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A industrialização dos

retardatários nas visões de Furtado e


Amsdem: convergências, divergências
e complementaridades

Resumo

A
reflexão acerca da industrialização dos países periféricos re-
tardatários, à luz das análises desenvolvidas por Furtado e por
Amsdem, permite uma série de conclusões de grande impor-
tância, no tocante à trajetória de desenvolvimento destas economias. Por
exemplo, evidencia que um processo de industrialização que não culmi-
na na endogeneização do progresso técnico, que não gabarita um país
a saltar de uma posição de comprador de tecnologia externa para uma
posição em que possa produzir tecnologia autóctone e gerar inovações
próprias, não levará ao resultado final proposto pela industrialização, ou
seja, a uma melhora relativa do país no sistema-mundo, em sua capaci-
dade de se apropriar de riqueza e disputar poder. Portanto, para galgar
posições na disputa interestatal, muitas condições se fazem necessárias.
De maneira geral, são as condições de caráter histórico-estrutural e as de
ordem geopolítica as mais determinantes nos padrões de desenvolvimen-
to assumidos dentre as diversas nações. Neste sentido, a América Latina
que, do pós-II Guerra Mundial até os anos 1970, gozava de vantagem em
relação aos países asiáticos, em termos da participação das manufaturas
Águida Cristina
Santos Almeida no PIB, sofre um brutal processo de reversão a partir dos anos 1980, per-
Doutoranda do Instituto de dendo de forma contínua e crescente competitividade econômica frente a
Economia da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ), estes países. Assim, o atraso da América Latina frente à periferia asiática
do programa PPGE e professo-
ra assistente da Universidade vem se aprofundando ao longo do tempo e colocando em profunda ame-
Federal de Campina Grande- aça às escassas possibilidades de catch up dos países latino-americanos
-UFCG. Email: aguidasantosal-
meida@gmail.com. industrializados.
Palavras-chave: industrialização tardia; subde- Second World War until the 1970s, enjoyed an
senvolvimento; países do “resto”. advantage in relation to Asiatic countries, in
terms of participation of manufactures in the
Classificação JEL: F59; O32; O4; O54.
GNP, suffers a brutal process of reversion, from
the 1980s on, compared to the same countries.
Abstract Hence, the delay of Latin America in face of
The reflection on the industrialization of Asiatic periphery has deepened over time,
peripheral latecomers, underpinned on the threatening the scarce possibilities of catching
analyses of Furtado and Amsdem, allows a up available to industrialized Latin America
series of conclusions of great importance, countries.
referring to the path of development of these Keywords: late industrialization; underdevelo-
economies. For example, it makes it clear that
pment; countries of the “rest”.
a process of industrialization that does not
culminate in the endogenization of technical
progress – that does not endow a country of 1. Introdução
the condition to move from the position of O presente trabalho se propõe a contrapor as
buyer of foreign technology to a position of análises de Furtado e Amsdem no que diz res-
producer of autochthonous technology and to peito as suas visões acerca da tardia industria-
generate its own innovations – cannot lead to lização de uma parte da periferia do sistema-
the final result of industrialization, that is to -mundo, denominada por Furtado de países
say, a relative improve of the country in the de grau de subdesenvolvimento superior, e por
World-system, in its capacity of appropriating Amsdem, de o “resto”. O conjunto de países
of wealth and competing for power. Thus, da periferia que não conseguiu empreender
many conditions are demanded to conquer projeto de industrialização é denominado por
positions in the interstate competition. In Furtado de países de grau de subdesenvolvi-
general, the conditions of historic-structural mento inferior e, por Amsdem, de o “resquício”.
character and those of geopolitical order
Este olhar em retrospectiva para o desenvolvi-
are the most determining of the patterns of
mento da periferia, à luz de duas respeitadas
development assumed by different nations. In
e consistentes análises, permite uma maior
this sense, the Latin America that, from the
clareza sobre a problemática que envolveu uma

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industrialização retardatária, em condição desenvolvimento seguidas pelos países analisa-
de profunda desvantagem frente a países do dos. Confrontando a análise de Furtado com a
Atlântico Norte e do Japão. Amsdem considera de Amsdem, nota-se que a análise de Furtado
a industrialização do “resto” como um “fenô- para a periferia perfazia somente o pedaço
meno revolucionário” do século XX. Os países latino-americano. Ou seja, a análise de Furtado
integrantes do “resto” são: Brasil, Chile, México, compreende um dos modelos de desenvolvimen-
Argentina, Turquia, Coréia, Taiwan, Indonésia, to identificados por Amsdem. Apesar disto, as
Malásia, Tailândia, Índia e China. visões de ambos convergem em muitos pontos,
dado que o destino de quase todos os países
Apesar do fosso que separava os países do
do “resto” (com exceção de Coréia, Taiwan e
“resto” dos países desenvolvidos, no período
China) resultou numa situação em que a indus-
do pré-guerra (que vai de 1850 a 1950), Amsdem
trialização não culminou na endogeneização do
argumenta que eles acumularam algum grau
progresso técnico.
de experiência manufatureira no pré-guerra e,
graças a isto, puderam empreender projetos de Além disto, somente os três países mencionados
industrialização no pós-II Guerra Mundial, sob anteriormente conseguiram penetrar nos seto-
a batuta dos Estados desenvolvimentistas e dos res de alta tecnologia (como por exemplo nos
bancos de desenvolvimento. Amsdem identifica eletrônicos) e acumularam condições reais de
três tipos distintos de experiência manufaturei- conseguirem fazer catch up. Ao mesmo tempo,
ra: pré-moderna, emigrada e colonial, afirman- a desvantagem do “resto” situado na América
do que as duas últimas levaram o “resto” a se Latina é bem maior que o “resto” situado na
bifurcar em dois modelos de desenvolvimento, Ásia, visto que cada vez mais o dinamismo da
denominados de integracionista e independen- economia global se direciona para este último
te. Além do tipo de experiência manufatureira continente.1 Em outras palavras, o “sucesso” da
que Amsdem atribui como produto da história, industrialização do “resto” é mais exceção do
os dois modelos de desenvolvimento identifica- que regra.
dos por ela são explicados, ainda, pelo grau de Além de cotejar as análises de Furtado e Ams-
desigualdade presente nas economias, antes de dem, este artigo trabalha, ainda, questões que
sua industrialização. não foram consideradas nas análises de am-
Assim como Amsdem, Furtado atribui cau- bos, mas que são pertinentes à explicação dos
sas de ordem histórico-estrutural como resultados alcançados pelos países do “resto”
principais esclarecedoras das trajetórias de com a industrialização. Por exemplo, questões

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de ordem geopolítica e relacionadas à disputa análise de Furtado se contrapõe a abordagens
interestatal, que são de suma importância na “etapistas” na explicação do processo de desen-
trajetória de desenvolvimento das economias. volvimento econômico de qualquer que seja o
país, a exemplo da criada por Rostow. (Furta-
Além da presente introdução o trabalho pos-
do, 2000)
sui mais cinco seções, construídas da seguinte
forma: a seção dois resume a visão de Furtado O fenômeno do subdesenvolvimento emerge,
a respeito da industrialização da periferia; na então, das transformações no sistema-mundo
seção três a industrialização retardatária da decorrentes da Revolução Industrial inglesa.
periferia é construída com base na análise de Esta leva ao surgimento de novos produtos e da
Amsdem; na seção quatro confrontam-se as vi- ampliação da escala de produção. Em associa-
sões de Furtado e Amsdem e, com isto, se apon- ção, ocorre uma revolução nos transportes que
tam os pontos de convergência, divergência e resulta numa queda fenomenal do seu custo e,
complementaridade de ambas as análises. Além consequentemente, no aumento de sua produti-
disto, a seção quatro faz uma reflexão sobre vidade. Com a Revolução Industrial, a Inglater-
a trajetória de desenvolvimento assumida por ra assume o posto de potência hegemônica do
estas economias a partir de considerações de sistema-mundo e define um sistema de divisão
outros autores. Nas seções cinco e seis seguem a internacional do trabalho que está na origem do
conclusão e as referências. subdesenvolvimento. (Furtado, 1961; 2000)

O subdesenvolvimento surge naquelas regiões


2. Celso Furtado: o subdesenvolvimen- habitadas e com sistemas de produção pré-capi-
to e a industrialização da periferia talistas, que se inseriram no sistema de divisão
Ao se guiar pela dimensão histórica, Furtado internacional do trabalho como fornecedoras
(1961; 1973; 1974; 2000) reinterpreta o processo de matérias-primas (agrícolas e/ou minerais), ao
de desenvolvimento econômico europeu que passo que empregavam a parcela do excedente
resultou na Revolução Industrial na Inglaterra, de que se apropriavam com a importação de
ocorrida entre o último quarto do século XVIII bens de consumo dos países cêntricos, objeti-
e a primeira metade do século XIX. Hobsbawm vando a satisfação dos anseios de suas elites
(2011) situa a I Revolução Industrial no período locais (uma minoria da população).
entre 1780-1840, culminando na aceleração do O que marca estas economias, no período em
processo de acumulação de capital e de aumen- que estão inseridas no processo de divisão
to na produtividade do trabalho. Com isto, a internacional do trabalho, que se estende do

