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LIVRO DIDÁTICO
Introdução
Não é de hoje, desse ano, dessa década que se fala no texto como objeto de
ensino da língua. Na realidade, é desde a década de 80 que essa idéia circula e é aceita
em todo o Brasil (o que não significada dizer que é “praticada”).
Porém, com a publicação dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) em
1998, um outro objeto passa a ser proposto para o trabalho com a língua na sala de aula:
a diversidade de gêneros textuais. Ao proporem este objeto de ensino tem-se, como
pretensão, ampliar o trabalho que, até então, vem se fazendo com o texto. Em vez de
olhar apenas para sua estrutura organizacional, o que se pretende, no trabalho com o
gênero, é relacionar o texto, também e principalmente, com a sociedade, para
compreender a sua função social, sua pretensão ideológica de interlocução, seu suporte
e/ou veículo de circulação, sua sócio-história. Nesse caso, a gramática, na tessitura do
texto, a tipologia, a escolha lexical estão em função da interlocução e não,
exclusivamente, em função do texto (compreensão equivocada da proposta de trabalho
com o texto).
A partir dessa proposta de trabalho com os gêneros, duas práticas têm se
destacado. Por uma lado, relacionados à Lingüística Aplicada, há grupos de
pesquisadores que, na tentativa de esclarecer o que os PCNs propõem, têm-se dedicado
aos estudos, à pesquisa, à divulgação de suas idéias por meio da organização de eventos
e muitas publicações. Por outro lado, há aqueles que simplesmente dizem ter adotado tal
proposta (para atender aos Parâmetros), sem muitas reflexões, e passam a abordá-la, às
vezes de forma equivocada ou confusa, nos materiais publicados.
E, entre essas duas práticas, está o professor, um dos responsáveis para que a
proposta teórica dos gêneros se concretize. Porém, indagamos: a quais publicações o
professor tem mais acesso, ou seja, o que chega mais facilmente até suas mãos? Não
precisamos pensar muito para responder que é o Livro Didático (LD), afinal, este está
na grande maioria das salas e, da mesma forma, com a maioria dos professores,
servindo, em muitos casos, como um “manual de instrução” para a preparação da aula.
Se o LD é, então, a publicação mais acessível ao professor, julgamos importante
tomá-lo como nosso objeto de análise no que se refere aos gêneros textuais e à
gramática: como são abordados? E com que propriedade teórica?
Para isso, devido ao espaço limitado que temos para tal publicação,
selecionamos apenas 2 livros de Língua Portuguesa, 4ª série, aprovados pelo MEC e
indicados no PNLD 2007 (Programa Nacional do Livro Didático), cuja seleção ocorreu
neste segundo semestre de 2006. Ao analisá-los, estaremos enfocando, mais
diretamente, dois aspectos: como o gênero está sendo apresentado e explorado em sua
função social, e qual o tratamento atribuído à gramática nessa relação com o gênero.
Mas, por que falar da gramática nesse contexto? Para nós é interessante porque
entendemos que ela está em função daquilo que se quer dizer, para quem se vai dizer,
em que situação de interlocução, quando e para qual suporte e/ou veículo de circulação,
ou seja, a gramática está para o uso da língua e, se é compreendida de tal forma, deve
também ser abordada de tal forma.
Passemos, então, a tal análise, mas, antes, nos propomos a refletir sobre os três
objetos de ensino que se destacam no trabalho com a língua: a gramática, o texto e o
gênero textual.
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ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não
preexistiam na fala”. E, nesse sentido, o texto é tomado como o lugar onde o sujeito
pratica suas ações com a língua.
Essa forma de compreender a linguagem foi amplamente divulgada a partir da
década de 80, principalmente com a publicação da obra O texto na sala de aula,
organizada por Geraldi, e publicada em 1984, além de ser propagada por diversas
propostas curriculares e programas de ensino, em diferentes estados do Brasil. No
Paraná, essa proposta ganha força no final da década e se confirma com a publicação do
Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná, em 1990.
