacralidade que lhe é inerente, quanto, sobretudo, o caráter particular da dupla exclusão em que se
encontra preso e da violência à qual se encontra exposto. Esta violência – a morte insancionável
que qualquer um pode cometer em relação a ele – não é classificável nem como sacrifício e nem
como homicídio, nem como execução de uma condenação e nem como sacrilégio.” AGAMBEN,
Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 84.
71
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p.85.
72
“As Agamben observes, for the Greeks the term zoè designated life in the sense of the
simple fact of living common to all living beings (animals, men, or gods), and for this reason it
tellingly admitted of no plural form. Zoè was then life in its most general sense, a sense every bit
as general as being. The second term, bios, referred to the forms our lives take – to the form or
72
o conceito de vida nua foi descrito por Agamben como um substitutivo para a
palavra grega zoé, como a simples vida natural. Entretanto, nos dias atuais, não
existe mais essa distinção. Em sua obra, a vida nua é vista no estado de exceção
permanente e tornada a forma de vida dominante e normal. Mas para fazer uma
análise completa deste conceito, tem que relacioná-lo com a biopolítica, no
sentido da vida ter ingressado nos cálculos de poder por meio de múltiplos modos
de controle. Ela se tornou o fato politicamente decisivo. Este é o ponto de
interseção entre as democracias contemporâneas e os Estados totalitários73.
potencialmente como direito de vida, para o direito de morte sobre o tecido social.
O poder soberano decide em que ponto uma vida cessa de ser politicamente
relevante, ele decide sobre o valor e o desvalor da vida enquanto tal. A linha
delimitadora do ponto de decisão sobre a vida torna-se confusa e essa decisão
torna-se a decisão sobre a morte. A linha se torna cada vez mais difusa pela vida
social criando novas credenciais aptas a exercer o poder de decisão sobre a morte,
onde quer que exista um homem sujeito ao poder de polícia. Da mesma forma
também aparecem novas fotografias de homo sacer, vítimas potenciais da morte
incondicionada75.
“Toda sociedade fixa este limite, toda sociedade – mesmo a mais moderna –
decide quais sejam os seus ‘homens sacros’. É possível, aliás, que este limite, do
qual depende a politização e a exceptio da vida natural na ordem jurídica estatal
não tenha feito mais do que alargar-se na história do Ocidente e passe hoje – no
way of living proper to an individual or a group. In addition to the undifferentiated fact of a thing
being alive – zoè – there are specific ways of living – bios. This distinction corresponded to a
fundamental division in the Greek’s political landscape. For them, simple, natural life (zoè) was
not the affair of the city (polis), but instead of the home (oikos), while bios was the life that
concerned the polis.” DE LA DURANTAYE, Leland. Giorgio Agamben: A critical introduction.
Op. Cit. p. 205.
73
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 17.
74
O termo tanatopolítica, criado por Agamben, tem como prefixo a derivação de Tânatos, o
personagem da mitologia grega que personifica a morte. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O
poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 142.
75
NASCIMENTO, Daniel Arruda. Do fim da experiência ao fim do jurídico: percurso de
Giorgio Agamben. Op. Cit. p. 145.
73
76
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 135.
77
BATISTA, Vera Malaguti. Vida Nua e Soberania. Op. Cit. p. 387.
74
guerra de todos contra todos, quanto mais exatamente, uma condição que cada um
é para o outro vida nua e homo sacer”. A lupificação do homem e a humanização
do lobo é possível no estado de exceção. Ele deixa de ser a guerra de todos contra
todos e passa a ser a situação dentro da qual todos são, uns para os outros, vida
nua e homo sacer. Ou seja, a situação de exceção como forma constituidora do
estado de natureza. Segundo Agamben em Hobbes, o fundamento do poder não
está na cessão espontânea de poder ao soberano, mas na verdade, na conservação
pelo soberano de seu direito natural de poder fazer qualquer coisa sobre qualquer
um, é o direito de punir. A violência então não é baseada no pacto, mas na
inclusão exclusiva da vida nua no Estado79.
78
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 104.
79
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 106.
80
O ban seria o poder de remição de algo a si mesmo, exclusão e inclusão, de estar livre e
capturado.
75
Essa estrutura de bando está inserida nas relações políticas e nos espaços
públicos atuais. “Mais íntimo que toda interioridade e mais externo que toda
estraneidade é, na cidade, o banimento da vida sacra”82. O bando é o nómos
soberano que determina toda territorialização. E se todos são homines sacri, isso
só é possível devido a presença da relação de bando desde a origem do poder
soberano.
ser aceita pelas próprias vítimas, mas que mesmo assim devemos ter a coragem de
não cobrir com véus sacrificiais, é que os hebreus não foram exterminados no
curso de um longo e gigantesco holocausto, mas literalmente, como Hitler havia
anunciado, ‘como piolhos’, ou seja, como vida nua”83. Essas pessoas eram
consideradas como “vidas indignas de serem vividas”84, vidas humanas que
perderam totalmente a qualidade de bem jurídico e não eram mais politicamente
relevantes, a tal ponto que a sua continuidade perdeu qualquer valor, portanto
podem ser impunemente eliminadas. Para essas pessoas, a vida se encontra no
81
BATISTA, Vera Malaguti. Vida Nua e Soberania. Op. Cit. p. 389.
