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brasileira.
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A. BRASIL IMPÉRIO: A AUSÊNCIA DO ATOR POPULAR NA
CENA POLÍTICA
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Médico com especialização em Medicina Interna e Saúde Pública, Mestre em Educação, Doutor em
Medicina Tropical, professor do Departamento de Promoção da Saúde da Universidade Federal da
Paraíba.
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lismo. Nesse contexto político, os chamados "homens livres", não sendo
proletários nem proprietários, só podiam ter acesso à vida social e a seus
bens através do favor, direto ou indireto, de um grande. Suas sobrevi-
vências dependiam pois da criação de um pacto de fidelidade de prote-
ção-servidão que impedia que assumissem qualquer posição como ator
político autônomo. Essa situação perdurou por todo o Império, quando
assumiu até mesmo um caráter mais oficial, com a instituição, a partir
de 1831, da Guarda Nacional em que os grandes poderosos de cada mu-
nicípio eram nomeados "coronéis", assumindo explicitamente o poder
militar a nível local. Este tipo de acordo entre o poder central e os gran-
des proprietários rurais foi de tal forma eficaz que permitiu a manuten-
ção da unidade nacional, o que não foi possível na América espanhola
(Burztyn, 1984).
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ram de Portugal para os grandes centros urbanos nacionais. Pequenas
indústrias começam a florescer. Essa dinamização e expansão da vida
urbana se deu basicamente no Rio de Janeiro, São Paulo e, em menor
escala, em Recife e Salvador (Fernandes, 1975). Nesses centros se de-
senvolve uma vida intelectual que vai aos poucos se diferenciando do
pensamento dos grandes senhores de terra. O crescimento do movimen-
to abolicionista a partir da segunda metade do século XIX é o maior e-
xemplo. No entanto, apesar deste movimento enfrentar uma questão
essencial para os trabalhadores brasileiros, a sua base de sustentação
não eram os atores populares (Bosi, 1992).
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embrionária e de pequeno significado no jogo político nacional (Ação Ca-
tólica Operária, 1985).
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grandes cidades despertavam preocupações médicas apenas enquanto a
imundície de suas ruas e seus quintais era considerada como foco de
propagação das doenças pestilenciais causadoras de epidemias. Portan-
to, participação das classes populares no direcionamento das práticas de
saúde era algo não pensado. Pobre só tinha voz na medicina que lhe res-
tava: a medicina dos chás, das simpatias e das rezas, que era executada
por barbeiros, sangradores, empíricos, curandeiros, parteiras e "cirurgi-
ões” (Singer, 1978).
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frentando a questão-chave da extensão dos direitos de cidadania, quer
fossem civis, políticos ou mesmo sociais.
Quem é o operário?
O que é o operário?
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morais. O interessante do texto é quando coloca o respeito e o acata-
mento como bom cidadão em algo que ainda deve ser conquistado. O
que o articulista do Echo Popular está reivindicando é a transformação da
classe trabalhadora em ator coletivo legítimo do cenário político nacional,
exatamente no momento em que a escravidão acaba de ser abolida e a
República proclamada. É um texto que mostra uma situação completa-
mente diferente daquela retratada 64 anos depois, neste trecho do dis-
curso pronunciado pelo presidente da República, Getúlio Vargas, na co-
memoração do Dia do Trabalho, 1o de maio de 1954:
....E pelo voto podeis não só defender interesses como influir nos
próprios destinos da Nação. Como cidadãos, a vossa vontade im-
perará nas urnas. Como classe podeis imprimir ao vosso sufrágio a
forca decisória do número. Hoje estais com o governo. Amanhã
sereis o governo.
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e permanece alta até os anos 20) e numa grande variedade de profis-
sões: funcionários, agricultores, operários, artistas, artesãos, assalaria-
dos, etc.. Esta grande diversidade demonstra a necessidade e a dificul-
dade de se construir um campo comum, uma área de igualdade capaz de
produzir auto-reconhecimento e reconhecimento pelos outros. É preciso
descobrir valores e inventar símbolos capazes de produzir uma nova tra-
dição. E a criação de um discurso com o qual os trabalhadores se identi-
fiquem necessita ainda ganhar concretude através de instrumentos or-
ganizacionais, cujas diversas alternativas exigiram tempo e muitas
tentativas frustrantes para amadurecerem. Muitos são os que competem
para falar em nome dos trabalhadores(Gomes, 1991).
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geral, os latifundiários) independentemente da concessão oficial do títu-
lo, significando muito mais uma forma bastante específica de prática po-
lítica. Uma prática política que, com novas roupagens, continua impor-
tante em amplas áreas rurais brasileiras, principalmente no Nordeste e
em outras regiões mais atrasadas economicamente.