Porém, segundo Rojo e Cordeiro (2004), o texto foi, e ainda é, diríamos, visto
como objeto de uso em sala e aula - propiciando hábitos de leitura e estímulo para a
escrita - ou como suporte - para o desenvolvimento de estratégias e habilidades para a
redação – e não como objeto de ensino, propriamente dito. Isso ocorre porque, nas
práticas relativas ao uso, à circulação e à produção de textos, acaba por ignorar a
situação de produção (contexto, interlocutores, finalidade, suporte etc), levada em conta
no processo discursivo, fechando-se apenas no texto enquanto estrutura e tipologia.
Disseminadas também na década de 80, sedimentam-se, na década posterior,
as idéias bakhtinianas - em relação ao processo de ensino-aprendizagem de língua
materna no país -, ao analisarem a linguagem na perspectiva dialógica. Ampliando-se a
compreensão do trabalho com o texto, os gêneros são abordados como elementos
organizadores do processo discursivo, por meio dos quais a sociedade interage.
De acordo com Bakhtin (1997), o estilo verbal do sujeito (no sentido usual) não
pode ser analisado de forma independente dos gêneros. Ao selecionar, combinar,
ampliar, transformar determinado(s) gênero(s), de acordo com os interlocutores, a
esfera de atividade em que circula(m) e a relação valorativa com o conteúdo veiculado,
o sujeito escolhe também os recursos textuais, lexicais e gramaticais. Através de sua
expressividade, retoma e modifica a fala do(s) outro(s).
Assim, segundo Perfeito (2005), podemos considerar que, na concepção
interativa de linguagem, o discurso, quando produzido, se manifesta por meio de textos
e todo texto se organiza dentro de determinado gênero.
Em termos pedagógicos, tomando a linguagem na percepção discursiva, os
gêneros, segundo os PCNs (BRASIL,1998), tornam-se objeto de ensino (responsáveis
pela articulação/progressão dos programas curriculares). Assim, a língua, resultado de
um trabalho coletivo, deve ser analisada em sua natureza sócio-histórica e, então, "como
uma ação orientada para uma finalidade específica (...) que se realiza nas práticas
sociais existentes, nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história".
(BRASIL, 1998, p. 20). Ou seja, a língua se concretiza nos textos que, por sua vez,
materializam os gêneros textuais.
Nessa perspectiva, o estudo e a análise do discurso, do gênero e do texto
passam a ser valorizados no trabalho com a linguagem e, conseqüentemente, uma
consideração à relativização de usos e valores lingüísticos começa a ocorrer nas salas de
aula. Sob tal enfoque, na perspectiva escolar, o objetivo passa a ser não só discutir,
abordar a norma culta, mas, inclusive, possibilitar ao aluno o contato com os vários
modos de falar/ escrever, a serem utilizados de acordo com a situação de uso.
Em vista disso, a partir da década de 80, os LDs vêm sofrendo alterações.
Inicialmente para atender a proposta de trabalho com o texto e, nos últimos anos, para
atender àquilo que os próprios PCNs propõem: “cabe, portanto, à escola viabilizar o
acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente (...). É preciso,
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portanto, oferecer-lhes os textos do mundo” (BRASIL, 1998, p. 30, 55), ou seja, o
trabalho com o gênero e também com o discurso.
Nessa perspectiva, além de abordar o texto materializado nos gêneros, os LDs
têm, ainda, outra missão que é a de atrelar a gramática à uma situação de interação, ou
seja, se no gênero o discurso é visto como produtor de efeitos de sentidos entre
interlocutores, em certa situação comunicativa, englobando não só o conjunto de
enunciados produzidos, mas também, o processo de enunciação, determinados pela
realidade sócio-histórica, pela ideologia e pelo inconsciente dos sujeitos, então,
... as situações didáticas devem, principalmente nos primeiros ciclos, centrar-se nas
atividades epilingüísticas, na reflexão sobre a língua em situações de produção e
interpretação, como caminho para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a própria
produção lingüística (BRASIL, 1998, p. 39).
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contemporâneas ou narrativas da literatura clássica infantil”. Os textos da segunda
unidade “pertencem ao gênero epistolar ou correspondência: cartas, cartões, bilhetes,
telegramas, e-mails, etc.” A terceira unidade “prioriza o trabalho com textos
publicitários, dramáticos, biografias, filmes e sinopses” enquanto que a quarta unidade
“prioriza o trabalho com textos jornalísticos” (p. 8).
