O presente artigo procura caracterizar e suscitar alguns desafios na elaboração,
implementação, gestão e financiamento dos Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar (EPSAN), como instrumentos de garantia do Direito Humano a Alimentação Saudável (DHAA) e parte integrante e estruturante do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Evidentemente ele é o início de uma reflexão, incompleta, pós quase uma década da regulamentação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Palavras chave: Segurança Alimentar e Nutricional, Gestão Pública, Financiamento,
Municípios, Equipamentos Públicos
Key words: Food and Nutrition Security, Public Management, Financing, Municipalities, Public Equipment
INTRODUÇÃO
O termo segurança alimentar foi utilizado pela primeira vez no contexto da
primeira guerra mundial e desde então tem sofrido influências da caminhada e construção da própria sociedade passando pelo enfoque da importância dos países produzirem sua própria a alimentação, posteriormente a discussão do combate a fome e mais recente aos conceitos de soberania, sustentabilidade, diversidade cultural e da nutrição, na perspectiva de garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA).
1 Leonardo Koury Martins – Assistente Social, Servidor do município de Ribeirão das
Neves e Professor na Pós-Graduação em Gestão, Políticas Sociais, Família e Interdisciplinaridade | Darklane Rodrigues Dias – Assistente Social, Gestora da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de Belo Horizonte e Pós Graduanda em Políticas Públicas e Legislativo. É a partir da década de noventa que a Segurança Alimentar e Nutricional se organiza enquanto política pública inicialmente em governos locais. Em 1996 e 2002 o DHAA ganha relevância com as Cúpulas Mundiais da Alimentação, onde se estabelecem compromissos dos Estados membros para o combate a fome. No Brasil em 1993 é criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar- CONSEA e em 1995 em meio ao aprofundamento de uma política neoliberal é destituído retomando sua atuação somente em 2003.
Na contramão do governo federal, Minas Gerais, impulsionada pelas
organizações da sociedade civil cria em 1996 o Fórum Mineiro de Segurança Alimentar (FMSAN) e em 1999, como resultado da luta dos movimentos sociais é criado, por meio de Decreto (40.324/99), o Conselho Estadual de Segurança Alimentar Nutricional Sustentável (Consea-MG).
Nos governos locais, Belo Horizonte se destaca com a criação da Secretaria
Municipal de Abastecimento (SMAB), em 1993, na então gestão do prefeito Patrus Ananias, que em 2005 se torna Ministro de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Em Belo Horizonte, pela coordenação de Regina Nabuco, foram elaborados Programas inovadores, como o Comboio do Trabalhador, os Sacolões ABasteCer, as Feiras do Direto da Roça, a centralidade da gestão do Programa Municipal de Alimentação Escolar, os Restaurantes Populares, o Programa Municipal de Agricultura Urbana, dentre outros que depois se tornaram a base para o Sistema Nacional de Segurança Alimentar- Sisan.
Ao analisarmos a implantação do Sistema de San no Brasil constatamos uma
falta de conexão temporal em relação à caminhada de governos locais e estaduais em relação ao governo nacional. Somente em 2006, por meio da lei 11.346/06, é criado o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional que garante em seu artigo 7 º
Art.
7o A consecução do direito humano à alimentação
adequada e da segurança alimentar e nutricional da população far-se-á por meio do SISAN, integrado por um conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar e nutricional e que manifestem interesse em integrar o Sistema, respeitada a legislação aplicável. (LOSAN, 11.346/06) É por meio do Sisan que a Rede de equipamentos se concretiza em âmbito nacional com atribuições, concepção e organização na construção da política de SAN, na medida em que as instâncias da sociedade civil, os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional em todas as esferas, em especial nos municípios se consolidam, consolida –se também a concepção de SAN e com ela os conceitos norteadores de soberania, abastecimento e desenvolvimento sustentável.
A concepção de abastecimento que levava em conta enormes Silos de
armazenamento de grãos e outros alimentos foi se (re)desenhando no aprimoramento do estado e na luta e reivindicação da sociedade civil nos Bancos de Alimentos, nas centrais de abastecimento de produtos da agricultura familiar e camponesa. Estes que inicialmente tinham como responsabilidade garantir o combate ao desperdício foi se constituindo em novos elementos que garantiram uma múltipla função social.
OS EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
Os Equipamentos Públicos de SAN conta com uma estrutura operacional e
política nos territórios composta pelos Equipamentos de Assistência Alimentar para oferta de Alimentação Adequada e Saudável a preços subsidiados: Restaurantes Populares e Cozinhas e Refeitórios Comunitários; pelos Equipamentos de Abastecimento e Combate ao Desperdício de Alimentos: Unidades de Distribuição da Agricultura Familiar ou Centrais de Abastecimento da Agricultura Familiar, Bancos de Alimentos, além de equipamentos de Comercialização: Mercados Municipais, Pontos Fixos (Armazém e Sacolões) e as feiras livres que atuam na comercialização direta dos produtos e alimentos da agricultura familiar nos municípios. Também destacamos os equipamentos dos Centros de Referência em Segurança Alimentar (Cresans).
