A construção social da realidade e os operadores jornalísticos 1 A força do jornalismo
DE UMA MANEIRA GERAL, podemos resumir as
definições de jornalismo e notícia a partir RESUMO de dois grandes grupos: os que defendem Este trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão a notícia como um espelho da realidade e do jornalismo como um lugar que participa diariamente na aqueles que concebem a notícia como uma construção social da realidade. Para tanto tomamos por base construção social da realidade. a teoria da enunciação e a enunciação jornalística, procurando Num estudo clássico sobre a produ- mostrar suas especificidades. Consideramos que na constru- ção da notícia, Tuchman (1983) tendo como ção do real o jornalista mobiliza diariamente uma série de pressuposto a concepção sociológica dos operações enunciativas. No entanto, com base numa pesquisa atores sociais argumenta que, por um lado, que realizamos (Pereira Junior, 2002) categorizamos as que a sociedade ajuda a formar a consciência consideramos as mais presentes no dia-a-dia da redação: ope- e, por outro, mediante uma apreensão in- radores de atualidade, operadores de objetividade, operadores tencional dos fenômenos do mundo social de interpelação, operadores de leitura e operadores didáticos. compartilhado – mediante seu trabalho efe- tivo -, os homens e as mulheres constroem ABSTRACT e constituem os fenômenos sociais coletiva- This text intends to contribute to the ongoing discussion about mente. the social role of journalism, arguing that it is a place which Segundo a autora, cada uma destas contributes daily to the social construction of reality. The au- perspectivas ao aturem sobre os atores so- thor takes as his departure point the theory of enontiation and ciais determinam uma abordagem diferente then applies it towards the categorization of the operations da notícia. Já a idéia da notícia como um which the journalistic enontiation performs daily. A practical espelho da realidade corresponderia à con- research done previously by the author finds that the opera- cepção tradicional das notícias. Este ponto tions which appear most frequently in journalistic activities de vista defende a “objetividade” como um are those which deal with the notions of factuality, objectivity, elemento chave da atividade jornalística. interpelation, reading and teaching. Dentro desta concepção, o máximo que se admite é a possibilidade de que as notí- PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) cias reflitam o ponto de vista do jornalista – Jornalismo (Journalism) (STAMM, 1976). –“Teorias” (Theories) Tuchman defende que a notícia não – Operadores jornalísticos (Journalistic operators) espelha a realidade. Para a autora, a notí- cia ajuda a constituí-la como um fenômeno social compartilhado, uma vez que no pro- cesso de definir um acontecimento a notícia define e dá forma a este acontecimento. Ou seja, a notícia está permanentemente defi- Prof. Dr. Alfredo Vizeu nindo e redefinindo, constituindo e recons- Chefe do Departamento de Comunicação Social da UFPe tituindo fenômenos sociais.
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No Brasil, a concepção de que o jornalismo utilizar procedimentos de seleção e combi- é um simples espelho da realidade ainda nação, mediante unidades que articuladas, encontra um grande espaço nas redações, vão se transformar em mensagens, ou de em algumas faculdades de Jornalismo e em um modo mais abrangente, em discursos pesquisas que vêem no jornalismo um sim- sociais. Este trabalho de operação não se dá ples reprodutor do real. apenas no campo restrito do código, uma Autores como Luiz Amaral (1987) e vez que o sujeito se defronta com outros Juarez Bahia (1990) definem a atividade códigos – ou outros discursos – de que em- jornalística como uma simples técnica, re- presta também para a constituição de suas duzindo-a a uma operação meramente me- unidades discursivas. Do trabalho de ope- cânica de meia dúzia de regras como já nos rar com vários discursos resultam constru- referimos anteriormente. ções, que, no jargão jornalístico, podem