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SEMINÁRIO CONCÓRDIA

Diretor: Paulo Moisés Nerbas


Professores: Acir Raymann, Christiano J. Steyer, Paulo Moisés
Nerbas, Vilson Scholz e Norberto Heine (CAAPP)

IGREJA LUTERANA
ISSN0103-779X

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro


pela Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da
Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo,
Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial: Acir Raymann, editor Vilson


Scholz Assistência Administrativa: Janisse M.
Schindler
A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica
Latino-Americana. Os originais dos artigos, publicados
ou não, não serão devolvidos.

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Correspondência:
Revista IGREJA LUTERANA
Seminário Concórdia
Caixa Postal, 202
93001-970 - São Leopoldo, RS
IGREJA LUTERANA
Volume 54 NOVEMBRO 1995 Número 2

ÍNDICE

EDITORIAIS
Nota do editor ........................................................................................ 129

ARTIGOS
O Chamado ao Ministério à Luz do Artigo XIV da Confissão de Augsburgo
Nestor Luiz João Beck ........................................................................... 131

Prática de Participação na Santa Ceia antes do Rito da Confirmação: uma


Avaliação
Gilberto Valmir da Silva.......................................................................... 138

Criatividade sem Agressividade: uma Reflexão sobre Alternativas Litúrgicas


Carlos Walter Winterle .......................................................................... 149

Roteiro para Mordomia


Marfim C. Warth .................................................................................... 166

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS ........................................................................ 170

DEVOÇÕES ............................................................................................. 240

LIVROS.....................................................................................................252

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EDITORIAIS

Nota do Editor:
A Igreja Cristã por definição não é do mundo, mas por função integra-se
ao mundo. De um lado precisa aconchegar-se à sua identidade que a
distingue de movimentos, tendências, ideologias; por outro, precisa ousar na
sua missão de envolver-se simpaticamente com o mundo, que é de Deus,
sendo "tudo para com todos para de alguma forma ganhar alguns". Manter o
equilíbrio e a correta dimensão nessa polaridade é uma sabedoria que precisa
sempre ser implorada dos céus.
Este número da Igreja Luterana aborda assuntos relevantes para a vida
da Igreja no que respeita à sua identidade e à sua relação com o mundo. No
primeiro artigo, Dr. Nestor L. J. Beck desafia-nos à análise histórica das
questões relativas ao chamado ao ministério eclesiástico, mais especifi-
camente quanto ao rite vocatus do Artigo XIV da Confissão de Augsburgo.
Quem pode ser ministro? Quem pode ordenar? Pode a ordenação ser
efetivada sem o envolvimento de outras congregações?
No segundo artigo, o Rev. Gilberto Valmir da Silva trata de uma questão
que há muito vem intrigando a igreja: a criança e o Sacramento do Altar- sim
ou não? A Santa Ceia para crianças não é problema para a Igreja Ortodoxa
Oriental, não parece ter sido para o Dr. Martinho Lutero. Como a IELB analisa
a questão? Rev. Silva faz um retrospecto do assunto e levanta pontos
importantes ao tratar da fé na criança. Até que ponto o conceito de fé na
teologia luterana está ou não expresso na sua prática em relação à fé infantil?
É possível inovar dentro da IELB neste particular?
Inovação não é inovação se ela tem como resultado maior o escândalo, a
mágoa, a incompreensão. Inovação deve surgir a partir do evangelho, não da
lei, mesmo porque só aquele constrói. Rev. Carlos Walter Winterle faz
ponderações e aventura-se em sugestões sobre este delicado tema na esfera
do culto ao tratar da "Criatividade sem Agressividade". Seu artigo é uma
reflexão sobre alternativas litúrgicas para congregações luteranas - um clamor
por vezes polémico mas sempre presente.
Não menos polémico é o artigo do Dr. Martim C. Warth, que aborda um
tema do cotidiano nas fileiras da IELB: a mordomia cristã. Fundamentado na
doutrina dos dois reinos, ele sugere algumas proezas nesse privilegiado
campo da teologia que é o ato sacrificial do cristão.
Temos certeza de que tais assuntos aqui abordados trarão muitas bênçãos
para o ministério pastoral. Abençoada leitura.
AR

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ARTIGOS

O chamado ao ministério eclesiástico à luz do


artigo XIV da Confissão de Augsburgo

Nestor Luiz João Beck

1. O momento
A ação de instituições, inclusive de organizações eclesiásticas como a
IELB, é determinada pela compreensão que os atores têm da tradição que a
requer e legitima. Essa tradição, comunicada oralmente ou expressa em
documentos, subjaz à prática institucional. Em condições normais, todo
mundo sabe o que fazer, e sabe também (ou julga saber) por que se fazem
as coisas assim como se as fazem.
Toda instituição, porém, defronta-se com circunstâncias que lhe perturbam
a rotina. Os sujeitos da ação institucional passam a questionar-se quanto à
legitimidade do que estão fazendo: está certo fazer as coisas assim? por que
as fazemos assim como as estamos fazendo?
Toda instituição que deseja reexaminar e, talvez, modificar a própria ação,
pode retornar à origem e inquirir como se faziam as coisas no começo.
Refletindo sobre a ação original, poderá redescobrir a forma adequada de
fazer as coisas. No caso da instituição em foco, retornar às origens significa
retornar à Confissão de Augsburgo, por ser esta a confissão básica da igreja
luterana. Temos dúvidas quanto ao chamado ao ministério? Não sabemos o
que pensar ou como proceder? Retornemos como igreja luterana à nossa
certidão de batismo, a Confissão de Augsburgo.

Dr. Nestor L ]. Beck é Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da ULBRÁ,


Canoas, RS. Conferência apresentada à comunidade académica do Seminário Concórdia no
Centro Educacional Concórdia em São Leopoldo, RS, em I5 de maio de I995.

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2. Situação histórica
Para compreender a Confissão de Augsburgo, é preciso lembrar que a
dieta ou assembleia imperial de 1530 havia sido convocada pelo imperador
Carlos V para resolver a questão religiosa, por meios pacíficos, se possível
fosse.
Desde a assembleia de Espira pesava sobre os principados e cidades
adeptos da Reforma a ameaça de serem executados e de perderem títulos e
bens, nos termos do édito de Worms. Os polemistas a serviço dos bispos e
príncipes tradicionais procuravam por todos os meios demonstrar que os
lutherani mereciam ser executados, por se terem mostrado hereges em
relação à igreja e subversivos em relação ao império.
Os líderes políticos e religiosos da Reforma precisavam, portanto, demons-
trar à assembleia o contrário, a saber, que eram cristãos fiéis à doutrina e
prática comuns da igreja e súditos zelosos da ordem imperial.
Ao redigirem documentos, os chamados Artigos de Torgau, para se defen-
derem dessas acusações e ameaças, os teólogos e conselheiros políticos do
Eleitor da Saxônia definiram posição também quanto ao ministério ecle-
siástico, mas o fizeram em termos gerais (BS, 1959, pp. 107-109; Bindseil,
Ed., 1858/1963: CR, vol. 26, cols. 171-182; Reu, Ed., 1930, p. 79-91). Quando
chegaram a Augsburgo, defrontaram-se com os Quatrocentos e quatro artigos
que João Eck se dispunha a debater na presença de todo o império (Eck,
1530/1930). Entre os "erros antigos e novos" figuravam duas afirmações
sobre ordo [a ordem do ministério], extraídas da obra de Lutero sobre O
cativeiro babilónico da igreja, mas atribuídas também a outros (Lutero,
1520/1989, pp. 341-424). O artigo 267 reproduz a afirmação de que a igreja
de Cristo desconhece o sacramento da ordem, que é invenção humana. O
artigo 268 alega que todos quantos fomos batizados, somos à uma [aequaliter]
sacerdotes e, por conseguinte qualquer leigo pode consagrar igrejas, confir-
mar crianças etc. (Eck, 1530/1930, p. 134).
Anteriormente, Eck havia incluído no Enchiridion um capítulo sobre o
sacramento da ordem [de ordinis sacramento], contra o qual os leigos (isto é,
os luteranos) estariam objetando que todos os cristãos são sacerdotes,
ungidos para tanto pelo batismo (Eck, 1525-1543/1979, p. 39).
Melanchthon, portanto, viu-se constrangido a rebater a insinuação de
serem hereges os luteranos. Não bastava relatar e defender as alterações
feitas nos ritos e piedade, como vinha fazendo com base nos Artigos de
Torgau e na Instrução dos visitadores. Acrescentou ao documento
apologético uma série de artigos inspirados nos de Schwabach para eviden-
ciar que os luteranos nada ensinavam senão o credo e doutrina da igreja.

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O artigo sobre a ordo é um dos que foram acrescidos para esclarecer a
posição luterana e desfazer a acusação de heresia (Beck, 1980; 1984; 1987,
pp. 11-13).

3. A tese
De acordo com o que passou a ser conhecido posteriormente como artigo
XIV, as igrejas luteranas ensinam que ninguém deva ensinar ou pregar
publicamente na igreja ou ministrar os sacramentos sem vocação de acordo
com a ordem (texto alemão: ohn ordentlichen Beruf) ou a não ser que tenha
sido chamado de acordo com o rito (texto latino: nisi rite vocatus). (Cf. BS,
1959, p. 69; LC, 1981, pp. 34-70).
O texto não apresenta dificuldades à primeira vista. É preciso perguntar,
porém, o que os seus termos significavam na época. Convém verificar,
portanto, como os autores da Refutação da Confissão de Augsburgo os
entenderam.

4. Interpretação pelos refutadores


Os autores da Refutação da Confissão de Augsburgo aceitam a tese da
Confissão de Augsburgo, conquanto se esclareça de quem se poderá dizer
que seja rite vocatus, ordentlich berufen, a saber:
[somente] aquele que é chamado segundo a forma do direito, de acordo com
as cláusulas e os decretos eclesiásticos até agora observados em toda a
parte no mundo cristão . . . Neste sentido, portanto, é recebida a Confissão.
Recomendam ainda:
Devem ser admoestados, entretanto, a perseverarem nisso, a não admitirem
em seus domínios a ninguém, nem como pastor, nem como pregador, a
menos que seja corretamente chamado (LC, 1981, p. 227, n. 724).
Consideram os refutadores que não seja rite vocatus, ordentlich berufen
quem o tenha sido "segundo o chamado jeroboíta [1 Reis 12.31; 2 Crónicas
11.15], ou tumulto do povo, ou qualquer outra intrusão desordenada, não
chamado como Aarão" [Hebreus 5.4; Êxodo 28.1] (Immenkótter, Ed., 1979,
pp. 110-113; Immenkótter, Intr. & Trad., 1979, p. 59; Eck, 1525-1543/1979,
pp. 107-117; Battles, Ed., 1978, pp. 67-79).
Com estes termos os refutadores insinuam que os príncipes e líderes
luteranos estivessem admitindo ministros à revelia da autoridade constituída,
que eram os bispos. À semelhança de Jeroboão, que "dentre o povo constitui

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sacerdotes, que não eram filhos de Levi", estariam tolerando a escolha
desordenada de ministros pelo povo, ou admitindo penetras, que se de-
claravam ministros por sua própria autoridade.

5. Réplica e defesa
Por conseguinte, Melanchthon foi direto ao ponto na explicação e defesa
do artigo XIV na Apologia da Confissão de Augsburgo:
O artigo XIV, no qual dizemos que a ninguém, exceto ao chamado corre-
tamente [nemini nisi rite vocato], deve conceder-se a administração dos
sacramentos e da palavra na igreja, aceitam-no com a ressalva de que
usemos a ordenação canónica (LC, 1981, pp. 226-227; BS, 1959, p. 296,
13-14).
Ao verter a Apologia, Justus Jonas procurou reproduzir com precisão os
termos relativos à pessoa admitida ao ministério: a ninguém se permite pregar
ou repartir os sacramentos na igreja "denn allein denjenigen, so rechtgebúhr-
lich berufen sein." Também verte com cuidado a frase, ita recipiunt, si tamen
utamur ordinatione canónica:
das nehmen sie an, wenn wir den Beruf also verstehen, von Priestern, welche
nach Inhalt der Canonum geordiniert oder geweihet sein" (BS, 1959, p. 296,
13-17).
O ponto em questão fica evidenciado já no primeiro esboço da Apologia,
cuja redação do artigo XIV é reproduzida ao pé do texto original na edição
crítica do Livro de Concórdia:
DeXIVto. postulant, utordinatiofiatabepiscopis, hicbreviterrespondebimus,
quod maxime cupiamus ecclesiasticam politiam conservare, eamque ad
tranquillitatem ecclesiae prodesse iudicamus. Itaque non receperemus mi-
nistros sine autoritate episcoporum, si paulo clementiores essent(SS, 1959,
p. 296, 24-25; Bindseil, Ed., 1859/1963: CR, vol. 26, cols. 288 cf. cols.
339-340).
O que estava em jogo era, pois, que as lideranças luteranas estivessem
admitindo ministros sem apresentá-los aos bispos para a devida ordenação.
Melanchthon, convém observar, usou uma formulação cuidadosa na Con-
fissão de Augsburgo, ao dizer que ninguém deveria ser admitido ao ministério
a menos que fosse ordenado de acordo com os cânones e ritos da igreja. Na
Apologia ele argumenta que, se os ministros admitidos pelas igrejas luteranas
não estavam sendo ordenados pelos bispos, a culpa cabia aos próprios
bispos, visto que, para ordenar, impunham condições intoleráveis. Nem por

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isso deixavam as igrejas de ter o direito de eleger e instaurar ministros que
lhes anunciassem a palavra e alcançassem os sacramentos (LC, 1989, pp.
227-228).
Nesta linha prossegue a argumentação nos parágrafos 60 a 73, De
potestate et juristictione episcoporum, na obra De potestaste etprimatu papae
tractatusóe 1537 (BS, 1959, pp.489-493; LC, 1981, pp. 355-358), bem como
nos Artikel chrístlicher Lehre, particularmente no artigo Von der Weihe und
[Ordina] Vokation (BS, 1959, pp. 457-458; LC, 1981, pp. 337-338).

6. Conclusão
Muito embora o assunto mereça estudo mais amplo e profundo, podemos
adiantar que a vocação ou chamado "ordinário" [isto é, consoante à ordem]
a que se refere o artigo XIV da Confissão de Augsburgo, é a ordenação pela
autoridade competente.
Na origem da igreja luterana a autoridade competente eram os bispos.
Como estes se recusassem a ordenar os ministros que não quisessem
renunciar ao evangelho, as igrejas luteranas trataram de encontrar outras
pessoas, a saber os próprios pastores anteriormente ordenados pelo episco-
pado instituído, que pudessem ordenar, como se bispos fossem, os ministros
por elas eleitos. Preservaram, pois, o que entendiam como sendo a tradição
primitiva, a saber, que o próprio povo da igreja elegesse o ministro local, mas
que outros ministros que representassem as demais igrejas aceitassem e
confirmassem, pela imposição de mãos, a escolha feita pela igreja local.
Juntam-se, assim, duas linhas que se originam ambas no Senhor da igreja.
Uma vem dos apóstolos que sucessivamente foram impondo as mãos e
invocando o Espírito Santo sobre as pessoas escolhidas para exercer publi-
camente o ministério. A outra vem das igrejas criadas pela palavra e, portanto,
investidas de autoridade para escolher e designar as pessoas que, em seu
nome, proclamassem a mesma palavra e ministrassem os sacramentos.
Quer parecer-nos que nunca ocorreu aos reformadores que os bispos
pudessem ser tais sem as respectivas igrejas, nem que as igrejas pudessem
ser tais sem autoridades constituídas que zelassem pelo exercício do mi-
nistério.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 135


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Referências citadas abreviadamente: CR = Corpus


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137
IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995
Prática de participação na Santa
Ceia antes do rito da Confirmação:
uma avaliação

Gilberto Valmir da Silva

1. Apontamentos históricos
Já no segundo século era costumeiro o batismo de crianças pequenas,
além de que no Novo Testamento o batismo do oikos era usual. Toda a família
(casa) era batizada, o que não excluía as crianças. Ponto alto deste batismo
era a comunhão dos recém batizados. Alguns pais apostólicos sustentam a
conexão de batismo e eucaristia até mesmo como necessários para a
salvação.
As formas de ligar os dois sacramentos eram variáveis. A nenés, por
exemplo, dava-se o dedo previamente mergulhado em vinho. Para crianças
um pouco maiores, dava-se o pão embebido em vinho. As igrejas ortodoxas,
com exceção dos maronitas, dão até hoje aos pequeninos uma colher com
um pouco de vinho. A igreja ocidental deixou de fazê-lo a partir do 13° século.
Na teologia da igreja ortodoxa oriental não existe o problema da comunhão
de infantes. Ela é tida como natural.
A igreja católica estabeleceu no século 13 (1215) no IV Concílio de Latrão
a idade de sete anos para a primeira comunhão. O Concílio Tridentino no
século 16 negou a necessidade da comunhão de crianças pequenas.
Somente no século 17, sob o papa Paulo V, veio no Rituale Romanum a
proibição da comunhão de crianças. Somente no século 20 voltou-se a falar
em comunhão de crianças, sob o papa Pio X (1903 -14). O decreto deste papa
diz: aetas discretionis... circa septimum, sive etiam infra. A concordância dos
pais é fortemente acentuada.1
Agostinho manifesta-se totalmente a favor da participação das crianças.
Sua argumentação básica é em cima do texto de João 6, como vemos a seguir:

JEZIOROWSKI, Jtlrgen. Fest ohne Kinder. In: Abendmahl mit Kindern, p. 16-20.

Rev. Gilberto Valmir da Silva é mestre em teologia pelo Seminário Concórdia. Atualmente é
pastor da Selbstándige Evangelish-Lutherische KJrche (SELK) em Lage, Alemanha.

138 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


"Se não comerdes minha carne e beberdes meu sangue, não tereis vida em
vós." Que mais queremos? O que se pode responder a isso, a não ser a
pertinácia humana se empenhe em gastar suas armas de combate contra a
verdade manifesta e imutável?
Ou talvez ousará alguém sustentar que esta sentença não compreende as
crianças, e que elas podem ter vida em si sem a comunhão deste corpo e
sangue, porque não diz: Quem não come, como do batismo: Quem não
renascer, mas: Se não comerdes, como dirigindo-se aos que podiam escutá-
lo e entendê-lo, coisa impossível para as crianças?
Mas este objetante não atenta para o fato de que, se não compreender a
todos a sentença do Salvador, declarando-os incapazes de ter vida em si
sem a participação de seu corpo e sangue, tampouco os maiores de idade
cuidarão de cumprir dito preceito (...).
Logo, também pela vida das crianças se ofereceu a carne que foi dada pela
vida do século; e se não comem a carne do Filho do homem, tampouco eles
terão vida.
Fora do batismo e da participação na mesa do Senhor, nenhum homem pode
chegar ao Reino de Deus e à salvação e vida eterna? O mesmo atesta a
divina Escritura...
Concluamos, pois que se tantos e tão graves testemunhos da divina
Escritura proclamam concordemente que ninguém deve esperar conseguir
a saúde e a vida eterna fora do batismo e do corpo e do sangue do Senhor,
inútil é prometê-la às crianças sem estes meios. Logo, se somente o pecado
afasta os homens da salvação e da vida eterna, unicamente por estes
sacramentos se soluciona o problema do pecado nas crianças.2

2. Lutero
Martinho Lutero não trata o assunto especificamente. O que podemos
deduzir a partir de citações tais como as listadas abaixo é de que ele não é
terminantemente contra a participação de crianças na ceia. Lutero conhece a
prática da Igreja Antiga e dos Pais Apostólicos, citando-os nestes documen-
tos, mas não emitindo nenhum juízo sobre o assunto. Parece até mesmo que
ele trata o assunto naturalmente.
Alguns perguntaram se também se deve dar o sacramento aos mudos.
Alguns julgam poder enganá-los cortesmente e sugerem que se lhes dêem
hóstias não bentas. A brincadeira não é boa, também não agradará a Deus,
que fê-los cristãos tanto quanto a nós, cabendo-lhes o mesmo que cabe a

2 AGOSTINHO. De peccatorum mentis etremissione, p. 239/251

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 139


nós. Por isso, caso forem ajuizados e pudermos notar a partir de determi-
nados sinais que o desejam em devoção reta e cristã, como muitas vezes o
pude ver, devemos deixar agir o Espírito Santo e não negar-lhe o que pede.
Pode ser que interiormente eles tenham mais faculdade intelectual e fé do
que nós; a ela ninguém deve se opor petulantemente. De São Cipriano, o
santo mártir, lemos que permitiu que se dessem a crianças ambas as
espécies, em Cartago, quando era bispo; mesmo que agora esse [costume]
tenha se perdido por outros motivos. Cristo ordenou que as crianças viessem
até ele, não permitiu que alguém as impedisse; da mesma maneira, não
negou seu benefício a mudos, cegos ou coxos. Por que seu sacramento não
deveria ser dado também àqueles que o desejam de coração e cristãmente?3
Lemos a esse respeito em Cipriano, que sozinho é suficientemente poderoso
contra todos os romanistas e que testemunha, no livro 5 do sermão "A
respeito dos que caíram", que naquela igreja era costume dar a muitos leigos
e também às crianças ambas as espécies e até o corpo do Senhor na mão,
4
como ensina com muitos exemplos.
Publicamente ele [o ministro] canta que Cristo ordenou e instituiu a ceia do
Senhor. Ele toma o pão e o vinho, dá graças, distribui e os entrega ao restante
de nós que estamos ali e queremos recebê-lo, ao comando da palavra de
Cristo: "Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue. Fazei isto", etc. Particular-
mente nós que queremos receber o sacramento ajoelhados ao lado, atrás e
ao redor dele, homem, mulher, jovem, velho, mestre, servo, esposa, empre-
gada, pais e crianças, assim mesmo como Deus nos trouxe juntos aqui, todos
verdadeiros, santos sacerdotes, santificados pelo sangue de Cristo, ungidos
pelo Espírito Santo, consagrados no batismo.5
Assim você pode, como um paciente na cama, receber este sacramento sem
vestir qualquer elegância, exceto aquilo que a decência obriga você a cobrir
corretamente. Ainda mais, você não precisa perguntar se você tem uma
tonsura ou foi ungido. Em adição, a questão se você é homem ou mulher,
jovem ou velho, não precisa ser arguida - exatamente como isto pouco
importa no batismo ou na palavra pregada. É suficiente que você seja
consagrado e ungido com a sublime e santa confirmação de Deus, com a
palavra de Deus, com o batismo, e também com este sacramento, pois você
foi altamente ungido e gloriosa e suficientemente vestido com vestes sacer-
dotais.6

LUTERO, Martinho. Um sermão a respeito do Novo Testamento, isto é, a respeito da Santa


Missa, p. 274-5.
4 LUTERO, Martinho. Do cativeiro babilónico da igreja, p. 353.
5
LUTHER, Martin. The private and the consecration of priests, p. 208.
6
LUTHER, Martin. On the councils and the church, p. 152

140 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


3. Argumentação contemporânea
Na Santa Ceia Jesus convida os seus para a comunhão com ele e entre
si. Ele dá a si mesmo sob o pão e o vinho e presenteia à sua comunidade
perdão, esperança e alegria. É tarefa da Igreja levar adiante este convite de
Jesus a todos os batizados. A proclamação pública da Palavra vai em direção
de todas as pessoas. A Santa Ceia é o festejar daqueles que, de uma vez
para sempre, são incluídos no corpo de Cristo por meio do Batismo. O Batismo
marca o início de um caminho no qual o cristão sempre precisará do for-
talecimento através da Palavra e do Sacramento.
A dádiva da Santa Ceia quer ser recebida em fé. Segundo a tradição da
Reforma, que se reporta a 1 Co 11, está incluída nisto a capacidade de
discernir entre a Santa Ceia e o comer e beber comuns. A fé que recebe a
dádiva da Santa Ceia e inclui a capacidade de discernimento também é
possível às crianças. Não há fundamento para se excluir crianças que são
batizadas da participação na Santa Ceia. Também nem as Confissões da
Igreja Luterana ou as normas eclesiásticas pré-reformatórias estabelecem
uma idade específica para a participação. Mas fé também exige entendimento
por parte das crianças. Por isso os cristãos adultos são responsáveis pelo
ensino das crianças e acompanhamento nos cultos e celebrações da Santa
Ceia.
Questão importante no sacramento da Ceia é a confiança. A pessoa
experiência no sacramento as bênçãos de Deus. Talvez esteja exatamente
em uma criança o claro entendimento de que pode confiar e por isso também
participar da mesa do Senhor.7
Do ponto de vista psicológico, a fé engloba elementos do pensar, do sentir
e do lidar com coisas. E um erro pensar que só se pode afirmar e praticar
aquilo que se entende racionalmente. Frequentemente o comportamento e a
experiência estão à frente da compreensão racional. Isto vale especialmente
para crianças. Embora elas não compreendam completamente o que seja
pecado, morte sacrificial de Cristo e justificação, pode ficar claro para elas
que Deus presenteia perdão, esperança e alegria.
As crianças precisam ser introduzidas ao sacramento, o que acontece
mediante uma compreensão - ao nível da criança - de arrependimento e
confissão. Pode-se deixar claro para a criança que ela vive a partir do perdão
(Rm 2.4).8

7
WÓLBER, apud Jeziorowsky, op.cit., p.30.
8
ABENDMAHL MIT KINDERNLp. 7-14.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 141


O pastor e psicoteraupeuta Hans-Joachim Thilo defende a comunhão
infantil sem ressalvas. Segundo ele, é bastante fácil para a criança compreen-
der o convite amoroso de Jesus à Ceia, ainda mais pelo fato de esta comportar
elementos visíveis e "degustáveis".9
Em contraposição ao ensino católico da confirmação (crisma) como sacra-
mento que, portodos os efeitos, esvazia a validade do Batismo, ensina Nyman
que, segundo o ensino luterano, a pessoa alcança a salvação de maneira
completa por meio do Batismo. O Batismo, por isso, exige uma vida de diário
arrependimento e fé. Se a igreja pratica o Batismo , ela também precisa se
preocupar com o fato de que os batizados tenham acesso constante ao
Evangelho, que dá origem à fé. O Evangelho vem por meio da pregação, mas
não podemos esquecer que ele também está na celebração da Ceia do
Senhor. O Batismo, portanto, não pode guardar o seu conteúdo correto se o
batizado não fizer uso adiante dos meios da graça.10
Ainda segundo este autor, a supervalorização da confirmação vem de uma
influência pietista, que tende a separar o Batismo da conversão. Deste ponto
de vista, a pessoa só é realmente cristã quando confessa publicamente a sua
fé. Somente a partir desta "confirmação" a pessoa é um cristão completo e é
inserido na comunhão da comunidade, de modo a poder participar da cele-
bração do sacramento do altar.11 Interessante observar a nossa agenda
litúrgica (livro 2, p. 9), em que no rito de confirmação o ministro recebe os
catecúmenos como membros da igreja e da comunidade, como se eles antes
não o fossem.
No Catecismo Maior Lutero coloca Batismo e Santa Ceia em relação um
com o outro, na seguinte medida: "Pelo batismo primeiramente nascemos de
novo. Todavia ... permanece no homem, não obstante, a velha pele, em forma
de carne e sangue. São tantas as obstaculizações e acometidas do diabo e
do mundo, que muitas vezes ficamos cansados e débeis, e vez que outra
também claudicamos. Por isso o sacramento nos é dado para diária pastagem
e alimentação, para que a fé se restaure e fortaleça, a fim de que nessa peleja
não sofra revés, porém se faça incessantemente mais vigorosa. Pois que a

9
JEZIOROWSKI,op.cit.,p.31.

10
NYMAN. Erwâgung zur Theologie der Konfirmation in ihrer Beziehung zur Kindertaufe und
zum Abendmahl, p. 99.
11
NYMAN, op.cit., p. 100.

142 IGREJA LUTERANA- NÚMERO 2 -1995


vida nova será de constituição tal, que cresça e progrida sem solução de
continuidade.12
Ainda segundo Nyman, pelo fato de que a igreja batiza tanto crianças como
adultos, fica na obrigação de deixá-los participar da Santa Ceia. Segundo o
entendimento luterano, só é possível conduzir-se uma vida cristã autêntica
quando se faz uso de todos os meios da graça: a Palavra e os dois sacramen-
tos.13
A necessidade de uma prova pública do estado de fé para a participação
na Ceia não é de origem luterana. Ela aparece pela primeira vez em círculos
reformados. Em Genf (1541) a Ordonnance ecclesiastique coloca que antes
das quatro celebrações anuais da Santa Ceia deve acontecer uma prova para
aqueles que participam pela primeira vez do Sacramento.14
Segundo von Allmen, para que se respeite os direitos litúrgicos dos fiéis, é
necessário que todos os batizados (com exceção dos excomungados) pos-
sam ser oficiantes - no sentido de participantes - do culto inteiro. Ele não vê,
portanto, fundamento na prática ocidental de se excluir as crianças da Santa
Ceia. A Igreja Primitiva admitia as crianças à Comunhão, costume este que
foi preservado pelas igrejas orientais. Este costume caiu em desuso no
Ocidente especialmente devido ao dogma da transubstanciação (tinha-se
medo de que as crianças babassem sobre as espécies eucarísticas). A
Reforma aboliu o dogma da transubstanciação, mas continuou deixando as
crianças de fora.15
O teólogo Lothar Hoch, da Igreja Ev. de Confissão Luterana no Brasil,
apresentou um trabalho com uma série de teses, visando a encorajar nas
congregações a prática da comunhão infantil. Apresentamos as teses abaixo,
de uma maneira resumida:
1. Teologicamente, o Batismo legitima qualquer pessoa a participar da
Ceia. A inclusão das crianças na comunhão eclesial já se dá pelo Batismo. É
contraditório batizar crianças mas não dar-lhe a Ceia.
2. A prática atual é batizar crianças e dar a Ceia para adultos. Tal distinção
não tem base teológica. Os sacramentos têm em comum:

12
LUTERO. Catecismo Maior, p.488/23. Embora Nyman cite esta passagem no original
alemão, não foi de lá traduzida, mas utilizou-se a versão portuguesa do Livro de Concórdia.
13
NYMAN, op.cit., p.103.
14
GRUNDLER. Reformation der Konfirmation, p. 42.
15
von ALLMEN. O culto cristão, p. 226.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 143


- que Jesus Cristo é o único sacramento;
- que Batismo e Santa Ceia, como palavra visível, servem antes de mais
nada à pregação de Jesus Cristo;
- que os sacramentos não oferecem outra dádiva além daquela que a
palavra pregada transmite.
3. A admissão de crianças à Ceia é uma forma de levar a sério o
compromisso batismal. Uma Igreja que realiza o batismo de infantes não têm
argumentos teológicos com os quais pudesse sustentar a não admissão de
crianças à Santa Ceia.
4. Dá-se ênfase na confissão e no perdão dos pecados e na salvação
individual, em detrimento, por exemplo, da dimensão da comunhão dos
santos. Se esta última é enfatizada, há uma abertura maior para tornar visível
a comunhão com as crianças.
5. A participação das crianças poderá superar a atmosfera fúnebre que
caracteriza a Eucaristia na Igreja Luterana. Crianças poderão ajudar a re-
descobrir e reincoporar a dimensão festiva da Santa Ceia, a alegria proléptica
do Reino que nela se expressa e a relação que existe entre crere celebrar.
6. Precisamos descobrir a riqueza da comunhão familiar que se expressa
no ato da família toda se reunir em tomo da mesa do Senhor, sem discrimi-
nação de seus membros menores.
7. Refletir sobre a conveniência da participação de crianças na Santa Ceia
implica refletir também sobre as razões históricas que levaram os refor-
madores a romper com a prática eucarística da época. Uma das preocu-
pações de Lutero foi impedir que alguém participasse da Ceia sem
compreender o seu real significado. Eis porque se introduziu a catequese e
posteriormente a Confirmação para assegurar uma participação mais cons-
ciente e em fé na Eucaristia. A preocupação por uma participação consciente
e em fé ainda hoje está presente nas igrejas luteranas e precisa ser levada a
sério.
8. A preocupação dos reformadores não foi resolvida a contento através
da institucionalização da Confirmação e da vinculação formal entre a mesma
e a primeira participação na Santa Ceia.
9. Uma igreja que batiza infantes, que insiste em estimular a educação
cristã de crianças no lar e na igreja (culto infantil, escola dominical, partici-
pação em cultos normais, publicação de literatura específica) está implici-
tamente admitindo que as crianças sejam capazes de entender o Evangelho
à sua maneira. Não há razões plausíveis capazes de explicar porque uma
pessoa somente seja capaz de compreender o que seja a Santa Ceia em uma
determinada etapa de sua vida.

144 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


10. A Santa Ceia, pela riqueza de sua simbologia e pelo fato de envolver
diversos sentidos simultaneamente, apresenta-se como um instrumento
bem mais eficaz de pregação do Evangelho para o estágio da fé de uma
criança do que a simples palavra oral.
11.0 fato de se admitir e estimular a participação de crianças não significa
que se deva dar acesso indiscriminado de chanças de qualquer idade à Ceia.
Esta deveria permanecer restrita às crianças que tenham manifestado o
desejo de fazê-lo e que demonstrem ter uma certa compreensão do que estão
fazendo. A idade de sete anos poderia ser um marco referencial útil, do ponto
de vista psicopedagógico.16
Uma posição negativa quanto ao assunto encontramos em Krause. Seu
principal argumento baseia-se em 1 Co 11.29, na questão do discernir o corpo
e o sangue:
A Igreja não usa o sacramento apropriadamente se ela admite à Ceia aqueles
a quem Cristo não queria admitir. Aqueles que não podem discernir o corpo
de Cristo não devem ser admitidos à mesa. Por um tempo foi prática
generalizada na Igreja que a Comunhão fosse administrada também às
crianças. Augusti declara que Agostinho não somente tinha esta prática como
normal como ainda a defendia vigorosamente (II, 639). A Ceia foi dada às
crianças de acordo com um princípio - errado, em nossa opinião - de que
idade, habilidades, etc, não devem ser levadas em consideração quando se
administra os sacramentos, mas que todos devem ter livre acesso à graça
divina. Desde que crianças são batizadas, elas devem também receber a
Ceia. A Igreja Romana admite crianças ao seu sacramento mutilado ao redor
da idade de sete anos, o único critério sendo que elas distingam o pão no
sacramento do pão ordinário. O sacramento não deve ser administrado a
crianças até que elas estejam aptas para discernir o corpo do Senhor. Para
este fim elas devem ser instruídas nos artigos principais da fé cristã. A assim
chamada instrução pré-confirmatória em nossa Igreja Luterana tem como
objetivo ajudar crianças - e adultos - a participarem do sacramento digna-
mente, isto é, que eles discirnam o corpo dado e o sangue derramado do
17
Senhor no sacramento como garantia do perdão.

16
HOCH. Celebração da Santa Ceia com crianças: 20 teses sobre um tema controvertido, p. 163-
9. Este autor traz boa indicação bibliográfica sobre o assunto em seu artigo.

17
KRAUSE. The proper use the Sacrament of Holy Communion, p. 505-6.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 145


Nos anos sessenta, nos Estados Unidos, um estudo inter-luterano sobre
confirmação e primeira comunhão recomendou que, sobre a instrução con-
cernente ao sacramento, crianças possam comungar ao final do quinto grau,
antes da confirmação. O "Synod's Board for Parish Education" (BPE) e a
"Comission on Theology and Ctiurch Relations" (CTCR) da Lutheran Church-
Missouri Synod estudaram o documento da comissão conjunta inter-luterana
sobre a Teologia e Prática da Confirmação. O Sínodo em 1971 instou para
que as congregações, na liberdade cristã, fizessem suas próprias decisões
nesta área "com o interesse de que seus membros possam receber o
sacramento com bênção e continuar em crescimento espiritual". O Sínodo
então solicitou ao BPE e à CTCR recomendações para servirem de guias às
congregações. Em cerca de 15% das congregações do Sínodo as crianças
comungam antes de completar a instrução confirmatória e o rito da confir-
mação.18

4. Avaliação
A partir da pesquisa feita, podemos concluir que: (a) era prática generali-
zada na Igreja Primitiva a admissão da crianças à Eucaristia, em estreita
ligação com o batismo, vistos os dois como necessários para as crianças; (b)
A igreja medieval manteve este costume, até um certo período, abandonado-o
posteriormente por causa de sua teologia escolástica. A igreja oriental man-
teve a prática e a conserva até aos dias de hoje; (c) Os reformadores
reinstalaram a distribuição completa do sacramento, sob as duas espécies, e
incentivaram a instrução do povo sobre o mesmo, devido à ignorância que
grassava na época com relação às doutrinas da igreja. Não se encontra,
entretanto, em Lutero, qualquer condenação à prática da igreja primitiva de
distribuir o sacramento também para as crianças. Muito pelo contrário, ele cita
o fato - especialmente a prática de Cipriano - para evocar a necessidade da
distribuição correta do sacramento (sob as duas espécies).
As teses de Lothar Hoch, apresentadas resumidamente acima, apesar de
terem sido escritas no ambiente eclesial da IECLB, refletem também a
realidade do Sacramento do Altar na IELB. Vemos uma extrema racionali-
zação do sacramento, que perde o seu sentido primeira de veículo da graça
perdoadora e de Eucaristia (ação de graças, e portanto, celebração) para
tomar-se muito mais uma espécie de "prémio" para os "bons" cristãos. Quer
dizer, somente podem participar aqueles que são "fortes na fé". Sem dúvida,

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


146
as duas colocações de peso são quanto (a) à incongruência em se batizar
crianças e se lhes negar a participação na Ceia; (b) e quanto à prática
distorcida que admite que a criança entenda o Evangelho à sua maneira (e
aqui não podemos duvidar da ação do Espírito Santo) mas não admite que a
criança também possa entender o sacramento à sua maneira.
De alegre "festa do perdão", a Santa Ceia tem sido encarada como um
momento fúnebre, onde se enfatiza o pecado pessoal e não a graça de Deus,
que justamente perdoa este pecado. No fundo, ela está mais centrada no ser
humano que em Deus. Esta é uma visão totalmente falsa do sacramento.
Crianças também são pecadoras desde o seu nascimento - exatamente por
isto são batizadas! Logo, nada mais justo do que oferecer-lhes também o
perdão por meio do Sacramento do Altar. Elas não participarão indignamente,
pois, se cremos, diferentemente dos calvinistas, que o batismo não somente
simboliza a entrada na comunhão dos santos, mas efetivamente cria a fé
necessária para se participar desta comunhão, as crianças batizadas terão a
única dignidade necessária para participar: a fé. Desta perspectiva, não se
trata de reinstituir o "ex opere operato", como alguns poderiam pensar, porque
a criança efetivamente possui a fé, se foi batizada.
Psicopedagogicamente comprova-se que a criança pode entender certos
conceitos à sua maneira, especialmente se estes lhe forem transmitidos de
maneira concreta. Piaget comprovou que a criança até mais ou menos os
doze anos de idade pensa somente de maneira concreta. Deste modo,
valendo-se de uma didática adequada à idade, pode-se transmitir à criança
as explicações necessárias a respeito do sacramento, de modo que ela possa:
(1) perceber que o corpo e sangue do Senhor são recebidos na Ceia
[discernir]; (2) compreender que é pecadora diante de Deus e que precisa
arrepender-se de seus pecados - a criança certamente não perceberá o
conceito abstrato de pecado, mas as suas consequências concretas estão ao
seu alcance; (3) desejar o perdão, revelado concretamente na Ceia e (4)
dispor-se a melhorar a sua vida. Tudo isto precisa ser visto e encarado dentro
do ponto de vista, da Weltanschauung da criança, e não a partir de nossas
racionalizações e abstrações adultas.
Se permitirmos que as crianças participem do sacramento do altar, esta-
mos também permitindo que elas tomem parte nas bênçãos oferecidas pelo
mesmo, a saber, todos os frutos produzidos pela obra de Jesus na cruz: a
união mística com Cristo; a unidade da Igreja (verdadeira unidade, não
somente de adultos); perdão dos pecados; vida eterna; fortalecimento da fé
pessoal; crescimento no amor de Deus; crescimento no amor ao próximo e
alegria. Já que é difícil atingir a criança por meio da palavra falada (pregação),
temos mais um motivo para administrar-lhe a Ceia, pois é mais um meio de
proporcionar-lhe crescimento na fé e desfrute de todas estas bênçãos.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 147


Entretanto, em vista de ser prática histórica na IELB a vinculação da
primeira participação na Ceia ao rito confirmatório, é necessário que qualquer
mudança seja amplamente debatida nas comunidades, para que porventura
ninguém se escandalize. Parece ser bastante equilibrada a posição adotada
pelo Sínodo de Missouri: deixar a decisão por conta das congregações, dentro
de sua liberdade cristã, apenas recomendando que se vise sempre à edifi-
cação e ao crescimento na fé e vida cristãs.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LIENHARD, Martin, ed. MitKindern Abendmahl feiem: Modelle - Reflexionen - Materialien. Chr.
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luthehschen Kirchen. Claudius Verlag, Munchen, 1962. 206 p.

