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ARTIGO / ARTICLE

Saúde do Trabalhador — Identidade dos Sujeitos e


Representações dos Riscos a Saúde na Indústria Petroquímica
Workers’ Health — Subjects’ Identity and Representations of Health
Risks in the Petrochemical Industry

Maria Ligia Rangel 1

RANGEL, M. L. Workers’ Health — Subjects’ Identity and Representations of Health Risks in


the Petrochemical Industry. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/sep, 1993.
This study focuses on the importance of socio-cultural identity for establishing representations
concerning occupational risks existing at the workplace. Risks like social-cultural phenomena
which are socially constructed by subjects with various identities are discussed. The study
presents the results developed at a petrochemical industry in Camaçari, Bahia, Brazil. The
research studied the various ways that representations of occupational risks occur among
operations, maintenance and laboratory workers.
Key words: Occupational Health; Social Representations and Health; Petrochemical Workers’
Health; Identity and Health

INTRODUÇÃO O estudo das práticas e representações, con-


formadas em torno dos riscos por esses sujeitos,
O estudo que apresentamos foi realizado nos pressupõe o exame do conceito de identidade.
anos de 1990 e 1991, período em que as ques- Isso porque a análise deste último nos possibili-
tões de saúde evidenciavam-se no Pólo Petro- ta entender a multiplicidade de formas com que
químico de Camaçari-Ba, através do cresci- indivíduos ou grupos sociais se relacionam com
mento de casos de acidentes de trabalho, doen- os riscos nos locais de trabalho, uma vez que a
ças ocupacionais e das subseqüentes denúncias identidade está ligada, firmemente, à capacidade
por parte do sindicato dos trabalhadores e da de perceber e construir diferenças no mundo
imprensa local. social, resultando em práticas e representações
A indústria petroquímica é pioneira, não só sociais distintas.
em processos de trabalho automatizados, como Para desenvolver o conceito de identidade,
também inova os riscos à saúde nos locais de duas premissas colocadas por Berger & Luck-
trabalho. O trabalho é feito, necessariamente, man (1976:228), parecem encontrar eco nas
em turnos, incluindo o noturno, por equipes de formulações de outros autores, em torno dessa
trabalhadores que se revezam, vivendo um categoria. A primeira premissa é a de que a
cotidiano repleto de incertezas e expostos a uma identidade é formada em processos sociais. A
gama variada de substâncias químicas. É um segunda, de que a teorização sobre ela tem que
coletivo predominantemente masculino, dotado se fazer no quadro de interpretações em que
de predicados requeridos por esse tipo de estão localizadas.
empresa, e que são tradicionalmente atribuídos A tradição teórica marxista que trata a ques-
a este sexo — responsabilidade, audácia, virili- tão da identidade, remetendo-a à noção de
dade (Hirata, 1984). classe social, tem sido alvo de críticas no seio
da sociologia. Esta, por aproximação com
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Programa de Saúde do Trabalhador da Secretaria outras disciplinas como a psicologia e a antro-
Municipal de Saúde de Campinas. Avenida Anchieta pologia, tem-se preocupado em redefinir esse
200, 11º andar, Campinas, SP, 13015-100, Brasil. conceito, rompendo com a noção reificada de

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classe, como argumentam Knights & Willmott geram relações de representações e ações, sendo
(1989). Esses autores e outros como Bourdieu elas mesmas conseqüências de dificuldades
(1988), têm realizado estudos promissores no sociais complexas e repetitivas dentro das quais
sentido de resgatar a dimensão subjetiva do os atores não podem evitar de viver se quise-
mundo percebido, ao lado da sua estruturação rem permanecer em sociedade (op. cit:279).
objetiva mais tradicionalmente desenvolvida por Em Bourdieu (1988), encontramos idéia
autores marxistas. semelhante, de que a identidade social supõe a
A partir da reflexão desses autores, a dimen- existência de uma matriz de percepção, aprecia-
são da ideologia ganha novos contornos, dei- ção e ação, que ele chama de habitus.
xando de constituir meros reflexos de um Os esquemas de habitus são, para Bourdieu,
mundo objetivado, para se construir a partir de formas de classificação originárias, que devem
sujeitos concretos, individuais e coletivos. sua eficácia própria ao fato de que funcionam
A identidade social, segundo Sainsaulieu além da consciência e do discurso; logo, fora
(s/d), é construída a partir de um processo das influências do exame e do controle voluntá-
complexo de aprendizagem cultural, que é mais rio. De tal modo que orienta as práticas e
do que um mecanismo de transmissão ou esconde valores nos gestos mais automáticos,
inculcação de normas e valores. Isso porque nas técnicas do corpo mais insignificantes na
estão em jogo processos microssociais e só- aparência, como os movimentos das mãos ou as
cio-psicológicos de adesão aos valores recebi- maneiras de andar, de sentar, de dormir ou de
dos, ou de criação de novos valores. Para esse falar. Oferecem os princípios mais fundamentais
autor, a identidade social está profundamente da construção da avaliação do mundo social
ligada ao tipo de cultura que o indivíduo consti- (Bourdieu, op. cit:477).
tui como um capital progressivo de relação Para o referido autor, é por meio da internali-
entre experiências desenvolvidas no tempo e no zação desses complexos processos sócio-psico-
espaço. A identidade seria, assim, um modo lógicos que se define a eficácia ideológica, pela
mental que se dispõe para perceber o idêntico remissão às oposições mais fundamentais à
e o diferente na diversidade dos engajamentos ordem social. A construção da identidade no
dos sujeitos (Sainsaulieu, s/d:283). trabalho se fará, portanto, com base na identida-
A construção da identidade é, como mostra de, conformada pelos sujeitos no seu contexto
Sainsaulieu (s/d:282), uma dinâmica relacional das relações de poder nos locais de trabalho,
de produção cultural em que o indivíduo recon- tendo por base o habitus construído dentro e
hece a si mesmo pelo que é idêntico e o que é fora dele.
diferente, nas suas experiências, tendo por Sainsaulieu ainda alerta para as dificuldades
referência o outro, numa relação de poder. da construção da identidade no trabalho, face às
Identidade, poder e cultura encontram-se múltiplas crises que abalam uma definição
intimamente imbricados, pois que a identidade sócio-profissional da identidade, seja nos seus
se recoloca sobre uma cultura de imagens e sistemas de retribuição (salário, segurança,
representações fortemente articuladas entre si e promoção e consideração que deixam de ter
simbolizadas por ricas relações (Sainsaulieu, efeitos de motivação), seja pelas formas de
s/d), mediadas pelas lutas de poder. A luta pelo organização do trabalho que requerem mudan-
poder, diz Sainsaulieu, não é um fim em si, ças de papéis e das práticas autoritárias; seja,
mas um sinal social de um jogo mais profundo ainda, no domínio sindical em que seu reconhe-
da personalidade, que se insere no coração cimento e poder de negociação colocam em
de toda relação prolongada (Sainsaulieu, pauta contestações e reivindicações. Para Sain-
1977:333). saulieu, existe uma dissonância entre as circuns-
Em Sainsaulieu, vamos encontrar a idéia de tâncias de ação e as representações sociais das
interiorização, ao nível do indivíduo, das liga- relações na organização, que dificulta a constru-
ções culturais de si consigo mesmo, sob a ção da identidade no trabalho (op. cit:277).
forma de estruturas mentais, de normas e Knights & Willmott, ao estabelecerem o nexo
escalas de valores (Sainsaulieu, s/d:283). Tais entre poder, subjetividade e identidade, enfocam
aspectos conformam os modelos culturais que os temas de controle e resistência no trabalho.