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das classes populares rurais como ator político autônomo, que a popula-
ção rural foi a última a ser servida por uma política de saúde diferencia-
da, com a criação do Funrural, ocorrida apenas em 1969.
Assim, o poder político efetivo estava nas mãos de uma elite fundamen-
talmente rural que formava coalizões regionais a fim de controlar os go-
vernos estaduais, e coalizões nacionais, para controlar o executivo fede-
ral, no que se chamou a "política dos governadores". Os presidentes e-
ram sempre líderes políticos em Estados importantes, especialmente Mi-
nas Gerais e São Paulo, e formavam coalizões a partir de máquinas polí-
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ticas estaduais. Embora não houvesse partidos nacionais, o regime ca-
racterizou-se por uma grande estabilidade em termos de sucessão presi-
dencial. Em poucas ocasiões os candidatos à presidência, escolhidos pela
coalizão dominante, viram-se seriamente ameaçados por coalizões rivais
(Malloy, 1979).
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predominantemente rural. No entanto, a urbanização cresceu muitíssimo
no Sul e no Sudeste do país, principalmente no Rio e em São Paulo, cu-
jas capitais, entre 1872 e 1920, tiveram um crescimento de 274.972 pa-
ra 1.157.873 e de 31.395 para 579.033 habitantes respectivamente. O
Brasil passou por um deslocamento geográfico geral no centro de sua
vida social, econômica e política para a parte sudeste do país. Como ou-
tros países de desenvolvimento capitalista retardado, o Brasil passou a
contar com uma região mais desenvolvida e moderna cercada de regiões
periféricas mais atrasadas e tradicionais (Malloy, 1979).
A vida nas grandes cidades, notadamente Rio, São Paulo e Santos, alte-
rara-se intensamente. A Abolição lançara o restante da mão-de-obra es-
crava no mercado de trabalho livre, engrossando o contingente de sub-
empregados e desempregados. Era enorme o fluxo de imigrantes do ex-
terior e das regiões rurais. Calcula-se que, em 1890, apenas 45% da po-
pulação do Rio era nascida na cidade. Havia uma grande falta de mora-
dias, principalmente para os pobres, que eram obrigados a viver em cor-
tiços com condições precaríssimas. A criminalidade era assustadora. Era
grande o número de menores abandonados. Os velhos problemas de a-
bastecimento de água, de saneamento e de higiene viram-se agravados
de maneira dramática no início da República com o mais violento surto
de epidemias da história da cidade. O ano de 1891 foi particularmente
trágico, pois nele coincidiram epidemias de varíola e febre amarela, que
vieram juntar-se às tradicionais matadoras: a malária e a tuberculose.
Nesse ano, a taxa de mortalidade atingiu seu mais alto nível, matando
52 pessoas em cada mil habitantes (cerca de 6 vezes a atual taxa). O
governo inglês concedia a seus diplomatas um adicional de insalubridade
pelo risco que corriam representando Sua Majestade no Brasil. Havia a-
inda um clima de agitação política, intelectual e trabalhista que se cho-
cava com um poder central estruturado sobre oligarquias rurais (Carva-
lho, 1987).
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o fornecimento de mão de obra treinada para o trabalho assalariado a
ser utilizada nas lavouras de café, entrou em declínio. O fluxo migratório,
que girava em torno de 120 mil estrangeiros por ano, no início da década
de 1890, caiu para 34 mil em 1903. Tripulações de navios transportado-
res de café começavam a se revoltar, impedindo o desembarque no Rio
de Janeiro e Santos. Corria a estória de que no porto de Santos haviam
falecido 35 capitães de navios durante um ano. A grande suscetibilidade
dos estrangeiros à febre amarela deu ao Rio uma reputação internacional
de ser uma das áreas mais insalubres dos trópicos.
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te na Alemanha de Bismarck, na segunda metade do século XIX, a qual
partia do pressuposto de que ao Estado cabia assegurar bem-estar e se-
gurança para o povo, mesmo que contrariando os interesses individuais,
justificando-se assim o controle coercitivo sobre os problemas sanitários
como mecanismo de assegurar a defesa pelo Estado dos interesses ge-
rais da nação. As descobertas da bacteriologia, a partir de Pasteur, no
final do século XIX, tinham difundido a confiança na existência do conhe-
cimento necessário para controlar as doenças infecciosas, dando legiti-
midade científica às campanhas que se organizaram.
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bulbônica, que recebeu menor oposição porque se adotou também a
medida de se comprarem ratos da população. Surgiram várias criações
de roedores com o objetivo de venda à Saúde Pública.
