Вы находитесь на странице: 1из 14

Palestras e Conferências

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO


CIVIL PÚBLICA*

GILBERTO SCHÄFER**
Juiz de Direito na 1ª Vara Cível da Comarca de Guaíba/RS
Mestre e doutorando em Direito Público na UFRGS
Professor de Direito Constitucional da Escola Superior da Magistratura/AJURIS

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O controle de constitucionalidade na ação civil pública como


questão prejudicial. 3. A convivência dos modelos difuso e concentrado. 4. Situações especiais.
4.1. A inconstitucionalidade superveniente. 4.2. O direito municipal. 4.3. Leis apenas formais. 5.
Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Conclusão.

RESUMO: O presente texto apresenta a questão do controle de constitucionalidade em Ação


Civil Pública (ACP) consoante a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O controle
deve ser feito como questão incidental e a ACP não pode ser sucedâneo das ações abstratas de
controle de constitucionalidade. O STF busca garantir a prevalência de sua palavra em última
instância, utilizando inclusive mecanismos cautelares para este fim. Observa-se alguns casos em
que se torna mais importante o controle: direito anterior à nova constituição, direito municipal
e nas leis apenas em sentido formal. Aborda ainda a questão da modulação nos efeitos no controle
de constitucionalidade feito em Ação Civil Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade. Ação civil Pública. Controle difuso de


constitucionalidade. Controle concentrado de constitucionalidade. Convivência de modelos. Direito
Municipal. Inconstitucionalidade superveniente. Leis de efeitos concretos. Modulação de efeitos.

--------------------------------------------------------------------
*
Palestra proferida no Curso de Aperfeiçoamento de Magistrados em Direito Público, em 09/06/2006,
na ESM/AJURIS.
**
schafer@via-rs.net.
312 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

1. INTRODUÇÃO

N
o Brasil convivem o controle de constitucionalidade concentrado – feito em geral
de forma abstrata – e o modelo difuso (feito de forma incidental)1. Depois da
promulgação da Constituição de 1988 o modelo concentrado/abstrato se firmou
como o modelo mais importante no ordenamento jurídico brasileiro. Isso aconteceu em
decorrência: a) da ampliação da legitimação ativa na Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) introduzida pela CF; b) da introdução da Ação Declaratória de Constitucionalidade
(ADC) pela Emenda Constitucional (EC) 03 e sua consagração da Questão de Ordem 1
formulada na Ação direta DC 1; c) ampliação da legitimação da ADC (EC 45)2; d) da
regulamentação e consagração dos efeitos ambivalentes na declaração de
constitucionalidade e inconstitucionalidade3; e) da regulamentação da Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9882/99) e a definição de seus contornos
pela jurisprudência do STF (especialmente na ADPF 33)4.
O modelo difuso hoje, ao contrário do período anterior a CF/88, é um modelo
subsidiário. Ocupa uma função (a) supletiva, isto é, alcança àquelas situações que não
podem ser atingidas pelo modelo abstrato; e (b) corretiva, de eventuais situações não

--------------------------------------------------------------------
1
Conforme esclarece Luís Afonso Heck “... o par conceitual controle principal e incidental refere-se ao
objeto do litígio. No controle normativo principal somente a questão da constitucionalidade/
inconstitucionalidade da lei é objeto do procedimento. O controle incidental, ao contrário, ocorre no
quadro de um litígio jurídico que tem outro objeto, por exemplo, a conformidade ao direito de um ato.
A decisão, porém, depende da constitucionalidade da lei que está na base desse ato. O par conceitual
controle normativo abstrato e concreto dirige-se a o motivo do controle normativo. Naquele não
existe conexão com um caso litigioso concreto, neste sim, porque se apresenta a questão de saber se a
lei que importa para a decisão é ou não compatível com a Constituição. O par conceitual controle
concentrado e difuso aponta para o tribunal competente para a decisão. No controle concentrado,
tanto a competência para o exame como a competência para a rejeição estão concentradas em um
mesmo tribunal, enquanto, no controle difuso, essas competências encontram-se nas mãos de juízes,
monocráticos ou não. Além disso, o par conceitual controle normativo especial e integrado expressa o
fato da jurisdição constitucional, e com isso o controle normativo, ser atribuído a um tribunal
constitucional especial ou a um tribunal supremo competente para todos os âmbitos jurídicos. Esses
pares conceituais se cruzam na prática.” Heck, Luís Afonso, “O Controle Normativo no Direito
Constitucional Brasileiro” Revista do Tribunais, nº 800, junho de 2002, p. 58 nota de pé-de-página
número 1.
2
A EC 45 estabeleceu que os legitimados para a ADC e para a ADI são os mesmos (atual redação do art.
103 da CF)
3
Os efeitos ambivalentes foram consagrados na prática jurisprudencial e através da Lei 9868/99. No
entanto, ela não tinha amparo textual na constituição, o que gerava críticas por parte da doutrina. Para
exemplificar essa crítica podemos ver o artigo escrito por SARLET, Ingo Wolfgang. Argüição de
descumprimento de preceito fundamental – alguns aspectos controversos. Revista da Ajuris, Porto
Alegre: AJURIS, v. 27, n. 84, p. 117-137, DEZ/2001. No entanto, agora a expressão constitucional
não admite mais dúvidas: “Art. § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
4
Sobre o tema ver SCHÄFER, Gilberto. Os Contornos da argüição de descumprimento de preceito
fundamental na jurisprudência do STF, Ajuris 102, 143-158.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 313