82
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 110.
83
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 113.
84
Essa expressão foi criada por Karl Binding e Alfred Hoche em 1920, quando buscavam
explicar a impunibilidade do suicídio frente a possibilidade de eutanásia. Eles afirmavam ser a
eutanásia uma expressão da soberania do homem sobre a própria existência. Diante dessa
soberania do homem sobre si próprio, deriva a necessidade de autorizar a eliminação da vida
indigna de ser vivida. Essa foi a primeira vez que se utilizou a expressão no cenário jurídico
europeu, e Agamben considera que mesmo se referindo a eutanásia, ela não pode ser
menosprezada pois designa pela primeira vez a vida que não merece ser vivida e a impunidade do
aniquilamento dessa vida. A partir disso, pode ser traçado um paralelo entre a soberania do vivente
sobre si mesmo com a decisão soberana no estado de exceção. Aqui surge o exercício do poder
soberano sobre a vida nua, ainda que sob o aparente discursode um problema humanitário. Na
eutanásia pode ocorrer a separação entre a zoé e a bíos para se isolar a vida nua – matável. Mas na
biopolítica moderna isso corresponde a decisão soberana sobre a vida matável, o que assinala a
transição da biopolítica para a tanatopolítica. “A ‘vida indigna de ser vivida’ não é, com toda
evidência, um conceito ético, que concerne às expectativas e legítimos desejos do indivíduo: é
sobretudo, um conceito político, no qual está em questão a extrema metamorfose da vida matável e
insacrificável do homo sacer, sobre a qual se baseia o poder soberano”. AGAMBEN, Giorgio.
Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 137.
76
limiar de indiferença, elas correspondem a vida nua do homo sacer. Não seria
errado afirmar que, a medida em que os habitantes foram alijados de qualquer
estatuto jurídico e reduzidos a vida nua, o campo resta como uma localização
deslocante do mais absoluto espaço biopolítico, no qual o poder se exerce em toda
sua potência, sem qualquer mediação, lugar que confunde o homo sacer ao
próprio cidadão.
indivíduos sem morte, cuja execução foi executada em série “o mundo moderno
conseguiu envilecer aquilo que talvez seja mais difícil envilecer no mundo, pois é
algo que traz em si, como na sua textura, um tipo especial de dignidade”86. O
ponto central é a quantidade de mortos, o que só demonstra o aviltamento do
processo, a perda de dignidade da morte. É essa mesma quantidade que encontra-
se hoje no número de mortos divulgados pela grande mídia como resultado das
políticas de segurança pública, que promovem operações policiais nas favelas,
onde assistimos cotidianamente a normalização da barbárie. A morte se tornou
“trivial, burocrática e cotidiana” como notícia na grande mídia e como rotina para
agentes policiais.
85
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 32.
Grifos do autor.
86
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. Homo Sacer III. Op. Cit. p. 79.
87
Para comprovar a característica de localidade deslocante do campo, Agamben cita
exemplos recentes onde a lei está suspensa, como o “os Estádio de Bari, onde em 1991 a polícia
italiana aglomerou provisoriamente os imigrantes clandestinos albaneses antes de reexpedi-los ao
seu país,quanto o velódromo de inverno no qual as autoridades de Vichy recolheram os hebreus
77
é abandonado por ela, ou seja, exposto e colocado em risco no limiar em que vida
e direito, externo e interno, se confundem”88.
antes de entregá-los aos alemães”. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a
vida nua I. Op. Cit. p. 170.
88
A expressão banido ou bandido, utilizada nos dias de hoje, tem sua origem no bando.
Corresponde a figura colocada fora da jurisdição e ao mesmo tempo abandonado por ela.
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 35.
89
MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Criminalidade Violenta: por uma nova
perspectiva de análise. In Dossiê Cidadania e Violência. Revista de Sociologia e Política nº 13:
115-124 Nov.1999. p. 14.
78
90
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 143.
91
AGAMBEN, Giorgio. Sovereign Police. In: Means without end – Notes on politics.
Minneapolis: University of Minessota Press, 2000. p. 103.
92
CORTELESSA, Andrea. Um filósofo e a política de segurança – Entrevista com Giorgio
Agamben. Revista Sopro – Panfleto político-cultural, nº 45, p.7, fevereiro de 2011. Tradução Elysa
Tomazi.
79
de outros.
93
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. Homo Sacer III. Op. Cit. p. 90. O
racismo é usado como ideologia para hierarquizar categorias de pessoas e justificar grupos
classificados como inferiores. No regime nazista dos campos de concentração vigorava critérios
biológicos que pregavam a supremacia da raça ariana. Hoje esse racismo é apontado sobre negros
e classes sociais mais pobres, onde ocorre a mesma categorização para naturalizar a morte e,
consequentemente a “fabricação de cadáveres”.
