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CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

A construção
social da
realidade e os
operadores
jornalísticos 1 A força do jornalismo

DE UMA MANEIRA GERAL, podemos resumir as


definições de jornalismo e notícia a partir
RESUMO de dois grandes grupos: os que defendem
Este trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão a notícia como um espelho da realidade e
do jornalismo como um lugar que participa diariamente na aqueles que concebem a notícia como uma
construção social da realidade. Para tanto tomamos por base construção social da realidade.
a teoria da enunciação e a enunciação jornalística, procurando Num estudo clássico sobre a produ-
mostrar suas especificidades. Consideramos que na constru- ção da notícia, Tuchman (1983) tendo como
ção do real o jornalista mobiliza diariamente uma série de pressuposto a concepção sociológica dos
operações enunciativas. No entanto, com base numa pesquisa atores sociais argumenta que, por um lado,
que realizamos (Pereira Junior, 2002) categorizamos as que a sociedade ajuda a formar a consciência
consideramos as mais presentes no dia-a-dia da redação: ope- e, por outro, mediante uma apreensão in-
radores de atualidade, operadores de objetividade, operadores tencional dos fenômenos do mundo social
de interpelação, operadores de leitura e operadores didáticos. compartilhado – mediante seu trabalho efe-
tivo -, os homens e as mulheres constroem
ABSTRACT e constituem os fenômenos sociais coletiva-
This text intends to contribute to the ongoing discussion about mente.
the social role of journalism, arguing that it is a place which Segundo a autora, cada uma destas
contributes daily to the social construction of reality. The au- perspectivas ao aturem sobre os atores so-
thor takes as his departure point the theory of enontiation and ciais determinam uma abordagem diferente
then applies it towards the categorization of the operations da notícia. Já a idéia da notícia como um
which the journalistic enontiation performs daily. A practical espelho da realidade corresponderia à con-
research done previously by the author finds that the opera- cepção tradicional das notícias. Este ponto
tions which appear most frequently in journalistic activities de vista defende a “objetividade” como um
are those which deal with the notions of factuality, objectivity, elemento chave da atividade jornalística.
interpelation, reading and teaching. Dentro desta concepção, o máximo que se
admite é a possibilidade de que as notí-
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) cias reflitam o ponto de vista do jornalista
– Jornalismo (Journalism) (STAMM, 1976).
–“Teorias” (Theories) Tuchman defende que a notícia não
– Operadores jornalísticos (Journalistic operators) espelha a realidade. Para a autora, a notí-
cia ajuda a constituí-la como um fenômeno
social compartilhado, uma vez que no pro-
cesso de definir um acontecimento a notícia
define e dá forma a este acontecimento. Ou
seja, a notícia está permanentemente defi-
Prof. Dr. Alfredo Vizeu nindo e redefinindo, constituindo e recons-
Chefe do Departamento de Comunicação Social da UFPe
tituindo fenômenos sociais.

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No Brasil, a concepção de que o jornalismo utilizar procedimentos de seleção e combi-
é um simples espelho da realidade ainda nação, mediante unidades que articuladas,
encontra um grande espaço nas redações, vão se transformar em mensagens, ou de
em algumas faculdades de Jornalismo e em um modo mais abrangente, em discursos
pesquisas que vêem no jornalismo um sim- sociais. Este trabalho de operação não se dá
ples reprodutor do real. apenas no campo restrito do código, uma
Autores como Luiz Amaral (1987) e vez que o sujeito se defronta com outros
Juarez Bahia (1990) definem a atividade códigos – ou outros discursos – de que em-
jornalística como uma simples técnica, re- presta também para a constituição de suas
duzindo-a a uma operação meramente me- unidades discursivas. Do trabalho de ope-
cânica de meia dúzia de regras como já nos rar com vários discursos resultam constru-
referimos anteriormente. ções, que, no jargão jornalístico, podem ser
Em oposição a essa visão mecanicis- chamadas de notícias.
ta temos um campo de estudos ainda em Este trabalho do sujeito, a partir e
construção que procura entender o jornalis- através do outro, não é algo mecânico e
mo como uma forma de conhecimento (ME- não pode repousar sobre a idéia de que do
DITSCH, 1992). Grosso modo, o jornalista simples recurso à língua resultaria a trans-
não seria alguém que comunica a outrem parências das mensagens. O grau de no-
o conhecimento da realidade, mas também meação das coisas pelas palavras não se dá
quem o produz e o reproduz. apenas pelo recurso da justaposição, mas
Entendemos que a definição do jor- por algo que decorre do investimento do
nalismo como um conjunto de técnicas es- trabalho da enunciação, isto é pelo sujeito
peciais é reducionista e não consegue com- (BENVENISTE, 1995).