ser Em oposição a essa visão mecanicis- chamadas de notícias. ta temos um campo de estudos ainda em Este trabalho do sujeito, a partir e construção que procura entender o jornalis- através do outro, não é algo mecânico e mo como uma forma de conhecimento (ME- não pode repousar sobre a idéia de que do DITSCH, 1992). Grosso modo, o jornalista simples recurso à língua resultaria a trans- não seria alguém que comunica a outrem parências das mensagens. O grau de no- o conhecimento da realidade, mas também meação das coisas pelas palavras não se dá quem o produz e o reproduz. apenas pelo recurso da justaposição, mas Entendemos que a definição do jor- por algo que decorre do investimento do nalismo como um conjunto de técnicas es- trabalho da enunciação, isto é pelo sujeito peciais é reducionista e não consegue com- (BENVENISTE, 1995). preender o campo jornalístico como “lugar A enunciação é uma espécie de toma- estratégico” de produção e construção do da de posição, a instância que estrutura o real. A idéia de que o jornalista é um mero valor do dito – as mensagens que ganham reprodutor de fatos e que bastaria que ele formas de matérias, segundo economias acionasse de uma forma correta um conjun- específicas a cada sistema e/ou suporte to de regras para realizar um bom trabalho, (veículo) de comunicação e que produzem um bom texto, não corresponde à realidade. dimensões classificatórias da realidade. No dia-a-dia de sua atividade, o jorna- Como mostrou Benveniste, o único lista é servido pela língua, códigos e regras modo de fazer o discurso funcionar é pela do campo das linguagens, para, no trabalho intervenção do sujeito, que nele investe sua da enunciação produzir discursos. Em ou- subjetividade: “A enunciação é este colocar tras palavras, o jornalismo tem uma dimen- em funcionamento a língua por um ato in- são simbólica (FAUSTO NETO, 1991). dividual de utilização” (1989, p.82). Partindo do pressuposto de que o ato No entanto, no ato enunciativo, o de discursar resulta do contato do jorna- sujeito não constitui apenas a si, sujeito lo- lista com o campo do código, é possível se cutor, mas também o sujeito-alocutário, isto afirmar que o “ato jornalístico” mais do que é, define não só a posição eu, mas também trabalhar com “regras”, “leis” ou “dicas”, a do tu: “...ele implanta o outro diante de si, estrutura-se a partir de dois momentos qualquer que seja o grau de presença que estratégicos: operação e construção, cujas ele atribua a este outro. Toda a enunciação regras são pensadas, independentes do su- é, explicita ou implicitamente, uma alocu- jeito, pois quando ele as aciona, elas já estão ção, ela postula um alocutário” (BENVE- estruturadas no campo da linguagem. NISTE, 1989, p.84) 2 O discurso jornalístico Para o autor, o que em geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação dis- Na elaboração do seu texto, o jornalista vai cursiva com o parceiro. Na realização do
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seu estudo sobre o aparelho formal da enun- é, outras vozes e múltiplas polifonias prove- ciação, ele tomou como os principais pontos nientes de outros campos culturais ou que de partida os sistemas pronominal e verbal deles são tomadas por empréstimo: vozes do francês (BENVENISTE, 1995, p.247-283). deontológicas – que dão conta de um certo Na descrição do sistema pronominal, fazer discursivo; as vozes da divisão social do o autor distingue os pronomes da pessoa trabalho inerente ao jornalismo; as vozes da (1ª e 2ª) dos pronomes da não pessoa (3ª). Os pedagogia –cada vez mais o discurso jornalís- primeiros designam os interlocutores, os tico se insinua como uma espécie de saber sujeitos envolvidos na interlocução(eu, tu, explicativo dos processos sociais. você; nós, vós, vocês); os últimos designam os referentes (seres do mundo extralingüís- 3 O jornalismo e as operações enun- tico de que se fala) e, assim, não devem ser ciativas colocados na mesma classe dos primeiros. Deste modo, as pessoas e o tempo do As formas da enunciação jornalística são enunciado são referenciados relativamen- marcadas