148 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


Criatividade sem agressividade: uma
reflexão sobre alternativas litúrgicas

Carlos Walter Winterle

Introdução
0 culto é o grande momento de reunião da família de Deus. Em nenhuma
outra atividade regular de nossas igrejas temos tanta gente reunida em torno
da Palavra. Até por uma questão de respeito a estas pessoas, o culto deve
ser o melhor possível em todos os aspectos: a mensagem, a liturgia, os hinos,
o ambiente... e não um suplício ou uma ladainha! Digo isto pensando no povo
que se reúne na igreja. Muito mais quando pensamos em Deus! O culto é
prestado a Deus, e não podemos apresentar-lhe "qualquer coisa". Também
não estamos fazendo um "show", uma apresentação de talentos musicais,
como muitas vezes se vê. Mas o culto é rendido à glória de Deus e para a
edificação do povo de Deus!

1 - Inovações/modificações na liturgia
A) Muito abuso tem sido cometido na tentativa de mudar o nosso culto e a
nossa liturgia:
- às vezes por ignorância de sadios princípios litúrgicos;
- às vezes por rebeldia e contestação;
- às vezes na séria intenção de despertar o povo;
- às vezes simplesmente copiando de outros, sem adaptação à realidade
local;
- às vezes pelo prazer de fazer alguma coisa diferente.
Simplesmente trocar o órgão pelo violão, os hinos por corinhos, o talar pelo
terno e gravata, o altar por uma simples mesa, o sermão no púlpito por um
estudo bíblico mais informal, pode ser contraproducente e escandaloso, não
servindo para edificar o povo no Evangelho, mas dando oportunidade para

Kev. Carlos Walter Winterle é mestrando do Seminário Concórdia e esporadicamente leciona


no curso de graduação desta instituição. Rev. Winterle é pastor da Comunidade Ev. Luterana
Concórdia de Porto Alegre, RS.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 1995 149


descontentamento e oposição. Mudanças litúrgicas não podem ser impostas,
mas devem ser preparadas, esclarecidas, justificadas, envolvendo segmen-
tos da Comunidade (se não toda a Comunidade!), com conhecimento e
consentimento da Diretoria. O pastor não é o dono do culto, mas foi chamado
pela Comunidade para proclamar o Evangelho nas suas mais diversas
formas: cultos, estudos, visitas... e deve fazer isto da melhor maneira possível,
conforme os dons que Deus lhe deu.
B) critérios
1. Um bom critério para uma renovação litúrgica é manter a sequência
tradicional da nossa liturgia substituindo as partes. Por exemplo: No lugar do
"Gloria in Excelsis", colocar um hino de louvor cantado pelo coral ou pela
congregação. A nossa Ordem de Culto foi sendo elaborada pela igreja como
uma confissão de nossa fé. Cada parte tem o seu sentido e o motivo de estar
ali. (Recomendamos ler com atenção um dos estudos sobre a Liturgia
publicados em edições anteriores desta revista "Igreja Luterana" ou em outras
publicações.).
2. Outro bom critério é usar recursos locais. Normalmente usamos só o
coral da congregação. Por que não usar os músicos que temos na congre-
gação? Flautas, violinos, bateria, acordeão, gaita de boca, piano, etc. São
muitas as pessoas que tocam algum instrumento, às vezes em conjuntos
jovens, às vezes em conjuntos de música ambiente... Vamos usar estes
recursos na igreja, envolvendo-os no culto! Podem começar tocando durante
as ofertas, ou um prelúdio; podem também acompanhar o canto congre-
gacional, os hinos tradicionais de nossa igreja e também novos hinos. Reparto
duas experiências: a) Na missão em São Paulo formou-se espontaneamente
um conjunto composto de duas gaitas de boca, violão, um cavaquinho, um
bandolim, - instrumentos não comuns em nossos cultos luteranos; mas com
a maior seriedade, esforço e alegria tocavam os hinos durante os cultos, b)
Em minha atual congregação, jovens tocando violino, flauta, violão, guitarra,
contrabaixo, bateria acompanham o órgão de tubos no canto congregacional.
Também recursos de solistas, artistas plásticos (para visuais!), narradores,
leitores, decoradores - sejam crianças, jovens, senhoras, adultos, idosos -
todos os recursos locais precisam ser aproveitados para que o culto não seja
apenas de uma pessoa (o pastor), mas realmente de toda a Comunidade.
3. Unidade do culto: os hinos, as leituras, o sermão, as orações e todas as
demais partes possíveis do culto deveriam gravitar em torno de um tema
central, para que de todas as formas o participante do culto seja impregnado
da verdade evangélica daquele dia. Se trabalhamos em cima do lema da IELB:
"Somos Cooperadores de Deus"; se trabalhamos em cima do tema de um
congresso, de um domingo especial: se trabalhamos em cima do tema do
sermão - todas as demais partes do culto deveriam refletir e reforçar este
tema.

150 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


4. Preservar a liturgia tradicional - modificações/inovações são esporádi-
cas: cultos festivos, datas especiais, congressos...Não podemos ter a pre-
tensão de criar uma liturgia nova a cada domingo, nem é prudente que isto
aconteça. Não podemos jogar no lixo a nossa tradição litúrgica. Ela é uma
das características da Igreja Luterana, uma das formas de identificação de
nossa igreja em todo o mundo. Devemos saber valorizar a herança que
nossos pais nos deixaram, e repassá-la aos nossos filhos: valorizar bem,
cantar e celebrar a nossa liturgia com ânimo e convicção - não como uma
ladainha sem fim. A renovação litúrgica passa também por uma revitalização
da forma como celebramos a liturgia tradicional da igreja. Por que não
começar por aí?

II - Liturgias alternativas: dois exemplos


A - O culto crioulo
Valorizando as tradições locais (do Rio Grande do Sul, RS) e a semana
Farroupilha (em tomo de 20 de setembro), adaptamos a Missa Crioula. Tendo
um conjunto de Danças Folclóricas Gaúchas como uma das atividades da
União Juvenil, e copiando o exemplo que o CEDA - Centro Educacional para
Deficientes Auditivos - já vinha praticando, realizamos os dois primeiros
cultos ao ar livre e os outros três dentro da igreja (devido ao mau tempo). Com
a devida autorização da Diretoria da Congregação, e muitos preparativos,
aquele primeiro culto teve boa aceitação, sendo motivo de convite para muitos
visitantes e inclusive convites para celebrá-lo em outros locais (CTGs -
Centros de Tradições Gaúchas, clubes, escolas, etc), como uma boa opor-
tunidade de proclamar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo a muitas
pessoas que não costumam frequentar uma igreja.

1. Preparativos. Providenciar:
- Uma cruz rústica de madeira (no mínimo 2 metros)
- Uma Bíblia e um candeeiro rústico.
- Cestas de vime ou gamelas para as ofertas.
- Gaúchos e prendas pilchados (vestidos com trajes típicos), alguns com
lenço branco outros com lenço vermelho
- Um pala branco para o oficiante (que deverá estar pilchado também.)
- Um ou mais grupos de dança gaúcha.
- Uma mesa rústica para servir de altar.
- Bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul, da igreja e outras (município,
CTG, escola, ...)
- Chaleira de ferro, cuia e bomba, pelego, laço e outros objetos de uso
campeiro.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995 151


- Músicos e cantores; instrumentos: gaita, violão, ...
- Serviço de som.
- Cópia do programa para todos os presentes.
- Cadeiras, ou pedir que as pessoas tragam cadeiras (de praia), ou pelegos
para sentar no chão.
- Convites, tanto para a Comunidade como para os CTGs e outros convi-
dados.

2. A liturgia:
Tema:
Processional de entrada: (Observação 1)
Saudação: Damos as boas-vindas a todos os presentes e um abraço
gaúcho bem apertado a todos os visitantes que atenderam ao nosso convite.
Algumas palavras sobre a origem desta celebração e o desenvolvimento
deste culto: Nas missas realizadas ao ar livre para os gaúchos, por padres
itinerantes, na falta de igrejas, usava-se o que se tinha à mão; cada um trazia
para ser abençoado pelo Senhor o que tinha de mais precioso; daí o que foi
trazido ao altar improvisado e tosco.
Na época da guerra dos farrapos, era um momento de trégua e paz: os
chimangos, representando o governo monarquista, trajando lenços brancos;
e os maragatos, os revolucionários, trajando lenços vermelhos, amarravam
seus lenços na cruz num sinal de reconciliação.
A cruz é segurada em revezamento pelos participantes - é uma questão
de honra poder segurar a cruz!
A alegria e o louvor não se manifestam só na música, mas também na
dança, como uma expressão de júbilo, como também Miriam e as mulheres
dançaram por ocasião da libertação do Egito e Davi dançou diante da arca da
aliança.
A linguagem é em versos, típica das grandes narrativas gaúchas.
Celebramos este culto com a devida reverência e louvor a Deus, dentro
dos costumes e tradições do povo gaúcho!
(O Hino Rio-grandense pode ser entoado logo após a saudação.)

Invocação:
Pastor: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Todos: Amém.
Confissão e absolvição:
Pastor: Companheiros do Rio Grande / patrícios que eu

152 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


quero tanto,/ para vocês eu desejo / todo o amor de
Deus,/ o nosso Patrão Santo. Todos: Obrigado igualmente./
Quem nos remiu foi Jesus Nosso divino Senhor,/ ao morrer
por nós na cruz Pastor: Para este culto crioulo,/ nós oramos
irmanados /
Pedindo, primeiro, em Cristo,/ perdão por nossos pecados.
Todos: Perante todos, Deus misericordioso e Patrão Santo,
reconheço que pequei / e por minha própria culpa errei.
Te suplico o perdão,/ que não mereço.
Estou arrependido/ e humildemente espero o teu apreço,
em nome de Cristo,/ teu Filho, meu Salvador,
o qual, ao morrer na cruz,/pagou por mim alto preço. Amém.
Pastor: O Deus Todo-Poderoso,/ nosso Pai misericordioso,
entregou seu Filho Jesus/para que por nós morresse na cruz
Por amor dele temos perdão,/ vida eterna e salvação. Quem
nele crê é filho de Deus/e tem a promessa da herança no céu. Esta é
da nossa fé o alvol/Quem crer e for batizado será salvo! Todos:
Amém. Assim seja. Amém!

Colocação dos lenços na cruz: Ato de reconciliação. (Obs. 2)


Hino: (Obs. 3)
Intróito: Salmo (Obs. 4)
Kyrie:
Pastor: Senhor, tem piedade de nós.
Todos: Cristo, tem piedade de mós.
Pastor: Senhor, tem piedade de nós.

Gloria in Excelsis:
Pastor: Honra e glória nas alturas,/ ao Patrão da eternidade,
e na terra para os viventes, paz e boa vontade. Todos: Nós te
louvamos.e bendizemos,/ adoramos e glorificamos e te damos
graças por tua grande glória. Com fé reconhecemos o Cristo, / Rei
da vitória.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 153


Nós também te agradecemos / por tua infinita grandeza,
e sempre te louvaremos, / Criador da natureza.
Ao Filho Onipotente - Jesus, / Digno Cordeiro,
que morreu valentemente,/ pra salvar o mundo inteiro,
dizemos: Muito obrigado / por este amor tão clemente.
Jesus, Cordeiro imolado, / perdoa o nosso pecado.
Juntinho do Pai Eterno, / glorioso reina Jesus;
cuida do teu rebanho, / que conquistaste na cruz.
És o Deus dos nossos corações./ Jesus Cristo, eu te garanto,
junto ao Patrão do patrões,/ e com Deus Espírito Santo:
Um só Deus o povo adora!/ Um só Patrão na verdade!
Pelos séculos afora / e por toda a eternidade.
Que assim seja. Amém!

Saudação:
Pastor: Aqui entre nós está o Patrão Onipotente.
Todos: E conosco permaneça eternamente.

Oração do dia:
Leitura do Antigo Testamento: (Observação 4)
Leitura do chasque (carta): (Observação 4)
Dança do xote: (Nossa alegria pela Palavra do Evangelho)
(Observação 5)
Gradual:
Leitura do santo Evangelho: (Observação 4) Pastor: Escuta,
gaúcho, escuta o Evangelho de Jesus Cristo! Todos: Leia,
pastor, escutaremos de todo o coração! A Confissão de Fé: O
Credo Apostólico; ou o Credo Crioulo: 1. Eu creio num só Deus,
meu Pai Celeste,
Que tudo fez, tudo criou, tudo reveste,
Que do nada tirou tudo o que é visível,
Igualmente Ele é quem fez o que é invisível.

154 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


2. Eu creio no Patrão que está nos céus
E no Tropeiro Jesus, Filho de Deus,
Que do Pai nasceu, porém nunca começou; É
Deus de Deus, luz de luz que nos salvou.
3. Gerado pelo amor de Deus que é santo,
Igual em tudo ao Pai do céu que Ele ama tanto;
Para nos salvar desceu do céu com alegria E se fez
homem pelo seio de Maria.
4. Tratando com amor homens ingratos
Morreu na cruz condenado por Pilatos
Para demonstrar que era Deus, às criaturas,
Ressuscitou, bem conforme as escrituras.
5. Subiu aos céus retomando à sua Querência,
No fim do mundo, voltará com imponência, Há
de vir julgar com justiça a humanidade,
Reunindo os bons, na feliz eternidade.
6. Por isso firmemente eu acredito,
No Espírito Santo, que é também Deus Infinito, Que
com Deus Pai e com Deus Filho é um só Patrão, Veio
dos dois com direito à adoração.
7. Foi Ele quem falou pelos profetas,
É quem dirige a humanidade em cancha reta;
Creio na Igreja do Divino Tropeiro,
Que prega a fé, congregando o mundo inteiro.
8. Aceito um só batismo, que perdoa,
É a marca santa, que Jesus põe na pessoa,
A morte apenas é porteira santa para o além,
Pois, nossa vida continua sempre, Amém.
Hino:
Mensagem:
Ofertório: Cria em mim, ó Deus, um puro coração e renova em mim espírito
reto. Não me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito
Santo. Torna a dar-me a alegria da tua salvação e sustém-me com um
voluntário espírito. Amém.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 155


Recolhimento das ofertas:
Oração geral da igreja:
Pai Nosso
Bênção: Pastor: Aqui entre nós está o Patrão Onipotente
Todos: E conosco permaneça eternamente.
Pastor: Que o Patrão Santo te abençoe e te guarde.
Que o Patrão Santo faça resplandecer o seu
rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti.
Que o Patrão Santo sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.
Todos: Amém. Assim seja. Amém. Recessional:
(Obs. 6). Observação 1: Música ao vivo ou em disco.
Entram:
- a cruz, que fica sendo segurada em revezamento ao lado do altar;
- o pastor, que se coloca por trás da mesa do altar;
- a Bíblia e o candeeiro, que são recebidos pelo pastor e colocados sobre
o altar;
- as bandeiras, que ficam postadas ao lado da cruz, seguradas por gaúchos
ou colocadas em suportes;
- pelego, chaleira, cuia, etc, que são colocados no chão em frente ao altar.
- Os músicos podem puxar o processional, ou já estar postados ao lado do
altar (lado oposto da cruz).
- A cruz é segurada em revezamento pelos participantes do culto; pode-se
organizaruma escala, ou simplesmente avisarque quem quiser segurar, pode
vir à frente de tempos em tempos.
Observação 2: Um gaúcho com lenço branco e outro com lenço vermelho,
previamente escolhidos, amarram seus lenços ao centro da cruz, em sinal de
reconciliação. Música de fundo.
Observação 3 : Hinos sugeridos do hinário: Graças dou por esta vida, e:
Senhor, meu Deus, quando eu maravilhado; e outros cânticos e hinos que se
adaptem bem ao violão e à gaita.
Observação 4 : Leituras Bíblicas: Sugerimos o tema: Jesus, o Bom Pastor,
- tema fácil para ser adaptado à lida do campo.
Leituras: SI 23; Ez 34.11-15,23,24; 1 Pe 2.21-25; Jo 10.11-16.
- O Salmo pode ser lido de forma responsiva;
- O Antigo Testamento e a Epístola deveriam ser lidos por participantes
pilchados previamente escolhidos (p. ex.: o patrão de um CTG convidado).

156 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


É bom copiar todas as leituras no programa para que todos participantes
levem para casa esta Palavra de Deus.
Usar a Bíblia na Linguagem de Hoje, ou a versão crioula, como segue:
1 Pe 2.21-25:"Companheiros, o Divino Tropeiro morreu por todos e nos
deixou o exemplo para que seguíssemos o seu rastro santo. Ele nunca
ofendeu o Patrão do Céu e da sua boca nunca saiu a mentira. Quando o
maltratavam, injuriavam e caluniavam, não pagou mal por mal. Pelo contrário,
continuava tratando a todos com o mesmo amor. Morreu na cruz em nosso
lugar, para pagar por nossos pecados, matando crucificados os nossos vícios
e, para que vivêssemos agora uma vida honrada e honesta. Como Cordeiro
inocente, morreu pelo rebanho, pois éramos como ovelhas perdidas no
corredor da existência, e pelo seu sacrifício reconduziu-nos de volta ao Rodeio
Cristão."
Jo 1.11-16: Companheiros, diz o Divino Tropeiro Jesus: "Eu sou o bom
Tropeiro, o que dá a sua vida pelo rebanho. O peão desinteressado, como
não é o dono do rebanho, não se importa com a tropa, não a defende e não
traz de volta a ovelha que varou a cerca. Sou o Bom Tropeiro das almas;
conheço as minhas ovelhas uma por uma e elas conhecem a minha voz.
Assim como o Pai Celeste me confiou o rebanho das almas, quero conduzi-lo
à invernada celeste. Para salvá-las, dou a minha vida. Tenho ainda muitas
ovelhas esparramadas. Preciso juntá-las na mesma invernada, e farei um só
rebanho para ser guiado pelo mesmo Tropeiro."
Observação 5: Antes do Evangelho, como um momento de júbilo e aleluias,
um grupo de danças, ou um casal de cada grupo presente, dança o xote diante
do altar.
Observação 6: O recessional segue a mesma ordem da entrada, deixando
o espaço livre para a confraternização que segue: um churrasco, ou apresen-
tação de danças típicas.
Observação Final: Os termos "Patrão Santo" e "Divino Tropeiro" foram
questionados por alguns colegas como não sendo possíveis de serem apli-
cados a Deus Pai e a Jesus, pois não são termos bíblicos. Como estamos
lidando com uma tradução, entendemos que o termos "Patrão" é sinónimo de
"Senhor"; a mulher gaúcha chama seu marido de "patrão", e não de "senhor",
(como fazia Sara: Gn 18.12); e o termos "Tropeiro" é sinónimo de "Pastor";
pois "pastor", em regiões da fronteira gaúcha designa o garanhão, o cavalo
reprodutor. Usando os critérios de tradução usados por Lutero, que procurava
saber como o povo se expressava, e com a devida reverência e devoção, não
vemos problemas no uso destes termos.
Conclusão: Celebre-se este culto não como uma apresentação ou um
show, mas como um momento sagrado de testemunho da Palavra de Jesus
e de adoração do nosso Deus com o povo que cultiva as suas tradições.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 157


B - O Culto da Semana Santa
1 - Justificativa: Minha primeira semana-santa após ter aceito o chamado
para a nova Comunidade foi uma decepção. Em vez dos tradicionais cultos
superlotados da quinta-feira e da sexta-feira santa, e da alegria de todos na
Páscoa - bancos vazios e pouca gente na igreja. O que acontecia: Muitos
viajavam no feriadão, ou para as praias ou para a casa de parentes no interior..
Constatação: Muitos, há anos, não participavam dos cultos na Semana-Santa,
deixando de receber o conforto das leituras e das mensagens especiais da
morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em vista desta realidade
local, a partir do ano seguinte programamos um culto especial no Domingo
de Ramos, com momentos distintos no culto lembrando a Entrada Triunfal de
Jesus em Jerusalém, a Instituição da Santa Ceia, a Morte de Cristo e a
Ressurreição de Cristo, - cada momento com músicas, visuais, leituras,
mensagem e orações próprios, envolvendo todos os departamentos da con-
gregação, cada um tendo uma responsabilidade maior num destes momen-
tos. Na realidade são quatro cultos em um; mas nem por isto são quatro horas
de culto. A média de tempo destes cultos é de 1h20min. Este ano (95) foi a
6a edição deste culto, sempre com temática diferente. Vejo esta alternativa
como um bom recurso para congregações que têm escolas, possibilitando
envolver alunos e atingir os pais com esta celebração. Há uma forte ênfase
didática nestes cultos.
2. Preparativos: - Este culto requer preparativos semelhantes ao Programa
tradicional de Natal: Ensaio com coral de hinos específicos, ensaio com as
crianças, com os jovens, com os narradores; preparação de visuais; divul-
gação, etc, conforme os recursos de cada lugar.
- Cada parte pode ser iniciada com um processional, em que são carre
gados estandartes próprios visualizando as quatro etapas; e/ou outros visuais
que caracterizem o momento; por exemplo:
Ramos: crianças carregando folhas de palmeira;
5a feira santa: a Diretoria ou os leigos trazem os elementos da Sta. Ceia
ao altar;
6a feira santa: um jovem carrega um cruz de madeira;
Páscoa: mulheres trazem perfumes e flores para enfeitar o altar...
- Pode ser usado um altar auxiliar, no qual o pastor oficia por trás do altar.
- Podem ser trocadas a toalhas para cada momento, de acordo com a cor
litúrgica do evento lembrado.
- Toda a movimentação deve ser feita com solenidade, mas sem ar de
teatro.
- O culto deve ter fluência e agilidade. Evitar "buracos" que quebram a
ordem do culto. Cada narrador deve falar na hora exata, cada música deve
ser tocada no momento programado, sem grandes demoras.

158 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


- Os narradores devem ter o programa completo em mãos; e a congregação
só o roteiro, o esqueleto do programa, com os hinos e sua participação.
- Painéis/cenários móveis ao lado do altar ajudam a ilustrar as diferentes
partes do culto.
- Temos disponíveis as várias edições; cópias podem ser solicitadas. - No
caso de ser usado numa escola, só se visualiza a Santa Ceia, sem fazer a
consagração e a distribuição!

Prelúdio: (Painel: Letreiro: "Somos Cooperadores de Deus")


Saudação: "Cooperadores de Deus" é o nosso lema para este ano.
"Cooperadores de Deus é o nosso tema para este culto da Semana-Santa.
Como temos feito outros anos, levando em conta que muitos viajam no
próximo final de semana e ficam privados da Palavra de Deus especial da
Sexta-Feira-Santa e da Páscoa, também neste domingo queremos fazer
quatro pequenas celebrações, lembrando a Entrada Triunfal de Jesus em
Jerusalém no Domingo de Ramos, lembrando a Instituição da Santa Ceia na
quinta-feira-santa à noite, lembrando o sofrimento e morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo na sexta-feira-santa, e celebrando já a ressurreição de Jesus no
Domingo da Páscoa. Apresentando os mesmos fatos históricos, mas enfati-
zando os vários cooperadores e as várias formas em que Jesus recebeu ou
não cooperação, queremos nos edificar e estimular mutuamente a sermos
COOPERADORES DE DEUS hoje!
1. Cooperadores no Domingo de Ramos
Hino da Congregação: n° 5 - (Mel. L.H. 58) "Ó povo redimido"
(Mudar o painel; crianças trajadas de Jesus e os discípulos, portando cartaz
de um jumentinho, ramos e mantos, sobem ao palco).
Narrador: Jesus sabia que esta seria sua última viagem a Jerusalém, e que
esta semana se cumpriria o plano da salvação programado por Deus desde
a eternidade. Esta sua trajetória não podia passar despercebida. Ele mesmo
faz questão de preparar a sua entrada festiva: pede que os discípulos
providenciem um jumentinho para que ele entre montado na cidade, e as
multidões se encarregaram de fazer um tapete com suas capas e enfeitaram
o cortejo com ramos, saudando com hosanas ao Rei que vinha em nome do
Senhor!
(Crianças:) 1) Eu cooperei com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém
emprestando o meu jumentinho (cartaz).
2) Eu cooperei com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, colo-
cando minha capa sobre o jumentinho.
3) E eu estendi e minha capa como tapete para Jesus passar.
4) E eu e meus amigos saudamos ao Rei Jesus com ramos, cantando glória
e hosanas!

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 159


Canto: (Coral ou jovens) Hosana!
Narrador: O jumentinho era o meio de transporte que eles tinham na época.
Hoje nenhum de nós tem um jumentinho para emprestar para Jesus. Mas o
nosso meio de transporte é o carro. E podemos cooperar com Jesus colo-
cando o nosso carro à sua disposição para trazer e levar vizinhos ou idosos
para a igreja, a consultas médicas, a passeios. - Podemos cooperar colocando
nossas roupas não mais para Jesus passar por cima delas, mas para cobrir
e agasalhar pobres e necessitados no frio do inverno, como nosso asilos e
creches sempre nos apelam por ajuda. - E somos cooperadores quando
proclamamos ao mundo através do nosso testemunho e do nosso canto quem
é Jesus, que ele é o nosso Rei e Senhor, o Salvador enviado por Deus para
nos reaproximar de Deus! - Nossa participação com o povo de Deus nos
cultos, no coral e em todas outras atividades conjuntas da igreja são formas
de cooperar com Deus para que o nome de Jesus seja mais e mais divulgado
pelo mundo a fora!
Oração: (com crianças repetindo): Senhor Deus,/ te agradecemos/ que nos
enviaste o Rei Jesus./ Queremos ser teus cooperadores,/ colocando o que
temos a teu serviço,/ ajudando as outras pessoas,/ e testemunhando a nossa
fé./ Hosana ao Filho de Davi!/ Bendito o que vem em nome do Senhor!/
Hosana nas maiores alturas!/Amém.

2. Cooperadores na primeira Santa Ceia


Hino da congregação: n° 260 - (est. 1,2,5) "À tua Santa Ceia venho"
(Mudar painehcolocar na frente: mesa com jarra, cálice, pão).
Narrador: Quando Jesus celebrou a primeira Santa Ceia, ele também
contou com a colaboração de várias pessoas. Lemos em Lucas 22.7-14:
Leitor: Lucas 22.7-14 (BLH)
Chegou o dia da Festa dos Pães sem fermento, em que os judeus matavam
cordeirinhos para comemorar a Páscoa. Então Jesus deu a Pedro e a João a
seguinte ordem:
- Vão e preparem o jantar da Páscoa para nós.
- Onde o Senhor quer que a gente o prepare? - perguntaram eles. Jesus
respondeu:
- Escutem: quando entrarem na cidade, um homem carregando um pote
de água vai se encontrar com vocês. Sigam esse homem até a casa onde ele
entrar e digam ao dono: "O Mestre mandou perguntar onde fica a sala em que
ele e os seus discípulos comerão o jantar da Páscoa." Ele lhes mostrará uma
grande sala mobiliada, no andar de cima. Preparem ali o jantar.
Eles foram até a cidade e encontraram tudo como Jesus havia dito. Então
prepararam o jantar da Páscoa. Quando chegou a hora, Jesus sentou-se à
mesa com os apóstolos.

160 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


Narrador: Vemos neste texto que Jesus pediu a cooperação direta de Pedro
e João para prepararem a ceia pascal, que lembrava a saída do povo do Egito.
Jesus também indicou quem emprestaria sua casa, que tinha uma espaçosa
sala mobiliada no segundo piso, pronta para a ceia. Não sabemos o nome
deste cooperador, mas foi ele também quem provavelmente emprestou o
cálice que Jesus usou na primeira santa ceia. E os discípulos prepararam o
cordeiro assado, providenciaram pão sem fermento, saladas verdes e vinho.
Certamente as mulheres, amigas de Jesus, cooperaram na preparação desta
ceia.
Narrador: Vemos aí quantas oportunidades de cooperar temos em coisas
bem corriqueiras e materiais: arrumar uma sala para encontros, seja esta a
igreja, o salão paroquial, seja uma sala de nossa casa para estudos bíblicos.
Podemos cooperar servindo às mesas num almoço ou num chá. Podemos
cooperar arrumando os aparelhos da Santa Ceia, antes e depois da comu-
nhão; pois é sempre uma mão de obra que precisa ser feita!
Narrador: mas uma coisa nenhum de nós pode fazer; apenas Jesus pode
fazer: dar seu corpo e sangue para perdão de nossos pecados. E isto ele deu
naquela noite aos discípulos, às vésperas de seu padecimento e morte; e isto
ele nos dá continuamente no Sacramento do Altar, sob o pão e o vinho, que
iremos celebrar agora.
Hino: Coral: Em Jesus amigo temos
(Levar elementos da Santa Ceia da mesa do painel para o altar principal).
Oração de confissão: P.eC: Senhor Jesus:/ Precisamos reconhecer/ que
nem sempre cooperamos contigo/fazendo a tua vontade/ e servindo à tua
igreja/ e ao nosso próximo./ Perdoa./ Perdoa as vezes em que te desobede-
cemos,/ te magoamos,/ te ofendemos./ Perdoa as vezes/ em que brigamos
com o nosso semelhante,/ em nosso lar,/ na igreja,/ no trabalho./ Confiamos
em tua graça/ e no teu amor./ Apelamos para a tua misericórdia:/ purifica-nos
pelo sangue que derramaste na cruz/ e que nos ofereces na Santa Ceia.
Amém.
Absolvição: P.: Em virtude desta vossa confissão, na qualidade de ministro
da Palavra, chamado e ordenado, vos anuncio a graça de Deus; e da parte e
por ordem de Jesus Cristo, meu Senhor, vos perdoo todos os vossos pecados,
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Palavras da instituição: Nosso Senhor Jesus Cristo, na noite em que foi
traído, tomou o pão, e, tendo dado graças, o partiu e o deu aos seus discípulos
dizendo: Tomai, comei, isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em
memória minha. E, semelhantemente, também, depois da ceia, tomou o cálice
e, tendo dado graças lho entregou, dizendo: Bebei todos deste; este cálice é
o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós para a remissão
dos pecados; fazei isto quantas vezes o beberdes, em memória minha.
Canto: Cordeiro Divino, morto pelo pecador, sê compassivo.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 161


Cordeiro Divino, morto pelo pecador, sê compassivo.
Cordeiro Divino, morto pelo pecador, a paz concede. Amém.
Distribuição da Santa Ceia: (Música instrumental ou hinos pela congre-
gação)
Ação de graças:
P. e C: Te agradecemos, Senhor, que nos reconfortaste com esta Santa
Ceia. Fortalece-nos para sermos bons cooperadores em todas as obras no
teu reino. Por Jesus. Amém.

3. Cooperadores no sofrimento e morte de Cristo


Hino: n° 92 - A paixão do Salvador.
(Mudar painel)
Narrador: Nos episódios da sexta-feira-santa temos uns cooperadores
meio macabros: Pilatos, Herodes, os soldados... Um lhe deu um manto
vermelho, como se fosse um rei, debochando de Jesus; outro lhe colocou na
cabeça uma coroa de espinhos; e os soldados o pregaram na cruz. Coopera-
dores inconscientes com o plano da salvação que Deus estava realizando em
nosso favor... E os discípulos de Jesus, nesta hora, abandonaram o seu
Mestre...
Narrador: Precisamos reconhecer que aquela cruz, aquela coroa, aquele
sofrimento eram nossos, e não de Jesus. E com nossos pecados continuamos
a fazer Jesus sofrer: cooperamos com o seu sofrimento. Não é uma coope-
ração desejável, concordam? Mas é a triste realidade que enfrentamos! E
quantas vezes ainda abandonamos Jesus, deixando de estarão seu lado, de
cooperar com ele também nas horas difíceis...
Canto: Coral: Trevas, só trevas, cobriam a terra.
Narrador:
- Mas houve também quem nestas horas de dor e tristeza ficou ao lado de
Jesus, sendo seu cooperador;
- temos um Simão Cirineu, que ajudou Jesus a carregar a cruz no caminho
ao Gólgota;
- temos as mulheres, amigas de Jesus, que não saíram de perto de Jesus
e choraram com ele, prestando sua solidariedade;
- temos o discípulo João, que ficou ao pé da cruz e amparou a mãe de
Jesus no seu sofrimento;
- temos um soldado que molhou os lábios de Jesus com uma esponja
embebida em vinagre quando Jesus disse: "Tenho sede!"
- temos o malfeitor arrependido, que apelou com fé a Jesus e lhe deu a
alegria de ter salvo um pecador;

162 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


- temos José de Arimateia, que usou de sua influência para resgatar o corpo
de Jesus da cruz e lhe providenciou uma sepultura digna;
- temos Nicodemos, que cooperou com José de Arimateia e enrolou o corpo
morto de Jesus num lençol de linho e colocou unguentos junto ao corpo de
Jesus;
- temos as mulheres - de novo as mulheres amigas de Jesus - que se
preocuparam em preparar especiarias e perfumes para colocar junto ao corpo
de Jesus no domingo pela manhã.
- Vários cooperaram, cada um fazendo o que podia, uns fazendo muito,
outros fazendo pouco; mas fazendo o que estava ao seu alcance!

Oração: (Pastor e Comunidade:) Foi minha


toda a carga que foste tu levar, Com morte a
mais amarga pudeste me salvar. De tudo sou
culpado, castigo mereci. Perdão do meu
pecado imploro só de ti. Desejo estar contigo;
aceita-me, Jesus. E dá-me o teu abrigo bem
junto à tua cruz. Momento de alegria e grande
bem estar, Ó meu divino Guia, eu sinto ao
meditar No que por mim fizeste. A bem de me
remir A própria vida deste. É bom a ti seguir.
(Ó fronte ensanguentada, w.4,6,7). Pai nosso que estás no
céu / Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. / Seja feita a
tua vontade, assim na terra como no céu./ O pão nosso de cada dia
nos dá hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas,/ assim como nós
perdoamos os nossos devedores. E não nos deixes cair em
tentação. Mas livra-nos do mal. Pois teu é o reino, o poder e a
glória, para sempre. Amém.

