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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CUIABÁ - MT
2010
Livros Grátis
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1
ORIENTADORA:
PROF. DRA. MARIA LÚCIA RODRIGUES MÜLLER
CUIABÁ - MT
2010
2
K11a
Kabeya, Renata Barros Abelha.
Alunas negras e trajetórias de escolarização: perfil da EJA. / Renata
Barros Abelha Kabeya – Cuiabá (MT): A Autora, 2010.
CDU: 376.6
3
4
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
KABEYA, Renata Barros Abelha. Black students and School Histories: The profile of
Youth and Adults Education. Cuiabá: UFMT, 2009. Thesis (Education Master) Education
Institute, Federal University of Mato Grosso.
ABSTRACT
Knowing the school history of black women, students of the Youth and Adults Education,
is the goal of this thesis. The idea to develop this research appeared because of the daily
experience in a State School in Mato Grosso. The first empirically observation was about
the great number of enrolled black students in this kind of education. This observation
considered aspects of students‘ phenotype. During the exploratory interviews, there were a
few notes that changed the focus of the research. First: the fact that they the young students
are not the majority; second: the difficulty to interview the few young enrolled; and third:
most of the enrolled students are female. Thus, it was defined that the research subjects
would be the black women and the object to be studied, would be the school history of
these women. Twenty-one black students were interviewed and all of them are young and
adults enrolled in the Youth and Adults Education of the State School Antônio Casagrande,
in Tangará da Serra – MT. Bu this qualitative research there was an attempted to answer
the following questions: Who are these students? What is the geographical origin of these
students? This, considering that Tangará da Serra is a place that accepts migrants from all
over the country. Had some involvement, in the schooling history of these students, the
skin color, the racial origin? What are the reasons that have not led them to conclude the
regular education? Accordingly, it was decided to study the life stories, which will be used
as a means of understanding the school history process experienced by the black students.
The theoretical that support the concept of life history, in this study, are based on the
thought of Maria Isaura Pereira de Queiroz and Bourdieu. Through the speech collected, it
was possible to notice that some enrolled students in this kind of education, come from
families that did not have access to education. In most cases, it is clear that not only the
social condition but also racism contributed to the failure of these students to conclude
their studies at regular age. Thinking about the school history of these adult students of
Youth and Adults Education, is looking for a way to understand them as people who had
their histories characterized for racial, gender, cultural, economic, historical and social
questions. During their lives, these women attributed meanings for their social practices
and they did not stop to dream according to their possibilities.
Key Words: School history, Youth and Adults Education, Race Relations.
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LISTA DE TABELAS
TABELA 01 – Matrícula dos Alunos por turma, segmento, fase, período e sexo no
CEJA ―Antônio Casagrande‖, Tangará da Serra – MT....................... 42
TABELA 02 – Matrícula raça/cor declarada por Modalidades de Ensino no
Brasil ................................................................................................... 49
TABELA 03 – Identificação e Auto-classificação das Alunas Negras entrevistadas
da EJA na Escola Estadual Antonio Casagrande................................ 52
TABELA 04 – Cidade e/ou Estado de Origem das Alunas e dos Pais das Alunas
entrevistadas da EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande........ 56
TABELA 05 – Nível de Escolaridade dos Pais das Entrevistadas............................... 77
LISTA DE SIGLAS
MT – Mato Grosso
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................... 12
I– CAPÍTULO
II – CAPÍTULO
escolarização.............................................................................. 41
2.2 – As Depoentes........................................................................ 47
III – CAPÍTULO
Jovens e Adultos............................................................................ 56
IV – CAPÍTULO
alunas da EJA................................................................................. 76
Perspectivas.................................................................................... 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................ 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................... 98
ANEXOS................................................................................. 106
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INTRODUÇÃO
Trata-se de uma pesquisa de mestrado, que tem por objetivo analisar as trajetórias
de vida e de estudo de alunas negras, matriculadas na Educação de Jovens e Adultos
(EJA). A idéia para desenvolver esta pesquisa surgiu através da experiência diária vivida
na Escola Estadual ―Antonio Casagrande‖ em Tangará da Serra - MT.
Sou professora da Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso desde 1998, quando
cheguei neste Estado. No ano de 2000 tornei-me professora efetiva da Rede, lecionava em
uma escola de ensino regular. Entre os anos de 2004 a 2006 fui cedida pela Secretaria de
Educação do Estado de Mato Grosso para a UNEMAT – Universidade do Estado de Mato
Grosso. Após este período, precisei retornar a Rede e fiquei à disposição da SEDUC que
deveria me enquadrar na escola onde houvesse vaga.
Minha lotação saiu para a Escola Estadual Antonio Casagrande, que oferecia a
modalidade de ensino voltada para a Educação de Jovens e Adultos. Possuía uma
experiência de 10 anos, como docente, porém nunca havia trabalhado com uma
modalidade de ensino diferenciada. Dentre os muitos sustos que tomei, nessa nova fase, o
que mais me impactou e deu origem a esta pesquisa, foi a observação empírica em relação
ao grande número de alunos negros matriculados na EJA – Educação de Jovens e Adultos.
Esta percepção sempre esteve baseada nas características do fenótipo dos alunos.
Estudos recentes destacam que o contexto e os processos vividos pelo alunado da
Educação de Jovens e Adultos, não devem ser compreendidos e analisados somente pelo
viés da desigualdade social, mas também pela desigualdade racial, pois, segundo Gomes
(2004, p. 84), ―pesquisas constatam a forte presença da população negra na EJA. Suas
histórias de vida e trajetórias escolares são atravessadas por uma série de desigualdades
e pela presença constante da violência”.