Para um professor de 4ª série, que não tem formação específica em Letras e que
não tem maiores leituras sobre gêneros, essa apresentação inicial pode deixá-lo mais
confuso ainda. Afinal, os autores irão priorizar o trabalho com os tipos de texto ou com
os gêneros? Gêneros e tipos de textos são sinônimos? O que são gêneros, então?
Se partirmos da concepção de que os gêneros que circulam nas diferentes áreas
da atividade humana são responsáveis pela interação entre os sujeitos, entenderemos,
assim como Costa-Hübes (2005), que podem ser definidos como ações sócio-
discursivas para agir sobre o mundo, materializadas em forma de textos (orais ou
escritos) que encontramos no cotidiano. Ou, como define Marcuschi (2003), que a
palavra gênero é uma expressão usada para referir-se a textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas
definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.
Nesse sentido, não é o texto, por ele próprio, o foco de atenção nessa concepção
de linguagem, mas a realização concreta da interação locutor/interlocutor(es) mediada
pela língua e concretizada nos gêneros, num dado contexto sócio-histórico. Porém, para
se chegar a essa compreensão, é preciso reconhecer, conforme Bakhtin (1995), que a
língua, na qual e pela qual o homem se constitui, é reflexo das relações entre os homens.
Os modos de dizer do homem são realizados a partir das possibilidades oferecidas pela
língua numa determinada situação ou contexto de produção, e só podem concretizar-se
por meio dos gêneros discursivos2, ou gêneros textuais3 entendidos, segundo Bakhtin
(1997), como enunciados relativamente estáveis que circulam nas diferentes áreas de
atividade humana, caracterizados pelo(a) conteúdo temático, pela construção
composicional, e pelo estilo.
Nesse sentido, a riqueza e a diversidade dos gêneros são imensas porque em
cada esfera social existe todo um repertório de gêneros textuais4 que se diferenciam e
que crescem à medida que se desenvolvem. Vejamos um exemplo de esfera social e de
alguns gêneros que são ali produzidos:
2. Definição apresentada por Bakhtin em “Estética da criação verbal”. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.
179-287.
3- Definição apresentada por Bronckart em “Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 2003, p.
137
4
- De ora em diante adotaremos a denominação “gêneros textuais”, tendo em vista a familiaridade do termo.
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Tomando essa teoria como base, podemos perceber algumas imprecisões no
LD que está sendo analisado. No momento em que poderia referir-se à palavra
“gênero”, uma vez que está tratando deste, os autores optam por falar apenas em
“textos”. E, na realidade, o que se prioriza, não é o trabalho pautado no reconhecimento
do gênero, de sua função sócio-histórica-ideológica e nem na sua estrutura
organizacional; mas sim, a ênfase maior está em “abarcar grande parte da tipologia
textual”, uma vez que entendem que esta “possibilita trabalhar habilidades necessárias à
abordagem de cada tipo de texto. Deste modo, as habilidades adquiridas para a leitura e
produção de um gênero de dado tipo, podem ser aproveitadas, ao se trabalhar com
outros gêneros” (p. 8). Assim, os autores entendem que ao trabalhar com a narração em
um conto de fadas, por exemplo, suas características básicas podem ser aplicadas em
outros textos também narrativos. Prioriza-se, portanto, a estrutura tipológica do gênero,
em detrimento de seus aspectos sociais. Ou seja, o que os autores estão tratando como
gênero nada mais é do que um estudo voltado apenas para a organização interna do
texto.
Para justificar essa nossa fala, vamos tomar por base a Unidade 2 (p. 58-96), na
qual os autores se propõem a trabalhar com o “gênero epistolar ou correspondência:
cartas, cartões, bilhetes, telegramas, e-mails, etc.” (p.8). Abrem a Unidade com o gênero
textual carta. Na seção “dialogando com o texto” (p. 60), quando se espera que os
autores irão explorar a função social do gênero (quem escreveu, para quem, quando, por
que, com que intenção, para qual suporte e /ou veículo de circulação), limitam-se apenas
a questionar sobre os elementos que compõem o cabeçalho, os elementos que compõem
o final da carta, a definir o destinatário como “vocativo”. Ou seja, trata-se apenas de um
olhar para o texto e sua composição interna, desconsiderando o trabalho com o gênero.