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século XVIII ao XIX e início do século XX, é a do nível de subsistência. Assim, agrava-se a
sua desconexão entre o perfil da oferta e o da concentração da renda (que já é elevadíssima) e,
demanda, dado que a penetração do progresso consequentemente, o nível de desigualdade so-
tecnológico que está ocorrendo no centro ocorre cial e econômica. Registra-se, ainda, os amplos
em sua estrutura econômica primeiro pelo níveis de subemprego, de modo que parcela im-
lado da demanda que, por sua vez, não guarda portante da classe trabalhadora se vê excluída
nenhuma relação com o perfil da oferta, ou de qualquer direito à cidadania. (Fiori, 1994)
seja, com a sua estrutura produtiva. Contudo, o Outra característica das economias subdesen-
fenômeno do subdesenvolvimento só é realmen- volvidas é a de que o processo de transformação
te denunciado quando estas economias tentam provocado pela industrialização não penetra na
encampar um projeto de industrialização. totalidade do tecido social e econômico, man-
Segundo Furtado (1961; 1974; 2000), a estratégia tendo-se coexistente com sistemas produtivos
escolhida é a de substituição de importações e pré-capitalistas e arcaicos. Dado isto, Furtado
isto decorre de o objetivo da industrialização (1961) denomina as economias subdesenvolvidas
ser o de reproduzir, internamente, o padrão que se industrializam de “estruturas híbridas”.
de consumo do centro por meio da produção Como resultado, registra-se forte assimetria
desses bens internamente. E isto, por sua vez, nas taxas de produtividade entre a indústria e
decorre, normalmente, da impossibilidade de as demais atividades, inclusive a agricultura.
importar, resultante de um estrangulamento (Furtado, 1961)
do comércio exterior, que pode ser causado, por
Segundo Furtado (1961), nas economias sub-
exemplo, por uma crise econômica internacio-
desenvolvidas o processo de desenvolvimento
nal aguda, uma guerra,2 dentre outros.
econômico não decorre de transformações en-
Deste modo, a industrialização via substitui- dógenas de uma economia pré-capitalista, mas
ção de importações dá origem a um desequilí- de um processo de “enxerto”, dado pela entrada
brio ao nível de fatores, visto que a tecnologia de empresas dos países centrais na economia
utilizada é intensiva em capital, num contexto interna. Desta maneira, o processo de industria-
em que as economias possuem um excedente lização é liderado por empresas estrangeiras,
estrutural de mão de obra.3 Uma das principais que deslocam capacidade produtiva sem, no
consequências da abundância de força de traba- entanto, transferirem suas atividades de P&D
lho é o ritmo de reajuste dos salários reais, que e a geração de inovações para estas economias.
não acompanha os aumentos de produtividade Assim, o processo de industrialização destas
na manufatura, mantendo-se um pouco acima

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economias não resulta na superação da depen- que a industrialização fosse avançando para
dência tecnológica. (Furtado, 1973; 1974) setores com maior intensidade tecnológica e
maiores requisitos de capital, a demanda por
Estas multinacionais tomam suas decisões
importações seria crescente. (Furtado, 1974;
baseadas em estratégias delineadas em suas
2000)
matrizes e, por isto, muitas vezes, não são
convergentes com os interesses nacionais. Além Deste modo, Furtado não se mostrava muito
disto, ao controlar o fluxo de inovações e o otimista com a escolha de um processo de in-
progresso tecnológico, usufruem de grande dustrialização por substituição de importações
poder que, muitas vezes, bloqueia uma maior a partir da instalação de subsidiárias de mul-
ação do Estado em torno de um projeto de tinacionais. Em sua visão, longe de ter como
desenvolvimento nacional. (Furtado, 1973; 1974) resultado a superação do subdesenvolvimento, a
Para agravar o quadro desenhado, estas multi- industrialização, assentada nas referidas carac-
nacionais se beneficiam das fontes de recursos terísticas, levaria a sua perpetuação, num pro-
naturais não renováveis e da abundante e barata cesso que se retroalimentaria ao longo do tem-
força de trabalho. Furtado (1974) afirma que, em po. Ele não negava que ocorreriam importantes
função disso, ao exportarem manufaturas, estas transformações estruturais nestas economias ao
multinacionais estão, na verdade, exportando longo do tempo; não obstante, elas não condu-
força de trabalho barata. ziriam à superação do subdesenvolvimento.

Em decorrência da concentração dos ganhos de E isto se explica porque a estratégia anterior-


produtividade, Furtado (1974; 2000) não acredi- mente desenhada impediria a formação/ação
tava que o processo de crescimento econômico de elementos fundamentais para o sucesso de
culminasse na superação do subdesenvolvimen- uma estratégia de desenvolvimento nacional, na
to, ao contrário, tenderia a agravá-lo. Mais que visão de Furtado: a formação de sistemas econô-
isto, ao visualizar um crescente processo de micos nacionais4; a coordenação/ação do Estado
integração do centro, ele acreditava que haveria e a capacidade interna de gerar progresso téc-
um distanciamento crescente entre o centro e a nico e inovações. Então se, de um lado, a ação
periferia. (Furtado, 1974) destes elementos antes elencados é essencial,
para Furtado (1961; 1974; 2000), numa estratégia
O processo de industrialização destas econo-
de combate da dependência externa e do sub-
mias, por intermédio da substituição de impor-
desenvolvimento, por outro lado, o controle da
tações, também não resolveria as restrições no
produção, do progresso técnico e das inovações
balanço de pagamentos. Isto porque, à medida

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pelas empresas estrangeiras impede ou bloqueia técnico e o processo de geração de inovações;
sua construção. Nas economias subdesenvolvi- não estenderem os ganhos de produtividade
das, a ausência da fase responsável pela criação para os salários e não sanarem os desequilíbrios
de um sistema econômico nacional, aliado ao no balanço de pagamentos, têm como resultado:
fato do processo de industrialização dar-se por heterogeneidade estrutural e uma ainda maior
meio da substituição de importações, via em- concentração da renda. Em decorrência desta
presas estrangeiras, resulta num agravamento última, o processo de diversificação do consu-
das disparidades internas. mo não é acompanhado pelo processo de difu-
são do consumo6. Em consequência, enquanto
Deste modo, para Furtado (1961, p. 164), “o
a minoria abastada acompanha o padrão de
processo de desenvolvimento econômico possui
consumo das economias cêntricas, a maioria da
uma nítida dimensão histórica”, sendo esta
população não tem acesso aos bens de consumo
imprescindível na explicação do desenvolvimen-
básicos.7
to e do subdesenvolvimento. Nas economias
desenvolvidas há endogeneização do progresso
técnico, de modo que o excedente é canalizado 3. Alice Amsdem e a industrialização
para o processo de acumulação de capital e do “resto”
para a geração de inovações, e os decorrentes Amsdem (2009) denomina a periferia industria-
aumentos de produtividade estendem-se para lizada de “resto”. Estão incluídos neste grupo
os salários. Com isto, o processo de mudança os seguintes países: Brasil, Chile, México e
estrutural ocorre simultaneamente pelos lados Argentina (na América Latina); Coréia, Taiwan,
da oferta e da demanda. Ademais, os processos China, Índia, Indonésia, Malásia e Tailândia
de diversificação e difusão do consumo ocorrem (na Ásia); e Turquia (no Oriente Médio). Ao
concomitantemente. proceder a análise do processo de industrializa-
Por seu turno, nas economias subdesenvolvidas, ção destas economias por meio de uma análise
há descontinuidades em várias dimensões5: histórico-cronológica dividida em três momen-
primeiro, porque o progresso técnico penetra tos (entre 1850 e 1950, do pós-II Guerra Mundial
nestas economias unilateralmente, pelo lado da até o final dos anos 1970, e pós anos 1980), ao
demanda, mantendo intacta a estrutura produ- mesmo tempo em que compara as estratégias
tiva e social. E, conforme vimos, quando estas encampadas entre os diversos países considera-
economias passam por um processo de indus- dos, Amsdem identifica similitudes e diferen-
trialização, ao não endogeneizarem o progresso ças nos padrões de ação e de desempenho nas

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experiências industrializantes dos referidos pa- explorados por uma mão de obra não especia-
íses. As similitudes estão mais concentradas no lizada, para um conjunto de ativos baseados
período em que atuaram os Estados desenvolvi- no conhecimento, por meio de uma mão de
mentistas no pós-II Guerra Mundial até fins dos obra especializada. Isto exige a construção de
anos 1970. Quanto às divergências, Amsdem cre- um sistema manufatureiro, tendo em vista ser
dita a dois principais fatores: a história e o grau a indústria um locus onde se utiliza, de forma
de desigualdade (da terra e da renda) presente intensiva, ativos baseados no conhecimento.
nestas economias antes da industrialização. A etapa seguinte é dada pela passagem para a
prestação de serviços especializados.8
Amsdem (2009) identifica dois modelos de
desenvolvimento dentre os países do “resto”: o No caso dos países do “resto”, no período que
modelo da independência, adotado pelos países Amsdem (2009) designa de pré-guerra, que
asiáticos e o modelo integracionista adotado, compreende o período entre 1850 até 1950, estes
sobretudo, pelos países da América Latina. países experimentaram alguma “experiência
Embora haja convergências entre ambos, as manufatureira”.9 Mas se, de um lado, foi devido
divergências provocam diferenças importantes a esta experiência manufatureira do pré-guerra
nos resultados alcançados pelos diversos países, que estes países conseguiram deslanchar um
conforme veremos. Retomaremos esta questão acelerado processo de industrialização depois
mais adiante já que, para explicá-la melhor, é de II Guerra Mundial, sob a direção dos Esta-
fundamental tecer detalhes dos argumentos de- dos desenvolvimentistas, por outro lado, no pe-
senvolvidos por ela. Na verdade, o presente arti- ríodo do pré-guerra, o atraso destas economias
go buscará tratar de forma sucinta da exposição frente às economias do Atlântico Norte e do
de Amsdem, o que não é trivial, dada a vastidão Japão é imenso. Por meio de um amplo conjun-
e densidade de sua obra. Além das comparações to de dados e comparações, Amsdem mostra as
feitas em várias frentes entre subconjuntos de tentativas frustradas destas economias em cons-
países do “resto”, Amsdem confronta estes com truírem um sistema manufatureiro nacional
os países desenvolvidos (países do Atlântico semelhante ao dos países mais desenvolvidos.
Norte – que compreendem os Estados Unidos e Seu relato para a indústria têxtil, por exemplo,
os países europeus industrializados – e o Japão). é emblemático para evidenciar o fosso que
separava as economias do “resto” das economias
Amsdem define desenvolvimento econômico
mais avançadas.
como um processo onde se passa de um conjun-
to de ativos baseados em produtos primários,