De acordo com (CONTI, 2011) em muitos casos, a implantação de equipamentos
públicos, em um determinado estado ou município, representa a sua entrada na Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Os Equipamentos de Assistência Alimentar para oferta de Alimentação
Adequada e Saudável a preços subsidiados: Restaurantes Populares e Cozinhas e Refeitórios Comunitários, de acordo com o relatório de contextualização e pesquisa socioeconômico dos usuários dos restaurantes populares de belo horizonte [...] se caracterizam pela comercialização de refeições prontas, nutricionalmente balanceadas, originadas de processos seguros, preponderantemente com produtos regionais, a preços acessíveis, servidas em locais apropriados e confortáveis, de forma a garantir a dignidade ao ato de se alimentar. São destinados a oferecer à população que se alimenta fora de casa, prioritariamente aos extratos sociais mais vulneráveis, refeições variadas, mantendo o equilíbrio entre os nutrientes (proteínas, carboidratos, sais minerais, vitaminas, fibras e água) em uma mesma refeição, possibilitando ao máximo o aproveitamento pelo organismo, reduzindo os grupos de risco à saúde”.
Ainda, que esses equipamentos devem funcionar também como espaços
multiuso para diversas atividades, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e representando um polo de contato do cidadão com o poder público. Nesses espaços, devem ser realizadas atividades de educação alimentar, e também outras atividades com fins culturais e de socialização. O RP ainda deve procurar estimular a sociedade a combater a fome e a adotar hábitos alimentares saudáveis, São públicos prioritários para atendimento nos Rps os trabalhadores assalariados, os indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade e/ou cadastradas no cadastro único-CadUnico, a população em situação de rua.
O Restaurante Popular compõe as estratégias do que consideramos
equipamentos que garantem a alimentação direta da população. Já Os Equipamentos de Abastecimento e Combate ao Desperdício de Alimentos: Bancos de Alimentos, Unidades de Distribuição da Agricultura Familiar ou Centrais de Abastecimento da Agricultura Familiar se referenciam nas estratégias de abastecimento e combate a perda e desperdício. É importante ressaltar que a perda se trata de alimentos em bom estado para o consumo que em algum momento, seja na comercialização ou na logística, perde valor comercial. Ainda o combate ao desperdício de alimentos processados com validade próxima ao vencimento.
Os Bancos de Alimentos (BA) atuam no recebimento de doações de
alimentos que perderam o valor para o comércio, mas que ainda estão adequados para o consumo. Por meio de parcerias com sacolões, supermercados e empresas, os alimentos são recebidos, selecionados e distribuídos a instituições da rede socioassistencial, creches, etc e famílias em situação de pobreza e como entreposto de produtos oriundos da Agricultura Familiar. Minas Gerais possui mais de oitenta BA em todo estado, seja em cidades de grande porte (aquelas com centenas de milhares de habitantes) bem como cidades onde não há grandes redes de supermercado e atacadistas, mas a doação advém especialmente da Agricultura Familiar e/ou do Programa de Aquisição de Alimentos, seja qual for à modalidade.
Já as Unidades de Distribuição da Agricultura Familiar ou Centrais de
Abastecimento da Agricultura Familiar, são equipamentos de abastecimento, que podem existir utilizando 75% do espaço dos Bancos de Alimentos (edital 01/17) ou equipamentos exclusivos. As Unidades ou Centrais funcionam como entreposto para recebimento e armazenamento de produtos da agricultura familiar, contribuindo para diminuir os custos de logística ponto a ponto, dinamizar a comercialização e regulação do mercado. Não existe um modelo único de gestão das Unidades e Centrais, que podem ser exclusivamente públicas ou mistas, por meio de Cooperação com as Cooperativas da área.
Os equipamentos de Comercialização: Mercados Municipais, Pontos Fixos (
Armazém e Sacolões) e as feiras livres que atuam na comercialização direta dos produtos e alimentos da agricultura familiar nos municípios, constituem se como espaços de comercialização de produtos hortifrúti e processados da agricultura familiar, reforma agrária e comunidades tradicionais, promovendo por meio da comercialização a indução da produção agroecológica e orgânica e ao mesmo tempo garantindo alimento saudável para o consumidor, numa lógica do ganha-ganha.
Os Mercados Municipais e Armazéns são importantes espaços de
comercialização de alimentos, especialmente de frutas, verduras e legumes, além de referências de gastronomia e cultura nas cidades.
