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Fados, Canções
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Dansas de Portugal
DE JOÃO DO RIO

As Religiões no Rio. 8.^ edição.


Alma Encantadora das Ruas. 3.^ edição revista.

O Momento Literário.

Cinematograpiío (chronicas cariocas).

Frivola City.
Era uma vez... (contos pai^a creanças era colaboração
com Viriato Correia).
Jornal de Verão, chronica de Petrópolis.

Traduções :

Salomé. — O
Retracto de Dorian Gray. Inten- —
ções. — O Leque de Lady Wuidernare. Obras de
Oscar WiLDE.

Theatro :

Ultima Noite, episodio dramático em 1 acto.

A aparecer :

Portugal de Agora.
JOÃO DO RIO
'f ^ ^

Fados, Canções

Dansas de Portugal

H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
109, RUA DO OUVIDOR, 109 1 6, RUE DES SAINTS-PÈRES, G

RIO DE JANEIRO PARIS


00 r?' <^?,/-
A RAZÃO DESTE LIVRO

Para alguns amigos parluguezes


que se acham no Brazil.

Havia três dias que estava em Lisboa. Lisboa empol-


gava-me. Qualquer coisa de impalpável parecia prender-
me, ligar-me aos poucos á cidade. O inverno corria lumi-
noso e delicioso, com uma temperatura de primavera, todo
vun sorriso da natureza no azul de hortencia do céu, na
luz loira do sol, tão simples e tão cheia de cores diversas.
Nas ruas largas, na Avenida, um inmienso jardim ladeado
de palácios, no Rocio, em que as fontes manilliam eter-
namente o segredo das aguas, no largo do Paço, á beira das
aguas de opala liquida do Tejo, os pardaes aos bandos re-
voavam e bandos de pombas brancas cortavam o espaço,
abatiam no asphalto num ruflo d'azas de neve. Nas velhas
ruas estreitas, de antigos prédios esborcinados, as recorda-
ções avultavam. E era por toda a parte essas caras quentes,
esses olhos cheios de sonho e de luxuria, essas fisionomias
boas e sorridentes, sorridentes e beUas dos portuguezes,
eram os rostitos petulantes das lusitanas, tão lindas as de
linha aristocrática como as do povo, de pés nús, côr de
coral rosa por causa do frio, o narizito para o ar, dois olhos
2 JOÃO DO RIO

ardentes maravilhados da vida. Eu sonhava com versos


do poeta :

Uaérien argoit parioui bout eí ruisselle,


N'esí-il pas dans 1'azur quelque éclatant bonheur
Qui glisse sity la bouche et coule sur le coeur
De ceux qui iouí-à-coup, éperdus, joyeux, tvres,
Cherchent qitel apre aniour étoiírdit ou délivre?

As cidades são como as mulheres. Ou têm muitas ahnas,


almas que variam e se contradizem, segundo os psycho-
logos affirmam, ou não têm alma de espécie algmna segundo
disse um sábio my^ogino. De qualquer forma, assim como
é muito difficil ter a definitiva idéa do Ser em que resumi-
mos a aspiração da vida, as cidades prendem como as
mulheres e fazem-se amar como as mulheres. Cada uma
d'ellas tem vmia quaUdade predominante, mais para cada
viajante mn aspecto, porque cada iima dessas agglomera-
ções de palácios e casas vive, pensa, tem um cérebro e tmi
coração, soffre de moléstias mentaes ou physicas, e quando
parece ter opiniões varias apresenta o seu temperamento
e é bem mn Ser na maneira de se fazer querida das pessoas
que d'eUa se approximam. Nisso, então, a sensibilidade
nervosa das cidades é integralmente feminina. Nós po-
demos- enganar imi homem mostrando-lhe amizade. E'
impossivel enganar d' amor uma mulher. Assim as cidades,
e Lisboa exercia sobre mim, desde a chegada, a seducção.
No Tejo ainda, a recordação de quanto d'aU partira para
alargar o mimdo fazia o rio mais largo e fundamente
beUo. Solemnes alexandrinos épicos, que muito anno ha-
via dormiam sob o pó d'arroz do meu snobismo, abiiam-
me no lábio o seu clarão heróico e eu não tive outra expres-
são, não resisti, gritei, apenas :

— Lisboa, caramba !

Como sentindo o raio da paixão por uma mulher, dis-


sesse :

— Deus que tentação


I !

Ao saltar da lancha, no cães da Alfandega, havia tanta


gente a sorrir com ares de camarada, e em cada face vmi
!

A RAZÃO DESTE LIVRO 3


par d'olhos estellares tão siaavemeaite olhavam-me, que,
francamente, me pareceu ouvir Lisboa a dizer-me :

— Ora venha de lá esse abraço Como vae você ? Homem,


1

custou...
Assim estava havia três dias na seducção de Lisboa, sem
desejo de partir, e para resistir observava. Observar é o
verbo mais feroz da vida actual, porque para observar é
preciso alguém, e esse alguém, de posse do verbo observar
tem todos os direitos possíveis, inclusive o de mentir com
desassombro. Resolvi observar, fiz -me o ser excepcional
que abunda no universo, e já sem querer familiar com a
minha amante, observei :

— Não ha duvida, cidade muito interessante. Mas


que extravagância essa de leitura dos artigos de fundo
E' mania, nem tem que ver. Toda gente lê artigos de
fundo. Encontrei ás 3 da manhã cavalheiros graves lendo
artigos de fvmdo. E as sobrecasacas ? E os chapéus altos ?
Desde manhã, verdadeiras procissões de cavalheiros graves
de sobrecasaca e oito-reflexos. E' solemnidade de mais !

Estava radiante com a observação. Lisboa, porém,


sorria. Oh essa cidade sorri no céu, nas ruas, em tudo
!
!

Lisboa sorria e parecia dizer :

— Vida a minha Ha dentro d'ella o sol. \'em d'ahi ao


!

Loreto ver as alfacinhas. São todas da côr da neve ou da


côr da lua, e frágeis e gracís e de tal forma dehcadas que
talvez te dê, toleirão a vontade de coileccionar saxes do
!

tempo de Luiz XVI, para por engano guardar algumas.


Anda pelas ruas depois. Já encontraste xmia cara que não
tivesse dois oUios bonitos, dois olhos molhados de êxtase,
molhados de amor, gratos á vida ? Não Artistas e esthe-
!

tas graves já disseram que o homem de Portugal é o maÍ3


bello do mundo. E as mulheres, rapaz, quando não lem
bram Dante Gabriel Rossetti, lembram divinamente as
figuras dos pintores do Renascimento. Tudo aqui é vida,
é ardência, é paixão. E a paixão sae de dia, é a alegria —
alegria nas egrejas, alegria na Boa-Hora, alegria nos regi-
mentos, alegria nos garotos. Que horas tens? Duas da
manhã.
4 JOÃO no RIO

Estamos como ás três da tarde. Mas aquelle grupo de


garotos, alino cauto do Arco da rua Augusta, que faz?
Soluça, chora, morre? Não Ensaia o fado n'tuna guitarra
!

tosca, e como só os garotos de Lisboa sabem rir, os garotos,


mixto de innocencias, de diabolismo, elfos das grandes
artérias, n'esse capitoso ambiente que o céu coroa como
mu colossal tufo de hortencias azues. A minha philosophia
estáno fado. Fui eu quem disse : esta vida são dois dias.
Fui eu quem assegurou :

Não ha luar como o de Janeiro


Nem amor como o primeiro.

Adoptando a canção do Norte, para por causa das du-


do de Janeiro o d' Agosto, e andar a vêr
vidas, fazer rival
sem descançar se realmente o primeiro é o melhor amor...
Não te vás E se duvidares de mim, pela tagarelhce, pela
!

gaiatice, peladespreoccupação perpetua que me faz,


miserável ou n'mna ceia de carapaus, ou n'imia ceia
rica,
com champagne, rir da mesma maneira, vae ali aos
Jeronymos e vê n'um ttmiulo só Vasco da Gama e Luiz de
Camões, sente que quem guarda a suprema energia e a
arte suprema não esquece o seu passado e é sempre a força
latente e o temperamento receptivo capaz de comprehen
der, louvar e crear a divina belleza.
Que poderoso toxico tem Lisboa Que filtro estranho
!

nos ministra essa creatura deUciosa, que bera se com-


prehende ter sido inventada pelo subtil Odysseus Três !

dias depois de lá estar essa cidade era a seducção por mU


nadas vagos e indefiníveis —
a seducção pelo carinho dos
homens, pela graça suave das mulheres, pelo sorriso grave
do passado, por essa immensa e álacre sensualidade toda
do céu e da terra fecimda que prende em pleno inverno
ao esqueleto das arvores, como folhas sonoras e
flores cantantes, das arvores, o chilreio perpetuo dos pás-
saros de Lésbia, essa plvmiosa estroinice do ar, essa garo-
tice do ar, benção da natureza sobre a Cidade-Titania,
princeza do Tejo e da Seducção, côr d'oiro e côr d'azul...
:

A RAZÃO DESTE LIVRO

'
Ora, estava eu assim, havia três dias, quando mna noite,
terceira de capitoso ao voltar de um
luar, encontrei,
ensaio de theatro, tun amigo alegre, cujos cincoenta annos
parecem vinte, tão leve é e tão juvenil.
—Que tal Portugal?
— Divino.
Bile deu imia grande gargalhada, com o habitual sce-
pticismo do homem urbano.
- — Francamente?
— Francamente. Pelo menos Lisboa, que começo a
conhecer. Não ha quem não tenha n'alma o sonho de uma
terraque o faça gosar ou soffrer a ponto de lhe dar á alma
a noção da belleza, da sua belleza. O sonho corporifica-se
ás vezes e ha como tmi maravilhamento. Ah é assim que !

eu a adivinhava dizemos então, porque não ha propria-


!

mente uma belleza, ha muitas, ha uma para cada tempe-


ramento e a noção de encantamento vem de secretas cor-
rentes, de subtiUssimas afinidades electivas. notável Um
pintor disse esta frase axiomática Nada aceitar fora de si e
:

sem o consentimento da sua própria natureza. Que se ha de


fazer quando a própria natureza entrega-se, quando sen-
timos o amor do ambiente, quando tudo nos excita e en-
canta? Bsta cidade, na qual nada sentes, é bem Portugal,
é bem da terra onde a terra como um jardim parece tão
em contacto com o céu, que o homem fica entre Deus e a
abimdancia da natureza, como uma encarnação do próprio
espirito pagão. Essa impressão é tão forte que não passo
por um beco sem sentir poética e irrealmente os versos de
Hugo
Viens! Une flute invisible
Soupire au fond des vergers.

—Duvido muito desses enthusiasmos. És impressio-


navel, és nervoso, és sensual. A' tua almabem se pôde
applicar a frase do Hamlet : « Manda fazer mn fato de
!

D JOÃO DO RIO

taffetás de cores variadas, porque tu és como a opala de


mil côies. »

— Oh não
! !

— Devo que se não existe a flauta


dizer-te entretanto
que te chama ao fimdo das
existe a guitarra, e é a guitarra
baiúcas onde suspira o fado. Vê tu a verdade como é di-
versa da fantasia !... Mas a apostar que não conheces o
fado senão das revistas de aim.o no Rio de Janeiro, a apos-
tar como ainda não ouviste bem um fado em Lisboa e não
fazes idéa do que seja essa criação de Lisboa? E conheces
a terra, e conheces a cidade Pois Lisboa é igual ao Des-
!

tino porque creou o fado, Lisboa é maior do que o Destino


porque descobriu-lhe o segredo e para sempre o canta e
soluça com desprendimento nas cordas de mna guitarra.
A flor romântica dos meridionaes, esse sentimento vago
e impalpável, mixto de tristeza, agonia, sorrisos, paixão,
desabotoou aqui no fado, e a essa hora, ha por ahi pela
cidade mna porção de casas em que se canta o fado. Queres
conhecel-o ?
— Mas de certo.
— Pois sou capaz de te fazer ver agoraa nova rainlia
do que recolheu o sceptro da Severa. Chama-se
fado, a
Júlia, trabalha em flores e tem ahna. Queres?
A temperatura cairá mn tanto na noite banliada de
luar. Tomámos mna tipóia. EUe mandou tocar para imia
rua do Bairro Alto. Durante a viagem não pronimciei uma
palavra. Interessava-me aquelle correr da tipóia pelas ruas
estreitas, onde se viam homens de calça estreita com ares
de de casas suspeitas, com cortinas de
fadista, e á janella
cores vistosas, mulherhihas novas pintadas e velhas croias
ainda mais pintadas. Afinal entrámos nmna rua deserta
e escura onde o vento zunia com fúria. A' esquina, mna
mulher de bisco nmn grupo de tunantes esquivos, apontou
para o trem.
—Olha os do fado liró
Saltámos no trecho mais escuro. O meu amigo bateu
a uma porta, parlamentou algmn tempo. Depois, voltando-
se :
A RAZÃO DESTE LIVRO 7
— Entra. Olha que tens de descer quatro degraus.

Kntrei, desci em plena treva. Um homem


que me dera
boa-noite sem me Abriu outra porta,
ver, precedia-nos.
passámos por um corredor parcamente illuminado, demos
numa sala. Ahi, em volta da mesa cheia de pratos e de
garrafas, mna dúzia d'homens estava. Havia também três
mulheres luna velha caricatural e pintada, uma corcunda
:

com os dentes enormes e tmia rapariginha pallida, com a


guitarra na mão. A rapariga largou da guitarra e fixou-nos
hostilmente. Sob aquelle olhar não me senti bem, e em-
quanto os homens, com a hospitalidade habitual do portu-
guez, esteja elle nmn palácio ou num baixo logar, força-
vam-nos a tirar os paletots e eram só amabilidades, disse
para o meu amigo :

— Parece que viemos contrariar a da guitarra...


— Eí' a Jxilia. Qual Vou apresentar- vos. Dize-lhe coisas
!

amáveis.
Chamou-a. A rapariga veiu com os seus do:s olhos que
eram de runa evidente hostilidade.
—Aqui tem você mn homem que tinha mna grande
vontade de conhecel-a.
— Serio?
— Verdade. Já ouvi o seu nome até na America, no
Brasil. Dizem que depois da Severa não houve como você.
E eu que muito gosto do fado, pedi aqui ao meu amigo
para vir vêl-a.
Ella sorriu. Tinha mna linda bocca e um mysterioso sor-
riso, em que havia dôr, ironia vaga e talvez cansaço.
Mas a lisonja, o elogio devia ser-lhe sobremaneira agra-
dável.
— Estou tão rouca Faz-lhe muita conta ouvir-me
! ?

— Oh muita.
!

— Bom, interrompeu Pedro. Estão amigos. Dá um


beijo na Juha, tu. Ella dar-te-ha outro. E estão ahi ligados
para a vida e a morte.
8 JOÃO DO RIO

EUa estendeu a testa de niarfiin, onde os seus cabellos


eram da uma côr d'aço aquecido, e depois de se sentir
beijada, desappareceu, voltou com um grande ramo de
violetas.
— Tome, são as violetas que não vendi hoje. Elias
valem bem as suas frases amáveis...
E entrámos os três na sala onde as libações continua-
vam.
Como dizer a impressão descraziante dessa noite, que
me prendeu ali, naquella casa de beco escuso até a hora
em que no ceu morria a lua ? Como pintar na sua infinita e
complexa seducção o typo dessa mulher ? Havia na sala mais
de uma dúzia d'homens. Nenhmíi <i'elles era o amante ou
o preferido. Certo a Júlia era fácil, certo se algum d'elles a
desejasse talvez não houvesse duvida da parte d'ella, desde
que tun pouco de sympathia a prendesse. Mas se o seu
perfil era curioso e a sua carne moça, os que lá estavam
trata vam-na como camarada e eram de facto os fascinados
do seu fado. EUa bebia cerveja, café frio, vinho branco.
Queria alegrar-se. Estava vestida simplesmente e não
tinha uma jóia. A cada novo fado sentia-se rouca, deixava
que a rogassem. Era a sua graça.
— Canta, Júlia.
— Cante você agora.
— Ora eu ao pé de ti...
— Pensas que acredito !

Mas havia ainda os dois monstros, a corcunda, a velha,


e essas estavam presas, definitivamente presas. A velha
ouvia com o queixo fincado nas mãos, os olhos muito
abertos. A corcunda era uma espécie de escrava d'aquella
musa da alta-hora, babando imia admiração extasiada,
com os olhos em alvo e a bocca aberta.
Júlia sorria e cantava, a guitarra na mão, o pé esquerdo
na cadeira onde me sentara. Cantava ? Sei lá se cantava.
Era imia outra coisa, tão diíTerente Era como mna es-
!

tranha musica da vida em que cada som em intima har-


monia com os sons da guitarra, correspondia e tonaUsava
de cor justa cada palavra da lettra; era a dolorosa vida
A RAZÃO DESTE LIVRO 'J

hmnaiia feita de sangue, de miséria, d'alegria ede chalaça,


era o mysterio da existência voltado para o ceu murmu-
rando :

— Deus o quer! que se ha de fazer?... Juha dizia os


mais diversos fados, em calão. Eram os alegres, eram os
coreographicos, eram os elegíacos, eram os descriptivos, e
todos impregnados desse sentimento de fatalidade que
assoberba a poesia popular. A sua voz era ás vezes cris-
talina como mn reflexo d'agua corrente. Doutras enrou-
quecia, vinhacomo em espiral de um sorvedoiro de desejo,
e havia em certas coplas uns finaes gaiatos, uma espécie
de fermata de suspiros cortada em pausas súbitas que
mordiam a alma como cantharidas, e eram como anciãs
de histérica em espasmo lúbrico. A « banza » nas suas mãos
pequenas gemia, suspirava, rolava na alma um cachoirar de
desejos fataes e ambos —
som de garganta espasmódico,
som de guitarra em febre tangida —
traziam o visiona-
mento da tragedia do existir côios im mundos com beijos
:

pagos, tipos de chelpa azambuhados, fadistas lividos,


gente de sargeta e gente do fado liró, paixões puras e in-
fernaes paixões, strabismos de gozo cruciante e êxtases
de lirismo por noites de luar, um mimdo inteiro, apertado,
enovelado, chasqueado, chorado, pizado, beijado pelo
Fado.

Que eu fosse em fim desgraçada


Escreveu do Fado a mão;
I/Ci do Fado não se muda,

Trisíe do meu coração !

Kra ella infeliz, assim, naquelle ambiente extastico,


d'olhos semi-cerrados, o sorriso de mistério a machucar-
Ihe a bocca de rosa
? Sentia, soffria nos seus nervos desti-

nados a vibrar como o heptacordio inconsciente do soluço


da rua. Preso também eu da Musa um oceano de roman-
tismo nascia-me no peito, estava prestes a romper pelos
meus olhos em lagrimas de piedade, e parecia-me que na
atmosphera pezada do fvmio dos cigarros, os olhos dos
homens estavam hmnidos de pranto e que a corcunda, sem
1.
10 JOÃO DO RIO

felicidade na terra, aleijão da vida, contorsão, esgar da


natureza, chorava, enborcada na mesa, o seu sonho de
mulher !

O fado!
Naturalmente não ha terra que não tenha a sua poesia
popular, a sua musica do povo. Quando verso e mvisica
têm para exprimil-os a alma de uma
mulher, a emoção
anda á espera dos corações para fazel-os vibrar. Suspiro
d'amor em Sevilha ou em Veneza, no silencio de Florença
ou numa chomberga do Rio, dedilhar de gviitarra na ver-
melha Toledo ou mun recanto olente de Buckarest são sem-
pre correlações da alma meridional, a corrida do facho do
lirismo. Depois, já Albert Samain disse no Chariot d'Or :

Jamais rien n atteindra pottr émoiivoir notre áme


Le charme surhiimain de la voix d'une femme
Qui, sur Vivoire pâle oú floíte son bras nu,
Raconte an vent nocturne im amour inconnu.
Quel secret, diriez-votts, et quel mal sans remede,
Larges gouttes d'amour tombant dans la nuit itède,
Sanglot d'un cceiír que rien ne peut plus contenir
Et qui cede chargé de trop de souvenir...

Seria apenas isso ? A canção, a voz da mulher, a noite, o


scenario habitual ? Não
Era mais, era extraordinaria-
!

mente mais. Bu ouvira em Granada canções d'amor, eu


ouvira em Nápoles os longos suspiros sensuaes das serenatas,
eu me conftmdira com o grande amor da canalha nos antros
do Rio, com os extra-sociedade em serestas ardentes, e
jamais ouvira esse martirio delicioso, esse lento enfei-
tiçamento religioso, a estranha magia fatal do Fado. Por
mais que me quizesse libertar da influencia cruel e agra-
dável, por mais que debandasse do meu espirito fan-
tasias sonhadoras, a Júlia era para mún uma pithoniza
na sua tripode, desabrochando no lábio o mistério do
Destino, o terrível Destino com que ninguém se resigna
mas do qual o portuguez se fizera melancholicamente
A RAZÃO DESTE LIVRO 11

O cantor, do liorrifico Destino tenebroso que o portuguez


canta suave e triste nvun grande gesto lasso, em que cada
soluço é tim que importa? e cada quadra um riso de
:

lagrimas. Da sua banza smrgia o irremediável, da sua


voz a triste verdade vestida de roxo, cobrindo o corpo que
ninguém gosta de ver com a gaze fluidica de um consolo
resignado.
A fadiga d'aquelle deboche ritual parecia ter fatigado
os homens. A corcunda estava palhda, meio desguede-
Ihada. Só eu não me cansava, preso do desejo brutal e
vago do espirito sensual das melopéas tristes. A Júlia
ergiieu-se. O sorriso mysterioso sombreava sem^pre as
comissuras do seu lábio rosa.
— Venha para cá ! fez natmrabnente.
Acompanhei-a a outra sala núa, onde apenas havia rmi
divan velho, gasto, baixo. Nesse divan jaziam a sua
mantilha de renda preta e o cesto de ramos de violeta que
não vendera. KHa sentou-se entre as violetas na sala
amarella. Deixei-me cair a seu lado. De novo a voz soluçou,
espalhando o êxtase. Que sentia eu ? Frio, abandono, tris-
teza, raiva, consolo, revolta, ódio, resignação, ironia, de-
sejo immenso de afogar a morte num vagalhão de desejos
— sei láK até pela manhã, já nado o sol, ouvi extático,
!

como um crente d 'Oriente, aquelle som exasperante de


banza, aquella voz sem igual, aquella mulher pallida e
simples, sacerdotiza da calçada e musa do Destino...

II

Essa noite produziu -me immensa impressão. Ivcmbra-me


que fui levar de carro a JuUa mais a horrivel corcvmda á
sua casa nmna rua lobrega, e que nesse mesmo dia dei de
percorrer os maus lugares, os centros de faias, inteira-
mente preso do envoútement do fado. O verdadeiro sen-
timento d'arte, o senthnento que vê na arte a fixação
da emoção não poderá nunca ser indifferente á canção po-
12 JOÃO DO RIO

pular. Para os sensíveis e os delicados, o fado mais do que


nenhiuna outra melopéa popular produz luna estranha
impressão de tristeza bachica, empolga, embriaga, do-
mina. Todos os sentimentos d'amor que eu tenho pela vida
sem peias e sem preconceitos da canalha, rompiam a
camada de frieza que os continha e estralejavam e pulsa-
vam.
— Os fadistas fazem-te algmna diziam-me.
!

— Os fadistas Têm medo dos fadistas aqueUes que


!

os não amam. EUes percebem, conservam mais do que


nós educado o instinto, e guiam-se por elle. Hão de sym-
pathisar. E, depois, sabem vocês? Em Portugal, eu sou
como um caso de deUrio do atavismo, sou o patriota,
que nunca aqui esteve. Amo o ceu, amo o campo, amo a
hospitalidade intellectual, caio de joelhos deante do tu-
mulo de Ivuiz de Camões, sympathiso com as pequenas do
fado, gosto dos fadistas. Que fazer? Volto á primitivi-
dade da franqueza ! Para ser franco, devo confessar.
Agora :

Tudo quanto o fado inspira


B' o que só me entretém,
Pois quem do fado se tira
Não sabe o que é viver bem.

Se eu dissesse taes coisas a propósito da modinha num


salão carioca, os snobs, que acreditam a civilisação pensar
como na Abbaye da praça Pigalle, e as snobinettes, cuja
noção de pátria se regula pelos decretos do Viot e os
ukases dos reis dos fanfreluches Ruff e Paquin, fariam mna
cara muito feia. Se estivesse em Paris a pozar taes frases a
propósito dos apaches, os parisienses sorririam achando
que eu era um typo e talvez indo commigo documen-
tar-se nos caveanx assassinos do mercado e nos bistros,
onde a policia faz continuas descentes. Se, com a liberdade
que ha em Roma, confessasse tamanho amor, dar-me-iam
rasão com enthusiasmo. Em Lisboa foram patrioticamente
amáveis e amavelmente intelligentes. A minha erudição no
capitulo era lamentável. Eu confundia as alegres canções
!

A RAZÃO DESTE LIVRO 13

do pensava o fado nascido com


norte, as danças, os fados,
esse nome Não era isso. Dias
logo na formação da raça.
depois comecei a receber livros que tratavam do fado e da
musa dos campos, enviavam-me fados litterarios compostos
em Coimbra por grandes poetas jovens, e um amigo dedi-
cado, para pôr um certo methodo á minha confusa absor-
pção, doutrinava a respeito, e mesmo em casas escuras do
Bairro Alto, em bodegas infames, conseguia que os fa-
distas tocassem para me fazer sentir a variedade dos fados
e a grande differença que ha entre uma cantiga das ruas
do Porto, uma dança do Minho e mn soluço musical das
ruas de lyisbôa.
— Leste os livros que te mandaram ? interrogava, em-
quanto subíamos qualquer rua escura. Ha o erudito Theo-
philo Braga. Braga acredita que o fado é ainda um resul-
tado do dominio árabe, e fala da influencia do mimici-
palismo na florescência do lirismo pessoal. Mas tens a
consultar para o completo conhecimento do fado dois
livros excellentes A Historia do Fado do elegante Tinop
:

e a Triste Canção do Sul de Alberto Pimentel. Ambos con-


seguiram nvmi luminoso estylo estudar o desenvolvimento
do fado e contar a historia dos mais celebres cantadores
de fados, fidalgos e homens do povo. Esse ultimo faz re-
saltar apaixonadamente o fvmdo popular do fado. Tu sabps
a quadra :

Se o Padre Santo soubesse


O gosto que o fado tem,
Viria de Roma aqui
Bater o fado também.

E a propósito desse mesmo poder da gtdtarra uma outra


quadra diz :

Se assim continuar,
isso
Onda parar não sei
irá
Veremos andar pela rua
De guitarra o próprio rei.

Ora o fado, como bem diz Tinop, apresenta duas fases


14 JOÃO DO RIO

completamente distinctas a popular, e a aristocrática


:

executada nas salas e cujos versos, verdadeiras obras


primas ás vezes, são compostos por poetas de eleição. Ao
passo que a canção popixlar é sempre alegre, de rithmo
jocimdo, a do fado, mesmo dizendo coisas alegres, é triste.
A modinha brazileira, o « doce lundum chorado » de
Tolentino é bem filha do fado. Mas com esse nome de fado
a canção de Lisboa só surgiu em 1 849, já em meio do século
passado. Do fado vem fadista, fadistar, como o fado vem
de Fatmu, que no latim é Destino. Porque o cliamaram
assim? O portuguez é o conquistador, o descobridor,
desejoso de aventuras á mercê dos elementos. Depois de
descobrir mundos chorou esse destino que o impelia. O
mais vellio fado conhecido é o Fado do Marinheiro. Essa
opinião talvez seja romântica. Mas se quizeres a sciencia
lembra-te que Theopliilo Braga citando Du Lleril assegura
que fado vem de fata, palavra scandinava que significa
compor. E assim concordando com Alberto Phnentel ti-
ra a opinião de que o nome de fado vem da gente que o
cantava, os fadistas, o pessoal da ralé, ociosa, criminosa,
vagabunda.
Mas porque restringir assim? Em Portugal, organica-
mente, toda gente ama o fado. Povo de tão gxandes des-
tinos e de tão commovente historia o portuguez é o que
mais alma tem, o que sente mais em todo o mimdo. Um in-
fame faia da Mouraria decadente sente mais a dôr e a ale-
gria que imi refinado ou um bandido de outra qualquer
terra. Portugal ficou como o coração da terra. Tudo nelle
é emoção, é amor. Mesmo o ódio é o reverso paroxis-
mado da paixão. Os emotivos não reagem contra o
invisivel e têm um grande medo de Deus. Deus biblica-
mente é o Fatiun pagão. Nada exprime melhor o senti-
mento geral do que sua toada súnples. Rocha Peixoto
diz: — «O único povo do mxmdo que canta o fado tem
n'este a expressão fligraute e nitida das suas tendên-
cias, da sua sentimentalidade e do seu entendimento; a
sina, o acaso, a sorte que preside ao nosso destino, que
determina as nossas acções e que explica os mais vários
A RAZÃO DESTE LIVRO 15

aspectos da nossa existência, ou seja n'uina angustia


collectiva,ou individualmente, atirando-nos com o pé
direito á venturaou com o esquerdo á desgraça, eis o que
define o povo portuguez, eis o que, n'um anthropismo
universal d'onde herdou ou recebeu a maioria dos seus
mythos, se destaca como característica própria. B' o acaso
que faz de nós ricos ou pobres é nossa sina a felicidade ou
;

a desventura no amor; é da sorte a fartura ou a miséria,


a saúde ou a moléstia, a virtude ou o crime; é sempre o fa-
do dominando tudo, desde o Senhor D. Miguel que o batia,
até ao povo a gemel-o » !

Rocha Peixoto é um sábio mn tanto pessimista. Mas


para mostrar-te que o amor é geral e não pôde ser outro
basta observar essas bruscas quebras de classe em que
fidalgos de lustro deixam o seu legar e vem para as baiú-
cas tocar a banza e bater o fado. Vimioso, o amante da
Severa, D. José de Almada Lencastre, o conde de Anadia,
o illustre marquez de Castello Melhor. Um
portuguez ge-
nuinamente portuguez tem pelo menos tuna vez no anno
o desejo do fado, e o próprio Eça de Queiroz que o detes-
tava no tempo dos snobismos e das malas cheias de gra-
vatas, tinha em synthese a sua iinmensa e úifirdta philo-
sophia.
E' de resto conhecer mn pouco da historia, lêr o Pi-
mentel, e verá quem quizer o fado dominando tudo, o
theatro, os concertos, os salões. No theatro então...
— E' um dou como no Brazil
certo, ?

— Pedem mais, mais, mais. São insaciáveis de fado.


— Mas ha muitos géneros, pois não ?

— Os asstmiptos é que são innumeros. Temos agora até


o fado socialista. Mais encontras o fado que canta a vida
do fadista desde o seu nascimento até o seu calão, os as-
pectos da cidade, toda a vida urbana em que a ironia
morde e soluça, o cómico, o das classes, o dos marujos, o
dos padeiros. Pimentel transcreve um o dos Calceteiros.
:

As duas primeiras decimas dizem assim :

Para que os trens de estadão


Rodem por modo ligeiro,
16 JOÃO DO UIO
Passamos o dia inteiro
Em difficil posição.
Sempre ao rigor da estação,
O nosso trabalho é duro;
Mas podemos, asseguro.
Dizer mesmo aos de Paris :

No lusitano paiz
Nossa arte chega ao apuro.

Com um passadio escasso,


Entre o frio e o calor.
Trabalham com todo o ardor
Os nossos homens de masso :

Formámos sociedade;
Reina entre nós amizade,
Detestamos os vis pulhas;
Não somos homens de bulhas,
Posso-o dizer com verdade.

Estas a ver Nada lhes é alheio na cidade, e do alto


!

de uma baiúca lá de cima elles dom.inain Lisboa, a cantar,


deante de vmia viuva e algtms filhos, que são a garrafa e
os copos.

Afinal entravamos nmna


das tabernas, quando não
tiníramos marcado reunião em
pontos talvez mais peri-
gosos. Empurrado o « avental », o aspecto mudava. Eu
tinha a impressão de que faria por conta própria vun
romance folhetim em que Dtunas pai coUaborasse com
Eugénio Sue na construcção de uma fandaria empolgante.
As baiúcas eram bem peiores que os zigs de Paris e lembra-
vam coisas já talvez por mim vistas na Saúde do Rio.
Uma atmosphera encorpada do fumo de cigarros, da fu-
maça das cosinhas, embaçava os lampeões. Engordurada-
mente um sujeito gordo servia em mangas de camisa.
A RAZÃO DESTE LIVRO 17

Havia esparsos pelas mesas, sentados em bancos, xms


homens pallidos, de cigarro no canto da bocca, o olhar
ou indeciso ou irónico, sobobonné cuja pala parecia cen-
trahsar em harmonia os cabeUos puxados para as fontes.
De vez em quando entravam umas mulheres de cores
vistosas e caras pintadas. Era pela época do carnaval e
algmnas vindo de apanhar pastranas no Rocio, do lado
do D. Maria, surgiam á moda do Alemtejo, a dar a sua
« queijada » aos rufiões, a moeda ganlia no mercado do

corpo. Outras porém deixavam apenas a janeila para


dar uma espiadeUa ao homem. Essa atmosphera ou era
quebrada pelo annxmcio de contendas fora, ou pelo fado,
que de repente sm-gia pessoal, htunano, a exigir d'aqueUe
miuido de naifas e de marafonas a submissão e o êx-
tase. Então o silencio fazia-se em derredor. As ironias
que a principio nos recebiam nvrni calão que me fazia pela
manhã folhear nervosamente o hvro de Alberto Bessa
sobre a Giria Portugueza a ver até onde tinham ido os
insultos — cessavam de súbito. E mais do que qualquer
um d'elles eu me sentia dominado Ha uma quadra que
diz :

Cantar e saber cantar


São dois pontos delicados :

Os que cantam são sem conto,


Os que sabem são contados.

Mas aquella voz exasperante, voz urtigada da gente de


má vida cantando o fado, desequihbrava-me. Tinop
proctirando definil-a, diz :

« A voz para cantar o fado é uma voz inclassificável,

sui generis,com modulações e inflexões não sujeitas ao


jugo tyrannico dos methodos de canto, vuna voz que não
se subordina aos dictames cathedraticos dos professores
do Conservatório. E ahi está o motivo porque o Tamagno
ou a Patti poderiam fazer fiasco cantando o fado ao pé
do Serrano ou da Albertina. E eis ahi a razão porque mn
interprete de vmia partitura deliquescente de Puccini
18 JOÃO DO RIO

OU de uiua partitura descriptiva de Wagner pregaria


mn estenderete raso, se quizesse cantar o fado da Severa
ou o fado do João Black. »

Mas como a ironia mundana de Tinop estava longe


de exprimir essa expressão especial de tuna raça Seria
!

preciso confundir nmn periodo todas as modalidades dos


sentimentos, fazer de algims mudanças, hyperestisar outros,
crear um Goya dentro de um Murillo, mn Rubens nos
traços de mn Steinlen para dizer esse conjmito de ais de
garganta e zings de gviitarra em que a vida parece esterto-
rar a luxuria, a desgraça e o pouco caso.
Que cantavam elles? Amores, desditas, longas descrip-
ções de scenas fadistas, motejos. E ahi um ciurioso phe-
nonieno, todo o fado enrodilliado e preso á saudade,
vivendo do nimbo que elle próprio creou, a Severa. Sim !