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Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

Calcados no pensamento de Foucault, eles de ascensão social, forjados no seio da família,


salientam “how subjects come to recognise se adequam à figura dominante da indústria de
themselves as discrete and autonomous indivi- processo, constituindo uma identidade social
dual whose sense of a clear identity is sustained voltada para a profissão e para a inserção na
through participation in social practices which “coletividade industrial”. Porém, as experiências
are a condition and consequence of the exercise concretas do cotidiano das relações no espaço
of power and the production of specific know- fabril levam à construção de uma identidade no
ledges” (Knights & Willmott, 1989:538). trabalho em conflito. Isso porque a formação do
A proposta de Knights & Willmott é elaborar técnico forja uma construção da profissão como
uma teoria da subjetividade, desenhada a partir moderna, portadora de um ideário futurista, útil,
das críticas ao jovem Marx, concentrando sobre prática, produtiva, que a contrasta com a tradi-
as relações entre poder e subjetividade, prestan- ção bacharelesca e “doutoresca” das universida-
do especial atenção aos temas do controle e des, que produzem um conhecimento dito
resistência. “inútil”, “improdutivo” e “poético”, mas inatin-
Esses autores reconhecem na relação po- gível para a maioria dos trabalhadores. Por
der-conhecimento, poder-saber, uma instância outro lado, esses trabalhadores vivenciam
definidora dos reais interesses dos sujeitos e relações no trabalho que os levam a referir-se a
propoem que os trabalhadores sejam pensados si próprios como “peões”, como forma simbóli-
não como força de trabalho, mas como indiví- ca de insubordinação. Agier & Guimarães
duos, que são totalidades, que pensam, sentem, (1990) identificam entre esses trabalhadores (os
aspiram, constroem imagens e representações. operadores), dois tipos de interpelações ideoló-
Para tanto, importam seus processos inconscien- gicas: a ideologia do desempenho e a ideologia
tes, suas experiências dentro e fora do trabalho, da segurança. Os autores observam que à
pretéritas, não só as presentes e racionalizadas apresentação dos indivíduos no mercado de
e a partir das quais constroem sua ação indivi- trabalho, estes já são dotados de valores em
dual e coletiva. relação ao trabalho, ao saber, ao dinheiro e de
Com base nesses pressupostos teóricos, meios de barganha tais como formação escolar,
pode-se supor que é a partir da construção de diplomas, capital cultural etc, adquiridos nas
sua subjetividade e identidade no trabalho que linhas familiares e pela atuação da família de
os trabalhadores constroem, também, as suas origem. No presente trabalho, pretende-se
representações de riscos e, sobre elas, desenvol- examinar como tal constituição da identidade
vem um saber específico, como parte de seu dos trabalhadores petroquímicos participam da
capital cultural. Importam, assim, as suas expe- construção das representações sociais, confor-
riências anteriores com riscos e os significados madas em torno dos riscos à saúde nos locais
que estes assumem em diferentes contextos de de trabalho.
trabalho, no interior das relações de poder que
se tecem nos distintos locais de trabalho e
conformam culturas do risco peculiares. METODOLOGIA
Assim, as diferenças sócio-culturais dos
atores, expressas na sua identidade e subjetivi- Considerou-se neste estudo que o risco se
dade, estão implicadas nas relações de poder constrói, socialmente, e se define pelo seu
nos locais de trabalho e, por essa via, definem oposto — a segurança — e, ainda, que a repre-
as distintas representações do risco. sentação do risco se faz, pelos sujeitos vivendo
Agier & Guimarães (1990), estudando a relações de poder no cotidiano fabril. Valori-
identidade dos trabalhadores do Pólo Petroquí- zou-se a relação construída entre a forma de
mico de Camaçari-Ba, se depararam com uma reconhecimento do risco e o significado que lhe
identidade construída em conflito e com repre- é conferido e à tecnologia de segurança — nela
sentações de trabalho heterogêneas ou mesmo incluídas as normas, equipamentos e procedi-
contraditórias. mentos de segurança — para a realização do
Os autores mostram que os projetos pessoais trabalho. Valorizou-se para a análise a história

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profissional e origem sócio-cultural dos sujeitos, trial, cuja produção é integrada e interdependen-
bem como sua inserção no processo de trabalho te, sustentado por um modelo tripartite do qual
e forma de acesso ao cargo ou função. participam de modo igualitário o Estado (atra-
A indústria petroquímica é definida, basica- vés da Petroquisa), empresas nacionais e multi-
mente, em função das matérias-primas que nacionais. Embora com gestão unificada, atra-
utiliza, oriundas do petróleo e gás natural. Os vés de três órgãos (o Cofic — Comitê de
insumos e produtos são, geralmente, gases ou Fomento Industrial de Camaçari; o Sinper —
líquidos em trocas sucessivas de seus estados Sindicato da Indústria Petroquímica e o Divin
físicos. São, freqüentemente, altamente corrosi- — Divisão de Informação da Petrobrás), pode-
vos, inflamáveis, explosivos e tóxicos. Tais se observar peculiaridades na gestão a depen-
características dos insumos e produtos impõem der do porte e das características particulares do
a utilização de um processo de transformação processo de trabalho.
do tipo fluxo contínuo, ininterrupto, hermético, As atividades básicas da indústria petroquími-
em que as reações se dão no interior dos equi- ca requerem três tipos de trabalhadores, atuando
pamentos por onde circulam as substâncias. junto ao processo de transformação: os operado-
Tais indústrias são, por isso, pioneiras em res, os analistas de laboratório e os mantenedo-
matéria de automação. É também uma indústria res. Além destes, técnicos de segurança do
altamente intensiva em capital, investindo mais trabalho, acompanham o desenvolvimento das
em tecnologia automatizada e integrada e tarefas. Um setor administrativo, geralmente
poupadora de mão-de-obra. com contingente numericamente semelhante ao
O trabalho humano nesse tipo de indústria é, de produção, dá suporte às atividades.
prioritariamente, voltado para a vigilância do Devido à especificidade de seu processo
processo, das condições necessárias para que produtivo, esse tipo de indústria apresenta um
ocorram as transformações físico-químicas modelo gerencial peculiar. A produtividade não
desejadas, com o menor risco de perdas de depende do trabalhador individual, mas da
insumos e produtos e o menor desgaste para os sintonia das equipes de trabalho que se alternam
equipamentos. em turnos, aliada à capacidade nominal da
Embora o processo produtivo seja contínuo, planta, ao grau de eficiência dos equipamentos
eventualmente ocorrem interrupções, via de e do funcionamento ininterrupto do processo
regra, programadas com o objetivo de fazer a (Guimarães, 1990:106). Expostos a um conjunto
manutenção dos equipamentos. de situações de risco, os trabalhadores, em
A empresa estudada é uma petroquímica de última instância, acabam por consentir, de
segunda geração, de capital misto, com três algum modo, o trabalho sob risco em troca dos
principais acionistas: a Petrobrás Química S/A benefícios que as empresas oferecem.
— Petroquisa, uma holding subsidiária da Essas características do processo de trabalho
Petrobrás que detém 33% das ações; a Rhodia requerem dos trabalhadores um alto nível de
S/A, uma empresa privada nacional com contro- qualificação, responsabilidade, cooperação e
le estrangeiro, detém 26% das ações e a Unigel confiabilidade, que conferem ao modelo geren-
Participações Serviços Industriais Ltda, detém cial aspectos singulares. Ressalta-se a existência
4% das ações. Trata-se de uma empresa de de um savoir-faire que é desenvolvido pelos
médio porte com 347 trabalhadores, instalada trabalhadores, que complementa o saber técnico
no II Pólo Petroquímico Brasileiro, em Camaça- adquirido nas escolas e que se torna indispen-
ri-Ba, desde 1976. Este representa, para a sável para que o sistema técnico funcione
região, um fator de mudança significativa na (Terssac & Coriat, 1984:388).
oferta de empregos, com a geração de um novo A necessidade de se estabelecer uma relação
operariado com características peculiares (Agier cooperativa e de confiança, dificulta relações de
& Castro, 1989) e com impacto não só na caráter despótico, conformando-se políticas de
economia regional, mas, também, na nacional gestão de cunho predominantemente paternalis-
(Guimarães & Castro, 1988). São hoje cerca de tas. Nesse sentido, observa-se na empresa
50 mil trabalhadores, dos quais 50% são sub- estudada um modelo de gestão que segue o do
contratados, empregados num complexo indus- Pólo, mas que acentua o traço paternalista