Outro fator que contribuiu para que esta dissertação de mestrado fosse pensada, foi
fato de muitos professores, durante o intervalo das aulas, se recusarem a falar sobre a
questão racial. Os mesmos demonstraram ignorar o fato da maioria dos alunos serem
14
da legislação que regulamenta esta modalidade de ensino. O primeiro capítulo traz ainda
alguns dados relevantes sobre o processo de ocupação da cidade de Tangará da Serra e
alguns dados históricos da escola escolhida para a realização da pesquisa. Neste tópico, nos
valemos das leituras de Martins (1993) , Castro (2002), Pannuti (2002), Tesoro (1996),
Oliveira (2004) e Cassiano Ricardo (1970).
No segundo capítulo, procuramos demonstrar como o caminho para se conhecer as
trajetórias de vida e de estudo das alunas negras, matriculadas na EJA, foi construído.
Além de trazer informações sobre o processo de construção do objeto da pesquisa e a
identificação das depoentes, há algumas considerações sobre a difícil tarefa de classificar
as pessoas na sociedade seguindo critérios de cor/raça. Neste capítulo, procuramos
demonstrar todas as opções metodológicas utilizadas nesta pesquisa, e o porquê dessas
opções, neste sentido, são apresentadas as contribuições de Bourdieu (2005) na analise das
trajetórias de vida, Minayo (1999), Lüdke e André (2007) e Marré (1991).
Ainda neste capítulo, para demonstrar como ocorreu a escolha das entrevistadas,
procuramos fazer uma análise sobre as relações raciais na EJA a partir de reflexões
propostas por Gomes (2004), de alguns dados fornecidos pelo IBGE e pelo Censo Escolar.
Em seguida, as depoentes são apresentadas, bem como sua identificação e classificação por
cor/raça. Foram utilizadas leituras de Petruccelli (2007), Guimarães (2003), Muller (2006),
Oliveira (1999), Osório (2003), para demonstrar o quanto o ato de classificar e se auto-
classificar é extremamente complexo, isto porque, trata-se de um ato histórico e social.
A análise dos relatos das depoentes é apresentada a partir do terceiro capítulo. Num
primeiro momento, buscamos compreender as trajetórias de migração destas alunas negras
matriculadas na EJA, buscando perceber se estes deslocamentos contribuíram para que
essas alunas interrompessem seus estudos na idade regular. Mais uma vez nos valemos das
leituras de Martins (1993, 1997), também de Thompson (2002) e Elias (2000). Depois,
buscamos compreender as relações raciais na educação e os processos discriminatórios
dentro da escola, que podem de algum modo ter contribuído para o afastamento dessas
alunas do processo de escolarização. Para isso, foram utilizadas parte da produção do
NEPRE, textos e pesquisas desenvolvidos por Muller (2006), Cavalleiro (2003),
Rosemberg (1987, 2001) e Munanga (2000).
Neste capítulo ainda, abordamos como ocorreu a construção do mito da democracia
racial no Brasil, mito este muito presente ainda hoje em toda a sociedade brasileira e que
muitas vezes explica o silenciamento e a indiferença diante das questões raciais. Também
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foi abordada neste tópico a Teoria de ―branqueamento‖ da população negra no Brasil. Para
essa discussão foram utilizadas as leituras de Heringer (2002), D‘Adesky (2001), Skidmore
(1976), Hasembalg (1995), Nogueira (1985) e Müller (1999).
No quarto capítulo, buscamos compreender os desafios e as perspectivas que
marcam as trajetórias de escolarização das alunas negras da EJA. Inicialmente foi feito um
levantamento sobre as famílias e as trajetórias de escolarização dos pais dessas alunas, na
tentativa de entender como as alunas pesquisadas explicam para si o seu percurso escolar.
Logo após, fazemos uma reflexão sobre a questão do gênero relacionada à questão racial e
educacional, uma vez que, apesar de serem muitos os motivos que levaram as alunas
entrevistadas a interromperem seus estudos na idade regular, há vários relatos de alunas
que interromperam os estudos após engravidarem e casarem-se. Aliado a esta questão,
temos presente o fato da maioria (ver Tabela 1) dos alunos matriculados na escola
pesquisada serem do sexo feminino.
Terminamos o capítulo, analisando o significado, na vida dessas mulheres, de voltar
a estudar, buscando refletir sobre o uso que elas fazem da escola, ou seja, um local para
fazer amigos, conhecer pessoas, espairecer, entre outros; e também um local onde se
aprendem novas sociabilidades o que lhes permite o convívio social. Para dar sustentação
teórica à discussão realizada neste quarto capítulo, utilizamos as leituras de Zago (2000),
Oliveira (2000), Rosemberg (2001), Carvalho (2000) e Velho (2003).
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I – CAPÍTULO
Também serão analisados neste capítulo, alguns dados que demonstram uma maior
participação da população negra 1 na Educação de Jovens e Adultos. São dados fornecidos
pela PNAD/IBGE (2003), que mostram que a população negra, tem em média, 5,7 anos de
estudo contra 7,6 da população branca (população de 15 anos ou mais). A taxa de
analfabetismo entre a população negra é de 16,8% contra 7,1% da população branca
(população de 15 anos ou mais).
Este quadro geral, da situação educacional dos negros no Brasil, representa uma das
principais dificuldades a serem enfrentadas a fim de gerar maior igualdade de
oportunidades entre brancos e negros no país.
1
Neste trabalho o vocábulo ―negro‖ será utilizado sempre que se estabelecer a união dos indicadores sociais
para a população preta e parda, conforme as categorias do IBGE.
18
marcantes: “os negros e negras estão menos presentes nas escolas, apresentam médias de
anos de estudo inferiores e taxas de analfabetismo bastante superiores” (p. 5).
Grosso2, e em textos publicados por Sérgio Haddad e a Maria Clara Di Pierro. Dessa
forma, foi possível fazer um levantamento histórico suscinto sobre o funcionamento da
EJA no Brasil ao longo do século XX.