preender o campo jornalístico como “lugar A enunciação é uma espécie de toma-
estratégico” de produção e construção do da de posição, a instância que estrutura o
real. A idéia de que o jornalista é um mero valor do dito – as mensagens que ganham
reprodutor de fatos e que bastaria que ele formas de matérias, segundo economias
acionasse de uma forma correta um conjun- específicas a cada sistema e/ou suporte
to de regras para realizar um bom trabalho, (veículo) de comunicação e que produzem
um bom texto, não corresponde à realidade. dimensões classificatórias da realidade.
No dia-a-dia de sua atividade, o jorna- Como mostrou Benveniste, o único
lista é servido pela língua, códigos e regras modo de fazer o discurso funcionar é pela
do campo das linguagens, para, no trabalho intervenção do sujeito, que nele investe sua
da enunciação produzir discursos. Em ou- subjetividade: “A enunciação é este colocar
tras palavras, o jornalismo tem uma dimen- em funcionamento a língua por um ato in-
são simbólica (FAUSTO NETO, 1991). dividual de utilização” (1989, p.82).
Partindo do pressuposto de que o ato No entanto, no ato enunciativo, o
de discursar resulta do contato do jorna- sujeito não constitui apenas a si, sujeito lo-
lista com o campo do código, é possível se cutor, mas também o sujeito-alocutário, isto
afirmar que o “ato jornalístico” mais do que é, define não só a posição eu, mas também
trabalhar com “regras”, “leis” ou “dicas”, a do tu: “...ele implanta o outro diante de si,
estrutura-se a partir de dois momentos qualquer que seja o grau de presença que
estratégicos: operação e construção, cujas ele atribua a este outro. Toda a enunciação
regras são pensadas, independentes do su- é, explicita ou implicitamente, uma alocu-
jeito, pois quando ele as aciona, elas já estão ção, ela postula um alocutário” (BENVE-
estruturadas no campo da linguagem. NISTE, 1989, p.84)
2 O discurso jornalístico Para o autor, o que em geral caracteriza a
enunciação é a acentuação da relação dis-
Na elaboração do seu texto, o jornalista vai cursiva com o parceiro. Na realização do

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seu estudo sobre o aparelho formal da enun- é, outras vozes e múltiplas polifonias prove-
ciação, ele tomou como os principais pontos nientes de outros campos culturais ou que
de partida os sistemas pronominal e verbal deles são tomadas por empréstimo: vozes
do francês (BENVENISTE, 1995, p.247-283). deontológicas – que dão conta de um certo
Na descrição do sistema pronominal, fazer discursivo; as vozes da divisão social do
o autor distingue os pronomes da pessoa trabalho inerente ao jornalismo; as vozes da
(1ª e 2ª) dos pronomes da não pessoa (3ª). Os pedagogia –cada vez mais o discurso jornalís-
primeiros designam os interlocutores, os tico se insinua como uma espécie de saber
sujeitos envolvidos na interlocução(eu, tu, explicativo dos processos sociais.
você; nós, vós, vocês); os últimos designam
os referentes (seres do mundo extralingüís- 3 O jornalismo e as operações enun-
tico de que se fala) e, assim, não devem ser ciativas
colocados na mesma classe dos primeiros.
Deste modo, as pessoas e o tempo do As formas da enunciação jornalística são
enunciado são referenciados relativamen- marcadas por processos de raciocínio ou
te a essa situação de enunciação; assim, o cadeias de razões que visam determinados
enunciado possui o valor elocutório que ele efeitos de reconhecimento (apreensão, com-
mostra através da sua enunciação. preensão pela audiência) e podem restrin-
Em seu livro Quando Dizer é Fazer, gir-se ao anúncio, a descrição, a argumenta-
Austin (1990) distingue com precisão três ção, a demonstração e a persuasão.