Além disso, os autores cometem outra imprecisão teórica: tratam a carta e o
bilhete como “dois tipos de textos” e não como dois gêneros textuais distintos e com
funções sociais também distintas. Nesse caso, questionamos: o que os autores estão
entendendo como “tipos de textos”? E o que a teoria dos gêneros tem divulgado nesse
sentido? Marcuschi (2003) explica que a expressão “tipos de texto” refere-se à
composição interna do texto, isto é, as seqüências discursivas que nele predominam e
que estas abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narrativas,
argumentativas, expositivas / explicativas, descritivas e injuntivas. Porém, os autores
afirmam que “em nossa sociedade há centenas de tipos e gêneros diferentes de texto”
(p. 23 – grifo nosso). Estariam, os autores, tratando os gêneros e os tipos de textos como
sinônimos?
O segundo texto apresentado na Unidade, na seção intitulada “Dialogando com
outros textos” (p. 61) trata-se do gênero textual “poema” (p.61). Pela leitura, percebe-se
que o diálogo entre os dois textos está não no conteúdo da carta, mas sim no fato do
poema falar sobre carta. Também neste não se faz referência à função social do gênero.
Depois de explorar o conteúdo interno do texto, o aluno é convidado à “produção de
texto” (p. 62) e, neste caso, os autores não orientam para a produção nem de carta, nem
de poema (que é o que se espera de um livro que diz pautar-se nos gêneros, por ter
trabalhado com esses dois “modelos” de textos socialmente estabelecidos); a proposta é
para que o aluno “componha um texto, descrevendo uma situação vivida por duas
pessoas”, em que expressões como: “Oi, como vai?, Eu sinto muito!, Quando você
volta?, Vou sentir saudades...”, entre outras, sejam usadas.
Se a intenção dos autores, com essa proposta, era a de propiciar o “uso da
linguagem como uma forma de ação social entre interlocutores” (p 21), criando
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situações de produção em que o aluno tenha, como condições fundamentais, “a) o quê
dizer; b) uma razão para dizer o que vai dizer; c) para quem dizer; d) assumir-se como
locutor e; e) escolher estratégias adequadas para dizer o que se tem a dizer” (p. 11, apud
GERALDI, 1993, p. 160), talvez, nesse momento, tenham esquecido da função social
dessa produção ou do trabalho com o gênero. Embora a proposta apresente alguns
desses elementos norteadores da produção, não visualizamos, nela, uma ação social.
Vejamos:
- O que dizer? (uma das expressões “Oi, como vai?, Eu sinto muito!, Quando
você volta?, Vou sentir saudades...” (p. 62).
- Razão para dizer? (“Com apenas três palavras é possível fazer saudações e
demonstrar sentimentos”) (Idem).
- Para quem dizer? (“Leia sua história no grupo para verificar se a expressão foi
bem escolhida, está adequada à situação vivida pela personagem”) (Idem).
- Assumir-se como locutor: (não há menção sobre isso).
- Estratégias adequadas para dizer: (há um roteiro de como o aluno deve
proceder em cada parágrafo).
A proposta de produção esbarra-se, nesse caso, no ato de escrever para
“aprender” determinada estrutura lingüística, no caso, “expressões que denotam
sentimentos”. Será que as expressões da língua apresentadas pelos autores, nessa seção,
precisam realmente ser ensinadas? Nesse caso, elas não fluiriam, naturalmente, por
exemplo, num trabalho com o gênero? Explicando: se os autores iniciaram a Unidade
com uma carta, não seria mais interessante e mais significativo ao aluno se ele, por
exemplo, escrevesse uma carta a um amigo ou parente distante, na qual alguma das
expressões propostas seriam empregadas naturalmente? Na realidade, a escola,
referendada pelos LDs, insistem em trabalhar com propostas esvaziadas de sentido e,
mesmo assim, dizem preocupados em incentivar as atividades de produção de texto.