Segundo Haddad & Di Pierro (2000), a Revolução de 1930 foi um marco na
reformulação do papel do Estado no Brasil e conseqüentemente no modo como a educação
era entendida. A Constituição Federal de 1934 estabeleceu a criação de um Plano Nacional
de Educação que indicava, pela primeira vez, a educação de adultos como dever do Estado,
incluindo em suas normas a oferta do ensino primário integral, gratuito e de freqüência
obrigatória, extensiva para adultos.
De acordo com dados fornecidos pela SEDUC-MT, a década de 40 foi marcada por
algumas iniciativas políticas e pedagógicas que ampliaram a educação de jovens e adultos:
a criação e a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP); a criação do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras
dedicadas ao ensino supletivo; o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos (CEAA), e outros.
Haddad & Di Pierro (2000) confirmam esses dados e afirmam que o Estado
Brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuições e responsabilidades em relação à
educação de adultos, após uma ―atuação fragmentária, localizada e ineficaz durante todo
o período colonial, Império e Primeira República, ganhou corpo uma política nacional,
com verbas vinculadas e atuação estratégica em todo o território nacional.‖
Pode-se perceber neste período, que a ação do Estado veio como resposta à
presença das massas populares que se urbanizavam e precisavam de alguma maneira,
qualificar sua mão de obra, segundo Haddad & Di Pierro (2000, p.111),
2
Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via
http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=154&parent=45. Arquivo capturado em 06 de abril de 2009.
20
Percebe-se que o Congresso, repercutia uma nova forma do pensar pedagógico com
adultos. Era proposta para a EJA neste momento, a organização de cursos que
correspondessem a realidade existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho
educativo "com" o homem e não "para" o homem, a criação de grupos de estudo e de ação
dentro do espírito de auto-governo, o desenvolvimento de uma mentalidade nova no
educador, que deveria passar a sentir-se participante no trabalho de soerguimento do país;
propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o
21
presentes nas diversas práticas foram cassados nos seus direitos políticos ou tolhidos no
exercício de suas funções. (Haddad & Di Pierro, 2000, p.113)
A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daqueles programas de
educação de adultos cujas ações de natureza política contrariavam os interesses impostos
pelo golpe militar. A ruptura política ocorrida com o golpe militar de 64 tentou acabar com
as práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses populares. O Estado
exercia sua função de coerção, com fins de garantir a "normalização" das relações sociais.
A década de 1970, sob a ditadura militar, marca o início das ações do Movimento
Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, que era um projeto para se acabar com o
analfabetismo em apenas dez anos. Segundo os dados fornecidos pela SEDUC – MT
(2009), após esse período, ―quando já deveria ter sido cumprida essa meta‖, o Censo
divulgado pelo IBGE registrou 25,5% de pessoas analfabetas na população de 15 anos ou
mais. O programa acima citado passou por diversas alterações em seus objetivos,
ampliando sua área de atuação para campos como a educação comunitária e a educação de
crianças.
O fato é que o MOBRAL começava a se distanciar da proposta inicial, mais voltada
aos aspectos pedagógicos, pressionado pelo endurecimento do regime militar. Passou a se
configurar como um programa que, por um lado, atendia aos objetivos de dar uma resposta
aos marginalizados do sistema escolar e, por outro, atendia aos objetivos políticos dos
governos militares:
Ao incorporar a EJA como uma modalidade de ensino, a Lei 9394/96, rompeu com
a formulação de ensino supletivo. A EJA, na etapa do ensino fundamental, sob o enfoque
da CF/88, deixa de ser obrigatória para aqueles maiores de 15 anos ou que não tiveram
acesso durante a idade própria. Sua oferta porém, é um dever do Estado, numa perspectiva
de acesso para todos aqueles que a desejarem. Por sua vez, a LDB/96 reitera a
obrigatoriedade como conseqüência do dever do Estado, sendo esta, portanto, uma diretriz
legal.
Atualmente, a EJA também é organizada de acordo com o Parecer 11/2000 e a
Resolução 01/2000 - ambos do Conselho Nacional de Educação (ver anexos), instrumentos
que apresentam o novo paradigma da EJA e sugerem: extinguir o uso da expressão
supletivo; restabelecer o limite etário para o ingresso na EJA (14 anos para o Ensino
Fundamental e l7 anos para o Ensino Médio); atribuir à EJA as funções: reparadora,
equalizadora e qualificadora; promover a formação dos docentes e contextualizar:
currículos e metodologias, obedecendo os princípios da Proporção, Equidade e Diferença;
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
Segundo Moacir Gadotti (2004), em 1997, na V Conferência Internacional de
Educação de Adultos da UNESCO, o Brasil foi instado a ratificar compromissos anteriores
e a se comprometer mais, tendo em vista que o país possuía até então, um dos dez maiores
PIBs (Produto Interno Bruto) do Planeta, mas ainda assim, apresentava um número elevado
de analfabetismo e de pessoas com baixa escolaridade.
Sendo assim, nos últimos anos, o Brasil assumiu oficialmente, uma série de
compromissos internacionais na busca de alternativas para garantir a todos, o direito à
educação.
De acordo com o relatório da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicilio (2007), nos últimos 15 anos, observaram-se avanços significativos na educação
no Brasil. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, que era de
17,2%, em 1992, passou para 9,9%, em 2007, correspondendo a 14,0 milhões de pessoas
na condição de analfabetas.
Para o IBGE, na realização da PNAD, uma pessoa considerada alfabetizada é
aquela que responde que sabe ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que
26
conhece. Em 2007, havia cerca de 14,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de
idade. Para esse grupo de pessoas, a taxa de analfabetismo foi de 10,0% em 2007, contra
10,4% em 2006. A taxa de analfabetismo assume diferenças de acordo com os grupos de
idade, região e sexo.