atividades complementares na enunciação. I- Anunciar: dizer o que aconteceu ou vai
Proferir um enunciado é ao mesmo tempo: acontecer; dizer o que alguém disse, subten-
-realizar um ato locutório, produzir uma dendo a relevância do dito;
série de sons dotada de um sentido numa II- Descrever: relatar as etapas de um fato,
língua; com suas circunstâncias; os passos de um
-realizar um ato ilocutório, produzir um personagem, com seus comportamentos,
enunciado ao qual se vincula convencional- atitudes, declarações ou proposições ou o
mente através do próprio dizer uma força quadro de uma situação, com dos diversos
No telejornalismo é muito comum os edito- aspectos envolvidos;
res trabalharem com atos ilocutórios ao in- III- Demonstrar: provar a relevância, valida-
terpelar a audiência. Por exemplo: Confira...; de ou veracidade do que foi anunciado ou
-realizar uma ação perlocutória, isto é , pro- descrito;
vocar efeitos por intermédio da palavra IV- Argumentar: orientar inferências a partir
(por exemplo, pode-se fazer uma pergunta do que foi dito ou realizado (é o que acon-
– ato ilocutório – para interromper alguém, tece, comumente, na abertura das matérias no
para embaraçá-lo, para mostrar que se está telejornalismo);
ali, etc.). O campo do perlocutório sai do V- Persuadir: buscar convencer o outro da
contexto propriamente lingüístico. importância e da veracidade do relato, utili-
Grosso modo, Austin mostra que é zando-se, no caso da sedução, apelos muitos
impossível encontrar enunciações sem valor comuns (por exemplo, na abrir a cabeça de
perfomativo que só descrevessem o mundo. uma matéria dizendo: Violência na zona norte
Até um enunciado que parece puramente de Vitória.)
descritivo como está chovendo, coloca-nos Dentro desse contexto, com base num
diante de uma realidade nova, realiza tam- trabalho que desenvolvemos (PEREIRA JU-
bém uma ação, no caso, um ato de afirma- NIOR,2002) categorizamos cinco operações
ção. enunciativas mobilizadas pelos jornalistas
Dessa forma, o discurso jornalístico é diariamente, de forma consciente ou incons-
produzido com base no concurso e do efeito ciente, na produção dos textos: operadores
daquilo que lhe ofertam outros códigos, isto de atualidade, operadores de objetividade,

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operadores de interpelação, operadores de GRANDE VITÓRIA. / / /
leitura e operadores didáticos. / / / / / / RODA VT / / / / / / /
As operações enunciativas correspon-
dem a determinadas operações lógico-se- No enunciado acima as conjugações
mânticas e/ou pragmáticas que o enuncia- verbais estão no presente do indicativo:
dor propõe que o co-enunciador refaça para suspende e corre. O enunciador procurou
recriar o universo de discurso em jogo no trabalhar o tempo verbal no sentido da
processo comunciativo. atualidade do discurso. Há, de certa forma,
Os operadores de atualidade: o jorna- um apagamento do tempo em que o fato
lismo, em particular, o gênero telejornal, é, ocorreu para um presente presentificado, a
na essência, o discurso da atualidade. Não da temporalidade do noticiário televisivo.
atualidade cronológica, já que entre o mo- O que o jornalista, produtor-enuncia-
mento do acontecimento do fato e a notícia, dor do discurso, procurou fazer foi com que
temos um interregno mediado pelo telejor- os verbos no presente do indicativo coinci-
nal, mas da atualidade do noticiário televisivo. dissem com o momento da enunciação, isto
Mesmo um evento transmitido ao vivo, em é, com a leitura do texto pelo loc./apres. Na
tempo real, se submete ao tempo e à formata- prática, uma descontextualização do fato e
ção do telejornal: há um recorte sobre a re- seu enquadramento no tempo do telejornal,
alidade (pelo plano da tomada, pela forma o presente da enunciação.
de enquadramento, etc). Os operadores de objetividade: estão
Como observa Machado (2000, p.104): intimamente relacionados com os operado-
“o telejornal é, antes de mais nada, o lugar res anteriores uma vez que uma das princi-
onde se dão atos de enunciação a respeito pais preocupações do jornalismo é tentar re-
dos eventos”. Isto é, sujeitos falantes diver- produzir o fato tal como ocorreu. É garantir
sos se sucedem, se revezam, se contrapõem que o que está sendo relatado é verdadeiro:
uns aos outros, praticando atos de fala que o culto da objetividade e da independência do
se colocam nitidamente como o seu discurso jornalismo.