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Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

através do discurso de “grande família”. Contu- aquisitivo, já em curso há alguns anos, aliado às
do, o exercício do controle do trabalho pela ameaças de demissão. Como parte desse con-
gerência se faz com o uso de mecanismos texto sobressaíam as denúncias freqüentes, na
autoritários, na forma de “castigos” ou “puni- imprensa local e nacional, dos problemas de
ções”, caracterizando relações do tipo paterna- saúde dos trabalhadores, especialmente dos
lista despótico. acidentes graves e fatais e da leucopenia que
A concentração do saber e do poder encontra- acometiam numerosos trabalhadores do Pólo.
se nas mãos de poucos — os gerentes e os A pesquisa foi realizada ao longo dos anos de
operadores de painel. Os demais desenvolvem, 1990 e 1991, quando foi obtido o consentimen-
via de regra, algum tipo de esforço para alcan- to da empresa para observar o processo de
çar essas posições. Contudo o que predomina trabalho, estudar o processo produtivo e os
na empresa, tanto entre as chefias e cargos de riscos nele implicados e entrevistar os trabalha-
maior concentração de poder, como entre os dores.
chamados “peões”, é o descrédito nessa “grande Foram realizadas 42 entrevistas, orientadas
família”, cujas condições de trabalho e do por um roteiro flexível com trabalhadores dos
mercado de mão de obra acentua a competitivi- diferentes setores: operação, manutenção e
dade e, sobretudo, a desilusão com as possibili- laboratório, que representaram 25% dos traba-
dades de ascensão social. lhadores do setor de produção da empresa,
O trabalhador petroquímico é um coletivo excluídos aqueles do setor administrativo.
predominantemente do sexo masculino, de Foram, também, realizadas várias entrevistas
escolaridade média ou superior. Recebem não-estruturadas, durante o período de observa-
formação técnico-científica em escolas técnicas, ção do processo de trabalho.
que formam especialistas em conhecimento As entrevistas buscavam obter informações
aplicado e no conhecimento dos “meios” instru- que caracterizassem a identidade sócio-cultural
mentais relativos a certas áreas práticas da dos sujeitos, enfocasse as suas experiências com
ciência (eletricidade, mecânica, análise química, acidentes, doença e morte no trabalho, bem
processos petroquímicos, instrumentação etc) como suas representações de trabalho, risco,
(Agier & Guimarães, 1990). É um tipo de segurança e saúde.
trabalhador incentivado à responsabilidade, ao Os encontros se deram no interior da empre-
autocontrole , cuja cultura do trabalho envolve sa, onde obtivemos o consentimento para reali-
fortemente noções de perigo. Esses trabalhado- zar as entrevistas com liberação dos trabalhado-
res constroem um código ético-cultural, molda- res. Não tendo sido possível gravar as falas,
do pela equipe de trabalho, que define valores estas foram registadas imediatamente e seguidas
tais como confiança em si e nos outros, compe- de um relato minuncioso das impressões que
tência, coragem, responsabilidade consigo, com ficavam à entrevistadora. Os dados foram, em
os outros e com os equipamentos. seguida, organizados, segundo a inserção dos
A empresa estudada possui um quadro de trabalhadores na empresa, observando-se os
trabalhadores relativamente estável, tendo traços de sua identidade sócio-cultural, suas
recrutado a maioria de sua força de trabalho, formas de identificar os riscos existentes no
em 1978, num mercado que oferecia uma mão- cotidiano de trabalho e suas formas de repre-
de-obra qualificada escassa, tendo que capacitar sentá-los.
seu corpo técnico no sul do país ou mesmo no Face às dificuldades teóricas de definir for-
exterior. Contudo, não é essa a realidade dos mas de operacionalização do conceito de identi-
anos em que transcorreu a pesquisa. O contexto dade e, tendo como pano de fundo os estudos
da pesquisa é aquele em que se observa oferta realizados por Agier & Castro (1989) e Agier
significativa de mão-de-obra qualificada no & Guimarães (1990) em torno da identidade do
mercado, aliada à crise sócio-econômica que se trabalhador petroquímico, optou-se por identifi-
aprofundou com o Plano Collor. Esta se refletiu car suas diferenciações na empresa, consideran-
no Pólo com uma onda de paradas de manuten- do aspectos do seu capital sócio-cultural tais
ção e um crescente descontentamento do opera- como: idade, sexo, início na vida laborativa,
riado pela perda progressiva do seu poder história profissional, tempo de serviço, bairro

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Rangel, M. L.

residencial, profissão do pai, forma de ingresso 2. Valorização do saber necessário à função,


na empresa e escolaridade. porém demonstrando insatisfação com o
Procurou-se, assim, identificar as formas de trabalho, especialmente devido aos baixos
reconhecimento do risco entre os trabalhadores salários atuais e as condições de trabalho.
entrevistados, a valorização que é conferida à Revelação de certo desencanto e/ou aprisio-
tecnologia de segurança, na sua relação com o namento com o trabalho ou mesmo revolta
trabalho e os jogos de poder nele existentes. com a condição em que o trabalhador se
Levou-se em conta que o risco, como entidade encontra. Foi encontrada em 17% dos analis-
liminar, é suscetível a uma definição subjetiva, tas entrevistados, 12,5% dos operadores e
e, pelo seu caráter virtual, é permeável à rela- 5,5% dos mantenedores.
ção de poder/saber na sua construção social. 3. Ênfase às normas como saberes e benefícios
Foram identificadas três tendências básicas no que apóiam a realização do trabalho ou certo
discurso do reconhecimento do risco: a) nega- conformismo, pois o trabalho não satisfaz,
ção do risco — manifesta na afirmativa do mas é necessário. Encontrou-se em 6,25%
sujeito de que não há risco no trabalho; b) dos operadores e 29,41% dos mantenedores.
eufemização ou relativização do risco, manifes- 4. Valorização do esforço físico e mental e do
ta na afirmativa do sujeito de que há risco no desgaste no trabalho, confrontando-se com
trabalho. Mas, afirmando, logo em seguida, que os baixos salários e expressando uma forte
ele é controlado e neutralizado de algum modo: insatisfação muitas vezes manifesta pelo
pela tecnologia de segurança; pela localização desejo de sair do emprego, ao qual se sente
geográfica da empresa; pela generalização do de certa forma aprisionado, pela falta de
risco à vida, naturalizado-o; pela remissão do alternativas. Encontrou-se em 37,5% dos
risco do passado ou para fora da empresa; c) operadores e 29,41% dos mantenedores.
ênfase do risco, expressa na afirmativa, vee- 5. Valorização do esforço físico necessário ao
mente, de que há risco no trabalho, evidenciada trabalho e das exigências de cumprimento de
pelo uso de adjetivos aumentativos e/ou pela normas, como forma de proteção e manifes-
dificuldade de identificar locais de proteção. tação de certo agradecimento por ter alcança-
Nesse caso, os riscos são vistos em todos os do o emprego ou a posição em que se en-
lugares, dentro e fora da fábrica, podendo-se contra. Demonstra confiança na empresa e
precisar atividades e locais de maior risco, esperança de melhorar os salários e conti-
embora com dificuldades para identificar os de nuar ascendendo. Encontrada em 6,25% dos
menor risco. operadores entrevistados e 23,5% dos mante-
Para compreender as representações do risco, nedores.
lançou-se mão da representação do trabalho
entre os entrevistados, como elemento definidor
das representações dos sujeitos. Foram identifi- FORMAS DE REPRESENTAÇÃO
cadas cinco formas de representar o trabalho: DO RISCO