A queda da taxa de analfabetismo foi observada em todas as Grandes Regiões
investigadas pela PNAD. Foi na Região Nordeste, contudo, onde houve a maior redução da
taxa de analfabetismo nesse período, de 32,7% para 19,9%, correspondendo a uma queda
de 12,8 pontos percentuais. Entretanto, apesar dessa redução significativa, a Região
Nordeste registrou a maior taxa dentre todas as regiões, 19,9%. As menores taxas de
analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foram observadas na Região
Sudeste (5,7%) e na Região Sul (5,4%). Em 1992, essas duas regiões tinham taxas de
10,9% e 10,2%, respectivamente. Em 2007, na Região Norte urbana, esse indicador foi de
8,4% e na Região Centro-Oeste, 8,1%, contra 13,1% e 14,5%, nessa ordem, em 1992.
Contudo, mesmo considerando essa redução no número de pessoas analfabetas em
todo país, ainda existem alguns desafios a serem enfrentados, pois a porcentagem da
população considerada na PNAD analfabeta, ainda é muito elevada e a demanda pelo
ensino fundamental de jovens e adultos é extensa e complexa, além de comportar em seu
interior uma grande diversidade de necessidades formativas. Segundo Ribeiro (1998),
devemos considerar a necessidade de consolidar a alfabetização funcional dos indivíduos,
pois estudos atuais indicam que é preciso uma escolaridade mais prolongada para se
formar usuários da linguagem escrita capazes de fazer dela múltiplos usos, com o objetivo
de expressar a própria subjetividade, buscar informação, planejar e controlar processos e
aprender novos corpos de conhecimento.
Para Maria Clara Di Pierro (2001), é preciso considerar os requisitos formativos
cada vez mais complexos para o exercício de uma cidadania plena, as exigências
crescentes por qualificações de um mercado de trabalho excludente e seletivo e as
demandas culturais peculiares a cada subgrupo etário, de gênero, étnico-racial,
socioeconômico, religioso ou ocupacional. A questão que se coloca, então, é como
contemplar com eqüidade um direito básico da cidadania, retendo sob um parâmetro
comum de qualidade necessidades formativas tão diversas?
Ainda, de acordo com a pesquisadora, um passo prévio implica superar a concepção
de que a idade adequada para aprender é a infância e a adolescência e que a função
prioritária ou exclusiva da educação de pessoas jovens e adultas é a reposição de
27
3
Resolução nº 177/02 – CEE / MT , de 26 de junho de 2002 . Dispõe sobre a aprovação do Programa de
Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação . Resolução nº 384/04 – CEE / MT , de
23 de dezembro de 2004 . Dispõe sobre as normas para a oferta da Educação Básica no Sistema Estadual de
Ensino de Mato Grosso. Disponível em http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=142&parent=45.
Acesso em 06 de Abril de 2009.
28
4
Resolução Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica (CEB) nº 1, de 05 de julho de
2000. Disponível em http://pedagogiaemfoco.pro.br/Ires1_00.htm. Acesso em 08 de Abril de 2009.
5
Entrevista à Revista Eletrônica Circuito Mato Grosso, em 08 de Outubro de 2008.
Disponível em http://www.circuitomt.com.br/home/materia/5557. Acesso em 21 de abril de 2009.
29
6
Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via
http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=335&parent=45. Acesso em 06 de abril de 2009.
30
uma oportunidade formativa aos educandos cujas condições de vida ou trabalho dificultam
a freqüência regular ao ensino presencial, e destina-se àqueles que já tenham desenvolvido
competências e adquirido habilidades relacionadas ao auto-didatismo, requerendo portanto
menor intensidade na interação e supervisão do/a(s) educador/a(es). Especificamente para
os seguintes sujeitos da EJA: a) Sistema Prisional; b) Educação do Campo; c) Áreas
sazonais; d) Quilombolas; e) Indígenas.
A constituição de turmas obedece ao estabelecido nas normativas da SEDUC para
os CEJAs, que variam a cada ano.
É preciso ainda ressaltar, que não existe na escola pesquisada um material didático
específico para trabalhar com a educação de jovens e adultos. Os professores contam com
os livros didáticos utilizados no ensino regular que são distribuídos pelo Governo Federal.
Assim, por exemplo, na 1ª Fase do 2º segmento, são utilizados os livros da 5ª e da 6ª série
do Ensino Fundamental Regular.
Dentro dessa política voltada para a ocupação dos ―espaços vazios‖, em 1943, é
criada a colônia Agrícola Nacional de Dourados, no município de Dourados, hoje situado
no Estado de Mato Grosso do Sul. Esta colônia além de ter marcado a expansão da
atividade agrícola comercial do Estado, favoreceu grandes fluxos migratórios.
Contudo, tal colônia funcionou apenas simbolicamente, e sobre ela a propaganda
do Estado Novo operou sem cessar, apresentando-a como colônia modelo. Segundo
Tesoro, (1996):
A mercê de uma tática de divulgação enganosa, os colonos foram
atraídos por promessas de propaganda ideológica efetuadas por
meio da imprensa , que garantia estar naqueles espaços vazios a
chance do eldorado esperado por todos eles...
poderosas imagens, nas quais trabalhadores passavam a ser vistos como ―novos
bandeirantes‖. Atrás desse mito, deslocou-se um expressivo contingente populacional em
busca da grande oportunidade das suas vidas.
Estes migrantes eram trazidos pelos caminhões das empresas colonizadoras. Após
serem ‗despejados no local de destino‘ eram abandonados à própria sorte, só não morreram
de fome, graças ao socorro prestado pelo Governo do Estado, numa importante estratégia
de fixá-los para tentar a colonização e o povoamento da região. (Tesoro, 1996)
É dentro desse contexto que a ocupação de Tangará da Serra, desde o final da
década de cinqüenta, precisa ser situada, ou seja, os projetos de colonização oficial em
Mato Grosso. A colonização de Tangará, ao que parece, tinha como meta implícita o
processo de expansão, de colonização na fronteira, uma vez que, novas terras foram
incorporadas ao processo produtivo. Assim, Mato Grosso passa a ser visto como uma
fronteira em expansão e em 1959, o Sr. Joaquim Oléa e o Sr. Júlio Martinez Benevides
fundaram em Tangará da Serra, a empresa Sociedade Imobiliária Tupã para a Agricultura
Ltda. – SITA.