Todo eUe, todos os fadistas e os que para elle escrevem


falam da Severa. Depois delia, hoje deusa protectora nos
altos céus do Bairro Alto, ninguém mais existe. A cliro-
nica cita, após os descantes da Maria Severa, mna serie
de mulheres fadistas notáveis, a Custodia, a Cesaria, a
Albertina e ultimamente a Cacilda, a JuUa. O fado só
liga á Severa, como para os homens, desprezando todos os
passados, .só se interessa pelo Hylario, o estudante bohe-
mio que morreu tisico. Desse ha o romantismo, a esphera
d'onde desceu para dizer com maior poesia o choro das ruas.
D'e]la ha o amor do nobre, e da Severa, que não era cigana,
a rameira insolente filha da Barbuda, por quem o Vimioso
tivera crises de carne e a quem deixara morrer no hospital,
fizeram a creatura de lenda encarnando a vida inteira dos
fadistas e dominando a fidalguia num idyllio em que
entram toiros, banzas, naifas, lagrimas e amor, amor,
o grande amor de Portugal, que acalenta e fuhnina.
Lembram-,se de certo do Fado da Severa?

Chorae, fadistas, chorão,


Que uma fadista morreu,
Hoje mesmo faz um anno
Que a Severa falleceu.
A HAZÃO l)r>.TE l.l\i'.(J 19
Morreu, já faz hoje um anno,
Das fadistas a rainha,
Com ella o fado perdeu,
O gosto que o fado tinha.

O conde de Vimioso
Um duro golpe soffreu.
Quando lhe foram dizer :

Tua Severa morreu !

Corre á sua sepultura


O seu corpo ainda vê :

Adeus, oh minha Severa,


!

Bôa sorte Deus te dê !

Lá n'esse reino celeste


Com tua banza na mão,
Farás dos anjos fadistas,
Porás tudo em confusão.

Até o próprio S. Pedro,


A' porta do ceu sentado^
Ao vêr entrar a Severa
Bateu e cantou o fado.

Ponde nos braços da banza


Um signal de negro fumo
Que diga por toda a parte :

O fado perdeu seu rumo.

Chorae fadistas, chorae,


Que a Severa se finou,
O gosto que tinha o fado,
Tudo com e'la acabou.

A opinião persiste. E nos outros versos populares a


cada passo surge a Severa, cigana, amante do Vimioso,
decretando leis, impondo-se como o exemplo a que
nenhuma outra attingirá. O meu amigo sorria, sempre
que ouvíamos referencias a Severa, e o seu sorriso era
talvez triste.
— Até o fado já vive de saudades...
!

20 JOÃO DO RIO

*
* *

A's vezes, nessas reuniões tanto as mulheres como os


homens faziam luxos.
— Oh Canta! tu...
— Sei lá
— Olha só o pobre de Deus !

Bra vaidade, era medo de fazer feio, réa indiferença


pelo êxito alheio, talvez admiração ou talvez modéstia?
O facto é que era preciso « atirar o fado », cantar as qua-
dras aggressivas do chamado « fado d'atirar ». As mxalheres
faziam isso a sorrir. Os homens nem sempre. As mvdhe-
res falavam depressa bem perto da cara dos interlo-
cutores os homens falavam de longe e muito devagar com
;

pouco caso evidente. Para comprehendel-os era preciso


um certo esforço para penetrar o seu calão em que paiol
é estômago, a guitarra pianinho, o caldo rola, o vinho
briol e o apito aterrorisante tem esse appellido ultra-iro-
nico de rouxinol.Toàos os patois urbanos, o que se chama a
lingua de vun certo nmnero de fora -sociedade, o calão, calão
que lembra os ciganos esparsos pelo mundo, sem vintém,
bohemios, sem pátria, no abysmo da crhnmaUdade — os
ciganos esse reverso esmulambado dos judeus — todos os
calões da « mala vita » do chulo de Madrid, do camorrista
da Itaha, do malandro do Rio, do faia de Lisboa têm xuna
serie de palavras idênticas, absolutamente iguaes. Seria a
tentar mn psychologo e um erudito essa curiosa afl&ni-
dade de linguagem. Graças a isso ixma ou outra palavra do
calão dos covis do Rio dava-me vun pouco de luz sobre as
palestras. Mas o faia é muito mais pittoresco, o seu lexi-
con immensamente maior, e muita vez quando elles me
debocharam como lun simples rastacuero que lá para
Portugal é o brazileiro, só os vinha comprehender pelo
olhar ou o riso dos outros.
De resto, o que acontecera com a Júlia e o que conse-
guira mesmo com certos apaches eiii Paris dava-se após
!

A RAZÃO UKSTE LIVRO 21

um certo tempo. Biles sentiam-se orgulhosos d'aquella ad-


mirativa attenção e nos taes fados a atirar faziam o possivel
para conservar a palma —
o que logo dava ao ambiente da
baiuca o arripio assentado anterior aos conflictos habi-
tuaes em taes « gamotes » de gente « desarmada » de
« arames » e com as « pinhas » mais ou menos em « bico ».

Os motes cortavam como « naifas », e alguns eram' de tal


brutalidade que eu lembrava vum citado por Tinop na
sua curiosa Historia do Fado e devida ao Patusquinho :

Ah ladrão, que m'atiraste


!

Sem eu te atirar a ti
Já me deste uma picada,
Que eu, sem vêr sangue, senti I

Eu cá por mim sou de cera,


Em tudo mostro brandura
Se canto é p'ra me livrar
D 'alguma descompostura.
E's d'uma raça d'animaes,
Que, quando estão c'o accidente,
Ferram com as mãos no chão
E dão coices para a gente.

Ao passar pia tua porta,


Se tu me tornas a ladrar,
Metto-te um chifre na bocca
Para te obrigar a calar.

Porque a gente do fado morre no hospital ou na ponta


da faca e não teme desgraças desde que nasceram para
ir de encontro ao fado adverso.

Mas na "personaHssima I^isbôa, esses eram os profissio-


no fvmdo a menor
naes, e parte. Não precisaria percorrer
22 JOÃO DO RIO

as tascas, meter-me no perigo das ruas estreitas, travar re-


lações com esses deliciosos seres de instiucto para ouvir o
fado. KUe existe, é a própria voz da cidade, bóia no Tejo,
escorre dos becos, aconchega-se aos Jeronymos, brota á
flor da Torre de Belém, passeia na Avenida. O portuguez
desde que canta, canta o fado e eu passei talvez quinze
dias a lêr os versos dos estudantes de Coimbra, a historia
da musica das canções populares, os diversos modos de
fado desde o Corrido até o do Hylario, emquanto á noite se-
guia ao acaso para os legares onde me conduzia a von-
tade, bairro de marinheiros, centros de operários, de
trabalhadores, reuniões de garotos. E era interessante ou-
vir á noite a verdade pela emoção dos pobres.

Eu já me senti morrer,
E achei o morrer tão doce,
Que por gosto a vida dera,
Se outra vez a morrer fosse.

Este fado veiu ao mundo


Para allivio da pobreza,
Quem anda no triste fado
Não tem paixão nem tristeza.

Se me vires ser ingrato.


Não te admires, meu bem.
Que uma ingrata me insinou
A ser ingrato também.

Para durante o dia lêr os eruditos, os elegantes com-


mentadores, os fados dos salões e os poetas que como esse
sensibUissimo Affonso Lopes Vieira levantam o hymno
ao Deus :

Fados de Portugal, suspiros e ais,


Fados que sois a nossa alma ! Fados
Que de saudades me falais,
tristes
Oh suspirados, oh amargurados 1
!

A RAZÃO DE-TE LIVRO


Nas cordas da viola enforca a Dôr,
Oh povo, e canta E' desafogar !...
!

Canta o teu fado á terra, oh cavador


E o teu á onda, oh cavador do mar !

Nas viellas do amor á noite passa


O fado da miséria e humilhação.
Oh vozes roucas, harpas da desgraça,
Oh ! versos roxos, cheios d'emoção !

III

Sempre consegui largar-me de I,isbôa, alfim. Ia passar


tempo na província, para o Norte, tanto os poetas amigos
falavam-me da sua belleza. O mexi informante foi até á es-
tação do Rocio.
— Ouviste a tristeza das cidades ?
— B' mortalmente encantadora.
— Vaes ouvir agora a alegria da gente sã. O fadistismo,
meu velho, está em decadência. O fado é na sua maioria lit-
terario, escriptopor grandes poetas. I^embra-te qvie João
de Deus não o desprezou. Ouviste versos perfeitamente
idiotas que só te commoviam pela musica. Aos fadistas
bem se pôde applicar a quadra :

Cantando, cantei, cantava,


Cantava, cantei, cantando.
Chorando, chorei, chorava,
Chorava, chorei, chorando.

Dessa mistura de lagrimas e canto vem a commoção.


Pinto de Carvalho diz, entretanto, com profmida razão :

« A trajectória evolutiva do fado não parou. O fado

tomou-se mais litterario, mais eirtistico, e, conseguinte-


mente, perdeu o seu caracter popvdar. Os versos que até
aqui haviam estado entregues á mecânica espiritual dos
24 JOÃO no RIO

vates populares, começaram a ser fvmdidos pelo estro dos


poetas mais Íntimos das Musas. A musica, que até aqui
brotava da inspiração dos guitarristas e dos cantadores,
passa a ser composta por maestros diplomados pelo Con-
servatório. B, facto curioso, a transformação do fado é
parallelamente acompanhada da decadência gradual do
fadistismo.
« O fadista de agora mantem-se moUecularmente idên-
tico ao antigo, mas o seu campo de acção é que se tem res-
tringido pouco a pouco, e as suas proezas de navalha —
que eram como que tun brevet de chie —
representam ape-
nas mn echo débil das do passado, mn post-scnptum de
contrafacção. Decididamente as tradições vão-se » !

A prova é que o maior êxito do fado, depois da Se-


vera, não foram nem a Borboleta, nem a Galvão, nem
o Serrano, nem o Marinho, nem o Varella, nem esse
turbilhão que apreciaste. O acontecimento verdadeira-
mente portuguez foi o Hylario, de quem se disse quando
elle morreu em 1896 :

O Hylario já morreu,
Um rapaz tão resoluto !

Já não ha quem caute o fado


As guitarras estão de luto !

Ora esse Hylario, Augusto Hylario da Costa Alves,


creador dos « fados-serenatas de vmia contestiura nova, ver-
dadeiramente peninsxúar », nascera em Vizeu e era estu-
dante do 3.0 amio de medicina em Coimbra. Foi elle com a
sua bella voz de barytono, a guitarra, a variante nova e
o verso, que marca nos tempos modernos o definitivo
domínio do fado mtellectual, o domínio de Coimbra,
que desde os meiados do século passado, era considerada
com Ivisbôa e Cascaes centro do fado, e que afinal se im-
poz por elle, cujos versos ao som da sua musica todos
quantos falam Ungua portugueza conhecem, e pelos
innumeros estudantes poetas que fazem do fado verda-
deiras jóias de primitivos fvmdidas nesse perfume d 'amor
de Portugal...
A RAZÃO DESTE LIVRO 25
— Que maior do mvuido
é o !

O trem o meu amigo deu-me xun pacote de


ia partir,
cantigas escriptas pelos rapazes de Coimbra. Mergulhei
no vagon. E como eu tenha a falsa idéa de que a natu-
reza é desagradável, acostumado á hostihdade hórrida das
florestas americanas, desfiz o embrulho, alheei-me da
natureza o puz-me a lêr fados litterarios. Eram cantigas
para o fado, para os ranchos e fogueiras de S. João. O
comboio corria. Quando alguina estação se encontrava, cu-
riosamente olhava. Havia raparigas lindas, rapazes Undos.
Até os veUios eram lindos na tranquillidade vegetal com
que erguiam a face cheia de tranquillas rugas da velhice.
Talvez exagerasse ? O diabo é que nunca achei nada em
Portugal que não fosse bonito, e o próprio sol macio e loiro,
e o próprio ceu de um aztd prateado, e a própria paisa-
gem, apezar de ser pelo Natal, virente pareciam encher-
me o coração. Eu lia, por exemplo esta belleza de Au-
gusto Gil :

Guitarras subi, subi...


Tão alto cantarei eu
Que me oiçam pedir por ti
Os anjos que estão no ceu.

Teus olhos, contas escuras,


São duas ave-marias
D 'um rosário d 'amarguras
Que eu reso todos os dias.

Se queres que eu te não queira


Pede a Deus p'ra que me chame;
Pois, nem Deus, d'outra maneira
Consegue que te não ame.

Que mata o sonho do amor


Diz uma trova p'ra ahi.
Eu passo muito melhor
Desde que gosto de ti.
26 JOÃO DO KIO
Amas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente,
E a mim
não me tens amor
Que morro por ti somente !

Resume-se a coisa pouca


Toda a minha aspiração :

Poder dar á tua bocca


Os meus beijos e o meu pão.

O teu olhar desleal


Corações queima por gosto.
Vou chamal-o ao tribunal
Por crime de fogo posto.

Cantae mais devagarinho


Rapazes, ao seu postigo.
Não sei porquê, adivinho
Que está sonhando commigo...

Dizem que ella envelheceu,


Mas p'ra mim é sempre linda.
Que ha soes já mortos no ceu
E a gente vê-os ainda..,

O tempo corre de leve


E fogem leves as penas,
Tendo as tuas mãos de neve
Entre as minhas mãos morenas.

Dizes que é desegual


Este amor. Nunca o suppuz !

Mas olha a sombra, afinal


:

E' um eííeito da luz.

Raparigas tomae tento.


Cachopas não vos fieis.
Cantigas leva-as o vento.
Cartas d'amor, são papeis.
!

A RAZÃO DESTE LIVRO 27


Olhos negros de veludo
Heis de fazer-tne doutor.
Sois os meus livros d'estudo
Na faculdade do amor.

Ivivros que a todos prefiro


Que constantemente.
leio
Por elles —
quando te miro
B de cór —
se estás ausente.

De certo os anjos do ceu


Não teem azas de plumas.
Que os teus hombros vio-os eu,
Não havia lá nenhumas.

Nosso Senhor nasceria


Da tua carne, meu bem.
Se quando a Virgem Maria
Já fosses viva, também.

Mais alta a voz se me afoite,


A magua dos dias meus,
Oiçam-n'a os astros da noite.
Suba aos ouvidos de Deus.

lyindo, não? E) lá fora o sol parecia mna doce caricia


sobre a terra. Eu voltava ás cantigas e lia esse outro en-
canto de Alfonso lyopes Vieira :

Os outros que te roubaram.


Nobre Nação, Portugal
Inda um pouco te deixaram :

O coração por teu mal.

No fado tem-se mais gosto


Que em outras coisas se tem.
Depois de ter-se um desgosto
R que elle nos calha bem.
! !

28 JOÃO DO RIO
Bem como a lua e o. mar
Teu coração tem marés :

Ora choras por meu mal,


Ora ris quando me vês.

Dancemos danças de roda,


Bater palmas, cantae, vá !

Nunca passe isto de moda.


Porque melhor não na ha.

Com fibras do coração,


Banza, quem fincordoára
Veria chorar então
Olhos verdes numa cara.

Com amores m'amofino.


Tenho um amor cada niez :

E' este o triste destino


D'um coração portuguez.

Não foi pelo que choraram


Que ims olhos adoeceram;
Deus castigou-os : pagaram
Os males que me fizeram.

Eu se o meu fado cantar


Sineiro m'hei de fazer :

P'ra todo o povo chorar


Quando o meu fado souber.

P'ra a costa d'Africa alguém


Meu coração degradou.
Se de lá voltar, já nem
Sabe quem agora sou

Das coisas que tem de ser


Ai nunca ninguém se ria
! !

Que lhe pôde acontecer


O mesmo que a mim, um dia...
! ! ! !

A RAZÃO DESTE LIVRO 29


Vão-se os rapazes formando,
Vão-se embora, não vem mais;
Depois todos vão casando
E vós solteiras ficaes !

Dia d' amanhã, futuro,


Que m'os importa saber?
Leva-me a sorte seguro
E) seja o que Deus quizér

Não sei o que hei de pedir-te.


Tu que estás sempre a cantar
Cálas-te e eu quero ouvir-te.
:

Cantas não posso estudar.


:

Vae á torre d'uma igreja


Lá quando m'eu fôr, meu bem,
P'ra que partindo te veja,
P'ra ainda te vêr d'além.,.

Adeus rio, choupos, serra,


Adeus tudo, tudo, emfim
Raparigas d'esta terra,
Lembrae-vos por cá de mim.

Cantemos, na despedida,
P'ra onde nos leva a sorte,
O fado da nossa vida,
O fado da nossa morte

B essa maravilhosa sensação da Vida que é todo Portu-


gal, e esse extraordinário poema de raça ,de Guedes Tei-
xeira :

Pedi ao ceu as estrellas


P'ra vêr se me dava ou não.
Com a luz que existe n'ellas,
A altura a que ellas estão.
2.
; !

30 JOÃO DO RIO
Que importa p'ra o meu ciúme
Que outra uiulher me beijasse?
Passei seu beijo p'lo lume :

E' mais um p'ra a tua face.

Deus, que nos vê lá de cima,


Alma d'esta alma, querida,
Juntou-nos somos a rima
:

Da linda quadra da vida.

A tua bocca é tão bella !

Se m'a deixasses beijar,


Faria d'ella uma estrella
Que apagaria as do ar.

Melhor que amar só conheço


(Eu vou-t'o já confessar;
Mas dá-me um beijo, que é o pre^
Obrigado.) não amar.

Tuas lindas mãos me tomem


O meu coração a arder;
Ergue o amor ao ceu o homem
E baixa á terra a mulher.

Não é o amor —
quem o sonda ? -

Tal como o rio a passar...


O amor é como a onda,
Foje mas torna a voltar.

Põe no meu peito a tua mão


Para que Deus me não mate :

Ai bate-me o coração
!

Até o pobre me bate !

Não chores mais, minha amiga,


E' preciso reparar;
Pranto com pranto não liga.
Ri til que eu fico a chorar
A RAZÃO DESTE LIVIIO 31

Os poetas são sugestões do grande mysterio da natureza.


Klles encontram a harmonia, a correlação, as dissonâncias,
as precipitações, as fermatas do leit-motif infinito da Vida
que é o Amor. Amar Está nessa palavra o mimdo ntuna
!

perpetua attracção da molécula ao homem, do átomo aos


astros. Esse immenso sentimento affectivo nenhmn povo
ò sente tão sinceramente como o portuguez, tão continua-
mente, tão ptiramente, tão ingenuamente. E' tanto o
amor d'aquella gente que até a terra parece amal-a e o
ceu se arrendonda como um beijo infinito por sobre o
paraizo. Os estudantes deixavam a sciencia para inter-
pretar o amor, e cada quadra sua vaUa de certo mais que
todas as aulas ouvidas. E a sensualidade infinita, a sen-
suaUdade que é a razão de existir, eu encontrava nos
versos de Santiago Prezado o poeta que parece ter natu-
:

rahsado Salomão nas fogueiras de S. João :

Eu posso jurar, morena,


Eu posso —
bem sei que sim !

Que esta noite has de queimar
Uma alcachofra por mim.
O meu amor é trigueiro,
De um trigueirinho queimado;
Vae vestida de luar
Na noite de meu noivado.

Teu corpete de veludo


Com meu dinheiro o comprei.
Esta noite nas fogueiras
Teu corpete abraçarei.

Cada qual busque parceira


E escolha quem mais gostar,
Trigueira, linda trigueira,
Tu has de ser o meu par.

Deitaste as sortes á noite


— Não queres ficar solteira —
Meu nome dormiu comtigo
Debaixo da cabeceira.
!

32 JOÃO DO RIO

Os teus peitos são dois montes


— que linda vista hão de ter 1

Quem dera subir lá cima


E no cimo adormecer 1

Um mentiroso gabou-se
Das vistas que viu d'alli.
Prometto cerrar os olhos
E jurar que nada vi.

Deixei um ôvo á janella,


Na noite de S. João.
S.João casamenteiro
Fez do ôvo um coração.

Puz-me a contar as estrellas


Que estão sobre o teu telhado.
— Quem me dera ser estrella
Sendo o telhado furado !

Ande a roda Siga a roda !...


!

Cada qual beije o seu par


— Quando se perde a cabeça
Não ha nada a recear.

Na febre da embriaguez,
Na embriaguez dos desejos,
Nestes desejos de gozo
Q'ria morder-te com beijos.

Vou fazer-te uma pirraça


— não vale a pena zangar —
Roubar-te o primeiro beijo
Que tinhas para me dar.

A bocca fresca e vermelha


Que a minha bocca beijou.
Não sei que vinho ella tinha
Que tanto me embriagou.
A RAZÃO DESTi; LIVRO 33

A' hora que a freira reza


E o velho esconde o tesouro,
Tu queimas uma alcachofra
E eu escrevo ao meu namoro.

Vamos conversar a serio,


Morena de olhos quebrados.
Juntemos as nossas mãos
Como fieis namorados.

Eu bem sei o que dizeis


O' olhos que assim me olhaes;
Mas os meus que se desviam
Talvez inda digam mais.

Teu collo macio e curvo.


Como o dorso da serpente,
Lembra-me um trigal ás ondas
Batido pelo sol quente.

Ha nos teus peitos perfeitos


Dois biquinhos a pular.
São os biquinhos dos peitos
Onde um filho ha de mamar.

Olha... o rouxinol calou-se,


E o vento poz-se a escutar...
Chega bem a tua bocca
Não hão de ouvir-nos beijar.

A lua bóia serena,


Morena de olhar velado;
E' ella que ha de vestir-te
Na noite do meu noivado.

Mas na melancholia insensivelmente a alegria parecia


entumecer a poesia. Era como se o inverno banido, no
outomno do fado, a primavera brotasse em rebentos jocun-
04 JOÃO DO RIO
dos. As quadras de António Macieira bem exprimiam essa
exquisita feição de Coimbra :

Coimbra, toda em descantes,


E' uma guitarra a chorar;
São as cordas as aniantes
O trovador é o luar.

Poz Amor no coração


Das tricanas tal cegueira.
Que juncto á fonte da Feira
Nasceu um lindo chorão.

Vou de noute para os campos


niusões desenrolar;
Como luz de pyrilampos
Nascem, tornam-se a apagar.

Deu-me quebranto nos clhos


Quando te estava a escrever;
Talvez fosse aviso santo
Para este amor esquecer.

Disse-me Coimbra ao ouvido


Pela bocca do luar :

Não deixes, toma sentido,


Minhas tricanas chorar.

P'ra vêr Coimbra subia


A' Torre, a todas as horas,
Ver somente conseguia
A casita onde tu moras.
Andam teus olhos perdidos,
Dizes, de tanto chorar...
Pois eu perdi os sentidos
De os andar a procurar.

Se beijos abraços são


Que as almas ligam direi — :

Quero livre o coração,


Volve-me quantos te dei.
!

RAZÃO DESTE I,IVRO 35


Puz-me a contar pelos dedos
As vezes que te fallei,
Só elles sabem segredos
Que eu sabia e já não sei.

Se beijas as lavandeiras
Mondego porque dás ais?
Não creio n' essas canceiras
Quando choras é por mais...

Lançai cantigas ao vento...


Gargantas vá d'afinar
Chega a voz ao firmamento
Que os astros poem-se a cantar !...

Butão lembrei o Hylario, tão typico nesse mmido de


minha memoria vieram os seus versos
poesia, e á :

A minha flácida lyra


Tem duas cordas variadas :

Uma que chora e suspira,


Outra que dá gargalhadas.

Como uma quadra ás vezes explica o mysterio e o oc-


culto... B
eu lembrei a frase paradoxal do meu amigo
dizendo uma vez que Ajitonio Nobre não fora mais que
a suprema esthesia do fado e que o próprio génio Jxm-
queiro em quadras onde puzera a alma, quadras fizera de
fado — a própria abna do amor...

IV

B Deus quiz, na sua infinita Bondade, que eu vivesse


um pouco da minha vida febril de degenerado Homem
da Cidade em pleno campo portuguez, visitando o Doiro,
visitando o Minlio, visitando a delicia da Beira até o
36 JOÃO DO RIO

li:nite toviriste em Portugal, o clássico


de Hespanlia. Ser
touriste de Baedecker em punho que olha as Pyramides
no Egypto tendo em torno uma orda de fellahs ávidos, e
consulta em Veneza ou em Sevilha o guia autes de admirar,
e vae idiotamente ao Pantlieon ouvir as sandices dos cice-
roni, ser touriste assim nessa terra é um crime horrivel.
Não se pôde ser o viajante apressado num logar sagrado.
Um homem que saltasse de sobretudo e valise, sem se
incommodar com o homem, para perguntar onde se feriu
a batalha no Bussaco ou numa aldeia da Beira onde é o
melhor hotel, dá-me a impressão de um sujeito que en-
trasse no paraizo e perguntasse apenas onde estava a ce-
lebrada arvore e onde se poderia comer. Porque ha entre
a terra e o homem xxma tal relação que é impossivel sentir
a belleza da terra sem pensar na alma da gente a ella li-
gada por uma secreta sympathia do destino.
Como elles são bons e cândidos Como é pmra a vida e
!

como ainda sob o sol a innocencia desabrocha Oh esses ! !

campos Tudo vive de vmia grande vida fraternal e santa.


!

As casas —
meia dúzia e tão pobresitas. lá se conservam
tradicionaes e contentes. Talvez conversem e respeitam
a igreja e o sino que desfia ais pelo espaço. A terra está
!

toda bem divididinha. Ai que não ha enganos E é tão bo-


! !

nita, tem tantas cores — a côr dos vinhedos, a côr dos tri-

gaes, a côr das plantações rasteiras, a côr das oliveiras,


arvore pagã da sabia paz, a côr de ferrugem pulverisada
dos sabugueiros nas divisões dos terrenos alagadiços, a
beira dos rios, a côr dos sobreiros. Por monte e vaUe, desde
os picos das montanhas em que o Frio christalisa aguas
do ceu e aguas da terra até as planícies suaves, o solo parece
oííertar-se fecmidoao trabalho como o ventre de uma
bacchante que se entrega. As aguas não têm rugidos nem
perigos. Brotam como por encanto, docemente e são todas
aproveitadas. Não ha ociosos. Trabalha a mulher, tra-
balha o homem de sol a sol, trabalham velhos e pirralhos.
IMuita vez entre as arvores um velho olha as cabras
negras. Quem sabe ? E' Philetas que aprendeu a felicidade
resignada na crença de um só Deus. D'outras é um petiz.
A RAZÃO DESTE LIVRO 37

muito alegre, ramo rubro d.'alegria entre os verdes


escuros. Daphins de certo ? Não. O
Manuelsinho que não
quer aprender a lêr e cifra o seu mundo nas cabras, nos
pães, e não em Chloé mas em muitas Marias, o magano.
Uma vida de écloga renovada de georgica christã sorri ao
ceu bemfazejo. O ar estimulante põe-lhe nas faces a côr
das romãs maduras. EUes falam cantando com compa-
rações pantheistas presos entretanto ao temor de Deus. E
são todos contentes com a sua sorte, os velhos graves, os
homens, as creanças. Só ha de vez em quando um desvairio
de dôr. Quando o menino tem de ser soldado, a perder-se
nas patifarias da Avenida, que as mães sentem bem, ou
quando acicateados pelos chamados, o rapaz resolve ir
para o Brazil, separados para sempre pelo grande, o im-
menso mar.
— Porque está triste a veUia ?
— O João, meu senhor, que lá se foi para o Brazil...
Mviitos porém nunca vão, e estão lá fortes, rijos, puros»
virgens d'ahna toda a vida.
— Quanto ganhas ?
— Um pataco, meu senhor.
— Só? E não queres mais?
Se vier, lá se regeita ! Mas de facto para que ? A sua vida
é aquella, eninguém pôde pensar no paraizo com a avidez
do dinheiro. Depois o amor, o amor que vive no ar Todos !

amam. Os rapazes são uns bregeiros, as raparigas amam


os rapazes, até que se casam e então vira o amor em
maternidade e ajudam ao marido xun filho por anno e
:

todos os serviços do campo e da casa.


Um poeta notável, Eugénio de Castro, tem vuna poesia
em que mna nimpha e xun anjo se encontram, como os
symbolos que se succedem. Ntmca passei algimias horas
pelas estradas de Portugal sem pensar que era mna vez
tuna terra, muito bonita, sem igual no orbe. Os deuses
escolheram essa terra para o Paraizo e lá collocaram o
primeiro homem e a primeira mulher. Nem mn nem outro
pensaram no peccado e amaram e procrearam tratando
os bichos e as plantas com amor, a ponto que os seus

3
!

38 JOÃO DO RIO

itinumeraveis filhos bellos como raios de sol, lindos como


o luar, eram tomados como os espirites das arvores, das
fontes, os protectores do Paraizo, e amavam immensa e
ingenuamente, gloriosa e pagãmente. Vciu então Deus.
Elles ajoelharam, resaram, temeram a Deus, foram á missa
e continuaram tal que eram docemente ardentes, virgens
d'alma, dados de corpo, espíritos da terra a pensar nos
anjos.
E' mna historia para creanças. ]\Ias dessas historias
vem á mente aos bandos, nesses campos portuguezes, bem
protegidos pelas verduras reconhecidas, onde os trigos
ondulam, as aves trinam, os olhoraes têm qualquer coisa
de eterno, e nos corpos hndos sente-se o esquecimento
animal do próprio eu, no desabrocho de pureza da ex-
pressão. O amor não é peccado, o amor é a vida. Tudo
em Portugal é amor, um perpetuo abraço e lun grande
beijo de luz. Por isso as ahnas que sentem ficam presas
para sempre desses rios que correm, desses montes que
se curvam, desses valles tépidos como os recessos doces
dos seios das mulheres, por isso a cada passo eu lem-
brava mna triste hed allemã, a Canção do Rlieno :

An Rhin, au Rhin, ne vas pas au Rhin,


Mon fils, mon conseil est bon.
La vie t'y paraitra trop douce,
Ton humeur y deviendra trop joyeuse.

Tu y verras des piles si vives et des hommes si assiirésl

Comme s'ils étaieni de race noble


Ton âme, ardemment, y prendra govt,
Et il te semblera que cc soit juste et bien.

Et dans le fleuve la nymphe surgira des profondeurs


Et qiiand tu auras vu son sourire,
Quand la Lorelei aura chanté pour toi de ses lèvre'- páles,
Mon pis, tu serás perdu.

Le son fensorcellera, V apparenct te trompera,


Tu serás pris d' enchantement et de terreur.
Til ne cesseras plus de chanter : au Rhin! au Rhin!
Et tu ne retourneras plus chez les tiens.

1
A RAZÃO DESTE LIVRO 39

Quem ao parar em tão doce terra, não tomará gosto


por ella achando que esse gosto é justo?

A alegria, porém, enchia a minha alma do fervor dyo-


nisico. Já no Porto eu acompanhava os homens de viola e
guitarra a cantar pelas ruas em montanha e ia pelos arre-
dores : Avintes, Serra do Pilar, São Mamede em Festa,
Maia, Ermezinde, Valongo, a espera da sahida da missa,
em que as cachopas de trajes coloridos e os homens, alguns
dos quaes ganhavam sem ambição xuiia moeda por anno,
saiam cantando o amor, depois de temer a Deus. Coutras
vezes perdido dava um fogo hmnilde, sentia fome e em
qualquer casa, onde eu entrasse, casa sem riqueza, não
me perguntavam se eu tinha dinheiro ou quem eu era :

davam-me de comer e tratavam-me bem e cantavam


á noite para o sr. fidalgo ouvir —
porque fidalgo devia
ser quem tinha as mãos brancas de andar sempre divor-
ciado da natureza e da terra

Não canto por bem cantar,


Nem por ter falias de amante,
Canto só para dar gosto
A quem me pede que eu cante.

Mas cantavam bem. Bu sentia o contrario de Lisboa.


I/á a tristeza mesmo que o assumpto alegre; ao Norte a
alegria, vuna sancta e ingénua alegria mesmo que triste o
asstunpto. Bra pela época das janeiradas. Todo aquelle
pedaço de terra, onde ha ás vezes fome, era vuna ode á
vida, tuna só canção de alegria. Cantavam todos, canta-
vam que são cigarras e passam as estações
essas formigas
traballiando e cantando, cantando e trabalhando até
morrer, porque ha velhos de oitenta invernos que ainda
improvisam e atiram aos novos decimas de poeta ao som
das violas. O tralalá hellenico das tragedias de Buripedes
!

40 JOÃO DO UIO

arraigou nessa terra vim floreio de trai-lari, lari, larás, e


na Maia, em Barsa, os poetas espontâneos cantavam :

A viola é um chafalhão,
A rabeca furi-fure;
Não é coisa que se ature
O tambor terran ian-tan,
O sino delan, delan.
Tudo na vaidade cae,
Dança a filha, canta o pae,
B minuetes lhe ensina,
Canta tu, cara menina :

— Trai-lari, lari, larai.

Já vi uma
velha avó
Um tenro neto embalar,
Muito baixinho a cantar :

— A'-á-á, ó-ó, ó-ó;


Mas não é aquella só
A que já cantando vae :

De qualquer cangosta sae


Ou uma ou duas a par,
Todas juntas a cantar :

Trai-lari, lari, larai.

Tudo canta, tudo ri. E' o summo pantheismo, muna


espécie de antropomorphismo :

O' sol, para que te escondes


Debaixo da verde rama?
Para que furtas os teus raios
A quem deveras te ama?
Ao romper da bella aurora
Sae o pastor da cabana;
Comparas o sol divino
A' creatura humana

Ou então
P'r'aqui salte, p'r'aqui venha
A velhota que está alli;
Também quero que eUa danse,
Já que a terra se lhe ri.
!

A RAZÃO DESTE LIVRO 41

Se a terra se ri p'ra mim,


Sou venturosa mulher;
P'ra mim ri e p'ra ti chora,
Já nem a terra te quer!

K as cantigas de « ir á herva », as cantigas soltas?

Como cada unia d'ellas é o retracto do camponio querido !

Tanto limão, tanta lima.


Tanta silva, tanta amora.
Tanta cachopa bonita.
Meu pae sem ter uma nora

Quero cantar e não posso,


Falta-me a respiração;
Falta-me a luz dos teus olhos,
Amor do meu coração.

Minha mãe é minha amiga,


Quer-me casar em cachopa;
Mas não comtigo, mancebo.
Barbas de gaUinha choca.

Adeus, queme vou embora.


Vou d'aqui até ó Souto;
Tu bem podes entender,
Que o mcu sentido é outro.

Não ha ílôr como o suspiro.


Cá na minha opinião;
Todas as flores se vendem,
Só os suspiros se dão.

Eu tenho cinco amores,


Três aqui, dois na cidade;
A todos elles eu minto,
Só a ti falo verdade.

Quem me dera que eu te visse


Trinta dias cada mez,
Sete dias na semana,
E cada instante uma vez.
42 JOÃO DO RIO

o prometteu á lua
sol
Uma de mil cores.
fita
Quando o sol promette prendas,
Que fará quem tem amores.

E quantas, quantas, cada qual mais bella, nessa pura


liberdade em que o verbo namorar tem a profunda signi-
ficação de — já possuir !...

A calma do espirito, a satisfação de ter honrado a vida


trabalhando, a honestidade innata dos shnples nesse
ambiente vellutineo predispõe naturalmente á poesia que
é a flor da alma. Por isso, encontramos lavradores anal-
phabetos que fazem versos de improviso tão facilmente
que os poetas devem ter inveja, enão ha mulher ou homem
que não tenha feito tuna quadra de amor, imi verso nas
janeiradas, nas desfolhadas, na Serra, accrescentando
á já coUossal coUecção de quadras da Caninlia Verde
mais algumas quadras.

Vós, meninas, sois a arvore


Onde se enxerta o amor :

Quem vae tarde, colhe a rama,


Quem vae cedo, colhe a íiôr.

A roseira com suas rosas


Toda se humilha no chão,
Quando a roseira se humilha
Que fará meu coração !

Quem tem amores não dorme.


Quem não dorme está acordado;
Mas se dormir é não tê-los,

Deus me dê somno pesado.


A HAZAO DESTE LIVRO 43
Dizem que o amor é m.orte,
Oh quem me dera morrer !