com relação aos fatos relatados. Daí, a noção de jornal como espelho da
Por isso, compartilhamos da opinião realidade, como transportador do real. Daí
de Requena (1989), para quem é de fun- também a noção do jornal ou do jornalis-
damental importância a adoção de uma ta como um ser que paira sobre os fatos e
enunciação subjetiva, que garanta a presen- tudo pode transmitir sem reelaboração nem
ça dominante no discurso do presente da constrangimentos. Exemplo:
enunciação. Se o presente absoluto do fato
é impossível, não importa, o discurso se or- -VT-passeata/servidores 29/05/2000
ganizará sobre o presente da enunciação do (E6) Loc./apres. :
fato, este sim absoluto: o presente do próprio SERVIDORES DO ESTADO
ato comunicativo. Exemplo: FAZEM PASSEATA NO CENTRO
DE VITÓRIA. / RECLAMAM QUE
-VT-navio/destino 29/05/2000 (ESTV2ªED) O GOVERNO NÃO ATENDE ÀS
(E1) Loc./apres. : REIVINDICAÇÕES. / A
MAU TEMPO SUSPENDE MANIFESTAÇÃO DUROU QUASE
TRABALHOS DE RETIRADA DE DUAS HORAS E TUMULTOU
ÁGUA DE NAVIO. / A AINDA MAIS O TRÂNSITO. / / /
EMBARCAÇÃO ESTÁ, HÁ TRÊS / / / / / / RODA VT / / / / / / /
ANOS, PARADA EM No enunciado, observamos a tentativa
ALTO-MAR. / AGORA, CORRE de simulação de objetividade com o discurso
RISCO DE AFUNDAR E indireto. O objetivo é dar a impressão que o
PROVOCAR UM ACIDENTE telejornal “reproduz” a realidade sob pena
ECOLÓGICO NO LITORAL DA

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de a notícia parecer falsa, o que comprome- estando na terceira pessoa do singular do
teria sua credibilidade. Nesse sentido, o po- imperativo (você), faz um convite ao teles-
der do discurso do noticiário está na sua ca- pectador para que confira os jogos da noite
pacidade de construir a ilusão da realidade, e, assim, sabendo que vão acontecer assista
isso porque, na maioria das vezes, matéria- a eles ou não.
prima usada, a reportagem ou a informação O enunciador procura exercer certos
que chega à redação já é o resultado de uma efeitos sobre interlocutor, dando-lhe ordens,
cadeia enunciativa de dimensão indefinida. sugerindo procedimentos, lembrando-o de
A objetividade é de fundamental im- futuros acontecimentos, etc. No entanto, os
portância para o jornalismo, representa efeitos podem se realizar ou não. Um ato de
um dogma central do campo, porque está ameaça pode não persuadir o interlocutor;
intimamente ligada a um fator inerente ao um ato de ameaça, necessariamente, não
discurso jornalístico que é a credibilidade. precisa resultar numa ação.
Caso o telespectador (co-enunciador) não
acredite mais no que o noticiário televisi- 4 A audiência presentificada
vo está dizendo, é rompido um contrato de
cumplicidade entre o jornal e o seu interlocu- Operadores de leitura: o telejornal se vale
tor. de uma série de operações para dar instru-
Operadores de interpelação: o noti- ções ao telespectador (co-enunciador) sobre
ciário televisivo, em especial, mostra-nos os procedimentos para sua a leitura, isto é,
várias maneiras pelas quais a gramática da as formas de lê-lo e percebê-lo. Nesse senti-
produção procura construir um vínculo ati- do, todo noticiário é um modelo enciclopédico,
vo com a recepção. Os telejornais analisados um manual de instruções, isto é, programa
procuram estabelecer com seus usuários de- seu telespectador.
terminadas ações, que classificamos como O texto de um telejornal é como um
ações de captura, construídas semantica- espaço imaginário onde são propostos múl-
mente pelos jornalistas, que presentificam a tiplos espaços de participação à audiência;
audiência no interior do próprio telejornal. uma paisagem, de qualquer maneira, onde
Exemplo: a audiência pode escolher o seu caminho
com mais ou menos liberdade. Espaço
-VT-tabela/jogos hoje 17/05/2000 onde há zonas nas quais o telespectador
(E11) Loc./apres. : (co-enunciador) se arrisca a se perder ou,
SEIS JOGOS HOJE PELA ao contrário, aportar em um cais tranqüilo.