atingidos a contento pelo modelo abstrato, ou mesmo, eventualmente, assegurar a


modulação de efeitos de modo a não produzir situações injustas5.
Devido a esta dimensão, muitas vezes, se tem obnubilado o controle difuso/incidental
que merece ainda ser prestigiado, nos seus campos de incidência subsidiária.
A esse aspecto some-se o fato de que também os instrumentos coletivos – de modo
geral – granjearam inimigos poderosos, dado ao seu uso. Entre esses inimigos destacam-se
as grandes corporações e os governos.6 A Ação Civil Pública (ACP) é um instrumento
constitucional que não escapou desse processo e que teve reputado a sua utilização como
abusiva7.
Por isso, vamos fazer uma análise do controle de constitucionalidade nesses
instrumentos coletivos, buscando apontar as questões técnicas que permeiam o instituto
especialmente prestigiado o valor fundamental que é o da supremacia constitucional.

2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO


QUESTÃO PREJUDICIAL
Criticava-se a utilização da ACP por usurpar a competência e a autoridade do STF,
quando envolvesse controle de constitucionalidade, devido aos seus efeitos “erga omnes”,
semelhantes aos produzidas em ações diretas.
Essa crítica tinha como base um precedente, a Reclamação 434–SP, em que se
questionava a usurpação de competência produzida não em uma ACP, mas numa ação
ordinária. Ela foi proposta devido a uma cautelar, que uma empresa cinematográfica ajuizou
contra a Fazenda do Estado perante o Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública de São
Paulo (Proc. n. 1035/92), para desobrigar a autora da observância da legislação estadual,
sob o pretexto de sua inconstitucionalidade. Concedida a liminar, outra ação cautelar foi
proposta por 27 empresas, objetivando igualmente a suspensão, “até o término da ação
ordinária, da venda do ingresso denominado ‘meia entrada’, pertinente ao valor efetivamente
cobrado na bilheteria de cada cinema”, tendo sido igualmente concedida a liminar. As
empresas cinematográficas, todas em conjunto, ajuizaram ação ordinária contra a Fazenda

--------------------------------------------------------------------

5
Para Gilmar Medes (MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de
normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 78) O monopólio anterior da ação pelo
Procurador-Geral da República – que segundo o Supremo Tribunal Federal detinha a autonomia para
propor ou não a ação de inconstitucionalidade – não provocou a alteração profunda no modelo
incidente. A ampliação da legitimação da ADI na Constituição Federal é que reduziu o significado do
controle incidental ou difuso, permitindo que, “praticamente, todas as controvérsias relevantes sejam
submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas”.
6
Sobre as estratégias do governo no processo civil consulte: SILVA, Carlos Augusto. O processo civil
como estratégia de poder: reflexo da judicialização da política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
259.
7
Para exemplificar essa tendência: WALD, Arnoldo “Usos e abusos da ação civil pública (análise de sua
patologia)”. Ajuris, ano XXI, n. 61, Porto Alegre, julho de 1994.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


314 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

do Estado, insistindo na alegação de que a “criação da meia entrada viola a Constituição


Federal, em seus artigos 5º, I e IV e 170”.8
No julgamento da Reclamação foi apontado que realmente não havia qualquer conflito
subjetivo, um conflito de interesses, mas que as empresas visavam “decretar a ilegalidade
da própria lei”9 e o Estado de São Paulo estava no pólo passivo dessa ação porque a ação
necessitava de um Réu, pois o Estado sequer fiscalizava a aplicação da lei. A ação dirigia-
se contra a lei em tese, consoante o próprio pedido de que a lei fosse declarada
inconstitucional.
A doutrina citava essa reclamação como o leading case para sustentar a
impossibilidade de realizar controle difuso/incidental de constitucionalidade em ACP.
Formatou a partir dele uma conclusão, que pode ser expressa, na seguinte assertiva: não se
pode realizar o controle de constitucionalidade em ACP.
Ora, verdadeira essa asserção chegaríamos à conclusão que se deveria ter sempre
como bons os atos normativos, quando em jurisdição de ação civil pública. Esse raciocínio
por absurdum deve ser afastado no nosso sistema, em que o controle de constitucionalidade
é ínsito aos órgãos jurisdicionais.
Qual é então a afirmativa que se pode realizar a partir desse caso? Trata-se de
enunciá-lo de forma correta, ou seja, buscar precisar o seu significado, na sua ratio decidendi.
Por isso, a afirmação poderia ser formulada da seguinte forma: a ACP não pode ser
sucedâneo para a declaração abstrata de inconstitucionalidade.
Trata-se de evitar um controle principal, abstrato, em tese, em que a própria norma
seja objeto do procedimento para a declaração de inconstitucionalidade.
A ACP – a assertiva vale para as todas as Ações Coletivas – não é um processo
objetivo, pois na ACP existem requeridos, que são aqueles que devem proteger um
determinado bem da vida (não se trata de legitimados passivos formais). Ademais, em
muitos casos, especialmente quando se tratar de interesses individuais homogêneos ou
interesses coletivos, há beneficiários identificáveis.
Para não ser sucedâneo de Ações Diretas a questão deve aparecer de modo
incidental, como prejudicial, para atingir o bem da vida que se busca. Adverte-se, no
entanto, que não se pode confundir os efeitos práticos de uma medida com os efeitos
jurídicos. Na prática os efeitos serão semelhantes, mas não do ponto de vista jurídico. O