Mais vale morrer d'amores


Do que sem eUes viver.

Até os peixes no mar,


AqueUes lá mais no fundo,
Também tem os seus amores
Como nós cá neste mundo.

E' possível deixar terra olente assim, sem ^xm grande


sentimento de saudade? Eu fiquei em tão pouco tempo
querendo bem a cada imia das pessoas que viia, a cada ar-
vore que olhara, a cada estrada por que passara. Todos
nós, os civilisados, os superiores —
essa grande pilhéria
intellectual do super-homem —
que vivemos uma vida ar-
tificial de convenção, julgando hypocritamente o mal pelo

bem quando nos convém e o bem pelo mal para satisfazer


os sórdidos instinctos do egoísmo, acabamos por ter imia
alma dupla. Uma face é para todo o serviço, a que se usa
no interesse, na adtilação, no deboche, na cvdtura da in-
tellígencia que é irrevogavelmente a perdição da pureza
e faz todos os horrores da cidade, seja ella Paris ou Pe-
tersburgo, leddo ou Constantinopla. Lisboa ou o Rio. A
outra começa protestando e vae pouco a pouco a morrer
de asphixia — até que ás vezes morre antes da primeira.
E' a espontânea, é a pura, a que ama, a que deseja, a
que communica directamente com o Divino porque sente
simplesmente a natureza.
Ouvir os fados da cidade fizeram-me sentir a ahna
asphixiada dos simples e consolaram a minha. Ouvir
as cantigas do Norte, fizeram com que não succimíbisse
ao desalento e de novo erguendo as virtudes instínctívas
da alma e do corpo, voltasse a amar a Vida voluptuo-
samente, nessa terra queéo sorriso do planeta aos céus
clementes.
Para mim ficar allí eternamente seria o Bem. IMas quem
é senhor do seu Destiao ? Eu tinha de partir, e parti tra-
44 JOÃO DO RIO

zendo na mala todas as recordações graphicas que pude


encontrar, guardando no lábio o sabor dos fructos que
parecem beijos e dos beijos que têm gosto de fructos
— acrisolando nalnia Portugal, o eleito e o querido...

r Ora vuna vez em Paris, na casa de imi dos meus editores,


á rua des Saints-Pères, fazia muito frio e nós conversá-
vamos, trez ou quatro homens de lettras de varias linguas,
um elegante hespanhol, dois historiadores francezes, o
velho e subtil Garnier, amável e poUdo como M™^ Geof-
frin para os habituaes convivas dos seus almoços. Vim
então a falar com enthusiasmo do doce periodo da
minha vida, dos fados, das canções, das dansas portu-
guezas.
— Porque não faz um a respeito mdagou o
livro ? edi-
tor.
— Porque seria vun exagerado. Ainda não
livro
conseguir dominar a emoção.
— Não diga isso.Que me conste não ha no Brazil tmia
collectanea volumosa dessas canções populares de Por-
tugal.
— Realmente, interrompeu o director da secção por-
tugueza, Manuel Ignacio— não ha.
— Diz V. que tem grande copia de canções Abandone ?

o folklorismo, arranje simplesmente uma collecção esco-


lhendo as canções com essa sympathia de que está pos-
suido.
— Mas se são todas bellas !

— E se tiver as musicas tanto melhor. São canções


populares? Faça vmi hvro bem popular que recorde á
gente de Portugal no Brazil a sua doce terra e bem lhes
diga como os ama V.
Resisti uma semana á grata idéa. Era tmi trabalho de
A RAZÃO DESTE LIVKO 45

colleccionador que entretanto talvez me hximedecesse os


olhos de saudade. Mas, como para mais começasse
resistir
de novo a lêl-os, insensivelmente fui a enthusiasmar-me
tanto que acabei por fazer a coUectanea.
Fiz bem ? Fiz mal ? O amor de mna terra a isso me for-
çou; o mysterioso Destino assim resolveu que se chris-
talisasse xmi pouco de tão doces emoções suggeridas por
Portugal. E eis porque, meus amigos, pedindo-Uies
perdão, eu peço também que leiamos juntos esse albiun
insignificante da terra encantadora, que amo e venero
tão docemente.
Hão de vocês sorrir, hão de chorar um pouco. Sorriso,
lagrimas, saudade que é como uma declinação da saúde
da ahna na gamma dos sentimentos, o instincto, o amor,
que é innocencia e ptueza pagã... Que é preciso mais?
Quanto a mim basta. F de certo mais conunovido e fre-
mente relerá esse perftune da doce terra, o colleccionador
hiimilde, que tão longamente exprimiu a razão de colher
um ramo de flores no jardim do Bem e do Amor, querido
de Deus.
Affectuosamente,

João do Rio.
Nice, março de 1909,

3.
PRIMEIRA PARTE
os FADOS
!

os FADOS 51

FADO DA MADRUGADA
*¥ *•'-'

Esconde-se a luz do sol


Ao teu olhar fascinante,
B ficaem triste arrebol
Aquella luz scintillante.

Em teu olhar tens a esp' rança,


Em teu Seio brinca o amor;
Não ha no mundo criança
Com tanta vida e frescor.

Não ha jóia, assim tão bella,


No céo, na terra ou no mar
Nem ha no mvmdo imia estrell
A quem tanto possa amar.

Os doces cantos d'amor,


Que d'esses lábios desprendes.
Oh manda-os, smi, ao Senhor
! !

São graças que tu lhe rendes.


52 JOAO DO RIO

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os FADOS 53

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teu. o _ HiarfaseLnante,

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54 JOÃO DO RIO

o meu coração naufraga


No grande mar do teu peito,
Ou desce ao fvmdo e se alaga.
Ou sobe e fica desfeito.

Se vejo esconder o teu rosto


Nas nuvens d'esse cabello,
Sinto em minh'alma o desgosto
De não mais tomar a vêl-o.

Os teus segredos d' amor


Fazem lembrar céus d'anil
Com rosas de varia côr.
Colhidas no mez d'abril.

O teu sonhai é loucura,


O meu cantar é tristeza;
Tu sonhas na formozura,
Eu choro a tua frieza.

Levae, oh ventos da sorte.


Os meus cantos doloridos :

E venha, depois, a morte


Suffocar os meus gemidos.

Se eu podesse ser ladrão.


Sem que tu, amor, soubesses.
Roubava-te o coração,
Embora tu não quizesses.
os FADOS 0Í>

O MARINHEIRO
^' ^

Para adormecer no rio


Junto aos pés d'uma cidade
Não foi feito o meu navio
Que zomba da tempestade
Leva as ancoras desferra ! !

Larga ! deixa a terra


larga ! !

Iça longos sem parar !

Fora sobros e cutellos !

Uma talha aos andrebellos !

A ancora toda a beijar !

Larga essas vellas de proa,


Gavia grande e todo o panno
ISIeu navio é uma coroa
Na fronte do Oceano !

Eu sou rei, e aqui domino;


A estrella do meu destino
Só no mar brilha feliz.
Quando sopra o vento forte,
Segmndo sempre o meu norte.
Que m'importa o meu paiz? !
!

56 JOA.0 DO RIO

Onde nasci não o digo,


Porque não o sei ao certo;
Quando busquei vun amigo
Achei o mundo deserto.
Só tive contentamento
Quando ouvi a voz do vento
Nas gavias a sibillar :

Quando, sem medo do p'rigo.


Tendo as nuvens por abrigo.
Achei consolo em chorar.

E chorei, ouvindo as pragas


De meus rudes companheiros :

Mas tomei amor ás vagas


Na fúria dos aguaceiros.
Se á rouca voz da tormenta
Vinlia a onda turbulenta
Quebrar dentro do convéz,
Eu pasmava, contemplava,
E a vista me fascinava
O abysmo que tinha aos pés.

Cada vez que o mar bramia.


Solto o cabello na fronte,
Os meus braços estendia
P'ra a curva do horisonte
Sempre de pé na coberta.
Vendo a aboboda deserta,
Adivinhava o tufão !

D'olhos no tope dos mastros


Aprendi a ler nos astros
A vinda do furacão.
Assim fui homem primeiro
Que d'homem tivera a idade :

A escola do marinheiro
Tem por mestre a tempestade.
Oh do leme, encontro arriba ! !
! ! !

os FADOS 57
Folga a bujarrona e giba !

Olha as bolinas de ré?


Caça gavias e traquete,
Ala o velacho e o joanete,
Vá de largo, bate o pé !

Temos vento les-nordeste


Já vae o cabo dobrado
Faz proa de sudoeste !

Aguenta o leme... cuidado !...


Passa a talha na retranca !

Olha a escota... volta franca !

Arria mais devagar !...


Volta volta sete e meia...
! !

O vento não escasseia...


Corre assim que é bom andar.

Meu paiz são estes mares;


Meus campos estes banzeiros;
Este navio os meus lares;
Minha familia os pampeiros.
Diz-me a voz do cataclysmo.
Que dormirei n'este abysmo
Nos echos do temporal.
Envolvido n'estas velas
Como o anjo das procellas,
Ou como o génio do mal.

Se os outros não acham furo


A' vida que em terra tem :

No temporal o mais duro,


Dentro de ti estou bem.
Sopra o vento, ronca a morte,
Nada temo á minha sorte
Nem te vou desamparar
Embora cresça o perigo,
Não importa Irás connnigo
!

Dormir no fundo do mar.


58 JOÃO DO RIO

o FOLGADINHO

^ *.?

A' entrada d'esta rua


Dei um ai que nvmca dera;
Vae tudo certo, Folgadinho, certo, certo?
Vae tudo certo, Folgadinho, certo, não.'

Recolheram-se as estrelías,
Sahiu o sol á janella;
Vae tudo certo, Folgadinho, certo, certo T
Vae tudo certo. Folgadinho, certo, não.

A' entrada d'esta rua


Kstá aqui mesmo a entrada.
Uma pereirinha nova
Que ainda não foi abanada.

Quem vae pela tua rua


E te vê, meu amor,
não
E' como quem vae ao ceu
E não vê Nosso Senhor.
os lADOs 59

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Andantino.

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Esta ETiae benLes.

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_ cu_ra, nãove-jo na_dapop el_Ja, vaetu.

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_ do certo^olg-adinlioíeerto não, Bempu.

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60 JOÃO DO RIO

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_de_ras meu a_ mop,
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por ean deLas á ja_

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CORO

_.iiel_ la Vaetudo eerto,Folga dinIio,eerto

^ uU' Iu-Uj'

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J—— »«a=aP \J^

Se passares pela rua


Escarra e cospe no chão;
Que estou cosendo á candeia
Não sei se passas ou não.

Alegria não a tenho,


Tristeza conunigo nióra;
Em chegando á tua rua
Logo a tristeza vae fora.
os FADOS 61

FADO DA FIGUEIRA DA FOZ


«4/ «V

Eu tive, quando nasci,


Agoiro de má ventura;
Choveu muito, o ceu cobriu-se,
Poz-se a terra mmto escura.

Uma pomba côr da noite


Por cima da nossa casa,
N'aquelle dia tão negro.
Três vezes bateu a aza.

Ouviu-se piar um mocho


No alto do campanário...
Negro signal de quem tinha
De cumprir o seu fadário.

Entrou pela porta dentro


Uma coruja assustada...
Mal peccado que eu morresse
Antes de ser desgraçada I
62 JOÃO DO RIO

Moderato.

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64 JOÃO DO RIO

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Quando eu era pequenina,
Coisas que diziam bruxas
Da minha sorte maHgna.

Vê tu lá ! jvmctos nascemos,
Brincamos da mesma edade.
Tu morreste e eu fico ainda
Para chorar de saudade !

Por ti choro e não me canço,


Nunca me esqueço de cançar;
Bemdito seja o Senhor
Que poz na terra o chorar !

Se eu tive, quando nasci,


Agoiro de má ventura !

Choveu tanto o ceu cobriu-se,


!

Poz-se a terra muito escura.

E e.ssa chuva das estrellas.

Essas lagrhnas do ceu —


Quiz o meu triste destino
Que depois as chorasse eu
os FADOS 65

ADEUS MINHA TERRA


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66 JOÃO DO RIO

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Adeus, minha ten-a, adeus;


Adeus, meu pae, minha mãe,
Que eu vou para a terra alheia,
Peça a Deus que me dê bem.

Não quero nada do adro


vSenão uma sepultura
Para enterrar os meus olhos
Fechados para a ventura.

Oh ! alto pinheiro verde.


Aonde foste nascer?
Aonde não ha saudade
Também não ha bem querei»
os FAiJO-; 67
Não sou pedra valadia.
Nem parede mal assente;
Aonde puzer meus olhos
Hei-de pol-os para sempre.

Fugiu-me a minha pombinha,


Já não tenho portador,
Já não tenho quem me leve
Uma carta ao meu amor.

Não que sinto no peito.


sei
Não magua, se é dor;
sei se é
A não ser o que presimio,
Não sei o que seja amor.
68 JOÃO DO RIO

FADO CARMONA
^ ^f

Maria, minha Maria,


Meu pocarinho de tenda;
Pois se alguém te procurar
Diz-lhe que estás d'enconimenda.

m Andante.

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os FADOS 69

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te.nlio, to dos tem o seu a mor.

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A rosa para ser rosa
Deve ser de Alexandria,
A dama para ser dama
Deve chamar-se Maria.
7U j )Ã() ])0 uió

E' dos nomes que mais gost(


E' do nome de Maria;
Quem te poz tão lindo nomt
O meu segredo sabia.

Maria tem pé de neve.


Pé de neve tem Maria;
Quando o pé era de neve,
'
O corpo do que seiia?

Por teu respeito, Maria,


Perdi toda a liberdade,
Acho-me preso em teus braços
Por minha livre vontade.

Esta noite, á meia noite,


A' meia noite seria.
Ouvi os anjos cantar
No coração de Maiia.
,

os FADOS 71

FADO VlSCONTl
vV «4*

Hespanhol p'ra a malaganh'


Portuguez p'ro lindo fado;
Não ha, nem pode haver
Canto a estes comparado.

Torradinhas com manteiga.


Por cima café limão ;|
Toda a facada tem cura
Não chegando ao coração.

Puz os pés na sepultmra


De quem na vida amei tanto,
Uma voz ouvi dizer :
Não me pizes, oh tyranno.

Allegretto

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Bespa_nholp'ra.a maJa-g-uenha, poE_tu-
72 JOÃO DO RIO

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es _ tes com_ pa. ra _ ào', não

\
os FADOS 73

A minha prima Aurora


Escreveu para Paris
Que lhe mandassem dizer
Quem era o pae do Petiz.

Se eu soubesse que voando


Alcançava o teu amor,
Ia pedir á sopeira
As azas do assador.

Eu mandei fazer á China


Um boneco de marfim,
E que a gente lhe puxando (i)
Diz com a cabeça que sim.

(i) Por uma fita verde que tem presa ao calcanhar do


pé esquerdo.
74 JOÃO DO RIO

CANÇÃO DAS MORENAS


^ ^

Se tundia, moraia, desses


Ao tun olhar sereno.
sol
Ninguém sabe qual dos dois
Ficaria mais moreno.

Quem o amor d'uma morena


Passa a vida sem provar,
Vae-se embora d'este mundo
Sem saber o que é amar.

Ninguém ha que não conheça


Das morenas a virtude;
Aos saudáveis adoecem;
Aos doentes dão saúde.

Teem as morenas nos olhos


Um certo fogo homicida,
Que, por cada olhar que dão,
Um anno tiram de vida.
!

os FADOS 75

Quem mulher morena quer


Tem de passar por cuidados;
Não se apanha imia morena
Com os braços encruzados.

Bemdito seja o sacrário,


E bemdito o altar e a cruz
Bemditas sejam as mães
Oue dão morenas á luz !
76 JOÃO DO llIO

FADO LEANDRO
^' *¥

Quem quer ver uni infeliz


Que no triste mundo nasceu?
Para penas está vivo,
Para venturas morreu.

Quem quer ver tun infeliz


Que nasceu ao pé da faia?
Não ha desgraça no mundo
Que n'este infeliz não caia.

Quando eu nasci chorava,


Chorava de ter nascido,
Parece que adivinhava
Que o mundo estava perdido.

Tenho mandado fazer,


Que não posso fazer tudo.
Um cofre de paciência
Para viver n'este mvmdo.
os FADOS 77

O cantar é dom dos anjos,


O dançar dos variados,
A alegria dos solteiros,
A tristeza dos casados.

Pui-me confessar ao Carmo,


Confessei que andava amando;
Deram-me de penitencia
Que fosse continuando.

Se não queres ver o rosto


Do infeliz que te adora.
Ingrata, quando eu passar
Fecha a porta, vae-te embora.

Se fossem pedras as lagrimas


Que eu por ti tenho chorado.
Já eu tinha a casa cheia
De pedras 'té ao telhado.

Linda flor é a perpetua.


Colhida de madrugada.
Sempre parece solteira
A mulher que é bem casada.
78 JOÃO DO RIO

FADO DE TANCOS
^ «^

Vejo mar e vejo terra,


Vejo espadas a luzir;
Tenho o meu amor na guerra,
Não lhe posso acudir.

Não ha dôr que tanto custe.


Como a dôr do coração;
Todos os males teem cura.
Só este mal é que não.

Um gallo sósinho rege


Dez gaUinhas como quer;
E um homem
custa tanto a
Governar mna mulher !

As nuvens no ceu se tingem


N'um arco de sete cores.
São sete as dores de Maria,
São setenta as minhas dores.
os FADOS 79

:Eu sou como o verde tojo.


Que se veste de amarello;
Eu bem sei que te faz mal
O muito bem que te quero.

Ao passar na tua rua


Perdi uxa lenço encarnado.
N'mna ponta tinha a lua,
E) no centro o sol dourado.

Eu sou como o trigo em maio


Ceifado no S. João;
E)m qualquer engano caio
Feito pela tua mão.

Quem do meu peito sahiu


Grande delicto causou,
Não venha cá com piedade,
Quem sahiu não mais entrou.

Rio que vaes para baixo.


Passas por tun bem que adoro;
Se te faltarem as aguas,
I^va as lagrimas que eu choro.
80 JOÀO DO RIO

FADO DO CELTA
•V <^

— Oh minha mãe, tenho medo


De fazer-lhe a confissão,
De lhe contar uxn segredo,
Que trago no coração.

— Pois é justo esse receio


De contar segredo teu
A quem te embalou no seio,
A quem a vida te deu?

— Se eu lh'o revelar agora.


Se omeu segredo disser.
Minha mãe decerto chora...
Quer, pois, que o confesse? quer?

— Advinho-o... foges da casa


Que foi feita por teu pae...
Paciência, meu filho... Casa.
Espera que eu morra e sae.
os FADOS 81

Que te custa? eu vou-me embora;


Não tens muito que esperar.
— Valha-me Nossa Senhora !

Não posso vel-a chorar.

— E)u irei lavrar as leiras,


Irei avinha podar.
Estenderei pelas eiras
O trigo para o malhar.

Casa, filho. — A minha ideia


B' outra, querida mãe :

B'... deixar a nossa aldeia


B ir pelos mundos além.

Desde que vi tantos povos


lyáda serra do Marão,
D 'uma fraga onde põem ovos
As águias pelo verão.

Desejo correr cidades,


Não me sinto bem aqui,
Parece-me ter saudades
De terra em que já vivi.

Quando o sol ás tardes vejo


Ir paraonde fica o mar,
Oh minha mãe, que desejo.
Que vontade de embarcar 1

— Que te falta aqui, meu filho?


Não tens a jtmta dos bois?
Campos de trigo e de milho,
A vinha? que falta, pois?
82 JOÃO DO RIO

Temes, por ventiira, a fome?


— Tem razão. Fico; porém...
Esta terra não me come.
Se morrer depois da mãe.

— Ai ! filho, estás enganado.


Infeliz do passarinho,
(Bem diz o velho dieta do)
Que nasceu n'vmi pobre ninho ]
os FADOS 83

FADO LAZARISTA
«^ ^

Torradinhas com manteiga,


Torradinhas em Belém !

Não queremos ter caridade


De França, três ao vintém.

Muita velha delambida.


Pelos muitos annos seus,
O que dar não pôde aos homens
Vai-o agora dar a Deus.

Tem contas no toucador.


Traz comsigo o breviário,
Vae buscar aUivio ás penas
No sancto confessionário.

Que para velha garrida,


Para quem se acabou tudo,
Não ha consolo na vida
Como um frade rochunchudo.
84 JOÃO DO RIO

Torradas e mais torradas,


Por cima café, limão :

Venha para cá o diabo.


Mas lá frades, isso não.

Torradas e mais torradas.


Por cima café, limão :
Se não sahem os taes frades
Teremos grande fmicção...
os FADOS 85

FADO CAMPESTRE
^ ^

Aqui, n'este canto, canto.


Aqui, n'este recantinho.
Aqui mora minha sogra,
A mãe do meu amorzinho.

Toda a vida fui pastor,


Toda a vida guardei gado;
Tenho mna chaga no peito
De me enconstar ao cajado.

Os meus cordeiros, nos montes.


Não comem, ficam pasmados,
Até os brutos lamentam
Os meus dias desgraçados.

Tenho meu peito ralado.


A' força de padecer;
Esta pena é imi segredo
Que ninguém ha de saber.
'
86 JOÃO DO RIO

Tenho dentro do meu peito


Duas pennas a bulir;
Uma diz que quer amores.
Outra d'elles quer fugir.

Rosa que estás na roseira,


Deixa-te estar fechadinha.
Que eu vou para muito longe.
Quando voltar serás minha.
!

os FADOS 87

FADO DOS DESEJOS


VULGO ROLDÃO

^ *i^

Se eu podésse, em noite escvira.


Por ti ser agasalhado.
No açafate da costura
Dormia, mesmio enroscado

Oh, formosa entre as formosa?.


Dona da minha ventura !

Beijar-te as faces mimosas


Se eu podésse em noite escura !

Ivévo a vida á tua porta


A olhar-te o rosto adorado...
N'este mundo só me importa
Por ti ser agasalhado !

Em paga do meu carinho,


Deixa que eu vá, oh ternura !

Esconder-me, como em ninho,


No açafate da costura...
!

JOÃO DO RIO

Embora elle fosse estreito.


Como estivesse a teu lado,
Sempre se lhe dava ura geito.
Dormia mesmo enroscado
os FADOS 89

FADO MONTESTORIL
*^/^/

Guitarra, minha guitarra,


Vamos correr esse mundo,
Será, vendo-te a meu lado.
Meu pezar menos profundo.

Quando eu gemer tu suspira;


Sorrirás quando eu sorrir;
Havemos assim, guitarra,
Prazer e dôr compartir.

Quando a saudade d'amante


Vier meus olhos tvírvax,
Tu cantarás e cantando
Minha dôr has-de acalmar.

Entre as folhas orvalhadas


Dormem as rosas e os lyrios,
Não dorme quem tem amores.
Porque amores são martyrios.
90 JOÃO DO RIO

Guitarra, minha guitarra,


Bstás aqui ao pé de mim.
Trina tu, cantarei eu.
Té que chegue o nosso fim.
os FADOS .91

FADO APULIENSE
^ ^

O' mar d' Apúlia distante,


O teu amor não é novo :

Que o mar também tem amante.


Lá diz a trova do povo.

Não tens pudor, já não coras,


O teu amor é velhinho;
Ha mil annos que namoras
A lua branca do Minho.

O' mar d'Apvilia, o teu seio


E' iman que attráe a lua.
Quando á noite, sem receio.
Em ti dorme, semi-nua.

Teu dorso verde, á gandaia,


Sulcam gaivotas expertas,
Parece tmi jardim, da praia,
Com brancas rosas abertas.
92 JOÃO DO RIO

A's vezes cantas a dôr


Com tua voz soluçante;
Mas não me illudas, traidor
O' mar d' Apúlia distante...
os FADOS 93

FADO BOHEMIO
^ ^^

Guitarra, minha guitarra


Vamos correr esse mimdo.
Será vendo-te a meu lado
Meu pezar menos profundo.

Quando eu gerner tu suspiras,


Sorrirás quando eu sorrir.

Havemos assim guitarra


Prazer e dôr compartir.

Quando a saudade da amante


Viermeus olhos turvar.
Tu cantarás e cantando
Minha dôr has-de acalmar.

Entre as folhas orvalhadas


Dormem as rosas e os Ijnios,
Não dorme quem tem amores
Porque amores são martyrios.
94 JOÃO DO RIO

FADO PRIMAVERA
</' ^

* De tarde virei da selva, )

(í Sobre a relva, > Bis


« Os meus suspiro?, te dar; )

» K, de noite, na corrente, ]
Mansamente,
o
[ Bis
« Mansamente te embalar ! » — ]

E a rosa dizia á brisa ;


|
« Não precisa > Bis
« Meu seio dos beijos teus; )

« Não te adoro... és inconstante...


]
Outro amante,
« \ Bis
« Outro amante aos sonhos meus I 1

« Tu passas de noite e dia,


]
« Sem poesia, |
Bis
a A repetir-rae os teus ais; j
« Não te adoro... quero o Norte,
)
« Que é mais forte, '
Bis
Que é mais forte e eu amo mais ! » — )
os FADOS 95

No outro dia, a pobre rosa, )

Tão vaidosa, > Bis


No hastíl se debruçou... )
Pobre d'ella !
— Teve a morte, ]
Porque o Norte... [
Bis
Porque o Norte a desfolhou ! \
; !

96 JOÃO DO RIO

FADO DAS TRÊS HORAS


«^ tíf

Pela calada da noite,


Bis
Emquanto não surge a aurora,

Qu'esta minh'alnia se affoite,


Bis
Suspira, guitarra, chora

Voga, barco, mansamente.


Bis
Pelas aguas prateadas,

I^va este canto dolente,


Bis
Aos peitos das namoradas !

Cada nota tão sentida )

Que a minha guitarra envia. )

B' tmia canção dolorida,


Bis
D'amor e melancolia.

E estas canções eu trago-as


Bis
Prezas nas azas da briza,

Para espalhar sobre as aguas,


Bis
Bmquanto o barco desliza!...
os FADOS 97

FADO SERENATA (OLINDA)


•4' ^

Musa dá-me inspirações


Para o meu fado cantar.
Que enterneçam corações,
K que os façam palpitar.

Cordas da minha guitarra,


Soltae uns tristes gemidos,
Lembranças da mocidade
D 'esses tempos tão queridos !

As minhas tristes canções.


Repassadas de amargura,
São saudades desfolhadas
Pelas noutes sem ventura !

Teus olhos de côr tão negra.


Brilhantes, meigos e lindos.
Desejos accendem n'alma
De beijos loucos, infindos !
!

98 JOÃO DO RIO

FADO DESPEDIDA
«4/ »v

Oh, gentis damas do Porto ) .

Olhitos de violeta, )

Hei-de levar- vos comigo ) _ .

Envoltas na capa preta. )

De Coimbra para o Porto ) _.


Aprendi a cirurgião )

Para sangrar a menina ) „ .

Na veia do coração. )
!! !

os FADOS 99

FADINHO DOS CIÚMES


«^ «^

Que essa memoria não perca


A ideia dos meus queixumes !

De tudo quanto te cerca


Meu bem, eu tenho ciúmes

Tenho ciúmes da brisa


Que acaricia o meu bem !

E até do solo que pisa


Tenho citunes também.

Tenho ciimies das flores


Que adornam o seu jardim
Ciúmes, que são amores...
Amores, que não tem fim !

Tenho cimnes da agua


Em que o seu corpo se banha
— Assim lavara eu a magua
De desventtura tamanha !
100 JOÃO DO UIO

Tenho citmies das roupas


Eím que se envolve dormindo !

Ciúmes das horas, poucas,


Em que a não vejo, sorrindo.

Tenho ciúmes do linho


D 'essacamisa bordada,
Que eu abro p'ra de, mansinho,
Beijar»lhe o colo de fada !

Tantos ciúmes, querida,


São a minha triste sorte !

Tenho ciúmes da Vida !

Tenho cimnes da Morte !

Pois quando a ideia me aterra


De que essa vida não dura...
Tenho ciúmes da terra
Que te ha-de ser sepultura I
;

os FADOS 101

FADO CANÇÃO DA ROSA


•4' ^^

Rosa que estás na roseira,


Deixa-te estar fechadinha
Eu vou para muito longe.
Quando voltar, serás minha.

CORO

Rosa branca, toma côr.


Não sejas tão desmaiada.
Que dizem as outras rosas :

Rosa branca, não és nada !

Se quizeres, rosa, ser rosa,


Fugi do cravo, fugi;
No tempo em que eu era rosa.
Por uxa cravo me perdi.

CORO

Rosa branca, toma côr, etc.

6.
102 JOÃO DO RIO

o cravo tem vinte folhas,


A rosa tem vinte e mna;
Mas o cravo anda era demanda
Por a rosa ter mais uma.

CORO

Rosa branca, toma côr, etc.

Semeei no men quintal


O brio das tecedeiras;
Nasceu-me luna rosa branca
Cercada de lançadeiras.

CORO

Rosa branca, toma côr, etc.

A giesta faz-se branca


Em dar a flor amarella;
Mais branca se faz a rosa
Quando o cravo chega a ella.

CORO

Rosa branca, toma côr, etc.


os FADOS 103

FADO CHORADINHO
Hi' <^

Fm encontrar a desgraça
Onde os mais acham prazer;
Amor que dá vida a tantos.
Só a mim me faz morrer.

Oh Cidra, consid'ra oh cidra,


Oh Cidra, consid'ra bem :

Depois da cidra partida,


Cidra, que remédio tem?...

Eu fui a mais desgraçada


Das filhas de minha mãe.
Todas tem a quem se cheguem,
Só eu não tenho ninguém.

Não sei que quer a desgraça,


Que atraz de mim corre tanto?
Hei de parar e mostrar-lhe
Qvie de vel-a não me espanto.
104 JOÃO DO RIO

Eu quero bem á desgraça.


Que sempre me acompanhou,
Não posso amar a ventura
Que bem cedo me deixou.

Quem tiver filhas no mundo


Não faUe das malfadadas;
Porque as filhas da desgraça
Também nasceram honradas.

Das filhas da desventura


Devemos ter compaixão,
São mulheres como as mais,
Filhas de Eva e de Adão.

Debaixo do frio chão


Onde o sol não tem entrada
Abre-se uma sepultmra
Finda o fado á desgraçada.

E Deus, que tudo perdoa,


E a Virgem Nossa Senhora
Hão de ouvir a alma que implora
Salvação á peccadora.
os FADOS lOÕ

FADO DO SOFFRIMENTO
^ ^

Eu ando sempre a scismar,


Sem nunca comprehender,
Se o teu destino é chorar
E) o meu destino é soffrer !

N'vuna palma, oh feiticeira.


Fechei o teu coração :

Não pahna da pahneira,


é a
E' a pahna da minha mão...

Enfeitiças te-me, oh fada.


Nem como é que foi isso
sei !

Tu bruxa disfarçada
és
Que me deitou o feitiço...

O meu canto gemebimdo


E' doce como um gorgeio;
no fundo
Irá callar-se
^as quebradas do teu seio...
106 JOÃO DO RIO

o meu amor, já desfeito,


Encerrei-o n'uin caixão :

O caixão é o teu peito.


Tem por tampa o coração...

Os prantos que tu verteste,


Uma tarde, á beira-mar,
São per'las de luz celeste
Que andam nas ondas do mar,

Golconda tem diamantes.


Pérolas tem-nas Ceylão :

Também os peitos d'amantes


Têm thesoiros de paixão...

Amor como o nosso é.


Não houve nem haveria.
Senão o de S. José
Mais o da Virgem Maria.

Longe de ti, cheio de magua.


Sempre a desejar-te em vão,
E' ter sede e não ver agua,
E' ter fome e não ter pão !...

Antes fossemos p'r'a cova,


Alegres, de braço dado,
P'ra cantar a missa-nova
N'um celestial noivado !..,
! !

os FADOS 107

FADO DE CASCAES
»^ «1^

N'uni celestial tioivado !...


Mares que vindes á praia,
Beijar a areia e morrer.
Podeis de manso gemer, -
Mas de mansinho, cauteUa...
Trovadores namorados.
As vossas lyxas calae,
Bmquanto se evola e vae
Na ária d'amor a alma d'ella.

Harpas ethereas, silencio


Na lyra d'um cherubim
EUa suspira por mim,
O que eu por eUa suspiro !

Aves da noite escondidas,


Na folhagem do rosal.
Vinde ouvir vossa rival
Emquanto eu gemo e deliro

Venha a natureza em extasis


Ouvir o harpejo subtil
108 JOÃO DO RIO

D'aquella voz infantil,


Mysterio d'anior que adora,
Silencio, que a virgem sonha,
Sonhos d' amor ao luar !

Deixae, deixae-a cantar


Emquanto o mimdo a não chora !
os FADOS 109

FADO SERENATA
^ ^

Foge, lua envergonhada,


Retira-te lá do ceu;
Que o olhar da minha amada
Tem mais brilho do que o teu.

Tem o brilho das estrellas,


O fulgor dos arreboes;
Quem me dera com dois beijos
Apagar tão hndos soes.

Não ha saphiras mais beUas


Na grande concha dos céus;
Pois se Deus quiz ter estrellas,
Roubou-as dos olhos teus.

Ave Marias são beijos,


Padre-Nossos são abraços;
Rosário dos meus desejos,
A cruz é abrires-me os braços.
110 JOÃO DO KIO

Eu queria ser como a hera


Pela parede a subir.
Para chegar á jauella
Do teu quarto de dormir.

Tuas mãos são branca neve,


Teus dedos são lindas flores;
Teus braços cadeias d'ouro,
Laços de prender amores.

Anda o luar prateando


Os ribeiros palradores;
O ar é quente, a seara
E' como vun ninho d amores.

Olhos verdes côr d'esp'rança.


Inconstantes, côr do mar;
Quem tem amor é creança.
Sou creança por te amar.

Um canto ao vento fluctua,


Começa a avirora a cantar :

Oh noite, vae-te deitar,


Rasga o pandeiro da lua.
os FADOS 111

FADO DE COIMBRA
^ <4^

Coimbra, nobre cidade.


Onde se formam doutores,
Aqui também se formaram
Os meus primeiros amores.

Oh Coimbra, oh Coimbra,
Que fazes aos estudantes?
Vem de casa tms santinhos.
Vão de cá feitos tratantes.

A capa do estudante
B' como um jardim de flores.
Toda feita de remendos,
Cada ura de varias cores.

Oh minha mãe não me mande


A Coimbra vender pão.
Que lá vêm os estudantes t

Padeirinha de feição.
112 JOÃO DO RIO

Adeiis ponte de Coimbra,


Aguas claras do Mondego,
Diga-me, minha menina.
Se quem ama tem socego?

Nunca eu fora a Coimbra,


Nem passara por Sansão,
Nimca vira esses teus olhos.
Que tanta pena me dão.

Não me falles em Coimbra,


Que são penas que me daes.
Tenho \á os meus amores,
Não quero m'os lembres mais.

Oh ! ribeira de Cozelhas,
Quando eu te passeava,
Tinha olhos e não via
A cegueira em que andava.

Egreja de Santa Cruz,


Feita de pedra morena.
Dentro de ti ouvem missa
Dois olhos que me dão pena.

Quem me dera agora estar


Onde tenho o pensamento,
D 'esta terra para fora,
De^Coimbra para dentro.

Coimbra nobre cidade,


Bem te podem chamar corte.
Que tens a Rainha-Santa
Da banda de além da ponte.
os FADOS 113

Bstudantes de Coimbra
Têm dois peccados mortaes.
Não fazem^ caso dos livros
E gastam dinheiro aos pães.

Se houver de tomar amores


Ha de ser com iim estudante;
Ainda que não teuha dinheiro.
Tem o passear galante.
114 JOÃO DO RIO

FADO JOÃO DE DEUS


«4' ^

Quando vejo a minha amada


Parece que o sol nasceu;
Cantae, cantae alvorada
Oh avesinhas do ceu.
!

