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Crngio PaTRISTICA Apasteos. Clemente Remar =n riba Hema Pap o90 eam Tao. Justine de oma so doe smiolas (391) ~Scbva ae exer = Sabra a penitence 650 Dia menage Same same 105-80 10. Gono 1b AG Sarno 18: AGnem th Sarto oat 18: bona to mane s: Agostino Aapstngo 8 imagem do homam ~ Tac incade consagrada = Os bons ds ‘hives: Catae a Preoa ea julans, &. gating 17, Rata ort, Se 18, Canta a3 pagdos A encamaedo do Vorbo ~ Apotoain a0 imperader 19. Averdadara 08, 8. Agostino SANTO AGOSTINHO A DOUTRINA CRISTA Manual de exegese e formacao crista aulus APRESENTACAO Surgiu, pelos anos 40, na Europa, especialmente na Franca, um movimento de interesse voltado para os anti- gos escritores cristdos e suas obras conhecidos, tradicio- nalmente, como “Padres da Igreja”, ou “santos Padres”. Esse movimento, liderado por Henri de Lubac e Jean Daniélou, dew origem é colegco “Sources Chrétiennes”, hoje com mais de 400 titulos, alguns dos quais com varias edligies. Com 0 Coneilio Vaticano II, ativou-se em toda a Igreja 0 desejo ¢ a necessidade de renovacdo da liturgia, da exegese, da espiritualidade e da teologia a partir das fontes primitivas. Surgit a necessidade de “voltar ds fon 00" do eristianiomo. No Brasil, em termos de publicagao das obras destes autores antigos, pouco se fez. Paulus Bditora procura, agora, preencher este vazio existente em lingua portugrue- sa. Nunca ¢ tarde ou fora de época para rever as fontes da fé eristi, os fundamentos da doutrina da Igreja, especial- ‘mente no sentido de buscar nelas a inspiragdo atuante, transformadora do presente. Nao se propie uma volta ao passado através da leitura e estudo dos textos primitivos como remédio ao saudosismo. Ao contrario, procura-se oferecer aquilo que constitui as “fontes” do cristianismo para que leitor as examine, as avalie e colha oessencial, oespirito que as produziu. Cabe ao leitor, portanto, a. ta refa do discernimento, Paulus Bditora quer, assim, ofere- cer ao puiblico de lingua portuguesa, leigos, clérigos, reli APRPSENTAGAO 6 _udosos, aos estudiosos do cristianismo primevo, une ssrie de titilos, néo exaustiva, cuidadosamente traduzidos ¢ preparados, dessa vasta literatura crista do pertado patristico, Pura nao sobrecarregar 0 tex dar « leiture, Lar anolugees excessivas, as longs Dutra amos de versdes diferent procurot-s ducdes estabelecendo paraleli com referéncias avs empréstimos da literatura. posi, sofiea, religivsa, juridica, as infindas controvérsias sobre determinados textos e sua cutenticidade. Procuros-se fi zer com que o resultado desta pesquisa original se tredu Zisse numa edigdo despojada, porém, seria. Cada autor ¢ cada obra terdo uma introdugéo breve com. os dlados biogréficos essenciais do autor e um corsen- tério sucinta dos aspeetos literdrios e do contetido da obra sufielontes para wna boa compreenséo do texto, O que interessa ¢ colocar 0 leitor diretamente em contato com 0 texto, O leitor deverd tor em mente as enarmes diferengas do ginoros literdrios, de estilos em que estas obras foram redigidas: cartas, sermées, omenttirios hiblicos, paréfra- , exortagdes, disputas com os hereticos, tratadas told igicos vuzados em esquemas e categorias filosificas de ten déncias diversas, hinos litirgicos. Tudo tsso inelui, necessariamente, uma disparidade de tratamento e de esforco de compreenso.a um mesmo tema. As constantes, e por vezes longas, vitagoes biblicas ou simples transeri Ges de textos escrituristicos, devem-se ao fato que os Pa- dres escroviam suas reflexdes sempre com a Biblia numa das maos. Julgamos necessério um eselarecimento a respeito dos termos patrologia, patréstica e padres ow pais da Igreja O termo patrologia designa, propriamente, o estudo sobre a vida, as obras e a doutrina dos pais da Igreja. Bla se interessa mais pela historia antiga incluindo também obras de escritores leigos. Por patristica se entende oestu APRESENTAGAO do da doutrina, as origens dessa doutrina, suas depen- dencias ¢ empréstimos do meio cuttural, filoséfico e pela evolugao do pensamento teoldgico dos pais da Igreja. Foi no século XVI que se criow aexpressao “teologia patréstica” para indicar @ doutrina dos padres da Igreja distinguin do-a da “teologia biblica”, da “teotogia escotdstica’, da teologia simbélica” ¢ da “teologia es ”. Final- mente, “Padre ou Pai da Igreja” se refore a escritor leigo, sacerdote ou bispe, da antiguidade crista, considerado pela tradigéo posterior como testemunko particularmen. iv autorizado da fé. Na tentativa de eliminar as ambigtii dades em torno desta expresséo, 08 estudiosos convencio- naram em receber como "Pai da. lgreja” quem tivesse estas qualificacdes: ortodoxia de doutrina, santidade de vida, aprovacéo eclesidstien ¢ antiguidade. Mas, os préprios conceitos de ortodoxia, santidade e antiguidade sao am- biguos. Néo se espere encontrar neles doutrinas acaba das, buriladas, irrefutdueis. Tudo estava ainda em ebuli- go, fermentando. 0 conceito de ortadoria é, portanto, bastante largo. O mesmo vale para o conceito de santida- de, Parao conceito de antiguidade, podemos admitir, sem prejuizo para a compreensi, « opinido de muitos espe: cialistas que estabelece, para o Ocidente, Iareja latina, 0 periodo que, a partir da geracdo apostilica, se estende até Isidoro de Sevilha (560-636). Para o Oriente, Igreja gre: 4a, @ antiguidade se estende um pouco mais até a morte de S. Joao Damasceno (675-749). 05 “Pais da Igreja” sao, portanto, agueles que, ao longo dos sete primeiros séculos, foram forjando, cons- iruindo e defendendo a fé, « liturgia, a disciplina, os cos- tumes, e 03 dogmas eristéos, decidindo, assim, 08 ramos da Igreja. Seus textos se tornaram fontes de discussdes, de inspiragées, de referencias obrigatérias ao longo de toda tradigao posterior: O valor dessas obras que agora Paulus Editora ofereee ao priblico pode ser avatiado neste texto: SSENTAGAO 8 “Além de sua importancia no ambiente eclesidstico, os Padres da Igreja ocupam lugar proeminenie na titerain- ra e, particularmente, na literatura greco-romana. Sto eles os tiltimos representantes da Antiguidade, cuja arte literdria, néo raras vezes, britha nitidamente em suas obras, tendo influenciado todas as literaturas posterio res. Formaddos pelos methores mestres da Antiguidace classica, péem suas palauras ¢ seus escritos a servigo do pensamento cristao. Se excetuarmos alstumas obras reto- ricas dle cardter apologético, oratério ou apuradamente epistolar, os Padres, por certo, néo queriam ser, em pri meira linha, literatos, e sim, arautos da doutrina e maral cristas. A arte adquirida, nao obstante, vem a ser para eles meio para aleancar este fim. (...) Ha de se thes apro- ximar 0 leitor com 0 coragio aberto, cheto de boa vontade @ bem disposto & verdade crista. As obras dos Padres se Ihe reverterdo, assim, em fonte de luz, alegria e edificastio espiritual” (B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, S. Paulo, Paulus, 1988, pp. 21-22), AEditora “De tudo 0 que foi dito, esta & a suma: que se entenda ser a plenitude e 0 fim da Lei, como de toda a Bseritura divina, 0 amor aquela Coisa que sera 0 nosso goz0, e 0 amor dos que podem partithar conosco daquela fru (,35,39). “Ser orante, antes de ser orador” AV, 15,82), TNTRODUCAO a, Dados e ocasido da obra Santo Agostinho camegou a er o De doetrina christiana no inicio de seu episcopado, em 397. Redigia entio os trds primeiros livros, mas sé veio a terminar obra em 426 ou 427, anexando mais 13 capitulos ao ter- cciro livro © cmpondo todo 0 quarto, ‘Temos assim uma obra que Iovou trinta anos para ser completada! Ao se dedicar a revisio de sens escritos, no fim da vida, consta- tando essa obra inacabada, quis terminé-la, Diz-nos tex- tualmente, nas Retractationes “Tendo encontrado inacabados os livros de De elocerinar christiana, ea profori finds-los a deix-los assim ¢ eonti- nuar a rever as Outras obras. Complete, pois, o terceire livro que havia escrito até a passagem onde é lembrado 0 que diz.o evangelho a respeito da mulher que mistura 0 fermente em tres modidas de farinha até que tudo far- mente (I1I,25,35). Anexei também um ‘iltimo livro © ter- minei esta obra em quatro livros, Os trés primeiros aju dam a compreender as Bserituras e o quarto indica como 6 preciso exprimir 0 que foi entendido” (Retraet. 11,41) A conclusio da obra deve ter sido feita no fim do ano 426 ou no inicio de 427, porque em TV,24,50 0 autor faz alusdo a um sermio que pregara havia mais de oito anos, em Cesaréia da Mauritania. E sabemos, por outras fon- tes, que isso se dera em 418. Ao retornar a obra apds tao INTRODUGAD 2 longa interrapedo, nao parece provavel que a tena remanejado. Limitou-se a completi-la, como ele mesmo o indica. O que ndo impediu a divalgacio do livro incom- pleto. Bm Contra Fausium, escrito em 400, eneontramos alusdo a passagem de A doutrina cristé (I1,40,60), aque fala dos egipeios despojados polos hebreus por ordem de Deus (C. Faustum 22,91). Portanto, a obra jé era de do- niinio pubblico. b, Apreciagdes de alguns agostindlogos E. Portalié, em seu famoso artigo sobre santo Agos- tinho no Diciondrio de teologia catotica,? afirma que De doctrina christiana 6 verdadeio tratado de exegese. “O mais xitil monumento histérico para conhecer o carater da exegese daquela época.” Outros estudiosos, porém, afirmam com vigor que nao se trata apenas de tratado de exegese ou hermeeu- tica, destinado exclusivamente ao clero. E obra de finali- dade essencialmente didstica e pastoral, dirigida a todos 0s cristios cultos, Visa a proporeionar-Ihes 0 contetdo ¢ 0s métodos do boa formacao com base biblica. Gustave Bardy? mostra comoo argumento centrelé a apresentagao de um conjunto de regras que ajudam aen- tender as Sagradas Escrituras. Constitui verdadeira in- trodugtio aos livros inspirados, seguida de métodos de pregagao crista, Revela-nos as preocupagées pastora's de Agostinho como bispo. Nao lhe foram suficientes os tra- balhos exegéticos de ordem tesrica. Logo em seus primei- ros anos a frente da igreja de Hipona, esfargou-se por °R, Portals, “Saint Aoguntin, in Dictionnre de thitagie catholique, Tomo 12, Pass, HSS, eal 25 " Fa: Tandy, Soon Angeatin, Pomme et Foeuore, Pars, 1988, p10, s INTRODUCAG publicar dois valiosos mamuais de formagao: 0 De catechi zandis rudibus® ¢ 0 De doctrina christian. Por qual moti- vo ele parou bruscamente apds ter redigido a primei parte, 86 vindo a finalizar a obra bem mais tarde, é dificil de ser explicado, Em todo caso, A doutrina cristd ocupa lugar muito significativo na histéria de santo Agostinho ia sua vida como na evolugao de seu espirito — para ‘do a estudarmos com o mais vivo interesse. Esse mesmo agostinélogo afirma alhures: “Damos hoje a esta obra grande importancia. verdadeiro trata- do de retérica erista. Os trés primeiros livros sio eonsa- grados a preparaciio basica do orador, isto é, & sua forma- cio e ao estudo da Bscritura Sagrada. O quarto trata da eloquéncia propriamente dita e da a esse respeito os mais sabios conselhos”.* Por sua vez, o Pe. Vietorino Capsnaga, ORSA, na Introduccion general a3 Obras de Santo Agostinho, pu: blicadas pela Biblioteca de Autores Cristianos (BAC),* escreve com entusiasmo sobre 0 De doctrina christiana. Intitula-o: “Um manual de formagiia cultural erista”, ¢ discorre sobre a grande influéneia que veio a exercer na historia da cultura eclesidstica, Ali sao dadas regras de investigagio religiosa para decifrar o pensamento divi- no, Além da observancia de normas morais para aquisi- ao das boas disposigdes do coragdo, o aspirante & cultu- ra crista deve utilizar subs{dios cientificos para chegar & interpretagao eorreta dos livros santos. No dltimo livro, encontram-se 08 melhores preceitos da oratéria antiga, cristianizados. ‘trad em portugues: A insragtidascatecimencs, BA Vase, Petros 934) °G, Randy “Introduction aux Revisions, fn Ribiothigue Augestinienne, 12, Desde de Brpiver, Pati, 3901, 297 ‘Cspnaga, op. lt BAC p14 ANPRODUCAD ry ©. Vistio sintétioa de cade livro Consta.A doutrina eristé de um prdlogo ¢ quatro livros. No Protogo, Agostinho refuta com antecedéncia as objecies de supostos exegetas que sistematicamente mos- tram-se refratarios as regras que elo pretonde proper, 0 livro 1 6 introducio de ordem dogmatica e moral para servir de hase a todo o desenvolvimento ulterior, de ordem téenica. ‘Todo conhecimento, explica santo Agostinho, es: tende-se sobre as coisas ou sobre os sinais (de rebus aut de signis). Ha, pois, que fazer distinefio entre 0 conheei- mento das coisas (doctrina rerum) e 0 conhecimento dos sinais (doctrina signorum) (2,2). A doutrina erista bisea cm primeiro lugar conhecer 0 real — as coisas (res). A elas, ohomem ¢ movido por duas tendéncias: o deseio de fenir, isto 6, gozar ou deleitar-se delas; ¢ 0 desejo de se servir, utilizar-se delas (frui aut uti) (4,4). Todo este pri- meiro liveo ¢ dedicado 20 estudo das coisas, isto , das, realidades a serem descobertas. Entre elas, a suprama, coisit — se assim pode ser chamada — é Deus ‘Trindade, Dele s6 se ha de fruir por ele mesmo (Stnma res euae fruendam est propter seipsam) (5,5 ¢ 22,20). Das outras coisas, a mais excelente 0 homem. De tudo o quo no 6 Deus se ha de utilizar para chegar até ele, nosso termo al e meta de nosso goz0. Agostinho estuda Deus como ser inefvel, vida e sabedoria, imutavel e eterno, centro de amor de toda eriatura racional (5-10). Mas para che- gar a Deus, o homem tem de purificar seu espirito € n cessita de um caminho, Este camninho é Jesus Cristo: Pri- ma ad Deum via Christus (11-15), Por ele, se ha de caminhar sem se deter nas coisas perecedoras, Bis. em esquema, as verdades dogmaticas apresentadas: Deus, a Trindade, a encarnagao, a ressurreicto, a Igreja, a res- surreigio dos corpos, o inferno, o céu, 0s anjos (5-21) Se- 16 INTRODUGAD guem as verdades morais: a f8, a esperanca, a caridade (22-84). No final, dao-se os prinefpios biisicos da exegese: © reeonhecimento do lugar primordial do amor a Deus € 808 irmaos (35-40). Santo Agostinho assim sintetiza todo este tratado de rebus: a plenitude e o fim da Lei e de to- das as Eserituras é 0 amor da “Coisu’, de quem havemos de gozar ¢ da outra “evisa” — nosso semelhante — que ¢ capaz de gozar de Deus conosco. O reino do amor é a cha- ve do anseio ¢ do repouso do coragio humano (35,39). Livro II ~ 86 0 livro sagrado ¢ digno de ecupar 0 cepirite do cristo verdadeiro, ja que eontém tudo 0 de que necesita para atingir scu fim. A Escritura é toda um conjunto de sinais escritos, iste é, de palavras. B. sobre esses sinais (de signis) que versa este segundo li- vro, As palavras, todas de instituigao humana, eneon- tram-so diversiticadas em varias linguas. Daf a conve- niéneia de conhecermas os signos e as linguas para chegarmos a esclarecer o sentido das livros inspirados. Para o conhecimento desse sentido, ha certas disposi. bes morais necessdrias. Sao as virtudes obtidas pelos dons do Espirito Santo (7,9-11), Esta passagem é, certa. mente, das mais bolas da obra. Quanto a formacao cul tural, o discipulo comecara por seguir as ligdes de gra- mutica a fim de se capacitar a ler o texto da Biblia, Estudard os tropos ou figuras de pensamento, para sa. ber interpretar as palavras ¢ expressdes de sentido fi gurado. Como 0 texto latino da Biblia é traducdo, sera conveniente conhecer o grego, lingua original do Novo Testamento (11,16). Deve-se acrescentar & gramatica outras ciéncias: a historia, a geografia, a historia natu- ral, a astronomia — que é preciso nfo confundir com a astrologia — pois esta relaciona-so com as magias e su- perstigbes, como, por exemplo, os horéscopos (2132-87). ‘Sao ainda recomendadas: as artes mecanicas, a dialética, EXTRODUCAG 6 as matematicas que fardo conhecer o significado simbo- lico dos nimeros, ea miisica. O ciclo termina ccm a dialética e a retorica. O exegeta 6 assim convidado @ possuir uns laivos das mais variadas ciéncias de seu tempo. O programa é amplo, mas todo subordinaéo ao entendimento da Biblia. A lista do Canon complete das Escrituras ¢ apresentada insistindo-se no critério de sua autenticidade (8,12.13). Agostinho trata também das distintas versées da Biblia: a traducdo latina [tala ea grega dos Setenta, a qual considera altamente autori zada (15,22), Como perseguidor da verdade que sempre foi, obispo de Hipona recomenda que tudo o que for acha do de certo nos autores pagdos seja incorporado ao acer- vo da nossa Verdade, como coisa que nos pertence (40,60.61). Termina o livre mostrando a grande diferen- ¢a existente entre os Livros santos ¢ os profanos ¢ a imensa superioridade dos primeiros (42,68). O livro IIT dé-nos as regras da interpretagao. Visa a ensinar-nos a resolver as ambigiiidades da Escritura, De inicio, aquelas que se encontram nos textos tomadcs em. sentido proprio (2-4). Em seguida —as mais complesas e que solicitam maior aplicagdio —, as que se encontram em textos a serem tomados em sentido figurado (5-9). 0 recurso a critica textual é a regra geral para se evitarem as ambigtiidades. Consiste em examinar o contexto, cote- jar as tradugées ou recorrer ao original, Na maior parte das vezes, a ambigiidade decorre de tomar em sentido préprio ou literal 0 que deve ser entendido em sentido figurado (10). Uma série de prinejpios para a ajuda da interpretagdo de tais textos ¢ apresentada. F no caso de haver pluralidade de significagies, déo-se normas para a escolha do sentido exato ou do mais provavel (11-29). Santo Agostinho examina a seguir uma série de regras ‘que odonatista exegeta Ticdnio propde para a descoberta peTRODUGAO do sentido real das Escrituras (20-37). Faz uma critica ‘teriosa dessa valinsa eontribuigae, mas a ser adotada com cautela, Para concluir o livro, ele exalta a necessida- de da oragao para o eniendimento das Sagradas Escritu- ras (37,56), Livro IV — Como ja foi bastante relevado, este livro final é tratado de oratéria sagrada com a exposigao de pro- cossos de expressao. O orador sacro poder aproveitar-se das regras de retérica profana, Ters sempre em conta, po- rém, que é preciso falar mais eom sabedoria do que com elogiiéneia. A finalidade ba de ser: ensinar, deleitar e con- veneer (12,27), Para isso, hi de se servir dos trés tipos de estilo: simples, moderado e sublime, acomodando-os ao tema ¢ ao objetivo (17,34). Apresentam-se viirios exem- plos tirados das Santas Bscrituras, especialmente de sao Paulo e dos Profetas (7 ¢ 20). Igualmente, exemplos de dou: tores da Igreja, eomo sao Cipriano e santo Ambrosio (21). Por fim, Agostinho ensina como misturar os estilos para sustentar a ateneao dos ouvintes, buscando sempre tendam, deleitem-se e submetam-se a Deus (22-28), Sobre- tudo, que 0 orador nao se esquega acima de tudo haver de ser homem de oracdo, porque s6 Deus dé 0 incremento ao que foi plantado. 0 verdadeiro Mestre encontra-se no inte- rior (15,323 30,63), Que o pregador dé o exemplo de sua pré- pria vida e renda gragas pelo feliz éxito de sua pregacao. 4. O modo de composigtio Henri-Irénée Marrou, na sua fundamental obra Saint Augustin et la fin de la culture antique,® faz analise realis- ta do modo de composigao de nosso grande doutor da Igre- ‘ea, Bocca, Paris, 108, pp. 6, 67,70. INTRODUGAO, 8 ja. Em resumo, eis algumas de suas constatagdes: santo Agostinho compe mal, ¢ nao somente quanto a oniem geral, & estrutura de conjunto, que parece entrar em cho- que com a nossa moderna concepeao da arte de compor Por certo, cle nao hesita em propor explicitamente a divi sio do assunto e as distingdes a serem observadas. Uma vez proposto o plano, esforca-se por manté-lo presente a0 espirite do leitor. Por vezes, faz recapitulaedes claras que permitem medir o caminho percorrido, Mas por outro lado, quando procura seguir as elassifieagies propostas, perde-se em caminho. Nao somente 05 seus desenvolvimentos fal- tam em clarezs, mas nao sto metédicos, Acontece-he tra- tar ao mesmo tempo dois assuntos, entrelagando-os em ver de separé-los. O loitor chega assim a perder-se ¢ es quecer qual era o objetivo principal. Af estao algumas ob- servagées apresentadas por um mestre de eritica literaria. Marrou, porém, dia seguir uma explicagio psicoldgien do fato: dizer que Agostinho compe mal & apenas constatar ‘que ele no compse eomo nds estamos acostumados a fa- zer. B por qué? Certamente, devido as exigéncias maispro- € pessoais de seu genio e de sua sensibilidade, Ble compoe dessa mancira porque possui idéias em demasia, porque essas idéias nio possuem contorno bem definido, niio sito ficeis de serem catalogadas. Sao realidades vivas que brotam tumultuosas umas sobre as outras. Agostinho, entretanto, ¢ espirito eminentemente sintético ¢ intuisivo, para o qual todo o universo gravita em torno de uma tinica idéia — a idéia de Deus —, fonte de toda iuz e verdade, que tudo unifica tornando-se 0 centro de todo o edificio construido. B de seu génio que vem o carter tumultsos0 da composigao. Dai a incapacidade radical de se submeter a contornos precisos de plano definido. 9 INTRODUGAG e. Evolueao de Agostinko na compreenséo da Escritura As Confissdes revelam-nos as primeiras reagbes do joven Agostinho em face da Biblia. Sentia-se desiludido pelo estilo vulgar e ingémuo, o qual nao podia comparar- se com a grandifogiténcia de Cic ilo a que estav: habituado (Conf: IIL,5,9). Dos seus 19 aos 28 anos — os nove anos em que permaneceu no maniqueismo — teve, porém, muito contato com a Biblia, Tal cireunstancia tem. importineia que nao pode ser olvidada, se quisermos com- preender as posigdes tomadas apés a sua conversio ao catolicismo. B quando rejeita resolutamente as propos tas maniquéias de por a verdade conquistada pela razio acima de qualquer erenca aceita pela fé. E Agostinho cen- surard também abertamente o método erroneo maniquen de seguir interpretacdo encarnigadamente literal e ma- lévola do Antigo Testamento, Santo Ambrésio, ao repetir com insisténeia a miixi- ma: “A letra mata e o espirito vivifica”, eontribuiu positi- vamente para 0 joven professor de Milo aceitar o eatila alegérico ¢ a autoridade da Igreja na interpretacdo das Escrituras, Agradava-lhe muito esse método empregado por Ambrdsio, a exemplo de Origenes. Além do mais, 0 alegorismo estava na ordem do dia entre os letrados, no plano das obras profanas, Assim, a interpretagdo meta forica foi valioso auxiliar de sua conversiio. Acontecia ainda que tendo ultrapassado o curto pe- riodo de incertezas vivido entre os eéticos do neo-aca- demismo, Agostinho sentia a necessidade de métodos e critérios seguros em que se pudesse apoiar. Assim, a0 inclinar-se a £6, 0 problema de um critério biblico impos- 8¢ com urgéncia.’ O neoconvertido chega enfim a erenga VCE A verdadeirartigito, Bd, Paulina, 2987, caps. 240 26 nyrropugaAo, » de que s6 a Igreja eatéliea poderia Ihe garantir as verda- des a crer. A Biblia apresenta-se-the indissoluvelmente unida ao problema da existéneia da Providéncia eda Pe- dagogia divina, Vé-se, assim, 0 lugar central da Biblia no processo de sua conversa. Em especial, apoiou-se emsiio Joao ¢ nas cartas paulinas.® £. O grande amor pela Sagrada Eseritura Agostino atesta de mil maneiras seu grande amor pelos Livros santos. Nas Confissoes afirma desejar fazer deles as suas delicias: Sint castae deliciae meae Scripturae uae (Conf. X1,2,3). Toda a obra agostiniana deve a Palavra de Deussua cane, seu sangue ¢ a medula de seus ossos. Essa ima~ gem, alids, é de sua autoria. O esseneial de tudo 0 que nos legou, a substancia mais intima de seus escritos com- postos desde seu episcopado vém das divinas Bserituras, De fato, com dificuldade encontrar-se-4 homem que teulia sido mais profundamente penctrado pela Biblia do que o foi Agostinho, Origenes ¢ 0 vidente erudite. Jerd- nimo, o sabio conhecedor das trés linguas biblicas, oexe- geta de métodos cientificos. Agostinho, o homem quelé a Escritura com toda a fé, Desde 08 dias do retiro de C: ciaco até a sua morte, viveu “na” Biblia.” Ninguém, como cle, explorou to a fundo e com tan- to empenho e sutileza os profundos e obscuros recéndi- tos da Biblia, e nunca houve alguém que trouxesse de suas exploragées tal abundancia de preciosos achados. ‘Toda a Idade Média alimentar-se-4 ds suas expensas, ¢ ACh Pe Loge Ciera, San Augustin y la Biblia Introduccion gear, BAG, vol XV, 9p. 417. ‘ee Vander Moen, Sains Augen, pasteur des, «I, Paris, p18 a INTRONUGAO 03 mistieos de todos os tempos Ihe deverao esplendidas iluminagées. Temos de ressaltar ainda o lugar prodigioso da Biblia em suas obras. Cerca de um terco delas Ihe esti expressamente reservado, sob forma de tratados exegéticos ou homiléticos. E nos tratados doutrinais, as citagdes biblicas vém semeadas em profusio. Numero- is sdo as coletdneas feitas dessas citagdes. A resenha de De Lagarde, da Universidade de Gottingen, conta 42.816 citagoes, sendo 13.276 do Antigo Testamento ¢ 29.540 do Novo."” g. Os trabalhos exegéticos Bis 0 elenco das obras exegéticas de santo Agosti- nho:!! A) Reoria da exegese © Adoutrina crista, em quatro livros. B) Comentéirios sobre 0 Antigo Testamento ‘Tres comentarios sobre o Genesis: + De Genesi contra manichaeos, dois livros: No sen- tido alegérico * De Genesi ad litteram, liber imperfectus, um livro incomplete. + De Genesi ad litteram, doze livros. No sentido li- teral Bos trés iltimos livros de Confissdes, em interpre- tagdo alegérica, CE Br Amador del Fuso, Introduce, Homilies, BACX, p20, NCE Portalé,"S ugustinn Deton, Dethedoge cat hula, sl, 2200 za0a! oDUCA 2 * Locutionum in Heptateuchum, sete livros. Sodre 0 sete primeiras livros do AT: os 5 do Pentatevco, o livre de slosué @ 0 dos Jv © Quaestionum in Heptateuchum, sete livros. Mais desenvolvides que as Locutiones. * Adnotationes in Job, notas marginais nao muito ordenadas. * Enarrationes in Psalmos, comentarios sobre os 150 salmos, Obra-prima de eloquéneia popular, de ver- ve e originalidade inimitaveis. C) Eseritos sabre os evangelhios * De consensu Evangelistarum, quatro livros. De muita fineza * Quaestionum Evangeliorum, dois livros. Um so bbre Mateus e ontro sobre Lucas, De sermone Domini in monte, resumo da teolegia moral de Jesus 124 Traetatus in loannis Evangelium, obra magis- tal * 10 Tructatus in Bpistolam primam Ioannis, vers sobretudo sobre a caridade e a unidade da Igreja Ga traduzido em portugues, Paulus). D) Ensaios sobre as cartas de S. Paulo * Expositio quarundam (84) propositionum ex Epistola ad Romanos, fruto dos encontros eom 05, Irmaos do Mosteiro de Hipona. * Epistola ad Romanos expositio inchoata. A dificul- dade o fez. desistir da obra. * Expositio ad Galatas, verdadeiro comentario com, explicagdes do sentido literal de cada versieuls “Publicado pela Pals nm 9 vous, na colegio Patrsten Coletdinea escrituréria ‘elegao de prescrigdes morais, h. Julgamento critico sobre a exegese agostiniana A), Portalié, no seu extenso e famoso artigo sobre santo Agostinho no Dictionnaire de théologie catholique,” apresenta as soguintes apreciagées: £ dificil formular um julgamento de conjunto da exegese agostiniana, tio multiplos sfio os aspeetos de sua obra. Os seus trabalhos biblicos mais notaveis perten- com ow a teoria (De doctrina ehristiana), que é goralmen- te louvada, ow A pregagao, que adota interpretagio misti ca ou alegériea (In Tract. Ionnem, In Psalmos, In I Jo), © nosse género cle ¢ incomparavel; ou ainda referem-se a questies especiais (De consensu Bvang.), € ai admira-se sua profunda penetragio. Comentarios seguidos 56 en- contramos no De Genesi ad litteram. e nos ensaios sobre as cartas aos Romanos e aos Gailatas, Gontudo, € preciso reconhecer que a obra exogetica de Agostinho nao se iguala nem pela extenso, nem pelo carditer cientifico de sao Jeronimo. Trés circunstancias contribuiram para isso: a) Conhecimento insuficiente das linguas biblicas Ele fia o grego com embarago. Quanto ao hebraico, tudo 0 que se pode coneluir, de estudos recentes, 6 que apenas the era familiar 0 pinico, lingua semitica, aparentado ao hobraico, e que era falado na Numidia pelo povo simples descendente dos fenicios. b) A finalidade moral e a motivacao pratiea do mo- ‘mento, visadas por sua pregacio, levavam-no a incontes- taveis abusos do sentido alegsrico. Ot op et ela 2342-2848. INTRODUGAO a ©) Enfim, na polémica, as duas grandes qualidades de seu génio: a paixao ardente do temperamento africa no € @ Sutilidade prodigiosa de seu espirito nao the deixa- vam sempre a ealma necessiria a um exegeta, Entretanto, é notério que a doutrina da inspiracdio deve a santo Agostinho o beneficio de ter sido levada & precisiio, no sentido de um “biblicismo estrito”, isto 4, a da origem divina e, por conseguinte, da inerrancia abso- luta dos Livros santos. O Coneilio Vatieano II reafirmou essa doutrina (ef. Dei Verbum II1,11). Para compreender mos bem a teorin agostiniana da Biblia, porém, é preciso levar em conta as restrigdes feitas por ele proprio ao ad- mitir nos autores sacros, esquecimentos e confusio de nomes. Os 0 figis quanto & esséneia do ren- samento, mas podem-se encontrar divergéncias de orcem ou expressio entre os evangelistas. Cf, em especial o De consensu evangelistarum. liseursos B) O agostiniano Pe. Lope Cilleruelo, na magnifica Introdugdo geral ao ‘Tomo XV da BAC, consagrado ao De doctrina chriotiana c aoa trés Comentéries do Génesia, discorre longamente sobre San Agustin y la Biblia (pp. 3+ 46). Damos alguns tépicos: Todos os entendidos s40 concordes em considerer a obra exegétiea de Agostino da maior importéncia. De fato, ele resolveu grande quantidade de dificuldades que até entdo haviam impedido a marcha progressiva dos problemas biblicos. Empregou termos tais, que as pre~ missas langadas por ele facilitaram mais tarde o encon- tro de solugdes. Fntretanto, sua linguagem oferece 10 poucas dificuldades. Por exemplo, muitas expressoes 280 poderdo ser tomadas ao pé da letra, pois atribuem a Deus ‘oque é apenas obra mediata. Atribui a Providencia divi- na nao somente diversos sentidos literais ¢ nao literais, mas até opiniGes dos intéxpretes ¢ de simples leitores (cf 2 INTRODUCAO A doutr erista 11T,27,88 © Confissoes XII, 18,27;26,36), Alem disso, suas tendéncias exortativas afastam-no nao poueas vezes do sentido hermenéutico certo, E acostu mado como estava a utilizar sua prodigiosa meméri realizar coneordéneias biblicas, as su correspondem ao uso preciso e cientifico a que estamos acostumados em nossos dias. A atracao pela interpretacdo alegérica o levou a to- mé-la como chave de exegese. F no inicio de sua carreira que insiste mais no alegorismo tesrico e pritico. Entende que as Escrituras estdo como que seladas e por vontade divina misteriosa, Nelas, Deus empregou esse método para exercitar-nos na busca e deleitar-nos na descoberta (IL6.7, ¢ ainda em De moribus Eclesiae Catholicae 1,17,30), Julga que interpretar em sentido estritamente literal, & moda dos maniqueus, ¢ ter entendimento car- nal, Bssa sua preferéncia pelo sentido alegorico estava fundamentada principalmente no prineipio de que o AT é figura do NT, e este realizacao daquele (In Vetera, Novum latet, et in Novo Vetus patet) (Quaestiones in Heptateucum 42,13). O modelo de sao Paulo, em GI 4,24, influiu musto nessa opefio. Melhor do que ninguém, Agostinho compreendeu a necessidade de receber continuamente novas luzes. Con- signou os fracos de sua exegese ¢ previu os instrumentos de trabalhos que s6 a Idade Moderna viria proporeionar. Mais do que seus contemporaneos, compreendeu a ne- cossidade de investigar profundamente os chamados “gé- neros literdrios” e as “figuras de linguagem oriental”. Cada ver, mais foi se firmando na diregaa de interpretar a Biblia pela Biblia, isto 6, pelo confronto com passagens paralelas (ef. A doutr. cristd, [11,26,37 ¢ 28,39). Enfim, o bispo de Hipona é filho de seu tempo. Julga- Jo severamente, luz das normas modernas, seria injus- tiga. A santo Agostinho se ha de julgar dentro das cir- INTRODUGAO 26 cunstancias que 0 rodeavam e somente a essa luz apre- ciar sua obra pessoal. Todos reconhecem que ele pode orientar, até hoje, certos problemas de exegese, Foi pre: cursor de nossos dias. Advoga a naturalidade na expres- sao © a busca da eritiea textual. Convém nunea esquecer que a exegese atual serve-se de meios téenicos, instrumentos de trabalho, descober- tas, cscavagées, conhecimento de literaturas orientnis,dos generns literarios do tempo, dos métodos utilizados anti gamente na composieo dos livros, coisas que Agostiaho nao podia estar em condigoes de utilizar i. A inspiragao biblica ‘Tradicionalmente, costuma-se empregar 0 termo “ins: piracdo” para designar a propriedade fundamental de a Biblia ser escrita sob a ado divina, Agostinho emprega o termo, mas no em sentido téenieo o exclusive. Paracle, ‘a inspiracao identifica-se com iluminacao. Certas expressdes agostinianas foram sempre adota- das pela Tradicao, como, por excmplo: Deo inspirante ‘sta conscripta sunt (De civ. Dei 15,8,1), Spiritu Sancto dictente dicti et conseripti sunt (n Ps 62,11,1). Tais formulas co- nheceram muita ressonancia, inclusive em Tomas de Aquino, ‘Sao dois os fatores ou autores a serem reconhecidos no conceito de inspiragio: o divino e o humano. Deus —~ seja o Pai, scja o Filho, seja ainda o Bspfrito Santo — “ak por meio dos hagidgrafos (cf. A doutr. erista 11,5,6;113,7- 8; IIL,27.38). “A Biblia é livro de Deus, carta que nesso Pai celeste nos envia da patria’ (In Ps 26,0). “O Esi to de Deus fala, mas por meio dos homens” (De civ. Dei 18,43; 18,41,3). A Loi foi escrita pelo dedo de Deus, e por esse deo entende-se o Espirito Santo, “Os hagiégrafos 7 ByTRODUCA sao ‘dedos de Dous’” (In Ps 8,7). Cf. também Confissées vit ‘Agostinho realea o fator divino, porque deseja por sempre em relevo a antoridade da Biblia. Diz-nos que a Biblia é documento divino. “E a voz de Cristo” (Os Christi Evangelium est) (Sermo 85,1, As afirmagoes agostinianas sao tio altissonantes que devem ser lidas com certo euidado, Entretanto, ele tam: bem poe em relevo o fator humano, Deus nao falou por si préprio, mas elegeu homens para falar por meio deles. Quem fala ¢ sempre um homem que o faz em nome de Deus, comunicando-nos as palavras de Deus. O hasgio- grato, porém, sr suas intengoes pr6} (De tv. Dei 15,8,1). A contribuicao humana é posta em evidéncin em muitas passagens, Desse modo, a Biblia para Agostinho é humana e divina, tanto por sua origem como por seu conterido. Exela- ma cle nas Confissées (XUIT,29,44): “Senhor, por acaso n&o serd verdadeira a tua Bseritura, ditada que foi por ti, que verdadeiro, ou melhor, que és a propria Verdade?” as e pessoais J.-A inspiracdo verbal Constitui abuso citar Agostinho em seu desabono, na discussio moderna ¢ téeniea sobre a inspiragio ver bal. Para melhor compreender a posigdo agostiniana, te- mos de evoear 0 mative que 0 levou a adotzila, Os mani- queus exeandalizavam-se com certas palavras biblieas. Agostiaho faz a apologia dessas palavras. Cf. em espe cial o Contra Faustum. Afirma que esses termos sio de autoria divina sem nenhuma distineao: “Deus quis usar essas palavras” (Deus his etiam verbis uti voluit} (Contra Adimantum 1; doutr. crista 11,6.). Da mesma manei ra, em relacio as palavras obscuras, ele alega que o V. INTRODUGAD 28 bo fez-se palavra humana antes de se fazer earne, “Quan. do o evangelista escolhe uma palavra, tal esealha deve ser atribuida a Deus’. Pode-se dizer que algumas metéforas agostinianas sio exageradas, tais como: “os hagidgrafos sio méos de Cristo, escrevem sob o ditado de sua Cabega”. “Deus nos cura precisamente com esse jogo deleitoso das palavras biblicas obscuras” (A verdadeira religido 50,98). Compreendemos assim a constante preocupagéo de Agostinho pelos signos verbais, isto 6, pelas palavras en- quanto palavras. Sobretudo, leia-se, a esse respeito, o De Magistro (e em De doctrina christiana I1,2,3). Ble cré que somente por meio dos signos chega-se ao pensamento e & vontade do hagidgrafo e i de Deus (ibid.,11,5,6). Acomoda-se Deus & nossa Tinguagem, as nossas figuras literrias © 6 hem ele que move os labios e a pena do escritor sacro."* 1. “A doutrina crista’” e 0 problema da cultura Disseimos, no infcio desta introduyle, que o presente liveo nao € exclusivamente obra exegética, mas contém também todo um programa de formacao cultural combase biblica. Agostinho, 0 pedagogo de outrora, uma vez feito Mestre da Igreja, quer que a ciéneia seja conhecida e que se faca bom uso dela, pois 86 0 saber ndo basta para al- guém ser sébio, J em Cassiciaco, ele fizera o plano de uma obra en- ciclopédiea que deveria tratar, com espirito cristo, os sete ramos tradicionais da “ciéneia” de ento — tudo o que na Tdade Média constituira as artes liberais. Naquela oca- Hct, Pe, Lope Cilleruto, San Agustin y bx Bible, Introduce genera BACXY, 0 INTRODUGAO sido, o neoconvertido nao conseguiu ir além de um trata- do sobre a Gramatica e outro sobre o Ritmo (De musica). 0 primeiro perdeu-se, ¢ um De Grammatica Liber, que por longo tempo lhe foi atribuido, 6 apéerifo. projeto ambicioso teve de ser abandonado devido a seus novas eneargos na Igreja. Com os anos, Agostinho chegou a abracar nova concepeao de cultura crista, de fo ma definitiva e de modo mais sistemstico. Encontramos esse plano nos quatro livros de “ciéncia crista”, o presente manual, especialmente no livra II, nos eaps. 16 a 41 Até ento, a Igreja nao possuira nenhum trabalho dose género, Mais do que qualquer de seus antecessores, ‘© bispo de Hipona sentia-se qualificado para isso, gracas a sua formacdo de cultura elassica. Nao aconteceu que ele tenha recaleado suas origens, porque soube ultra passd-las no forum intimo. B assim que se arrisea a tra- car 0 projeto de nova formagao, cujo objetivo det aa unidade do plano. Retém do antigo saber s6o que lhe parece poder servir, e deixa trangiiilamente de lado o que julga nao mais ser necessério. Assim como deveria exis: tir duravanile unt s0 Filosofia — a de Cristo —, também nao deveria existir a ndo ser um 56 e verdadeiro saber, © uma tinica “ciéneia” crist —a que esta a servico da sa- bedoria crista. Essa ciéneia tinica é a da Biblia, com a arte de a compreender bem, ¢ de anunciar corretamente averdade nela contida Esse saber, Agostinho o ambieiona nao somente para tedlogos e homens da Igreja. A seus olhos é 0 saber cris- ‘ao, fora do qual nada é essencial na vida. Por ser a Biblia olivro da verdade, 6 ela tudo, e para todos, o suficiente, E 0 livro de Deus, inspirado e ditado por seu Espirito, me- rece ilimitada confianga.** "OE Hana wun Camponhauson, Ley Pires Ising, Tea Do lero, Stat, See INTRODUGAO m0 Para terminarmos esta introdueao, citaremos ainda © parecer de J. Daniélou e H. Marrou, na sua Nova his teria da Igreja"®; 9 De doctrina christiana é a carta nag- na de santo Agostinho, onde se encontram as grandes li- nhas © a originalidade da cultura crista da época dos Padres da Igreja. Agostinho redige com precisio este manual, no qual deparamos a cultura religiosa, toda ela organizada em torno da fé e da vida espiritual. Lembre mos que a educagio, no tempo de Agostinho ¢ dos Padres da Igreja, cra essencialmente literdiria, tendo por eroa mento 0 estudo paciente e obstinado da técnica oratiria ‘Todos os Padres da Igreja foram escritores e oradores, 0 que vinka a ser uma 36 eoisa, naquola 6poca em que @ palavra humana conservava sua predominancia tradi- cional sobre a escrita, 4, DaniQlou H, Masten onc, VoD, Voss, Petrspais, 1584, yp ts so PROLOGO Objetivos L.A respeito da interpretagdo das Eserituras existem cortas normas que me parecem poder ser ensinadas com proveito aos que se dedicam a esse estudo.! Assim, pode- nfo eles progredir nio apenas lendo obras de outros que lareceram as obscuridades dos Livros santo: da progredir, com os esclarecimentos que eles préprios poderao dar a outros. Proponho-me comunicar essas nor: mas aos que desejam ¢ sf0 eapaz Senhor nosso Deus, que costuma inspirar-me tais idéias quando reflito sobre elas, nda me negar siia geaga An ten. tar po-las por eserito, Antes de iniciar, contudo, parece-me que devo res- ponder aos que contestardo, ou talvez venham a contes- tar, este meu esforgo, caso ndo os convenea antecipada- mente. Se esta exposigao nfo for suficiente para que sm as criticas, pelo menos fara com que niio Je aprendé-las, se 0 1 interessante nota que santo A ment de al Noe doe tons que query elvemprog menipenntieae: arin, fercolne, degvenae, ecarecer Cada ven, rlerindnse x checuridadea das Fecriturss Nos eeos cults a em, era ods, tat eat pads, como Entre judeus cristae, procurardetftar lestoe eit, Pann Agostino que ‘Hous hava “vclade” 8 Breritura para exeretar o epirito do pesqulsacor € aaeee delete ny descobersn CEP Srvvn, pp. Sl Quand nb heer re incengo,wcoipemnto Dib 2 encontra tnertanado na Bi bibl PROLOGO demovam nem afastem outros de estudo tao proveitoso, Poderiam ser ostes levados a desdinimo paralisance, se go estivessem premunidos ¢ preparados. ‘Tres grupos de possiveis contestadores 2, Na verdade, pretenderdo alguns criticar este 0ss0 trabalho por nao entenderem as normas que aqui ensi- namos. Outros as entenderao, mas hao de querer aplicar de imediato os conhecimentos adquiridos, pretendendo interpretar com eles as divinas Bserituras. Mas a> nao conseguir desvendar, nem explicar o que desejam, pen- sarfio que o meu trabalho tenha sido inatil. Por nao thes ter servido, podem generalizar dizendo que nao ser: ninguém. ‘A terveira classe de opositores sera a daqueles que interpretam bem, ou imaginam interpretar muito hem, as divinas Bscrituras. Tais pessoas nada leram, até > pre- sente, sobre esse género de normas que agora deterninei publicar; contudo, do seu ponto de vista, juluam-se eapa- zes de comentar os Livros santos. Pensam que tais nor- mas nfo so necessarias. Exclamam om alta vor. que as obscuridades das Sagradas Escrituras esclarecem-se com a oracao, ¢ consistem em puro dom divino, Resposta aos primeiros opositores 8. A todos responderei brevemente. Avs que néio enten- derem o que escrevo, digo: Nao me devem eritiear polo fato de ndo entencerem © que esta exposto. Acontece tal como se desejassem con- templar a lua no inicio de sua fase ou ja no fim do quarto minguante, ou talvez algum outro astro pouco luminoso 8 PROLOGO que-eu pretendesse lhes assinalar com o dedo. Ales, con- tudo, a pouca acuidade da vista nao basta sequer para distinguir 0 meu dedo, Portanto, nao é contra mim que deveriam se irritar. Aos que, conhecendo ¢ tendo por base estas normas, sentem-se entretanto impossibilitados de desvendar as passagens obscuras das divinas Escrituras, eu Ihes direi que certamente veem meu dedo, mas néo conseguem ver 98 astros aos quais, por meio dele, procure dirigir-Ihes o olhar Portanto, que uns e outros deixem de me reprovar ¢ pecam a Deus que Ihes dé luz aos olhos. Pois se ests em ‘meu poder erguer meu dedo para assinalar-Ihes algo, niio posso contudo iluminar-Ihes os olhos eom que contem- plardo a minha propria explicagao ou 0 que pretendo de- monstrar, Aos “iluminados” 4, Aos que se regozijam e se gloriam por ter recebido o dom divino da interpretagao dos Livros santos, sem as normas que agora ptiblico — ¢ assim julgam que eserevi coisas supérfluas —, cis como pretendo desvanecer essa presungdo, Ainda que sintam, com razao, tal alegria pelo grande dom de Deus, lembrem-se, ndo obstante, de que foi com a ajuda de homens que aprenderam, pelo menos o alfabeto. Concordem que os supera o exemplo de Antao, monge do Egito, homem santo e perfeito. Conta-se que sem ter nenhum conhecimento das primeiras letras, s6 0 eseutar, aprendeu de meméria as divinas Escrituras, Meditando-as, entendeu-as com sabedoria. B ainda, lembrem-se do caso daquele escravo barbaro, cristo, de quem tivemos noticias por homens sérios e dignos de eré dito, faz poueo tempo. Esse, igualmente, sem que nin- PROLOGO, 4 guém the tivesse ensinade, teve pleno conheciment» das letras. Ble havia rezado para que 0 alfabeto Ihe fosse manifestado, ¢ depois de trés dias de suiplicas, tomou em suas mos 0 eédice que the entregaram e diante do es panto de todos os que se encontravam presentes, lou-o correntemente. Educamo-nos uns com os outros Nao vou discutir, caso alguém julgue falsos 2sses fatos. O assunto 6 com aqueles eristaos que se alegram de aprender o sentido das santas Escrituras sem 0 auxi- lio de outros homens. Se realmente assim se dé, nao uum bem qualquer esse que Ihes traz tanta alegria. Con- codam, porém, que a cada um de nds, deste o inicio da infincia, foi-nos rio aprender a propria lingua, & forca de ouvi-la. E também, para chegarmos ao conheci- mento de qualquer outra lingua, como, por exemplo, grega ou a hebraica, 86 nos foi possivel ouvindo-a ot gra- Gas a ajuda de professor, Se assim nv fasse, sem Uévides, agradaria a nossos opositores que admoestissemos a to- dos os irmaos a que nao ensinassem nada a seus filhos. ‘Tustificar-se-iam pelo fato de que num instante os apés- tolos, 36 com a ajuda do Espirito Santo, fiearam repletos dele e falaram as linguas de todos os povos. Em conse- quéncia, aqueles a quem tal nao aconteca que nio se julguem eristaos ou, pelo menos, que duvidem de ter re cebido 0 Espirito Santo! Mas, muito pelo contrario, ad- moestamos para que cada um aprenda humildemerie de outra pessoa 0 que deve aprender. B 0 que ensina & ou- tros, que comunique a seus disefpulos o que recebeu, sem orgulho nem inveja. Nao tentemos aquele de quem rece- bemos nossa f6, Que nio nos acontega — 6 enganados pela maldade e astiicia do inimigo — deixarmos de ir as tw PROLOGO igrejas para ouvir e aprender o evangelho; descuidarmos de ler o texto sagrado ou entio desprezarmos de eseutar © leitor ou 0 pregador. Que nao esperemos precisar ser mos arrobatados ao tereeiro cu —em corpo ou fora dele como disse o Apéstolo, para ouvir palavras ineliiveis que nao ¢ licito ao homem repetir (2Cor 12,2-4), e ver ali © Senhor Jesus Cristo ¢ ouvir 0 evangolho de seus pr prios labios, em vez de ser pela boea dos homens. Valor da mediagao humana: ajuda miitua no relacionamento com Deus? 6. Bvitemos tais tentagdos cheias de ongulho e perigos. Pensemos antes no exemplo do proprio apéstolo Paulo. Apesar de ter ficadlo prastrado e ser instruido pela vor divina e celeste, foi enviado a um homem para receber de suas maios os sacramentos, € Ser incorporado a Igreja (At 9,3-7). Pensemos também no centuriao Cornélio. Um anjo anuneion qne suas aragbes & esmolas subiram até Deus. 0 obstante, Pedro foi encarregado de o instruir. Dele recebeu néo somente os sacramento, mas também esc tou o que devia crer, esperar e amar (At 10,1-48) Todas essas coisas poderiam ter sido feitas por meio de um anjo. Se assim fosse, a condiexio humana teria sido desapreciada, pois Deus nao teria querido transmitir aos homens sua palavra, por meio de homens. Como entao *Agoctinho wa mediato humana para a dispensag da yraga come ex peessio da dignidace do home. A medingio 60 meio ais excelente pare texpansto da caridade que nes homens, Por sua vem t sabenara exnusta emaisfailmente quando oenforen das homens a busea de Deus & orto om conus. Enoontramo-norsacalnynte nies solidarioe na ordom salve [Neste prolago, Agostinho polemiraeantra os que pretender cnenm are pra Tieus 6 anlondec as Brerturas Jupenando 6 susie dos sates. Ch Rodrigues, OSA, Comunidade procura de Pews, I Encontro Neclonal Agostini ead, 1981, pp 77-18 PROLOGO v8 seria verdadeira a maxima: “O templo de Deus ¢ santo e esse templo sois v6s” (1Cor 3,17), se Deus nao proferisse oraculos no seio desse templo humano, e somente se fi- zesse ouvir do alto dos e6us proclamado pelo ministério dos anjos? Ademais, se nada tivessem de aprencer os homens por intermédio de seus semethantes, a catidade que os une no vinculo da unidade nao poderia agir para fundir os eoragdes, Novos exemplos de mediagao nas Escrituras 7. Observamos que o apéstolo nao enviow aquele ‘eunuco, que nada entendia ao ler o profeta Isafas, a um anjo, Nem foi explicado por um anjo 0 que a sua mente nao entendia. Ao contrario, sob a inspiragao de Deus foi-lhe enviado Filipe, que conhecia bem o contetido da profecia de Isaias. Filipe sentou-se com 0 eunuco © manifestou-lhe, com linguagem e palavras humanas, 0 que se achava encoberto naqueles escritos (At 8,27 ‘Nao conversava Deus com Moises? B entretante, esse homem, muito sébio ¢ nada orgulhoso, recebeu ce seu sogro — sendo este homem simples e estrangeiro — 0 conselho de reger e governar aquele povo tao numeroso {Bx 18,14-26). Aquele varao sabia que de qualquer pes- soa de quem procedesse conselho verdadeiro, ndc viria dessa pessoa humana, mas sim daquele que éa Verdade, isto 6, do Deus imutavel, Autojustificagao 8. Enfim, quem quer que se glorie de entender par dom divino, sem auxilio de normas humanas, as obscuridades que se encontram nas Escrituras, cré com razdo, eé cer- w PROLOGO to, que tal faculdade nao é sua, como se viesse de si pro- prio, mas é poder doado por Deus. Assim julgando, ha de buscar a gloria de Deus ¢ nao a sua propria, Mas nesse caso, quando lé e entende sem explicacao de outros, por qual motivo procura explicar aos outros? Por que ngo os remete diretamente a Deus, para que en- tendam também eles por si préprios? Deus os instruiria interiormente e nao por meio de homens. Resolvem-se a explicar a outros taivez porque temem 0 Senhor thes dizer: “Servo mau... devias ter depo- sitado 0 meu dinheiro com os banqueiros” (Mt 25,26.27), Bassim, ja que aqueles homens, entendendo os mis- térios, comunicam-nos aos outros, pela palavra ou em li vros, por que devo ser eritieado, se por minha vez per- mito-me eserever nfo somente as normas a serem entendidas, mas também aquelas a serem observadas para séria interpretagao? Faco-o sobretudo porque nin: guém deve considerar como propriedade sua bem algum, a nao ser talvez a mentira, Posto que tudo o que é verda. deiro procede daquele que disse: “Eu sou a verdade” (So 14,6), que € que possuimes que nao tenlamos recebido? Ese o recebemos, por que haverfamos de nos ensoberbecer coma se nao 0 tivéssemos reeebido? (1Cor 4,7) Propésito de Agostinho e proveito a ser tirado desta obra® 9. 0 leitor que faz a leitura a ouvintes conhecedores das letras, sem diivida, exprime 0 que sabe. O professor que ensina o alfabeto, por sua vez, faz com que outros “pss ter refutado a petensos adversrioe que tentsvan desaprcine seu traalho,Agoitinhn se prepara para iniiar nn chr deseja ofrecer umn en jimta de'normaz que ajuda no eatendimente das Becituras, Bry linger poptlar, nioad d4o pike, masensina a pean PROLOGO 28 aprendam a ler. B certo, porém, que ambos comunieam apenas 0 que reeeberan. Assim acontece com as santas Eserituras. Quem pos- sui o seu entendimento faz 0 papel do leitor junto aos que as conhecem. B quem da as normas para as entenser é semelhante ao professor que ensina o alfabeto, isto 6, ensina a ler, Assim como quem aprendeu a ler, ao encon trar um livro, nao necessita de algum leitor para enten- der 0 que ld esta eserito, igualmente acontecers ccm os, que recebe normas que intencionamos entrogar Ao encontrar algo obscuro nos Livros sagrados, observan- do as normas que Thes servirdo como as letras do alfabo to, nao precisarao de alguém para thes descobrir # que estiver oculto, Observando certas regras, eles préprios chegarao sem erro a descobrir o sentido oculto, Pelo me- 103, nao cairo no absurdo de alguma opinido erréonea, Enfim, aparecer suficientemente nesta obra que nin: «guém pode se opor, sem injustiea, 2 nosso lesitimo empe- nho de ajudar. Thdavia, se julgam qu conveniontemente a eventuais opositores com este prélo- 420, queremos agora dar inicio & caminhada a que nos pro- pusemos engajar-nos. respondamos LIVROI SOBRE AS VERDADES A SEREM DESCOBERTAS NAS ESCRITURAS A. PLANO, DEFINICOES, DISTINCOES caniruLo 1 Finalidade geral da obra 1, Ha duas coisas igualmente importantes na exposi- ao das Eserituras: a mancira de descobrir o que é para ser entendido e a maneira de expor com propriedade 0 que foi entendido.t Primeiramente, dissertaremos sobre como se reali- za a descoberta da verdade, depois sobre 0 modo de cxpé-la. Empresa magna e ardua! E como ela ¢ dificil de quid, reveiv ale ser Wemerério empreeide-lu Na verdade, assim o seria, se presumfssemos apenas de nnossas proprins forgas. Mas totla a minha esperanga de levar a bom termo esta obra repousa naquele de quem tenho recebido muitas luzes sobre este tema, na medita- do. E nao duvido de que ele me coneedera as luzes que me faltam quando tiver comecado a partilhar o que me concedeu. Possuir algo que ao ser dado nao se esgota ¢ nao rti-lo com os outros nao é possuir como convém. O Senhor disse: “Aquele que tem Ihe seré dado” (Mt 13,12). Deus dara, pois, aos que tém, isto 6, fara crescer e multi- ‘Agustin formece de mancira inequveen o duplo objetivo da abrs: 1 mos rar com we ralsn a deserts da verdad e9) coma ets deve er expeats \VERDADES A SERFM DES As 4 ows plicar o que ja deu aos que usarem com liberalidade da- quilo que reeeheram. Cinco ¢ sete eram os pes antes de comecarem a ser distribuidos entre os famintos. Mas, uma ver. distr’but dos, encheram-se os cestos € paneiros, apés terem sido saciados tantos milhares de homens (Mt 14,17-21 15,34-38). Logo, assim como aquele pao multiplicow-se quando dividido, de igual modo, o que Deus nos concedeu para empreender esta obra, logo que tivermos comezado a partilhar, teeundar-se-& sob 0 sopro da inspiracao. Lon- ge de fiearmos reduzidos & pentiria, no curso de nossa presente tarefa, alegrar-nos-emos em maravilhosa a7un- caPiruLo2 As coisas ¢ os sinais, ‘Toda doutrina redu: soisas e ao dos sinais. Mas as coisas 880 conheeidas por meio dos sinais. Portanto, acabo de denominar coisas a tudo o que nao esta emprogado para significar algum outro objeto como, por exemplo, uma vara, uma pedra, um animal ou outro objeto analogo. Nao me refiro, contudo, aquela vara da qual lemos que Moisés atirou As Aguas amargas para di- luir sua amargura (Bx 15,25). Nem a pedra que Jace pa debaixo da cabeca, como almofada (Gin 28,11). Nem aquele cordeiro que Abrado imolow no lugar de seu filho (Gn 2,13), Esses objetos, de fato, sao coisas, mas nas cireuns- tAncias mencionadas tornaram-se ao mesmo tempo si nais de outras coisas. Existem sinais, mas de outro género, cujo emprego se limita unicamente a significar algo, eomo € o case das palavras (verba). Ninguém emprega as palavras a nfo bs PLANO, DEFINIGOES, DISTINGOES. ser para significar alguma coisa com elas. Dai se deduz ne denomino sinais @ tudo o que se emprega para signi- ‘ar alguma coisa além de si mesmo. E porque todo sinal 80 mesmo tempo alguma coisa, visto que, se nio fosse alguma coisa, nao existiria, Mas, por outro Lado, nem toda coisa 6 ao mesmo tempo sinal Assim, nesta divisdo entre coisas e sinais, ao falar- mos das coisas, fi-lo-emos de tal modo que, apesar de algumas poderem ser empregadas como sinais de outra coisas, nao venha essa qualidade embaracar o plano a que nos propusemos, isto é, de falarmos primeiramente sobre as coisas, ¢ depois sobre os sinais, Retenhamos fir memente, por enquanto, que s6 temos a considerar as coisas, como sto em si préprias, e ndo o que significam além de scu sentido proprio caperuLos Classificacao das coisas 8 Enire as coisas, ha algumas para serem fruidas, ou- tras para serem utilizadas e outras ainda para os homens frut-las e utilizd-las. As que sao objeto de fruicdo fazem- nos felizes. As de utilizacao ajudam-nos a tender a felici- dade e servem de apoio para chegarmos as que nos tor- nam felizes e nos permitem aderir methor a elas.