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com 3.000 participantes. No dia 13 houve um grande choque com a polí-
cia, com troca de tiros e vários mortos. Vários militares começam a par-
ticipar das manifestações. A revolta se generalizou na cidade. Bondes
foram virados para servirem de trincheiras. Comerciantes forneciam gra-
tuitamente latas de querosene aos revoltosos para atearem fogo nos
bondes. Distribuíam também rolhas que, jogadas no chão, faziam os ca-
valos da força pública escorregarem. O governo perdeu o controle da
cidade até o dia 15, quando foi decretado estado de sítio. Morreram 23
pessoas, a maioria operários, e foram presas outras 946, das quais 461
foram deportadas (colocadas em navio e enviadas para local não especi-
ficado) sem julgamento sob a alegação de que teriam outros anteceden-
tes criminais (Carvalho, 1987). A revolta foi sufocada, mas a lei da vaci-
nação obrigatória deixou de ser posta em vigor na forma proposta. Em
1908, a cidade sofreu uma das suas maiores epidemia de varíola, com
9.000 mortos (Costa, 1985).
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Durante a Primeira República, as classes médias urbanas se expandiram
rapidamente tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, em grande
parte pela enorme expansão do setor terciário da economia (serviços) e
pela ampliação da máquina estatal. Em termos de profissões, eram
constituídas principalmente por profissionais liberais (especialmente ad-
vogados), empregados administrativos de companhias privadas, peque-
nos comerciantes mas, sobretudo, de funcionários públicos. Nesse meio,
surgiram diversos grupos de intelectuais e ativistas que articulavam mui-
tas críticas ideológicas ao sistema dominante na economia e na política.
Estes grupos abrangiam desde os mais conservadores, elitistas e positi-
vistas, até uma grande variedade de grupos socialistas. Apesar das dife-
renças de programa, todos defendiam uma centralização maior do poder
e um papel mais ativo do Estado federal na regulamentação do sistema
econômico. Ativistas destes grupos estabeleceram ligações políticas com
oficiais militares rebeldes e com líderes da classe trabalhadora emergen-
te. Desse modo, formaram um eixo de alianças amplamente reformistas
e/ou revolucionárias quanto ao potencial ideológico e de liderança. O
protesto da classe média também tomou a forma de ação de massa dire-
ta, especialmente no Rio. O protesto expressava-se através de demons-
trações de massa, cerco de edifícios públicos e greves contra o preço do
aluguel.
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escravocrata e dos efeitos perniciosos que a contaminação com a raça
negra africana nos deixara. Era preciso branquear o Brasil. Essa forma
de pensar refletia a dominação cultural da burguesia agro-exportadora
sempre voltada para a Europa, bem como o nosso passado colonial. Mas,
no meio da efervescência intelectual dos grupos de classe média, foi se
delineando um novo tipo de nacionalismo em que a questão da saúde
tornou-se central.
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giões. A partir de 1918, Monteiro Lobato assumiu a bandeira de luta:
"Sanear é a grande questão nacional". O problema do brasileiro não es-
tava na raça, mas nas doenças endêmicas. Durante os últimos 15 anos
da Primeira República, a idéia de uma reforma sanitária, pouco a pouco,
transformou-se em aspiração nacional. O tema tornou-se assunto de
manchetes na imprensa.
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nal de controle das doenças transmissíveis globalmente. Aqui, a sua pre-
sença não causa uma maior oposição nacionalista, como ocorrera em
outros países, devido à existência prévia de um movimento sanitário na-
cional e um corpo científico já bem amadurecido e até mesmo reconheci-
do internacionalmente. Assim, a Fundação Rockfeller se incorpora à prá-
tica sanitária brasileira como uma sócia menor e portanto sem assumir a
direção do processo (Santos, 1985). Portanto, desde o início do século,
manifesta-se essa característica da saúde pública brasileira que a dife-
rencia de grande parte dos outros países subdesenvolvidos: uma relativa
autonomia diante das pressões internacionais.
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tes foi a expressão mais evidente da insatisfação militar. Começou com
uma revolta de quartel de jovens oficiais, no Rio, em 1922. Este movi-
mento de jovens oficiais rebeldes passou a difundir a concepção de "re-
novação nacional" baseada na centralização do poder político, na racio-
nalidade administrativa, nas políticas econômicas nacionalistas e numa
abordagem aperfeiçoada das exigências das classes média e trabalhado-
ra. Criava-se, no plano político nacional, forte sustentação para as pro-
postas do movimento sanitário emergente.