--------------------------------------------------------------------
8
O acórdão está publicado na Revista RTJ 154, outubro de 1995, p. 13-21.
9
Voto do Ministro Rezek: “Quanto à questão essencial, estimo exato o parecer da Procuradoria-Geral da
República, de autoria do chefe do Ministério Público. A leitura do acervo aqui produzido faz ver que o
objeto precípuo das ações em curso na 2ª e 3ª Varas de Fazenda Pública da Comarca de São Paulo é, ainda
que de forma dissimulada, a declaração de inconstitucionalidade da lei estadual em face da Carta da
República. As requerentes, ao proporem a providência cautelar, preparatória da ação principal, e
deixam claro que esta visa a ‘decretar a ilegalidade da medida...’ (fl. 34). Ocorre que a ‘medida’ tida por
ilegal é a própria lei. E o juízo de inconstitucionalidade da lei só se produz como incidente no processo
comum – controle difuso – ou como escopo precípuo do processo declaratório de inconstitucionalidade
da lei em tese – controle concentrado”.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 315

ordenamento prestigia diversos instrumentos coletivos e individuais para atingir um


determinado fim. Em situações como essas, a ACP tem sido aceita, pois esta somente
alcançará o bem da vida pleiteado “não retirando do ordenamento qualquer norma
ilegal”10 seja aplicando regras de direito adquirido ou de isonomia. Essas decisões foram
firmadas pelo STF nas Reclamações 600 e 60211.

3. A CONVIVÊNCIA DOS MODELOS DIFUSO E CONCENTRADO


Devido ao novo caráter que o modelo concentrado assumiu, cada vez mais, temos o
imediato ajuizamento de medidas concomitantes. Na Ação Civil Pública podemos ter, como
em outros casos, um contato entre os dois modelos. Um realizado de forma difusa – e o
abstrato – realizado de forma concentrada pelo STF e pelos Tribunais de Justiça. No STF
pode estar pendente de julgamento uma Ação Direta que tenha como objeto uma lei,
questionada de forma incidental em ACP.
É claro que é preciso estabelecer mecanismos que garantam a autoridade da decisão
final do STF. Na reclamação 2460-1 se analisava justamente esse ponto de contato, pois
estava em curso no STF a ADI 2950, ajuizada pela Procuradoria Geral da República contra
o Decreto n. 25.723, de 16 de novembro de 199, do Estado do Rio de Janeiro, envolvido nas
ações civis públicas.
O STF entendeu em preservar a autoridade da sua decisão resguardando-se contra
a formação de uma coisa julgada que a contrariasse. Por isso, determinou a suspensão, com
efeitos ex nunc, das mencionadas ações civis públicas, mantendo-se, em decorrência disso,
a eficácia das tutelas nelas deferidas, pelas quais se determinou a interrupção do
funcionamento de bingos no Estado do Rio de Janeiro. A suspensão das ações civis
--------------------------------------------------------------------
10
Conforme AC em Apelação cível 1998.04.01.025353-4, 3ª Turma, TRF 4ª Região, Relatora Juíza
Maria de Fátima Freitas.
11
“Para o Ministro Néri da Silveira no julgamento da Reclamação 600/00: “na ação civil pública, ora em
julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei n. 8.024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo
que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir
direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle
do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b, da Lei Maior, eis que decisão
definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado
conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de
constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer em
abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF, art. 102, I, a), que na via difusa, incidenter
tantum, ao ensejo de partes do desate da controvérsia, na defesa de direito subjetivo de partes interessadas,
afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. Nas ações coletivas, não se nega, à
evidência, também a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei
ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art.
16, da Lei n. 7.347/97, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF.
No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, em
situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclamação, onde sustenta
a usurpação pela Corte local, de competência do Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese
discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei n. 7347/85, art. 16), o que poderá,
entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada
improcedente, cassando-se a liminar.”

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


316 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

públicas decorre, segundo o STF, não do sustentado exercício indevido da competência,