1.Valorização do saber necessário à função, O reconhecimento do risco no trabalho petro-


evidenciando satisfação ou realização pessoal químico na indústria estudada, embora estivesse
com o trabalho e tomando o saber como presente no discurso de todos os trabalhadores,
fonte de autovalorização. A insatisfação é apresentou matizes bastante distintas que iam
menor e se manifesta pela existência de desde a tendência a negar o risco até a enfatizá-
certos limites ao saber que a empresa impõe. lo com veemência.
Pode-se acompanhar de um sentimento de A negação dos riscos foi encontrada apenas
orgulho ou simples aceitação das condições entre os mantenedores, estando presente nos
de trabalho. Geralmente, o trabalhador é discursos de três trabalhadores (17,7% dos
imbuído do espírito de colaboração requerido mantenedores entrevistados) e, mais enfatica-
pela empresa. Essa forma esteve presente em mente, em um caso (5,8%). A eufemização ou
83% dos analistas, 37,5% dos operadores e relativização do risco foi encontrada em 37,5%
11,5% dos mantenedores. dos operadores, 47% dos mantenedores e 50%

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Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

dos laboratoristas. A ênfase ao risco foi encon- nou a relativização do risco com ênfase à
trada em 43,75% dos operadores, 23,5% dos tecnologia de segurança. Entre os laboratoristas
mantenedores e 33,4% dos laboratoristas. Os predominaram as duas primeiras formas descri-
demais trabalhadores apresentaram discursos tas acima, que se apresentaram como as de
não muito bem-definidos. maior freqüência.
Em relação à tecnologia de segurança, foram Para exemplificar as representações dos riscos
identificadas duas tendências básicas no discur- dos trabalhadores entrevistados, foram selecio-
so dos trabalhadores: a) ênfase à tecnologia de nados dois casos da operação, dois da manuten-
segurança, manifesta na afirmativa de que a ção e um do laboratório. Procurou-se, desse
tecnologia de segurança (normas, equipamentos, modo, contemplar algumas formas típicas de
procedimentos) são condições suficientes para representação do risco que conformam eixos
manter os riscos sob controle e oferecer prote- discursivos e suas respectivas representações do
ção no trabalho. Geralmente, a tecnologia de trabalho nos diferentes setores. Os casos serão
segurança era elogiada e havia confiabilidade apresentados de modo a propiciar a verificação
total do sujeito na planta, na equipe e nos das suas formas de representação do risco e
equipamentos, bem como valorização do traba- trabalho, assim como as suas características
lho da Cipa e das Brigadas; b) eufemização ou pessoais que contribuem para a conformação de
relativização da tecnologia de segurança, mani- sua identidade.
festa na afirmativa de que as normas são exage-
radas e apresentam orientações ou regras obso- Divisão de Operação
letas ou que dificultam a execução do trabalho
ou, ainda, que não cobrem todas as necessida- Trata-se de um contingente operário do sexo
des de segurança. Exigem, portanto, que o masculino, com idade máxima de 58 anos e
trabalhador use o “bom senso”, para selecionar mínima de 18 anos; 48% são maiores de 30
aquelas que são adequadas ao seu trabalho, e anos e 6,6% têm mais de 20 anos. São oriundos
que formule outros procedimentos, de modo a da classe média da Bahia em 93,75% dos casos
garantir a sua proteção no trabalho. Havia e, mais raramente, de outros Estados (6,25%).
reconhecimento dos limites que os equipamen- São geralmente filhos de funcionários públicos
tos de segurança oferecem e críticas à generali- (31,25%), de comerciários (25%) ou de indus-
zação do seu uso. triários (18,75%). Um menor contingente da
A ênfase à tecnologia de segurança foi obser- amostra é filho de motorista autônomo (12,5%),
vada em 37,5% dos trabalhadores da operação e em menor proporção, filhos de lavrador
entrevistados, 70,6% dos mantenedores e 50% (6,25%) ou de profissional de nível universitári-
dos laboratoristas. A eufemização ou relativiza- o (6,25%).
ção da tecnologia de segurança foi identificada A amostra revelou que 37% dos operadores
em 50% dos operadores, 29,4% dos mantenedo- iniciaram a vida laborativa entre 10 e 14 anos
res e 33,4% dos laboratoristas. Os demais de idade, 12,5% entre 15 e 17 anos e 50% com
apresentaram um discurso não muito definido. mais de 18 anos. O mais freqüente é que a
Quando foram relacionadas as formas de atividade laborativa tenha ocorrido no setor de
reconhecimento do risco com as formas de se serviços nas funções de mensageiro, vendedor
referir à tecnologia de segurança, encontrou-se ambulante, auxiliar de serviços no comércio e
quatro formas de representação do risco: a) na indústria; 18,75% dos operadores tiveram
relativização do risco com ênfase à tecnologia seu primeiro emprego na empresa estudada,
de segurança; b) ênfase ao risco com relativiza- enquanto 43,75% são provenientes do setor de
ção da tecnologia de segurança; c) ênfase ao comércio e 37,5% do setor industrial.
risco e ênfase à tecnologia de segurança e d) As formas de acesso dos operadores à empre-
relativização do risco e relativização da tecnolo- sa foram, em 62,50%, na função de estagiário,
gia de segurança. 6,25% na função de office boy, 6,25% na
Dentre os operadores predominou a ênfase ao função de vigilante, 18,75% diretamente na
risco com relativização da tecnologia de segu- função de operador I (operador de campo —
rança, enquanto entre os mantenedores predomi- cargo inicial da carreira de operador) e 6,25%

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diretamente na função de operador III (operador como forma de autovalorização no trabalho e


de painel — penúltimo cargo na carreira de mais raramente a ênfase se dá relacionando os
operador). riscos ao desgaste e revelando insatisfação com
Dentre os 19 operadores que trabalham no o trabalho. Assim vejamos alguns exemplos:
controle do painel (operador III), 42% perten-
cem ao quadro inicial da empresa. Os demais A) Ênfase ao Risco com Ênfase à Tecnologia
foram sendo captados ao longo dos anos, numa de Segurança e Autovalorização no Trabalho
proporção ascendente, até o ano de 1989.
Dentre os 15 operadores de campo tipo II, OA3 tem 31 anos, é procedente de Salvador,
26,66% são do quadro inicial. Os demais foram filho de funcionário público, iniciou a vida
sendo captados com picos mais intensos nos laborativa aos 18 anos de idade como mensa-
anos de 82 e 84, quando ingressaram 40% geiro de jornal, durante um mês, seguindo-se
desse grupo. um ano e meio num escritório de contabilidade
Dentre os 24 operadores de campo do tipo I, e, em seguida, a empresa em estudo. Fez curso
a maioria (75%) ingressou recentemente, entre de contabilidade (segundo grau). Entrou na
os anos de 1988 e 1990 e apenas um (4,2%) empresa como office boy e premaneceu nessa
ingressou no início do funcionamento da empre- função por dois anos e meio, quando passou a
sa. trabalhar no setor de pessoal. Quatro anos
Os cargos de chefia, supervisão e operação de depois, na vigência da greve de 1985, que
painel são, geralmente, ocupados por trabalha- resultou em várias demissões, recebeu estágio
dores mais antigos, embora entre os operadores de três meses para se tornar operador. Durante
III alguns ingressaram nos últimos três anos quatro anos permaneceu como Operador I e
que antecederam a pesquisa. atualmente é Operador II.
A observação da distribuição do saber/poder Para OA3 o risco é generalizado a tudo o que
nesse setor revela a sua concentração na sala de se faz, dependendo do indivíduo, e da situação,
controle, onde trabalham os operadores de vinculado à idéia de ato inseguro, condição
painel, os operadores chefes e os engenheiros. insegura e probabilidade:
Da sala de controle partem as decisões e a
supervisão do conjunto do processo produtivo. “risco normalmente é... tudo o que nós
Os operadores que trabalham no campo (área fazemos tem um grau de risco alto ou baixo,
externa onde se distribuem os equipamentos) mas a depender de cada situação... a mesma
possuem um poder limitado, recebem ordens e coisa que dirigir carro ou moto. Moto 95% é
orientações da sala de controle. Identificam-se, morte. É sempre alta ou baixa a depender do
que você está fazendo”. (OA3-21)
em parte, com os trabalhadores da manutenção,
embora possuam um maior conhecimento do
Apesar de generalizar o risco, OA3 ao se
conjunto do processo produtivo.
reportar ao trabalho o enfatiza elegendo, imedi-
Esse grupo se revela heterogêneo, enquanto
atamente, seu ponto de preocupação com o
identidades profissionais distintas, podendo ser
mesmo:
reagrupados naqueles que trabalham na sala de
controle, função privilegiada, e os que traba-
“aqui o que eu detesto, não gosto de trabalhar
lham no campo (área externa onde operam os
é com ácido sulfúrico. É o produto mais
equipamentos e o processo de transformação perigoso que tem, já aconteceu vários
das substâncias químicas) que possuem uma acidentes, comigo também (...) é um trabalho
relação de subordinação maior. Embora sejam que requer muito cuidado. Só entra lá todo
de origem sócio-cultural semelhante, os que equipado, mas ninguém combina com ele”.
alcançaram o trabalho na sala de controle o (OA3-26)
fizeram por se aproximaram mais do ideal
estabelecido pela empresa, sejam eles trabalha- A atividade de menor risco para ele é condi-
dores novos ou antigos. cionada ao uso de equipamento que, na sua
Esses trabalhadores, tanto quando enfatizam, opinião, possui a capacidade de neutralizar o
como quando eufemizam os riscos, o fazem risco:

340 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993
Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

“Todo serviço tem um grau de risco. Retirada inteligência. Normalmente a gente trabalhando
de amostra, o grau de risco é bem menor se nessa fábrica, ou mesmo em casa,
você estiver equipado”. (OA3-25) conhecendo o risco que tem, tem que fazer a
coisa com cuidado”. (OA3-30)
Por outro lado, não consegue identificar local
protegido na empresa: Refere-se ao trabalho, enfatizando o esforço
de atenção, o cuidado e o saber, assim como os
“A gente que trabalha numa fábrica riscos presentes, e demonstrando satisfação com
petroquímica, qualquer uma, é muito difícil ele:
saber se tá protegido ou não. A gente nunca
sabe o acidente quando vai acontecer. O único “Varia de turma prá turma (o trabalho),
lugar que tá seguro é em casa e assim conheço todos os supervisores e operadores
mesmo, nem sempre...” (OA3-34) chefes. Procuro fazer meu serviço certo, sem
falhar. Exige muita atenção, muito cuidado, já
A ênfase ao risco que aparece, eventualmente, que trabalha com muitos produtos perigosos.
em seu discurso se faz destacando a tecnologia Tem que saber o que tá fazendo, temos
de segurança, como um saber necessário e normas. Procuro sempre seguir as normas.
viabilizador do trabalho, e revelando submissão Gosto do trabalho porque nunca é uma rotina,
e conformismo no seu discurso, ao afirmar que tem sempre uma coisa nova prá fazer.
Trabalhar com rotina para quem gosta do
os EPIS são incômodos, reportando-se à opinião
trabalho não deixa satisfeito”. (OA3-13)
dos outros, e aceitando o seu uso apesar de
reconhecê-los como tal:
Ao valorizar o seu trabalho e a sua posição
conquistada por uma rara oportunidade na
“(...) Tem gente que acha que EPI é
incômodo, principalmente na retirada da empresa, OA3 tende a manter-se numa posição
amostra”. (OA3-39) de aceitação de regras impostas, como que
aguardando novas possibilidades de ascensão.
“Eu uso, é incômodo mas tem que usar. É Nesse caso, o risco parece ser representado
obrigatório e eu gosto de usar. Sol quente, como uma forma de valorização do trabalho,
usar macacão de PVC é incômodo, mas tem exigindo maior qualificação e conferindo-lhe
que ser usado, eu uso”. (OA3-40) maior poder social.

Não demonstra necessidade ou desejo de B) Ênfase ao Risco com Relativização


participação ou colaboração quanto à elaboração da Tecnologia de Segurança, Ênfase ao
de normas de segurança. Quando perguntamos Desgaste e Insatisfação Salarial no Trabalho
se faria alguma proposta de mudança, demons-
trou estar satisfeito com o que ocorre: OC5 tem 26 anos, procedente de Salvador,
filho de motorista autônomo, iniciou a vida
“O que nós fazemos é a reunião de segurança laborativa aos 21 anos, sendo a empresa em
e nela vai eliminando isso aí... os riscos... estudo o seu primeiro emprego, onde ingressou
cobram essas mudanças nas reuniões”. há cinco anos como estagiário, tendo passado,
(OA3-45) após quatro meses, a Operador I.
OC5 enfatiza o risco que percebe no trabalho
Valoriza as normas de segurança como estão, pela natureza das substâncias a que estão expos-
mesmo que se depare com algumas dificuldades tos.
com elas. Demonstra certa cautela para afirmar Identifica atividades de maior risco, mas tem
que se sente tranqüilo com o trabalho na planta, dificuldades para identificar as de menor risco.
especialmente porque considera “complexo” E só vê local protegido fora da área da produ-
confiar na planta. ção.
Valoriza, também, o saber e a inteligência
como forma de se proteger dos riscos:
“Pelo menos nas funções em que já trabalhei
“Tento enfrentar eles com cuidado e (o maior risco) aqui é encher os conteiner de

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993 341
Rangel, M. L.

HCN, porque o operador trabalha numa Valoriza os aspectos que produzem incômodo
plataforma, apesar de estar todo equipado, como o uso dos EPIs e aqueles que dificultam
mas só que se houver a ruptura de uma junta, a execução do trabalho, mas afirma fazer uso
algo que não possa ser sanado pelo operador deles “descuidando” de vez em quando.
na hora, vai contaminar a área toda”. (OC5)
“O momento do abastecimento é de grande
risco para os outros que estão por perto”.
“Na maioria dos casos (em que os
(OC5-24)
trabalhadores não usam o EPI) é porque é
incômodo. No trabalho em altura o cinto de
Quanto ao menor risco afirma: segurança é obrigatório, mas eles tão
deslocando e a cada espaço de um metro tem
“Não identifico, pode ter menor escala! Por que modificar a posição dele, então você
exemplo: troca de bombas é simples, só exige perde tempo, e já negligencia a segurança. Às
atenção você fazer o alinhamento correto e vezes o cara não usa luva porque eles dizem
meter o dedo na botoeira... mas existe o risco que perde o tato”. (OC5-39)
também... mas é bem menor... Na empresa
como um todo não dá pra dizer...” (OC5-25) Valoriza o trabalho da brigada como forma de
aprender a prestar socorro numa situação de
OC5 manifesta desconfiança em relação à emergência, e considera a Cipa atuante à medi-
planta, aos companheiros de trabalho e aos da em que leva, aos superiores, as situações de
equipamentos. Para ele, a proteção na empresa risco para tomarem medidas de segurança.
não existe, tal como representado em seu dis- OC5 valoriza o trabalho pelos saberes que ele
curso: proporciona, esforço físico e mental e o desgas-
te no trabalho, confrontando-os com os baixos
“Confiar no que eu fiz, eu chequei. Se o cara
salários e expressando insatisfação relativa,
diz: você pode começar a encher a carreta
que a válvula lá de baixo tá fechada, eu só
vinculada ao salário e ao risco.
confio se eu vou lá e vejo fechada. Desconfiar
de todo mundo...” (OC5-32)
“O trabalho, aqui, exige muita atenção
“Não confio em informações passadas principalmente para execução de manobra,
verbalmente. É bom não confiar. Escritas pelo coleta de amostra. Há um desgaste pelo fato
menos você tá coberto. Confiar em Deus prá do turno, a modificação constante do horário
que tudo dê certo”. (OC5-33) de trabalho, e o operador é uma função para
turno. A insatisfação é... eu não vou nem
colocar a parte do salário, mas pela função
Para OC5, não existem locais protegidos na
que eu exerço é o risco ao qual nós estamos
empresa. Ele valoriza o conhecimento dos expostos e a remuneração por isso não
produtos envolvidos no processo produtivo, condiz. Não vale a pena, como teria sido há
como forma de proteção, e aponta críticas a algum tempo atrás, que foi a imagem que
atividades da gerência que aumentam o risco e criaram na Escola Técnica... Ouvia-se falar de
o desgaste no trabalho: salário. Mas eu gosto porque não é uma
função monótona, pelo curso que eu fiz,
instrumentação, você fica bitolado a uma sala.
“Inadequado é sobrecarregar o operário. Por Já na operação a cada turno você encontra
exemplo, eu soube um caso aqui uma coisa nova, é muito difícil encontrar as
recentemente na empresa que o operador tava minhas funções iguais ao que eu deixei no dia
dobrando turno. Ele entrou às 16 horas e anterior, mas é claro que tem as rotinas mas
sairia as 8 horas. Quando chegou pela manhã variam as situações de dosagens de aditivos
o muda dele atrasou a entrada e ele só saiu por exemplo. Para os produtos não saírem dos
às 12 horas. Ficou 20 horas seguidas parâmetros, você tem que variar o aditivo.
trabalhando aqui, e foi obrigado a efetuar a Outra coisa é a vigilância dos equipamentos,
partida inclusive do HCN. A possibilidade de bombas e preparo de soluções, hoje você faz
ser desatento em uma manobra ou outra foi uma quantidade de aditivos, amanhã já será
muito grande”. (OC5) outra”. (OC5-13)