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Uma análise dos entraves decorrentes dos do know-how e as organizações que emergiram
processos de “transferência tecnológica” que por intermédio de antigos elos coloniais). (Ams-
afligia tanto os países do “resto” (e, em menor dem, 2009, p. 48-49)

medida, os países mais adiantados) auxilia no A partir da tipologia acima, Amsdem (2009, p.
entendimento do porquê do atraso do “resto” no 50) identifica todos os países latino-americanos
pré-guerra. Segundo Amsdem (2009), no pré- do “resto” como parte da experiência manufatu-
-guerra os países do “resto” não tinham empre- reira emigrada, trazida primeiro por emigran-
sas gabaritadas a fazer o investimento em três tes, permanentes ou não, do Atlântico Norte e,
10
frentes , fundamental ao impulso industrial, posteriormente pelas multinacionais estrangei-
tendo em vista sua importância na constituição ras. Na Ásia destacam-se Indonésia, Malásia,
de grandes e dinâmicas empresas comerciais. Taiwan e Tailândia, com experiência emigrada
As três frentes são: maquinário atualizado e da China. Como parte da experiência manufa-
fábricas de escala otimizada; em hierarquias tureira colonial (com vínculo formal ou não),
administrativas e habilidades tecnológicas e em destacam-se Coréia, Taiwan e China (vinda do
redes de distribuição. (Chandler Jr. apud Ams- Japão) e China, Índia, Indonésia, Malásia e Tur-
11
dem, 2009) Assim, Amsdem vai desvendando o quia (vinda do Atlântico Norte). Na experiência
atraso do “resto” por meio de uma comparação manufatureira pré-moderna destacam-se China,
destas três frentes entre os países do “resto” com Índia, México e Turquia. Embora sejam identi-
os países do Atlântico Norte e do Japão. ficados três tipos de experiência manufatureira,
Todavia, ao investigar a experiência manufa- os dois principais padrões de desenvolvimento
tureira do pré-guerra, o mais importante de destacados por Amsdem no “resto” são prove-
tudo é que Amsdem (2009) identificou três tipos nientes das experiências manufatureiras emi-
distintos desta, que são não excludentes e, como grada e colonial. Neste último caso, destacam-
veremos mais adiante, é uma das bases funda- -se os países com experiência colonial vinda do
mentais para explicar as diferenças na indus- Japão (especialmente Coréia e Taiwan).
trialização dentre os países do “resto”: Segundo Amsdem (2009) o pós-II Guerra Mun-
A experiência manufatureira do pré-guerra caía dial representa um divisor de águas entre os
em três categorias não excludentes: pré-moderna países com experiência manufatureira emigrada
(originava-se de atividades artesanais e era a de e colonial. Os países com experiência emigrada,
mais longa duração; a emigrada (originava-se do sobretudo os da América Latina, mantendo a
know-how transferido por emigrantes permanen-
tendência histórica, deram impulso ao processo
tes ou quase permanentes) e a colonial (derivado

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de industrialização por meio do investimen- própria. A industrialização tardia foi um caso de
to estrangeiro e das empresas estatais. Deste aprendizado puro, o que significa uma completa
modo, as subsidiárias de multinacionais (prin- dependência inicial da tecnologia comercializada
por outros países para estabelecer indústrias mo-
cipalmente norte-americanas) invadiram seus
dernas. Essa dependência emprestou ao avanço
mercados, gerando um processo declarado de
suas normas distintivas. (Amsdem, 2009, p. 29)
desnacionalização.
Com base em diferentes tipos de experiência
Por outro lado, os países com histórico de expe-
manufatureira, no pós-II Guerra Mundial,
riência manufatureira colonial, ao passarem por
todos os países do “resto” foram alvo de amplos
um processo de descolonização no pós-guerra,
projetos de industrialização, sob a ação dos
apropriaram-se das empresas de propriedade
Estados desenvolvimentistas. Segundo Amsdem
estrangeira, bem como de institucionalidades,
(2009, p. 227) aos Estados desenvolvimentistas
know-how e habilidades. Ou seja, neste caso, a
couberam quatro funções: bancos de desenvol-
industrialização foi impulsionada por intermé-
vimento, política de conteúdo local, exclusão
dio de um processo de nacionalização. Coréia,
seletiva (que consistia na abertura de mercados
Taiwan e Índia são os principais exemplos,
enquanto outros permaneciam fechados) e a
embora os dois primeiros, com experiência
constituição de empresas nacionais. Isto per-
colonial vinda do Japão, tenham sido muito
mitiu ao “resto” fazer o investimento nas três
mais beneficiados que a Índia, em termos de
frentes antes mencionadas.
potencial à construção de habilidades nacionais
e capacidades tecnológicas. A substituição de importações foi a estratégia
que guiou os investimentos em todos os países
Embora sem desconsiderar as fragilidades
do “resto” e não constituiu em si um problema,
presentes na estratégia industrializante dos
na visão de Amsdem. As indústrias que rece-
países do “resto”, Amsdem (2009, p. 29) afirma:
beram a maior e a segunda maior parcelas do
“a ascensão do ‘resto’ foi uma das mudanças
crédito dos bancos de desenvolvimento, ao lon-
fenomenais da segunda metade do século XX”.
go de várias décadas, foram denominadas por
Isto porque:
Amsdem (2009, p. 249) de “indústrias quentes”.
Pela primeira vez na história, países atrasados Definindo-se de forma abrangente, pode-se des-
se industrializaram sem inovações próprias […]. tacar as seguintes indústrias: os metais básicos
Avançaram em indústrias que exigiam um eleva-
(sobretudo ferro e aço), os produtos químicos
do grau de capacidades tecnológicas sem terem
(principalmente os petroquímicos), o maquiná-
inicialmente nenhuma capacidade tecnológica
rio (elétrico e não elétrico), os equipamentos de

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transporte (navios, automóveis e peças automo- bancos de desenvolvimento e da compra de
bilísticas) e os produtos têxteis. tecnologia estrangeira, há três traços principais
que distinguem os rumos do salto industria-
Como a parcela das manufaturas no produto e
lizante dentre os países do “resto”: o tamanho
nas exportações no período pré-guerra dentre
das exportações de manufaturados no PIB, a
os países do “resto” era ínfima, Amsdem (2009)
capacidade de criar empresas líderes nacionais
considera que, se a industrialização aumentasse
privadas e habilidades nacionais suficientes
estas parcelas, poderia se considerar exitoso o
para “fazer” tecnologia.
planejamento desenvolvimentista. E foi justa-
mente o que aconteceu nos anos seguintes ao Amsdem (2009) argumenta que, se, de um lado,
pós-guerra. Em todos os países do resto aumen- a estratégia universal alçada pelos países do
tou a participação das manufaturas no PIB e a “resto” para se industrializar foi a “substituição
participação das manufaturas nas exportações. de importações”, por outro lado, o desafio era
A intervenção dos Estados desenvolvimentis- extrair exportações dessas indústrias. A des-
tas, associada à experiência manufatureira do peito de todos os bancos de desenvolvimento
pré-guerra, de fato resultou na industrialização terem criado regras a fim de vincular a oferta
destas economias. de empréstimos de longo prazo ao desempenho
exportador, poucos países do “resto” se destaca-
A atuação dos bancos de desenvolvimento
ram como grandes exportadores. Os países com
tornou-se fundamental, pois estes atuavam
melhor desempenho neste aspecto são os do
alocando ativos intermediários, em troca de
Leste Asiático e Amsdem credita este resultado
padrões de desempenho (relacionados a crité-
aos elos destes países com o Japão, especial-
rios diversos: conteúdo local e/ou desempenho
mente Coréia e Taiwan.12
exportador eram os mais importantes). O papel
dos bancos de desenvolvimento à construção de O Japão, desde os primórdios de sua indus-
infraestrutura também foi de suma importân- trialização, adotou uma política industrial
cia. Estes atuavam tanto na oferta de financia- fortemente vinculada a uma política comercial
mento de longo prazo, bem como no suporte à de estímulo às exportações. Um conjunto de
execução de projetos. instituições especialmente voltadas à estratégia
comercial, com baixas tarifas e o uso ativo do
Mas, embora todos os países do “resto” tenham
câmbio, agiam conjuntamente, no sentido de
se industrializado nas décadas seguintes à II
extrair desempenho exportador de indústrias
Guerra Mundial e, para isto, tenham se uti-
substitutivas de importações. Além disto, a
lizado da intervenção estatal, da atuação dos

100
política comercial com prioridade no contínuo Mas, se a conduta adotada pelo Japão inspirou
aumento das exportações baseava-se na especia- e delineou a dinâmica intra-regional asiática,
lização em um conjunto de setores industriais na América Latina, foram os Estados Unidos
que favorecessem a criação de emprego e o o emulador da política de comércio exterior
acúmulo de capacidades tecnológicas. e, neste caso, a conduta norte-americana não
beneficiou os países latino-americanos do
Assim sendo, Amsdem (2009) argumenta que a
“resto”. Isto porque o Estado norte-americano
conduta japonesa tornou-se inspiração para os
não contou com uma política comercial ativa de
demais países da Ásia e foi replicada de forma
estímulo às exportações. O que havia, nos Esta-
ainda mais agressiva por Coréia e Taiwan, que
dos Unidos, era o uso abusivo das tarifas, uma
conceberam suas políticas industriais de forma
política voltada para o estímulo do complexo
que a concessão de empréstimos de longo prazo
bélico, que acabava impactando no desempenho
e a proteção do mercado interno fossem es-
exportador do país (por exemplo, os Estados
treitamente vinculadas a metas de exportação
Unidos se tornaram um dos maiores exporta-
extremamente ambiciosas. E o não cumpri-
dores de aeronaves), e como o país conseguiu
mento das metas pelas empresas beneficiadas
erguer empresas líderes nacionais privadas de
culminava na perda dos benefícios propiciados
grande porte, estas davam sua contribuição nas
pelo Estado.
exportações. Além disto, os Estados Unidos
A importância do Japão estende-se ainda para
eram grande exportador de matérias-primas.
a dinâmica do comércio intrarregional asiático,
Assim, o desempenho exportador dos Estados
dado que, já no pré-guerra, os fluxos de expor-
Unidos nunca foi destaque, nem prioridade
tações e importações entre os países asiáticos
política.14
é intenso, mesmo considerando que as expor-
Logo, Amsdem (2009) considera como negativa
tações de manufaturados dos países asiáticos
a política comercial norte-americana e, na con-
do “resto” perfaziam basicamente os alimentos
dição de desvantagem competitiva em que paí-
processados. Amsdem (2009, p. 300) afirma que
ses latino-americanos do “resto” estavam, tentar
“os fluxos de comércio intra-asiático assumi-
replicar esta política gerou resultados malignos
ram muitas formas, dependendo do ano” e isto
para o desempenho exportador (à exceção do
contrastou com a realidade da América Latina
Chile, mas com especialização em produtos
e do Atlântico Norte, onde se estabeleceu uma
tradicionais, com destaque para o cobre). Além
divisão “colonial” do trabalho (O’Brien, 1997
do modelo comercial japonês e americano,
apud Amsdem, 2009)13.
Amsdem destaca os modelos europeu e russo.