N'essas aguas do Mondego


Se pôde a gente mirar,
Elias procuram socego...
E vão caminho do mar.

A rosa que tu me deste


Peguei -lhe, mudou de côr;
Tornou-se de azul celeste
Como o ceu do nosso amor.

Não me f alies da janella

Que não ouço da rua;


te
Falla-me de algmna estrella,
Que te vou ouvir da lua.
os FADOS 115
Dizes que a lettra não deve
Ser nunca tão miudinha;
Mas grada ou miúda escreve,
Que o coração advinha.

Não digas que me não amas


A ver se tenho ciúme;
Os laços do amor são chammas
B não se brinca com Ivune.

A virgem dos meus amores


Sobresae entre as mais bellas :

E' como a rosa entre as flores,


B' como o sol entre as estrellas.

Eu zombo do sol e chuva.


Noite e dia, terra e mar;
Ais de tuna pobre viuva.
Se os oiço, dá-me em chorar.

A sombra da nuvem passa


Depressa pela seara;
Mas a nuvem da desgraça
Já de mim se não separa.

Eu bem sei qual é a tinta


Que dás ás faces mimosas;
E' o carmim com que pinta
Deus Nosso Senhor as rosas.

Quando eu era pequenino


Que chorava a bom chorar,
A mãe beijava o menino.
No beijo se ia o pezar.
116 •
JOÃO DO RIO

Nunca os beijos que te dei


Me venham ao pensamento.
Correi lagrimas, correi
Para o mar do soffrimento.

Faça Deus maior o mundo.


Terra e mar e ceu maior,
Que nada faz tão profimdo.
Tão vasto como este amor.

Se tua mãe te vigia


Faz tua mãe muito bem;
Com jóias de tal valia
Não ha fiar em ninguém.

Na alma já não me assoma


Aquella antiga visão;
A rosa perdeu o aroma,
A luz perdeu o clarão.
!

os FADOS m

FADO ROBLES
^ ^z

Na folha da hera, em verde,


O teu nome eu escre\'i :

Na mesma, secca, mirrada,


Tenho o teu nome inda aqui

A madre silva encantou-me,


A silva verde prendeu-me,
O coração dolorido
Da minha amada, venceu-me.

Da minha alma todo o affecto


Uma só bella gosou :

Nenhuma outra o gosára.


Nenhuma outra inda o roubou.

Quem nasceu p'ra a desventura,


Não devera ter amores;
De que valeu o amar-te
Se o meu amor é sem flore . ?
! !

118 JOÃO DO RIO

Conservo do meu passado


As mais siiigellas lembranças,
Feliz tempo o da infância
Bella edade a das creanças

Na minha alma vão tristezas,


Minha vida só tem ais,
Na minha campa hei de ter
Saudades dos bem leaes.

Oh sonhos da minha infância


!

Oh minha crença bemdita


! 1

Evolae-vos no espaço
Pela aboboda infinita !

Os rios levam das fontes


As aguas puras ao mar;
Augmentam o curso d'aquellas,
I/agrimas do meu chorar.

Como á louca mariposa


Seduz a chamma que a mata,
Teus cabellos me prenderam
N'iun elo que não desata.

As minhas cantigas tristes


Dispersa-as todas o vento;
Que o vento leve tristezas
Ivonge do teu pensamento !

Vi-te domingo na missa,


— Perfeito typo clu-istão !

Os olhos fitos no livro


Em profmida adoração
! ! !

os FADOS 119

Quando a hóstia sacrosanta


Se elevava até aos céus,
Os teus olhos pretos, pretos,
Cravaste, fitos, no Deus.

Eujcahi aos pés da cruz.


Na minha crença, a orar,
Que o teu amor conseguiu
Fazer-me christão, rezar

Oh Virgem das « Sete Dores » '.

«Mater » minha « Dolorosa ;

Cubri-me no manto azul


D'essa côr mysteriosa !

D'aqui p'ra tua janella


Coberta de trepadeira.
Adorei o teu perfil
Esta noite quasi inteira.

Tu Uas n'iun hvro aberto.


Em frente o Christo na cruz
Dos claros da trepadeira
Coava-se triste a luz !

Moças que tendes amores.


Oh almas castas oh bellas! !

Cantae as minhas cantigas


Ao luar e ás estrellas !

Manhãs d'amor e ventura.


Tardes d'encanto sem fim.
Oh dias dos meus amores
Acabados para mim
!

120 JOÃO DO RIO

Ventura do meu passado ?

Tristezas do meu presente


Negrura s do meu futvuro
Quem m'as varrera da mente !

Fiz de lyrios e violetas


E malmequeres do prado,
De goivos e mais saudades
A silvado teu noivado !

Tenho as flores resequidas,


Que me deu a tua mão,
E quero-as, quando eu morrer,
Pôr sobre o meu coração.
!

os FADOS 121

FADO DO GATO
•^ v^

Já não ha milho na ttilha,


Foram-se os ratos p'ra o monte;
N'esta casa tudo é bulha,
E eu sem comer desd.'honte'

O forno aão tem cosido;


Como me hei de sustentar?
Não vejo miUio moido,
Nem dinheiro p'ra o comprar.

A mim ninguém me dá nada.


Nem eu o tenho caçado;
Desde a semana passada
Só grillos tenho papado.

Vejo bastante trabalho,


Mas o que não vejo é pão;
Por isso me zango e ralho
Com muitisshna razão.
! !

122 JOÃO DO RIO

Olho d'iim e d'oiitro lado,


Não vejo nada que coma;
Vou queixar-nie do meu fado
Ao padre santo de Roma.

Não tenho moveis que venda;


Foi-se-me toda a gordura;
Ninguém me fia na tenda,

B a fome ninguém a atura.

Que triste foi meu entrudo !

Nem ás gatas sequer vou;


Já não mio, vivo mudo.
Que o bom tempo se acabou.

Vou p'ra cima do telhado


K nem me lembra o namoro.
D 'outros gatos rodeado
Carpimos todos em coro

B o que isso ás vezes nos rende


E' pedrada e mais pedrada.
Pois a choros não atteude
A immoral rapaziada.

D'esta casa pois me escamo.


Que estou farto de penar;
Vou em busca d'outro amo,
Que me possa sustentar.

Passe por cá muito bem


A mulher e mais o home';
Não quero que diga alguém :

— Morreu o gato com fome


os FADOS 123

O LISBONENSE

^f

Uma travessa brejeira,


D'estas (i'olhos d'encantar,
P'ra me fazer quizilar
Deu-me tmi beijo svirrateira;
Não da brincadeira
gostei
Por ser dado á falsa fé :

Quanto mais lindo não é


Saber que se vae provar
Num beijinho d'estaUar,
De morrer... alli ao pé!

Ver ims lábios nacarados


Como botão quasi a abrir,
uxn.

Vêl-os p'ra a gente a sorrir,


E' de ficarmos babados !

Eu, por mal dos meus peccados,


Não posso ter mão em mim;
Que ao ver uns lábios assim,
Nem irni santo resistia
A fazer irnia arrelia
Nos lábios d'imi seraphim !
124 JOÃO DO RIO

Um beijo dado no rosto.


Sendo bem repenicado,
Equivale a ouvir no fado
Uma cantiga de gosto :

Mas, se o beijo é dado ou posto


N'mna boquinha rosada;
Não ha assucar, não ha nada
Que tenlia tanta doçura;
Quem quizer gosar ventura
Beije mna bocca encarnada.

Ha beijos de varias sortes.


Como as boccas que os praticam;
Ha beijos que fortificam,
E ha beijos que causam mortes;
Ha beijos brandos e fortes,
Beijos que causam calor,
Outros que espalliam rubor
Nas faces de quem os dá;
Mas cá p'ra mim nada ha
Como são beijos... d' amor!
os FADOS 125

DÁ-ME UM SORRISO
^ ^

Diz-me oh bella, se me amas.


Escuta com attenção,
Dá-me mn riso de teus lábios.
Consola meu coração.

Se teu affecto é volúvel.


Porque me illudes em vão?
Pede a teu anjo tmi ptmhal
E) me crava o coração.

Ah como sou infeliz.


!

Amar e não ser amado !

Ser pelo anjo que adoro


Pouco a pouco desprezado !

Prudência, tu és a mãe
D'tun infeliz como eu;
já gosou horas felizes.
Meu coração já bateu.
126 JOÃO DO RIO

^ Andante.

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os FADOS 127

FADOS DO HYLARIO
»v ^

Nossa Senhora faz meia


Com linha feita de luz;
O novello é a lua cheia.
As meias são para Jesus.

O mar também tem amantes,


O mar também tem mulher
E' casado com a areia
Dá-lhe beijos quando quer.

A minha capa velhinha


Tem a côr da noite escura,
Nella quero amortaUiar-me
Quando fôr p'ra sepultura.

Ave Marias são beijos.


Padre Nossos são abraços.
Rosário dos meus desejos,
A cruz é abrir es-me os braços.
128 JOÃO \)0 uio

Tuas mãos são branca neve,


Teus dedos são lindas flores;
Teus braços cadêas de ouro,
Ivaços de prender amores.

Eu queria ser como a hera


Pela parede a subir,
Para chegar á janella
Do teu quarto de dormir.

Olhos verdes côr d'esp'rança.


Inconstantes, côr do mar.
Quem tem amor é creança.
Sou creança por te amar.

Ao lançar dos olhos meus


A rede dos meus desejos
No lago dos lábios teus,
Eu trago-a cheia de beijos.

N'esse teu lábio vermelho


Ha risos do sol de agosto :
A alvorada é um espelho
Onde se mira o teu rosto.

Um canto ao vento fluctua.


Começa a aurora a cantar :

O' vate, vai-te deitar.


Rasga o pandeiro da lua.

Anda o luar prateando


Os ribeiros palradores.
O ar é quente, a seara
E* como um ninho de amores.
os FADOS 12y
Foge, lua, envergonhada,
Retira-te lá do ceu;
Que o olhar da minha amada
Tem mais brilho do que o teu.

Tem o brilho das estrellas


E o fulgor dos arreboes.
Quem me dera com dois beijos
Apagar tão hndos soes !

Não ha saphiras mais bellas


Na grande concha dos céus.
Pois se Deus quiz ter estrellas,
Roubou-as dos olhos teus !

A' porta do Infinito,


A traços largos, profundos,
A mão de Deus tinha escripto :

« Os teus oUios são dois mundos

Os teus olhos são esciuros


Como a noite mais cerrada.
Apesar de tão escviros.
Sem elles não vejo nada.

Serve-te a madeixa negra


De moldura ao rosto franco,
Como se imia toutinegra
Pousasse n'uni lirio branco.
130 JOÃO DO RIO

FADO POSTHUMC
DO HYLARIO

Oh I luar, se tu pudesses.
Ao partir na extrema-uncção,
I/evar-me todas as maguas
Que eu tenho no coração !...

Sonham, tremendo, as olaias...


lyindas noites de luar !

B as almas das raparigas


Choram, riem, a sonhar...

Choram, riem... quantas anciãs.


Quantos amores em fvmio;
Quantas estrellas perdidas,
Quantas chimeras sem rmno I

Oh lua, tu que és um bálsamo,


!

Tu, que as penas arrefeces,


Se me levasses n'um raio,
Oh 1 lua, se tu podesses !
os FAI;OS 131

Branda cassa, —
da saudade
O mais doce coadoiro, —
Extranho globo de sonho,
Mixto da prata e do oiro.

Vê se me levas comtigo.
No teu meigo, aéreo manto !

Sinto a alma tão cançada,


E as penas pezam-me tanto !

Sinto a alma tão cançada I

Não sei que vozes me


dizem
Que talvez, lá nos teus mvmdcs,
As minlias penas suavisem.

Sonham, tremendo, as olaias...


I/indas noites de luar l

E as almas das raparigas


Choram, riem, a sonhar...

Lua, lua, que mysterio,


Que immensa consolação,
Não dá teu saudoso manto,
A's maguas do coração !

Essas malhas feiticeiras,


Que os teus dedos, lua, tecem,
Quantas penas não embalam,
Quantas maguas adormecem !

Lua dos tristes, fada errante.


Que extranho filtro derramas.
Que saudades tu me accordas.
Com que amor que tu me chamas I
132 JOÃO DO RIO

Passa um frémito nas veigas,


Passa ura frémito nos montes,
Soluçam rolas, voando.
Por sobre invisíveis pontes...

Sonham, tremendo, as olaias...


líindas noites de luar 1

E as almas das raparigas


Qioram, riem. a sonhar...

Abre, em sonhos, a minh'alma.


Toda em extasi perdida;
Desentranham-se mysterios,
A's horas mortas da vida.

Oh lua, tu que és lun bálsamo.


!

Tu, que as penas arrefeces.


Se me levasses n'vmi raio.
Oh lua, se tu podesses I
os FADOS 133

AO HYLARIO
^ ^

Allegretto.

Oh
I-
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Hy_la_rio,oli Hyi
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^
rio, teu

^-ál--^
ou laxrl
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nomeinedá pai xão; OIl Hy_Iario,oh HyJ

^^^^^^
S
_ la _
^
rio,
-hf^Q ^
teu nome me dá pai xão;
*=?
O

^^^afUAi' 'tf^
134 JOÃO DO RIO

•^^^'wTf f \iLÍJm
^^

Oh ! Hylario, oh ! Hylaiio,
Teu nome me dá paixão,
O teu fado faz vibrar
As cordas do coração.

Guitarra, minlia guitarra,


Solta gemidos e ais;
Que os dias passam voando
B os prazeres não voltam mais.

Guitarras andam-'^de lucto.


Que o Hylario já morreu.
Seu corpo guarda-o a campa.
Sua alma voou ao ceu.
os FADOS 135

Oh morte, tyranna morte.


!

Eu de ti tenho mil queixas;


Quem has de levar não levas,
Quem has de deixar não deixas.
136 JOÃO DO RIO

FADO DAS SALAS


^ y^

MOTE

Vê-me, ingrata, aqui morrer.


Na sepultura vae pôr
Uma lettra em cada canto,
A, M, O, R, amor.

CIwOSA

Espera, detem-te, ingrata,


Presenceia a minha morte.
Que n'este horrivel transporte
E' meu amor quem me mata.
Amor é quem desbarata
Minha existência, meu ser;
Tu que podeste accender
A já quasi extincta chamma.
Não desampares quem ama,
Vê-nie, ingrata, aqui morrer.
os FADOS 137

Quando os olhos se fecharem,


N'essesmomentos finaes,
B, quando sombras fataes
Em meit rosto revoarem;
Quando amigos me levarem,
Ao logar de pranto e dôr.
Tu, armada de valor,
Faze o que sempre roguei :

Um signal de que te amei


Na sepultura vae pôr.

Etnpunha agudo cinzel,


N'aquílle triste logar,
E quando a dôr te dictar,
Escreve com mão fiel;
Mas, se lembrança cruel
Te arrancar amargo pranto,
Não graves na pedra tanto,
Inscripções tão enfadonhas.
Basta, ingrata, que lhe ponhas
Uma lettra em cada canto.

Como ali jaz sepultado


Quem com ternura te amou.
Quem toda a vida penou;
Por merecer teu agrado.
Diga o letreiro gravado
Que ali jaz um amador :

Cause tristeza a quem fôr


Indagar a pedra dura,
E leia na sepultura
A, M, O, R, amor.
SEGUNDA PARTE
CANÇÕES E CANTIGAS
CANÇÕES E CANTIGAS 143

QUERES A FLOR ?

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Em má hora, anjo perdido.


Me pediste uma flor !...

Das que tenho, que são quatro.


Nenhuma falia d'amor.

.^ Andante
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144 JOÃO DO RIO

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CAXCOES E CANTIGAS 145

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A primeira é a saudade
Cujo espinho atravessou
O coração, que a regara
Com pranto, que ella secou.

A segmida é vun martyrio


Que me deram quando amei...
Foi-me caro !... é um thesouro
Que por lagrimas comprei

A terceira é dos sepulchros,


E' um goivo... não t'o dou !...

Fui colhel-o ao cemitério...


Entre mortos vegetou

A quarta... sim... dou-te a quarta,


E' vuna rosa... mas olha...
Se eu morrer, e tu sentires,
Na minha campa a desfolha...
146 JOÃO DO RIO

OH! QUERIDA, GOSTO DE Tl

^ ^

^ Andante.
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CANÇÕES E CANTIGAS 147

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Uma simples amisade


Muita vez sem se pensar,
Oh querida, eu gosto de
! ti.

Faz nascer a sympathia


Que em amor vem acabar.
Oh ! querida ! eu morro por ti.

Bu hei de dar a meus olhos.


Um rigoroso castigo;
Já que elles por bem não querem
Tirar de ti o sentido.

Não posso viver sem ti,


Nem tu, Imdo amor, sem mim;
Vem cá, minha rosa branca,
Vem cá para o meu jardim.
148 JOÃO DO RIO

Na desgraça de não ver-te


Não faz meu amor mudança;
Quanto mais longe da vista.
Mais te trago na lembrança.

Tendes olhos de matar;


A bocca, compadecida;
— P'ra que mataes com os olhos,
Se com a bocca daes a vida?

Oh ! olhos de amora preta,


Oh ! faces de rosa branca !

Houvera de me ter ido,


Mas o teu amor me encanta.
CANÇÕES E CANTIGAS 149

CAMINHOS DE FERRO
^ ^

Tira-te d'essa janella,


Minha folhinha d' alface,

Já d' aqui me estás parecendo


Raios do sol quando nasce.

07nieu coração, voando.


Dentro do teu foi cahir;
No meio partiu as azas.
De lá não pôde sahir.

Caminhos de ferro já correm


De lyisbôa a Santarém,
Lá dizem os dos caminhos
lyindos olhos tem meu bem.
150 JOÃO DO RIO

Andantino,

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O - Ihostem meu
CANÇÕES E CANTIGAS 151

TYROLANDO
^ ^

Esses cabellos na testa


Mettem-te infinita graça,
Parecem meadas d'oiro
Aonde o sol se embaraça.

Fix^deitar-me entre as nuvens,


Das estrellas fiz encosto;
Abracei-me a tuna d'ellas.
Cuidando que era o teu rosto.

Quem me dera ser o linho


Que na roca vos fiaes;
Quem vos dera tantos beijos

^
Como vós no linho daes.

Andantin
152 JOÃO DO RIO

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no teu pente -
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CANÇÕES E CANTIGAS 153
Tendes os cabellos lottros,

Em meadas ao comprido,
Parecem meadas d'ouro,
Ao martello rebatido.

Os meus olhos, de chorarem.


Já nenhuma graça têm;
Já os tenho reprehendido
Que não chorem por ninguém.

Estes primeiros amores,


Que no mvmdo toma a gente.
Não sei que doçura têm,
Que duram eternamente.

9.
154 JOÃO DO RIO

EU CA SEI

V^ \\f

Oh minha bella menina


!

Ku cá sei d'onde isso vem


Vem da fonte do Cupido,
Do chafariz do meu bem.

Bu cá sei a quem disseste


Que me não podias ver;
Já não se me dá cá d'isso,
Gostei bem de o saber.

Eu cá sei e tu não sabes,


Tu não sabes o que eu sei,
Eu já vi andar a morte
A's costas d'vun peixe-rei.
CANÇÕES E CANTIGAS 155

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bem

^m ^ de o sa ber.

^^^^
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CANÇÕES E CANTIGAS 157

EPHIGENINHA
*V '^V

A bocca da Ephigeninha
K' uma rosa fechada;
Hei de abril-a com um sopro
Depois d'aberta, beijal-a.

Os olhos da Ephigeninha
São bonitos, não se vendem...
São babas com que me atira J
E são laços que me prendem.::";

Se os meus olhos lhe agradam


A meu pae os vá pedir;
Se elle lhe disser que não]
Comsigo hei de fugir.

m ^ Moderato.

A boe
i-j—
da E - plii - g-e
158 JOÃO DO RIO

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u- lua ro-sa fe

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j.
y'a\U!
acomum so-pro
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depois

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heidea-èril-a comum
de a -Jbertabei-jal- a

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|/^'Jj^n
^^^s
so-pro depois de a-Lertahei-jal-a
=f==5
CANÇÕES E CANTIGAS 159

MORENA
•í' v^-'

Lá dentro d'aquelle tanque


Salta a cobra, nada o peixe;
Emquanto o mundo fôr mundo
Não receis que eu te deixe.
Se tu não foras morena, etc

Jimqueiro perto do matto


E' signal de fonte haver;
De todas já me esqueci,
Só de ti não pode ser,

Se tu não foras morena, etc.

Oh amor da minha ahna.


Quanto tenho te darei;
Darei te a luz de meus olhos,
Cego por ti ficarei.
Se tu não foras morena, etc.
. ^

160 JOÃO DO RIO

Andantino

l\'i \ ri t-^H-^
Se tu não fô_ cas mo
TVIas CO- mo tu és mo

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í^tjmre _
i
^ ^m
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na Se tu não foras mo_ re _ na te_ri.
re - naMaseo-mo tu és mo- re - na More-

'ifFf íifFfmi
Nas
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a-bra - cos
hj.-rn meus te -ri -
ni - niiaa-deus a - deus mo-re -

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a-hra-
nha a-deus a

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i
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meus
deus .

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CANÇÕES E CANTIGAS 161

MACHADINHA
^ <^

Eíu queria-te amar,


Tua mãe não quer :

Qu'inda não sou homem.


Tu não és mulher. •

Corta a machadinha,
Deixal-a cortar;
Casou-se o meu bem,
Deixal-o casar.

Deixal-o casar,
Vae de roda em roda,
Vae de braço dado
Que agora é moda.

Vae de ramo em ramo,


Vae de flor em flor,
Vae de braço dado
Mais o meu amor.
i62 JDÀO DO RIO

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Anda.nte

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Corta a ma e ha-

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* ^^diahadeixa -la cor - tar. casouseomeu

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bem. dei-xa lo ca - sar

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CANÇÕES E CANTIGAS 163

ROSA BRANCA
^ ^

Ao meu amor, evitadinho,


Já lhe dei o desengano;
Que me não chegasse á porta
Senão uma vez no anno.

Rosa branca vem commigo,


Deixa ficar a roseira,
Que esta noite chove agua,
Rosa molhada não cheira.

Rosa molhada não cheira,


Vae dizê-lo ao meu pae.
Que o meu pae é teu amigo,
I^ogo diz : Oh ! Rosa, vae.
164 JOÃO DO RIO

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Ro-sa hraueavemcom inigo,deL-xa
Ro-sa ma-lliada nSo elieira,Yae di -

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cara ro sei- ra(jue esta noite chove
Zfil - aaomeupae queomeupaee teu a-

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a-gua, Ro-sa molhada não
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cheira
jni-go, lo-go diz-.oh Ro-sa Yae

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CANrÕES E CANTIGAS IGo

PIRIQUITO

V »v

Encontrei um periqmto
Na calçada de SanfAnna;
Boa meia, boa calça,
Sapatos á castelhana.

Sapatinho de três solas


Com saltinho amarello;
\''ocê cuida que me engana.
Não me engana, só se eu quero.

Na calçada de SanfAnna,
Apesar de bem segura,
Quando o meu amor lá passa
Não ha pedra que não bula.
166 JOÃO DO RIO

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Quasi largo.
s ^uím * *
Eneontreiumperi- qui-to na cal -
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I ca- da de San- tAn - Jia, tAn -
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Allegretto

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a, bo - a cal - ça,sa - pa-

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^ S tos á eas - te - liia-na

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CANÇÕES E CANTIGAS 167

DESPEDIDA DAS AMIGAS


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Adeus amigas que deixei na terra,


Que n'ella encerra illusões d' amor.
Vou no claustro terminar meus dias.
Entre agonias, afflições e dôr.

Fui condenm.ada por amar somente,


Paixão ardente que não finda mais;
B esse fogo que dos céus derrama
Não pode a chaimua soífocar meus ais.

Aqui encerrada n'uma cella escura,


Prisão futura para mún vae ser;
Chorando semp. e minha triste sorte.
Esperando a morte para não soffrer.

Nimca pequei; o meu amor é puro,


Por Deus o juro e pela Virgem I\Iãe;
Só eUe finda n'unia campa fria
No mesmo dia em que eu findar também.
_
m JVIoderato..

^M A-deus a-
168 JOÃO DO RIO

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jni-g-as que dei xei

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CANÇÕES E CANTIGAS 169

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10
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170 JOÃO DO RIO

LUNDUM DA FIGUEIRA
-9r ^

A viola vae na rua,


Ai Jesus
Perto vae o tocador :

Menina venha á janella,


Ai Jesus !

Venha ver o seu amor.

Oh meninas da
! Figueira
Acendam ao Cabedello,
Deu um navio á costa
Com enfeites p'ra o cabeUo.

A' sombra da laranjeira


Está o meu bem a chorar,
Mais vai não prometter.
Que prometter e faltar.

Quem me dera, oh menina,


A' tua porta morar.
Mas ai, o mundo miumura,
K' preciso disfarçar.
, .

CANÇÕES E CANTIGAS 171

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Andante

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vi-o-lavaena rua. a

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YÍ-0-lavaena rua,ai Jesus,per-tovaeo to-ea-

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iiina.Yenlia á j anella,ai, Jesus ,V6 •
172 JOÃO no uio

Vem^cá tu, meu goivo roxo,


Creado na goi varia,
Quem quer bem chama por tu,
Amor não quer .senhoria.

Já te disse, meu amor.


Quem ama que aperta a mão.
Sempre foste e has de sei
Prenda do meu coração.
CANÇÕES E CANTIGAS 173

OS RABELLOS

^ ^'

Nós também fizemos boda


Como nim.ca ha de constar,
Se não fosse o desarranjo
Da panellica estoirar.

Tínhamos a ceia prompta,


Grita o moço da espadella :

— Senhor arraes, venha ver,


Cahiu a rata á panella !

Estava á proa da barquinha,


Corri logo assustado;
Não que hoje é dia de festa,
Era cação ensopado.

Senhor arraes ora veja,


O que agora aconteceu;
Cahiu a rata á panella,
'Té a barquinha estremeceu.

10.
i74 JOÃO DO RIO

Estava fogo no coqueiro,


Eu fugi então p'ra proa;
E se não fosse os Voluntários
Ardia a cesta da broa.

Os prejuisos que houveram


Vota arriba d'uni cruzado,
Entre panella e ceboUas
E o cação ensopado.
Andante.

^^ Nos
Nóa
VI
elie
-
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3t
jnos
g-a-mos
a- quican-
in-daa-

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tar, com vi-o-las e fer- rinhos. Mas
go-ra No barcoemquesou arraes, E a

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^m ^m ^^
nãonosdevemdi-zer.: apa- nel- latem ao
barquinlia ficou presa lá era hai-xojnosGuin
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CAXÇÕES E CANTIGAS 175

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genteiemlliedi-zi- a, vo -
da-«s.^

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cê fi-ou-se.nos ruais, go-ravendalJi'a

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eri.-a. é Lem fei-toá'©/' ar-

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Pois se não succede aquillo
Não vínhamos cá chorar,
Que o cação que a gente tinha
Dava muito que trincar.

Ai ! que era coisa tão rica,


Nenhmn de nós a provou,
Eu cá a tirar a rata
E a panellica estoirou.

Agora dê-nos da ceia


Ou dinlieiro p'ra fazer.
Que o sôr também está sujeito
Do mesmo lhe assuceder.
176 JOÃO DO RIO

DEIXA-ME FALLAR BAIXINHO


^ «í'

Outro dia fm á fonte


encher o meu cantarinho,
Ao passar alli no monte...
Deixa-me fallar baixinho.

Na fresca relva assentado


Estava o senhor morgadinho,
Ao passar o malcreado...
Deixa-me fallar baixinho.

S Si ^^
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Alleeretío
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^
Ou-tro di - a fui à

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fon-t( eu-eher

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CAXi ÕES E CANTIGA'^ 177

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P.ao.pas- sarai - no

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ri-nlio - li

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jnott-te.
^=^ dei -

S
xa
í
me fai -

nK iJJ í\

No ultimo. verso substituem se estes


compassos pelos seg-uiutes:
É í í
lar bai - xi - nho

^ JJf' lui
Para acabar
^
lar bai
í
xi - nho
N •? -y

''••^1-
lU ff •? •/

Deu-me um puchão pela saia,


Um pouco devagarinho;
Logo fez com que eu caia...
Deixa-me fallar baixinho.
178 JOÃO DO RIO

Eu por levantar-me faço,


Já toda n'um desalinho,
Mas apanhei vmi abraço...
Deixa-me fallar baixinho.

Atraz d'mn vieram dois;


Inda por cima mn beijinho,
Lá vae o carro e os bois...
Deixa-me fallar baixinho.

Quando me lembra a partida


Lá do senhor morgadinho.
Fico rubra, entvunecida,
Deixa-me fallar baixinho.
!

CANÇÕES E CANTIGAS 179

NEGRO MELRO
^ ^

o ladrão do negro melro


Toda a noite assobiou,
há por essa madrugada
Bateu as azas, voou.

O ladrão do negro melro


Onde foi fazer o ninho
lià p'ra os lados de Leiria,
No mais alto pinheirinho.

O ladrão do negro melro


Toda a noite requiquiu,
Ao chegar a madrugada
Bateu as azas, fugiu.

O ladrão do negro melro


Foi-me á quinta ás ameixas,
Toma cá, oh negro melro,
Anda buscar as que deixas.

..

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Anáantino

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o la-drão done-gro mel - rotodcLa

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180 JOÃO DO ItlO

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g-a- da,ba.- teu as azas, va- ou.

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O la- drão

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noi-teasso-ii- ou, "^ lápor es - saniadru-

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g-a-da ba-teu as azas, vo ou.

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CANÇÕES E CANTIGAS 181

METTE, METTE
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Andantino
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^ metter in-tru

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ji-ees, a ca-

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Por eau-s a das in-tru

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ji-ces,
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^stoude mal coo meu a - mor.
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1«2 JOÃO DO RIO

^ met te,met - te, met-te, o-ra


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mette eom cui-da-do, semet-teres deva - ga-

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ri-nh.0

2 ^JjA ^
voute livrar de


Foste metter intrujices
sol-

*
da- do.

A casa do regedor,
Por causa das intrujices
Estou de mal co'o meu amor.

Ora mette, mette, mette,


Ora mette com cuidado.
Se metteres devagarinho
Vou-te livrar de soldado.

Ora, mette, mette, mette.


Ora mette a tua peta.
Se a metteres bem mettida
Vaes escrever na gazeta
CANÇÕES E CANTIGAS 183

ESTOU PRESO
»^ ^

Atirei a penna ao ar,


Cahiu no chão, fez um I
Ande lá por onde andar
Nimca me esqueço de ti.

Estou preso aqui,


N'esta cadeia,
Por amor de ti.

Dentro do quarto que habito,


Andam as pennas voando.
Tantas são as que padeço
Que as disfarço cantando.

Atirei com a penna ao ar,


Atirei com a penna ao chão,
E)m má hora atirei
Que entrou no meu coração.
18i JOÃO no RIO

s•^- Allcffretto.

^ ^^^^ — U
a g a jg * (*
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Si. iiei apennaao ar, ca-hiu

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Sâ #
^^ m no chão fez um és-se,

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lá por ondeait

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auneao meu amor me es-queee...

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CANÇÕES E CANTIGAS 185

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nor de ti,
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por

^S

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mor de ti,
186 JOÃO DO RIO

VAE-TE EMBORA, ANTÓNIO!

Oh António! vae-te embora,


Por Deus não fiques aqui;
Que se meu pae por ahi vem,
Não sei que será de ti.

Ai, ai,

Vae-te embora António,


Vae-te embora António,
Vae-te embora, vae.

Andante vagaroso.

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Oh AÍi-toniovaeteembo-ra,

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por

^Deus não fiques a qui,

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CANÇÕES E CANTIGAS 187

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An-toniovaeteem-bo-ra,

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por Deusnãofiquesa-qui, Ail

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Ai!

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^
vaeteemi)oraAntonio,vaete

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boraAiitdiiio,vaeteei!i-l)ora,vae

^
^
Se o meu amor fora António
Mandava-o engarrafar,
Em garrafinha de vidro
Para o sol o não crestar.

António, cravo roxo.


Tu não vás ao meu pomar,
Que te querem dar mn tiro
Não te posso ver matar.
188 JOÃO DO mo
António me deu vim cravo,
Manuel umannel d'ouro;
Mais vale o cravo d'Antonio,
Que o annel d'aquelle doudo.

E's mna arca de vento,


Castello de phantasia;
Namoras dez ao serão.
Dás cavaco a cem por dia.

J
.

CANÇÕES E CANTIGAS 189

AS IRMÃS DA CARIDADE
^ v!/

As irmãs da caridade
Moram na Quinta Amarella.
Ai, oh ai,

Moram na Quinta Amarella;


Também cantam o malhão,
E dançam o mirondella.
Ai, oh ai,

B dançam o mirondella.

As irmãs da caridade
Andam c'os olhos no chão;
De touca e vestido preto,
B de camandolas na mão.

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Allegretto

SP
As ir-mãs da ca -ri da-de mo-cam

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m ^mu.
190 JOÃO DO RIO

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Mo-nam na Quinta Ama-rel-la, Tamhem

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Ma - Ihao e dan- eam o Mi-ron-

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CANÇÕES E CANTIGAS 191


As irmãs da caridade
Não dão bons dias á madre,
Mas á noite ? oh que pagode
! !

Dão boas noites ao padre.

As irmãs da caridade, "


Quer chova ou faça calor.
Vão sempre á obediência
Do seu padre director.

As innãs da caridade
São filhas d'um serafim,
Fogem ás coisas do mimdo,
Agora... só p'ra o bom fim.
192 JOÃO DO RIO

o NÓ DA GRAVATINHA
'if *í^

Se eu domingo fôr á missa,


Não venhas commigo, não;
Nem eu rezo nem tu rezas,
Não posso dar-te attenção.

Aqui se canta, aqui se dança,


Aqui se joga a laranjinha :

Eu conheço o meu amor


Pelo nó da gravatinha.

Suspirar é meu destino


Quando de ti ando ausente;
Nada me serve d'allivio
Só comtigo estou contente.

Floram tantos meus suspiros


Ao ver que me ias deixar,
Que as mesmas aguas do rio
Inda vão a suspirar.

i
.

CANÇÕES E CANTIGAS 193

Andantino

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mis-sa,
m ^ nao vc nhascominigo, nao;

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Nemeu re-zo
^^ ^m=^^ nemtu re-zas,
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CORO con8
^11.

so darte at-ten A-qui se

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dan-ca, a-quise

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194 JOÃO DO RIO

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nó da era-va ti - nha.

^^g U ff t •' ^

Eu ausente do meu bein,


Meu bem ausente de mim,
Diga-me quem sabe amor,
Se eu posso viver assim.

I,á no ceu está uma estrella


Que se parece comtigo;
Nos dias que te não vejo
A estrella é meu allivio.
CANÇÕES E CANTIGAS 195

OB OLHOS DA MARIANNITA

Os olhos da Mariannita
São verdes como o limão,
Ai ! sim, Mariamiita, ai ! sim,
Ai ! sim, Mariaiinita, ai ! não.

Os olhos da Mariamiita
Tenlio-oseii aqui na mão.

Ai ! sim, Mariannita, ai ! sim.


Ai ! sim, Mariannita, ai ! não.

Os olhos da Mariannita
Já lá vão para o Japão,
Vi ! sim, Mariannita, ai ! sim.
Ai ! sim, Mariannita, ai ! não.
196 JOÃO DO RIO

Andantino.

Os o-lhosdaMarian -ni -ta , São

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ver- des eo-mo o li - Os
!

CANÇÕES E CANTIGAS

^
197

sim, Ma-rianni - ta, ai


? Ai!