80
sujeitos que precisam ser eliminados. Após operação da polícia militar na vila
Cruzeiro, no Rio de Janeiro, quando 14 pessoas foram mortas, um comandante da
polícia afirmou: “A PM é o melhor inseticida contra a dengue. Conhece aquele
produto, SBP? Tem o SBPM. Não fica mosquito nenhum de pé. A PM é o melhor
inseticida social”97. A partir do momento que esses indivíduos são desqualificados
eles se tornam matáveis, sem constituir em crime a sua morte, então se manifesta
o direito de deixar morrer a vida indigna de ser vivida. O estado de exceção
realiza a operação jurídica de eliminar justamente o estatuto jurídico do sujeito,
provocando a suspensão dessa vida, já que o indivíduo não é mais composto por
seu elemento biológico e político, é apenas vida nua. Esse espaço anômico é
extremamente favorável para a desconsideração da pessoa, resultando no homo
sacer, então o sujeito não precisa mais praticar um crime, ele próprio é alvo do
poder punitivo, o seu perfil já é considerado crime98. O controle social ainda opera
96
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de
Janeiro. Op. Cit. p.31. Nesse sentido afirma Vera Malaguti ao estudar os jovens pobres do Rio de
Janeiro “O ponto em torno do qual gira o problema da continuidade da repressão aos jovens pobres
no Rio reside, então, na estratégia imutável da defesa material e simbólica da desigualdade por
parte dos grupos no poder, que encontram o consenso interessado das classes médias. Criminalizar
os pobres é um instrumento indispensável porque garante materialmente a sua posição subalterna
no mercado de trabalho e a sua crescente exclusão, disciplinando-os, pondo-os em guetos e,
quando necessário, destruindo-os”.
97
Fonte: O Globo (Acesso em 16/04/2008).
98
WACQUANT, Loic. Rumo a militarização da marginalização urbana. Op. Cit. p. 49.
82
atuação e gerir a desordem produzidas por elas mesmas. Como afirma Agamben,
como não suspeitar que um sistema que funciona na base da urgência não tenha
interesse em mantê-lo?
101
LOPES, Juliana Moreira. O direito penal do inimigo como justificativa para o aumento
nos índices de autos de resistência no Rio de Janeiro. Monografia de conclusão da graduação em
Direito. Orientadora: Victoria-Amália de Barros C. G. Sulocki. PUC, 2009. p. 43.
84
futuro”102.
102
Tradução livre. “(…) what we should focus on is that for Agamben the present historical
situation indeed shows signs of this exceptional figure returning on a global scale. In short.
Agamben’s homo sacer is a figure from the remote past who brings into a focus a disturbing
element in our political present – and points toward a possible future”. DE LA DURANTAYE,
Leland. Giorgio Agamben: A critical introduction. Op. Cit. p. 211.
3
1
Essa expressão foi trabalhada por Beck sobre a constatação do risco como um fator
onipresente na sociedade, até se tornar uma normalidade. O risco se tornou não um momento de
estranhamento, mas um elemento central da vida, parte da rotina na “sociedade industrial de
risco”. Ver: BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma nova Modernidade. Ed. 34, 2002.
86
“No que tange ao sistema punitivo, o ideal de liberdade está ligado a um conceito
de Estado de direito e a um sistema estrito e rígido de garantias do indivíduo
frente às pretensões punitivas do Estado, enunciado a partir das construções
filosóficas do liberalismo político, do iluminismo e do racionalismo e que tem
como corolários a legalidade, proporcionalidade, culpabilidade e ofensividade
real da conduta. De outro lado, o ideal de segurança aponta para um sistema
punitivo hipertrofiado, simbólico e informalizado (flexibilização das garantias),
com objetivo de aumentar o poder do Estado contra eventuais “inimigos”,
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conquanto esse poder aumentado se faça sentir sobre todos os cidadãos, já que a
intervenção punitiva deixa de ser a ultima ratio para se tornar regra. O
pensamento da segurança carrega dentro dele um risco essencial. Um Estado que
tenha a segurança como sua única tarefa e fonte de legitimidade é um organismo
frágil; pode sempre ser provocado pelo terrorismo para tornar-se, ele próprio,
terrorista”2.
2
AMARAL, Thiago Bottino do. A segurança como princípio fundamental e seu reflexo no
sistema punitivo. Revista Discursos Sediciosos: Crime, direito e sociedade. Ano 11, nº 15/16, 1º e
2º semestres de 2007. p. 301.
87
E, se isso não for possível, deve ser eliminado. Dessa forma, o estado de exceção
vai tomando conta, sempre alimentado pelas propagandas midiáticas. “Vende-se a
ilusão de que se obterá mais segurança urbana contra o delito comum sancionando
leis que reprimam acima de qualquer medida os raros vulneráveis e
marginalizados tomados individualmente e aumentando a arbitrariedade
policial”4. Assim, o Estado de Polícia vai progredindo cotidianamente, invadindo
os espaços conquistados após muitos anos de luta pelo Estado Democrático de
Direito.
3
SULOCKI, Victoria-Amália. Museu de novidades: discursos da ideologia da defesa
social nas decisões judiciais neste início de século XXI. Op. Cit. p. 12.
4
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 75.