® "Tuto evade 60m apetolangu por Doug, ¢sinal do puder eda satdoria de Dour, euaforme Rat 120, que cnvida¢ homer a procursdo. A ds ‘agostinians signa (sal inspitos, na T9ade Média, Tossa, a rapa foriolar o anitada sistonsticn de 43 ‘Speculngt ends, CE Tce, 243 Dea dctrine ert Tid, Augestinionne, XE p, 965; V Capea, BAC Kp, 1 ‘Gina das tose fundamentas da tcolouia moral de Agostino Gusta fn sa dintingan das itt em Juss eategoriae neque o homers pad w deve gosar (a acre feuds) e que neatgurem a felicidad e aque deve ner Bem para \VERDADESAS! [REM DESCOBERTAS 4 és, criaturas humanas, que gozamos e utilizamos das coisas, encontramo-nos situados entre as que sie para fruir © as que sao para utilizar. Se quisermos gozar do que se ha simplesmente de usar, perturbamos no minhada e algumas vezes até nos desviamos do cami mho. Atacados pelo amor das coisas inferiores, atrasa- ‘mo-nos ou alienamo-nos da posse das coisas feitas para fruirmos ao possuilas. CAPITULO 4 Fruir ¢ utilizar 4. Frniré aderira alguma coisa por amor a ela pripria. E usar 6 orientar 0 objeto de quo se faz uso para odter 0 objeto ao qual se ama, caso tal objeto merega ser amado. A.uso ilicito eabe, com maior propriedade, 0 nome de ex cesso ou abuso. Suponhamos que somos peregrinos, que nao pode mos viver felizas a nao ser om nosta patria. Sentinco-nos miserdveis na peresrinagtio, suspiramos para que 0 in- forttinio termine e possamos enfim voltar a patria, Para isso, seriam necessarios meios de conduefio, terres:re ou aritimo. Usando deles poderiamos chegar a casa, lt onde haveriamos de gozar. Contudo, se a amenidade docami- no, 0 passeio e a conducio nos deleitam, a ponto de nos ‘entregarmos a feuigdo dessas coisas que deveriamas ape- nas utilizar, aconteceré que nao quererfamos terminar Jogo a viagem, Envolvidos em enganosa suavidade, esta- secon tiga), oan instmentns para ating a feed. To »deten- ‘rolvimenta da oben agotiniana eta fundad nest sting. Os capa 226.25 Usenvalverto mais © toma. Ci Fulberto Cayré, La contemplation sue tninne, 9.95. 6 PLANO, DSPINIQOES, ISTINGOES riamos alienados da patria, cuja docura unicamente nos faria felizes de verdade. ‘Edesse modo que peregrinamos para Deusnesta vida mortal (2Cor 5,8). Se queremas voltar & pstria, kd onde poderemos ser felizes, havemos de usar deste mundo, mas, ndo fruirmos dele. Por meio das coisas eriadas, contem- plemos as invisiveis de Deus (Rm 1,20), isto 6, por meio dos bens corporais e temporais, procuremos conseguir as idades espirituais e eternas. B. SINTESE DOGMATICA. caprruLos Deus Trindade 5. 0 Pai, o Filho ¢ o Espirito Santo, isto é, a propria ‘Trindade, una e suprema realidade, ¢ a tiniea Coisa a ser frufda, bem comum de todos." Se ¢ que pode ser chanada, Coisa e nio, de preferéncia, a causa de tod: se também puder ser chamada causa. Nao ¢ facil encon- trar um nome que possa convir a tanta grandeza e s:rvir para denominar de mancira adequada a Trindade. A nao ser que se diga que é um s6 Deus, de quem, por quem para quem existem Lodts as evisis (Rut 11,80). Assim, 0 Pai, o Filho e o Espirito Santo sao, cada um deles, Deus. €0s trés so um s6 Deus. Para si proprio, cada um deles ésubstiincia completa e, os trés juntos, uma sé substencia, 0 Pai nao é 0 Filho, nem o Espirito Santo, O Filho nao © Pai, nem 0 Espirito Santo. Eo Espirito Santo ndo é 0 Na Tindal, sacontsamee» prinepia fontal de tan a8 sores, a beleza perfita ea leita: Ne Po, ntomna a unidades a0 Fuh, a igualdade: 0 pitta Santo, 0 emoortie uativg en ioieta gonoen da Deus. Ce Fe Luis Arias, OSA, De Trintate, Intraductiuy BAC, Blades, 1956.51. “Aunisa tena Trindade ea Trndade ma un tnsica de Azsatirho. No (ap. 8, efleticd snbee a inefabiidado, no 7. Lransoendéneia, 30 3, a ftnutailds eon eap 9a sehodoria. Lela-se 8 sua magistal obra A irda ‘de compost entre 400 e416, publieada nesta Cologao Patri 7.2 Sand so no Stab lceno-cotetantinopol tana de 35, Agertinho consirart o primeiry ratadaverdadeiramentessteméticn do dograa tsinitrio 4 SINTES® POOMATICA, Pai nem 0 Filho. 0 Pai é s6 Pai, o Filho unicamente Filho, eo Espirito Santo unicamente Espirito Santo. Os trés pos suem a mesma cternidade, 2 mesma imutabilidade, mesma majestade, o mesmo poder. No Pai esta a unida- de, no Filho a igualdade ¢ no Espfrito Santo a harmonia entre a unidade e a igualdade. Esses trés atributos todos sdo um 86, por causa do Pai, todos iguais por causa do Filho c todos conexos par causa do Espirito CAPITULO 6 Deus: sua inefubilidade 6. Acasodissemos alguma coisa e temos promunciado algo digno de Deus? De fato, sinto nao ter intentado outra coisa sendo falar sobre Deus. Mas se 0 disse nao era isso 0 que quisera ter dito. Como 0 porque Deus é inefé vel? E se fosse também inefével o que tem sido dito por mim, nfo teria sido pronunciade Rm conseqiiéncia, tampouco por inelivel podemos denominar Deus, porque Jd promunciamos algo ao dizer isso, Nao sei que contradi- ‘cio de tormos existe ai, porque se ¢ inefivel 0 que nao pode ser expresso, nao seria inefével o que se pode chamar deinefivel. Tal contetido de expressdes, procuremos evité-lo com 0 silancio, mais do que nos servindo de palavras de consenso. Nao obstante, ainda que niio se possa dizer eoi- sa alguma digna de Deus, ole admite 0 obséquio da voz humana e quer que nos rejubilemos com nossais préprias palavras 20 louva-lo, E por isso que o chamamos de Deus. Na realidade, no o conhecemos pela vibracao dessas duas, silabas: De-us. Contudo, quando esse som toca os oavidos ide todos os que conhecem 0 Latim, ele leva a pensar era certa natureza soberana e imortal. VERDADES A SERRM DESCOBERTAS “8 caPtruLo7 Deus: 0 mais excelente dos seres cogitados 7. Ao se representarem 0 tinieo Deus entre todos os deuses — inclusive aqueles homens que imaginam, in- vocam ¢ adoram outros deuses, seja no eéu, seja na terra —, representam-no de tal modo sublime que a mente nao consegue pensat coisa alguma de melhor e mais ex- celente Por certo, os homens sa movidos em diregac aos bens, por diversos modos. Uns pelos sentidos do corpo ¢ outros pela inteligéncia espiritual, Os que se confiam nos sentidos corporais julgam que o Deus dos deuses 6 o pré: prio céu ou o que de mais falgurante ai véem, ou até 0 préprio mundo. Mas se pretendem buscar a Deus além deste mundo, entao imaginam-no algo luminoso, e gra- as ava fiecdo, fazem-no infinite ou dotado de uma forma que Ihes pareca superior a todas as outras. B caso néio creiam na existéncia de um tinico Deus dos deuses, mas tua existucia de siGlliplus e inumerdveis deuses da ne: ma ordem, representam-nos de tal modo em seu espirito, que Thes atribuem o trago fisieo que a cada um pareca 6 mais excelente. Aqueles, por outro lado, que so movidos pela ixteli- géneia a se representarem o que seja Deus, antepiem-no a todas as naturezas visiveis e corporais, assim como a todas as naturezas espirituais, inteligiveis e mutéveis. ‘Todos, contudo, porfiam com afineo para dotarem Deus de exceléncia suprema. E niio se pode encontrar pessoa alguma que pense haver um ser melhor do que Let Assim, todos pensam unanimente que Deus esta acima de todas as coisas. bogMArica capiTuLos Deus vivo: a Sabedoria imutével 8 ‘Todos os que refletem sobre Deus eoneebem- um ser vivo. E dele s6 nao pensam coisas indig surdas aqueles que 0 concebem dotado de vida. Assim, qualquer seja a forma corporal que lhes venha ao pens mento — que a considerem eomo viva ou inanimada —, antepiem a forma viva & que nao é viva. Ba essa mesma forma viva corporal, por muita que seja a luz com que brilhe, por grande que seja a magnitude com que sobres- saia, por bela que seja a formostra com que se adorne, preferem, por sua incomparsvel dignidade, a forma viva, acima da matéria, a qual é por ela vivificada ¢ animada. Pois compreendem que uma coisa Ea matéria e outra, a vida que a anima, Aqueles que refletem sobre Deus prosseguem obser- vando a mesma vida, ¢ se 2 encontram puramente vegetativa, sem sensacdo, como éa das drvores, pospdem- sue 8 vide seusiliva dos auinvais. Ba usta, unlepoent a vida intelectiva, como é a do homem. Mas, ao ver que este 6 mutavel, motivam-se a por acima dele a vida imu- tavel, isto é, aquela que nao é por vezes ignorante, por vores sibia, mas que é sempre a mesma Sabedoria. Pois amente sabia, isto 6, a que aleangou a sabedoria, nao era sabia antes de o ser. A mesma Sabedoria, porém, nunca foi ignorante e jamais poder vir a £6-o. Ora, se os homens de modo algum conseguissem dis- tinguir tbedoria, eles munea anteporiam, com con- fianga absoluta, a vida shia imutdvel A vida mutavel. que, # esta norma de verdade da qual se servem para pro- clamar que ¢ ela a melbor, os homens a véom imutavel, Mas nao a véem em parte alguma, a no ser acima de sua propria natureza, jé que se veem a si préprios mut ‘VURDADBS A SEREM DESCOBERTAS. 50 capmruLon Deus: a infinita Sabedoria 9. Nao existe ninguém tao insensato ¢ imprudente que diga: E como sabes que a vida imutavele sabia deve ser preferida a mutvel? Isso porque a resposta a essa questao — como sabes? — 6 comum e inegavelmente notéria constatagao de todos. Quem nao reconhecer tal verdade ¢ como cogo banhado pelo sol, 2 quem c ful- gor de tanta claridade e luz, atuando cm seus olhos, de nada the servem, Quem nfo obstante vé a luz, mas ain- da assim ofusca-se com ela, é porque tem o olhar da men- te enfermo pelo costume das sombras earnais, Pois os ho. mens de costumes perversos so afastados de sua patria por ventos contrérios, Persegucm bens que sao inferiores € preteriveis, em relagio aqueles bens que eles priprios reconhecem como melhores ¢ superiores. caPiTut.o30 Necessidade da purificacdo interior para ver a Deus Portanto, como estamos destinados a gozar sent. fim dessa Verdade que vive imutavelmente e pela qual o Deus Trindade, autor ¢ criador do mundo, cuida de sua 2tia- 40, devemos purificar nosso espirito para que possacon- templar essa luz ¢ a ela aderir quando contemplada. Podemos considerar essa purifieacdo como uma ¢a- minhada e um navegar em diregiio a patria, Nao nos «pro- ximamos, porém, daquele que esta presente em tola a parte, mudando de lugares, mas pelos santos dese os & bons costumes. st shvtest DOGMATIC caPiTuLo 1 Acncarnagia Ha. Ora, nés nao conseguiriamos nos purificar se a pré- pria Sabedoria nao se houvesse dignado adaptar-se & nossa tao pequena fraqueza carnal, para tornar-se mo- delo de vida, precisamente fazendo-se homem, visto ser mos nés homens, Mas ao passo que agimos sabiamente quando nos aproximamos da Sabedoria, ela, ao vir a nds, foi conside- rada, por homens soberbos, como realizadora de loweu- Enquanto nés nos fortificamos a0 nos aproximar da Sabedoria, ela, ao se aproximar de nés, foi considerada zadora de ato de fraqueza. Contudo, oque & loucura de Deus € mais sabio do que os homens eo que 6 fraqueza de Deus 6 mais forte do que os homens (1Cor 1.25). Eis por que a Sabedoria, sendo 2 bém camino para levar-nos a patria. patria, fez-so tam- captruto 12 O motivo da Sabedoria de Deus ter vindo a nés 11b. Se bem que a Sabedoria de Deus esteja presente em toda a parte aos olhos interiores puros € sos, ela ignou-se também aparecer aos olhos carnais dos que i@m a vista interior impura e enferma. Visto que o mun- do por meio de sua propria sabedoria nao pode reco- nhecer a Deus, aprouve a ele, na sua Sabedoria divina, pela Ioucura da pregagao, salvar 0s que créem (1Cor 121 VERDADBS A SEREM DESCOBERTAS. captroLo 13 12a, Quando se diz que a Sabedoria de Deus veio a nds, da se a entender que nao vein percorrendo espagos locais, mas sim aparecendo aos homens em carne mortal. De fato, veio ali onde jé estava, porque estava no mundoe o mundo foi feito por ela. Mas como os homens formadas & imagem do mundo — e, portanto, chamados com muita razao pelo nome de mundo © no gozo da criatura, arrastados pela concupiscéncia, em vez de se centregarem ao Criador, esses homens nao reconheeeram, a Sabedoria de Deus. Por isso diz.o evangelista: “O mun- do nao conheeeu” (Fo 1,10). Em conelustio, 0 mundo nao péde conhecer a Deus pela sabedoria humana. Por que, pois, ele veio se js esta- va aqui, a nao ser porque aprouve a Deus salvar os que ereriam pela loueura da pregagdlo? (ICor 1,21), ‘entregaram: Eo Verbo de Deus se fez carne 12b. Como veio ele? “E 0 Verbo se fez carne e habizou entre nés” (Jo 1,14, sim como, ao falarmos, 0 pensamento de nossa inteligéncia torna-se som, isto 6, palavra sensivel que penetra no espitito dos ouvintes pelos ouvidos corporais e, entretanto, esse som que trazemos no coracdo ¢ é ¢12 mado linguagem, longe de se transformar nesse mesmo som, permanece integro em si préprio, revestindo a for- ma da voz para tocar 0 ouvide dos outros sem nenham trago de alteracdo, assim a Palavra de Deus, sem mudar de natureza, fez-se carne para habitar entre nés.5 somethings do nosse verbo mental com 0 Verbo de Deus mais dasouva- vida pur Agustin uo A Trindade, 11, Comblia, et deeue Cristo esa miss Breve Curso de Tela, Paulus, Sse Palo, 12 249, tem ama expessae 2 DOGMATICA, CAPITULO 4 A redengiio: a Sabedoria de Deus cura 0 homem 13. Assim como um tratamento médico é em vista da atide, do mesmo modo o tratamento divino foi aplicado aos peeadores para os curar ¢ devolver-lhes as forcas. E assim como os médicos quando fazem curativos sobre as feridas nao 0 fazem de modo inabil, mas com cuidado, de modo que a utilidade do curativo venha acom- panhada de certa estética, do mesmo modo a medicina da Sabedoria divina tomando forma humana aplicou seu remédio a nossos males. Fla trata certas feridas com re. médios contrérios ¢ outras com remédios semelhantes. ‘Desse mesmo modo é que o médico cuida de uma lesio do corpo empregando certos elementos contrarios, como 0 frio contra o calor, o timido contra o seco, ou ainda servindo-se de procedimentos de género semelhante. As sim, vemos 0 médico empregar certos produtos que se assemelham ao mal, como curative redonde para uma forida circular, alongado para uma chaga longa. [le nao faz. enfaixamento igual em todos os membros, mas a elementos semelhantes as coisas semelhantes (simile similibus). Ora, a Sabedoria divina nao age de modo diferente quando cuida do homem. Apresentou-se em pessoa para euri-lo, Ela propria é 0 médico © ao mesmo tempo 0 re- médio. Posto que o homem caiu por orgulho, recorreu & hu- mildade para o curar, Nos, que fomos enganados pela Jarocer sat va: "Para poner, preicams for Aas tds de proninsiar none poseamentos, precious de mento ans mesma. Para pensar algutan diss Proprio © ‘Su penssrunto. Hes fornatsoepalavens interores Orem a S08, Ct Goetchanado ‘a Palavre, No seat bao sina de que em Deus eco ign que, 90 pensar Deus nbn sedis una Plavra? se pode \VERDADES A SEREM DESCOBERTAS a sabedoria da serpente, seremos libertados pela loveura de Deus. Ora, assim como a Sabedoria parece loveura para os contestadores de Deus, do mesmo modo ¢ que chamamos loucura 6 sabedoria para os venecdores do demdnio Usamos mal da imortalidade e i860 nos fer. merrer. Cristo usou bem da mortalidade e isso nos faz. viver. Pela alma corrompida de uma mulher entrou a doenea. E do corpo integro de outra mulher veio a satide. A esse género de contrérios pertence tamhém a cura de nossos vieios, gragas ao exemplo das virtudes de Cristo. Eis agora os remédios semelhantes aplieados como ataduras a nossos membros € a nossas feridas: ‘Nascido de uma mulher, ele libertou aqueles que ti nham sido enganados por uma mulher. Homem, libertou os homens. Mortal, libertou os mortais. Morto, fihertou ‘os mortos. economia da medicina erista pode apresentar ain. da muitos outros remédios tirados, seja dos contrérios, seja dos semelhantes. Reflexao boa para os amiges da meditacdo e para quem nao urge, como para mim, a ne cossidade de prosseguir o trabalho encetado, capiruLoas A ressurreigdo, a ascensio ¢ os dons do Espirito 14. Acrescentemos a mais que crer na ressurrei Senhor de entre os mortos e em sua aseensio ao eé for- talece nossa fé com uma grande esperanca. Mostrou-nos or esses mistérios 0 quio livromente deu sua vida por nés, ele que possuia o poder de retomé-la, Com quanta confianca, pois, fortifiea-se a esperanga dos que eréem s SIWTESE DOGMATICA nele! Tanto mais ao considerarem que suportou tantos ntos pelos homens, os quais sequer acreditavam nele. E pelo fato de ele ser esperado vindo do céu como juiz dos vivos c dos mortos, infande temor aos homens negligentes. Leva-os a converterem-se a seus deveres, aspirarem por sua vinda, fazendo o hem, mais do que a temerem, cometendo 0 mal. Por quais palavras podemos exprimir ou por qui pensamentos imaginar a recompensa que ele nos da no fim, j4 que, para consolar-nos neste desterro, dé-nos tanto por meio de seu Espirito? Com efeito, gragas a esse Espirito temos nas adversidades desta vida confianca e amor muito real para com aquele que ainda no vemos, ‘Nao possuimos seus préprios dons distribuidos a cada um para a edificagdo de sua Igreja? Dons que nos permitem cumprir 0 dever preserito nao somente sem murmurar, mas até com prazer. caPtruLo6 A Igreja: corpo e esposa de Cristo 15. A Igreja 6, com efeito, © corpo de Cristo, conforme ensina a doutrina apostilica (Bf 1,23). B ela ¢ também chamada sua esposa. Ora, a seu corpo, composto de mui tos membros com diversas fungoes (Rm 12,4), Cristo 0 abraga com 0 vinculo da unidade e da earidade, como se estivesse unido em sahutar liame. Mas neste tempo presente, ele exercita e pu com certos males medicinais 2 sua esposa, a Igreja, para que, ao retira-la deste século, venha a uni-laa sina eter- nidade, sem mane! z semelhante (Ef 5-27. VERDADES A SEREM DESCOBERY 86 capinuLo 7 Cristo abriu-nos 0 caminko para @ patria 16. Certamente, estamos a caminho, Gaminho nao locali- zadlo no espaco, mas sim no coragao, e que estava obstruido pola maticia de nossos pecados passados. F que pode ele fazer de mais generoso ¢ mais misericordioso do que querer fazer-se a si préprio caminho por onde caminhassemos, per- doar os pecados Aqueles que se voltassem para cle e, crucii- cado por nossa salvagao, arrancar esses obstdculos tao arrai- gados que nos impediam a entrada da volta para a patria? CAPETULO 18 As chaves entregues @ Igreja 17. Cristo deu as chaves & sua Igreja, om virtude das quais tudo o que ela ligar na terra sera ligado nos eéus, € ‘o que desligar na terra sera desligado nos céus (Mt 16,19) Eo mesmo que dizer: quem nao crer que a Igreja the per- oa 0s pecados, a ase nao The cero perdoados 09 pose dos. Mas, ao contrério, quem crer, apés se ter corrigido € afastado deles, ocuparé lugar no seio da mesma Igreja. B por essa fé e corregao que sera salvo. Todo homem cue pensa ser impossivel seus pecados Ihe serem perdoados, com 0 seu desespero torna-se pior do que era antes. Seria como s0 a0 desconfiar do fruto de sua conversao nao he restasse recurso melhor do que se fixar no mal CAPITULO 19 A ressurrei¢ao dos corpos 18. ‘Tal como a rentineia & vida e costumes anteriores pela peniténcia é de certo modo morte da alma, assin a morte do corpo é a extineao do sopro vital anterior. K tal a sintese pogMaTiCa como a alma apds a peniteneia, com a qual destruiu seus costumes depravados de antes, transforma-se para me- Ihor, assim o corpo, depois dessa morte & qual estamos sujeitos pelo vineulo do pecado — n6s o cremos e espe ramos — no momento da ressurreigio, ser4 transforma- do para melhor Por certo, nem a carne nem o sangue possuirao o Reino de Deus, o que ¢ impossivel. Mas o corpo corrupti- vel hd de revestir a incorruptibilidade e este ser mortal revestira a imortabilidade (1Cor 15,50.53). Ele nao cau- ard neahum incomodo, pois nao padecers nenhuma ne cessidade, vivificado pela alma bem-aventurada e perfei- ta, numa suprema quietude, eapiruLo 20 Avida eterna 19. Aquele cuja alma nao morte para este mundo e nao comega a se moldar pela verdade incorrera numa morte mais grave que a do corpo. Revivers ndo para se tran! formar num estado de bem-aventuranga, mas para ex- piar nos suplicios capéruio 21 O que a fé nos ensina Isso a f6 nos ensina e devemos crer como certo: nem fa.alma nem o corpo do homem padecerao a destrui¢ao total. Mas os {mpios ressuscitaro para suportar pena incaleulaveis ¢ os justos para a vida eterna C. SINTESE MORAL O homem: do que gozar ¢ do que usar 20. De tudo © que expusemos deduz-se que devemos go- zar unicamente das coisas que siiu bens imautaveis e eter nos. Das outras eo guir o goz0 daquelas. Em relagao a nds mesmos, que gozamos ¢ usamos de todas as coisas, somos de certo modo também uma coisa. E, certamente, uma grande coisa 6 0 homem, pois feito & imagem ¢ semelhanca de Deus! Nao é grande coise en- quanto encarnado num cozpo mortal, mas sim enquanto 6 superior aos animais pela exceléncia da alma racional. ‘Assim, constitui grande questo saber se os homens devem gozar on usar uns dos outros, ou se podem ao mes- mo tempo gozar e usar deles, Com efeito, um preceite nos oj dado: amar-nos mutuamente. Trata-se, porém, de sa ber se o homem deve amar sew semelhante por ele pré- prio ou por outro fim. Se for por ele proprio, nds gozamos dele, se for por outro motivo, nbs nos servimos dele. A mim parece que ele deve ser amado por outro fim. Isso porque aquele que deve ser amado por si mesmo consti- tui em si a vida bem-aventurada. Ainda que nfo possua- ros até entao essa bem-aventuranca, contudo, sta espe- ranga consola-nos nesta vida. E esta dito nas Escrituras: “Maldito o homem que confia no homem” (lr 17,5). s devemos r para poder ecnse- SiNTESE MORAL © homem perfeito: aquele que ama a Deus acima de tudo 21. A observar-se com precistio, ninguém deve gozar de si proprio, porque ninguém deve por si proprio, mas por aquele de quem ha de gozar, Entao, é perfeito 0 homem quando orienta toda sua vida para a Vida imuté- vel e adere a ela com todo 0 seu afeto, enquanto o fato de se amar por si préprio nao tem referencia a Deus. E vol- tar-se para si proprio, e nao para o Ser imutavel. Por isso, ninguém pode fruir de si préprio sem alguma perda. Des- se modo, quando o homem se une totalmente ao Bem imu- tavel e abraca-o, € mais perfeito do que quando dele se separa e volta-se sobre si proprio. Portanto, se nao te deves amar a ti por ti proprio, mas por aquele em quem esto fimn retissime de teu amor que nenhum entre teus irmaos se aborreca se 0 amares por Deus. Porque a lei do amor assim foi estabelecida por Deus: “Amards ao proximo como a ti mesmo, mas a Deus com todo teu coragio, com toda tua alma e com todo teu cespirito” (Lv 19,18; Dt 6,5; Mt 22,37.38). Em conseqtién- cia, consagra teus pensamentos € toda tua vida e toda ‘tua mente dquele de quem recebeste estes bens. Porque quando 6 dito “de todo teu coragdo, de toda tua alma e de toda tua mente”, ndo te ¢ permitido nenhuma parte de tua vida ficar desocupada para que possas gozar de outro objeto, Exige, antes, que qualquer outro objeto que ve- nha a mente para ser amado seja arrastadonaquela mes- ma diregdo do caudal impetuoso do amor. Logo, quem ama retamente o seu proximo deve tratar que esse alguém também ame a Deus com todo 0 seu eoragio, com toda a sua alma, com tado 0 seu espirito, Amando-o assim como se ama a si préprio, referira todo o amor, proprio e alheio, naquela diregio do amor de Deus que nao tolera que se extravase e perea nenhum arroiozinko que venha a di- minuir seu fmpeto. VERDADES A SEREM DESCOBERTAS 60 capiTuLo 23 Objetos « serem amados 22, Evidentemente, no devemos amar a todas as coisas destinadas a nosso uso, mas unicamente Aaquelas que por destino comum conosco relacionam-se com Deus: 0 ho- mem 0 anjo. Ou ainda, ao que unido a n6s, como nasso corpo, consegue por nosso meio os beneficios de Deus, Dertamente, os martires ndo amaram a maldade de seus, perseguidores, se bem que usaram dela para merecrr 0 ozo de Deus. Quatro sao os objetos que devemos amar: o primeiro estd acima de nds; 0 segundo somos nés proprios; o ter- ceiro o que se acha a nosso lado; o quarto o que esta adai- xo de nds. A respeito do segundo ¢ do quarto nao foi ne. cessério serem dados preceitos. Pois, por muito que 0 homem se afaste da verdade, sempre Ihe ficara o amor a si proprio eo amor a seu corpo. Porque o espirito que foge a luz imutavel que reina sobre todas as coisas, o faz para ser senhor de si m te, nao pode deixar de amar-se a si mesmo e ao proprio corpo 10 ¢ do proprio corpo, Por conaegain 0 falso amor de si proprio 28, Julga o homem conseguir grande triunfo quando chega a dominar outros homens, seus semelhantes. Por que é inato & alma, cheia de vicios, apetecer de maneira excessiva e exigir, como algo que Ihe é devido, 0 que é proprio unicamente de Deus. Esse amor desordenado de si proprio seria mais bem denominado édio. B iniqtiidade para ohomem, com efeito, querer ser servido por aqueles que Ihe sao inferiores, enquanto ele prépriv se nega a a ShYPESE MORAL servir quem lhe é superior. Muito corretamente foi dito ‘O que ama @ iniguidade odeia sua alma” (SI 10,6). Dat provém o motivo de a alma tornar-se enferma e encor rar tormentos em seu corpo mortal, ¢ ainda assim amar e sofrer as conseqtiéneias de sua corrupedo. Berto que a imortalidade e a incorruptibili corpo sé podem vir, para cle, da vida sie perfeita da alma Essa saide da alma consiste em se apogar mui solide mente a um bem superior, isto é, a Deus imutavel, O ho- mem que aspira a dominar os que por natureza The so semelhantes, isto é a outros homens, é dominado por orgulho intoleravel ade do CAPITULO 2 Ninguém odeia a propria carne 24. contro- odeia seu proprio corpo, c o que diz o Apéatolo é dade: “Ninguém jamais quis mal a sua prépria carne” (Ef 5,29). Logo, quando alguns dizem que prefeririam viver sem 0 corpo, enganam-se inteiramente, Porque nao é a seu corpo, mas & corrupedo corporal ¢ seu pesado fardo que eles odeiam. Assim, 0 que eles quereriam, sem diivi- da, nio é ficar sem corpo, mas té-lo incorruptivel ¢ per- feitamente agil. O engano procede de que pensam que tum corpo dessa espécie sutil ndo mais existiria, pois tais, qualidades 86 pertencem & alma, a seus olhos. Quanto aos que parecem mortificar seu eorpo com privagdes e teabalhos, se o fazem com reta intengde nfo 0 fazem para destrair 6 corpo, m para manté-lo sub- misso e disposto ao cumprimento do dever. Submetido © corpo a essa espécie de laboriosa luta, eles procuram ex Ninguém odeia a si proprio. A respeito disso, alguma tem surgido em escola nenhuma. Ninguém tinguir as paixses que o degradam, isto é, reprimem os maus habitos e inclinagdes da alma que a levam a0 gozo das coisas inferiores. De fato, vemos que longe de se d rem A morte, tais pessoas tomam o cuidado de conservar suas forgas.® O verdadeiro sentido das mortificagse Os que fazem essas mortifieagdes com ma intengio declaram guerra a seu corpo como se ele Fosse inim go natural, No entenderam aoller as palavras: “A exrne tem aspiragies contrairias 20 espitito ¢ o espirito contrarias & carne. Bles se opéem reciprocamente” (G1 5,17). Na verda- de, isso foi dito desse modo por ¢ indomados da carne, contra 03 quais o espirito uta, no para a destruigao do corpo. Foi para submeter 0 corpo ne espitito, depois de o ter domado, como reclama a ordem natureza. Ora, isso aconteceré apés a ressurreigéo, quando 0 corpo, plenamente submisso a0 espirito em paz perfeita, reecontrar para sempre vigor absoluto. Se assim 6, por que no nos esforcarmos para que, ja nesta vida, as incli- es da carne se transformem para melhor e nfo se oponham ao espirito com movimentos desordenados? Entretanto, enquanto isso néo ¢ conseguido, a carne apetece contra 0 espirito © o espirito contra a carne, O espirito nio se opde A carne movido pelo édio, mas pera dos habites [ra aaa. 0 corpo, segundo Agoatizho, presen de mortifenss0 terecus apetites desmetieso sous impubuos de gazar dos bona infriocs. CE DM Liss Roque, Dedocrinachristiana em fiefs lo Plaio, Atelier S.Agostiho, Miscslinea "Universitoe”, Saroeaba, 1988, 0.98 6 SIVTESE MORAL, conservar sua superioridade, Porque quanto mais quer téla submissa a ele, tanto mais a ama, 'Tampouco a car- ne resiste ao espirito levada pelo ddio, mas devide a forea do mau habito que, enraizado pela heranga dos pais, deseavolven-se segundo & lei da natureza. Logo, 0 espir to trabalha para domar a carne, em vista de romper, por assim dizer, o pacto perverso do mau habito e para esta- belecer a paz, fruto de uma boa harmonia, ‘Todavia, também homens pervertidos, que por fal sas idéias detestam o seu corpo, estariam dispostos a per- der um olho, ainda que fosse sem dor, e que Ihe restasse 0 outro olho, com tanta visdo quanto a que tinha com os dois? Fariam isso, a menos de estarem constrangidos por motivo de ordem superior Esse exemplo ¢ outros andlogos bastam para mos- trar aos que procuram a verdade sem empenho, quao certo €o pensamente do Apéstolo quando diz: “Ninguem ja- mais quis mal A sua prépria carne”, ¢ ao acres tes, alimenta-a ¢ dela cuida, como também faz, Cristo com a Igreja” (BE 5,29), captro.o25 0 verdadeiro amor de si proprio 26, & preciso, pois, ensinar ao homem a medida de seu amor, isto 6, a maneira como deve amar-se a si pr prio, para que esse amor Ihe seja proveitoso. Duvidar de que ele se ama e deseja o proprio bem ¢ pura demén- cia, E preciso também ensinar ao homem como deve amar sett corpo, para que tome cuidado dele, com ordem © prudéneia. Porque o fato de 0 homem usar seu corpo ce desejar conservé-lo sadio e intato é verdade bem mani- fosta \VERDADES 4 SEREM DESCOBERFAS 66 Alguém pode, 6 certo, amar um, bem maior do que a satide © a intogridade de seu corpo. Encontram-se, com efeito, pessoas que enfrentaram voluntariamente dores e perda de algum de seus membros para obter outro be: ainda mais cobicado. Guardemo-nos, porémt, de dizer que ‘© homem nao ama a satide © a integridade do corpo, aclo fato de existir alguém que tenha amado mais alguma outra coisa. Vemos que até 0 avarento, ainda que amando o di- nheiro, niio deixa de comprar o seu pao. EB a0 fazé-lo, xas- ta aquele dinheiro que muito ama e deseja aumentar. S6 que acima do dinhefro, ama a sua satide que 6 susteata- da por aquele pao. Soria supérfluo discutir mais longamente sobre as- sunto de tanta evidéncia. Entretanto, fomos levados fazé-lo pelo erro dos impios. CAPITULO 2s O preceito da caridade 27. Nao houve necessidade de ser dado preceito ao ho- mem para amar-se a si proprio e amar aa seu corpo. Isso porque o que somos ¢ 0 que esté posto abaixo de nés © em relacdo conosco, nbs os amamos pela lei inviolavel da natureza, Essa lei estende-se igualmente 08 animais (porque também os animais amam-se asie a seu corpo). Faltava portanto que recebéssemos preceitos de amar o que esta acima de nds ¢ 0 que nos é semelhante. Diz 0 evangelho: “Amaras 9 Senhor teu Deus de todo 0 coragao, de toda a alma e de todo 0 entendimento; € amards 0 teu préximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei ¢ os Proferas” 6s sires MORAL (Mt 22,87-40), Portanto, o fim do preceito 60 amor (Tm 1.5), mas esse amor 6 duplo. Tem por objeto a Deus € 20 préximo. Ora, se tu te consideras por inteiro, isto é alma e corpo, ee consideras 0 préximo por inteiro, isto &, alma e corpo (porque o homem consta de eorpo e alma),’ observa- rs que nenhuma categoria de objeto a amar foi omitida nesses dois preceites, Entretanto, ja que o amor de Deus est acima de tudo, e que o modo desse amor manifesta-se preserito sob uma forma que faz eonvergir para si todos os outros amo: rea, pareeo-nos talvez nao ter sido dito nada sobre o amor a 5i proprio? Mas por certo, ao ser dito: “Amaras ten pré: ximo como a ti mesmo”, 0 amor de ti por ti proprio tam- bem nao foi omitido capiruto 27 A ordem do amor 28, Vive justa e santamente quem ¢ perfeito avaliador das coisas. B quem as estima exatamente mantém amor ordenado, Dessa maneira, ndo ama o que nao ¢ digno de amor, nem deixa de amar 0 que merece ser amado, Nem da primazia no amor Aquilo que deve ser menos amado, nem ama com igual intensidade o que se deve amar me- ‘nos ou mais, nem ama menos ou mais o que convém amar de forma identica ;Embora a antropalogia de Agostinko sui itclramente dependent do Platte enquaato defiree somen somo un conposto de corpo aa, ss da nied pelea era aie deinspicogto bili: 9 homem lan Faionsl ser ‘ia por corpo terrestre (De mroibe Berleiae Catholne }, 2252) A rslagno ire lesa corp Agortnh a estuda eapecalmon lade de in 2 lg io Pats nde iano platen ot ‘VERDADES ASEREM. LOBRRTAS, 66 © pecador, contudo, © ser amado; mas todo homem, enquanto tal, do por causa de Deus. Deus, porém, por si préprio é digno de amor. B ja que Deus deve ser amado mais do que todos os homens, cada um deve amar a Deus mais do que a si proprio. Da mesma forma, deve-se amar o nosso préximomais do que a nosso corpo, porque todas as coisas hio de ser amadas por Deus, ¢0 préximo pode gozar de Deus conosco, 0 passo que nao 0 pode nosso corpo. Pois o corpo vive da alma e é por ela que gozaremos de Deus. PITULO 28 A hierarquia no amor do préximo 29, ‘Todos devem ser amados de forma igual, No entan- to, jd que ndo podemos ser titeis a todos indistintamente, devemnos atender de modo especial aos que nos estao mais ligadlus pols circumslncias vonerelas de tempo e de Lue gar, ou por quaisquer outras, de ordem diferente. Isso, por assim dizer, como se fosse por sorteio. Suponhamos, por exemplo, que tenhas algo de supér- fluo. B preciso di-lo a quem earece de tudo. Nao podes dé-lo, porém, a duas pessoas. Or © apresentam, dos quais nenhum leva vantagem, seja pela. necessidade, seja por lago de amizade contigo, poceras fazer algo de mais justo do que escolher pela sorte, aqual dos dois deves dar o que nao podes oferecer a ambos? Acontece igualmente com os homens em geral, a quem nao podes socorrer. Deves considerar como deter- minado pela sorte o grau de proximidade que, por razito de cireunstancias temporais, te ligou a cada um deles, de modo mais estreito © dois siio as que s un SINTESE MORAL, caPtTULo 29 Procurar que todos amem a Deus 30, Entre os que podem gozar de Deus conosco, amamos alguns a quem favorecemos; amamos outros que nos fa- vorecem; amemos aqueles de cujo auxilio necessitamos € 20 mesmo tempo atendemos As suas indigéneias: por fim, amamos a certos a quem nao somos de nenhuma utilida- de ¢ tampouco deles esperamos coisa alguma. Mas devemos querer acima de tudo que todos amem Deus conosco, ¢ que toda ajuda que thes dermos ou que deles recebermos seja oricntada para finalidade Nos paleos da iniquidade, 6 um fato 0 espectador gostar, em especial, de um artista ¢ julgar a arte dele como de grande valia ow ainda a considerar isso como 0 bem supremo. Igualmente, gosta de todos os que parti- Tham dessa sua admiracio. Nao por causa desses admi- radores, mas por causa do idolo comum, E quanto mais 0 amor por aquele artista for ardente, tanto mais 0 admi- rador esforcar-se-4, por todos os meios a seu aleance, deo fazer admirar por muitos e desejaré exibi-lo a uma gran- de platéia, Se eneontrar alguém indiferente, estimula-lo-a quanto pode, com elogios 20 artista de sua predilecao. Se encontrar um que se oponha, aborrece-se veementemen- te com 0 menosprezo a seu favorito, Por todos os meios, procura reparar esse descaso. E a nés, entao, o que nos convém fazer em relagio & Deus? Como estender 0 seu amor, cujo goz0 consiste na felicidade; de quem todos que 0 amam recebem o proprio ser eo favor de 0 amar; por quem nao receamos vi desagradar a quem quer que 0 tenha conhecido; enfim, aquele que quer ser amado nao para auferir para si algu- ma vantagem, mas para conceder aos que 0 amam uma | VERDADES A SEREM DESCOBERTAS 65 recompensa eterna —a de amé-to, como seu amor? nieo objets de O amor pelos ininigos Dai segue que devemos amar até nossos inimigos. Nés nao os tememos, na verdade, visto que nfo podem nos tirar aquele a quem amamos, Mas nés nos compa: decemos deles, porque nos adviam, tanto mais quanto estia distantes do objeto de nosso amor. E tassem a ele, necessariamente amé-lo-iam, como o Bem beatificante, ¢ a nds, como co-participantes de tao gran- de bem. se acaso vol capiruLo 90 A universalidade do preceito de amor 81, Surge aqui uma questae a respeito dos anjos. Sles sao bem-aventurados gozam ja daquele Bem que nos préprios desejamos gozar. Aconteee que quanto mais no curso desta vida gozamos de Deus, ainda que em espe- ho, de mancira confusa ( 1Cor 13,12), com mais tole-an- em diregio a Deus cia Suportamos esta nossa peregrinagao e mais ardentemente desejamos termind-la, Entao, se o. amor para com os anjos se inchui também nos dois preceitos do amor a Deus ¢ do amor ao proximo, a pergunta nao é sem fundamento, Homem algum, de fato, esta excluido por aquele que nos disse de amar o préximo. O Senhor mostra-o expre: samente no evangetho. B apés ele, o apéstolo Paulo. Expusera o Senhor o duplo preceito ao conhecimen- to de um doutor da lei e the dissera que ele encerrava 9 Sivr#SE MORAL toda a Lei ¢ os Profetas. E quando o doutor da lei inter: rogou-o: “Quem é0 meu préximo?, Jesus apresentou-lhe © exemplo de um homem que, descendo de Jerusalém a Jerieé, caiu em poder de assaltantes ¢, gravemente feri- do, foi deixado coberto de chagas e semimorto. O Senhor ensinow-lhe que o préximo nao era outro sendo esse ho- mem que se mostrara misericordioso, reanimara e euida- ra da vitima, O interrogador, interrogado por sua vez, tove de reconhevor isso, E Jesus coneluiu: “Va ¢ faga mesmo” (Le 10,27-37). Esta claro que ele quis fazer-nos compreender por ai que nosso préximo é o homem a quem devemos prestar servigo de miserivérdia, caso esteja em dificuldade, ou a quem deveriamos prestar ajuda, caso necessitasse, Daf a conseqiiéncia: 0 homem que nos presta um servigo 6, tam. bém, nosso préximo, A palavra “préximo” indica relagao, © ninguém pode ser préximo se nao daquele de quem se aproxima. Ora, quem nao vé que ninguém se exclui do preceitoe a ninguém pode-se negar o dever da miseries dia? Esse servico foi estondido até a nossos inimigos pelo Senhor: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam” (Mt 5,44), Todo homem é nosso proximo . Bo que ensina 0 apéstolo Paulo ao dive meteras adullério, ndo matards, nfo furtards, ndo co- bigards, © todos os outros preceitos se resumem nesta sentenga: Amards 0 teu préximo como a ti mesmo, A caridade nao pratica 0 mal contra o préximo” (Rm 13,9.10). Logo, quem quer que pretenda que o Apéstolo no nos dew aqui preceito que se apliea a todos os ho- mens, ver-se-d obrigado a eonfessar a3 mais absurdas VERDADES A SEREM DESCOBE! coisas e abomingveis, tais como: que o Apéstolo nao considerou ser pecado algum cometer adultsrio com a mulher de a0 on a de inimigo, ou ainda o fato de mati-lo ou cobigar os seus bens, Se evidente que é a tedo homem que se ha de considerar come préximo, visto quo nao se hi de fazer o mal a ni guém, s0 6 loueura, & Ainda a caridade fraterna 38, Se com razto 6 chamado proximo aquele a quem de- ‘vemos prestar servigo ou de quem dlevemos reeeber omi- nistério da misericérdia, esta claro que neste proceito, pelo qual nos ¢ ordenado que amemos ao préximo, esto incluidos também os santos anjos. Deles reeebemos gra des favores como é facil verificar em frequientes passa gens das divinas Bserituras. © proprio Deus e Senhor nosso quis ser chamado nosso préximo, Pois o Senhor Jesus a si proprio sob os tracos daquele homem que soc pobre caido no caminho, ferido, somimorto e abandonado pelos ladroes. De si préprio, profeta diz em sua oragio: “Eu me compadecia pelo préximo como por um irmao” (Sl 35,14) Entretanto, porque a natureza divina ¢ infinitamen- te superior a nossa, o preceito de amar a Deus foi distin- guido do preceito de amar 20 proximo. Deus oferece-nos sua misericérdia por causa de sua tinica bondade, a0 passo que nds pratieamos a miserieérdia uns para com 95 outros por causa da bondade dele. Em outras pala- vras: Deus tem piedade de nés para nos fazer gozar dele, 0 passo que nés tomas piedade uns dos outros para dobtermos aquele gozo. n SINTESE MORAL capitunoar Deus user ou goza de nis? 34. Parece que ainda resta dtivida no que dissemos: Go- zamios tle uma coisa se a arnamos por ela propria. B deve. mos gozar, somente se cla nos torna bem-aventurados Quanto as outras coisas, devemos simplesmente usé-las. Certamente, Deus ama-nos ¢ as divinas Bscrituras proclamam bem alto esse seu amor para conosco. De que modo ama-nos? Para usar au para gozar de nés? So for para gozar, entao precisa de nossa bondade? Tal conehu- so ninguém de jutzo poder sustentar. Pois todo bem que ests em nés, ou 6 cle préprio ou procede dele como dizer que a luz tem nceessidade do brilho dos sere que cla ilumina com seus raios’ Declarou o profeta expressamente: “Disse ao Senhor, nao tens necessidade dos meus bens” (SI 16,2). Deus nio goza de nds, ele utiliza-se Fora esse gozo ow ole poderia nos amar 2 us0, nao eneontra de que mode PAPITULO 92 Como Deus utiliza se do homem 35. Mas Deus nao usa de nds a nossa maneira, mos das coisas para chegar a gozar da bondade infinita de Deus. Ele, ao contrério, usa de nés para manifesta essa bondade. De fato, € porque ele é bom que nés mos, ¢ 6 & medida que existimos que somos bons, ‘Além do mais, 6 por ele ser justo que néo podemos ser maus impunemente. A medida que somos mavs, nés ‘temos menos ser. Pois somente possui 0 ser, sumo e pi meiro, aquele que é absolutamente imutavel e que pode VERDADES A SpRER DESCOBURTAS Py dizer em toda plenitude: “Bu sou aquele que sou” e “As- sim Ihes dirs: Aquele que 6 enviou-me a vos” (Ex 8,14), Portanto, todos os outros seres que nao cle, nao po- dem existir a nfo ser por ele. E's6 stio bons & medida que receberam o ser. Conseqiientemente, 0 uso que se diz Le fazer de nés nao se ordena a sua propria utilidade, mas & nossa, ¢ manifesta a sua bondade, unicamente. Quando nos compadecemos de alguém ¢ assumin seus interesses, n6s o fazemos certamente para a utilid de desse alguém, porque é isso que temos em vista. Mas no sei como, também se segue dat 2 nossa prépria utili- 0 um homem necessitado, Dens niio a deixa scm recom pensa. Ora, essa recompensa é suma, pois consiste em que gozemos dele, ¢ todos nés que dele gozamos, gozan0s também mutuamente uns dos outros nele dade, porque essa misericérdia, que exercemos para eapiTuLoss 0 go20 miituo 36, Se nds referimos o gozo miituo somente a nds prios, depositamos a esperanea da felicidacle no homem ou no anjo, e permanecemos parados no caminho, Ta. éa conduta dos homens e anjos soberbos que se alegram de ver depositada neles a esperanga das demais eriaturas. ‘Ao contrério, o homem justo ¢ 03 santos anjos, quan- donos véem cansados e desejosos de repousar e deter-nos neles, reconfortam-nos eom os bens que receberam para serem empregados em nosso favor, ou com os bens que receberam para si préprios. Esses hens, entretanto, nao procedem deles. E apés nos terem reconfortado, ineitam- 1nos a prosseguir 0 caminho para a patria, onde sere nos felizes, gozando com eles. 5 SINTESE MORAL Assim exclama o Apéstolo: “Paulo tora sido erucifi- eado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo?" (LCor 1,13). “Assim, pois, aquele que planta, nada 6, aquele que rega, nada 6, mas importa t Deus, que da o erescimento” (1Cor 3,7) Lemos igualmente, no Apocalipse, que 0 anjo, a quem am homem adorava, adverte-o: “Nao adores a mim, ado- ra antes a Deus, porque eu também estou abaixo dele, e ambos somos seus servos” (Ap 19,10) omente Deleitar-se em Deus . Se te deleitas desse modo no convivio com o homem ‘em Deus, antes gozas de Deus do que do homem. Gezas lo bem pelo qual chegards a ser feliz. Hum dia, alegrar te-ds por teres chogado aquele em quem puseste a espe- ranga de ser feliz, Por isso di Pilémon: “Sim, irmao, eu gozarei de ti no Senhor” (Fm 20} Sw cle nia tivesse acrescentada “na Senhor” e hou- vosse apenas dito: “Gozarei de ti”, teria posto nele a espe: vanga de sua felicidade Na verdade, usar alguma coisa com deleite € certa- mente encontrar nela seu 4070. Porque quando esta pre- sente um objeto do qual se gosta, necessariamente traz.consigo certo deleite. Mas se, transcendendo o delei- te, te referires aquele em quem has de permai ta0 usas do objeto amado e dir-so-d, s6 de modo abusivo, que gozas dele. Mas se aderes a esse objeto que amas ¢ permaneces nele, pondo at o fim de tua alegria, en com propricdade, dir-se-4 que gozas dele. Ora, tal deve contecer somente com a Trindade, isto é, 0 sumo ¢ imu- ivel Bem. fio Paulo ao escrever a A SEREB DES COnERTAS 14 capituLoat Cristo, 0 caminho que leva a Deas 38. Notai o seguinte: a propria Verdade, o Verbo por cuem foram feitas todas as coisas, se fez carne para hasitar entre nds (Jo 1,3.14), F, eontudo, diz. 0 Apésielo: *Mesmo se conhecemos Cristo segundo a carne, agora ja r40 0 conhecemos assim” (2Cor 5,16). Par certo, cle quis nao somente dar-se como heranga aos que chegam & pétria, mas também oferecer-se como caminho aos que encetam a caminhada para 14, Ele proprio decidiu as: carne. Nesse sentido esta a palavra: “O Senhor me pos- suiu no prinefpio de seus caminhos” (Pr 8,22), para dar a entender que, por Cristo, caminham os que querem che- gar a Deus Com eftito, o Apéstolo, embora se encontrasse ainda em caminho, e seguisse 0 Senhor que 0 chamava para conquistar a palma reservada a sua vocacdo celeste, ndo tinha, contudo, esaecido as coisas que ficam para trés.e, avancando para as que estao adiante, havia jé ultrapas- sado o infeio do caminho (FI 3,12-14). Em outras pala- vras, ele nao tinha necessidade desse ponto de partida, por onde devem iniciar seu pereurso todos os que dese jam chegar a verdade © permaneeer na vida eterna B nesce sentido que 0 Senhor diz: “Eu sou 0 cami- nho, a verdade ¢ a vida” (Jo 14,6), isto 6, por mim se vem, a: mim se chega, em mim se permanece, Chegar até ele, com efeito, é chegar também ao Pai. Pois por ele ¢ co- nhece aquele que lhe ¢ igual. E 0 Espirito Santo nosliga, por assim dizer, nos aglutina, a fim de nos dar a possibi- lidade de permanecermos unidos ao sumo ¢ imutavel 3em. Compreende-se por ai que coisa alguma deve deter- nos na eaminhada, visto que proprio Senhor, medida que se dignou ser nosso caminho, nao quis que nos d 5 SiNTRSE MORAL, ", mas que passdssemos além. Bo fex para que longe de nos apegar por fraqueza 88 coisas tempo- rais, que ele empreendeu ¢ realizou em vista de nossa salvagao, corramos com diligoneia através delas, para merecermos nos adiantar e chegar até aquele que liber. tou nossa natureza do jugo das coisas temporais assentou-a a direita do Pai D. PRINCIPIOS BAS DE EXEGESE carituLoas O Amor: plenitude das Escrituras 39. De tudo 0 que foi dito anteriormente a0 tratarmos sobre as coisas (de rebus), esta é a suma: que se entenda ser a plenitude ¢ o fim da Lei, como de toda a Escritara divina, 0 amor agnela Coisa, que sera nosso gozo (Rm 13,10 e 17m 1,5); e 0 amor dos que podem partilhar co- nosco daquela fruigao. Quanto ao amor que cada um deve a si préprio nao houve necessidade de proceito (ef. 1,23,22). Ora, em vista de nos fazer conhecer esse amor, ¢ de no-lo tornar possivel, 6 que a divina Providéacia eriow para nossa salvacao toda a economia temporal da qual devemos usar, nao com amore alegria permanentes, mas antes como algo transitério, tal como estando em via~ gem, num veiculo ou nao importa em que outro meio de transporte que se possa nomear com maior pro- priedade, Portanto, amemos esses objetos que nos le- vam a0 fim ultimo, por causa do mesmo fim aonde 50- mos levados, PRINCIPIOS BASICOS DR EXEOESE capiTuLoss A edificagdio da caridade 40. Se alguém julga ter entendido as Escrituras divinas ou partes delas, mas se com esse entendimento nao edifica a dupla caridade —a de Deus ea do préximo —, € preciso reconhecer que nada entendeu. Mas quem tira de seu entendimento uma idéia stil para a edifieagdo da caridade, ainda que sem trazer pensamento préprio do autor, na passagem em estudo, ousarei dizer que nfo comete erro pernicioso, nem diz mentira Cortamente, hd no homem mentiroso a inten liberada de dizer falsidades. Bis por que encontramos muitas pessoas que querem mentir, mas nenhuma que consinta em ser enganada. Bim eonseqiiéncia, como o homem diz menti cientemente e as suporta apenas por ignorancia, aparece suficientemente claro que, sobre um mesmo assunto, a condicao do que foi enganado ¢ preferivel a do que enga- hou, porque é sempre melhor ser vitima de injustiga do que causé-la.a outros, Ora, todo aquele que mente come- te injustiga, B se alguém pensar que a mentira pode ser, emalgum caso, de utilidade, poderé também admitir que a injustica é igualmente ditil, Todo mentiroso atenta con- tra a fé, porque quer obté-la daquele a quem engana 1no momento mesmo em que esté a violé-la, Todo violador 6 injusto, Por conseguinte, ou a injustica aparece alguma vez Uitil — 0 que 6 impossivel —, ou bem a mentira nunca podera ser vitil VERDADES A SEREM DESCOMERTAS Corrigir 0 intérprete que se engana 4a, Em todo caso, todo aquele que nas Bscriturasenten- de de modo diferente uo do autor sagrado engana-se em meio mesmo da verdade, visto que as Bscrituras noo mentem * Portanto, como eu tinha comecado a dizer, se alguém se engana dando uma interpretacdo que edifiea a carida. de —a qual éo fim do preceito—, engana-se tal como um viajante que, por cquivoco, abandonasse 0 caminho, & 0 que 6 pior, seguisse sua caminhada através do campo para chegar ao ponto onde o primeiro eaminho justamen- te conduzia ‘Todavia, € preciso nao deixar de corrigir o que errae demonstrar-Ihe quanto é mais itil ndo abandonar 0 ca- minho por receio que, tomando o habito de desviar, ele se veja obrigado a ir por vias transversais e mas canituto A fé nas Escrituras fortalece a esperanca e a caridade Alb, Afirmando levianamente um pensamento que o au- tor sagrado nfo teve, o pregador cai, na maior parte do tempo, em opinides diversas que poderao discordar com as do original. Ora, se ele julga serem verdadeiras ¢ cer No comprecnde a Escritura, dis Agostino, quem dela nd trauma Se ‘de cardade para com Deus ox para com 0 pros. scstavel ts interpre tein qua favraga nvalornigan do dupls Soom, ainda que «anterpreteeotja tm desncorén oom fansament verdadeire do auinrsagrado, Mac, ¢ pees mar euidado com este procodimentinterprciar babitualmeate a Eserituea Alomancira fants, anda que eo a ipaludade deediicacbe, no cn, Agostino expse os graves abusos a que ntegpnetagag sigs da Rscrtoran CE Comblea Fargo, La dct ne, Bil. ugustinenme, XE, n° 17,382; Vande Newt, Sant ago, Poor dames, pp 446:298 9 PRINGIPIOS BASICOS DB EXGESE tas as suas proprias idéias, ndo 0 seriam as da Escritura, E pode acontecer que, amando mais seu préprio parecer, cle condene a Escritura e nao a si préprio. E caso ele per mita que esse mal se estenda, encontraré at a sua pré- pria perdicao, Lembremo-nos de que “caminhamos pela fis, e ndo pela visio da verdade” (2Cor 5,7). Ora, a fé cam baleard se a autoridade das Escrituras vacilar. E cam- baleando a f6, a caridade, por sua vez, enfraquecer-se-d. Pois diminuir a fé necessariamente ¢ diminuir também a caridade. Realmente, ninguém pode amar o que nao cré que exista, Ao contrsi 10 mesmo tempo, ele ere e ama, fazendo o bem e conformando-se aos preceitos e bons costumes, sente naseer em si a esperanga de chegar ao que ama. Bis por que existem esas trés virtudes: a fé, a esperanga ¢ a caridade. Blas encerram toda a ciéneia © toda a profecia, CAPARULO 38 A posse superaré 0 desejo 42. Ora, a f6 sucederd a clara visio que teremos na vida futura. A esperanga sucederd a posse da prépria beatitude a qual haveremos de chegar. Quanto & caridade, ereseers sempre, ainda depois que desaparegam as duas primei- ras virtudes: Se apenas ao crer amamos o que ainda nao vemos, quanto mais amaremos quando comegarmos a ver! E se, apenas ao esperar, amamos 0 que ainda nao obtivemos, quanto mais amaremos quando o possuirmos! Quanta diferenca entre as eoisas temporais e as eter- nas! Um bem temporal é mais amado antes de ser pos: sufdo, Depois, porém, perde seu valor, pois nfo saciou a alma para a qual o eterno somente ¢ 0 verdadeiro ¢ ‘VURDADES A SEREM DESCOBERTAS w guro descanso. O bem eterno, a0 contrdrio, ¢ amado com tanto maior ardor ao ser possuide do que fora go ser desejado, Pois a ninguém que a deseja, a beatitude con cedida é menor do que a desejada. Logo, nao podera sentir-se decepcionado quem a encontrar, pois nfio inferior & idéia que dela se fizera. Por mais alto que al- guém queira té-la imaginado, mais preciosa acharé quando a abragar. 