51^
^m
198 JOÃO DO RIO

OH PAVÀO
<r ^

Oh ! pavão, lindo pavão.


Linda petina o pavão tem :

Não ha olhos para amar


Como são os do meu bem.

Como são os do meu bem,


E como os da minha amada;
Oh ! pavão, lindo pavão.
Pavão de penna dobrada.

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Ali egr eito.
1

^
-''Lem-hran - ças do tem-po an -

^m-^
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-ti-ê^o,me fa- zem
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^m
entris-te - cer; Lemhran-

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199

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CANÇÕES E CANTIGAS

^ -ças do tempo an -ti-g-o,Me fa- zem entris-te -

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-0 —r
-eer; Quem a - ma nao eon-si - de-ra o que

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pode a-^ion-te - cer;


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Quem a- anão coiííi -

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-de-ra

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pode acon-te cep.
L

Oh ! coração de três azas,


Dá-me uina, quero voar;
Eu quero subir ao ceu,
E vindo toniar-t'a dar.
200 JOÃO DO RIO

Oh ! penas não venhaes jmitas.


Que não quer meu coração :

\''mde de duas a duas,


Dae logar ás que cá estão.

Oh amor, namora a graça.


!

Não namores formosura,


Que a formosura sem graça
E' viver em noite escura.

Tenho pena de quem pena.


De quem pena e pena bem;
Tenho pena de mim mesmo
Que peno mais que ninguém.
CANÇÕES E CANTIGAS 201

MENINA DO CASIBEQUE
^ ^'

o meu amor é bonito,


Bonito que é uma pintiura :

B' claro como a pêz.


Como a azeitona madura.

Menida do casibeque
Do casibeque de chita :

Gosto d'ella porque gosto.


Gosto d'ella que é bonita.

Menina lá da janella
Dê-me a mão, quero subir :

Que eu sou muito vergonhoso


Pela porta não sei ir.

É i ^^ É
•%Allegretto.

meu amore bo- ni-to,


T=^
130-1
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202 J0\0 DO RIO

É ^^m
- ni -to que eumapin -tura
^m ^m ela -ro como o

^ ^'ljjoj'^ J

Í'J > h j J'JT:mv)
pez m'a a-zeitona ma-diwa . Me-

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dei-la (jue ebo-ni -ta.

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CANÇÕES E CANTIGAS 203
Menina do casibeque,
Do casibeque de lona :

Gosto d'ella porque gosto,


Gosto d'ella que é pimpona.
204 JOÃO DO RIO

O CANNAVIAL

^ ^

Ao caiinavial das caimas,


Quem te mandou aqui vir,

Se eu te agora matasse,
Quem te havia de acudir?

Quem te havia de acudir


Oh lari-ló-ló, meu bem,
!

Se eu te agora matasse,
Não o sabia ninguém.

Chamas-te ao meu cabello


Cannavial de Cupido;
Também eu chamei ao teu.
Laços que me têm prendido.
CANÇÕES E CANTIGAS 205

^^ ^m Andantino

cf Aocan-na-vi-al das
^
ean - nasípem

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te man-doii a - qui nr: Se eu

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206 JOÃO DO RIU

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CAVrOES E CANTIGAS 207

A MENINA
DOS OLHOS NEGROS
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ÉiL Moderato
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208 JOÃO no rio

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CANÇÕES E CANTIGAS 203

Como tu não ha na terra


Tão linda, tão bella flor;
Menina dos olhos negros.
Queres tu o meu amor?

Da capella d'mn archanjo


E's luzinha desprendida,
Menina dos olhos negros.
Queres tu a minha vida?

São elles duas estrellas


Tiradas do firmamento :

Menina dos olhos negros,


Queres tu meu pensamento?

Quero ser teu e tu minha,


Por luna doce união,
Dou-te todo o pensamento.
Alma, vida e coração.

12.
210 JOÃO DO KIO

CAROLINA
*v «í^

A gentil Carolina era bella,


Como é bella nos campos a flor;
Em seu rosto brilhava a úinocencia.
Em seix peito o fogo d' amor.

Aos encantos de lindo mancebo.


Coração, ahna e vida entregara*
Era d'elle, só d'elle, e por elle
O seu peito d'amor palpitara.

Também elle era d'ella, e por ella


Ternamente o seu peito batia;
Tanto extremo d' amor, puro e firme.
Peito humano sentir não podia.
é
Carolina que as horas contava,
Meia noite, medrosa estremece,
Lança os olhos além da janella.
Branca lua no ceu lhe apparece.
CANÇÕES E CANTIGAS 211

Andante

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Ca - roli-na e-ra bel - la,


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bel - la noseam-posa flor;

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ros - to brilhava a innojcen - cia, em seu

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212 juÃu DO RIO

Eis que vae a passar os canteiros.


De repente, scismando, parou :
E as folhas que o vento agitava
Ao clarão do luar contemplou,

— Aonde vaes, Carolina, a estas horas?


Que teu peito não treme de dôr?
— Ai ! Não, não, que as forças me sobram.
Vou levada nas azas do amor...
! !

CANÇÕES E CANTIGAS 211

CANÇÃO DA NOITE
«^ ^

Murmura, rio, murmura,


doce o teu murmurar;
13;'

Que tristeza, que ternura.


Tu tens no teu soluçar

Pela calada da noite.


Em quanto não surge a aurora,
Qu'esta minh'alma se affoite,
Suspira, guitarra, chora

Voga, barco, mansamente.


Pelas aguas prateadas,
Ivcva este canto dolente.
Aos peitos das namoradas 1

Cada nota tão sentida.


Que a minha guitarra envia,
E' irnia canção dolorida,
D' amor e melancholia.
214 JOÃO DO RIO

E estas canções eu trago-as


Prezas nas azas da briza,
Para espalhar sobre as aguas,
E)ni quanto o barco desliza !...

1
CANÇÕES E CANTIGAS 215

SOLTEIRAS, CASADAS
E VIUVAS

*¥ ^

As solteiras são de oiro,


As casadas são de prata.
As viuvas são de cobre
E as outras são de lata.

Casadinha de ha três dias


Ella alli vae a chorar,
Pela vida de solteira
Que não a toma a encontrar.

Oh ! amor, procura agrado.


Não procures formusura;
Que tuna mulher sem agrado
E' peior que a noite esciura.
216 JOÃO DO RIO

AO MENINO DEUS
^ ^

Entrae, entrae, pastorinlios,


Por esse portal sagrado;
Vinde ver o Deus Menino,
N'iuiias palhinhas deitado.

As palhinhas deitam lírios;


Menino, sois meus allivios.
As palhinhas deitam cravos;
Menino, sois meus cuidados.

Vimos dar as boas-festas


A estes nobres senhores,
Que é nascido o Deus Menino,
Em Belém entre os pastores.

Já a redempção humana
Chegou ao praso marcado;
Em Belém nasceu, ha dias,
O Messias desejado.
CANÇÕES E CANTIGAS 217
— Oh meu menino Jesus,
!

Queé da vossa cabelleira?


— Deixei-a em Santa Clara,
No regaço d'uma freira !

— Oh meu menino Jesus,


!

Oh minha mimosa flor


! :

Fizestes-vos tão pequenino.


Sendo tão grande Senhor !

— Oh meu menino Jesus,


!

Boquinha de marmellada.
Quem vol-a comera toda,^
Sem lhe deixar ficar nada !

— Oh ! meu menino Jesus


Que estaes sobre o altar,
Quando fôr missa acabada
Quem irá sem vos beijar?

Já se ouve a gaita de folie.


Já nasceu o Deus Menino.
Gloria do ceu e da terra,
Seu thesouro peregrino.

13
218 JOÃO DO RIO

OH SENHOR LADRÃO
«^ vV^

A' entrada d'Elvas


Estão duas cadeiras,
Uma p'r'as casadas,
Outra p'r'as solteiras.

Outra p'r'as solteiras.


Oh verde limão,
!

Rapaz que é janota


Rouba que é ladrão.

Oh ! senhor ladrão.
Ande ligeirinho.
Não queira ficar
Na roda sosinho.

Na roda sosinho,
Não hei de ficar,
A's beUas madamas
Me hei de abraçar.
CANÇÕES E CANTIGAS 219
Este ladrão novo
Que agora entrou,
Deixal-o roubar,
Qu'inda não roubou.

Se fores a Elvas,
Eu também lá vou.
Buscaruma rosa
Que me lá ficou.

A' entrada d'Elvas


Achei um dedal
Com lettras que dizem,
Viva Portugal.

A' entrada d 'Elvas


Eu achei achei,
I/ettrinhasque dizem,
Viva o nosso rei.

Oh Elvas, oh Elvas,
! !

Badajoz á vista.
Já não faz milagres
S. João Baptista.

Se fores a Elvas,
Vae á Piedade,
Qu'é a mellior coisa
Que tem a cidade.

A' entrada d'Elvas


Achei mn aimel
Com lettras que dizem.
Viva D, Miguel.
220 JOÃO DO RiO

Se fores a Elvas,
Segue direitinho,
Olha não tropeces,
Qu'é mau o caminho.
CANÇÕES E CANTIGAS 221

JÁ NÃO QUERO SER CASADO


^ ^

Ter um botão despregado,


A camisa por coser,
E mil voltas p'ra fazer.
Sem nada ter arranjado;
Quem me dera ser casado.

Accordar sobresaltado
Ao chorar d' algum nené.
Perguntar quem está, quem é,
Julgando que está roubado...
Já não quero ser casado.

Ver-se mn homem obrigado,


A recolher quando as gallinhas,
Ir p'ra casa, ouvir zanguinhas
Ser da esposa seringado;
I
Já não quero ser casado.

A sopeira e o creado,
Recostados na cozinha.
Ambos a comer gallinha,
E o patrão peixe salgado;
Quem me dera ser casado.
222 JOÃO DO RIO

De manhã ser obrigado,


A largar algxim dinheiro,
P'r'a leiteira e p'r'o padeiro,
Que não dão nada fiado;

Já não quero ser casado.

Já não quero ser casado.


Quem me dera dormir só.
Se filhos tiver tmi dia,
Dou a creal-os á avó.
Dou a creal-os á avó.
CANÇÕES E CANTIGAS 223

A PADEIRINHA
^ ^

Oh que lindos olhos.


!

Tem a padeirinha,
São mal empregados,
Andar á farinha.

Bate padeirinha.
Bate o pé no chão.
Bate no meu peito.
No meu coração.

No meu coração,
Padeirinha agora,
Dá meia voltinha,
Vamos-nos embora.

Oh senhora mãe,
!

Deixe-me ir á festa.
Que não ha nenhmna
Mais linda do que esta.
224 JOÃO DO RIO

Arcos, fogo e musica


Arraial tão lindo !...
B moços e moças
Conversando e rindo.

Ir lá também posso :

Já não sou pequena,


Sou da mesma idade
Da Rita Morena.

Já sei molinhar
Como bom moleiro.
vun
No moinho do milho
B mais no alveiro.

Quem fôr d'estas coisas

Já não é criança;
Já pôde ir ás festas, ;

Já canta e já dança.

Dê-me o chapéu fino


E) aroupa aceiada
Que eu ir lá não devo
Toda enfarinhada.

Hei de ir de chinellas.
De meias de linha,
Camiza mui branca...
Mas não de farinha.

Não quero se ria '

De mim todo o povo;


Dê-me a saia verde
Mais o gibão novo.

Á
->•>.
CANÇÕES E CANTIGAS

Eu quero mostrar-me
No da egreja,
largo
B mordam-se as outras,
Embora, de inveja.

E se perguntarem
Quem é a gaiteira,
Saibam que é a filha
Da Thereza moleira.

13.
226 JOÃO DO RIO

AFASTA, JANOTA, AFASTA

^ ^

Que linda fita da moda


Eu tenho na minha saia :

Afasta, janota, afasta,


Que o balão é de cambraia.

Manuel, a moça é linda,


EUa é linda como o sol,

E canta melhor ainda


Do que canta o rouxinol.

Manuel, a moça é linda.


Olha se casa comtigo :

Pois canta melhor ainda


Do que canta o pintasilgo.

Manuel, a moça é linda.


Olha se casas com ella.
Pois canta melhor ainda
Do que canta a philomela.
CANÇÕES E CANTIGAS 227

Que linda vae a menina


Com. a saia de fustão
Afasta, janota, afasta,
Deixae passar o balão.

I
228 JOÃO DO RIO

SAUDADES
^ *ir

Que saudades eu tenho da infância I

Que saudades eu tenho do lar !



D'essa quadra passada, risonha.
Sem tristezas, sem dôr, sem pezar I

Minha infância tão Unda e tão bella,


I/inda quadra dos tempos feUzes;
Bm que alegre correndo nos campos,
Bu das rosas colhia os matizes...

E dez annos eu tinha somente.


Quando mn dia os rochedos deixei;
E deixei as flores e os prados
E as rolinhas que tanto afaguei.

E depois, embalada nas ondas.


Eu deixei este meu Portugal;
Soluçando bem triste, coitada.
Com saudades da terra natal.
CANÇÕES E CANTIGAS 229

E dez annos depois eu voltava,


E meu pae mn esposo me deu;
N'esse dia, a ventura que eu tinha.
No poder do himyneu se perdeu.

Sou esposa, sou mãe, sou escrava,


Já não vejo de Cintra os rochedos.
Já não vejo pahnares nem montanhas
Onde á brisa dizia os segredos.

IM
230 JOÃO DO RIO

NOITE DE PRIMAVERA
«V ^

Accorda, desperta, não ouves trementes


As ondas sonoras nas praias do mar?
Oh flha dos anjos vem dar-me ridentes
!

Teus lábios ardentes na luz do luar.

Eu sigo cançado no vasto deserto,


Sem ver madrugada d'encantos surgir.
Ai não me abandones nas trevas incerto.
!

Eu quero bem perto mn novo porvir.

A vida é tão breve, não deixes, querida,


Smnir-se qual sombra, sem trovas d'amor,
A rola que geme no peito ferida.
Quer doce guarida, oh paUda flor.
!

Se tudo definha, se tudo fenece.


Na triste voragem de túrbidos véus.
Vem tu ser estrella que ao mimdo appaiece,
Ensina-me a prece que dizes a Deus.
!

CANÇÕES E CANTIGAS 23í

Tão nova e tão triste, sorrisos d'esp'rança


Porque tu não logras na terra fnair?
Acaso deixaste, qual meiga creança,
Alguma lembrança nos céus ao partir?

Vem leda contar-me, n'vun férvido laço.


Teus sonhos ligeiros, oh pallida flor !

Não temas da noite viver no regaço,


Vem dar-me mn abraço em troca d'amor
232 JOÃO DO RIO

AMORES, AMORES
^ ^

Não sou eu tão tola


Que caia em casar;
Mulher não é rola
Que tenha um só par;

Bu tenho um moreno.
Tenho um d 'outra côr,
Tenho um mais pequena
Tenho outro maior.

Que mal faz um beijo,


Se apenas o dou,
Desfaz-se-me o pejo
B o gosto ficou?

Um d'elles, por graça,


Deu-me mn e depois.
Gostei da chalaça,
Paguei-lhe com dois
CANÇÕES E CANTIGAS 223

Abraços, abraços,
Que mal nos farão?
Se Deus me deu braços.
Foi essa a razão.

Um dia que o alto,


Me vinha abraçar,
Fiquei-Uie, d'um salto,
Suspensa no ar.

Amores, amores,
Deixal-os dizer;
Se Deus me deu flores
Foi para as colher.

Eu tenho vixn moreno.


Tenho ura d'outra côr.
Tenho um mais pequeno.
Tenho outro maior.
234 JOÃO DO RIO

AMÉLIA
^ «^

Eu vi Amélia
No arvoredo,
Tão pequenina.
Não tinha medo.

Oh vem commigo,
!

Ameha, vem,
Se tu não amas
A mais ninguém.
í

Eu vi AmeHa j

No campo só : í

Tão pequenina,
Mettia dó.

Oh vem commigo,
! etc.

Eu vi Amélia,
lyá em Coimbra,
Tão pequenina
Era tão linda.
Oh vem commigo,
! etc.
CANÇÕES E CANTIGAS 235

Eu vi Amélia,
lyá em Lisboa,
Tão pequenina
Era tão boa.

Oh vem
! conmiigc^etc.

Eu vi Amélia,
Lá em Cascaes :

Tão pequenina
Já dava ais.

Oh vem commigo,
!
etc.

Eu vi AmeUa,
Eu bem a vi,
Assentadínha
Ao pé de ti.
Oh vem commigo,
!
etc.

Eu vi Ameha
A beira-mar.
Sem ter receio
De se molhar.
Oh vem commigo,
! etc.

Eu vi Ameha,
I/áno jardim :

Era mais linda


Que um cherubim.

Oh, vem commigo, etc.


236 JOÃO DO RIO

CRAVO ROXO
^ ^

Abre meu peito, verás


Dois raminhos floridos
E no meio encontrarás
Nossos corações vmidos.

Mil beijos dei n'esta flor


Que, arrebatada, apanhei;
Tantos affectos lhe fiz
Que por fim a desfolhei.

O homem nunca devia


Com a existência acabai,
P'ra nunca se fazer velho.
Para sempre namorar.
CANÇÕES E CANTIGAS 237

AMOR BRAZILEIRO

^ ^

Inda sou quem era d' antes,


Inda sigo os meus passos :

Quando vou á tua rua


As pedras p'ra mim são laços.

Tenho-te amor mais seguro,


Que ao mesmo próprio dinheiro.
Gloria em meu peito.
Ai ! amor brazileiro.

Oh meu
! amor, dá-te o somno,
Vae-te deitar a dormir.
Que eu não quero ver penar
A quem hei de possuir.

Julgavas que eu te queria.


Barquinho de cantareira;
Julgavas que eu era tola
Se eu por ti tinha cegueira.
238 JOÃO DO RIO

Meu coração está fechado,


Está fechado não se abre :

Foi-se embora o dono d'elle,


Não está cá, levou a chave.

Toma lá que te dou eu


Estas duas laranjinhas,
Já que te não posso dar
Dos meus olhos as meninas.
CANÇÕES E CANTIGAS 239

A^ ELISA

"^ *?*

Não te esqueças de mim, oh Elisa,


!

Quando a aurora no ceu despontar,


Não te esqueças de mim quando vires
As estrellas do ceu a brilhar.

Não te esqueças de mim quando á noite


Ouvires o mocho na grimpa a piar,
Como elle também vivo triste,
Passo a vida de continuo a chorar.

Não te esqueças de mim, quando fores


Divagando pela beira do mar,
Não te esqueças de mim, quando as ondas
Vierem, ledas, na praia brincar.

Não te esqueças de mim, quando o sol


Occultar-se fôr no horisonte.
Não te esqueças de mim, quando o vires
Vir alegre illvuninar tua fronte.
240 JOÃO DO RIO

Não te esqueças de mim, oh BHsa,


!

Não te esqueças do pobre exilado,


Que só teve momentos felizes
guando, alegre, vivia a teu lado.
CANÇÕES E CANTIGAS 241

D ONDE VENS, OH ROSA ?

^ ^

D 'onde oh Rosa ?
vens, !

Eu venho da Maia.
Que trazes, oh Rosa,
!

líinda Rosa?
Uma bella saia.

D'onde vens, oh! Rosa?.


Eu venho d'alli.
Que trazes, oh Rosa,
!

I/inda Rosa?
Que te importa a ti.

D 'onde vens, oh Rosa ?!

Venho de Coimbra.
Que trazes, oh Rosa,
!

Linda Rosa?
Uma coisa hnda.

D'onde vens, oh Rosa ? !

Eu venho de Bemfica.
Que trazes, oh Rosa,
!

Linda Rosa?
Uma coisa rica.

14
242 JOÃO DO RIO

D'onde vens, oh! Rosa?


Eu venho do Porto.
. Que trazes, oh Rosa,
!

Linda Rosa?
Um rapaz gaioto.

D 'onde vens, oh! Rosa?


Eu venho de Lisboa
Que trazes, oh Rosa,
!

I/inda Rosa?
Uma coisa boa.

D 'onde vens, oh ! velha,


Que vens derribada?
Que trazes, oh velha.
!

Linda velha?
Sardinha salgada.

D 'onde vens, oh! velha?


Ku venho da praia.
Que trazes, oh velha.
!

Linda velha?
Berbigão e raia.^

D 'onde vens, oh ! velho.


Que vens derribado?
Que trazes, oh velho. !

Lindo velho?
Bacalhau salgado.
CANÇÕES E CANTIGAS 243

O NAUFRÁGIO

^ ^

Ai do triste, errante naxifrago.


Perdido no alto mar,
Que vê as pérfidas ondas
O seu barquinho quebrar.

Quem virá em seu soccorro.


Onde encontrar praia amiga
Que lhe dê consolo á dôr.
Que lhe suavise a fadiga.

Como a errante andorinha.


Combatida pelo vento.
Cruza o espaço fadigosa
Quasi a cahir sem alento.

Assim eu procuro os mares


Desbordando de amargura.
Sem imia esperança de luz.
Sem futuro, sem ventura.
244 JOÃO DO RIO

AS VACCAS

^ 4»

Ao portal de vossas vaccas


Mamei leite, fez-me somno;

Santo Antão vos guarde as vaccas,


Mais a vós que sois seu dono.

Ao portal de vossas vaccas


Mamei leite nos tetinhos;
Santo Antão vos guarde as vaccas
Mais os vossos bezerrinhos.
CANÇÕES E CANTIGAS 245

A SALOYA
^ <^

Quero cantar a Saloya,


Já que outra moda não sei;
Minha mãe era Saloya,
Eu com ella me criei.

Sou Saloya, trago botas.


Também trago o meu manteu.
Também tiro a carapuça
A quem me tira o chapéu.

Já fui amada d'imi grande,


I/indos olhos me piscou.
Também quiz dar-me um abraço,
E estas falias me soltou :

Oh Saloya dá-me um beijo,


!

Que eu te darei ixm vintém;


Os beijos d'imia Saloya
São poucos, mas sabem bem.
A.
246 JOÃO DO RIO

A CANTADEIRA
^ ^^

Não canto por bem cantar,


Nem por ter falias d'amante.
Eu canto para dar gosto
A quem me pede que cante.

Não canto por bem cantar,


Nem por bem cantar o digo;
Canto para aUviar
Penas que trago commigo.

Não canto por bem cantar.


Nem por boas falias ter;
Canto para cegar olhos
A quem me não pôde ver.

Eu hei de morrer cantando.


Já que chorando nasci.
Já que os gostos d'esta vida
Se acabaram para mim.
CANÇÕES E CANTIGAS 247
Quem me ouvir a mim cantar.
Quem souber as minhas penas.
Dirá Oh triste coitada,
: !

Que aiada de cantar te alembras.

A cantar ganhei dinheiro,


A cantar se me acabou;
O dinheiro mal ganhado
Agua o deu, agua o levou.

Foi minha siaa cantar.


As cantigas esqueci;
Cantigas d' amor não digo,
Meu amor, tudo perdi.

Quero cantar e não posso,


Falta-me a respiração;
Falta-me a itiz dos teus olhos,
Amor do meu coração.

Coração, coraçãosinho.
Como vives magoado !

Vaes para cantar e choras,


Lembra-te o tempo passado.
248 JOÃO DO RIO

o PRETO

«v ^l*

Quem quizer que o Preto faça


O com vontade,
serviço
De-lhe yixiho e aguardente
Trate-o com caridade.

Traz, traz, quem é?


Ê O Preto que vem d' Angola,
Com seu cacliimbo na bocca.
Seu chapéu á hespanhola.

Quem quizer que o Preto faça


Serviços á liberte;
Dê-lhe vinho e aguardente.
Chocolate e mais café.

O Preto é rei dos bichos,


Imperador dos macacos !

Não posso levar avante


O Preto calçar sapatos.
CANÇÕES E CANTIGAS 249
Ai O Preto também canta
!

Cantiguinhas á viola;
Ai o Preto também dansa,
!

O Preto também namora.

Quem quizer que o Preto faça


Serviço com perfeição.
Não o como um bicho,
trate
Trate-o como um cidadão.
;

250 JOÃO DO RIO

TRIGUEIRINHA
^ ^

Chamaste-me trigueirinha.
Ai eu sou da côr da cereja;
!

Quem por minha porta passa,


A minha côr me deseja.

Qiamaste-me trigueirinha,
do pó da eiia;
Isto é
Tu me verás ao domingo,
Como a rosa na roseira.

Qiamaste-me trigueirinha.
Eu não me escandalisei
Trigueirinha é a pimenta
E vae á mesa do rei.

Qiamaste-me trigueirinha,
E eu tenho d'isso vaidade.
As trigueiras sãomais firmes.
Amam com mais lealdade.
CANÇÕES E CANTIGAS 251

ELLA POR ELLA

^ ^

Mais florido que lun palmito,


Rosado, pimpão bonito,
Vinha o senhor Manuel,
Noiva ao lado, o peito em brasa,
B com ella para casa
Em doce lua de mel.

Fidalgo, de que é rendeiro,


Mal que o lá viu no terreiro
Foi-lhe por perto passar,
E sem mais guar-te, nem pejo,
A' noiva ftu-ta-lhe um beijo,
E o beijo fêl-a corar.

O pobre esfregava o olho


E carregava o sobr'olho.
Como quem diz —não gostei;
Diz-lhe o fidalgo : —
da renda
D'aquella boa fazenda
Esta escriptura lavrei.
252 JOÃO DO RIO

Correram dias, e um dia


Vinha com toda a alegria
Da egreja a casa também
O fidalgo e a fidalguinlia
Noiva d'elle, e ella tinlia
Uns olhos como ninguém.

Sem mais tir-te, senão quando.


Já mesmo a casa chegando,
Sente-se vnn beijo estallar...
— Olá, Manuel, endoudece !

« Não, senhor, se lhe parece


Venho-lhe a renda pagar. »

i
CANÇÕES E CANTIGAS 253

CANTA, CANTA, ROUXINOL


H' «v

Tu chamas-me tua vida,


Mas tua alma eu quero ser;
Que a vida morre com o corpo,
Eí a alma eterna ha de ser.

Se amor dvira além da morte


Constante sempre hei de ser;
Se amor dtura só na vida^
Hei de amar-te até morrer.

Canta, canta, rouxinol,


A' noite, á luz do luar;
Canta, canta que o teu canto.
Algum peito ha de abrandar.

Quem disser que a vida acaba,


Digo-lhe eu que"nxmca amou;
Quem deixou ficar saudades
Nimca a vida abandonou.
15
254 JUÀO D!) RIO

Amar e escolher amantes


Ensinou-me quem podia
A amar a natureza
A escolher a sympathia.

Canta, canta, rouxinol,


A' noite, á luz do luar;
Canta, canta que o teu canto,
Algimi peito ha de abrandar.

A roda da desventura
Sobre mim constante gira;
Nada a faz retroceder;
Infeliz de quem suspira.

Aquelle que tanto amei,


Ksqueceu meu pensamento;
Como o rio esquece as rosas
Que retratou n'um momento.

Canta, canta, rouxinol,


A' noite, á luz do luar;
Canta, canta que o teu canto,
A-lgvun peito ha de abrandat
CANÇÕES E CANTIGAS 255

O CEGUINHO
^ ^

— Abre a porta Anna,


Abre de mansinho,
Que venho ferido,
Morto do caminho.

— Se vindes ferido,
I/ámuito embora;
Porta nem postigo
Não se abre agora.

— Ai ! a tua porta
A mim se ha de abrir;
Sou um pobre cego
Que ando a pedir.

Minha mãe, accorde.


Do doce dormir.
Venha ouvir o cego
Cantar e pedir.
256 JOÃO DO RIO
— Se elle canta e pede,
Dá-lhe pão e vmho
E que o pobre cego
Siga O seu caminho.

— Não quero o seu pão,


Não quero o seu vinho.
Só quero que a Arminhas
Me ensine o caminho.

— Carrega a roquinha
De estopa ou de linho
B ao triste cego
Ensina o caminho.

— Espiou-se a roca,
Acabou-se o linho;
Adiante, cego,
lyá vai o caminlio.

— Anda, Anninhas, anda


Mais vun boccadinho;
Sou um pobre cego.
Não vejo o caminho.

— Ai ! valha-me Deus
E a Virgem Maria !

Vejo tanta gente


E cavallaria !

— A cavallaria
É p'ra te levar
E todo o mais povo
Vai-te acompanhar.
!

CANÇÕES E CANTIGAS ^7
— De condes e duques
Já fui pretendida,
E agora d'uni cego
Me vejo vencida

Adeus, minha casa,


Adeus, minha terra.
Adeus, minha mãe.
Que tão falsa me era !
258 JOÃO DO RIO

NÃO CHORES
^ ^

Que pérolas puras são essas que soltas


Dos teus olhos lindos, espelhos dos céus?
São lagrimas tristes, formosa donzella,
Que vertem, que choram, archanjos de Deus?

Serão as saudades dos tempos passados,


Que n'alma te accendem tão viva paixão?
Ou são meus amores que amores te inflarrunam
No intimo d'alma, no teu coração?

São eUas de crença, de fé ou de esperança.


As lagrimas pxuras que estás a verter?
Ou é um martyrio que n'alma tu sentes,
Martyrio que a vida te faz esquecer?

Mas sejam saudades, amores, ou crença.


Ou sejam esperanças, martyrios, ou fé.
Não chores, donzella, que o pranto que]^vertes,
E' pranto somente, consolo não é.

I
CANÇÕES E CANTIGAS 259

OS TEUS OLHOS

^ «V

d'amar, como eu amo.


EJste inferno
Quem m'o pôz aqui n'alma, quem foi?
Esta chamma, que alenta e consola,
Que é a vida e a vida destroe.
Como é que se veio atear.
Quem a veio, ai de mim, despertar?
!

Eu não sei, não me lembra o passado,

Outra vida que d' antes \avi;


Foi um sonho, somente mu sonho.
Em que paz tão serena dormi.
Oh que doce era aquelle sonhar.
!

Quem o veio, ai de mim despertar ?


!

Só lembro que um dia fonnozo,


me
Eu passei, —
dava o sol tanta luz !

Os meus olhos, que vagos giravam.
Nos teu olhos ardentes os puz.
Que fez ella? Eu que fiz? não o sei...

Mas, n'essa hora, a viver comecei !...


260 JOÃO DO RIO

CRUEL SAUDADE
^ ^

Cruel saudade
De meus amores,
Que de dissabores
Me faz morrer.
Melhor me fora
Antes morrer..

Subo aos montes,


Desço aos valles,

Lá me persegue,
Lá me vae ter.
Melhor me fora
Antes morrer.

Mesmo dormindo,
Por entre sonhos,
Casos medonhos
Me vem trazer.
Melhor me fora
Antes morrer.
CANÇÕES E CANTIGAS 261

Tenho perdido
A doce esperança
De ver mudança
No meu pad'cer.
Melhor me fora
Antes morrer.

15.
262 JOÃO DO RIO

MORENINHA
^ ^

Quem se ajoelha aos teus pés.


Como quem vem confessar.
Se tivesse outros amores.
Não te vinha procurar.

Se tu não foras morena.


Terias abraços meus;
Mas como tu és morena.
Moreninha, adeus, adeus.

Apalpei o lado esquerdo,


Não achei o coração,
De repente me lembrou
Que estava na tua mão.

Deste-me alecrim por prenda,


E elle bem me prendeu;
Quem acceita prendas d'outreni,
Não diga está livre seu.
CANÇÕES E CANTIGAS 263

Puz-me a chorar ao pé da agua.


Lagrimas de sentimento;
A agua me respondeu :

Nada cura como o tempo.

De cada vez que me lembro


Que de ti me hei de apartar,
Enchem-se-me os olhos d'agua,
Não faço senão chorar.
264 JOÃO DO RIO

AS ESCADAS DO CASTELLO
•í' M^

Oh que janella tão alta,


!

Mais alto vae meu intento :

Quem me dera por os olhos


Onde tenho o pensamento.

Então, porque não, porque não?


Então porque não ha de ir?
As escadas do castello
São altas, más de subir.

São altas más de subir.


São altas más de baixar;
Então, porque não, porque não?
Já não ha quem queira amar.

Oh ! castello, não te rendas,


Deita bandeira se queres :

Na batalha dos amores


Quem vence são as mulheres.
CANÇÕES E CANTIGAS 265
Hei de para aquella serra
ir

Com meus ais quebrar penedos.


Para fazer imi castello,
Para fechar meus segredos.

As estrellas se admiram
D 'este meu andar de noute;
As passadas serão minhas,
O proveito será d'outrem.
266 JoAo DO Kio

PHILOMENA
vV ^

Oh querida Philomena,
!

Assim, assim, assim,


As creadas de servir
Vão passear p'ra o jardin.

Se passeiam no jardim,
Fazem ellas muito bem;
As creadas de servir
Não devem nada a ninguen?

Oh ! querida Philomena,
Verde canna no botão;
As creadas de servir
Andam tolas co'o patrão.

Se andam tolas co'o patrão»


Fazem ellas muito bem.
As creadas de servir
Não devem nada a ninguém.
CANÇÕES E CANTIGAS 267

Oh querida Philomena
!

Não vás sósinha ao mercado;


As creadas de servir
Todas tem o seu soldado.

Se ellas teem o seu soldado,


Fazem ellas m\aito bem;
As creadas de servir
Não devem nada a ninguém.

Oh querida Philomena
!

Não namores o sargento;


As creadas de servir
São tão varias como o vento.

Se são varias como o vento,


Fazem ellas muito bem;
As creadas de servir
Não devem nada a ninguém.

Oh querida Philomena,
!

Olha como o mundo anda.


As creadas de servir
Vêem conversar p'r'a varanda.

Se conversam na varanda.
Fazem ellas muito bem;
As creadas de servir
Não devem nada a ninguém.

Oh ! querida Philomena,
Hoje as coisas não estão boas.
As creadas de servir
Mandam mais do que as patroas.
268 JOÃO DO RIO

Se mandam mais que as patroas.


Fazem ellas muito bem;
As creadas de í^ervir
Gozam mais do que ninguém.
CANÇÕES E CANTIGAS 269

A TRISTE PERDIDA
^ »i/

Virgem casta, eu já fui como tu.


Já vivi como os anjos no ceu;
Esta fronte que vês hmnilhada,
Foi coberta com cândido veu.

Ku também, como tu, tive flores.


Tive tanta grinalda singela !

Tive beijos de um pae carinhoso,


^u também, como tu, já fui bella.

Como tu, eu já tive esperança.


Já gosei d'essa vida sagrada :

Hoje vivo a luctar com as dores.


Que fulmina a mulher desgraçada.

Tive mãe, como tu inda tens.


Que velava por minha ventura;
Que tomava meus dias ditosos.
De seus lábios me dava a doçura.
270 JOÃO DO RIO

Mas bem cedo, donzella, essa^gloria,


Qual mn sonho depressa passou,
Essas flores sagradas que tive.
Foi mn beijo infernal que as^^murchou.

Esse veu innocente que tive,


M'o tiraram sem pena, nem dó;
ímpia mão m'o rasgou com desprezo.
Nem as cinzas se encontram no pó.

Ai perdoa, donzella, este canto,


!

Repassado de dôr e de fel :

Ouve as queixas da triste perdida.


Que são eccos da sorte cruel.
CANÇÕES E CANTIGAS 271

NAS PRAIAS
^ ^

Se eu fora das praias, areia brilhante,


Teu pé delicado quizera suster;
Se eu fora avesinha, nos ares ferida.
Em teu collo a vida, quizera perder.

Se eu fora dos mares, a onda nefanda.


Viera mui branda teu collo banhar;
Se eu fora dos ventos a brisa fagueira,
Viera ligeira teu rosto beijar.

Se eu fora dos anjos, o anjo mais bello.


Dos céus para ti quizera fugir;
Se eu fora dos deuses, soberano poderoso,
A ti, como esposo, me quizera miir.