mas sim do objetivo de coibir eventual trânsito em julgado nas referidas ações, com o
conseqüente esvaziamento da decisão a ser proferida nos autos da ação direta.
O Tribunal, dessa forma, firmou a utilização da ação civil pública como instrumento
de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa, mas entendeu que a partir
daquele momento estariam suspensos os efeitos para evitar incongruência com a formação
de duas coisas julgadas diversas, com a possibilidade da Justiça de São Paulo entender em
um sentido e o STF em outro.
Procurou, por isso, preservar em última instância a decisão do STF. A construção
dessa decisão foi apontada por Gilmar Mendes para quem “em matéria de controle de
constitucionalidade coincidente com o objeto, naquela linha das normas de reprodução
obrigatória, o Tribunal fez uma construção, da lavra do Ministro Moreira Alves, que é a
determinação da suspensão dos processos perante a Corte judicial estadual quando a
matéria estiver submetida ao Supremo Tribunal Federal. Mutatis mutandis, a situação aqui
é bastante similar”12. E adiante arremata: “Por isso que, naquele outro julgamento (...)
suscitei a possibilidade de se fazer uma interpretação extensiva, e aplicar o artigo 21 da lei
no. 9.868, para suspender, pelo menos, o julgamento dos processos que envolvessem o
tema13“
O art. 21 da Lei 9868/9914, referido pelo Ministro Gilmar Mendes, trata da medida
Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade em que o STF busca paralisar os
processos que estão tramitando nos outros ramos da Jurisdição até que decida a questão
prejudicial. Na reclamação, em análise, deve-se notar que o STF, contudo, preserva o efeito
liminar da decisão de primeiro grau (na ACP), justamente a partir da argumentação
desenvolvida pelos demais Ministros.
Utiliza-se a cautelar para garantir a eficácia da decisão final inclusive no plano da
efetividade. Trata-se de estabelecer em última instância a garantia das decisões do STF.
“Não cabe ao legislador ordinário estabelecer, em numerus clausus, as configurações que
ditas providencias podem assumir, nem limitar o seu alcance de forma que iniba a consecução
da finalidade a que se destinam. Nesse domínio jurídico, de estabelecer o conteúdo da

--------------------------------------------------------------------
12
Intervenção do Ministro Gilmar Mendes, p. 182.
13
Intervenção do Ministro Gilmar Mendes, disponível em:
http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=Rcl-MC&processo=2460&origem=
IT&cod_classe=406, p. 184/185.
14
Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir
pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de
que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou
do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção
especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o
Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua
eficácia.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 317

liminar nas ações de controle em abstrato, é indispensável considerar que a tutela da


efetividade das sentenças constitui não apenas um poder, mas também um dever do
Supremo, e que a fonte desse poder-dever está na Constituição, e deve ser exercido sempre
que necessário e com a adoção das providências que sejam indispensáveis”15.
Assim, na interpretação do Supremo quando for apresentada ao STF uma das ações
do denominado processo objetivo de controle de constitucionalidade o processo deve ser
paralisado, como uma questão de prejudicialidade externa, ou seja, dependente da resolução
da questão em outro processo. Essa prejudicialidade nem sempre é obrigatória, e na ADC
obedecerá ao art. 21 da Lei 9868/99. Na ADI ela não é obrigatória, parecendo mais uma
faculdade do STF já que não expressa (ela é prevista para a ADC).
Pode-se perguntar, a contrário senso, se ele pode também ser feita pelo juiz de
primeiro grau. A resposta deve ser negativa, pois do contrário podem advir resultados
nocivos, especialmente como conseqüência do fato de que em inúmeros casos em que o
julgamento do mérito das ações diretas é prejudicado, como no caso em que há revogação
da legislação no decorrer no processo abstrato ou nos casos em que há revogação da
norma constitucional que serve de parâmetro de confronto. Nesse caso o Supremo tem
decidido que há extinção da ação16.
Outro argumento é de que caso se proceda ao controle de constitucionalidade na
ACP é o de que haverá decisões contraditórias e anárquicas. Se a contradição entre julgados
não pode ser eliminada do sistema constitucional, ela pode ser reduzida ou minimizada de
diversas maneiras, especialmente através dos Recursos Extraordinário e da Ação Rescisória.17

--------------------------------------------------------------------
15
ZAVASCKI, Teori Albino, eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2001, p.64.
16
AÇÃO Direta – Questão de Ordem – Impugnação a Medida Provisória que se converteu em lei. Neste
sentido é interativa a jurisprudência do Supremo como se pode ver na Questão de Ordem na Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 1445/DF, Tribunal Pleno do STF, Rel. Min. Celso de Mello. j. 03.11.2004,
DJU 29.04.2005: Lei – Lei de Conversão posteriormente revogada por outro diploma legislativo –
Prejudicialidade da Ação Direta. A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar
situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de
constitucionalidade, eis que a ab-rogação do diploma normativo questionado opera, quanto a este, a sua
exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação
direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos. Precedentes.
17
SCHÄFER, Gilberto. Ação Civil Pública e Controle de Constitucionalidade, Sergio fabris editor, 2002,
p. 136: “Garante-se ao Supremo a guarda última da Constituição e de sua “inteireza positiva”, por esse
motivo, a uniformização do entendimento, quando poderá fazer o controle de constitucionalidade pela
via incidental. O Recurso Extraordinário minimiza as contradições e a insegurança de decisões em
qualquer tipo de procedimento, inclusive nas Ações Civis Públicas. Se a decisão vier a declarar a
inconstitucionalidade do ato normativo, não se produz efeitos erga omnes ou vinculantes, mas apenas
inter partes. O ato declarado inconstitucional depende, ainda, de decisão do Senado Federal (art. 52, X,
da Constituição Federal) para que suspenda a eficácia da lei ou do ato normativo contestado. Sempre
quando houver questão constitucional, há a possibilidade de recurso extraordinário que, em última
análise, leva a causa até o Supremo Tribunal Federal, minimizando qualquer possibilidade de decisões
contraditórias e anárquicas, permitindo que o STF uniformize a matéria constitucional. É evidente que
numa Ação Civil Pública as partes beneficiadas serão maiores conforme a dimensão do objeto. Se se
tratar de uma ação de defesa do consumidor, as partes são identificáveis, motivo pelo qual a dimensão
subjetiva adquire ainda maior relevância”.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