Revista da sociedade brasileira de economia política 101


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O europeu é configurado, também, por um di- manufatureira do pré-guerra, se emigrada ou
nâmico fluxo intrarregional, com elevado grau colonial; a geografia (proximidade com o Japão
de especialização e o modelo russo preza pela ou os Estados Unidos) e o grau de desigualdade
autarquia. Diante da influência das práticas sócioeconômica (medido pela concentração da
políticas das economias avançadas nos padrões terra e da renda) nos países do “resto”, antes da
comerciais do “resto” Amsdem (2009, p. 333) de- industrialização.
fende que “um modelo” é “um ativo baseado no Os países com experiência manufatureira
conhecimento, do tipo que pode ter um impac- emigrada e mais próximos dos Estados Unidos,
to positivo ou negativo nos lucros”. depois da II Guerra Mundial, foram inundados
Além da influência das experiências comer- pelo investimento estrangeiro, principalmente
ciais dos países mais desenvolvidos sobre os de empresas norte-americanas. Com isto, as
países do “resto”, Amsdem (2009) também líderes nacionais que atuavam nas manufaturas
credita o desempenho exportador de um país ou eram estatais ou multinacionais.15 No caso
a características estruturais involuntárias, que do Brasil, especificamente, as maiores empresas
são: o tamanho da população e a densidade privadas nacionais atuavam fora das manufatu-
populacional (pessoas por unidade de terra). O ras (ou atuavam nas finanças ou na construção
primeiro tende a influenciar negativamente as civil).16
exportações, dado que quanto maior a popu- Nesta situação se encontram todos os países
lação de um país maior seu mercado interno, do “resto” situados na América Latina, pois
tornando-se menor a necessidade de exportar e além do tipo de experiência manufatureira
o segundo influencia de forma positiva, já que emigrada e de a proximidade com os Estados
uma maior densidade populacional gera uma Unidos estimularem o ingresso de investimento
oferta de mão de obra relativamente excessiva estrangeiro em suas economias, outros fatores
aos recursos naturais e, com isto, uma pressão reforçaram esta tendência. Primeiro, porque a
descendente sobre os salários, podendo impac- legislação não impunha restrições ao investi-
tar positivamente as exportações. mento estrangeiro; ao contrário, as regras para
O outro fator que causou importante diferença a entrada de investimento estrangeiro mais a es-
na industrialização dos países do “resto” foi a timulavam do que a coibiam.17 Todavia, o outro
capacidade destes países de criar empresas líde- argumento de Amsdem (2009) pode ser consi-
res nacionais privadas. Neste caso, três fatores derado o mais polêmico e, pelo menos tomando
explicam tal capacidade: o tipo de experiência o caso do Brasil, por dizer respeito ao caso com

102
maior familiaridade, cabem algumas ressalvas muito baixo, o BNDES impediu a concentração
em sua argumentação (questão que será retoma- ainda maior da renda, alcançando o que era um
da posteriormente). objetivo deliberado do banco mas, ao mesmo
tempo, impediu também a criação de empresas
Conforme já foi mencionado, Amsdem (2009) líderes nacionais privadas nas manufaturas.18
defende que, além da experiência manufatu-
Não obstante, deixando temporariamente de
reira, o grau em que se dava a desigualdade
lado o argumento esboçado no parágrafo ante-
econômica nos países do “resto” determinou
rior, a constatação de Amsdem (2009) acerca da
os contornos de suas industrializações tardias.
influência nociva da desigualdade sobre o êxito
Em relação ao primeiro fator, já se explicou
do projeto de industrialização corrobora em seu
anteriormente (ou seja, o tipo de experiência
favor, visto que os países da América Latina
manufatureira do pré-guerra). No tocante ao
possuem índices de Gini para a terra e para a
grau de desigualdade, Amsdem (2009) defende
renda muito maiores que os países asiáticos
que países com elevados níveis de concentração
do “resto”.19 Amsdem (2009) destaca ainda que,
(da renda e/ou da terra) sofreram dois importan-
em países com concentração muito elevada em
tes tipos de consequência sobre o seu projeto de
termos da distribuição dos recursos naturais,
industrialização:
atividades econômicas fora das manufaturas
1) não contaram com um mínimo de homoge- como, por exemplo, a agricultura, tendem a ge-
neidade social necessária à construção de uma
rar “quase-rendas ricardianas” que, consequen-
economia nacional; ao contrário disto, eram afli-
temente, desestimulam a manufatura, posto
gidos por tensões políticas e sociais decorrentes
dos crônicos e crescentes conflitos de classes. que exigem desta uma taxa inicial de retorno
em um patamar muito elevado.
2) a política de industrialização, diante de um
cenário de extrema concentração, optou pela di- Por tudo isto que foi dito, os países do “resto”
fusão de ativos e não por sua concentração. Neste (latino-americanos, sobretudo) se industrializa-
caso, Amsdem (2009) destaca o caso do BNDES ram sob o domínio das multinacionais e se, de
no Brasil, que trabalhava com um grau de ala-
um lado, nos anos seguintes ao pós-II Guerra
vancagem (relação dívida/capital) muito baixo.
Mundial, eles ficaram à frente dos países do
Por exemplo, enquanto a relação dívida-capital
nos financiamentos do BNDES não chegava a
“resto” situados na Ásia, face a um processo de
100%, na Coreia superava 300% (ou seja, era mais industrialização mais acelerado, por outro lado,
que seis vezes os do banco de desenvolvimento dos anos 1990 em diante a situação foi se rever-
brasileiro). Assim, Amsdem (2009) afirma que, tendo em favor dos asiáticos. Para se ter uma
trabalhando com um grau de alavancagem ideia, em 1975 o valor agregado das manufaturas

Revista da sociedade brasileira de economia política 103


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na América Latina (basicamente Brasil, Argen- nenhum país do “resto” latino-americano con-
tina e México) representava 55% do valor total seguiu destaque na indústria de eletrônicos. A
das manufaturas dos países em desenvolvimen- situação estrutural de déficit na balança comer-
to (não somente do “resto”, mais também do cial de eletrônicos denota seu atraso. (Amsdem,
“resquício”), em 1994 caíra para 35,9%. Em con- 2009, p. 390)
trapartida, a parcela da produção manufaturada
Para os países do “resto” asiáticos, especialmen-
representada pelo sul e leste da Ásia cresceu de
te aqueles com experiência manufatureira colo-
26,4% em 1975 para 47,9% em 1995. (Amsdem,
nial vinda do Japão (Coreia e Taiwan), o quadro
2009, p. 429)
antes esboçado é bastante distinto. Primeiro,
Uma consequência nefasta para a América porque sua proximidade com o Japão retardou
Latina, fruto de uma industrialização sem a chegada de investimento estrangeiro, tendo
constituir empresas líderes nacionais privadas em vista que o Japão demorou mais tempo que
nas manufaturas, deu-se sobre a construção de os Estados Unidos para pôr em prática uma es-
habilidades nacionais e capacidades tecnológi- tratégia de expansão de suas companhias. Além
cas. O gasto em P&D das empresas nacionais disto, tomando o próprio Japão como “espelho”,
era irrelevante e as multinacionais mantiveram os países asiáticos e mesmo a Turquia deram
altamente concentrados seus gastos em P&D e um tratamento às empresas estrangeiras bas-
a geração de inovações longe de suas unidades tante distinto que aquele descrito pelos países
no “resto”. Assim, cabia aos Estados desenvolvi- da América Latina. Na verdade, as empresas
mentistas o esforço maior de P&D. multinacionais só podiam entrar nos mercados
nacionais por meio de joint ventures, numa
Com a crise da dívida enfrentada por estes
situação minoritária e sob várias regras (como,
países, a partir dos anos 1980, o esforço de P&D
por exemplo, repatriação de lucros, desempenho
tornou-se quase nulo. Com isto, estes países
exportador etc.). E mais, seu acesso às econo-
permaneceram prisioneiros da decisão de “com-
mias nacionais se dava em situações muito es-
prar” tecnologia. Isto aconteceu diferentemente
peciais quando, por exemplo, havia dificuldade
dos países asiáticos do “resto” (pelo menos
de acesso a uma dada tecnologia.
alguns, com destaque para Coreia e Taiwan),
que avançaram seu processo de industrializa- No que diz respeito ao nível de desigualdade,
ção em um grau tal que a decisão de “comprar” os países do “resto” asiáticos gozavam de uma
tecnologia foi sendo substituída pela decisão de situação mais igualitária que os países do “res-
“fazer”, conforme veremos adiante. Além disto, to” latino-americanos. Sendo assim, com uma

