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CAPÍTULO I Raça e cidadania no crepúsculo da
modernidade escravista no Brasil
Hebe Mattos
A escravidão africana conformava o coração de boa parte das sociedades
coloniais americanas e manteve-se bem mais que mera sobrevivência dos
antigos regimes coloniais nas Américas do Oitocentos. Os pais fundadores
dos Estados Unidos da América eram quase todos senhores de escravos,
e muitos somavam em suas plantações centenas deles. O mesmo se pode
dizer das elites do Brasil colonial que estiveram à frente da independên-
cia do país. Nas colônias francesas e inglesas, apesar dos governos liberais
nas metrópoles, o compromisso com os colonos escravistas e suas proprie-
dades daria origem a processos bastante complexos de abolição gradual,
que se arrastariam até meados do século XIX. As várias repúblicas da
América espanhola não teriam evolução muito diferente. Ainda assim,
independências e abolições mantiveram-se relacionadas nas Américas. 1
Monarquias constitucionais e repúblicas não foram variáveis muito
significativas para pensar diferenças no que se refere ao processo aboli-
cionista no continente americano. A monarquia inglesa foi pioneira na
abolição da escravidão com indenização aos proprietários em suas colô-
nias, enquanto o império napoleônico restabeleceu a escravidão nas co-
lônias francesas em nome do mesmo direito de propriedade. Em ambos
os casos, com exceção do Haiti, a independência não esteve em questão,
e a cidadania plena acabou vedada aos descendentes livres de ex-escravos.
Em bases crescentemente raciais, a república estadunidense se manteria
escravista até o final da Guerra de Secessão, em 1865. O longo tempo de
sobrevida da escravidão, século XIX adentro, demonstra muito claramen-
te o quão rápido novas instituições e princípios foram capazes de regu-
lar uma modernidade escravista.
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Para senhores e escravos, o mundo não seria mais o mesmo depois de então.
As bases da legitimidade escravista tinham-se enfraquecido decisivamente.
Os cativos mais antigos potencializavam as pressões pela alforria e, em
grande parte dos casos, a alcançavam. Os últimos africanos (em sua maio-
ria chegados ilegalmente ao país entre 1830 e 1851) e seus descendentes
diretos representavam a maior parte da população escrava remanescente.
A opinião pública da época, mesmo que insipiente, tinha amplo conheci-
mento, portanto, da ilegalidade da situação. O abolicionista Luiz Gama
não se cansaria de alardeá-la nos jornais e tribunais paulistas, já na década
de 1870. Ele próprio teria sido escravizado ilegalmente quando criança,
segundo sua autobiografia. 20 O tema foi também um dos mais freqüentes
nas crônicas abolicionistas de José do Patrocínio na Gazeta da Tarde.2: A
primeira proposta da Lei dos Sexagenários, apresentada pelo Ministério
Dantas, em 1884, recusava indenização aos senhores, implicitamente fun-
damentada naquela convicção. A proposta derrubou o gabinete. A maio-
ria dos escravos africanos matriculados após a lei de 1871 teve sua idade
aumentada para esconder o fato de que entraram no país à época do trá-
fico ilegal. A Lei Saraiva Cotegipe, que substituiu a proposta original apre-
sentada por Dantas, exigiu indenização em serviços e se fez acompanhar
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neiro sua mãe, tia Justina, africana, liberta, quitandeira, já então muito
doente, que faleceu no mesmo ano. Seu enterro tornou-se um aconteci-
mento político, ainda hoje citado em sua biografia como fundador da
cadeira n° 21 da Academia Brasileira de Letras. Mas não se limitou a isso:
além de reivindicar publicamente a origem escrava e africana da mãe,
fez questão de se envergonhar, também publicamente, da condição de
escravocrata do pai.34
Agora mesmo (...) quis Deus que eu fosse vítima de uma dor pro-
funda. Fui rever uma lista de africanos livres, confiados à guarda de
pessoas da maior excepção; africanos que, tendo sido aprisionados,
tinham pelo Estado garantida a sua liberdade. Não é a primeira vez
que folheio este tristíssimo documento, em que estão os nomes de
pessoas de grande vulto em nossa história [as que ficaram com a
guarda dos africanos]. Mas um nome me havia escapado. Era o nome
de um sacerdote de Jesus Cristo, de um cônego honorário e prega-
dor da Capela Imperial, condecorado com as ordens da Rosa e do
Cristo, vigário da vara de Campos, examinador sinodal do bispado
do Rio de Janeiro e, na época, deputado provincial por esta provín-
cia, o bacharel João Carlos Monteiro. Este é o nome do meu pai!