por processos de raciocínio ou te a essa situação de enunciação; assim, o cadeias de razões que visam determinados enunciado possui o valor elocutório que ele efeitos de reconhecimento (apreensão, com- mostra através da sua enunciação. preensão pela audiência) e podem restrin- Em seu livro Quando Dizer é Fazer, gir-se ao anúncio, a descrição, a argumenta- Austin (1990) distingue com precisão três ção, a demonstração e a persuasão. atividades complementares na enunciação. I- Anunciar: dizer o que aconteceu ou vai Proferir um enunciado é ao mesmo tempo: acontecer; dizer o que alguém disse, subten- -realizar um ato locutório, produzir uma dendo a relevância do dito; série de sons dotada de um sentido numa II- Descrever: relatar as etapas de um fato, língua; com suas circunstâncias; os passos de um -realizar um ato ilocutório, produzir um personagem, com seus comportamentos, enunciado ao qual se vincula convencional- atitudes, declarações ou proposições ou o mente através do próprio dizer uma força quadro de uma situação, com dos diversos No telejornalismo é muito comum os edito- aspectos envolvidos; res trabalharem com atos ilocutórios ao in- III- Demonstrar: provar a relevância, valida- terpelar a audiência. Por exemplo: Confira...; de ou veracidade do que foi anunciado ou -realizar uma ação perlocutória, isto é , pro- descrito; vocar efeitos por intermédio da palavra IV- Argumentar: orientar inferências a partir (por exemplo, pode-se fazer uma pergunta do que foi dito ou realizado (é o que acon- – ato ilocutório – para interromper alguém, tece, comumente, na abertura das matérias no para embaraçá-lo, para mostrar que se está telejornalismo); ali, etc.). O campo do perlocutório sai do V- Persuadir: buscar convencer o outro da contexto propriamente lingüístico. importância e da veracidade do relato, utili- Grosso modo, Austin mostra que é zando-se, no caso da sedução, apelos muitos impossível encontrar enunciações sem valor comuns (por exemplo, na abrir a cabeça de perfomativo que só descrevessem o mundo. uma matéria dizendo: Violência na zona norte Até um enunciado que parece puramente de Vitória.) descritivo como está chovendo, coloca-nos Dentro desse contexto, com base num diante de uma realidade nova, realiza tam- trabalho que desenvolvemos (PEREIRA JU- bém uma ação, no caso, um ato de afirma- NIOR,2002) categorizamos cinco operações ção. enunciativas mobilizadas pelos jornalistas Dessa forma, o discurso jornalístico é diariamente, de forma consciente ou incons- produzido com base no concurso e do efeito ciente, na produção dos textos: operadores daquilo que lhe ofertam outros códigos, isto de atualidade, operadores de objetividade,
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operadores de interpelação, operadores de GRANDE VITÓRIA. / / / leitura e operadores didáticos. / / / / / / RODA VT / / / / / / / As operações enunciativas correspon- dem a determinadas operações lógico-se- No enunciado acima as conjugações mânticas e/ou pragmáticas que o enuncia- verbais estão no presente do indicativo: dor propõe que o co-enunciador refaça para suspende e corre. O enunciador procurou recriar o universo de discurso em jogo no trabalhar o tempo verbal no sentido da processo comunciativo. atualidade do discurso. Há, de certa forma, Os operadores de atualidade: o jorna- um apagamento do tempo em que o fato lismo, em particular, o gênero telejornal, é, ocorreu para um presente presentificado, a na essência, o discurso da atualidade. Não da temporalidade do noticiário televisivo. atualidade cronológica, já que entre o mo- O que o jornalista, produtor-enuncia- mento do acontecimento do fato e a notícia, dor do discurso, procurou fazer foi com que temos um interregno mediado pelo telejor- os verbos no presente do indicativo coinci- nal, mas da atualidade do noticiário televisivo. dissem com o momento da enunciação, isto Mesmo um evento transmitido ao vivo, em é, com a leitura do texto pelo loc./apres. Na tempo real, se submete ao tempo e à formata- prática, uma descontextualização do fato e ção do telejornal: há um recorte