104
distribuição de renda mais igualitária e frente em eletrônicos; ao grande salto de não somente
a uma política de “embargo” ao investimento “comprar” tecnologia, mas acumular as habili-
estrangeiro, os países asiáticos do “resto” conse- dades necessárias para passarem a “fazê-la”; na
guiram erguer líderes nacionais privados. Mas constituição de empresas líderes nacionais pri-
os maiores sucessos nesta atribuição, dentre vadas. Não obstante, em 1998, nenhuma das 100
todos os países do “resto”, são Coreia e Taiwan, maiores corporações transnacionais do mundo
destacadamente. Estes conseguiram erguer estavam fora do Atlântico Norte ou do Japão.
empresas líderes nacionais privadas com desem-
Resumindo, a geografia (proximidade com os
penho distinto em atividades de P&D e uma
Estados Unidos ou Japão), a história (experi-
balança comercial estruturalmente superavitá-
ência manufatureira emigrada ou colonial no
ria, inclusive em eletrônicos. Segundo Amsdem
pré-guerra) e o nível de desigualdade (baixo
(2009), a Coreia era o país mais homogêneo do
ou alto) dividiram os países do “resto” em dois
“resto”, com distribuições da terra e da renda
modelos de desenvolvimento: o integracionis-
bastante igualitárias. Em função disto, a políti-
ta e o independente. Apesar de em ambos a
ca industrial foi deliberadamente praticada na
industrialização ter se dado por intermédio dos
direção da concentração de ativos, e medidas
Estados desenvolvimentistas e sob dependência
compensatórias foram sendo aplicadas a fim de
tecnológica, por meio de compras maciças de
contornar os impactos sociais da concentração.
tecnologia, no modelo independente, a priori-
Amsdem (2009) argumenta, ainda, que o mode- dade pela formação de empresas líderes nacio-
lo de desenvolvimento coreano foi diretamen- nais privadas e os estreitos limites impostos ao
te inspirado no modelo japonês. Na verdade, investimento estrangeiro facilitaram a formação
algumas medidas levaram ainda mais longe a de habilidades nacionais e capacitações tecno-
prática japonesa como, por exemplo, vincular o lógicas. Não é por acaso que todos os países
direito a empréstimos de longo prazo e proteção do “resto” que passaram a “fazer” tecnologia e
do mercado interno ao desempenho exportador. penetraram nos setores de alta tecnologia eram
Sem dúvida alguma, Taiwan e principalmen- “adeptos” do modelo de desenvolvimento inde-
20
te a Coreia são os países do “resto” de maior pendente. Além disto, as mudanças geopolíticas
sucesso em sua trajetória industrializante e geoeconômicas a partir do desmantelamento
retardada e numa condição de atraso frente ao do padrão monetário internacional estabelecido
Atlântico Norte e ao Japão. Seja em relação à em Bretton Woods, impactaram muito mais
participação das manufaturas e das exportações negativamente os integracionistas que os inde-
no PIB; ao desempenho exportador, inclusive pendentes. (Amsdem, 2009)

Revista da sociedade brasileira de economia política 105


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4. Furtado versus Amsdem: convergên- Contudo, Furtado foi longe de Amsdem quan-
cias, divergências, complementari- do de sua visão acerca das consequências da
dades atuação das multinacionais na periferia. Furta-
Comparando Furtado e Amsdem, uma das do denuncia que isto resulta na exploração dos
primeiras observações a serem feitas é a de que recursos naturais não renováveis destes países
a análise de Furtado trata da periferia de forma e da força de trabalho barata. Furtado também
parcial. Na verdade, vê-se que Furtado analisa enfatiza que o controle do progresso técnico
a periferia latino-americana. Neste sentido, sua e da geração de inovações torna as multina-
análise complementa e converge com Amsdem, cionais muito influentes. Disto resulta que as
quando ela trata do pedaço do “resto” que dificuldades em criar um “sistema econômico
se localiza na América Latina, ou seja, com nacional” tornam-se ainda maiores, em relação
experiência manufatureira emigrada. A visão a quando esbarravam em problemas políticos e
pessimista de Furtado pela opção por uma estruturais de ordem interna.
industrialização via substituição de importa- Um ponto conflitante entre Amsdem e Furtado
ções, sob o jugo das multinacionais, vai além do diz respeito as suas visões acerca da estratégia
olhar de Amsdem, embora esta tenha mostrado de industrialização via substituição de impor-
as limitações que a estratégia latino-americana tações. Amsdem toma isto como uma condição
implicou. natural e, por isto, não vê nenhum problema.
Ambos enfatizaram a falta de interesse das Para ela, o desafio do “resto” era ser capaz de
multinacionais em desenvolver P&D e gerar extrair exportações de indústrias substitutivas
inovações na periferia que, juntamente com o de importação. Para tanto, o desenho das polí-
atraso na aquisição de capacidades tecnológicas ticas industrial e comercial eram fundamentais
nacionais, tiveram como consequência a impos- e os melhores desempenhos foram para aqueles
sibilidade de endogeneizar o progresso técnico. países que usaram o Japão como emulador
Todavia, veremos adiante que, mesmo numa (conforme vimos antes).
situação onde as multinacionais não são maio- Em contraposição, a estratégia de industria-
ria, as dificuldades de endogeneizar o progresso lização via substituição de importações era
técnico se fazem presentes, dado que de todos um grande problema para Furtado. Antes de
os países do “resto”, apenas Taiwan, Coreia e, qualquer coisa, porque conduzia a industriali-
mais recentemente, a China vêm conseguindo zação com o único objetivo de replicar para as
êxito neste aspecto. elites o padrão de consumo do centro. Segundo

106
Furtado, isto trazia sérias implicações para a cabe destacar, primeiro, que o elevado grau de
periferia: um desequilíbrio estrutural de fatores, desigualdade na distribuição da renda e da terra
dado que a tecnologia utilizada para tal era não era uma realidade de toda a periferia. Con-
intensiva em capital, num contexto onde as forme vimos antes, os países do “resto” asiáticos
economias possuíam excedente estrutural de tinham uma condição bem mais igualitária que
mão de obra; tendência ao desequilíbrio exter- a América Latina.
no, face à crescente necessidade de importações
Contudo, olhando apenas para o “resto” latino-
para colocar em ação os investimentos necessá-
-americano, Furtado e Amsdem guardam visões
rios; e necessidade de concentrar ainda mais a
acerca do impacto da industrialização sobre a
renda, para que a minoria abastada conseguisse
desigualdade bastante díspares. Neste caso, o
acompanhar as mudanças no padrão de consu-
olhar de Furtado volta-se muito especialmen-
mo do centro.
te para o caso brasileiro (Furtado, 1978) e sua
Mas, enquanto a escolha pela industrialização análise mostra não só uma tendência de au-
via substituição de importações figurava como mento na concentração da renda, como também
um problema para Furtado, este não deixou uma atitude política deliberada nesta direção.
muito claro como poderia ser feito de outra Amsdem, ao contrário, também usando o Brasil
maneira. Houve momentos em que ele destacou como exemplo, destaca que, em países com
a importância de conceber um projeto de indus- grande desigualdade, a política de industria-
trialização com o foco para as necessidades da lização optou pela difusão de ativos e não por
população e com uma combinação de fatores sua concentração. Ela embasou tal evidência a
que se adequasse ao quadro estrutural do país, partir da relação dívida/capital utilizada nos
ou seja, buscando utilizar mais intensivamente financiamentos do BNDES, a qual era muito
os insumos que o país possuísse mais abun- baixa quando comparada aos padrões de países
dantemente. A impressão que dá é que Furtado asiáticos (como, por exemplo, Coreia). Para ela,
prezava por uma industrialização baseada na um baixo grau de alavancagem constrangia o
autarquia (como é o caso da Rússia), não obs- crescimento das empresas, impedindo a con-
tante, ele era declaradamente contra a planifica- centração, mas ao mesmo tempo repercutia de
ção da economia. forma negativa na construção de líderes nacio-
nais privados nas manufaturas.
Outro aspecto que demandou bastante refle-
xão e preocupação de Furtado consiste na Assim, com base em Furtado (1978) e Tavares
tendência à concentração de renda que resulta (1998; 1999), a baixa relação dívida/capital, pelo
da industrialização. Com base em Amsdem,

Revista da sociedade brasileira de economia política 107


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menos no caso do Brasil, teria que ter outra importante uma homogeneização da economia
explicação, dado que a justificativa de que se que pudesse gerar sincronia entre os processos
devia a preocupações com o aumento da desi- de difusão e diferenciação do consumo, o que
gualdade e da concentração não é condizente por seu turno exigia uma melhora na distribui-
com os resultados por eles encontrados. ção da renda.