Na seção “A construção do texto na fala e na escrita” (p. 63-64), os autores
voltam-se para o ensino da gramática para o qual, segundo eles:
... assim como todas as atividades da coleção, adotamos uma concepção interacionista da
linguagem, ou seja, aquela que vê o uso da linguagem como forma de ação social entre os
interlocutores. Essa ação é concretizada por meio de textos e da escolha dos recursos que os
compõem. Os recursos lingüísticos funcionam como pistas e instruções de sentido para
transmitir elementos de significação. Estes, no todo e na relação com outros fatores,
constitui o sentido que o produtor do texto espera que seja percebido pelo recebedor em sua
atividade para compreender o texto. (...) a trabalhar com o ensino da gramática, adotamos
sobretudo a concepção pedagógica de que no ensino, para o desenvolvimento da
competência comunicativa, a gramática deve ser vista como um estudo das condições
lingüísticas da significação (p. 21-22)
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Na seqüência, apresentam cinco atividades, sendo que duas delas referem-se às
palavras negritadas: “2. Por que a palavra iniciativa é precedida de artigo feminino e
rapaz é precedida de artigo masculino?; 3. Justifique o emprego de letra inicial
maiúscula em dois dos substantivos destacados.” (idem). As questões seguintes (4, 5 e
6) abandonam esse trecho e propõem: a) que o aluno faça uma frase usando adjetivos
para indicar três características de sua cidade; b) que complete as lacunas com “artigos
definidos”, deixadas em 4 frases antes das palavras cabeça e rádio; c) apresentam um
texto (didático/científico, retirado da Revista Recreio) do qual seis artigos foram
retirados para que o aluno os reconduza ao seu devido lugar.
Como é possível perceber, as atividades propostas são esvaziadas de sentido,
centrando-se apenas na metalingüística, ou seja, em definir, conceituar gramaticalmente
as palavras, sem relacioná-las com os sentidos estabelecidos no co-texto e no contexto.
Em nenhuma das questões percebemos qualquer abordagem que propicie ao aluno
entender que “os recursos lingüísticos funcionam como pistas e instruções de sentido
para transmitir elementos de significação” (p. 21). Porém, foi exatamente isso que os
autores propuseram quando abordaram (teoricamente) a gramática. Então, onde estão as
instruções de sentido? Por que não explorar, por exemplo, quem é José Romildo e Maria
Júlia e a relação de sua identidade com o nome. Nesse caso, o que significa ter um nome
próprio? Para daí chegar às suas formas de representação pela língua. Da mesma forma,
ao abordar os adjetivos, poderia fazê-lo explorando trechos da carta ou a carta toda,
durante a qual José Romildo vai apresentando suas características. Nesse caso, mais
interessante seria perguntar, ao alunos, “quais são as características de José Romildo”
apresentadas no decorrer da carta. A partir daí, se realmente achasse interessante
destacar ainda mais essa classe gramatical, poderia estender-se ao próprio aluno,
solicitando-lhe que escrevesse uma carta a um amigo da sala ou de outra turma, falando
sobre suas características (físicas e psicológicas). E, ao trabalhar com os artigos (que
poderia ser em outro momento), julgamos que, mais importante do que dizer ser o artigo
é definido ou indefinido, é explicar por que usamos ora um, ora outro. Lacunar um texto
para que o aluno preencha com artigos, nada significa se, após esse preenchimento, não
chamar a atenção para as relações de sentido estabelecidas pelo uso do “o” ou “um”, por
exemplo.
E o livro segue assim: apresentando textos, sem relacioná-los ao seu contexto
sócio-histórico-ideológico; apresentando propostas de produção que prevê um
interlocutor, porém, em muitos casos, “de faz de conta”, ou seja, que não é real; tratando
a gramática, na maioria das vezes, de forma descritiva ou normativa, desvinculada de
suas relações de sentido e sem explorar aquilo que os próprios autores defendem:
...grande parte dos tópicos de gramática são abordados mais na dimensão de sua significação
e função no texto (não estamos falando de sua função sintática) e na dimensão normativa,
no sentido de regras sociais de uso da língua e da adequação ou não de uso de
elementos/recursos de variedades lingüísticas distintas em determinadas circunstância de
comunicação (p. 12).