10.30 O valor das virtudes teologais 43, O homem que se apéia na fé, na esperanca e na caridade, ¢ que guarda inalteravelmente esas trés vir- tudes, ndo necesita das Eserituras a nao ser para ins truir os outros. Bis por que muitos, gracas a elas, vi vem na solidao sem os manuscritos dos Livros santo: Bo que me leva a pensar que neles se realizou a sen. tenga: “Quanto as profecias, desaparecerao. Quanto as linguas, cessarao. Quanto a ciéneia, também desa- parecer” (1Cor 13,8). Acontece que, com tal apoio, le- vantou-se nesses homens tio grande edificio de fé, es- peranga e caridade, que, possuindo ja esse bem perfe:to, nao precisam buscar o que € parcial. Digo que eles pos- suem jd 0 que é perfeito, mas sé enquanto pode ser pos sudo nesta vida mortal, porque comparado & perfeicao da vida futura, a do justo e santo neste mundo ¢ im- perfeita, Por tudo isso, diz 0 Apdstolo: “Agora permanecem fé, speranga e caridade, estas trés coisas. A maior delas porém, é a catidade” (1Cor 13,13), pois ao chegar cada um a vida eterna, cessardo a fé e a esperanga, permane cendo a caridade, mais ardente e segura. a PRINCIPIOS BASICOS DE EXEGESE capivuLo 49 Disposigies para o estudo das Escrituras 44, Coneluimos, pois, afirmando que todo aquele que houver entendido ser 6 fim da lei “a earidade proeedente de um coracao puro, de uma boa consciéneia e de uma fe semn hipoerisia” (Tm 1,5), e quem refere toda a comproen- sao das divinas Eserituras a essas trés disposigdes, pode- ré abordar eom seguranca o estudo dos Livros sagrados. Aonomear “a caridade”, o Apéstolo acrescentou “que procede de um coragio paro”, para dar a entender que nao se ame nada além do que merece ser amado, Acres: centou ele ainda “uma boa consciéncia”, em vista da es- peranga, Porque quem sente © remorso de ma eonsei cia desespera de chegar ao que eré e ama, Por fim, 0 Apastolo exige “uma fe sem hipoerisia”. Porque quando nossa fé est a0 abrigo da mentira, nés amamos 0 que deve ser amado ¢ lovamos vida reta ¢ esperamos que nes- sa esperanga nao seja defraudada de modo algum. B agora, depois de ter falade sobre as coisas (de rebus), referentes & nossa fé, & medida que me pareceu suficiente pelas cireunstiincias, ponho fim a este livro que pode ser complementado, alias, por outros escritos por maim publicados ou por outros. Consagro 0 resto deste trabalho a tratar a respeito dos sinais (de signis), conforme as luzes que Deus me con- ceder. LIVRO IL SOBRE OS SINAIS A SEREM INTERPRETADOS NAS ESCRITURAS A. PRECISOES PRELIMINARES capiTuo 1 Definigao de sinal 1, Avescrevero livro anterior sobre as coisas (De rebus), procurei prevenir que se fizesse atencio, af, apenas a0 que as coisas sao em si préprias, prescindindo do que possam significar além de seu sentido préprio (12,2). Agora, ao tratar sobre os sinais (de signis), advirto que no se da mente ao que significam, isto é, que elas se manifestam sinais de algo diferente." O sinal ¢, portanto, toda coisa que, além da impres- so que produz em nossos sentidos, faz com que nos venha ao pensamento outra idéia distinta. Assim, por exemplo, quando vemos uma pegada, pensamos que foi impressa por animal. Ao ver fumaga, pereebemos que embaixo deve haver fogo. Ao ouvir a voz de um ser ani- mado, damo-nos conta do estado de seu animo. Quando soa a corneta, os soldados sabem se devem avancar, atenciio ao que as coisas sfio em si, mas unica Nos eaptulos 14, Age ints es Excritras, prepa ho sborda o problems dos sna do ponto de ndo a terreno fara a apiieagao da interpreta slegiriea. Ja erm 389, neoconvertid, Agostini tratara a espe dose na obra O mesre taro lanearmensn nesta coegao). Como palavra tornau-se ‘melhor viele para o hamem exyreseas seus penssmentor, Deis recat Ak lavras das profess pars Calar ae hemem, Assim Geseieuray canjento de "Snnie emits por Dove que we aeanuda & naa Language ht noee3= fig fs iterérina CP. eowen, p33, SINAIS A SERRACINTERPRETADOS 6 retirar-se ou fazer alguma outra manobra, exigida pelo combate. Sinais naturais 2. Entre os sinais, alguns so naturais ¢ outros eonven- cionais, Os naturais s80 03 que, sem inteneao nem desejo de significagao, diio a conhecer, por si préprios, alguma outra coisa além do que s80 em si Assim, a fumaga ésinal de fogo, Bla o assinala sem ter essa intengio, mas nis sa- bemos, por experiencia, observando e comprovando as coi: a8, que a0 aparecer a furnaga haverd fogo embaixo. Acesse género de sinais pertonce a pegada do animal que passa. O resto de um homem irritado ou triste tra duz.o sentimento de sua alma, ainda que ele nao tivesse nenhuma intencao de exprimir essa irritacao ou tris:eza. Da mesma maneira, aeontece com qualquer outro movi- mento da alma que é revelado ¢ traduzido no rosto, sem que nada tenhamos feito para 0 manifestar. Nao € meu propisito discorrer agora sobie esse tipu de sinais. Mas como pertencem distingio que fizemos acima, nao pude de modo algum deixi-los passar seb si- lencio. F suficiente, entretanto, o que até aqui foi dito a respeito, capiruLo2 3, Sinais convencionais (data signa) so os que todos os seres vivos mutuamente se trocam para manifestar— © quanto isso Ihes é possivel — 0 movimentos de sua alma, tais sejam as sensagdes e os pensamentos, Nao hi outra razao para significar, isto é, para dar um sinal, a 8 PRECISORS PRELISENARES. rndo ser expor ¢ comunicar ao espfrito dos outros o que se tinha em si prdprio, ao dar o sinal. B sobre ease tipo de sinais e no que se refere aos homens que determinei examinar e estudar aqui. E por que os sinais que nos foram eomunicados por Deus, e que se encontram nas Santas Escrituras, foram-nos comuni: cados pelos homens que as esereveram. Também os animais usam entre si esse tipo de nais pelos quais manifestam os seus desejos. O galo, quan- do eneontra alimento, com o sinal de sua voz manifesta 0 achado as galinhas para que acorram a comer. £ 0 pombo com seu arrulho chama pomba au 6 por ela chamado, Existem muitos outros sinais anslogos que poder e cos tumam ser observados Eis certa questo que ndo toea ao assunto de que presentemente tratamos: esses sinais como, por exem- plo, a expressao do semblante e 0 gemido de um doente, segguem espontaneamente o movimento da alma sem ne- nhuma intengao de significar, ou sao dados expressamente para serem sinais? Vamos suprimir tal questo como no nocessiria nesta obra eaptruLo Sinais verbais 4, Entre os sinais com que os homens comunicam en- tre si o que sentem, alguns pertencem ao sentido da vi ta, a maioria ao da audieao, bem poucos aos demais sen- tidos. Bfetivamente, ao fazer um sinal com 2 cabega, damos somente sinal aos olhos da pessoa a quem quere mos comunicar a nossa vontade. ‘Com o movimento das mos, algunas pessoas expri- mem a maior parte de seus sentimentos. Os comicos, com ‘o movimento de todos os seus membros, do certos sinais, SIVAIS A SEREM INTERPRETADOS s 0s espectadores ¢ como que falam a scus olhos. Os ¢s- tandartes e insignias militares declaram os olhos a ce- cisio dos chefos. De modo que todos esses sinais sao como palavras visiveis, Como disse antes, porém, os sinais que pertencem a0 ouvide so em maior ntmero ¢ principalmente cous tituidos por palavras, Na verdade, a trombeta, a flauta e a citara emitem muitas vezes no somente som agracée vel, mas também significativo, Entretanto, essa classe de sinais, em comparacdo com as palavras, é diminuta, As palavras, com efeito, obtiveram entre o3 homens © principal lugar para a expresso de qualquer pensa- mentos, sempre que alguém quer manifesté-lo. Certamen- te, o Senhor dew um sinal através do olfato pelo perfume do ungiiento derramado em seus pés (Jo 12,3.7). Atra do sentido do paladar, também significou sua vontade pelo sacramento de seu corpo ¢ sangue pregustados por ele (Le22,19.20), Igualmente, através do sentido do tato dau um sinal, quando a mulher, tocando a orla de sua vesse, receben a cura (Mt 9,21). Contudo, a inumerdvel quantidade de sinais com que os homens demonstram seus pensamentos € constitui-se pelas palavras. Qualquer desses sinais acima brevemen- te indicados podem eertamente ser dados e conhecidos com palavras, mas as palavras nao poderiam ser dadas entender com aqueles sinais, cAPETULO4 Origem da linguagem escrita 5. Ora, ao vibrar no ar, as palavras logo desaparecem, ¢ nao duram mais longamente do que ao ressonrem. Para se- rem fixadas, entao, foram instituidos seus signos, por meio 80 PRECISOBS PRELIMINARES das letras. Assim, as palavras manifestam-se aos olhos nao por elas préprias, mas pelos sinais que lhe so proprios. Esses sinais, 6 verdade, nao puderam ficar comuns a todos os povos, Isso por eaust da desinteligéncia huma- na que houve —~ cada uma das nagées a querer wsurpar para si o dominio. Desse orgulho é sinal aquela torre erguida em direedo ao eéu. La, os homens impios incorre- ram no mal de néio somente terem vontades opostas, mas também linguas diferentes (Gn 11,1-9). eAPITULOs As Escrituras: sinais da vontade de Deus 6. Dai provém que a divina Escritura, a qual socorre a tao grandes males da vontade humana, tendo sido ori nada de uma sé lingua que Ihe permitia propagar-se opor- tunamente pelo orbe da torra, foi divulyada por toda par te, em diversidade de Iinguas, conforme os intérpretes. Os que a lem nao desejam encontrar nela mais do que 0 pensamento e a vontade dos que a esereveram ¢ desse modo cheyar a conhecer a vontade de Deus, segun do a qual créem que esses homens compuseram capiruLo 6 Utilidade das obseuridades da Biblia 7. Os que léem a Fscritura inconsideradamente en. ganam-se com as muiltiplas obseuridades e ambigiida- des, tomando um sentido por outro.? Nema chegam a e1 ‘Como numurasos Padrs da ire, especialmente « partir de Origen infloencssos em particular por Pon de Alexondia, Agostino prestign S| SINAISAS /REM INTERPRETADOS. 2s contrar, em algumas passagens, alguma interpretagao, E assim, projetam sobre os textos obscuros as mais es pessas trevas, Nao duvido de que a obscuridade dos Livros santos seja por disposicao particular da Providéncia divina, para vencer o orgulho do homem pelo esforgo e para premunir seu espirito do fastio, que nio poucas vezes sobrevém aos que trabalham com demasiada facilidade. Como se explica — pergunto eu — que se alguém disser: Ha homens santos ¢ perfeitos, gragas a cuja vida e costumes a Igreja de Cristo retira das superstigdes os que vem a ela € os incorpora a si, caso imitem 03 bons, ses justos, como fiéis ¢ verdadeiros servos de Deus, a0 depositar o fardo do século, aproximam-se do banho sa- grado do batismo e, erguendo-se de li, sob a agio fecun- dante do Espirito Santo, produzem o fruto do duplo amor ~o de Deus ¢ 0 do préxim, Ora — perguntava eu — como se explica que ao redi zer isso, o fiel deleita-se menos do que ao ouvir as mesmas idéiaa expostar com a oxproseso do Canticn dos «: Ase diz para a Igreja, louvando-a como urna bela mulher: “Os teus dentes sfio como os rebanhos das ovelhas tes- quiadas ao subir do lavatério, todas com dois cordeirinhos gémeos, ¢ nenhuma hé estéril entre elas” (Ct 4,2), tice. xplieagde da Sagrada Bsritura. A expliccio 42.ne presente rapa, tipi da exegese “logic fantantsta, an gost da epee, mgs que a0 etter moderna causa eta Shrsaeeztarago. Brin lar o bs times Heras da Confesbes (Ph (il Petrstiea, pp 327-450) para entander a atraqan de Agoetinho pela inter preagto alegSeet,espacialmentce tim ira que una medtagto sabres ‘Silesdasalgaricos da eriagdo.As passageas obscuras, os enigmas, eases itu, send Artin, coma msi pocagogico de scadira prog tol, entero fastinda lettura eugugar o daale do eompreensae do ire uclmente sees! Hnenace Igo foanal Assim, Samim vs tspusios cults eneontram was Bveituras un iro ieundo ci sentido prefinde, sutectieis de serem dexterne. CL mia sabre esta temten em F. Van de Mee, gpa 1, p 262, cenalta 0 métado ulegético nn ‘duc cle da de Cantco sete a PRECISOES PRELIMINARES ‘Acaso, 0 fiel aprende ai outra coisa do que ouvira ha pouco, expresso em termos bem despojados, sem o auxilio dessas comparacdes? Entretanto, nao sei @ ra 740, mas contemplo com mais atracdo os justos, quando os imagino como dentes da Igreja que arraneam 03 ho- mens do erro, depois de os ter mastigado ¢ triturado, a fim de amolecer sua dureza, introduzem-nos no corpo da Igreja. Também me agrada muito quando contemplo as ovelhas tosquiadas. Blas deixaram sua la como se fossem os fardos deste mundo, e sobem do lavatério, isto 6, do Batismo, e dao a luz dois cordeirinhos gemeos, isto 6,0 duplo preceito do amor. B nenhuma é estéril d santo fruto, O encanto das alegorias 8. Mas por qual razao pareco-me mais agradavel (sua vits) esta apresentagio do que aquela proposta sem ne- nhuma comparagio desso tos? Ainda ao se tratar de um mesmo fatoe de uma mesma idéia? F dificil de explicar, e essa é outra questo. Basta dizer que ninguém contesta o fato de se aprender mais espontaneamente (libenter) qualquer coisa com a ajuda de comparagées; ¢ que se deseobre com maior prazer (gratius) as coisas que se procuram com certa dificulda- de, Os homens que nao encontram logo o que procuram sentem fome, ¢ 05 que, ao contrario, tém tudo A mao, muitas vezes, desfalecem de fastio. Ora, num caso como em outro, é preciso evitar o langor. Para isso, 0 Espirito Santo dispds de maneira magnifica ¢ salutar as Escritu- ras santas, para que elas venham saciar a nossa fome nas passagens mais obscuras. Mas, na verdade, quase nada sobressai nessas obscuridades que nao esteja mais, claramente expresso em outro lugar, nero, tirada dos Livros san SINAIS A SEREM INTERPRETADOS ve Graus na ascenséo espiritual APITULOT 0 temor de Deus ¢ « piedade 9 Antes de toda e qualquer eoisa, ¢ preciso converter-se pelo tenor de Deus para conhecer-Jhe a vontade, para saber 0 que ele nos ordena busear ou rejeitar. Necessirio é que este temor incuta o pensamento de nossa mortalida de e da futura morte ¢ fixe no lenho da ernz todos os mo- vimentos de soberba, como se nossas cares ostivessem atravessadas pelos eravos.® Em seguida, é preciso tornar-nos mansos pela pie dade, para néo contradizermos a Escritura divina. Seja quando ela for compreendida e vier repreender alguns de nossos vicios, seja quando, incompreendida, nés nos imaginarmos eapazes de julgar ¢ ensinar melhor do que ela. Devemos, ao contrario, pensar e crer que é muito melhor ¢ mais verdadeiro o que esté escrito ali, aindaque cculto, do que 0 que possantos saber por us propris, Aciéncia ¢ a fortaleza 10. Depois desses dois graus do temor de Deuse da pisda- de, chega-se ao terceiro, o grau da ciéncéa, justamente so- bre o qual eu me propus escrever nesta obra. Porque é nes- se grau que se hé de exercitar todo o estudioso das div:nas Disposigbes espiriuaie para o extudo daa Escrturas, Ter necosdade fas virttdes do tere de Deus eda pietiade, da cioasn, da frga eda comico, {i press da snbedora que leva cial ait ta aver revels: ‘a, P Rett alintn qe Agostinho nterditaconteadinur ae Bacriturae que ' tenhomos compreend.co wi nto, pve que ela enaneia € melhor emis ‘erdadito do que qualquer clea que pussamnospansae por ns masz Ela 6 ‘nai alta oridade que existe, visto que & 0 priprio Devs qu tea ex ‘reason: Leeatholiieme de ind Augustin, 22 SS PRELIMINARRS 3 preciso Escrituras, com a intengdo de nao encontrar nelas outra coisa mais do que o dever de amar a Deus por Deus, e.a0 pré- ximo por amor de Deus, Aeste com todo 0 coracao, cor toda alma e com toda a mente; ao préximo como a si proprio (Mt 22,87-39). 0 que significa que todo o amor ao préximo, sim como o amor a nds préprios, se hé de referir a Deus. Desses dois preceitos, tratamos no livro anterior, no qual falamos sobre as coisas (de rebus). Urge que, antes de tudo, cada um verifique, ao estuc dar as Bscrituras, se se acha preso ao amor deste mundo, isto é, ao amor dos bens temporais, e tome consciéncia de que est tanto mais afastado deste tao grande amor de Deus ¢ do proximo quanto mais isso esti prescrito na prépria Bscritura. Entao, na verdade, 0 temor que o faz pensar no juizo de Deus, e a piedade pela qual nao se pode senao crer ¢ aceitar a autoridade dos Livros santos, obrigam-no a cho: rar sobre si proprio. Essa viéneia que leva & santa esperanga nao torna o homer presungoso, mas antes o faz suplicante, Com esse afeto oblém, mediante diligentes suplieas, a consolacao do avxilio divino, para que ngo cain no desespero. Desse modo, o estudioso da Escritura comega a entrar no quar- to grau, isto é, na fortaleza, pela qual se tém fome e sede de justiga. Gracas a essa forga, cle afastase de toda ale- gria mortifera das coisas temporais e, apartando-se de- las, dirige-se ao amor dos bens eternos, isto é, da imuté vel Unidade que é a Trindade, identica a ela prépria, O consetho, a purificacdo interior ¢ a sabedoria 11, Apenas o homem —o quanto Ihe foi possivel — che- gaadivisar de longe o fulgor dessa Trindade e reeonhece que a fraqueza de sua vista nfo pode suportar aquela SINAISA SEREM SNTERPERTADOS ow luz, e sobe ao quinto grau, isto 6, ao conselho, fundamen~ tado sobre a misericérdia, onde purifiea sua alma tumult: ‘tuada e como desassossogada pelo clamor da consciéncia das imandicies contraidas, devido a0 apetite das coisas inferiores. le se exercita especialmente no amor ao pré- ximo e se aperfeigoa nele, Em seguida, na plenitude de sua esperanca, na inte gridade de suas forcas, chega até o amor aos inimigos & sobe ao sexto gran. LS, purifiea os olhs com os quatis Deus pode ser visto — o quanto possivel — pelos que morrem para este mundo, Porque eles véem 2 Deus, a medidi morrem para este século. Contudo, & medida que vi para este século, no 0 veem. Embora o aspecto de: divina comece jaa mostrar-se nao 86 mais segura e toleré- vel, mas também mais agradavel, ¢ preciso ainda dizer que sé se pode ve-lo “em enigma e em espelho” (ICor 13,12), porque, enquanto peregrinamos nesta vide, caminhames mais pela fé do que pela visao (2Cor 6.6.7), xinda que nos- sa conversacao soja com 0 eéu (FI 3,20) ‘Quem chegou a este grau purifies de tal modo os olhes de seu coracao que nao pode preferir, e sequer comparar, a Verdade suprema a nada, nem ao préximo, nem :t0 s¢r que ele mais ama, isto 6, a si proprio, Esse santo, em conseqléncia, ter coragio tao puri- ficado, tao simples que nao se apartard da verdade per interesse de agradar aos homens, nem com o fim de evi- tar os mil aborrecimentos que tornam infeliz esta vida presente. Esse filho de Deus eleva-se até A sabedoria, que 60 sétimo e ultimo grau onde gozara delicias, tranquilo e em paz ‘a cata spostilion Aagustinum Hipponensem I, 5, ds 2708.86, Jouo 1 saliente que sant Agostino sua cm lignes progress vs c= e desereveu fatageo eeniahar dalas para tod, em programa ample articulads que compeeendeo movimento dines PRECISOES PRELIMINARES. ‘O comego da sabedoria 6, com efvito, 0 temor de Deus” (Sl 110,10 ¢ Belo 1,16). Dele se parte e por esse graul se ha de chegar a sabedoria. cAPETULOS Os livros candnicos 12, Voltemos A consideragio do terceiro grau (a ciéncia), qual me propus tratar especialmente, conforme as luze: que 0 Senhor me conceder. O investigador mais diligente (solertissimus inde gator) das Sagradas Escrituras scr, em primeiro lugar, ‘o que as tiver lido inteyralmente c delas tomado conheci ‘mento, sc nao quanto ao sentido pleno, pelo menos quan- to & leitura perseverante, Trata-se, hem entendido, dos livros chamados candnicos. Porque os outros, cle os ler com mais seguranca quando estiver mais instruido na fé da verdade. Evitard assim que esses escritos se apode- rem de sen espiritn déhil, prejadinanda-n com perigasas falsidades e trazendo-lhe idéias contrdrias a uma sadia compreensio. Quanto as Escrituras canénicas, siga a autoridade da maioria das igrejas eatélicas, entre as quais, sem di- vida, se contam as que merceeram ser sede dos apéstolos e receber cartas deles. Eis 0 método que se ha de observar no diseernimento das Eserituras canénieas: os livros que sao aceitos por todas as igrejas catélicas se anteponham aos que ndo so aceitos por algumas. Por outro lado, entre os livros que algumas igrejas ndo admitem, prefiram-se os que s Fito para a contempiagto, Os dons dr Espitite Santo condurem a eis rater fraigao gue picha almeat: © Goz> da sabedana de Deos evminasde fidoa us euzes doa SINALS A SEREM INTERPRETADOS aceitos pelas igrejas mais numerosas e importantes 208 que so unicamente aceitos pelas igrejas menos numcro- sas e de menor autoridade. Enfim, no caso de alguns li- vvros serem aceitos por muitas igrejas e outros pelas igee- jas mais autorizadas, ainda que isso seja difiel, que se atribuam a ambas a mesma autoridade.* opino A lista dos livros candnicos 13, O enon completo das Sagradas Escrituras, ao qual se referem as consideragées preeedentes, eompreende os seguintes livros: os cinco de Moisés, a saber: 0 Genesis, 0 Exodo, o Levitico, os Neimeros e 0 Deuterondmio; um li- vro de Jesus, filho de Nave (Josué) e um dos Jutzess; am livrinho intitulado Rute, oqual parece pertencer ao come- coda historia dos Reis; seguem-se os quatro dos Reines € dois dos Paralipémenos que nao sio.a sua seqiiéneia, mas por assim dizer uma complementagio. Todos esscs livros silo narracao historica que contém o desenvolvimento das Gpocas ¢ a ordem dos acontecimentos. Ha outras hist6- rias de tipo diferente que nao possuem conexao coma a ordem dos aconteeimentos anteriores, nem se relacionam, entre si, como os livros de J6, de Tobias, de Ester, de Judite, os dois livros dos Macabeus e os dois de Esdras. Estes parecem seguir antes aquela histéria que ficara suspensa com 05 livros dos Reis ¢ dos Paralipomenos. ds enronivde estbeecio pats os livros da Hscritnaa fp roiramante slivers recedes pela unanimi id, = {Bvrs reebidoa pela pluvtilado das igre, ges ‘se epost Ieujasueenadopiseoal italy ou que resberain iva carta fen do ccnon ‘Asin Agoetinn sma ovine bseritrns, Diu Peat Hixou reges para u Octet tao", Psi ectemuahas ‘opinide de eT histor des does, o PRECISOES PRELIBANARES Depvis, seguem os Profetas, entre os quais se encontra ‘am livro de Davi, os Salmos, trés de Salomfo: os Provér- bios, o Cantico dos canticos e o Belesiastes. Os outros dois livros dos quais um é a Sabedoria ¢ 0 outro, o Belesids co, sito atribuidos a Saloméo por certa semelhanga com os precedentes, mas comumente so assegura que quem os esereveu foi desus, filho de Sirac. E, como mereceram ser recebidos com autoridade (canonica), devem ser eon- tados entre os livros proféticos. Os livros restantes propriamente chamados dos Profetas. Doze so esses li- vvros, correpondendo cada qual a um profeta. Como esto conexos ¢ nunca foram separados, s80 eontados como um 86 livro, Eis 0 nome dos profetas: Osdias, Joel, Amés, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacue, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Em seguida, 0s quatro livros dos, grandes profetas: Isaias, Jeremias, Daniel ¢ Ezequiel. Estes quarenta e quatro livros possuem autoridade ‘no Antigo ‘Testamento. Quanto ao Novo Testamento, com: preende os quatro livros do Evangelho segundo sao Ma- teus, 840 Mareos, afio Lucas ¢ siio Joao; as quator tas de so Paulo; uma aos Romanos, duas aos Corintios, uma aos Galatas, uma aos Ffésios, uma aos Filipen: duas aos Tessalonicenses, uma aos Colossenses, duas & ‘Timéteo, uma a Tito, uma a Filémon e uma aos Hebreus;* as das de sio Pedro; as trés de sao Josio; 0 livro unico dos Atos dos Apéstolos ¢ outro tinico de ado Jodo intitulado Apoealipse. Was Resnactationes 11.2, Agostino tem dividae de que 9 atu de So i, fo ace emo rea autonia da carta srt 109, Agosto Postal arti pelos Paros dean ira connaov otras livros eo eon habrai. ‘Hebroam erie agoatin'n fo eta mnie esta pistol com B. NECESSIDADE DE CONHECER AS LINGUAS eapitaLo9 Directivas para o estudo das Bserituras 14, Em todos esses livros da Sagrada Bseritura, 0s ho- mens tementes a Deus, ¢ apaziguados pela piedade, bus- cam a vontade de Deus. A primeira observagao a ser feita quanto a ssa busea ¢ empresa é, como ja dissemos, tomar eonheei mento dos Livros santos. Se, a principio, nao se conse- guir apreender 0 sentido todo, pelo menos fazer a kei- tura ¢ confiar & meméria as santas palavras. De -oda forma, nunca ignorar por completo os Livros sagrados, Em seguida, se ha de verificar com grande cuidado diligéncia 08 preceitos morais e as regras de fé que a Escritura propoe com elaroza. Encontram-se tao mais abundantemente, quanto maior for a abertura dc en- tendimento de quem busta, visto que nas passagens que a Eseritura oferece com clareza encontram-se to- dos os preceitos referentes & 6 € aos costumes, & espe ranga ¢ a caridade, sobre os quais tratamos no prinei- ro livro. ‘Tendo entao adquirido certa familiaridade com é lin- guagem das divinas Escrituras, devemos prosseguir examinando as passagens obscuras em vista de as escla- recer e explicar. Chega-se li tomanda exemplos de tex- tos mais claros. Assim, o testemunho das sentengas de 09 NECESSIDADE DE CONHECER AS LINGUAS. sentido certo fara desapare de sentido incerto. Em todo esse trabalho, a memoria éde grande valor, pois, se ela faltar, nao serao os preceitos que a poderao despertar. a diivida das sentengas carituto w O obstéculo dos signos ignorados ou figurados 15. Ora, hd duas eausas da incompreensio do texto da Escritura. A verdade encontra-se oculta por signos desco- nheeidos ou por signos de sentido figurado, Com efeito, ns silo on proprios ou figurados ‘Sao chamados préprios quando empregados para designar os objetos para os quais foram convencion dos. Por exemplo, dizemos: boi, ¢ relacionamos com 0 ai mal que todos os homens de lingua latina denominam, por esse nome (Os siguos siv figurados ou mickaférieos, quando as mesmas coisas, que denominamos com seu termo proprio, o também tomadas para significar algo diferente. Por exemplo, dizemos: boi e por essa palayra entenderem animal que se costuma chamar por esse nome e, além disso, entenderemos que se alude ao pregador do evange- Iho, conforme o deu a entender a Escritura na interpre- taco do Apéstolo, que disse: “Néio amordagaras a boi que tritura 0 grao” (1Cor 9,9), SINAIS \ SEREM INTERPRETADOS cAPETULO tt Necessidade do conkecimento das linguas biblicas 16. Para combater a ignorfneia dos signos proprios, @ grande remédio é 0 conhecimento das linguas,’ Os eonhe- cedores da lingua latina, a quem pretendemos instruir neste momento, necessitam, para chegar a conhecer a fundo as divinas Eserituras, de duas outras linguas saber, o grego c 0 hebraico. Elas thes permitirao recorrer aos exemplares mais antigos, no caso em que a infinita riedade das tradugies latinas thes traga alguma div'da, Na verdade, encontramos muitas vezes nos Livros santos palavras hebraicas nao traduzidas. Por exemplo: amém, aleluia, raca, hosana ¢ muitas outras. Algumas dessas palavras poderiam, por certo, ser traduzidas. Con tudo, devido & sua autoridade muito santa, foram eonser- vadas na sua forma antiga. Tais: amém e aleluia. Algu- mas outras dizem ser intraduziveis em outra lingua, como: raca e hosana. De fato, existem palavras de certas lin- ‘guus que uu podem ser Waduaidas cous significado ede- quado para outro idioma. Isso acontece sobretudo com 2s interjeigies que exprimem mais movimento da alma do que parcela de pensamento racional. Eis o sentido atribu {dos expressdes ncima citadas: raca ¢ grito de indigne¢io e hosana grito de alegeia Mas nao é por esse pequeno niimero de termos, eujo sentido ¢ facil ser notado e investigado, mas pela dissre- pancia das tradugoes, que é preciso conhecer as linguas, como ja foi dito acima. ‘xgostinte traga umn vast programa do estos paca o cristo qe se ds plo a aprofindar ssa fe hum cwmprocnier a2 Eseriteas: aqui coubece mento das na, gregae habraa, para podar lor ou consular 3 Ps Enum no opine, quande a tradaya oe cbweurt bu dorm aterpeetago mt ‘vernon com ontrn frau, come ocx. Te 79, no et guint NRCESSIDADE DE CONHECER AS LINGUAS Com efeito, podem ser contados os escritores que tra- duziram as Bscrituras do hebraico ao grego. Contudo, sao incontaveis os que as traduziram do grego para o latin. Isso porque, nos primeiros tempos da f, qualquer um que tivesse em méios um eédiee grego e presumisse pos: suir certo eonhecimento de uma lingua e outra atrevia-se a traduzi-lo CAPITULO 12 Utilidade da diversidade de traducées 17. A diversidade de tradugies, contudo, tem sido mais, ajuda do que obstdculo a eompreensao do texto, isso a0 se tratar de leitores nao negligentes. De fato, 0 exame de muitos eddices, com freqiéneia, esclarece certas frases obscuras, Por exemplo, um tradutor do profeta Isafas tr “Nao desprezes os membros de tua casa, nascidos de tua raga” (Is 58,7), enquanto outro diz: “Nao desprezes a tua carne”, Os dois confirimaust nutuamente, um se expli- cando pelo outro. Porque a palavra “earne” poder set tomada no scu sentido proprio e, por ai, cada um se jul- garé advertido para nao desprezar seu corpo. Por outro lado, poder-se-ia tomar a expressiio: “os membros de tua casa, nascidos de tua raga” em sentido figurado e, por ai, compreender os cristdos, nascidos espiritualmente co nosco, da mesma raga, a do Verbo. Na realidade, se con- frontarmos o sentido dos dois tradutores, 0 pensamento mais prov.ivel a nos vir ao espirito sera de ai estar um preceito que nos manda nao desprezarmos 0s irmaos de nossa raga, tomado no sentido préprio, Assim, se rofer mos as palavras “membros de tua casa, nascidos de tua aca”, a palavra “carne”, serio sobretudo os nossos irmiios de raga que se apresentarao a nosso espitito, SINAISA SEREA INTERPRETADOS a Tal 6 também, a meu parecer, o sentido destas pala- vras do Apéstolo: “Pudesse eu de algum modo provocara emulagao os de minha earne, para salvar alguns dele (Ria 11,14), isto 6, para que eles proprios tenham tam- bem f6, ao sentir citimes dos que créem. Na verdade, seo Paulo chamou os judeus de “sua earne”, por ser do mes- ‘mo sangue que eles, Tgualmente, a seguinte frase do mesmo profeta Isa foi traduzida por um hagiégrafo: “Se nao crerdes, n: compreendereis” ¢ por outro: “Se nao ererdes, niio pe: manecereis” (Is 7,9].° Qual dos dois traduzin fielmente? E duvidoso dizer, se nao lermas os exemplares do texto original. Contudo, para leitor conhecedor (sei idéia importante se desprende de uma e de outra tradu- cao. Pois € dificil que os tradutores se diferenciem entre si a ponto de nao se aproximarem por alguma semelhan- a. Assim sendo, ja que compreender perfeitamente con- siste na visio sempiterna de Deus, ¢ a fé 6 que nos ali menta como criangas, como leite, nesta espécie de berco que sido as coisas temporais, reconliecemas que eaminhs mos agora pela {@ c nao pela clara visio (2Cor 5,7). Or ‘caminharmes pela fé, nao poderemos chegar i ch ra visdo de que ela nao passaré, mas que permanecert eternamente, S6 quando a nossa compreensiio estiver purificada ¢ que a nossa visto ficara estreitamente un:- daa verdade. E por isso que um tradutor disse: “Se nao crerdes, néo compreendereis” e o outro: “Se nao crerdes, nao pormanecereis”. Wee tanto se encontra na versio dos Seton. Vilgataéadugio de ‘to Jendnimo) est amas confurme ao orginal hebenicn, que tras," nen trediderit's. aos permanchitis" se no eruzdesy nin pesmenecereis, on ‘nso vos manterois firms. gostin acest as duns eersbe, my ier proto a ogunda versio pein rites, jan aera na unidade soe doi sent mie, F Cage en angnatvieny 8 NECESSIDADE DE CONFECER AS LINGUAS Erros de tradugao 18, 0 tradutor engana-se também, a maior parte das vezes, pela ambigtlidade do texto original. Por nao conhe- cor bem uma expressao, ele a traduz. dando-lhe sentido inteiramente estranho ao que foi desejado pelo autor. Por exemplo, certos cédices trazem: “Scus pés so afilades para derramar sangue” (SI 13,3). Em grego oxys significa “afilados” e também “velozes”. Portanto, quem traduziu: “Sous pés sdo velozes para derramar sangue’”, compreen- deu 0 verdadeiro sentido. Quem, pelo contrério, traduziu ‘afilados”, enganou-se nessa palavra de sentido duplo, Na verdade, tais tradugdes no stio obscuras, mas falsas, e com elas se hii de manter esta outra atitude: nio prescrever que tais ¢édigos sejam explicados, mas sim corrigidos. Eis ainda outro erro tendo a mesma origem. A pa- groga mokos signifies novilho, Alguns nao com preenderam que mokewmata significa “plantagdes” ¢ nao “rebanhos". Esse erro invadiu tantos cédices, aue se en- contram poucos onde essa palavra esteja traduzida de outro modo, B contudo, 0 sentido € clarissimo e 0 eviden- ao contexto. De fato: “As plantagoes bastardas nao lan- cardio profundas raizes” (Sb 4,3) é mais convenientemen- te dito do que “rebanhos”, que andam com suas patas sobre a terra, mas nao lancam raizes. Alids, a tradueao assim feita nesta passagem é confirmada em outros eontextos. lavral cAptrULo 13 A relatividade dos erros gramaticais 19. Acontece que nao se vé qual seja o sentido de uma mesma passagem quando muitos autores intentam inter pretar conforme a propria eapacidade e discernimento SINAIS A SEREM INTERPRETADOS vot 1 preciso cotejar com 0 proprio original a sentenga traduzida por eles, pois muitas vezes, se o tradutor go é muito douto, afasta-se do sentido original do autor. For tanto, para conhecer o sentido exato ¢ preciso recorrer as linguas de onde foi traduzido para o latim. Ou entao, cm- sultar as versies dos que se prenderam mais & letra. Nao porque essas verses sejam suficientes, mas porque me- Giante elas deseobrir-se-a a verdade ou 0 erro da v sao de outros que, ao traduzir, preferiram seguir o senti- do figurado a ater-se & tradugao literal Muitas vezes, nao s6 se traduzem palavras, mas ainda modismos que de modo algum podem ser traduzi: dos tais quais, para o latim, caso se queira conservar 0 costume dos antigos oradores latinos. Tais constru- es, por vezes, sao traduzidas de modo a nao ser mula. doo sentido, mas ofendem 0 ouvido dos que se deleitam mais na observacio da integridade propria de eada sig. no. Solecismo é justamente combinar as palavras sem aquela norma com a qual as combinaram os nossos antecessores. quando falavam a nossa lingua com auto- ridade Assim, por exemplo, aquele que procura o real conheeimento das coisas, nada interessa que se diga inter homines ou inter hominibus. Eo que vem aser um barba: rismo, a no ser o fato de escrever uma palavra com outras palavras ou pronuncid-las de modo diferente do que as esereveram ov pronunciaram os que antes de nés falaram 0 latim? Quem pede perdio de seus peca- dos a Deus pouco se preocupa como s ignoscere (perdoar), eo a pentiltima sflaba eom ¢ longo, ou e breve. Portanto, no que consiste a pureza do falar a no ser na observancia do costume de outros, confirmado pela autoridade dos antigos que falaram tal lingua? a a palavra 5, NRCESSIDADE DE CONHECER AS LINGUS. Atitude diante dos erros de linguagem 20. Entretanto, os homens mostram-se tanto mais cho- cados (sobre esses etros gramaticais) quanto mais so ignorantes. EB sao tanto mais ignorantes, quanto mais querem parecer instruides, nao quanto a verdadeira cigncia das coisas que nos edifieam, mas quanto a ciéneia dos signos com a qual nos é dificil nao eair no orgulho, visto que até. ciéneia da verdade nos faz. cair no orgule, quando nao se submete o espirito ao jugo do Senhor, No fundo, que mal faz para quem a compreende, que esta frase (do livro dos Nuimeros 13,20, sobre os exploradores enviados a Canad) assim esteja redigida: “Que terra ¢ esta onde os que nela se instalam pergun- tam-se se é boa ou ma, e quais as cidades onde habi- tam?” Essa maneira de exprimir parece-me antes per- tencer a uma lingua estranha do que traduzir um pensamento profunda Ha também uma palavra que nao podemos tirar da boca dos cantores: “Super ipsum autem floriet sanctificatio mea” (sobre ela florescera a minha santidade) (SI 132,18) ‘Trocar “floriet” por “florebit” (0 que Seria 0 certo por ser florere verbo da 2" conjugacao) nao altera nada o sentido. Entretanto, um ouvinte instruido preferiria que o termo fosse corrigido © que nao se dissesse floriet, mas florebit. Ora, tal corregdo 36 tem por obstculo o costume de falar dos cantores Por outro lado, esses erros podem facilmente ser con- siderados despreziveis pelos que nao querom ser infiéis 0 pensamento, Nao sucede o mesmo com aquela passagem do Apés- tolo: (Cor 1,26) (0 que é loucura de Deus € mais sébio do que 0s homens, ¢ 0 que é fraqqueza de Deus é mais forte do ‘que os homens. Se quisessem conservar a construcao gre- 8 atencio do leitor vigilante certamente iria a verdade SINAIS A SEREM INTERPRETADOS 06, da idéia, Seria dito: “Quod stultum est Dei sapientius est hhominum et quod infirmum est Dei fortius est homintm” no genitivo plural), Contudo, um espirito mais lento, ou nao compreenderia coisa alguma, ou 0 faria de maneira errada, Porque tal construgao no somente é errinea em latim, mas presta-se a equivoco. Parece dar a entender que a Joueura e a fraqueza dos homens sfio mais sabias & fortes do que as de Deus. Ainda que tradugiio: sapientius est hominibus nao carega de ambigiiidade, ela incorre em, solecismo, Pois a nao ser pela luz. que surge da sentenga, nao se saberia se hominibus 6 dativo, do singular huic homini, ou se 6 ablativo, do singular ab hoc homine. Por- tanto, melhor se diria: “Sapientius est quam hornines (no nominativo) et fortius est quam horines” eapiruLo as Palavras e expressivs desconhecidas 21. Sobre os signos ambiguos falaremos mais adiante. ‘Tratamos, por enquanto, dos signos desconbecidos. 03 quais sao de duas espéecies, quanto &s palavras. Com efei- (o, 0 que faz vacilar um leitor é uma palavra oa uma ex- pressao ignorada, Se pertencerem a uma lingua estmn- geira, é preciso indagar sobre o seu significado junto a homens que falam essas linguas, ou entéio aprendé-as, caso tenham tempo e capacidade para tanto. Resta ainda o recurso de confrontar as versies dos varios tradutores. Se, porém, as palavras ¢ expresses desconhecidas fo- rem de nossa prépria lingua, chegaremos facilmente a reconhecé-las pelo habito de ouvi-las ou lé-las. Bssas pal vvras ¢ expresses devem ser, mais do que quaisquer outras, confiadas com euidado & meméria, Isso, a fim de que nes lembremos delas ao encontrarmos pessoa mais instruica a 107 NECESSIDADE DE CONHRCERAS LINGUAS quem possamos perguntar o seu sentido. Pode ainda ser que, ao lermos algo em que o contexto anterior ou 0 poste- ‘or, ou ambos, manifestem o significado ¢ o valor delas, po- demos facilmente ir pervebendo a sua propriedade eo seu significado, Contudo, é tdo grande a forga do habito que, ainda ao se tratar de aprender, homens alimentados e edu cados com as Escrituras fieam mais surpresos diante de for- mulas profanas e consideram-nas menos latinas, do que diante de certas expressies que escutam nas mesmas Bs crituras, as quais nao se eneontram em autores latinos. Aqui ainda, o que sobretudo ajuda é o exame e 0 con- fronto com a grande variedade de tradugoes Entretanto, o primero cuidado de quem quer enten- der a divina Escritura deve ser ode corrigir os eédices para que 0s nao emendados cedam o ugar aos emendados. CAPUTULO 15 Exceléncia da versio latina itala e da versdo grega dos Setenta 22. Entre todas as tradugses para o latim, a ftala ha de ser preferida as demais, porque ¢ a mais precisa nas pa: lavras ¢ a mais clara nas sentengas. E para corrigir qualquer versao latina se hii de correr as versdes gregas, entre as quais, no que toca a0 Antigo Testamento, goza de maior autoridade a versio dos Setenta.” lnda em Alexandria wnircoa ans 250 € 130 fo eonsiderada como ‘bra cootiva de 72 abice habrans sae deca triin de Ist oon de Jona lim a pdido ce Polome Pladlo 285247 n.0y precisa stinguit» parte ieadaleadétia Na abd, cory muna o ext interno fra he 8 teadutoges, em cpocaseiforentas ate que retin ae trades foto se vam Aigo Teatamento tego, mais aiplo do que heboaion mussels SINAISASEREN INTERPRETADOS 108 Ja é tradigao nas igeejas mais eélebres, que aqceles homens traduziram com assisténcia especial do Espirito Santo, pois sendo tantos nao formaram senao uma tinica boca. E como dizem ¢ o referem pessoas dignas de erélito, aqueles vardes ilustres trabalhavam afastados uns dos ‘outros em celas separadas, E nada se encontrou na tradu- gio de cada um que nao estivesse nos mesmos tern:os ¢ ordem nas tradugdes dos outros, Quem se ab parar — jd nao digo preferir—alguma outra versdo aesta de tanta autoridado? E vou mais longe: se eles tivessem, posto sex trabalho em comum para chegar a unanimidade de pensamento e expressdes, seria conveniente ou neces- sdrio que outro intérprete sozinho, qualquer fosse sua ha- bilidade, tentasse reformar 0 consenso de tantos venerd~ veis doutores? Portanto, ainda que nos exemplares hebraicos se encontre algo distinto do que os Setenta esereveram, jalgo que se deva ceder A ordem divina exeeutada por inter- médio deles. Ja nessa época, a autoridade divina quis se servir do rei Ptolomeu para dar a conhecer as nagdes, que haveriam de erer, os livros que o povo judeu Thes reeusava, seja por motivo religioso, sea por inveja, Portanto, pode ter acontecido que os Setenta tenham traduzido do modo como 0 Espirito Santo julgou conveniente para os gentios, € para isso os moveu ¢ fez de todos eles uma 86 boca, Entretanto, como ja disse anteriormente, tampouco 6 imiitil, por vezes, para esclarecer o sentido, a confronta: ao com aqueles tradutores que firmemente s a verter ao pé da letra. Assim, os cédices latinos do Antigo Testamento, como foi dito no inicio, devem ser corrigidos, se necessérin, to- mando como modelo os exemplares gregos, ¢ sobretudo a versio que, sendo redigida por setenta varées, como afir- mam, fizeram-no com tanta conformidade.”? eri a com- Agostinhoeria qu us Setenta foams inspirados pelo Bapteito Sarto. Se 108 NECBSSIDADE DE CONHRCER AS LINGUAS Pelo que se refere aos livros do Novo Testamento, se houver algo cluvidoso nas diferentes versbes latinas, no ha chivida de que devem eeder aos exemplares gregos © sobretudo aos que se encontram nas igrejas mais dautas e fie carinii 16 Vantagem do conhecimento dos termos hebraicos 28, A respeito dos signos figurados, dissemos que quan. do alguns termos deseonhecidos obrigam o leitor a vaci- lar, eles devem ser verificados, ou pelo estudo das lin- guas ou pelo conhecimento da natureza das coisas (cf. Magn. A piscina de Siloé, na qual o Senhor mandou lavar 0 rosto aquele a quem untara os olhos com 0 todo feito com sua saliva, cortamente insinua mistério profando (Jo 9,7) Mas se o evangelista nio tivesse interpretado esse termo de wma lingua desconhecida (Siloé significa Enviado), ta0 grande signifieacao teria fieado na sombra, Igualmente sucede com muitos outros nomes de lin sua hebraica, que niio foram explicados pelos autores dos mesmos livros. Nao se deve duvidar de que, se alguém pudesse traduzi-los, seria de grande valor ¢ scrviria de ajuda aprecidvel para serem resolvidos enigmas das Es- crituras. «a, poi, temeraci tentar origin peo recurs ‘ltorinadas pelo Espirito Santo Pedy so Jerinima para rever 9 Antigo estan erat, pela Sette, Dope de cong alguns irom Jeon Snvlonow otrabolhi'e piste tesdoci Svtamente ty hebric. o no ‘olitava a naprago doe Setenta entou persuade esrvenoce Aga to de quo umn rade lating, ta dietamento do hebraic,soria sempre ewer aura rah ioe Corn-aefamoaa 0 foto Hew ete nee, ata 33,056. ay, op ct, Ba hebraic, as dvengéneias wn CL Combos Pargen, SINAIS A SEREM INTERPRETADOS 10 Certo mimero de excelentes peritos nessa lingua hebraica, é verdade, preston servigo relevante para a pos- teridade, destacando da Bseritura e traduzindo todas as palavras dessa categoria. Deram-nos assim o significado de Adio, Eva, Abraio, Moisés, ¢ também nomes de luga- res como Jerusalém, Sido, Jeried, Sinai, Libano, Jordao, de muitos outros ter gua Basa traduedo e essa expleagao eselarecom muias expressées figuradas nas Eserituras. C, UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS, ARTES E INSTITUIGOES caPITULO 17 Conhecer a natureza das coisas 24, A ignordincia da natureza das coisas dificulta a in- terpretagdo das expresses figuradas, quando estas se referem aos animais, pedeas, plantas ou outros seres ci- tados freqlientemente nas Escrituras e servindo como objeto de comparacoes, Assim, € fato notério que a serpente, para preservar a eabega, expie seu corpo todo aos que a espancam. O quan- to esse gesto nos esclarece sobre o sentide das palavras do ‘Senhor ae nos mandar ser prudentes como a serpente! (Met 10,16). Isto é, devemos saber apresentar nosso corpo aos que nos perseguem, de preferéncia a expor nossa caboga que € Cristo, Assim, nao deixar morrer em n6s a fé erista, renegando a Deus, ao poupar 0 nosso vorpo. Sabe-se ainda, a propésito da serpente, que por ins- tinto penetra em passagens estreitas da caverna para ai despojar-se da antiga pele e receber forcas novas. Quan- to essa transformacdo nos incita a imitar sua astuicia, a ‘nos despojar do homem velho e nos revestir do novo, con- forme a palavra do Apostolo! (Bf 4.22.24; Cl 3,9.10). Des pojar-nos assim através da via estreita, conforme a pala- vra do Senhor: “Entrai pela porta estreita” (Mt 7,13). Do mesmo modo, como 0 eonhecimento das proprie- dades da serpente nos esclarece muitas comparagdes que SINAIS A SEREM INTERERETADOS ha a Escritura costuma apresentar sobre esse animal, as- sim também a ignorancia das caraeteristicas de outros animais, sobre os quais cla igualmente faz mengao, mui: to embaraga a quem procura entender. Semethante embarago ¢ produzido pela ignordncia das pedras, das plantas ¢ de tudo o que se mantém pelas, raizes. Por essa raziio, até 0 conheeimento das pedrinhas (carbuneuli) que brilham nas trevas esclarece, por sua vez, varias obscuridades dos Livros santos, onde quer que estejam empregadas vomio figuras. O desconhecimentc do berilo ou do diamante igualmente fecha, por vezes, as portas A compreensio. Ser-nos-d fiicil compreender por que o ramo de olivei- ra, trazido pela pomba em seu regresso & area (Gn 8,11) simboliza a paz perpétua, ao estudarmos que o contato untuoso do 6ico nao pode facilmente ser alterado por li guido estranho e que a pripria drvore da oliveira esta sempre coherta de folhas, Muitos, por nao conhecerem o hissopo, nem a virtu- de que ele possui de purificar os pulmdes pelo fato de se vuraizar nas rochas e ser erva miuida v Lasteira, sao inca pazes de compreender por que esta dito: “Tu me borr fa com 0 hissopo, e serei purificado” (S1 51,9). O simbolismo dos ntimeros 25. A ignordncia dos niimeros também impede com- preender quantidade de expressdes empregadas nas Bs. crituras sob forma figurada e simbélica. Certamente, um esptrito bem nascide sente-se leva- do ase perguntar o significado do fato de Moisés, Blies e 0 Senhor terem jejundo por quarenta dias (Ex 24,18; [Rs 19,8; Mt 4,2). Ora, esse acontecimento propde um Fro- blema simbélico que s6 6 resolvido por exame atento des ua UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CHENCLAS se mimero. Compreende o ntimero 40 quatro vezes 10 e, por ai, como que envolve 0 conhecimento de todas as coi sas inclufdas no tempo. Pois ¢ num ritmo quaternario ue prossegiue o curso do dia e do ano. Divide-se 0 dia em espagos horirios da manha, do meio-dia, da tarde e da noite. O ano estende-se nos meses da primavera, do ve- rap, do outono e de inverno, Ora, enquanto vivemos no tempo, devemos nos privar por abstinéncia ¢ jejum dos prazcres que o tempo nos proporciona. certo, alias, que o proprio curso do tempo ensina-nos a menosprezaro tem- poe a desejar a eternidade. Por outro lado, o niimero 10 simboliza 0 conhecimento do Criador e da eriatura, pois, 8 designa a Trindade do Crindor e 7, a criatura, conside- rada em sua alma ¢ em seu corpo. Com efeito, na alma, ha trés movimentos que levam a amar a Deus de todo 0 coragio, de toda a alma e de todo o espirito (Mt 22,37) no corpo, esto bem manifestos os quatro clementos que 03 constituem. Consequentemente, este niimero denario move-nos & cadéncia do tempo. Isto 6, voltanda quatra vere, adlverte-nos para vivermas na eastidade e na con- tinencia, desapegados dos deleites temporais, v pres: a ejuar quarenta dias. Eis 0 que nos explica a Lei personificada em Moisé eis o que mostra a profecia, representada por Blias; eis 0 que nos ensina 0 préprio Senhor. Apoiando-nos no teste- munho da Lei e dos Profetas, ele apareceu em plena luz, entre esas duas personagens, sob as olhos dos trés di pulos tomados de espanto (Mt 17,2.3). Em seguida, pode-se perguntar, do mesmo modo, como do miimero quarenta vem o niimero cingiienta, emi nentemente sagrado em nossa religido devido a Pente- costes (At 2). E ainda, como esse ntéimero eingiienta mul- tiplicado por trés por causa das trés époeas: aquela antes, da Ici, a 6poca sob a lei e a sob a graca; e somando de modo ainda mais eminente a mesma Trindade, refere-se SINAISASEREM INTERPRE-DADOS uu a0 mistério da Igreja jé purificada, representada nos cento e cingtenta e trés peixes que, depois da Ressurreicao do, Senhor, sao recothidos nas redes arvemessadas & direita (Jo 21,11). E assim que por varios outros agrupamentos nuné: rricos encontram-se escondidas nos Livros santos coras figuras que, devido a ignorancia de muitos, ficam impene- Amisica 26. A ignorancia de certas nogdes musicais é, em nume: rosas passagens das Escrituras, barreira ¢ véu. De fato, estudando a diferenca entre o saltério e x citara, um eu. tor explicou engenhosamente certas simbolos. E entre os doutos, nio ¢ disputa fora de propésito indagar se ha al guma lei musical que obrigne o saltério constar de dex cordas, esse tio grande mimero de cordas! Or cia dessa lei, é preciso reconhecer nese jeadly mais misterioso, relacionade, seja com os dex preceitos que se referem ao Criador e & eriatura, seja cem as consideragdes que expusemos acim denario Quanto ao nimero relatado pelo Bvangelho que me- de a duracao do templo, isto 6, o ndmero quarenta e seis (Jo 2,20), ha nele nao sei que tonalidade musical. Aplic do, porém, em referéneia & formagio do corpo do Senhor, a propésito do qual foi feita a mengao ao temple recor: truido, esse niimero obrigou certos hereges a reconhece- rem que 0 Filho de Deus revestiu nao um corpo ficticio, mas um corpo real e humano. , sobre o niimero "fim algarisme: 0 «8260 4-26 163, 16 UFILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIRNCIAS Deparamos, assim, a miisica e os mimeros colocados em lugar de honra em muitas passagens da santa Escri- capiruLo is A lendéria origem das nove Musas 27. Por certo, é preciso nao prestar onvidos aos erras Su- persticiosos dos pagaos que imaginaram nove muss, como filhas de Jipiter e da Meméria. Varrao 0s refuta — e nao sei se pode haver entre os gentios hamem algum mais douto c melhor investigador de tais coisas. Afirma ele que uma cidade — na mendou a trés artistas que fizesse, cada qual, trés esta tuas das musas, para serem postas como oferenda no tem: plo de Apolo. A condi¢ao era que o artista criador das estdtuas mais formosas seria o preferidoe haveriam de as comprar, Ora, acontece que esses artistas apresentaram, todos os trés, obras de igual beleza. A cidade resolven en- tao compra-las, todas as nove, para fazer dom ao templo de Apolo. E Varro acreseenta que, mais tarde, 0 pocta Hesiodo lhes dew um nome. Portanto, nao foi sipiter que gerou as nove musas. Foram trés artistas que as modela- Tam em grupos de trés. Essa cidade, alisis, tinha posto em concurso as trés estituas, ndo porque tivessem sido vistas em sonho, nem por terem aparecido em niimero de trés 0s olhos de algum dos moradores, mas porque — e ¢ fail de ser notado — todo som que constitui a base da misica tem, por sua natureza, trés modalidades: ou bem ¢ emiti- do pela voz, como o emitem os que cantam com a gargan- ta, sem instrumento nenhum; ou bem 0 som é produzido por sopro, como o das trombetas e flautas; ou bem é efeito de uma percussio como nas eftaras, tambores e todo outro instrumento que se torna sonoro ao ser percutido. sei qual, pois nio recordo © nome SINAISA SEREM INTERPRITTADOS capiruLo 19 Onde houver verdade, ela ¢ propriedade de Deus 28, Que seja certo ou nao o que Varrio relatou, nés nio ‘estamos constrangidos por causa da superstigao a renun. ciara miisica, se dela podemos tirar proveito para a com preensio das Escrituras santas. Nem, por outro lado, estamos constrangidos a adotar as vas ¢ frivolas cancos teatrais, quando ao tratarmos de citaras e de outros ins: trumentos musicais, eles nos servem para 0 conhecimento das coisas espirituais. Se assim nao fosse, sequer de veriamos aprender as letras, ja que pretendem ser Mer- cttrio o seu inventor. Ou bem, sob o pretexto de que os pagdos dedicaram templos a Justica e & Virtude, c prefo- riram adorar nas pedras o que ¢ preciso trazer no cora- sa0, deveriamos, por isso, renunciar & Justiga e a Viréu- de. Bem ao contrario, todo bom e verdadeiro eristao ha de saber que a Verdade, em qualquer parte onde se en- contre, é propriedade do Senhor."