Não obstante, a constatação de Amsdem de que Para alcançar sucesso num projeto de industria-
quanto maior o grau de desigualdade, mais lização nacional, Amsdem e Furtado defendiam
difícil se torna encampar um projeto de indus- a necessidade de criar um “sistema econômico
trialização liderado por empresas nacionais de nacional”, a endogenização do progresso técnico
propriedade privada estava de todo certo. Isto e de geração de inovações e isto só seria possí-
porque, conforme vimos, há consequências de vel sob uma intervenção ativa e deliberada do
ordem social e política (por exemplo, o acirrado Estado. Neste sentido, os países do “resto” com
conflito de classes impossibilita a criação de melhor desempenho foram justamente aqueles
um mínimo de homogeneidade social neces- possuidores das condições histórico-estruturais
sária à consolidação de um projeto de desen- capazes de constituir tais elementos.
volvimento nacional) e econômica (a obtenção
Nota-se, então, que Amsdem e Furtado conver-
de “quase-rendas ricardianas” na agricultura
gem na direção de List (1989), considerado o pai
dificulta a canalização de recursos e mão de
do argumento da indústria infante. Segundo
obra para as manufaturas).
List, os Estados nacionais disputam poder e
Quanto aos elementos necessários para alcançar riqueza e os Estados que levariam vantagem
êxito num projeto de industrialização nacional, nesta disputa seriam aqueles que conseguissem
Amsdem e Furtado parecem concordar. O êxito conceber um sistema de forças produtivas na-
seria dado pela importância das manufaturas cionais, numa situação onde a atividade manu-
no PIB e nas exportações; por um desempenho fatureira fosse estendida para o maior número
exportador que gere superávit estrutural na de atividades econômicas possíveis. Assim, a
balança comercial; pela criação de habilida- lógica manufatureira deveria ser estendida da
des nacionais e capacidades tecnológicas que indústria para a agricultura, o comércio, os
gabaritem as empresas a penetrarem nos setores transportes (e todas as demais atividades econô-
de média e alta tecnologia e adicionem à es- micas que fossem possíveis).
tratégia de “comprar” tecnologia a de “fazê-la”.
Para tanto, os países dotados das condições
Para Furtado, mais especificamente, era muito
mínimas necessárias para constituir seu próprio

108
sistema manufatureiro deveriam criar institui- da América Latina, apesar da constituição do
ções e utilizar os instrumentos políticos ne- Mercosul.
cessários (inclusive o protecionismo). Somente
Todavia, Amsdem não deixou este aspecto de
por meio de políticas mercantilistas um Estado
fora. Pois, ao olhar a dinâmica intrarregional
mais atrasado conseguiria alcançar os Estados
na Ásia, detectou grande dinamismo comercial
mais desenvolvidos. Salvo naqueles casos em
intrarregional asiático, já no período pré-guerra.
que características estruturais impossibilitas-
O comércio dava-se de várias formas e entre
sem um Estado de construir seu sistema de for-
vários países, numa situação em que os países
ças produtivas (por exemplo, no caso de países
mais atrasados conseguiam exportar manufa-
de dimensões diminutas), a condição para um
turas dentro da região, mesmo que de baixa
país disputar poder e riqueza no sistema-mun-
intensidade tecnológica. Esta tendência de dina-
do dependia de seu êxito na construção de um
mismo no comércio intrarregional asiático per-
sistema manufatureiro nacional (o que exigia
maneceu e se intensificou no pós-guerra. A im-
um permanente e contínuo investimento em
portância do aspecto regional nos destinos da
educação e capacitação). Além disto, os países
América Latina e da Ásia depois dos anos 1980
mais atrasados não contariam com o apoio dos
é explorada por Medeiros (1997). Sua discussão
mais desenvolvidos, ao contrário, estes sempre
corrobora as constatações feitas por Amsdem,
que pudessem “chutariam a escada” por onde
tanto no que tange à importância da relação
subiram para impedir que a ascensão de novos
intrarregional que envolve os países asiáticos,
países aumentasse o número de rivais na dispu-
quanto no papel fundamental desempenhado
ta interestatal.21
pelo Japão (e de outros elementos geopolíticos
A importância da relação intrarregional para envolvendo interesses norte-americanos) para
explicar o sucesso de um dado país não per- explicar o “sucesso” asiático dos anos 1990 em
meou a análise de Furtado. Conforme vimos, diante.
ele parte da divisão internacional do trabalho
Em termos de pessimismo quanto aos destinos
por meio da qual os países da América Latina
da periferia, sem dúvida Furtado esboça mais
eram exportadores de matérias-primas agrícolas
desencanto. Lembrando que sua análise estava
e/ou minerais para os países cêntricos e impor-
com o olhar voltado para o pedaço da periferia
tadores de manufaturas dos países cêntricos,
latino-americana, na qual a centralidade das
de forma que o comércio intra-regional era
multinacionais e a persistente concentração da
pouco dinâmico. Na verdade, até hoje não se
renda (dadas todas as consequências que disto
conseguiu avançar efetivamente na integração

Revista da sociedade brasileira de economia política 109


43 / fevereiro 2016 – maio 2016
resultavam) não lhe possibilitava vislumbrar dada a existência dos países asiáticos e da
na industrialização (pelo menos neste contexto) Turquia, no Oriente Médio, cabe indagar se o
uma saída para o subdesenvolvimento mas, ao pessimismo de Furtado quanto aos desígnios
contrário, sua perpetuação e retroalimentação. da periferia pode ser atenuado. Na verdade, a
análise de Amsdem demonstrou que, apesar
A análise de Amsdem, em certa medida, corro-
de o “resto” asiático contar com uma dinâmica
bora a de Furtado. Pois se, de um lado, ela vê
intrarregional que beneficiava o dinamismo
com exaltação a industrialização dos países do
das economias nacionais e ter como “espelho”,
“resto”, apesar do profundo fosso que os separa-
enquanto prática de políticas industrial e
va dos países do Atlântico Norte e do Japão até
comercial, as condutas adotadas pelo Japão –
o período que antecedeu a II Guerra Mundial,
mais profícuas a um projeto de industrialização
por outro lado, ela mostrou os atropelos desta
na condição de retardatário –, somente Coreia
industrialização. Praticamente todos os países
e Taiwan22 deram grandes saltos qualitativos.
do “resto” permaneceram dependentes da com-
Ou seja, mesmo se industrializando, de todo o
pra de tecnologia externa. Ou seja, a ausência
“resto”, foi basicamente Coreia e Taiwan que al-
de endogeneização do progresso técnico, tão
cançaram aquelas condições vistas anteriormen-
ressaltada por Furtado, também permeia as
te como necessárias para que um Estado possa
conclusões de Amsdem.
mudar sua condição relativa no sistema-mundo,
Apesar de todo o esforço empreendido pelo
saltando para uma posição mais favorável.
“resto”, as maiores companhias multinacionais
Sem desconsiderar os méritos na ação gover-
permaneceram concentradas nos países do
namental que conduziu às trajetórias exitosas
Atlântico Norte e do Japão. Amsdem mostra,
de crescimento e desenvolvimento que levaram
também, o retrocesso industrial da América
Coreia, Taiwan e China a se distanciarem do
Latina nos anos 1990, dado pela queda das ma-
“resto”, não se deve esquecer de outros fatores
nufaturas na produção total. Seu desempenho
que lhes são peculiares e que contribuíram
exportador também regrediu, alimentando a
para explicar seus desempenhos superiores.
tese de uma reprimarização da pauta exporta-
Conforme vimos, a experiência manufatureira
dora. Na verdade, a análise de Amsdem deve ser
colonial vinda do Japão dotou Coreia e Taiwan
entendida como um reforço ao pessimismo de
de condições particulares, as quais lhe possibi-
Furtado.
litaram os meios de “imitar” o modelo japonês
Contudo, considerando que a periferia latino-
de desenvolvimento e obter sucesso. Além disto,
-americana é apenas um pedaço da periferia,
questões geopolíticas decorrentes de interesses

110
norte-americanos na Ásia, em função da guer- China era mais desenvolvida que a Inglaterra.
ra fria e da disputa político-ideológica com a Basta pensar que a China era capaz de gerar
União Soviética, levaram os Estados Unidos a excedente num patamar capaz de alimentar a
estabelecerem relações político-diplomáticas maior população do mundo, quando na Euro-
privilegiadas com alguns países, o que lhes pa a teoria da população de Malthus ganhava
dotou de vantagens econômicas e comerciais popularidade, ao defender que havia uma
que foram cruciais à promoção de seus planos tendência ao excedente populacional frente à
de desenvolvimento. oferta de alimentos. Foi a Revolução Industrial
inglesa que dotou a Europa e a Inglaterra de
Os beneficiados com as benesses oferecidas
vantagem, levando-as a um distanciamento da
pela potência hegemônica foram denominados
Ásia. O grande desafio desta vertente revisionis-
de “convidados”, tendo em vista seu convite ao
ta vem sendo compreender o porquê de ter sido
desenvolvimento. Logo após a II Guerra Mun-
a Europa e não a Ásia e na Inglaterra e não na
dial, os convidados foram Alemanha e Japão.
China onde se deu o “grande salto”.
Contudo, o rol de convidados estendeu-se para
Coreia e Taiwan e, já no final dos anos 1970, Portanto, embora os países do “resto” tenham
23
a China foi o último escolhido. Embora a conseguido empreender um projeto de indus-
análise de Amsdem (2009) tenha seu valor, não trialização, como regra, manteve-se a dependên-
dá para desconsiderar o aspecto geopolítico na cia externa, o subdesenvolvimento e a brutal
explicação dos destacados desempenhos de Co- desvantagem nas relações interestatais.26 Além
reia, Taiwan e China, dentre o “resto”. Amsdem disto, os “casos de sucesso”, conforme demons-
centrou-se nos aspectos histórico-estruturais e trado, para além do êxito na consecução de
regionais, mas o desenho do padrão monetário políticas industriais e comerciais, beneficiaram-
internacional e a geopolítica, principalmente no -se da geopolítica. Fiori (1997) defende que o
tocante às pretensões e ações da potência hege- sistema-mundo possui uma hierarquia inte-
mônica, influenciam sobremaneira a dinâmica restatal por meio da qual o poder interestatal
de desenvolvimento interno dos demais países é disputado por um grupo restrito de Estados,
24
do sistema-mundo, em maior ou menor grau. com um grau de mobilidade muito baixo e uma
tendência desigualizante e de polarização do
O caso da China também é peculiar, dado que
poder e da riqueza. A maior parte dos Estados
uma vertente revisionista da história25 vem
do sistema-mundo é considerada como “quase-
mostrando que, até a Revolução Industrial, a
-Estados”, dado que não gozam de soberania
Ásia era mais desenvolvida que a Europa e a
e, por isto, não disputam poder e riqueza no