342 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993
Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

Outros trabalhadores manifestaram discurso maior percentual de baixa escolaridade (primei-


semelhante, com ênfase ao risco, relativização ro grau incompleto ou completo).
da tecnologia de segurança, porém com insatis- O saber nesse setor é mais fragmentado na
fação com o trabalho. O sentimento de que o multiplicidade de funções e o poder é mais
Pólo já se esgotou como possibilidade de um facilmente concentrado nas mãos da gerência. A
bom emprego, ao lado da manifestação de relação dos supervisores de manutenção com os
insatisfação com o trabalho, surgiu em 37,5% trabalhadores segue eixos semelhantes à opera-
dos operadores que tenderam a realçar os ção, no que se refere ao paternalismo autoritári-
aspectos do esforço físico e mental e o desgaste o. Nota-se, contudo, que o sentimento de per-
no trabalho, enfatizando os riscos. Os baixos tencer a uma “grande família” encontra-se mais
salários acentuam essa forma de ver o risco, ao presente nesse setor.
lado do trabalho sindical de denúncias das Nesse grupo, observou-se uma distinção entre
condições de trabalho e saúde no Pólo Petroquí- os “peões” da mecânica e montagem e os
mico de Camaçari. Os dados de doença ocupa- instrumentistas e eletricistas. Tal distinção
cional, a Campanha “Caça Benzeno” desencade- ocorre em paralelo com os elementos que
ada pela CUT no ano de 1991 e as repercussões delineiam a identidade dos sujeitos e as suas
da morte de um médico do trabalho por leuco- formas de representação do risco. Esse é o
penia no ano de 1990, deixam sementes para único grupo onde surge a negação do risco,
que essa forma de representação do risco se talvez devido à origem sócio-cultural dos seus
torne preponderante no Pólo, aproximando os membros, que os coloca em situação mais
trabalhadores de campo aos da sala mais anti- difícil para ter acesso à empresa e galgar me-
gos e descontentes. lhores posições ao longo da vida laborativa, ou
mesmo, para manter-se no emprego. Seguem-se
algumas das formas de representação do risco
Divisão de Manutenção identificadas:

A) Negação do Risco com Ênfase à Tecnologia


Os trabalhadores da manutenção são, na de Segurança, Submissão e Aceitação
grande maioria, do sexo masculino, predomi- das Condições de Trabalho
nando a faixa etária de 31 a 40 anos (48,6%).
São, geralmente, de origem mais humilde que
os dos demais setores, procedentes do interior MA3 tem 47 anos, procedente do interior da
do estado da Bahia e residentes nos subúrbios Bahia, filho de lavrador. Iniciou a vida laborati-
e de Salvador ou nos municípios vizinhos. São va aos 10 anos de idade na lavoura, onde
filhos de lavradores em 35,29% dos casos, de permaneceu até os 22 anos. Antes do atual
trabalhadores da construção civil (23,52%), emprego, trabalhou em diversas empreiteiras e
de industriários (23,52%), de comerciantes após a décima empresa conseguiu com um
(11,76%) e de funcionários públicos (5,8%). amigo a colocação na empresa em estudo.
O início da vida laborativa é mais precoce Estudou, apenas, até o primeiro grau completo.
nesse grupo: 18,75% começaram a trabalhar Permanece na mesma função em que ingressou
com menos de 10 anos de idade; 50% entre 10 há 10 anos e 8 meses.
e 14 anos; 12,5% entre 15 e 17 anos e 18,75% MA3 considera que o risco é provocado pelo
após os 18 anos. Cerca de 80% desses trabalha- próprio trabalhador e que, no seu trabalho
dores tinham experiência profissional anterior pessoal, não existe risco, como podemos depre-
ao emprego atual, geralmente em empreiteiras. ender do seu discurso:
O acesso à empresa estudada se deu de imedia-
to à função, com ou sem evolução posterior. “O risco, eu acho assim, a gente é quem
Somente no setor de instrumentação e eletrici- provoca (...) Porque se vai pegar uma corda e
dade o acesso se deu na função de estagiário. amarrar em um lugar alto e tá vendo que a
Também nesse setor a força de trabalho é corda é fraca, então prá que vai se pendurar?”
relativamente estável. Entre estes se encontra o (MA3-21)

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993 343
Rangel, M. L.