SEGUNDA RODADA DO Essa paisagem é, mais ou menos, plana,
RETURNO. / DUAS PARTIDAS mais ou menos, contrastada. Ao longo de
FORAM À TARDE. / O SANTA todo o seu caminho, a audiência encontra
MARIA GANHOU DO SERRA POR atalhos, trilhas e personagens diversos com
TRÊS A UM. / E O LINHARES os quais procura ou não estabelecer uma
TAMBÉM VENCEU O relação, segundo a imagem que lhe é ofere-
RIACHUELO, PELO MESMO cida, o modo pelo que é tratada ou a intimi-
PLACAR. / . AGORA, À NOITE, dade que lhe é proposta.
TEM MAIS QUATRO O texto jornalístico é um espaço habi-
JOGOS. / . CONFIRA A tado, pleno de decorações e de objetos: ler
TABELA. / / / é pôr em movimento esse universo, acei-
/ / / / / / RODA VT / / / / / / / tando-o ou recusando-o, indo à direita ou à
No enunciado, depois de fazer um breve esquerda, investindo mais ou menos esfor-
apanhado do campeonato de futebol do Es- ço, fingindo escutar ou escutando. Dentro
tado do Espírito Santo, o enunciador, mais dessa perspectiva, tentamos investigar os
do que dar uma ordem, mesmo o verbo traços, os operadores, que convidam a au-

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diência a preencher estes espaços vazios, por truído desde os tempos da universidade até
exemplo, as elipses. Exemplo: o dia-a-dia da redação. No que diz respeito
ao mundo acadêmico, o livro de Paternos-
-VIVO EXTERNA- greve/ônibus noite tro: O Texto na TV : Manual de Telejornalismo,
29/05/2000 adotado pela maioria dos cursos de jornalis-
(E16) Loc./apres. : mo do Brasil, é um exemplo disso.
BOA-NOITE. No capítulo que trata do texto colo-
SEGUNDA-FEIRA DE quial, a autora diz que a tevê tem a obriga-
PROTESTOS E SURPRESAS. / A ção de respeitar o telespectador e transmitir
GREVE DOS MOTORISTAS DE a informação em uma linguagem coloquial
ÔNIBUS, INICIADA HOJE DE e correta. Ela explica que quem assiste ao
MANHÃ, CONTINUA NA telejornal só ouve o texto uma vez, por isso
GRANDE VITÓRIA. / O deve ser capaz de captá-lo, processá-lo e
PROTESTO É CONTRA A retê-lo instantaneamente. Não há uma se-
SUSPENSÃO DO PASSE gunda chance.
LIVRE. / O REPÓRTER ANDRÉ
JUNQUEIRA ESTÁ NO CENTRO Se o telespectador se desligar, não há
DE VITÓRIA E MOSTRA COMO desculpas: o erro foi nosso. Quanto
OS TRABALHADORES ESTÃO mais as palavras (ou o texto como um
FAZENDO PARA TENTAR todo) forem ‘familiares’ ao telespe-
VOLTAR PARA CASA./ / / ctador, maior será o grau de comuni-
/ / / / / / VIVO EXTERNA / / / / / / / cação. As palavras e as estruturas das
frases devem estar o mais próximo
No enunciado sentimos a falta do arti- possível de uma conversa. Devemos
go indefinido uma. Com acréscimo do artigo usar palavras simples e fortes, elegan-
teríamos: Uma segunda-feira de protestos tes e bonitas, apropriadas ao signifi-
e surpresas. Esse é um recurso enunciativo cado e à circunstância da história que
muito utilizado no jornalismo, o uso de uma queremos contar (PATERNOSTRO,
figura de supressão, a elipse, que consiste em 1999, p.78-85).