* Bssa verdade, uma vez vonhecida ¢ professada, 0 fard rejeitar as ficgdes supers ticiosas que se encontram até nos Livros sagrados. O bon cristo deve lamentar e evitar os homens “que tendo e>- shecido a Deus nao © honraram como Deus, nem Ike renderam gracas. Pelo contrario, perderam-se em vdos arrazoados e seu coragio insensato fixou-se nas trevas, Jactando-se de possuir a sabedoria, tornaram-se tolos ¢ trocaram a gléria do Deus incorruptivel por imagens co homem corruptivel, de aves, quadrdpedes e répteis” (Rm 121: "Com esta frase, Ageatiaso enunea oprinipio que guiaca os Padets a Igreja na utiinaga da eéneia eos taboreeprrfanoso Gero fi, desde tole tempo, como. distors sho Joo, "a luz quo ilumina a mundo” das a Loos B sta verdad, Eats ses atte fst de ques Agstinho repent ma das priveipas expliengSer eae espe LUTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS capétuLo 20 Duas categorias de ciéneia entre os poxios 29, Para melhor explicar a passagem do capitulo ante- rior, que é de méixima importancia, diremos que existem duas categorias de ciéncia entre os pagéos, cuja ago se tem estendido até os nossos préprios costumes. Uma ca- tegoria é das coisas que foram instituidas pelos homens. Outra é das coisas que eles consideram ja terem sido ins- tituidas ou que o tenham sido por Deus. O que é de insti- tnigdo humana, em parte 6 supersticao, em parte nio. capiruLo2t Instituigaes supersticiosas 30. A superstigao é tudo o que os homens instituiram em vista da fabricacdo edo culto de idolos."* Compreende duias coisas: Ue un ido, Luly que lende ao cully de qualquer ceriatura como se fosse o préprio Deus. Por outro lado, tudo ‘que leva a consultar e fazer pactos e alianga com 08 de- ménios, por meio de sinais combinados ¢ adotados, tais como os encontrades em formulas magiens. Essas alian- ‘gas, 08 poetas, de fato, costumam mais evocar do que ensi- nar, A essa categoria pertencem os livros dos ardspices Neste nos capitis segintes,Agostinho evela um arsenal de pritens| superstiionssempregadas pelos pasos para cnjurara ort, corar desde as ‘ores de cabega abe soligh, Pot sn vem a etmalsyia trnsen-ee arte tndivinhagda pelos aatros que se exis cxencerem influ dato solro ox sores mnanus, detervinando seu nascent, sucrsto, doenges © morte = elaborst hondecopos doe indivdies: Encontram-se nos excits dow Padrox da lpr susemiosatagues 4 ates, ao papel dor dems nas vidas dos ind {uo fist da euiosidade fonestn le inguiosutstortoranto dn scree erates das uss ied, con futo,a more, CE.A-C. Hamman, ope Bp. tsa SINAIS A SERED INTERPRETADOS 6 agoureitos, cheios de desenfreada vacuidade. A tal catego: ria pertencem também todos os amuletos e pretensos re: médios condenados pela ciéncia médica e que consistem seja em encantamentos, seja em tatuagens chamadas, caracteres; seja na mancira de suspender alguns objetos, do os prender e até de os fazer saltar. Ai estao conjuracées destinadas nfo a aliviar 0 corpo, mas a produzir certos efeitos ocultos ou manifestos, a que chamam com o nome abrandado de “agécs fisiens”, para nao parecor que estiio implicadas com a superstigao, mas, ao contrario, que pas- suem eficdcia salutar por sua prépria natureza, Pode-se dar, como exemplo, as argolas de ouro presas no alto das orelhas; os anéis de osso de avestruz no dedo minimo ow 0 gosto recomendado quando se esta com solugo, a saber, segurar com a mao direita o polegar da mao esquerda. Manifestagées supersticiosas BI. A essas praticas ha de se acrescentar outras mil da mais va extravaganeia, Tais por exemiplu: se allgutti mem dro do corpo comeca a tremer, a reacio € contra uma pe dra ou um cachorro ou uma erianea. Se tropecam em wna pedra, a amizade sera cortada. Chuta-la entao! Isso 6 menos nocivo do que dar uma bofetada na crianga inocente que, em sua corrida, jogou-se entre dois amigos que pas- seavam. Nao 6 mau, entretanto, que tais criancas, a5 *c- , sejam vingadas pelos eachorrus. [sso porque, freqiien- temente, cerias pessoas so tao supersticiosas que nao hesitam em bater também no cachorro que passou entre elas. Nao 0 fazem, porém, impunemente, pois o cachorro apedrejado logo faz quem o atingiu passar do falso remé- dio ao verdadeiro médico. His ainda outras manifestactes supersticiosas: pisar oumbral quando se passa diante da prépria resi- 1 UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS déncia; voltar para a cama se espirrou ao se calgary re- gressar para casa se tropecou ao sair; sentir tremor, mais, pelo pressentimento de um mal futuro (monstrin) do que se aborrecer pelo dano presente ao constatar, por exem- plo, que os ratos roeram suas roupas. Dai procede o dito jocoso de Catao que, tendo sido consultado por certo he ‘mem que desejava conhecer o significado de terem os ra- tos roido suas polainas, responder-Ihe: Nao ée augtitio, 88-lo-ia se, ao invés, os rates tivessem sido roy dos pelas polainas, capiruno 22 A influencia da astrologia 82, Nao devemos julgar iscntos de ruinosa snperstigao os que se dizem “genetliacos”, porque estudam 0 dia do nas- cimento, hoje comumente chamados astrélogas. Investi gando a posigao das astros no instante do naseimento de cada um, esforcando-se por deduzir disso nussus agus ou ‘08 eventos de nossa vida, © passando entao a prevé-los, cometem grande erro ¢ proporcionam aos homens, a prego barato, penosa escravidio. Realmente, todo homem livre que vai consultar os tais astrélogos paga-lhes para sair escravo de Marte, Vénus, ot quigé de todos os astros. ‘A estes astros, os primeiros que se dedicaram a tal erroeo transmitiram, atribuiram-lhes nomes de animais, por causa de alguma semelhanga, ou para honrar certos homens. Assim, nao é de se admirar quando em tempos pouco remotos, on antes, bastante recentes, 08 romans intentaram dedicar a gloria e ao nome de César 0 astro a que chamamos de estrela-dalva. EB talver, tivessem con- seguido que essa denominagao passasse & posteridade, caso Vénus, sua av6, ja nio tivesse tomado posse desse SIWAIS A SEREM INTERPRETADOS nome. Ela, alias, por nenhum direito poderia transmiti-lo a seus herdeiros, porque ndo possuira em vida, nem pedira possui-lo. Nao sabemos, com efeito, que quando se descobria no eéu um astro ainda nao consagrado a memé- ria de algum antigo her0i, apressavam-se, como era trad~ do, em The dar um nome ilustre? De nossos dias, nao denominamos o quinto e 0 sexto més, julho e agosto, em honra de Julio César e Augusto? Mas ¢ bem féeil compreender que, antes, os astras viajavam no céu sem nome algum ¢ que os homens pre- tendiam elevar ao eéu os que desejavam honorificar, por andes de poder régio ou da propria vaidade. Mas de qualquer forma que venham a ser designe- dos, permanecem astros criados, ordenados e querides por Deus, cujo movimento fixo serve para distinguir & determinar o tempo. F simples notar este movimento, no dia do nascimento de cada pessoa, estabelecendo a r pectiva relagdo, segundo as regras que os astrélogos des- cobriram e transmitiram. Porem, a Escritura reprovou-o dizendo: “Se puderam chegar a tanta ciéncia para che- gar a determinar 0 tempo, por que nao deseobriram 0 Sc hor?” (Sb 13,9). capiruLo 23 Vacuidade dos horéscopos 33. Querer predizer os costumes, atos ¢ eventos, basean- do-se sobre esses tipos de observagées, é grande erro » desvatio. Alids, pode-se refustar essa supersticao aos pré- prios ollios dos que a assimilaram ea transmitem. O que 880, por exemplo, as suas “constelagdes’a nao ser 0 as- peeto e a situagio dos astros no momento do naseiment de uma erianga, sobre cuja sorte so consultados esses LUTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS infelizes por outras pessoas ainda mais infelizes? Ocorre- ra, por exemplo, que dois gémeos saiam do ventre ma: terno tao em seguida um do outro, que nao se consiga perceber intervalo de tempo para fixar a partir dai, con caleulos, a diversa constelacao. Necessariamente, nao poueos gémeos nascem sob a mesma c idéntiea eonstela cao, Ora, as suas agdes e os seus eventos na vida sao 0 mais das veres tio diferentes que um dos gémeas pode estar vivendo na felicidade ao passo que o outro no infor tiinio, como sabemos de Esatie Jacé. Nasceram gémeos ¢ quando naseeu o segundo, dacs, pereebeu que segurava com a maozinha o ealeanhar do irmao. Certamente nao se podiam fixar para eles dias € horas diferentes, e entao sua constelagao foi idéntica; mas a Escritura esta ai, co- nhecida em todas as linguas, para atestar como foram diversos os costumes deles, suas acdes, suas penas e sus éxitos. Como explicar 0 caso dos gémeos? 34, Nao adianta absolutamente a resposta que os astré: logos dariam, isto é, que a fragia minima ¢ imperceptivel de tempo, que distingue os dois partes, tem grande poder natural, inclusive por eausa da velocidade altissima dos corpos siderais. Ainda admitindo que ela tenha tanto va- lor, o astedlogo nao conseguiria observd-la nas conste- lacées, e assim vaticinar o futuro, Aquilo que nao conse gue achar nas constelagSes — pois encontra apenas uma, ‘que poder atribuir tanto a Jacé como an irmao —, que adiantard dizer que esta marcado no céu se nao pote ser posto na tabela astrolégiea a ser eonsultada? Portanto, inclusive as opinides que se presumiram Aeduziveis de alguns sinais reais sto para se eomputa- rem no rol dos ajustes ¢ aliancas com os deménios. SINAIS A SEREM INTERPRETADOS se apne 24 Razao do repiidio dos horéseopos 35. Porque, por oculto designio divino, acontece que os homens cipidos de experiéneias mas venham a ser aban- donados ao esedrnio e ao ludibrio, como mereee sua von- tade: escarnecem deles ¢ os enganam os anjos preva ricadores, aos quais, conforme uma grandiosa ordem cas coisas, foi entregue, por leis providenciais, esta part mais baixa do universo, E pelos seus escarnios e enga- nos, acuntece que neste plano de adivinhagoes supersti- ciosas e perniciosas os astrélogos anunciem muitos even- tos passados ¢ futuros, os quais se realizam, como eles dizem. Sao fatos que se desenrolam segundo as obse vacbes deles, tornando-os conveneidos ¢ levande-os ase entregarem com mais paixao As pesquisas, para se en- volverom cada vez mais pelos lagos de pernicioso erro Asim, om vista do nosed salvagio,« divina Bacritura nao silenciou sobre esse tivo de fornicacao da alma. Ela nto ae contentow em afnstoy a alma dessa infidetidade, mas atacou-a com uma condenagio salutar. Nao somen- te nos adverte que fujamos desses atos culpados, como fruto dos professores de mentiras, mas vai até dizer: Ainda que acontega 0 que eles vos anuneiaram, rao ereiais neles” (Dt 13,1-3). A sombra do defunto Samuel 86 profetizon coisas verdadeiras ao rei Saul (1Sm 28,14-20; Belo 46,20). Contudo, devem-se execrar as paginas Saerflegas com que a Pitonisa evocou a aperi go daquela imagem. Ea mulher ventriloqua deu teste- munho certo em favor dos apéstolos do Senhor, conbor- me narram os Atos dos apéstolos. Contudo, Ié-se qu> 0 apéstolo Paulo nao poupou o espirito que nela falava, nem deixou de corrigir ¢ expulsar o deménio, purificando a mulher (At 16,16-18). ps URILIDADE DO CONHECINENTO DAS © 05 pactos com o deménio 36. O cristiio deve repudiar e fugir completamente das artes dessa superstigae malsa e nociva, baseada sobre maléfico acordo entre homens ¢ deménios, que é quase um pacto de amizade na infelieidade e no engano. Disse 0 Apéstolo: “Nao que os idolos sejam alguma coisa. Mas aquelas vitimas que 05 gentios imolam, eles as imolam. aos deménios ¢ nao a Deus. Ora, nao quero que entreis em comunhio com os demOnios” (1Cor 10,19.20). O que 0 Apdstolo diz. acerca dos demdnios e dos sacriticios ofe cidos em sua honra, isso mesmo se hi de pensar acerca dos sinais ficticios que estimulam ao culto dos idulos ou A adoragio a criatura qualquer, como se fosse Deus. Ou ain- da, que visam a satisfazer o gosto polos remédios € ou- tras observancias ridiculas, Essas artes notoriamente nao so instituidas para 0 amor de Deus e do préximo: fim- damentam-se no desejo privado dos bens temporais & arruinam assim 0 coracao. Em doutrinas deste porlanto, deve-se temer e evitar a sociedade com os de ménios que, juntamente com seu principe, 0 diabo, néo buseam outra coisa senao fechar e obstruir a estrada de nosso retorno. Mas nao € somente aos astros criades e dirigidos pelo Senhor que os homens emprestaram essas Vas conjecturas. Tiraram também de diversas operacées da hatureza e acontecimentos rares permitidos pela divina Providéncia. Quiseram até em seus escritos submeter a regras infaliveis tais fendmenos extraordinarios de que foram testemunhas, como o fato de uma mula ter pari- do, ou um objeto ou uma pesson ter sido fulminada por pirULO 25 O valor dos sinais magicos 87. No fundo, todos esses sinais valem o que a pretensao do espirito do homem combinou com os deménios, a0 fir marem ceria linguagem comum para se entonderem, Estio todos eles cheios de curiosidade pestilenta, de soli- citude angustiante e serviddo mortifera. Os sinais no sao observades por possuirem em si préprios algum va- lor magico, mas porque os homens Ihes deram atengio ¢ atribuiram-Hhes essa significagao, e desse modo eles ad- guiriram tal valor. Apresentam-se diversamente c as Fi entes, conforme sejam os sous pensamentes € as suas opinides. E porque os espiritos demoniacos, na intenctio de enganar, proporeionam a cada pessoa as coi- sas conforme suas idéias préprias, ¢ com as quais se véem presas na rede de suas conjecturas e conce Bis alguns exemplos: a letra X, que se escreve em forma de eruz, tem valor entre 0s latinos (vale 10), e ou tro distinto entre as gregos (vale 600). Isso nao por sua propria natureza, mas pelo querer conseatimento dos que Ihe assinalaram tal significado, Portanto, quem co- nhece as duas linguas, se quiser dar a entender algo a ‘um grego, nao usard a letra X com a mesma significaséo que a usaria escrevendo a um latino. E também, a pala- vra beta possui um 36 som, mas para os gregos 6 0 name de uma letra, enquanto para os latinos é o de um legume. E do mesmo modo, quando digo Jege, uma coisa entende o rego com essas duas silabas ¢ outra o latino. ‘Logo, todas essas significagSes movem os Animos con- forme a convengao dada pela sociedade de cada um, E porser diversa a convengao, elas motivam diversamente. E note-se que os homens ndo se mover porque esses i: nais tenham valor de significagao, mas porque foram eles soas dil 25 UTILIADE DO CONHECIMENTO TAs CIENCIAS proprios que Iho deram. Na verdade, os sinais nao valem sendo em razao dese assentimento. Ora, 0 mestno acon- tece com 0s sinais com os quais se estabelece uma alian- a fiunesta com 0s deménios, Os signos valem conforme a obsorvancia de cada um. Disso se tem prova muito mani esta nos ritos dos agoureiros. Acontece que cles, antes de se curvarem A sua observancia, ou depois de os terem observado, nao se preocupam mais com cles. Por exem: plo, 0 fato de anotar o vo dos passaros ou de ouvir os sous gritos. E que esses sinais sao nulos se 0 consetimento do observador nao estiver presente. caPiTuLo 26 As instituigdes humanas 88, Apds ter cortado e arraneado do espfrito cristae essas supersti¢des, 6 preciso examinar as instituigées huma- nas nao-supersticiosas, isto 6, as que nao esto estabele- cidas em pacto com os deménios, mas com os homens. Com efeito, todas as instituigdes que tém algum va- lor entre os homens, porque eles assim convieram entre si para que o fosse, so instituiees humanas, das quais parte silo supérfluas e de puro luxo, © parte sao uteis € necessérias, Realmente, as mimicas que os histrides fazem ao dangar nao teriam sentido por sua prépria natureza, mas o tém pela convencao c eonsentimento dos homens. Outro- ra, em Cartago, quando um pantomime dangava, um apre- sentador piblico anunciava o que o dangarino queria ex- primir, Muitos aneifios lembram-se ainds desse pormenor € n6s os ouvimos contar. E neles devemos erer, porque como isso nao se faz mais, 86 08 idosos compreendem 0 significado dos Restos dos atores. Se alguém entrar no SINAIS A SEREM INTERPRETADOS Ls teatro sem estar inieindo nessas farsas, nado compreende- rd grande coisa da intriga, se nao tiver um bom vizinko para Ihe dar algumas explicagdes. ‘Todos, entretanto, procuram eerta semelhanga com a realidade na sua mancira de significar, de modo que os proprios signos reproduzam, quanto possive significada. Mas como uma coisa pode assemelhar-se a outra de muitas manciras, tais sinais no podem ter en: tre os homens sentido determinado, se nao Ihes for dodo consentimento unanime. As instituicdes supérfluas e as dteis Quanto as pinturas, as estatuas outras obras do génoro, sobretudo quando produzidas por habeis artis. tas, ninguém se engana ao reconhecer a semelhanga com © objeto reproduzide. Contudo, todas essas instituigées humanas sao supérfluas, a nao ser que um interesse se prendaa elas, pela finalidade, polo motivo, lugar ou tem po ow ainda pela autoridade de quem as mandou fazer De igual modo, em relagio As mil fabbulas ftlsas ede ficgio com cujas mentiras os homens se deleitam, também sdo instituicbes humanas. Na verdade, nada se ha de julgar mais préprio A natureza do homem do que as falsidades. Hi, por outro lado, instituigdes estabclecidas ene os homens que sdo vantajosas e necessdrias. Por exem plo, as vestes e os adornos, visando a distinguir os sexos eas dignidades Também se contam, entre as instituigoes vélidas, todas as imimeras eategorias de signos expressivos sem 0 quais a sociedade humana nao poderia em absolato, ou dificilmente, centenos 0s signos préprios a cada cidade e povo, em tudo 0 que: jer relacionamento social. Acres 27 UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS refere a pesos ¢ medidas, e as efigies e o valor das moe das, e ainda a tantas outras convengdes dese género que nao tivessem sido estabelecidas pelos homens nao se~ riam tao variadas nos diferentes povos e nagdes e muda- das ao arbitrio de seus chefs. 40. ‘Toda essa parte de instituig venientes para as necessidades da vida, os cristéos néio tém razao alguma para evité-la, Eles devem, bem ao con: trdrio, a medida de suas precisoes, dedicar-se a seu cut primento ¢ aprendé-las de meméria. os humanas que sio con caPtTuLo 27 Instituigées a serem adotadas ou rejeitadas 40. Algumas dessas instituigdes, 6 vordado, pouco marcados e assemelham-se a instituigdes naturais, Entre essas, é preciso absolutamente rejeitar e detestar as que tem em vista, como ja o dissemos, o comércio com 08 deménios. Por outro lado, 6 preciso apropriar-se d instituigdes que os homens estabeleceram entre si, se na0 forem supérfluas ou de luxo. F para serem adotados, prin- cipalmente, os signos das letras, sem os quais nos possivel ler. Igualmente, as diversas linguas sobre as quais jé falei anteriormente (ef. I,11,16) ‘A essa categoria pertencem também 0s signos estonograficos (notae), que valeram aos que os aprende- ram o titulo de estendgrafos (nolarii). Todos esses conhe- cimentos sao titeis. E lieito adquiri-los. Eles nao impli cam supersti¢do, nem levam ao relaxamento pelo luxo. Todavia, sob a condigao de que nos entretenham sem tra- zer obsticulo aos bens superiores, os quais eles devem ajudar-nos a adquirir SUNAIS A: BM INTRRERETANOS ee. capiruto 2s ‘Tradligdes ndo-instituidas pelos homens AL. As outras coisas que os homens eonheceram ¢ publi caram sem as ter inventado, enisas que aconteceram. nos, tempos passados ou que foram instituidas por Deus — onde quer que sejam aprendidas — nao devem ser eensi- deradlas como instituigdes humanas. Dessas, umas per- tencem aos sentidos corporais, outras ao entendimento. [As que se pereebem pelos senticos corporais nds as cre- is pereebemos ao serem mos ao nos screm nareadas, ou demonstradas, ov as interpretamos ao serem experi- nientadas, capiruio 29 O contribute da historia 42. Todos 08 informes que A cigincia chamada histirin nos oferece sobre o sucedido nos tempos passados nos 880 de grande ajuda para eompreendermas os Livros santos, ainda quando aprendidos fora da Igreja, em va erudigzo. Com efeito, procuramos freqtientemente determinar cer- tos acontecimentos por meio das olimpiadas e o nome dos cénsules. Assim, a ignoréneia do consulado sob 0 acal o Senhor na ‘ofreu levou muitos a enganarem-se Julgaram que o Senhor tinha padecido na idade de qua- renta e seis anos, pelo fato de, ao dizer dos judeus, 0 tem- plo construido nese espago de tempo ser a imagen do corpo do Senhor. Ora, nés sabemos muito bem, atrav da autoridade dos evangethos, que quando Jesus foi bati zado tinha mais ou menos trinta anos (/.¢ 3.23), Mas em seguida, quantos anos ele viveu neste mundo, s6 pode mos estabelecer pela seqtiéncia de seus atos. Mas para 19 URILIDADE Do CONHRCIMENTO D: TRNCLAS dissipar até a sombra de diividas, deduz-se de maneira ‘mais clara e mais precisa comparando a histéria profana com oevangelho. Aparecerd entio que nao fot inuitil dizer que o templo foi construido em quarenta e seis anos. [sso porque se esse mimero nao pode se referir & idade do Se- nhor, essa referéncia existe quanto a disposicio secr de que 0 Senhor tenha um corpo humano do qual nao desdenhou revestir-se por nds, Ele, 0 Filho tinico de Deus, por quem todas as coisas foram feitas, Platao, Pitgoras e as Livros santos 43. Ja que falo da utilidade da historia — deixando de lado os gregos —, que grande problema resolveu nosso Ambrésio contra os caluniadores do evangelho que liam ¢ admiravam Platdo! Atreviam-se eles a dizer que todas, ntengas de nosso Senhor Jesus Cristo —a quem se viam obrigados a propagar e a admirar —, 0 Senhor as tinha aprendida nos livros de Platin F razio, pois nao se pode negar que Platao existiu muitos anos antes da vinda humana do Senhor. 0 ilustre bispo Ambrésio, depois de ter estudado a histéria das nagées, constatou que Platao, eontemporéneo de Jeremias, tinha ido ao Egito, no momento em que ai se eneontrava 0 pro- ta. Dai mostrar, como mais provavel, que Platao teria sido instruido em nossas Escrituras por Jeremias, de modo que pide ensinar e eserever as coisas que eom jus: teza se louvam em seus escritos, De fato, anterior aos livros do povo hebrew nos q resplandece 0 culto de um s6 Deus, do qual nos veio, se- gundo a carne, nosso Senhor, nao: Pitagoras, de cujos sucessores os gentios afirmam ter Plato aprendido a teologia, Portanto, examinados os tem- pos, resulta muito mais erivel que Platao e Pitégoras to- SINAIS 4 SEREM INTERPRETADOS 0 maram de nossos livros tudo 0 que de bom e verdadeiro disseram, do que o Senhor Jesus Cristo o ter tomado te Platao, Crer em tal, seria loucura A historia nao é de instituicao humana 44, Ainda quando na narracio histérica se discorra tam: bém acerca das instituicées humanas passadas, nem por isso se ha de contar a mesma histéria entre as institu goes humanas. Isso porque as evisas que j4 passaram, € nao podem deixar de se ter realizado, devem ser cooca- das na ordem dos tempos, dos quatis Deus 6 0 eriador e 0 administrador, Uma coisa ¢ a narragéo dos fatos sucedi- dos ¢ outra o ensino do que se deve fazer. A historia conta fiel ¢ proveitosamente as fatos. Os Tiveas dos andspices, 20 contrério, ¢ todos os escritos semelhantes pretendem ensinar o que se deve fazer ou observar, com a audacia te instruir, nao com a boa fé de um guia eonfiavel cariruLos0 Discernimento entre feiticos e propriedades naturais 45. Hid uma narracdo que se assemelha a uma descri¢ao que faz conhecer aos que ignoram, nao as coisas pa: das mas as presentes. A esse genero pertence tudo 0 que ja se tem escrito a respeito da situacao das regives, da natureza dos animais, das arvores, das ervas, das pedras e demais corpos materiais. Ja tratamos anteriormente desse género de conhecimentos, e ensinamos que ele aju- da a resolver as dificuldades das Bscrituras. Advertimos que tal conhecimento nao fosse usado em pretensos re médios ou instrumentos de superstigao. Ja distinguimos st UTILIDANE DO CONHECINENTO DAS CIENCIAS © emprego supersticioso deste outro a que me refiro ago: ra, que ¢ livre e licito, Uma coisa ¢ dizer: Se beberes esta erva triturada nio teras dores abdominais. E outra coisa diferente 6 dizer: Se colocares esta erva no pescoco nao terds mais dores. No primeiro caso, aprova-se uma pro: priedade salutar; no segundo, se condena uma significa- co supersticiosa. Na verdade, ainda que nao se apliquem feitigos, invocagies ¢ signos magicos, pode zes duvidar se pelo modo de os remédios serem ligados ou por qualquer outro modo de serem aplicadas no eorpo para curé-lo, esses recursos ai estdo para operar em vir tude de sua propria natureza. Se assim fosse, poderiam ser aplicados livremente, Se provierem de uma ligadura supersticiosa, 0 cristo deve cvitar com tanto maior cui- dado quanto mais eficar.e proveitose Ihe apresentarem 0 remédio Quando se acha oculta a eausa da efiedcia, 0 interes sante é verificar-se a intengdo com que cada tum 08 em: prega. Se é, de fato, somente para tratar da saade e do Som estado de sorpo, seguindo a medicina ou os prine agricultura se muitas ve~ Aastronomia 4G, Quanto astronomia, nao se trata de narracio, mas de demonsiragao. A Escritura, alias, faz raramente men- 80 dela, Por certo, muitas pessoas conhecem o curso da lua que serve para determinar a celebragio solene do aniversério da paixao do Senhor. Mas nao se da 0 mes- mo com os outros astros. Poueas pessoas conheeem, exa- tamente ¢ sem erro, o despontar ou o declinar deles, ou qualquer outro movimento de seu ciclo, Ora, por si pré- prio, esse conhecimento, se bem que nao implique ne- nhuma supersti¢éo, é de ajuda pequena ou quase nula SINAIS A SEREM INTERPRETADOS 12 para o estudo das divinas Escrituras, e antes pertur- bam pela intitil tensao do espirito. E porque ela entre- tém estreito relacionamento com erro muito pernicio- so dos astrélogos que proclamam alto os destinos ilusérios (fatua futa), & mais recomendavel ¢ honesto té-la como menos aprecidvel. Contudo, além da demonstragao das coisas presen- tes, a astronomia tem certa similitude com a narre¢ao das coisas passadas, Isso porque, da posi¢ao e do movi- mento atuais dos astros, pode-se chegar sem vacilecao as suas fases precedentes, A astronomia permite tam- bém fazer-se conjecturas para o tempo futuro, as quais nao sao nem fantasistas nem de mau agouro, mas ga- rantidas exatas. Nao devemos, contudo, tentar tirar horéscopos sobre os atos ¢ acontecimentos de nossa rida em tais progn mos genetliacos em seus delirios, mas reservar esse estudo para célculos relati- vos aos mesmos astros De fato, quem caleula 0 curso da lua esté apto ¢ di- zer, depois de ter determinado a sua fase hoje, qual fora a de (anlus snus airs © qual ser eur igual dist daqui a tantos anos, Ora, 0 mesmo se dé com os peritos que fa- zem sibios eélculos sobre cada um dos outros astros. Elis af o meu ponto de vista em relagio ao conjunto des- sa citncia, 2 astronomia, no que se refere a seu emprego. eos, como f capituLo st As artes mecanicas stem também outras artes que tem por meta a fa~ brieagao de alguns objetos. Em certos casos, tal objeto sub- siste depois do trabalho do artifice. E 0 caso, por exemplo, de uma casa, um baneo, um vaso e de outras muitas edisas % (ITILIDADE Do CONHECIMENTO DAS CHENCIAS semelhantes. Em outros casos, o operador serve de instru. mento & ago divina. B 0 caso da medicina, da agricultura e do governo, Em outros eases, todo 0 efeito reduz-se a ago do momento, como para a danga, as corridas e a luta, Em todas essas artes, a experiéncia do passedo faz conjecturar também o futuro. Porque nenhum dos a membros quando trabalha, sem ligar a lembranga dos atos executados com a expectativa dos atos a vir B preciso, portanto, no curso desta vida, tomar 0 ¢o- nhecimento dessas artes ligeira e rapidamente, nao para as praticar, a menos que algum dever nos obrigue a isso — a case respeito nfo trataremos neste momento —, mas. para poder aprecié-las e nao ignorar por completo © que a Bseritura pretende insinuar quando se serve de expres s6es figuradas tiradas dessas artes, capiruto a2 Adialética 4B, Rosia discurcermius subre os evuliecinueulos velati- vos nao aos sentidos do corpo, mas & razao ou poténcia intelectiva da alma, entre as quais reina a cidneia do ra- ciocinio. A ciéneia do raciocinio é de muitissimo valor para penetrar e resolver toda espécie de dificuldades que se apresentam nos Livros santos. Sé que se ha de evitar 0 desejo de discussdes (libido rixandi) ¢ certa ostentagdo pueril de enganar 0 adversario. Com efeito, hs muitos raciocinios chamados sofismas em que se tiram conclusdes falsas, to parecidas com as verdadeiras que, na maioria das vezes, enganam nao so- mente os espirites lentos, mas também os vivos, por pou- co que relaxem a ateneao. Por exemplo, alguém propée esta proposigdo @ seu interlocutor: O que en sou, tu nao és”. O outro concorda, SINAIS A SEREM INTERPRETADOS ba Em parte, era verdade, nao fosse sendo por ser aquele astuto ¢ este ingénuo. Entao,o primeire replica: “Ora, eu sou homem”. E como 0 segundo concorda, ele completa: “Logo, tu nao 6s homem’ Esse géncro de conelusées sofisticas, conforme posso julgar, a Eseritura detesta como se lé naquela passage em que esta dito: “Aquele que usa de linguagem sofist cada € odioso” (Helo 37,20 Pode tambem ser considerado sofisticado um discur so, ainda que nao pretenda enganar, mas que procura as belezas de expresso mais do que a gravidade do pensa mento. Risco das falsas conclusdes 49. Do mesmo modo, hé conelusdes legitimamente deduzidas de um raciocinia, as quais nia sio em si “al sas, mas provindos de um principio pronunciado erronca- mente pelo interlocutor. Rntretanto, nm homem bor ¢ douto pode refutar a afirmacao erranea desse interlocun, para o fazer envergonhar-s¢ do erro, do qual se seguiram s conclusoes falsas © conseguir que ele as rejeite. Por- ele persiste, fica obrigado a admitir as conseqiiin- que clas que conden. Assi 1, 0 Apéstolo no conclufa nada de verdadeiro 20 afirmar: “Se nao ha ressurreieao dos mortos também. Cristo no ressusei 3) @ ap acreseentar:"B a pregagao, vazia também ¢ a nossa fé". Essas assergoes e todas as seguin- 's sao absolutamente falsas, porque Cristo ressuscitou, tampouco sao vas « pregacao dos que anunciavam essa ressurreigio e a fé dos que nela acreditavam. Entrotan- to, essas conclusoes verdadeiramente falsas se deduziam da relagao mantida com a afirmagao dos que diziam rao a UTILIDADE BO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS existir a ressurreigdo dos mortos, Blas seriam verdade ras se os mortos nao ressuscitassem, Mas rejeitadas es: is conclusies por serem falsas, a conseqiiéneia sera que os mortos ressuseitam. Logo, jd que ha conexdes ldgicas nao somente entre conclusdes verdadeiras, mas também entre as falsas, é f4cil aprender esse proceso, até nas escolas que estao fora da Igreja. Quanto a verdade das sentengas, 6 preciso procurd-las nos santos Livros eclesiastic eaphnuos: Os homens apenas constatam, nao criam as verdades 50. A mesma verdade dos raciocinios (veritas counexio: tuida pelos homens, mas constatada € posta om formulas por eles, para poderem aprendé-ta ou ensiné-la, A verdade fundamenta-se de modo permanen: te na razio das coisas ¢ foi estabelecida por Deus. De fato, © historiador que narra a sueessiio eronolégi ca dos acontecimentos nao foi quem a estabeleceu, O na- turalista que nos faz ver a situagao das regides ou a na- tureza dos animais, das plantas ¢ das pedras nao nos desereve algo feito por ele ou por outros homens. O astr nomo que nos fala sobre as astros € seus movimentos nao nos descreve algo criado por ele ou por homem qualquer. Ora, dii-se » mesmo com quem diz: “Quando o conseqiiente € falso, 6 necessario que o antecedente o seja”. Diz algo muito verdadeiro, mas nio foi ele quem assim estabele: ceu. Contenta-se em constatar. ‘essa regra que se relaciona 0 erro que acabamos de meneionar a proposito do apéstolo Paulo. Pois o ante cedente 6: “Os mortos nao ressuscitam”, como diziam aqueles cujo erro Paulo queria destruir. O conseqiiente num) nd foi SINAIS ASEREM INTERPRETADOS 6 necessariamente era: “Entao Cristo, ele também, naores- susciton”, Ora, esse conseqiiente sendo falso, o ante: cedente: “Os martos nao ressuscitam” sera também fal 30. Bis brevemente todo o racioeinio de Paulo: “Se nas ha ressurreigdo dos mortos, o proprio Cristo, nao ressuscitow Ora, Cristo ressuseitou, entio os mortos ressuscitam Ao Suprimir 0 conseqiiente, suprime-se o antecedente. B, isso 0s homens nao estabeleceram, mas constataram. Bsta regra pertence verdade do raciocinio, ndo & verdade mesma das sentengas. capiveio a Sofismas nos silogismos 51. Nessa passagem referente & ressurreicio, a regra do raciocinio esta certa e certa também a sentenca da conelusao. Contudo, em proposigdes falsas, a justeza do racioeinio pode seguir a forma seguinte: suponhamos que alguém aceite esta proposi¢do: “Se 0 earacol é ani- mal, possui voz”. A proposicao estando admitid prova sendo feita que 0 caracol nao possui voz, supri- me-se 0 consequente. [sso leva a supressdo do anteceden- tee conelui-se: “Logo, o caracol nao é animal”. E: clusio ¢ falsa, mas decorre logicamente da premissa falsa admitida A rretidao de um pensamento vale por ele proprio, a0 passo que a verdade de um racioeinio depende de quem cré ou do que admite 0 interlocutor E porque, como dissemos acima, uma conclustic fal 6 deduzida em um raciocinio justo. Isso serve para alertar do erro a quem queremos corrigir. Que ele se ar- penda de ter admitide um antecedente cujo consequiente deve ser rejeitado, como acabamos de ver. 137 UMILADADE DO CONHEGIMENTO 4S CIENCIAS Portanto, é fiieil compreender, por um lado, que de sentengas falsas podem ser tiradas conclusbes verdadei ras e, por outro, que de sentencas verdadeiras podem ser tiradias eonclusoes falsas, Suponhamos que alguém tenha emitido a seguinte proposigiio: “Se este homem ¢ justo, ele € bom". Concedi- do. Ao que ele prossegue: “Ora, cle nao 6 justo". B se ain- da concedido, ele tira a conclusao: “Logo, ele nao é bom” Por certo, todas essus assergdes sio justas e contudo a deducdo niio o é. Isso porque, se a supressio do conse- qiiente implica necessariamente a supressiio do antece- dente e, contudo, a supressdo do antecedente nao impli ca.a supressao do conseqtiente. Assim, temos que é verdade quando dizemos: “Se tal 6 orador, 6 homem”, Mas se dessa asserciio passamos a esta: “Ora, ele nao € orador”, nao se segue a conclusio seguinte: “Logo, ele no é homem”. cartruLoas Vantagens do conhecimento da logica 52, Uma coisa é conhecer as regras do silogismo e outra conhecer a veracidade das sentencas. Pelas primeiras, aprende-se o que é deduzido logicamente, o que é deduzi do ilogicamente e o que repugna a razdo, A dedugao logi- ca é esta: “Se ele € orador, é homem”, A dedugaio ilégica: Se ele é homem, é orador”. Ea deducdo que repugna a rando: “Se ele é homem, 6 quadrapede”. Até aqui, julgamos 0 eneadeamento do racioeinio (ou silogismo). Agora, para julgar sobre a veracidade das sen- lengas € por elas préprias e nao por seu encadeamento que é preciso julgar. Contndo, quando sentengas incertas esto ligadas em um justo raciocinio as sentencas SINAIS A SEAEM INTERPRETADOS 1s verdadeiras e certas, necessariamente elas se tomam também cortas Ora, ha pessoas que se vangloriam de ter aprendido a Logica com retidio, como se ela mesma fosse a vertade das sentengas. Outros, ao contravio, limitando-se muitas vezes 86 A voracidade das sentencas, queixam-se sem ra 0 de ignorarem as lois do raciocinio. Entretanto, vale mais 0 homem que sabe que os homens hao de ressusci tar do que o conhecedor dos silogismos como este: “Se 0 Cristo nao ressuseitou” e sua conelusao légica: “nao ha ressurreigdo dos mortos” cAPITULO 96 O falso e 0 verdadeiro nas definicée visio e da elassificagéo, ain- 5B. Aciéncia da definigao, dad da que scja empregada muitas vezes para coisas falsas, nfo 6 por si falsa; nem foi instituida pelos homens, mas dseo- berta pela propria razdo das coisas, Poetas em suas filbu- las, filésofos em suas opinides erroneas ou até hereges, isto 6, falsos eristaos, costumam empregar essa ciéncia, Mas nao por isso que na definigio, divisdo ou classificacso deixe de entrar 0 que € préprio de uma questdo ou que nela seja omitido o que é essencial. Com efeito, quando definimos 0 falso em si proprio dizemos: o falso consiste em dar a uma coisa sentido que nao 6 0 seu ou sentido bem diferente que nao corresponde prépria natureza da coisa. Essa defini- 80 6 verdadeira, se bem que o falso nao o seja. Podemos também distinguir dizendo: Ha duas espé- ci 15 que absoluta- mente nao podem existir, outra as eoisas que no 2xis- tem, mas entretanto poderia existir. Dizer com efeito “Sete e trés so onze” é dizer uma coisa que nunca pode- is de falso. Uma corresponde as cois UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS C ser Mas dizer: “Choveu nas ealendas de janeiro”, quan do nao chaveu, ¢ dizer algo que poderia ter sucedido, Entiio, a definieao e a divisio de coisas fulsas podem ser hem verdadeiras, se bem que as coisas falsas, em si préprias, nao o sejam, capmnuLos A clogiiéncia 54. Existem também certas no: um diseurso mais desenvolvido, chamadas elogiténcia. Apesar das hormas serem verdadeiras, elas podem persuadir coisas falsas. Mas como gracas a essas normas, os homens po: dem também expor 0 que é verdadeiro, a culpa néo 6 da arte da palavra, mas a perversidade vem dos que dels servem mal, Tampouco, foi de instituigao dos homens que uma exposi¢da agradavel arraste 0 ouvinte; que uma nar ragao breve e clara insinue facilmente © que intenta; e que « variedade sustente a atengao sem cansago. Tam pouco foram inventados pelos homens preceitos andlogos ‘que deixem de ser verdadetros em si préprios, quer nas causas falsas, quer nas verdadeiras, & medida que fazem erer ou conhecer algo de novo, ou movem os dnimos a desejé-lo ou, 20 contrario, evité-lo, Essas normas so en contradas jé existentes desse modo, antes de serem inst tuidas para que surjam desse modo, caPirawo ss Pouca utilidaule das regras da retorica e da dialética 55. Ao aprender a retorica 6 para se servir dela na ex- presstio do que se entenden, mais do que para fazer com- preender o quese ignora. Noentanto, a logica ea dialética SINAIS A SEREM INTERPRETADOS 10 que ensinam as regras das conclusies, definigbes ¢ clas sificagdes sdo de ajuda poderosa para a compreensao. 1350, porém, sob a condigao de afastar o erro pelo qual os ho- ‘mens pensam que ao aprender tais regras jé estao de passe da prépria verdade, a que conduz a vida eterna, Se bem que acontega, muitas vezes, que os homens consigam cap- tar mais direta e facilmente aquelas mesmas coisas para as quais aprenderam tais normas do que entenderem essas normas complicadas e fastidiosas. B como se al- guém, querendo dar os prineipios da marcha, advertisse que nao se deve levantar o pé que esta atras, a nao ser quando ja estivesse pousado o pé dianteiro, e desereves- se em seguida, ponto por ponto, como é preciso mover as articulagdes dos pés e dos joelhos, Sem divida, ¢ certo 0 que se diz, nao se anda de outro modo. Mas os homens andam mais facilmente fazendo esses movimentos do que se dando conta, a0 fazé-lo, ou entendendo as regras explicadas. Quanto aos que nao podem andar, cles se prec- cupam menos ainda com esses principios, os quais tam possibilidade de aplicar. Assim, um espirito arguto v6 freqiientemente mais depress o erro de uma conclu. so do que percebe as regras do raciocinio, Outro espirito mais lento nao perecbe a falsidade da conclusao, mas, ‘muito menos ainda, as regras a esse respoito. Em todas essas artes, pois, o espetéculo da verdade deleita-nos mais do que nos ajuda na diseussdo ou no julgamento. As regras de retérica podem, ¢ verdade, tor- har 05 espfritos mais exercitados, a ndo ser que nac os faca também mais maldosos e orgulhosos, isto 6, levailos fa sentir prazer em enganar com perguntas ¢ questies aparentes, ou a se imaginar possuidores de um bem tao valioso que os torna superiores aos outros homens, bans inocentes, cre UTILIMADE DO CONHECINENTO DAs CIENCIAS capiruto a9 As regras imuti wis da matematica 56. Quantoa ciéneia dos niimeros, é evidente — até para todos os espiritos, inclusive os mais le foi inventada pelos homens, mas apenas procurada e des- coberta por eles. Pois com ola nao acontoce como se deu com a primeira silaba da palavra Italia, que os antigos pronunciavam breve, mas que se tornou longa pela vonta- de de Virgilio, Nao esta no poder de ninguém, a seu bel: prazer, fazer que trés vezos trés sejam nove; que nove nao possa formar um quadrado; que esse mimero conte: nha uma vez ¢ meia seis; que néo possa ser o duplo de lum mtimero inteiro, jé que os ntimeros impares nio se dividem por dois. Seja, pois, que se considerem as leis numérieas em si préprias, seja que se utilizem como leis da geometria ou da musica ou de outros movimentos, elas sempre tem regras imutaveis, que nao foram de modo algum inven- tadas pelos homens, mas sim descobertas pela sagacida de de espiritos engenhosos, os —que ela nfo Ser sdbio 6 tudo dirigir ao lowwor de Dens 57. Eis, a seguir, que acontece com quem ama essas cieneias na intenedo de se vangloriar diante dos ignoran- tes, em ver de procurar de onde procede a verdade das idéias, que ele apenas pressentiu nelas, ¢ de onde proce- de nao somente essa verdade mas ainda a imutabilidade de algumas delas, as quais ele chegou a compreender se- rem imutaveis Todo aquele que subindo, assim, do mero aspecto dos corpos a inteligencia da mente humana, ao encontrar essa SINAIS A SEREM INTRRPRETADOS waa mente mutavel — pois por vezos ela ¢ douta e por veres ignorante — mas que entretanto estai posta em lugar su blime, entre a Verdade imutavel que se encontra acima dela e as coisas mutiveis que se eneontram abaixo, esse alguém — se nao dirigir todas essas coisas ao louver & amor do nico Deus, de quem pereebeu que procedsm todas as coisas — podera parecer douto, mas de modo algum sera sabio, carry. 10 Sintese das recomendagées ao intelectual eristéo 58. Pelo exposto, parece-me salutar fazer estas recommen. dagoes aos jovens estudiosos, inteligentes e tementes a Deus, que procuram a vida bem-aventurada: que nac se arrisquem sob o pretexto de tender a vida feliz ¢ que nao se dediquem temerariamente a seguir doutrina alguma das que se praticam fora da Igreja de Cristo, mas que as examinem com esmero ¢ diligéneia, se encontrarem alguma doutrina de instituigéo humana, diversificada devido a varias intengdes de seus promotores, c ademais pouco conhecidas por causa das opini6es dos que se des- viam, e sobretudo se encontrarem essas doutrinas asso- ciadas aos deménios por meio de uma espécie de pactoou convengées fundamentadas em certos signos, eles devem repudid-las e detesté-las por completo, Que se afastem também do estudo das doutrinas instituidas pelos homens se forem supérfluas ou de puro luxo. Quanto as outras doutrinas estabelecidas pelos homens, que servem para a convivéncia da sociedade, que nao se desinteressem delas, enquanto o exigir a necessidade desta vida. Em referéncia as demais ciéneias que se encontram entre os gentios, fora a histéria das coisas pas us UFILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIENCIAS presentes, ¢ pertencentes nos sentidos do corpo, ¢ além disso as ciéncias que se ajustam as experiéncias e conjecturas das artes mecdnieas Utels, exeetuadas tam- bem a logica © a matematiea, julgo nao terem elas nada de uitil Em todas essas cidneias sc ha de observar a maxi- ma: “Nada com excesso”, de Teréneio (em Andriana 1,1), sobretudo quanto as ei@ncias relacionadas com os senti- dos corporais © que se desenvolvem no tempo ¢ ocupam ugar no espaco. Apologia das nomenclaturas ). Alguns eseritores traduziram separadamente todos 08 termos ¢ nomes proprios hebraicos, sirios, egipcios & de qualquer lingua que puderam encontrar nas Sagra: das Escrituras, sem nenhuma interpretagdo. Eo que fez Busébio na sua Historia, para resolver as dificul que se apresentam nos divinos Livros. Assim a fizeram com a finalidade de que o eristao nao se visse obrigado a trabalhar demais em pequenas coisas, Considero que tam bém se poderia fazer tal, em outros campos, caso alguém possuisse as qualidades necesssirias para esse empreendi- mento, em um esforgo caritativo em favor dos irmdos. Seria a compilacao em um volume, com a explicacao a0 lado dos nomes ignorados pela maioria, dos animais, er: vas, drvores, pedras e metais e de qualquer outra classe © espécie mencionada pela Hscritura. Também poderia ser feito o mesmo com os niimeros, para que constasse, por eserito, 05 motivos pelos quais esto citados na Eseri- tura. Alguns desses trabalhos, ou quase todos, ja se en- contram feitos por eristios bons ¢ doutos. Contudo, seja pela multidao de displicentes, seja de invejosos, estao mantidos em sigilo e tém ficado isgnorados, SINAIS A SEREMCANT RPRETADOS us Poder-se-ia fazer um trabalho semelhante sobre 0 método da diseussao ou dialétiea? Tgnoro-0, Mas tal no me parece possivel, porque no correr do texto da Escrita- ra, acham-se os termos entrelagados & maneira de ne vos, Essa arte da dialética, entretanto, é mais atil ans leitores para dissipar e esclarecer as ambigitidades, das quais falaremos mais adiante, de proferéncia a hes dar a conhecer os signos a respeito dos quais tratamos pre- sentemente capituLo.y Pertence aos cristios tudo o que os pagaos disseram de bom 60. Os que sao chamados filésofos, especialmente os pla- tonicos, quando puderam, por vezes, enunciar teses ver- dadeiras e compativeis com a nossa fé, & preciso niio so- mente nao serem eles temidos nem evitados, mas ant: que reivindiquemos essas verdades para nosso uso, eomo alguém que retoma seus bens a possuidores injustos, De fato, verificamos que os egipcios ndo apenas pos- suiam idolos ¢ impunham pesados cargos a que 0 pov0 hebreu devia abominar e fugir, mas tinham também va- sos © ornamentos de ouro e prata, assim como quant dade de vestes. Ora, 0 povo hebreu, ao deixar o Egito, apropriou-se, sem alarde, dessas riquezas (Ex 3,22), na “a doutina erst absorve lenento da flocofa Ms com ousins Padres a fireram nner dele, Agostino adverve para que fecance une ‘Sectha eeoaservomos aomento oque fala compreenedo daw Eacrtaras 6 ‘adueasdoeepirisual, Assit, os elementos Gx eultura paga devesh sor poste & Sarvigo da Ble explion aqui por qe mcristo deve agutae as verdad dn Ibertas pelos pages. A vazau equa a verlag, eon qualquer parte one fonstan perience 90 Senbot™ i, 0: eriethos devern revindica de Tes como injurtos posi as vordadeszas que ves txpasarst. 