4. Cooperadores de Deus na ressurreição de Jesus


Hino: n° 111 - Vitorioso ressurgiu. (Crianças
vestidas de anjo mudam o painei;

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995 163


outras crianças colocam flores sobre o altar;
durante a narrativa, crianças caracterizadas de Maria, etc, sobem ao
palco.)
Narrador: Anjos foram os grandes cooperadores de Deus no Domingo da
Páscoa. Eles estavam ali de plantão junto à sepultura, aguardando os
primeiros que chegassem para dar a notícia de que Jesus havia vencido a
própria morte e estava vivo!
- Ele não está aqui, mas ressuscitou, como havia dito - foi a mensagem
angelical!
- Anjos são mensageiros de Deus. E assim que eles deram o seu recado,
incumbiram os que ouviram a notícia e viram o Cristo vivo a serem mensagei-
ros das boas novas.
- Hoje Deus não envia mais anjos como seus cooperadores. Nós somos
os mensageiros das boas novas, os cooperadores de Deus hoje!
- Mulheres foram as primeiras mensageiras cooperadoras de Deus na
divulgação da notícia: Cristo vive!
- Elas foram levar perfumes para colocar junto ao corpo de Jesus,
- A Bíblia menciona o nome de algumas destas cooperadoras: Maria
Madalena, Joana, Salomé, Maria mãe de Tiago, Maria mãe de José...
- Como é bom saber que Deus conhece os nomes dos seus cooperadores!
Deus conhece os nossos nomes desde o nosso batismo: somos filhos do Pai
celeste! temos a nova vida por Jesus!
Hino: N° 119 (jovens e congregação)
"Cristo, o Senhor, eis ressuscitou"
Narrador: - As mulheres contaram aos discípulos, os discípulos contaram
aos outros discípulos - e a notícia correu de boca em boca, de cooperador em
cooperador e chegou até nós, cooperadores de hoje, encarregados de pro-
clamarmos a mensagem da vitória de Cristo sobre a morte e da salvação que
ele nos adquiriu.
- O próprio Cristo incumbiu a sua igreja desta tarefa pouco antes de voltar
ao céu. Ele disse: "Ide portodo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura".
- São várias as formas em que podemos cooperar na divulgação desta
mensagem: falando com a própria boca, testemunhando com a vida, coope-
rando para a formação de pastores, sustentando missionários, desenvol-
vendo o trabalho na congregação...
- Recursos humanos e materiais são necessários para esta obra. Nossas
ofertas, seja no envelope mensal, seja no prato de ofertas, seja nos Depar-
tamentos, seja na ajuda que prestamos a entidades de assistência social, são
formas de cooperação. Também hoje, dentro deste espírito de cooperação,
queremos recolher as nossas ofertas, enquanto cantamos o próximo hino:

164 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2-1995


O recolhimento da ofertas:
Hino: N° 100 : Linda páscoa do Senhor.
Oração: Pastor e Comunidade:
Senhor Jesus, te agradecemos porque nos animas e nos alegras com a
tua ressurreição. Te agradecemos que providenciaste cooperadores que nos
trouxeram à fé em ti. Usa-nos como teus cooperadores na expansão do teu
reino. Aceita as nossas ofertas e multiplica-as para a tua glória. Confiamos
em ti, Senhor. Amém.
Bênção.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 -1995


165
Roteiro para Mordomia

Martim C. Warth

No diálogo a respeito de "mordomia" ou "gestão" ou "administração" na


Igreja há necessidade de observar certas definições para não incorrer em
equívocos que deturpam o processo de avaliação.
A "gestão" básica é a que aprendemos do próprio Deus. Ele "reina", isto
é, Ele "administra". Por isso o Reino de Deus não é estático, mas altamente
dinâmico. Lutero entendeu que o seu "reinar" acontece em duas esferas que
se pode distinguir relativamente bem. Para distinguir da palavra "reino",
alguns chamaram estas esferas de "regimentos do reino": o da mão direita
de Deus e o da mão esquerda, ou simplesmente o reino da direita e o reino
da esquerda.
No seu reino da direita Deus administra todas as coisas perfeitas: o perfeito
amor, a perfeita justiça, a perfeita santidade da Igreja, onde o cristão já
participa da dimensão escatológica e final. Não há nada a acrescentar ou a
oferecer da parte do homem. Neste reino da direita estão todas as grandes
ofertas do evangelho e da graça. Aí encontramos a essência das coisas
sagradas: o batismo, a santa ceia, o ministério, a igreja santa e única, a
justificação e a santificação perfeitas. Mas a sua "forma" se realiza no reino
da esquerda.
O reino da esquerda espelha o reino da direita que lhe passa seus valores,
mas as diferentes "formas" permanecem no provisório e no tentativo. A forma
do batismo e da santa ceia é sempre de novo motivo de decisão dentro da
igreja, embora a sua essência permaneça invariável. O mesmo acontece
quanto ao ministério e quanto à igreja no mundo. A aplicação da justificação
se verifica em um sem-número de formas de santificação, que inclui a gestão
ou mordomia. É o espaço do "penúltimo", como Bonhoeffer gostava de dizer.
Aí acontecem as coisas em tentativa e esperança, porque é o espaço do
"espírito voluntário" do cristão (SI 51.12) que quer fazer bem feitas as coisas
do seu Senhor. É o espaço do "presente século", em que as coisas precisam
ser feitas "sensata, justa e piedosamente" (Tt 2.12) nas diferentes "ordens"
criadas por Deus no mundo.

Dr. Martim C. Warth é professor emérito do Seminário Concórdia e atualmente é


coordenador do programa de doutorados contentados da ULBRA

166 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


Lutero menciona três ordens: a económica, a política e a eclesiástica,
colocando a igreja, enquanto no mundo, como uma das ordens da criação,
semelhante à ordem económica, que fala da família e do emprego. Também
é semelhante à ordem política, com a qual tem até muita semelhança, pois
ambas têm uma "administração pública". Como ordem a igreja é diferente da
una sancta do reino da direita. Como ordem a igreja é apenas espelho e
tentativa. Ela é espelho da una sancta, pois reflete a pureza da sua perfeição
nos atos individuais dos cristãos. Ela é tentativa, porque o cristão faz a
"gestão" numa tentativa sensata, justa e piedosa, sabendo que precisa de
contínuo perdão.
A tentativa do "espírito voluntário" será sensata em relação a si mesmo,
na gestão da lei de Deus em sua vida no mundo. Ela será justa em relação
ao próximo, onde o cristão não pode tolerar injustiça. Ela será piedosa, porque
é uma gestão feita na fé, na qualidade de cooperador de Deus. Não é uma
cooperação em que dois puxam parelho, mas uma cooperação criada e
sustentada por Deus pela fé. Continua sendo o "reino" de Deus, a gestão de
Deus, em que Deus faz tudo em todos. Mas é uma gestão que envolve o
cristão e o responsabiliza como agente de Deus no mundo.
Se a igreja no mundo pertence a uma ordem social criada por Deus, então
existe lugar para toda uma estrutura de regimentos com direitos e deveres,
como a sociologia nos ensina. A IELB está sempre de novo praticando esta
arte nas convenções em que decide a respeito de mudanças de seu regi-
mento. Para fazer a gestão eclesiástica é preciso conhecer e usar de forma
"sensata" as coisas do bom senso e da experiência humana. É preciso
conhecer as leis de economia, da administração, das relações humanas, da
organização, da avaliação e do desempenho.
Desta forma, a gestão eclesiástica não é "livre", mas decorre necessaria-
mente da fé e obedece a leis específicas. Estas leis são as que a convivência
humana reconhece e requer, como acontece também na família, no emprego
e na política. Faz parte da lei escrita no coração, criada sempre de novo por
Deus em cada criança que nasce. E "tudo que Deus criou é bom", diria Paulo
(1 Tm 4.4), referindo-se, sem dúvida, a esta lei escrita no coração que Deus
repete positivamente nos seus Dez Mandamentos.
Claro, a graça de Deus é grátis no reino da direita, mas a "forma" da graça
ou a gestão no reino da esquerda não é. Seria uma "graça barata" que não
existe. A ação do cristão no mundo exige tudo, o empenho de toda a sua vida
e de todos os bens que recebeu para administrar em nome da família e das
ordens em que vive, inclusive a igreja no mundo. A questão é aprender a
gerenciar convenientemente os valores que existem para administrar. Estes
são valores diversos, inclusive materiais e financeiros, como aprendemos
como cidadãos na família, no trabalho e no Estado.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995 167


E aqui precisamos aprender com aqueles que conhecem a psicologia do
rico e do pobre, que conhecem a tentação, tão lembrada na sexta petição do
Pai Nosso e qualificada sem rodeios no sétimo mandamento. O mundo
conhece muito bem o dilema dos governos: de um lado a sonegação, e do
outro a evasão indevida dos recursos. Cada um de nós conhece a seriedade
com que precisamos administrar os nossos recursos na família para poder-
mos vencer os compromissos que estão diante de nós. Nossas despesas
nestas ordens são sempre percentuais, em função do salário percebido.
Assim precisamos reservar nove a dez por cento para o INSS, um tanto para
o seguro, muito mais para roupas e alimentos, um pouco para o lazer, uma
boa parte para a educação, e, claro, uma porcentagem razoável para a igreja
e as despesas de bom samaritano.
A igreja no mundo precisa ser um exemplo para a sociedade, ao menos ter
um excelente "espírito voluntário" para sê-lo. Por essa razão a gestão ecle-
siástica, que inclui a contribuição espontânea, mas conscienciosa da família
cristã, deve aprender com o mundo, e precisa superá-lo para servir de
exemplo para o mundo.
Por essa razão é bom que a igreja examine a sua "mordomia" e verifique
até que ponto está obsoleta, desajustada e ineficaz. Claro, nunca terá um
sistema perfeito, ou um plano de Deus pronto e preestabelecido em seus
detalhes. Tem, claro, um plano de Deus, porque o próprio Reino de Deus é a
gestão de Deus que serve de modelo. Mas este modelo não é óbvio, nem
explícito. Ele precisa ser reinventado de geração em geração, de acordo com
a situação sociológica da igreja. Para isso é necessário usar sempre de novo
o bom senso, a razão e a experiência humana.
Olhando para algumas questões práticas, é bom verificarmos como o
nosso povo de Deus está contribuindo. Temos que lembrar que não basta
apelar para a graça e para a fé. Isto é parte do reino da direita. No reino da
esquerda é preciso instruir, lembrar, explicar, demonstrar, apelar. É preciso
ajudar nossas famílias a fazer um orçamento que inclui não só a distribuição
dos compromissos com a própria família e o governo, mas também a con-
tribuição para as coisas diretamente da igreja e do serviço social cristão. Claro,
toda nossa contribuição para a própria família e o governo também é gestão
eclesiástica, mas existe ainda a gestão das coisas próprias do reino de Deus
na igreja.
Olhando para as diversas práticas de contribuição na igreja, podemos ver
que em diferentes épocas o povo de Deus usava, além de outras, as seguintes
modalidades:
1. No Antigo Testamento havia uma contribuição financeira de 10% e mais,
que fazia parte da gestão eclesiástica e política ao mesmo tempo.

168 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


2. No Novo Testamento o apóstolo recomenda que se ponha de lado no
primeiro dia da semana o que se administra para o reino de Deus, "conforme
a sua prosperidade" (1 Co 16.2), o que sugere uma certa porcentagem.
3. A igreja oficial na Alemanha pratica uma contribuição percentual sobre
o salário, dedutível como imposto eclesiástico pelo próprio governo e entregue
às diferentes igrejas, com exceção das igrejas livres.
4. A igreja evangélica no Brasil (IECLB) tem uma contribuição baseada em
uma taxa única para todos, enquanto que várias seitas praticam uma con-
tribuição fixa de 10%.
5. A IELB praticou durante algum tempo uma contribuição de 3,3% na
campanha "Um dia ao Senhor"; em alguns casos há contribuição totalmente
"livre", sem orientação; em outros casos há orientação para uma contribuição
de uma porcentagem variável sobre as entradas da família, a exemplo do
Novo Testamento.
Certamente há outras maneiras para orientar a gestão financeira na igreja.
Mas uma coisa precisa ficar evidente: há uma necessidade de gestão, e há
necessidade de prestação de contas perante a ordem eclesiástica em que
vivemos. A mordomia de nossos bens é uma determinante do reino da direita
como parte da santificação. Mas a "forma" da gestão é uma variável que
compete ao cristão determinar com responsabilidade para a época em que
vive.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 169


AUXÍLIOS HOMILETICOS
Leitura do Evangelho - Série Trienal A
PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTO
3 de dezembro de 1995
Mateus 21.1-11
1. Contexto
Estava próxima a festa da Páscoa! Jesus participaria com os seus discípu-
los, aliás, pela última vez. Por isso segue de Jericó para Jerusalém. O seu
ministério de três anos chegava ao fim. Realiza ainda os últimos sinais
curando enfermos. (Dois cegos em Jericó - Mt 20.29-34) Finalmente a
chegada a Jerusalém, onde começa esta perícope.
Sucintamente, podemos agrupá-la nos seguintes fatos:
V. 1. Descrição do lugar: Betfagé, Monte das Oliveiras, Jerusalém.
V. 2, 3. A ordem de buscar um animal de carga - Ide..., trazei-mos; a saída
de uma situação constrangedora.
V. 4, 5. O cumprimento das Escrituras.
V. 6, 7a. A obediência dos discípulos: “Indo”..., trouxeram...
V. 7b, 8, 9. O júbilo ou canto de louvor.
V. 10, 11.0 impacto de sua chegada.
2. Comentário
V. 1. Há uma descrição exata do lugar: Betfagé, Monte das Oliveiras,
Jerusalém. Betfagé é mencionado somente na entrada triunfal de Jesus.
Provavelmente se localizava entre Betânia e Jerusalém. Significa "a casa dos
figos".
O Monte das Oliveiras, por demais conhecido, ficava no lado Oriental,
distante cerca de um quilómetro de Jerusalém. Antes do Vale do Cedrom
localizava-se o Jardim do Getsêmani. O que nos chama a atenção é que parte
desse caminho seria percorrido por Jesus, muito em breve, mas como
condenado.
Jerusalém era a cidade sagrada. Capital de Judá. Tomou-se muito famosa
no tempo de Salomão, por causa do templo. Todavia, esta cidade reservava
também o lamento de Jesus (Lc 19.41ss.). Ele sabia que poucos dias depois
a cidade seria outra vez alvoroçada, desta vez, porém, com a sua crucificação.
V. 2. Ide. Jesus dá uma ordem: buscar um animal de carga. Era comum
os heróis do passado, como até no tempo de Cristo, entrarem com grande
pompa na cidade. Lógico, o animal não seria um jumento, mas sim, um cavalo
vistoso. Quando Jesus prepara a sua entrada, o faz da forma mais simples
possível. Nada de ostentação exterior. O mais importante era ser conhecido,
como Rei da Graça, humilde.

170 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


V. 3. A ordem "ide" coloca os discípulos numa situação constrangedora.
Já imaginaram como ficariam os dois se o dono do animal os enchesse de
desaforos? Ou até os apedrejasse...? Não era fácil a tarefa de arrumar esse
meio de transporte.
O mesmo constrangimento pode surgir em nossos dias; nem sempre é fácil
abrir o primeiro caminho para a entrada de Jesus.
Diante do constrangimento Jesus indica a saída: "O Senhor precisa deles".
Hó Kyrios autoon - o Senhor mesmo. Aqui cabe uma observação prática:
muitos cristãos, como cooperadores de Deus, esquecem, e muito, a grande
verdade: "O Senhor precisa... !" Precisa do teu carro, da tua moto, do teu
dinheiro, da tua palavra, do teu dom, da tua voz, da tua inteligência, da tua
capacidade. Em suma, o Senhor precisa de ti e da tua vida.
E o que é interessante é que aquele senhor logo os enviou. Acontece isso
hoje? Sabemos quantas desculpas são apresentadas para não enviar. Hoje
a entrada de Jesus em muitos corações é dificultada até por aqueles que têm,
ou melhor, detêm a ordem: "Ide". O constrangimento, hoje, não é tanto com
a reação adversa, mas sim, com a falta de interesse, ou ironia.
V. 4, 5. Mais uma vez a Escritura se cumpre. As promessas de Deus são
infalíveis. Zacarias (9.9) já predissera o acontecimento. A citação da Escritura
sempre foi o cumprimento da verdade. Ao mesmo tempo encerra a questão.
Atrás dessas citações sempre aparece a verdade: "A Palavra de Deus
permanece para sempre".
Quanto doce consolo Paulo consegue transmitir ao pregar a ressurreição
dos mortos (1Co 15) quando repete várias vezes "segundo as Escrituras".
Não era filosofia, teoria ou até conjetura humanas, mas verdade de Deus. Da
mesma forma a entrada triunfal de Cristo não foi um acaso, mas um fato
previsto por Deus.
A citação das Escrituras sempre de novo lembra as maravilhosas promes-
sas: o perdão dos pecados, o amparo e refúgio de Deus. A ressurreição dos
mortos e a vida eterna não são meras palavras ditas ao léu, mas promessas
de Deus: "segundo as Escrituras".
V. 6,7a. Indo..., trouxeram. O que impressiona é a obediência dos discípu-
los. Jesus deu a ordem, para eles restava obedecer. A verdadeira "Mensagem
a Garcia". Não questionam. Não duvidam. Não põem obstáculos, mas cum-
prem a ordem.
Como faltam esses "cooperadores de Deus" na IELB! A triste realidade de
Jesus ser tão desconhecido ou até rejeitado, é porque a obediência a Deus
é ignorada. Questiona-se, duvida-se, obstaculiza-se. Diante de toda essa
falta de fervor, o hino 330 deveria ser cantado mais vezes. Mas também
lembramos que ao chegar na 6a linha da 1a estrofe onde se canta "nós
vamos", não se pense que outros devem ir. O cumprimento da ordem de
Cristo começa por mim. O outro agora sou eu.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 171


V. 7b, 8, 9. E Jesus entra triunfalmente na cidade. Lá, bem humilde, estava
aquele que transformou a água em vinho, fez cegos verem, coxos andarem,
mortos ressuscitarem e anunciara vinda do reino de Deus. Lá estava aquele
a quem os ventos e os mares obedecem. Que saciava os famintos e que era
a "Água da Vida". Era necessário que todos o conhecessem como taí, "Cristo
para todos". Por isso o canto de júbilo e louvor.
Analisando aquela cena, Jesus entrando na cidade e o canto dos seus,
vemos um testemunho público todo especial.
Quantos milagres os cristãos têm para cantar hoje...?! A própria vida, a vida
dos filhos e de todas as bênçãos espirituais. E tudo isso de graça. E mesmo
assim o louvor e a adoração são tão medíocres. Será que as coisas nos são
fáceis demais, por isso o pouco reconhecimento ? Ou o inferno não nos é
pintado em todo o seu horror, por isso não valorizamos a ação de Cristo de
ter fechado suas portas?
Inicia um novo ano eclesiástico. Ele nos anuncia que chegamos mais perto
do fim de nossa vida aqui, e proximidade de nosso encontro com Deus.
Ouvimos toda vez que nos é anunciada a absolvição ou participamos da Santa
Ceia que "devemos corrigir a nossa vida pecaminosa", em outras palavras,
queremos ser cristãos melhores. Mais decididos. Prontos para levar Cristo
para todos. Isto também deve ser aplicado ao nosso louvor a Cristo. Deve-se
repetir diariamente uma entrada triunfal de Cristo em nossos corações, tanto
na obediência quanto na ação e no louvor ao nosso Salvador.
V. 10, 11. O impacto de sua chegada. "Entrando, a cidade se alvoroçou".
A presença de Jesus mexeu com toda a cidade. Deve ter sido uma cena
semelhante à que acontece hoje com a vitória de um time. Os torcedores do
mesmo aplaudem e saúdam os atletas como heróis, enquanto os adversários
fecham as janelas ou até vaiam. Quando Jesus entrou na cidade, os seus
seguidores explodiram de alegria, a cidade festejou; os inimigos se irritaram
e mandaram que Jesus silenciasse seus discípulos. Eis o alvoroço.
Hoje a presença de Cristo parece que não causa esse alvoroço, quer
positivo, quer negativo. Ela é ignorada. Este é o cenário triste também com o
lema da IELB: Cristo para todos. Falta esse impacto nos corações. Falta a
coragem de confessar: "Este é o Profeta Jesus de Nazaré. Este é o meu
Senhor. Eu sou o seu servo. Eu tenho que servi-lo. A ele devo a minha vida
e todo o meu ser. O meu viver é Cristo".
3. Sugestão de tema e partes:
O anunciar Jesus para todos
1. Requer preparativos - a) traçar metas; b) planificar; c) envolvimento; d)
obediência.
2. Terá obstáculos - a) dificuldades naturais: falta de espaço, condução,
verba, etc; b) oposição externa e interna. - A Igreja de Cristo sempre é
vencedora.

172 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


3. Alvoroça ou mexe com as pessoas - a) agita os abertamente contra; b) os
disfarçados; c) os que aceitam a Jesus; d) o galardão dos que são de Cristo.

Ervino Skalee
Joaçaba, SC

SEGUNDO DOMINGO DE ADVENTO


10 de dezembro de
1995 Mateus 3.1-12

1.0 texto
V. 1 - "Naqueles dias apareceu João Batista". O evangelista Mateus cita
diretamente João Batista, porque o mesmo já era conhecido do povo para o
qual escrevia, os judeus. Não fala a respeito de sua vida. Não diz que era filho
de Zacarias e Isabel (Lc 1.5). Não diz que "o menino crescia e se fortalecia
em espírito. E viveu nos desertos até ao dia em que havia de manifestar-se
a Israel" (Lc 1.80). Não diz nada do seu ministério, de sua vida e de sua morte.
Diz apenas que pregava "no deserto da Judeia" (v. 1). Estranho: sua igreja e
seu púlpito ficavam no deserto. Perguntamos: Porque viver no deserto e não
numa cidade? Podemos ter certeza que esta foi a vontade de Deus. Foi desta
maneira que Deus o preparou para a sua grande missão - preparar o caminho
para o Senhor Jesus.
V. 2 - Neste versículo João Batista apresenta a temática de sua pregação:
o arrependimento e a proximidade do reino dos céus. O povo devia abandonar
a boa opinião que nutria a respeito de si mesmo: "Ó Deus, graças te dou
porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros...
jejuo duas vezes por semana e dou dízimo de tudo quanto ganho" (Lc 18.11
e 12). Em seu lugar devia, humildemente, dizer como o publicano: "Ó Deus,
sê propício a mim, pecador". Tudo isto "porque está próximo o reino dos céus",
referindo-se a Jesus.
V. 3 - Na sequência, ele cita Isaías 40.3: "Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas". Este texto refere-se a um costume antigo que o
povo tinha ao esperar a visita de um rei: limparas estradas, retirar obstáculos,
aplainar montes para que o rei e toda a sua comitiva pudessem ter livre acesso
à cidade. Era uma linguagem figurada. João Batista queria dizer: corrijam suas
vidas. Deixem a maldade. Abandonem a hipocrisia e a falsidade. Nivelem os
montes e baixos de suas vidas pelo arrependimento e fé no Senhor que está
para vir. Tornem-se aceitáveis diante do Senhor.
V. 4 - Este versículo descreve a maneira de João Batista viver. Para ele de
nada valiam as tradições e costumes. Era um homem ríspido, rude e um tanto
individualista. Sua alimentação eram gafanhotos e mel silvestre. Seus pen-

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 173


samentos e modo de vida foram tão originais que até hoje, em toda história,
não houve um homem igual a ele: "Entre os nascidos de mulher, não se
levantou um maior do que João Batista". Mesmo pregando num deserto, sem
o mínimo conforto, muita gente vinha ouvi-lo. Gente "de toda a circunvizi-
nhança do Jordão" (v. 5). Gente de todas as classes sociais.
V. 7 - Entre eles estavam os líderes dos fariseus e saduceus que eram tidos
como guias espirituais do povo judeu. Sem rodeios, João Batista dizia em
suas pregações: "Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?"
V. 8 - "Produzi, pois, fruto digno do arrependimento." Somente o arrependi-
mento, não o orgulho, não a auto-elevação, é que pode produzir verdadeiro
caminho para receber o Senhor Jesus. De nada adianta religião exterior. Hoje
também muitos pensam assim: aparências.
V. 9 - "e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai Abraão."
Com estas palavras João Batista lembra-lhes que o orgulho, a tradição
também não têm lugar no reino de Deus. Somente os humildes de coração.
"Bem-aventurados os humildes de espírito (aqueles que não ocultam os seus
pecados), porque deles é o reino dos céus". Mateus 5.5. Orgulho e soberba
geram montanhas e empecilhos no caminho que conduz ao Senhor. Quando,
na realidade, humildade e arrependimento aplainam o caminho ao Senhor.
V. 10 - Aqui vemos uma forte admoestação aos que se julgavam os mais
religiosos: "Já está posto o machado à raiz das árvores". Lembra-lhes o
"fogo". Condenados: "que não produz bom fruto". Ler Lucas 3, versículos 11,
12, 13, 14 e verificar as mais diferentes classes sociais que vinham ter com
João Batista, tão grande foi a repercussão de sua pregação: cobradores de
impostos, "não cobreis mais do que o estipulado". Soldados, "a ninguém
maltrateis, não deis denúncia falsa, e contentai-vos com o vosso soldo".
Outros,"quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver
comida, faça o mesmo".
V. 11 - Há teólogos que diferenciam o batismo de João Batista do batismo
de Jesus. João Batista dizia: "eu vos batizo com água, para arrependimento".\
Jesus "vos batizará com o Espírito Santo e com fogo". Contudo, não faz
diferença alguma. Dizem que o batismo de João tinha apenas efeito moral, e
que o batismo de Jesus, espiritual. Ambos batizavam para arrependimento,
para remissão dos pecados. Tanto é verdade que Jesus não repetiu o batismo
de João. O Espírito Santo trabalhou, operou através do batismo de João e do
batismo de Jesus. Se Jesus iria batizar "com o Espírito Santo e com fogo",
estas palavras são uma referência profética ao Pentecostes narrado em Atos
dos Apóstolos 2, versículos 1 a 4.
V. 12 - Este versículo, como o versículo 10, novamente destaca o rigor da
lei com que João Batista pregava. Mais uma vez deixou claro o perigo a que
estão expostos os impenitentes e os incrédulos: "limpará completamente a
sua eira ... queimará a palha em fogo inextinguível". João Batista ao mesmo
tempo em que adverte o povo com máximo rigor, deixa claro que aqueles que

174 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


estão verdadeiramente arrependidos estão em segurança absoluta: "reco-
lherá o seu trigo no celeiro". Os filhos de Deus estarão abrigados do "fogo
inextinguível". Ninguém os arrebatará de suas mãos.
2. Assunto
A temática para a quadra de Advento é arrependimento. Isto ficou claro em
nosso estudo. Não que em outras épocas do ano eclesiástico não haja
arrependimento. Nós aprendemos no Catecismo de Lutero que o arrependi-
mento deve ser diário e constante. A diferença consiste que na época de
Advento devemos pregar sobre o arrependimento de uma forma mais intensa,
contrastando os nossos pecados, a nossa miséria espiritual, nossa pecami-
nosidade com o grande amor de Deus através de Jesus Cristo.
3. Sugestão homilética
A pregação de João Batista:
- Chama ao arrependimento
- Assegura ao arrependido segurança em Deus (celeiro)
- Nós - cooperadores de Deus - devemos convocar o povo ao arrependi-
mento. Nossa responsabilidade.

Acy Ramalho Hepp


Ponta Grossa, PR

TERCEIRO DOMINGO DE ADVENTO


17 de dezembro de 1995
Mateus 11.2-11
1. Leituras do dia
Salmo 146 - Este salmo é um cântico de louvor à fidelidade de Deus; porque
ele cumpriu as suas promessas. "Haleluiah" quer dizer: "Louvai ao Senhor".
Louvor ao Senhor - é o que propõe este cântico a Deus por sua fidelidade, da
qual decorre a confiabilidade em suas promessas. Estas são frutos do seu
amor - o qual é eterno (w. 6,10), e se caracteriza por exercer justiça e
misericórdia (w. 6-9).
Isaías 35.1-10 é um texto de profundo significado escatológico, repleto de
promessas evangélicas - de consolo incomparável. O texto é, também, uma
descrição minuciosa e atraente (evangélica) daquilo que os "cooperadores de
Deus" podem esperar encontrar na "futura Sião". O Senhor deseja a coope-
ração dos seus fiéis, para levar as suas promessas:
a) ao povo de Israel (histórico) acerca dos planos de Deus para libertar e
reconduzir o povo "remanescente do cativeiro";

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 175


b) ao Israel espiritual (escatologia), procedente de todas as tribos, línguas
e nações. Este povo recebe, para seu consolo, uma descrição da felicidade
na Sião futura ... Vv. 3-4: "Fortalecei as mãos frouxas ... dizei aos desalen-
tados ... ele vem e vos salvará".
Tiago 5.7-10 - O contexto da epístola ocupa-se com o perigo da impaciên-
cia, como tentação de buscar a felicidade imediata a qualquer custo, sem
considerar o cumprimento das promessas de Deus. O apóstolo recomenda o
exercício da paciência, sem murmuração, enquanto os cristãos aguardam a
"vinda do Senhor"... "que está próxima" ... E, pelas evidências já anterior-
mente constatadas, ela é digna de crédito.
2. Contexto
O contexto maior desta perícope tem seu início já no capítulo 8 de Mateus.
Porque lá iniciam os relatos de cumprimento das promessas de Deus acerca
do Messias, feitas em Is 35.5,6; 61.1 e Mt 3.1. A partirdo capítulo 8 de Mateus
mencionam-se várias curas (de leprosos, paralíticos, a sogra de Pedro,
endemoninhados, etc). Enquanto Jesus demonstra publicamente o cumpri-
mento das promessas de Deus, ele também já vai escolhendo e preparando
seus "cooperadores", no intuito de enviá-los com esta mensagem esca-
tológica: "... Pregai que está próximo o reino dos céus (Mt 10.7). Nos
bastidores, prepara seus discípulos - seus cooperadores. Simultaneamente,
treina-os a "viverem como suas testemunhas". Esta preparação do Mestre
chega ao conhecimento de João Batista, preso, provavelmente na fortaleza
Maquero, ao oriente do Mar Morto. Da prisão, possivelmente para fazer seus
discípulos aderirem a Jesus (efe. Jo 1.36; 3.30), João envia-os a fim de
constatarem por si mesmos a presença do Messias "Imanuel" (como uma
espécie de 'lema de casa", em forma de "entrevista" com o próprio pro-
tagonista da salvação). O resultado desta entrevista está retratada no texto -
o que vem corroborar a fidelidade de Deus, pelo cumprimento de suas
promessas.
3. O texto
Vv. 2-3 - João Batista estava preso, por ordem de Herodes Antipas, já fazia
8 ou 9 meses ... Encarcerado, porque no seu dever de "cooperador" de Deus
feriu com o aguilhão da lei a Herodes, o rei. Assim impedido de exercer seu
papel, remete seus discípulos a Jesus, a fim de que eles, de alguma forma,
cooperem na divulgação do plano de Deus ... "És tu aquele estava para vir
ou havemos de esperar outro?" Esta pergunta pode traduzir dúvida, mas não
descrença. Trata-se de uma busca de resposta junto à pessoa acertada. Este
episódio: 1o) serve de consolo para nós, porque este grande "cooperador de
Deus" (João Batista) também foi assediado por dúvidas, mas não a deixou
transformar-se em descrença; 2o) nos ensina (em nossos momentos de
dúvidas e crises) buscar ajuda junto àquele que nos escolheu como seus
cooperadores, Jesus Cristo.

176 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


Vv. 4-6 - A resposta de Jesus aos seguidores de João Batista contém dois
elementos importantes: 1o) A citação que Jesus fez das profecias de Isaías
(Is 35.5,6 / 61.1) estabelecem o toque de contato com o tema da perícope de
hoje, tónica do Salmo 146: A fidelidade de Deus no cumprimento de suas
promessas, referindo, também, as muitas maneiras pelas quais o Senhor
intervém na vida de seus crentes; libertando, levantando, guardando, pois sua
esperança está nele. É isto também que faz no seu texto bíblico Isaías: Ele
fortalece, firma, desimpede os resgatados do Senhor, avisando: "eis o vosso
Deus!". Conclusão: Aquilo que havia sido dito a respeito de Jesus está sendo
cumprido. Não restam dúvidas: a) Jesus é o Cristo, o prometido; b) Deus é
fiel (que ... "mantém para sempre a sua fidelidade"- SI 146.6b). 2o) Depois de
ter-se confirmado como sendo o Messias, Jesus enuncia uma advertência:
"Bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço" (Mt
11.6). Logo: Quem se escandalizar em Cristo, tropeça no Messias, quem nele
tropeçar, certamente nele não há de confiar e quem não confia em Jesus, não
será salvo! E, aqui na terra, na igreja militante, não será um cooperador...
Porque não confia na fidelidade de Deus - é loucura para ele - não o move.
Vv. 7-10 - Enquanto os discípulos de João regressavam, levando a res-
posta de Jesus (para que o povo não levasse uma impressão errada),
declarou a todos que o Batista não era uma cana agitada pelo vento (vide
texto: Mt 11.10-11). João foi o grande profeta que preparou o caminho do
Senhor - um grande "cooperador de Deus", "vivendo como testemunha de
Deus" (até ao martírio!). Não obstante isso, ele teve também o seu aparente
momento de dúvida, mas que não afetou a estabilidade de sua confiança na
fidelidade de Deus ...
A Bíblia nos informa de outros grandes "cooperadores de Deus" que
tiveram momentos de fraqueza. Homens como Moisés, Elias, Jonas, Pedro e
outros vacilaram! Entretanto, foram, apesar das fraquezas, grandes líderes e
"cooperadores" no reino de Deus, "vivendo como testemunhas de Deus".
Quanto consolo encontramos neste texto para as nossas fraquezas e dúvidas!
Cristo é o Salvador. Não precisamos esperar outro. A fidelidade de Deus está
comprovada em Cristo. E, em nossas fraquezas e dúvidas, temos alguém que
pode nos socorrer: Jesus Cristo, que conhece a natureza, porque "se fez
carne e habitou entre nós", sabe como nos consolar e fortalecer.
4. Proposta homilética
Existem várias possibilidades de desenvolver mensagens sobre o texto do
evangelho. Entretanto, percebe-se claramente como os textos bíblicos deste
domingo harmonizam-se num conceito: A fidelidade de Deus em todas suas
promessas. Este conceito pode ter abordagem dupla, a saber: a) do ponto de
vista do "está consumado" (tudo o que Deus tinha em mente fazer para a
salvação, efetivamente ocorreu), e b) do ponto de vista do "princípio do fim"
(e assim como o Natal é a consumação do primeiro Advento, assim vivemos
nós na dimensão escatológica da consumação do segundo Advento de
Cristo). Enquanto aguardamos a segunda vinda de Cristo, portamo-nos como

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 177


os que confiam na fidelidade das promessas de Deus (perdão, fortalecimento
da fé, preservação na fé, novos céus e nova terra - bênçãos de sobrevivência
material), "sendo cooperadores de Deus" e (aqui já pode ser feita referência
à nova ênfase do lema "Cristo para todos") "vivendo como testemunhas de
Deus".
5. Sugestão de tema e partes
A - A fidelidade de Deus em suas promessas
1 - Como geração suporte de nossa confiança nele
2 - Como fertilizante para produção de frutos da fé.

Elberto Arno Manskc


Esteio, RS

QUARTO DOMINGO DE ADVENTO


24 de dezembro de 1995
Mateus 1.18-25

1. Leituras do dia
Salmo 24 - Tradicionalmente, este salmo tem sido usado pela igreja na
Ascensão do Senhor. Keil-Delitzsch, no entanto, intitula este salmo de:
"Preparo para a recepção do Senhor, que está prestes a vir", demonstrando,
assim, que talvez o tema do mesmo seja mais apropriado para o período de
Advento. No Advento, a igreja cristã prepara-se para receber dignamente
aquele que vem em nome do Senhor. A vinda de Jesus na carne é uma bênção
do Senhor, pois traz salvação (v. 5). É necessário um preparo adequado para
se receber o Rei da Glória, o Salvador prometido (w. 7-10).
Isaías 7.10-17 - Diante da situação de medo e temor, na qual Acaz se
encontrava (v. 2), o profeta Isaías o aconselha a "crer" (v. 9). Deixa o Senhor
da história dirigir a história. A "virgem" e seu filho "Emanuel" são referidos
como um "sinal", destinado a assegurar ao cético Acaz um livramento rápido
de seus inimigos. A citação de Mateus (1.23) deixa claro que essa profecia
tem uma dimensão messiânica. Como é frequente nos profetas, Isaías fala
de dois quadros de perspectivas diferentes, no presente e no futuro distante.
Falando do nascimento deste menino na família de Acaz, a casa de Davi,
Isaías projeta um dos maiores sinais a ocorrer ainda na família de Davi: a
concepção do Filho maior do mesmo Davi, o Emanuel por excelência.
Romanos 1.1-7 - O apóstolo confirma que foi separado por Deus para
anunciar a boa nova do evangelho. A promessa de Deus, anunciada por meio
de seus profetas, a qual atestava que o Salvador seria descendente de Davi,
se cumpriu de fato. Paulo lembra que essa boa nova é para todos, judeus e

178 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


gentios. A epístola, bem como as demais leituras do domingo, apontam para
o grande lema da IELB: Cristo para Todos. Essa é uma oportunidade que o
pregador tem para falar da Igreja e de seus projetos missionários, preparando
a congregação para o tema de 1996: "Vivendo como Testemunhas de Deus".
2. Contexto
Há na Escritura somente dois relatos do nascimento do Salvador. Um relato
está registrado em Lucas 2, o outro é o nosso texto, registrado no evangelho
de Mateus. O texto de Lucas foi escrito do ponto de vista de Maria, a virgem
mãe do Salvador. Mateus, por sua vez, apresenta o nascimento de Jesus a
partir de José, o pai de criação.
O contexto obviamente tem o seu valor, na medida em que Mateus dedica
os primeiros 16 versículos de seu livro para falar da genealogia do menino
gerado por Maria. Deus havia prometido que, em Abraão, todas as famílias
da terra seriam benditas e que um Salvador havia de sair da família de Davi
(cf. Gn 12.3 e Is 11.1). Estes versículos iniciais do Evangelho de Mateus
provam que Jesus descendeu de Davi e de Abraão e que a promessa de Deus
se cumpriu totalmente na plenitude do tempo (cf. Gl 4.4).
3. Texto
V. 18 - Este versículo, bem como a última parte do versículo 20, claramente
afirma a causa e a origem da concepção de Jesus. Ele foi concebido por Deus
e não por homem. Embora Maria estivesse desposada com José, Jesus
nasceu somente de Maria (v. 16).
V. 19 - A palavra dikaios nos lembra de Lucas 1.6 e 2.25. Embora a palavra
não seja aplicada a Maria, sabemos que ela era justa e crente no Senhor (cf.
Lc 1.28,30). Dikaios denota também o relacionamento de José com Deus. Em
seu amor por Maria, José decide deixá-la secretamente. Ele não queria que
o povo a considerasse uma adúltera. José planejou usar uma forma privada
e legal de divórcio, entregando sua carta a Maria, na presença de duas
testemunhas. Ele não precisaria expor suas razões para o divórcio.
Vv. 20, 21 - Este anjo provavelmente era Gabriel, o qual já havia aparecido
a Maria (cf. Lc 1.26). Não foi um sonho, pois a palavra empregada aqui é
ephane. O anjo realmente apareceu a José (cf. Hb 1.14). A expressão "Filho
de Davi", frequentemente usada no NT em referência a Jesus, é usada
excepcionalmente aqui com referência a José. O que denota honra e
distinção.
José recebe duas ordens claras: a) receber Maria como esposa; b) dar à
criança um nome específico. Jesus é a forma grega do nome hebreu Jeshua,
o qual significa "o Senhor salva". O nome, em conexão com o verbo sosei,
cobre a inteira obra soteriológica de Jesus. Não é possível celebrar o Natal
sem o perdão dos pecados!