Pois bem, eu declaro (...) que estes africanos foram reduzidos à es-
cravidão (...) Deles proveio a escravatura de meu pai, que subiu a
92 pessoas. Estes desgraçados, por morte do senhor, foram vendi-
dos para pagar as dívidas do homem que os havia escravizado!
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Notas
1. Para uma visão panorâmica do tema, ver Robin Blackburn, The Overthrow of
Colonial Slavery, Londres, Verso, 1988 {A queda do escravismo colonial 1776-
1849, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002). Para o caso dos Estados Uni-
dos, ver Ira Berlin, Generations of Captivity. A history of African-american slaves,
Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2003. (Gerações de
cativeiro, Rio de Janeiro, Record, 2006).
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19. Angela Alonso, Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil impé-
rio, São Paulo, Paz e Terra, 2002.
20. Sud Menucci, O precursor do abolicionismo (Luiz Gama), Rio de Janeiro, Cia.
Editora Nacional, 1938; Elciene Azevedo, Orfeu da carapinha. A trajetória de Luiz
Gama na imperial cidade de São Paulo, Campinas, Ed. Unicamp, 1999; Beatriz
Gallotti Mamigonian, "To be a liberated African in Brazil: labour and citizenship in
the nineteenth century", Ph.D. em História, University of Waterloo, 2002.
21. José do Patrocínio, Campanha abolicionista. Coletânea de artigos, Rio de Janei-
ro, Biblioteca Nacional, 1996, p. 39-175.
22. Robert Conrad, Os últimos anos da escravidão no Brasil, Rio de Janeiro, Civiliza-
ção Brasileira, 1978; Joseli Maria Nunes Mendonça, Entre as mãos e os anéis. A
Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil, Campinas, Ed. Unicamp,
1999; Hebe Mattos, 1998, op. cit., parte 4.
23. Sobre os direitos políticos dos libertos: Hebe Mattos, 2000, op. cit.-, Keila Grinberg,
O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antônio
Pereira Rebouças, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, e Código Civil e
cidadania, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002; Sidney Chalhoub, 2006, op. cit.
24. Entre outros, Robert Conrad, op. cit.-, Hebe Mattos, 1998, op. cit., parte 3; Sidney
Chalhoub, 1999, op. cit., e 2006, op. cit.
25. Sobre os partidos políticos no Segundo Reinado, ver José Murilo de Carvalho,
1980, op. cit., cap. 8. Sobre o Poder Moderador e a rotatividade eleitoral em nível
local, ver Renato Lessa, A invenção republicana, Rio de Janeiro, Topbooks, 1995.
Sobre as listas de qualificação de votantes e os direitos políticos no Brasil imperial,
ver Maria Odila da Silva Dias, "Sociabilidades sem história. Votantes pobres no
Império, 1824-1881" in Marcos Cezar de Freitas (org.), Historiografia brasileira
em perspectiva, São Paulo, Contexto, 1998; Hebe Mattos, 1995, op. cit.-, José Murilo
de Carvalho, Cidadania no Brasil. O longo caminho, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, e D. Pedro II, São Paulo, Cia. das Letras, 2007.
26. Maria Emilia Marques Zimmermann, O PRP e os fazendeiros de café, Campinas,
Ed. Unicamp, 1987.
27. José do Patrocínio, op. cit.
28. Para a reforma de 1881, entre outros, José Murilo de Carvalho, 1990, op. cit.,
2003, op. cit., e 2007, op. cit. Sobre as correntes políticas na chamada geração
1870 e no movimento republicano, ver Angela Alonso, op. cit., e Celso Castro, A
proclamação da república, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.
29. É o caso, especialmente, de André Rebouças e Joaquim Nabuco. Cf., entre ou-
tros, Angela Alonso, op. cit., e Maria Alice Rezende de Carvalho, O quinto sécu-
lo. André Rebouças e a construção do Brasil, Rio de Janeiro, Iuperj/Ucam/Revan,
1998.
30. Lilia M. Schwarcz, O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930), São Paulo, Cia. das Letras, 1993.
31. Manoel Salgado Guimarães, "Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o pro-
jeto de uma história nacional", Estudos Históricos, n° 1, 1988, e "História e
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