O objetivo era a implantação de um pólo agrícola através de um projeto de
colonização privado. O lugar, sede da futura cidade, recebeu o nome de Tangará da Serra.
A ocupação das terras, hoje tangaraenses , até então representadas como sertão inóspito, foi
realizada através da propaganda das terras, especialmente pela imprensa. É comum
encontrarmos, nos jornais e revistas especializadas em agricultura da época, anúncios
convidando pessoas a se tornarem fazendeiros em Mato Grosso e, especificamente , na
região da Barra do Bugres.
Verifica-se este convite na propaganda apresentada pela Revista Brasil - Oeste,
editada em São Paulo, revista de circulação mensal, publicada desde janeiro de 1956,
especializada na difusão de técnicas agropastoris, na divulgação da conjuntura econômica e
de conhecimentos gerais sobre a Região Centro-Oeste, particularmente de Mato Grosso.
Essa Revista tinha distribuição gratuita aos responsáveis pela produção da lavoura e da
pecuária, aos agrônomos , veterinários e técnicos agrícolas e às empresas diretamente
vinculadas à produção agropecuária.
―IMOBILIÁRIA PRESIDENTE
Registrada em Cuiabá, sob o n.º 3.403
Escritório em São Paulo: Rua São Bento, 470 – 4º andar – Sala 414
Telefone: 35-3640
Escritório em Cuiabá: Rua Comandante Costa, 464 – Mato Grosso
TERRAS EM MATO GROSSO: as melhores do Brasil, nos
melhores planos de vendas. Zona Central, completamente livre de
geadas. MATO GROSSO, dentro de pouco tempo será o Estado
mais rico do Brasil, em virtude da ótima qualidade de suas terras.
(PADRÃO: preta-massapé, vermelha, escura e mista). Nas suas
matas existem perobas, cedros, angelins, pau d‘alho, figueiras e
outras madeiras de lei . As terras em média possuem 70% de matas
e 30% de campo nativo. O campo nativo de Mato Grosso é fértil ,
tanto assim que na Zona de Campo Grande foi plantado café no
campo e o resultado foi surpreendente, dando em média 10 sacos
em coco por mil pés. As TERRAS DE MATO GROSSO são
próprias para café, cereais (arroz, feijão, milho, etc.), batata,
hortelã, borracha, etc. A ponte sobre o Rio Paraná, com 20 metros
de largura por 1.260 metros de comprimento, será uma obra
espetacular, em futuro próximo, dando tráfego em três vias.
Conforme publicação feita no ―O Estado de São Paulo‖, edição de
20 de novembro de 1952, ela ficará pronta dentro de três anos,
permitindo assim a extensão da Estrada de Ferro Araraquara , até
Cuiabá. ADQUIRA, enquanto é tempo, TERRAS EM MATO
GROSSO , a preços irrisórios, no traçado da Estrada de Ferro
Araraquara , garantindo o seu futuro e o de sua família. A
Imobiliária Presidente trabalha com terras situadas em BARRA DO
BUGRES, BARRA DO GARÇAS, CUIABÁ, ROSÁRIO OESTE,
CÁCERES, DIAMANTINO, etc... Vendas em pequenos e grandes
lotes, com todas as garantias: Encaminha também requerimentos de
TERRAS DEVOLUTAS no Estado de Mato Grosso, ao preço
oficial, acrescido de pequena comissão por esse serviço, a qual será
35
Depois, a propaganda era realizada diretamente pelos próprios colonos que aqui se
estabeleceram , através de cartas que eram enviadas a parentes e amigos , chamando-os
para a construção do ―progresso‖.
7
REVISTA Brasil-Oeste. Imobiliária Presidente. São Paulo, v. 29, 1959. Rolo 60. Microfilme. Apud:
Oliveira (2004, p.45)
8
SILVA, Ciriaco da. Desbravadores Tangaraenses: a fé na terra. N.º 0724. Álbum autorizado pelo
Decreto n.º 269 de 28/09/1998-Prefeitura Municipal de Tangará da Serra- MT, patrocinado pelo Comércio de
Tangará da Serra e comercializado nas escolas da rede pública.
36
A idéia de ocupar os ―espaços vazios‖ ganhava cada vez mais adeptos. Além das
propagandas do Estado e das Empresas Privadas, eram utilizados vários meios para vender
as terras desejadas e atrair um número cada vez maior de pessoas para essa região.
Uma das estratégias utilizadas pela SITA foi, através do arquiteto Américo
Carnevali, elaborar um projeto arquitetônico do espaço onde seria a futura cidade de
Tangará da Serra. Além de tentar organizar o espaço rural e urbano, a idéia principal do
projeto arquitetônico era vender a imagem de um lugar que não existia. De acordo com
Oliveira (2004),
9
RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste: a influência da “bandeira” na formação social e política
do Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1970 - v.2.,p. 562.
37
A nomenclatura original das avenidas destaca três eixos da Marcha para o Oeste: o
―migrante ideal‖; a construção de Brasília; e a ocupação do Centro – Oeste. O povo
migrante é representado pelas avenidas Paraná e São Paulo. O espaço a ser ocupado é
destacado pelas avenidas Cuiabá e Mato Grosso e o desenvolvimento é representado pela
Avenida Brasília. Os nomes dessas avenidas foram escolhidos por Wanderlei Martinez, um
dos donos da SITA, as outras ruas não receberam nome, pois o arquiteto preferiu numerá-
las para que os nomes fossem dados depois em homenagem aos cidadãos que trabalhassem
pela cidade.
10
Vide projeto arquitetônico em anexo.