Revista da sociedade brasileira de economia política 111


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sistema-mundo. Em geral, trata-se de territó- os países que permanecem subdesenvolvidos?27
rios que se inseriram no sistema-mundo como Para os latino-americanos, especialmente, a
colônia de algum Estado, constituindo-se em impressão que dá é que a dificuldade de fazer
Estados-Nação somente após o processo de catch up no pós-II Guerra Mundial tornou-se
descolonização. uma meta inalcançável, depois dos anos 1980.28
Diante de tudo o que foi dito, cabe uma reava-
liação de termos no sentido de questionar se 5. Conclusão
dá para chamar de países em desenvolvimento A experiência industrializante do “resto” deixou
aqueles países do “resto” sem chances concre- muitas lições que podem ser extraídas das
tas de fazerem catch up nas próximas décadas, contribuições de Furtado e Amsdem. Dentre
o que por sua vez compreende a maioria dos as mais importantes pode-se destacar que a
países do “resto”. (Fiori, 1997; 1999). Neste caso, industrialização perde muito do seu sentido e
o termo subdesenvolvido traduz melhor a do seu efeito se não criar condições concretas
condição dos países do “resto”, para os quais a para uma trajetória de catch up. Um processo
industrialização não foi capaz de lhes levar à de industrialização que não gabarita um país
superação de desvantagem no sistema-mundo. a “fazer” tecnologia manterá a dependência
Não obstante, cabe ressaltar que a industrializa- tecnológica e, possivelmente sob esta condição,
ção foi capaz de produzir mudanças estruturais não ocorrerá mudança na posição relativa de
que provocaram saltos em seus indicadores um Estado qualquer, dentro do sistema-mundo,
econômicos e/ou sociais. para uma condição mais favorável.
Mas, passada a oportunidade de disputar poder Outra evidência importante é a de que uma
e riqueza no sistema-mundo, é preciso ter em industrialização dada por meio da instalação de
conta que industrialização sem catch up não subsidiárias de multinacionais bloqueia qual-
resulta em mudança para uma posição mais quer possibilidade de um país endogeneizar
favorável no sistema-mundo. Diante da emer- o progresso técnico, passar de uma estratégia
gência das cadeias globais de valor (CGV), que de “comprar” tecnologia para uma de “fazer”
figuram como o mais dinâmico modelo de de- tecnologia e, portanto, fazer catch up. Pois se a
senvolvimento na fase atual, tornando, por seu instalação de multinacionais tende a expulsar
turno, ainda mais escassas (há quem defenda as empresas nacionais das manufaturas, por
que impossíveis) as chances de construir um outro lado, aquelas transferem capacidade de
sistema econômico nacional, o que pode esperar produção sem, no entanto, transferirem suas

112
atividades de P&D e a geração de inovações. como uma potência industrializada altamente
Os gastos com capacidades tecnológicas são competitiva assume grande importância para
feitos, normalmente, apenas para adaptar uma os demais países do continente. Inclusive o
tecnologia estrangeira aos padrões locais. Deste “modelo” japonês inspirou países como Coreia,
modo, o ônus de P&D recai quase que exclusi- Taiwan e China e mostrou-se muito mais pro-
vamente sobre o Estado. Assim, qualquer even- fícuo ao desenvolvimento que o modelo norte-
to que mine a capacidade de gastar do Estado -americano, fonte de inspiração para os países
leva os gastos com P&D de economias deste latino-americanos.
tipo a desaparecerem.
Contudo, o êxito de Coreia, Taiwan e China em
As condições histórico-estruturais precedentes à suas trajetórias industrializantes não pode dei-
derrocada da industrialização são fundamentais xar de ser creditado, também, a fatores de or-
ao desenho que esta assumirá. O tipo de expe- dem geopolítica, não desmerecendo de forma al-
riência manufatureira e o grau da desigualdade guma as características das estruturas internas
na distribuição da terra e da renda lançaram os e a importância da ação do Estado. Todavia,
países do “resto” em dois modelos de desenvol- não dá para desconsiderar que justamente os
vimento, com similitudes e diferenças. Neste três países antes mencionados foram os últimos
sentido, em condição privilegiada estavam os “convidados” para o desenvolvimento, receben-
países com experiência manufatureira colonial do benesses político-diplomáticas e econômicas
vinda do Japão e que, ao mesmo tempo, go- dos Estados Unidos.
zavam de baixo nível de desigualdade socioe-
Se nos anos que seguiram a II Guerra Mundial
conômica ou étnica, inclusive por terem sido
o “resto” latino-americano levava vantagem
objeto de uma ampla reforma agrária (Coreia e
frente ao “resto” asiático em termos do percen-
Taiwan).
tual das manufaturas na produção total, dos
A dinâmica regional também impacta a tra- anos 1990 em diante esta situação reverteu-se
jetória de desenvolvimento dos países indivi- fortemente em favor dos países asiáticos. Tem-
dualmente. Neste quesito, os países asiáticos -se, então, uma situação em que a maior parte
possuem ampla vantagem frente aos países da dos países do “resto” asiático permanece em
América Latina. O dinamismo do comércio larga desvantagem frente a Coreia, Taiwan e
intrarregional asiático remonta ao período do China (por exemplo, Malásia, Tailândia, Indo-
pré-guerra e mantém-se em tendência crescente. nésia). Por seu turno, olhando para o “resto” sob
Além disto, a existência do Japão no continente uma ótica regional, sem dúvida os países do

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“resto” latino-americanos estão ficando cada vez Bibliografia
AMSDEM, A. A ascensão do “resto”: os desafios ao ocidente
mais para trás. de economias com industrialização tardia. São Paulo: Unesp,
2009.
Ademais, todas as condições apontadas como
CHANG, H. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimen-
indispensáveis a um “salto qualitativo” na dis- to em perspectiva histórica. São Paulo: Unesp, 2003.
puta interestatal se encontram ausentes ou são CAPUTO, A. C. & MELO, P de. “A industrialização brasileira
nos anos 1950: uma análise da Instrução 113 da SUMOC”. Texto
escassas no caso dos países da América Latina, para discussão – Faculdade de Economia da UFF, n. 232, março
a saber: favoráveis condições intrarregionais (e de 2008. Disponível em: <http://www.uff.br/econ>. Acesso em:
10 de maio de 2014.
também geopolíticas); acúmulo de habilidades
EVANS, P. A Tríplice Aliança: as multinacionais, as estatais e
nacionais e capacidades tecnológicas em grau o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
suficiente para promover o desenvolvimento de
FINDLAY, R.; O’ROURKE. Power and plenty: trade, war, and
tecnologia autóctone, que alcance os setores de the world economy in the second millennium. United King-
alta tecnologia; um baixo grau de desigualdade don: Princeton University, 2007.

interna, capaz de gerar coesão/unidade nacio- FIORI, J. L. (Org.). “A nova geopolítica do sistema mundial no
século XXI”. In: Estudos comparativos dos sistemas de inovação
nal. Diante de tudo isto seria insensato defender no Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – BRICS. Rio de
Janeiro. 2007. Disponível em: <http://brics.redesist.ie.ufrj.br/
Pérez (2012) em sua proposta de desenvolvi- nt_count.php?projeto=br11&cod=17>. Acesso em: 15 mar. 2014.
mento para a América Latina a partir de uma ________. “De volta à questão da riqueza de algumas
nações”. In: FIORI, J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvi-
estratégia baseada em recursos naturais? Seria mento das nações. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999.
isto resignação ou realismo? A questão colocada ________. “Estados, moedas e desenvolvimento”. In:
não objetiva defender a posição de Pérez, mas FIORI, J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das
nações. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999a.
somente colocá-la como elemento para uma
________. Globalização, hegemonia e império. In:
reflexão a respeito da situação de atraso eco- FIORI, J. L. & TAVARES M. C. (Orgs.). Poder e dinheiro: uma
economia política da globalização. Petropólis-RJ: Vozes, 1997.
nômico da América Latina, dado que, diante
________. “O nó cego do desenvolvimentismo brasilei-
das considerações feitas no presente trabalho, ro”, Revista Novos Estudos, n. 40, São Paulo: Cebrap, p. 125-144,
é possível imaginar um cenário cada vez mais novembro de 1994.

truncado para o referido continente em termos FIORI, J. L. & TAVARES M. C. (Orgs.). Poder e dinheiro: uma
economia política da globalização. 2ª ed. Petropólis-RJ: Vozes,
da possibilidade de superação do atraso tecno- 1997.

lógico e de dependência externa. Além disto, é FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico.
São Paulo: Paz e Terra, 2000.
contínuo e crescente o distanciamento dos paí-
________. Análise do modelo brasileiro. Rio de Janeiro:
ses latino-americanos frente aos países asiáticos. Civilização Brasileira, 1978.

________. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1974.

114
________. A hegemonia dos Estados Unidos e o subdesen- Notas
volvimento da América Latina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973.
1. A este respeito, ver Fiori (2007).
________. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de
2. Conforme tão cedo explicitado por List (1980), em meados
do século XVIII.
Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.

HOBSBAWM, E. Da revolução industrial inglesa ao impe-


3. Problema que seria resolvido ou atenuado se estas econo-
mias passassem por um processo de reforma agrária. (Lessa,
rialismo. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional/Forense
2001)
Universitária, 2011.