Mas eu não sou praia, nem mar, nem areia,


Nem brisa fagueira, nem anjo, nem Deus,
Sou homem perdido, que vive sem esp'rança.
Sem esp'rança na terra, sem esp'rança nos céus.
!

272 JOÃO DO RIO

CANÇÃO D'AMOR
^ ^

Accorda, mulher formosa,


D'esse teu somno imiocente,
A^^em ouvir a voz plangente
Da guitarra harmoniosa.

Já cantam os trovadores
Por esta noite calmosa.
Deixa o teu leito d' amores,
Accorda, mulher formosa

Abre a poética janella.


Que o luar beija de frente.
Desperta, pois, minha bella,
D'esse teu somno innocente l

Porque a noite vae passando,


Vae morrendo mansamente;
Do bardo, que vae cantando.
Vem ouvir a voz plangente.
!

CANÇÕES E CANTIGAS 273


Perdem-se já os trinados
Pela rua silenciosa.
Vem ouvir os sons magoados
Da guitarra harmoniosa
274 JOÃO DO KIO

A FLOREIRA
^y v^

Comprae, comprae, cavalheiros,


Comprae, comprae, meus senhores,
Não deixeis que eu volte a casa
Carregadinha de flores.

Meu senhor, eu vendo flores,


E ninguém m'as quer comprar;
São tão baratas, tão lindas,
Mais lindas não pôde achar.
CANÇÕES E CANTIGAS 275

Andante
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^
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276 JOÃO DO RIO

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São tão ba - ra -

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-das não vo - de a- ehar.
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CANÇÕJES E CANTIGAS 277

O CEGO

<r ^

Sou cego, quiz a má sorte


Roubar-me a luz e a alegria
Ando no mundo sem norte,
Nât) vi nimca a luz do dia..

Cego e pobre, perdido


No escuro que me abraça,
Sou nm infeliz, cabido
Nos abysmos da desgraça.

Não sei que quer a desgraça


Que atraz de mim corre tanto;
Hei de parar e dizer-lhe
Que de vêl-a não me espanto.

Ouvi, oh ! senhora, ouvi


Os suspiros d'uma voz
Que quando por vós suspira
Aspira somente a vós.
16
278 JOÃO DO RIO

Gosto, prazer, alegria.


Em penas se transformou;
O tempo de ser feliz
Já não existe... acabovu

Não temo a cruenta sorte,


Nem imploro o seu favor,
A' ventura e á desgraça í

Tenho víxaa alma superior.

Escreveu a dura morte.


Com longos dedos mirrados.
No livro dos infelizes,
Os meus dias desgraçados.

A minha tyranna sorte,


Que a suspirar me condemna
Só quiz dar-me por herança,
A afflição, a dôr, a pena.
!

CANÇÕES E CANTIGAS 279

DESPEDIDA DE COIMBRA
^ «^

Já não ouço de Coimbra


Os alegres, doces cantos ;

B' silencio tudo agora,


Deixo riso, vejo prantos.

Deixa, deixa, oh barqueiro.


!

Ir o barco lentamente.
Deixa, pára, que a saudade.
Ir mais longe não consente.

Já se avista ao longe a lua


Que de brilho nos cercou.
Vem com ella mais lembrança
D'esse tempo que passou.

Deixa, deixa, oh ! barqueiro, etc.

Já não vejo altas colinas,


Que defronte alU gosei :

Nem dos prados as boninas


Que ditoso contemplei
Deixa, deixa, oh ! barqueiro, etc.
280 JOÃO DO RIO

Já não vejo os meus amore>


lià. n'essas serras d' além;
Só me restam as saudades
Do tempo que já não vem.

Deixa, deixa, oh! barqueiro, etc.

Já não vejo a tricana


Pelos montes a correr;
Já não ouço os seus cantares
Tenho magua por prazer.

Deixa, deixa, oh ! barqueiro, etc.


,

CANÇÕES E CANTIGAS 281

ESTA NA EDADE DE CASAR


*^ vÇr

Vae-te embora, amor ingrato,


Já não quero nada teu.
Porque foste dar a outro
Coração que já foi meu.

ESTRIBILHO

A menina (Francisquinha)
Está na edade.
Está na edade de casar,
Por isso aqtii na roda
Escolha par,
Escolha par que lhe agradar.

RESPOSTA

Não te quero... Não me serves...


Não é a ti.

Não é a ti que eu hei de amar.


16.
282 JOÃO DO RIO

Não te qitero... Não me serves.


Só a ti,
Só a ti é que hei de amar.

Do mel pviro dos teus lábios


Dá-me a esmola d'uma gotta;
Tenho febre, tenho sede,
Tenho amarga a minha bocrf

O meu peito soUtario


K' um ninho de cantigas;
AU dormem, aU vivem.
Esperando as raparigas.

Ao passar por este sitio

Não te ponhas tão corada :

Este não tem lingua»


sitio
A ninguém contará nada.

O diabo leve os homens.


Menos três que eu conheço,
B' meu pae e meu padrinho,
B o amor por quem padeço»

Se eu lavasse imia camisa,.


Cá de certas raparigas.
Iria pol-a a corar
Sobre a rama das ortigas.
CANÇÕES E CANTIGAS 283

A JARDINEIRA
^ «í*

Sou a pobre jardineira, 1

Venho cançada de andar.


Carregadinha de flores
Sem ninguém m'as qu'rer comprar.

Sou a pobre jardineira


Que vos trago lindas flores,
Comprae, comprae, cavalheiros.
P'ra dar aos vossos amores.

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284 JOÃO DO RIO

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CANÇÕES E CANTIGAS 285

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286 JOÃO DO uio

AS CARVOEIRITAS

^/ ^^

Rapazes da beira mar


jMirae a nossa belleza, ,.

Que temos na nossa festa


Toda a graça portugueza.
Ai ! nós somos as carvoeiritas
Catitas !

Morenas filhas do mar,


Nosso olhar
Nosso peito se inflamma,
Tem chanmia !

Tem chamma que faz queimar.

Rapazes, tirae o par,


Vinde para a nossa roda :

Que estar triste e pensativo


Isso já passou da moda.
Ai ! nós somos, etc.
CA>ír!OE.S E CANTIGAS 287
Nosso vapor não tem rosas,
Nem brancos lyrios do valle;
Mas tem bellos marinheiros
Que não temem temporal.
Ai ! nós somos, etc.

^ SW Allegretto

Ra- pazes da beira mar


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288 JOÃO DO RIO

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chamina qu(í f az quei mar .


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CANÇÕES E CANTIGAS 289

ADELAIDINHA
^ ^

Já morreu a Adelaidinha,
Já lá vae p'r'a sepultura,
A quem deixaria ella
O cestinho da costura?

O cestinho da costura,
Deixou-o a imia prima minha;
Que llie rezasse por alma.
Por alma da Adelaidinha.

Já morreu a Adelaidinha,
Já lá vae no seu caixão
A quem deixaria ella
O seu lenço d' algodão?

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J^ Ja mor - a A - de - lai

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200 JOÃO DO RIO

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^
aquém deixa-ri-

D.C.

el-la o ces -tinho da cos -tu-ra.

fe-^jijirfTLi
canm^Oes e cantigas 2.'!

O seu lenço d 'algodão^


Deixou-o a Nossa Senhora
Para que ella lhe valesse
Na sua ultima hora.

Já morreu a Adelaidinha
Já lá vae a enterrar;
A quem deixaria ella
O estojo de bordar?

O estojo de bordar
Deixou-o a minha mana.
Para lhe rezar por alma
Uma vez cada semana.

Já morreu a Adelaidinha
Já lá vae toda bonita;
A quem deixaria ella
O seu vestido de chita?

O seu vestido de chita


Deix-o a vuna pobresinha,
Para lhe rezar por alma
Mais uma Salve-Rainha.
292 JOÃO DO RIO

BELLA AURORA
*v »v

Bella Aurora, se te atreves


A prender quem anda ausente,
Toma lá o meu cabello,
Faze d'elle uma corrente.

A Bella Aurora na serra.


Não sei como não tem medo :

Faz a cama, dorme só


Debaixo do arvoredo

A Bella Aurora chorava,


B no seu pranto dizia :

Que o amor se lhe era falso


De repente morreria.
CANÇÕES E CANTIGAS 293

^ Andante

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Bella au ro-ra,se
^ ^

te a- treves
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Bella au-
To -ma lá o meu ca- bel-lo. To -ma

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J ã ^
-TO - ra se te a tre-ves, ai, sete a-

la O meu ca bel - lo, ai,omeuca-

^^^^
291 JOÃO DO RIO

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-treves aprender quem anda au -zente, ai, setea-

^ d el - 1 e u-ica cor- rénte, ai,o meu ea


-bel-lo, fa-ze -

É 1=^
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-treves a prender quem anda au -zente.
S
o coro repete omesmo

^ -tel-lo, fa-ze del-le u-ma cor- rente.

^ m
CANÇÕES E CANTIGAS LU5

REMAR... REMAR
*¥ •í'

No mar, no fmido.
Sobre as areias,
Dançam sereias
Quando ha luar...

Adagio

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-re - 1 as ,
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aaii eam
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se

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296 JOÃO DO RIO

tt-f-^^ftt,
ar; o mar e lin - do anoiteé

^ -»-^
^
B
^^

O mar é lindo,
A noite é bella,
Desfralda a vela,
Remar... remar..

No mar, no fundo,
Sobre os aljofres.
Ha lindos cofres
Oue te hei de dar.
CANÇÕES E CANTIGAS 297

O mar é lindo,
O^ceu convida,
O amor dá vida,
Remar... remar...

No mar, no fimdo.
Sobre as areias,
Daçam sereias
Ao meu cantar.

O mar é lindo,
A noite é bella,
Desfralda a vela.
Remar... remar..

17.
298 JOÃO DO RIO

COM A PENNA
tíf ^

N'um só momento que tenha


A dita de te encontrar,
Em segredo te direi
O motivo de eu penar.

Com a penna e a prata se mata,


Sem o ouro se pode passar,
Com o cobre se come e se bebe;
Vivam as moças que sabem^^dançar,

O amor e o cimne
Fizeram paz e união;
Quem tem amores tem cimnes.
Quem tem zelos tem paixão.

^^.Allegretfco

Coma penna ea prata se mata, sem o


.

í'am:oes e cantigas

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299

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ou-ro se po-de pas- sar. Com a

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pen-na ea pra-ta se iiía-ta.

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300 JOÃO DO RIO

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be: vi-vam as

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^^ã rTJ rr^

^^m ^^mo-çasque sabem d an -çar


=^=^

^y-
í^ í^ ^^ ^¥=^

Vae, amor, por esse mundo


Procurar melhor riqueza;
Se^nada encontrares, volta
Aos restos d'esta pobreza

Hei de escrever a Cupido


Mandando-lhe perguntar,
Se mu coração offendido
Tem obrigação de amar.

Lá no ceu vae uma nuvem.


Todos dizem —
bem a vi;
Todos faliam e murmuram,
Ninguém olha para si.
CANÇÕES E CANTIGAS 301

ADORO OS TEUS OLHOS

Adoro esses teus olhos,


Como os anjos adoram Deus;
Daria quanto possuo,
Se os tivera por meus.

Andantino

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do-ro esses teus nlhos, como os

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i02 JOÃO DO RIO

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su-o se os ti-ve-ra por meus . Se

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an-jos a- do-ram a Deus

^
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Se te não amo f:.!leço,


E se te amo ha quem me mate;
De todas as sortes morro,
Quero morrer a adorar-te.
CANÇÕES E CANTIGAS ,303-

Hei de te amar ao meu gosto,


Corra o p'rigo que correr;
Uma vida só que tenho
Quero por ti padecer.

Amar e saber amar


São pontinhos delicados;
Os que amam não teem conta,
Os que o sabem, são contados.

Tenho-te dito mil vezes,


MH vezes á luz da lua,
Que as ahnas nascem aos pares
'Ei a minha é gémea da tua.

O meu coração é teu,


Bem o podes entender.
Antes que a morte me leve
Nos teus braços me hei de ver.
304 JOÃO DO RIO

FLORES TRISTES

^ *v

Oh tema
! saudade,
Mimosinlia flor.

Fielcompanheira
Nas penas d' amor.

Só tu me acompanhas
No pranto e na dôr;
Quero sempre amar-te,
Mimosinha flor.

Oh meu
! lyrio roxo,
Creado no matto.
Tu és de minh'ahna
O fiel retrato.

Só tu
No
me acompanhas
pranto e na dôr;
Quero sempre amar-te,
I
Mimosinha flor.
CANÇÕES E CANTIGA- 305

Andante

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30() JOÃO D'> RIO

mar- te, mi

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-mo - si - nlia flor.

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Oh ! goivo tristonho.
Das campas ornato.
Do meu coração
Tu és o retrato.

Só tu me acompannas
No pranto e na dôr;
Quero sempre amar-te,
Mimosinha flor.
CANÇÕES E CANTIGAS 307

MINHA DOCE LIMA


*if *!*

Os rapazes d.'Elvas,
Vão á missa á Sé,
De capote roto,
Chinello no pé.

Minha doce lima,


Meu doce limão,
Quando eUa chora,
Qiora de paixão.

Os rapazes d'Blvas,
São muito valentes :

P'ra servir o Rei


3stão todos doentes.

Minha doce hma.


Minha doce bella.
Quando ella chora.
Choro eu mais ella.
308 JOÃO DO RIO

-Andante

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Os ra-pa-zes i^El-vas-vao

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a missa a Sé de
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CANÇÕES E CANTIGAS 309

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310 JOÃO DO mo

Á POLKA

Quem diz que o preto é firme


Kutende pouco de cores,
Eu amei dois olhos pretos,
Ambos me foram traidores.

A' polka fiz mn cigarro,


A' polka o embrulhei,
A' polka vi os teus olhos,
A' polka os namorei.

fíeide deitar os meus olhos


A'queUe poço sem fmido;
Olhos que não tem ventura,
De que servem n'este mtmdo?
A' polka, etc.

Eu não sei que sympathia


Meus olhos comtigo têm.
Quando estou ao pé de ti
Não me lembra mais ninguém.
A' polka, etc.
-

CAXÇÕES E CANTIGAS 311

Marcial.

Quem ti -^
ver olhos a
312 JOÃO DO RIO

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D.C.

olhos a pol ka. os


B
na-mo-rei

'LUJ''d^lj'^
;

CANÇÕES E CANTIGAS 313

OH ! FRESCA DA RAMALHADA
^ ^

Oliveirinha do adro
Não assombres a egreja;
Oh ! frescada ramalhada
Não assombres a egreja;

Que bem assombrada anda


Quem não logra o que deseja.
Oh fresca da ramalhada,
!

Quem não logra o que deseja.

I Eu hei de subir ao alto.


Ao alto hei de subir;
Oh I fresca da ramalhada,
Ao alto hei de subir;

Quem ao mais alto sobe


Ao mais baixo vem cahir.
Oh fresca da ramalhada.
!

Ao mais baixo vem cahir.


18
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314 JOÃO DO RIO

Andantino. SOLO..

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CANrÒES E CANTIGAS 315

Puz-nie a contar pela lei


As pedras d'uma columna;
Oh fresca da ramalhada,
!

As pedras d'uma coltunna;

Nove, oito, sete, e seis.


Cinco, quatro, três, dois,uma.
Oh ! da ramalhada,
fresca
Cinco, quatro, três, dois, uma.
316 JOÃO DO RIO

FREI PAULINO

\V ^1»

O' senhor padre Paulino,


^'enha-^le fallar á grade,
Que eu quero tomar amores
Com vossa paternidade.

O frade pediu á freira


Um beijinho pela grade.
A freira lherespondeu
Vá p'ra missa, senhor padre.

Dizem que mn padre namoro.


Que importa isso ? essa é bôa !

Tenha elle bom coração !

Que importa que tenha coroa !


^
CANÇÕES E CANTIGAS 317

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"^ Oh, .seuJiop padre Pait-

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Ji-no. ve.- nlia me f aliará gra-de, que eu

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(juero-tomar.a- .mo-res com. vossa panterni-

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da - de. Oh ty- ran na, oh ty ran-

njnha por mais que facas has de ser mi iiha

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18.
318 JOÃO DO RIO

ADEUS, AREAL DO RIO


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Oh quanto
! melhor me fora
Não conhecer amizade;
Que agora não soffreria
Os rigores da saudade.

Ainda que os céus se abram,


A terra façam tremer,
Não hei de deixar d' amar- te.
Só se alínim de nós morrer.

Eu sei que te vaes embora.


Flor do manjericão;
Se te vaes é porque queres.
Por minha vontade, não.

Toma lá esta saudade


Que eu fui colher ao jardim,
Guarda-a sempre e quando a vires.
Meu amor, chora por mim.
CANÇÕES E CANTIGAS 319
Toda a noite tive frio,
Faltaste-me tu, amor,
Longe de ti tenho frio.
Se te aproximas, calor.

Tens no teu quarto alecrim


E a imagem de Sant' António;
Será por causa de mim,
Ou por cau?a do demónio?

I
320 JOÃO DO RIO

LILIA

Ȓ' ^

N'aquellas altas montanhas


Aonde I/ilia nasceu :

Ah ! veio o rigor do inverno,


A minha I^ilia morreu.

xlssimcomo as flores nascem


A minha I^iha nasceu :

Assim como as flores morrem


A minha LiHa morreu.

Do monte veio imi pastor,


A' minha porta ba.teu :

Somente dar-me a noticia


Que a minha Liha morreu.

O ceu cobríu-se de nuvens,


A própria terra tremeu :

Ouvindo a triste noticia


Que a minha IviHa morreu.
CANÇÕES E CAXTIGAS 321
Oh morte que
! mataste I/ilia,

Mata-me a mim que sou teti,

Fere-me com o mesmo ferro


Cora. que a minha I,ilia morreií.

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322 JOÃO DO RIO

SANTA MAFALDA
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Rainha Santa d' Arouca,


D'Arouca Santa Rainlia :
Knterrada ha tantos annos.
Ainda estás inteirinha.

Rahiha Santa d' Arouca,


Pequenina e tão airosa :

Quem é que vem de tão longe,


Para ver a linda rosa?

Rainha Santa d'Arouca,


Da côr da maçã madura :

Quem é que vem de tão longe,


P'ra ver tua formosura?

Oh meu Senhor
! d' Agonia,
Vinde abaixo dar-me a mão;
Eu sou romeirinha nova,
Canço do meu coração.
.

CAXCÕES E CANTIGAS ysi

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324 JOÃO DO RIO

CANTIGAS
DE S. JOÃO DE BRAGA
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O' que lindo baptizado


Se fez no rio Jordão
S. João baptizou Christo,
Christo baptizou João.

— Conde vindes, João, S.


Que vindes tão orvalhado?
— Venho de baptizar Qxristo,
Também venho baptizado.

S. João é o Baptista,
Filho de Santa Isabel.
S. João baptizou Qiristo,
Poz-lhe o nome Manoel

— D'onde vindes, João, S.


Que vindes tão molhadindo?
— Bu venho d'aquellas hortas.
De regar o cebolinho.
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CANÇÕES E CANTIGAS 325

Andante

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326 JOÃO DO RIO

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1^ Vez. 2! Vez.

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— D'onde vindes, JoãoS.
Pela calma, sem chapéo?
— Venho de ver as fogueira
Que me fizeram no céo.

.\baixae-vos, carvalheiras,
Com a rama para o chão :

Deixae passar os romeiros


Que vão para o S. João.

S.João adormeceu
Debaixo da laranjeira.
Cahiu-lhe a flor em cima,
S. João que tão bem cheira
CANÇOE& E CANTIGAS 327

O' meu João Baptista,


S.
Que ao que ganhaes?
fazeis
Trazeis a mulher descalça
^ nem sapatos lhe daes.

— O' meu João da Ponte,


S.
Onde tendel-a morada?
— Da outra banda do rio,
Entre aquella ramalhada,

O' meu S. João da Ponte,


O' meu
santo pequenino :
Quero-vos para padrinho
Do meu primeiro menino.

— O' meu S. João da Ponte.


Que tendes na mão fechada?
— A virtude das donzellas,
Que por Deus foi despachada.

Fui ao S. João a Braga


E vi tudo embandeirado.
Tudo isto são bandeiras
Que S. João tem ganhado.

Fui ao S. João a Braga,


De Braga fui ao Bonfim
K vi tudo embandeirado
Com bandeiras de setim.

Fui ao S. João a Braga


K toquei na portaria.
— Abre-me a porta, meu santo,
Que venho de romaria.
H2S JOÃO DO RIO

S. João quer fazer casa;


E' pobre, não tem dinheiro.
Fazei casa, S. João,
Que eu serei vosso pedreiro.

As freiras cantam no coro,


As cachopas no serão.
Cantam as moças e as velha
Na noite de S. João.

S. João adormeceu
Nas escadinhas do coro.
As freiras deram com elle,
Depenicaram-n'o todo.

Orvalhos do S. João
São lagrimas das estrellas :

Amor chorado ás gottinhas


No coração das donzellas.
!

CANrÕES E CANTIGAS 329

AS PENEIRAS

^ ^'

As peneiras nos olhos tem sido


Sempre olhadas com riso e desdém,
Pois dos homens o mais entendido
Tem peneira? nos olhos também.

Ai ! quem me dá de prenda
Um riso assim
Ai ! qxie me matas ! qtie morres !

Não morras por mim.

O^amante mais terno e mavioso,


Mil carhihos fazendo ao seu bem,
Quando julga que é só o ditozo,
35' peneiras nos olhos que tem.

Ai ! quem me dá, etc.

O janota que em manta se abafa,


A fingir que tem frio e não tem :

E' patita, e bem pode gabar-se


Ter peneira nos olhos também.
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330 JOÃO DO RIO

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^ Allegretto.

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-neiras nos olhos tam4)em

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CANÇÕES E CANTIGAS 331

Ai ! quem me dá de prenda
Um riso assim !

Ai ! que me matas que ! morres !

Não morras por mim.

Se um velhote, por falta de tino,


Aos oitenta casar ainda vem,
Só depois de ser pae de meninos
Reconhece a peneira que tem.

Ai ! quem me dá, etc.


33-2 JOÃO DO RIO

RAMALDEIRA
^^

No momento da partida
Meu coração te entreguei;]
Quando me vem á lembrança,
Como não morro não sei.

Quando comecei a amar-te


Talvez não soube o que fiz;
Quem só a paixão consulta
Raras vezes é feliz.

Eu subi á amendoeira
Sem me lembrar do descer;
Desprezado dos teus olhos;
Quem me ha de agora querer?

Trago dentro do meu peito


Uma parede formada
De penas e de cuidados,
Aqui não disfarça nada.
.

CANÇÕES E CANTIGAS 333

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Allegro

^
§^
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^ ^
Gracioso.

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Ma^no-

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•el, o-lhosa-zues, Ma-no- el o-lhos a-zues,a-i oh

cj-d ci-u -cii^cii;

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a - i.dent«s de tie4'o4as f i-nas; não sei que tu me fi -

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zeste que tanto

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me des a tinas.

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a- i, oh

a- i, dentes de pe-ro-las fi-nas, Ma-no-el olhos a -

-dl! íUS
19.
334 JUAO DO UíO

-.zu-es.qnetanto me desa tinas

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í\M [in f^m ^
Trago deatro do meu peito
Chegadas ao coração,
Duas lettrinhas^que^dizem :

Morrer, sim; deixar- te, não.

Quem tem pinheiros tem pinhas.


Quem tem pinhas tem pinhões;]
Quem tem amores tem zelos,
Quem tem zelos tem paixões.
CANÇÕES E CANTIGAS 335

CANTIGAS
DO SENHOR DA PEDRA

— Meu Senhor da Pedra,


rico
Vós que daes ao vosso povo?
— Areia p'ra passeiar,
Vinho maduro do Corvo.

Quando o mar se alevanta,


As camarinhas têm medo :

O Senhor da Pedra anda


De penedo p'ra penedo.

Fostes ao Senhor da Pedra,


Minha rosa Mariquinhas,
Nem por isso me trouxestes
Um ramo de camarinhas.

Hei de ir ao Senhor da Pedra,


Inda que me leve xmi verão,
Em manguinhas de camisa
Co'o meu amor pela mão.
336 JOÃO DO RIO

Divino Senhor da Pedra,


De lá venho a chorar,
Que me ficaram as contas
Em cima do seu altar.

Divino Senhor da Pedra,


Ajudae-me no cantar.
Múiliamãe é pobresinha.
Não tem nada p'ra me dar.

Hei de ir ao Senhor da Pedra


Co'o meu machinho traz, traz.
Procurar as raparigas.
Para mim, que sou rapaz.
,

CANÇÕES E CANTIGAS 33:

COSINHEIRA, DÁ-ME AGUA


^ ^^

Aquella cozinheiía.
Que cozinhava bem :

Deixon-se da cozinha
Eí foi fallar ao seu bem.

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338 JOÃO DO KIO

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^^ quero mor-rer.
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1Í9-

Dá-me agua, dá-me agua,


Por um copo de beber;
Dá-me cá esses teus braços,
Que eu n'elles quero morrer.
CANÇÕES E CANTIGAS 339

Aquella cozinheira
Que andava de balão
Deixou-se da cozinha
P'ra fallar ao João.

Aquella cozinheira?
Que andava de jaquet •.

Deixou-se da cozinha
P'ra fallar ao José.

Aquella cozinheira,
Que ia pelo jardim'^:
Deixou-se da cozinha
P'ra fallar ao Joaquim.

Aquella cozinheira
A quem deste um^^annel :

Deixou-se da cozhiha
P'ra fullar ao Manoel.
!

340 JOÃO DO RIO

SAUDADES DA ALDEIA
»V *S/

Que saudades d'esta terra,


Pois encerra
Bellezas novas, extranhas
Que saudades doloridas.
Tão sentidas,
Eu levo d'estas montanhas !

Adeus montanha tristonha.


Bemque sonha,
Toda a alma apaixonada;
Adeus, adeus, meiga aurora,
Vou-me embora.
Deixo esta aldeia adorada.

Adeus bom sol que illuminas


As campinas,
Com tua luz multicolor;
Adeus formosas estrellas,
São mais bellas
Que o olhar do meu amor.
; !

CAXÇÕES E CANTIGAS 341

Adeus tristes olivaes,


Nvmca mais
Eu nunca mais vos verei
Adeus longas penedias,
Bellos dias,
Que eu jxmto de vós passei

Bella aldeia encantadora,


Pois a aurora,
Não me verá junto a ti

Bella aldeia encantadora,


Vou-me embora.
Mas fica minh'alma aqui.
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TERCEIRA PARTE
DANSAS
Cantigas Choreographicas.
DANSAS 347

A MODA DA RITA
^ ^/

Se eu quizera amores
Tinha mais d'tmi cento,
Bonecos de palha,
Oh ! laré !

Cabeças de vento.

E)sta foi a moda


Que a Rita cantou :

Ifà na Praia Nova


Oh ! laré !

Ninguém lhe ganhou :

Ninguém lhe ganhava,


Bsta era a moda
Oh ! laré !

Que a Rita cantava.

SAlleg;retto^

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UMA VOZ

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ieeuquizeraa-
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348 JOÃO DO RIO

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mo - res titthamaisdum cea- to,

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bone-cos de pallia,ohlare;» ca-be-cas de

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Ri - ta can-toiL: la_na Pi-a-ia

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Nova.ohlare! iiitiguemlh.ega-nh.ou

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DAXSAS 340

Se eu qiiizera amores
Tinha mais de mil,
Lindos macaquinhos
Que vem do Brazil.
Esta foi a moda, etc.

Se eu quizera amores
Tinlia-os ás mãos cheias.
Rapazinhos loiros
Que vêm das aldeias.
Esta foi a moda, etc.

Se eu quizera amores
Tinha-os ao millião,
lyindos bonifrates
Que vem do Japão.
Esta foi a moda, etc.

Eu não quero amores.


Quem gosta repete;
Se um amor se vae,
"^i.-^am seis ou sete.
Esta foi a moda, etc.

Se eu quizera amores
Tinha-os aos pimhados,
Mas não quero amores,
Não quero cuidados.
Esta foi a moda, etc.

20
350 JOÃO DO pao

VÁ! LARANJA AO AR!

^ ^

Quatro coisas são precizas.


Para saber namorar :

Olho fino, pé ligeiro,


Responder saber faUar.
Vá ! laranja ao ar !

Que eu venho de Lisboa :

Tu não tens em casa


Uma coisa boa.
Vá ! laranja ao ar !

Que eu venho da Figueira.


Tu não tens em casa
A flor da laranjeira.

Oh meu
! amor, se partires
Escreve-me do caminho.
Se não tiveres papel,
Nas azas d'um passarinho.
Vá ! laranja ao ar !

Que eu venho, eu venho,


Da fabrica nova,
De ver o engenho.
.

DANSAS 351

^^ % Andantino

Quatro eoi-sassão pre-ci-zas


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ca sa u-macoi-sa hoa.

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352 JOAO DO RIO

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ca-saa flor da la-ran-g-eira

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Vá laranja ao ar
! !

Fita no chapéu :

Quando estou comtigo


Cuido estar no ceu.

TenhoMentro do meu peito


Um logar para te dar,
Faz, amor, por o merecer,
Que'^eu não t'o hei de negar.
Vá laranja ao ar
! !

Quem me dera ver,


OTmeu amorzinho
Que ainda ha de nascer.
Vá ! laranja ao ar !

Quer sim e quer não.


Tu és a alegria
Do meu coração.
DAXSAS 353

BATE, LAVADEIRA

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Allegretto.pianog"

•f Bate, la-va dei-ra, la-va - dei-ra

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354

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JOÃO DO RIO

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re-te.

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DANSAS 3Õ5

Em quanto o rio sos inh o


Vae de longada''pr'a o mar,
Fica a triste lavadeira
Sempre a lavar, a lavar.

Bate, lavadeira,
I^avadeira bate.
Que as nossas cantigas
Não teem remate.

Que dirão os marinheiros


Do barquinho manso e leve.
Quando virem nossos braços
Tão brancos côr da neve?

Bate, lavadeira, etc

Que dirá o próprio rio


Quando vier disfarçado,
Beijar-me o pé dentro d'agua
Tão fresquinho e tão lavado ?

Bate, lavadeira, eta


3Õ6 JOÃO DO RIO

ESTOU-ME ALINHAVANDO
^ ^/

Quem disser que o amar custa


Estou-me alinhavando.
Já me alivanhei :

Estou-me remendando.
Já me remendei.
D' certo que nunca amou :

Eíu amei e fui amado,


Estou-me alinhavando,
Já me alivanhei :

Estou-me remendando,
Já me remendei.
Nunca o amar me custou.

Da janella do palácio
Me com miia funda.
atiraram
Deu na guarda, deu na ronda,
Deu nas costas d'imi corcunda.

Muito padece quem ama,


Mais padece quem adora;
Mais padece quem não vê
Seu amor a toda a hora.
.

DANSAS 357
Moderaio

Quem dis ser que o amar que

^ Eu

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a - imei

1
e fui a

eus-ta
ma- do
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estoume alinha vando jámeali-nha'

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dau-do, ja
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me re-men-
]


358 JOÃO DO RIO

INez

QUB ca a - mou.

^^r^
*==f
2'. vez

I ^^
me cus tou.

m^ I ê
3^
Meu amor que estás tão longe
Auzenta-te e vem-nie ver :
Olha que as vidas são curtas
Pôde aloT-xm de nós morrer
DAXSAS 359

GIRA, VIRA

4» »v

Alecrim á borda d' agua


De longe faz apparencia;
Muitas fortiuias se perdem
Pela pouca deUgencia.

Oh do
! gira, vira, vira,
Gira, gira, vira.
Ora torna-te a voltar.
Gira, gira, vira,
Meia volta e troca o par.

Amar por vicio é delírio.


Por interesse é villeza;
Por correspondência é divida.
Por affecto é firmeza.

I\ u Allegretto.
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.

360 JCAO DO RIO

A-
Muitos
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le- crim a bor-da
a-mo-res se
d a-g-ua,a - le
perdem, muitos
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crim a bor-da dagaia,de lon- ge faz ap-pa
a-mores se perdem pe-la pouca de -li -

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rencia, de lon- ge faz ap-pa
geneia, pe -la pou ca de-li -
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f Oh do gi- ra, vi-ra,vi-ra, vi-ra,oh do

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DANSAS ]61

\^U n - ra,
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vi-ra,vi-ra,
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VI - ra,
ri n
gi-ra,gi-ra.
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vi-ra, o-rator nateavol-tar g-i-ra,gi-ra,

m Lr Lj '

L^fa
vi-ra,meiavoltaetroeaopar

I'""Lj U I|'
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Eu hei de amar o meu bem,


Diga o mimdo o que quizer :

Quem ama não quer conselhos.


Quer só tudo o que o amor quer.

As flores do meu jardim"!


De encarnadas aborrecem;
Não se dão a quem as pede,
Só, sim, a quem_]as merece.

Nada tenho que te dar


Do jardim d'este meu peito :

Só uma flor, bem bonita,


Que se chama amor perfeito.

21
362 JOÃO DO RIO

OH! QUITUM
^ ^

Senhor Francisco Bandarra,


Empreste-me a sua burra :

Oh ! quitum, vae, vae,


Oh ! quitvun, meu bem.
Que eu quero dar aun passeio,
Esta vida não se atvira.
Oh quitum, vae, vae.
!

Oh quitiun, meu bem.

^^
?
''Se
!

Allegretto,

- iihor Francisco
^
Bandarra, fi -ta

^'nf f lf--f If ^
lÉ f ' \*

^^ m
ver- de no cha peu, okqui - tum,vae
DANSAS 363

t » —

^m vae oh qui

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tum, meu

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hem.

Quau - do pas-sei-a na ru-a pa-re-

n\ } f

ee um an - do
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ceu; Oh qui- tum,vae,

S P W
I m1 i j_ji

« vae,
re _
ou qui
-
m
;uin roeu Ibem.

Senlior Francisco Bandarra,


Empreste-me o seu lampeão :

Não quero andar ás escviras,


Tenho medo do papão.

Senhor Francisco Bandarra,


Deite-me aqui um tacão;
Deite-me mn bem direitinho,
Que o dinheiro está na mão.
364 JOÃO DO RIO

Al! QUE RISO ME DÁ


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Andantino.
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DAXSAS 365

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366 JOÃO DO RIO

Mandei fazer vau vestido.


Das permas do sabiá,
Para mandar de presente
Ai minha amante Sinh;i,
!

Ai que riso me dá,


Ladrãosinho da minha|Sinhí
Gosto de ti,
O' ladrão dá cá.

Sobrancelhas de retroz,
OUios de viva alegria,
Vê o pago que tu deste
A quem tanto te queria.

Alerta, pombinha branca,


Que anda caçador na terra,
Com espingarda de ouro,
Onde faz ponto não erra.
DANSAS 367

MARIA CACHUCHA
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Maria Cachucha,
Quem te cachtichou?
— Foi um frade Loyo
Que aqui passou.

Maria Cachucha,
Que vida é a tua?
— Comer e beber,
Passear na rua.

Maria Cachucha,
Não vás ao Rocio;
Toma lá dinheiro.
Sustenta o teu brilho.

Maria Cachucha,
Não vás ao quintal
Bm sainha branca,
Que parece mal.
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.368 JOÃO DO RIO

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DANSAS 369

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Maria Cachucha,
Com quem dormes tu?
— Eu durmo sósinha
Sem medo nenhimi.

Maria Cachucha,
Se fores passeiar,
Vae pelas beirinhas,
Pódes-te molhar.

21.
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370 JOÃO DO uia

OH! SOLIDÃO
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Se fores ao cemitério
Oh ! solidão, solidão !

No dia do meu enterro,


Ai, ai. ai, ai, ai, ai, ai

Pede á terra que não cô:iia.


Oh ! solidão, solidão !