sobre a re- seu enquadramento no tempo do telejornal, alidade (pelo plano da tomada, pela forma o presente da enunciação. de enquadramento, etc). Os operadores de objetividade: estão Como observa Machado (2000, p.104): intimamente relacionados com os operado- “o telejornal é, antes de mais nada, o lugar res anteriores uma vez que uma das princi- onde se dão atos de enunciação a respeito pais preocupações do jornalismo é tentar re- dos eventos”. Isto é, sujeitos falantes diver- produzir o fato tal como ocorreu. É garantir sos se sucedem, se revezam, se contrapõem que o que está sendo relatado é verdadeiro: uns aos outros, praticando atos de fala que o culto da objetividade e da independência do se colocam nitidamente como o seu discurso jornalismo. com relação aos fatos relatados. Daí, a noção de jornal como espelho da Por isso, compartilhamos da opinião realidade, como transportador do real. Daí de Requena (1989), para quem é de fun- também a noção do jornal ou do jornalis- damental importância a adoção de uma ta como um ser que paira sobre os fatos e enunciação subjetiva, que garanta a presen- tudo pode transmitir sem reelaboração nem ça dominante no discurso do presente da constrangimentos. Exemplo: enunciação. Se o presente absoluto do fato é impossível, não importa, o discurso se or- -VT-passeata/servidores 29/05/2000 ganizará sobre o presente da enunciação do (E6) Loc./apres. : fato, este sim absoluto: o presente do próprio SERVIDORES DO ESTADO ato comunicativo. Exemplo: FAZEM PASSEATA NO CENTRO DE VITÓRIA. / RECLAMAM QUE -VT-navio/destino 29/05/2000 (ESTV2ªED) O GOVERNO NÃO ATENDE ÀS (E1) Loc./apres. : REIVINDICAÇÕES. / A MAU TEMPO SUSPENDE MANIFESTAÇÃO DUROU QUASE TRABALHOS DE RETIRADA DE DUAS HORAS E TUMULTOU ÁGUA DE NAVIO. / A AINDA MAIS O TRÂNSITO. / / / EMBARCAÇÃO ESTÁ, HÁ TRÊS / / / / / / RODA VT / / / / / / / ANOS, PARADA EM No enunciado, observamos a tentativa ALTO-MAR. / AGORA, CORRE de simulação de objetividade com o discurso RISCO DE AFUNDAR E indireto. O objetivo é dar a impressão que o PROVOCAR UM ACIDENTE telejornal “reproduz” a realidade sob pena ECOLÓGICO NO LITORAL DA
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de a notícia parecer falsa, o que comprome- estando na terceira pessoa do singular do teria sua credibilidade. Nesse sentido, o po- imperativo (você), faz um convite ao teles- der do discurso do noticiário está na sua ca- pectador para que confira os jogos da noite pacidade de construir a ilusão da realidade, e, assim, sabendo que vão acontecer assista isso porque, na maioria das vezes, matéria- a eles ou não. prima usada, a reportagem ou a informação O enunciador procura exercer certos que chega à redação já é o resultado de uma efeitos sobre interlocutor, dando-lhe ordens, cadeia enunciativa de dimensão indefinida. sugerindo procedimentos, lembrando-o de A objetividade é de fundamental im- futuros acontecimentos, etc. No entanto, os portância para o jornalismo, representa efeitos podem se realizar ou não. Um ato de um dogma central do campo, porque está ameaça pode não persuadir o interlocutor; intimamente ligada a um fator inerente ao um ato de ameaça, necessariamente, não discurso jornalístico que é a credibilidade. precisa resultar numa ação. Caso o telespectador (co-enunciador) não acredite mais no que o noticiário televisi- 4 A audiência presentificada vo está dizendo, é rompido um contrato de cumplicidade entre o jornal e o seu interlocu- Operadores de leitura: o telejornal se vale tor. de uma série de operações para dar instru- Operadores de interpelação: o noti- ções ao telespectador (co-enunciador) sobre ciário televisivo, em especial, mostra-nos os procedimentos para sua a leitura, isto é, várias maneiras pelas quais a gramática da as formas de lê-lo e percebê-lo. Nesse senti- produção procura construir um vínculo ati- do, todo noticiário é um modelo enciclopédico, vo com a recepção. Os telejornais analisados um manual de instruções, isto é, programa procuram estabelecer com seus usuários de- seu telespectador. terminadas ações, que classificamos como O texto de um