318 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

4. SITUAÇÕES ESPECIAIS
Há algumas situações especiais no controle de constitucionalidade que devem ser
brevemente esmiuçadas. Dentre essas situações gostaria de destacar as principais:

4.1. A inconstitucionalidade superveniente


A doutrina e a jurisprudência têm admitido que o direito anterior à nova constituição
que não é recepcionado pela nova ordem é revogado. Desde a ADI 2, tem-se entendido –
por maioria – que não caberia o controle dessas normas por via de Ação Direta18. Hoje se
admite apenas a utilização de ADPF, na hipótese de se ferir um preceito fundamental19.
De qualquer forma, face aos efeitos revocatórios, permite-se o afastamento
interpretativo no caso concreto como se fosse qualquer outra norma que o Juiz estivesse
interpretando.
O Poder Judiciário, de forma difusa, atua como controlador da não recepção dessas
normas constitucionais, resolvendo a questão pelo direito intertemporal. É importante não
esquecer que não deixa de envolver matéria constitucional exigindo-se do julgador uma
postura de intérprete constitucional.

4.2. O direito municipal


O direito municipal guarda suas peculiaridades. A competência municipal é indicada
diretamente na Constituição Federal. No entanto, não existe um controle direto de
constitucionalidade em ADI – e tampouco em ADC – de normas municipais frente à
Constituição Federal. A única possibilidade é o ataque direto via ADPF, quando ferir um
preceito fundamental inscrito na Constituição Federal20.
Como não havia esse ataque direto em ADI (e ADC) no STF alguns estados, como
o Rio Grande do Sul21, chegaram a prever ações diretas de inconstitucionalidade tendo
como parâmetro de controle a Constituição Federal, o que acabou sendo julgado

--------------------------------------------------------------------
18
Ressalte-se que o entendimento de que não seria possível fazer tal declaração em ADI nunca foi
pacífico. A crítica doutrinária partia daqueles que queriam um instrumento que de forma direta e ampla
declarasse a inconstitucionalidade desde logo do ato normativo. Apenas para ilustrar esse entendimento
pode-se ler PERTENCE, Sepúlveda. Ação Direta de Inconstitucionalidade e as normas anteriores: as
razões dos vencidos. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília: Imprensa Nacional, v. 45, n. 180, p.
149, JUL/DEZ/1992. A luta dos vencidos teve como passo decisivo conseguir, por via legislativa, se
pudesse utilizar a ADPF como forma de controle do direito anterior. Essa orientação acabou sendo
consagrada na ADPF 33, com voto do Relator Ministro Gilmar Mendes.
19
Nesse sentido ver SCHÄFER, Gilberto, “Os contornos da argüição de descumprimento de preceito
fundamental na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, Ajuris 102, p. 143/158. Ver especialmente
o julgamento na ADPF 33.
20
Trata-se de uma possibilidade interpretativa através da Lei 9882/99 e das obiter dicta dos votos da
ADPF 33, especialmente do voto do Ministro Gilmar Mendes.
21
“a ação direta da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual perante esta Constituição, e de
municipal perante esta e a Constituição Federal, inclusive por omissão.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 319

inconstitucional pelo STF na ADI 40922.


Por isso, a única forma de controle direto existente, de forma ampla, é a ADI estadual,
ou seja, nos Tribunais de Justiça tomando como parâmetro a constituição estadual.
Então no caso do direito municipal temos a seguinte situação: de forma direta, pode-
se fazer o controle diante dos preceitos fundamentais da Constituição Federal (ADPF a ser
ajuizada no STF)23; de forma direta diante da Constituição Estadual (ADI – ajuizada nos
TJs); A representação interventiva estadual quando ferir um princípio sensível inscrito na
constituição estadual (competência TJs).
No entanto, de forma difusa/incidental o controle será amplo. Qualquer juízo ou
Tribunal poderá fazê-lo tendo como parâmetro as constituições federal e estadual.
Foi justamente num caso em que estava envolvido o direito municipal que o Supremo
Tribunal consolidou o cabimento do controle de constitucionalidade em ACP (Medida
Cautelar da Reclamação 1.733-SP, Relator do Ministro Celso de Mello)24.
O interessante a observar é que se tratava de Reclamação, com pedido liminar,
promovida com o objetivo de fazer preservar a competência do Supremo Tribunal Federal,
alegadamente usurpada por magistrado de primeira instância, que, julgou procedente ação
civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, e que veio a
declarar, incidentemente, a inconstitucionalidade do art. 8º da Lei Orgânica do Município
de Sorocaba/SP, que fixara em vinte e um (21) o número de Vereadores à Câmara Municipal.
Trata-se do famoso caso que acabou no Supremo Tribunal Federal, com a redução do
número de vereadores – depois estendida por resolução pelo TSE para todo o Brasil. A
sentença reduziu o número de membros que a Câmara Municipal de Sorocaba/SP poderia
ter na legislatura que sucederia.
A reclamante, para justificar a alegação de que teria havido exercício indevido de
competência do Supremo Tribunal Federal, sustentou a que a sentença teria efeitos ‘erga
omnes’ (...)” e que “a ação intentada, por conseguinte, não pode prosperar, devendo ser
trancado seu processamento ab initio, por representar disfarçada utilização de ação direta
de inconstitucionalidade pelo Ministério Público, em sede de Ação Civil Pública, com o