11
OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Biografia dos homenageados com nomes de ruas de Tangará da Serra.
ITEC, Projeto de Pesquisa, 1997.
38
12
ABELHA, Renata Barros. Os Novos Bandeirantes do Século XX - Tangará da Serra : Ilusão ou
Realidade?. UNIC – Cuiabá, Monografia de Final de Curso de Especialização em História de Mato Grosso,
2003.
13
Digo empiricamente porque não encontrei dados oficiais sobre esta demanda.
14
Dados fornecidos pelo Prof. Edson Castoldi, coordenador municipal da EJA em Tangará da Serra, através
de entrevista e e-mail , recebido em 06 de maio de 2009.
39
15
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009 - Estimativas de População.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Página visitada em 08 de Julho de 2009.
16
http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH - Atlas do Desenvolvimento Humano. Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2000). Página visitada em 11 de outubro de 2008.
40
São Simão no interior do Estado de São Paulo. Além de produtor rural, Antônio
Casagrande, tornou-se delegado de polícia em 1965.
O interesse por fazer a pesquisa nesta escola começou em 2006, como foi dito na
introdução deste trabalho, quando comecei a lecionar nesta modalidade de ensino. Outro
motivo que conduziu a escolha desta escola é o fato dela ser a única, entre estaduais,
municipais e particulares, em Tangará da Serra, a atender somente alunos da EJA; e
também é um dos 18 Centros instalados no Estado de Mato Grosso, que objetiva se tornar
um ―Centro de Excelência‖ na educação de jovens e adultos, conforme já foi explicado
anteriormente.
Podemos perceber também, na Escola Estadual Antônio Casagrande, uma diferença
muito grande em relação à faixa etária entre os alunos do noturno e do diurno, de acordo
com informações da Secretaria da Escola. Enquanto no noturno são alunos mais jovens que
em geral trabalham durante o dia, no diurno são alunos mais adultos, nos dois turnos a
maioria dos alunos é do sexo feminino.
Em 1993 teve início à modalidade de ensino Supletivo semestral, oferecido pela
Escola desde a 5ª até a 8ª série do 1º grau, hoje ensino fundamental; e também o 2ª grau
propedêutico, hoje ensino médio, nos períodos matutino e vespertino. Aos poucos, foi
aumentando o número de alunos e em 1997 foi necessário abrir turmas no período noturno,
não só para melhor ocupar o espaço físico da escola, mas também para atender uma grande
demanda de alunos que trabalhavam durante o dia e desejavam retornar aos estudos.
Em 1998 a Escola passou a ser chamada de Escola Estadual de Suplência de Ensino
Fundamental e Médio ―Antonio Casagrande‖. No ano 2000, o ensino supletivo foi extinto
de acordo com o Parecer 11/2000 e a Resolução 01/2000 - ambos do Conselho Nacional de
Educação. Com base nessas decisões federais, a Escola passou a se chamar Escola
Estadual ―Antonio Casagrande‖.
Segundo dados da secretaria da escola, em 2008 foram feitas 831 matrículas na
EJA – Educação de Jovens e Adultos, sendo 258 no ensino fundamental e 573 no ensino
médio. Em 2009 foram feitas 1005 matrículas, sendo 485 no ensino fundamental e 520 no
ensino médio. Alguns professores da escola acreditam que o número de matriculas no
ensino fundamental aumentou significativamente em função da nova proposta de
organização do CEJA.
Quanto ao corpo docente, segundo dados da Secretaria da Escola, para o ano de
2009, o quadro conta com 52 professores, sendo 19 professores efetivos e 33 professores
41
II – CAPÍTULO
TABELA 01 – Matrícula dos Alunos por turma, segmento, fase, período e sexo no
CEJA “Antônio Casagrande”, Tangará da Serra – MT
TURMA FASE PERÍODO HOMENS MULHERES TOTAL
1º Segmento 1ª Fase A Vespertino 03 14 17
1º Segmento 1ª Fase B Noturno 20 17 37
1º Segmento 2ª Fase A Vespertino 04 14 18
1º Segmento 2ª Fase B Noturno 16 25 41
2º Segmento 1ª Fase A Vespertino 08 17 25
2º Segmento 1ª Fase B Vespertino 07 15 22
2º Segmento 1ª Fase C Noturno 12 20 32
2º Segmento 1ª Fase D Noturno 17 12 29
2º Segmento 2ª Fase A Vespertino 09 15 24
2º Segmento 2ª Fase B Vespertino 07 21 28
2º Segmento 2ª Fase C Noturno 16 14 30
2º Segmento 2ª Fase D Noturno 17 12 29
2º Segmento 3ª Fase A Vespertino 15 13 28
2º Segmento 3ª Fase B Vespertino 07 17 24
2º Segmento 3ª Fase C Noturno 13 19 32
2º Segmento 3ª Fase D Noturno 19 17 36
2º Segmento 3ª Fase E Noturno 21 12 33
Ensino Médio 1ª Fase A Matutino 07 22 29
Ensino Médio 1ª Fase B Matutino 06 20 26
Ensino Médio 1ª Fase C Vespertino 05 20 25
Ensino Médio 1ª Fase D Vespertino 09 28 37
Ensino Médio 1ª Fase E Noturno 19 19 38
Ensino Médio 1ª Fase F Noturno 18 23 41
Ensino Médio 1ª Fase G Noturno 09 16 25
Ensino Médio 2ª Fase A Matutino 06 19 25
Ensino Médio 2ª Fase B Matutino 03 17 20
Ensino Médio 2ª Fase C Vespertino 02 28 30
Ensino Médio 2ª Fase D Noturno 12 28 40
Ensino Médio 2ª Fase E Noturno 16 19 35
Ensino Médio 2ª Fase F Noturno 13 17 30
Ensino Médio 3ª Fase A Matutino 03 12 15
Ensino Médio 3ª Fase B Vespertino 04 25 29
44
Também optamos por seguir a recomendação de Bourdieu (2005a, p. 14) aos que
levam a ―preocupação metodológica até a obssessão‖ que tomem cuidado para não se
transformarem no doente analisado por Freud que limpa constantemente os óculos sem
nunca colocá-los. Da mesma forma, porém, em outra perspectiva metodológica, Moscovici
(2003, p. 14) defende que não se deve fetichizar ―um método específico como garantia de
via régia para se chegar ao conhecimento, a menos que isso seja só poeira atirada aos
olhos‖.