“Não acho que há risco no meu trabalho, prá Demonstra ter confiança na planta, pelo nível
mim, meu trabalho é tranqüilo”. (MA3-22) de responsabilidade que identifica nos operado-
res e administradores, mas confia especialmente
O discurso de MA3 revela forte noção de em si próprio. Considera que a área toda é
acidente como ato inseguro, de responsabilidade protegida.
do trabalhador. OA3 procura seguir, à risca, as normas de
segurança, considerando-se treinado para a
“O maior risco aqui dentro é a pessoa prevê o função que exerce. Valoriza as normas, e os
serviço, observá o que vai fazê, trabaiá com EPIs são, para ele, fonte de satisfação no traba-
atenção, se prepará com os material de
lho.
segurança, daí em diante ele tá sem risco.
Porque é o seguinte: a gente tá vendo que aí
fora uma pedra aí vai quebrá, vai vir uma “Eu acho uma coisa muito importante. Se a
ponta e acidentá uma pessoa. Prá que ele vai gente vai trabaiá numa fábrica dessas e não
fazê isso?” (MA3-24) tivesse o EPI a gente não iria satisfeito de
trabaiá contente. Mesmo sem o EPI acontece,
Embora reconheça o risco do trabalho, que se que dirá sem o EPI”. (MA3-40)
inicia ao sair de casa, a responsabilidade é
retornada para o indíviduo que tem medo: Em relação às normas de segurança, ele
afirma:
“Eu acho prá mim que desde quando a gente
sai de dentro de casa, prá mim o risco já tá na
cara... porque se nóis pega um ônibus que “Ah! Eu acho legal. Eu dô valô as normas de
vem de lá prá cá temos um risco. Quando segurança. Porque eu acho que elas cumpre o
chegar aqui dentro tá o risco, mas o medo é devê dela e pede prá gente também cumprir
quem faz o risco, o maior risco é o medo”. nosso devê”. (MA3-41)
(MA3-25)
MA3 se reporta ao trabalho sem expressar
Ao definir os locais de risco, torna a repor o sentimento de isatisfação, nem enfatizar motivo
risco ao indivíduo: de satisfação. Apenas refere ser o trabalho, às
vezes, pesado e que apesar disso gosta do que
“Quase todos (os locais) são arriscados. A
faz.
área de HCN também é um pouco meio
arriscada e por isso ela é isolada também. Só
pode entrar com a segurança e daí em diante B) Eufemização do Risco com Ênfase à
o cara mesmo é quem provoca o risco. Se ele Tecnologia de Segurança com
vê que tá vazando o produto ele não pode ir Autovalorização e Desencanto com o Trabalho
lá. Tem que olhá prá biruta e saber prá onde
ele vai. Ele não pode correr prá dentro prá MD4 tem 24 anos, é procedente do interior
dizer que vai combater”. (MA3-27) da Bahia, filho de fazendeiro. Iniciou a vida
laborativa aos 21 anos de idade, tendo na
MA3 assume o risco como de responsabilida- empresa em estudo o seu primeiro emprego.
de unicamente individual: Ingressou na função de estagiário e, em dois
anos, galgou a posição de Instrumentista II.
“Ah, minha irmã, agora eu faço tudo prá num Completou o segundo grau com curso de conta-
me acidentá, num me prejudicá. Se eu vê o bilidade e está cursando a Universidade.
risco lá, eu não vou me aproximar dele porque
Para MD4 o seu trabalho não é tão arriscado,
se uma rede elétrica parte, enquanto não
e o mais importante é seguir as normas de
desliga, tem risco. Então eu não vou passar
por perto. Eu tenho que me afastar dele. segurança e estar consciente dos riscos. MD4
Tenho que fazer alguma coisa por mim, considera o seu trabalho, em si, de pouco risco,
proque se eu não fizer... Se for de minha área embora identifique nos outros setores, especial-
o risco, eu mesmo vou cobrir ele, e se não, eu mente operação, riscos maiores.
tenho que procurar quem cubra”. (MA3-30) Considera que a maioria das atividades é

344 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993
Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

arriscada, mas responsabiliza os companheiros, equipe e nos equipamentos é, no entanto, relati-


principalmente da operação, por negligenciar as va. Procura sempre conferir o que lhe foi
normas de segurança: passado, confirmar as informações e execução
de serviços e confiar, principalmente, em si
“Acho que a maioria é arriscada, mas a de mesmo. Valoriza as Brigadas e ignora a exis-
maior... Tem uma atividade que eu acho que é tência da Cipa, embora considere que a empresa
arriscada mas a gente não tem dados. O
visa mais o patrimônio que a saúde do trabalha-
pessoal que trabalha com o catalisador. Ele é
cancerígeno, o pessoal não se protege. A
dor, através dos treinamentos.
utilização de EPI, máscara, óculos MD4 relata que saiu da escola técnica cheio
normalmente não usam, e o catalisador fica na de sonhos e vontade de se desenvolver e apren-
pele, sendo também aspirado por via der.
respiratória. Como não causa nada de
imediato, eles não usam... Mas é o efeito “Durante o primeiro ano foi tudo bem, tava na
cumulativo. É freqüente a pessoa dizer: `ah! eu fase de aprendizagem (...) Mas agora tô
faço sem luva, eu faço sem óculos, sem achando tudo muito limitado. A empresa não
máscara, não tem problema não...’ Retirada de
se interessa em aperfeiçoar mais os técnicos
bomba, os mecânicos fazem sem usar a
máscara, porque o cheiro dá prá aguentar. Aí que ele tem. (...) Não é um trabalho que você
dizem: `ah, não vou usar máscara porque dá fique saturado dele, rotineiro... Varia bastante,
prá aguentar o cheiro’. É freqüente isso (...) você tem vários tipos de serviço...Mas chega
abertura de câmara de instrumento, por um tempo que você tá familiarizado com tudo
exemplo. Normalmente para retirar o e se sente limitado”. (MD4-13)
instrumento é bloqueado e descontaminado
pela operação. Aí nesse processo é que pode Divisão de Laboratório
ocorrer a negligência de não uso de máscara.
Sabe que a concentração é baixa e que é
suportável. Então fica a favor do vento, que O grupo de laboratoristas é de composição
não recebe muito produto. Aí nesse processo etária semelhante ao dos operadores: são cerca
deve ser feito com máscara, luva e possa ser de 87% na faixa dos 21 a 40 anos. Nesse
que alguém não usa.” (MD4-24) grupo, observa-se maior participação do sexo
feminino (17%). São operários oriundos da
Afirma seguir as normas, regularmente, e classe média de Salvador, onde reside a maior
ressalta o papel de cada um para evitar o aci- parte deles (83%). São filhos de profissionais
dente: de nível médio (67%) ou superior (33%). Todos
possuem escolaridade média, exceto uma com
“O que tá no papel é interessante. Fora do nível superior. Geralmente iniciaram a vida
papel tá mais em função de cada um, porque laborativa após os 18 anos de idade, mais
a segurança ele cobra, mas as pessoas são
tardiamente que os grupos anteriores.
negligentes mesmo, as pessoas relaxam. Mas
a maioria dos acidentes é causado por eles.
Apenas 17% ingressaram na empresa como
Na prática mesmo tem que cada um cuidar de estagiários e 17% como office boy. Os demais
si. Agora acho interessante a empresa ingressaram diretamente na função de analista.
conscientizar todo o pessoal, para que ela A maioria do grupo não teve outras experiên-
mesma tome as medidas de precaução”. cias profissionais antes do emprego atual.
(MD4-42) O conhecimento necessário para o desenvolvi-
mento das tarefas é bastante centrado em méto-
“Tem que seguir todas as normas de dos de análises químicas e técnicas de manipu-
segurança, até mais que você ache que deva, lação de amostras. O contato com a planta é
prá se proteger. Acho que é certo. Mas isso aí pontual e o conhecimento do processo produti-
não resolve tudo. Você pode tá bem protegido vo é de caráter mais teórico que prático. Este
mas não anula todos os riscos”. (MD4-35) encontra-se concentrado nas mãos do engenhei-
ro chefe, sendo a autonomia do trabalho do
MD4 confia na planta, mas sua confiança na grupo bastante restrita. Sua autovalorização se

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993 345
Rangel, M. L.