"a higiene começou por ser imposta pela coerção, por meio de leis
e regulamentos, com a sanção de multas, fechamentos de casas,
suspensão de licenças para negócios até prisões. Depois, passou a
interessar diretamente pelos indivíduos, procurando ensinar-lhes e
explicar-lhes as vantagens das medidas exigidas. E, agora, verifi-
cado que é tão importante evitar certos atos e obter a prática de
outros, veio a necessidade de garantir, inconscientemente, aos in-
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divíduos a prática de atos vantajosos à saúde, obtendo-se o que
se poderia chamar de comportamento higiênico. É um trabalho de
educação para benefício individual e coletivo, que encontra seu
momento mais propício nas primeiras idades....(citado em Costa,
1986)
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O movimento higienista não contou ainda com uma iniciativa popular
significativa, mas, pela primeira vez, setores da sociedade civil, não su-
bordinados às oligarquias rurais, tomaram a frente no delineamento de
uma política de saúde que enfatizava as classes populares. Representou
também uma resistência do corpo técnico do setor saúde brasileiro a
formas imperialistas de intervenção internacional na política de saúde.
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pulação total. Em 1920, de uma população total de mais de 30 milhões
de habitantes, apenas 275.512 trabalhavam para 13.336 estabelecimen-
tos industriais. No setor de serviços, trabalhavam, naquela época, cerca
de 1,5 milhões, sendo difícil, no entanto, calcular que porcentagem deste
número podia ser considerada classe trabalhadora.
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deia intenso esquema de repressão militar. O exército era muitas vezes
chamado para reprimir greves. Só em um ano, cem líderes sindicais es-
trangeiros foram deportados (Ação Católica Operária, 1985b)
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a vê-las com reserva. Este fato foi fundamental para explicar o modelo
de assistência à saúde que posteriormente foi expandido pela Previdên-
cia Social.
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F. UM BALANÇO: PARTICIPAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR EM
SAÚDE NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Por outro lado, pode-se dizer que o ganho principal de toda esta dinâmi-
ca foi de outra natureza e traduziu-se na construção de uma identidade
social do trabalhador, como também de outros grupos de classe média
de uma forma diferenciada das oligarquias rurais. O fundamental é com-
preender que, no processo de luta por interesses dos vários grupos po-
pulares, há um tipo de reivindicação que não pode ser vista apenas sob o
ponto de vista utilitário. Trata-se da reivindicação pelo reconhecimento
de si mesmo pelo outro, o que significa também auto-reconhecimento.
Auto-reconhecimento da própria dignidade como trabalhador, o que não
é simples em uma sociedade com quatro séculos de escravidão.
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de reagir contra. Por seu lado, as ações estatais de saúde pública, cons-
tituídas a partir de um quadro técnico ainda muito subordinado às oli-
garquias rurais, foram também incapazes inicialmente de implementar
um modelo de atuação menos coercitivo. Apenas no momento em que o
processo de urbanização se alarga e vai se diferenciando e se organizan-
do uma classe média com interesses políticos e uma cultura próprios, a
saúde pública brasileira passa a propor formas de atuação menos
discriminatórias e menos autoritárias junto à população. Assim, os
projetos sanitários não se incorporaram como uma bandeira de luta do
movimento popular emergente. Pelo contrário, as entidades dos
trabalhadores os viam com muita reserva. O projeto de saúde que a
classe trabalhadora emergente vai desenvolvendo autonomamente, de
forma marginal à ação estatal, é o modelo das sociedades de ajuda
mútua, uma forma de seguro coletivo de saúde onde se avança apenas
na questão do financiamento da assistência, sem questionar o modelo
liberal de prática médica já então dominante na sociedade.
Sem dúvida, esta é uma questão complexa que não pretendo esgotar.
Desejo apenas explicitar uma dimensão do problema. Na medida em que
o projeto de saúde hegemônico após 1930, a Previdência Social, consti-
tuiu-se a partir do pacto corporativista amarrado por Getúlio Vargas en-
tre o operariado e a burguesia urbana, foi muito importante, nesse mo-
mento, a cultura de saúde do movimento trabalhista da época. E esta
cultura, pelo passado autoritário das campanhas de saneamento urbano,
estava distante do modelo de atuação da saúde coletiva. O modelo que
esta cultura apontava era o do seguro-saúde por categorias profissionais
onde a assistência a saúde era comprada num mercado que valorizava
essencialmente a prática curativa individual. Em suma, o modo como se
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deu a relação entre as Campanhas de Saneamento e classes populares,
no início do século, pode ter sido um elemento importante para explicar
o declínio das práticas mais coletivistas de atuação em saúde após a
Primeira República.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COSTA, Nilson Rosário. Lutas urbanas e controle sanitário: as ori-
gens das políticas de saúde no Brasil. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
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SINGER, Paul et al. Prevenir e curar: o controle social através dos
serviços de saúde. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
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