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 179


V. 23 - Emmanouel, esse nome que ocorre em Is 7.14 e 8.8 significa
literalmente "Deus (está) conosco". "O argumento desta passagem é ver no
nascimento de Jesus um ato salvífico de Deus, comparável com o nascimento
do primeiro Emanuel (cf. Is 7.14). Ambos os nascimentos significam a pre-
sença de Deus com seu povo, através de uma criança. Embora, porém, o
evento anterior nos dias de Isaías era considerado, na ocasião, como possui-
dor de significado decisivo, revela-se, à luz da vinda de Jesus, como mera
antecipação do ato realmente salvífico de Deus e da Sua presença ver-
dadeira." (Dicionário Internacional de Teologia do NT, Vol I, p. 655). Emanuel
não foi somente um nome dado a Jesus, mas é um nome que descreve a sua
natureza divina e confirma a sua encarnação. No filho de Maria a palavra de
Deus foi cumprida. Na pessoa de seu filho, o próprio Deus está entre nós, não
com sua justiça punitiva, mas com seu maravilhoso amor e sua terna mise-
ricórdia, (cf. Is 9.2, Jo 1.1,14 e 1 Tm 3.16).
Vv. 24, 25 - José não mais hesitou. Ele entendeu a mensagem do anjo e
creu. Silenciosamente ele cumpriu seu dever de esposo e futuro pai. Desta
forma José demonstrou a sua fé e a confiança de que "todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28). Mateus conclui dizendo que
José cumpriu a ordem divina à risca: não somente deu o nome proposto à
criança, mas publicamente reconheceu a paternidade e formalmente o adotou
como seu filho legítimo.
4. Proposta homilética
O pensamento central do texto é a imanência do Deus transcendente.
Lembrando o tema do Advento, o sermão deveria enfocar o fato de que Deus
está perto dos seus em Cristo Jesus. Deus não é alguém que está distante,
mas Ele está bem próximo e encarnado na figura de Seu Filho, o Emanuel -
Deus Conosco.
Pensamento Introdutório:
Há momentos que nos sentimos sós! Parece que todos estão distantes,
até Deus. Será que de fato é assim? Qual a mensagem do Advento? O
Emanuel está chegando, ele está vindo para estar entre nós. Jesus significa
Deus conosco!
/ - Ele esteve desde o princípio na forma pré-encarnada.
A. Diálogo franco e aberto entre Deus e o homem antes da queda.
B. A queda em pecado quebra o diálogo e a comunhão com Deus.
C. Promessa futura de um Salvador- Deus conosco. (Gn 3.15)
// - Jesus é o Emanuel encarnado.
A. Ele é verdadeiro Deus (vv. 18,20b)
B. Ele é verdadeiro Homem (vv. 18,25)

180 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


/// - Emanuel traz salvação.
A. Veio para cumprir a promessa de Deus (w. 22,23)
B. Veio para salvar o povo de seus pecados (v. 21)
Conclusão:
O período de Advento é um tempo de preparo para receber o "Verbo que
se fez carne". Deus está conosco em Jesus, não há o que temer, pois Ele traz
salvação. Emanuel está conosco todos os dias (Mt 28.20).

Ely Prieto Arroio do


Meio, RS

NATAL
25 de dezembro de 1995
Lucas 2.1-20
1. O contexto
Em sentido lato, todo o Antigo Testamento forma o contexto do evangelho
de Natal. O que aconteceu na estrebaria de Belém fora prometido já no Éden
através do proto-evangelho: "Porei inimizade entre ti..."(Gn 3.15) e posterior-
mente em todas as passagens messiânicas. A própria existência do povo de
Israel faz parte do contexto do Natal. O Senhor havia prometido a Abraão:
"Em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3). Em sentido restrito,
porém, o contexto inicia com o anjo Gabriel anunciando o nascimento de João
Batista. Ele iria "habilitar para o Senhor um povo preparado" (Lc 1.17). Gabriel
anuncia também, a Maria, o nascimento do próprio Messias. Alguns perso-
nagens centrais destes acontecimentos percebem a importância do que
estava para acontecer; Zacarias e Maria o expressam nos seus célebres
cânticos.
2. O texto
Vv. 1-3 - A conexão do nascimento de Jesus com os acontecimentos
históricos do momento é muito significativa. O homem mais poderoso da
época, César Augusto, coopera através do censo, sem o saber, para o
cumprimento das profecias do AT. O imperador romano era cultuado como
"senhor" (kyrios); agora, porém, nasce aquele que é "Cristo, o Senhor".
Havia chegado a "plenitude do tempo" (Gl 4.4). Com muita propriedade a
História estabeleceu esta data como o ponto zero. Agora começa um novo
tempo.
Vv. 4-7 - O simples fato de Jesus ter nascido numa estrebaria não é sinal
de pobreza. Podemos ser muito ricos e mesmo assim ser obrigados a
hospedar-nos num hotel simples por estarem lotados os de cinco estrelas. A

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 181


pobreza do casal aparece alguns dias mais tarde quando oferecem, em
cumprimento da lei, pelo resgate do filho primogénito, apenas um par de rolas,
em lugar de um cordeiro (Lc 2.23,24; Lv 12.8).
A falta de lugar para Jesus, em Belém, contém um simbolismo. Durante
toda a sua vida terrena não havia lugar para ele. O mundo da época nem
tomou conhecimento de sua vinda. Foi rejeitado pelos seus familiares (Jo 7.5)
e pelo povo de Israel (Mt 27.22). Sua mensagem, proclamada pelos seus
apóstolos e seguidores, sempre foi rejeitada pela grande maioria das pessoas
(Lc 12.32), como ainda acontece em nossos dias. O seu rebanho sempre foi
e será pequeno, até a sua volta (Lc 18.8).
Ele veio em pobreza para que nós nos tornássemos ricos, especialmente
em tesouros espirituais (2 Co 8.9).
Vv. 8-11 - Era noite quando Jesus nasceu. Não apenas em relação à hora
do dia como também espiritualmente. Poucos esperavam por um Messias
assim. Os pastores, o velho Simeão, a profetisa Ana, Zacarias, Isabel, Maria,
José e outros, são exceções. Ele, porém, trouxe luz para dissipar as trevas
dos corações. Também nisso o simbolismo é marcante. Luz iluminou os
pastores, "a glória do Senhor brilhou ao redor deles". O NT fala da conversão
como sendo uma iluminação (2 Co 4.4,6; Ef 5.14; Hb 6.4).
Os pastores "ficaram tomados de grande temor". Bendito temor. O homem
pecador teme quando é confrontado com Deus. Infelizes os que não sentem
este temor. Não podem regozijar-se com a "boa nova de grande alegria".
A mensagem do anjo não é seletiva. "Vos trago boa nova", pastores de
Belém, mas ela é para 'todo o povo". Não somente para os judeus. O canto
dos anjos vem confirmar isto: "paz na terra entre os homens". "Cristo para
todos" não é apenas o lema da IELB até o ano 2000. Este já foi o lema da
igreja cristã através de todos os tempos e assim precisa continuar sendo até
a volta de Jesus. "Deus amou o mundo de tal maneira ... (Jo 3.16). Quando
uma congregação, um pastor ou um cristão leigo tratam com alguém, procla-
mam a mesma mensagem do anjo, isto é, que Deus quer bem a todos os
pecadores. Nem todos crêem, é verdade, e consequentemente não usufruem
a paz entre Deus e os homens. (É preciso distinguir entre justificação objetiva
e subjetiva). Com a obra salvadora de Jesus o homem está reconciliado com
Deus. A justificação apenas acontece quando, pela fé, a reconciliação é
aceita.
No Natal Cristo é apresentado como verdadeiro homem, descendente de
Davi. Na sua divindade, contudo, a criança envolta em faixas era, ao mesmo
tempo, "Cristo, o Senhor".
V. 12 - Estranho sinal: "uma criança envolta em faixas e deitada em
manjedoura", não, porém, para quem conhecia a profecia de Is 9.6.

182 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


Vv. 13,14 - As palavras cantadas pela multidão dos anjos não significa
apenas um desejo, ou um voto; expressa, na verdade, uma declaração
triunfante. Não é: "Glória seja a Deus" mas "A glória é de Deus". Cumpriu o
plano da salvação há tanto tempo prometido. Reconciliou o mundo consigo
mesmo através de Cristo (Rm 5.10; 2 Co 5.18,19). A boa vontade de Deus
inclui todas as pessoas.
Vv. 15-20 - Os pastores são os primeiros a ouvir a notícia do nascimento
daquele que seria o verdadeiro bom pastor. Neles descobrimos a imagem de
bons ouvintes da Palavra. Senão vejamos. Aceitam a mensagem do anjo, sem
perguntar "mas como?", "por quê?", "não pode ser, aqui em Belém?". O
discípulo Tomé, provavelmente, apenas iria acreditar vendo e tocando na
criança. E mesmo diante dela, quem sabe, diria: "mas este bebé é para ser
Cristo, o Senhor!? Será?". Recebem a mensagem do anjo como palavras "que
o Senhor nos deu a conhecer". Este igualmente é o caso quando um pastor
ou outro cristão anunciam a mesma mensagem. Ela é de Deus. "Quem vos
der ouvidos, ouve-me a mim" (Lc 10.16). Os pastores de Belém são também
bons ouvintes, por aplicarem a palavra primeiramente a eles mesmos e logo
a seguir, ali onde se encontravam, passaram a divulgar a notícia.
Maria, como os pastores, ouviu e guardou em seu coração o que lhe fora
transmitido. Sua vida espiritual foi nutrida e abençoada pela Palavra.
3. Propostas homiléticas
Tema: O caráter extraordinário do nascimento ocorrido em Belém
1. A criança é verdadeiro homem (w. 4-7,12).
2. A criança é verdadeiro Deus (w. 10,11).
Tema: O anjo traz a mensagem de Deus aos pastores de Belém (v.10).
1. "Não temais"
2. "Vos trago boa nova de grande alegria"
Tema: A reação dos pastores diante do anjo nos campos de Belém
1. Ficaram tomados de grande temor (v.9).
2. Ouvem atentamente a sua mensagem (v. 10-12).
3. Dirigem-se até Belém para adorar o Salvador (v.15).
4. Divulgam o que se lhes havia dito (v.17).
5. Glorificam e louvam a Deus (v. 20).
Tema: O cântico da multidão de anjos complementa a mensagem trazida
pelo anjo aos pastores de Belém (w. 13,14).
1. Deus é glorificado pelo cumprimento do plano da salvação
2. Há paz entre Deus e os homens
Tema: Os pastores de Belém são modelos de bons ouvintes da Palavra

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 183


1. Aceitam como verdadeira a mensagem do anjo (v. 15).
2. Consideram a mensagem como vinda do próprio Senhor (v.15).
3. Aplicam a Palavra primeiramente a eles mesmos (v. 15,20).
4. Divulgam os fatos que viram e ouviram (v.17).

Christiano Joaquim Steyer

PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL


(Véspera de Ano Novo)
31 de dezembro de
1995
Mateus 2.13-15,19-23
1. Leituras
As leituras indicadas para este domingo relacionam a alegria e o louvor
que brotam quando se "considera as obras do Senhor" (Salmo 111). O
salmista procura através de limitadas palavras expressar a grandiosidade da
graça, da misericórdia, da fidelidade, do poder e da justiça de Deus. Já Isaías
63.7-9 lembra a confissão que deveria estar nos lábios do povo de Deus:
"Celebrarei as benignidades do SENHOR e os seus atos gloriosos, segundo
tudo o que o SENHOR nos concedeu". O profeta refere-se à fidelidade de
Deus com a expressão: "a multidão das suas benignidades". Também neste
texto está expressa a profecia que se cumpre no Evangelho de hoje: "o Anjo
da sua presença os salvou". O texto da Epístola (1 Co 1 .(18-20) 21-25) chama
a atenção para a 'lógica diferente' de Deus, lógica que para nós está mais
para loucura e escândalo. Por que o Filho de Deus tinha de passar por tudo
aquilo? A cruz começa a manifestar-se na vida do Salvador desde seu
nascimento.
2. Contexto
A alegria do Natal parece que tinha terminado. Os pastores já tinham
voltado ao campo pois as ovelhas não podiam ficar sozinhas. Os magos do
Oriente em seu grande e intenso júbilo prostraram-se e adoraram o menino
Jesus, ofertando-lhe finíssimos presentes. Mas, agora era hora de voltar para
casa. A festa do nascimento, o show divino, parece que chegava ao fim e
agora teria de se voltar à triste realidade humana. Deus, porém, dá o seu
recado através de sonhos e muda totalmente os planos. Um outro perso-
nagem da história do Natal quer pôr logo um "fim" na história da salvação. É
o rei Herodes, furioso porque diziam estar nascendo um novo 'Rei dos
Judeus'. Por causa disso é que os magos mudam o roteiro de sua volta para
casa. Jesus, José e Maria precisam passar um período de 'quarentena' na

184 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


terra do Egito. Uma grande matança de crianças acontece em Belém. A
alegria do nascimento do Salvador é substituída por mudanças nos planos de
cada um. Mudanças estas orientadas pela sábia e amorosa vontade de Deus.
3. O texto
V. 13 - Deus vale-se de meios sobrenaturais para transmitir seu recado: os
sonhos. Esta forma especial de comunicação também aparece nos w. 12,19
e 22. O verbo grego anachoréo, traduzido nos versículos 12, 13 e 14,
respectivamente, como "regressaram", "tendo partido" e "partiu", comunica
a mesma ideia de afastamento do perigo.
V. 14 - José e sua família não esperaram o dia clarear, mas viajaram
imediatamente ao Egito. Isso implica em absoluta confiança naquele que os
havia trazido a Belém, feito nascer o menino mesmo que numa estrebaria e
que agora os encaminhava a outro distante país.
V. 15 - Tudo acontece "para que se cumprisse o que fora dito pelo
SENHOR". É citada aqui a profecia registrada em Os 11.1, que parece sugerir
a ligação do Messias com a história do povo de Israel, repetindo em seus
passos a experiência do Israel antigo.
V. 16-18 - Embora não faça parte da perícope indicada, é importante que
seja analisada para observar até que ponto chega a inveja humana. Tal
profecia estava prenunciada em Jeremias 31.15.
V. 19 - Deus não esquece. Assim que o perigo estava afastado - morte de
Herodes - um anjo novamente aparece em sonho para providenciar o retorno
de Jesus.
V. 20 - Deus preocupa-se com a vida (psique) de cada um, e em especial
do Filho Salvador. Ainda não era a hora, dentro do seu plano Redentor.
V. 21 - Novamente está registrada a prontidão com que José obedece aos
comandos de Deus. Egertheis, já citado nos versículos anteriores, pode ser
traduzido por "acordar, despertar-se, levantar". Deus dá o recado e convida
o ser humano para colocar-se em ação.
V. 22 - Mais uma vez Deus está atento e preocupado com a vida. A divina
advertência revela-se em sonho orientado para uma região mais segura onde
outra profecia terá seu cumprimento.
V. 23 - Nazaré, cidadezinha nunca mencionada no Antigo Testamento,
estava numa região mais associada com os gentios do que com o "povo de
Deus". Mais uma vez estava prenunciada nos planos de Deus a influência
universal que teria como Salvador do mundo.
4. Proposta homilética
Mensagem para final de um e início de outro ano implica olhar para trás e
para frente. É importante analisarmos o que passou e o que vem pela frente.
As leituras deste domingo enfocam a misericórdia e a fidelidade de Deus e o
consequente louvor e gratidão. Inúmeros planos foram feitos na mudança de

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 185


ano anterior. Muitos deles não se consumaram e talvez, se tivessem acon-
tecido, poderiam ter complicado mais ainda a vida de cada um. Por isso a
importância de reconhecer a fidelidade divina e louvá-lo com gratidão.
Maria e José provavelmente tinham inúmeros planos ao voltarem para casa
trazendo seu filho recém-nascido. Diz um ditado popular: "Os homens plane-
jam mas Deus é quem executa". A fidelidade divina continua mesmo quando
a realidade humana fica complicada. Muitas dúvidas devem ter surgido nas
mentes de José e Maria: "por que está acontecendo isso com a gente?" deve
ter sido uma delas. Dúvidas como essas ou outras mais difíceis também estão
na mente daqueles que estão ouvindo sua mensagem no culto: doenças,
dificuldades financeiras, problemas na família, etc.
O jeito de Deus mandar seu recado hoje é diferente. Ele utiliza a sua
Palavra. Muitas respostas para nossos frustrados planos estão ali descritas.
Especialmente podemos aprender a respeito dos nossos planos em relação
à vontade de Deus quando seguimos o exemplo de Maria e José, que, assim
que recebiam a mensagem divina, prontamente se dispunham a cumpri-la.
A lógica dos planos de Deus nem sempre é entendida por nós. Às vezes
é loucura o que acontece. Parece que o Senhor está dormindo. Outras parece
escandaloso o rumo que as coisas tomam. Mas, depois de tudo acontecido,
é que nos damos conta de que a fidelidade de Deus mais uma vez se
manifestou. Ao olharmos para trás observamos que "Ele é que estava com a
razão".
Introdução
- Início de ano: hora de rever os planos passados.
hora de planejar o novo ano.
Tema: A lógica de Deus é diferente, ou: Deus mexe em nossos planos.
1) Porque Ele enxerga mais adiante do que nós.
2) Sua vontade é amorosa para conosco.
3) Ele é fiel em suas promessas.
Christian Hoffmann
Porto Alegre, RS

PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA


Batismo de Nosso Senhor
7 de janeiro de 1996
Mateus 3.13-17
1.Contexto
Os relatos paralelos estão em Mc 1.9-11; Lc 3.21,22 e Jo 1.32-34.

186 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


A narrativa dos fatos diz respeito ao início do ministério público de Jesus.
No contexto, ou seja, no início do capítulo 3, aparecem descritos fatos e
episódios do ministério do precursor de Jesus, João Batista. Este era filho do
sacerdote Zacarias e Isabel (Lc 1.15-25). Era aparentado de Jesus, talvez
primo. Não há clara definição sobre esse assunto (Lc 1.36).
Dezoito anos se haviam passado desde a última menção sobre as circuns-
tâncias da vida de Jesus. Agora, quando tanto João quanto Jesus tinham
aproximadamente trinta anos de idade, a narrativa é reiniciada. Calcula-se o
tempo em torno de 28-29 AD (Lc 3.1).
O Novo Testamento silencia no fornecimento de aspectos biográficos da
vida de Jesus nos anos intermediários entre a sua infância e vida adulta.
Pouco se sabe do Jesus adolescente e jovem adulto, a não ser pelo teste-
munho dos evangelhos apócrifos, que não são dignos de confiança, e de
alguns escritores antigos. Justino Mártir (150 AD) relata que Jesus trabalhou
como carpinteiro, provavelmente substituindo José na oficina de carpintaria.
É geralmente aceito o fato de que José faleceu quando Jesus era ainda
bastante novo, ficando então Jesus encarregado do sustento da família desde
sua adolescência, por ser o primogénito da família de muitos irmãos (Mt
12.46,47).
É geralmente aceito também que Jesus, embora aterefado com o trabalho,
desenvolveu intensamente a dimensão espiritual de sua vida mediante
comunhão estreita com o Pai e o Espírito Santo. Isso lembra a realidade
importante da presente natureza humana de Jesus que teve que firmar-se e
desenvolver-se, a par de sua natureza divina. Jesus esvaziou-se do uso de
sua natureza divina para poder vivenciar plenamente, em todos os particu-
lares, a nossa dimensão humana, vencendo, assim, nossos principais e
poderosos inimigos e sendo exemplo da nova vida que temos n'Ele.
2. Texto
Vv. 13,14 - Tudo o que João Batista havia dito a respeito do Rei, havia sido
exatamente verdadeiro. Ainda assim, quando Jesus apareceu, foi alvo de
perplexidade, até ao ponto de João mesmo ficar surpreso quando Jesus lhe
pediu para ser batizado. Jesus se une aos que ouviram o apelo de João à
penitência e expressam sua disponibilidade à era messiânica.
"Ele (João), porém, o dissuadia..." ou seja, opunha-se-lhe inteiramente,
ansiosamente. "Eu é que preciso ser batizado por ti e tu vens a mim?" É uma
expressão de surpresa, quer seja como exclamação, quer seja como per-
gunta. Da mesma forma, a mãe de João sentira-se indigna de receber a visita
da mãe do seu Senhor (Lc 1.43). O protesto de João parte do seu respeitoso
reconhecimento da superioridade, não só da pessoa do Messias, mas tam-
bém do seu batismo, o batismo cristão.
V. 15 - "Deixa por enquanto..." ou, deixa por agora que eu tome uma
posição de inferioridade perante ti para receber o batismo de tuas mãos. Ainda
não chegou a hora de eu assumir a posição que me está destinada.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 187


"Nos convém..." Era perfeitamente apropriado o consentimento de ambos.
Era necessário para Jesus e para todos que, como João Batista, são
chamados a colaborar com ele, de satisfazer todas as exigências do plano
divino ("cumprir toda justiça"). Jesus livremente aceitou esse plano para a
salvação da humanidade. Realmente: CRISTO É PARA TODOS.
Vv. 16,17 - "Batizado...", recordar Rm 6.3, salvação, nova vida, sacra-
mento. "Saiu logo da água...", talvez, na relação com o versículo 6, poder-se-ia
dizer que, enquanto os outros deveriam demorar-se na água para "confessar
os seus pecados", o inocente Filho de Deus pode sair logo, sem demora.
"Se lhe abriram os céus..." típica cena apocalíptica.
"Como uma pomba...", provavelmente quer referir-se à ação do Espírito de
Deus que, no princípio dos tempos, "pairava por sobre as águas" (Gn 1.2).
Pomba realmente? Parece que sim, segundo relato do evangelista João 1.32.
A descida do Espírito Santo, junto com a voz do Pai que proclama: "Este
é o meu Filho amacio, em quem me comprazo", aponta para a Trindade no
rito batismal, apontando ou sublinhando o valor da "recriação", do "renas-
cimento" que possui esse sacramento, que deve ser universal, para todos (Jo
3.5).
3. Propostas homiléticas
I) As várias humilhações a que Cristo se submeteu:
a) De Belém ao Egito
b) Do templo de volta à Nazaré
c) Do seu sagrado retraimento ao batismo de pecadores
d) Foram para nossa salvação. Damos graças a Deus.
II) De que maneira os três símbolos (sinais) que acompanharam o batismo
de Jesus são repetidos espiritualmente em cada batismo realizado;
a) O céu é aberto à criança que é colocada ao lado do Filho;
b) A paz e a doçura da pomba do Espírito Santo é concedida pelo Filho à
criança;
c) No testemunho dado ao Filho, a criança ouve o testemunho da adoção
de filho e a boa vontade que parte do Pai.

Norberto E. Heine
Porto Alegre, RS

188 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA
14 de janeiro de 1996
João 1.29-41
1. Contexto
O texto previsto representa na verdade duas perícopes. Na primeira parte
(v. 29-34), o quarto Evangelho tematiza o testemunho de João Batista acerca
de Jesus. Na segunda (w. 35-41), é abordado o encontro de Jesus com seus
primeiros discípulos. O assim chamado Prólogo traz o tema do Evangelho de
João - "o verbo que se fez carne e habitou" (v. 14) - e os objetivos do autor.
O principal dos objetivos é, sem dúvida, o testemunho. Eis a essência do
ministério do Batista (v. 6s). Seu próprio testemunho ocupa grande parte
desse cap. 1 de João. O Batista não quer que as atenções estejam voltadas
para si (cf. w. 20; 27; 29; 36), mas quer fazer com que as pessoas creiam (v.
7). Quer que creiam em Jesus Cristo, a graça que se manifestou (v. 16s), a
fim de que não sejam mais oprimidas e escravizadas pela lei, mas experimen-
tem a libertação. Por isso, André diz que o Messias foi encontrado (v. 41). O
Ungido, esperado e desejado pelo povo, finalmente chegou. Essa descoberta
corresponde ao grande anseio, à tremenda esperança do povo. Aqui fica
evidente a conexão com a época do ano eclesiástico. É tempo de Epifania.
Deus se manifesta no Cordeiro de Deus, no Filho de Deus, no Messias, que
por sua vez está no centro do testemunho de João Batista e da comunidade
de fé.
2. Texto
Vv. 29-31-"Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo." Na figura
do cordeiro estão integradas quatro ideias básicas: a) a do cordeiro pascal
(cf. Êx 12.11 -13); b) a do ritual no templo, em que um cordeiro era sacrificado
para libertar o povo do pecado; c) a do cordeiro nos profetas (cf. Is 53 e Jr
11.19), que vem redimir o povo por meio de sofrimento e sacrifício; d) a do
cordeiro conquistador, vitorioso, que se manifesta em majestade e poder. Em
tempo de Epifania, a comunidade pode refletir sobre o título "Cordeiro de
Deus" com base nas palavras: amor, sacrifício, sofrimento e triunfo. As
pessoas, seus sistemas sociopolíticos e a natureza - ou seja, o "mundo" -
estão cheios de pecado, algo que se traduz na injustiça, corrupção destruição
e perda dos valores básicos da existência. Em resposta a isso se manifesta
o Cordeiro de Deus.
Vv. 32-34-"Esse batiza com o Espírito Santo." O tema do Batismo é
fundamental em todo o Novo Testamento. O Batismo leva as pessoas a
renascerem, a serem ativas e atuarem num novo tempo (cf. Mt 3.1-10 e At
1.5). O Batismo não serve para ser motivo de divergência e polémica. Serve
para ser vivido. O Espírito Santo, por sua vez, é derramado por Cristo sobre
a comunidade para que ela seja instruída nos caminhos do Mestre. O Espírito
Santo não se manifesta para levar a Igreja ao transe frenético, mas para que

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 189


seja feita realidade a Epifania de Cristo. "Ele é o Filho de Deus". Com esse
título se afirma a procedência divina de Jesus, um dos temas centrais do
Evangelho de João.
Vv. 35-37-0 Batista repete seu testemunho acerca de Jesus. Dois de seus
discípulos são motivados a seguir Jesus. Dessa forma se inicia o discipulado.
Alguém fala de Jesus, chama a atenção para o quanto ele é importante. Quem
ouve se deixa motivar. Quer saber mais a respeito de Jesus e por isso começa
a segui-lo. A identidade de Jesus é revelada pelo testemunho de João Batista.
Eis o objetivo do anúncio promovido pela Palavra: apontar para Jesus, dizer
a todos que ele é o Salvador do mundo.
V. 38s-"Que buscais?": as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de
João interrogam os discípulos quanto a suas intenções. "Onde assistes?":
com sua pergunta, os discípulos expressam o anseio por um encontro mais
duradouro com Jesus, já que o interrogam quanto a sua morada. "Vinde e
vede": Jesus quer que os discípulos permaneçam com ele. "Venham e fiquem
comigo, estou à disposição de vocês para que, convivendo comigo, descu-
bram quem sou."
V. 40s-André faz uma grande descoberta: "Achamos o Messias!" Trata-se
de uma experiência extraordinária, a respeito da qual não é possível silenciar,
mas que tão-somente precisa ser compartilhada.
V. 42-Jesus muda o nome de Simão para Cefas (Pedro). Para que alguém
possa ser mensageiro é preciso que seja transformado por Jesus. Simão é
transformado em "pedra", "rocha", mas tão somente pela graça e pelo poder
transformador de Jesus pois, quando tenta agir por força própria, sempre
acaba fracassando.
3. Proposta homilética
Alternativa A (para os w. 29-34)
Deus se revela em Jesus (Cordeiro e Filho de Deus):
1) É preciso reconhecer os sinais (como João Batista, cf. w. 31-33).
2) É preciso participar do novo tempo.
3) É preciso ser batizado pelo Espírito Santo.
Alternativa B (para os w. 35-42)
A revelação de Deus em Cristo (Epifania) leva ao discipulado e ao teste-
munho:
1) Seguir a Jesus equivale a ficar na sua presença e aprender com ele.
2) O testemunho é tarefa de todos/as: quem descobre o Messias passa
adiante sua descoberta.
3) Qual é o método? É o anúncio, a comunicação de pessoa/pessoa.
4) A sobrevivência da Igreja é pura graça de Deus, que transforma as
pessoas e as coloca a seu serviço.
Ricardo W. Rieth
São Leopoldo, RS

190 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
21 de janeiro de
1996 Mateus 4.12-23

O texto pode ser dividido em quatro tópicos, sob o tema: O Messias e sua
obra. Precisamos lê-lo sem esquecer o objetivo que o evangelista tinha em
vista, ou seja, apresentar aos seus leitores judeus o Messias prometido, que
veio na pessoa de Jesus Cristo. Para atingir o objetivo proposto, identificamos
no texto uma sequência tópica assim manifesta: 1o - Quem era o Messias?;
2o - Qual o objetivo de sua obra; 3o - Como realizou a sua obra?; 4o - A
qualificação dos seus apóstolos.
1o - Quem era o Messias?
Os homens têm dificuldades para aceitar aquilo que não preenche as suas
expectativas. Os judeus não eram diferentes. Por isso encontraram obstácu-
los para receber como Messias alguém que não concentrasse sua "base" ou
seu "quartel-general" na Judeia, especialmente em Jerusalém. Pois o Mes-
sias apresentado por Mateus foi morar em Cafamaum (v. 13), após ter se
retirado para a Galileia (v. 12). O quê? Um Messias galileu? Não, Mateus, há
um engano, com certeza! Justamente de onde não se cogitava que pudesse
vir alguma coisa boa (lembrem Natanael), lá o Cristo foi fixar residência.
Os leitores de Mateus, todavia, precisavam aprender aquilo que todos nós
também devemos conhecer, e, a bem da verdade, não é com facilidade que
muitas vezes o admitimos, ou seja, que não são as expectativas humanas
que determinam a maneira como Deus vem a nós. Embora parecesse
inadmissível aos judeus um Messias galileu, ele foi morar na Galileia, pois o
que conta é aquilo que Deus determina e não o que os homens esperam.
Com a queda em pecado, o homem adquiriu o mau hábito de se julgar
senhor sobre Deus. Em razão disso, forma expectativas próprias de alguém
que se considera no comando à espera das bem obedientes ações dos seus
comandados. O que esperavam os judeus? Um Deus obediente às suas
aspirações, que enviasse um Messias dentro dos padrões imaginados pelos
pretensos senhores. Seremos nós diferentes? Ou não? O que dizer daquelas
ocasiões em que concluímos que Deus não deveria ter se manifestado da
forma pela qual agiu ou age, mas da maneira que, segundo nosso juízo, seria
a mais correta? O escândalo da manifestação divina num Messias galileu
também se repete para nós. Afinal, temos o mesmo pecado como herança.
O evangelista Mateus recorre a uma prova decisiva para apresentar o
Messias aos seus leitores. Ele foi buscá-la não na voz dos homens, porém na
voz de Deus - na profecia. Valendo-se de Is 9.1,2, ele mostrou que o Messias
verdadeiro, o único enviado por Deus, deveria mesmo estar na "Galileia dos
gentios". Tudo, pois, ficava esclarecido. A resposta não vinha da discussão
se o Cristo podia ou não ser galileu, mas da palavra daquele que o tinha
enviado. Os atos divinos são conhecidos, até onde é possível conhecê-los,

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 191


somente a partir do que o Senhor revela na sua palavra. Pelo crer nela
conhecemos a Deus. Tão só isso basta. Tudo o mais nos manterá afastados
dele, assim como aqueles judeus que até hoje não se dobram diante do que
está revelado na Escritura Sagrada e, consequentemente, desconhecem o
Messias.
2o - Qual o objetivo de sua obra?
Mateus situa-o no versículo 16. Havia um povo que "jazia em trevas" e vivia
"na região e sombra da morte". Estar em trevas, no contexto bíblico, não
significa apenas ter falta de luz, mas o termo 'trevas" é empregado com
referência ao poder do mal. Embora não estivessem tão distantes de
Jerusalém, o centro do judaísmo, a luz não provinha de lá. Sob o poder do
mal, os galileus viviam na região e sombra da morte. Que situação espiritual
deplorável! O poder do mal escraviza e mata. No "caminho do mar" (v. 15)
era frequente o contato com pagãos, dos quais provinham influências nega-
tivas espiritualmente.
Se trevas representam o poder do mal, a luz significa a salvação da
condição de escravos desse poder. E ela resplandeceu! A luz que resplandece
subjuga as trevas, toma-as inoperantes. Por que assim aconteceu para os
galileus? Porque Jesus estava entre eles. Lá estava ele para libertá-los do
poder do mal, para arrancá-los da região e sombra da morte e colocá-los na
vida onde se desfruta da liberdade. O objetivo, portanto, da obra do Messias
ficava claro: libertar a quem jamais chegaria à liberdade por forças próprias.
Estamos deixando bem claro esse objetivo para aqueles que nos ouvem
hoje? O poder das trevas continua sendo uma ameaça. Parece que o senhor
das trevas (Satanás) está incitando cada vez com mais fúria o seu exército
para a luta. Aliás, isso não é novidade; agora, não podemos nós esmorecer
em denunciar o que representa o poder das trevas para o ser humano. O valor
da liberdade trazida pelo Messias cresce à medida que vai ficando mais
evidente o perigo proveniente das trevas. Estar em trevas não é apenas tatear
na escuridão à procura de saída; é encontrar lá a destruição de qualquer
esperança de vida e ficar condenado à pior das mortes.
3o - Como realizou a sua obra?
Foi através da pregação e do ensino que Jesus anunciou aos galileus a
chegada do reino dos céus. Os versículos 17 e 23 são o testemunho disso.
Estes dois versículos nos levam a recordar algumas verdades que jamais
podem ser esquecidas pela igreja cristã. São as seguintes: a) não há co-
nhecimento da obra de Jesus sem que ela seja anunciada. Por isso, precisa
a igreja empenhar-se em levar a mensagem do evangelho do reino ao
conhecimento das pessoas. Igreja aqui somos todos nós, a começar por
nossa família, passando pela congregação, distrito e toda a IELB. O que
podemos fazer para anunciar Jesus e sua obra? Eis uma constante preocu-
pação de todo aquele para quem a luz já resplandeceu. Além disso, se a obra
de Jesus não será conhecida se não for anunciada, esta verdade impõe sobre

192 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


nós a necessidade de ouvir, ouvir e sempre de novo ouvir a pregação de
Cristo. Um dos maiores perigos que rondam os cristãos é o "fastio" espiritual,
em razão do qual alguns crentes chegam a imaginar que já conhecem tudo
ou que já ouviram demais. No entanto, é pelo ouvir que vem a fé que nos
conserva unidos ao Salvador Jesus, b) "Arrependei-vos porque está próximo
o reino dos céus" (v.17). Este foi o resumo da pregação de Cristo aos galileus.
Próximo deles estava o reino dos céus. Próximo estava porque Jesus se
encontrava entre eles. Não há como separar o reino dos céus da pessoa de
Cristo. Uma verdade tão clara é esta; porém tão esquecida e tão rejeitada.
Teimam os homens em procurar a salvação onde não a encontrarão. Diante
da proximidade do reino dos céus, o que fazer? Jesus deu a resposta, dizendo
"arrependei-vos". Uma palavra só, mas com mensagem imensa! Significava
para os galileus o convite para abandonarem os seus ídolos, seus vícios, sua
deplorável situação espiritual e abrirem seus corações para aquele que lhes
trazia o reino dos céus. O arrependimento como condição para ingressar no
reino dos céus significa essencialmente o abandono de qualquer confiança
em outra coisa além de Cristo para alcançar benevolência da parte de Deus.
Ou a confiança está voltada exclusivamente para Cristo, ou não haverá
ingresso no reino dos céus.
4o - A qualificação dos seus apóstolos
Faz parte do texto o chamado que Jesus dirigiu a Simão, André, Tiago e
João para serem seus apóstolos. A partir daquele momento, os quatro
pescadores não seriam somente seguidores de Jesus, mas ingressavam
naquele grupo dos escolhidos pelo Messias para serem preparados a fim de
se tomarem seus apóstolos. Seriam transformados futuramente em pes-
cadores de homens. Dentro do contexto para o qual foi escrito este evangelho,
descobrimos que este relato qualifica a obra daqueles quatro apóstolos,
certificando que, ao agirem como apóstolos de Jesus, não estavam se
apresentando como enganadores ou falsos profetas, porém como arautos
escolhidos e chamados por Cristo. Ora, se o arauto é verdadeiro, sua
mensagem é digna de confiança.
Vivemos em época de muitos "pastores". Há quem o é verdadeiramente;
todavia existem também muitos que se apresentam como pastores sem o
serem realmente. Por isso o povo corre o risco de ser enganado. Até mesmo
cristãos são às vezes atraídos pelo "sonoro canto" de alguns pregadores, que
parece fazer tão bem aos ouvidos. Como descobrir o que é verdadeiro para
separá-lo do falso? Fazendo um exame de qualidade na mensagem que
proclamam. Quem é fiel e digno de confiança, quem está qualificado para o
apostolado, sempre proclamará a mensagem do bom pastor Jesus. Quem
assim age, foi por ele escolhido e chamado. Há, portanto, duas verdades a
serem consideradas: em primeiro lugar, Jesus chamou homens para prepará-
los e deles fazer seus apóstolos, coisa que ele continua fazendo hoje. Por
isso, há mensageiros que estão autorizados a se apresentarem em nome de
Cristo, declarando: "Assim diz o Senhor". Em segundo lugar, cabe-nos estar

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 193


atentos para o conteúdo da mensagem que nos chega. Caso for diferente do
evangelho pregado pelo Supremo Pastor (1 Pe 5.4), não merece crédito, pois
se trata de engano e mentira. Felizes somos, com inúmeras razões para louvar
a Deus, quando podemos ouvir o evangelho do reino em sua pureza, porque
fomos agraciados com a presença de verdadeiros apóstolos.
Proposta homilética
Tema: Conhecendo o Messias
I - A necessidade do homem
1) Está nas trevas e na região da sombra da morte
2) Só o Messias de Deus é capaz de levá-lo à luz e à vida
// - Quem é o Messias?
1) Não aqueles "fabricados" pela imaginação humana
2) O verdadeiro é aquele enviado por Deus e apresentado pelo próprio
Deus. Assim só há um: Jesus Cristo
/// - Pastores qualificados pelo Messias
1) São apóstolos chamados por Cristo e autorizados por ele a pregarem o
evangelho do reino dos céus
2) São uma bênção divina. Através dela estamos livres daqueles que
enganam e mentem.
Conclusão
O conhecimento do Messias tem um propósito: que a luz resplandeça para
nós. O que faremos para agradecer?