suprimir termos necessários à construção
do enunciado, mas indispensáveis à com- O Manual de Telejornalismo da Rede
preensão do sentido. Globo assume um ar professoral ao explicar
Verificamos que o enunciador propõe como o telespectador, a audiência deve ser
uma instrução, uma espécie de senha e uma tratada:
questão como um caminho a ser percorrido
pela a audiência. O enunciado funciona, Um dos grandes desafios do telejorna-
como um roteiro, um script a ser preenchi- lismo é a ‘tradução’ de informações
do. técnicas, a apresentação de pacotes
Como num jogo, é oferecida à audiên- econômicos, a decifração de termos
cia a possibilidade de entrar na partida com financeiros, etc. Tanto o repórter – na
o investimento dos seus mecanismos de hora de colher as informações – como
projeção e identificação com aquilo que se o redator, na hora de escrever o off , a
dá como objeto ofertado. É nessa relação que cabeça da matéria deve ser humilde o
se estabelecem vínculos, cumplicidades. suficiente para perguntar, pesquisar e
5 A função didática do jornalismo simplificar (...) É preferível sermos ta-
chados de professorais por uma elite de
Os operadores didáticos: os jornalistas, de escolarização a não sermos entendidos
uma maneira geral, têm uma preocupação por uma massa enorme de teles-pecta-
didática com relação à audiência. Isso é cons- dores comuns (MANUAL DA GLOBO

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DE TELEJORNALISMO, Central Glo- reduzi-lo a uma simples técnica, ao simples
bo de Jornalismo, 1986, p.23-24). acionamento de regras “mecânicas”, seria
perder sua própria dimensão, seu próprio
Exemplo: objeto. O discurso não é uma das funções
entre outras do jornalismo; pelo contrário,
- farmácias/genéricos 16/06/2000 ocupa um lugar central na construção so-
(E22) Loc./apres. : cial da realidade.
MAIS UM INSTRUMENTO A Dentro desse contexto, consideramos
FAVOR DA SAÚDE DO que é possível formular a hipótese de que
CONSUMIDOR. / A PARTIR DE os jornalistas constroem seus textos a par-
AMANHÃ, A FARMÁCIA QUE tir da cultura profissional, da organização
NÃO TIVER A LISTA DE do trabalho, dos processos produtivos, dos
GENÉRICOS À MOSTRA VAI códigos particulares (as regras de redação),
SER MULTADA. / HOJE, da língua e das regras do campo das lin-
MUITAS DELAS JÁ ESTAVAM guagens para, no trabalho da enunciação,
CUMPRINDO A produzirem discursos. E o trabalho que os
DETERMINAÇÃO. / MAS O profissionais do jornalismo realizam, ao
CONSUMIDOR AINDA operar sobre os vários discursos, resulta em
CONTINUA ENCONTRANDO UMA construções que, no jargão jornalístico, po-
DIFICULDADE: ENCONTRAR O dem ser chamadas de notícias .
GENÉRICO DESEJADO. / / /
/ / / / / / RODA VT / / / / / / /
Referências
O enunciador anuncia que há mais um
instrumento a favor da saúde do consumi- AMARAL, L. Técnica de jornal e periódico. 2.ed. Rio de Janeiro:
dor. A situação permite inferir que já exis- Tempo Brasileiro/MEC, 1987.
tiam outros instrumentos que beneficiavam
o consumidor. Além disso, ainda no enun- AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras em ação. Porto Ale-
ciado, ao utilizar a partir de amanhã, cuidem- gre : Artes Médicas, 1990.
se as farmácias, quem não tiver remédios
genéricos nas prateleiras vai ser multado. BAHIA, J. Jornal, história e técnica. 4.ed. São Paulo: Ática, 1990.
No entanto, utilizando-se de uma estratégia
argumentativa, contrapondo o hoje ao ama- BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
nhã o enunciador diz que muitas delas não Fontes, 1992.
possuíam os genéricos.
O argumento é reforçado no enuncia- BENVENISTE, É. Problemas de lingüística geral I. 4.ed. Campi-
do com a ressalva do mas com a ênfase do nas: Pontes, 1995.
ainda, indicando que não está sendo fácil
para os consumidores comprarem os ge- _____. Problemas de lingüística geral II. Campinas : Pontes, 1989.
néricos nas farmácias porque eles não são
encontrados. FAUSTO NETO, A. Mortes em derrapagem. Rio de Janeiro: Rio
Nesse sentido, acreditamos reduzir o Fundo, 1991.
fazer jornalístico a uma mera reprodução do LOPES, S. A. Sobre o discurso jornalístico. Verdade, legitimidade
real é desconhecer a sua dimensão simbóli- e identidade. Rio de Janeiro, março de 1990. Dissertação
ca. Como podemos ver são tantos os “dis- (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação da
cursos”- não cometeríamos uma heresia se Universidade Federal do Rio de Janeiro.
disséssemos que são infinitos – que atraves-
sam o campo jornalístico, são tantas as ten- MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo : Editora
sões, as “vozes”, as práticas discursivas, que Senac, 2000.

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