88
3.1
A favela e o paradigma do campo
5
Assim afirma Machado da Silva: “(...) convergem para os aparelhos policiais demandas
de recomposição de uma ordem social tida como ameaçada. Cresce o clamor por uma ação “dura”
– isto é. Ilegal -, de modo que a única possibilidade de evitar a contaminação moral de todo o
sistema, preservando os aspectos institucionalizados do conflito social, é deixar a “dureza” da
repressão ao arbítrio da polícia. Esse é o segredo, praticado mas não tematizado, da paradoxal
convivência entre dois processos que, na aparência, deveriam ser incompatíveis: a democratização
e a expansão da violência criminal e policial.” MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. “Violência
Urbana”, Segurança Pública e Favelas – O caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador,
v.23 n.59, Maio/Agosto de 2010. p. 292.
89
6
Interessante observar a descrição que o autor faz sobre a separação velada que existe na
cidade do Rio de Janeiro, na qual está inserida duas realidades completamente diferentes, podendo
mesmo ser considerada uma cidade dividida. VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2000.
7
CAMPOS, Andrelino. Do Quilombo à Favela: a produção do “Espaço Criminalizado”
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: 2011. p. 69.
90
8
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. p.
64.
9
DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Op. Cit.
p.161.
10
RIBEIRO, Camila; DIAS, Rafael; CARVALHO, Sandra. Discursos e práticas na
construção de uma política de segurança: O caso do governo Sérgio Cabral Filho (2007-2008).
In: Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro. (Org.) Justiça Global. Rio de Janeiro: 2008. p.
7.
91
o soberano”11.
11
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 35.
12
Ver RAMOS Silvia; MUSUMECI Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Op. Cit.
92
“Do ponto de vista formal, isso constitui uma inversão do sistema penal, porém,
segundo a realidade percebida e descrita pela criminologia, trata-se de um poder
punitivo que há muitas décadas preferiu operar mediante a prisão preventiva ou
por medida de contenção provisória transformada definitivamente em prática”17.
A presunção de periculosidade funciona como uma certeza absoluta no caso dos
indesejáveis. O sistema carcerário está falido, na medida em que não
“ressocializa” e não "reeduca"18 - seus objetivos institucionais e justificantes do
sistema. O que temos hoje são grandes depósitos humanos, onde se despejam
pessoas que cometeram pequenos delitos para conviverem lado a lado com
assassinos violentos e traficantes inescrupulosos. As condições degradantes a que
estão submetidos os presos transformam-nos em verdadeiras “feras feridas”.
Como afirma Marildo Menegat, o século XXI pode ser nomeado como a
“atualidade da barbárie”19. A democracia realmente deixa de ser efetiva, tornando-
se uma falsa aparência de governo, com a finalidade de legitimar as barbáries
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17
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 70.
18
Sobre esse tema ver WACQUANT, Loic. Prisões da miséria. Tradução: André Telles.
São Paulo: Jorge Zahar, 2001; Punir os Pobres – A Nova Gestão Penal da Miséria nos Estados
Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
19
MENEGAT, Marildo. A atualidade da barbárie. Discursos sediciosos. Ano 2004. p. 145.
20
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Op. Cit. p. 27.
94
homicídios21. Isto por que, essa tática de contenção está destinada ao fracasso,
pois não reconhece que a exceção sempre invoca uma necessidade que não
conhece lei nem limites.
21
HUMAN RIGHTS WATCH. Força Letal – Violência Policial e Segurança Pública no
Rio de Janeiro e em São Paulo, 2009.
22
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 69.
23
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. São Paulo: Nobel, 1996, p.121.
24
Fonte: ISP – Instituto de Segurança Pública. Disponível em: www.isp.rj.gov.br.
95
“É claro que tudo isso nos evoca a idéia de ocupação de um território em que o
capitalismo estabeleceu um espaço criminalizado, dominado pela lógica
brutalizante das commodities ilícitas, mas muito rentáveis. Regular coexistências
nos territórios da desigualdades não é também uma tarefa fácil, num mundo que
já nem deseja transformar-se, já deixou para trás uma utopia de escola aonde os
jovens possam desfrutar de suas potências, ou de uma sociabilidade prazerosa
entre diferentes na construção de redes coletivas de apoio e cuidado. É porque
antes da ocupação territorial já se tinham ocupado as almas”25.
25
BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é muito mais complexo. Op. Cit.
96
A estratégia das UPPs investiu mais uma vez na pacificação por meio da
paz armada. Ou seja, mais uma vez a estratégia do controle da criminalidade por
meio da repressão. A pacificação diminuiu o contingente de armas pesadas nas
mãos do tráfico, mas aumentou na mão da polícia. E a classe média que ingressou
na luta armada contra a administração militar no passado, hoje apoia os projetos
belicosos. Segundo Patrícia Birmam “o que o governador destaca é
essencialmente uma proposta de tratamento epidemiológico da população
favelada, que é coerente com o atributo através do qual ele a identifica: ‘uma
fábrica de marginais’”26.
prática, o que ocorre é um uso cada vez mais incisivo, regular e cotidiano31, sendo
justificado pelo discurso do estado de exceção permanente proporcionado pela
política de guerra contra o tráfico.