2b Mi Lalza Roque ct p88 us DTILIDANE Do CONHECIMENTO DAS CIENCIAS intengao de dar a elas melhor emprego. E nao tratou de fazé-lo por prépria autoridade, mas sob a ordem de Deus (Ex 12.35.36). E os egipeios lhe passaram sem contesta- cao esses bens, dos quais faziam mau uso. Ora, di-se o mesmo em relagao a todas as doutrinas pagtis. Elas possuem, por certo, ficgdes mentirosas ¢ su persticiosas, pesada carga de trabalhos supérfluos, que cada um de nds, sob a conduta de Cristo, ao deixar a so- ciedade dos pagios, deve rejeitar e evitar com horror. Mas cles possuem, igualmente, artes liberais, bastante apro- priadas ao uso da verdade e ainda alguns preceitos mo, rais muito titeis. E quanto ao culto do tinico Deus, encon- tramos nos pagaos algumas coisas verdadeiras, que s40 como 0 ouro e a prata deles. Nao foram os pagiios que os fabricaram, mas os extrairam, por assim dizer, de certas minas fornecidas pela Providéncia divina, as quais se espalham por toda parte e das quais usaram, por vezes, a servigo do deménio. Quando, porém, alguém se separ pela inteligéncia, dessa miserdvel sociedade paga, ten- do-se tornado cristo, deve aproveitar-se de: des, em justo uso, para a pregagao do evangelho. Quanto as vestes dos egipcios, isto 6, ds formas tradicionais esta. belecidas pelos homens, mas adaptadas as necessidades de uma sociedade humana, da qual ndo podemos ser pri- vados nesta vida, sera permitido ao cristo tomé-las © guardé-las a fim de converté-las em uso comum. sas verda: Exemplo dos santos Padres da Igreja 61. Alias, que outra coisa fizeram muitos de nossos bons figis? Nao vemos sobrecarregado com ouro, prata, vestes tiradas do Bgito, Cipriano, esse doutor suavissimo beatissimo martit? Com que quantidade, Lactancio? E Victorino, Optato, Hilsirio, sem citar os que vivem ainda SINAIS A SEREM INTERPRETADOS 146 hhoje? Com que quantidade, inumerdveis grogos o fizeram? Bo que executou, em primeiro lugar, o fidel 's, em primeiro lugar, 0 fidelissimo servo de Deus, Moisés, instruido com toda a sabedoria das ei, cios? (At 7,2. O paganismo supersticiaso dos gentivs, sobretido no tempo em que, repelindo o jugo de Cristo, perseuuia os cristéos, nao teria nunca dado, para que fossem participa. das por todos estes homens, as doutrinas tteis que poss sufam, se tivesse suposto que iriam se voltar para o culto do tinieo Deus, por quem o culto vao dos idolos devsria ser destrutdo, Os pagiios, porém, deram seu ouro, sua prata, suas vestes ao pove de Deus, ao sair do Exito, porque ignera. vam que esses dons passariam ao servigo do Cristo, Rsse fato narrado no Exodo 6, sem diivida alguma, figura que simbolizava, de antemao, 0 que acabo de dizer, sem que isso impega, alias, alguma outra explicacao de igual va. lor ou talvez ainda melhor. Ultimos consethos 62. Desde o instante em que alguém, preparado dess snodo ao estudo das divinas Fsoritaras,comega pene cruté-las mais a fundo, hii de conservar sempre no espi- rito a recomendagao do Apdstolo: “A eiéncia incha, ¢ a caridade que edifica” (1Cor 8,1), porque sentira que ape. sar de ter saido do Rgito, se nila celebrar a piscoa, nao poderd se salvar. Nossa Pascoa é Cristo imolado, B cssr Imolagio de Cristo nos ensina o que ele préprio nos diz em alta voz, como a homens que vé penar no Egito sob o jugo dos faraés; “Vinde a mim todos os que estais eansa, dos sob 0 peso do vosso fardo ¢ eu vos darei deseanso, ur UTILIDADE D0 CONHECIMENTO DAS CIBNCIAS ‘Tomai sobre vos 0 meu jugo © aprendei de mim, porque sou mansoe humilde de coracao, encontrareis descanso para. as vossas almas, pois o me fardo € leve” (Mt 11,28-31), E a quem se dirige Cristo, a nao ser aos mansos ¢ humildes de coragio, tos quais a cigneia nao incha ¢ 2 caridade edifiea? Que se lembrem pois dos que naquele tempo celebravam a Pascoa, em imagem e sombras. Quando receberam ordem de marear os umbrais das portas com o sangue do cordeiro, eles fo- ram, por sua vez, marcados com o hissopo (Ex 12,22), Essa erva é suave e humilde, mas entretanto nada existe de mais forte, nem de mais penetrante do que suas raizes.O que significa que devemos estar arraigados ¢ fundados no amor, para assim ter condi¢des para campreender com todos os santos qual é a largura ¢ 0 comprimento, a altu- ra e a profundidade da cruz de Cristo. Entende-se por largura, a do madeiro transversal onde as maos estao estendidas. Por comprimento, entende-se 9 que vai da terra a transversal, onde a partir das maos 0 corpo todo esta fixado. Por altura, conta-se subindo da transversal até o cume, onde se apoia a eabega, Por profundidade, a parte que, plantada na terra, esté escondida. Neste sinal da eruz, encerra-se todo 0 programa de ago do cristae: fazer o bem, em Cristo, e ficar unido a ele; com perseve- ranga, esperar os bens celestes e niio profanar os sacra. mentos Purificados por essa vida ativa estaremos aptos a conhecer também 0 amor de Cristo que excede a todo co- nhecimento, por cujo amor ele é igual ao Pai, ele por quem tudo foi feito, para que “sejamos plenifieados com toda a plenitude de Deus” (Ef 3,19). Possui ainda o hissopo forca purificadora que impe- de 0 pulmao inchado de inspirar orgulhosamente entu- mescido pela ciéneia das riquezas tiradas dos egipcios Dizo Salmo; “Tu me borrifars com o hissopo e me torna- SINAIS 4 SEREM INTERPRETADOS rei mais branco do que a neve" (SI 51,9). E acrescenta depois, para mostrar que o hissopo simboliza a purifica 40 do orgulho: “B meus ossos humilhados regozijar-se-Z0”" (151,10), ‘caPfruto +s Aimensa superioridade da Eseritura 63. Quanto ¢ pequena a quantidade de ouro, prata eves tos tirada do Egito por esse povo hebreu em comparagio com as riquezas que Ihe sobrevieram em Jerusalém, € que aparecem sobretudo com o rei Salomio (1Rs 10,14 23), assim ¢ igualmente pequena a ciéncia — se bem que Xitil — recolhida nos livros pagdos, em comparagaio com 2 ciencia contida nas divinas Eserituras. Porque tudo o que uum homem tenha aprendido de prejudicial alhures, ai est condenado, ¢ tudo o que aprenden de bom, ai esta ensinado. E quando cada um tiver encontrado tudo o que aprendeu de proveitoso em outros livros, descobriré mui: to mais abundantemente ai. Bo que é mais, 0 que niio aprendeu em nenhuma outra parte, somente encontrar na admiravel superioridade e profundidade destas Eseri- turas, Bem munido por essa formagao € nao estando mais paralisado por signos desconhecidos, o leitor manso e humilde de coracao, submisso a0 jugo de Cristo, earrega- do com um fardo leve, fundado, enraizado e edificado aa caridade, podera langar-se ao exame e a discussao dos signos ambiguos das Eserituras, sobre os quais, no préxi- mo livro, eu me preparo a discorrer, conforme o Senbor se dignar me inspirar. LIVRO II SOBRE AS DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS NAS ESCRITURAS A. COMO RESOLVER AS AMBIGUIDADES EM TEXTOS TOMADOS EM SENTIDO PROPRIO eaPETULO 1 Breve reeapitulacao ¢ objetivo do presente livro 1. Ohomem temente a Deus procura diligentemente a vontade divina nas santas Escrituras, Pacificada pela piedade, que nao ame as controvérsias. Munido do co- nhecimento das linguas, que nao se veja embaracado por palavras ¢ expressoes desconhecidas. Provido de certos conhecimentos necessvirios, que saiba identificar a natn- roza ¢ as propriedades das coisas quando empregadas a titulo de comparacao. Finalmente, apoiado na exatidio do texto obtido por trabalho conscieneioso de corregio, que cle, assim preparado, possa dissipar e resolver as ambigdidades das Eserituras. Para que possa evitar os enganios com os signos am- biguos, procurarei ajudé-lo quanto puder, através destes métodos, que presentemente pretendo indicar. Talvez parecam pueris a alguns, devido & capacidade superior de rncia ou zo brilho de seu génio. Contudo, como dizia, se ele estiver em boa disposigio, que saiba — quanto puder ser instrufde por mim — que toda am. bigiiidade da Escritura provém seja dos termos toma: dos em seu sentido proprio, seja de termos tomados em ado, Sobre essa distingao ja falamos no Li DIFICULDADES a. REM DISSIPADAS, 182 caPiTULO2 O recurso ds Regras de fé e a Igreja 2. Quando for o sentido proprio que torna ambigua a Fecritura, a primeira coisa a fazer ¢ verificar se nao es tamos pontuando ou pronunciando mal, Uma ver pres tada a devida atencao, se ainda aparece incerto ao estu- dioso como deve pontuar ou pronunciar, que ele consulte as Rogras de fé (Regula fidei) adquiridas em outras >a: sagens mais claras da Eseritura, Ou entao, que recorra A autoridade da Igreja, Sobre essas Regras ja tratamos © suficiente ao falarmos sobre “as coisas” (De rebus), no Livro Ut Mas no easo de dois sentidos, ou todos eles, caso fo- rem muitos, resultarem ambiguos, sera nos afastarnos da fe, resta-nos consultar o contexte anterior, ¢ 0 sein, te & pascagem onde est a ambigitidade. Veremos po: ai, entre os diversos sentidos que se oferecem, qual o melhor ou com qual o texto mais se harmoniza, Ambigitidades devidas é falsa pontuacao 3. Consideremos alguns exemplos, Seja o primeiro ode uma pontuagdo que leva a heresia: fn prinepio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat. 0 pento final ai colocado nuda o sentido da frase. Porque a conti- ‘Agostino proclama comumente a auteeidade das tds regres da fe @ Bseritura, a Tradigdo © Magisuri slesiduton cnt mitua subesdinasto © Jharmonia, AAS Rsersturas casn'cas so wna rogra ndofectivel. B)Nermtado std nas Bsesituras e soments a Tradigietransaiteoe divercasrevelies fpectaieas, como n bat angus. Mas a Tradigio 3 6 apostles nle"O Simbolorelacioneos corn atric ara deve consulta la come lr involve, C) cima ‘estda auloridade viva da Igejn Sela 208 pera tetas Boeritara oy AMBIGUIDADES... EM SENTIDO PROPRIO nuagio: Verbum hoe erat in principio apud Deum néo leva a reconhecer que 0 Verbo era Deus. Tal pontuacao deve ser rejcitada em virtude da Regra de f€ que nos prescre- ve confessar a igualdade da Trindade, Pontuaremos, portanto, deste modo: Ht Deus erat Verbum, acrescentan do logo # continuagso: hoe erat in principio apud Deum Wo LL) Ambigiiidades por pontuagao duvidesa 4, Bis por outro lado, uma ambigiidade devida a pon- tuag&o, em que nenhum dos dois fragmentos da frase cor- tada seja contrério a fé, Assim, para dissipar alguma diivida, 6 prec 20 proprio contexto da senten- ca. Diz 6 Apéstolo: “Ignoro o que escolher; porque de an bos 08 lados vejo-me solicitado: tonho veemente desejo de partir ¢ estar com Cristo, porque isto € em muite 0 me- thor, mas permanecer na carne é necessdrio para vos” (Ei quid eligam ignoro: compellor autem ex duobus, concupis- centiam habens dissolvr, et esse cum Christo; multo enin mags optimum: manere in carne necessarium propter vos) (F11,23-24). ‘A davida 6 se havemos de entender: “de ambos os lados tenho veemente desejo”, ou: “sou solicitado de am- bos os lados”. De maneira que seja acrescentado: “tenho veemente desejo de partir e estar com Cristo”. Mas como sio Paulo prossegue dizendo: “porque isso 6 em muito 0 melhor”, vé-se claramente que ele diz. que tinha veemen- te desejo desse melhor. De sorte que ao ser atraido por amb dos, sentia por um 0 desejo, ¢ por outro a ne. cessidade: o desejo de estar com Cristo e a necessidade de permanocer na carne. Essa ambigitidade resolve-se com a simples palavra que segue: 0 “porque” (enim) que contra no texto. Os tradutores que suprimiram essa seer DIFIGULDADES A SEREM DISSIPADAS 3 palavra o fizeram levades antes pela idéia de que a sen tenga mostrasse que 0 Apéstolo nao somente se sentia solicitado por ambos os Tados, mas também sentia gran de desejo de ambos. A pontuacao ha de ser a seguinte: ‘Ignoro 0 que escolher; vejo-me solicitado de ambos os lados”. E a esse ponto seguir-se: “Tenho desajo de parti: e estar com Cristo”. E camo se Ihe fosse do por que tinha maior desejo disso, diz: “Porque é om muite 0 melhor”. Mas entao por que se vé solicitado pelas duas coisas? Porque a necessidade impoe-se de permanecer 2a terra, o que cle exprime acrescentando: “Permanceer 2a carne 6 neceasirio para vOs", Casos de pontuagao facultative 5, Nas passagens onde nem a Regra de fé nem 0 con- texto do discurso podem esclarecer a ambigitidade, nao ha inconveniente algum pontuar 2 frase eonforme qui quer dos sentidos que se apresentem. E 0 caso para esta exortagao aos corintios: “lendo estas promessas, meus carissimos, purifiquemo-nos, de toda mancha da carne e do espirito, levando ao ter- mo a santificagao no temor de Deus. Acolhei-nos. Nos a ninguém temos ofendido” (2Cor 7,1-2). Por certo, ndose sabe como ler: “Purifiquemo-nos de toda mancha da carne e do espirito”, concordando com aquela sentenga do Apéstolo que disse em outro lugar: “..para ser santo de corpo ¢ de espirito” (1Cor 7,34). Ou entao: “Purifi- quemo-nos de toda mancha da carne”, e logo inieiando uma nova sentenga com outro sentido: “Levando ao termo a santifieacao do espirito no temor de Deus, acolhei-nos”, Quanto a tais ambigiiidades de pontuagao, o leitor tem toda a liberdade de adotar & que julgar melhor. AMIBIGUTDADES. . EO SENTIDO PROPRIO. CAPITULO 8 Ambigiiidades provenientes da entoagdo na proniincia 6. ‘Tudo o que acabo de dizer a respeito das ambigitida- des devidas & pontuacao pode exatamente ser abservado também quanto as ambigiiidades devidas a promuncia, Porque esta, a nao ser por excesso de negligéncia do lei tor, pode ser corrigida pola Regra de f6 ou pelo contexto. ‘No caso, porém, de nenhum desses meios aplicados & cor recdo esclarecerem a ambigitidade, a tal ponto que o lei- tor ainda fique na divida, néo haverd culpa pelo modo com que for pronunciada a frase. Vojamos um exemple: Realmente, se a f que nos fax erer nde nos lembrar que Deus nao se levantara como aeusador de seus eleitos € nem Cristo 0s condenaré, alguém correria o risco de pronuneiar assim a seguinte pergunta: “Quem acusaré os eleites de Deus?” Conforme a tonalidade da voz, a ques- to parecer exigir a resposta que segue afirmativa: “Deus que justifica”. Assim também com a segunda pergunta: “Quem os condenara?”, ha risco de ser respondido: “Je- is Cristo que morreu”” Ora, crer nisso seria o cumulo da, aeia. Sera, pois, preciso pronunciar a frase de tal ja seguida de outra in- de forma que a questo proposta s terrogagio. De fato, ao dizer dos antigos, existe entre uma questo e uma interrogagao esta diferenca: a questo, percontatio, podem-se dar miiltiplas respostas; a0 passo que a interrogagdo, interrogatio, 86 se pode dar uma res- posta: sim ou nao. Que seja pronunciada pois do seguinte modo aquela questao: “Quem acusara os escolhidos de Deus?” A resposta deve ser dada em tom interrogativo: “Deus que os justifica?”, com a intengao tacita desta res- posta: “Nao!” Do mesmo modo, aps a questiio: “Quem os condenaré?”, perguntar-se-: “Cristo Jesus que morreu?”, ou melhor: “Que ressuscitou? que esti 4 destra do Pai e DIFICULDADES ASEREM DI PADAS 186 que intercede por nés?” (Rm 8,33.34), tondo a intexeao ticita de ser respondido: “Nao Polo contrario, na passagem onde o Apéstolo diz: “Que diremos, pois? Que os gentios, sem procurar a justiga aleangaram a justiga’”, se a respasta nao for afirmativa, a sequiéncia do texto faltara de coesio (Rm 9,80-31). No entanto, com qualquer tonalidade de voz com qu se pronunciem as palavras de Natanael: “De Nazaré pode porventura sair eoisa que seja box? (Jo 1.46), seja em tom afirmativo, pondo a interrogagao unicamente nas palavras “De Nazaré?”,seja que se pronuncie toda a frase com div da, em tom interrogativo, eu nao vejo como distinguir, 2or- que nem um nem outro sentido contraria a fe Casos de pronincia duvidosa 7. Podem-se dar também ambigiidades vindas da emis- sao ambigua das silabas e, portanto, igualmente referen- tes & prontincia, Por exemplo, ueontece nesta frase da Bseritura: nheces até o fundo do meu ser: nao te esta escondido 0 meu osso que fizeste, em segredo” (SI 139,15). Nao ¢ claro se o leitor deve pronunciar @ palavra os como sflaba breve ou como silaba longa. Se ele a pronunciar como dre- ve, é para se entender a palavra como 0 singular de oss (de 0s, ossis, n., 0 0880), Se a pronunciar como silaba lon ga, sera o singular de ora (de os, oris, n., 2 boca). Esse género de dificuldade ¢ resolvido pela investigacdo dalin- gua original, No texto grego nao vem stom, boca, mas esta posto: osteon, osso, H assim que, na maioria das ve- zes, a linguagem corrente vulgar é mais itil para desig- nar 0s objetos do que um vocabuldrio literério, Bu prefe- riria que esse versfculo do salmo 138 viesse assim: Non. est absconditum a te ossum meum, Cometer-se-ia um bar- a6 AMBIGUTDADES... EM SENTINO PROPRIO barismo, mas preferivel ao emprego de um termo mais latino mas menos claro.? Por vezes, ¢ certo, a entonagio duvidosa de uma sf Juba se discerne gragas a uma palavea vizinha perten- cente a0 mesmo perfodo. Eo caso destas palavras do Apés tolo: “... eu vos previno, como ja vos disse, que os que pratieam essas coisas nao possuiirae o reino de Deus” (GI 5,2). Se stio Paulo se tivesse contentado em dizer: quae praedico vobis, sem acrescentar: stcut praedixi, néio po deriamos saber, som reeorrer ao texto original, se no ver bo praedico, a silaba do meio seria breve ou longa (Praedico = eu previno: praedica = eu proclamo). Ora, & claro que € preciso considera-Ia breve (eu previno), por- que ele ndo diz a seguir: sicut praedicavi, mas sicut praediai capiTuLo 4 Ambigitidades devidas & maneira de expressav 8. Devertio ser examinadas por este método niio somen- te as ambigtlidades jé assinaladas, mas também todas as outras que no provém da pontungso ou da pronincia, Vejamos a passagem do Apéstolo aos Tessalonicenses: Propterea consolati sumus, fratres, in vobis ‘Por isso, nos somos consolados, irmaos, em vés”) (1'Ts 3,7). E duvidoso se 6 preciso entender a palavra fratres, no vocativo, ou hos fratres, no acusativo. Por certo, nenhum desses sen- tidos é contrévio & {6. Mas sabemos que o grego nao pos- rode preoeupagio de Agostiaho pastoral quer se sproximar de seus juvintes, possbus smples, quer que entendar a playa ce D atendid, meso que paraiso precise cometer um barbarism ‘ede is exigincias tdemeas gramatiesis:"O que not imporea aque digam os eames? Profeu que me erndara cometanda nus harbtemo a sve te bandonem nas dssurtagbonoroaitas” ln Ps DIPICULDADES A SEREEM DI Pan: sui a mesma ortografia para o vocativo e o acusativo. For isso, consultado a texto grego, vé-se que fratres é voeativo, Ese o tradutor houvesse tido a idéia de colocar: Propterea consolationem habuimus, fratres, in vobist (“Por i880, tir vemos 0 consolo em vos, irmaos”), cle teria sido menos eseravo da tradugao, mas haveria menos chivida sobre 0 sentido, Seria melhor ainda, se cle tivesse acrescentado nostri e fratres. Assim, ninguém duvidaria de que esti- vesse empregando 0 vocativo ao ouvir: Propterea consoluli sumus fratres nostri, in vobis. Gontudo, nao se podem permitir tais mudang: perigo. Eo que ocorre nesta sentenga da carta aos Corintios: Quotidie morior; per vestram gloriam, fratres, quam habeo in Christo Jesu (“Todos os dias morro, ir maos, por vossa gloria, a qual tenho em Jesus Crista”) (Cor 15,31). Certo tradutor interpretou deste mode: Quotidie morior, per vestram, juro, gloriam, porque a F2. Javea grega (ne = per) exprime, claramente ¢ sem equivo- co, a idéia de juramento, ‘As palavras tomadas em sentido préprio, dificil e rarissimamente podem encerrar ambigiiidades — pelo menos no que se refere aos livros das divinas Excrituras m ser dissipadas: pelo eontexto em que ja busca do pensamento, do autor, por can- que niio pi aparece, pel frontacao de tradutores ou pelo recurso & lingua original (= precedente), B. COMO RESOLVER AMBIGUIDADES EM TEXTOS TOMADOS EM SENTIDO FIGURADO CAPETULO 5 Conseqtioneias de tomar expressées simbdlicas wo pé da. tetra As ambigidades devidas a termos figurados, sobre 8 quais pretendo falar agora, exigem cuidado e aplica- do poueo comuns. Antes de tudo, 6 preciso precaver-se de tomar em sentido literal uma expressao figurada. A respeito disso, lembramos a palavra do Apdstolo: “A letra mata @ 0 espfrito vivifiea” (2Cor 8,6). Entender um termo figurado como se fosse dito em sentido préprio é pensar de modo carnal. Ora, coisa alguma pode ser chamada com ais exatidao de morte da alma do que a submissio da inteligéneia a carne, segundo a letra, pois 6 pela inteligén- cia que @ homem é superior aos animais. Com efeito, © homem que segue 56 a letra toma como proprias as ex presses metafricas, e nem sabe dar a significagao ver- dadeira ao que esta eserito com palavras proprias. Por exemplo, quando alguém, ao escutar a palavra “sébado”, e lembra de outra coisa a nao ser de um dos sete dias que continuamente retorna no desenrolar do tempo. ‘Ou, por acaso, ao escutar a palavra “sacrificio”, seu pensa- ‘mento nao for além da oferta tradicional de animais imo- lados e dos frutos da terra oferecidos ‘Na realidade, 6 para a alma uma escravidiio de cau- Sar pena, 0 tomar os signos pelas coisas e se sentir im- DIFICULDADES A SERFM DISSIPADAS 1 potente de erguer o olhar da inteligéncia acima da ¢ ‘¢d0 temporal, a fim de enché-lo da luz eterna capiTuLo 6 Servidao dos israelitas a signos siteis 10. A servidio que o povo judeu onservou em relagio aos signos cra muito distinta da que costuraavam obser- demais naces. Pois a submissao dos hebi coisas temporais nao os impedia de glovifiear o Deus tini ¢o, em tudo. F ainda que tomassem os signos das realida des espirituais, ignorando o que esses signos representa vam, entretanto, tinham gravado em sua alma que com tal servidao agradavam ao Gnico Deus do universo, ain- da que sem o ver. Esse cuidado da observancia da Lei cra, como disse o Apdstolo, como a de criangas submissns um pedagogo (GI/3,24ss). Bis por que os judeus que se apegavam com obstinagio a tais signos nao puderamsu- porter o Benhor Jesus que menosprezava esses sigmnos, ao ter chegado © tempo de revelar o sentida deles (Mi 12,2). Dat, as caliinias que os dirigentes do povo levanta- ram contra ele, por exemplo, sob 0 pretexto de Jesus carar num dia de sabado (Le 6,7). Quanto ao pove —epe- gado a tais signos, que tomava como sendo a prépria rea: lidade —, no acreditava que o Senhor Jesus fosse Deus, ‘nem que tivesse sido enviado por Deus, ja que se recusa- va a obedecer as suas observancias, Em compensacac, 08 que acreditaram, e constituiram a primeira Igreja ded rusalém, mostraram a grande utilidade trazida pela ob- servincia desses signos, que equivalia a estarem scb a autoridade de um pedagogo. E essa a finalidade dos sig- nos: terem sido impostos temporariamente aos servos, Servin para sujeitar ao culto do tinieo Deus, criador do 161 AMBIGUIDADES.,, EAC SENTIDO FIGURADO e6u e dé terra, o pensamento dos que observavam a Lei, Sem duivida, as judeus, por estarem muito proximos das realidades espirituais (se bem que ignorando como com- preender espiritualmente suas ofertas e simbolos tempo. rais e carnais), aprenderam a venerar ao Deus eterno Eases judous estavam, pois, tao bem dispostos a receber © Espirito Santo, que foram vistos a vender todos os seus bens ¢ depositar aos pés dos Apostolos para serem distri- bufdos aos indigentes. Consagraram-se sem reserva a Deus, como novo templo do qual o antigo nao era senao a imagem terre: capeuLo 7 ido dos gentios a signos intiteis LL. Nao esta escrito que alguma igreja dos gentios te- nha feito a mesma coisa. Isso porque os gentivs, tendo tido por deuses as estatuas feitas por mios dos homens, nfo ae encontravam tio perto da verdade comv us judeus Se, de vez em quando, alguns pagios pretenderam consi- derar as suas estétuas apenas como signos, entretanto sempre as destinavam ao culto de alguma criatura. Com efeito, de que serve, por exemplo, que a estiitua de Netuno ndo seja considerada como deus, mas como sinal do mar todo, ¢ até de todas as dguas que brotam das fontes? As- sim desereveu nestes termos — se tenho boa meméria — uum dos poctas pagi “Tu, 6 pai Netuno, em cuja eabeca branca ressoam sob 0 mar bravio, de tua bara perene corre sem fim © vasto oveano, e promanam os rios de tua cabeleira” (autor deseonhecido). DIFICULOADES A SEREBDISSIPADAS 82 Tal poema nao passa de uma bolota sob cuja casca fina chocalham pedrinhias sonantes. Mas bolotas é alimen: to nao dos homens e sim dos porcos. Quem conhece oevan- golho entenders o que digo (Le 15,16: a parabola do filho prédigo. Sim, de que me serve que a estétua de Netuno se refira Aquele significado a nao ser para me fazer passar de um cuito idolatrico a outro? Para mim, esta tao lange de Deus uma estiitua qualquer como todo o mar. Confes so, entretanto, que estao muito mais submergidos no erro ‘os que tomam as obras dos homens como seus deuses, do ‘que 0s que tomam as obras de Deus como idolos, Quanto a nds, é-nos preserito (Dt 6,5) amare honrar 8 um 0 Deus, criador de todos os seres. Sao 0s pagas ne veneram suas esttuas como Deus ou como signos ¢ imagens de denses. Se, pois, é servidao carnal tomar um signo instituido utilmente com a finalidade de significar algoem lugar da prépria realidade, quanto mais o sora tomar sinais de coisas insitcis pela propria realidade, Pois, ainda que os sinais fossem bem identificados com as coisas que siumi- ficam ¢ 0 espfrito obrigado a prestar-lhes eulto, este nao deixaria por isso de carregar uma carga servil e camal, nem escaparia ao véu que encobre a realidade. CAPITULO ntios A libertagao dos,judeus e « do: 12. A liberdade erista libertou os liames dos que ela en- controu submetidos a sinais Uteis, mas que, por assim dizer, estavam perto da verdade. Ao interpretar esses si- nais, essa verdade elevou-os em diregio a inteligéneia dos mistérios que significavam. Tendo-os libertado, foram 6s AMBIGUIDADES... EM SENTIDO FAGURADO formadas as igrejas dos figis israelitas. Contudo, om re lagao aos que a liberdade cist encontrou submetides a sinais imiteis, ela rejeitou esses sinais e tornou-os sem, efeito, nao somente o culto servil operado por tais sinais, mus ainda tudo mais de vao que ostentavam. E arran- cando as nagdes pagis da eorrupeao devida a multidao de falsos deuses, chamados pela Escritura freqtientemen- te, ecom propriedade, de fornicacao, assim procedeu para erguer sua inteligéneia ao sentido espiritnal e levi-los a0 ealto do iinieo Deus. Nae foi para os submeter no futuro a outros sinais ~ titeis que fossem — mas antes para exercitar 0 espiri- to deles numa compreensiio espiritual CAPETULO 9 Os sinais eristos 13. Soba servidio do sinal vive quem faz ou venera uma coisa simbotiea sem saber o quo ela significa. Mas qu faz ou venera um signo «til instituide por Deus, cuja vir~ tude e significacdo entende, nao veners 0 vis tério, mas aquele a quem todos esses signos se referera, Ora, tal homem revela-se um ser espiritnal e livre, até o do tempo da servidao do Antigo Testamento. Pois nesse ‘tempo ainda nao era conveniente ser desvendada a razio desses signos a espfritos earnais, visto que deviam eles estar submetidos a tal jugo. Portanto, espirituais foram 03 patriareas e os profetas ¢ todas as personagens do pova de Israel por quem o Espirito Santo concedeu-nos 0 auxiLio e consolo das Escrituras. Em nosso tempo, quan- do pela ressurreigao de nosso Senhor brithou elarissimo o signo de nossa libertacao, nao estamos mais oprimidos "go de submeter-nos aqueles signos pri- DIFICULDADES ASEREM DISSIPADAS es mitives, porque agora os entendemos. Pois o mesmo Se- hor e os ensinamentos dos apéstolos transmitiram-103 nao mais uma multidao de sinais, mas um numero bem reduzido. Sao muito fieeis de serem cclebrados, de ex- cepcional sublimidade a serem compreendidos, ea serem realizados com grande simplicidade. Tais so: 0 sacra- mento do batismo ¢ a celebragio do corpo e sangue do Senhor. Quando alguém os recebe, bem instruido, sabe a que se referem e, por eonseguinte, venera-os com liber- dade espiritual e no com servidao carnal Ora, assim come o fato de se apegar materialmente letra e aceitar os signos, om ver. da realidade que signifi- cam, denota debilidade servil; do mesmo modo, interpre: tar va e inutilmente os simbolos é proprio do erro licen cioso, Por certo, quem, sem compreender a significacao de um signo, entende contudo que é um sinal, na est sob a jugo da servidao. Vale mais sentir-se sob o jugo de sinais desconhecidos mas titeis, do que interpreté-los int tilmente erguendo a cerviz altiva ¢ caindo nos laos do erro ao pensar ter fugido do jugo da servidao. cariTULo 10 Reconhecimento das expressdes figuradas 14, Ao lado da observacao que fizemos de nao tomar uma expressio figurada, isto €, metafdriea, como expres sao de sentido proprio, 6 preciso acrescentar também a de nao tomar uma expresstio de sentido proprio como figurada. Logo, a primeira coisa a ser feita € demons- trar o modo de descobrirmos se a expres répria ou figurada, Fis, em uma palavra: tudo o que na palevra divina nao puder se referir ao sentido proprio, nen a honestidade dos costumes, nem a verdade da fé, esté c% ANBIGUIDADES.,, EM SENTIDO FIGURADO. dito que devemos tomar em sentido figurado. A hones tidade dos costumes tem por fim 0 amor de Deus e do préximo; a verdade da fé visa ao conhecimento de Deus © do proximo. Quanto a esperanga, cada um a tem di versamente, em stia prépria conseiéneia, conforme sen- te que avanga em diregao ao amor e ao conhecimento de Deus e do préximo, Todas essas questoes ja foram trata das no Livro | Relatividade do julgamento humano 15. Mas como 0 género humano propende a julgar os poeados nao pela gravidade da propria paixio, mas, ao contrario, pelo costume e uso de seu préprio tempo, su- code, na maioria das vezes, que cada um dentre os ho- mens somente julga condendveis os atos que as pessoas de seu pafs ¢ seu tempo tomaram 0 habito de reprovar e condenar. Igualmente, s6 consideram dignos de aprova- cdo ¢ louver os atos admitidos pelo costume de seus concidadaos. Em consequencia, quando a Escritura pres- creve um ato que repugna ao hébito dos ouvintes, ou condena outro ato que eles admitem, logo os que tém 0 espirito submisso 8 autoridade do tempo consideram que haja ai uma locugao figurada Ora, a Escritura nao presereve nada a nao ser a ¢a- ridade. Nada condena a nao ser 2 concupiseéncia. B é por esse meio que ela forma os costumes dos homens. Igualmente acontece que, quando 0 espirito ja po sui proconceitos ¢ opinides erréneas, qualquer outra opi- nido afirmada pela Eseritura ¢ considerada pelos homens como expressao figurada, Ora, a Escritura s6 afirma a catélica em todas as coisas passadas, futuras ou presen- tes. E todo esse ensino s6 tem uma finalidade: fortalecer a propria caridade e extinguir a cupidez, DIFICULDADRS A SEREM DISSIPADAS 66 Critério de julgamento: a caridade vencendo 16. Chamo caridade ao movimento da alma cujo fim é fruigao de Deus por ele proprio, ¢ a fruigao de si proprioe do proximo por amor de Deus, Chamo, no contrario, con: cupiscéncia ao movimento dat alma eujo fim é fruir de si préprio, do préximo e de qualquer objeto sensivel, sem referéncia a Deus. O que a coneupiseéneia desordenada executa para corromper @ alma ¢ 0 corpo chama-se igno- minia, Eo que cxecuta para eausar dano ao proximo chama-se delito. B ai estio as duas fontes de todos 08 pecados. Mas a ignominia é anterior avs delitos, na or- dem do tempo. E quando a ignominia ou vicios debili:am ‘anlma ca reduzem certo gran de indigencia que a alma comete delitos. E comete-os para eliminar os impedimen- tos que se opdem aos préprios vieios ow para conseguir comparsas em suas satisfagoes, De modo semelhante, 0 que a caridade executa em beneficio proprio chama-se utitidade. O que faz. pelo bem do prdximo chama-se benevoléncia. Aqui precede a uti dade, porque ninguém pode heneficiar outrem se nao 30s suir algum bem. Quanto mais for destruido 0 reino da conenpiseén- cia, tanto mais aumentard o da caridade, APLDULO tt Primeiro principio: constatar a destruigao da concupiscéncia 17. Em conseqiiéncia, tudo 0 que se 1é de rigoroso ¢ por assim dizor de duro nas palavras © nas ages postas nas santas Eserituras, por conta de Deus ¢ de seus santos, 16 AMBIGUIDANBS... EM SEWFIDO FIGURADO. tem por finalidade destruir da concupiscéncia. Se o texto for claro, nao 6 preciso relacioné-lo a outra coisa como se estivesse em sentido figurado. Assim, por exemplo, se da com estas palavras do Apdstolo: “Com tua obstinacao e com teu coragao impenitente, acumulas ira para o dia da ira e da revelacto da justa sentenea de Deus que retri- buird a eada um segundo suas obras: a vida eterna para aqueles que pela constancia do bem visam a gléria, a hon rae A incorruplibilidade; a ira e a indignagio para 0 ogoistas, rebeldes & verdade e submissos a injustiga. Tri hulagio e angtstia para toda pessoa que pratica o mal para o judeu em primeiro lugar, mas também para o gre yo” (Rm 2,5-9). Todas essas palavras sito dirigidas aos que pereceriio com a sua coneupiseéncia, porque nao qui- seram vencé-la Entretanto, quando o reino da eoncupiscéncia é des- truido no homem em vez deo dominar, o Apostolo Ihe diz om Tinguagem bem elara: “Os que sao de Cristo Jesus -aTAM a carne cori suas paixdes e seus desejos” (G15,24) Por certo, ha nessas passagens alguns termos empre- sados metaforicamente, como: “a ira de Deus” e “erucifica. ram a carne”, Mas nao sfio tao numerosas, e pelo modo como esto empregadas nao chegam a esconder o senti- lo, nem a constituir alegoria ou enigma, ao que chamo propriamente de expressao figurada. Quanto a estas palavras dirigidas a Jeremins: “V6! Eu te constituo neste dia sobre as nagées e sobre as roi- ios para arrancares e para d res e para demolires” (Jr 1,10), sem diivida alguma, sao todas elas inteiramente figuradas e devem ser relaciona- das a finalidade que acabamos de explicar. DIFICULDADRS A SEREN DISSIPADAS 188 captrovo Segunelo prinetpio: verificar eom que intengao é realtzada a acao 18. Dovem ser tomadas como expresses figuradas as palavras e ages pretensamente consideradas pelos ign: rantes como iniqiidades em referéncia a Deus ou a hi mens, cuja santidade a propria Bscritura nos recomenda. Essas palavras e agdes encerram segredos que precisam ser esclarecidos para a preservacio da earidade. De fato, um homem ¢ considerado penitente ou su- persticioso quando se serve dos bens passageiros com moderacho maior do que a habitual entre as pessoas vom quem convive. E, por outro lado, quem se serve desses bens passageiros ultrapassando os limites do habitualdas pessoas honestas com quem convive, é considerado v:cia- do, a no ser que esteja a manifestar algo simb6lico. Em todose: ,verifica-se que a culpa nao asta no uso das coisas, ¢ sim na paixdo viciosa daquele que delas se serviu, Assim, nonhum home ri de modo algum que a mulher que ungiu os pés do Senhor com 0 ungilento precioso (Jo 12,3), 0 tenha feito da m: neira como costumavam fazer com os pés dos homens lnxuriosos e corrompidos nos banquetes lascivos, isa de que temos horror. Pois o bom odor é a boa reputagao que cada um obtém pelas obras de uma vida santa a0 caminhar nos tragos de Cristo, derramando, por assim dizer, sobre seus pés o mais precioso dos perfumes. Assim, um ato que realizado por outras pessoas $ na maioria das vezes ignominia, torna-se na pessoa de Deus ou de um profeta sinal de valor, Cortamente, uma coisa ¢ a unido com uma mulher ‘que s¢ entrega & prostituigao numa eivilizacao deprava- da, ¢ outra coisa a pregacao do profeta Oséias (1,2). Do lo ju 0 pon: 19 AMBEGOIDADES... ERS NTIDO FIGURADO mesmo modo, é vordade que se desnudar num banguete de pessoas bébadas e dissolutas ¢ uma iniqitidade, mas nao € por isso que scja ignominia desnudar-se por oca sito do banho. Como discernir a intengao 19. E preciso, pois, considerar cuidadosamente o que é conveniente em relagao a lugar, tempo, pessoas, para n&o condenar temerariamente as iniqitidades. Pode aconte- cor, de fato, que um homem sabio saboreie um manjar de alto prego sem nenhum vieio de gula ou voracidade, Ao contrério, um homem insensato pode arder de gula mui- to forte por um prato dos mais vis. Além do mais, todo homem prudente prefere comer um peixe & maneira do Senhor (Le 24,43), do que lentilhas & mancira do neto de Abraao (Gn 25,34), ou cevada & maneira dos jumentos. A maioria dos animais, alids, nao é mais temperante do que nés, pelo fato de se nutrirem de alimentos mais simples que os nossos. Em todas as coisas dessa ordlem, na verdade, nao é a natureza dos objetos de que nos servimos, mas 0 motivo que nos leva a usar deles e a maneira com que os deseja mos, ocasionaré que nossos atos sejam aprovaveis ou con- siderados maus. Compreender os costumes permitidos no Antigo Testamento 20. Os justos de antigamente imaginavam o reino celes- te contemplando o reino terrestre e 0 anunciavam desse modo. A necessidade de ter posteridade isentava de cul- Pa o costume de um homem possuir muitas esposas 20 mesmo tempo (Gn 16,3; 25,1; 28m 5,13), Mas pelo fate de DIBICULDADES ASEREM DISSIPADAS 10 a mulher nao ser mais fecunda por ter muitos maridos, nao era honesto para ela ter varios maridos. Ao eortr rio, era torpeza de merctriz prostituir-se por dinheito ou para ter filhos, ra nfio culpa o que nessa ordem de eestu- mes praticavam os justos daquele tempo, alids sem licenciosidade, ainda que sejam costumes impossive s de serem praticados agora, sem tendéncia ibidinosa. Tudo o que de andlogo vem narrado na Bscritura deve +r tomado nao sé em sentido prdprio ou histérico, mas também em sentido figurado e profético, e ha de ser in terpretado tendo como finalidade o amor, seja 0 de Deus e do proximo, seja o de ambos ao mesmo tempo. Outrora, entre os antigos romanos, trazer uma tini- ca longa de mangas compridas era coisa considerada in. fame, ao passa gue hoje, entre as pessoas bem nascidas, nao trazer tal tnica ¢ uma vergonha. Esta af uma prova de que, em todos os demais uses qu se ha de procurar evitar a paixéo que abusa perversa- mente dos costumes autorizados no meio em que vive mos ¢ que também muitas vezes exorbitam os limites, fazendo aparecer de modo vergonhoso e manifesto ascon- é entiio comprimidas sob 0 véu dos costu- fazemos das coisas, eupiseancins a mes adotados, capitoLo 1 Critério justo para a agao 21, Assim, tudo o que est conforme aos ct sociedade cm que temos de viver neste mundo, quer por necessidade, quer por aceitarmos livremente tal convi vio, que tudo seja regrado por homens de aita virtude em vista da utilidade e do proveito do povo. Que isso se dé m AMBIGULDADES... EM SENTIDO FI SURADO diretamente, como convém em nosso caso, ou em figura, come foi permitido aos profetas, caperuLo us Erro dos que pensam nao haver justiga subsistente 22. Quando as pessoas, que ignoram costumes diferen- tes dos seus, 1éem certos fatos, julgam-nos torpezas, a no ser que sejam instrufdos pela autoridade da Eseritu- ra, Essas pessoas nao sto capazes de tomar conseiéncia que tudo em seu préprio modo de viver (casamento, ban- quetes, vestudrio ¢ qualquer outra maneira humana de se alimentar e se entreter) poder parecer, aos que vive- rem em outros tempos, como torpezas. Certos homens, adormecidos ou, por assim dizer, naio inteiramente idos pelo sono da estultiee, mas sem poderem despertar para a luz da sabedoria, em face da imumeravel variedade de costumes, julgaram nao poder existir uma justiga subsistente em Si propria, mas que para cada nagio seus préprios costumes seriam os jus tos. Ora, como os costumes sao diferentes em cada povo ¢ a justiga deve ser invariavel, pareceu-lhes evidente nao existir justiga por si propria, em parte alguma. Néio com- precnderam que hé uma maxima — para no citar sendo ‘uma: “Nao fagas a outro o que nao queres que te fagam” (Th 4,16; Mt 6,12), que nao pode variar em absoluto, por muita que seja a variedade das nagdes, ‘Todas as ignomfnias extinguem-se ao rofereneial do amor de Deus; todos 0s delitos desaparecem ao referencial do amor do proximo, Por certo, ninguém quer que sua mo- rada seja deteriorada, Que nao deteriore, pois, a morada de Deus, isto 6, a si proprio, E igualmente como ninguém {quer que Ihe causem dano, que nao prejudique aos outros. DIFICULDADRS A SEREM DISSTPADAS ve capiTuLo 1s Terceiro principio: exaltar o triunfo do reino da caridade 23, Assim, depois de ter sido destruida a tirania da eon. ‘eupiseéncia, que reine a earidade com as Teis just do amor de Deus por causa de Deus, edo amor de si préprio edo préximo por amor de Deus. Por isso, eis a rogra observada nas expressies figuradas: 6 preciso examirar 0 que se 1é com minuciosa atencao, até que a interprotagao seja conduaida a esse fim: reino da caridadle. Mas eso a dita expressio jé possuir diretamente esse sentido, néo se pense, pois, que af exista expresso de sentido figurado. CAPITULO 1 Quarto principio: tudo interpretar pelo eritério da cari 24, Se a Eseritura apresenta expressdo que probe seja uma ignominia, seja um delito: ou, por outro lado, que ordene seja um ato de benovoléncia ou de utilidade, essa expressao nao esta em sentido figurado. Se, ao contrario, ela ordenar seja uma ignominia, seja um delito, ou proi- bir seja um ato de benevoléncia, seja de utilidade, essa expresso esta em sentido figurado. “Se no comerdes a carne do Filho do homem e nao beberdes o seu sangue, ndo tereis a vida em vos" (Jo 6,54), Aqui, parece ser ordenada uma ignominia ou delito, Mas ai se encontra expressao simbélica que nos prescreve co- mungar da paixio do Senhor ¢ guardar, no mais profun do de nés préprios, doce ¢ salutar lembranea de sua car- ne crucificada e coberta de chagas por nos, A Escritura diz: “Se ten inimigo tiver fome, di-lhe de comer, se tiver sede, da-lhe Sggua para heber” (Pr 28,21). Tal preseri¢do, sem nenhuma davida, prescreve ato de ms AMBIGUIDADES... BM SSNTIDO FIGURADO. denevoléncia, Mas o que segue: “Porque assim amontoa- ras brasas vivas sobre a sua cabeca” (Pr 25,22: Rm 12,20), parece que ordena ato de malevoléncia, Nao hesites, pois, em dizer que ai esta uma formula figurada, Poder-se-d, 6 verdade, dar dupla interpretacao: est preserito, por um lado, de causar dano, e por outro de prestar servigo. En- tretanto, vale mais que, por caridade, prefiras a inter. pretacio de benevoléncia, Desse modo, compreenderas que as brasas vivas so gemidos ardentes da peniténcia com os quais se cura o orgulho do infeliz, aflito por ter sido inimigo daquele que The aliviou a miséria, De igual modo, quando 0 Senbor diz: “Quem ama s alma, perdé-la-” (Jo 12,25), € preciso nao pensar que ele proibe ato de utilidade — aquele que eada um tem o de- ver de cumprir ¢ que consiste em preservar sua alma. A expressio “perdé-In-4” foi dita em sentido figurado. Sig. nifica que se deve renunciar definitivamente ao uso que se faz atualmente da prépria alma, isto 6,0 uso indevido © maldoso pelo qual ela se inelina para os bens temporais ea impede de buscar os bens eternos, Foi escrito: “Da a misericordioso ¢ nao protejas pecador” (Belo 12,4). A segunda parte desta frase “nao protojas o pecador” parece proibir a benevoléneia. ¥ para compreender que “pecador” foi posto ai em sentido figu- rado, em lugar de “pecado”, e portanto ests dito para nao proteger a falta do pecador. cAPETULO Lembrar que nem a todas se pede a mesma coisa 5. Bis © que acontece muitas vezes: quem se eneontra ou pensa se encontrar em um grau superior de vida piritual julga que os preceitos dados para os graus in- ASEREN DISSIPADAS m4 DIFICULDA feriores foram formulados em sentido figurado. Por exem- plo, se alguém abracou o celibato e se fez. eunuco por amor ‘av reino dos céus (Mt 19,12), pretende ser preciso tomar, nao em sentido proprio, mas no figurado, todas as pres. ccrigdes dadas nos santos Livros sobre a maneira de amar © guiar sua esposa. B se alguém decidiu nao casar sua filha e a conservar virgem, esforca-se por interpretar como expressiio figurada esta palavra: “Casa a tua filha e te- rs cumprido uma grande tarefa” (Belo 7,21). ‘Acrescentemos, pois, isto as observagies que ja fize mos sobre a maneira de entender as Escrituras: é preci- so saber que certos preceitos so comuns @ todos ¢ 94+ tros sto particulares a classes diferentes de pessoas. Isso para que o remédio da doutrina nao se estenda somente ao estado geral de satide moral, mas também & doenga propria de cada membro, Por certo, deve ser curadoem seu estado préprio quem nao pode ser elevado a estado superior. APERULO 18 Ter em conta os costumes da époce 26, Hé outro perigo a ser evitado: 6 0 de pensar talvez que se possa transferir a nosso tempo atual, para 0 uso de nossa vida, o que no Antigo ‘Testamento, em raza da condigio daqueles tempos, nao era nem ignominia rem dolito, ainda que nao se tome a expresso em sentido fi- gurado, mas no proprio. Na verdade, ninguém pensar dlesse modo, a ndo ser que esteja dominado pela concupi céneia ¢ busque nas Escrituras apoio para se justificar® a hi tre lavas (eupiditas, libido e ea unetannente por ronewpisaincla, ma a9 ps tra temps lines. Cup Na terminologia ag ‘na realidade na carreeponde ignalmente us. AMBIGUIDADES... 8 S8NTIO FIGURADO E justamente & Escritura, que foi fe mal! B so um desgracado assim pensar 6 porque nao com- preendeu que tais fatos foram postos ld para servir de Ji¢do aos homens que possuem um ideal. Estes, sim, véem salutarmente que os costumes, que eles reprovam, po- dem ter bom uso, ¢ os que eles abragam podem ser conde- naveis. Sob a condigao, todavia, de serem purifieadas pela aridade aqueles costumes, ¢ estes estarem corrompidos pela paixao, a para destruir 0 O problema da poligamia no Antigo Testamento 27. Se é verdade que, em razao das circunstancias, um homem pode usar na castidade muita de também que outro pode usar com sensualidade uma 86. Com efeito, cu aprovo mais quem usa a fecundidade de muitas mulheres por outro fim do que o de gozar de uma 36, por fins earnais. 0 primeiro procura uma util dade apropriada && condigdee de eeu tempo. O segundo satisfaz a sua coneupiscéncia enlacada em voluptuo- idades tomporais. Assim, os homens a quem 0 Apostolo concede, por tolerdincia, wm coméreio carnal, para evitar 1 fornicagao, com sua tinica esposa (1Cor 7,2), esto num grau mais baixo na ascensio a Deus, do que os homens que, embora tendo diversas esposas, tinham unieamente em vista, om seu relacionamento com elas, a procriagao de filhos. Assemelhavam-se por ai com 0 sabio que, no beber € no comer, tem unicamente em vista a satide do corpo. E porque, se eles tivessem vivide durante a vinda envolve mda, todo o amor impuro qua nde soa a caridade. Libido faz rfertn ‘ia was delarada so nexusl, ns sentido em que Prvud w empresou. Cuca cia ja tom en tonencia de tipo sensual CF Fine Moran, O8A.,A Cid de Deus, BAC XVI, 8.5. DIFICULDADES A SERE DISSIPADAS 6 do Senhor, quando “nao era tempo de espalhar pedras, mas tempo de as ajuntar” (Eel 3,5), eles ter-se-iam ogo feito eunucos pelo reino dos eéus, Isso porque $6 ha i culdade na privacao quando ha concupiscéneia na pose, Por certo, esses homens sabiam que — inclusive quanto as suias esposas — abusar das relacies era luxtiria, Teste munbo disso é a oragée de Tobias, quando se uniu sua esposa: “Senhor Deus de nossos pais, bendigam-te o ¢éu ea terra, o mar e as fontes, os rios e todas as tuas eriatu- ras que neles se encerram. Tu fizeste Adio do limo da terra e deste-Ihe Eva por auxiliar. Ora, tu sabes, Senhor, que nio 6 por motive de paixdo que eu tomo ests minha inma por esposa, mas s6 pelo desejo de ter filhos, pelos quais 0 teu nome seja hendito pelos séculos dos séculos” (Tb 8,7-9) capiruLo Os sen suais no acreditam na temperanga 28. Os que com desenfreada sensualidade andam de adultério em adultério; ou os que se excedem da medida conveniente para a procriagao de filhos nas relagies com a propria esposa e acumul: ergonhice abso- luta, de inumana intemperanca, num exeesso escandzloso de libertinagem servil, tais homens nao eréem ser poss! vel que og justos antigos pudessem ser capazes de rela- cionar-se com temperanca com miiltiplas mulheres, pra- ticando 0 sexo conforme 0 uso do tenipo, apenas para a propagagio da espécie, E o que os homens viciados nao praticam sequer com a sua Giniea esposa, presas que es: tao pelos Iagos da sensualidade, cles julgam que tenha sido totalmente impossivel ser praticado com mvitas mulheres. com gern: 17 AMPIGUTDADES... BM SENTIDO FIGURADO Néo medir o valor dos outros pelo seu préprio. 29a. Fssas pessoas poderao também dizer que nao con- vyém honrar nem louvar os homens bons e justos, porque eles préprios, quando sao honrados c louvados, se enchem de orgulho. E tais elogios os tornam mais avidos da maior vangloria, quanto mais tanto com freqiiéncia abundéneia sopra o vento suav faz ficar tao leves, que a brisa da fama —seja ela préspe- ra ou adversa — precipita-os na voragem das torpezas ou ainda os faz colidir contra a rocha dos delitos. Que cles possam constatar quanto é arduo ¢ dificil nao se deixar levar pelo engodo das lisonjas, nem se deixar al pelo dardo das palavras injuriosas! Em conseqiiéncia, que ninguém me tros pelo seu préprio, da lisonja. Esse vento os ovalor dos ou- caPiToLe 29 Os justos nao conkeceram « tirania da sensualidade 29b. Bssos homens maldizentes devem crer que nossos apéstolos nao se encheram de orgulho, quando admira- dos pelos outros nem fiearam abatidos, quando despre- zados por eles. Por certo, nenhuma dessas duas tenta- bes Ihes faltou, pois se viam cumulados de elogios pelos crentes e cobertos de ultrajes por sous perseguidores. Assim como eles se serviram dessas provagoes, conforme as cireunstaneias, sem se corromper, do mesmo modo os justos antigos, segundo o uso do tempo, relacionavam-se com as mulheres para a procriagio, sem sofrer a tirania da sensualidade, da qual sao escravos os que nao eréem nessa possibilidade. DIFICULDADES AS REM DISSIPADAS us 80a. E por esse motivo que nada podia reter a ira im- placdvel por seus fithos, quando vinham a saber que cesses filhos tinham ateniado ou vialado alguma de suas mulheres ou concubinas, se acaso tal fato se tivesse pro duzido, capiruLoa. O caso do rei Davi 30b. Contudo, tendo o rei Davi sofrido tal afronta da parte de um de seus filhos (Absalao), impio e desnaturado, nao somente suportou essa insoléneia, mas ainda chorou a sua morte (25m 19,1), Com efeito, Davi nao se sentia preso pelos lagos de citime carnal, O que o perturkava nao eram as injtirias recebidas, mas os pocados do filho. De fato, cle tinha proibido que 0 matassem no caso de 0 vencerem, para assim dar ocasido ao insubmisso d> se arrepender. Nao se tendo realizado, porém, seu desejo, ele chorou o filh, nao porque a morte o prrvara dele, nas porque sabia a que penas seria preeipitada sua alma, to impiamente adiltera ¢ parricida. Isso se comprova, porque anteriormente, por outro filho inoconte, Davi afli- giu-se durante a enfermidade, mas alegrou-se pela morte, 31. Eis um fato que mostra elaramente com que madera: do e com que temperanea os justos antigos usavam de suas esposas, O mesmo rei Davi, levado pelo ardor de sua idade e a prosperidade de sua situacaio material, arremoteu-se ilegitimamente sobre uma mulher e, além do mais, ordenou que matassem o marido dela. Foi, en- to, consurado pelo profeta (25m 12,1ss), que vindo ¢ ele para o convencer do pecado, Ihe pos sob os othos um ease. 18 AMBIGUIDADES. . EM SENTIDO FIGURADO andlogo. Um pobre possufa apenas uma ovelha, ao passo que set vizinho possuia grande nimero delas. Besse rico, tendo recebido a visita de um héspede, ofereceu-lhe & re- feicao a vinica ovelha de seu pobre vizinho, em vez de uma das suas. Davi, indignado contra tal homem, orde- ‘nou que o matassem e que dessem ao pobre quatro novas ovelhas. Ora, ele pronuncion por ai sua prépria condena- io, sem o suber — ele que tinha pecado sabendo 0 que fazia, E quando sua culpabilidade foi-lhe manifestada e que 0 eastigo divino the foi anuneiado, reparou seu pec: do pela penitéacia, Cumpre notar que, nesta parébola, unicamente éreferido 0 adultério pela ovelha roubada do vizinho pobre. Mas a morte do marido da mulher nao é roferida, isto 6, 0 homiefdio do pobre possuidor da tinica ovelhay, sem diivida, por falta de analogia, Davi nao é in- terrogado sobre isso, A sentenga de sua condenacio nomeia o adultério, Compreende-se, pois, quio grande fora sua temperanga na posse de miiltiplas mulheres, pelo fato que ele se obriga a punir-se a si proprio pelo excesso cometido contra vina x6, Portanto, nesse homem a pai- xg imoderada nao era habitual © profeta chama a essa paixdo ilicita de “héspede”, Eu no disse, com efeito, que o rico tinha servido a seu rei a ovelha do vizinho, mas que a tinha servide a um héspede (28m 12.4), Bem ao contrario, com Salomao, 0 filho de Davi, essa paixio foi senhora soberana. A Eseritura ndo se cala a respeito disso, pois o culpa de excessivo amor pe- las mulhores (1Rs 11,1). Assim, depois de ter consegui- doa sabedoria pelo amor espiritual, pordeu-a pelo amor carnal passageira, Por isso, DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS 150 LAPETULO 22 Quinto principio: nao imitar atualmente os costumes do Antigo Testamento 82. Logo, ainda que quase todos os feitos relatades ne ‘Antigo Testamento possam ser entendidos nao em senti do proprio unicamente, mas também no figurado, se 0 loiter os tiver tomado no sentido literal — pois o: que praticaram tais feitos sto louvados, nao obstante serem estes incompativeis com os costumes dos homens de bem, desde a vinda do Senhor, pelos fiéis aos preceitos divinos , que esse leitor recorra ao sentido figurado para os compreender melhor. Nao imite, entretanto, na pritica esses costumes. Porque hi muitos desses feitos que, n quela época, foram cumpridos por dever, mas agora nao podem ser praticados seni por paixio, cariTuLo Sexto principio: desculpar com humildade as faltas dos antigos 83, Se acontecer de o leitor ler alguns pe dos por grandes homens, pode, é certo, notar ¢ deseobrir ai uma figura dos acontecimentos futuros. Todavia, que ele retire do caréter particular do ato cometido a seguin- te liglo: de modo algum, ter a ousadia de se vangloriar de suas boas ages, nem, gragas & sua propria retidio, con- denar 05 outros como pecadores, vendo tao excelsos va: roes envoltos em tempestades que devem ser evitad: ou em nautfragios inteiramente lamentaveis. Alids, ¢s pe: cados deles nao foram relatados a nao ser para tornar temido, em toda parte, este pensamento do Apstolo: “As- sim pois, aquele que julga estar em pé, tome enidado para wat AKBIGUIDADES... BM SENTIDO FIGURADO nao ait” (1Cor 10,12). Quase nao ha pagina all intos Livros onde nao ressoe esta palavra: “O Senhor resiste aos soberbos, mas dii sua graga aos humildes” capiTuLo 24 Principio geral: discernir se a expressao é propria ow figurada Ba, Portanto, o que mais nos 6 investigar se a expressiio que se deseja entender est em sen ou-em sentido figurado, Quando se descobre que el rada, torna-se facil, gracas As regras que expressames no Livra I, ao tratar das coisas (De rebus), considers-las por todos os lados até chegar a seu verdadeiro sentido. Isso sera facilitado, quando, xo emprego de tais rogras, 0 exer- cicio da piedade vier dar maior forga. Em conclusio, co- nheceremos se Uma expressto ¢ propria ou figurada servando as regras anteriormente expostas, car rua 25 A mesma palavra pode ter vérios signifieados 4b. Uma ver feita a descoberta, se uma expressao é ou. iio de sentido figurado, verificar-se-do as palavras que a constituem: se foram tiradas de coisas possuidoras de sentido anélogo, ou se relacionadas por sentido préximo, 85. Mas como as coisas podem se assemelhar de diver- ‘os modos, nao julguemos que seja lei absoluta que um, termo figurado signifique em toda parte o que, por analo- significa em determinada passagem, Por exemplo, 0 ‘onthor emprega a palavra “fermento” no sentido de cen Se DIPICULDADES A SERER DISSIPADAS a2 sura, ao dizer: “Acautelai-vos do fermento dos farise (Mt 16,11), e no sentido de louvor ao dizer: “O Reino ‘os céus é semethante ao fermento que uma mulher tomeue escondeu em trés medidas de farinha até que tudo ficas- se fermentado” (Le 18,20-21) captTULe 26 Distinguir os varios sentidos de termos idénticos 86, Essa variedade de sentidos, ao ser observada, apre- senta-se sob duas formas: cada coisa pode significar algo diferente, de modo contrario, ou apenas de modo diverso. Por exemplo, 6 contrério, quando um s6 objeto é tomado analogicamente, ora para a bem, ora para o mal. Bo e280 do fermento de que acabamos de falar. Igualmente acon- tece com a palavra “ledo”, que designa Cristo na passa: gem em que esté dito: "His que o leao da tribo de Juda venccu” (Ap 6,5), ¢ designa o deménio na passagem: “Bis que 0 vosso adverséirio, o diabo, vos rodeia como um leso a rugir, procurando quem devorar” (1Pd 5,8). Do mesmo modo, a palavra “serpent” acha-se também em bom sen- tido em: “Sede prudentes como as serpentes* (Mt 10,6) © em mau sentido em: "A serpente seduziu Eva por sua astticia” (2Cor 11,3). O pao é tomado em bom sentido em: “Eu sou 0 pao vivo descido do céu” (Jo 6,51), € em mau sentido em: “O pao tomado as escondidas 6 mais gostaso” (Pr9,17). F assim em muitos outros lugares. Todas esas ‘Bxatamentc neste capital, Agosto encerava abr, composta em 387 pues tempo antes dan Confisie,e aati foi publicada, Someat 427, trina anos depois, quande rotigia ae Metscee eiractations) de sas ‘bras, Auostinko encontra ¢ De dacirine christians Incomplete thuskrdque ja cserewer,torminas Live Il, nerescontado-Ihe 14 rovaretodoo vn lV. C€ Retract 11,41, 6. Bary Jatroducion au BOL Augost TT pp. 58: 183 AMBIGUIDANSS... EM SENTIDO FIGURADO passagens citadas nao tém nenhum significado duvido- 50, pois dadas como exemplo nao podem sendo ser evi- dentes, Ha termos, porém, em que ¢ incerto qual o sentido a ser tomado, 0 caso deste versiculo: “Na mio do Senhor ha um eélice que contém vinho puro cheio de (amarga mistura)” (SI 75,9). Nao se sabe, com ofeito, se esse cilice designa a edlera de Deus indo até as escérias, ou se de- signa antes graca das Escrituras, passando dos judeus 208 gentios, porque esta dito a seguir: “Ele o inelina de um lado para 0 outro”, pelo fato de que os judeus, em razio de sua teimosia em praticar carnalmente suas ob- servincias, “as escérias nao se esgotaram” (SI 75,9). Hi, por outro lado, textos em que a mesma eoisa nko esta emprogada em sentido contrério, mas apenas em sentido diverso, Eis um exemple: A sgua significa de um lado 0 povo, como lemos no Apocalipse {Ap 17,15 e 19,6), © por outro lado o Espirito Santo, como vemos nesta pas- sagem: “De seu seio jorrarao rios de égua viva” (Jo 7,38). O termo “agua”, alids, significa ora uma coisa ora outra, conforme a passagem onde estiver empregado. 