Os sacolões, na perspectiva da Segurança Alimentar, é uma experiência do
município de Belo Horizonte, ofertam produtos alimentícios, especialmente hortifrutigranjeiros, com 20 itens cujos preços são controlados pelo órgão gestor da política. É uma importante estratégia para ampliar o consumo de frutas, verduras e legumes e regular o mercado.
Já as Feiras Livres garantem a comercialização direta de pequenos produtores
aos consumidores, evitando atravessadores e garantindo preços justos para ambos, consolidando circuitos curtos como uma estratégia de garantir a Segurança Alimentar e Nutricional e a implementação de sistemas alimentares urbanos, resilientes e sustentáveis.
Os Centros de Referência em Segurança Alimentar (Cresans), são
equipamentos públicos de integração da política de Segurança Alimentar e Nutricional, com projetos e ações de valorização das boas práticas alimentares, de qualificação profissional de Mobilização e Educação Alimentar e Nutricional (EAN).
O DESAFIO PARA A IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DOS EPSAN NOS MUNICÍPIOS
O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi promulgado em
2006 por meio da Lei 11.346/06 e somente em 2010 ocorreu a sua regulamentação por meio do Decreto 7272/2010. Podemos considerar que o Sisan, após quase uma década de existência, ainda se encontra em processo de implantação e implementação no Brasil. Por ser uma política intersetorial, e sua implementação ocorrer a partir de arranjos institucionais adequados a cada contexto, ainda há pouca normatização e regulamentação da Política Nacional, no que concerne a serviços, programas e equipamentos que compõe o Sistema. Identificamos este como um dos principais desafios no que diz respeito à orientação técnica para implantação, a gestão e financiamento dos Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional (EPSAN),nos munícipios.
Os equipamentos públicos de Segurança Alimentar e Nutricional são a
materialização do DHAA, neste aspecto destacamos três desafios que se interconectam. As Diretrizes na implantação dos equipamentos no território, o financiamento e a gestão intersetorial e integrada.
No que consiste a organização dos equipamentos no território, esta se dá no
entendimento que estes equipamentos devem primar pela garantia de Direitos reclamáveis e não de benesses. Ainda pela garantia da participação e o diálogo com os usuários, associações, cooperativas, etc bem como constituir uma rede intersetorial, especialmente com os equipamentos da política de assistência social, na perspectiva do diálogo, da construção de ações conjuntas, com vistas à extinção da fome e de garantia de alimentação saudável para as famílias em situação de vulnerabilidade.
Quanto ao financiamento, entendemos este como um dos grandes desafios da
Política de San. Não podemos desconsiderar a realidade econômica, nem mesmo as dificuldades administrativas que os municípios brasileiros vivem cotidianamente. Não é fácil garantir na prática orçamento para a política de SAN. Passados uma década do SISAN se tornar lei, ainda não há claro o modelo de co-financiamento dos estados e união. Nem mesmo financiamento adequado para reforma e construção de novos equipamentos, quanto ainda recursos financeiros para garantir equipes mínimas de funcionamento.
Este é um debate incansável que os gestores que tem compromisso de construir
este direito travam cotidianamente, e neste sentido, as Câmaras Intersetoriais de Segurança Alimentar e Nutricional CAISANS, pouco conseguiram acumular no debate da gestão municipal brasileira ou entre esferas estaduais e a união, para compreender o desafio e elaborar propostas de manutenção e ampliação dos equipamentos públicos desta política.
Por fim, a gestão dos Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional frente
as demais políticas públicas, como saúde e assistência social, possui pouca regulamentação no que tange as competências, definição de equipes mínimas, instâncias de pactuação, etc.
Ainda no que tange a gestão integrada, destacamos também a centralidade do
papel da comunicação e da cultura que são estratégicas para trazer vida e significado aos alimentos e reconhecimento aos seus produtores e produtoras. A comunicação e a cultura se aliam as estratégias de comercialização, na garantia de geração e melhoria da renda, mas também na construção midiática da alimentação para o consumo saudável, quando dialoga com a sociedade sobre o modo de produção, o alimento e o consumo.
Segundo PETRINI, comer é um ato político. Se for uma escolha os alimentos
que vamos ter em nossas casas e possibilitar a nós uma vida saudável, o investimento dos gestores públicos para que esta política se torne cada vez mais fortalecida, é estratégico.
REFERÊNCIAS
BRASIL, 11.346/06 Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, Brasilia, DF.
e nutricional / RedeSAN - FAURGS - UFRGS - MDS Porto Alegre : Evangraf, 2011 Site do MDS; http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/abastecimento-e- consumo-alimentar acessado em 01 de setembro de 2017
Plano Estadual de Segurança Alimentar/Participação Cidadã. Governo do Estado de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012. 160 folhas.
Relatório Contextualização e Pesquisa Socioeconômica dos Usuários dos Restaurantes
Populares de Belo Horizonte. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2017.