29
Ver ANISTIA INTERNACIONAL. Entre o Ônibus em Chamas e o Caveirão: em busca
da segurança cidadã. Relatório Rio 2007.
30
RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O RELATOR ESPECIAL DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS E EXTRAJUDICIAIS.
Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.iddh.org.br. (Acesso em 06/11/2012)
31
Ver ANISTIA INTERNACIONAL. Entre o Ônibus em Chamas e o Caveirão: em busca
da segurança cidadã. Relatório Rio 2007.
32
O ex-prefeito César Maia declarou que essas organizações eram “autodefesas
comunitárias”. Assim como o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes declarou ao RJTV em
2006 “Jacarepaguá é um bairro em que a tal da polícia mineira, formada por policiais, trouxe
tranquilidade para a população. O morro do São José Operário era um dos morros mais violentos
desse estado, e agora é um dos lugares mais tranquilos”.
98
33
Os grupos de extermínio nascem como estratégia de alguns segmentos da sociedade para
abolir grupos sociais ou políticos indesejados. Faz parte de uma cultura arraigada à sociedade
brasileira, que tem se utilizado de grupos de extermínio para promover a chamada limpeza social.
Eles atuam normalmente em zonas pobres e periféricas.
34
CANO, Ignacio. Seis por meia dúzia? In: Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de
Janeiro.(Org.) Justiça Global. Rio de Janeiro: 2008. p. 59.
35
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório Final
da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a investigar a Ação de Milícias no Âmbito do
Estado do Rio de Janeiro. Aprovado em 16 de dezembro de 2008. p. 220-228.
36
ALVES, José Claudio Souza. Dos barões ao extermínio: uma história da violência na
Baixada Fluminense. Duque de Caxias-RJ: APPH, CLIO, 2003.
99
definidos como integrantes de uma rede de crime organizado, eles “são o estado”
nas favelas e, portanto, os teóricos inimigos naturais da criminalidade.
O ponto chave da atuação das milícias é reconhecer que esses grupos não
são um tipo de estado paralelo, mas sim a atuação do próprio Estado por meios
anômalos. Segundo Marcelo Freixo, trata-se de um “Estado Leiloado”38, que
atende a interesses particulares. A sua dinâmica de funcionamento evidencia uma
confusão entre o público e o privado no aparato coercitivo. Ela é um indício
concreto não só do estado de exceção permanente dentro do estado democrático
de direito como também a sua expansão39. Os grupos milicianos são responsáveis
por várias execuções extrajudiciais, assim como outros crimes, como a tortura,
corrupção e extorsão.
37
FREIXO, Marcelo. Combater as milícias, uma questão de soberania. Fonte:
www.diplomatique.uol.com.br. Versão eletrônica do jornal Le Monde Diplomatique.
38
FREIXO, Marcelo. Combater as milícias, uma questão de soberania. Op. Cit.
39
Em agosto de 2011, a juíza Patrícia Acioli foi atingida por vinte e um tiros em frente a sua
casa no município de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. A magistrada vinha
recebendo ameaças de morte devido a sua postura inflexível diante das milícias e da criminalidade
policial. Dez policiais e o comandante do batalhão de São Gonçalo foram presos e acusados de
envolvimento no assassinato. Ver ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2012: segurança
pública. Fonte: www.amnesty.org.
100
por ela. Esse ponto é revelador da metáfora da guerra contra o inimigo. Com
efeito, a guerra deve ser travada contra um inimigo claramente definido,
encarnado na figura do narcotraficante. Segundo um alto oficial da Polícia Militar
do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) numa reunião privada em 2007, “não
adianta enviar os policiais para as áreas de milícia porque a milícia não vai
confrontar, vai se retirar e esperar a gente sair”40. Esse cenário leva a concluir que,
aparentemente, quando não há confronto, a polícia não encontra um papel para
fazer dentro desta política de segurança pública dramaticamente militarizada.
Uma vez sumido ou, melhor dito, descaracterizado o inimigo, a guerra não parece
ter mais objeto.
É claro que esta situação não se aplica nas áreas em que o tráfico é forte e
ameaça retomar os territórios perdidos, mas em muitos outros locais a chegada da
milícia implica uma certa pacificação decorrente do fim das incursões policiais. É
uma dinâmica tautológica. Os policiais ocupam as favelas e garantem o fim das
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40
No entanto, contraditoriamente, “a informação de que existe tráfico de drogas em
algumas áreas de milícias é tão relevante, pois tira a última máscara que separa a milícia do seu
inimigo formal, o último álibi na sua pretensão de legitimidade. Qual será a diferença entre o
tráfico e uma milícia que trafica?” CANO, Ignacio. Execuções sumárias no Brasil: o uso da força
pelos agentes do Estado. Revista Justiça Global, setembro de 2003. p. 69-70.
101
3.2
41
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. p. 106-141.
42
Sobre a formação do sistema jurídico brasileiro e sua intrínseca relação com a violência
desde o início do projeto colonizador, ver BATISTA, Nilo. Matrizes Ibéricas do Sistema Penal
Brasileiro I. Rio de Janeiro: ICC, 2000.