87a. Ha tambem outros termos que 6 preciso m con siderados jsoladamente e que comportam cada um nao somente duas signifieagdes diferentes, mas por vezes grande namero delas, conforme o lugar que ocupam na frase. Elucidar as passagens obseuras pelas elaras 37b. Nas passagens mais claras se hd de aprender o modo de entender as obscuras. Nao se saberia, com efeito, en- tender melhor esta passagem dita a Deus: “Toma as tuas armas ¢ 0 teu escudo, ¢ levanta-te em meu socorro” (Sl DIFICULDADES ASFREM DISSIPADAS wes 35,2) do que pela leitura deste outro versiculo: “Senhor, tu nos envolveste com a tua misericérdia, como com un escudo” ($1 5,13). Contudo, cada ver que lemos esse ter- mo “escudo”, empregado para desigmar uma arma de pro- tegiio, ndo 6 para entender como se designasse unieamen’ a boa vontade de Deus. Porque também foi dito: *... Em- punhando sempre o eseudo da f, com 0 qual padere tinguir os dardos inflamados do maligno” (Ef6,16). Aliss, nao devemos, por causa disso, nas armas espirituais des sa espécie, atribuir a fé exclusivamente ao escudo, porque em outro [ugar fala-se também da “couraca” da f6; “Nés, revestidos da couraga da fé ¢ da caridade® (1s 5,8) captrun.o 2 Pluratidade de sentidos literais na Eseritura 38. Quando das mesmas palavras da Bscritura sao tira- dos nao somente um, mas dois ou sentidos — ain. da que nao se descubra qual foi o sentido que o autor tenha em vista — nao hé perigo em adotar qualquer d> les. Sob a condigdo, porém, de poder mostrar, através de outras passagens das santas Escrituras, que tal sentido ‘combina com a verdade Todavia, quem escruta os divinos ordeulos (divina eloquia) deve esforcar-se por chegar ao pensamento do autor, por cujo intermédio o Espirito Santo redigin a critura. Quer ele consiga isso, quer tire daquelas pala- vras um sentido diferente, mas nao incompativel com a pureza da fé, que ele tenha como testemunha qualquer outra passagem dos divinos ordculos. Pode bem ser, alisis, que 0 autor das palavras que pretendemos esclarecer tenha tido o mesmo pensamen‘o que nés eneontramos. Por certo, o Espirito Santo, do qual 185 AMBIGUIDADES... EM SENTINO SIGURADO © autor ¢ instrumento, previu que esse pensamento se apresentaria, por se achar fundado na mesma verdade De fato, poderia haver prova maior ¢ mais rica da Provi- déncia divina do que fazer com que as mesmas palaveas sejam entendidas de modo distinto? Modos esses confir- mados por outras passagens nio menos divinas, num te: temunho concorde da Bseritura, capirut.o 28 Basear-se sempre em outras passagens da Eseritura 39. Quando se chega a um sentido, cuja certeza nao pode ser apoiada por outras passagens scguras das santas Escrituras, restanos esclarecé-la por provas racionais, ainda que 0 autor, cujas palavras procuramos eomprecn: der, talvez nao tivera essa intengao em seu pensamento Mas essa pratiea ¢ perigosa. Com efeito, caminha-se com muito mais seguranga ao seguir as divinas Escrituras, Quando las esto obscuresidas por expresses metafér- cas, que intentamos eserutar, 6 preciso ou fazer uma in. terpretagao que nao leve A controvérsia ou bem, s¢ ela se prestar a isso, limitar a explicagio a testemunhos reco: nhecidos ¢ provados, tirados de outras passagens da mes: ma Eseriturs cAPETULO 29 Necessidade do conhecimento dos tropos ou figuras de pensamento 40. Sabem os literatos que nossos autores usaram de todos os modos de express’ chamados pelos gramaticos com a palavra grega “tropos”. Bles os empregaram com DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS 166 maior freqiiéncia do que podem pensar ou erer 08 que no conhecem as obras literarias, mas que os aprence- ram de outra maneira, Contudo, os que estudaram os tropos enconira ntos @ esse conhesi mento Ihes ¢ de bastante utilidade para o seu entendi mento, Mas nao me convém, agora, ensins-los aos igro- rantes, para ndo parecer que estou a Ihes ensinar a gramatica. Aconsetho que aprendam em outro lugar, como Jd adverti anteriormente no Livro I, quando dissertei so- bre a necessidade do conhocimento das lingusts. Pois as letras das quais a gramitica tirou scu nome — ja queos gregos as chamam gramata — stio signos eseritos dos sons que fazemos com a voz, articulada ao falar. Ora, encon- ‘tram-se nos Livros santos nao somente exemplos desses tropos, como de todas as outras coisas, como ainda o nome declarado de alguns deles, tais como: alegoria, enigma, pardbola. Adomais, quase todlos esses tropos, que se pretende aprender nos estudos liberais, eneontram-se até na lin uagem comum dos quo nunca estudaram com os retéricos © contentam-se em falar a linguagem vulgar. De fa:o, quem néo diz: “Assim florescas!”? Ai esta um tropo cka- mado metéfora. Quem nao diz “piscina”, ainda que a pro: posito de um reservatirie que nao possua peixes, nem tenha sido feito para isso, e que contudo tira seu nomede piscis (peixe)? Esse tropo é chamado catacrese nos nos Livros Outros tropos: a ironia e a antifrase 41, Seria muito longo prosseguir desta maneira no exa ime de outros tropos. A linguagem popular chega até a usar as figuras de pensamento mais curiosas, quando zem entender a contravio do que foi dito. Tais so 05 tropos chamados ironia e antifrase. A ironia indica, pelo st AMBIGUIDADES.,. BM SENTIDO FIGURADO tom de voz, oposto de que se quer fazer entender. Dize- mos, por exemplo, a um homem que agiu mal: “Que belo feito!” A antifrase, ao contrario, nao recorre ao tom da voz para fazer entender o inverso, Ou ela emprega ter- mos préprios cuja etimologia & de significagao oposta; por exemplo, denomina um bosque sagrado: ducus (de Lucere, luzir) por caracer de luz. Ou bem, diz. sim, ao dizer nao. Assim, também, ao pedirmos um objeto onde nao existe nenhum da espécie, respondem-nos: Abundat! (Ha em abundancia’). Ou finalmente, ao afirmar palavras, faze- mos com que se entenda 0 contrério do que dissemos. Por exemplo: Cuidado com esse homem, ¢ dos bons! E qual € 0 ignorante que nao fale assim, ainda que igmore em absoluto o que sejam os tropos ¢ como sao de- nominados? O reeonhecimento deles 6 necessrio para resolver as ambigiidades da Escritura. Isso porate se — a0 tomar as palavras no sentide proprio — sentido tornar-se absurdo, se deve investigar se acaso 0 que nao entendemos nio foi expresso sob a forma de tal ow tal tropo. Por esse meio foram esclarecidas muitas passa- gens que ram obscuras. C. CONSIDERACOES SOBRE AS REGRAS DE TICONIO O autor Ticdnio e seu livro “As Regras” 42, Certo Ticdnio, que esereveu infatigavelmente contra os donatistas, apesar de ser ele préprio donatista —e nisso se manifesta sua estranha cegueira por néo querer sepa- rar-se por completo deles —, compos um livro intitulad As regras. Ai formnlou sete regras feitas para abrir, como com chaves, as passagens seer Perit 6 Aonitsin, Poo sn 242, rol caogise, 9 Libor mgularams pen ena a deen see “ teauras da Biba. o prmcie tratedo hermentutie em late. Geno gene te, palenit,eptsito indpendente rss sacer, Tsinio pe xegee los adopts esa eit. Aastinha denomins-o “om bones sain fenetranta e de ahundaste elogienest” Cantre ener Tarmensaat 1) armenian, primaz Jonas, o fu conden ‘melo donatiete, Os catolen oeeneuravarn por permnccer mv Gonntisrn, Aneta sua condensglo ‘ne cntinuou a se dear a exogese. Propieae # tia haves para penta teistcrioe da Lar Bstas regen eslaretrto as Obscurades © spars fur Devi dizer sendns da lv atravesda mene Morea di putas” Se ero iloangousuraia en aimirnga em eitagbes de Agostino neeegororan on a ifludaca. As entlest que agu faz Agostino sao seconde Julg-a ce rte. ota ométodo que the agroda pals alogia cam o procaso de interpre tnt dawmetsfors, da semolhanen crm a exepmesgien Lulz por warts ‘veneer fins do Canrtor Fez dele miteaemprectton polemic com to [Sonatistas. Do fato, Tin nha revele, ames de goetnto uma fiesola de nstriafundada na aterm opaeas entre Cudadede Desa Cae do ded Biot et 111.97,89) nha te preosupads com a qiesto da grag eirado de #80 Pauls conchustes sigs a ue evi che ati tarde Agosto, na one. ‘erie polagians. CE Combea Fury, op. cit notas 61-94, pp. 588589, CONSIDERAGOES SOBRE AS REGHAS DE-TICONIO A primeira regra denomina-se: “O Senhor ¢ seu Cor- po”. A segunda: “O Corpo do Senhor considerado em su duas partes”. A terceira: “As promessas e a Lei”. A quar- ta:“O genero e a espécie”. A quinta: “Os tempos”. A sexta: ‘A recapitulagaio”. A sétima: “O deménio e seu corpo” Essas regras, tais como ai esto expostas, ajudam cer tamente a penetrar as obscuridades dos divinos oraculos. Entretanto, nem tudo o que se encontra na Escritura sob forma de dificil compreensao pode ser descoberto gragas 2 elas, B preciso recorrer a muitos outros meios que Ticénio nao englobou em suas sete regras, A tal ponto que ele pré- prio explicon diversas obseuridades, sem recorrer a nenhu- ma delas, porque na circunstancia elas se revelaram inti- teis, Acontece, as vezes, que nem o assunto nem a questao oferecem alguma relagao com elas. I assim que no Apo- ealipse de sio Joao (1,20), ‘Tiednio pergunta-se como é preci- so entender a respeito dos sete anjos das Tgrejas aos quais © Apéstolo recebe a ordem de escrever. Faz, entao, multi plos raciocinios e chega & conclusio de que por esses anjos devernos entender as Igrejas, Ora, na sua extensa disserta: ¢f0, no ha apolo algum ac cuas regeas. B, contudo, « ques- tao tratada ali ¢ obscurissima. Limito-me a esse exemplo. Seria muito longo e laborioso recolher nas Escrituras eand- nicas todas as passagens cuja obscuridade é grande demais ppara que se possa recorrer a essas sete regras de Ticino, Critica goral da obra 43, Ticdnio, no entanto, ao recomendar suas regras tais como sio, abribui a elas valor tio grande a ponto de afirmar que quem as compreendesse, ¢ habilmente aplicasse, nao Geveria mais encontrar obscuridades na Lei, isto 6, nos Li- ‘ros divinos. Bis como ele comeca o seu livro: “Nada me pa- receu mais necesssirio do que apresentar, por assim dizer, DUPICULDADES A SEREM pAnAs 190 chaves ¢ luminares para descobrir os segredos da Lei. Cam efeito, ha regras misteriosas que permitem escrutar todos (08 membros da Lei e tornar visiveis, aos que nie os podem descobrir, os tesouros da verdade. Se 0 método dessas re- gras for reeebido com a mesma simplieidade com que as es tamos comunicando, tudo o que esta fechado abrir-se-d, doo que é obscuro esclarecer-se-d, Desse modo, quem quer quecaminhe pela imensa floresta das profecias sera conduzi- do por estas regras por sendas cheias de luz.¢ livres de ero Se Ticdnio houvesse dito: “Ha regras misteriosas cue permitem escratar alums meandros da Lei”, ow pelo ne- nos: “os meandros mais importantes” em ver de dizer: “to- dos”; se ele niio houvesse dito: “tudo o que esta fechado, a brir-se-4”, mas “muito do que esta fechado abrir-se-a”, ole toria dito a verdade e, por af, nao daria a sua obra, tio ela- borada e itil, importancia maior do que possui. Nao teria induzido a falsa esperanca o leitor e conhecedor de sua obra. -Tulguei ser bom fazer essa observagio para convidar, por um lado, 08 estudiosos a lerem esse livro, porque aju- da muitissimo a compreender as Kscrituras. Também, por outro lado, para adverti-los & nao esperarem utlidede maior do que a oferecida. Em todo enso, é preciso ler com precaueaio nao somente devido a eertos pontos em que ale se enganou enquanto homem, mas sobretudo devido a cor tas idéins que emitiu, como donatista herético, A soguir, exporei brevemente os ensinamentos ¢ con- selhos dados nessas sete regras. capruto st Primeira regra: “O Senhor e seu Corpo” 44. A primeira regra trata sobre “O Senhor e seu Cor- po”. Sabomos por ela que algumas vezes ¢ dito: “Caboea” © “Corpo”, isto ¢, Cristo e a Tgreja, como uma 6 pessoa. 1 CONSIDERACOES SORRE AS RECRAS DE TICONIO. (Com efeito, néio em vio foi dito aos figis: “Vos suis des- cendéneia de Abraao” [Gl 3,29], se bem que nao haja a nao ser um descendente de Abrafio, Cristo). Nao é para estranhar quando, em alguma passagem da Eseritura, passa-se da Cabeca ao Corpo, e do Corpo & Cabega, sem deixar dese referira uma tinica e mesma pessoa. Porque € uma s6 pessoa que pronuncia estas palavras: “Ele ealocou-me um diadema na eaboga como noive, ¢ ador- nou-me com enfeites, como noiva” (Ts 61,10). H preciso, portanto, procarar eompreender qual entre esses dois ti tulos convém & Cabega e qual convém ao Corpo, isto 6, 0 que se refere a Cristo © 0 que so refere a Igreja, capiruno a2 Segunda regra: “O Corpo bipartido do Senhor” 45. A segunda regra é: “O Corpo do Senhor dividido em duas partes”. Na verdade, Tieonio nao deveria ter em: pregado essa formula, pois nao & Corpo do Senhor o que nao havera de estar com ele para sempre na eternidade. Mas deveria ter dito: “O Corpo do Senhor verdadeiro e 0 misto”. Ou entao: “O Corpo do Senhor verdadeiro e o si- mulado”. Ou outra expressio parecida, Pois nao se pode dizer que os hipécritas estarao com ele eternamente, € nem que esteja com ele agora, parecendo estar em sua, Igreja. Por isso, essa resra poderia, de preferéneia, ser intitulada: “A Igroja mista”. Essa segunda regra exige leitor atento, ja que a Es: critura, quando fala a uma parte da Igreja, parece diri- gir-lhe palavras que ela dirige a outra; ou bern, passa ds primeira a segunda porgaio enquanto se dirige ainda & primeira, como se ambas as partes constituissem um s6 corpo, devido & sua mistura aqui na terra ¢ 8 sua comum participagao dos mesmos sacramentos. DIFICULOADES 4 SEREM DISSIPADAS be, Asso se aplica 0 versieulo do CAntico dos eanticas: “Sou morena mas formosa, como as tendas de Cedar e os pavilhdes de Salomao” (Ct 1,5). O texto nao diz: “Eu era morena como as tendas de Cedar, ¢ formosa come os pa: vilhdes de Salomao”, Mas cle une os dois epitetos causa da unidade que, no tempo, constituem os peixes bens ¢ naus dentro de uma s6 rede (Mt 13,48), As tendas de Cedar, com efeito, designam Ismael que nao partilhard a heranga com o filho da mulher livre (Gn 21,10; GL 430), E porque quando Deus diz a respeito da boa poredo da Igroja: “Guiarei os eegos por um caminho que eles néo conhecem ¢ fi-los-ei andar por veredas que ignozam; mmudarei diante deles as trevais em luze os caminhos tor- tuosos em direitos; faret isto em favor deles ¢ nao os de- sampararci” (Is 42,16.17). Deus apressa-se em aeres- centar a respeito da por¢io ma, misturada & boa: “Esses voltardo para tras” (id., ibid.), desigmando j& por esas palavras quais os bons. Mas como as duas porgées fezem, tum s6 enquanto na terra, parece ser dito para a segunda ‘o que se dizia para a primeira. Contudo, nao ficarao 9ara sempre misturados, O mau servidor meneionado no evan- gelho 6 a prova formal: “Quando seu Senhor vier, ele 0 separard da porgao dos bons ¢ 0 pord na porgao dos hips- ccitas” (Me 24,51), capiruosy Terceira regra: “As promessas ¢ a Lei” 46. A terceira regra trata a respeito das promessase da Ici, Poderia ser dado outro titulo: “Sobre o espirito ea le- tra’, como eu proprio o fiz ao escrever um livro sobre esse assunto. Poderia ainda ser intitulado: “A graga eo man- 8 CONSIDERAGORS SORRE AS REGRAS DE TICONTO damento”. 0 problema tratado parece-me mais importan- te do que a regra recomendada para resolver a questo, E por nao ter entendido o problema que os pelagianos inventaram sua heresia, agravando a questa. Coriamente, Ticdnio fez um trabalho muito bom, mas incompleto. Pois, em sua dissertagiio sobre a fé cas obras, diz-nos que essas obras sao dons de Deus, mezecidos pela 48, Mas essa mesma f8 6 de tal modo nossa, que nio a recebemos de Deus. Ele ndo deu atengao, pois, ao que disse o Apéstolo: “Aos irmaos, paz, amor e fé da parte de Deus, 0 Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (BF 6,23). E que ele nao teve a experiéncia da heresia surgida em nosso tempo e que nos obrigou a grandes trabalhos para defen- der contra ela a graca de Deus, transmitida por nosso Senhor Jesus Cristo. E conforme &s palavras do Apésto- lo: “I preciso que haja até heresias entre vés, a fim de que se tornem manifestos entre vos aqueles que sito comprovados” (1Cor 11,19), essa heresia tornou-nos mais vigilantes e diligentes para descobrirmos nas santas Es- crituras o que escapou a Tiednio, menos atento, e menos preoeupado em saber que a fé € um dom daquele que re- parte a cada um segundo a sua medida. Como em eonse- qiiéneia a este pensamento que foi dito. alguns: “Foi con- cedido, em nome de Cristo, a graga nao s6 de ererdes nele, mas também de por ele sofrerdes” (F) 1,29). Quem pode- r, pois, duvidar de que esse duplo dom vem de Deu isto é, entender com fé ¢ inteligéncia que ambas (a fé e obras) nos foram outorgadas? Muitos outros testemunhos demonstram-no; mas nao é 0 momento de tratar desta questdo, pois jé o fizemos freqtientes vezes, ora aqui ora ali, em diferentes livros. DADES ASEREDI DISSIPADAS. ise eapituLos: Quarta regra: "A espécie ¢ 0 género’ 47. A quarta regea de Ticdnio trata sobre a espéeie e 0 género. Ble denomina desse modo, na intengao que se entenda por “espécie” a parte; e pord “genero’, 0 tedo, do qual 6 parte a espécie. Por exemplo, cada cidade certamente uma parte do conjunto das nagses. Ticénio ama, pois, a cidade de espécie ¢ 0 conjunto das na- cies, de género, Mas nio se ha de aplicar aqui aquela Sutil distingdo ensinada pelos dialeticas, os quais enge- mhosamente disputam sobre a diferenca existente entre a parte eo todo. Ha de valer a mesma reyra ao se eneontrar nas pala vras divinas algo parecido, relativo, por exemplo, nioso- mente a uma cidade, mas a cada provineia, naga ou cei no. Assim, nfo é 86 a propésito de Jerusalém ou de alguma cidade dos gentios como Tiro, Babildnia ou qualquer ou tra nomeada nas santas Escrituras, que encontramos uma quest20 quo ultrapassa as suas fronteiras e convenha antes a todas as nages. Assim também, em referencia & Judéia, ao Bgito, & Assiria e a qualquer outra nagio qual existam muitas cidades. Essas nagies, contudo, no sai todo 0 universo, mas uma de suas partes. Sobre e.as, pois, encontram-se, nas Eserituras, coisas que ultraras sam seus limites e convém antes a todo o universo do qual constituem uma parte. Como Ticdnio as nomeia, referem-se ao género, do qual a parte é a espécie. Esse modo de nomear, por certo, i chegou 20 conhe- cimento do povo. Assim, até os mais ignorantes sabem discernir 0 que ha de especial e o que hi de geral em qualquer édito do imperador Essa distincao também se faz a respeito dos homens. Por exemplo, as palavras ditas sobre Salomao ultrapas- 185, CONSIDERAGOBS 80D) AS REGRAS DE TI NTO. sam sua pe: aCr oa & esclarecem se no caso de as apliearmas to ow A Tgreja, de quem ele 6 uma parte. 48, Nem sempre a ospécie ¢ ultrapassada, pois muitas vozes tais palavras sfo ou bem elaramente apropriadas aquela espécie ow até, poder-se-ia dizer, sao apropriadas unicamente a clas proprias. Mas quando da espécie a Escritura passa a0 género, aparentemente, como se falasse ainda da espécie, tenha oleiter a atengio bem desperta e nao procure na espécie © que pode melhor e com maior certeza se encontrar no enero. Facilmento, ve-se isso nestas palavras de Bze- quiel: “Os da casa de Isracl habitaram na sua terra ¢ contaminaram-na com as suas obras e com os seus peca- dos; seu caminho tornou-se diante de mim como a imun. dicie da mulher menstruada. E eu, entio, derramei a minha indignagao sobre eles, por causa do sangue que derramaram sobre a terra, € dos seus idolos com que a contaminaram. Dispersci-os entre as naeds ¢ foram dis- seminados para varias terras; juliguei-os segundo o¢ sour pecados” (Bz 36,17-1 ‘il entender esas pala- vras a respeito da casa de Israel, da qual diz 0 Apéstolo: “Considerai o Isracl segundo carne” (1Cor 10,18). Pois © pavo carnal de Isracl, por um lado, cometeu esses cri- mes, ¢ por outro, passou por esses castigos. A continua- 0 do texto de Ezequiel entende-se como se aplicande a0 mesmo povo. Mas desde que o profeta comeca a dizer: “Bu santifiearei 0 meu grande nome, que foi profanado entre as nagoes, o qual vés desonrastes no meio delas; & as nagbes saberdo que eu sou 0 Senor" (Bz 36,23), o lei tor deve ai prestar atengao sobre a maneira como a espé cie est ultrapassada e como o género aparece. Bzequiel prossegue com estas palavras: “Porque en vos tirarei den- tre as nagdes, vos congregarei de todos 08 paises € vos trarei para a vossa terra, Derramarei sobre vés uma agua, DIFICULDADES 4 Sb DISSTPADAS 198 pura, sereis purificados de todas as vossas imundicies, purificar-vos-ei de todos 0s vossos idalos. Dar-vos-ei co- aco novo e porei espirito novo no meio de vés, tirarei de vossa came 0 coragio de pedra ¢ dar-vos-ei coragao de carne, Porei omeuespirito ne meio de vos, farei que andeis nos meus preceitos, que guardeis as minhas leis e que as pratiqueis. Habitareis na terra que dei a vossos pais, vos sereis meu povo e eu serei vosso Deus, Purificar-vos-ei de todas as vossas imundicies” (Ez 36,23-29) ‘Todas essas palavras profetizam o Novo Testarien- to, a quem no 86 pertence uma porgao daquete pove, do qual foi dito em outro Lugar: “Porque ainda que teu prove, 6 Israel, fosse tio numeroso como a areia do mar, 86 clgu- mas reliquias dele se converterao” (Is 10,22), mas tam- bem pertencem todas as demais nagdes que foram pro- metidas & seus pais, que também sao nossos pais. Isso nao traz nenhuma dhivida para quem quer que o banho de regeneragio prometida por essas palavras estejacon- cedido agora — nés 0 vemos — a todas as nacdes. Quanto & palavra do Apéstolo em que ele faz. valer, comparando-a ao Antigo Testamento, a superioridade da graga do Novo Testamento: “Nossa carta sois vs, carta escrita em nossos coragies, nado com tinta, mas com 0 spirito de Deus vivo, nao em tabuas de pedra, mas em tabuas de carne, nos coragdes” (2Cor 3,2-3), 0 leitor nota, vé claramente que esse texto é extraido da passagem em que o profeta Ezequiel diz: “Dar-vos-ei um coragao novoe porei um novo espirito no meio de vos, tirarei da vossa carne o coragao de pedra e dar-vos-ei um coracdo de-car: re”. Ele quis no coragao de pedra discernir 0 coragzo de carne, donde as palavras do Apéstolo: “nas tabuas decar- ne, nos caragées”, designando, por ai, a vida espiritual, Assim, o Israel espiritual compoe-se nao de uma s6 nagio, mas de todas, porque clas foram prometidas a noseos pais, em seu descendente que é Cristo. ry CONSIDERAGOES SOBRE AS REGRAS DE-TICONIO 49, Bsse Israel espiritual distingue-se, pois, do Israel carnal que compreende uma s6 nagao, nao pela nobreza da patria, mas pela novidade da graca, nao pela raca, ‘mas pelo espirito, Mas quando o profeta, com espirito ele- vado, fala daquele ou Aquele vetho Israel, insensivelmente passa ao novo Israel e, quando ja est falando deste ou a este, parece que continua falando daquele ou com aqui le, O profeta nao faz isso como inimigo invejoso e hostil que se opde ao entendimento da Bseritura, mas para exer citar salutarmente a nossa inteligéncia. Portanto, nesta palavra de Ezequiel: “Bu vos trarei para a vossa terra” e pouco depois esta outra, que é por assim dizer a exata repetigao: “Habitareis na terra que cu dei a vossos pais”, nés ndo devemos tomé-la num s tido carnal, como se aplicasse ao Israel carnal, mas num sentido espiritual. Porque a Igreja sem manchas ¢ sem rugas é formada pela reunido de todas as nagoes ¢ dest nada a reinar eternamente com Cristo que “é a terra dos bem-aventurados e viventes” ($127,13). Ora, éela, a lgee- ja, que € preciso entender como “dada a nossos pais”, v to que ela Ihe foi prometida pela vontade certa e imuta. vel de Deus. De fato, ela ja the fora dada pela préj firmeza da promessa ou, melhor ainda, da predestinagao. Se bem que acreditassem que ela Ihes seria dada no tem- po. Af esta significada a graga dada aos santos, conforme estas palavras escritas pelo Apdstolo a Timéteo: “Deus nos salvou € nos chamou com uma yocacdio santa, nia em virtude de nossas obras, mas em virtude do seu proprio designio ¢ graca. Essa graga, que nos foi dada em Cristo 's das tempos eternos, foi manifestada agora pela apari¢ao de nosso Salvador, 0 Cristo Jesus” (21m 1,9-10). 0 Apéstolo diz. que a graca foi dada num momento em que os beneficiados sequer existiam ainda. que no plano da predestinacao divina 0 que deve se produzir no Jesus, an\ DIvICULDADES ASEREM DISSIPADAS 198 tempo, que “foi manifestado”, como diz. Apéstolo, ja es tava cumprido, Todavia, as palavras de Ezequiel poderiam se enten- der também da terra do sécuto futuro, quando havers am, novo ééu ¢ uma nova terra (Ap 21,1), onde os que no si0 justos nao poderdo habitar. Assim, foi dito com razio 20s ho- ‘mens pins, que essa terra 6. terra deles (ME 5,4), e qucem nenhuma de suas partes cla sera terra dos impios. Porque ela também foi dada aos homens pios, tal come a graga, no momento mesmo em que foi deeretado que Ihes seria dada, eAPerULO 35 Quinta regra: “Os tempos” 0. A quinta regra estabelecida por Tiednio disserta so- bre os tempos. Bssa regra permite muitas vezes desco- brir, ou pelo menos conjecturar, os espagos de tempo que ram obscuros nas santas Escrituras. Aplica-se, diz ele, de duas manciras, ou pelo trope chamado sinédoque ou pelos nximeros perfeitos. O tropo sinédoque dé a enten: der o todo pela parte ¢ a parte pelo todo. Exemplo: am evangelista diz que “foi oito dias depois”, ¢ outro que “foi ss dias depois” que sobre © monte, na presenga de ape- nas trés dise{pulos, o rosto de Cristo resplandeceu como o sol cas suas vestes tornaram-se braneas como a neve (Mt 17,1-2; Le 9,28; Me 9,1-2). Ora, essas duas afirnia- goes nao podem ser verdadeiras a nao ser na seguinte hipétese: o primeiro evangelista, ao dizer: “oito dias de- pois”, conta por dois dias plenos ¢ inteiros, a tiltima me- tade do dia em que Cristo predisse o acontecimento, ¢ a primeira metade do dia em que o realizou. O segundo evangelista, por outro lado, ao dizer: “seis dias depois”, conta todos os dias plenos ¢ inteiros, mas no considera 05 dias incompletos, 199 CONSIDEHAGORS SOBRBAS RIGRAS DETICONIO B também gracas a essa figura, que designa 0 todo pela parte, que se resolve o problema da ressurreicio de Cristo. De fato, se a iiltima metade do dia em que ele sofreu nao ¢ contada como um dia inteiro, isto 6, acrescenta a noite precedente, ¢ se a vltima metade da noite em que ele ressuseitou nao for contada como um dia inteiro, isto €, nio se acreseenta também a aurora do dia dominical, néo se podem encontrar os trés dias © as trés noites durante as quais, segundo a predigao, Cristo devia ficar “no seio da terra” (Mt 12,40) 51. Quanto aos nimeros perfeitos, Ticénio assim deno- mina aqueles aos quais a Eseritura atribui valor todo special. Tais sfo: 0% mimeros sete, dez, doze ¢ todos os outros que um leitor atento facilmente ha de reconhecer, Na maioria das vezes, esses mimeros sao tomados em lugar de um espago de tempo indefinido. Assim: "Bu te louvarei sete vezes por dia” (SI 119,164) nao tem outro nntido do quo: “Teu louvor estar sempre em minha boea” (S1 34.2), Esses mimeros possuem 0 mesma significado, se saultiplicados. Por exemplo: sete por doz dai setenta ¢ se- teeentos. O que permite tomar espiritualmente os seten- ta anos preditos por Jeremias (25,11), polo tempo todo do exilio da Igreja aqui no mundo, O mesmo acontece quan- do os niimeros sfio multiplieados por eles proprios. Por exemplo, dez por dex, que da com. Doze por doze, que da cento e quarenta e quatro, niimero que no Apocalipse sig- | nifica a totalidade dos santos (Ap 74). Por onde se deduz que no somente se ha de resolver com esses miimeros a questao do tempo, mas também que seus significados possuem amplidao maior e se ramili- cam em muitos sentidos, Assim, o algarismo cento e qua- renta ¢ quatro nao se refere s6 a0 tempo, mas ainda a0 mtimero de pessoas, DIFICULDADES ASEREM DISSIPADAS capituto ss Sextes regra: “A recapitula¢ao” 52. Ticdnio dé o titule de “Recapitulagao” a sexta regra, a qual um estudo bastante atento das obscuridades da Escritura o fez descobrir. De fato, alguns fatos podem ser expostos como se fossem posteriores na ordem do tempo; ou serem narrados na seqiiéncia continua dos aconteci mentos; ao passo que, sem se notar, a narragio remonta a acontecimentos anteriores, ¢ que foram omitidos. Ora, sem perceber isso, gragas a essa regra, pode-se ser leva do a enganos. Eis um exemplo tirado do Génesis: “O Senhor Deus plantou um paraiso de delicias, no qual pds ohomem que havia formado. 0 Senhor Deus produziu da terra toda a ospécie de arvores formosas a vista, ¢ de frutos doces para comer” (Gn 2,888). Esse relato assim apresentado parece dizer que a criagdo do homem por Deus foi anterior criagao do paraiso. Sendo evoeadas brevemente ambos 08 fatos, isto &, que Deus plautou o paraiso ¢ que ai pos 0 homem a quem formara, a Escritura volta atras e, recap. tulando, conta o que havia omitido, a saber, como foi plan tado o paraiso, produzindo Deus da terra toda sirvore for- mosa de frutos bons para comer. F prosseguindo o relato, guir diz: “ca érvore da vida no meio, ¢ a arvore da sncia do bem e do mal”. Depois expliea que um rio, que regava o paraiso, dividia-se em quatro bragos. Ora, todo esse conjunto pertence a formagao do paraiso. Termina- da essa narracio, a Eseritura repete 0 que ja havie dito anteriormente, e que na realidade era posterior: “Bo Se nhor Deus tomou o homem ¢ colocou-o no paraiso’. De fato, o homem foi colocado nese lugar apds as diversas eriagdes, como a ordem agora o prova, ¢ nio antes ¢elas, como as primeiras linhas da narragao poderiam dar a 20 CONSIDERACOES SOBRE AS REGRAS DE-TICONIO pensar, Haveria engano se nessa passagem nao se dis- cernisse atentamente uma recapitulagao, pela qual 0 hagidgrafo voltou sobre os fatos omitidos. 53. Igualmente, no mesmo livro do Génesis, quando a Escritura menciona as geragdes dos filhos de Noé, ela diz: “Estes sii os filhios de Cam, segundo suas tribos, linguas, reggides e nagies” (Gn 10,20), Diz ainda, enumerando os filhos de Sem: “Estes sfo os fillhos de Sem, linguas, regides e nagdes” (Gn 10,31). E em seguida, a respeito de todos: “Estas sao as tribos de Noé, segundo as suas gerages e suas nagoes. Delas se dispersaram todas as ilhas de nagdes sobre a terra apés o dildvio. E toda a terra tinha uma s6 boca e todos os homens uma sé voz” (Gn 10,32;11,1), Essa frase complementar: “e toda a ter- ra tinha uma s6 boca e todos os homens uma s6 voz", isto 6, possufam uma $6 lingua, parece significar que na épo- ca em que os filhos de Noé estavam dispersos em ilhas de nacoes sobre a terra, eles falavam uma lingua comum a todos. O que, sem diivida, esté em contradiedo com os textos precedentes, em que esta dito: “segundo as tribos, as linguas”, Nao se teria dito com efeito que as tribos, depois de as nagées estarem constituidas, tivessem cada. uma sua lingua propria, se de fato elas tivessem uma $6 Iimgua comum. Bis por que é por uma reeapitulagao que a Bscritura acrescentou: “Toda a terra tinka uma s6 boca ¢ todos os homens uma mesma voz”. A Eseritura retoma de modo dissimulado seu relato anterior para contar como se explica que os homens, depois de terem falado uma s6 lingua comum a todos, formaram-se em diversas nagoes com diversas Iinguas, E logo apés, a Eseritura narra a construgio da famo- sa torre, onde foi imposto, por julgamento divino, o casti- go de seu orgulho. Depois desse fato, os homens disper- saram-se pela terra conforme suas Ifnguas, DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS F 54, Essa reeapitulagao faz-se em textos ainda mais ohs euros. Assim, Senhor diz no Evangelho: “No dia emque 1 saiu de Sodoma, caiu do cén fogo e enxofre, climinan. do @ todos, Sera deste modo o dia em que o Filho do Ho- mem foi revelado, Naquele dia, quem estiver no terrecoe tiver utensilios em casa, ndo desca para peysi-los; igual mente, quem estiver no campo, nao volte atrés. Lem- brai-vos da mulher de L6” (Le ¥7,29-82) Serd no momento em que o Senhor se manifestar que 6 preciso seguir essas recomendagdes de nao oar para trés, isto 6, nao volver & vida passada & qual ja renunciou? Ou sera neste momento presente que & prec so nao voltar para tras, a fim de receber a reeompensa pelos mandamentos observados ou desprezados? Como foi dito: “Naquela hora” pensa-se que sera preciso obse var essas recomendacies no momento em que o Seahor se manifestar, a nao ser que o espirito do leitor se aplique a perceber no texto uma recapitulagio. Ha outra passagem da Escritura que pode nos aju- dar. L4, onde é dito que no tempo mesmo dos apéstolos ests o clamor: “Filhinhos, € chegada a hora em que é pre ciso seguir estas recomendagées. Portanto, essa man fos: taco pertence a esta mesma hora, a qual terminari no a do julgamento” (Km 2,5;13,11) capinu.o 7 Sétima regra: “O deménio e sex corpo” 55. A sétima e tiltima regra de Tiednio 6 a chamada: “O demnio e seu corpo”. O deménio é, com efeito, a cabeca dos impios que hao de ir com ele ao suplicio do fogo eter- no (Mt 25,41), assim como Cristo é a Cabeca da Tgreja que constitui seu Corpo e esta destinada a participar de seu reino e da gloria eterna (Bf 1, 200 CONSHDERAG SOBREAS REGRAS DR TICONTO Ora, assim como na aplicagio da primeira regra intitulada por Tic6nio: “O Senhor e seu Corpo” € preciso tomar cuidado quando a Eseritura fala de uma tinica e mesina pessoa, para diseernir o que convém a Cabega co que convéin ao Corpo, do mesmo modo, na aplicagao des- ta ultima regra, ¢ preciso poder discernir. Assim, o que é dito, por vezes, contra o deménio, no se refere a ele, mas a0 contrario, a sen corpo. Trata-se, entae, nao somente de homens que esto manifestamente fora da [yreja, mas ainda de homens que, xo mesmo tempo que pertencem a0 deménio, estao misturados por um tempo na Igreja, até o dia em que enda um deixe esta vida, Isto é, quando a palha for separada do grao, na eira (Le 3,17) ‘Quanto a esta palavra de Isafas: “Como caiu do céu Licifer, astro brilhante, que ao nascer do dia brilhava?” (ls 14,12) ¢ as demais coisas ditas nos versiculos seguin- tes, que sob a figura do rei de Babildnia dizem-se sobre essa pessoa ou dirigidas a cla, na trama desse discurso, centendem-se elaramente como referentes a0 deménio, ‘Tor davia, esta outra palavra do mesmo texto: “Foi arrajado por terra aquele que envia mensageiros a todas as nagées” nao convém totalmente s6 a cabeca, Se bem que, de fato, 0 demdnio envie seus anjos a todas as nagdes, néo sera ele, ‘mas 0 seu corpo que ai é arrojado por terra, a ndo ser que, éverdade, nao seja ele préprioem seu corpo, arrojado como 0 p6 que 0 vento dispersa pela superficie da terra (SI 1,4). Conehusao . Ora, todas essas regras, A excegdo de uma 86, a que tem como titulo “As promessas ¢ a Loi”, servem para en tendermos uma coisa por outra distinta, 0 que € préprio da expresso metafiriea, Tss0, a meu ver, estende-se além do que pode ser eneerrado em regra geral. Porque em DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS 206 qualquer parte que se diga uma visa para fazer enten- der outra, ai esté uma expressao figurada, se bem que 0 nome desse tropo nao se encontre nos tratados de retéri ca ou da arte de falar. Quando ld se encontra, onde se emprega de modo costumeiro, 2 intcligéncia o percebe sem cesforco. Mas quando se encontra la onde é empregado de modo excepeional, tem-se dificuldade de compreendé-lo, Alguns 0 compreendem mais ou menos do que otros conforme os dons de Deus forem maiores ou menores a seu espirito, Assim, nas palavras tomadas em sentico fi gurado, como nas expressdes metaféricas, € preciso en- tender uma coisa por outra, Falamos até o presente mo: mento sobre isso bastante abundantemente, conforme rosso parecer, Devemos agora aconselhar, as que So estudiosos das venerdveis scrituras, nao somente a to. marem conhecimento delas ¢ das categorias de expres- siio, a examinarem com euidado o pensamento apresen. tado ea guardarem na meméria, mais ainda — ¢ isto & de primordial importancia e de todo indispensavel ~ a rezarem para as eompreender. Nessas Bscrituras, com feito, das quais os estudiosos saboreiam o gosto, “O Senhor da a sabedoria e da sua boca sai a ciéncia e a inteligencia” (Pr 2,6). [dele que receberam esse gosto, se & que acompankado de piedade. Mas eis 0 que 6 suficiente quanto aos sinais, pelo menos no que se refere As palavras. Resta-me tratar da maneira de exprimir 0 pensamento. Pé-lo-ei no préximo livro, a medida que Deus me conceder. LIVRO LV SOBRE A MANEIRA DE ENSINAR ADOUTRINA A. PRINCIPIOS FUNDAMENIAIS, DAARTE ORATORLA eAPITULOL Apresentacito do Linro IV 1. Bste trabalho intitulade De doutrina christiana exo dividi, a principio, em duas partes. Apés um prologo, onde respondi a eventuais contestadores, afirmei: “Hi dias eo: sas igualmente importantes na exposicao das Bscrituras: a maneira de descobrir 0 que é para ser entendido ¢ a mancira de expor com propriedade o que foi entendido. Primeiramente, dissertaremas sobre como se realiza a des- coberta da verdade, depois sobre o mexdo de expérta (11,1) Como ja discorremos longamente sobre a descober- ta, em trés livros consagrados a essa tinica parte, desen volveremos agora, brevemente, com a ajuda de Deus, a espeito de como expor. Assim, se for possivel, englobare- mos tudo em um s6 volume, e terminaremos toda a obra neste quarto livro.! "Nos tes primes captulos deste IV lv, Agostino rotembra es eto | res cteno sua ‘bra esta composts, sou coteada # seus ehjctives. Nos livros Enterioes ens conn oe devetn estar as Eutituras. Nese oltinm kro, frapt-o9 3 eneinar nme dove cor transmitda ndotrina, camo se de Inslrugdn, Uiliande nrmas eieniagGes sprendicne Alscoreeanre tres o yonarospnsavels do clogunela {Sonne todos ns etiosenrificios data dosem esti suhord af. No pulpit, wenmenda, ¢ melhar aproschtar alga simples, mn de pala vale risa sobuderta de ques, nivel ads os progadere. Ci oP 8 509, MANEIRA DE ENSINAR A DOUTRINA carimuLo2 sta obra nito é tratado de reteriea 2. Advirto, de inicio, refreando a impaciéneia dos leito- res, que talvez suponham que vou Ihes dar preceites de rotdrica que aprendi a comunicar nas escolas profanas, Previno que nao esperem isso de mim — nao que esses proceitos seam som utilidade. Mas no caso de serem titeis, sord preciso aprendé-los & parte, sob a condigao todavia dessa pessoa encontrar tempo necessrio para se dedicar a tal. Nao o pecam, contudo, a mim, quer nesta obra, quer em qualquer outra, Necessidade da pritica da arte oratéria 8. Bum fato, que pela arte da retériea é possivel per suadir o que é verdadeiro eomo o que é falso. Quem os 14, pois, afirmar que a verdade deve enfrentar a mertira com defensores desarmados? Seria assim? Entio, essesora- dores, que se esforgam para persuadir o erro, saberiam desde 6 proémio conquistar 0 auditorio ¢ torné-lo benévolo e décil, 20 passo que os defensores da verdade nao 0 conse guiriam? Aqueles apresentariam seus erros com concisio, clareza, verossimilhanga c estes apresentariam a verdade de maneira a tornd-la insipida, dificil de compreensio ¢ finalmente desagradavel de ser erida? Aqueles, por argue mentos falaciosos, atacariam a verdade e sustentariem 0 erro, ¢ estes seriam ineapazes de defender a verdade e re- fatar a mentira? Aqueles, estinmulando e convencendo por suas palavras 03 ouvintes ao erro, os aterrorizariam, os contristariam, os divertiriam, exortando-os com ardor, & estes estariam adormecidos, insensiveis ¢ frios ao servigo da verdadle? Quem seria tao insensato para assim pensar? 209 PRINCLPIOS FUNDAMENTAIS DA ARTE ORATORIA, isto que a arte da palavra possui duplo efeito (o forte poder de persuadir seja para omal, seja para o bem), por qual razao as pessoas honestas niio poriam seu zelo a adquiri-la em vista de se engajar ao servico da verdade? Os maus pdem-na ao servico da injustica e do erro, em vista de fazer triunfar causas perversas e mentirosas. earérutoa Como e em que idade realizar 0 aprendizada 4, Eis 0 que constitui o talento da palavra ou da elo gaéncia: os principios preceitos dessa arte unides a0 emprego engenhoso da linguagem, especialmente exerci- lads a realgar a riqueza do voeabuliio e do estilo, Os que podem desde logo aprender tal arte devem fazé-lo fora desta nossa obra. E ponham nesse estudo 0 tempo que dispdem ou que seja conforme a sua idade. Os préprios principes da clogiiéneia romana no recearam afirmar que, se esta arte nao for aprendida desde cedo, nunca poder ser conhecida completamente (Cicero, De oratore). Mas por que nos perguntar sso 6 ver- dade? Pois ainda supondo que os mais idosos possam um dia adguirir tal arte, ndo me inelino muito a impor esse estudo a eles. Basta que os jovens (adulescentuli) dedi- quem-se a ela. E ainda assim, nem todos 0s que deseja- mos instruir para o servigo da Igreja, Que o soja apenas pelos que ainda nao estao ocupados por outros trabalhos mais urgentes. Pois, quem possui um espirito vive e ar- dente pode assimilar facilmente a elogiiéncia, Iendo ou escutando os bons oradores, mais do que estudando os seus preceitos. Nao faltam obras eelesidsticas — sem eontar as Es- crituras candnicas, salutarmente colocadas no spice da MANEIKA DE ENSINAR A DOUTIUNA, no autoridade — por cuja leitura um homem bem dotado pode penetrar, além de seu contetido, no estilo das mes mas. Isso, sobretudo se, nao contente de ler somente, tam- bém se exereitar a escrever, a ditar, a compor, a expor suas idéias conforme a regra de fé ¢ piedade. So as dispo- sigbes p xoreieio fizerem falta, tampouco serd possivel percober os preceitos da retériea. E se essa px soa perceber alguma coisa, apés as ter adquirido com grande esforgo, de nada Ihe tera adiantado, Pois as que aprenderam tais preceitos, ¢ que falam com fluénci: & clogiiéneia, nem todos eles sie capazes de pen: tar falando, na aplicacao de tais preceitos em seus dis cursos. A no ser que estejam dissertando expres: te sobre esses mesmos preceitos. Ao meu parecer, no 14 quem possa falar bem e, para melhor efeito, pen: mesmo tempo que falam, nas regras da elogiiéneia. Seria para temer, que escapem da mente aquelas idéias que cram explicitadas, devido & preocupagio de exprimi-las, conforme as regras da arte. E, no entanto, nos discursos e dissertagées dos homens eloaiientes, 0s preceitos da clo- ‘qdiéncia encontram-se aplicados. Bsses oradores nfo pen- saram neles, nem para compor seus discursos nem para pronuncié-los, quer 0s tenham aprendido quer nao. Na realidade, eles aplicam as regras porque sao elogiientes e nao para o serem, O método espantaneo da imitagéo de bons modelos 5. Se écorto que as criangas s6 se poem a falar escutan- do as palavras das pessoas que falam, por que alguém se poderia tornar elogiiente sem reeeber nogio alguma da arte oratéria, contentando-se em ler, em escutar e, me- dida do possivel, em imitar os hons oradores? E, além do mais, nao temos exemplos que provem tal? De fato, co- au PRINCIPIOS FUNDANRNTARS DA ARTE ORATORIA nhecemos muitos que, sem 08 preceitos da retérica, sao mais elogientes do que bom mimero de outros que os aprenderam nas escolas. E por outro Indo, niio conhece- mos ninguém que se tenha tornado eloquente, sem ter lido ou escutado os discursos ¢ as pregacées dos orado- res. As proprias criancas nao teriam necessidade da gra- mitiea que ensina a lingua correta, se Ihes fosse dado crescer e viver entre pessoas que filam corretamente. Com efeito, ignorando expressoes erréneas, elas as evita: viam e corrigiriam ao ouvislas de outros, Fo que fazem os moradores das eidades, inclusive os incultos, ao corrigir do de falar dos que vém do meio rural. capiruLo4 Procedimento do orador eristiio 6. O pregador é 0 que interpreta e ensina as divinas Eserituras. Como defensor da fé verdadeira e adversario do erro, deve mediante o discurso ensinar @ bem e ref tar o mal, Nesta tarefa, 0 mestre deve tratar de conquis- tar o hostil, motivar o indiferente ¢ informar o ignorante sobre o que deve ser feito ou esperado. Mas ao encontrar ouvintes benévolos, atentos, dispostos a aprender ou que os tenha assim conquistado, devera prose; curso como pedem as circunstancias. Caso a questao a ser tratada seja deseonhecida e for preciso esclarecer os ouvintes, que faca a exposicae, Onde houver diividas, que ele convenga, por racioeinios apoia dos emt provas. E oportuno dar A sua exposigao maior forea, caso te- nha sido preciso convencer os ouvintes, além de ensiné- Jos, ¢ também para que nao se aborregam no cumprimen: to do que ja conhecem ou para levé-los a por sua vida em air seu dis: MANEIRA DR ENSINAR A DOUTRINA, a2 coeréneia com as idéias reconhecidas como verdadeiras. Ai, com efeito, sao necessarias exortagies, invect.vas, movimentos vives, reprimendas € todo outro procedimento capaz de comover os coragies Na verdade, a quase totalidade dos homens, ex: sua atividade oratéria, nao deixa de agir dessa mancira CAPITULO 5 Vale mais falar com sabedoria do que com elogiiéncia 7. Acontece que uns oradores agem sem vigor, sem for: ma, sem calor. Outros, com fineza, elegancia e veemén- cia. E preciso que o orador, eapaz de diseutir ou de “alar — se nao com elogiiéncia, a0 menos com sabedoria —, uma esse trabalho de que tratamos aqui, em vista de ser itil a seus ouvintes. Ainda que seja menos util de que o seria se fosse capaz.de falar com elogtiéneia. Ao contra- rio, o orador que exorbita numa elogiiéneia sem sakedo- ria deve ser tanto mais evitado quanto mais os ouvintes sentem prazer ao ouvi-lo expor inutilidades, Pois pedem pensar, 20 ouvi-lo falar elogiientemente, que escutam a verdade, ‘Tal observacao nao escapou aos que julgavam ontro- ra a elogiténeia dever ser ensinada. Reconheceram, com efeito, que a sabedoria sem elogiiéncia foi pouco util As cidades, mas, em troca, a elogiiéncia sem sabedoria lhes foi freqitentomente bastante nociva e nunca itil (Cicero, De inventione, liber 1,1). Se, pois, os professores de elogii@neia nos livros onde expuseram seus preceitos viram-se forgados a reconhe- cer isso, sob a pressao da verdade, ainda que ignorando a verdadeira Sabedoria que desce do Deus das luzes, com quanto maior razdo devemos ns nao pensar de 213 PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DA ARTE ORATORIA outro modo, nés, os filhos e dispensadores dessa Sabe: doria Um homem fala com tanto maior sabedoria, quanto maior ou menor progresso faz na ciéncia das santas Es- crituras. B eu nao me refiro ao progresso que consiste em ler bastante as Escrituras, ou aprendé-las de cor, mas do progresso que consiste em compreendé-las bem e proce: rar diligentemente o seu sentido. Ha pessoas que as Iéem e nao as aprofundam, Léem para reter de cor, mas nao cuidam de as entender, Sem dtivida, de longe € preferivel que retenham menos de meméria as palavras, mas que, com os olhos do coracio, aprofundem 0 coragao delas. Contudo, ainda superior a ambas sao as outras pes- soas que, a0 citar as Bscrituras de cor, o quanto querem, as compreendem também o quanto convém. Proveito de falar com sabedoria e elogiiéneia 8. E, pois, de toda necossidade para o orador —que tem © dever de falar com sabedoria, ainda que nao consiga fazé-lo com elogiiéneia — ser fiel As palavras das Escritu- ras. Pois quanto mais ele se reeonhece pobre quanto as suas proprias palavras, mais convém sentir-se rico quan- to Aquelas outras palavras, Justificara, desse modo, o que s proprias palavras. Assim, quem era menor por seu proprio voeabulirio cresceré pelo teste- munho das magnifieas palavras da Eseritura. Ele agra dara, certamente, ao provar com citagoes escrituristicas, ‘if que pode desagradar com suas palavras pessoais. Entretanto, 0 orador que desejar falar, nao somente com sabedoria, mas também com elogiiéneia, seré mais Util se puder empregar esas duas coisas. Aconselho-o— pois —a ler, a escutar, a imitar com exereieios os homens disser com as su: -MANEIKA DE ENSINAR A DOUPRINA au elagiientes, com empenho maior do que Ihe preserevo se. guir ligdes dos professores de retérica, Mas isso, sob a condigaa de que os oradores, que ele Ié ou escuta, sejam Jouvados com razo, no apenas por terem diseursade com elogiiéneia, mas prineipalmente com sabedoria, Com efei- to, os que falam cloqiientemente sao escutados com pra zer € os que filam sabiamtente, com proveito. I porque a Eseritura diz: nao 6 a multidao dos elogientas multidao dos sabios que constitui a sabedoria do univer- Ora, assim como 6 prociso, muitas vezes, tomar re: médios amargos para a satide, também € preciso evitar doguras perniciosas. O que haverd de melhor? Uma sua. lade saudaivel ou uma salubridade suave? (Isto é, nada de melhor do que o itil unido ao agradvel). Quanto mais se procurar num discurso a suavidade mais abundante- mente se tirard proveito da sua salubridade. Assi, hi homens da Igroja que interpretaram os divinos or’vulos iio somente com sabedoria, mas também com elogiién- cia. O tempo nao seria suficiente para os ler. Nav que eles nao sejam suficientes para o estudo dos que tem te po de os ler captruLo 6 Os autores das Eserituras associam a sabedoria com a elogtiéncia 9. Aqui, alguém talvez pergunte se nossos autores sa- ros, cujos escrites, inspirados por Deus, constituem para nds um canon da mais salutar autoridade, se eles devern ser chamados somente sébios ou ainda cloqientes, Na verdade, essa questa para mim como para os. que sentem como eu, ¢ facil de resolver. Porque em toda \ssagem que deles compreenda bem, nada me parece 215 PRINCIPIOS FUNDAMENIATS DA ARTE OKATORIA mais sabio nem mais elogiiente. E ouso afirmar: todo homem que compreenda suas palavras, compreende ao mesmo tempo que nao the convinha exprimir-se de outro modo. Assim como ha uma elogiiéneia propria a juventu- dee outra mais apropriada a velhice, e que a cloguéneia nfo devia mais trazer esse nome se nao estivesse de acordo com a personalidade do orador, desse modo ha uma elo- agliéneia prépria a esses homens revestidos de autoridade soberana bem divina. cam tal eloquéneia que eles fa laram ¢ nao Ihes convinka nenhuma outra e nem seria conveniente a ninguém mais. E tanto mais ela eleva-s acima da dos oradores profanos, no pela jactancia, ma pela humildade e seriedade. Por outro lado, onde cu nao compreendo esses autor res sageadas, sua clogiiéneia, por certo, me impressions menos. Entretanto, nao duvido de que ela a mesma que nas passagens que compreendo. A prépria obscuridade de nossos divinos e salutares oraculos devia estar mista rada a tal elogtiéncia, para que nossa inteligéncia — pel descoberta da verdade, ¢ por exercicios witeis — fizosse progressos bentazejos. Encanto da eloguincia dos hagidgrafos 40. Poderia eu, por certo, se tivesse tempo, mostrar nos livros sagrados postos a nossa disposieao pela divina Pro- vidéncia, para nos instruir e nos fazer passar deste lo depravado ao séeulo da bem-aventuranga eterna, to- das as qualidades e todos os ornamentes de elogiiéneia de que se orgulham 0s que preferem — menos pela gran- deza do que pelo orgulho — a sua linguagem a de nossos autores. O que me encanta na clogiiéncia de nossos hast grafos, mais do que poderia dizer, nao so as qualidades MANEIRA DE ENSINAR A DOUTRINA, a6 que eles tém em comum com os oradores ou poetas pa: aos. Fico tomado de admiracao e espanto diante daarte com que nossos escritores, com a elogtiéncia que thes é propria, usaram da elogiiéneia profana, de modo a The dar um lugar sem deixar, eontudo, que ela dominasse Nao Thes convinha, com efeito, rejeitd-la, nem servir-se dela com ostentacéo. Sea tivessem rejeitado, por certo, cla thes teria feito falta; mas poderiam pensar que ti nham abusado dela, se fosse muito visivel. Nas passa- gens onde a eloqiiéneia ¢ facilmente reconheeivel pelos entendidos, os pensamentos expressos sao tais que as palavras usadas nao parecem ser procuradas pelo coragao do sabio, © a elogigneia a seguicla como scrva insepardvel, ainda que sem ter sido requisitada: | | B. ESTUDO DAARTE ORATORIA EM TEXTOS ESCRITURISTICOS caPiTULoT 35 Elogiiéncia do texto de stio Paulo: Rm 8 11. Quom nao percebe 0 que oApéstolo quis dizer, e quéo sabiamente se exprimiu ao confessar: 's nos gloriamos também nas tribulagdes, saben- do que a tribulngao produz a persoveranga, a perseve- ranga uma virtude comprovada, a virtude comprovada a esperanga. E a esperanga nao decepciona, poraue o amor de Deus foi derramado em nossos coracdes pelo Espirito Santo que nos foi dado” (Him 5,35). No caso em que um perito de modo inepto, por assim dizer, pretendesse que o Apéstolo seguiu nessa passagem bs preceitos da retérica, qual 0 cristao, douto ou ignoran: te, que nao o ridicularizaria? E, contudo, ai se encontra a figura chamada em grego elimas, e em latim gradatio (graduagao), por alguns que nao preferiram chamé-la de seala (escada). Bum tropo ou figura de pensamento em que as palavras como as idéias se sucedem grau a grau, ‘amas depois das outras. Assim acontece neste texto. Ve- mos a paciéncia ou perseveranga estreitamento ligada a tribulacdo; & virtude eomprovada pela paciéncia; & espe- ranga pela virtude comprovada, Observa-se ormamento. Depois de algumas frases relevadas umas das da outro \MANEIKA DE ENSINAR A DOUTRINA as outras pelo tom de voz, o que os latinos chamam de mem- bros e incisos, e os gregos bola e komata, vem um periodo ou frase eircular, denominada pelos uregos “periodo”, cujos, membros so mantidos em suspenso pela voz, até 0 mo- mento em gue 0 ultimo membro s¢ja enuneiado, De fato, desses trés membros que precedem 0 periodo, o primeira 6: “a tribulacdo produz a perseveranea”; o segundo: “a perseveranga uma virtude comprovada”; © 0 terceira: “a virtudle comprovada a esperanca”. Depois do que se enca- deia o periodo desenvolvido em trés membros, dos quis © primeiro é: “a esperanga nao decepeiona”; o segundo: “porque o amor de Deus fot derramado em nossos eora- ‘o tereeiro: “pelo Espirito Santo que nos foi dedo”. Esse artificio de estilo e outros andlogos sao ensina- dos na arte oratéria, Nao negamos pois que, nele, qiiéncia tenha acompanhado a sabedoria, nelo- Beleza do texto paulino: 2Cor 11,1630 12. Na segunda carta aos Corintios, sie Paulo refuta certos pseudoprofetas oriundos do meio judaico, que fa- al dele, Obrigado a fazer seu proprio elogio, im- puta isso como loueura. Mas admiremos com que sa- edoria ¢ com que elogiiéncia ele se exprime! Vemos a clogiiéneia caminhando apés a sabedoria ¢ a sabedoria guiando a palavra do Apéstolo sem repelir a dita eloqién- cia, Exelama ele lavam “Ropito: que ninguém me considere insensato! Ou, entao, suportai-me como insensato, a fim de que também, cu me possa gloriar um pauco. O que vou dizer, nao direi conforme o Senhor, mas como insensato, certo que estou. de ter motivo de me gloriar. Visto que muitos se gloriam de seus titulos humanos, também eu me gloriarei. De boa 219 ESTUDO DA ARTR ORATORTA BM TRXTOS ESCRITURISTICOS at vontade suportais os insensatos, vés que sois télo sensatos! tuporiais que vos escravizem, que vos devorem, que vos, despojem, que vos tratem com soberba. Que vos esbo feteiem. Digo-o para vergonba nossa, Fomos bem fravos Contudo, aquilo que os outros ousam apresentar — falo como insensato — ouso-o também eu. So hebreus? Tam, bem eu, Sao ministros de Cristo? Como insensato, digo: muito mais cu. Muito mais pelas fadigas; muito mais pe las prisoes; infinitamente mais pelos agoites. Muitas ve- zes, vieme em perigo de morte, Cinco veres, reeebi dos ju- deus quarenta golpes menos um. Trés vezes fui flagelado. Uma vez apedrejado. T wei, Passei um dia e uma noite em alto-mar. Fiz. mimerosas viagens, Sofi perigos nos rios, perigos, por parte dos ladrdes, perigos por parte dos meus irméias de raga, perigo por parte das gen- tins, perigos na cidade, perisfos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmiios! Fadigas e duros tra- balhos, nunwerosas vigilias, fome ¢ sede, multiplos jejuns, fio © desmudamenta! Acrescento, a essas provacbes vin« das de fora, a minha preocupagao cotidiana, a solicitude por todas as igrejas! Quem fraqueja, sem eu me sentir fea- ‘co? Quem eai, sem cu me abrasar? Se ¢ preciso gloria 6 de minha feaqueza que me gloriarei” (2Cor 11,16-30). Com quanta sabedoria sao ditas essas palavras; 08 que sao licidos o pereebem. Com quanta elogiiéncia, # correr como uma torrente, té os entorpecides também a. sentom. Andlise literdria do texto 2Cor 11,16-30 13. 