LESSA, C. “O parto sem dor do Estado Nacional Brasileiro, e


4. A formação de tais sistemas constitui uma fase que permi-
te integrar as estruturas internas e homogeneizar a tecnolo-
com muita dor, da economia nacional”. In: FIORI, J.L. & ME-
gia (Furtado, 1961). Segundo Furtado (1961) os países que se
DEIROS, C.A. Polarização mundial e crescimento. Petrópolis-
industrializaram em reação à Revolução Industrial inglesa
-RJ: Vozes, 2001.
conseguiram criar sistemas econômicos nacionais (Estados
LIST, F. G. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Unidos, Alemanha e Japão).
Nova Cultural, 1989.
5. Neste sentido, Tavares (1998; 1998a; 1999), ao analisar com
MEDEIROS, C. A. “China: entre os séculos XX e XXI”. In: maestria o processo de industrialização brasileiro, mostra
FIORI, J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das seus múltiplos problemas estruturais, seja no âmbito da
nações. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999. estrutura produtiva, seja pela demanda e, portanto, em
convergência com Furtado, sua incapacidade na superação do
________. “Globalização e a inserção internacional subdesenvolvimento.
diferenciada da Ásia e da América Latina”. In: FIORI, J. L.
& TAVARES M. C. (Orgs.). Poder e dinheiro: uma economia 6. De certa maneira, embora sem nenhuma grande transfor-
política da globalização. Petropólis-RJ: Vozes, 1997. mação estrutural, a gestão do PT (desde que Lula assumiu
a presidência pela primeira vez em 2003, até o presente, sob
MEDEIROS, C. A. & SERRANO F. “Padrões monetários a gestão de sua sucessora Dilma Roussef, reeleita para o seu
internacionais e crescimento”. In: FIORI, J. L. (Org.). Estados segundo mandato que se iniciará em 2015, foi capaz de pôr
e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis-RJ: Vozes, em marcha um amplo processo de difusão do consumo. Isto
1999. ocorreu por meio de programas sociais e uma política de
valorização do salário mínimo. Mas, sem transformações
SERRANO, F. “Relações de poder e a política macroeconô- estruturais na estrutura produtiva e diante de uma política
mica americana, de Bretton Woods ao padrão dólar flexível”. macroeconômica “perversa”, este processo de difusão do
In: FIORI, J. L. (Org). O poder americano. Petrópolis: Editora consumo foi acompanhado por uma explosão nas importa-
Vozes, 2007. ções. Por seu turno, não deve ser desconsiderada sua relevante
dimensão social.
PÉREZ, C. “Una visión para América Latina: dinamismo
tecnológico e inclusión social mediante una estrategia basada 7. Este aspecto parecia causar grande inquietação em Furta-
en los recursos naturales”, Revista Econômica, Niterói, v. 14, n. do (1961; 1974).
2, p. 11-54, dezembro 2012.
8. Enquanto a informação é factual, o conhecimento é
TAVARES. M. C. “Império, território e dinheiro”. In: FIORI, conceitual, cumulativo e tácito. Assim, dadas suas caracterís-
J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. ticas especiais, ativos baseados no conhecimento comportam
Petrópolis: Vozes, 1999. capacidades tecnológicas de três distintas ordens: capacidades
de produção, capacidades de execução de projetos, e capa-
________. Acumulação de capital e industrialização no cidades de inovação. Respectivamente, estas constituem: as
Brasil. Campinas-SP: Unicamp – Instituto de Economia, 1998. habilidades necessárias para transformar insumos em produ-
tos; as habilidades necessárias para aumentar a capacidade e
_______. Ciclo e crise: o movimento recente da indus- as habilidades de criar produtos e processos inéditos. Estas
trialização brasileira. Campinas-SP: Unicamp – Instituto de habilidades, por seu turno, permitem produzir e distribuir um
Economia, 1998a. produto acima dos preços prevalecentes no mercado (ou seja,
leva a uma redução no custo). (Amsdem, 2009, p. 29-30)
WHITTAKER, D. H.; ZHU, T. et. al. Compressed develop-
ment, 2010. Disponível em: <https://www.researchgate.net/ 9. É justamente esta experiência manufatureira do pré-guerra
publication/227329184_Compressed_Development>. que diferencia o “resto” do “resquício”, dado que as economias
que não a experimentaram não conseguiram pôr em marcha

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um projeto de industrialização depois da II Guerra Mundial, 19. O índice de Gini para a terra em 1960 era de: 0,86 na
como ocorreu com os países do “resto”. Empregando os ter- Argentina; 0,83 no Brasil; e 0,62 para o México; 0,58 na Índia;
mos de Furtado (1961; 1974), a distinção é feita entre economias 0,35 na Coreia; 0,45 em Taiwan; e 0,6 na Turquia. O índice de
subdesenvolvidas de grau superior (são aquelas que se indus- Gini para a renda, entre 1986-95, era de 0,6 para o Brasil; 0,57
trializam), e economias subdesenvolvidas de grau inferior para o Chile; 0,3 para a Índia; e 0,5 para o México.
(aquelas que não se industrializam, de modo que as mudanças
estruturais são tímidas). 20. Entre as 50 maiores empresas do “resto”, as da Coreia
totalizavam 26, todas de propriedade nacional e privadas.
10. Segundo Amsdem (2009, p. 138), o investimento em três Entre os maiores grupos manufatureiros do “resto” os da
frentes é justificado por Chandler Jr. como responsável pelo Coreia perfaziam 21 (Amsdem, 2009, p. 414). Segundo Amsdem
sucesso da moderna empresa comercial. (2009, p. 414): “a inclinação pelo grande porte foi deliberada
por parte do governo coreano, que tinha o zaibatsu japonês
11. CHANDLER JR., A. D. Scale and scope: the dynamics of como modelo e acreditava na importância de economias de
industrial capitalism. Cambridge, Mass.: Harvard University escala e escopo”.
Press, 1990.
21. Sobre a disputa interestatal e a importância das políticas
12. Posteriormente (da década de 1980 em diante), a China mercantilistas para que um dado país possa melhorar sua
também adota uma política comercial inspirada na do Japão e posição relativa no sistema-mundo ver Chang (2003) e Fiori
também passa a exibir um padrão superexportador. (1999a e 2007).
13. O’BRIEN, P. K. “Intercontinental trade and the develo- 22. E a China, mais recentemente. Porém, a análise de Ams-
pment of the Third World since the Industrial Revolution”, dem não se debruça sobre a China, tendo em vista a aceleração
Journal of World History, 8(1), p. 75–133, 1997. de sua industrialização só começar em fins dos anos 1970, com
as reformas de 1978 e as relações privilegiadas estabelecidas e
14. Sua própria posição hegemônica como emissor da moeda propiciadas com os Estados Unidos. Para uma análise sucinta
internacional que, desde a instituição do padrão dólar flexí-
mas esclarecedora do caso chinês, ver Medeiros (1999).
vel, lhe exime totalmente da condição de restrição externa ao
crescimento, tendendo a resultar numa postura de política 23. A este respeito, ver Medeiros e Serrano (1999). Eles
comercial passiva. Sobre o significado geopolítico e econômi- mostram os padrões de crescimento que resultaram de cada
co da gestão do padrão monetário internacional pela potência padrão monetário internacional (padrões ouro-libra, ouro-
hegemônica, ver Serrano (2007). -dólar e dólar flexível). Dentre as inúmeras conclusões do
trabalho, nota-se que, para um dado país que busca fazer catch
15. Para uma análise detalhada do caso do Brasil, ver Evans up e mudar sua posição no sistema-mundo, dentre as várias
(1980).
condições histórico-estruturais internas, são de fundamental
16. Entre as 50 maiores empresas manufatureiras do “resto” importância: o formato do padrão monetário internacional
de todos os tipos, em 1993 (definidas como tendo pelo menos e o tipo e a forma das relações estabelecidas com a potência
50% da propriedade patrimonial estrangeira), apenas 7 hegemônica.
eram multinacionais e todas operavam na América Latina.
(Amsdem, 2009, p. 370) O Brasil teve 7 representantes nas 50
24. A própria crise da dívida, que assolou principalmente
os países da América Latina, guarda estreita relação com
maiores empresas do “resto”, mas destas 2 eram estatais e 5
decisões políticas tomadas pela ação da potência hegemônica
eram multinacionais (dentre as quais 4 eram montadoras de
(Medeiros, 1997). O fato de nenhum dos países latino-ameri-
automóveis). (Amsdem, 2009, p. 371)
canos também nunca terem sido “convidados” pela potência
17. Para o caso do Brasil, ver Caputo e Melo (2008), que tra- hegemônica ao desenvolvimento tem sua explicação em ques-
tam exclusivamente da Instrução 113 da SUMOC, responsável tões de ordem geopolítica.
pela entrada de todo o investimento estrangeiro entre fins da
década de 1950 e início da década de 1960.
25. Ver Findlay e O’Rourke (2007).
18. Em Furtado (1978) e Tavares (1998 e 1999) tem-se que a in- 26. O abandono da potência hegemônica de uma postura
benevolente para uma postura agressiva, desmantelando o
dustrialização reforçou a tendência inerente à concentração da
padrão monetário internacional instituído em Bretton Woods,
renda no Brasil. Ambas as análises mencionadas, consideran-
no início dos anos 1970, dissolveu o cenário propício ao desen-
do pelo menos o caso do Brasil, contrariam os argumentos de
volvimento, fundamental à consolidação da industrialização
Amsdem (2009), dado que Furtado e Tavares não constatam,
do “resto”. (Fiori, 1997)
na condução política da industrialização, uma preocupação
com a ampliação da concentração mas, ao contrário disto, 27. Ver: Whittaker; Zhu et. al. (2010).
medidas políticas que levavam ao seu deliberado aumento.
As reformas do PAEG, em 1964, são uma prova disto (ver
Furtado, 1978).

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28. Diante do fosso em termos de habilidades e capacidades
tecnológicas que separa os países latino-americanos do “resto”
das economias mais avançadas e das asiáticas mais dinâmicas
(em vias de fazerem catch up) e do crescente dinamismo da
economia mundial em direção à Ásia, acredito que a proposta
de Pérez (2012) para a América Latina não é de todo sem
fundamento. Pérez propõe uma estratégia de desenvolvimen-
to para a América Latina assentada em recursos naturais
e, frente ao exposto, pode-se pensar: que alternativas mais
críveis de serem alcançadas se colocam diante da América
Latina na situação atual? Vemos que da última década para
cá os avanços da América Latina se dão mais no campo social
do que no econômico (o que não deixa de ser uma conquista),
mas mudanças profundas na estrutura produtiva da América
Latina parecem cada vez mais impossíveis de serem alcança-
das. À medida que os países do continente asiático vão ocu-
pando mais espaço no sistema-mundo, frente a uma economia
mundial estagnada, mais difícil vai ficando a situação para os
países dos continentes africano e latino-americano.

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