102
Pesquisa feita pela UNESCO demonstrou que entre 1979 e 2003 mais de
550 mil pessoas morreram no Brasil vítimas de disparos de algum tipo de arma de
fogo. Desse total 44,1% foram jovens na faixa entre 15 a 24 anos. Nesse período
destacado, os homicídios com armas de fogo cresceram 542,7%43. Adorno já
tratava dessa barbárie institucional quando afirmou que “a civilização devora seus
filhos”44. A ideologia e as estratégias de controle penal na realidade
contemporânea assumem características dramáticas, reproduzindo o eterno retorno
dos dispositivos racistas, excludentes e letais. O fato da experiência democrática
brasileira ser recente não permitiu a formação de instituições com força política
para conter a ânsia repressora da explosão de conflitos diante da complexidade
das relações sociais. Dessa forma, essas instituições não conseguiram até hoje
romper com um longo passado de invisibilidade pública e humilhação social,
decorrentes da desigualdade naturalizada.
Por isso diz-se que o homo sacer está presente no atual contexto político,
pois vive-se um estado de exceção permanente. E a decisão da excepcionalidade
parece não inquietar as classes dominantes, pois ela é acionada exatamente para
43
Ver: UNESCO. A crise oculta: conflitos armados e educação. Relatório Conciso, 2011.
Disponível em: www.unesco.org.
44
ZAMORA, José Antonio. Th. W. Adorno: pensar contra a barbárie. São Leopoldo: Nova
Harmonia, 2008. p. 61.
45
CARVALHO, Thiago Fabres de. O “direito penal do inimigo” e o “direito penal do
homo sacer da Baixada”: exclusão e vitimação no campo penal brasileiro. Disponível em:
http://www.ihj.org.br/pdfs/Artigo_Thiago_Fabres.pdf. (Acesso em 13/01/2013).
103
manter o seu status quo. A preocupação com a violência institucional das agencias
punitivas apenas afetou a classe média quando esta se viu perseguida pela ditadura
militar, sendo vitima de tortura, perseguição, mortes e desaparecimento. Após a
abertura política, muitos dos antigos militantes políticos de esquerda viraram
reprodutores do discurso “lei e ordem”, já que agora as autoridades punitivas
voltam-se para os mesmos perseguidos de sempre na história, os segmentos
marginalizados – antes escravos, hoje a juventude negra e pobre das periferias
urbanas, “porque para pobre pode”46. A vida do homo sacer aparece como o
objeto principal da violência soberana. A violência cotidiana das incursões
policiais nas favelas e o genocídio aberto promovido pela racionalidade do
sistema penal dão o tom das estratégias de segurança, caracterizadas por uma
enorme carga de racismo e estigmatização, impregnados no imaginário social e na
truculência das ações policiais de extermínio.
homo sacer emerge de forma pungente, de tão visível que se torna a relação com a
população pobre. A vida nua aparece na sua forma mais descontrolada, uma vida
abandonada à própria sorte, na sua condição de insacrificável e escancaradamente
matável.
46
YUKA, Marcelo. Não acredito em paz armada. Entrevista a Caros Amigos, janeiro de
2013.
47
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
p. 230.
48
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 14.
104
poder, o Estado somente retira o véu que encobre o vínculo secreto entre o poder e
a vida nua.
49
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Op. Cit. p. 85.
105
50
CARVALHO, Thiago Fabres de. O “direito penal do inimigo” e o “direito penal do
homo sacer da Baixada”: exclusão e vitimação no campo penal brasileiro. Disponível em:
http://www.ihj.org.br/pdfs/Artigo_Thiago_Fabres.pdf. (Acesso em 13/01/2013)
106
argumento ao mesmo tempo simples e cruel: quem não é sujeito moral não é
humano; eliminar quem não é humano e, portanto não possui direitos está
moralmente justificado se com isso se recompõe a ordem social. Paga-se o preço
da restituição da ordem social com inúmeras vidas humanas e o esfacelamento do
Estado de Direito. As vidas descartáveis alimentam a falsa imagem construída de
uma comunidade materialmente democrática, na qual o homo sacer paga o preço
da violência institucionalizada. Por meio da dinâmica da exceção e da ação
policial inescrupulosa, o poder soberano elimina as vidas supérfluas. Trata-se na
realidade de um aparato concreto e ideológico com objetivo preciso de legitimar a
segregação e a eliminação dos dejetos humanos.
52
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 88.
53
ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 129.
54
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998. p.49.
55
NASCIMENTO, Maria Livia. e RODRIGUES, Rafael Coelho. A convergência
social/penal na produção e gestão da insegurança social. In: BATISTA, Vera (Org.) Loic
Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro, Revan: 2012. p. 201-202.
56
WACQUANT, Loïc. Prisões da miséria. Op. Cit. p.7.
108
a insegurança subjetiva, criam-se espaços que devem ser evitados, por meio da
delimitação de zonas proibidas e permitidas.