Assim, na tentativa de não restringir os caminhos a serem desvendados na
constituição das trajetórias de escolarização das alunas negras matriculadas na EJA,
procuramos refazer o percurso teórico-metodológico constantemente, para tecer
aproximações possíveis de referenciais sociológicos.
Os pressupostos que embasam o conceito de história de vida, neste estudo, estão
fundamentados no pensamento de Bourdieu (2005b, p. 75), quando este autor, ao analisar o
que denomina de ―ilusão biográfica‖, compara as perspectivas que trabalham com histórias
de vida às noções de senso comum ―que entraram de contrabando no universo do saber‖.
O autor critica a visão linear que perpassa algumas pesquisas realizadas por
etnólogos e sociólogos, inscritas ainda no horizonte positivista, baseados na idéia de que
toda vida é uma história que tem início, ―prossegue em etapas e terá um final, uma
realização, um telos‖. Nessa perspectiva, o processo narrativo busca dar um sentido,
―encontrar a razão, descobrir uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma
consistência e uma constância, de estabelecer relações inteligíveis [...] entre estados
sucessivos, constituídos como etapas de um desenvolvimento necessário‖. (Bourdieu
2005b, p. 75)
Em sentido contrário, o autor parte da premissa de que nunca se deve tentar
compreender uma vida como ―uma série única‖, pois ela se desenrola em espaços ―em
construção‖, isto é, os sujeitos são submetidos a constantes transformações, portanto, os
acontecimentos biográficos são deslocamentos em estruturas sociais, ―matriz das relações
objetivas‖ (Bourdieu, 2005b, p. 81).
Alguns sociólogos, em especial Jacques Léon Marré (1991), afirmam que a História
de Vida deve tornar-se parte essencial de um Método Biográfico, para que não seja
considerada uma simples técnica de investigação empírica. O Método Biográfico para
Marré permite reconstruir, em cada história de vida, relações básicas e complexas que
dizem respeito às categorias sociedade, grupo e indivíduo, expressas na relação oral. São
46
A forma mais antiga e mais difundida de coleta de dados orais, nas ciências sociais,
é a entrevista; considerada muitas vezes, segundo Queiroz (1991, p.6), como sua técnica
por excelência. A entrevista supõe uma conversação continuada entre informante e
pesquisador. O pesquisador dirige, pois, a entrevista; esta pode seguir um roteiro,
previamente estabelecido, ou operar aparentemente sem roteiro, porém, na verdade, se
desenrolando conforme uma sistematização de assuntos que o pesquisador tem em mente.
Considerando o exposto, mesmo nos relatos sobre histórias de vida, em que a maior
quantidade possível de dados e de informações deve ser solicitada, o pesquisador não pode
perder de vista seu problema porque corre o risco de deixar vagos e obscuros os
acontecimentos que mais de perto lhe interessam.
Foi pensando nisso, que foi utilizado um roteiro com os principais tópicos a serem
abordados. O roteiro elaborado para esta coleta de dados está em anexo. Contudo,
procuramos prestar atenção máxima às questões levantadas no decorrer da entrevista, para
Lüdke e André (2007, p. 36)
Essa postura de estar atento a tudo o que faz o entrevistado, nos possibilita uma
leitura complementar dos gestos, das pausas cheias de significado, captando outras formas
de expressão, que vão além da linguagem falada, e que se constituem em dados
importantes para o momento de análise.
2.2 – As Depoentes
17
IBGE divulga suplemento com perfil da Educação e Alfabetização de Jovens e Adultos no país.Disponível
em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1375&id_pagina=1.
Acesso em 23 de setembro de 2009.
18
Fonte: MEC/Inep. Censo Escolar 2005.
50
Como vemos na tabela acima, e nos dados apresentados pelo IBGE, os alunos
negros têm uma presença numérica marcante na EJA, porém, as pesquisas que apresentam
este grupo social como foco, ainda são escassas. Para Dayrell (2005, p. 85), o aluno negro
é um jovem e/ou adulto desconhecido nas pesquisas:
Todavia, optou-se por manter a identidade das entrevistadas em sigilo, elas serão
identificadas pelas iniciais do nome, com o objetivo de preservá-las de qualquer
constrangimento que possam vir a ter no futuro, em função dos relatos concedidos.
Trabalhar com Histórias de vida foi um dos caminhos entre tantos outros que
poderiam ter sido escolhidos, mas acreditamos que é um dos poucos meios capaz de dar
52
respostas a quem entende o individual como produto de uma construção social, não se trata
apenas de dados, mas de uma construção, para Sarmento (1994, p. 123):
Bourdieu (2007, p.694), recorda que dedicou vários anos ao inquérito sob as mais
variadas formas, da etnologia à sociologia e do questionário fechado à entrevista o mais
aberta possível, e acaba por reconhecer que só a reflexibilidade ―que é sinônimo de
método, mas uma reflexibilidade reflexa, baseada num „trabalho‟, num „olho‟ sociológico,
permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os efeitos da
estrutura social na qual ela se realiza‖. Acaba também por legitimar a importância das
histórias de vida na compreensão dos sujeitos, ao falar da metodologia utilizada nas
entrevistas e sua transcrição que deram origem ao livro: A Miséria do Mundo.