dá pela via da confiabilidade que lhe é deposi- Não confia na planta, nos equipamentos nem
tada pela gerência. na equipe. Prefere manter-se em constante
Esse grupo se apresenta como o mais homo- estado de alerta, observando a biruta e atenta a
gêneo dos três estudados, talvez devido à sua todos os sinais. Relata que já vivenciou vários
atividade menos diversificada e por se tratar de vazamentos e que a segurança não avisava, só
um grupo menor na empresa (24 trabalhadores). depois que telefonavam, reclamando do cheiro.
Observa-se, como no grupo dos operadores, a Para LA1 as normas e equipamentos de
ênfase ao risco e à tecnologia de segurança segurança são muito limitados e não merecem
vinculadas à autovalorização, entre trabalhado- confiança, como menciona abaixo:
res mais antigos na empresa que não galgaram
postos de chefia ou supervisão, como vemos a “Os EPIs que eles dão é só paliativo. Mas não
seguir. resolve. Os filtros não suportam os ppm de um
vazamento. Não se pode ficar tranqüilo,
Ênfase ao Risco com Relativização despreocupado porque tem os EPI... Porque já
pegamos muito tipo de vazamento de ter que
da Tecnologia de Segurança e
correr. Quando menos se espera acontece
Insatisfação com o Trabalho alguma coisa. No laboratório tem que
abandonar... Muitas vezes já aconteceu isso.
LA1 tem 33 anos, é procedente de Salvador, Geralmente na partida de alguma unidade ou
filha de eletricista. Iniciou a vida laborativa aos falha de manobra do operador”. (LA1-36)
21 anos, na empresa em estudo. Ingressou na
empresa há doze anos na função de analista e, Considera as normas excessivamente rigoro-
atualmente, é analista II. Fez curso universitá- sas, e que a segurança só olha o lado técnico
rio. das situações, e esquece do lado humano. Isso
LA1 enfatiza o risco pela natureza das matéri- tem gerado insatisfação em participar das
as-primas e produtos. Considera o trabalho no atividades de segurança.
laboratório mais arriscado que qualquer outro LA1 diz gostar do seu trabalho pelo aspecto
na empresa, pelo manuseio direto com as de se sentir valorizada na função que tem, e
substâncias. gratificada pela experiência e conhecimentos
Dentre as diversas atividades, LA1 elege a adquiridos.
análise de HCN como a mais arriscada, tal Porém todo o seu discurso revela indignação
como mencionada por esta: com as condições de trabalho, especialmente no
que se refere ao risco e à saúde, em torno do
“Porque o pessoal deve ficar tenso... Tem que que existem grandes incertezas.
entrar com equipamento de ar dirigido. Tudo
se faz com satisfação mas quando se trata
com HCN, o pessoal muda de cor, tem aquele
CONSIDERAÇÕES FINAIS
medo. Ninguém gosta de fazer. O pessoal não
gosta de ir na área, mas o pior é HCN”.
(LA1-24) As representações do trabalho e dos riscos
nos diferentes grupos apresentaram-se distintas.
LA1 não só denuncia o medo dos outros ao Embora a autovalorização, pelo saber ou pelo
contato com o HCN como enfatiza o seu pró- esforço, esteja presente, basicamente as diferen-
prio, talvez por ser do sexo feminino o que lhe ças se dão por três tendências discursivas: de
permite admiti-lo mais francamente. Não conse- satisfação com o trabalho, de conformismo ou
gue apontar um local protegido no trabalho e de desencanto. Demonstram satisfação aqueles
generaliza o risco da empresa ao Pólo: para quem o emprego significou uma grande
conquista. Isso devido à posição alcançada
“(...) O Pólo é um local muito perigoso. A dentro da empresa, que o nivela, do ponto de
gente tem que estar preparado no dia-a-dia, vista salarial, ao mercado de trabalho do profis-
principalmente agora com essas empresas sional de nível superior que ele almejou um dia
com mais de 10 anos. A gente tem que estar ter se tornado. Também pode decorrer da forma
preparado mesmo!” (LA1-35) de acesso ao próprio emprego, para quem

346 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993
Riscos à Saúde na Indústria Petroquímica

enfrentou grandes dificuldades no mercado de RESUMO


trabalho por uma condição sócio-cultural menos
favorecida. O conformismo é encontrado naque- RANGEL, M. L. Saúde do Trabalhador —
les para quem o trabalho na empresa, embora Identidade dos Sujeitos e Representações
represente um desgaste e acompanhe-se de uma dos Riscos a Saúde na Indústria
queda progressiva do valor monetário, ainda é Petroquímica. Cad. Saúde Públ., Rio de
a melhor opção. São, geralmente, trabalhadores Janeiro, 9 (3): 333-348, jul/set, 1993.
mais velhos cuja mudança de emprego já se Este trabalho enfoca o papel da identidade
tornou quase impossível. A insatisfação obser- sócio-cultural dos sujeitos na construção de
vada refere-se, principalmente, às condições distintas representações sociais dos riscos à
salariais que não compensam um trabalho de saúde nos locais de trabalho. Os riscos são
alta responsabilidade e riscos, ressaltando-se
concebidos como construções sociais, que se
suas conseqüências para a saúde.
fazem por referência à identidade dos sujeitos,
Embora os trabalhadores acima revelem
vivendo relações de poder/saber, que se
heterogeneidade nas representações do risco,
expressam em formas de controle e resistência
eles estão unidos por uma questão comum. Esta
no cotidiano de trabalho. Trata-se de um
questão é evidenciada pelo reconhecimento, de
estudo de caso, realizado numa indústria do
alguma forma, de que o risco está marcadamen-
Pólo Petroquímico de Camaçari-Ba, que
te presente em suas vidas laborativas. Mesmo
examinou como operadores, mantenedores e
aliviado ou controlado, o riscos impõem um
laboratoristas representam os riscos à saúde
modo de vida próprio, uma condição de traba-
existentes no seu cotidiano fabril.
lho particular. Estão unidos pelo consentimento
do trabalho sob risco, numa condição em que as Palavras-Chave: Saúde Ocupacional;
opções de sobrevivência tornam tal consenti- Representações Sociais em Saúde; Saúde do
mento uma quase imposição. Num mercado de Trabalhador Petroquímico; Identidade e Saúde
trabalho com poucas possibilidades de emprego,
o Pólo representa uma solução para as aspira-
ções de ascensão da classe operária, em que a
opção é o trabalho sob risco ou enfrentar o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
desemprego.
AGIER, M. & CASTRO, N. A., 1989. Daqui a uns
Através de frases como “Prefiro morrer
cinco anos, dar o meu grito de liberdade —
poluído do que morrer de pobreza” dita por um
Projeto Operário e destinos pessoais entre traba-
operador chefe, e “Pólo, tô fora”, pichada num lhadores e líderes da nova indústria de processo
dos murais da empresa, os trabalhadores expres- na Bahia. (Mimeo.)
sam o conflito em que vivem ao se submeterem AGIER, M. & GUIMARÃES, A. S. A., 1990.
ao trabalho sob riscos no Pólo Petroquímico de Identidades em conflito: técnicos e peões na
Camaçari. Petroquímica da Bahia. Revista Brasileira de
Permanecer cúmplices desse processo ou não, Ciências Sociais, 5: 51-68.
depende de uma maior apropriação e reelabora- BERGER, P. I. & LUCKMANN, T., 1976. A
ção do saber, acerca dos reais limites da tecno- Construção Social da Realidade. Petrópolis:
logia e dos efeitos potenciais dos riscos sobre Vozes.
sua saúde, estes concretamente expressos nos BOURDIEU, P., 1988. La Distincion. Madrid:
casos de acidentes e doenças que ocorrem na Taurus.
empresa e no Pólo. GUIMARÃES, A. S. A., 1990. A gestão do trabalho
Contudo, esse saber permanece sob estreito na indústria Petroquímica (a forma geral e a
controle da empresa, dificultando a coletiviza- variante paternalista). Cadernos do Centro de
ção das experiências e a ruptura e redefinição Recursos Humanos, n. 12: 55-69.
dos riscos. GUIMARÃES, A. S. A. & CASTRO, N. A., 1988.
Espaços regionais de construção da identidade e
a classe trabalhadora no Brasil pós-77. Cadernos
do Centro de Recursos Humanos, n. 12: 33-54.

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Rangel, M. L.

HIRATA, H., 1984. Division Internationale, Division SANSAULIEU, R., s/d. L’Identité et les relations de
Sexuale du Travail et Santé. Anais do Seminaire travail. (Mimeo.)
Franco - Brasiliense “Emploi, Division du Tra- _________ , 1977. L’identité au Travail. Paris:
vail, Division des Risques et Santé”. Univer- Press de la Fondation Nationale des Sciences
sidade de São Paulo, Brasil. Politiques.
KNIGHTS, D. & WILLMOTT, H., 1989. Power and TERSSAC, G. & CORIAT, B., 1984. Micro-électro-
subjectivity at work: from degradation to sub- nique et travail ouvrier dans les industries de
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