“Cada vez mais ser pobre é encarado como um crime; empobrecer, como o
produto de predisposições ou intenções criminosas – abuso de álcool, jogos de
azar, drogas, vadiagem e vagabundagem”57. O clamor pelo incremento do poder
punitivo como solução para reorganizar o caos é cada vez maior58, assim, surge o
traficante do imaginário social. Um sujeito sem nenhum limite moral, cujo único
objetivo é o lucro infinito as custas da desgraça alheia, que age de forma violenta
e bárbara. Ele é a encarnação perfeita do sujeito perigoso e sua eliminação se
justifica não só como um direito, mas muitas vezes como uma necessidade diante
da sua natureza de “fera”.
“Na prática, a guerra contra as drogas abriu caminho para a guerra contra as
pessoas tidas como menos úteis e potencialmente mais perigosas da população,
aquelas que Spitzer chama de lixo social, mas que na verdade são vistas como
mais perigosas que o lixo. Elas mostram que nem tudo está como devia no tecido
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57
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas.Op. Cit. p.59.
58
Essa tese é confirmada em pesquisa realizada por Orlando Zaccone sobre o tráfico de
drogas no Rio de Janeiro e seus agentes, a realidade penitenciária confirma que “a miséria talvez
seja a única característica que identifica os 1.467 presos na cidade do Rio de Janeiro, pelo tráfico
de drogas ilícitas, em 2003. A cifra inclui 120 mulheres e 1.347 homens presos em flagrante no
tráfico de drogas pelas delegacias da capital. Dos 313 adolescentes e crianças infratores e 1.154
adultos, somente duas possuíam curso superior completo e 210 tinham emprego.” ZACCONE,
Orlando. Acionistas do nada. Op. Cit. p. 124-25.
59
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.117.
60
Zaccone, ao estudar o estereótipo do traficante de drogas nas favelas do Rio de Janeiro,
afirma que o termo estigma é uma relação entre atributo e estereótipo, de forma a necessitar de
uma linguagem de relações, “embora o termo estigma seja usado em relação a um atributo
profundamente depreciativo, ele é na realidade um tipo especial de relação entre atributo e
estereótipo. Assim, para definir um estigma, é preciso uma linguagem de relações e não de
atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem; portanto,
ele não é em si mesmo nem honroso nem desonroso. O estigmatizado, segundo Gofman, é um
indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana, mas possui um
109
O papel da mídia foi apontado no primeiro capítulo, mas vale retomar esse
ponto, por ser um fator essencial na naturalização gradativa da violência. A mídia
é especialmente determinante na formação do senso comum penal, quando ela
promove a despolitização dos conflitos sociais e a politização da questão criminal.
A manifestação da violência simbólica construída pelas grandes mídias é
identificada no processo de etiquetamento e criação do estereótipo, na medida em
traço que pode impor-se à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de
atenção a outros atributos seus”. ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada. Op. Cit. p. 57.
61
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 16.
62
MORETZSOHN, Sylvia. A ética jornalística no mundo ao avesso. Revista Discursos
Sediciosos – crime, direito e sociedade, no. 9 e 10. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de
Criminologia, 2000. p. 318.
110
63
SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Neoliberalismo, mídia e o movimento de lei e
ordem: rumo ao Estado de polícia. Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano
11, números 15/16. 1º e 2º semestres de 2007.
64
Fonte:O GLOBO. Disponível em: www.g1.globo.com (Acesso em 03/03/2013)
111
65
ZAFFARONI, Raúl. O inimigo no direito penal. Op. Cit. p. 225.
66
CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e
dogmático. Op. Cit. p. 143.
67
SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Neoliberalismo, mídia e o movimento de lei e
ordem: rumo ao Estado de polícia. Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano
11, números 15/16. 1º e 2º semestres de 2007.
68
BATISTA, Vera Malaguti. Filicídio: a questão criminal no Brasil contemporâneo. In:
Silene de Moraes Freire. (Org.). Direitos Humanos: violência e pobreza na América Latina
contemporânea.
112
69
Fonte: ISP – Instituto de Segurança Pública da secretaria de Segurança do Estado do Rio
de Janeiro. Disponível em: www.isp.rj.gov.br. (Acesso em 10/02/2013).
113
os homicídios; a razão entre mortos e feridos nas vítimas das ações policiais
mostra que há vários mortos para cada ferido provocado pela polícia”72. Esta
razão é o chamado índice de letalidade. E as proporções demonstram que em
muitos casos a real intenção do policial é de matar e não prender.
70
CANO, Ignacio. Execuções sumárias no Brasil: o uso da força pelos agentes do Estado.
Op. Cit. p. 15.
71
Um elemento muito utilizado nas comunicações internas das polícias é o termo “elemento
suspeito de cor padrão”, sugerindo uma forte presença da seletividade racial na atuação cotidiana
da polícia. Nota-se aqui nitidamente a metáfora do espelho, quando o policial reconhece que o
elemento suspeito tende a coincidir com estereótipos negativos relacionados a idade, classe social,
raça e local de moradia. Entretanto, essa mesma ferramenta de grande importância para a atividade
policial não é definível de forma exata. Nesse sentido, conclui Silvia Ramos após trabalho sobre o
elemento suspeito “Outro aspecto que chama a atenção na pesquisa junto à PM é a pobreza do
discurso sobre a suspeita. Não só não conseguimos localizar um único documento que definisse
parâmetros para a constituição da “fundada suspeita”, como encontramos nas falas de oficiais,
antigos ou jovens, de alta ou baixa patente, uma articulação tão precária a respeito desse tema
quanto a observada na “cultura policial de rua” expressa pelas praças de polícia. É surpreendente,
para não dizer espantoso, que a instituição não elabore de modo explícito o que seus próprios
agentes definem como uma das principais ferramentas do trabalho policial (a suspeita).” RAMOS
Silvia; MUSUMECI Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade
do Rio de Janeiro. Op. Cit. p. 54.