Paulo Moisés Nerbas

QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA


28 de janeiro de
1996 Mateus 5.1-12

1. Leituras do dia
Miquéias 6.1-8. Deus questiona o seu povo que parece ter esquecido o
sentido da justiça que vem de Deus na prática da sua religiosidade. A estrutura
criada para regulamentar o culto e os sacrifícios tomava-se um fim em si,
apesar de serem dirigidos a Deus.

194 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


Deus não se interessa pelas obras que estão sendo realizadas, por mais
consagradas que se revelem. Deus lembra e reitera o pedido de que o homem
no seu culto seja agente da justiça de Deus e, consequentemente ame e
propague, não os seus sacrifícios e aquilo que alcançou pelos sacrifícios, mas
que ame o ser misericordioso e o andar em humildade diante de Deus.
1 Coríntios 1.26-31. O apóstolo abre a sua carta aos coríntios atacando a
raiz do problema criando em Corinto, onde as estruturas vinculadas à propa-
gação do Evangelho obstruíram o caminho da graça e da misericórdia de
Deus. E para aqueles que ostentavam as virtudes da sua facção, Paulo lembra
enquanto Deus está agindo, Deus escolhe as coisas (pessoas e suas virtudes)
humildes, as desprezadas e as que não são. Porque a glória de Deus não se
faz presente no sucesso da igreja e dos seus programas. A glória de Deus
está em ver que o seu Filho está sendo recebido e oferecido como a sabedoria,
e justiça, e santificação, e redenção.
2. O texto
V. 2 - "Ensiná-los." Não mera informação intelectual, nem persuasão
autoritária, nem benevolência paternalista. E o Senhor, definindo para o seu
seleto grupo de discípulos o tremendo paradoxo e a radicalização absoluta
do conceito de felicidade que se manifesta através dos propagadores do reino.
É o programa do Evangelho, seu objetivo, seu ambiente, seus resultados.
"Bem-aventurados." Designa a culminância e o ponto sem retorno da mais
completa felicidade. Estar no reino, acima e além de qualquer necessidade.
V. 3 - "Pobres de espírito." Pobres (ptochós) (cf. Lc 16.20,22 e outros),
mendigos. A pobreza sem retorno e sem solução, absoluta...de espírito: estar
consciente do vazio, da carência e da impotência diante dela.
V. 4 - "Choram:" o lamento do derrotado, que abandonou a luta pela
autojustificação (Lc 18.13),que olha, reconhece e admite como tais os seus
trapos de imundície (Is 64.6).
V. 5 - "Mansos" (Mt 11.29; 21.5; 1 Pe 3.4) - que se submete ao Evangelho
com todas as consequências-cf. Pedro e João: Não podemos deixar de
falar...Paulo aos Gl 5.1ss.
V. 6 - "Fome e sede de justiça." Contrariamente ao usual do ser humano,
o discípulo se culpa permanentemente, em nada se justifica, mas anseia ser
libertado da culpa (SI 51: o meu pecado está sempre diante de mim). Paulo
mantém esta contradição ao longo do seu ministério apostólico e faz dela o
centro da sua orientação: Quem me livrará do corpo desta morte?
V. 7 - "Misericordiosos." Pronto a assumir o preço que custe socorrer
alguém carente da justiça que Deus semeia generosamente. Jesus e os
fariseus no episódio da cura do paralítico.
V. 8 - "Limpos de coração." Contrasta com a lavagens e abluções externas
do cerimonial judaico.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 195


"Limpos" porque não mais conseguem atribuir-se virtudes ou frutos (con-
trição) e limpos porque com a mão da fé recebem como dom gratuito e
imerecido a pureza que Deus oferece e para a qual procuram viver.
V. 9 - "Os fazedores, os que promovem a paz de Deus." Ênfase no
comprometimento com a postura evangélica, de pacificação das consciên-
cias, do ministério da reconciliação como permanente oferta no discipulado.
"...serão chamados filhos de Deus". Indica que se trata daquela paz que
vem de Deus, que Deus trouxe encarnada no seu Filho, que Deus fundiu na
sua palavra e nos sacramentos, que foi entregue como ministério permanente
aos seus discípulos. Uma oferta de paz generosa, que inclui a todos na prática
da igreja. Mt 13; Mt 18.13-22.
V. 10 - "Bem-aventurados." Injúria e perseguição provocam insegurança
e dúvida. Como pode o mensageiro de tal paz ser mal aceito e mal visto?
Sofrer a perseguição enquanto discípulo que se relaciona com o mundo no
Espírito de Cristo, tal perseguição é sinal da felicidade que Deus oferece.
3. As bem-aventuranças hoje
Tal como em Corinto e em Israel, a igreja hoje precisa diagnosticar
corajosamente os seus desvios. Desvios segundo a pregação de Miquéias e
do Apóstolo devem ser diagnosticados no centro do ministério e do serviço
da reconciliação (2 Co 5.18-6.1). O ensino e a pregação, o estabelecimento
de prioridades e programas da igreja resultam em oferta da reconciliação tal
como Deus a propõe indistintamente ou a pregação e ensino pressupõe
ressalvas e condições para o pleno acesso ao altar do Senhor? Como se
sentiriam em nossa congregação o publicano, a viúva pobre, o Zaqueu, o
Lázaro?
Jesus declara que os seus discípulos estarão no mundo agindo como
mendigos da graça de Deus, demonstrando em si o reconhecimento de que
nada podem pensar ou fazer sem que o orgulho e a vaidade religiosa se
insinuem. De que maneira a igreja procura ir em direção do seu próximo ou
de seu irmão? Jesus não oferece alternativa.
É uma palavra de segurança e de conforto para quem não se quer deixar
desviar deste novo caminho do amor de Deus. Quando a opinio legis humana,
na sua boa intenção de resolver os impasses na vida comunitária da igreja,
procura substituir o espírito do Evangelho por persuasão humana e até
sanções e preconceitos, a voz de Jesus se ouve convidando: Bem-aventura-
dos os misericordiosos.
Em outras palavras, Jesus está dizendo que sois bem-aventurados se o
Evangelho for reafirmado em palavras e atitudes bem definidas diante dos
fariseus, orgulhosos do seu belo templo e arrogantes nas suas obras e
realizações. É uma palavra de consolo também para aqueles a quem a família
da fé falhou em carregar por mais uma milha nas suas fraquezas.

196 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2-1995


É uma palavra de fortalecimento para aqueles que pretendem vera palavra
da lei como a simples e discreta coadjuvante da obra do Evangelho, para que
a glória seja da graça e da misericórdia, do perdão e do amor. É também para
aqueles que enfatizam, como Paulo, que o discipulado brota, se afirma e se
fortalece não pelas obras, mas pela certeza da escolha feita por Deus. Uma
escolha que depende da sua graça e não de impressões e julgamentos
humanos.
Em contraste com o culto farisaico dominante em Jerusalém, mantendo os
seus discípulos longe daquele templo, Jesus confirma neles o verdadeiro
culto, o culto do coração (Rm 12.1,2). Porque o outro culto, eficiente e capaz
de construir belas colunas e de oferecer grandes sacrifícios se propagava no
permanente louvor de si próprio, desviado e longe do ministério de recon-
ciliação ao qual Deus inutilmente o chamava.
Este domingo oferece ao pregador uma bela oportunidade para consolar
o seu povo que muitas vezes o tentava a procurar estímulos falsos para o seu
testemunho. Muitas vezes o próprio pregador se sente desencorajado com o
aparente insucesso do seu programa de trabalho. As bem-aventuranças
descrevem a igreja de Jesus com as cores mais vivas. Ao fazê-lo determinam
também o fundamento, o modo e o objetivo de um fiel pregador que fala
realmente em nome do Senhor.
4. Tema
1. As testemunhas de Deus: um discipulado bem-aventurado.
2. As testemunhas de Deus: uma realidade sem falsas ilusões
A. Assumem a derrota diante de Deus como um fato
B. Aceitam como fato a felicidade feita de lágrimas que Deus oferece.

Paulo P. Weirich
Niterói, RS

QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA


4 de fevereiro de 1996
Mateus 5.13-20
1. Contexto
A perícope faz parte do Sermão do Monte (5.1-7.29), vindo após as bem-
aventuranças. Lembramos que Mateus é o livro dos logoi ou ensinos de
Jesus.
A partir do v. 11 parece que Jesus se dirige especificamente aos discípulos
e neste contexto está colocada a perícope em estudo. As bem-aventuranças
são objetivas, apenas a última (vv. 11-12) é subjetiva. Quando Jesus passa
da nossa relação com Deus para a nossa relação com o mundo, suas palavras

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 197


são subjetivas. Esta transição para a segunda relação é feita na última bem-
aventurança, a qual também recebe um tom subjetivo. Primeiro a bênção de
Deus, agora através e por nós a bênção ao mundo.
Os outros evangelhos não mencionam esta perícope, exceto breve referên-
cia aos discípulos como sal da terra (Mc 9.49,50 e Lc 14.34,35).
O texto é composto por duas diferentes partes:
- O sal da terra e a luz do mundo (w.13-16);
- O cumprimento da lei ou a nova lei (vv.17-20).
2. Texto
A responsabilidade dos crentes para com o mundo é estabelecida em três
quadros, intimamente relacionados: sal, luz e uma cidade situada sobre um
monte. O ministério não pertence opcionalmente, mas essencialmente ao
povo de Cristo. Uma marca dos remidos é que são remidores.
As bem-aventuranças descrevem o caráter essencial dos discípulos de
Jesus, especialmente a última; as metáforas usadas na perícope denotam a
sua influência para o bem no mundo.
Ademais, a simples ideia de que os cristãos podem exercer uma influência
sadia no mundo deveria nos causar um sobressalto. Que influência poderiam
exercer as pessoas descritas nas bem-aventuranças, neste mundo violento
e agressivo? Que bem duradouro poderiam proporcionar o humilde e o
manso, os que choram e os misericordiosos, ou aqueles que tentam fazer paz
e não guerra? Não seriam simplesmente tragados pela enchente do mal? O
que poderiam realizar aqueles cuja única paixão é um apetite pela justiça, e
cuja única arma é a pureza de coração?
Parece evidente que Jesus não participava desse ceticismo. O mundo, sem
dúvida, perseguirá a igreja (vv. 10-12); apesar disso, a igreja é chamada a
servira este mundo que a persegue (vv. 13-16). Jesus referiu-se aos discípu-
los como sal da terra e luz do mundo por causa do alcance que sua influência
teria.
A fim de definir a natureza dessa influência, Jesus recorreu a metáforas
bem domésticas. A necessidade da luz é óbvia. O sal, por outro lado, tem uma
variedade de usos. O sal era grandemente valorizado no tempo de Cristo. No
clima da Palestina era indispensável para a conservação dos alimentos. Uma
bolsa de sal era considerada tão preciosa como a vida humana.
O sal é considerado pela sua característica essencialmente distinta e
diferente do meio em que é posto. Os discípulos deveriam ser facilmente
identificáveis, expressando aquilo que professavam, da mesma forma como
o sal apresenta a propriedade que esperamos dele. Outra função do sal é
preservar, deter a decomposição. Os discípulos também são chamados a ser
purificadores em um mundo onde os padrões morais são baixos ou inexisten-
tes.

198 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


Ser sal da terra é ter qualidades preservativas e temperantes à sociedade;
é ter o sabor agradável de uma vida pura e santa; é viver o Evangelho de
Cristo, no meio de uma geração corrompida.
No v. 13 a afirmação é direta: "Vós sois o sal do mundo". Isto significa que,
quando cada comunidade e cada cristão se revela tal como é, o mundo se
deteriora como o peixe ou a carne estragada, enquanto que a Igreja pode
retardar a sua deterioração.
A eficácia do sal, entretanto, é condicional: tem de conservar a sua
salinidade. O sal é um produto químico muito estável, resistente a quase todos
os ataques. Isto é, em termos precisos, o sal nunca pode perder a sua
salinidade. Não obstante pode ser contaminado por impurezas, tornando-se
inútil e até mesmo perigoso. O sal que perdeu a sua propriedade de salgar
não serve nem mesmo para adubo, isto é, fertilizante.
A salinidade do cristão é o seu caráter conforme descrito nas bem-aven-
turanças, é discipulado cristão verdadeiro, visível em atos e palavras. Para
ter eficácia, o cristão precisa conservar a sua semelhança com Cristo, assim
como o sal deve preservar a sua salinidade. Se os cristãos forem assimilados
pelos não-cristãos, deixando-se contaminar pelas impurezas do mundo,
perderão a sua capacidade de influenciar. A influência dos cristãos na
sociedade e sobre a saciedade depende da sua diferença e não da identidade.
Se os cristãos forem indistinguíveis dos não-cristãos serão inúteis.
Jesus apresentou a sua segunda metáfora com uma afirmação seme-
lhante: "vós sois a luz do mundo". É verdade, mais tarde ele diria: "Eu sou a
luz do mundo" (Jo 8.12; 9.5). Mas, por derivação, nós também o somos, pois
brilhamos com a luz de Cristo no mundo.
Em todas as descrições dos discípulos, o Senhor pressupõe que seu
espírito e sua retidão tomar-se-iam o princípio de suas vidas. Eles são a luz
do mundo, recebendo e refletindo a luz, a verdadeira luz do mundo (Ef 3.9;
Fp2.15).
A luz tem a função única de espancar as trevas e brilhar no meio delas. A
luz, à semelhança do sal, deve ser útil. A luz deve brilhar livremente, sem
qualquer empecilho. Muitas vezes, nas Escrituras, o mundo é associado às
trevas, à ignorância, à esfera da escravidão. Jesus foi a luz entre os homens
(Jo 1.5). Os crentes também são luzes que iluminam as trevas. Segundo os
ensinos de Jesus, sem essa iluminação o mundo seria um lugar tenebroso.
Em sentido geral, Cristo é a luz do mundo. A antítese de luz é trevas (Ef
6.12; Is 9.2). Num segundo sentido os cristãos são a luz do mundo; Cristo
indiretamente, eles diretamente; ele a original, eles a derivada; ele o sol, eles
a lua refletindo a luz. Ver essas relações em Jo 8.12; 12.36; 1 Ts 5.5. Nós
temos a mesma derivação da luz de Cristo na figura da lâmpada, que não tem
luz própria.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 199


Jesus esclarece que essa luz são as nossas "boas obras". Que os homens
"vejam as vossas boas obras", disse, "e glorifiquem a vosso Pai que está nos
céus", pois é através dessas boas obras que a nossa luz tem de brilhar. "Boas
obras" é uma expressão generalizada, que abrange tudo o que o cristão diz
e faz porque é cristão, toda e qualquer manifestação externa e visível da fé
cristã.
Assim como acontece com o sal, também a afirmação referente à luz foi
seguida de uma condição: "Assim brilhe também a vossa luz diante dos
homens". Se o sal pode perder a sua salinidade, a luz em nós pode transfor-
mar-se em trevas (6.23). Mas nós temos de permitir que a luz de Cristo dentro
de nós brilhe para fora, a fim de que as pessoas a vejam. Não podemos ser
como uma cidade ou vila aninhada em um vale, cujas luzes ficam ocultas,
mas sim como uma "cidade edificada sobre um monte", que não se pode
esconder e cujas luzes são claramente visíveis a quilómetros de distância. E
mais, devemos ser como uma lâmpada acesa colocada no velador, numa
posição de destaque na casa a fim de iluminar "a todos que se encontram na
casa" e não ficando escondida, onde não produz bem algum.
Isto é, na qualidade de discípulos de Jesus, não devemos esconder a
verdade que conhecemos ou a verdade do que somos. Não devemos fingir
que somos diferentes, mas devemos desejar que o nosso cristianismo seja
visível a todos. Devemos ser cristãos autênticos, vivendo abertamente a vida
descrita nas bem-aventuranças, sem nos envergonhar de Cristo. Então as
pessoas nos verão, e verão as nossas boas obras e, assim, glorificarão a
Deus, pois reconhecerão inevitavelmente que é pela graça de Deus que
somos assim, que a nossa luz é a luz dele, e que as nossas obras são obras
dele feitas em nós e através de nós. Desse modo, louvarão e glorificarão ao
nosso Pai que está nos céus.
No v. 17 começa a segunda parte do sermão do monte: Jesus explica a
sua relação para com a lei de Moisés, na qualidade de Messias, especial-
mente conforme era interpretada em seu tempo. Até aqui Jesus falara sobre
o caráter do cristão e sobre a influência que este teria no mundo, caso
manifestasse tal caráter. Agora ele prossegue definindo melhor este caráter
e estas obras em termos de justiça. Ele explica que a justiça, já duas vezes
mencionada, e da qual os seus discípulos têm fome (v.6) e por cuja causa
eles sofrem (v.10), é uma correspondência à lei moral de Deus e ultrapassa
a justiça dos escribas e fariseus (v.20). Jesus começou o seu Sermão do
Monte com as bem-aventuranças na terceira pessoa; continuou na segunda
pessoa; e, agora, muda para a primeira pessoa, usando, pela primeira vez,
sua fórmula característica e dogmática: "Porque ... (eu) vos digo" (w. 18 e
20).

200 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Este parágrafo é de grande importância, não só por causa da definição que
ele dá da justiça cristã, mas também por causa da luz que lança sobre a
relação entre o Novo e o Velho Testamento, entre o evangelho e a lei.
Divide-se em duas partes: primeiro, Cristo e a lei (vv. 17,18) e, segundo, o
cristão e a lei (vv. 19,20).
Os versículos 17-20 aparecem apenas em Mateus. Jesus começa dizendo
que não imaginem que ele veio para revogar a lei ou os profetas, isto é, todo
o Antigo Testamento ou qualquer parte dele. O modo como Jesus enunciou
esta declaração negativa dá a entender que alguns já pensavam exatamente
isso que ele agora está contradizendo. Embora seu ministério público tivesse
começado há tão pouco tempo, os seus contemporâneos estavam profunda-
mente perturbados com a sua suposta atitude com relação ao Antigo Testa-
mento. Portanto, era natural que as pessoas perguntassem que relação havia
entre a "sua" autoridade e a autoridade da lei de Moisés. Eles sabiam que os
escribas submetiam-se à lei, pois eram "mestres da lei". Dedicavam-se à sua
interpretação e declaravam não haver qualquer outra autoridade além
daquela que citavam. Mas Jesus falava com autoridade própria. Ele apresen-
tava alguns dos seus mais impressionantes pronunciamentos com "Em
verdade digo", falando em seu próprio nome e com sua própria autoridade.
Jesus não veio para "revogar" a lei e os profetas, deixando-os de lado ou
anulando-os, nem tampouco para endossá-los de maneira estéril e literal, mas
para "cumpri-los". O verbo traduzido por "cumprir" (plerosaí) significa literal-
mente "encher".
Após declarar que o seu propósito em vir era o cumprimento da lei, Jesus
prossegue, apresentando a causa e a consequência disto. A causa é a
permanência da lei até que seja cumprida (v.18); e a consequência é a
obediência à lei, que os cidadãos do reino de Deus devem prestar (vv. 19,20).
Isto é o que Jesus tem a dizer sobre a lei que ele veio cumprir. "Porque em
verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i (yod, a menor
das letras do alfabeto grego, quase tão pequena como uma vírgula) ou um til
(keraia, um acento, sinal que distinguia algumas letras gregas de outras)
passará da lei, até que tudo se cumpra.
No v. 19 a palavra "pois" introduz a dedução que Jesus agora apresenta a
seus discípulos para a validade duradoura da lei e a sua própria atitude com
relação a ela. Revela uma conexão vital entre a lei de Deus e o reino de Deus.
Jesus, pela sua morte de cruz, aboliu a lei, não como lei moral, mas como
método ou meio de salvação do pecador e como sistema de penalidade. Os
escribas e fariseus eram considerados como possuidores das chaves da
ciência, mas a justiça de que Jesus trata é a justiça que é imputada pela fé
em Cristo e que Cristo cumpriu perfeitamente. "A vossa justiça" de que Jesus
fala é infinitamente superior a dos escribas e fariseus (os escribas tinham 248
mandamentos e 365 proibições), porquanto é de natureza completamente
diferente: é a justiça que vem da fé, é a justiça do reino de Deus. Portanto,

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 201


Jesus está comparando a justiça própria dos homens com a justiça que vem
de Deus. Jesus estava se referindo à justiça que o apóstolo Paulo prega e
escreve (Rm 3.19-22; Gl 5).
3. Proposta homilética
Como COOPERADORES DE DEUS, este texto tem muito a nos ensinar
sobre nossas responsabilidades cristãs no mundo, e três lições se destacam
aqui:
1 - Há uma diferença fundamental entre os cristãos e não-cristãos, entre a
igreja e o mundo;
2 - Somos chamados à responsabilidade de mostrar esta diferença: a)
sendo sal da terra; b) sendo luz do mundo.
3 - A força e o poder para sermos cooperadores de Deus não estão em
nós, mas na justiça que recebemos pela fé em Cristo. É esta justiça que nos
capacita.
Joel Renato Schacht
São Leopoldo, RS

SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA


11 de fevereiro de 1996
Mateus 5.20-37

1. Contexto
Esta é a última das três perícopes consecutivas extraídas do capítulo 5 do
evangelho segundo São Mateus. É oportuno lembrar que o Sermão do Monte
está sendo pregado aos discípulos de Jesus - um núcleo da congregação
cristã, seleto e bem informado.
2. Texto
Na verdade, o centro desta perícope é o v. 20. O tema do sermão está na
polarização entre a "vossa justiça" (v. 20) e "a justiça dos escribas e fariseus"
(w. 21 ss.). Antes de tudo, é preciso sublinhar que o contraste que Jesus
estabelece não é entre o Antigo Testamento e o Seu ensinamento. Jesus
acabara de atestar a validade do Antigo Testamento (v.17). Ao contrário, a
questão é entre a interpretação da tradição rabínica de um lado e a correta
interpretação do Antigo Testamento por Jesus de outro lado. Toda vez que
Jesus emprega a expressão "está escrito" (4.4,7,10) Ele refere-se ao Antigo
Testamento; quando Ele utiliza a expressão "ouvistes o que foi dito" (vv.
21,27,31,33,38,43), Ele refere-se às tradições judaicas cuja interpretação
adulterou o sentido original da Palavra de Deus no Antigo Testamento.

202 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


A lei exige perfeição; o evangelho presenteia a perfeição, ou seja, o
evangelho credita a nós a justiça de Cristo. Fariseus e escribas entendem que
podem, por eles mesmos, cumprir a lei de Deus e nesta tentativa criam leis
subsidiárias que abrandam a ira divina e possibilitam a sua propiciação. Jesus,
numa abordagem exegética, "resgata" o que diz o Antigo Testamento e
demonstra que a lei de Deus, sintetizada no Decálogo, devido a suas
exigências, impede o seu cumprimento por parte do ser humano.
No v. 20 a expressão "vossa justiça" (hymôn hê dikaiosine) é fundamental.
O genitivo não é subjetivo, mas objetivo. A justiça não é própria dos discípulos,
mas é uma justiça que lhes foi outorgada. E a iustitia aliena, que vem de Cristo
que cumpriu - não anulou - toda a lei (v. 17). A justiça de Cristo, esta sim,
excede a exigência da lei de Deus. E tal justiça, pela fé, Cristo dá aos seus
discípulos, à sua igreja, a nós cristãos.
Os vv. 21-37 são, na realidade, ilustrações que Jesus emprega para
demonstrar o caminho tortuoso pelo qual escribas e fariseus enveredam na
tentativa de cumprir, por suas próprias forças, obras (opinio legis), a lei. A
religião dos fariseus e escribas era uma religião (e uma justiça) externa,
formal, longe de fideísta e cordial. Jesus, embora não sendo fariseu, conhecia
perfeitamente esta religião-tradição (pré)talmúdica (e este fato enfurecia
fariseus e escribas). Na parábola do fariseu e do publicano no templo, Jesus
caracteriza bem o primeiro. O fariseu considerava-se superior a todos os
homens, especialmente àquele publicano - e dava graças a Deus por isso.
Gloriava-se: não era roubador, nem injusto ou adúltero (moichós) e nem como
aquele publicano. Tais afirmações eram verdadeiras. Aqueles homens viviam
esse tipo de justiça exterior. Não só. O Antigo Testamento, por exemplo,
prescrevia apenas um jejum ao ano (Dia da Expiação); mas os fariseus, por
sua própria determinação, jejuavam duas vezes por semana. Davam o dízimo
de tudo quanto possuíam, inclusive de suas ervas: hortelã, endro, cominho.
Tudo isto era verdadeiro sobre os fariseus. Eles não apenas diziam, eles
praticavam.
"Não matarás"(ú foneuseis) é citado da LXX, de Êx 20.13. Há várias
palavras em hebraico e grego para "matar". As empregadas aqui especifi-
camente significam "assassinar". Fariseus e escribas julgam apenas o ato;
Jesus mostra que o pecado é cometido já no coração - pelo simples pen-
samento e palavras - antes mesmo de o ato ser consumado. Tal intenção
pode levar não apenas a julgamento do sinédrio ou à morte física, mas até
mesmo ao inferno (geena). O mesmo ocorre com o adultério (27-30) e o
divórcio (31-32). Deus é testemunha da aliança matrimonial e ele "odeia o
repúdio (divórcio)" tanto quanto a violência sangrenta (Ml 2.14-16). Para fugir
aos engodos do adultério (fornicação) e divórcio, o discípulo de Cristo mantém
sua mão e seu olho sob disciplina de ferro. Jesus não está aqui sugerindo
automutilação - mesmo porque um cego também pode ter desejos lascivos.
Na linguagem bíblica as diversas partes do corpo são instrumentos da vontade

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 203


humana e representam o homem todo (Pv 4.27). "Arrancar o olho" ou "cortar
a mão" significam, pois, uma determinação repressiva aos desejos pecami-
nosos, por mais dolorido que seja o esforço.
O judaísmo em geral interpretava a prescrição do Antigo Testamento
quanto ao divórcio de forma bastante liberal. Um homem podia divorciar-se
de sua mulher "por qualquer motivo" (19.3). Jesus assume a causa da mulher
cuja honra ficava manchada portal procedimento. Contudo ela, assim como
seu marido, não podia violar impunemente o matrimónio.
Nos vv. 33-37 Jesus fala dos juramentos (ou votos) a que os fariseus se
submetiam mas que, no Antigo Testamento, não eram obrigatórios (Lv 19.12;
Nm 30.2; Dt 23.21). O voto no Antigo Testamento era feito, obviamente, na
presença do SENHOR. Os judeus no período do Novo Testamento tentaram
esvaziar a seriedade e dignidade do voto estabelecendo distinções artificiais
para a sua validade ou não. Jesus reafirma que visto ser dito na presença de
Deus, o Sim ou o Não do Seu discípulo tem conotação e peso votivos.
Em cada exemplo Jesus mostra o vigor da lei cujo cumprimento precisa
dar-se na esfera do pensamento, da palavra, bem antes da ação. Interpretada
desta forma, quem pode cumprir as exigências da lei? Nenhuma justiça ou
ação humanas. Por essa razão, apenas a "vossa justiça", que vem de fora,
da parte de Deus, e que foi graciosamente outorgada por Ele através de Cristo,
pode cumprir tais exigências e nos fará entrar no Reino dos Céus. Tornados
perfeitos, santos e justos pelo sangue de Cristo não precisamos mais temer
a exigência da lei de Deus. Como filhos de Deus desejamos, natural e
alegremente, viver segundo a Sua vontade.
Sugestão de tema:
A Nossa Justiça vem de Deus.
Acir Raymann

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA
18 de fevereiro de 1996
Mateus 17.1-9
1. Leituras do dia
SI 2.6-12: Um salmo profético a respeito do reinado do Messias, o Rei e
Filho do Senhor. "Tu és meu Filho" foi confirmado na transfiguração de Jesus:
"Este é o meu Filho amado..."
Êx 24.12,15-18: Deus fala com Moisés no alto do monte, do meio de uma
nuvem - a glória do Senhor! É a forma como Deus também se manifesta na
transfiguração de Jesus, quando este mesmo Moisés, junto com Elias, fala
com o Salvador.

204 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2-1995


2 Pe 1.16-19(20-21): Pedro se refere à experiência da transfiguração de
Jesus e testemunha a glória excelsa que ele viu e a voz que proclamou: "Este
é o meu Filho amado..."
Mt 17.1-9: Jesus se revela a três dos seus discípulos como sendo de fato
o Filho de Deus prometido. Transfigurado, em aparência gloriosa como Deus
que é, recebe a visita de Moisés e Elias, e o Pai, do meio da nuvem luminosa,
confirma quem é aquele homem: "Este é o meu Filho amado..."
2. O contexto
O episódio da transfiguração está registrado no meio de dois interessantes
relatos. O primeiro aconteceu "seis dias antes", quando Jesus "começa a
mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e
sofrer muitas coisas... ser morto e ressuscitar ao terceiro dia" (Mt 16.21). Isto
é: estamos a caminho da Quaresma (que inicia nesta Quarta-Feira de Cinzas).
Para fortalecer a fé dos discípulos para aqueles dias tão difíceis, Jesus mostra
aos discípulos no alto do monte quem realmente ele é. A fé confessada por
Pedro em Mt 16.16 é agora mostrada a Pedro e aos outros dois, para que não
haja mais dúvidas! - O segundo relato aconteceu ao descerem do Monte da
Transfiguração (Mt 17.14-23), quando se deparam com uma multidão reunida
em torno de um menino possesso pelo demónio. Pedro, Tiago e João
literalmente descem da presença gloriosa de Deus para a presença tenebrosa
de Satanás! Que contraste! Se na transfiguração Pedro pôde dizer: "Bom é
estarmos aqui!", - por certo ele não poderia dizer o mesmo diante da cena
vista ao pé do monte. Mas Jesus demonstra novamente quem ele é, expul-
sando o demónio; e fala novamente da sua morte e ressurreição (vv. 22,23).
- É importante nos localizarmos neste contexto histórico e litúrgico, para
também fortalecermos os nossos ouvintes na fé em Cristo, o Filho amado de
Deus, diante do término do período de Epifania=Manifestação, e em face dos
episódios difíceis da Quaresma que está por começar.
3. O texto
Vv. 1 e 2 - Lutero comenta: "Esta aparência de Cristo tem a intenção de
mostrar de fato e de verdade o que Pedro confessou pouco antes (Mt 16.16):
Jesus, o homem nascido da virgem Maria, é o Cristo, o Filho do Deus vivo
(Cristo significa um Rei e Sacerdote, isto é, um Senhor sobre todas as coisas;.
e também Mediador entre Deus e os homens). E porque ele deveria ser
proclamado a todo o mundo como tal, por esta razão ele é mostrado aos três
apóstolos como sendo o Cristo, o Filho de Deus, os quais, então, deveriam!
testemunhar o que haviam visto e ouvido" (SL 7,326). João (1.11) e Pedro (2
Pe 1.16ss.) testificaram esta experiência, conforme o próprio Senhor Jesus
os orientou (Mt 17.9); Tiago não teve oportunidade de registrar por escrito
esta revelação, pois foi logo chamado por Deus à eternidade (At 12.1,2). -
Quando lembramos o lema da IELB: "Cristo para Todos - Vivendo como
Testemunhas de Deus", este episódio testemunhado pelos apóstolos também
deve ser testemunhado por nós em nossa vida de fé e de esperança.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 205


Vv. 3 e 4 - Moisés e Elias, representantes da Lei e dos Profetas, expoentes
do Antigo Testamento, aparecem junto com o Cristo transfigurado. O ambi-
ente celeste experimentado pelos apóstolos é tão bom, que Pedro quer
perpetuar aquele momento: "Senhor! bom é estarmos aqui!", e quer fazertrês
tendas. Mas ainda não era hora de desfrutar da paz eterna no céu. Ainda era
necessário descer o monte até as profundezas da morte e do inferno, para
então subir ao céu e garantir a morada celeste na presença de Deus, de
Moisés, de Elias e de todos os salvos a todo o que crê e confessa: "Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo!"
Vv. 5 - Deus se manifesta numa nuvem luminosa. É uma das formas mais
frequentes de manifestação da glória divina. Confira a leitura do AT: Êx
24.12,15-18; também Êx 13.21; 16.10; 40.34-39; 1 Rs 8.10,11; Ez 10.4. - "Este
é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi." Testemunho
semelhante temos no Salmo de hoje (SI 2) e por ocasião do Batismo de Jesus
(1o Dom. após Epifania). O período de Epifania, que no calendário litúrgico
tem uma forte ênfase missionária, enfocando as várias revelações e mani-
festações de Jesus como o Messias, deve ser bem explorado dentro do lema
da IELB: "Vivendo como Testemunhas de Deus".
Vv. 6 a 8 - O ser humano, pecador, não tem condições de subsistir diante
da majestade do Deus Santo e Poderoso! Mas a mão graciosa de Jesus se
estende em direção aos discípulos e os levanta, renovando a promessa divina:
"Não temais!". Junto com Cristo não precisamos ter medo de Deus nem do
seu castigo. Em Cristo, Deus é gracioso. Ele mandou o seu Filho para eliminar
a causa do medo e da condenação: o pecado; e para restabelecer uma boa
relação entre os homens e Deus.
4. Proposta homilética
Tema: Deus prepara suas testemunhas, (como?)
Objetivo: Mostrar como Deus, através da sua Palavra (voz), prepara suas
testemunhas, fortalecendo-as na fé e dizendo o que deve ser testemunhado.
Problemas no testemunho: falta de convicção;
fraquezas diante das contrariedades;
querer "ver para crer" e falar.
A solução de Deus: Ele mesmo dá o seu testemunho a nós na sua Palavra
(voz) de que Jesus é o seu Filho querido, o prometido; e isto inclui todas as
promessas salvadoras e seu cumprimento.
Introdução: "Testemunha. S.F. 1. Pessoa chamada a assistir a certos atos
autênticos ou solenes. 2. Pessoa que viu ou ouviu alguma coisa, ou que é
chamada a depor sobre aquilo que viu ou ouviu." (Novo Dic. Aurélio). Por esta
definição vemos que a palavra "testemunha" caminha em duas direções:
quem viu ou ouviu; e quem fala o que viu ou ouviu. Alguém pode ter sido
testemunha de um fato e ficar calado! No texto, (dentro do contexto litúrgico
de Epifania e do lema da ILEB) Jesus tanto chama os seus discípulos a

206 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


testemunharem o que ele lhes queria mostrar, como mais tarde os envia a
testemunharem o que eles haviam visto! Pela experiência e testemunho dos
discípulos, forma-se uma cadeia de testemunhas, não mais oculares, mas
auriculares, pois continuamos ouvindo a voz de Deus a nos dizer na Bíblia
que aquele Jesus de Nazaré é o seu Filho querido, que lhe dá muita alegria
e a quem devemos dar ouvidos!
/ - Deus revela quem é Jesus: "meu Filho amado".
Cf. SI 2: o Rei ungido
// - Deus confirma a obra do seu Filho: "em quem me comprazo".
Cf. Is 42.1: o Servo sofredor (sacerdote/sacrifício)
/// - Deus nos responsabiliza diante dele: "a ele ouvi!"
Cf. Dt 18.18,19: O Profeta prometido.
Conclusão: 2 Pe 1-19: O poder da Palavra de Deus continua agindo em
nossa vida, fazendo de nós testemunhas que ouvem a voz de Deus, crêem
no Filho de Deus e na obra que realizou por nós, e vivem como testemunhas
de Deus.

Carlos Walter Winterle


Porto Alegre, RS

PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA


25 de fevereiro de 1996
Mateus 4.1-11

A luta do século. Jesus versus Satanás. Local: deserto. Prémio: toda a


humanidade.
Há pouco Jesus havia sido batizado. O céu se abrira como se fosse descer
à terra. Agora o inferno abre as suas portas e com todo o seu poder
arremessa-se contra Cristo.
Extraordinário! Primeiro o Filho de Deus expulsa Satanás do céu e, agora
aqui na terra, Ele permite ser atacado, conduzido, escarnecido, mas não é
vencido/derrotado. Jesus, a luz eterna, lutou contra o príncipe das trevas, a
Verdade contra o pai da mentira, o Santo contra a fonte do pecado, o Rei dos
céus contra o impotente prisioneiro do inferno (Ap 20). O Filho de Deus permite
ser conduzido ao topo do templo, "o Espírito Santo levou Jesus ao deserto,
para ser tentado pelo diabo". Aqui vemos que a luta de Cristo não foi acidental.
Ele foi colocado ali por Deus Pai. Jesus consentiu com o eterno decreto de
Deus, cuja execução Cristo agora livremente assume.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 -1995 207


Caso Cristo não quisesse, Satanás não teria se apresentado e, muito
menos, o teria tentado e contestado. Mas Cristo não lutou em causa própria.
Ele lutou como fiador, mediador e substituto da raça humana. Pelo pecado
todos nós nos vendemos a Satanás, nos tomamos seus escravos e súditos
em seu reino. Providencialmente apareceu Cristo para vencer Satanás,
destruir seu reino, tirar-lhe a presa, libertar-nos do poder das trevas e
conduzir-nos, através do reino da graça, para dentro do reino da eterna glória.
Isto Cristo fez, sobretudo, através de sua morte expiatória na cruz por todos
os pecadores. Assim a cabeça da serpente foi esmagada e toda a humanidade
foi salva.
Mas a batalha contra Satanás foi o início. Foi, por assim dizer, o primeiro
passo para a prisão perpétua de Satanás no inferno, foi o primeiro ferimento
mortal sofrido por ele. Foi a primeira derrota que o exército infernal teve que
amargar para mostrar-lhe que Alguém mais poderoso havia chegado.
Se Cristo tivesse sido derrotado - pobres de nós! Mas Ele triunfou. Tudo o
que havíamos perdido no paraíso, devido ao pecado, Cristo recuperou no
deserto. O homem havia comido da árvore proibida, Cristo jejuou quarenta
dias e quarenta noites no deserto. O homem queria ser como Deus, por isto
Cristo tolerou que Satanás duvidasse e zombasse dizendo: "És o Filho de
Deus?"
A serpente falou para Eva: "É verdade que Deus mandou que vocês não
comessem as frutas de nenhuma árvore do jardim?" e assim induziu-a a uma
interpretação maligna da Palavra de Deus. No deserto o diabo tentou o mesmo
truque com Cristo, que permaneceu inabalável e respondeu sem hesitação:
"Está escrito, está escrito!"
A serpente seduziu o homem ao orgulho e soberba quando afirmou: "Vocês
não morrerão coisa nenhuma! Deus disse isso porque sabe que quando vocês
comerem a fruta dessa árvore os seus olhos se abrirão, e vocês serão como
Deus, conhecendo o bem e o mal". No deserto Satanás tentou seduzir Cristo
ao orgulho, dizendo: "Eu te darei todos os reinos do mundo e as suas
grandezas se você me adorar", mas Cristo triunfou, e Satanás teve que se
retirar. "Então vieram os anjos e serviram Jesus".
Na tentação Jesus é revelado como o Filho obediente que Israel era para
ser (Êx 4.22-23) e nunca foi. O diabo dirigiu-se a Ele como o "Filho de Deus"
que a voz do céu havia atestado em Seu batismo (3.17) e O ordena a tirar
proveito do privilégio de ser Filho (4.3). Jesus, porém, toma a postura do filho
obediente (Israel), mencionado em Deuteronômio, determinado a viver con-
forme 'Ioda a palavra que sair da boca de Deus" (4.4; Dt 8.3), não importando
o que a Palavra exigir dele, inclusive sofrimento e morte (Mt 26.54). Esta
mesma vontade e determinação recusa inverter a relação entre Deus e
homem através da tentação a Deus, colocando-o à prova, experimentando e
manipulando-o, tentando fazer Deus viver conforme a palavra que procede
da boca de homens (4.7; Dt 6.16). Em lugar disto, cultua e serve a Deus

208 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


incontestavelmente (4.10; Dt 6.13). Assim a vontade satânica é contrariada
(Fp 2.6), a Lei é escrita no coração humano (Jr 31.33) neste Homem
representativo, e o cumprimento da justiça (3.15) é levado adiante.
4.1 - "... conduzido pelo Espírito Santo". A confrontação com o diabo
acontece pela vontade de Deus, não pela iniciativa de Satanás.
4.2 - "Quarenta dias e quarenta noites". A menção de "noites" mostra o
caráter extraordinário deste jejum. Os judeus habitualmente jejuavam
somente do nascer ao pôr do sol. "Quarenta" é normalmente usado na Bíblia
para indicara duração de um período crítico (Gn 7.4; 8.6; Êx24.18; Nm 13.25;
1 Sm 17.16; 1 Rs 19.8; Ez 4.6).
4.4 - "Está escrito". Salmo 91.11-12. Somente a Escritura pode impedir que
seja interpretada e empregada erroneamente. A luz derramada por Dt 6.16
sobre a relação do homem com Deus permite-o entender o Salmo 91 e
guarda-o de confundir a confiança pela fé com presunção obstinada e egoísta.
4.9 - "Prostrado me adorares". Satanás propõe um pequeno acordo, um
ato de reverência a ele, e como recompensa promete que Ele irá reinar como
Rei sem dificuldades e dor.
4.11 - "Anjos vieram e O serviram". A palavra grega para "serviram" sugere
servir à mesa; o Pai deu ao Seu obediente Filho o pão (Mt 6.33).