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relacionadas a um dos gêneros trabalhados na unidade, tomando-o como base, para uma
nova produção escrita.
Porém, na seção “Pensando sobre a língua”, destinada à gramática, esta é
enfocada de forma descontextualizada, amparando-se, às vezes, em pequenos trechos do
texto que são usados como pretexto para a fixação de alguma nomenclatura ou de
alguma regra. É o que podemos confirmar nas páginas 90 a 92, quando a autora aborda
a noção de oração, sujeito e predicado.
O que essa breve análise nos permitiu observar é que, embora, teoricamente,
desde a década de 80, fale-se em um ensino pautado numa concepção interacionista da
linguagem, a qual prioriza as relações sociais de interlocução estabelecidas pela língua;
defenda-se o ensino da gramática relacionado com seus mecanismos de uso e
funcionamento, inseridos num contexto lingüístico; e, mais tarde, a partir do final da
década de 90, instigue-se um trabalho com a língua pautado nos gêneros; mesmo que as
propostas curriculares venham defendendo essas idéias, assim como muitas publicações
e muitos cursos de formação; mesmo assim, muitos dos LDs publicados não conseguem
contemplar tais propostas.
Por isso, continua-se, na sala de aula, resistindo a tais inovações e persistindo
em práticas mecânicas de ler, interpretar, escrever textos para o professor corrigir (sem
interlocutor) e resolver exercícios vazios de significados, pautados em comandos que
mandam o aluno classificar, retirar, separar ou circular palavras em frases ou texto-
pretexto para o trabalho com a metalinguagem.
Teoricamente, houve muitos avanços, porém, na prática, muito pouco pode ser
considerado. E o que fazer diante de tal realidade? Apenas criticar? Levantar
problemas? Relacioná-los? Entendemos que não, pois muitos pesquisadores já o fizeram
e já existem muitas publicações a esse respeito. Julgamos que a hora agora seja de
apontar caminhos, apresentar soluções, propostas didáticas que transponham essa base
teórica para ações que possam ser realizadas na sala de aula. É o que nos propomos a
apresentar na seqüência desse texto.
... ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou
falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho será
realizado sobre gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente; sobre
aqueles dificilmente acessíveis, espontaneamente, para a maioria dos alunos; e sobre
gêneros públicos e não privados (p. 97).
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Para demonstrar, na prática, como explorar um gênero por meio de uma SD,
passamos a apresentar uma proposta de atividades organizadas, pensando na 3ª série (ou
4º ano), em torno de um gênero textual da esfera literária: a Fábula.
O(a) professor(a) fala aos alunos que foi até à biblioteca da escola e percebeu que nela
há poucos livros com “Fábulas”. Por isso, ressalta a importância dos alunos da turma
PRODUZIREM FÁBULAS que, quando prontas, serão reunidas NUM LIVRO para ser
doado à biblioteca. Assim outros leitores da escola poderão ler as fábulas que
escreverem (cria-se uma necessidade de produção, tendo em vista interlocutor(es)
real(is)).
1.2- Pesquisa sobre o gênero
O(a) professor(a) pergunta, então, aos alunos, se eles sabem o que é Fábula. De acordo
com as respostas, orienta para que pesquisem, na biblioteca, sobre o assunto. Para isso,
organiza, antecipadamente, com a bibliotecária, textos explicativos sobre o gênero, de
acordo com o conhecimento deles (3ª série). (É claro que o(a) professor(a) poderia, em
poucas palavras, explicar aos alunos o que são “Fábulas”, mas entendemos que a
apreensão do conhecimento é maior quando este é construído pelo próprio aluno. E a
pesquisa é uma das maneiras de propiciar essa construção).
1.3- “Modelos” do gênero
Depois de pesquisado e definido o gênero, o(a) professor(a) orienta aos alunos para que
tragam, para a próxima aula, “Fábulas” para serem lidas e também seleciona alguns
textos desse gênero para ler e identificar melhor suas características sócio-histórica e
ideológicas.