72
CANO, Ignacio. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Op. Cit.
114
73
RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O RELATOR ESPECIAL DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS E EXTRAJUDICIAIS.
Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.iddh.org.br (Acesso em 06/11/2012)
74
Ver ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2012: segurança pública. Fonte:
www.amnesty.org
115
força letal pelo policial, mas ambos entram na cifra. As vítimas de bala perdida
podem acontecer quando ocorrem incursões policiais nas favelas, os tiroteios
provocados por armas automáticas contra supostos criminosos, atingem vítimas
que poderiam ter sido poupadas com uma abordagem mais cuidadosa. Essa
predisposição ao uso excessivo da arma de fogo provoca outras vítimas que são
feridas ou mortas simplesmente por estarem no meio do fogo cruzado75.
75
CANO, Ignacio. Execuções sumárias no Brasil: o uso da força pelos agentes do Estado.
Op. Cit. p. 16.
116
significação. Pode ser dada uma ideia do que esses números representam, se
compararmos os mesmos com o número de vítimas em diversos conflitos armados
ao longo do mundo. Vemos que a média anual de mortes por homicídio no país
supera, e em casos de forma avassaladora, o número de vítimas em muitos e
conhecidos enfrentamentos armados no mundo.
76
RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL PARA A ANISTIA INTERNACIONAL. Os
Muros nas Favelas e o Processo de Criminalização. Rio de Janeiro, 2009, p. 06. Maio de 2009.
Disponível em: http://global.org.br/programas/os-muros-nas-favelas-e-os-processos-de-
criminalizacao. (Acesso em: 03/02/2013)
77
Ver. Mapa da Violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil.
CEBELA: Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php. (Acesso em: 01/02/2013).
117
Os números revelam uma marca letal que vai além da questão racial, ela é
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78
Mapa da Violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil. Centro
Brasileiro de Estudos Latino-Americanos - CEBELA. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php. (Acesso em: 01/02/2013).
118
como uma externalidade do trabalho policial e não como uma dimensão central.
Uma prova disso é que, até 1999, os registros oficiais não realizavam uma
contagem de quantas pessoas eram mortas por policiais ou em decorrência de
intervenção policial. “A elevada letalidade policial no Rio de Janeiro não apenas
em termos de qualquer comparação internacional, mas também em relação a
outros estados do Brasil. Dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública
mostravam que, no ano 2000, o Rio de Janeiro apresentava a maior taxa de mortes
de civis em intervenções de policiais militares para cada mil policiais, entre todos
os estados considerados”81.
79
Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. Indicadores de Criminalidade.
Diário Oficial. Janeiro a dezembro de 2008.
80
RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O RELATOR ESPECIAL DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS E EXTRAJUDICIAIS.
Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.iddh.org.br (Acesso em 06/11/2012)
81
RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O RELATOR ESPECIAL DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS E EXTRAJUDICIAIS.
Op. Cit.
82
ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada. Op. Cit. p. 17.
119
83
CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
84
Augusto Thompson apontou quatro fatores explicativos para esse fenômeno. Apesar de
não ser objeto do presente estudo, vale destacar algumas possíveis razões para a cifra obscura
como um dado elucidativo. São eles: a visibilidade da infração; a adequação do autor ao
estereótipo do criminoso construído pela ideologia hegemônica; a incapacidade do agente em
beneficiar-se da corrupção; e a vulnerabilidade à violência. Para mais informações, ver
THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1998.
120
Considerações Finais
Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
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dos seus direitos, mas sob a ótica de proteção da sociedade contra criminosos
potenciais.
foi um passo”1.
1
ANDRADE, Vera Regina P. de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além
da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2013. p. 363.
123
2
COIMBRA, Cecilia. Operação Rio: o mito das classes perigosas...Op. Cit.
124
que essas operações ocorrem quase sempre nos espaços geográficos onde seus
moradores são desprovidos de direitos fundamentais. Essa situação é possível
devido a nossa constituição biopolítica material que não assegura a execução dos
direitos positivados formalmente.
Referências Bibliográficas
__________. O que resta de Auschwitz. Homo Sacer III. São Paulo: Boitempo,
2010.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma nova Modernidade. Ed. 34,
2002.
_____. Seis por meia dúzia? In: Justiça Global (Org.) Segurança, tráfico e
Milícias no Rio de Janeiro. 2008.
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NEGRI, Antonio & HARDT, Michael. Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.
Sítios Consultados
www.global.org.br
www.humanrightswatch.org.br
www.isp.rj.org.br
www.amnesty.org
www.fazendomedia.com
www.g1.globo.com.br
www.oglobo.globo.com
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