telejornal é como um ações de captura, construídas semantica- espaço imaginário onde são propostos múl- mente pelos jornalistas, que presentificam a tiplos espaços de participação à audiência; audiência no interior do próprio telejornal. uma paisagem, de qualquer maneira, onde Exemplo: a audiência pode escolher o seu caminho com mais ou menos liberdade. Espaço -VT-tabela/jogos hoje 17/05/2000 onde há zonas nas quais o telespectador (E11) Loc./apres. : (co-enunciador) se arrisca a se perder ou, SEIS JOGOS HOJE PELA ao contrário, aportar em um cais tranqüilo. SEGUNDA RODADA DO Essa paisagem é, mais ou menos, plana, RETURNO. / DUAS PARTIDAS mais ou menos, contrastada. Ao longo de FORAM À TARDE. / O SANTA todo o seu caminho, a audiência encontra MARIA GANHOU DO SERRA POR atalhos, trilhas e personagens diversos com TRÊS A UM. / E O LINHARES os quais procura ou não estabelecer uma TAMBÉM VENCEU O relação, segundo a imagem que lhe é ofere- RIACHUELO, PELO MESMO cida, o modo pelo que é tratada ou a intimi- PLACAR. / . AGORA, À NOITE, dade que lhe é proposta. TEM MAIS QUATRO O texto jornalístico é um espaço habi- JOGOS. / . CONFIRA A tado, pleno de decorações e de objetos: ler TABELA. / / / é pôr em movimento esse universo, acei- / / / / / / RODA VT / / / / / / / tando-o ou recusando-o, indo à direita ou à No enunciado, depois de fazer um breve esquerda, investindo mais ou menos esfor- apanhado do campeonato de futebol do Es- ço, fingindo escutar ou escutando. Dentro tado do Espírito Santo, o enunciador, mais dessa perspectiva, tentamos investigar os do que dar uma ordem, mesmo o verbo traços, os operadores, que convidam a au-
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diência a preencher estes espaços vazios, por truído desde os tempos da universidade até exemplo, as elipses. Exemplo: o dia-a-dia da redação. No que diz respeito ao mundo acadêmico, o livro de Paternos- -VIVO EXTERNA- greve/ônibus noite tro: O Texto na TV : Manual de Telejornalismo, 29/05/2000 adotado pela maioria dos cursos de jornalis- (E16) Loc./apres. : mo do Brasil, é um exemplo disso. BOA-NOITE. No capítulo que trata do texto colo- SEGUNDA-FEIRA DE quial, a autora diz que a tevê tem a obriga- PROTESTOS E SURPRESAS. / A ção de respeitar o telespectador e transmitir GREVE DOS MOTORISTAS DE a informação em uma linguagem coloquial ÔNIBUS, INICIADA HOJE DE e correta. Ela explica que quem assiste ao MANHÃ, CONTINUA NA telejornal só ouve o texto uma vez, por isso GRANDE VITÓRIA. / O deve ser capaz de captá-lo, processá-lo e PROTESTO É CONTRA A retê-lo instantaneamente. Não há uma se- SUSPENSÃO DO PASSE gunda chance. LIVRE. / O REPÓRTER ANDRÉ JUNQUEIRA ESTÁ NO CENTRO Se o telespectador se desligar, não há DE VITÓRIA E MOSTRA COMO desculpas: o erro foi nosso. Quanto OS TRABALHADORES ESTÃO mais as palavras (ou o texto como um FAZENDO PARA TENTAR todo) forem ‘familiares’ ao telespe- VOLTAR PARA CASA./ / / ctador, maior será o grau de comuni- / / / / / / VIVO EXTERNA / / / / / / / cação. As palavras e as estruturas das frases devem estar o mais próximo No enunciado sentimos a falta do arti- possível de uma conversa. Devemos go indefinido uma. Com acréscimo do artigo usar palavras simples e fortes, elegan- teríamos: Uma segunda-feira de protestos tes e bonitas, apropriadas ao signifi- e surpresas. Esse é um recurso enunciativo cado e à circunstância da história que muito utilizado no jornalismo, o uso de uma queremos contar (PATERNOSTRO, figura de supressão, a elipse, que consiste em 1999, p.78-85). suprimir termos necessários à construção do enunciado, mas indispensáveis à com- O Manual de Telejornalismo da Rede preensão do sentido. Globo assume um ar professoral ao explicar Verificamos que o enunciador propõe como o telespectador, a audiência deve ser uma instrução, uma espécie de senha e uma tratada: questão como um caminho a ser percorrido pela a audiência. O enunciado funciona, Um dos grandes desafios do telejorna- como um roteiro, um script a ser preenchi- lismo é a ‘tradução’ de informações do. técnicas, a apresentação de pacotes Como num jogo, é oferecida à