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A caolha: a história do amor de mãe1

De acordo com Leonora De Luca (1999), Júlia Lopes de Almeida foi, na virado do
século 19 para o 20, considerada a mais importante escritora brasileira. Segundo a autora, a
crítica chegou aventar que Júlia Lopes fosse a maior romancista desde Machado de Assis.
Sem dúvidas, sua importância e seu lugar na literatura é inegável, ainda que ela tenha sido
apagada do cânone literário durante anos.
Para explicar o sucesso literário dessa autora sui generis, Leonora De Luca (idem)
começa por descrever os primeiros anos de sua vida. Filha de pais abastados, ela começou
cedo a escrever versos. Logo, com ajuda de seu pai, algo nada comum para a época, Júlia
Lopes começou a publicar em jornais. Durante os primeiros anos, sob influência do pai, ela
leu os clássicos portugueses, como Garrett, Camilo Castelo, Branco e Júlio Diniz.
Mais tarde, ao casar-se com Filinto de Almeida, Júlia Lopes se encarrega de conhecer
autores do Realismo e Naturalismo francês, como Flaubert, Maupassant e Zola. Nessa época,
quando ela e o marido moram em Campinas, sua casa passa a ser ponto de encontro de da
intelectualidade campineira da época, como explica Leonora De Luca (idem); inclusive, de
acordo com a estudiosa, a capacidade de conciliar o trabalho literário e a administração do lar,
vem, a partir de Júlia Lopes, provar que a ideia de que as mulheres não teriam capacidade de
produzir mais do que versinhos, ou seja, uma literatura limitada a poesia, é não mais do que
um mito calcado nos preconceitos de gênero difundidos naquela época e, ainda, hoje em dia.
O papel de mulher de Júlia Lopes, aponta Leonora De Luca (idem), é o de abrir
caminho para o que ela chama de “feminismo possível” àquela autora. Ou seja, dentro dos
quadros sócio-históricos no qual ela estava inserida, seu trabalho foi de suma importância
para se pudesse não apenas perceber os lugares ocupados pelas mulheres na sociedade em que
viviam, mas, também, para mostrar como esse lugar não era fixo, estável ou constante e que,
pelo contrário, os lugares das mulheres dependiam das suas vivências e dos extratos sociais
nos quais se inseriram. Obviamente, com olhos de hoje, as questões levantadas na obra de
Júlia podem parecer ultrapassadas, mas isso nada mais é do que um anacronismo, visto que o
valor e impacto do seu trabalho em sua época é muito mais importante quando se fala de
autores historicamente distante do nosso contexto. Para entender o trabalho de Júlia Lopes de

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Análise regida por Matheus Ferreira de Jesus, sob orientação do professor Cássio Augusto, para a disciplina de
Literatura Brasileira II.
Almeida é, então, necessário olhar para a sociedade em que ela vivia, quais eram os limites e
contradições dela e como o trabalho dessa autora alargou esses limites e encarou essas
contradições.
Para exemplificar, o conto “A caolha”, presente no livro Ânsia Eterna (2019). Nele,
vemos a relação entre uma mãe e seu filho. Ela, uma senhora caolha, trabalhadora braçal e,
portanto, muito castigada pelo tempo, é descrita como tendo uma aparência desagradável,
repugnante. Por isso, seu filho desde muito pequeno enfrenta diversos sofrimentos, sendo
apelidado de “filho da caolha” e, assim, alvo de violência dos colegas da escola, dos vizinhos,
de todos aqueles que conhecem a ele e sua mãe. Ao longo da narrativa, é justamente graças a
essas violências que pouco a pouco o garoto decide afastar-se da mãe. Primeiro, que não o
leve na escola. Logo, não ele não lhe dá mais o afeta que antes dera. Certo dia, enamorado por
uma das jovens da vizinhança, ele decide escrever para ela cartas declarando seu amor. A
resposta que recebe é, em partes, positiva. O amor é correspondido. Ou melhor: será
correspondido, sob determinadas condições. Para a garota pela qual o “filho da caolha” está
enamorada, ele deve se afastar da mãe caso queira com ela ficar, afinal, ela não quer ficar
conhecida como “nora da caolha”. Portanto, logo após ler a carta da garota, o filho trata de
mentir para a mãe, alegando que por questões de trabalho não poderia mais viver na mesma
casa que ela e, ainda na mesma noite, se vai, pois já houvera alugado um lugar distante dela.
Contudo, não tarda a se arrepender da atitude tomada. Na tentativa de se reconciliar com a
mãe, busca o intermédio da única amiga dela, sua madrinha. Essa o acompanha de volta a
casa da mãe. Ao chegarem, a madrinha alega que o motivo de toda aquela confusão ser o fato
da mãe não ter contado toda a verdade para o filho e que, agora, ela mesma o faria. Sob
protestos da mãe, o filho ouve a madrinha contar como sua mãe ficou caolha. Vê-se, aqui, o
grande clímax da narrativa e é justamente nesse ponto que ela é suspensa e tudo acaba. Acaba
quando a madrinha revela que, em um acidente que ocorreu durante a infância do filho, ele
mesmo tornara a mãe caolha. Ao cair em lágrimas, o filho ouve sua mãe dizer que, por isso,
ela não o contara a verdade.
Pensar, depois do choque causado por essa grande virada no fim da trama, é, sem
dúvidas, díficil. Contudo, ao relacionar o que antes Leonora De Luca (op. cit.) propõe como o
motivo da importância de Júlia Lopes de Almeida, é aqui possível. A mãe, a mulher retratada
nesse conto é uma mãe solteira, em uma situação adversa, que dá o sangue pelo seu filho,
nunca o desejando mal, mesmo quando esse sente asco por ela. Não se vê, nesse conto, uma
mulher passiva, que simplesmente sofre as consequências dos atos dos outros, papel um tanto
quanto comum nos retratos de mulheres em obras literárias da época. Aqui, toda trama é
primeira gerada pela atitude da mulher, da mãe. Uma atitude de amor, de preservar o seu filho
de um sofrimento maior do que aquele por ele já enfrentado. A atitude de uma mulher pobre,
trabalhadora, que não apenas luta por si, mas luta por seu filho, para criá-lo e educá-lo.
Apesar do século de diferença, o conto é extremamente atual. No fim das contas, quantas
mães solteiras ainda se sacrificam pelos seus filhos? Quantas ainda fazem das tripas coração
para educá-los, alimentá-los? O fato é, ainda que se possa levantar diversas críticas sobre
como a obra de Júlia Lopes de Almeida representa ou não um discurso feminista,
especialmente considerando as claras diferenças históricas acerca do entendimento do que é
ser mulher naquela época e o que é ser mulher hoje, torna-se inegável perceber seu valor
enquanto escritora vanguardista, mas, também, como se pode ver nesse conto, enquanto
escritora que muito bem descreve e captura as dificuldade enfrentadas pela mulher de sua
época, que ainda, infelizmente, reverberam ensurdecedoramente hoje em dia.

Referências:
DE LUCA, Leonora. O “feminismo possível” de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934).
cadernos pagu​, n. 12, p. 275-299, 1999.
ALMEIDA, Júlia Lopes de. A caolha. In: ​Ânsia Eterna​, Brasília : Senado Federal, 2019.

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