0 leitor conhecedor da retériea reconhece que aqui se encontra o tropo chamado pelos gregos kimata, eom- posto de frases entrecortadas e de periodos curtos, dos MANEIRA DR ENSINAK A DOUTRINA, v0 quais jé fale’ um pouco acima; intercalando-se com a mais harmoniosa variedade, dando ao diseurso toda essa bela forma e, por assim dizer, uma roupagem que encanta € comove, até nos ignorantes, texto citado comeca por uma série de periodes. A primeira série deles, a mais curta, s6 tem dois mem- bros. De fato, um periodo nao pode ter menos do que duas oragées, mas poderé ter mais. O primeira periodo 6 pois: “Repito! / que ninguém me eonsidere insensato!” O segundo possui trés membros: “Ou entao/ suportai-me como insensato /a fim de que também eu me possa glo- riar um pouco”, O terceiro possui quatro: “O que vou dizer / no 0 direi conforme o Senhor / mas como insen- sato / certo que estou de ter motivo de me gloriar’, O quarto possui dois: “Visto que muitos se gloriam de seus titulos humans / também eu me glorinrei”. O quinto também possui dois: “De boa vontade suportais os in- sensatos / vos que sois to sensatos!” O sexto também possui dois: “Suportais / que vos escravizem», Em oragiea eortadas: “Que vos devorem /que ‘vos despojem / que vos tratem com soberba”. Depois, trés membros: “Que vos esbofeteiem, / Digo-o para vergonha nossa. / Fomos bem fracos”. Aqui se acrescenta um pe- riodo de trés membros: “Contudo aquilo que os outros ousam apresentar / falo como insensato / ouso-o tam- bém eu”. E, imediatamente, segucm-se trés frases cor- tadas, cada uma com uma questao, as quais trés or goes entrecortadas dao, a cada uma, a resposta: ‘Sio hebreus? /'Também eu. Sao descendentes de Abrazo? / Também eu, Sao israelitas? /‘Também eu”. A quartafra- se cortada, de forma igualmente interrogativa, a re posta é dada, no por outra frase entrecortada, mas por um membro: “Sao ministros de Cristo? / Como insens: to digo: / muito mais eu”. As quatro frases cortadas se- guintes replicam de modo muito acertado & interroga guida vem tei 221 BSTUDO DA ARTE ORATORIA BM TEXTOS CRITURISTICOS 80: “Muito mais, pelas fadigas / muito mais pelas pri- sées / infinitamente mais pelos agoites. { Muitas vex: vieme em perigo de morte”. A seguir, o Apdstolo interca- la um periodo curto que deve ser distinguido pela sus- pensao de voz: “Cinco vezes recebi dos judeus” ¢ um membro a0 qual se liga @ seguinte: “quarenta golpes menos um”, Volta em seguida as frases eortadas. Ha tr delas: vezes fui flagelado, / Uma vez apedrejado. / 'Trés vezes naufraguei”, Segue um membro: “Passei um dia e una noite em alto mar”. Depois do que sucedem-se quatorze frases cortadas: “Fiz, numerosas viagens. / So- fri perigos nos rios / perigos por parte dos ladroes / peri- 0 por parte dos meus irmfos de raca / perigo por parte dos gentios / perigos na cidade / perigos no deserto / p rigos no mar / perigos por parte dos falsos irmdos. { Fa- digas ¢ duros trabalhos / mumerosas vigilias / fome & sede / multiplos jejuns / frio e desnudamento”. Apés es- sas frases, 0 Apéstolo insere um periodo de t bros: “Acrescentai a essas provacoes vindas de fora / a minha prooeupagio cotidiana / a colicitud igrejas”. Depois, a esse periodo ele anexa dois membros interrogativos: “Quem fraqueja, sem eu me sentir fra co? / Quem cai sem eu me abrasar?” Enfim, toda ess passagem, por assim dizer, ofegante, termina por um periodo de dois membros: “Se é preciso gloriar-se /é de minha fraqueza que me gloriarei”. Realmente, como ¢ apaziguante, de certo modo, essa curta afirmagdo inserida depois daquela torrente impe- tnosa. Como repousa 0 ouvinte, que beleza, que encanto possuit Nao se poderia dizer bastante a esse respeito. Bo Apéstolo prosseque com estas palavras: “O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é bendito pelos séeulos, sabe que néo minto”. Em seguida, conta brevemente como passou por graves perigos e eomo escapou deles todos. or todas MANERA DE: ‘SINAR A DOUTIINA, Apreciagito da elogiiéneia deste texto de sao Paulo 14, Seria muito longo continuar a andlise do resto do texto supra, ou ainda demonstrar tal género de be ezas ‘em outros textos das santas Escrituras, O que nao seria se eu tiveste desejado relevar as figuras de estilo da reto- rica encontradas nesta tinica passagem do Apéstole? Os homens sérios julgar-me-iam exagerado, ¢ os entendidos no assunto, que fui insoficiente. Pois é bem sabide que toda retdriea, ao ser professada por mestres, ¢ tida em, alta estima, paga-se bom preco por cla, & costuma ser vendida com muita ostentaydo. Dessa mesma jactaacia, cu proprio receio espathar o mau odor, se tratasse a qucs- tao como professor da matéria, Mas sinto que devie res- ponder As pe mal informadas que tom em eon: de despreziveis os nossos autores sacros, nao por nao serem elogtientes, mas porque niio fazem ostentagn da elociién- cia tio exaltada nas escolas. Justificativa da escolha de sao Paulo como modelo de elogiténcia 15. Acaso alguém poderia pensar que cu escolhi o apés- tolo Paulo por ser ele 0 tinico clogitente entre os nossos eseritores. Que considerem o que ele proprio escrevea aos corintios (2Cor 11,6): “Ainda que seja imperito no falar nao o sou no saber”. Parece cle fazer ai uma concessdo 2 seus detratores, mas na verdade nao reconhece esse jul- samento como verdadeiro, Se ele tivesse dito, a0 contrac: ‘Sim, sou certamente imperito no falar, mas nao 0 sou no saber”, no se poderia de modo algum entender outra coisa, Ora, ele nao hesitou em proclamar clarament> seu saber, sem 0 qual nao poderia ser o doutor das nagies Certamente, se nés propomes alguns de seus textos como uy ESTUDO DA ARTE ORATORIA EM TEXTOS ESCRITURISTICOS modelo de clogteneia, nés o tiramos de suas eartas, julgadas cheias de seriedade e forea, até pelos detratores que queriam fazer passar sua palavra como desprezivel 20 ouvi-lo de viva voz (2Cor 10,10) Avclogiiéncia dos profetas Parece-me conveniente anexar alguma coisa sabre a clogiiéneia dos profetas. Seus escritos esta cheios de numerosas figuras. Quanto mais parecem velados por expressoes metaforieas, mais o véu, a0 ser retirado, mos- tra-os luminosos, Devo, porém, apresentar aqui um texto que néo me obrigue a explicar 0 contedido, mas no qual possa par em valor a maneira com que as idéias estéio expostas. Bsco- Iherei, entre todas, wma passagem do liveo daquele profe do qual é dito que foi pastor ou guarda de rezes. Retivado dessa fungao, foi enviado por Deus a profetizar junto a0 povo de Deus (Am 7,14.15). Nao o tomarei entretanto da vorsao dos Sotenta, os quiais eertamente traduziram sob a inspiragio do Espirito divino, mas que parecem ter-se expresso, em diversos lugares, de modo diverso do texto original. Isso para tornar o ouvinte mais atento em esera- tar o sentido espiritual. Dai, encontrarem-se numeros passagens cuja obscuridade 6 devida a expressées muito metaforicas. Tomarei esse texto na versio do pr Joronimo que traduziu a Bseritura do hebraico para 0 latim, perito que era numa lingua € noutra. Estudo do texto de Amés 6,1-6 16. Esse profeta, eamponés ou filho de camponés, denun- ciando os impios, orgulhosos, luxuriosos e assim negligen- tissimos na pratica da caridade fraterna, exclamou: MANEIRA DE ENSINARA DOUTRINA 24 “Ai de vos 08 que viveis em Sido na abundancia de todas as coisas, ¢ os que viveis sem nenhum receis no monte de Samaria; de vés, 6 grandes, chefes do povo, que entrais com fausto na casa de Israel! Passai a Calane ¢ contemplai; ide de la A grande Emat; deseei a Gat dos filisteus e aos mais formosos reinos que dependem des- tas cidades; vede se o seu territério é mais extenso que ¢ vosso. Vés, todavia, estais reservados para o dia méu, ¢ estais-vos a aproximar do reino da iniquidade. Vés que dormis em leitos de marfim e vos entregais a moleza nos ‘vossos leitos; que comeis os melhores cordeiros do reba- nnho eos mais escolhidos novithos da manada; que cantais, ao som do saltério e julgais imitar Davi, usando instra- mentos musicais; que bebeis vinho por grandes copos, que -vos perfumais com éleos preciosos, sem vos compadecerdes da alligsio de José” (Am 6,1-6). Pois bem, os que — em nome de sua eiéneia e de sou calto — consideram despreziveis nossos profetas, tonan, do-o8 como homens grosseiros @ ignorantes na arte de bem falar, teriam eles desejado falar de outro modo, 50 tivessem de dizer coisas semethantes, fazendo-se passar por pessoas insensatas? 17. Com efeito, o que podem desejar de melhor do que estas paginas os ouvidos refinados? No inicio, a invectiva, com que tremor surge, como para despertar a sensibitida- de adormecida: “Ai de vés os que viveis em diincia de todas as coisas, ¢ os que viveis sem nenium receio no monte de Samaria; de vos, 6 grandes, chetes do povo, que entrais com fauste na casa de Israel!” Depois, para por sob seus olhos a ingratidao para com os beneficios de Deus que Ihes dera tao vastos rei nos, pois estavam seguros no monte de Samaria, espe- cialmente consagrado ao enlto dos fdolos, o profeta diz: 225 ESTUDO DA ARTE ORATORIA EM TEXTOS ESCRITURISTICOS “Passai a Calane e contemplai; ide de li a grande Emat; 1 Gat dos filisteus e aos mais formosos reinos que depender de se o seu territério é mais cextenso que 0 vosso" No correr mesmo desses termos, 0 diseurso se orna de nomes que sao como tantas estrelas: Calane, Sio, Sa- maria, Emat, a grande, Gat dos palestinenses; ¢ de ver- bos que se sucedem com a mais feliz variedade: opulenti estis, confidisti, transite, ite, descendite. 18, Depois, ¢ anunciado, como conseqtiéncia, o futuro cativeiro sob um rei iniquo: “Vés, todavia, estais reserva- dos para o dia mau, e estais-vos a aproximar do reino da inigiiidade” Em seguida, vém 05 maleficios da luxtiria: “Vés que dormis em leitas de marfim e vos entregais & moleza nos vyossos leitos; que comeis os melhores cordeiros do reb: ho e os mais escothidos novilhos da manada”. Essas seis frases constituem trés periodos de doi membros. Com efeito, o profeta nao diz: Vos, todavia, que estais reservados para o dia mau; v6s que vos aproximais do reino da inigiiidade; vés que dormis em leitos de mar- fim; vs que vos entregais & moleza nos vossos leitos; vés que comeis os melhores cordeiros do rebanho; vés que comeis os mais eseolhidos novilhos da manada, Por certo, se cle tivesse se exprimido desse modo, se- ria belo ver essas scis frases advirem uma por uma, com 0 mesmo pronome repetido, ¢ relevar-se ne mesmo tom na vor do orador. Mas é ainda mais belo ver essas frases uni- das duas a duas, ao mesmo pronome, desenvolvendo trés frases. A primeira anuncia, com antecedéncia, o eativeio: “Vos estais reservados para o dia mau, ¢ estais-vos a apro- ximar do reino da iniqiiidade”. A segunda frase relaciona-se com a luxtiria: “Vos que dormis em leitos de marfim e vos entregais & moleza nos vossos leitos”. A tereeira é relativa MANEIRA DR ENSINAR A DOUTRINA, & intemperanga: “Comeis os melhores cordeiros do reba- ho € os mais escolhidos novilhos da manada Cada um € livre, ap pronuneiar essas frases, ds as relevar uma a uma, formando assim seis membros, ou, yender st voz depois dat primeira, ck tereeira e da quinta; ligando a segunda a primeira; a quarta a ter ceira; ¢ a sexta A quinta, formando clegantemente tres periodos de dois membros eada, 0 primeiro mostra « tiveiro iminente; 0 segundo, 0 leite impure; e o tereeiro, da mesa, 5 oxcessos 19. 0 profeta ataea em seguida, a valer, a voluptuosidade excessiva da audigao, Depois de ter dito: “Vés que cant a0 som do saltério”, ji que miisica pode ser praticada com sabedoria pelos sébios, ole relaxa, por um maravilho- so artificio, 0 impulso impetuoso de sua inve sim, falando ainda desses homens, ele nao se d a eles, Para nos advertir a nao confundir a misiex do sabio com a dos voluptuosos, ele nao diz: Vos que eartais ao som do saltério ¢ a exemple de Davi vos imaginais ter instrumentos pura vos acompanhar. Mas apos ter dito a esses judeus a fraso que — luxuriosos — oles de- viam escutar: “Vos que cantais ao som do saltério", ele Ihes indicou também a impericia acrescentando: “e julgais imitar Davi, usando instrumentos musiccis ¢ bebeis vinho por grandes copos e vos perfumais com ‘leos preciosos”. ‘A melhor maneira de pronunciar essas tr@s frases 6 de suspender a vor no curso dos dois primeiros membros do periodo, ¢ de deixar cair a voz no terceiro, 20. Quanto ao fim de toda esta passage: "sem vos com- padecerdes da afligiio de José”, pode-se pronunciar, seja em um jato continuo, como um s6 membro, seja mais elegantemente, suspendendo a voz depois de “sem vos ESTUDO DA ARTE ORATORIA EM TEXT SCRIPURISEICOS compadecerdes’ c acrescentanda apés a cesura: “da afli- ao de José”, de modo aformar um periodo de dois mem- bros. A maravilhosa beleza 6, porém, que o profe disse: Bles nao sofriam em nada por ter arruinado irmao. im lugar de “irmao”, usa o nome proprio daqucte que deveu a seus irmaos umta preclara fama, seja pelo mal recebido, se) pelo bem que Ihes prestou em troca Na vordade, nao sci se essa figura onde 0 nome “Jose" desiyna todos os irmaos, foi jamais descoberta pela arte da eloquencia ensinada nas escolas. Quanto é bela, en trotanto, c como impressiona os leitores que a compreen- dem! Parece-me inttil explieé-lo a quem nao tenha essa sensibilidade 21. Por certo, pode-se ainda encontrar nessa mesma pas- sagem que propasemos como exemplo, maior numero de belezas que pertencem aos preccitos da elogincia. Mas uma anaiise, por mais aprofundada que seja, nao instrui um bom ouvinte tanto quanto inflama uma Teitura con: vineente, em voz alta, E que essas frases no foram com- postas pela arte humana, mas so oriundas do Espirito divino, com tanta sabedoria quanta eloquéncia, Ademais, como puderam constatar e dizer certos homens, muito elogiientes ¢ bastante perspicazes, essas regras que se aprendem como parte da arte oratéria, niio seriam observadas, notadas ¢ redigidas em doutrina, se nao tivessem sido primeiramente descobertas pelo genio natural dos oradores, O que pois de admirar, se as en- contramos nos escritores enviados pelo Criador dos gé- nios? Reeonhegamos, pois, que nossos autores candnicos sao, na verdade, nao somente sabios, mas elogiientes, ¢ de elogiiéncia bem apropriada & sua personalidade. -MANBIRA DE ENSINAR A DOUTIINA cavirun Primeira conclusdo: néo imitar a obscuridade dos autores sacros 22, Acabamos de tomar como modelo de elocugdo alguns textos dentre os nossos autores sacros, todos entendidos sem difieuldade. Nao devemos, contudo, crer que é preci so imitar esses escritores nas passagens onde se expri- miram com obscuridade, Ainda que essa obscuridade te nha sido itil e salutar em vista de exercitar e, de certo ‘modo, polir o espirito dos leitores. Bles usaram desse re curso também em vista de eliminar 0 tédio ¢ agurar 0 zelo dos que desejam estudar as Escrituras. Ow ainda, para csconder essas passagens ao espirito dos impios, seja para os fazer voltar a piedade, seja para os levar a afas- tar-se dos santos mist Na verdade, os escritores sacros assim se exprimi- ram para permitir aos futures leitores que haverian de os compreender e os comentar com exatidao, de encon- trarem na Igreja de Deus uma nova graga, graca diferen- te, eortamente, da que os hagiografos reccheram, mas da qual é conseqiiéncia. Seus eomentadores, portanto, néo se exprimem com autoridade igual a sua, ao se apresen- tarem como encarregados de os explicar. Devem, ao con- trério, em todos os scus diseursos, trabalhar primeira- mente, e, sobretudo, para se tornarem compreensiveis, pelo modo de falar mais claro possivel. De maneira que somente um espirito muito lento nao os compreends, ou, entao, porque as questies que desejam esclarecer so muito dificeis ¢ sutis. Mas que nao seja por eulpa de seu modo de comentar. 229 ESTUDO DA ARTE ORATORIA EM TEXTOS ESCRITURESTICOS caPTULD 9 Segunda conelusdo: reservar as difieuldades a auditorio escothide 23. Do fato, ha questdes que ou nao sfo entendidas ou a0 muito pouco, por mais que se repitam os esforgos, © por mais que seja o talento da palavea do intérprete. As- sim, nao se deve tratar dessas questies diante do povo, a ndio ser raramente, em casos urgentes ou, inclusive, nun- ca serem abordadas. F bem diferente 0 que acontece em relagdo aos livros. Os eseritores que possuem talento bas- tante para reter a atengio do leitor capaz de os preender —e para nao melindrar os que se recusam a os ler por nao os compreender — nao devem renunciar a prestar esse servigo. Deve mesmo complementar a obra pacitadas, Por mais dificeis sejam as verdades sobre as quais ji temas certo conhecimento, nao devemos poupar esforco algum, em nossos didlogos, para dar a conhecé-las aos outros. Se tivermos auditério ou interlocutor, desejoso de aprender dotado de aptidio intelectual que o permita perceber as verdades expostas, de qualquer modo seja, do nos preoeupemos no ensino com o grau de eloqtién- cia, mas sim com a clareza na exposigio. em eonversas com pes caPtrovo 10 Terceira conclusdo: falar com elareza 24, O desejo diligente de ser claro leva, as vezes, a negli genciar palavras eruditas para nao ter de se preocupar com frases bem soantes. Procurar sobretudo ser claro e dar a conhecer a verdade a que se visa apresentar. Foi o que levoua dizer um critico, falando a respeitn desse modo RADE ENSINAR A DOUTIINA 200 de se exprimir: “ corta nepligéncia cuidada” (Cicero, De oratore). Dévse renncia a elegincia, af0, porétn, para cair na trivialidade. Tal &e deve ser a aplicagio do dau tor sabio om instruir; que ele prefira a uma cxpressao obscura e ambiges, pelo proprio fata de ser Istina, uma expresso mais familiar aos ignorantos do que eos eul- tos. Isso quando esta aprosenta, na linguagem vulgar, sentido caro o determinade, E assim que nossos tradutores nao desdenharama (“Nao congregarei os scus conventiculos sanguinarios”, ¢ SI 15,4). Julgarem ser mais expressivo usar aio termo sanguis, no plural, se bem que no latim classico seje usa- do somente no singular. E por qual raza repugnaria a um mostre de piedade, falando a ignorantes, dizer: ossum e-nao os, para evitar que tomem essa silaba, cujo plural é ora (as bocas), por os, cujo plural é osse (0s 05503)? Acon- tece que os ouvidos africanos nao distinguem uma silaba breve de uma Yonga. Com efito, do quo serve a puroza da linguage:n, $8 a inteligéncia do anditsrin no acompanha? Nao temos absolutamente nenhuma razao de falar, se aqueles @ quem nos dirigimos para nos fazer compreender naocom- preendem o que dizemos. Portanto, o mestre evitard toda, a palavra que nao ensine, Se ele puder, todavia, substi- tui-las por outras, corretas ¢ inteligiveis, ele as escolhe- ri de preferéncia. Se nao o conseguir, seja porque elas faltem, seja porque néo Ihe vém ao espirito, servirse- de expresses menos corretas. Sob a eondigio, contudo, de que a idéia venha a ser ensinada e aprendida de modo eorreto. io 6 somente nas conversas com um ins que sejam, mas é também fio — nas pregagdes, que ¢ pre- 25. Na verdade, nies pessoa ou com vs —ecom muito maior ESHUDO DA AIECE ORATORIA EOL oRITURISTICOS ciso euidar sem interrupeao de se fazer compreender Isso porque nas conversas cada um pode propor pergun- tas. Ao contrario, onde todos se calam para eseutar a um $6, ¢ vollam para ele 0 olhar atento, nem 0 uso nem a conveniéncia permitem a alguém pedir explicagses sobre o que nao compreendeu. Assim, quem fala deve tomar 0 maior cuidado de vir em ajuda de quem se cala. Ordinariamente, 0 povo na sua avidez de entender cos: tuma dar demonstragao, por seus movimentos, de que compreendeu, Até que assim manifestem, 6 preciso vol: tar ao assunto, variando as expressdes de multiplas maneiras, Isso, contudo, nao ¢ possivel para os que ponunciam um discurso preparado de antemao e apren- ido de cor. Thdavia, logo que o orador tenha eerteza de haver sido compreendido, 6 preciso terminar ou pas a outra questao Pois, assim como se agrada ao esclarecer as ques 1008 a serem conhecidas, assim também se é cansativo ao insistir em questdes muito conhecidas. Ao menos para os ouvintes maja atengia esta diante da dificuldade a ser resolvida Podem-se expor também idéias conhecidas em vista de delcitar. Nesse caso, nfo é a idéia mesma que intere 8a, mas 0 modo como é expressa. Mesmo que essa moda- lidade ja seja conhecida, ainda assim agrada aos ouvin- tes. Dai o fato de Ihes ser indiferente quem Ihes fala, seja © proprio orador, seja um leitor. Porque, geralmente, um discurso escrito com elegincia ¢ lide com pr mente pelos que tomam dele conhecimento pela primeira vez, mas ainda pelos que ja 0 conheciam e ainda nao 0 esquecerams, Esses reléem com gosto, ¢ uns como outros 0 eseutam de boa vontade. Se alguém, por outro lado, 0 tiver esquecido, sera instruido ao se recordar dele. Mas, neste momento, no trato a respeito do modo de ageadar. Falo do modo de ensinar aos que querem inteivamente suspensa MANEIRA DE ENSINAK A DOUTRINA, one aprender. Ora, a melhor forma de ensinar ¢ aquela pola qual quem escuta nao sé onve a verdade, mas a entende, E quando se tiver conseguido isso, ¢ preciso nfiomais, se ocupar da questo tratrada, sob pretexto de ensinar mais tempo. Contentar-se, quando for 0 caso, de lem bré-lo para gravar no coracdo. E nessa o¢asido, empregar a medida erta para nao acontecer de levar ao abor- recimento. captryto 1 Quarta conclusdo: falar com clareza e elegancia 26, Em suma, na sua funeao de instruir, a elogiiéncia consiste em falar ndo para tornar agradvel o que desa- gradava, nem para fazer ser cumprido o que repugnava, mas para tornar esclarecido 0 que estava obseuro, Toda- via, se se fala de maneira ponco agradavel, o frato nao é aleangado a nao ser para uns poucos esforeadissimos, desejosos de conhecer as idéias esplanadas, fossem clas ‘as em estilo inculto e trivial. Uma vez perecbidas jimentam-se com prazer da propria verdade ‘Af esté um trago mareante dos bons espiritos: amar nas palavras a verdade e nao as proprias palavras. Para que serve uma chave de ouro, se ela nao pode abrir o que de- sejamos? No que é prejudicial uma chave de madeira, se ela pode abrir? Para nds, s6 importa abrir o que esta fe- chado, Contudlo, como hé certa semelhanca entre os que se alimentam e 0s que aprendem, para evitar 0 fastio de € preciso temperar os alimentos, sem os quais, nao se pode viver. C. ANALISE DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA eapiTULo 12 Os trés objetivos da orador 27. Disse corto orador —e disse a verdade — que é pre ciso falar “de maneira a insteuir, a agradar ¢ a conven- cer”. Depois, acresecntou: Instruir € uma necessidade; agradar, umn prazer; convencer, uma vitéria” ? 0 primeiro objetivo, isto 6, a necessidade de instruir relaciona-se com as idéias a serem expostas; os dois ou tros, deleitar e convencer, com a maneira como ss expor mos. Em conseqiténcia, ao visar & instrugao, 0 orador, enquanto nao for compreendido, deve julgar que ainda nao disse o que pretendia dizer ao auditorio que dese- ja ver instruido. Porque, ainda que ele diga 0 que com preendcu, nfo deve imaginar té-lo dito a quem ainda nao entendeu. Ao contrério, se esse alguém compreendeu, qualquer seja a mancira como foi dito, ele o disse de fato. Por outro lado, se ele protende agradar ou convencer audit6rio, ndo o conseguirs falando de qualquer modo. Inspicado ainda ons Ciccro (certo orador), Agostino distingue tes g& ‘ros de pregerdoro-tmples, o Donde eo pale, conforme 4 intangso de Somonstean eaeantar ou perseadir os, em ferme cristo. expen, ei iveres.Aos tees generos de elogucia correspondeth (ea ‘le 9 simples, Lempornd melas poestvcis de preyagio: dae a conheces,agradar ou comovr. Cf Meer npeit. p20, MANEIRA DE: :NSINATeA DOUTRINA 24 Isso porque para suceder bem, o que importa é a mancira de dizer. Ora, assim como 6 preciso agradar ao auditério para o manter na escuta, também & preciso conveneé-lo para 0 levar A agdo. B assim como o auditério sente prazer se tu falas de modo agradvel, também ele se convenee, se gostar do que Ihe prope, se temer ayuilo de que 6 ameagas; se odiar 0 que reprovas; se abragar 0 que recomendas; se deplorar o que excitas a ser deplora- do; se sentir alegria com 0 que anuncias ser motivo de regoaijo; se tiver piedade dos que apresentas come dig- nos de picdade; se fgir dos que incitas a evitar. Ora, es: ses efeitos ¢ todos os outros que exigem grande elogitén. cia nfo tém a nfo ser tinica finalidade: tocar o espirito dos ouvintes nao para saberem o que tém de fazer, mas para que se determinem a cumprir o que jé sabem ser de seu dover. lnstruir é 0 principal objetivo 28, Contudo, se 08 ouvintes ainda néo sabem © que tm que fazer, é preciso antes de tudo instru(-los antes de convencé-los. Talver, quando conhecerem esses deveres, estardo de tal modo convencidos que nao sera necessiria conveneé-los pelos recursos maiores da elogiiéncia. Mas se isso for nece rosolver-s0 a faz-10; isto 6, essa nccessidade apresenta-se quando eles sabem o que tém que fazer ¢ no 0 favem. Ve-se, por ai, que instruir ¢ uma necessidade. Por- que os homens stio téo capazes de fazer como nao fazer 0 que eles sabem, Mas quem poder afirmar que eles de- vem fazer 0 que ignoram? Assim, convencer nao é uma necessidade, pois nao é sempre necesssiria, sob a endi- a0 de que os ouvintes déem seu consentimento ao ora- dor que se limita a instruir ou a agradar. Mas eonvencer na ANALISE DOS PSTILOS NA ARTE ORATORIA leva a vitoria, pois pode acontecer que 0 auditérin, embo- raestando instruido ¢ deleitado, nao dé seu consentimen- to. Ora, para que servem esses dois resultados se falta 0 tercoiro? Aliis, agradar nem sempre é tambern de neces sidade. Porque quando se fala é para dar a conhecer a verdade, ¢ essa tarefa é propria da instrucao, Nao se tra. balha nem se visa a trazer prazer, seja A verdade, seja a sua expresso, FE por elas proprias, e por serem verda- deiras, que as idéias postas ao claro agradam. Bis por que até as idgias falsas encantam, quando sao claras ¢ bem demonstradas. Por certo, elas nao agradam por se rem falsas. Blas agradam, se bem que sejam falsas, pelo modo de expresso que as apresenta como verdadeiras. eAPETULO 18 Convencer, por vezes, é indispensdvel 29. Ora, devido aqueles a quem a verdade causa desgos: to, se nfio vier exposta de maneira agradavel, for dada & arte de agradar lugar muito importante na elogiiéncia. Esse prazer complementar, contud, nd € suficiente para 0s espiritos endurceidos, x quem de nada serve terem compreendido, nem se terem deleitado com a palavra do orador. De fata, que vantagem existe para um homem om reconhecer a verdade ¢ cobrir de louvores a sua ex: pressio, se ele nao der scu consentimento — iiniea meta do orador? Esse, ao persuadir, cuida atentamente das idéias que expoe. Por certo, se essas idéias stio aquelas que basta crer, nao sera o fato de Ihes ter sido dado logo consentimento, proclamar a stia verdade? ‘Ao contrério, se 6 ensinado um dever a cumprir € justamente 6 ensinado para ser eumprido, em vao 0 ou- vinte 6 persuadido da verdade da idéia apresentada, em MANEIRA DE RNSINAR A DOUTRINA, vao ele encontra prazer na maneira de expressdo, se ndo se determinar a acao. E portanto necessario que o orador celesidstico, a0 perstiadir a respeito de dever a ser cumpri- do, nao somente ensine para instruir e agrade para cati- var, mas, ainda, convenga para vencer. Nao the resta, com, efeito, sendio um meio para levar 0 ouvinte a dar sea eon- sentimento: 0 de convencer pelo poder da elogiiéneia, no emonstragdo da verdade unida ao enean- .40 nao conseguiu fazé-Lo, carina is Agradar é sempre itil quando nao oposto a verdade e seriedade |. Os homens tém consageado esforgos ingentes para chegar a finalidade de agradar. Assim, conseguiran per- suadir vivamente maus ¢ desonestos, de tantas vilanias ¢ indeeéncias, as quais nao 6 deveriam ser execradas, mas ainda detestadas. K as pessoas iludidas véem essas coisas ‘nao com o fim de aprovit-las, mas para o proprio dekeite, Ora, que Deus afaste de sua Igreja estas censuras que o profeta Jeremias dirigia A sinagoga dos jrdeus: “Uma coisa horrivel e abomindvel aconteceu na terra: 08 profetas profetizam mentiras, os sacerdotes procuram proveitos. E meu povo gosta disto! Mas que fareis quan- do chegar o fim?” (Jr 5,30.30). clogaéncia, tanto mais terrivel quanto mais pura! ‘Tanto mais veemente quanto mais sdlida! F como um mar- telo que arrebenta as rochas! (Ir 28,29). Ora, semelhante essa arma ¢ a palavra de Deus a nds dirigida pelos san- tos profetas e pronunciada pelo proprio Deus (Jr 46,22). Portanto, esteja bem longe de nds, sim, bem longe de nds, 0 fato de sacerdotes aplaudirem discursos iniquos € on ANALISE DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA, que 0 povo de Deus ame que isso acontega, Sim, longe de nos tal deméncia; caso contraria, que faremos quando che: gar o fim? Por certo, ainda que as verdades ditas pelos sacer- dotes sejam menos compreendidas, menos agradaveis, menos convincentes, contudo, que sejam ditast Que se escutem com agrado as idéias justas, nao as iniquas. Ora, essas nao serio escutadas se nao forem expressas com acerto. cariruLo 1s Exemplo de estilo pomposo e vazio BI, Numa assembléia séria, como aquela em que o salmista disse a Deus: “Bu te louvarei na grande assem: bléia’ ($135,18), nao se considera agradiivel esse amanei- ramento de estilo que para expor — nito digo coisas ini- quas, mas para fazer valer bens minimos e frageis — emprega pomposa énfase, a qual néio conviria sequer a0 se tratar de bons sélidos e duraveis. Encontra-se um poueo desse defeito numa carta do bem-aventurado Cipriano, Penso que cle a es circunstancia acidental, ou bem no desejo de ensinar & posteridade de que tipo de linguagem o bom gosto da si doutrina crista pode se depurar ao se despojar da redun- dancia da retérica de outrora, para se submeter a disci- plina de uma elogiiéneia mais séria e sobria. Pois 6 justa- mente essa elogiiéncia que se ama com serenidade em seus eseritas posteriores. B ela que procuramos com pi dade e que conseguimos reproduzir com grande dificul- dade. Com efeito Cipriano diz. em certo lugar “Ai, galhos vagabundos eaem enlagados, suspensos © a deslizar através de arcos engalanados, revestindo tal MANBIRA DE ENSINAR A DOUTRINA 23 areada de folhagens, um portico do parreiral” (Bpist. 7 ad Donatun Essas palavras supdem ne za verbal de espléndida superabundancia, Desagradam, porém, pela excessiva sobrecarga. Nilo conviriam a um assunto sério. As pessoas admiradoras de tal estilo pensam que se alguém deixar de se exprimir dessa maneira, por pessuir uma Tinguagem mais sobria, seria incapaz de emprogar outra, e portanto a evitariam, Talvez seja por issn que Cipriano, esse santo homem, quis mostrar que ere capaz de empregar o estilo pomposo, j que o fez algumas ve- 7es, Renunciou a ele, contudo, visto que, em seguida, nao mais o empregou. essariamente uma rique: caviruro 6 Rezar é a primeira condigato para 0 orador 82. Assim, 0 nosso orador age effcazmente quande fala da justiga, da santidade ¢ da virtude, aliis ele ndo deve falar sobre outra coisa, Faz tudo o que Ihe € possivel 20 tratar desses assuntos, de maneira a ser entendido,apre ciado e obedecido. E nao duvide que se pode fazé-0 ¢ o quanto pode, consegui-lo-d, mais pela piedade de suas ‘oragées do que por seus talentos de orador. Assim, oran- do por sie por aqueles a quem falard, deve ser orante antes de ser orador. A medida que se aproxima a hora em que usaré da palavra e antes de tomé-la, que elev sua alma sedenta a Dous, para saber derramar para fora 0 ‘que hauriu, e comunicar o de que se impregnou Por certo, sobre cada questao relativa a fc A carida- de, imimeras 40 as idéias a serem expostas e numerosos 0s modos de exprimi-las pelos que silo instruidos. Mas 239 ANALISE DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA quem se dara perfeita eonta do que nas presentes eireuns- tancias convém ser dito por nds para que nossos ouvintes escutem — sendio aquele “que vé o coragao de todos”? (At 1,24). E quem faz que digamos o que convém e da manei- ra como convém ser dito, sendo aquele “em cujas maos estamos nds @ nossas palavras”? (Sb 7,16). Logo, quem quiser conhecer e ensinar deve, na ver- dade, primeiramente aprender tudo 0 que é preciso ensi nar, ¢ adquirir o talento da palavra como convém a ho- mem da Igreja. Mas no momento mesmo de falar, que pense nestas palavras do Senhor, que se aplicam parti- cularmente a coragio bem disposto: “Quando vos entre- garem nao fiqueis preocupados em saber como ou o que haveis de falar. Naquete momento vos sera indicado 0 que deveis falar, porque nao screis vis que falareis quela hora, mas o Espirito de vasso Pai é que falar em vos” (Mt 10,19.20) Progar é missao confiada por Deus 83. De fato, quem quer que diga: “Nao sao homens que devem dar preceitos sobre o que é preciso ensinar e sobre fa maneira de o fazer, visto que o Espirito Sante 6 quem forma os doutores”, pode também dizer: “Nao temos de rozar porque 6 vasso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lhe pedirdes” (Mt 6,8) ou entao, que o Apéstolo niio deveria ter dado a ‘Timéteo c a Tito preceitos sobre o que tinham de ensinar ¢ a maneira de o fazer. Portanto, quem na Igreja tem o encargo de ensinar deve ter sob os olhos essas trés cartas do Apéstolo. Nao lemos na primei- raa Timéteo: “Eis o que deves prescrever e ensinar” (1m 4,11)? Ora, quais sao esses preceitos, eu o disse ae MANEIRA DS ENSINARA DOU Nao est na mestna carta: “Nao repreendas duramente tum aneio, mas admoesta-o como a um pai” (Tm 5,1)? Nao esta dito na segunda a Timoteo; “Toma por modelo as sf palavras que de mim ouviste” (2m 1,18)? Nao est também: “Procura apresentar-te a Deus come ho- mem provado, trabalhador que nao tem de que se erver- gonhar, que dispensa com retidao a palavra da verdade” (2Tm 2,15)? E ainda: “Proclama a palavra, insiste no vem- po oportuno e no inoportuno, refuta, ameaga, exorta com toda paciéneia e doutrina” (27m 4,2)? Nao diz, Paulo do mesmo modo a Tito, que o bispo deve se apegar com p doutrina da fé: “para que scia capaz de ensi- nar a sa dontrina como também de refuatar os que a con- tradizem’ (Tt 1,9)? Nao lhe diz ainda: “Quanto a ti, fala do que pertence & s& doutrina, Que os velhos sejam s- bios” (Tt 2,1.2)? Nao Ihe diz enfim: “Dize-lhes todas estas coisas. Exorta-os e repreende-os com toda autoridade, Ninguém te despreze” (Tt 2,15)? E “lembra.Ihes que de- vem ser submissos aos magistrados as autoridades” erea.ay © que pensar pois? Nao se contradiz 0 Apéstolo di- zendo, de um lado, que os doutores assim 0 sao por obra do Espirito Santo, e dando-Ihes, de outro lado, preceitos sobre o que devem ensinar ¢ a maneira de o fazer? Nao seri preciso entender que a missao, embora sendo con- fiada aos homens pelo Espirito Santo, os proprios deuto- ros devem se consagrar sem cessar a instrugdo? Comesta reserva, todavia, nem o que planta nem o que rega nada , Mas somente Deus di o erescimento (1Cor 3,7). Bis por que ninguém aprende — nem pelo ministé- rio de homens santos, nem pela operacdo dos santos an- {jos — os principios cuja finalidade € nos fazer viver com Deus, a nao ser que se tenha tornado eapaz de aprendé-los de Dens. Acle é dito no salmo: “Bnsina-me a eumprir tua vontade, pois tu és 0 meu Deus” (SI 143,10), Por isso, 0 2 ANALISE1I0S ESTILOS NA ARTE ORATOREA mesmo Apéstolo falando a Timéteo, como mestre a seu. disefpulo, Ihe diz: “Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como certo; tu sabes de quem © aprendeste” (2Tm 3,14), Certamente, 08 remédios cor- porais, aplicados aos homens por homens, nao sio efiea- ze3 senao naqueles em quem Deus opera a cura, Pois ele pode curé-los sem os remédios, ao passo que estes nie podem curar sem a acd de Deus. Ainda assim sao utili zados, ¢ quando os aplicamos como bom servigo, isso seré contado entre os atos de miscricérdia e de beneficéneia Assim se dé com o ensino da doutrina. Administrada pe- I homem, ela nao é eficaz a ndo ser quando Deus € 0 agente dessa eficscia. Pois ele poderia ter dado o evange- tho ao homem sem solieitar 0 ministério de nenhum ho- mem (G1 1,1) capfrisio 18 Aos tres objetivos correspondem os trés generos de estilo 84, Quem em seu discurso esforca-se por persuadir para ‘© bem deve, sem excluir nenhum dos trés objetives (ins truir, agradar e converter), falar apés ter rezado, como dissemos, de modo a ser escutado com entendimento, pra- zer e docilidade. F caso ele o faca sob forma apropriada e harmoniosa, pod 1 considerd-lo elogiiente, ainda que nao se obtenha a conversao do audit6rio. Pois, a esses trés objetivos (insteuir, agradar e converter) cor- respondem trés tipos de estilo, como parece ter desejado demonstrar aquele mestre de elogiiéneia romana quan- «do disse de modo ancilogo: “Ser elogiiente 6 poder tratar assuntos menores em estilo simples; assuntos médios em estilo temperado e grandes assuntos em estilo sublime” (Cicero, De Oratore, 29,108). E como se ele anexasse os MANEIIRA DP RNSINAR A DOUTRINA, 2 trés objetivos aos trés estilos, desenvolvendo um s6.e tinieo pensamento na sua frase: “Ser elogiiente 6 ser capar de falar para ensinar em estilo simples as pequenas jes. tes; para agradar, tratando questoes medias, em estilo temperado; ¢ para eonverter, expondo grandes questies, em estilo sublime” carituio is O orador sacra sé trata de grandes assuntos 35, Cicero podia, certamente, mostrar esses trés est los, tais como definiu, nas eausas do foram. Mas nao poderia mostra-los aqui, isto 4, nas questoes di Igreja, sobn quais versa o diseurso do orador sacro a que visamos for- mar. Nas causas forenses, com efeito, chamam-se pe- ‘quenos assuntos aqueles em que se devem julgar ques toes de dinheiro, e grandes assuntos aqueles em queso julgadas a liberdade, a vida e a cabeca dos homens. B os assuntos em que nao sao julgados nada desses tomes, & em que nao se trata que o auditério aja ou tome uma decisdo, mas unicamente se deixe encantar, tais ass tos foram considerados médios, isto é, entre os peqquenos © os grandes, Sio denominados modica, medianos, por possuirem medida moderada. Pois de modus, medida, derivou o termo modica, median, Entao, por abuso de Jinguagem e nao em sentido proprio, dizemos modica como nim de parva, pequenos. Em nossas reumides, ao contrério, considerando que todos os assuntos se estendem — sobretudo quando f Jamos ao povo, mantendo-nos em lugar mais elevado —a respeito da salvagao eterna dos homens ¢ niio sobre a temporal; e sobretudo considerando que pomos os homens em guarda contra a morte eterna, nés ndo tratames a 21a ANALISE DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA niio ser de grandes assuntos. B isso, a ponto que nao de- vemos considerar como assuntos menores, se tratados por doutor eclesisstico, aqmeles relatives & aquisi¢ao ou per- dade uma soma de dinheiro, seja ela pequena, seja gran de, Pois nao é pequena a justica que certamente devemos observar inclusive em relacio a uma pequena quantia, conforme a palavra do Senhor: “Quem é fiel nas coisas minimas, ¢ fiel também no muito” (Le 16,10). O que é mi- nimo 6 certamente minimo, mas ser fiel nas co mas 60 maximo. A natureza do centro que exige a dade dos raio: contro até a circunferéncia externa, é a mesma, num cir- culo de grande diametro como num de menor extensio. Assim, a justiga, por avangar até seu limite, nas coisas pequenas, nao perde nada de sua grandeza, elo ao testemunho de Paulo sobre os tribunais pagéos 86. Afinal, quando Apéstolo, falando a respeito dos tri- judicidrios (nos quais, em geral ndo se trata se- niio de questies de dinheiro), diz: “Quando alguém de vés tem rixa com outro, como 10s injustos para ser julgada, e néo 20s san- tos? Entao nao sabeis que os santos julgarao 0 mundo? F, se é por vs que 0 mundo sera julgado, sereis indignos de preferir julgamentos de menor importdneia? Nao sabeis que julgaremos os anjos? Quanto mais, entao, as coisas Ga vida eotidiana, Quando, pois, tendes processos desta vida para ser julgados, constituis como juizes aqueles que a Igreja despreza! Digo isto para confuusio vossa. Nao se encontra entre vés alguém suficientemente sibio para poder julgar entre os seus irmaos? No entanto, acontece que um irmao entre em litigio contra seu irméo, ¢ isto [MANEIRA DF. ENSINAR A DOUTRINA au diante de infiéis! De todo modo, jé & para vos uma felta a existéncia de litigios entre vos. Por que nao preferis an- tes padecer uma injustica? Por que nao vos deixais de- fraudar? Entretanto, defraudais — e isto contra vossos irmaos! Entao nao sabeis que os injustos nao herdarao 0 Reino de Deus ?" (1Cor 6,1-9), Por que essa indignacdo do Apéstolo? Por que essas censuras, essas repreensies, essas reprimendas, essas ameacas? Por que exprime a emogao de sua alma nessa alteragiio tio precipitada e em tom tao sispero de sua voz? Por que, enfim, fala assim tao imponente, sobre coisas bem pouco importantes? Os negécios secularé ram atengao tao grande? Mas nio! Ble fala desse modo por causa da justiga, da caridade, da piedade, qu> ne- nhuma pessoa sdbria duvidara serem importantes, até nos menores negécios temporais. Cardter original da elogiténcia sacra 87. Por certo, se tivéssemos de ensinar aos homens de que maneira cles deveriam tratar dos negécios sccula- res, seja para si pr6prios, seja para seus clientes, diante de juizes eclesidsticos, nés os aconselhariamos, com ra- 280, falar em estilo simples, como o devido a assuntos ‘Mas como discorremos aqui a respeito da lingua- gem de homem capaz de ensinar as verdades que nos preservam dos males eternos c nos fazem chegar a felici- dade sem fim, recomendamos-Ihes que considerem como grandes assuntos as questoes que ele tiver de tratar em qualquer parte, seja diante do povo, seja diante de cir culo intimo, seja diante de uma tinica pessoa ou diante de muitas, seja diante de amigos ou inimigos, seja num 25, ANALISE DOS ESTH 15 NA ARTE ORATORIA discurso seguido ou. numa conversa, seja em optisculos ou em livros, seja em cartas longas ou brevissimas. Na verdade, um copo de agua pode ser estimado mui- to pouco. Talvez se considere de pequena importineia a palavra do Senhor: “Aquele que der um eopo de égua a um ‘meu discipulo nao perder sua recompensa” (Mt 10,42)? Ow bem, quando o orador fala na Igreja sobre esse assunto, serd preciso crer que ele nao trata nada de grande e que assim ele deve deixar de lado o estilo temperado eo subli- ‘me, para se contentar com o estilo simples? E se nds jé fala- mos em alguma circunsténcia ao povo sobre essa questo, © que a graca de Deus inspirou nossa lingua, nao aconte- cou, por vezes, que dessa agua fria surgi uma chama que abrasaria o coracao frio dos ouvintes e os levou as obras da miserie6rdia, na esperanga da celeste recompense? captrano 20 Necessidade de variar os estilos 88, Ainda que nosso orador capaci questies importantes a tratar, ele no deve fazé-lo con: tantemente em estilo sublime, mas em estilo simples, se estiver a ensinar; e em estilo temperado, se estiver a cen- surar ou louvar. Mas quando for preciso determinar & acho os ouvintes que deveriam agir, mas que resistem, cle empregard, entao, para expor as grandes verdades, 0 estilo sublime ¢ os acentos préprios a comover 08 cor: goes. Falgumas vezes, a respeito de uma mesma questao importante, empregaré 0 estilo simples para ensinar 0 estilo tomperado para enaltecer, e o sublime para fazer voltar & verdade um espirito desviado, Ora, o que ha de maior do que Deus? Sera esse motive para nfo instruir- mos sobre ele? Ou nfo sera dever, para quem ensina a MANEIRA DE ENSINARA DOUPRINA, ae unidade da Trindade, apresentar a exposiedo unicanen. te em estilo simples, a fim de que uma questio tao cifteil se torne compreensivel, a medida do possivel? E naosera preciso aqui procurar mais as provas do que os ornamnen: toa? Nao se trata menos de comover o ouvinte do que de instrui-lo ¢ esclarecé-lo? Ou para louvar Deus nele pro: priv ou em suas obras, que pinturas brilhantes, que quat ros magnificos se oferecem a elogiiéneia de quem pode tentar louvar aquele que ningwém consegue louvar dig namente sob qualquer forma que seja! Mas se Deus nao for honrado ou se com ele, ou em sew lugar, honram-se os ‘ote riatura, 0 ora dor, para mostrar quanto essa idolatria é grande mal ¢ afastar dela os homens, deve desenvolver toda a magnifi- ceneia do estilo sublime. os demnios ou nao importa qu ampios de estilo simples em so Paulo 39. Ha no apéstolo Paulo um exemplo de estilo simples (submissae dictionis) que cite aqui para precisar meu pensamento: “Dizei-me, vés que quereis estar debaiso da Lei, nao ouvis vas a Lei? Pois esta cserito que Abraac tev dois filhos, um da serva e outro da livre, em virtude da promessa. Isto dito em alegoria, Elas, com efeito, sio as duas aliangas, uma a do monte Sinai, gerando para a es cravidao: ¢ Agar (porque o Sinai esté na Ardbia), e ela corresponde & Jerusalém de agora, que de fato 6 eserava com seus filhos. Mas a Jerusalém do alto é livre, esta é a nossa mae” (Cl 4,21-26), ‘Temos 0 mesmo estilo quando o Apéstolo argumenta ¢ diz: “Irmaos, falo como homem: até um testaments hu- mano legitimamente feito, ninguém o pode invalidar nem ar ANALISE DOS ESTU,OS NA ARTE ORATORTA modificar. Ora, as promessas foram asseguradas a Abraio © sua descendéncia, Nao di ‘e aos descendentes’ como referindo-se a muitos, mas como a um 6: A tua descen- déncia, que é Cristo. Ora, eu digo: uma Lei vinda quatro- centos ¢ trinta anos depois nao invalida um testamento anterior, legitimamente feito por Deus, de modo a tornar nula a promessa, Porque se a heranga vem pela Lei, ja nao é promessa, Ora, é pela promessa que Deus agraciou a Abrado” (GI 3,15-18). E como A mente do ouvinte poderia se apresentar esta objegiio: Por que pois a Lei foi dada, se é verdade que eranga nao ver dela? Paulo propde a questao a si mesmo ¢ diz, como se interrogando: “Por que, enti Lei? Poi acreseentada em vista das transgressoes até que viesse a descendéncia, a quem fora feita a promessa, pro- mulgada por anjos, pela mao de um mediador. Ou nao coxiste mediador quando se trata de um sé, e Deus é um 36” (G13,19.20), E aqui se apresenta a questio que o Apéstolo se propde: “Entdo. a Lei é contra as promessas de Dens? De modo algum! Se tivesse sido dada uma lei eapaz de co- municar a vida, entdo, sim, realmente, a justiga viria da Lei, Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a promessa pela fé om -Fesus Cristo fosse con: cedida aos que eréem” (G1 3,21.22), E Paulo continua com argumentos andlogos. Perten- ce, pois, A missao de ensinar, nao somente abrir os deados edesfizer os nés das questdes, mas ainda, a0 curn- prir essa tarefa, resolver outras questées que possam por 0 se apresentar, para evitar que nossas palavras se- Jam desabonadas ou contraditas por elas. Contudo, sob a condicao de que essa solugao se apresente plenamente a nosso proprio espfrita, sem o que as questies levantadas poderiam suscitar dificuldades que nio saberiamos remo- ver. Por certo, acontece que ao se tratar uma questio, MANRIRA DE ENSINAR A DOUTRINA, 2a que se levantem outras e, quando se trata de resolver estas, novas surjam por sua vez. E entio, a atencio estende-se a tal proporeao de raciocinios que, a nac ser que 0 orador possua meméria de vigor ¢ fidelidade excep- cional, nao conseguira voltar a questao inicial sobre a qual tratava. E excelente ir se refutando todas as objezdes refutdveis medida que se apresentem, para que nfo aconteca que um opositor apareea onde nao haja ningaém capaz de responder ou ainda no caso em que ele csteja presente, mas calado, ¢ saia sem esclarecimento. Exemplos de estilo temperado 40, Nas palavras seguintes do Apdstolo encontr: estilo temperado: “Nao repreendas duramente um ancio, mas admo- esta-o como a um pai, aos jovens, como a irmdos, 28 se. horas, como as maes, ¢ As mogas, como a toda pureza” (tm 5,1-2) E nestas outras: “Exorto-vos, irmdios, pela miserieérdia de Deus, aque oferegais vosso corpo como héstia viva, santa e agradavel a Deus” (Rm 12,1. Quase toda a passagem dessa exortacdo é de estilo temperado. As frases af so muito belas, porque as pala~ vvras proprias revestem idéias apropriadas, como se lhes fossem devidas; clas fluem harmoniosamente, is outro exemplo: 105, porém, dons diferentes, segundo a graga que nos fot dada, quem tem o dom da profecia, que-o szorea 219 ANALISE DOS ESTILOS NA ANTE ORATORIA, segundo a proporcao de nossa fé; quem tem 0 dom do ser- vico, 0 exerea servindo; quem 0 do ensino, ensinando; quem o da exortacao, exoriando. Aquele que distribui seus bens que o faa com simplicidade; aquele que preside, com diligéncia, aquele que exerce misericérdia, com ale- gria. Que vosso amor seja sem hipocrisia, detestando 0 mal e apegados ao bem; com amor fraterno, tendo ea: rinho uns para com 05 outros, cada um considerando a outro como mais digno de estima. Sede diligentes, sem preguiga, fervorosos de espirito, servindo ao Senhor, al grando-vos na esperanga, perseverando na tribulacao, assiduos na oragio, tomando parte nas necessidade dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade. Ahengoai os que vos perseguem; abengoai e ndo amaldi- coeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Tendo a mesma estima uns pelos outros” (Rm 12,6-16). E-com que beleza termina toda esta torrente de fea: ses, por um periodo de dois membros: “Nao vos deis ares de rrios com os mais humilde bios, mas senti-vos solida (Rm 12,16) Em seguida, um pouco mais longe: “Dai a cada um 0 que Ihe é devido: 0 imposto a quem é devido; a taxa a quem ¢ dovida; a reveréneia a quem 6 devida, a honra a quem é devida” (Rm 13,7) Essas frases desdobradas membro por membro, ter minam elas também por um perfodo de dois membros: “Nao devais nada a ninguém a nao ser 0 amor mii- tuo” (Rm 13,8). E um pouco além: MANIRA TIE RNSINAR A DOUTRINS 250 “Anoite avancoue odia se aproxima. Portanto, dcixe mos as obras das trevas e vistamos @ armadura da luz Como de dia, andemos decentemente; nao em orgias ¢ be bedeiras, nem om devassidio e libertinagem, nem em ri- e ciumes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo © no procureis satisfazer os desejos da earne” (Rm 13,12-14) Se essa iiltima frase estivesse constituida da seguin- te maneira: et carnis providentiam in concupiscentia ne feceritis, sem diivida ela agradaria os ouvidos por uma clav- sula ritmada com mais acerto. Mas um tradutor muito ri- goroso preferiu guardar a ordem das palaveas conforme 0 original. O modo como soa essa frase no yrego — lingua, falada pelo Apdstolo — 0s que sao doutos nessa lingua 0 potlerio perceber perfeitamente. Para mim, contudo, atra ducdo que nos fizeram em lati, seguindo essa ordem das palavras, nao me parece soar muito harmoniosamente, A auséncia das eléusulas métricas nos autores sacros 41. Realmente, ¢ preciso reconhecer que esse ornamen- to de estilo que consiste em cliusulas métricas cadencia das falta @ nossos autores sacros. A falta sera dos tradu- tores ou {o que penso de preferéncia) por que omitiram de propésito esses arranjos atraentes? Nao ouso afirmar, pois confesso minha ignordneia a esse respeito. Contudo, sei o seguinte: se um habil conhecedor dessa arte da mé- trica colocasse segundo a lei da eadéncia os fins das fr ses daqueles autores sacros — o que seria feito muito fa- cilmente, trocando algumas palavras de igual sentido ow mudando a ordem das palavras encontradas —, er- ceberia nao ter faltado aos hagiégrafos o que ele conside- ra grande e sublime nas obras dos gramaticos ¢ doutor de retérica. Ele encontraria ainda grande mimero ¢ va- vat ANALISH DOS ESTILOS NA ARTE ORATORTA riedade de expressbes de notavel beleza, Beleza que se encontra, certamente, em nossa prépria lingua, mas que na lingua original deles ¢ de grau superior e que nio se eneontra na literatura que faz 0 orgulho dos amigos da retériea, Seria preciso, porém, precaver-se ao aerescen- tar as cléusulas métricas a essas frases divinas e pes: das de sentido, e nao Ihes retirar a gravidade, Pois essa arte musical, na qual se aprende a fundo a harmonia, faltou tampouco, a nossos profetas que Jeronimo, homem doutissimo, reconheceu em alguns deles até a medida dos vverso3, Ble os citou somente na mesma lingua hebraica, para conservar'a harmonia ca beleza, Nao quis traduzi-los (Hieron, In profogo super Job). snto a mim, cis meu sentimento, que me é mais conhecido do que a ninguém mais, e superior ao que pos- sam conhecer og outros: cm minhas composigdes, 0 quao amente julgo poder fazer, eu no omito as el Jas: métricas no final das frases. Mas elas me agradam tanto mais em nossos autores sacros, © quanto mais ra. ramente os encontro. Exemplos de estilo sublime Modelo tirado de 2Cor 6,2-10 42. Quanto ao estilo sublime (grande dicendi), cle difere do estilo temperado nisto: ser menos elegante pelos orna mentos de expressao e mais impetuoso pelos sentimen- tos. Pois ele toma também quase todos aqueles ornamen- tos, mas se Ihe vem a faltar, ndo os busea, De fato, ele & levado por seu proprio impulso a tomar a forga a beleza da expressiio, ¢ nio sera por preocupacao da elegancia que dela se reveste, Basta-Ihe, por motivo do assunto em questiio, que as palavras nao sejam escolhidas pelo cui MANBIRA DB ENSINAR A DOUTRINA dado engenhoso da elocugio, mas que elas sigam o movi- mento inflamado do coracdo. Pois, se um homem co:ajo- so, muito ardente no combate, tiver como arma uma es- pada ormamentada de dourados e pedrarias, nao se batera com ela porque € preciosa, mas por ser uma arma. Ele estaré, contudo, muito mais forte, se a cdlera exaspe-ada, ofizer dar o golpe. © Apéstolo quer que o ministro do evangelho sofra pa- cientemente todas os males desta vida pela consolacao dos dons de Deus. Este assuntos grande, e ele o trata dema- nejra grandiosa e com abundante riqueza de expresso. “Eis agora o tempo favoravel por excoléneia, Bis agora o dia da salvagio, Evitamos dar qualquer motivo de es- candalo, a fim de que 0 nosso ministério nio seja sujeito A censura. Ao contrério, em tudo recomendamo-nos como ministros de Deus: por grande perseveranga nas tribula- ges, nas necessidades, nas angistias, nos agoites, nas prisdes, nas desordens, nas fadigas, nas vigilias, nos je- juns, pela pureza, pela ciéneia, pela paciéncia, pola s0n- dade, por um capirito santo, pelo amor sem fingimento, pela palavra da verdade, pelo poder de Deus, polas ar- mas ofensivas e defensivas da justiga, na gléria e nodes- prezo, na boa e na ma fama; tidos como impostores enso ‘obstante veridicos; como desconhecidos e, nao obstante, conhecides; como moribundos e, nao obstante, vemos; como punidos e, nao obstante, liv como tristes e, nao obstante, sempre alegres; como indic gentese, néo obstante, enriquecendo.a muitos; como rada ‘tendo, embora tudo possuamos!” (2Cor 6,2-10). Vede-o ainda abrasade: “A nossa boea se abriu para nés, 6 corintios; o nosso coragao se dilatou” (2Cor 6,11) ¢ o restante, que é muito longo para ser citado. 