--------------------------------------------------------------------
22
O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na ação direta e declarou a
inconstitucionalidade da expressão “e a Constituição Federal”, contida na alínea “d” do inciso XII do
artigo 095 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Ausente, justificadamente, porque em
representação do Tribunal, o Senhor Ministro Ilmar Galvão. – Plenário, 13.03.2002. – Acórdão, DJ
26.04.2002. Relator Ministro Celso de Mello.
23
Ressalte-se que essa afirmação leva em conta a tendência expressa na ADPF 33.
24
A decisão está assim ementada: Ação Civil Pública. Controle incidental de constitucionalidade. Questão
prejudicial. Possibilidade. Inocorrência de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. – O
Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como
instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou
atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que,
nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da
demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal.
Precedentes.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


320 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

objetivo de reduzir o número de Vereadores, em ofensa à autonomia municipal de auto


legislar”.
Já em estudo realizado anteriormente havia concluído que não se poderia abrir mão
do controle incidenter tantum nesse caso, sob pena de deixar a descoberto uma parcela
significativa de atos normativos e que o STF pode realizar tal controle através do recurso
extraordinário. Para o fato de que a questão não chegará ao Supremo valem os mesmos
argumentos apresentados pelo Ministro Moreira Alves na Reclamação n. 383-3, pois ele
aponta que também, nos casos em que a norma for questionada perante a Constituição
Estadual, reproduzindo dispositivo da Constituição Federal, a matéria poderá não chegar
ao Supremo, havendo pronunciamento sobre a constitucionalidade da norma sem passar
pelo Supremo. Naquela ocasião havia concluído que “por se tratar de norma municipal
frente à Constituição, ainda, há mais razão de se fazer o controle difuso. Nos demais casos,
valem as regras do controle incidental, e não principaliter, como já expusemos. Igualmente
a ACP se presta para incidentalmente declarar a inorganicidade (Lei Orgânica Municipal) da
lei, agora sem necessidade de um procedimento especial, eis que simples juízo de legalidade”25
Por esse motivo na reclamação é reforçada a possibilidade desse controle e a questão
ficou expressamente assentada, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a questão da
proporcionalidade dos vereadores, o recurso extraordinário da Ação Civil Pública, de forma
definitiva: assentando definitivamente a propriedade do instrumento sempre que envolver
questão prejudicial26.

--------------------------------------------------------------------
25
SCHÄFER, Gilberto. Ação Civil Pública e Controle de Constitucionalidade, p. 157/158.
26
A demanda foi assim definida no Recurso Extraordinário nº 300343/SP, Tribunal Pleno do STF, Rel.
Min. Maurício Corrêa. j. 31.03.2004, maioria, DJU 11.06.2004: Recurso Extraordinário. Municípios.
Câmara de Vereadores. Composição. Autonomia Municipal. Limites constitucionais. Número de
vereadores proporcional à população. CF, artigo 29, IV. Aplicação de critério aritmético rígido. Invocação
dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de
vereadores. inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. efeitos para o futuro. situação
excepcional. 1. O artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal exige que o número de Vereadores seja
proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas
alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das
Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo
29), é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e
contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais vereadores do que outros com um
número de habitantes várias vezes maior. A ausência de um parâmetro matemático rígido que delimite
a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da
razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da
Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população
configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5.
Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a
proporcionalidade reclamada traduza qualquer lesão aos demais princípios constitucionais nem resulte
formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios Brasileiros. Atendimento aos postulados da
moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da
autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da
representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera
segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos
27 e 45, § 1º). Inconstitucionalidade. 7. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 321

4.3. Leis apenas formais


No Brasil, tem-se exigido que o ato normativo sujeito a controle direto de
constitucionalidade seja dotado de um caráter de generalidade e abstração. Trata-se da
velha distinção entre lei material e lei formal.27 “Para que se pudesse falar em lei na última
acepção impunha-se que o preceito fosse genérico, abstrato e impessoal, do contrário a
lei só seria lei em sentido formal, o que vale dizer que seria ato administrativo com
roupagem de lei”.28
A doutrina brasileira sempre distinguiu essa matéria quando se tratava da distinção
das espécies de atos do Poder Legislativo, para fins de Mandado de Segurança, pois
haviam atos estatais revestidos das formalidades constitucionais necessárias à sua
caracterização como leis, independentemente da matéria nela elencada e que se diz lei
formal. A lei formal sempre emana do órgão legislativo. Já a lei em sentido material pode
emanar de qualquer órgão.
Os juristas brasileiros inicialmente repudiaram qualquer possibilidade de a lei ser
objeto de ação de impugnação a não ser no caso do controle abstrato. No entanto, a
doutrina mitigou essa idéia justamente a partir dessa distinção entre lei formal e material,
também denominada de leis-medidas ou leis de efeitos concretos.29 Trata-se de examinar o
conteúdo da lei, para observar se ela é apenas um ato administrativo, ou seja, se não
contém o caráter de generalidade. “Em outras hipóteses, todavia, em que surge a necessidade
do controle jurisdicional da constitucionalidade de leis, não se pode ladear tão simplesmente
o princípio clássico. Isto se dá quando a lei, que o seja formal e materialmente, contém
dispositivo que a torna executável e viola direito individual sem necessidade de qualquer
ato ulterior; é o caso das chamadas leis auto-executáveis”.30
A questão suscita o reverso, ou seja, é lei material, não importando de qual dos
Poderes provenha, quando tiver caráter genérico. Nesse caso, admite-se o controle de
constitucionalidade direto e abstrato, pois se entende que apenas o ato executivo tem o
condão de ferir o direito subjetivo.
A questão tem sido levada inúmeras vezes ao Supremo Tribunal Federal, que tem
feito a distinção entre lei formal e lei material, para concluir que não cabe o controle abstrato
de constitucionalidade dos atos materialmente administrativos (leis apenas formais).
Também na jurisprudência do Supremo temos encontrado atos que formalmente
pertencem à administração (não-legislativos), mas que materialmente são considerados
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
em
- que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ‘ex tunc’, resultaria em grave ameaça a todo
o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção,
efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido
e, em parte, provido.
27
LABAND, Paul. Le droit public de l’empire allemand. Paris: V. Giard et. E., Brière, 1901.
28
COUTO E SILVA, Almiro.. “Responsabilidade do estado e problemas jurídicos”, Revista de Direito
Público 63, p.30.
29
Idem, p 28-36.
30
BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.127.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