1.4- Leitura das fábulas
Assim que retomar o assunto, o(a) professor(a) pede aos alunos que leiam (oralmente)
as fábulas que trouxeram (observe, nesse momento, se os textos lidos são realmente
fábulas). Em grupos, orienta para que listem o que perceberam de comum em todos os
textos lidos.
1.4.1- Características das Fábulas
Instigar os alunos para que reconheçam, nos textos lidos, pelo menos algumas destas
características que identificam o gênero como tal:
- Presença de animais, nas histórias, com características humanas
- Moral da história
- Texto curto
- Título com nomes de animais
- Diálogo entre os animais
- Tempo indeterminado
- Texto predominantemente narrativo
- Narrador em 3ª pessoa (o narrador conta como se tivesse visto a cena)
- Jogo de valores apostos (preguiça X trabalho; lerdeza X esperteza, etc.)
1.4.2- Contexto histórico
Essa é o momento do(a) professor(a) expor, aos alunos, a sócio-história do gênero
(quando surgiu, com que objetivo, o primeiro e os mais importantes fabulistas, com qual
função social, em qual suporte e/ou veículo de circulação, etc.).
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A Cigarra e as Formigas
A fábula mostra que não se deve negligenciar em nenhum trabalho, para evitar
tristeza e perigos.
Esopo: fábulas completas. Tradução de Neide Smolka. São Paulo, Moderna, 1994
332
a) Quando as formigas secavam os grãos molhados?
( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera
b) Quando foi que a cigarra cantava melodiosamente?
( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera
c) Quando foi que a cigarra pediu ajuda às formigas?
( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera
3) Responda de acordo com aquilo que foi possível entender com a leitura do texto:
:
a) Por que os grãos estavam molhados?
b) Por que a cigarra estava faminta?
c) Por que as formigas riram da cigarra?
1.4.3.3- Atividades de Análise Lingüística (nessa seção, nossa intenção é explorar alguns
elementos lingüísticos do texto, que exercem maior influência na construção dos sentidos. É
claro que as atividades propostas não esgotam a análise dos elementos do texto, porém
propiciam um olhar mais atento para a seleção do léxico. Embora mencionamos, em alguns
momentos, nomenclaturas da gramática, nossa intenção não é fixá-las. Ao contrário, entendemos
que, mais importante do que definir adjetivos, por exemplo, e refletir sobre suas escolhas e sobre
os sentidos provocados por essas escolhas. Por isso, a gramática, aqui, é estudada em função do
gênero e de suas relações de interlocução).
1) Releia o primeiro parágrafo:
“No inverno, as formigas estavam fazendo secar o grão molhado, quando uma
cigarra faminta lhes pediu algo para comer. As formigas lhe disseram:”
a) As palavras sublinhadas são pronomes que foram empregados no texto para
evitar a repetição de dois nomes. Que nomes são esses?
lhes: __________________
lhe: ___________________
b) Na expressão “grão molhado”, a palavra sublinhada é um adjetivo que apresenta
uma característica ao substantivo (grãos). Por que o autor empregou tal adjetivo
para a palavra “grãos”? Qual a relação desse adjetivo com a estação do ano?
c) Ao dizer “uma cigarra faminta”, que imagem da cigarra o autor passa ao leitor
com o uso desse outro adjetivo? Nesse caso, desenhe a cigarra como você a
imagina.
d) Se em vez de “uma cigarra faminta” o autor tivesse dito “uma cigarra com fome”,
mudaria a característica da cigarra? Como?
2) Releia os seguintes trechos:
“__ Por que, no verão, não reservaste também o teu alimento?”
a) A palavra “teu” foi empregada para falar do alimento de quem?
b) Quando o autor emprega a palavra “também” está fazendo uma comparação
entre duas situações. Quais são, portanto, as situações que estão sendo
comparadas?
“___ Pois bem, se cantavas no verão, dança agora no inverno.”
c) Quem é que “cantavas” no verão?
d) Com que sentido a palavra “dança” foi empregada?
333
organizacional do gênero, bem como de suas marcas tipológicas. Trata-se de um estudo da
arquitetura interna do texto, relacionada, porém, com os efeitos de sentido que se quer
provocar).