audiên- econômicos, a decifração de termos cia a possibilidade de entrar na partida com financeiros, etc. Tanto o repórter – na o investimento dos seus mecanismos de hora de colher as informações – como projeção e identificação com aquilo que se o redator, na hora de escrever o off , a dá como objeto ofertado. É nessa relação que cabeça da matéria deve ser humilde o se estabelecem vínculos, cumplicidades. suficiente para perguntar, pesquisar e 5 A função didática do jornalismo simplificar (...) É preferível sermos ta- chados de professorais por uma elite de Os operadores didáticos: os jornalistas, de escolarização a não sermos entendidos uma maneira geral, têm uma preocupação por uma massa enorme de teles-pecta- didática com relação à audiência. Isso é cons- dores comuns (MANUAL DA GLOBO
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DE TELEJORNALISMO, Central Glo- reduzi-lo a uma simples técnica, ao simples bo de Jornalismo, 1986, p.23-24). acionamento de regras “mecânicas”, seria perder sua própria dimensão, seu próprio Exemplo: objeto. O discurso não é uma das funções entre outras do jornalismo; pelo contrário, - farmácias/genéricos 16/06/2000 ocupa um lugar central na construção so- (E22) Loc./apres. : cial da realidade. MAIS UM INSTRUMENTO A Dentro desse contexto, consideramos FAVOR DA SAÚDE DO que é possível formular a hipótese de que CONSUMIDOR. / A PARTIR DE os jornalistas constroem seus textos a par- AMANHÃ, A FARMÁCIA QUE tir da cultura profissional, da organização NÃO TIVER A LISTA DE do trabalho, dos processos produtivos, dos GENÉRICOS À MOSTRA VAI códigos particulares (as regras de redação), SER MULTADA. / HOJE, da língua e das regras do campo das lin- MUITAS DELAS JÁ ESTAVAM guagens para, no trabalho da enunciação, CUMPRINDO A produzirem discursos. E o trabalho que os DETERMINAÇÃO. / MAS O profissionais do jornalismo realizam, ao CONSUMIDOR AINDA operar sobre os vários discursos, resulta em CONTINUA ENCONTRANDO UMA construções que, no jargão jornalístico, po- DIFICULDADE: ENCONTRAR O dem ser chamadas de notícias . GENÉRICO DESEJADO. / / / / / / / / / RODA VT / / / / / / / Referências O enunciador anuncia que há mais um instrumento a favor da saúde do consumi- AMARAL, L. Técnica de jornal e periódico. 2.ed. Rio de Janeiro: dor. A situação permite inferir que já exis- Tempo Brasileiro/MEC, 1987. tiam outros instrumentos que beneficiavam o consumidor. Além disso, ainda no enun- AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras em ação. Porto Ale- ciado, ao utilizar a partir de amanhã, cuidem- gre : Artes Médicas, 1990. se as farmácias, quem não tiver remédios genéricos nas prateleiras vai ser multado. BAHIA, J. Jornal, história e técnica. 4.ed. São Paulo: Ática, 1990. No entanto, utilizando-se de uma estratégia argumentativa, contrapondo o hoje ao ama- BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins nhã o enunciador diz que muitas delas não Fontes, 1992. possuíam os genéricos. O argumento é reforçado no enuncia- BENVENISTE, É. Problemas de lingüística geral I. 4.ed. Campi- do com a ressalva do mas com a ênfase do nas: Pontes, 1995. ainda, indicando que não está sendo fácil para os consumidores comprarem os ge- _____. Problemas de lingüística geral II. Campinas : Pontes, 1989. néricos nas farmácias porque eles não são encontrados. FAUSTO NETO, A. Mortes em derrapagem. Rio de Janeiro: Rio Nesse sentido, acreditamos reduzir o Fundo, 1991. fazer jornalístico a uma mera reprodução do LOPES, S. A. Sobre o discurso jornalístico. Verdade, legitimidade real é desconhecer a sua dimensão simbóli- e identidade. Rio de Janeiro, março de 1990. Dissertação ca. Como podemos ver são tantos os “dis- (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação da cursos”- não cometeríamos uma heresia se Universidade Federal do Rio de Janeiro. disséssemos que são infinitos – que atraves- sam o campo jornalístico, são tantas as ten- MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo : Editora sões, as “vozes”, as práticas discursivas, que Senac, 2000.
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