322 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

como lei material devido ao seu caráter genérico, como, por exemplo, o caso de uma Resolução
Administrativa de Tribunal.
Nesses casos o STF afirma claramente que não cabe o controle abstrato, mas continua
a existir o controle difuso. Para o STF “isso não impede que eventuais prejudicados se
valham das vias adequadas ao controle difuso de constitucionalidade, sustentando a
inconstitucionalidade da destinação de recursos prevista na Lei em questão”. 31
O entendimento é de que se permite que o efeito concreto de qualquer lei apenas
formal seja atacável via qualquer ação, especialmente as de caráter constitucional, como
Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública.
Já se decidiu que “a ação direta de inconstitucionalidade não constitui sucedâneo
da ação popular constitucional, destinada, esta sim, a preservar, em função de seu amplo
espectro de atuação jurídico-processual, a intangibilidade do patrimônio público e a
integridade do princípio da moralidade administrativa (CF, art. 5º LXXIII)”.32
Na Ação Civil Pública ocorre o mesmo fenômeno, especialmente quando se trata de
atacar efeitos concretos de lei. Podemos pensar nas normas que aprovam planos urbanísticos,
como, por exemplo, regras de zoneamento, que constituem o exemplo mais perfeito de lei de
efeitos concretos. Essas leis podem ter a implementação exigida por meio de Ação Civil
Pública. Nada furtará os réus de alegarem a inconstitucionalidade da norma de zoneamento
com base em ofensas concretas ao direito de propriedade e direito adquirido. O controle de
constitucionalidade difuso deverá ser amplamente operado, podendo se declarar a
inconstitucionalidade da norma de zoneamento. Por outro lado, pensemos que em Ação
Civil Pública – ou mesmo ação popular – se sustente a inconstitucionalidade de tal lei sob
o ponto de vista formal e material e quer se evitar a incidência dessa norma. Evidente que o
controle de constitucionalidade incidental há que se fazer no caso concreto. Se a lei for
reputada inconstitucional, ela não será aplicada33.

5. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE


A idéia de modulação dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade não é
nova. No Brasil é possível citar vários precedentes34, onde houve a necessidade de ajuste,

--------------------------------------------------------------------
31
ADIQO-1640/UF Relator Ministro Sydney Sanches.
32
ADIMC-842/DF, Relator Ministro Celso de Mello.
33
Na comarca de Guaíba-RS o Ministério Público através da Dra. Lisandra Demari, no processo 71 557,
pede a anulação da Lei Municipal no. 1278/2000 de Eldorado do Sul que desafetou bens de uso comum
para torná-las bens de uso dominical.
34
Nesse sentido: “Ementa – Recurso Extraordinário. Efeitos da Declaração de inconstitucionalidade em
tese pelo Supremo Tribunal Federal. Alegação de Direito Adquirido. Acórdão que prestigiou lei estadual
à revelia da declaração de inconstitucionalidade em tese pelo Supremo Tribunal Federal. Subsistência de
pagamento de gratificação mesmo após a decisão erga omnes da corte. Jurisprudência do STF no
sentido de que a retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade
inquestionada da lei de origem – mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade.
Recurso Extraordinário provido em parte”. RE 122202-6 Minas Gerais, 2 ª Turma, Rel. Ministro
Francisco Rezek, j, 10/08/1993. Nesse mesmo sentido: “Ementa. Oficiais de Justiça. Exercício de suas

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - 323

inclusive entre a declaração abstrata e genérica35.