259 ANALISE DOS ESTULOS NA ARTE ORATORIA Modelo tirado de Rm 8,28-39 4, Sao Paulo fala, no mesmo estilo sublime e elegante, aos romanos, para levé-los a triunfar pela caridade das perseguigdes deste mundo, certos qne estilo de poder con- tar com o socorre de Deus: “E nés sabemos que Deus coopera em tudo para 0 bem daqueles que so chamados segundo 0 sou designio. Porque os que de antemao ele eonheceu, esses também predestinow a serem conformes & imagem do sou Filho, a fim de ser ele o primogénito entre muitos irmfos. Eos que predestinou, também os chamou; ¢ 0s que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os glo- rificou. Depois disto, que nos resta a dizer? Se Deus esta conoseo, quem estard contra nés? Quem nao poupou o seu proprio Fitho ¢ entregou por todos nés, como nso nos haverd de agraciar em tudo junto com ele? Quem acu: sara os eleitos de Deus? B Deus quem justifica. Quem condenara? Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que rescusciton, aquele que esti A direita de De intercede por nés? Quem nos separar do amor de Cris: to? A tribulagdo, angtistia, perseguicto, fome, nudez, pe- rigo, espada? Segundo est escrito: Por tua caus postos & morte o dia todo, somos considerados como ove- Thas destinadas ao matadouro, Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graas Aquele que nos amou. Pois, estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem 08 anjos, nem 05 principados, nem o presente, nem 0 fa- turo, nem os poderes, nem a altura, nem a profundeza, nem nenhuma outra criatura poder nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 828-39). MANEIRA DE ENS! {ABA DOUTRINA Modelo tirado de Gl 410-20 44. Por outro Indo, na carta aos Glatas, embora escrita toda em estilo simples, salvo no inicia e no final, once ha estilo temperado, 0 Apéstolo intereala uma passagem om movimento tao apaixonade da alma que, sem se preoeu- par com nenhum dos ornamentos dos textos eitados por mimo hat pouco, ele nao podia sendo falar em estilo subli- “Observais euidadosamente dias, meses, estazses, anos! Recoio ter-me afadigado em vae por vos. Bu vos suplico, irméos, que vos torneis eomo cu, pois cu tacbém me tornei como vos. Em nada me ofendestes. Bem a sabeis, foi por causa de uma doenca que eu vos evangelizei pela primeira vez. E vés nfo mostrastes desprezo nem des: gosto, em face da vosse provagio na minha carne; pelo contrario, me reeebestes como anjo de Deus, como Cristo Jesus, Onde esto agora as vossas felicitacoes? Pos eu vos testemunho que, se vos fosse possivel, tericis arran- jo os ulliws part Ue-lus a mina, Kula, dizendu-vos a verdade eu me torno vosso inimigo? Nao é para o bem es vos cortejam, O que querem 6 separar-ves de mim para que os cortejeis a eles. E bom ser cortejado para ‘obem, sempre, e niio s6 quando estou presente entre vés, meus filhos, por quem eu sofro de novo as dores do parto, até que Cristo seja formado em vis. Quisera cu estar no meio de vés agora e mudar o tom de voz, pois nao sei que atitude tomar a vosso respeito” (GI 4,10-20). que ¢ Existem nessa passagem palavras em antitesc gadas entre si em graduacao? Hi frases entrecortadas, membros ou periodos musicais? Nao! E contudo, a pai xo prodigiosa quo sentimos abrasar o discurso nao es- friow. ANALISE DOS ESTILOS NAARTR ORACORIA caPinuLo 22 Exemplos de estilo simples nos eseritores eristaos Modelo tinado de sity Cipriano 45. As palavras do Apéstolo acima citadas sao tao claras quao profundas. Foram eseritas e transmitidas & poste ridade de tal forma que exigem nao somente leitor ou auditério, mas ainda comentador, Isso no caso de alguém nao se contentar com leitura superficial, mas quiscr apro- fandar o seu sentido, Examinemos, pois, todas os géne- ros de estilo nos escritores eristaios que, pela leitura dos ‘autores sacros, adquiriram em alto grau a ciéneia das coisas divinas e salutares e, em seguida, as transmiti- vam A Fgreja O bem-aventurado Cipriano emprega o estilo sim- ples no livro em que trata a respeito do sacramento do Calico do Senhor. Resolve ai a questi de saber se o Cali ce do Senhor deve conter apenas gua ou gua mistura- di com vinho. A titulo de exemplo, cito essa passage: ‘Sabei que estamos advertidos de que é preciso, na oblagao do célice, conservar a tradic¢ao do Senhor e nada fazer de diferente do que ele fez, primeiro por nds, a saber: oferecer o eailice com dgua misturada com vinho, oferecido om meméria dele, Ao considerar o que Cristo disse: Eu sow a videira’ (Jo 15,5), 0 sangue de Cristo, por certo néio é ‘gua, mas vinho. Ora, esse sangue que nos redlimiu ¢ vivi- ficou niio pode, parece, estar no eiilice, se nao houver vi- mho que traz, sob os nessos olhos 0 sangue de Cristo anun- ciado pelos ritos sacramentais ¢ o testemunho de todas as Escrituras. Encontramos, com efeito, no Génesis, a respei- to do gesto simbélico de Noé, que antecipou a oblacao do alice e prefigurou a paixao de Cristo. Noé bebeu o vinho ¢ ‘embriagou-sc. Desnudou-se em sua casa edeitou-se tendo MANBIRA DE &NSINAR A DOUTRINA 26 a5 coxas nuas e descobertas, O filho cagula fez notar essa rnudez, ao passo que o mais velho € 0 do meio a cob:iram (Gn 9,20-23), Nao 6 necesssirio citar até o fim essa rarrs ‘edo porque basta pdr o acento sobre 0 tinico fato de Nog mostrar uma figura da realidade a vir: bebeu, nao agua, mas vinho, Vemos do mesmo modo, conforme o testemu ho da Eseritura, 0 sacramento do Senhor prefigurado no sacerdote Melquisedec. Esta dito, com efeito: ‘Melquise- «lec, rei de Salém, trouxe pio e vinho; ele era sacerdote do Deus Altissimo. E ele abengoou Abrado' (Gn 14,18) Que Melquisedee tonha sido a figura de Cristo, 0 Espirito Santo o declara nos Salmos, onde faz dizer ao Filho pelo Pai: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec’ (St 110.4”. Essa passagem e as soguintes dessa carta (63 ad Caecilium) conservam 9 estilo simples, 0 que os le:tores podem facilmente constatar. Exemplo tirado de santo Ambrésiv 46. Santo Ambrosio, querendo demonstrar que o Espiri- to Santo 6 igual ao Pai ¢ ao Filho, emprega, contedo, 0 stilo simples para tratar sobre esse grande asstinte, por- que o assunto pedia um ensino claro c nao ornamentado com expressées destinadas a comover os coragées. Ble diz, pois, entre outras coisas, desde o infeio de sua obra (De Spiritu Sancto) “Gedeio, tendo sabido por um oréculo impressionan- ‘te que, apesar da defeccdio de milhares de homens, 0 Se- nhor libertaria 0 povo de seus inimigos, por um sé honem, ofereceu um cabrito, em sacrificio. Segundo a preserigao do anjo, depositou a carne sobre uma pedra com pies 267 ANALISH DOS FSTILOS Na ARTE ORATOREA zimos e regouca coin 0 seu caldo. Ora, no instante em que 6 anjo 0s tocou com® pontat do eajado que tinka na mao, 0 fogo se enguen de uma pedra e devorou a carne € os pales, dzimos (2 6, 1-21).Esse sinal parece indicar bem que essa pedra prefigurava 0 corpo de Cristo, pois esta escrito: Tb. dos bebiam de uma Tocha espiritual que 0s acompanhava @ essa rocha era Cristo’ (1Cor 10,4). Por certo, esse sacrifi cio relaciona-se nao com a divindade de Cristo, mas com sua carne, que pelo derramamonto continuo de seu san gue inunda os coragdes dos povos sedentos, Desde entao ficou anunciado que nesse mistério o Senhor Jesus crucifi- cado apagaria, em sua carne, os pecados do mundo intei ro. No somente as faltas nas ages, mas ainda os desejos, desregrados dos coragdes. Pois a carne do cabrito repre- senta as faltas nas 8630s, ¢ 0 caldo, a sedugao das concu- piscancias, como esti escrito: ‘A populagio ardeu em dese {jos e disso: ‘Quom nos dard earnes para comer?" (Nm 11,4). Quanto ao fato de o anjo estender o cajado c tocar a peda onde se ergueu o fogo, mastra que a carne do Senhor, cheia, do Espirito divino, devia consumir todos 05 pecados do gé- nero humano, De onde esta palavra do Senhor: Eu vim trazer fogo a terra’ (Le 12,497". E no restante de seu livro, Ambrésio ocupa-se antes, de tudo em ensinat ¢ provar as verdades que expoe. Exemplos de estito temperado nos escritores cristaos | Modelo tirado de sao Cipriano | AT. Ao género temperado (genere tomperato) pertonce, em Cipriano, este elogio da virgindade: ‘Nés nos dirigimos agora as virgens de quem deve- mos tomar tanto evidado, quanto mais luminosa ¢ a sua MANEIRA DE ENSINAR A DOUTRINA 28 gloria, Blas sto a flor dos filhos da Igreja, o ornamento & a beleza da graca espiritual, a sede natural do mérito & da honra, uma obra intacta ¢ sem mécula, a imagem de Deus reproduzindo a santidade do Senhor, a porgiio mais ilustre do rebanho de Cristo. Por elas, regozija-se cnelas desabrocha em plena flor a gloriosa fecundidade de nos- sa me a Tgreja, E quanto mais essa gloriosa virgindade aumenta o numero de suas filhas, mais cresce a alegria de sua mie” (Epist. 63,2.9 E em outro lugar, pelo final da carta, Cipriano es- “E assim como trouxemos a imagem do homem ter- restre, assim também traremos a imagem do homem ce- leste’ (1Cor 15,49). Ora, essa imagem, a vingindade a traz, a pureza a traz, a santidade ¢ a verdade a trazem. Ea trazem também os que, lembrando-se do ensino de Deus, permanccem na fé, humildes no temor, fortes di- ante de toda provagao, mansos no suportar as injiirias, prontos na pratica da miserieérdia, unidos de espirito e de coragao numa paz traterna. 0 excelentes virgens, deveis observar, amar, cumprir um a uin esses deveres, vs que, inteiramente voltadas ao servigo de Deus © de Cristo, marehais na vanguarda em direcdo ao Senhor 8 quem vos consagrastes. E vés, mulheres avangadas em idade, tornai-vos as mestras das mais jovens. B vs, jovens, oferecei vossos servigos 45 mais idosas € vossos tencorajamentos a vossas companheiras de idade. Exe citai-vos por mituas exortagoes. Provocai-vos 4 gléria, rivalizando-vos nos atos de virtade. Perseverai com co- ragem. Prossegui vosso crescimento espiritual. Caegai 10 fim, com alegria, Apenas lembrai-vos de nés na hora em que a virgindade comecar a vos cumular de honras” (Sao Cipriano, Tractatus de disciplina et habitu Yirgi- narun) ANALISE DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA Modelo tirado de santo Ambrésio 48. 1 também em estilo temperade ¢ elegante que Ambrésio propse, sob forma de exemplo, as mulheres que fazem profissdo de virgindade, o ideal a imitar, isto é, Maria, mae de Jesus “Virgem, nao s6 de corpo, mas também de espirito, de candura ineapaz do menor disfarce. Humilde de cora- io, grave no falar, prudente nas realizagées, amante do silencio, assidua ao estudo. Nao se entregava a riquezas incertas, mas eonfiava nas oragées dos indigentes. Sem- pre aplicada ao trabalho nao queria outra testemunha para seu coragao a nao scr Deus. Aninguém ofendia, res- peitava a todos. Prestava aos superiores a devida honra Nao invejava os iguais, consultava a razdo, em todos os seus atos amava a virtude. Quando ofendew ela a seus pais, ainda que fosse com o olhar? Quando aborreceu os pobres? Quando zombou do fraco? Quando evitou o men- digo? Nada de repreensivel havia em suas maneiras, de malicia nos seus olhares, de lento nos scus atos, de de- senvolto no seu andar, de artificial na sua voz, A apa- -ncia exterior era perfeita imagem da beleza de sua alma. Reconhecemos uma habita¢ao como boa, s6 com trans- por-lhe a soleira, logo ao primeiro passo se pereebe a luz que Ihe inunda 9 interior. Assim nossa alma: como kim: pada resplandecente deve brilhar, ainda que através do invdlucro corporal. Que direi de sua temperanga e de sua diligéncia? Nesta, foi além da natureza; naquela, quase esqueceu a propria natureza, Para o trabalho nao havia solucdo de continuidade e o jejum era prolongado por longos dias. Quando usava dos alimentos, faz menos para satisfazer o paladar do que para sustentar a vida" Santo Ambrésio, A virgindade, 11,2,78, Ed, Vozes, p. 7). MANEIRA DIF ENSINAR A DOUTRINA, 260 Cite’ essa passagom como modelo de estilo tempe-ado, Ambrésio, com efeito, nao fala af para chamar ao volo de virgindade as que ainda nao o fizeram, mas para mostrar como devem praticd-lo as que jé © pronunciaram. Porque para decidir 0 espirito a fazer voto tao magn: preciso excitar e inflamar em estilo sublime. Quanto ao mértir Cipriano, ele esereveu sobre 0 es tado de virgindade e nao sobre o empenhamento a ser tomado ao abracé-lo ‘0 bispo Ambrésio, por seu lado, exortou além disso as virgens a assumirem esse empenharmento, numa lin- guagem de grande estilo. Exemplos de estilo sublime nos escritores cristdos Modelo tirado de so Cipriano 49. Citarei, a seguir, exemplos de estilo sublime (dictionis igrandia), ainda tirados de abras desses dois doutores: Cipriano e Ambrésio. Com efvito, ambos levantaramrse violentamente contra as mulheres que pintavam 0 rosto com cosméticos, ou melhor, o deformavam, Cipriaro, en- tre outras coisas, diz a esse respeito “Supondo que um habil pintor tenha pintado orosto, ‘ aspecto, o porte de uma pessoa em cor natural ¢, uma ver o retrato terminado, outro pinter venha, com a pre- sungdo de ser mais habil e ponha as maos sobre esse qua ro para o refazer; a injiiria feita ao primeiro pinto: seria grave, ¢ legitima a sua indignacao. F tu, tu pensasimpu- nemento te permitir a audécia tao perversa e temerdria de ofender o artista que ¢ 0 proprio Deus? Bem ertendi- do, nao te tornas impudica aos olhos dos homens, nem manchada por essa pintura que induz & sensualidade, vo ANA DOS ESTHL.OS NA AIRTE ORATORIA nem por isso deixas de violar, nem de corromper a obra de Deus e te tornas pior do que mulher adultera. O que julgas ser enfeite, o que tomas por ornamento é aten- tado contra a obra divina, falsifieagdo da verdade. Bscu- ta a voz do Apéstolo que te adverte: Purificai-vos do ve- Iho fermento para serdes nova massa, j4 que sois sem fermento. Pois nossa PAscoa, Cristo, foi imolado. Cele- bremos, portanto, a festa nao com velho fermento, nem com fermento de malicia ¢ perversidade, mas com poes zimos: na pureza e na verdade’ (1Cor 6,7-8). Ora, pode a pureza e a verdade persistirem quando se polui o que é puro e quando se muda em mentira pela alteracdo di cores, tintura ¢ retoques, o que é verdadeiro? O teu Se- hor disse: ‘Nao tens o poder de tornar um s6 cabelo bran- cou preto’ (Mt 5,36), © para abafar a voz do Senhor que- res ser mais poderosa do que ele? Por esforgo audacioso & por desprezo sacrilego tinges teus cabelos e, por sinistro presssgio do futuro, eomegas a ter cabelas cor de fogo” (Sa0 Cipriano, op. cit. 1558). via muito longo citar as paginas seguintes. Modelo tirado de santo Ambrésio Ambrésio fala nestes termos contra tais mulheres: jaseem daqui os incentivos aos vicios. Receosas de desagradar aos homens, pintam o rosto e com a alteragao da fisionomis tramam o adultério da eastidade. Que lou- cara alterar a fisionomia natural, procurar ornatos e, por temor do julgamento do marido, acabar traindo-o! Em primeiro lugar, condena-se a si prépria 2 mulher que pre- tende modificar o que possui por nascimento. Enquanto procura formas de agradar a outrem, desagrada-se a si prépria, O mulher, que melhor juiz de tua fealdade bus- MANEIRA DE ENSINAR.A DOUTRINA an caremos do que a ti mesma, que temes aparecer como 63? Sc és bela, por que ocultas a beleza? Se és feia, por que mentes, dizendo-te formosa, se isto néo conseguirs atrair 9 favor de tua consci n corrigir 0 err alheio? Teu marido ama outra, tu a outro queres agra dar. Como podes irritar-te, se ele amar outra, quando aprende de ti 0 adultério? Tornas-te a mestra perversa da ofensa que softes. Deixa de ser sedutora quem foi seduzida, Além disso, a mulher de sentimentos vis nao prejudica a outrem, mas a si mesma, No adultério, de corta forma, os crimes so mais toleraveis, porque ncle se ofende a pureza; tu, porém, pervertes tua prépria na: tureza” (Santo Ambrésio, op. cit, p. 46). Penso que af aparece suficentemente a elogitncia advertir com veeméncia as mulheres a nao alteraren sua beleza com pinturas, ¢ a guardar o pudor € 0 temor. Re- conhecemos assim, nessas passagens, nao o estilo sim. ples nem otemperado, mas o estilo sublime. Bu quis, entre todos os outros escritores cristiios, propor comoe: eesos dois. E possivel encontrar entre outros homens da Igreja textos on escritos on pronunciados, nesses trés es- tilos, com excelentes idéias e muito bem expressos. Tal como 0 assunto o exige, com firmeza, elegdncia ¢ vibra- co, Todos os que os estudam poderao — lendo-os ou eseutando-os com freqiiéncia ¢ também fazendo exerci cios — adquirir os trés géneros de estilo apresentados, ceriplos D. REGRAS ESPECIAIS DE ELOQUENCIA ECLESIASTICA eapiruto 23 O orador sacro deve misturar os trés géneros de estilo 81, Nao é preciso crer que seja contraria as regras a mis- tnra dos estilos. 0 melhor até ¢ fazé-lo, & medida que o assunto se presta a isso, e ir 13 estilos. Pois, © emprego prolongade de um s6 retém menos a atengio do ouvinte, Sc houver transigéio de um género a outro, 0 diseurso, por mais longo que seja, desenvolve-se com mais arte, B verdade que cada gonero de estilo possui, na pa- lavra do orador, variediade prépria que impede diminuir ou esmorecer a sensibilidade dos ouvintes, Se for empre- gado um $6 estilo, seja o simples, por ser o mais ficil e suportivel por mais tempo do que 0 estilo sublime. Pois quanto mais vivamente nds pretendemos convencer a alma para obter o consentimento do ouvinte, por menos tempo conseguimos manté-lo nessa tensio, apés ter sido suficientemente exeitado. E assim, doves nos preve- nir de querer elevar alto demais 6 que jé fora elevado, receio que ndo venha a decair do ponto onde a eloqiiéncia otinha elevado. Mas ao intercalar as passagens ditas o estilo simples com as passagens que é preciso dizer em estilo sublime, pode-se de novo voltar a esse e, assim, 0 movimento do discurso se faz. como com as ondas agita- das do mar, Conseqtientemente, o estilo sublime, caso seja necesssirio empregi-lo por muito tempo, nao deve ser iando os MANUIRA DE ENSINAR A NOUTRINA 284 empregado sozinho, mas variando-o com @ intercalagao de outros estilos, Contudo, o diseurso tomard unicamen- te o nome do genero dominante. caPITULo2 265 REGRAS FSPECIAIS DR ELOQUANCIA ECLESIASTICA, melhor fazer real¢ar o brilho ¢ a riqueza dos ornamentos empregados em outra passagem. Ora, o estilo temperado nunca reelama o concurso do estilo sublime, Com efeito, ele € empregade para agradar os espititos © na Como se devem aliar os trés géneros de estilo 52. Fi certamente importante saber que género de estilo pode ser aliado a outro ¢ determinar as circunstancias has quais essa alianga se torna necessaria, ‘Até num discurso em estilo sublime sempre ou qua- se sempre convém que 0 exérdio esteja em estilo tempe- rado. E esta & escolha do orador empregar o estile sim- ples om desenvolvimentos que poderiam ser feites em estilo sublime. Assim, as partes expostas em estilc sim- ples dao realce maior as expressasem estilo sublime,como as sombras por seu contraste tornam a luz mais brilhan- tc. Em cada género, contudo, apresentam-se dificulda- des a screm resolvidas e que exigem, por isso, a penetra- a0 propria ao estilo simples. Deve-se, portanto, empregar esse género aliando os dois outros, a0 se apresentarqual- quer questio dessa natureza, Do mesmo modo, 6 preciso recorrer ao yenero temperado ¢ deixar qualquer outro, todas as vezes que se trata de loavar ou censurar, € no de condenar ou absolver alguém, nem de fazer uma de- terminagao pelo ouvinte. Assim, pois, os géneros sublime e simples admitem, cada um, 05 outros dois estilos. Quanto a0 estilo tempe- ado, nem sempre, mas algumas vezes requere-se 0 esti- Jo simples, quando surge, como disse, uma questdoa ser resolvida. Ou ainda, quando certos pormenores que po- deriam ser tratados com arte néo o so, mas ao consrério so desenvolvidos bem simplesmente, justamente para APLTULO 26 Testemunho pessoal de Agostinko sobre os do estito sublime 58. Pelo fato que um orador receba aplausos numerosos @ ealorosos, nao se segue que seu diseurso tenha sido em estilo sublime, j4 que a fineza do estilo simples e a ele- Jo estilo temperado obtém as mesmas aclamagées, Quanto ao estilo sublime, o mais freqiientemente faz cer- rar a garganta e leva a derramar Lagrimas. Assim, um dia, em Cesaréia da Mauritania, eu fala- va para levar os cidadaos a desistirem de uma guerra Givil, vu aules de uur guerra mais dv que civil, por eles chamada a Caterva.? Consistia em combates por bandos. Na verdade, nao cram somente os cidadios que se divi- diam em dois grupos, mas também parentes préximos, inmios e até pais e seus filhos sc hatiam entre si, com langamento de pedras sem interrupgio durante dias, em certa época do ano. Matavam-se mutuamente o quanto podiam. Falei, naturalmente, em estilo sublime, o me Ihor possivel, para tirar e banir de seus coragoes e de sua vida, por minhas palavras, um mal tao eruel ¢ inveterado. “Agostinbo narra aqui um sesso pessoal, Vsandov etila sin extirpar = lapsdagio desumana Ga Caterva.Infeliemente, esta Boma Infor rgtetrada pelos ostenigafoe,ox ent fo perdida, Agostino se relere Sorte sermao quy unseia dndo “porta de ito anos atric, Por str ‘agber,eabe-se que i pronunesado em 418, donde ae data a redagho ial de Addontrine erst eta fay de 428, 04 ico Se 8 ble, on MANEITEA DEB SIWARADOUTRINA 268 Entretanto, nao acreditei no sucesso até que entendi suas aclamagies. H nao aeredite’ nestas enquanto nao vi se derramarem as lagrimas, Suas aclamagoes indicavara que foram instruidos e comovidos; suas Kigrimas, que esta- vam convencidos. Desde 0 instante em que eu as vi cor- ror tive plena eonfianga, antes de tirar a prova de que eu havia veneido plenamente o abomindvel costume lgado pelos pais, avds e antepassados mais distantes, enraiza- do no coragi, ¢ excreer sobre eles um poder tirdnieo ‘Apenas, tendo terminado meu discurso, conduzi seus coragies ¢ bocas a renderem gragas a Deus. Bis jt perto de oito anos ou mais que, por um favor de Cristo, nenhum, combate desse género foi tentado mais nessa cidade. Sabemos, gracas a muitos outros exemplos, que ho- mens manifestaram 0 efeito de sabio emprego do estilo sublime, menos por suas aclamagoes do que por seus ge- midos, muitas vezes pelas ldgrimas e, enfim, pele mu danga de vida Rfeitas do estilo simples e do temperado 54. Os discursos em estilo simples também mudaram a vida de grande ntimero de pessoas. E chegaram a isso aprondendo verdades que ignoravam ou sendo levados a ererem outras, que Ihes pareciam inacreditaveis. Contu: do, esse estilo simples nao chega a levar a camprir um dever conhecido ao qual as pessoas recusam-se a obede- cer. Porque para fazer abalar uma resisténcia desse gé- nero, 6 preciso recorrer ao estilo sublime. Sem drivida, os elogios e as repreensdes, & condigio de serem foitas com elogiiéneia, obtém 0 mesmo resulta- do em certas pessoas, quando sensiveis ao estilo tempe- rado. Pois tais pessoas, sob o encanto da elogiiéneia, nao somente sentem prazer em ser elogiadas e repreendidas, 26 REGHAS ESPECIAIS DB ELOQUENCTA ECLESLASTICA como ainda desejam viver de maneira decente, absten do-se de viver de modo repreenstvel, Mas digam-me: o estilo temnperado converte a todos a quem encanta? Assim como o estilo sublime determina agi todos aqueles 2 quem eonvence, como o género sim- ples forea aqueles a quem instrui a conhecer e a confes- sara verdade? caPAnULO 28 Fim que se deve propor o estilo temperado E assim, nés vemos quanto esses dois estilos, o sim- ples ¢ 0 sublime, por causa do fim a que se propoem, s necessaries aos que querem falar com sabedoria e elo- quéneia, Mas quanto ao estilo temperado, cujo fim & dar, nao deve ser procurado por si préprio. E preciso reservé-lo para determinar por vezes mais prontamente, pelo encanto da elogiiéncia, 0 consentimento dos ouvin- tes, e fazé-los aderir com mais tenacidade as verdades expressas sob forma pratica e honesta. Mas isso uniea- mente no caso em que esses ouvintes, estando ja esclare- cidos e bem dispostos, nao precisem de um dis os instrua ou convenga. Porque, ja que a eloati reinar em todos os géneros, ela tem por objetive, em cada um deles, falar de maneira propria a persuadir, € per- suadir o que € ensinado. Ora, néo importa em que géne- ro, sem dhivida, 0 orador pode dizer o que leva a persua- sao, Mas se nao sucede bem, nao chega a finalidade prépria da eloqiéncia. No género simples, persuade a verdade daquilo que trata; no género sublime, persuade ‘a fazerem o que ja conhecem, mas negligenciam em exe: cutar; no género temperado, persuade apenas que esta falando com elegancia e distingao. Ora, que precisiio te- [MANBIRA DE ENSINAR A DOUTRINA mos de tal fim? Que o procure clogiéncia e que se vangloriam nos panegtricos ¢ outros discursos andlogos, em que o ouvinte nao precisa ser ins: truido, nem ser levado & agao, mas busca somente o seu prazer. Nés, a0 contrério, suibordinamos esse fim a outro. Aquele que temos em vista quando falamos em estilo su- blime, isto é, quando desejamos tornar amada a virtude e evitadoo vicio. Isso no caso em que os homens nao este- jam de tal modo refratérios que pareca ser necessario faze-lo aceitar como que a forea, por meio dos grandes recursos oratérios. Ou ainda, no easo em que eles jaeste- jam nas boas disposi¢des, para os confirmar ¢ fazé-los perseverar com zelo ¢ constancia. Assim, nés empregare- mos com sabedoria e sem ostentacdo 05 ornamentos do estilo temperado, nao no tinico designio de agradar o ou- vinte, mas para levé-lo de preferéneia ao bem que dese: jamos persuadir. 108 que pae sua gl capinuLo2t As trés metas do orador sacro 56. O orador que fala com sabedoria deve, pois, se qui- ser também falar com elogiiéncia, propor-se os trés fins que desenvolvemos acima, e que consistem em fazor-se escutar com atencao, com prazer e com docilidade. Con- tudo, ¢ preciso nao atribuir cada uma dessas tres ¢ dades 56 a um dos trés géneros de estilo, de modo que ser escutaclo com entendimento pertencesse ao género sim- ples; com prazer, ao género temperado; ¢ com docilidade, a0 género sublime. Mas o orador deve, quanto possivel, dar ao mesmo tempo essas trés qualidades a cada um dos trés géneros. De fato, ndo queremos que se aborre- gam com 0 que dizemos em estilo simples. Também, de- 29 REGRAS HSPECIAIS DE ELOQUENCIA ECLESIASTICA, mente com entendimento mas também com prazer. De outro lado, © que nos propo: ar os preceitos divinos, a nao ser que nos escutem com docilidade, isto é, que prestem £8 ao que di zemos, pola graca daquele que disse: "Os tous testemu- nhos, Senhor, sao dignissimos de fe” (S1.93,5)? O que que! também quem narra um fato, ainda que em estilo sim- ples, a nao ser que creiam? E quem querer escuté-lo se cele nao cativar seu ouvinte com certo encanto de lingua- gem? Quem ignora que se alguém no for escutado com entendimento, néio o seré nem com prazer nem com docilidade? sejamos ser escutados nao 0 valor do estilo simples Ao contrario, se um diseurso em estilo simples se propée resolver as mais diffceis questoes e demonstra-as de modo adequado; se tira, contra toda expectativa, nao sei de que fontes obscuras, as razdes mais convincentes © apresenta-as com brilho; se abate o erro do adversiirio € prova a falsidade de sua tese considerada invencivel; so- bretudo, se reveste com certas encantos que aparecem sem ostentacoes e de certo modo naturalmente; ¢ que seus perfodos tenham a cafda final em cadéncia métrica, sem nada de pretensioso, mas que parecam gerados nec riamente do préprio assunto; esse estilo simples suscita ‘quase sempre calorosos aplausos ¢ quase nao é notada a simplicidade do estilo, Isso porque essa elogiiéncia, por aparecer sem ornamento, por caminhar como nua e de- sarmada, ndo deixa de abater 0 adversario em poderosos apertos; € abate ¢ esmaga sob seus golpes invenciveis a mentira mais pertinaz. B por qual razao os oradores que falam nesse estilo simples so muitas vezes aclamados calorosamente, se nao porque a verdade assim demons- MANSIRA DE ENSINAR A DOUTRINA trada, assim defendida, assim invencivel é cheia de en- Nosso doutor ¢ orador sacro deve, pois, aplicarse a 1 estilo, de tal modo que se f 1 pao somente com elareza, mas ainda com prazer ¢ dacilidade. ro estilo temperado 57. Por outro lado, a clogiiéncia do géncro temperade ao se apresenta ao orador da Tyreja sem ornamentos, se cela sabe revestir-sv deles convenientemente. Hla nao pro- cura unicamente agradar, como faz a elogiiéneia dos au- tores profanos, tende também a se fazer eseutar com docilidade, a inspirar ao ouvinte apego sineero ¢ irnemo vivel para as coisas que louva, ¢ 0 afastamento e horror daquelas que condena. Mas se the falta a clareza, néo sa- berd ser escutada com prazer. Até nesse género de estilo que consiste principalmente em agradar, 0 orador dev fazé-lo de modo a reunir estas trés qualidades: ser claro, agradivel e persuasivo para os seus ouvintes. Valor do estilo sublime 58, Mas desde 0 momento em que é preciso mover € con- veneer 0 ouvinte sera pelo estilo sublime (e esse ¢ 0 caso quando alguém reconhece a verdade e 0 encanto do di curso, mas recusa-se a conformar a sa eonduta a ela). ‘Todavia, quem ficard convencido se nao compreende 0 que Ihe dizem? B como ficara atento a escutar se nao encon- tra nenhum encanto nisso? Em conseqiiéncia, também nosse género de estilo, em que se trata de comover wm, coragdo endurecido e de torné-lo décil gragas aos grandes an REGRAS ESPECIAIS DE ELOQUENCIA ECLESIASTICA, meios oratories, ninguém saberia ser escutado com doeilidade se nao se fizesse também escutar com enten- dimento e prazer. CAPITULO 28 Conformar a vida as palavras pronuneiadas 59. Mas a vida do orador sera — para se fazer ser eset tado com maior docilidade — de peso bem maior do que a mais sublime elevacdo de sua linguagem. Com efeito, quem fala com sabedoria e elogiiéncia, mas vive mal, por certo instrui a muitos, avidos de aprender, se bem que fique “inutil para sua prépria alma” (Kelo 37,21). Daf tam- bem esta palavra do Apéstolo: “De qualquer maneira ou com segundas intengdes ou sineeramente — Cristo & proclamado” (FI 1,18). Certamente, Cristo ¢ a verdade e, contudo, até a verdade pode nao ser anunciada com ver. dade ou, em outros termos, 0 que é justo e verdadeiro pode ser pregado por coragao depravado e enganador, Em todo caso, é dese modo que Cristo ¢ anuneiada por ho- mens mais preocupados por seus proprios interesses que pelos interesses de Jesus Cristo. Mas eomo os bons fiis, escutam com docilidade nao 0 homem, seja ele quem for, mas o proprio Senhor que disse: “Fazei e observai tudo quanto vos disserem, Mas nfo imiteis as suas agées, pois dizom, mas nao fazem” (Mt 23,3), cortamente eles escu- tam utilmente os que agem sem utilidade para si pré- prios. Pois esses procuram seu proprio interesse, mas nao ousam dito a conhecer do alto da catedra eclesistica firmada pela sa doutrina. Assim, o Senhor, antes de Ihes dirigir as consuras que acabo de citar, disse: “Eles estdo sentados na catedra do Moisés” (Mt 23,2). De fato, essa cétedra que ndo é deles, mas de Moisés, o8 constrange a MANEIRA DE ENSINAR A DOUTRINA ensinar 0 bem, ainda que nao o fagam. Eles agem mal, pois, conforme os préprios interesses, mas a eétedra, que nao Ihes pertence, nao Ihes permite ensinar o mal Ser modelo para os isis 60. Bis por que eles sao titeis a muito doo que nao fazem. M: de pessoas, se fizessem o que dizem. Sao leg to, as pessoas que buseam jus conduta de seus superiores ¢ dos prepostos a instrut-los, dizendo-se interiormente de coracao, e por vezes até exteriormente, se seus sentimentos escapam pela boea’ ‘O que presereves, por qual motive nao 0 fazes tu pro- prio?” Assim, os figis nao eseutam com docilidade quem niio se eseuta a si proprio, e desprezam a Palavra de Deus que Ihes 6 pregada, 20 mesmo tempo que desprezam 0 progador. Finalmente, 0 Apéstolo, na sua carta a ‘Simé- teo, depois de ter dito “que ninguém despreze a tua jo- vem idade”, acrescenta nestes termos 0 meio de néo ser desprozado: “Sé para os fidis um modelo na palavra, na, conduta, na caridade, na fé, na pureza” (Tm 4,12) ainda que dizen. oriam titeis a nimero bem maior com efi 4 vida pela capinito 29 Apegar-se mais @ verdade do que & forma 61. Um doutor que leva vida exemplar pode empregar a propésito, para se fazer escutar com docilidade, nao so- ‘mente o género simples e temperado, mas ainda empre- gar a linguagem da mais sublime eloqiiéneia, Ele opta, por certo, por vida virtuosa, em vista de se assegurar boa reputagdo, mas também em vista de se fazer provisées de bens, 0 mais possivel, aos olhos de Deus e aos des ho- on REGRAS ESPECIAIS DE ELOQUANCIA ECLESIASTICA mens (2Cor 8,21). Diante de Deus, temendo-o; diante dos homens, ocupando-se deles. Que cle prefira, assim, em seus discursos, agradar mais pelo fundo do que pela for perstada que nunca fala t&o bem do que quando Giza verdade. O orador nao deve ser escravo da expre sao, mas a expressao deve servir 0 orador. Bo que ensina 0 Apéstolo quando diz: “Na a sabedoria da lin guagem, a fim de que nao se torne imitil a cruz de Cristo” (Cor 1,17). O que ele diz. a Timéteo confirma a mesma coisa: “E preciso evitar as discusses de palavras: elas nd servem para nada, a ndo ser para a perdicdo dos que as ouvem” (21m 2,14), Essas palavras ndo significa que nfo devemos res- ponder em favor da verdade aos adverssirios que atacam, a verdade, Isso observa-se bem na passagem em que o Apéstolo mostra qual deve ser em toda circunstincia a conduta do bispo. Diz ele, entre outras coisas: “Que 0 episcopo seja capaz de ensinar a sf doutrina como tam- bém de refutar os que a contradizem” (Tt 1,9). Discutir com palavras 6 preocupar-se nao com os meios de fazer triunfar a verdade, mas com os meios de fazer preferir seu discurso ao do adversério. Por certo, quem néo s entrega a discussées verbais serve-se de palavras, seja que fale em estilo simples, seja em estilo temperado, seja sublime, mas serve-se delas para que a verdade brilhe, a verdade agrade, a verdade mova.* Até a caridade, que é 0 fim do preceito ¢ a plenitude da Lei (1Tm 1,5; Rm 13,10), nao pode ser reta se 0 objeto "Aspects imperatives de inguag, Para Agostino, lingua puss or mperativa na conguista dos expres. Ens orga iperativada lingua obo Sloe nos ts Hes ptidamentaformuldos pela retincn antiga sq deste ‘vide: que a verdade bile, que a verdade agra, que a verdade mova, Sto ‘ce aupeetos senhorfais da agua como instruments de eosqulsta, porque @ Nerdude Is dase mostrar ha de auradae ha de mver ganar as vontades, EV. Copia, Pensamienton de son Agustin, pp. 67 MANEIRA DE ENSINAR A DOUE INA 2 Go amor nao for a verdade, mas o erro. B assim como quem possui a beleza do corpo unida a deformidade da ima é mais a lamentar do que se tivesse também a de- formidade corporal, assim também os que ptegam amen- tira com elogiiéncia sao mais dignos de pena tlo que se a expressassem de modo grosseiro, O que € pois fala:, nao somente com elogiiéneia, mas ainda com sabedoria a nao ser empregar as expresses claras em estilo simples; as brithantes em estilo temperado; ¢ as veementes en: esti- Jo sublime? Tudo isso, contudo, sob a condigao de expr miras verdades que se tem odever de tornar entendidas, Finalmente, se alguém for ineapaz de falar ao mes mo tempo com sabedoria e eloqiiéneia, que diga ao menos com sabedoria 0 que nao consegue dizer com clogiléneia,, de preferéncia a dizer elogtientemente coisas tolas. Toda- via, quem nfo 6 sequer capaz de fazer isso, deve portar de tal maneira para ndo somente conseguir a re- compensa para si, mas também para dar 0 exemplo nos outros, tornando seu modo de viver uma espécie de elo- quente pregacao, captrin.o 30 Nao incriminar o orador que pregue discurso feito por outro 62, Ceriamente, existem homens capazes de pronunciar muito bem um discurso, mas ineapazes de 0 compor. Se tomam de outros um diseurso escrito com sabedoria elogiténeia, ¢ tendo-o aprendido de cor, pronunciam-no diante do povo, nao fazem nada de repreensivel. Com efei to, por esse meio, que é incontestavelmente util, muios se tornam progadores da verdade, sem que existam para isso muitos doutores. Sob a condigéo, porém, de que todos ensi- 8 REGRAS ESPECIAIS DE RLOQUENCIA ECLESIASTICA, nem a mesma verdade em nome do verdadeiro Mestre e ‘que nao haja divisbes entre ele (1Cor 1,10). E eles nao de- eassustar com a linguagem do profeta Jeremias pelo qual Deus censurou “aqueles que roubam um do outro & minha palayra” (Ir 28,30). Roubar é de fato tomar o bem de outrem. Masa palavra de Deus nao ¢ um bem estranho aquem se submete a ele. Assim seria quem, pregando bem, vivesse mal. Pois todas as hoas idéias quo expe parecem ser 0 produto de seu préprio pensamento, mas encon- tram-se em contradigao com seus costumes. F por esse motivo que Deus os chama de ladrdes das suas palavras, pois quorem parecer bons, anunciando a doutrina de Deus, a0 passo que esto pervertidos, ao viver segundo os seus priprios maus prineipios. De fato, se tu prestares bem aten- ao, cles nao pregam o bem do qual falam. Alis poderiam afirmar por palavras o que negam por atos? Nao é em vao que o Apéstolo diz de tais oradores: “Afirmam conhecer a Deus, mas negam-no com seus atos” (Te 1,16). Afirmam, com efeito, uma coisa, e logo a seguir afirmam outra com a-vida. Logo, é bem verdadeiro o que diz deles a Verdade: “Fazei ¢ observai tudo quanto vos disserem. Mas nfo imiteis as suas ages” (Mt 23,3) — ou em outros ter- mos: o que escutais de sua boca, fazei-o, mas o que vedes as agdes, nao 0 facais —, “pois dizem mas nao fae zem”, Portanto, ao nao fazer, afirmam coisa contréria. Em outra passagem, o Senhor acusa-os: “Hipécritas, como podeis falar coisas boas se sois maus?” (Mt 12,34). Bis por que ainda quando dizem 0 bem, nfo so idéins suas que exprimem, ja que as negam voluntariamente pelas agies. Acontece desse modo que um homer, elogtiente mas perverso, compée um discurso onde a verdade esta ex- posta, discurso destinado a ser pronunciado por outro orador menos elogiiente, mas boa pessoa. Nesse caso, 0 primeiro orador tira de si mesmo bem que nao Ihe per tence, E o segundo recebe um bem que Ihe pertence. Ma MANBIRA DR ENSINARA DOUTRINA 276 quando bons fiéis prestam esse servigo a outros bons fiis, ambos dizem o que é de Deus. Porque as idéias ex pressas pelo que compés o diseurso sio da propriedade de Dens. E silo também de Deus os que ndo souberam compor por si préprios, mas vivem conforme essas idéias. cAPETULO at O orador deve rezar antes de tomar a palavra 63. Mas seja no momento mesmo em que 0 orador vai falar a0 povo ou a grupo pequeno, seja na ocasido om que vai ditar 0 que deve ser pronunciado em puiblico, ot Hido pelos que o desejam ou podem, o orador deve rezar a Jeu para por em sua boca boas palavras. Porque, se a rainha Ester, no momento em que se dirigia ao rei para pedir-lhe a salvagdo temporal de seu povo, rezou a Deus para por em seus labios as palavras convenientes (Est 4,175; 14,13), quanto mais devem rezar para obter graga semelhante 0s que “no ministério da pulavra e na insteugdo” Tm 5,17) trabalham para a salvacao eterna dos homens! Quanto aos oradores que promunciarao um diseurso recebido de outrem devem, antes mesmo de o recsber, rezar por aquele de quem o recebem, a fim de obter-Ihe fas gragas que desejam obter para si préprios. Terdo-o feito, devem rezar por si, a fim de pronunciarem bem 0 discurso e também rezar pelos ouvintes a quem vio se dirigir para que tirem proveito Finalmente, que déem gracas a Deus pelo feliz éxito de seu discurso, porque nao duvidam que é 2 ele que de- vem qualquer sucesso, £ assim quem se glorifica, que se glorifique em Deus, em cujas maos estamos nés e nessas palavras (Sb 7,16) an REGHAS ES! CIAIS DE RLOQORNCIA SCLESIASTICA CAPITULO 92 Conelusdo 64, Esta obra tornou-se mais longa do que eu desejava e pensava. Mas nao 6 longa para 0 leitor ou 0 ouvinte a quem agrade abordé-la. Certamente a quem parecer lon- ga e desejar contudo conhecé-la, que a leia por partes. Mas a quem nao interessa conheeé-la, que nao se queixe de sua extensio. Quanto a mim, dou gracas a Deus — por fraco que seja meu talento — por ter falado 0 melhor que pude nestes quatro livros, ndio de minhas qualidades pessoais — pois elas me faltam hastante —, mas das qua. lidades que o orador deve ter, desejoso de trabalhar a base do doutrina sa, isto 6, da doutrina crista, nao s6 para pro veito pessoal, mas também para os outros. 4 41 2 a a 48 47 8 9 50 51 5 5 58 5 56 56 56 INDICE. Apresentagio Inteodugio Prstogo LIVROT SOBRE AS VERDADES A SEREM DESCOBERTAS, NAS ESCRITURAS A. PLANO, DEFINICOES, DISTINGO! Pinalidade geral de As coisas es sina assificagdo das coisas Pruire utilizar obra B. SINTESI p DOGMATICA Deus Trindade Deu: sa inefubilidade Desa: 0 mais excelente dos seres engitados Deus vivo: a Sabedoria smutavel Deus: @ infinite Sabedoria Nocessidade da purilieacio interior para vera De Aenearnagio (© motivo da Sahedoria de Deus ter vindo a nés Evo Verbo de Devs se fez carne AA redengto: a aahedoria de Deus cura o homer A vessurreigia, a nscensdo 9 03 dans do Espirito A Igeja: corpo e espasa de Cristo Cristo abriunos o caminho para a patria As chaves entregues a lareja ‘A ressurreiedo dos corpes ‘Avvida eterna O que a fe nos en 5a 60 51 82 f 4 65 56 *r 58 6s os 70 n a R nm 6 u 1% ws 79 80 sl 85, 80 86 87 89 59 31 inpicr . SDVTESE MORAL, © homem: do que yorar ¢ do que usar (© homem perfeito: aquele que ama a Deus acima de tudo (Ohjetos serene amadon O false amor de =! proprio Ninguéin odeia a prépria came O verdaideiro sentido das mortfieagdes 0 verdaudeiro amor de si priprio © preveito da caridade ‘Aoordem do anor A hierarquia na amordo proxino Precurar que todas arnens & Deus ‘O amor pelos inimigos Avuniversalidade do preceito do am ‘Tado homem & nosso présime Ainda a caridado fraterna Deus usa on goza de now? Como Deus utiliza-se do homem O ozo mmitue Deleitar-s0 em Dous Cristo, ocaminho que leva a Deus D. PRINC{PIOS BASICOS DE © amor: plenitude das Bsesituras A wdifcagio da caridade (Consiga falerpee be que sew Af nay Rscrituras forualeco a esporanga oa caridade A posse superar o desajo O valor das vireudes teologaia Disposigbes para 0 estudo das Beerituras EI ss Livro 11 SOBRE OS SINAIS A SEREM INTERPRETADOS NAS ESCRITURA A, PRECISOES PRELIMINARES Definigéo de sinal Sinais naturais Sinais verbais -m da lingzagem eserita As Eserituras: sinais da vontade de Deus Utilidade das obseuridades da Biblia O encanto das alegorins Graus na ascensdo espiritu 0 temor de Deus ¢ a piedade 92 93 95, 96 98 29 100 104 103 103, 105 106 107 109 Inpice 280 Acitneiae a fortaleza O consciho, a purifiagio interior ea snbedoria Os livres eandniens A lista das livros eandnicos 8, NECESSIDADE DE CONHECER AS LINGUAS Directives pata o estudo das Eset O vbsticuld dos signos ignoradas ou Figorados Neoossidacle do conhecimento das linguas bible Utilidade da diversidade de teadugses Fras de tradugto A relatividade dos erroa pramaticais Aitude diante des erras de Finguagem Palavrat e exprossoes desconhecidas ‘Execléneia da versio latina Itala eda versio Vantagem do conhecimento dos terms hebrateos C. UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CENCIAS, ARTES INSTITUIGOES Conhecer a natureea das coisas Q'simbolisma das mimeros Ambaica ‘A lendaria origem das nove Muss Onide houver verdade, ela ¢ propriedade de Deus Dus cavoyorine de eatucia eee 08 pags Tnstituigbee supersticiosas Manifostagdes supersticionas A influsncia da astrologin Vacuidade des horsscopos Como explicar 0 ea30 dos gémeos Tanto da ropidio dos horéscopos Os pacias com o deménio O valor dos sinais maxicos as © as leis Instituigoes a serem adotadas ou rejeitadas Tradigbes odo-instituidas pelos homens OG eontrihuto da historia Patio, Pitagoras e oa Livros santos ‘Ahistévia nfo ¢de instituiggo humana Disceraimento entre fotigns e propriedades natura’s Astronomia Adialética 14s, 159 160 161 362 363 it 165 166 166 168 169 1 das false co homens apenas com Sofismas nos silogismos Vantagens do conhiocimento de légien O falso ¢ 0 verdadeiro nas definigoes A.sloquéncia Pouca utilidade das regras a retdriea e da disléte regras imutaveie da materatien Sor sibio é tudo divigi an louvor de Deus Sintese das recomendacses 20 intelectual cristo Apologia das nomenelaturas Pertence aos crises tudo o que os pages disseram de bora Exempla doe santos Padres da Tgreja Ultimos eonselh Aimensa superioridade da Bseritura fam as verdades LIVRO UL SOBRE AS DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS NAS ESCRITURAS, A. COMO RESOLVERAS AMBIGUIDADES EM TEXTOS ‘TOMADOS EM SENTIDO PROPRIO Brove recapitulagio e objetiva do presente Livro O recurso as rogeas de {6 0a Igreja Ambigtidades devidas 3 fsa pont “Ambiguidades por pontnagdo duvidosa ‘Gasos de pontuagao faeultativa Ambiguidades provenientes da entoagio na prondneia, Casos de promdneia duvidosa Ambigisdades devidas A mancira de expresso B, COMO RESOLVER AMBIGUIDADES EM TEXTOS TOMADOS EM SBNTIDO FIGURADO, Conseqiéneias de tomar expresses simbsilicas ao pé da letra Servilao dos isracitas a signos weis Servidao dos gentios a signos siteis AA libertagio dos judeus © a dos gentios Os sinais eristaos Revonhucimento das exprossies figurailas Relatividade do julgamento humana Griteriodejulynmento: a earidade vencendo a coneupiscéncia rimeiro principio: constatar a destruigao da concupiseéncia Segundo prineipio: veriear com que intengso estat realizad Come di nie a intengio 169 70 in 188 159 180 ot 192 194 198 200 202 203 207 208, 203, 209 210 inpice, ps2 Compreender us costumes permitides no Antigo Testarsento Grriterio justo para a agg Erra dos quo pense nao haver justiga subsistente ‘Tereeito prinetpio: exaltax 0 trivia do reina da caridade Quarto principio: tudo interpretay pelo eitérie da eariiade Llembrar que nom a todos se pede 2 mesma eotsa ‘Tor em conta cs costumes da sven O proflema da poligamia to Antigo Testamento Os senswais nae acreditam na temperanga Nao medir 0 valor dos outros pelo seu proprio ‘Os justos no conheceram a titania da wensualidade ‘O enso do rei Davi Quinta principio: nfo imitar atsalmente os postures do NT ‘Sexto principio: Lesculpar com humildade as faltas das antiges Principio geral:diseermir sea expressao ¢ pripria ou figurada A mosma palavra pode tee vasins significades Distinguir os vari somtidos de tormos idéntions Elucidar as passagens obseuras pelas elaras Pluralidade de sentidos Hterais ha Hscxitura Bascar-se sempro em outras passagons da Baeritura Necessidade do conheeimento des trapoe ou figuras de pen: samento (Outros tropos: a ironia e a antifease CONSIDERAGOES SOBRE. AS REGRAS DE TICONIO © autor Tictnioe seu tivo “As rogeas Grit yeral da obra Primeira rogra:"O Senhor e sou Corpo” Segunda rer: "0 Corpo bipartide do S ‘Toreeira rogra: “As promessas ea Lei” Quarta regra: "A espécie eo genero Quinta rogra: “Os tempos Sexta rogra: “A recapitulagio" Setima regra:“O deménio e sou corpo! Condlusio LIVRO ‘SOBRE AMANEIRA DE ENSINAR A DOUTRINA A. PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DA ARTE ORATORIA, Aneesentagno da livro TV Esta obra nao é um tratado de retériea Necessidade da pratica da arte oratoria Como e em que idade realizar o aprondizade (O'método espontineo da imitagao de bons modelos INDICE, Procedimente do orador esto Vale mis falar coun sabedoria do que com eloqténcia rovaito de falar com sabedoria e eioquencia (Os autores das Eserituras assoeiam a sabodoria com a clo, Uencunte da clagiénein dos hagiégeatoa B, PSTUDO DA ARTE ORATORIA EM TRXTOS, (CRETURISTICOS Bloqeneia do texto de oo Paulo: Rea 53-5 Lcleza do texte pantie: 2Cor 1116-30 Analige Iiteriria do texto 2Cor 1136-31 ‘Apreciagio da elaqhncia desse texto de sao Paulo usifieativa da excalha deste Paulocomo modelo decloqiéncia ‘A elogieneia dos profetas tudo do texto de Armée 6,1-6 Primera conclusto: no imitar a abscuridade dos autanes sacros Segunda conclusao: reservar as dificuldades a auditorio ‘exeothido ‘Torceirs eonelwso: falar com elareaa Quarta conclusso: falar com clareza e elegans ©. ANALISF DOS ESTILOS NA ARTE ORATORIA Os trés objatives do urador Instruir 6 0 principal objetivo Convencer por veaes, é indispensivel ‘Agradar Goempre cel, quanda nit opnston verda Exemplo de estilo porposo ¢ vazio Rear é a primeira condigao para 0 orador Progar é miss confiada por Deus ‘Ags trés oljetivos correspondem os trés géneros de estilo (Oorador sscro 56 trata de grandes assuntos pelo ao testernuaho de Paulo sobre os tribunais pagiios Cardter original da eloqiiéneia sacra [Neeessidade de variar os estlos xemplos de estilo simples om so Paulo Exemplos de estilo temperada ‘Aaustocia das cldusulas métricas nos autores sseros Exemplos de estilo sublime Modelo tiraco de 2Cor 62-10 Modelo tirade do Rem 8.28.39 Modelo tirade de G14,10-20 Examplos do estilo simples nos escritores cristios Modelo tirado de sao Cipriano 21 Exemplo tirade de santo Ambrésio je eseriedade inpice 257 Exemplos de estilo termperado nos eseritoraseristaos 257 Modelo tirado de s80 Cipriana 288 Modelo tirado de santo Ambrésio 260 Exempios de estilo sublirao nos eseritores eristaoe 250 Modelo trado de sho Ciprinna 281 Modelo trado de santo Ambeésio 'D. REGRAS BSPECIAIS DE ELOQUENCIA ECLESIASTICA © oradbor sucro deve misturar os trés géneras de estilo Como se devem liar os trés géneros de estilo ‘Testemuinhio pessoal de Agostinho sobre os efeitos do estilo sublime Eeitos do estilo simples e do temperado Fim que se deve propor o estilo temperado AAs trés metas do orador saero O valor do estilo simples Valor do estilo temperade Valor do estilo sublime Conformar a vida as palavras pronuncisdas Ser modelo para os Beis, Apogar-so maisa verdade do que & forma Nao incriminar o arador que pregue diseurso feta por outro Oorador deve rezar antes de tomar a palavra Conclusio

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