Breno I. O. Faber
Canoas, RS

SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA


3 de março de 1996
João 4.5-26 (27-30, 39-42)
1. Contexto
Em João 3, Jesus conversa com Nicodemos, um rabino judeu. Aqui, num
notável contraste, conversa com uma samaritana. Ela carece das "vantagens"
de Nicodemos. É mulher, samaritana, de passado duvidoso. Enquanto Ni-
codemos viu sinais e sabe que Jesus vem "da parte de Deus", a samaritana
vê em Jesus um estranho qualquer. No entanto, ela acaba sendo uma
missionária entre os samaritanos (4.29,39,42). Em João, ela é modelo de
discípula.
2. Texto
A perícope é um texto bastante longo. Existe a preocupação de abreviá-la
ao máximo, razão por que se começa no v. 5. (Ao se ler o texto de Almeida,
será necessário editar o início do v. 5: "Jesus chegou a uma cidade...") O corte
no v. 26 é recomendado, pois trata-se de um clímax na narrativa, diretamente
relacionado com o tema do evangelho de João (20.31).

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995 209


O texto pode ser dividido em cinco partes: 1.0 cenário (vv. 5-6); 2.0 pedido
de água (vv. 7-9); 3. água viva (vv. 10-15); 4. Jesus revela o íntimo da mulher
(vv. 16-19); 5. Jesus se revela (vv. 20-26). Trata-se de um diálogo dramático
muito bem elaborado. Na primeira parte, há um contraste entre o poço de Jacó
e a água viva. No v. 15 se dá a transição para a segunda parte. Aqui retorna
o tema do Templo (Jo 2.13-22), havendo o contraste entre os cultos antigos
e o culto novo en pnéumati.
Alguns lembretes: 1. O v. 6 ("cansado da viagem") deixa claro que Jo 1.14
("O Verbo se fez carne") é levado a sério. 2. O parêntese na segunda metade
do v. 9, que se assemelha a uma nota de pé-d.e-página, é de responsabilidade
do evangelista. 3. No v. 12, a mulher formula uma pergunta para a qual espera
uma resposta negativa. A pergunta, que fica sem resposta, soa irónica para
o leitor, pois este, à luz de João 1, sabe que Jesus de fato é maior do que
Jacó. 4. No v. 19, a samaritana reconhece em Jesus o profeta. Há um
crescendo: maior do que Jacó (v.12), o profeta (v.19), o Messias (v.25).
O ponto alto da perícope é a seção que trata da verdadeira adoração (vv.
19-26). Em contraposição àqueles que, a exemplo da Almeida Revista e
Atualizada, lêem pneuma (vv. 23-24) como sendo uma referência ao espírito
do homem e entendem que o texto ensina a necessidade de adotar uma
atitude pessoal correta no culto, entendemos que pneuma aqui se refere ao
Espírito de Deus. "Na era que estava para começar, os homens haveriam de
adorar a Deus segundo o modo verdadeiro que Ele mesmo escolheu e
providenciou, i.e., em e através de Si mesmo". "Na verdadeira adoração, há
um encontro com Deus, para o qual o homem precisa ser capacitado pela
graça de Deus". (NDTNT, vol. Ill, p. 340).
3. Proposta homilética
Também no 2o domingo da quaresma é importante pregar Cristo e os
benefícios que ele dá. Ele dá a água viva (v.14), que é o Espírito Santo (cf.
Jo 7.37-39), e esta capacita para o culto verdadeiro.
Os demais textos para este domingo têm a ver com Abraão. O texto de Gn
12, escolhido para "rimar" com João 4, se relaciona com o evangelho na
primeira parte do v. 6 (Siquém é a Sicar de João 4), na segunda metado do
v. 7 ("Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR"), e, em especial, no v. 3 (“todas
as famílias da terra"). A bênção de Abraão, que proléptica e tipologicamente
não tinha lugar fixo para invocar o nome do SENHOR, passa a todas as
famílias da terra, também aos gentios e samaritanos. Com a obra de Cristo,
o culto não será mais em Jerusalém nem no monte Gerizim, mas "em Espírito
e verdade", ou seja, ali onde ele atua através de lei e evangelho, batismo e
santa ceia.

Vilson Scholz

210 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
10 de março de 1996
João 9.1-41

1. Comentários sobre o texto


V. 1 - Jesus, expulso do templo (Jo 8.59), caminha pelas ruas de Jerusalém
e passa por um mendigo cego.
V. 2 - Os discípulos perguntam: Quem pecou? Motivados talvez pela
afirmação de Jesus: "Não peques mais" (Jo 5.14), ou pela crença judaica de
que uma criança poderia pecar já no ventre materno, ou carregar um castigo
dos pais: "Até a terceira e quarta geração" (Êx 20.2). O pecado é a causa
geral de todo o sofrimento. "Maldita é a terra por tua causa." (Gn 3.17). Mas,
aqui, não há um pecado específico como causa.
V. 3 - "Para que se manifestem nele as obras de Deus." Uma razão bem
diferente do seu sofrer. Jesus tomou nossas dores sobre si (Is 53). Venceu
nossos inimigos. Trouxe perdão, vida e salvação. A criação aguarda a
"redenção" (Rm 8.21,22).
V. 38 - Ele foi um israelita que cria nas promessas da Escritura e na vinda
do Salvador. Só não sabia, ainda, que Jesus era o Salvador.
V. 41 - Se fôsseis cegos. - Se refere à cegueira espiritual natural. Se
reconhecessem, pela lei, sua cegueira espiritual e suplicassem auxílio de
Jesus, poderiam ser levados à fé em Cristo. Mas, porque dizem: Nós vemos!
rejeitando no seu orgulho carnal a Jesus, julgando-se sábios e justos, o
pecado permanece neles e serão condenados pelo justo juízo de Deus.
2. Resumo da mensagem
Introdução
Um quadro de profunda dor. Cego de nascença, pobre e mendigo. Quantos
cegos há em sua cidade? Em Porto Alegre são aproximadamente cem mil.
Diante do sofrimento de toda ordem, surgem inúmeras perguntas. Vejamos a
resposta de Jesus.
1) Sentido da vida.
Que sentido tem uma vida assim, inútil? (Hoje há recursos, escolas e muitos
cegos podem ter sua profissão). Diante da miséria cruel, ninguém pode
esquivar-se da pergunta: Por quê? É castigo de Deus? Há os que dizem: Aqui
se faz, aqui se paga. Você está pagando culpa de vidas anteriores. Muitos
consideram, assim, o sofrimento um ato de pagamento e purificação.
Em alguns casos, a culpa da pessoa ou dos pais é de fato palpável. Por
que fui viciado? Por que fui imprudente no volante, etc? Filhos sofrem pela
leviandade dos pais ou de outros. E nos casos inexplicáveis se diz: É o
destino!

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 211


Todo o sofrimento tem sua origem no pecado. "Maldita é a terra por tua
causa" (Gn 3.17). "Por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo
pecado a morte" (Rm 5.12). Jesus responde: "Nem ele pecou, nem seus pais;
mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus" (v.3). Impressionante.
2) Jesus dá sentido à vida, mesmo se sofrida.
Jesus lança luz em meio às trevas. "Para que se manifestem nele as obras
de Deus". Como? Quando falamos em manifestar as obras de Deus, pen-
samos em ação, pregação da palavra, realizações. A miséria, a impotência
parecem testemunhar contra Deus. Jesus venceu o pecado, a morte e a
Satanás. Ele trouxe vida e esperança da vida eterna. Ele tomou nossas dores
sobre si (Is 53). Nele há perdão, paz e vida eterna. Toda a criação espera a
"redenção" (Rm 8.22,23). A glória de Deus se manifesta na fraqueza (1 Co
1.25). Estamos no mundo para a honra e glória de Deus (2 Pe 1.3). Jesus
revela no cego o seu amor e o seu poder. Ele o curou, para que o nome de
Cristo fosse proclamado.
Mesmo quando semeamos em fraqueza, sepultando nossos queridos,
confessamos as obras de Deus: "Ressuscitará em poder"(1 Co 15).
3) A vida difícil de um discípulo
Curado, o homem foi para casa. Seus vizinhos e pais se admiram. Ele
confessa: "Jesus me curou" (v.11). Ele é levado para os fariseus no templo.
Aqueles que há pouco queriam apedrejar a Jesus (Jo 8.59) são colocados
diante de outro milagre de Jesus. Indagam. Não querem crer. O mendigo
curado, que agora vê o majestoso templo e gostaria de entrar para louvar a
Deus, é expulso do templo (v. 34).
4) Jesus ampara os seus
Jesus não abandona os seus. Ele o encontrou. Fortaleceu-lhe a fé (v. 37).
O mendigo ainda não sabia que Jesus era o Messias profetizado. Agora ele
o reconhece, crê e o adora (v. 38). Nele a gloriosa obra da redenção foi
manifestada. Ele foi curado corporal e espiritualmente. Ele começa uma nova
vida. E descobre logo o quanto lhe importa sofrer por causa do nome de Cristo.
5) O juízo de Deus
"Os que não vêem vejam (v. 39). Os que por natureza são espiritualmente
cegos, mortos e inimigos de Deus (1 Co 2.14), se ouvindo a lei, reconhecerem
sua cegueira natural, serão curados pelo evangelho, poder de Deus para
salvar (Rm 1.16), pela fé em Cristo. "E os que vêem se tornam cegos." Os
que, como os fariseus, se julgam sábios aos próprios olhos e confiam em suas
obras, rejeitando a palavra de Deus e graça de Cristo, permanecem em seus
pecados. Jesus se retira deles e serão julgados e condenados.

212 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


3. Conclusão
Bem-aventurado aquele que é curado da cegueira espiritual, pelo evan-
gelho de Cristo. Nesta pessoa se manifestam as obras de Deus, conforme o
confessamos no Credo Apostólico. E, mesmo tendo que sofrer por causa do
nome de Cristo, experimentará a presença de Cristo, sabendo que nossa
esperança não se limita às coisas desta vida, mas à vida eterna (1 Co 15.19).

Horst
Kuchcnbecker
Porto Alegre, RS

QUARTO DOMINGO NA QUARESMA


17 de março de 1996
Mateus 20.17-28

1. Contexto
Segundo fica claramente demonstrado na cronologia levantada por John
Davis, a última semana de vida de Jesus inicia-se com a Ceia em Betânia,
quando foi ungido por Maria. O episódio ora em foco desenrola-se um pouco
antes do início desta sua última semana de vida.
Trata-se, pois, do desfecho da obra redentora de Cristo. O final do seu
ministério terreno e os preparativos finais aos seus discípulos/apóstolos com
respeito à sua morte, ressurreição e subsequente ascensão.
2. O texto
Segundo a ARA, Jesus estava para subira Jerusalém. Contudo, segundo
a BLH, que opta pela sugestão do aparato crítico, Jesus jâ estava de viagem
para Jerusalém, onde sucederia o desfecho final de seu ministério.
Nesta ocasião ele faz o seu terceiro discurso de alerta a respeito de sua
própria morte. Destaca-se que Jesus, conforme diz o v. 17, "chamou à parte
os doze". Isto porque não queria causar alvoroço. Nada de "enfogueirar" as
multidões. Mas ao mesmo tempo desejava avisar (mais uma vez) os seus
discípulos, os doze, o grupo mais chegado. Toda a desorientação e confusão
pela qual estes mais chegados passaram por ocasião da morte de Jesus já é
bem conhecida de todos nós - o suficiente para que entendamos o porquê da
preocupação do Senhor em tê-los alertado de forma especial.
Parece que enxergamos, nas entrelinhas de todo este trecho, os doze meio
“tontos", meio "atrapalhados", sem compreender direito aquilo que Jesus lhes
estava contando. Assim como alunos que não entendem direito o que o

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 213


professor lhes está explicando, - mas que o vão deixando falar e deixando a
"aula" ir adiante. Talvez até por vergonha de admitir (mais uma vez) que não
estão compreendendo direito as coisas.
Neste ínterim se aproxima a mulher de Zebedeu, portanto a mãe de Tiago
e João, e faz um pedido especial ao Senhor. Como bem esclarecem os
comentaristas, certamente o pedido não emanava unicamente da mãe, mas
sim também dos dois apóstolos e foi somente apresentado a Jesus pela mãe
porque ela teve ousadia para tal.
Certamente não nos trará tanto proveito a discussão sobre os detalhes
técnicos do relato, como a reflexão teológica sobre o episódio em si.
O que podemos tirar disso tudo?
Sem dúvida, a lição inicial é sobre esta confusão dos doze. Tiago e João
nada mais são do que representantes dos demais. Eles estão meio desorien-
tados, e os outros também estão. Tiago e João tomam iniciativa e fazem um
pedido... Os outros não o fizeram. Mas não quer dizer que não o pudessem
fazer também; não quer dizer que fossem mais esclarecidos. Isto fica evidente
pelo v. 24, que diz que os ouros ficaram zangados com os dois irmãos. Ora,
se eles fossem mais esclarecidos que Tiago e João, não teriam ficado
zangados, e sim penalizados (quem sabe até com certa dose de gozação,
como é típico do ser humano) por perceberam a tolice daquilo que os dois
estavam pedindo.
Ao ficarem zangados nos mostram que tiveram ciúme, inveja, porque os
outros pediram algo "a mais" que eles.
A conclusão é que nem uns nem outros estavam entendendo direito a
missão e obra de Jesus... Como diz Tasker (Evangelho Segundo Mateus -
Introdução e Comentário, p.154): "Eles não captaram ainda a verdadeira
natureza do reino de Deus, e não se contentaram com a certeza já dada por
Jesus de que os seus apóstolos participarão da sua vitória final. Querem
extrair dele mais a promessa de que eles dois ocuparão assentos especiais
de honra quando ele finalmente reinar em glória".
A segunda lição a ser tirada por nós é aquela que Jesus procurou transmitir
aos seus discípulos nesta ocasião. Aproveitando o momento da sua confusão
e incerteza, Jesus aproveita para mais uma vez ensinar.
Curiosamente nesta parte dos vv. 20 até 28 ele não faz um reforço
sobre o mal-entendido a respeito da sua morte e ressurreição. Seria o que
nós certamente esperaríamos. Que Jesus mais uma vez esclarecesse que ele
iria morrer e ressuscitar. Já que eles não entenderam direito, então
aproveitar para falar de novo. Mas não. O que Jesus faz é dar uma lição sobre
humildade!
Desta vez não com parábola, não com uma história mais elaborada, mas
simplesmente com uma recomendação, conforme está nos vv. 25-28. A
síntese de tudo é: "O importante é servir!"

214 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Nós, geralmente, não gostamos de servir. Somos orgulhosos. Vaidosos.
Cada um de nós prefere ser servido a servir. Cada um de nós gostaria de ser
considerado grande. Cada um de nós se acha mais especial e acima dos
outros. Cada um de nós gostaria de, no momento da vida eterna, ter um
privilégio, ser considerado mais, estar acima... Esta é a nossa natureza
humana... Este é o nosso pecado.
Jesus diz que não! Está errado! Não deve ser assim.
O "dizer que não" de Jesus tem tanto mais força para nós na medida em
que compreendemos o contexto da sua recomendação, e percebemos que
ele o diz na situação de incompreensão da parte dos próprios discípulos...!
E aí vem a frase ou argumentação maior: Pois até o Filho do Homem veio
para servir e dar a sua vida para salvar muita gente"!!
Este argumento é exemplo!
Esta lembrança é Evangelho!
Esta colocação é força!
Na força do Cristo que veio para servir, que deu sua vida em serviço para
mim, eu também encontro força, ânimo e disposição para servir ao meu
próximo. E um servir não meramente exterior; não meramente aparente, em
coisinhas desimportantes. Não! Um servir profundo, comprometido, vivifi-
cador.
Um servir que promove, traz, produz VIDA!
Um servir que é útil para "salvar muita gente".
3. Disposição
Tema: Servir: Humildade que produz vida!
1. Todos nós temos problemas no relacionamento com o próximo. Gosta-
mos de ser considerados melhores que os outros, e por isso entramos em
conflitos. Entre as coisas que provocam conflitos está nossa falta de vontade
de servir, nossa falta de disposição de nos desgastarmos pelos outros - e a
preferência em sermos servidos.
2. Todos nós também gostamos de ser "bajulados" e de receber privilégios.
Gostamos que os outros nos elogiem. Gostamos que nossas realizações
sejam aplaudidas e consideradas melhores. É um pouco do espírito farisaico
que está dentro de cada um.
Isto é ruim porque nos torna vaidosos e arrogantes, porque nos faz
esquecer que todas as nossas capacidades vêm de Deus e que somente a
ele cabe honra e glória, e porque geralmente compromete a qualidade daquilo
que realizamos.
3. Jesus, no entanto, orienta rumo à humildade, dizendo que na esfera do
cristianismo os critérios são diferentes do que na sociedade em geral.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 215


Enquanto que "os governadores mandam no povo e são os líderes que
dominam", isto é, que são destacados e importantes, entre os cristãos
ocorrerá o inverso: a importância de alguém será medida pelo serviço pres-
tado ao próximo.
4. E ensina que uma boa maneira de mostrar humildade é por meio do
"servir" ao próximo. A real e verdadeira humildade é importante, porque
produz serviço ao próximo e porque promove e traz VIDA.
A palavra que Jesus diz é: "Quem quiser ser importante, que sirva os
outros". A razão da importância não reside na vaidade de querer dizer "vejam
só quantos eu ajudei", mas sim no fato que por meio do servir será promovida
a vida, a salvação, a restauração.
Quem serve será importante porque o resultado do seu servir (isto é, o
testemunho de amor cristão) será instrumento para conduzir pessoas ao céu.
E isto é o que mais interessa ao Senhor, conforme ele mesmo diz: "Porque o
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
para salvar muita gente".
Importante, então, não será a pessoa que serve, mas sim o serviço que ela
realiza, o resultado da sua atividade...
O fruto deste serviço humilde será que pessoas serão salvas, assim como
acontece por meio daquilo que Jesus fez.

Irmo A. Hiibner
Imbituva, PR

QUINTO DOMINGO NA QUARESMA


24 de março de 1996
João 11.47-53(1-53)

1. Contexto
Dois pensamentos perpassam as leituras para esse domingo - a mortali-
dade do homem e a presença restauradora e vivificadora de Deus.
No Salmo 116 Deus está próximo e pode ser invocado para que livre a alma
dos laços da morte, das lágrimas os olhos, e da queda os pés...
Em Ezequiel, na visão do vale dos ossos secos, reavivados pelo Espírito
de Deus, somos lembrados que mais importante do que a ressurreição física
é a ressurreição espiritual.
A epístola de Romanos 8 ressalta mais uma vez que o mesmo Espírito que
ressuscitou a Jesus também é o que dará, por sua presença poderosa em
nós, vida aos nossos corpos mortais. Há, porém, uma ênfase a ser consi-
derada - viver conforme a sua própria natureza gera morte, e viver conforme
o espírito de Deus gera vida.

216 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


O Evangelho - João 11.47-53
A leitura completa engloba a enfermidade, morte e ressurreição de Lázaro.
O trecho menor limita-se a narrar as consequências que o milagre promoveu.
As reações, como sempre, para alguns foram encontro e vida, para outros,
revolta e desejo de vingança e de morte.
Vv. 47-48 - O povo procura seus líderes, que sabiam ser inimigos jurados
de Jesus. O objetivo parece claro - incitá-los a tomar atitude definitiva em
relação a Jesus. São cegos guias de cegos. Reuniram o Sinédrio não para
cuidar da paz da cidade, mas para destruir um inimigo que desestabilizava o
padrão ético adotado e recomendado. A coisa parece ter chegado ao limite
do "é ele ou nós". Observe-se que o sucesso do evangelho provoca temor
nos adversários. O medo tende a induzir as pessoas a maquinações diabóli-
cas. E quando se perde a piedade, perde-se a dignidade e parte-se facilmente
para a loucura.
Vv. 49-52: Caifás, mais colaborador político dos romanos do que profeta,
toma-se inconscientemente um instrumento profético. Sem dar-se conta,
profetiza a morte de Cristo. Mais, evoca a profecia da sua morte vicária -
"convinha que um morresse pelo povo, para que o povo todo fosse preser-
vado".
João expande a compreensão da profecia: não só "pela nação", mas "todos
os filhos de Deus serão reunidos em um só corpo". Exige humildade aceitar
que Deus possa usar um "inimigo na trincheira" para expressar a doutrina
central da fé cristã. Somos lembrados, ao mesmo tempo, que os mensageiros
nunca transmitem palavra sua, mas a revelação e o desígnio de Deus. Quando
se trata de proclamar o Evangelho, Deus suscita pedras diante do silêncio
dos seus.
V. 53 - A decisão de matar Jesus, certa ou errada, estava tomada.
Maquinações nos bastidores não são propriedade de "tribunais humanos
contemporâneos". Daqui para diante, qualquer julgamento formal não pas-
saria de um jogo de faz-de-conta. Também isso faz parte da paixão de Jesus
pelos pecados do mundo.

Sugestão de temas
1. A Quaresma oferece amplas oportunidades para tratar de temas vincu-
lados ao Batismo e à nova vida em Cristo, pois morte e ressurreição,
mortalidade do homem e presença restauradora do Espírito Santo permeiam
as leituras desse período.
2. Outro tema a ser explorado está relacionado mais ao texto menor do
evangelho - a trama para eliminar a Jesus, trama nascida dentro da igreja.
Aqui se pode explorar de como os interesses do povo e seus líderes podem
confluir para "esfriar" e/ou "acabar" com aparentes adversários. Associando
ao lema e tema da igreja para 96 pode-se refletir sobre como coisas seme-

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 217


Ihantes acontecem ou podem acontecer na IELB e em nossa congregação.
É importante ressaltar a importância do nosso permanente retorno ao Batismo
e seu significado para a vida diária do cristão e da igreja.

Oscar Lehenbauer
Porto Alegre, RS

DOMINGO DA PAIXÃO - DOMINGO DE RAMOS


31 de março de 1996
Mateus 26.1-27.66

1. Observações sobre o texto


Vamos considerar o texto de Mateus 26.6-13 como base para o sermão
deste domingo. O presente estudo foi adaptado do texto de Gerhard Aho, em
Lectionary Preaching Resources, CPH, 1986. Jesus chegou a Betânia seis
dias antes da Páscoa. Os versículos de Mateus 26.3-5 expressam o ódio dos
inimigos de Jesus, mas o jantar e a unção são provas de amor. A devoção
dos amigos de Jesus e o exuberante amor de Maria contrastam com os planos
sinistros dos líderes judeus. O homem em cuja casa foi oferecido o jantar (v.
6) teve lepra e foi curado por Jesus. Ele queria mostrarsua gratidão ao Mestre.
De acordo com João 12.3, a mulher desejava receber de Jesus, mas também
dar uma prova de sua estima. O unguento que ela derramou sobre ele era
muito caro (v. 7). A sua atitude foi inspirada pelo seu ardente amor por Cristo.
O descontentamento dos discípulos foi instigado por Judas (João 12.4).
"Para quê" (Mt 26.8) são palavras de censura e severa reprovação. Eles
consideraram o ato de Maria uma extravagância sem sentido e de gosto
duvidoso. Ela ficou em silêncio e Jesus se adiantou em sua defesa (v. 10). O
que de mais precioso havia, ela dedicou ao Senhor. Não podemos ter certeza
se Maria sabia que Jesus iria morrer em Jerusalém, nem se ela pretendia
untá-lo então para o seu sepultamento (v. 12). É mais provável que Jesus
tenha interpretado a sua ativa devoção como sendo muito mais rica e maior
do que ela supunha. Ele gostou tanto do que Maria fez que a transformou em
exemplo (v. 13) de boas ações para todos os tempos.
A ideia central do texto é que Maria realiza uma boa ação exemplar. O
objetivo do sermão é que os ouvintes sejam praticantes de boas ações. O
problema é que nós algumas vezes depreciamos as boas obras porque não
somos salvos por elas, esquecendo-nos de que a fé se expressa através de
nossas atitudes e ações.
2. Esboço
Testemunhando com ações de boas obras

218 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Introdução: Estamos entrando na Semana Santa, quando relembramos
todo o sofrimento e morte de nosso Senhor. Mas em meio a tudo o que
aconteceu a Jesus, naquela semana, destaca-se uma ação inesperada e
estranha de Maria, irmã de Marta e Lázaro. E em meio à indignação de alguns
de seus discípulos, Jesus define a atitude de Maria como um exemplo para
todos os cristãos, de todos os tempos. E nós, com o propósito de levar
CRISTO PARA TODOS - Vivendo como Testemunhas de Deus, queremos
hoje buscar neste texto a mensagem de Deus.
/. As ações de boas obras são os frutos da fé.
A. Boas obras aparentes que resultam de outros motivos que não a fé, não
honram a Jesus (Hb 11.6).
B. A fé de Maria motivou sua ação (Mt 26.7; João 12.3).
1. A sua fé foi criada e sustentada pela Palavra de Jesus (Lucas 10.39,42).
2. A fé em Jesus sempre provoca boas obras (Mt 7.17; 12.35; 1 João 3.3;
Gl 5.6).
3. Somente aquele que crê pode realizar boas obras de acordo com a
vontade de Deus. Aqueles que não crêem podem realizar boas obras exter-
namente, que são até louváveis. Mas Deus olha o coração.
//. Ações de boas obras refletem o amor por Cristo.
A. Ações que refletem o amor a si mesmo, para receber reconhecimento
e elogios, não honram a Jesus
B. Atos que causam admiração são necessários (1 Co 13.2,13).
1. Com estes demonstramos o nosso amor por aquele que morreu por
nossa salvação (Mt 26.12).
C. Com estes nós honramos o corpo de Cristo, a igreja.
///. Ações de boas obras representam o nosso esforço.
A. Maria deu o melhor que ela possuía.
1. O unguento era "muito caro" (v. 7).
2. Ela poderia ter usado o dinheiro para ela mesma.
B. Existe uma correlação entre bondade e sacrifício.
1. Nós devemos sacrificar as próprias pretensões - silenciar a carne e seus
desejos.
2. Quanto nós temos sacrificado (Mc 12.44; 2 Co 8.2-3)?
3. Você já pensou como a igreja seria abençoada e Cristo honrado se
déssemos o melhor de nós?
IV. Ações de boas obras recebem o louvor de Deus.
A. Alguns não as aprovam.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 219


1. Hipocritamente, alguns colocam defeito (Judas - João 12.4-5).
2. Outros concordam, sem pensar (Mt 28.8): "Para que gastar tanto com
as missões, o sustento da igreja e do ministério, etc?"
B. Ações que honram a Cristo têm valor permanente.
1. As boas obras são uma lembrança perpétua (v. 13; Ap 14.13).
Reflexão final: No propósito de levar "Cristo para Todos", como estamos
vivendo e testemunhando o amor de Deus?

Nilo LuteroFigur
Porto Alegre, RS

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR
PRIMEIRO DOMINGO DE PÁSCOA
7 de abril de 1996
João 20.1-9 (10-18)

Páscoa - seu caráter universal e individual


1. É celebrada há 4.000 anos pelo povo judeu para assinalar a libertação
do cativeiro egípcio. No mundo cristão centraliza o ano eclesiástico e todas
as datas eclesiásticas são fixadas em função do primeiro domingo após a
primeira lua cheia que se segue ao equinócio da Primavera (entre 21 de março
e 26 de abril) quando o sol se encontra à igual distância dos pólos (equinócio).
O cristianismo situou, com propriedade, a Páscoa no centro do ano ecle-
siástico para indicar que a doutrina da ressurreição é a verdade bíblica que
determina a sustentação de todo o corpo doutrinário. "... se Cristo não
ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossa fé ... e ainda permaneceis
nos vossos pecados". 1 Co 15.14,17.
2. A Páscoa é contestada há quase 2.000 anos. Em Mateus 28 se lê que
os guardas do sepulcro, testemunhas da ressurreição, aceitaram dinheiro
para divulgar que "... vieram de noite os discípulos dele e o roubaram,
enquanto dormíamos..." Não se pode avaliar a ingenuidade e contradição
dessa versão: se estavam dormindo, como é que podem dizer o que aconte-
ceu durante o sono? Entretanto "... esta versão divulgou-se entre os judeus
até o dia de hoje". Mt 28.13,15. Esta contestação está ligada ao medo que
causa a ideia da ressurreição e juízo final a todos os libertinos e lascivos deste
mundo que gostariam de soltar o velho sem temer as consequências. Estão
identificados em 1 Co 15.32 "... se os mortos não ressuscitam, comamos e
bebamos, que amanhã morreremos". Um desses tipos tem sua sepultura em
Hanover (Alemanha). Com medo da ressurreição, a construiu em vida,
utilizando gigantescos blocos de mármore para que "Deus não pudesse

220 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


abri-la..." Uma minúscula sementinha de árvore, trazida pelo vento, alojou-se
e germinou no mínimo espaço entre dois blocos e hoje está lá, árvore adulta,
mostrando um grande rombo no túmulo... Não é argumento. Argumento é
você e milhares e milhões que assumem uma elevada postura moral e ética
e não se deixam arrastar para a libertinagem deste tempo porque lá dentro
sente a grande verdade:"... no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu ao
céu e está sentado à destra de Deus, de onde virá para julgar vivos e mortos..."
A Páscoa é uma realidade que tem aspectos individuais necessários.
3. Um diálogo decisivo. O texto é um diálogo que nos ensina a ter real
proveito na celebração da Páscoa. O diálogo começa com perguntas,
anónimo (mulher) e dúvidas (ela supunha tratar-se do jardineiro) e logo se
transforma em certeza: Maria! - Mestre!
É que a palavra de Jesus deixou de ser dirigida a uma mulher qualquer,
mas a uma determinada mulher: Maria! Jesus se revela a cada um pela
Palavra e cada um capta essa revelação quando envolve seu nome como
endereço e objeto da palavra de Deus. Maria que estava tão confusa poderia
afinal ter perguntado surpresa: "És tu, Mestre?" Mas não. Todas as dúvidas
desapareceram num instante e ela exclamou sem vacilar: "Mestre!" A Páscoa
tem um caráter universal e individual. Nada nos aproveita apenas a primeira
parte. Leia a Bíblia - a palavra de Jesus - e o efeito será bem outro se inserires
o teu nome da leitura. Por exemplo, em Jo 3.16, não leia "Deus amou o
mundo..." Substitui "mundo" pelo teu nome assim como Jesus passou de
"mulher" para "Maria".
4. A Páscoa remove o pranto. Quantas pessoas choram hoje seus entes
queridos que já partiram. Jesus não condenou Maria por estar chorando.
Apenas a convidou a uma reflexão: Porque choras se Jesus vive? Não fui eu
mesmo quem disse: "Eu vivo e vós vivereis?"
Não se lê em 1 Co 15.54,57: "...tragada foi a morte pela vitória ... Graças
a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo".
Não parece significativo que as primeiras palavras de Jesus ressuscitado
foram: "Por que choras?" e as primeiras palavras a respeito dele ditas pelo
anjos nos campos de Belém "eis aqui vos trago nova de grande alegria" não
são evidências de um estado permanente e insuperável de profunda alegria
que paira sobre o cristão? Ou teria o apóstolo mentido ao dizer: "Alegrai-vos
sempre no Senhor"? Fp 4.4
5. A Páscoa è capacitação para uma vida modelar. Rm 6.4-6: "Fomos
sepultados com ele na morte... para que como Cristo foi ressuscitado ... assim
andemos nós em novidade de vida ... Foi sacrificado com ele o nosso velho
homem, para que o corpo do pecado seja destruído e não sirvamos o pecado
como escravos."
Vitória sobre a tristeza, serenidade diante da morte e do juízo, capacitação
para uma vida modelar são as dádivas da Páscoa para todo aquele que põe

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 221


seu nome na Palavra de Jesus. Nele se cumpre hoje Is 43.1: "Não temas,
porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu."
Proposta homilética
Páscoa - seu carâter universal e individual
1. Páscoa celebrada há 4.000 anos;
2. Páscoa contestada há 2.000 anos;
3. Um diálogo decisivo;
4. Páscoa remove o pranto;
5. Páscoa capacita para uma nova vida.

Anselmo Schüler
Santa Rosa, RS

SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA


14 de abril de 1996
João 20.19-31

1. O texto
v. 19 - "Ao cair da tarde daquele dia". Já sabiam que "a pedra estava
revolvida"(v. 1). Mas pairava a dúvida. "Trancadas as portas ... veio Jesus,
pôs-se no meio". Jesus entrou na casa de maneira sobrenatural. Ele "quebra"
as leis naturais e físicas. Apresenta-se em um corpo visível. Podia ser
apalpado. Como era este corpo? Paulo diz que é um corpo glorificado (Fp
3.21).
V. 20 - "Alegraram-se... ao verem o Senhor". O medo cede lugar à grande
alegria. Ele se identifica com a saudação comum entre eles: Paz seja
convosco! Mas agora ela traz um significado mais profundo. Jesus os faz
sentirque as bênçãos da sua morte e ressurreição são para eles. Ele alcançou
a vitória, eles têm um Herói a quem seguir e dele receber proteção. Eles, que
o tinham traído, são confortados com o perdão que lhes dá a paz de espírito.
V. 21 - "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio". Enviados
para contar "o que viram e ouviram" (At 4.20). Agora, ao verem o Senhor vivo
novamente, compreenderam o sentido da mensagem da cruz. Sabem que "é
o poder de Deus para a salvação". Eles podem ser enviados pelo Senhor. O
mundo é hostil. Jesus aceitou sofrer ao aceitar ser enviado pelo Pai. E os
discípulos não iam sofrer? Antes estavam paralisados, sem luta, porque não
havia esperança; agora, vale a pena lutar e sofrer, pois diante deles está o
Autor da vida.