As tranças do meu cabello.


Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai

Bscreve com tua mão


Sobre a minha sepultura :

— Aqui jaz quem sempre teve


Muito amor, pouca ventm*a.

Meus males, minhas desditas


Remédio não podem ter;
Só deixarei de ser triste
Quando deixar de viver.

Quando vou por meu caminho,


A chamar pela ventura
Não acho melhor descanço
Do que a paz da sepultura.
DANSAS 371

Adag-lo. do/ce.

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Se fores ao ce-mi te - ri-o,

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372 JOÃO DO UIO

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'Em hei de morrer... morrer...
Não sei a hora nem quando;
Terra que me has de comer
Pódes-te ir apparelhando.
DANSAS 373

REU, REU, PUM!


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374 JOÃO DO RIO

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Uma velha, muito velha,
Pum!
Mais velha que o meu chapéu,
Pum, catapum,
Agora, agora,
Reu, reu, pum
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Fallaram-llie em casamento,
Pmn!
Ergueu as mãos para o ceu
Pum, catapum,
Agora, agora,
Reu, reu, pimi

Uma velha, muito velha,


Prmi!
Mais velha que a saragoça,
Pum, catapmn,
Agora, agora,
Reu, reu, pmn !

Fallaram-lhe em casamento
Pvmi!
De velha tornou-se moça,
Pmn, catapmn,
Agora, agora,
Reu, reu, pmn
376 JOÃO DO RIO

PIROLITO

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Tu dizes qne não, que não,


Inda has de vir a querer;
Tanto dá a agna na pedra
Qne'*a faz anKdkcer.

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DANSAS 377

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378 JOÃO DO RIO

Pirolito que bate que bate,


Pirolito que já bateu;
Quem gosta de mim é ella
Oiiem gosta d'ella sou eu.

Meu amor, quem cala vence,


Mais vence quem não diz nada;
Em certas occasiões,
Mais vale bocca calada.

Quem de mim te poz tão longe.


Não teve boa eleição;
Quanto mais longe da vista.
Mais perto do coração.

Muito padece quem ama,


Mais padece quem adora.
Mais padece quem não vê
O seu amor a toda a hora.

Eu hei de te amar, amar,


Hei de te querer, querer;
Hei de te tirar de casa
Sem teu pae, nem mâe saber.
DANSAS 379

CHARAMBA
H' «V

O cantar á meia-noite
E' um cantar excellente :

Accorda quem está dormindo,


Alegra quem está doente.

A sem a prima
viola
E' como a filha sem pae :

Cada corda seu suspiro,


Cada corda seu ai.

Senhor mestre da viola,


Dizei se quereis ou não
Que eu cante uma cantiga
Ao toque da vossa mão.

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380 JOÃO DO RIO

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DANSAS 381

Cante lá uma Ccintiga,


Deixe ouvir a sua voz;
Ou diga lá um segredo,
Que fique aqui entre nós.

Ai quando eu aqui cheguei


!

Esqueceu-me a cortezia;
Agora, que estou cá dentro.
Viva toda a bizarria.

Cantae, menino, cantae.


Se não cantaes canto eu,
Eu nâo posso estar calada.
Foi dote que Deus me deu.
382 JOÃO DO RIO

O ARROZ ESTÁ CRU


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Alecrim da borda d'agua,


Deita cheiro que rescende;
Assim é o meu amor :

Onde chega logo prende.

A mim não m'enganas tu !

A panella ao lume,
O arroz 'stá crú !

'Stá crú, deixal-o cozer;


Dizem mal de mmi,
Deixal-o dizer !

Bsta noute choveu neve,


Cahiu a folha ao feijão;
Hei de lograr os teus olhos.
Amor do meu coração.

Tu pediste a minha mão


Sem saber o voto meu;
Minha mãe governa tudo,
Mas em mim governo eu.
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DANSAS 38Í

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384 JOÃO DO RIO

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Se te quiz bem foi um sonho.
Se te amei, foi falsidade;
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Foi emquanto não achei


Amor da minha vontade.

Se a lembrança de perder-te
Me atormenta o coração,
Que fará quando soffrer
A nossa separação?
DANSAS 385

ENTÃO, ÉS O MEU AMOR?


^ ^

No meio d'aquelle mar,


Então,
Está xmia pedra redonda.
Então, és o meu amor?
Onde o meu amor se assenta
Então,
Quando vae tomar a onda.
Então, és o meu amor?

No meio d'aquelle mar.


Está luna pedra amarella,
Tem nm lettreiro que diz :

Quem ama não considera.

No meio d'aquelle mar.


Está uma pedrinJia branca.
Não é pedra nem é nada,
E' o mar que se alevanta.

No meio d'aquelle mar.


Está uma pedrinha verde.
Não é pedra nem é nada,
E' a onda que se ergue.
22
386 JOÃO DO RIO

Allegretto

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No meio d'aquelle mar,


Está mua pedrinha azul,
Onde o meu amfir se assenta,
Quando o vento não é sul.
388 JOÃO DO RIO

No meio d'aquelle mar,


Está uma pedra dourada,
Não é pedra é a barquinha
Onde vem a minha amada.

No meio d'aquelle mar.


Vem navegando o vapor,
Alegra-te coraçã»-».

Que vaes ver o teu amor.


DANSAS 389

AS! BAILADEIRAS DE GOA


^ 4-

Sou filha da nobre Gôa,


Sou da índia natural;
Aqui tenho os meus amores
K o meu rei de Portugal.

As palmas olham a terra


B as arequeiras o ceu;
Pois vale mais quem se cmrva
Do que quem tanto se ergueu.

Nem sempre chora quem pena,


Nem sempre o miar mostra escolhos,
Nem sempre ri quem se alegra,
Nem dorme quem fecha os olhos.

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JOÃO DO RIO

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392 JOÃO DO RIO

O LADRÃO MORREU
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A comer tomates :

Meninas bonitas
Não são p'ra alfaiates.

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Ai, ai, que me pica,
Ai, ai, que me arranha.
Ai, ai, que me ferra
Aquella aranha.

O ladrão morreu
A comer castanhas :

Meninas bonitas
Não são para aranhas.

O ladrão morreu
Em comes e bebes;
Meninas bonitas
Não são p'ra algibebes.
394 JOÃO DO RIO

SENHOR LADRÃO

O' senhor ladrão


Ande direitinho,
Não queira ficar
No meio sósinho.

No meio sósinho
Não hei de ficar,
Que a esta menina
Me vou abraçar.

A esta menina
Que agora entrou
Deixem-a dançar
Oue ainda não dançou.
DANSAS 395

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396 JOÃO DO RIO

OH! LADRÃO

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O' ladrão, ladrão.


Que vida é a tua !

Comer e beber,
Passear na rua.

Toma, leva, amor.


Que vida é a tua
Toma, leva, amor.
Passear na rua.

O ladrão, ladrão,
já lá vae p'ra o Pio,
No meio do caminho
Deu lun assobio.
dansas 397

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Co-nier e be-lier, pas-íe

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23
398 JOÃO DO RIO

OH ! SENHORA ANNA
v»/ v.»

O' seiíliora Anna,


Reprehenda o seu gallo,
Que a minha galliiiha
Anda a namoral-o.

O' setiJiora Anna,


O' senhora Iria,
O meu gallo canta,
O seu assobia.

Alieg-ro.

Áii-ua o seu R-n - to


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DANSAS 399

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ta-danaeara do

O senhora" Anna,
O' senhora Helena,
Faça os caracoes
A' sua pequena.
400 JOÃO DO nn)

O TREVO

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P'ra apanhar o trevo,


O trevo no ar;
P'ra apanhar o trevo
N'uma noite de luar.

P'ra apanhar o trevo


Não te encolhas, o' Maria,
P'ra apanhar o trevo
Mesmo ao romper do dia.

P'ra apanhar o trevo,


O' Maria, não te encolhas,
P'ra apanhar o trevo,
O trevo de quatro folhas.

DANSAS 401

Andante

Pra apanhar o
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402 JOÃO DO RIO

MALHÃO
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Oh Malhão, triste Malhão,


!

Oh Malhão, triste coitado


!

Por tua causa, Malhão,


Ando roto, esfarrapado.

Oh ! Malhão, triste Malhão,


Triste vida eu te hei de^dar
E não hei de casar contigo.
Nem te hei de deixar casar.

Oh! Malhão, triste Malhão


Oh Malhão
! endiabrado.
Por tua causa. Malhão,
Hei de morrer estafado.

Oh ! Malhão, triste Mallião,


Oh ! Malhão, sem ter rival,
E's da terra do bom vinho,
E's do Porto natural.
DANSAS 403

dante.

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40 JOÃO DO RIO

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DANSAS 405

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Malhão, triste Malhão,
!

Triste ha de ser o teu fim;


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Has de acabar os teus dias


A' porta d'vmi botequim.

Oh Malhão, triste Malhão,


!

O que fostes e o que és!

Oh Malhão que está virado


!

Co'a cabeça para os pés.

23
40G JOÃO DO RIO

MÁRCIA BELLA
v!/ Vf'

Vae-te embora, cruel sorte,


Vae com as feras viver;
Oh Mareia bella,
!

Tem dó, tem dó,


Foge á tua mãe
Vem para mim só.
Que as mesmas feras raivosa
Horror de ti hão de ter.

Gentil borboleta
Que andas girando,
Com novas ideias
Me estás enganando.

Meu amor, se te prenderem


Dá-le logo á prisão :

Não haja navio,


Não haja galera.
Que embarque o ju bem m
P'ra fora da terra.
.

DANSAS 407

m Moderato

Vaete em bo

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ra crvi-el sor-te.

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408 JOÃO DO iiro

Que do Limoeiro
as chaves
Estão todas na minha mão.
O' mar, se queres,
Tem dó de mim.
Não diga o mundo
Que eu morro assim.
DANSAS 409

MARIANNITA
».;' *''

Mariannita foi á fonte,


A cantarinha quebrou :

Ah ah! ! ai ! oh meu lindo amor.


!

Ah ah ! ! ai ! dehcada flor.
Mariannita não tem culpa,
Culpa tem quem a mandou.
Ah ! ah ! ai ! oh ! meu lindo amor.
Ah ! ah ! ai ! delicada flor.

Mariannita foi á fonte,


Lá fora, aos Olivaes,
Ah! ah! ai! etc.
Ah ! ah ! ai ! etc.
A outra ficou em casa
Dando suspiros e ais.

Ah ah! ! ai ! etc.
Ah ah! ! ai ! etc.
410 JOÃO 10 RIO

Os olhos da Mariannita,
São bonitos, na verdade :

Ali ah ai etc.
! ! !

Ah ah ai etc.
! ! !

Não são grandes nem pequenos,


São muito á minha vontade.
Ah ah ai etc.
! ! !

Ah ah ai etc.
! ! !

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DANSAS 411

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412 JOÃO DO RIO

A FAMÍLIA DOS CARECAS


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Sapato e meia de seda


Nunca eu te comprarei :

Se quizeres andar descalço


Então, sim, eu casarei.

Careca o pae,
Careca a mãe.
Careca a avó
B os netos também,
Com toda esta família
Não gastei nem lun vintém.

Camisinha de setim
Nunca eu te comprarei :

Se a quizeres usar d'estopa


lintão, sim, eu casarei.

Careca o pae.
Careca a mãe,
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DANSAS 413
Careca a avó
B os netos também,
Com toda esta família
Não gasteinem um vintém.

Andante,

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Sa- pa-to emeia de se - danua- ca

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414 JOÃO DO RIO

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vó eosnetostam-hem; Com to -da es-tafa-

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DANSAS 415

OH ! ADRO
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Hei de vestir a minh'alma


Das pennas d'um"'passarinlio...
Até as pennas me servem
P'ra fazer um vestidinho.

Oh ! adro, oh adro, oh adro,


José.
Oh ! adro de Santa Cruz :

Os homens são o^demonio,


José.

Santo nome de Jesus !

Se o meu amor fora António


Mandara-o engarrafar,
Em garrafinha de vidro
Para o sol o não crestar.

Oh ! adro, oh ! adro, oh ! adio,


José.
Oh ! adro de Santo António,
Os homens são uns santinhos,
José.
As mulheres são n'o demónio.
^
il6 JOÃO DO RIO

Andante.

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Quem tem amo^^es não dor

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DANSAS 417

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418 JOÃO DO RIO

ARREDONDA A SAIA
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Debaixo da ramadinha
'Stão^cho vendo umas pinguinlias
Todos têm os seris amores.
Só_eu estou a torcer linhas.

Arredonda a saia.
Arredonda a saia,
Arredonda-a bem;
As voltas que der's ao par,
Oh do ran, tan, tan.
!

Oh laró, meu bem.


!

Coração perto da bocca,


Faz mn peito que regala :

Em certas occasiões
Arrebenta se não falia.

De traz da roseira nasce


Fogo que abraza dois Imnes,
Quem é rendeiro d'amores
Paga a renda de ciiunes.
. .

DANSAS 419

^ Andante

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De - bai-

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420 JOÃO DO lUO

Ar re-don-da a jsai-a,ar-re-donda a

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tan, oh la-ro, meu hem,

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DAXSAS 421;

BATE OS REMOS
^ ^

Se te vir e não te fallar,


Não o ignores, amor;
Bate os remos,
Cachopinha,
Bate os remos,
Lá no mar
E' que nós andemos.

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Allegro.

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PSe te VIP não
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24
422 JOÃO DO RIO

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mar é que

lXiJIlíxI
DANSAS 423

Que me trazem vigiada


Como o cão do caçador.
Bate os remos,
Cachopinha,
Bate os remos,
Ivá no mar
E' que nós andemos

Dizes que os falsos t' adoram,


Quem te quer bem que fengana;
E's leal a quem te é falso,
E traidora a quem te ama.

De que me serve eu dar ais.

Abrir os céus com gemidos;


Se tão grande é a distancia,
Que meus ais não são ouvidos.

Amar-te, querer-te bem.


Tudo isso, amor, farei;
Mas andar atraz de ti,
Isso não, é contra a lei.

Segunda-feira te amo.
Na terça te quero bem;
Na quarta por ti espero,
Na quinta por mais ninguém.

Na sexta dou um suspiro,


Sabbado digo por quem,
No domingo vou á missa
Para ver quem me quer bem.

O sol anda e desanda.


Para tomar a nascer;
Eli não ando nem desando,
Sou fiel até morrer.
i24 JOÃO DO RIO

A CORADINHA

o beijinho que me deste


Sem meu pae nem mãe saber,
Toma-o lá, toma a acceital-o.
Que já lh'o foram dizer.

Coradinha, feiticeira,
Kncaiito dos meus amores,
Os teus lábios côr de rosa
Dão beijinhos matadores.

Coradinha, olé, oh ! hnda !

Coradinha, olé, meu bem.

Andantino. Da2 vez com S**

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DANSAS 425

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24.
426 JOÃO DO RIO

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dinha, o -lé,
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meu bem.

-^"UJT^
Dá-me um beijo, dou- te doip,
A minha paga é dobrada;
Porque é brio dos amores
Pagar e não dever nada.

Coradinha, etc.

Oh meu amor, quem me dera.


!

Quem me dera sempre dar-te.


Beijinhos até morrer,
Abraços até matar-te.

Coradinha, ett^.

Meu amor, se te arrependes


D 'algum bem que me fizeste,
Dá-me os beijos que eu te dei
Pelos que tu já me deste.

Coradinha, etc.
DANSAS 427
Dá-me os beijos que tendei.
Que já lá tens mais de mil,
Dá-me os que agora te peço,
Os outros deixa-los ir.

Coradinha, etc.
428 JOÃO DO RIO

OLHA A TRIGUEIRINHA
^ ^

Ali e gr ettp.
1
/ Ja la Yae, ja se a - ea -

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nos-sa fe-li-ci-da-de. SÓ me
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DAN=5AS 429

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zi- nho.ai.ai, aiquesevaeem -Jdq -
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J' J U Il

Já lá vae, já se acabou,
A nossa felicidade,
Só me resta d'esta vida,
Uma eterna saudade.

Olha a trigueirinha,
Olha a trigueirinha, chora,
Pelo seu bemzinho,
Ai, ai, ai, que se vae embora.

Mal haja quem mventou


No mar andarem navios;
Que esse foi o causador
Dos meus olhos serem rios.
Olha a trigueirinha, etc.
430 J0.\0 DO RIO

Oh ! terra dos meiís amores,


As costas te vou virando;
Minlia bocca vae sorrindo,
Os meu olhos vão chorando.

Olha a trigueirinha, etc.

A saudade é um mal,
Que nem respirar permitte;
E' uma anciã, é um tormento,
B' uma dôr sem limite.

Olha a trigueirinha, etc.

Dizem que o chorar consola,


Eu chorar não chorarei.
Que assim perdi a saudade,
A que já me acostumei.

Olha a trigueirinha, etc.


DANSAS 431

ONDE LEVA A MOÇA


*^ ^

Ando por aqui de noite,


As folhinhas me põem medo,
Bem poderás tu, menina,
Tirar-me d'este degredo.

Onde leva a moça,


O' senhor soldado?
— I^evo-a roubada,
Que é do meu agrado.

Quero ter-te sobre o peito»


Onde bate o coração :
Mas não digas a ninguém
Os^suspiros porquem são.

Onde leva a moça,


O' senhor sargento?
— Levo-a roubada
P'ra o meu regimento.
432 JOÃO DO RIO

Alevanta esses teus olhos


Debaixo d 'essas pestanas,
Que eu quero couliecer bera.
As luzes com que me enganas.

Onde leva a moça, etc.

Oh meu
! amor, não estranhes
De eu para ti não olhar :

Isto são disfarces meus


Para o mimdo não falar.

Onde leva a moça, etc.

Triste quem d 'amores morre.


Mais triste quem d 'amores vive.
Que eu morro pelos que tenho
E p'los amores que já tive.

Onde leva a moça, etc.

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V-Mi^
An-do

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por

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a - qui de

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noi - te, as fo- Ihi-uhas

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DANSAS 433

mê- do, Lem po-dé-jas tu. Bie-

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111- Há, ti-rar-me d*es-te de

n"r T f T V-f-fi
434 JOÃO DO RIO

O mal d'amor'3 não tem cura ? !

O mal d'amor's cura tem;


Ajmitem-se dois amores.
Mal d' amor 's ciira-se bem

Onde leva a moça,


Senhor capitão?
— I^evo-a roubada
P'ra o meu batalhão
DANSAS 43Õ

VALSA REVALSA
<^ •í'

A valsa revalsa,
Toma a revalsar
Esta revalsínha
Veio da beira-mar.

Veio da beira-mar
Veio da beira-mar
A valsa revalsa,
Toma a revalsar

Não- canteis a valsa


Porque a não sabeis;
Cantae commigo
Vo'la aprendereis.

Vo'la aprendereis,
Vo'la aprendereis;
Não canteis a valsa
Porque a não sabeis.
) -

436 JOÃO DO RI

A valsa de quatro
Tem muito que ver,
EUa bem daiiçad
K' ver e morrer.

E' ver e morrer,


W ver e morrer;
A valsa de quatro
Tem muito que ver.

Allegretto.

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DANSAS 437

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438 JOÃO DO RIO

QUITOLLIS

^ ^

Taberneira deita vinho,


Deita vinho com fartura,
Que O dinheiro do estudante,
Tarde vem e pouco dura.

Ai ! amor's, ai ! amor's, ai ! amores.


Ai ! amores do meu coração !...

QuitoUis, quitolhs, quitoUis,


Peccata mimdis, miserere nobis.
Ai amor's, ai amor's, ai amores,
! ! !

Ail amores do meu coração 1...


Cartollas, cartoUas, cartollas,
Pipas, cangirões, misérias dos nobres

O amor do estudante
E' em quanto está presente;
Tira o chapéu, vae-se embora,
Fiaes-vos lá n'essa gente.

Ai 1 amor's, etc.
DANSAS 439
O amor do estudante
Não dura mais que uma hora
Toca o sino, vae p'r'as aulas
Vêm as ferias, vae-se embora

Ai ! amor's, etc.
440 JOÃO DO RIO

MEIA VOLTA AO AR

^ ^

Oh rapaz agarotado.
!

Quem te deu a rapariga?


Meia volta ao ar,
Se a tu sabes dar?
A ti, meu bemzioho.
Não te hei de eu deixar.
Roubei-a hoatera á noite.
Arrisquei i minha vida.
Meia ToHa ao ar, etc.

Oh ladrão que me enganaste.


!

Sendo eu tão rapariga;


O inferno tens-Fo certo.
Cadeia p'ra toda a vida.

Aqui venho por te ver,


Poi te ver aqui cheguei ;

Para que saibas, amor,


Prometti-te e não faltei.
DANSAS 441
Façamos, meu bem, as pazes,
Como foi da outra vez :

Quem quer bem sempre perdoa.


Uma, duas, até três.

Náo quero fazer as pazes


Como foi da outra vez:

Quem quer bem mmca o 'fende,


Nem uma quanto mais três.

25
442 JOÃO DO RIO

OH MENINAS,
!

BRINQUEM, BRINQUEM
^/ ^

o coração não se vende,


E' prenda d' alto valor;
Nem se vende, nem se dá,
Troca-se só por amor.

Oh meninas, brinquem, brinquem,


!

Oh meninas, brinquem bem


!

Oh amor troca o teu par.


!

Já cá está, meu doce bem.

Em qualquer pocinha d'agua


Bebe a cobra e nada o peixe;
Por mil enredos que hajam,
Não receies que te deixe.

I/argos dias tem cem annos,


Meu amor deixa-te estar (andar)
Ainda te has de arrepender,
Sem te valer o chorar.
DANSAS 443
Minha mãe me chamou Rosa.
Minha sina é desgraçada;
Pois não ha nenhuma rosa
Que não morra desfolhada

Todo o logat é jardim


Onde os suspiros se dão;
Quer seja no povoado.
Quer seja na soHdão.
444 JOÃO DO RIO

RECADINHO
^ ^

o cravo depois de secco


Significa (r)amor perdido :

Antes que eu queira não posso


Tirar de ti o mentido.

Agua leva o regadinho,


Vae regar o alecrim;
Vira par e troca par,
Vira-te p'ra aqui Joaquim.

tjuando a ro»,a e mais bonita


Tantos mais espitihos tem
Teus feitiços têm-me preso,
Só a ti eu quero bem.

Agua leva o regadinho,


Vae regar o almeirão;
Vira par e troca par,
Vira-te p'ra aqui João.
DANSAS i45

NÓSjá somos conhecidos


Como antigos namorados :

Tu és imia feiticeira.
Tu tens sido os metis peccados.

Agua leva o regadinlio;


Vae regar o arcipreste;
Vira par e troca par,
Vira-te pr'a aqui Silvestre.

O nosso cura zangado,


IVIinha mãe já reprehendeu ;

Isto não é vida assim,


Tir-te lá, arrenego-te eu

Andante,

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446 JOÃO DO RIO

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Agua leva o regadinho,


Vae regar o moscatel;
Vira par e troca par,
Vira-te p'ra aqui Manoel.
!

44S JOÃO DO RIO

OH SENHOR CADETE
!

v5/ </

Pelo mar abaixo


Vae ixma cabaça.
Se ella leva vinho,
Oh ! tre-lan-tan-tan.
Tem a sua graça.
Oh ! tre-liu-tiia-tin,

Oh ! tre-lan-tan-tan,
Oli ! tre-lin-tin-tin.
Oh do Mantangni
!

AUi mais abaixo,


Alli mais além,
Se vende aguardente.
Oh do rmn-tum-tum,
!

Copos a vintém.
Oh laré cantando,
!

Flandim, flandim.
Oh laré dançando.
!

Para o seu bem.


DANSAS 449

OH MÃE, DÈ-ME PÃO


^ ^

Quando eu não tinha


Contigo amorefí,
Bstava recolhida
No jardim das flores.

Oh mãe dê -me pão;


!

Oh filha não tenho;


!

Estou peneirando,
Espera que eu já veulio.

Saudade roxa,
Roxa saudade I
Deixa que eu virei.
Mais cedo ou mais taide.

^Igmn dia, era


Agora já não
Da tua roseira
O melhor botão
!

450 JOÃO DO RI o

NÃO MATEIS O BICHO


^ ^

Tenho um bicho cá por dentro


Que me roe e está roendo;
Qiianto mais afago o bicho
Mais o bicho vae comendo.
São coisinhas doces
Que fazem chorar.
Não mateis o bicho
Que me quer matar
Ai amores
!

Dae soccorro;
Ai ! ai ! ai ! ai
Que por ti morro.

Tenho um bicho cá por dentro


Que faz artes do diabo;
Quanto mais afago o bicho,
Mais o bicho encrespa o rabo.
São coisinhas doces
Que fazem chorar.
Não mateis o bicho
Que me quer matar.
!\

DANSAS 451

Ai ! amores
Dae soccorro;
Ai ! ai ! ai ! ai
Que por ti morro.

Tenho um bicho cá por dentro


Que faz um tá, tá, tá, tá;
Quanto mais afago o bicho.
Mais o bicho pulos dá.
São coisinhas doces
Que fazem chorar.
Não mateis o bicho
Que me quer matar.
Ai ! amores
Dae vSoccorro;
Ai ! ai ! ai ! ai

Que por ti morro.


452 JOÃO DO RIO

A SEREIA
^/ ^.

likno mar anda a sereia,


Anda á roda do navio;
Inda está para nascer
Quem ha de lograr teu brio.

Lá no mar anda a sereia,


Anda á roda sem se ver;
Quem ha de lograr teu brio
Inda está para nascer.

lyáno mar anda a sereia.


Anda á roda do vapor;
Inda está para nascer
Quem será o meu amor.
DANSAS 453

A VIDA DO MARUJO
^

Triste vida é a do marujo !

Qual delias a mais cansada !

Por amor da triste soldada,


Passa tormentos,
Passa tormentos.
Dom, dom.

Andar á chuva e aos ventos.


Quer de verão, quer d'iiivemo.
Parecem o próprio inferno.
As tempestades,
As tempestades,
Dom, dom.

As nossas necessidades
Nos obrigam a navegar,
A passar tempos no mar
K aguaceiros,
E aguaceiros.
Dom, dom.
!

454 JOÃO DO RIO

Passam-se dias inteiros


Sem se poder cozinhar.
Nem tão pouco mal assar
Nossa comida.
Nossa comida
Dom, dom..

Arrenego de tal vida.


Que nos dá tanta canseira
Sem a nossa bebedeira
Nós nào passamos,
Nós não passamos
Dom, dom.

Quando descansados estamos


No rancho a socegar,
Eíntão é qu'ouço gritar
O' leva a riba,.,
O' leva a riba...
Dom, dom.

Quando penso que é comprida


A noite p'ra descansar.
Então é que ouço gritar
O' leva a riba...
O' leva a riba...
Dom, dom

O capitão logo se estriba,


Dizendo desta maneira
« jNIoço ferra a cevadeira
E o joanete, »
B o joanete.
Dom, dom
DANSAS 455

Também ferra o seu falsete


Por mais não poder gritai ;

Cada qual a seu lugar,


Até ver isto.
Até ver isto.
Dom, dom.

Mais me valera ser viste


A' porta d'vim botequim
Do que ver agora o fim
A' minha vida,
A' minha vida
Dom, dom.

v^ejo vir vmi aguaceiro.


Vejo o mar arrebentar,
Então me alembra ir parar
A algiuna praia.
A algmna praia.
Dom, dom

Onde nasce a triste raia


Juntamente o tubarão.
Que me arranca a raiz d'alma,
K também o coração.
O coração
Dotn, dom

Quando me jimto á companha,


A' noite p'ra descansar,
Então é que ouço tocar
Certa matraca.
Certa matraca.
Dom, dom.
456 JOÃO DO RIO

O cabello logo se estaca,


O coração logo treme,
Em cuidar qvie heide ir ao leme
Eístar duas horas,
Kstar duas horas.
Dom, dom.

Ivcmbram-me certas senhoras,


Com que eu me dava em terra,
Que agora me fazem guerra
Ao meu dinheiro.
Ao meu dinheiro.
Dom, dom.
DANSAS 457

CAVACO DO RIO

^ ^

Ai eu sou cavaco do rio


!

Ai veio a cheia levou-me,


!

Ai A tua porta menina


!

Fez um remanso e deixou-me.

Aqui mais abaixo,


Aqui mais além,
Fugiu-me o meu par.
Vou ver se elle vem

Cheguei á borda do rio,


Aos ollios dei Uberdade,
Bem tolinho estava eu
Ouando te fiz a vontade.

Ai ! este rio hndo é


U d'umas aguas bem puras.
Ai ! assim fossem as lagrimas
Do amor que tu me juras.

26
458 JOÃO DO RIO

Fiiidespedir-me do rio,
Das pedrinhas de lavar.
Só de ti, meu querido bem,
Ku me não posso apartar.

Muitas voltas dá o rio


Ao redor do amieiro;
Mais voltas dá o amor,
Sendo leal, verdadeiro.
DANSAS 459

MANE CHINE
^ *ir

Se os meus tristes ais voassem,


Oh! Mané Chiné;
Daria mil cada hora;
Vá di banda,
Di banda é que é;
Vá di banda.
Oh Mané
! Chiné.
Iriam bater no peito.
Oh Mané Chiné,
!

De quem me lembrou agora,


Vá di banda,
Di banda é que é,
Vá di banda.
Oh Mané Chiné.
!

O amor que em ti pixz,


Antes o puzera n'agua;
A agua vae e não volta,
Não deixa penas nem magua,

O tempo em que te amei.


Melhor estivera doente;
Tempo tão mal empregado
Dado de tão boamente.
460 JOÃO DO RIO

Vae-te embora amor ingrato


Que eu não quero nada teuj
Foste repartir com outro
Um amor que era só meu.

Meu amor em braços d'outro


Como estava divertido;
Deixal-o ter essa gloria
Que a paixão fica commigo.

Anda cá, meu preto, preto,


Meu queimadinho do sol;
Quanto mais preto mais íàrme,
Quanto mais firme melhor.

Os olhos do meu amor


?ão cadeias de bom ferro;
De tal modo me prenderam
Que eu outros amores não quero.
DANSAS 461

RU-CHU CHU

^ ^

As pombinhas de Cath'riua.
Andaram de mão em mão,
Foram ter á quinta nova,
Ao pombal do D. Joã :.

Ao pombal do D. João,
A' quinta da Rozeirinha;
Andaram de mão em mão.
As pombinhas da Cath'rina.

Quem me chama Ru-chu-chu, (i)

Meu amor, gosto me dá,


Ru-chu-chu, agora, agora,
Ru-chu-chu, agora, já.

Minha mãe mandou-me á fonte,


E eu quebrei a cantarinha;
Oh minha mãe não me bata,
!

Que eu ainda sou pequenina.


26.
462 JOÃO DO RIO

Que eu ainda sou pequenina.


Minha mãe não bata não;
Eu não volto á qxiinta nova.
Ao pombal do D. João.

Vós chamaes-me Ru-chu-chu,


Meu amor, não se me dá;
Ru-chu-chu, agora, agora,
Ru-ch*vi chu, agora, já.
DANSAS 463

SAN PEDRO
^ ^

Nas praias da Galiléa


Andava o nosso San Pedro
A lançar a rede ao mar,
Sem ter confusão nem medo.
Vede, raparigas, vede
Como o Santo lança a rede.

Andava o nosso San Pedro


E)os mais da companhia.
Já meio descoroçoados
Pela pouca pescaria.
O peixe que a rede dava
Nem só p'ra elles chegava.

Appareceu o Senhor
A'quella sociedade,
Mandou-lhes deitar a rede
A' direita de Deus Padre.
A' mão direita a lançaram
E muito peixe caçaram.
464 JOÃO DO RIO

Foram-se a alar as redes,


E tanto peixe malhou.
Que só metade da rede
O barquinho carregou.
Torce rede, eia, safar,
E) a terra descarregar.

San Pedro desde pequeno


Foi marinheiro do mar,
K agora já tem as chaves
Do paraizo real.
Torce rede, eia, safar

'H a terra df^scarregar.

A quem daremos as chaves


Da nossa embarcação?
Dál-as-hemos a San Pedro
Que nol-as traga na mão.
Festejemos com alegri?
A San Pedro n'este dia.
DANSAS 465

CUPIDO TRAIDOR

^ ^

Cantando cantigas,
Andando a bailar,
Descobrem-se as ligas,
A' luz do luar.

Cupido traidor,
Que este jogo inventou;
Temos corações
De veneno trespassou.

Fujamos das settas,


D 'esse tal sujeito.
Fazendo barreiras
De peito a peito.

Se eu quizera amores
Tinha mais d'um cento,
Raparigas novas,
Cabeças de vento.
466 JOÃO DO RIO

Amores, amores,
Como eu tinha tido !

Agora já não
Que me tem morrido.

Se eu qxiizera amores
Tinha mais de mil.
Rapazinhos novos.
Que vem do Brasil.
DANSAS 10/

VIRA AO NORTE !

^ «^

Raparigas, cantae todas.


Que ainda aqui não ha tristeza:
Inda aqui não ha quem tenha
Sua hberdade presa.

Ora vira ao norte,


Vira ao norte, vira ao sul
Quando vira ao norte
Fica o ceu azul,
Vira, vira,
Torna-te a virar.
Isso são beijinhos
Que me estaes a dar.

E)u perdi o meu lencinho.


No terreiro a dançar.
INIinha mãe não :ne dá outro,
Bm cabcllo hei de andar.
468 JOÃO DO RIO

Quando te encontro na rua,


Baixo os olhos n'um momento
Olho p'ra a terra que pizas
E com isso me contento.

A folhinda do salgueiro
De amarella encar'colou :

Bstavas p'ra mim tão firme,


Oh amor, quem te virou ?
!
DANSAS 469

SAN GONÇALO
^ 'i^

San Gonçalo d' Amarante,


Casamenteiro das velhas,
Porque não casaes as novas?
Que mal vos fizeram ellas?

San Gonçalo
D'Amarante,
Quer que lhe baile,
Quer que lhe cante.

San Gonçalo d'Amarante


Feito de pau d'amieiro,
Irmão do pau dos meus soccos,
Creado no meu lameiro.

Oh meu San Gonçalo,


!

Meu San Gonçalinlio,


Bu quero casar,
Dae-me iim maridinho.
27
470 JOÃO DO RIO

Seis barricas d'alcatrão,


Grande orchestra de badalo,
Eis aqui a grande festa
Que se faz a San Gonçalo.

Oh meu San
! Gonçalo,
Oh meu rico
! santo :

Attendei ás moças
Que vos pedem tanto.
!

DANSAS 471

TENHO PENA, TENHO DOR


^ ^

Quem me dera ir ao Porto


Ver o duque da Terceira :

Ai ! ai
Tenho pena, tenho dôr;
Tenho pena d'elle,
Que era o meu amor

Coro : 'Bi eu também.


Meu Undo bem.
Era fino, muito fino,
Mas cahiu na ratoeira.
Ai ! ai !, etc.

Foi a espada mais nobre


A do duque da Terceira;
Ai ai etc.
! !,

Foi tão bravo, tão valente


No attaque d'Asseiceira.
Ai ai !, etc
!
472 JOÃO DO RIO

No Porto, Manuel Passos


Prende o duque da Terceira,
Ai ai !, etc.
!

Por andar de noite occulto


Conspirando na Ribeira.
Al ai !, etc
!
DANSAS 473

TOMA LÁ, AMOR


^ ^

Muito chorei eu
Domingo á tarde,
Aqui está meu lenço
Que diga a verdade.

Que diga a verdade,


Oh sim, sim, mais nada não
1 !

Toma lá amor
O meu coração.

O meu bem me disse


Que lhe desse um beijo;
Aqui tem meu rosto.
Cumpra o seu desejo.

Cumpra o seu desejo.


Oh sim, sim, mais nada não
! !