Mesmo nos Estados Unidos, onde a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais
nasceu, o que equivaleria a um desconstituir desde sempre, esse princípio foi relativizado36.
O próprio Mauro Cappelletti em sua obra sobre o controle de constitucionalidade aborda
esses aspectos37.
Zavascki sintetiza a questão: “Com efeito, não é nenhuma novidade, na rotina dos
juízes, a de terem, diante de si, situações de manifesta ilegitimidade cuja correção, todavia,
acarreta dano, fático ou jurídico, maior do que a manutenção do status quo. Diante de fatos
consumados, irreversíveis ou de reversão possível, mas comprometedora de outros valores
constitucionais, só resta ao julgador – e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicos em
conflito e optar pela providência menos gravosa ao sistema de direito, ainda quando ela
possa ter como resultado o da manutenção de uma situação originariamente ilegítima. Em
casos tais, a eficácia retroativa da sentença de nulidade importaria a reversão de um estado
de fato consolidado, muitas vezes, sem culpa do interessado, que sofreria prejuízo
desmensurado e desproporcional”.38
Os estudos apresentados tentam sempre demonstrar a importância de não criar
injustiças e preservar o mínimo de confiança nas relações jurídicas39, de preservar os efeitos
consolidados, e em alguns casos, preservar inclusive a boa-fé jurídica40.
Importante observar justamente o caso do número de vereadores, no qual o Supremo

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

funções por agentes do executivo. I – Mesmo declarada a inconstitucionalidade da lei que colocou
agentes do executivo à disposição dos juízes, para exercício das funções de Oficiais de Justiça, esses
serventuários não são usurpadores, mas funcionários do Estado, com defeito de competência. II – Se o
Direito reconhece a validade dos atos até de funcionários de fato, estranhos aos quadros do pessoal
público, com maior razão há de reconhecê-la se praticados por agente do Estado no exercício daquelas
atribuições por força de lei, que veio a ser declarada inconstitucional. III – É valida a penhora feita por
agentes do Executivo, sob as ordens dos juízes, nos termos da lei estadual de São Paulo, s/ no., de
3.12.1971, mormente se nenhum prejuízo disso adveio ao executado” (RE 78209, São Paulo, 1 ª
Turma, Rel. Ministro Aliomar Baleeiro, j. 04/06/1974.
35
Essa regra aplica-se ao controle incidental ou abstrato. Aplicável ao controle dois dispositivos passaram
a ser referência: o art. 11 da lei 9882: “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado” e o art.
Art. 27 da Lei 9868: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”
36
Casos Linkletter vs. Walker e Stevall vs. Denno e Gedeão.
37
CAPPELLETTI, Mauro. O controle Judicial de Constitucionalidade das leis no direito comparado,
Sergio Antonio Fabris editor, p.115/124.
38
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 49-50.
39
GALLOTTI, Maria Isabel. “A Declaração de Inconstitucionalidade das Leis e seus Efeitos”, RDA 170/
18.
40
RE 328.232-AgR/AM, “DJ” de 02.9.2005.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007


324 - PALESTRAS E CONFERÊNCIAS

Tribunal Federal, no julgamento do RE 197.917/SP, Relator o Ministro Maurício Corrêa,


julgou inconstitucional o parágrafo único do art. 6º da Lei Orgânica nº 226, de 1990, do
Município de Mira Estrela/SP, mandando, entretanto, que se respeitasse o mandato dos
atuais vereadores. É dizer, emprestou efeito para o futuro à decisão (“DJ” de 07.5.2004). A
idéia primordial é de que modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da
limitação dos efeitos, o que iniciei dizendo, inclusive sustentando o histórico dessa
decisão41.

CONCLUSÃO
A Ação Civil Pública é um instrumento de acesso à justiça, tutelando os direitos do
meio ambiente, consumidor e os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Em um país onde o legislador e o executivo cometem tantas infrações constitucionais,
o controle difuso-incidental mantém a sua importância, porque o controle concentrado não
consegue abarcar todo o universo de contrastes produzidos no caso concreto. Por isso,
deve-se reafirmar o papel de todos os juízes como juízes constitucionais, garantidores do
estado democrático de direito e da dignidade da pessoa humana.
Apesar da concentração de Poder nas cúpulas do Poder Judiciário, há que se
reconhecer que algumas decisões começam a amadurecer a partir do momento em que
lançados no lento processo incidental/difuso, que permite apreciar a inconstitucionalidade,
tendo bem presente à situação fática.
Por isso, temos que olhar as peculiaridades da convivência dos modelos
concentrado-principal e difuso-incidental no direito brasileiro. Nos últimos tempos ocorreu
forte concentração de poderes no STF, principalmente pela importância de medidas liminares
deferidas no início das ações de controle de constitucionalidade, enfraquecendo o debate
constitucional no caso concreto. Esse modelo concentrador se fortaleceu devido aos efeitos
erga omnes e vinculantes das decisões do STF no controle abstrato e também pela amplitude
de efeitos proporcionados pela lei que regulamenta a ADI e a ADC (Lei 9868/99) e a ADPF
(Lei 9882/99).
No entanto, é importante que o próprio STF tenha consagrado a importância do
controle incidental, feito de forma difusa, como o demonstrado nesse trabalho. É necessário
frisar que autoridade última é garantida ao próprio STF através do Recurso Extraordinário
que minimiza qualquer possibilidade de decisões contraditórias e anárquicas, permitindo
que ele uniformize a matéria constitucional.

--------------------------------------------------------------------
41
Ver SCHÄFER, Gilberto. Ausência de licitação de linhas de ônibus. Sentença em Ação Civil Pública.
JusNavegandi, Teresina, Ano 10, n. 1149, 24 de agosto de 2006, disponível em:
http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=707. Acesso em: 11 de setembro 2006.

Revista da AJURIS - v. 34 - n. 107 - Setembro 2007

Вам также может понравиться