222 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


V. 22 - "soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo". O
"sopro" é o dom do Espírito Santo. Jesus vitaliza suas mentes para que sintam
o gozo da fé, e sejam fortalecidos para poderem falar com intrepidez das
grandezas de Deus. É como um "pequeno" Pentecostes (uma antecipação
do Pentecostes) de At 2. Neste "sopro" o Espírito Santo se manifestou nos
seus corações, de forma íntima. No Pentecostes posterior, viram os sinais de
sua presença e seu poder de convencer e levar à fé no Senhor Jesus, e a
transformação de caráter que ele produz onde opera. Deste "sopro" também
dependiam para poder pregar com clareza e pureza o Evangelho. Assim que
a Palavra penetre no mais profundo da alma, como uma espada de dois
gumes, que divide alma e espírito. E também para derramar nos corações
contritos a grandeza da graça.
V. 23 - "Se de alguns perdoardes os pecados, são lhes perdoados; se lhos
retiverdes, são retidos". Diante da pregação do Evangelho decorrem duas
atitudes: aceitar e rejeitar. Quem faz o julgamento do íntimo? A quem cabe o
direito de perdoar ou não perdoar? Jesus responde em Mc 2.7. Aqui, os
apóstolos recebem a autoridade para declarar em nome de Deus quem é
perdoado e quem não é. Tal declaração perpassa a pregação, já que o perdão
está condicionado às palavras que Jesus disse em Mc 16.16. Cada pessoa
que confessa com a boca e sobre quem o ministro pronuncia ou declara o
perdão, a absolvição, é de fato perdoada por Deus? Não pode ocorrer que a
"pregação" foi um empecilho para que alguém não fosse levado ao arrependi-
mento? Ou se foi despertado pela lei mas não lhe foi pregado com clareza a
graça? Vemos que neste receber da autoridade de declarar o perdão ou
retê-lo, há uma grande responsabilidade. Precisamos muito e sempre do
"sopro", o dom do Espírito Santo, para que nos ensine e ilumine para que
preguemos com clareza todos os desígnios de Deus.
Vv. 24-29 - Tomé não foi diferente na dúvida em relação aos outros
discípulos. Eles recuperaram-se na fé ao verem o Senhor. Não acreditaram
nos que viram Jesus ressuscitado. A dúvida que foi transformada em certeza,
testemunho, é prova confortadora de que eles de fato viram o Senhor. Nós
estabelecemos nossa fé na doutrina dos apóstolos.
Os discípulos deviam ser testemunhas oculares dos atos salvíficos de
Deus. At 1.21. Os discípulos, sobre cujos testemunhos firmamos nossa fé,
viram e creram.
"Senhor meu, e Deus meu". Tomé, como os demais, viu Jesus, ao morrer,
como um ser mortal. Escapou-lhe a visão do divino. Agora, ao ver, confessa
que Jesus é Deus. A passagem da dúvida para a certeza, e o fato de Tomé
ter ido falar do que viu e ouviu é estimulante para nós.
"Bem-aventurados os que não viram e creram". Os discípulos viram e
creram. Aqui Jesus se refere à fé, ao crer que dá acesso à salvação. A fé
deles passou do fato para o sentido. Eles creram que Jesus confirmou ser o
Salvador. Ao Jesus se ausentar deles, eles continuaram a vê-lo e confessá-lo

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 223


como seu Salvador. Nós hoje não o vemos como eles o viram, mas pela fé o
vemos e experimentamos sua confortadora presença. O Espírito Santo o
revela no íntimo. Jo 15.26.
Vv. 30-31 - Os sinais e milagres não são a fonte da fé, mas indicam a pessoa
em quem crer e confiar. Os sinais eram um atestado de Deus, confirmando
que as promessas estão se cumprindo a respeito do Messias, o Cristo. Os
sinais foram realizados para um propósito: assinalar o caminho para os fatos
e atos salvíficos de Deus, para a cruz e ressurreição.
Proposta homilética
O Jesus ressuscitado aparece aos discípulos
1. Eles o reconhecem
2. Inspira-os, enche seus corações de grande alegria (vv. 19,20).
3. Move-os para um grande propósito (v.21).
4. Fortalece-os no Espírito Santo e os assistirá (vv. 22-23).

Carlito Eurich
Francisco Beltrão, PR

TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA


21 de abril de 1996
Lucas 24.13-35

Os acontecimentos narrados por Lucas em 24.13-35 tiveram lugar ao final


do terceiro dia a contar do dia do sepultamento do corpo de Jesus. Para ter-se
melhor compreensão a respeito das atitudes dos dois discípulos em foco, em
relação à notícia da ressurreição de Jesus, é preciso imaginar-se enlutado de
terceiro dia pela morte de uma pessoa que muito se amava.
Dos dois envolvidos, temos apenas o nome de um: Cléopas (v. 18).
Segundo Eusébio (He 3.11,1) havia um relato procedente da família de Jesus,
de que Cléopas era tio de Jesus, irmão de José. Além de curioso este dado,
é ele também significativo - demonstra mais um episódio em que Jesus dá
atenção a um parente (além dos cuidados para com sua mãe, aos pés da
cruz).
A caminhada para Emaús, 10 a 12 km, envolvia mais ou menos duas horas
- tempo conveniente para remoer a dor do luto, a decepção pela maneira como
tudo acabou e as dúvidas em relação às notícias do dia.
A chegada do companheiro estranho não parece ter sido algo relevante, a
não ser pela aparente ignorância deste em relação ao assunto que fora a
notícia dos últimos dias. Por que não o reconheceram? Por que seus olhos

224 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


foram segurados, ou tiveram sua capacidade de identificação retardada por
uma força sobrenatural - ainda não era o momento. Primeiro precisavam ser
melhor instruídos a respeito da veracidade e do sentido das revelações do
Antigo Testamento. Convém lembrar também que Jesus, após sua ressur-
reição, não mais apresentava qualquer sinal de limitação humana em seu
novo corpo.
Indagados pelo estranho quanto ao assunto da sua conversa, informam-no
sobre o procedimento perverso dos outros para com aquele de quem era
notório ter sido "varão profeta" - isto os seus sinais e ensino haviam com-
provado (v. 19). Contam-lhe também sobre a sua esperança pessoal: es-
peravam que fosse também o Messias. Assim poderia resgatar Israel do poder
romano e estabelecer uma teocracia santa, poderosa e interminável. Creditam
agora seu decepcionado "mas" (v. 21) ao fato de já estarem no terceiro dia
de sua morte, e não terem obtido ainda nenhum encontro pessoal com ele,
apesar de tudo o que outros já relataram.
O estranho repreende a atitude incrédula dos dois discípulos para com as
revelações dos profetas. Passa a identificar a personagem do noticiário como
sendo o Cristo, ou o Messias. Lembra que era necessário, que convinha (édei
- v. 26) que ele padecesse, antes de entrar na glória. Expõe-lhes, então, a
partir de Moisés, indo até aos profetas, com clareza os ensinos a esse
respeito.
Convidado a fazer companhia aos dois, partinlha com eles a mesa do
jantar. Ao repetir o conhecido gesto do abençoar e partir o pão, eis que o freio
dos olhos dos dois discípulos é liberado, e eles reconhecem o estranho: é seu
amigo Jesus, agora vivo outra vez. Sem mais demora, o SENHOR, em seu
estado de exaltação, assume invisibilidade.
Os dois discípulos concluem que seus corações foram acesos pelo con-
teúdo que lhes foi explicado no caminho - quando o próprio Cristo lhes falou
sobre a missão levada a efeito por ele próprio. Transbordantes de alegria,
retomam na mesma noite para relatar ao grupo toda a experiência vivida na
companhia do ressuscitado.
Proposta homilética
Sugestão de disposição para mensagem
Texto: Lucas 24.26
Tema: Convinha que...
Partes: I - A constatação da necessidade do Salvador
1. Todas as pessoas precisam do Salvador
2. Deus quer salvar por meio de Jesus Cristo
II - O plano de Deus para a raça humana
1. O Cristo é o substituto legal

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 225


2. O caminho foi o do padecimento
III - O resultado positivo
1. A ressurreição valida o serviço substitutivo
3. As conquistas de Jesus só têm sentido para as pessoas que o aceitam
em fé.
Nelson Lautert
São Leopoldo, RS

QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA


28 de abril de1996
João 10.1-10

A antiga dicotomia que dividia a população de uma determinada localidade


em católicos e protestantes, hoje deu lugar a uma numerosa diversidade
denominacional. Esta proliferação religiosa faz parte da estratégia de Satanás
em destruir a Igreja Cristã. Seu objetivo é confundir pela divisão, levar ao
indiferentismo pela multiplicação e ao fanatismo sectário pela radicalização.
Os cristãos devem conscientizar-se dos perigos desta artimanha satânica.
Sempre é preciso lembrar a advertência de Jesus em João 8.31,32. Também
o presente texto vem em auxílio para ajudar a navegar neste turbulento mar
da religiosidade humana.
Jesus acabara de restituirá visão a um cego de nascença (Jo 9). Identifi-
cara-se como "luz do mundo" (Jo 9.5). Uma clara referência à sua messiani-
dade (Is 9.2). Os fariseus, no entanto, contestavam Jesus como Cristo (Jo
9.22). Em resposta, o texto é um dos mais expressivos testemunhos de Jesus
da sua messianidade. E ele o faz através de uma parábola (Jo 10.1-6). Usa
a figura conhecida do pastor de ovelhas. A ovinocultura na época era uma
atividade nómade. Exigia grande esforço do pastor em conduzir seu rebanho
pelo deserto, bem como prover novas pastagens e fontes de água. Por outro,
ataques de animais ferozes e assaltos de ladrões eram uma constante. Assim
à noite, para maior segurança de todos, os pastores em conjunto reuniam
seus rebanhos num aprisco (curral). Mesmo assim não havia plena segu-
rança, pois ladrões aproveitavam a calada da noite para pularem o muro do
aprisco e assim apropriar-se de ovelhas. Também de manhã quando o
porteiro abria o aprisco, infiltravam-se entre os rebanhos, imitavam a voz dos
pastores (que chamavam respectivamente suas ovelhas), para eventual-
mente confundir as mesmas e fazer que elas os seguissem. As ovelhas, no
entanto, conhecendo a voz do seu pastor (dono) agrupavam-se em torno dele,
que então à frente do rebanho as conduzia a novas pastagens e fontes de
água.
Como os fariseus não entenderam o sentido desta parábola, mais por
incredulidade do que ignorância, Jesus passa agora à pregação direta (Jo
10.7-10). E o faz novamente em forma de juramento que atesta a relevância

226 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2-1995


da declaração. Jesus é claro e objetivo: "Eu sou a porta das ovelhas" (v. 7).
A porta que Adão e Eva fecharam com o pecado (Rm 5.12), Jesus como
Messias abre novamente mediante o seu sacrifício vicário. E como o pastor
de ovelhas leva o seu rebanho para dentro do aprisco, o Messias conduz a
sua Igreja para o aprisco celestial. E assim como os apriscos tinham apenas
uma única porta de entrada, também Jesus é a única porta de entrada deste
aprisco celestial (At 4.12). Todo e qualquer outro que se arvora como messias,
é "ladrão e salteador" (At 5.36,37). Como também são "ladrões e salteadores"
os falsos guias espirituais que deturpam a palavra de Deus (como faziam os
ladrões e salteadores que imitavam a voz do pastor (dono) para enganar as
ovelhas e seduzi-las a que os seguissem, com o objetivo de matá-las), cf. Êx
34; Jr 2.8; 23.1; 50.6; Sf 3.4. Jesus, ao contrário, ama suas ovelhas, protege-
as, apascenta-as. Não as mata, mas ele morre por elas. Torna-se um seu
igual e como Cordeiro ele as redime, dando a todas VIDA e VIDA EM
ABUNDÂNCIA.
Jesus caracteriza o seu ministério pastoral
1. Eu sou a porta das ovelhas (v. 7)
2. Se alguém entrar por mim ... achará pastagem (v. 9)

Waltcr O. Steyer
São Leopoldo, RS

QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA


5 de maio de1996
João 14.1-12

1. Leituras do dia
As leituras do dia apontam para Jesus Cristo como Eu Sou (Êx 3.14; Jo
8.58; 13.19). Toda a esperança humana está concentrada numa só confissão,
que "Jesus Cristo é Senhor" (Ef 2.11), que Ele é o Jahve, o próprio Deus. Só
esta fé consola e ampara os discípulos em suas tarefas neste mundo.
O Salmo 146 enfatiza que só no Deus de Jacó há "auxílio" e "esperança"
(v. 5). Este é o Deus que criou o mundo e que "reina de geração em geração"
(v. 10). Quem reina é Deus em Cristo (Ap 11.15).
Atos 17.1-15 fala da mensagem de Paulo e Silas. Anunciaram que Jesus
é o Cristo que ressuscitou dos mortos (v. 3) e que Ele é um "outro rei" (v. 7).
Isto não era nenhuma novidade, pois era só verificar na Escritura para saber
que "as coisas eram de fato assim" (v. 11).

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995 227


1 Pedro 2.4-10 interpreta as afirmações do Eu Sou, dizendo que Jesus
Cristo é a "pedra que vive" (v. 4). Quem o confessa ou se "achega" a Ele (v.
4), recebe a vida desta pedra para se tornar povo de Deus (v. 10) e proclama
"as virtudes" da sua "maravilhosa luz" (v. 9).
Esta é a temática de João 14.1-12, onde Jesus se apresenta como o grande
Eu Sou, numa das suas mais enfáticas maneiras de interpretar sua divindade.
2. Contexto
O capítulo 14 faz parte de uma série de instruções, que se estendem do
capítulo 13 ao capítulo 17. São os seus discursos de despedida, em que Jesus
prepara os seus discípulos para horas de dificuldades e angústias que irão
enfrentar. O primeiro discurso ocorre por ocasião da Última Ceia (caps. 13 e
14). No seguinte discurso vemos Jesus e seus discípulos no caminho a
Getsêmane (caps. 15 e 16). O capítulo 17 é a oração de intercessão de Jesus
por seus discípulos. Historicamente ainda é o tempo antes da sua paixão e
morte. Mas como estamos numa época pós-Páscoa em nosso ano ecle-
siástico, podemos olhar apenas para o preparo que Jesus dá aos discípulos
diante da sua partida para o céu, que iremos celebrar no dia da Ascensão,
daqui a 11 dias.
3. Texto
No v. 1 já está a temática: o conforto dos discípulos diante da despedida
de Jesus. A fé nos une a Jesus para sempre, como os une ao Pai celestial.
Os vv. 3 e 4 falam da permanência com Deus para sempre. Já não se trata
de alojamentos temporários, onde precisamos sempre de novo nos despedir
(como vai acontecer fisicamente na Ascensão), mas Jesus fala da outra
dimensão em que a nossa permanência com Deus é sem despedida. Isto
acontecerá na segunda vinda de Jesus. Esta nova dimensão foi preparada
por Jesus através da sua paixão, morte e ressurreição. A herança é nossa
pela fé.
Os vv. 4 e 5 preparam a mensagem central da perícope: o caminho. Já era
conhecido dos discípulos, mas Tomé não havia feito a conexão de Jesus com
a nova dimensão. Tomé era um principiante, como todos os discípulos, pois
ninguém podia ter experiência nesta área. Mesmo o experiente Nicodemos
precisou de várias tentativas de explicação para acompanhara compreensão
do milagre da fé que nos introduz na nova dimensão (Jo 3.1-15).
O v. 6 é um resumo fantástico da mensagem total que Jesus dá de si
mesmo como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Além de afirmar categori-
camente que Ele é o único e verdadeiro Eu Sou, dizendo em Jo 8.58: "Antes
que Abraão existisse, EU SOU", Jesus faz 7 descrições de si mesmo com a
introdução "Eu sou". Elas todas se relacionam com a descrição que faz em
nosso texto. Quando Jesus diz que Ele é o caminho, isto faz ressoar outras
duas descrições em que diz que Ele é a porta das ovelhas (Jo 10.7) e é o bom
pastor (Jo 10.11,12). Só pela fé em Jesus caminhamos pelo mundo em

228 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


direção à outra dimensão permanente e feliz. O Caminho é também o nome
pelo qual o próprio cristianismo ficou conhecido (At 9.2; 19.9,23; 22.4; 24.22).
Por ser o caminho Jesus diz também que Ele é a verdade. Nesta palavra
Jesus concentra outras duas descrições de si mesmo: que Ele é luz do mundo
(Jo 8.12) e o pão da vida (Jo 6.35). A verdade se opõe à mentira, assim
como a luz se opõe às trevas. O pai da mentira (Jo 8.44) é também o senhor
das trevas (Cl 1.13). A verdade precisa ser revelada, precisa ser recebida
para nos alimentar para sempre num mundo de trevas que nos rodeia. Por
isso Jesus, como o pão da verdade, precisa ser recebido continuamente
pela fé. A terceira descrição de Jesus de si mesmo o apresenta como a
vida. Isto lembra outras duas descrições, em que diz ser Ele a ressurreição e
a vida (Jo 11.25) e a videira verdadeira (Jo 15.1,5). Jesus não somente criou e
restaurou a vida, mas é o contínuo doador da vida, como a videira é para os
ramos. Quando confessamos no Credo Niceno que o Espírito Santo é "o
Senhor e Doador da vida", isto não contradiz a afirmação de Jesus, mas a
reforça, pois a fonte da vida é Deus em Cristo. O Espírito Santo é Aquele que
nos dá e sustenta a fé que nos introduz à vida nesta e na outra dimensão.
Todas estas descrições de Jesus de si mesmo culminam na única solução
possível: só Jesus é o caminho, pois "ninguém vem ao Pai senão por mim".
Os vv. 7 a 11 falam da relação de Jesus com Deus Pai. É a ênfase na
identificação do Eu Sou. Filipe tem dificuldades em fazer esta identificação.
Parece um aluno de teologia fazendo perguntas em sala de aula: como é que
posso identificar uma trindade na unidade. Isto sempre foi difícil para a mente
humana. O Credo Atanasiano luta com palavras para poder descrever de
alguma forma este mistério. Mas Jesus é categórico: "quem me vê a mim, vê
o Pai" e "eu estou no Pai e o Pai está em mim" (vv. 9-11). É a volta à premissa
inicial: para nossa salvação é necessário afirmar e crer que Jesus é o Senhor,
é Jahve, é o eterno Eu Sou. Há uma identidade com Deus Pai quanto à
essência (um único Deus), mas uma diferença quanto à pessoa (há três
pessoas). A prova que Jesus dá da sua divindade Ele coloca no fato das
"obras" divinas ou milagres: o dom da vida, que culmina com a ressurreição
Dele e de todos os crentes em Cristo para a outra dimensão.
O v. 12 parece enigmático quando diz que o que crê faz obras maiores do
que Ele, "porque" Ele vai para junto do Pai. Não há nenhuma obra maior que
a de Jesus, que é Senhor Deus. Mas sua ida ao Pai desencadearia a vinda e
obra especial do Espírito Santo. Claro, o Espírito Santo é o Espírito de Cristo,
de Deus. "Maior", então, só poderá significar mais abrangente quantitati-
vamente, não em essência. Isto é, o Reino de Deus deverá ser expandido
pela obra do Espírito Santo para preparar mais pessoas para a outra dimen-
são.
4. Proposta homilética
Toda revelação de Deus em uma Trindade tem um sentido pastoral. "Não
se turbe o vosso coração" (v. 1) demonstra isso. Pessoas são frágeis,
precisam de consolo e conforto. A maneira inteligente de Deus foi tornar-se

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 229


homem em Cristo, conhecer a natureza humana, assumir a dor e o sofrimento
da humanidade, e providenciar a sua restauração para ingressar na nova
dimensão. Por isso o sermão pode ter duas partes: a fragilidade humana e
resta uração em Cristo.
Como tema poderia ficar o consolo:
Não se turbe o vosso coração.
Há dois momentos a considerar:
1. Crer em Deus engloba o reconhecimento da nossa fragilidade;
2. Crer em Cristo engloba Sua força restauradora.
I. A. Deus em Cristo se tornou homem para sentir com a fragilidade
humana.
1. A humanidade está perturbada: há todo motivo para se turbar o coração.
2. A humanidade não se encontra a caminho, nem das soluções perfeitas
desta dimensão, nem está em condições de alcançar a outra dimensão.
B. O Filho de Deus assumiu a humanidade do homem.
1. Mas não se identificou com a fragilidade humana: a carregou para
vencê-la pela morte e ressurreição.
2. Cristo pode, por isso, trazer verdadeiro consolo e a restauração.
C. Crer em Deus engloba o reconhecimento da nossa fragilidade e a visão
de uma restauração por Deus somente.
II. A. Crer em Cristo é crer em Deus Triúno.
1. Deus em Cristo nos amou e salvou, como aprendemos na fé dada pelo
Espírito Santo.
2. Cristo é o Senhor Deus que se tornou o único caminho, a verdade e a
vida.
B. Crer em Cristo é receber a restauração.
1. A vida eterna começa na fé e restaura a vida toda em consolo e serviço.
A fé inicia a vida na outra dimensão.
2. A vida eterna é plena na segunda vinda de Jesus, quando entramos
totalmente na outra dimensão para sempre. Jesus nos preparou o lugar.
C. Crer em Cristo engloba a Sua força restauradora: podemos caminhar
seguros e consolados. Esta é a grande tarefa pastoral do Bom Pastor, que é
o Senhor Deus, o Eu Sou.
Uma outra proposta homilética poderia analisar mais detalhadamente as
afirmações de Eu Sou de Jesus.
Tema: Eu Sou
1. O caminho: a porta das ovelhas, e o bom pastor.

230 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


2. A verdade: a luz do mundo, e o pão da vida.
3. A vida: a ressurreição e a vida, e a videira verdadeira.

Martim C. Warth
Porto Alegre, RS

SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA


12 de maio de1996
João 14.15-21

1. Contexto
Jesus está preparando seus discípulos para sua despedida. Na verdade,
seu afastamento será por pouco tempo, pois sua ausência será de poucos
dias, mas isso os discípulos ainda não entendem. Tudo tem seu tempo.
Haverão de entender depois que o Espírito da Verdade abrir suas mentes.
Por enquanto os discípulos estão tristes e abatidos. Pensam que ficarão
sozinhos. É aí então que Jesus procura confortá-los e animá-los, falando-lhes
do Consolador, do "Espírito da Verdade"! Promete a ajuda e o apoio de que
necessitam.
2. Texto
V. 15 - Amar a Deus é querer fazer sua vontade expressa nos seus
mandamentos. Fé é amor aos irmãos. O discípulo não pode não produzir
frutos. Ele o faz "ao natural". Seu agir em amor é espontâneo e livre. A
verdadeira fé sempre é ativa no amor.
V. 16 - O Consolador estará sempre conosco. Sempre significa 100%.
Nunca estamos sós, abandonados ou desamparados. É verdade que frequen-
temente não percebemos que Deus está ao nosso lado. Talvez queremos ver
sinais mais visíveis de sua presença. Aí convém lembrar que Ele está presente
na sua Palavra e no seu corpo e sangue no Sacramento, e é através desses
meios da graça que o Consolador chama, ilumina, congrega e fortifica a
comunidade cristã.
V. 17 - O Espírito da verdade. Toda fé salvadora no Antigo Testamento
como no Novo Testamento foi produzida pelo Espírito. O mundo por si não
conhece a verdade, pois vive sob a forte influência do pai da mentira. Cf. 3o
Artigo - Explicação dos catecismos. É o Espírito que faz entender e confiar na
Verdade.
Conhecer o Espírito é conhecer Aquele que está ao nosso lado para nos
guiar, ajudar, ensinar e abençoar com a Palavra. Esse Espírito quer moldar
nossas mentes e vontade. Cada pedacinho de fé, amor e obediência é a marca
da presença do Espírito em nós.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 231


V. 18 - Temos a promessa de não sermos abandonados, deixados sem
apoio, sem segurança.
Jesus está dizendo aos seus discípulos que quando for para o céu, vai
enviar outro Consolador, mas isso não significaria que a presença do Espírito
iria substituir Jesus. A promessa de "não vos deixarei órfãos" não é uma troca
de pai. Jesus mesmo diz que ele mesmo voltaria. Isso está claro nos
versículos 21 e 23. A "orfandade" dos discípulos será curtíssima, pois, apesar
da morte, ele voltaria para estar com eles.
V. 19 - O Mestre prediz sua morte física. Para o mundo Jesus desapareceu
para sempre com sua morte. Os discípulos o verão por causa de sua fé. "Vós
me vereis!" É a nova vida inaugurada a partir da ressurreição. "Por que eu
vivo, vós também vivereis!" Jesus é o primeiro que passa pela morte e sai
vivo no 3o dia. Ele é a Vida em nosso meio. Aliás, ele é a própria Vida. Ele é
a Vida que nos dá Vida.
O Mestre passa a lição mais importante com seus alunos. Ele vai ressus-
citar e nós também. Ele diz: Eu agora, vocês depois.
V. 20 - "Naquele dia" é uma referência a Pentecostes. Naquele dia e
daquele dia em diante eles mesmos experimentarão manifestações
poderosas que lhes fará saber que Jesus está no Pai, isto é, ele tem uma
união misteriosa com o Pai.
Tudo o que o Pai oferece é do Filho também. Os dois são inseparáveis; um
está no outro. Essa é a unio mystica. E quem nos convence dessa verdade
misteriosa e maravilhosa é o Espírito que age em nós pela Palavra. Estamos
diante de mistério demasiado profundo para nós tentarmos entender. Só nos
resta nos inclinarmos humildemente em adoração.
- No entanto, há um outro mistério a ser contemplado nesse texto. Esse
mistério é produzido pela graça divina, pois envolve pessoas desiguais, a
saber, Jesus e nós. "Vós em mim e eu em vós". Apenas quem está envolvido
nessa união maravilhosa com o divino é que pode saber e sentir o sentido
profundo desse "em mim" e o "em vós". Esse "em" é divino porque parte e
depende Daquele que é o Absoluto, o Perfeito, o Último.
V. 21 - A perícope começa com as palavras "Se me amais" do versículo
15. O versículo 21 diz que de fato ama aquele que conhece e guarda os
mandamentos de Jesus. O verdadeiro discípulo é aquele que ama Jesus e
faz a vontade de seu Mestre por amor, e não por coerção, obrigação ou troca.
A fé é ativa no amor, no cumprimento da vontade do Deus Eterno.
3. Meditação sobre o texto
Nessa perícope Jesus ensina e anima seus discípulos tristes e preocu-
pados com o futuro. Promete estar com eles sempre. Nós também temos a
promessa de sua companhia. Jamais estaremos sozinhos nesse universo.
Nossos gritos são ouvidos, nossas lágrimas são enxugadas. O mesmo Jesus
nos toma pela mão e nos conduz rumo ao céu.

232 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Nosso testemunho ao mundo como discípulos é importante. Vivemos
esperando o Senhor na sua vinda gloriosa e praticamos nossa fé no amor. O
amor é o resumo de toda lei, de todos os mandamentos, de toda vontade de
Deus. Quem não ama, não crê.
Nós discípulos, guiados pelo Espírito da Verdade, de fato e de verdade
queremos não só pronunciar a verdade com nossos lábios, mas queremos
vivê-la neste mundo marcado pela mentira e pelo seu subproduto, a morte.
Portanto, o futuro já começou na vida do cristão. De modo antecipado ela
já experimentou as bênçãos da redenção e ressurreição de Cristo. Ele vive
na fé, em esperança do céu e no amor. Os que foram marcados pelo Amor
Divino são capacitados para amar. Amamos porque ele nos amou primeiro.
Mas viver a vida de fé nunca foi fácil. O pai da mentira sabe colocar
obstáculos em nossa corrida para o alvo. Hoje experimentamos os desafios
da era pós-cristã, em que verdade é questão de gosto, preferência e con-
veniência. O relativismo e pluralismo é uma das mais difíceis questões a ser
encarada nesses tempos secularizados e de descrédito para com a igreja
como instituição e organização. Somos tentados a ter um complexo de
inferioridade por sermos minoria nesse mundo e esquecemos que o Reino de
Deus não pode ser mensurado somente por número de adeptos ou de
orçamento. Como povo de Deus temos a missão de Deus para executar e
para tal obra temos os melhores recursos possíveis, a saber: o Consolador,
o Espírito da Verdade e a promessa do Salvador de nunca nos abandonar.
Mãos à obra.
4. Disposição homilética
Tema: Não vos deixarei!
Pergunta diretriz: Por quê?
/ - Por que o Pai e Eu amamos vocês.
A. Plano de Redenção - Deus amou - Jo 3.16
B. Providência divina - Voltarei para estar com vocês
"Eis que estou convosco..."
// - Por que quero vocês no céu - na Vida ETERNA.
A. A mentira produziu e produz morte.
B. A verdade de Cristo oferece vida.
"Eu vivo, vós também vivereis!" A vida já começou.
C. A vida será completa no céu.
/// - Por que ainda tenho tarefas a realizar com vocês.
A. A missão de Deus ainda não terminou.
B. Deus nos quer cooperando nessa sua obra.
Gerharil Grasei
Canoas, RS

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 233


SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA
19 de maio de1996
João 17. 1-11

1. Leituras
Nas leituras existe a ênfase da unidade na coletividade. A unidade: Deus
Pai, Jesus Cristo e o cristão que pertence a Deus e foi confiado ao Filho. A
coletidade: os irmãos unidos, orando e adorando (Atos 2.14), testemunhando
(At 2.8), sóbrios, vigilantes e firmes na batalha contra o adversário (1 Pe 5.8,9).
Salmo 133 - Conforme Hengstenberg (Keil-Delitzsch, v. V, p. 317): neste
salmo "Davi enfatiza a consciência da igreja , a glória da unidade dos santos
que por longo tempo era esperada, a restauração que iniciou com o colocar
da Arca no Monte Sião". Nesta unidade os cristãos sentem a agradável
neblina como que estando ao pé de uma cachoeira sentindo o vapor da água
tocar no corpo.
Atos 1.8-14 - Palavras do Senhor Jesus: "...recebereis poder, ao descer
sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas" (v.8). Os seguidores
de Jesus olham os céus quase extasiados sem entendera realidade presente
- o Senhor subira aos céus, sentem-se órfãos, mas conhecem a promessa de
Jesus: "Eis que estou convosco todos os dias..." (Mt 28.20) Alertados por dois
anjos, voltam a Jerusalém para se reunirem num cenáculo, uma sala na parte
superior da casa (seria o local da última Ceia, ou na casa da mãe de Marcos
o evangelista?). Ali reúnem-se em orações e adoração a Deus. Temos aqui
a última referência bíblica de Maria, mãe de Jesus, que fora colocada aos
cuidados do apóstolo João, o discípulo amado.
1 Pedro 5.6-11 - Temos neste texto as grandes referências ao pecado, à
moléstia. O diabo, grande adversário, anda como leão devorador, mas atua
de modo a não chamar atenção. Um caçador sabe que o nosso tigre ou onça
consegue caminhar na floresta sobre folhas secas sem fazer qualquer
barulho; assim é o tentador. O cristão, chamado por Cristo, pela graça de
Deus (v. 10) coloca-se em humildade sob o domínio do Senhor Deus. O cristão
recebe o desafio de colocar sua ansiedade, seu medo, seus revezes da vida
sob a poderosa mão de Deus (v.6,7). Deus que chama, aperfeiçoa, firma,
fortifica e é verdadeiro fundamento, tem o domínio e a glória - principal ligação
com o evangelho.
João 17.1-11 - Jesus está concluindo sua missão e antes de subir visivel-
mente aos céus, exerce seu ofício intercessor (Rm 8.34). Mas antes de sua
glorificação Jesus ainda precisa executar a parte mais difícil de sua missão,
quando é o Sacerdote e é também o Cordeiro. O texto nos apresenta Jesus
Servo-sofredor que olha com atenção amorosa para o pecador fraco, esma-
gado e quebrado (Is 42.1-4). Jesus, o Servo-sofredor, toma sacerdotalmente

234 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2-1995


o lugar do pecador e é desprezado e rejeitado, ferido de Deus e transpassado,
leva sobre si mesmo a iniquidade de nós todos (Is 53.1-6). É pesado o trabalho
de "conceder a vida eterna a todos que lhe deste" (v.2).
Jesus realiza sua missão, glorifica a Deus Pai em sua própria carne, livra
o pecador da perdição com seu santo e precioso sangue (1 Pe 1.18-21). Jesus
fez conhecido o nome e a glória de Deus.
Os w. 8-11 mostram uma atenção especial de Jesus para com aqueles
que creram, recebendo a sua palavra que é a palavra do Pai. Os que creram
estão em constante perigo no mundo (1 Pe 5.8,9; Gn 3.1-5).
Jesus intercede diante do Pai pela unidade dos que crêem, a unidade do
Pai com o Filho; do Pai e do Filho com os que crêem. A unidade manifesta
através de Jesus, a glorificação do Pai e do Filho (w.11,22).
2. Sugestão de tema
"A unidade dos cristãos - igreja, congregação glorifica e manifesta Deus".
1. A unidade com Deus restaurada por Cristo.
1.1-0 preço do sacerdócio de Cristo - oferece a si mesmo como resgate. 1.2 -
As artimanhas do diabo, mundo e nossa própria carne.
2. A glorificação de Deus na vida da igreja.
2.1 - O exemplo que Cristo nos dá no cuidado e atenção aos cristãos.
Desafio para os cristãos exercerem o seu sacerdócio (1 Pe 2.9,10).
2.2 - Como Cristo manifestou a glória do Deus verdadeiro que dá vida,
manifestemos nós também a vida ao mundo mediante: a) testemunho (At 1.8),
b) sacrifício vivo, não nos deixando moldar pela sociedade materialista e
mundana (Rm 12.1,2).

Sebastião Jann
Sinop, MT

DIA DE PENTECOSTES
26 de maio de 1996
João 16.5-11

1. Contexto
Depois de longa convivência, este momento marca a preparação para a
despedida. É o paraninfo que se despede dos seus alunos - amigos de tantas
estradas e companheiros de tantos momentos peculiares. Até o momento,
estivera com eles; agora, dá-lhes os conselhos finais e fala-lhes da ajuda
especial de que necessitarão nessa nova etapa, após sua partida.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 235


2. Texto
V. 5 - O anúncio de Jesus é, na verdade, uma manchete de folha inteira:
"... vou para junto daquele que me enviou". Apesar da bombástica notícia, o
professor precisa recorrer aos seus recursos didáticos mais extremos para
induzir seus educandos a conscientizar-se da grandiosidade do anúncio: sua
partida é, na verdade, um ponto de chegada, ou seja, a concretização de sua
exaltação.
V. 6 - Ao invés de se alegrarem - como um náufrago que, vencendo bravas
correntezas e turbulências várias, chega à margem segura -, os discípulos
olham apenas a face triste dessa moeda: seus corações transbordam de
tristeza, angústia e desolação pelo amigo que parte. Afinal, romper-se-ia uma
longa parceria, encerradas estariam as longas conversas ao redor de uma
mesa ou na relva dos bosques; era o fim dos tumultos de massas humanas
prestes a atropelar o Mestre; fim das surpresas diárias, das palavras sábias,
dos julgamentos acertados e fartos gestos de misericórdia e perdão que
distribuía. Não percebem a grandeza desse néon luminoso que mostrava a
volta de Jesus ao Pai e, consequentemente, o cumprimento da obra de que
fora incumbido. Não conseguem olhar para a finalidade dessa partida. Não
atentam, igualmente, para o privilégio que lhes cai nas mãos de ora em diante,
qual seja, de serem embaixadores desse reino.
V. 7 - O Mestre, então, retoma seu discurso contra-atacando aquele
desânimo explícito: "...afirmo que é melhor para vocês". Por mais doloroso
que fosse aquele momento, era o caminho necessário. "Se eu não for" -
argumenta ele - "o Parácleto não virá". Nada podiam esperar se o Enviado
não completasse sua missão - missão que culminava na glorificação à destra
do Pai. Perdiam um companheiro terreno, mas ganhavam uma companhia
divina. O Espírito faria neles morada, fazendo deles os seus instrumentos para
a sua ação no mundo.
Vv. 8-11 - "Quando ele (o Parácleto) vier, convencerá o mundo do pecado,
da justiça e do juízo." A humanidade, com seus falsos padrões de julgamento,
com sua justiça canhestra e seus juízos atrapalhados, terá, finalmente, um
"desentortador" de vidas. "Pecado, justiça e juízo" são mercadorias que nesse
mundo estão sempre no olho do furacão; abrangem as esferas do pensar e
do agir. Um mundo enredado em seus próprios princípios, afogado em suas
próprias paixões já não consegue captar o sentido desses termos. O Ad-
vogado, o Espírito da Verdade será enviado para habitar os discípulos. E
através dos discípulos, o Parácleto realizará esse trabalho de persuasão, de
convencimento e transformação de corações. Jesus põe o dedo em três
questões cruciais: o pecado - salientando que o pecado capital consiste no
"não crêem em mim"; a justiça (dikaiosine) - clareando que a verdeira justiça
é um ato forense de Deus que passa pela cruz de Cristo; o juízo - declarando
que o diabo, aparentemente vencedor, está, na verdade, derrotado e julgado;
o mundo, por sua vez, precisa estar atento para o julgamento por vir.

236 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


3. O Pentecostes propriamente dito
3.1. Antecedentes históricos e bíblicos
Pentecostes (da palavra grega pentekosté) é a segunda das três principais
festas anuais do povo judeu. As outras duas são a Páscoa e a Festa dos
Tabernáculos (Lv 23.5-36; Dt 16.1-17).
No Antigo Testamento, Pentecostes é conhecido por três nomes: 1. Festa
das Semanas (Êx 34.22; Dt 16.10), porque era celebrada exatamente sete
semanas, ou 50 dias, após a Páscoa. 2. A Festa da Colheita (Êx 23.16) porque
acontecia ao final da colheita, no fim do.ano. 3. Oferta das Primícias (Nm
28.26), porque nessa data o primeiro pão do novo trigo era oferecido (Lv
23.17).
No dia de Pentecostes, cada homem israelita comparecia diante de Deus
para apresentar uma oferta de gratidão pela colheita e para lembrar a
libertação do Egito (Dt 16.16,17). Era dia em que ninguém trabalhava (Lv
23.31). Esta festa, celebrada desde remotos tempos, é até hoje comemorada
pelo povo judeu.
Em o Novo Testamento, Atos 2 relata a experiência dos judeus reunidos
em Jerusalém, oriundos de diversas partes do mundo. Nessa ocasião, o
Espírito Santo desceu sobre os discípulos e os encheu com o poder ne-
cessário para proclamarem o evangelho por todo o mundo. Vale lembrar que
as primícias dos três mil convertidos foram apresentadas diante de Deus
naquele dia.
3.2. O Pentecostes e os primeiros cristãos
Para os primeiros cristãos, Pentecostes marca o nascimento da igreja
como comunidade de irmãos comprometidos em dar seguimento aos ensinos
de Jesus. Levariam o evangelho da paz, da justiça, do amor e da salvação a
todo mundo. Naquela festa de Pentecostes, os discípulos experimentaram a
presença do Parácleto e de Jesus vivos em seu meio, conforme lhes havia
prometido no discurso de despedida acima analisado (Jo 16. 5ss).
Pentecostes também significou a destruição de todas as barreiras que até
então tornavam impossível a comunhão e a unidade dos humanos. Os
primeiros cristãos descobriram que o Espírito de Deus vai além das limitadas
forças do ser humano.
3.3-0 Pentecostes e os cristãos hoje
Nós, cristãos, continuamos a celebrar esse magnífico evento da história da
Igreja Cristã. Pentecostes hoje significa que Deus está presente, através do
seu Espírito, na comunidade de crentes. E esse Espírito congrega e une todas
pessoas, eliminando os obstáculos que impedem a comunhão.
Ser cristão hoje, então, é prosseguir nesse caminho sob a inspiração do
Pentecostes, agindo sob o seu ímpeto, movendo-se de acordo com esse
vento impetuoso. O Consolador está presente em nosso meio e vive em nós.

IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995 237


É ele que nos capacita a arriscar nossas vidas pelos outros, nos torna capazes
de viver em comunhão, nos inspira e mobiliza a repartir nossos bens e vida,
a formar uma comunidade de oração, a pregar a salvação a todos os homens
e a construir um mundo mais justo e humano.
Uma coisa é saber e ensinar; outra é fazer e viver. Não custa saber que o
amor é o rei das virtudes, nem é difícil pregar as riquezas do amor cristão.
Praticar e vivê-las exige uma santidade que não se compra nas prateleiras de
supermercado. Acusações frequentes atingem o corpo da comunidade cristã:
- Professam crer em Deus e vivem como se Deus não existisse;
- Afirmam a imortalidade da alma e atuam como se nada esperassem
depois da morte;
- Sustentam o primado do espírito e vivem agarrados às coisas materiais;
- Declaram crer em Jesus, mas de seus ensinamentos só aceitam o que
lhes interessa;
- Atestam a santidade do matrimónio e vivem como bígamos;
- Exaltam o amor ao próximo e exploram os seus empregados e subordi-
nados;
- Condenam a mentira mas enganam sem escrúpulos, fãs que são de
trapaças;
- Reprovam o roubo e se apoderam, quando podem, do que não lhes
pertence;
- Condenam a adúltera e dormem com a amante;
- Apoiam campanhas contra a pornografia e adquirem material obsceno;
- Louvam a piedade mas não conseguem balbuciar uma oração;
- Acumulam fortunas e deixam o pobre na miséria;
- Alegram-se com banquetes quando tantos morrem de fome;
- Têm centenas de metros quadrados sobrando com gente ao lado sem
teto... etc.
Antes de gritar "hipócritas!" precisamos olhar para nós mesmos, como
igreja e como indivíduos. O indiferentismo, o secularismo e o ateísmo colo-
caram fatias inteiras da população numa espécie de civilização pós-cristã.
Concordam todos que é necessário refazer o tecido cristão da sociedade. Mas
este só será refeito se antes for renovado o tecido cristão de cada comunidade
cristã e da inteira vida individual de cada cristão, ultrapassando em si mesmo
a ruptura entre oratório e laboratório. Essa reforma passa pela ação do
Espírito Santo no chamar, congregar, iluminar e santificar os corações.
Pentecostes é, também, o milagre do "falarem línguas". Falara língua das
mulheres, das crianças, dos pobres, dos ricos, dos discriminados, dos presos,
dos humilhados, dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-palavra, dos sem-es-

238 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2-1995


perança... Pentecostes é falar e traduzir o evangelho para que seja Boa Nova
para todos eles. Só o Paracleto, o Auxiliador, o Consolador é capaz de criar
condições de salvação e, consequentemente, de igualdade, harmonia e
respeito entre os homens. Só o Espírito do Pentecostes pode levar os homens
a ter vida... e vida em abundância. Sem Pentecostes só há alegrias baldias e
a igreja será um coro triste de reco-reco. É o Espírito que retesa o arco de
nossa esperança e nos impulsiona ao mundo.
4.Proposta homilética
Com a vinda do Paracleto, o grande plano da salvação está gloriosamente
consumado. Jesus, enviado do Pai, cumpre a obra redentora com sua morte,
ressurreição e ascensão. O Espírito Santo toma essa obra e, por meio do
evangelho, espalha esse poder salvador a todos os homens.
1. O Pentecostes ontem
2. O Pentecostes hoje
2.1. Seu valor e suas consequências:
a) para a vida da igreja
b) para as nossas vidas.

Astomiro Romais
Porto Alegre, RS

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 239


DEVOÇÕES

Combate o bom combate da fé


1 Tm 6.6-19

Dois versículos deste texto são usados na Liturgia de Sepultamento. O v.


7, junto à sepultura: "Nada trouxemos a este mundo, e nada levaremos dele";
e o v. 16: "O único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a
quem homem algum jamais viu nem é capaz de ver, a ele honra e poder
eterno. Amém". Esta escolha da igreja nos leva a refletir sobre o objetivo deste
texto do apóstolo Paulo: Ele está dando simples recomendações sobre a
maneira de lidarmos com o dinheiro? ...quem não tem dinheiro, deve conten-
tar-se, e quem tem deve repartir... Poderíamos chegar a esta conclusão
simplória, moralista, como muitos o fazem e encerrar esta devoção por aqui.
Mas o objetivo do apóstolo vai muito além. Temos que compreender o seu
ensino dentro da perspectiva escatológica, que é uma constante em seus
escritos. Em vista das coisas do fim, do nosso futuro eterno, como vivemos
aqui? Como administramos o que temos, seja pouco, seja muito?
I - Combate o bom combate da fé - contra a ganância
A ganância não é apenas privilégio dos ricos. Mas ela existe principalmente
entre aqueles "que querem ficar ricos", como diz o texto. Em São Paulo
trabalhei em bairro bem pobre da periferia e podia observar bem isto. O que
move esta busca desenfreada por bingos, jogos lotéricos, etc? Parece que
todos querem enriquecer do dia para noite! - E, cá entre nós, quem de nós
não gostaria de ter um pouco mais de dinheiro, e não viver a vida apertada
que geralmente levamos, e que também é a perspectiva da carreira que vocês
estão se propondo? - Mas será que não podemos lutar por condições
melhores de vida? Seria pecado reivindicar um salário maior? - O apóstolo
não condena o dinheiro nem os ricos; mas ele condena "o amor ao dinheiro",
a ganância! Porque ela nos cega diante da verdadeira perspectiva de nossa
vida; ela nos faz olhar só para as vantagens materiais e desvia o nosso olhar
do alvo maior. Por isto, quando o apóstolo alerta contra a ganância, ele diz
ao seu amigo pastor Timóteo: "Combate o bom combate da fé". A vida do
homem de fé é sempre uma luta. Quando o cristão não tiver mais contra o
que lutar, quando ele estiver tranquilo, sossegado, algo vai muito mal. E uma
das maiores lutas que um pastor tem de enfrentar é contra a ganância, saber
dividir corretamente entre o que é o necessário "para nos vestir e para nosso
sustento" e o que beira os limites da ganância e da avareza.
Temos que ver também neste texto que o apóstolo não está fazendo uma
defesa da pobreza e uma acusação contra a riqueza. Muito pelo contrário; ele
reconhece perfeitamente que há os que têm o mínimo para a sua sobrevivên-

240 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


cia, e há os "ricos do presente século". A estes ele lembra a "instabilidade da
riqueza" - coisa que vemos dia a dia neste jogo da bolsa, do dólar, da inflação,
hoje mais ou menos controlada, mas ninguém sabe até quando; e diz que o
que temos de bom foi dado por "Deus, que tudo nos proporciona ricamente
para o nosso aprazimento". Gosto desta palavra! Temos o direito de desfrutar
para o nosso prazer o que temos. Um cristão, também um pastor, tem o direito
ao lazer, ao churrasquinho no final de semana, às férias e às boas coisas da
vida. Não fazemos voto de pobreza. Mas tudo dentro de novo da mesma
perspectiva que o ap. vem tratando desde o início: o verdadeiro tesouro está
no céu e vivemos na expectativa da vida eterna. Daí o não usarmos o que
temos, seja pouco,seja muito, só de maneira egoísta ou gananciosa. Mas que
"pratiquemos o bem, sejamos ricos de boas obras, generosos em dar e
prontos a repartir".
II - Combate o bom combate - a favor da fé!
Se temos que combater o bom combate contra a ganância e outras
tentações que nos querem desviar da fé e nos fazem perder de vista a
perspectiva cristã da vida eterna, temos que também combater o bom
combate em favor do crescimento na fé e da permanência nela. Não podemos
só ficar lutando contra, vendo chifre em cabeça de cavalo e satanás em tudo,
mas temos também que lutar a favor, avançar na caminhada, fortalecer os
irmãos que lutam conosco. O ap. Paulo é muito positivo quando diz a Timóteo
e a nós como se desenvolve este lado do nosso combate: "Segue a justiça,
a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão... toma posse da vida eterna,
para a qual também foste chamado". É o lado que nos anima e fortalece na
luta contra o mal. Quando buscamos na Palavra do Evangelho a justiça de
Cristo, quando somos consolados no sacramento, quando somos abraçados
com amor pelos irmãos na fé, quando somos lembrados da esperança da vida
eterna,... tudo isto ergue os nossos olhos das tentações, lutas, derrotas,
tristezas, preocupações deste mundo para olharmos com fé para aquele que
passou por tudo isto e venceu - venceu por nós! E mesmo diante da morte,
que nos assusta - (não o podemos negar) - vemos o Cristo morto e ressusci-
tado, que nos mostra a vida eterna, muito superior a tudo o que temos neste
mundo.
III -Conclusão
Na 2a carta a Timóteo (4.7) Paulo diz as mesmas palavras, desta vez não
referentes a Timóteo, que tinha uma vida inteira de luta diante de si, moço
que era; mas referentes a si próprio: "Combati o bom combate, completei a
carreira, guardei a fé; já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o
Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas a todos
quantos amam a sua vinda". Este texto serviu de base para a alocução fúnebre
de meu pai, que foi a primeira pessoa que eu vi falecer, que faleceu em meus
braços (ataque de coração, repentino), e confessou com alegria a sua fé em
Jesus e a sua esperança da vida eterna. Isto um dia após a transmissão do
seu cargo de pastor para o seu substituto, pois estava se aposentando.

IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995 241


Timóteo - combate o bom combate.
Paulo - combati o bom combate.
Vale a pena, apesar de tudo, pois a coroa da justiça está guardada por
nosso querido Senhor Jesus a todos que nele confiam e nele esperam. Amém.

Devoção proferida na capela do Seminário pelo Rev. Prof. Carlos Walter Winterle no dia
21 de junho de 1995.

Amor fora do padrão


Lc 7.36-50
Amados:
A cena é no mínimo surpreendente. Para não dizer patética. Acontecida
junto à mesa do jantar de um homem politicamente correto. E religiosamente
também, o fariseu Simão.
A muito contragosto (e Jesus prova esse fato), Simão convidou Jesus para
o jantar. E Jesus aceita o convite. Jesus aproveita todas as oportunidades
para salvar pessoas. Inclusive fariseus.
De repente o inusitado, o surpreendente, o patético: "Eis que uma mulher
da cidade, pecadora (prostituta), sabendo que ele (Jesus) estava à mesa na
casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento; e, estando por
detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava
com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o unguento" (v.
37,38).
E Jesus aprova a atitude da mulher pecadora. E Jesus elogia o compor-
tamento da mulher pecadora. E Jesus explica publicamente a maravilhosa
cena.
Abrindo parênteses: Cena que inclusive nós hoje teríamos dificuldade para
aceitar e entender. Penso que estaríamos mais para uma reação do tipo de
Simão, torcendo o nariz, e pensando: Mas, esta mulher pecadora aqui, o que
é que os outros vão pensar? Ele, Simão, como nós, temos dificuldade de nos
desvencilhar do passado de alguém, tendo dificuldades em aceitar e nos
alegrar com a nova criatura que alguém se toma. Ainda hoje em nosso meio
se ouve: "Ah! Não sei! Essa pessoa! No tempo do Seminário ela era assim e
assado..."
Fechando parênteses: E Jesus, conhecendo os pensamentos de Simão,
começa a ensinar a todos os circunstantes presentes a respeito do perdão
dos pecados, da salvação, da nova vida, da vida cristã.

242 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2 - 1995


E Jesus não deixa dúvidas e estabelece imediatamente o contraste, o
contraditório: "Simão, vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste
água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou
com seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei não
cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta com
bálsamo ungiu os meus pés. Por isso te digo: Perdoados lhe são os seus
muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa,
pouco ama" (w. 44-47).
A mulher, sem dúvida, conhecia Jesus. Reconhecera-o como o Salvador
de pecadores. Ela arrependera-se de todos os seus pecados e consolava-se
com a graça e o perdão oferecidos por Jesus.
E agora ela se apresenta para agradecer ao seu benfeitor.
E fica bem claro em todo relato que o "muito amor" citado por Jesus não é
a causa do perdão dos pecados, mas exatamente o contrário: quando Jesus
declara: "perdoados lhe são os seus muitos pecados", ele simplesmente
comprova essa afirmação dando ou mostrando para exemplificar e provar:"...
porque ela muito amou".
E isso vale para todos os tempos. Para todos nós. O amor, não para
merecera graça de Deus, mas para respondera graça de Deus.
Se eu perguntasse: precisamos nós de muito perdão ou de pouco perdão?
Creio que todos reconhecemos que precisamos, que somos alvo de muito
perdão, porque somos ainda muito pecadores. Logo, a manifestação do amor
entre nós precisa ser muita, na proporção adequada. Como somos muito
pecadores, tendo por isso recebido muito perdão, espera-se que muito amor
intermedie nossas relações.
Sim, amados: Quem não reconhece seus pecados, quem não experimen-
tou a graça de Deus em seu coração e em sua vida, esse não tem amor, quer
amor a Deus, quer amor às pessoas. Aquilo que parece ser amor em sua vida,
na verdade não o é, a exemplo de Simão.
Para finalizar, amados, gostaria ainda de apontar para o seguinte aspecto:
o jeito original, individual da mulher pecadora amar, sem medo, sem ver-
gonha de demonstrar seu amor e gratidão ao seu Salvador:"... lavou os pés
de Jesus com lágrimas e os enxugou com seus cabelos, ungindo, ainda, com
bálsamo os seus pés". E Jesus aprova. E Jesus elogia.
Nós somos indivíduos. Não só exteriormente. Somos diferentes uns dos
outros, também interiormente, em nível de mundo interno. Cada um de nós
tem um jeito diferente, capacidades diferentes. E é exatamente por sermos
diferentes é que podemos servir uns aos outros. Doutro modo não. Se
fôssemos iguais não teríamos nem com que servir.
Com o exemplo da mulher pecadora podemos perceber que a mani-
festação do nosso amor, do nosso louvor, do nosso serviço pode ser individu-
alizado, original.

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 243


Por isso, podemos, ou melhor, precisamos ousar e incentivara individuali-
dade na manifestação do nosso amor e gratidão a Deus, através do nosso
servir e amar. Dá para dizer que, quando tudo é estimulado para um compor-
tamento padrão, padronizado, desaparecem as oportunidades para servir e
amar.
Temos todos os motivos do mundo para amar e amar muito, porque fomos
muito, muito perdoados.
Façamo-lo em comunhão, juntos, mas não deixemos de ousar, de sermos
criativos na manifestação do nosso amor, através de nossa individualidade,
sem medos, "grilos" ou vergonhas.
Quanto mais nossa individualidade se manifestar, mais poderemos servir.
Quando tudo é padrão, padronizado, não há serviço e, por conseguinte, não
há amor.
Que Deus nos ilumine, ensine e ajude. Amém.

Devoção proferida na capela do Seminário Concórdia no dia 4 de julho de 1995 pelo Rev.
Norberto £. Heine.

A amargura e a doçura do ministério


Ez 3. 1-3

Alguns acham que Ezequiel realmente comeu o pergaminho que Deus lhe
entregara. Outros já entendem ter sido esta uma experiência visionária. Uma
coisa é certa: Ezequiel compreendera que o seu ministério seria composto de
dois elementos: amargura de um lado, doçura de outro.
O que era amargo? Se olharmos para o conteúdo do rolo, pergaminho, que
o profeta foi solicitado a comer, começaremos a entender. O que estava
escrito naquele pergaminho? No versículo anterior o profeta diz: "Estendeu-o
diante de mim, e estava escrito por dentro e por fora; nele estavam escritas
lamentações, suspiros e ais".
Teria sido tarefa prazerosa para Ezequiel dizer ao seu povo coisas
agradáveis, afirmar que tudo estava bem:
que Jerusalém seria libertada do sítio babilónico;
que o exílio, que recém iniciara, estaria logo no fim;
que o reino davídico seria restaurado em todo o seu esplendor.

244 IGREJA LUTERANA - NUMERO 2-1995


Mas o que o pergaminho continha e deveria ser anunciado era a amargura
de lamentações porque a medida da iniquidade de Jerusalém quase transbor-
dava; a amargura dos suspiros porque a cidade santa estava dessacralizada
pelo idolatria como o profeta mesmo viu ao ser transportado para lá pelo
Espírito de Deus; amargura dos ais, os ais do sítio e do cativeiro que deveriam
ainda persistir por quase meio século.
Sua mensagem seria amarga. Sua experiência com seus interlocutores
também seria amarga. Deus não lhe esconde este fato, não lhe acalenta
ilusões. Em 2.4, o SENHOR lhe diz que eles serão para o profeta como sarça,
espinhos e escorpiões porque são casa rebelde. Aparentemente até atraen-
tes, inofensivos, mas quando abordados eriçam-se e traiçoeiramente ardem,
picam, ferroam.
E o que dizer de nós? Não precisamos acalentar ilusões. Há amargura no
exercício do mistério e da docência. O coração humano é ainda uma casa
rebelde contra Deus. Não é um canteiro de flores, a recender perfumes florais,
mas antes um canteiro camuflado com urtigas do engano e espinhos da
iniquidade. O coração humano é um escorpião prestes a ferir o profeta que
perturbe seu estado de estupor no pecado. A amargura do nosso ministério
está em que precisamos falar tais coisas ao coração humano. A amargura do
nosso ministério está em que precisamos ensinar nossos estudantes e
pastores a precaver-se. Precaver-se não contra pessoas mas contra este
coração humano, esta casa rebelde. Especialmente neste período de tran-
sição em que somos - alunos e professores - solicitados a deixar a segurança
dos muros que abrigam jardins bem mais cuidados pela Palavra do SENHOR
e mais bem regados pelos seus sacramentos, para sermos desafiados a
cultivar canteiros emaranhados por uma cultura confusa, pluralista e por vezes
traiçoeira e sacana.
Como se sente o profeta Ezequiel diante dessa realidade? Como nós nos
sentimos? Ezequiel era humano, um verdadeiro filho do homem como nós. A
sua tarefa era amarga para ele. Passada a visão, ele reconhece no versículo
14: "Eu fui amargurado na excitação do meu espírito, e a mão do SENHOR
se fez muito pesada sobre mim".
O SENHOR, entretanto, não sobrecarrega o filho do homem além do que
este possa suportar. A tarefa que coloca sobre o profeta, por mais amarga
que seja, ELE - o SENHOR - a torna doce. Engolido o pergaminho, Ezequiel
diz: "... e na boca me era doce como o mel". A doçura não se manifestava
exteriormente, não podia ser vista com os olhos, nem tocada com as mãos.
A doçura no final do processo era uma doçura interior, para a alma.
Quem faz a promessa não é outro senão o Deus majestoso que se acha
entronado entre os querubins, o Senhor do mundo que governa sobre reinos
e impérios - é Ele quem entrega a tarefa e quem faz a promessa fundamentada
numa das expressões mais frequentes no livro do profeta: "Assim disse o
SENHOR".

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 245


Esta promessa é também para nós, e a sua doçura também, visto que ao
modo do profeta anunciamos: "Assim disse o SENHOR". Embora amarga,
esta mensagem resultará para nós sempre como mel - uma doçura que não
perde seu sabor e que não satura. O SENHOR explica esta doçura a Ezequiel
quando lhe diz no cap. 2.5: "Fala as minhas palavras e eles saberão que
esteve no meio deles um profeta". Ou seja, Eu confirmarei as tuas palavras:
Jerusalém será destruída; o exílio seguirá o seu curso; impérios dominarão.
Estes impérios, contudo, cairão, e então haverá um novo templo, uma nova
Jerusalém e os meus eleitos sobreviverão.
Persistindo em dizer: "Assim disse o SENHOR" esta doçura também
continuará sendo nossa. Veremos homens rebeldes contra Deus sendo
persuadidos de sua rebeldia. Veremos homens sendo transformados em
homens de Deus. E saberão - e agradecerão a Deus -, que em nós, em nossos
estudantes, em nossos pastores, em nosso povo de Deus profetas estiveram
no meio deles. Com esta certeza e convicção o nosso ministério na IELB
pode até ser mais alegre, mais dinâmico e mais ousado.
O mel na Escritura não é apenas um ingrediente alimentício. É um ingredi-
ente representativo da Terra Prometida, onde mana leite e mel. O sabor do
mel em circunstâncias inesperadas transporta o profeta para a dimensão
escatológica. O sabor do mel milagrosamente transformado pelo SENHOR
antecipa ao profeta a recompensa que receberá no gozo do SENHOR pela
sua fidelidade de servo. Não é sem razão que na visão do novo templo e da
nova Jerusalém Ezequiel recebe a doçura de ver o sucesso final da sua tarefa.
Pela palavra que pregamos, pelo ensino que transmitimos - e porque
somos cooperadores de Deus - também nós certamente acrescentaremos
alguma coisa nos propósitos salvíficos de Deus até sermos agraciados com
a visão das pedras vivas que compõem o templo de Deus onde Deus habita
para sempre.

Devoção proferida pelo Prof. Acir Raymann no encontro das faculdades de teologia do
Seminário Concórdia de São Leopoldo, RS e da Escola Superior de Teologia de São Paulo,
SP, emjaraguá do Sul, SC, em 22 e 23 de agosto de I99S.

O tempo não é de jejum, mas de alegria


Mt 9.14-17

Volta e meia ouvimos falar de gente que entra em greve de fome. Há


algumas semanas ocorreu que esposas de policiais militares entraram em
greve de fome, protestando contra as más condições de trabalho e os baixos
salários de seus maridos. Há tempos atrás também foi a vez de integrantes

246 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


e simpatizantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra promoverem
uma greve de fome. Queriam chamar a atenção para a falta de iniciativa do
governo no sentido de desapropriar terras para que famílias de agricultores
pudessem ser assentadas. Frequentemente assistimos na TV, lemos nos
jornais ou ouvimos no rádio a respeito de apenados que principiam uma greve
de fome, a fim de chamar a atenção da opinião pública para a superlotação
dos presídios e as condições subumanas a que são submetidos. A História
também registra o caso de pessoas ilustres que fizeram greve de fome. Um
dos casos mais impressionantes foi o do grande líder da índia, o político e
pacifista Mahatma Gandhi, que fez greve de fome porque estava inconfor-
mado com a violenta rivalidade e as lutas de facções político-religiosas no
seio de seu próprio povo. Gandhi só voltou a se alimentar depois que os
confrontos cessaram. A greve de fome o deixou tão fraco que ele quase
sucumbiu.
Há algo de comum em todos esses casos de pessoas que assumem uma
atitude tão radical. Ao abster-se propositalmente de uma alimentação normal
e suficiente elas não só demonstram uma grande coragem e força de vontade,
sendo admiradas por isso, mas principalmente deixam clara sua inconformi-
dade com determinada situação. Fazer greve de fome é, para elas, dizer em
alta voz que as coisas não estão nada bem, que é preciso mudar. Quem faz
greve de fome está dizendo: "Eu me recuso a viver em tal situação! Não vale
a pena viver do jeito como as coisas estão! Por isso eu não me alimento mais
como deveria!"
No texto de Mt 9.14-17, os discípulos de João Batista perguntam a Jesus
porque seus discípulos não jejuam. O jejum, embora não tão radical, pode ser
considerado uma espécie de greve de fome. Na época de Jesus, quem jejuava
com frequência era admirado pelas outras pessoas e também podia estar
demonstrando insatisfação com o estado das coisas no mundo. Diante da
pergunta dos discípulos de João, Jesus dá respostas intrigantes. Ele diz:
"Vocês acham que os convidados para um casamento podem estar tristes
enquanto o noivo está com eles? Ninguém remenda uma roupa velha com
um retalho de pano novo. Ninguém põe vinho novo em odres velhos." O que
nós queremos fazer agora é: primeiro, entender o que Jesus está querendo
dizer; segundo, descobrir o que tem a ver conosco aquilo que Jesus está
dizendo.
I. O jejum é um exercício de arrependimento e humilhação diante de Deus.
O povo de Deus no Antigo Testamento praticava diferentes formas de jejum
em distintas ocasiões. O movimento religioso dos fariseus, desde antes da
época de Jesus, tinha tornado a prática do jejum um dever de todo judeu
piedoso. Fazer jejum era uma manifestação do pesar que se sentia pelo
abandono da aliança feita entre Deus e o povo. Ao jejuar, o fariseu fazia
penitência e buscava a reconciliação em lugar de seu próprio povo. Esse jejum
era extra, ia além da exigência da prática do jejum feita a todo povo no grande
Dia da Reconciliação, em dias de luto e em tempos de carestia. A duração do

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 247


jejum era variável. Em alguns casos, havia rabinos que jejuavam durante
anos. Também João Batista, pela descrição que os evangelhos fazem dele,
parece ter sido alguém que jejuava permanentemente. Mas, como era o jejum
na época de Jesus? O jejum se caracterizava pela limitação do número de
alimentos ingeridos. No caso de se jejuar por pouco tempo, havia completa
abstinência de alimentos. Muitas vezes, a prática do jejum compreendia
outros tipos de autoprivações: evitava-se a atividade sexual, não se trocava
a roupa, não se cuidava da aparência, dos cabelos, e não se tomava banho.
Além do mais, quem jejuava deveria pronunciar orações especiais. Apenas
em uma circunstância era proibido jejuar: em dias de festa.
A pergunta dos discípulos de João Batista deixa claro que, por causa do
tema "jejum", tinha se criado uma situação peculiar. Normalmente João
Batista e seus discípulos, por causa de sua pregação profética, eram com-
preendidos como precursores de Jesus. Por sua identificação, João Batista e
Jesus eram considerados inimigos dos fariseus. Aqui, no entanto, João
Batista, seus discípulos e os fariseus aparecem lado a lado, aproximam-se
uns dos outros pela prática do jejum e simultaneamente se tornam opositores
de Jesus e de seus discípulos, que não jejuavam como eles.
"Vocês acham que os convidados para um casamento podem estar tristes
enquanto o noivo está com eles? Claro que não!" Jesus usa a imagem do
casamento para dar uma resposta clara aos discípulos de João. Trata-se de
uma imagem bastante conhecida, usada para explicar a relação da comuni-
dade de fé com seu Deus e Senhor. No livro do profeta Oséias nós lemos:
"Israel, eu me casarei com você, e para sempre você será minha legítima
esposa. Eu a tratarei com amor e carinho e serei um marido fiel" (Os 2.19s).
Oséias descreve a aliança entre o Senhor e Israel como um noivado e fala
depois de Israel como uma noiva infiel, que, apesar da infidelidade, é per-
doada e trazida de volta à casa. Em Is 62.4s também temos a imagem do
casamento. Ali se lê: "Nunca mais a chamarão de 'Abandonada', e a sua terra
não será mais chamada de 'Arrasada'. Você será chamada de 'Minha querida',
e a sua terra de 'Minha esposa'. Pois o Deus Eterno está contente com você,
e a sua terra será a esposa dele. Assim como o noivo fica feliz com a noiva,
também o seu Deus se alegrará com você."
Jesus está dizendo aos discípulos de João Batista que aquele é justamente
o tempo da festa de casamento. É festa, e o noivo está ali. O tempo com o
noivo é tempo de alegria. Não é hora de jejuar, não é hora de estar pesaroso,
contrito e reservado porque o povo desrespeitou a aliança feita com o Senhor.
Justamente o contrário: é hora de festejar, de alegrar-se porque o noivo veio.
Ele está aí: "Vocês acham que os convidados para um casamento podem
estar tristes enquanto o noivo está com eles? Claro que não!" O noivo foi, tirou
a noiva do meio da prostituição e a perdoou. Ele trouxe a esposa infiel de volta
para casa e promoveu a reconciliação. É hora de festa. O tempo com o noivo
é tempo de alegria.

248 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Jesus porém diz algo mais aos discípulos de João. "Chegará o tempo em
que o noivo será tirado do meio dos meus discípulos; então, sim, vão jejuar"
(15b). Essa situação nós ainda temos bem presente em nossas mentes.
Algumas semanas atrás, na Semana Santa, nós ouvíamos os relatos da
Paixão nos evangelhos e imaginávamos os discípulos, que viam seu Mestre
ser perseguido, preso, acusado injustamente, condenado, torturado e final-
mente crucificado. Viram-no sofrer a morte mais terrível e vergonhosa, a morte
destinada aos piores bandidos. Aquela já não era mais a hora da alegria. Era
hora de jejum, de penitência. O noivo já não estava mais ali. Tinha sido
arrancado do meio deles. Assim como os justiceiros fazem todas as semanas
no Brasil: invadem uma casa, arrancam de lá de dentro quem eles querem,
levam-no para a rua e o executam ali mesmo, sob o olhar aterrorizado de pais,
irmãos, demais parentes e amigos da vítima. Na cruz se dá o fim da festa,
pois o noivo é tirado do convívio com seus discípulos.
No entanto, é igualmente na cruz que a festa reinicia. E aí os convidados
têm mais razão ainda para festejar, pois a partir da cruz se torna plena,
completa a aliança de Deus com seu povo. A partir da cruz a justiça e a vida
do noivo se tornam justiça e vida também para os convidados. Por isso, a
alegria vem redobrada, como a alegria das mulheres, que encontram o túmulo
vazio e vão correndo contar que Jesus ressuscitou.
Eis a novidade: o noivo está aí! A partir de agora, não se pode sufocar tal
novidade com coisas velhas. Um jejum que quer restaurar a ligação do ser
humano com Deus é coisa velha, não faz sentido. É preciso um novo tipo de
jejum. Um jejum que reconheça que tal restauração, que a reconciliação com
Deus já é realidade em Jesus Cristo, porque ele nos reconciliou com o Pai.
Nossa contrição, nosso pesar, nossa penitência só fazem sentido se têm bem
claro que nós não nos aproximamos um milímetro sequer de Deus e sua
vontade se fizermos o que está em nós. O novo e verdadeiro jejum reconhece
nossa nulidade e aposta tudo na obra salvífica de Jesus Cristo. E a capacidade
para realizar esse novo jejum, para o verdadeiro arrependimento não vem de
nós, mas de Deus. É pura graça de Deus, operada pelo Espírito Santo já no
nosso batismo. O verdadeiro arrependimento é dom de Deus, juntamente com
a fé que faz com que nos agarremos ao Crucificado.
Por isso o velho jejum não faz mais sentido, é roupa velha, é odre velho.
"Ninguém remenda uma roupa velha com um retalho de pano novo. Ninguém
põe vinho novo em odres velhos. Vinho novo, porém, é posto em odres novos,
e assim o vinho e os odres não se estragam" (16s).
II. O tempo com o noivo é tempo de alegria. Qual o sentido disso para nós?
Que significa para nós esperar pelo noivo, festejar na presença do noivo? Que
significa para nós ter o noivo tirado do nosso meio? Que significa vê-lo voltar
ao nosso convívio?
A nossa existência cristã se caracteriza pelos dois tipos de comportamento
presentes no diálogo de Jesus com os discípulos de João: pelo jejum e pela
alegria, pela festa com o noivo. Arrependimento e perdão são realidades

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995 249


constantes em nossas vidas. Ou, no mínimo, deveriam ser, pois a verdade é
que somos pecadores e se há justiça no que fazemos, então isso se dá única
e exclusivamente porque Deus nos faz justos. Jejum e festa, arrependimento
e perdão precisam estar na relação correta. Do contrário, chega-se a extre-
mos.
Um desses extremos é o do jejum pelo jejum em si, do penitenciar-se como
um fim em si mesmo. Isso acaba levando à autosuficiência, à confiança em
nossas próprias capacidades. Em consequência, o perdão que temos por
intermédio de Cristo fica num segundo plano, é desprezado. Nesse caso, se
é discípulo de João Batista, mas não de Jesus, o que não serve para nada.
O outro extremo é o da festa permanente, que ignora a constante tentativa
feita pelo nosso pecado de arrancar o noivo do nosso convívio. Isso é muito
comum em nossos dias: "Jesus me ama! Tudo é colorido, maravilhoso! Não
há problema algum, basta ficar sorrindo, bater palmas, dizer 'amém' e gritar
'aleluia'." Há total negação da condição de pecador. Por conseguinte,
despreza-se da mesma forma o que Cristo fez na cruz.
As palavras de Jesus deixam evidente que diante da nova realidade
proporcionada por Cristo, a nossa relação com Deus exige um novo tipo de
arrependimento, que de modo algum seja arrogante a ponto de querer
alcançar o que Deus em Cristo já alcançou por nós.
Podemos perguntar ainda: Qual o sentido disso para as pessoas que nos
rodeiam? Que significa para as outras pessoas esperar pelo noivo, festejar
na presença do noivo?
O que Jesus nos ensina aqui é muito propício, justamente para grande
parte do povo brasileiro, se levarmos em conta o tipo de religião que durante
séculos lhe foi ensinado. Desde a época em que o Brasil era colónia de
Portugal, passando pelo século passado e até chegar ao nosso, as pessoas
daqui se acostumaram a ouvir missionários nas "Santas Missões" pregando
o jejum pelo jejum, a penitência pela penitência, ameaçando com o fogo do
inferno. Ou, então, se acostumaram a ouvir missionários protestantes
exigindo a conversão como obra pessoal, missionários pentecostais enxer-
gando o diabo em tudo e em todos. Isso fez e tem feito de grande parte do
nosso povo uma gente que vive constantemente em penitência, que encara
tudo como castigo merecido de Deus. A doença, as catástrofes naturais, a
pobreza, a miséria, a moradia precária, o desemprego, a violência sofrida, a
falta de instrução, de assistência médica, a exploração pelos detentores do
poder, a vergonhosa desigualdade na distribuição da renda. Tudo isso é
encarado por muita gente como parte de sua procissão penitencial, de uma
via crucis à qual devem se resignar. Essa gente sofre calada, assume uma
postura fatalista, nega a própria cidadania, pois aprendeu que esse é o
caminho para a salvação.

250 IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995


Essa gente está sedenta, essas pessoas clamam por libertação. Elas estão
prontas para ouvir o evangelho, mas não o ouvem. Precisam urgentemente
de mãos que traduzam o amor de Deus em ações concretas, a seu favor, mas
essas mãos jamais as alcançam. Pelo contrário, cada vez mais se descarrega
sobre tais pessoas o terrível jugo da lei, da injustiça e da opressão. Nós, que
somos convidados e estamos nos alegrando com o noivo na festa de
casamento, nós temos a missão de trazer essas pessoas da marginalidade
para o salão de festas. Isso porque somente a libertação completa trazida
pelo noivo, Jesus Cristo, pode transformar completamente suas existências,
tirando-as de um jejum que leva à morte e colocando-as no caminho da vida,
vida que começa agora e não termina jamais.
O tempo com o noivo é tempo de alegria. Para os que estavam com Jesus,
para nós e para aqueles que nos rodeiam. Somente na festa e na alegria com
o noivo é que nosso jejum deixa matar de fome para encher de vida a nós e
aos que nos rodeiam .

Prédica proferida pelo Dr. Ricardo W. Rieth no culto da Comunidade Ev. Luterana São João,
Esteio/RS, em 7 de maio de 1995, e na devoção na capela do Seminário Concórdia em 11
de maio de 1995.

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IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 - 1995
RESENHA
ORRÚ, Gervásio F. Os manuscritos de Qumran e o Novo Testamento.
São Paulo, Edições Vida Nova, 1993. 87 páginas.
O livro de Gervásio F. Orrú é fruto de um trabalho de mestrado em Teologia,
escrito no Seminário Teológico Batista do Sul, no Rio de Janeiro. Divide-se
em três capítulos: 1. As descobertas de Qumran; 2. A comunidade de Qumran;
3. Os manuscritos de Qumran e o Novo Testamento.
O primeiro capítulo (p. 17-29) historia a descoberta das grutas, do mosteiro
e dos manuscritos. É um período que vai de 1947 a 1956. No segundo capítulo
(p. 30-53), o autor descreve a comunidade de Qumran, sua organização e
administração, bem como as principais doutrinas. Recebem destaque o
dualismo, o calendário e a doutrina messiânica dos qumranitas. O Mestre da
Justiça é destacado num subtítulo. O último capítulo explora as possíveis
conexões entre a Comunidade de Qumran e João Batista, Jesus, João, Paulo,
outros escritores do Novo Testamento, e a igreja primitiva.
Do ponto de vista das informações, a obra de Orrú é bastante completa e
bem documentada. Quanto às conclusões, o autor revela, por vezes, sofrer
influência do que já se denominou de "qumranite", ou seja, a tentativa de
explicar muito do Novo Testamento à luz de Qumran. Na Introdução, por
exemplo, ele afirma: "Demonstramos que há grande possibilidade de os
escritores neotestamentários terem recebido influências da Comunidade de
Qumran, no que diz respeito à linguagem ou mesmo às ideias; é possível
também que alguns escritores do Novo Testamento, bem como João Batista
e o próprio Jesus, tenham tido contato com a comunidade" (p. 15). No
entanto, para mostrar que o quadro de "qumranite" não é grave, o autor, de
forma bem mais sóbria, afirma, na Conclusão (p. 83), que "o confronto entre
os Manuscritos de Qumran e o NT mostra que há muitas semelhanças entre
ambos e que, de certa maneira, os dois tiveram uma fonte comum, o Antigo
Testamento". A isto acrescenta o parecer de H.H. Rowley de que "os
manuscritos de Qumran trazem sua contribuição para a compreensão do solo
no qual o cristianismo foi plantado". De fato, hoje se é bem menos otimista
ou eufórico quanto à probabilidade de contatos entre personagens e autores
do Novo Testamento e os qumranitas, bem como quanto à possibilidade de
influências do pensamento de Qumran sobre o Novo Testamento. As seme-
lhanças se devem à fonte comum, que é o Antigo Testamento. A maior
contribuição dos achados de Qumran reside não no âmbito do texto e da
teologia do Novo Testamento, e sim na melhor compreensão do fundo
histórico da época. Qumran mostrou, por exemplo, que o assim chamado
dualismo de João, ou seja, o contraste entre luz e trevas, ser "do alto" e ser

252 IGREJA LUTERANA-NÚMERO 2- 1995


"da terra", não precisa ter sido aprendido apenas em Éfeso, no final do
primeiro século A.D., em contato com a filosofia neoplatonica. Em solo
palestinense, a menos de 20 km de Jericó, fazia-se uso dessas categorias já
no começo do século ou até mesmo antes.
Recomendo o estudo do livro de Orrú. Tem-se muito a aprender dele,
especialmente se se tiver em mente o pensamento de W.D. Davies, que
encerra o livro: "Os manuscritos de Qumran são mais importantes do que
consideram alguns scholars e menos revolucionários do que afirmam outros".

Vilson Scholz

IGREJA LUTERANA - NÚMERO 2 -1995 253

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