Toma lá, amor,


O meu coração.
474 JOÃO DO RIO

Se eu quizera amores,
Mais de cem eu tinha :

Fico assim melhor


Que estou solteirinha.

Que estou solteirinha,


Oh sim, sim, mais nada não
! !

Toma lá, amor,


O meu coração.
DANSAS 475
9

DIGO DAF, OH! TlROLl !

^ ^

Tenho um ainor, tenho dois,


Tenlio não quero mais;
três,
Para que hei de querer amores
Se elles me não são leaes?

Se te adorei foi um sonho,


Se te quiz foi falsidade.
Foi emquanto não achei
Amor á minha vontade.

Eu tenho quatro amores.


Dois de manhã, dois de tarde j
Com todos me rio e brinco.
Só a imi fallo verdade.

Prendi-me na silva verde


A' porta da viuvinha...
Quem de viuva nos prende
Que faria em solteirinha i...
476 JOÃO DO RIO

ORA, ADEUS! ADEUS 1

^ ^

Ora adens, adeiis.


Adeus que eu me vou
Não chores, amor,
Que eu md'aqui'stou

O meu bem me disse,


B achei-lhe gracinha :

— 'Stá chegado o tempo


De tu seres minha.

Ao dmo da praça
Se vende aguardente,
A dez reis o copo
Que regala a gente.

Oh I amor, amor,
P'ra que é que disseste.
Que havias de vir,

E nunca vieste?
DANSAS 477

Meu bem não tem nada


E eu sou pobresinha;
A sua riqueza
W egual á minha.
Se eu qviizera amores,
Tinha mais de trinta :

Eu tenho só um,
Stou na minha quinta.

Já tocam os sinos
Lá na freguezia;
Vão os namorados
A' missa do dia.

Toma lá, amor,


Toma lá limão,
Colhido de noite
Pela fresquidão.

Sabe bem o vinho


Por copo de prata.
Não posso q'rer bem
A quem me maltrata.

O meu coração
Ao ver- te se abriu;
Tomou-se a fechar
Quando te não via.

Por mais que tu queiras


Não foges decerto;
Entra no meu peito
Que é irni ceu aberto.
27.
478 JOÃO DO RIO

O meu bem me disse


— Oh ! linda Maria,
Essa tua cara
E' a luz do dia.
DANSAS 479

TODOS BEBEM
^ ^

Rapazes, meninos,
Fazem desatinos,
E bebem os vinhos
Na venda, senhora.

Nizas e casacas.
Capas e capotes.
Bebem aos potes
Na venda, senhora.

Também o Quintella,
Com fama de rico,
Também molha o bico
Na venda, senhora.

Também o Vigário
Com o seu canto-chão,
Bebe p'lo cangirão
Na venda, senhora.
JOÃO DO RIO

Também os Autonios,
Que são capitães.
Bebem aos tostães
Na venda, senhora

Freiras e frades,
Repicsmi os sinos
E bebem dos finos
Na venda, senhora
DANSAS 481

SERRA DE MONCHIQUE

^ ^

Desejava de encontrar-te
N'mna rua sem sabida;
Que te queria perguntar :

— Que te importa a minha vida ?

Itá na serra de Monchique


Se formoit um regimento;
Ail
De cabeças de sardinhas
^ o gato é o sargento.

Os teus amores, oh ! menina.


Chegam d'aqui a I/isbôa.
A tua louca cabeça
Não vem dar em coisa bôa.

Ivá na serra de Monchique


Encontrei mna flor
Ai!
Puz-lhe no pé um lettreiro :

Não me deixes meu amor.


482 JOÃO DO RIO

A rabaça taiubeni tem


Repartimentos na folha;
Toda a vida ouvi dizer :

Emquanto ha duas ha escolhas.

Lá na serra de Monchique
Ha alecrim ás mãos chinchas;
Ai!
Tanto merecem a Deus
As altas como as baixinhas.

i
w DANSAS 483

CONSTÂNCIA

Constância, niinlia Constância,


Não sei que de ti será.
São acasos da ventura,
São voltas que o inundo dá.

Oh ! Constância não me deixes,


Que eu ainda te não deixei :

Disfarça e abraça a outrem.


Que eu também assim farei.

Entre tantas damas bellas


Só a uma escolherei :

Escolhe tu quem quizeres,


Que eu também assim farei.

Oh ! Constância não me deixes,


Que eu inda te não deixei :

No jardim de tantas rosas


Qual d'ellas escolherei?
484 JOÃO DO RIO

NOSSA SENHORA DA SAÚDE


^ «^

A Senhora da Saúde,
Só ella pôde brilhar;
Tem a sua capellinha
Ivcvantada á beira mar.

Oh Senhora da
! Saúde,
A vossa capella cheira.
Cheira a cravos, mais á rosa.
Mais á flor da larana:eira

Oh Senhora da
! Saúde,
Sois pequenina e bem feita;
Livrae os homens do mar,
Dae-lhe a vossa mão direita.

Oh Senhora da Saúde,
!

Eu hei de ir lá para o anno;


Hei de ir casada ou solteira,

Ou levada pelo mano.


DANSAS 48Õ

Oh Senhora da Saúde,
!

Senhora tão marinheira.


Inda cá hei-de voltar.
Ou casada ou solteira.

Oh Senhora da
! vSaude,
Que daes aos vossos romeiros?
— Dou agua da minha fonte.
Sombra dos meus castanheiros

Oh! Senhora da Saúde.


Senhora tão marinheira,
Deu-me vós o vosso amparo
Que eu serei vossa romeira.

Oh Senhora da Saúde,
!

Senhora, Virgem e Rainha,


Chamae-me vós afilhada.
Que eu vos chamarei madrinha.
486 JOÃO DO RIO

OH ! BALANCE
^ ^

Dizem que o amor mata,


Ai, quem me dera morrer;
Vale mais morrer d' amores,
Do que sem elles viver.

Oh ! balance, balance.
Oh balance da outra banda,
!

Hei-de amar esses teus olhos,


Inda que eu ponha demanda.

Já o meu amor dá penas.


Já tenho com que escrever.
Quantas mais penas me der.
Muito mais eu lhe hei-de querer.

D'aqui para a minha terra


E' tudo caminho chão.
Cheio de cravos e rosas,
Postos pela minha mão.
DANSAS 487

Nem a rosa da roseira,


Nem outra qualquer flor,
Nem a primavera inteira
Vai mais que o meu amor.

Ter amor é muito bom.


Quando ha correspondência,
Mas amar sem ser amado
Faz perder a paciência
488 JOÃO DO RIO

MARIA PAULA
^ ^

Oliveira pequenina,
One azeitona pode dar?
Também eu sou pequenina
Mas sou firme no amar

Oh Maria Paula,
!

Olha a Candidinha,
Que se vae embora
E eu fico sosinha.

A oliveira é a paz
Que sedá aos bens casados;
A palma aos sacerdotes, i
Alecrim aos namorados.

Amar e saber amar


Qualquer amante faz isso :

Mas amor com lealdade


Só eu nasci para isso
DANSAS 489

^ Andante,

^^
O
Tam
11

Jbem
-

^
vei - ra
eu sou
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pe-que
que

^
ni - na que a zei - to-na po-de
ni - na mas sou fir-me no a
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M
zei -
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to-na po-de
fir-me no a -
-
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dar? •^,
Oh Ma-ri - a

%
490 JOÃO DO RIO

^=n=m Pau-la, o-lhaaCaudi.


^^^
di-nhaque sevae em-

^ +

bo-ra e
m
eu fi-co so si - nha.

gtt í
A pequena
oliveira
Também dá pequena sombra;
Ainda que eu seja pequena,
Você commigo não zomba.

Amar e saber amar


Isso faz qualquer amante;
Amar depois de offendida
Só eu por que sou constante.

Amar e saber amar


São pontinhos delicados;
Os que amam não tem conta,
Os que sabem são contados.

\
A folha do oliveira
Deitada no hime, estalla;
Assim é meu coração
Quando comtigo não falia.
DANSAS 4'Jl

OH ! PRETO, OH ! PRETA
^ ^

Oh
preto, oh preta,
! !

do Bihé,
I/á
Jogas as cartas
Co chhnpazé.

Oh preto, oh
! ! preta,
Do Ronhónhó,
Jogas as cartas
Com teu sinhó.

Allegretto.

m •^
^

Oh pre-to,oh

pre - ta.

00:
^s

A^^^^^^ la do Bi - he. jo-g-asas


.

492 JOÃO DO RIO

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chimpanzé. Re-al Se-
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car - tas co'o

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^^
^
ni - ta a brin-ca -

^
dei - ra
DANSAS 493
Oh ! preto, oh ! preta,
Lá do sertão,
Jogas as cartas
Com teu patrão.

Oh preto, oh preta.
! !

De Moçambique,
Tem mão no barco
Que vae a pique.

28
; !

494 JOÃO DO RIO

MEU BEMSINHO
^ ^

Canta o melro no loiíreiro,


E o pardal nos milheiraes
Os rapazes cantam, riem,
vSó as raparigas dão ais.

Meu bemsinho,
Vou-me embora,
Faz carinhos
A quem te adora.
Meu bemsinho,
Já cá estou,
Faz carinhos
A quem te amou.

Eu nasci entre as estrellas,


Ao pé do ceu fui creado,
Perdi-me na noite escura,
Em teus braços fui achado.

O para todos nasce,


sol
vSópara mim escurece,
Desgraçada creatura
Que até o sol me aborrece
DANSAS 495
O sol é a caixa d'ouro,
A lua é fechadura,
As estrellas são as chaves
Que fecham minha ventura.

Oh estrellinha do norte,
!

Vae andando que eu já vou,


Deitando claras luzes
Já que o amor me deixou.

lyá no ceu está vmia estrella.


Que se parece comtigo.
Nos dias que te não vejo
A estrella é meu allivio.

Eu hei de amar, hei de amar,


Hei de amar bem sei a quem',
Eíu hei de amar a meu
gosto
Não ao gosto de ninguém.
r

496 JOÃO DO RIO

O REMA

^ *s^

Rema para lá lauchinha,


Ivanchinha de quatro remos
A' manhã é dia santo,
I,á em terra fali aremos.

Rema que rema,


Real fragata :
Reminho d'oiro
Tolête de prata.

Coitado quem não tem lancha


Que rema na lancha alheia;
Todo o dia rema, rema,
A' noite fica sem ceia.

Rema que rema,


Comigo, meu bem :

Diverte-te e passa
Por lá muito bem.
DANSAS 497

Todo o homem que é casado


No terreiro não tem graça
Mvdtas fallinhas que diga
Muitos tregeitos que faça.

Rema que rema.


Vamos andando
O teu rigor
Me vae matando.

Coitado de quem no mimdo


Passa a vida a navegar.
Uns dias passa sem ceia
Outros dias sem jantar.

Rema que rema.


Senhor marinheiro,
Quem não rema
Não ganha dinheiro.

28.
!!

498 JOÃO DO RIO

MARIANNA COSTUREIRA
^ ^

Marianna, costureira
Sua agulha me picou;
Não é nada, não é nada.
Ao coração me chegou.
Oh ! ai ! oh ! ai
Oh ! ai ! meu bem !

Marianna era esperta,


Não lhe chegava ninguém.

Marianna diz que tem


Sete saias de balão :

Que lhe deu mu caixeirinho


A occultas do patrão.
Oh ai oh ai
! ! !

Oh ! ai ! amor !

Das ligas da Marianna


Nvmca ninguém viu a côr.

Marianna diz que tem


Uma capa de velludo;
!!!

DANSAS 499
r Que llie deu um caixeirinho
Na semana do Entrudo.
Oh ai oh ai
! ! !

Oh ai hndinha
! !

Marianna tinha brio


Em andar sempre sósinha.

Marianna diz que tem


Um vestido de setim,
Que lhe deu irni caixeirinho
lyá das bandas do Bomfim.
Oh ! ai ! oh ! ai

Oh ! ai ! prazer,
Do porte de Marianna
Ninguém tinha que dizer.

Marianna diz que tem


líUvas e perfumaria
Que lhe deu rmi caixeirinho
Na missa do meio dia.
Oh ai, oh ai.

Oh ! ai ! ! oh ai
Marianna é sósinha
Já não tem mãe nem tem pae

Marianna é baixinha
Arrasta a saia na rua :

— Essa saia, Marianna,


Parece que não é tua.
Oh ai oh ai ! ! ! !

Oh ai que amar, ! !

Marianna era honesta


Não tinha de que corar.
500 JOÃO DO RIO

AO LEVANTAR FERRO
^ ^

A grande nau Cathrineta


Tem os seus mastros de pinho
Ai lé lé lé
! ! ! !

Marujinho bate o pé.


O ladrão do dispenseiro
Furtou a ração do vinho.
Ai lé, lé, lé,
!

Maíinheiro vira a ré.

Antes de caçar as gáveas,


PÕe-se o ferro sempre a pique;
Ai lé, lé, lé.
!

Cada qual mostra o que é.


Para a nau ficar a nado,
Abrem-se as portas ao dique.
Ai lé, lé, lé.
!

Chega tudo cá pr'a ré.

Quando as gáveas vão aos rizes,


A maruja talha o lais;

Ai ! lé, lé, lé.

Quem é moiro não tem fé.


DANSAS 5<)1

Sobem dois a impunir,


A rizar sobem os mais.
Ai ! lé, lé, lé,

Tu com tu, e cré com cré.

Quando o barco faz cabeça


Alia braços, iça a giba;
Ai ! lé, lé, lé,

Vá de longo que é maré.


Quando eUe arranca o ferro,
Vira então de leva arriba.
yy lé, lé, lé.
Virar mar e San José.

E' de usança ao quarto d'alva,


Matar na coberta o bicho :
Ai lé, lé, lé.
1

Deixa a marca, põe a pé.


Antes da baldeação
Varre o moço, apanha o lixo.
Ai lé, lé, lé,
!

Peito á barra, finca o pé.

Todo o barco que anda a corso


Caça outro que se veja.
Ai lé, lé. lé,
!

Muito ca Ire tem Guiné.


Todo o moço do convés
Caça a isca na bandeja
Ai I lé, lé, lé,

Mazagão não é Salé.


502 JOÃO DO RIO

COSTUREIRINHA GALLEGA
4' «v

Costureirinha gallega
Tu que estás a costurar?
— Um lencinho de três pontas
Para o nosso general.

Anda a roda, anda a roda.


Anda a roda de redor.
Quanto mais a roda anda,
Mais te quero, meu amor.

Costiu-eirinha gallega.
Tu que estás a costurar?
— Uma camisa de renda
P'ra dama que vae casar.

Anda a roda, etc.

Costureirinha gallega.
Tu que estás a custurar?
— A sobrep'lix do ciura.

Que a outra foi p'ra lavar.

Anda a roda, etc,


DANSAS 503

Costureirinha gallega
Tu que estás a costurar?
— Um enxoval muito rico
Para quando eu me casar.

Anda a roda, etc


;

504 JOÃO DO RIO

OH ! ANNA SÓ TU ÉS ANNA
«v

Além vae a presumida


Rua cheia de ninguém :

Ella cuida que é bonita


Nada d'isso ella tem.

Oh Anna,
! só tu és Anna,
Oh Anna,
! só tu és minha
Oh Anna,
! só tu és Anna,
Das Annas a mais lindinha

Aquella menina cuida


Que não ha outra no mundo :

Não ha poço, por mais alto,


Que se lhe não chegue ao fvmdo.

Oh Anna,
! três vezes Anna,
Oh Anna,
! feitade cera :

Quem fora braza de liune,


Anna, que te derretera.
DANSAS bOl

Quem é pobre sempre é pobre.


Quem é pobre nada tem :

Quem é rico, sempre é nobre,


B ás vezes não é ninguém.

Oh-! Aima, só tu és Anna,


Aima do meu coração;
Hei de te roubar um beijo
Quer tu o queiras quer não.
506 JOÃO DO RIO

o MANGERICO

^ ^

Oh meu mangericão verde,


!

Já meu peito foi teu vasoj


Já lá tens outros amores,
Já de mim não fazes caso.

Mangerico, oh meu mangerico.


!

Se te vaes embora eu aqui não fico.


Mangerico, meu mangericão.
Amor da niinh'ahna, dá-me a tua mão.

De encarnado veste a rosa.


De verde o mangericão.
De branco veste a açucena.
De luto o meu coração.

Na janella onde eu coso


Tenho xun mangericão,
Dá-lhe o sol por entre as folhas.
Fico n'mua escuridão.
DANSAS 507

Se me qtiizeres vir ver.


As noites bem bellas são.
Foge de casa a teu pae,
Vem p'ra aqui fazer serão.

Quem quizer armar á rola,


Arme-lhe ao pé da ladeira
Um laço de fita azul.
Que a rola vem de carreira.
508 JDÃO DO RIO

MANGERICÃO
^ «v

Amor, se queres, façamos


Uma troca sem lezão :

R' trocar alma por alma.


Coração por coração.

Mangericão a janella,
Menina, não o tenhaes,
Dá-lhe o vento, bole a trança,
Cuidam que vós me chamaes.

Se eu fora sol que subira.


Dava na tua janella;
Fôra-te f aliar á canna.
Raios da manhã te dera.

O meu amor é nm. cravo,


Deus m'o deu, não lh'o mereço;
Já ni'oquizeram comprar,
Um cravo só não tem preço.
DVNSAS 509
o quando quer nascer
sol
Bota seus raios ao monte;
Quem quizer que a rosa abra
Ponha-lhe o cravo defronte.

Se quereis passar a serra,


Isabellinha, madrugae :

Por detraz d'aqueUa serra


Outra maior serra vae.
510 JOÃO DO RIO

SENHOR DA SERRA
^ «4'

Oh 1 gentes da christandade,
Vamos ao Senhor da Serra,
A pedir-lhe que nos livre
Da peste, da fome e guerra.

Rapazes e raparigas,
Vamos ao Senhor da Serra
Tem lá mna bella fonte.
Quem tem sede bebe n'ellti

Divino Senhor da Serra.


Vinde abaixo á ladeira :

Vinde buscar a mortalha,


Que eu já tive á cabeceira.

Divino Senhor da Serra,


Divino Senhor sejaes :

Não tenlio nada de meu.


Vós, Senhor, tudo me daes !
DANSAS 511

Divino Senhor da Serra


Mandae Agosto mais cedo :

Que eu quero ir passear


Aos areaes do Mondego.

Ao Senhor da Serra vae


Gente de toda a nação;
Ninguém lá vae que não chore
Da raiz do coração.

Ao Senhor da Serra vae


Gente de toda a comarca :

Ninguém lá vae que não chore.


Quando do Senhor se aparta.

Venho do Senhor da Serra,


Mais valente que cançada :

Se tivesse companhia
Inda para lá tomava.

Foste ao Senhor da Serra,


Nem ima annel me trouxeste;
Nem os moiros da Moirama
Fazem o que tu fizeste.
512 JOÃO DO RIO

O CARVALHO MILAGROSO

^ ^

Allegretto,

t ^' ^

^^
^ As ra

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pa - ri - g-as da

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Ma- ia pe-di- ram a San Jo sé que lhes

w=w-
'^^-OUMJ-U-^^
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desse ura carva- lhinho que andas-se pe-lo seu

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DANSAS 513

pe. Ai
^m que me a lei -
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jas,

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mm ai quemea lei- jas -

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te,
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ai que me

mP - -M
TÊ 'i*~-J»

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fris - te
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ai (jiie me ma tas - te.1

"•
iJ ^^ '
JJ ii~T

As raparigas da Maia,
Pediram a S. José
Que lhes desse iim carvalhinho
Que andasse pelo seu pé.

Ai ! que me aleijas.
Ai ! que me aleijastes.
Ai ! que me feristes,
Ai ! que me mataste.

Raparigas cá da roda,
Vmde aqui p'ra o nosso pé,
Não_vá amial-as a demo,
Que o carvalho santo ê.
29.
514 JOÃO DO RIO

Ai que me aleijas,
!

Não sejas teimoso.


Vamos raparigas
Ao carvalho milagroso,

O carvalho milagroso
Tem mna biquinha ao pé;
Alegrae-vos, raparigas.
Que o carvalho vosso é.

Ai ! que me aleijas,
Ai ! que medóe tanto,
Dá me um copo d'agua
Do carvalho santo.

J
DANSAS 515

PÊRA VERDE
^ ^

S
Andantin
mo.

P,
^^
Toda a me-ni -na bo-
^
ni - ta não ha-

^^ i

ê" ^ r ^rir^''^^|r c}[j


vi- a é eo- mo pe rama-

w
denas-eer, -

^r*^^ Ir^ ^

M n j

du-na tados
^^
a querem CO -mer
ê
fDeste.
Vo-cê

'h_ r f f Ir^frf-M
516 JOÃO DO RIO

^ meu- ma
m
pe - ra ver -
4=m
de pa - ra
não me ha de en-ga uar, vo - cê
0.

'•>H r f f

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^ r 'Ur
eu a - ma-.du rar./ pe-ca
iiãe me en-g-a-jia. não; pe-ra

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[J-''LJ Lr ^
^
ver-de
vér-de
oh daver-de
oh daver-de
pe
pe

^ - ra,
- ra,
vo-ee
a-mor

do
r

meu
u
não me ha de en-ga
co - ra -
nar.
cão .
DANSAS 517

A laranja, quando nasce.


Logo nasce redondinha,
Também tu, quando nasceste,
lyogo foi para ser minha.

Tenho luna maçã dourada


Ao canto do meu bahú,
Para dar ao meu amor.
Queira Deus não sejas tu.

Quando te não conhecia


Nada de ti se me dava;
Sem pensamentos dormia,
Sem cuidados accordava.

D 'aquipara a minha terra


Tudo é caminho chão.
Tudo são cravos e rozas
Dispostos por minha mão.
;

518 JOÃO DO RIO

CANNA VERDE DA MAIA


^

Quem achar a canna verde


Que se perdeu lá no mar.
Será minha companheira
Emquanto o mundo durar.

Oh minha eanninha verde.


!

Oh minha verde canninha


!

Não faças a tua cama,


Anda deitar-te na minha.

Ohl minha canninha verde,


Oh minha
! salta-paredes,
Hei de te dar uma saia
Que te dure nove mezes.

A canna verde no mar


Arrebenta ao nascer.
Assim rebentem os olhos
A quem me não pôde ver.
DANSAS 519

Oh minha canninha
! verde.
Verde canna ricócó t

Sou filha de minha mãe


E) neta de minha avó.

Oh minha canninha verde,


!

Verde canna ricoqueira;


Anda tu para o meu lado
Que eu vou para a tua beira.

Oh minha canninha veide,


!

Oh minha salta-que-atrepa,
Estes meninos d'agora
São levadinhos da breca.

Oh minha canninha verde.


!

Verde canna de encannar :

Pela bocca perde o peixe.


Quem te manda a ti fallar?

A canna verde no mar


Anda á roda do hiate;
Hei de ir d'aqm p'ra I^isbôa
Aprender a calafate.
520 JOÃO DO RIO

TROLHA DAFIFE
«4/ ^

Ai oh moças,
! !

Dançai o vira.
Ai que lá vem
!

A viração.

Ora vira, vira


Na folha da camia,
Sou um pobre trolha,

^
\'enlio de Vianna.

Andante.

do/cej^^.
oh-mo-cas dan cae

^ VI - ra ai! olimo- eas


DANSAS >21

t^siri
ai!, que lá
*
vem
érr.n a VI - ra

' M ^JJ'
i

dU' i

'i^^' úM
i
iirj n
^
eao, ai, que lá

^^- eI^ iiigii^y


rTTTT^
vem

^^^
a VI - ra -

^^^
522 JOÃO DO RIO

na
é
fo - lha
^ é
da
^
ean- na.
-11 P .

^
o-ravira,vi - ra, na fo - Ília da

1^

Ai cachopas
!

Mais vira, vira,


Ai que chegou
!

A viração.

Ora, vira, \Tra, etc.

Ai meninas
!

Vira que vira,


Já sopra além
A viração.

Ora vira, vira.


Na folha da canna.
Sou um pobre trolha.
Venho de Vianna.

Ai meninas,
!

Vira revira,
Que já foi
A viração.

Ora vira, vira, etc.


DANSAS 523

CARRASQUINHA
•V ^

Meninas, vamos dançar


Uma moda bonitinha
Venham todas, gire a roda.
Dancemos a Carrasqviinha.

Menina que está á janella.


Com o seu relógio á cinta,
Diga-me que horas são,
Palie verdade, não minta.

moda da Carrasquinha
Ai, a
E'uma moda assim a lado
Quando ponho o joelho em terra
Fica tudo admirado.

Mathilde saccode a saia,


Mathilde levanta o braço,
Mathilde dá-me um beijinho,
Mathilde da-me um abraço.
524 JOÃO DO RIO

Adag-io.

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Me - ni nas, va-mos dan

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DANTAS 525

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526 JOÃO DO RIO

TIA ANNICA DE LOULÉ

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Ti' Amiica, ti' Aiiaic?


Ti' Annica de Loulé;
A quem deixaria ella
A barra do cachiné.

Olé olá,
Bsta moda não está má;
Olá, olé,
Ti' Annica de Loulé.

Ti' Aimica, ti' Amrica,


Ti' Annica de Fuseta;
A quem deixaria ella
A barra da saia preta.

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DANSAS 527

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528 JOÃO DO RIO

Ti' Aiinica, ti' Aimica,


Ti' Annica d' Aljezur;
A quem deixaria ella
A barra da saia azul.

Olé, olá,
Esta moda não está má;
Olá, olé.
Ti' Annica de Loulé.

Ti' Annica, ti' Annica,


Ti' Annica d' Alportel;
A quem deixaria ella
A barra do seu mantel.
DANSAS 529

VIDEIRINHA

^ *s^

Ai ! Jesus, que assim se embala


A folha da videirinha;
Assim, eu fora de Deus
Como tu has de ser minha.

Qiora a videira,
O videirão
Chora a videira
Do meu coração.

Adeus, oh Pedras Salgadas,


!

Adeus, oh! grande hoteleiro;


A saúde vae na mesma,
A bolsa vae sem dinheiro.

Chora a videira,
O videirão,
Chora a videira
Do uieu coração.
30
a .

530 JOÃO DO RIO

Andanf ino

Ai Je -
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svi-dei-

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DANSAS 531

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532 JOÃO DO RIO

Rl-COCO

^ ^

Oh Senhor José,
!

Já lhe tenho dito,


Quando lhe eu fallar
Ri-có-có,
Que me calle o bico
Oh sim, sim.
!

Ha mais quem queira,


Ei-có-có,
Menina brejeira.

Eu não sou brejeira.


Nem o posso ser.
Não tenho dinheiro,
Ri-có-có,
Para me manter
Oh! sim, sim.
Ha mais quem queira,
Ri-có-có,
Menina brejeira.
DANSAS 533

Andantino.
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30-
534 JOÃO DO RIO

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^-
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jei - i:a. Oh sim, sim, ha mais quem

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^^B a -ih-J^.

^^
quei-ra,ri-eo eo,meiiiiia Br.e-jei - ra.
DANSAS 535

MANUEL DA HORTA
E MESTRE ZÉ

o Manuel da Horta
E' lun mariola,
Foi p'ra a romaria
Quebrou a vida.

O Manuel da Horta
E' muito mau home,
Vae para a egreja,
Se ha de resar, come.

O Manuel da Horta
Foi aos camarões.
Para dar as moças
Que. tittkam sezões.

O Manuel da Horta.
Foi aos caranguejos.
Para dar as moças
Que tinham desejos.
536
U JOÃO DO RIO

Também se canta a seguinte lettra

Bate, mariquinhas,
Bate bem o pé;
Viva a bizarria
Do sé mestre Zé.

O sê mestre Zé
Tem rolos á porta;
Tenha que não tenha
Você que lhe importa.

O sê mestre Zé
Não canta nem toca;
A mulher prendeu-o
Com o fio da roca.
O da roca
fio

Já chega a Coimbra;
Dá-me cá mn beijo
Minha cara linda.

AUeg-retto.

V f r

Ba -te, Ma-ri
r
^^
qiliiihas,ba-te bem o

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pé,
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vivaabizar-ri-a do semestre Zé.
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DANSAS 537

VA DE RODA EM RODA
^

Maria, mais Anna,


São os meus amores
Maria é imi ramo
De todas as flores.

Meu peito não é


Travessa de doce;
E' o que aqui está,
O mais acabou-se.

O meu lindo amor


Tem olhos marotos...
Que llie hei eu fazer.
Se elle não tem outros?

Vá de roda em roda.
Vá de fita em fita.
Vá de braço dado.
Com a mais bonita.
*

538 JOÃO DO RIO

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IV

^a Andautino.

Omeubem a -

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^m n^wa=^
h-rjTnn j * tf m
^ mado é um la-vra^

^^^ £?=
dor, a-g-o-raéqueeu

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m * — ^ :à—Ú..á 3E

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tenho do-irado va - lor. vá de ro-da em

^
*ferrgg^ j=j"^-^N^
em
^ vá de hra-eo

^^
ro-da,vá de flor

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flor,

iffif^
da-docom seu a - mor.
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o

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DANSAS 539

S. JOÃO DOS BORREGUINHOS

^ ^

Allegro. VOZ

Vamos le - - var Lor-

^^ lLU 'lUJ
^ ^fci CORO

re-go, oh Lorre-go, oh tor- re - go,


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SOLO
^—# # _ »

Ao S.João da La - pa, ao S. João da

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a^ij^iLaj
540 JOÃO DO RIO

la - pa, cautel la como bi-choque não

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cJJJ'i^g
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^^
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va ca-hir ao chão, que isto foi pro-

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mes-sa que se fez ao S. Jo - ão,o - lé,

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P
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que is- to foi pro - mes-sa que se

^
fez ao S. Jo
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ao.

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DANSAS 541

Vamos levar um borrego,


Oh ! borrego, oh borrego
Ao S. João da Lapa,
Cautellacom o bicho
Que não vá cahir no chão;
Isto foi promessa
Que fez ao S. João,
Que já nos 'stá acenando
Co' a ponta da sua capa.

Já o S. João da Lapa,
Oh !borrego, oh borrego.
!

Tem dois borreguinhos


Cautella com o bicho
Qut não vá cahir ao chão;
Isto foi promessa
Que fez ao S. João.
Com fitinhas ao pescoço
E com gtiisos nos cominhos.

3]
índice

A Razão d 'este i,ivro.

OS FADOS

Fado da Madrugada 51
O Marinheiro 55
O Folgadinho 58
Fado da Figueira da Foz 61
Adeus Minha Terra 65
Fado Carmona 68
Fado Visconti 71
Canção das Morenas 74
Fado Leandro jÇ)
Fado de Tancos 78
Fado do Celta 80
Fado Lazarista. 83
Fado Campestre 85
Fado dos Desejos 87
Fado MonfEstoril 89
Fado Apuliense 91
Fado Bohemio 93
Fado Primavera 94
Fado das Três Horas 96
Fado Serenata 97
Fado Despedida 98
544 índice

Fadinho dos ciúmes 99


Fado da Rosa loi
Fado Choradinho 103
Fado Soffrimento 105
Fado de Cascaes 107
Fado Serenata 109
Fado de Coimbra iii
Fado João de Deus 114
Fado Robles 117
Fado do Gato 121
O Lisbonense 123
Dá-me um sorriso 125
Fados do Hylario 127
Fado Posthumo do Hylario 1 30

Ao Hylario 133
Fado das salas 136

CANÇÕES E CANTIGAS

Queres a flor? 143


Oh! querida, gosto de ti 146
Caminhos de ferro 149
Tyrolando 151
Eu cá sei 154
Ephigeninha 157
Morena 159
Machadinha 161
Rosa Branca 163
Periquito 165
Despedida das amigas 167
Lundum da Figueira 170
Os Rabellos 173
Deixa-me failar baixiuho 176
Negro melro 179
Mette, mette 181
Estou preso 183
Vae-te embora, António ! 186
As irmãs de caridade 189
O nó da gravatinha 192
Os olhos da Mariaannita 195
índice 545
Oh Pavão 198
Menina do Casibéque 201
O Cannavial 204
A menina dos olhos negros 207
Carolina 210
Canção da Noite 213
Solteiras, Casadas e Viuvas 215
Ao menino Deus! 216
Oh senhor Ladrão 218
J á não quero ser casado 221
A Padeirinha 223
Afasta, janota, afasta 226
Saudades 228
A noite de primavera 230
Amores, amores 232
Amélia 234
Cravo roxo 236
Amor brazileiro 237
A' Elisa 239
D'oude vens, oh Rosa? 241
O Naufrágio 243
As vaccas 244
A saloya 245
A cantadeira 246
O preto 248
Trigueirinha 250
EUa por ella 251
Canta, canta, rouxinol 253
O Ceguinho 255
Não chores 258
Os teus olhos 259
Cruel Saudade 260
Moreninha 262
As Escadas do Castello 264
Philomena 266
A triste perdida 269
Nas praias 271
Canção d'anior 272
A floreira 274
O Cego 277
Despedida de Coimbra 279
Está na edade de casar 281
546 índice

A Jardineira 283
Ao Carvoeiritas 286
Adelaidinha 289
Bella Aiorora 292
Remar, remar 295
Çom a penna 298
Adoro os teus olhos 301
Flores tristes 304
Minha doce lima 307
A' Polka 310
Oh ! fresca da ramalhada 313
Frei Paulino 316
Adeus, areal do rio 318
Lilia 320
Santa Mafalda 322
Cantigas de S. João de Braga 324
As Peneiras 329
Ramaldeira 332
Cantigas do Senhor da Pedra 335
dá-me agua
Cosinheira, 337
Saudades da Aldeia 341

DANSAS
{Cantigas choreographicas).

A Moda da Rita 347


Vá, laranja ao ar !
350
Bate, lavadeira 353
Estou-me alinhavando 356
Gira, vira 359
Oh Quitum 362
Ai que riso me dá
I
364
Maria Cachucha 367
Oh I Solidão 370
Réu, réu, pum !
^j^
Pirolito 376
Charamba 379
O arroz está crú 382
Então és o meu amor ? 385
5

iNDtCÈ 547
As bailadeiras de Gô? 389
O Ivadrão morreu 392
Senhor I/adrão 394
Oh Ivadrão !
396
Oh Senhora Anna 398
O Trevo 400
Malhão 402
Mareia bella 406
Mariaannita 409
A familia dos carecas 412
Oh Adro 41
Arredonda a saia 418
Bate os remos 421
A Coradinha 424
Olha a Triguerinha 428
Onde leva a moça? 431
Valsa revalsa 435
QuitolUs 438
Meia volta ao ar 440
Oh meninas, brinquem
!
442
Regadinho 444
Oh sr. cadete 448
Oh Mãe, dé-me pão 449
Não mateis o bicho 450
A Sereia '.

452
A vida do marujo 453
Cavaco do Rio 457
Mané Chiné 459
Ruchu-chu 461
San Pedro 463
Cupido Traidor 465
Veira ao norte I 467
San Gonçalo 469
Tenho pena 471
Toma lá, amor 473
Digo dae, ó tiroli 475
Ora, adeus adeus ! ! 476
Todos bebem 479
Serra de Monchique 481
Constância 483
Nossa Senhora da Saúde 484
Oh balance 486
548 índice

Maria Paula 488


O' preto, ó preta 491
Meu bemsinho 494
O Rema 496
Marianna, costureira 498
Ao levantar ferro 500
Costureirinha gallega 502
O' Anna, so tu és Anna 504
O Mangerico 506
O Mangericão 508
Senhor da Serra 510
Carvalho Milagroso 512
Pêra Verde 515
Carina verde 518
Trolha d'Afife 520
Carrasquinha 523
Tia Annica de Loulé 526
Videirinha 529
Ricócó 532
Manuel da Horta 535
Vá de roda em roda 537
San João dos Borregmnhos 539

Paris. — Typ. 11. Garnicr, 6, rue des Sts-Pères. .307.3.09.


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