3) Localize, no texto, as seguintes características do gênero:
a) título:
b) Peça aos alunos que listem outros títulos de fábulas com essa mesma característica.
c) Tempo e lugar:
d) Número de linhas:
e) Personagens animais:
f) Características dos animais:
h)Moral da história:
i) Jogo de valores:
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Roteiro de Avaliação
Está bom Preciso
mudar
a) As personagens da história são típicas de uma fábulas?
b) O tempo é indeterminado como nas fábulas?
c) Na situação criada, as atitudes das personagens podem ser
comparadas com atitudes humanas?
d) A resolução está combinando com a sua intenção e com a
moral da história?
e) A moral da história combina com a fábula e sua intenção?
f) O narrador conta o que aconteceu como se tivesse visto a
cena?
g) As falas das personagens aparecem sinalizadas por parágrafo e
travessão?
h) Não há repetição de palavras para indicar as personagens?
2.2- Reescrita e Correção (Esse é o momento que julgamos ser o mais importante para que o
aluno se aproprie do código escrito e da estrutura do gênero, entendendo, finalmente, a função
social da escrita. Por isso, sugerimos que seja sempre realizado em sala de aula (e nunca como
tarefa para casa), a fim de que o(a) professor(a) possa acompanhar de perto esse processo,
auxiliando e orientando o aluno naquilo que for necessário). Para isso, pode-se:
a) Sugerir para que troquem os textos entre os colegas no momento da verificação.
b) Tendo em vista a revisão do próprio aluno e do colega (o professor não revisa, nesse
momento), o aluno reescreve seu texto, produzindo, assim, uma segunda versão, a qual será,
agora, entregue ao(a) professor(a).
c) Correção dos textos reescritos pelo(a) professor(a) na sala, junto com o aluno, ou fora da
sala de aula, diagnosticando o(s) problema(s).
2.2.1- Reescrita coletiva (Essa é uma das opções de reescrita, a qual deve ser muito praticada
nas séries iniciais, pois entendemos que, este é o momento de olhar, coletivamente, para algum
problema do texto, quando se pode sistematizar a escrita (ou o gênero) com maior
aproveitamento. Porém, não se trata de expor, um texto, tal qual foi produzido, com todos os
problemas que possa apresentar. Ao contrário, antes de expô-lo, julgamos que algumas atitudes
devem ser tomadas pelo(a) professor(a). Então, sugerimos:
a) Selecionar um texto para reescrita coletiva (nesse caso, o texto selecionado deve
apresentar pelo menos UM PROBLEMA que representa a dificuldade da maioria)
b) Digitar esse texto, corrigindo todos os demais problemas, deixando APENAS O
PROBLEMA QUE SERÁ TRABALHADO. Ex. repetições.
c) Reescrever o texto coletivamente, com ênfase no problema destacado.
2.2.2- Reescrita individual
Caso não seja feita a reescrita coletiva, os textos deverão ser devolvidos para cada aluno,
com anotações do(a) professor(a), para que, individualmente, procedam à reescrita do
mesmo (na sala de aula).
3- CIRCULAÇÃO DO GÊNERO
Uma vez os textos reescritos e sanado os problemas, reuni-los numa coletânea, formando, então,
o Livro de Fábulas da 3ª Série A para ser deixado na biblioteca da escola. Como se trata de
tornar público o texto, é importante que este se aproxime, o máximo possível, dos modelos que
circulam socialmente (as fábulas já publicadas). Para isso, é importante que seja levado a sério a
prática de reescrita de texto.
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Considerações finais
Não queremos dizer, com essa proposta de trabalho com os gêneros, que iremos
sanar todos os problemas relativos ao ensino da língua portuguesa e nem é nossa
pretensão dizer que os LDs deveriam, todos, ser organizados de tal forma. Queremos,
apenas, apresentar um possível encaminhamento, já testado e aprovado por alguns
professores de nossa região (Oeste do Paraná) que, trabalhando nessa perspectiva, têm
observado, além de maior envolvimento e interesse dos alunos pela língua, maior
perspectiva de aprendizagem.
Referências Bibliográficas
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