Como foi dito no início deste capítulo, a classificação racial é um assunto polêmico
e extremamente complexo, isto porque, o ato de classificar é um ato histórico e social. De
acordo com Petruccelli (2007, p.10), existe uma concepção por trás desse ato, é ato de
conhecimento e de reconhecimento, envolvendo os atores, o que faz a auto-classificação e
quem classifica.
A classificação se cristaliza em categorias, segundo Guimarães (2003, p.95), a
partir do pressuposto de que os conceitos , teóricos ou não, só podem ser aplicados ou
53
19
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher;
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das desigualdades de gênero e raça – 3ª edição -
Análise preliminar dos dados, 2008.
56
...esses dias atrás perguntaram pra mim: você é parda? Como que é
parda, branca, ou negra? Eu não acho que eu sou parda.... Por que
pardo eu não sou, por que pardo? Papel pardo? Aquele papel, coisa
mais feia. Aquela, ou é branco, ou é preto, eu me classifico preto,
negra, por que não.(IEV)
III – CAPÍTULO
TABELA 04 – Cidade e/ou Estado de Origem das Alunas e dos Pais das Alunas
entrevistadas da EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande
CIDADE/ESTADO DE CIDADE/ESTADO DE
ALUNA IDADE ORIGEM ORIGEM
DAS ALUNAS DOS PAIS DAS ALUNAS
MJL 45 Maceió – AL PAI: Estado de Pernambuco
MÃE: Estado de Pernambuco
TFS 25 Tangará da Serra – MT PAI: Estado da Bahia
MÃE: Estado de Minas Gerais
CBG 40 Cuiabá – MT PAI: Estado da Bahia
MÃE: Estado da Bahia
LBS 43 Pedra Azul – MG PAI: Estado de Minas Gerais
MÃE: Estado de Minas Gerais
EGL 28 Tangará da Serra – MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
MAC 22 Tangará da Serra – MT PAI: Estado de Minas Gerais
MÃE: Estado do Paraná
58
Podemos ver nos depoimentos coletados, que as famílias das alunas entrevistadas,
passaram por diversas cidades antes de se fixarem em Tangará da Serra.
Eu vim pra cá, ...a gente morou assim, nessa região mesmo,
moramos em Nortelândia, Arenápolis, aí eu estava em Juína, de
Juína, em 2003 eu vim pra Tangará. (NGC)
A questão colocada no roteiro para a realização das entrevistas, perguntava qual era
a procedência geográfica das depoentes, uma vez que Tangará da Serra é uma cidade que
acolhe migrantes de várias partes do país. A intenção era compreender de que modo esse
processo migratório interferiu nas trajetórias de escolarização desse grupo de alunas
entrevistadas.
Estudar o movimento de migração, tem se tornado uma atividade cada vez mais
complexa. Os fluxos migratórios são cada vez mais intensos e as motivações para migrar
vão desde dificuldades econômicas, políticas, sociais e religiosas, passando por questões
como fenômenos naturais desfavoráveis. Todos estes fatores acabam por estimular,
esporadicamente a transferência de pessoas para outras áreas, que não as de origem, na
esperança de encontrarem melhores condições de existência.
Trata-se de um movimento de mobilidade espacial, isto é, de deslocamento de
pessoas de uma região para outra, em caráter permanente ou temporário. A migração é um
fenômeno que ocorre tanto através de transferências de população dentro das mesmas
fronteiras políticas (migrações internas, ou internacionais), quanto através dessas
fronteiras.
Segundo Itamar Souza (1980, p. 30) podemos entender o processo de migração
como ―[...] um processo social resultante de mudanças estruturais de um determinado país,
que provocam o deslocamento horizontal de pessoas de todas as classes sociais que por
razões diversas, deixam o seu município de nascimento e vão fixar residência noutro‖.
Martins, em seu livro A Chegada do Estranho (1993, p. 12) assim escreve:
60
O processo de migração, para estas famílias, possibilita o contato com o outro, com
o diferente, o que pode ocasionar mudanças em seus hábitos. Entre os hábitos que mais
sofrem alterações estão os de habitação, de alimentação, de lazer e, principalmente, os de
convivência social. Isto ocorre pelas dificuldades enfrentadas para se adaptarem à nova
cidade e seus moradores, em seus relacionamentos na escola, no trabalho, na vizinhança e
em outros locais.
Os migrantes tendem a incorporar certos aspectos culturais de outros grupos após o
encontro, pois apesar de diversos costumes serem percebidos como diferentes ou
estranhos, pode ocorrer que assimilem atitudes ou que tenham idéias antes não conhecidas
ou não consideradas.
Ao analisarmos o processo migratório efetivado pelas famílias das entrevistadas,
percebemos que a motivação principal, em parte, é a mesma dos primeiros colonizadores
da região e do município, como visto no capítulo I, qual seja, a busca de uma melhor
qualidade de vida, a busca de mais oportunidades de trabalho.
Durante as entrevistas, tanto as alunas que migraram, como as que nasceram em
Tangará da Serra, ao falar dos pais, relatam que migraram em busca de melhores condições
de vida e trabalho:
(...) olha foi assim a facilidade maior, de vida financeira que eles
tiveram aqui no Mato Grosso, a gente já tinha parente aqui e fomos
convidados pra vim pra cá e resolvemos, viemos e estamos aqui até
hoje. (CFS)
(...) a cidade é boa pra morar com família, não tem aquele ‗vuco –
vuco‘, igual aquilo em Cuiabá, aí eu gostei, vim a primeira vez,
passear na casa de amigos, depois eu gostei e vim de novo pra
morar. (JGA)
Segundo Thompson (2002), a decisão de migrar é influenciada pelo que ele chama
de ―redes de relações sociais‖ ou ―redes de sociabilidade‖, caracterizadas pelas “redes de
apoio familiar” ou “família ampliada”, que ocorre quando um ou alguns membros da
família ou grupos de amigos migram e acabam influenciando os outros membros da
família ou amigos a fazerem o mesmo.
A fronteira, segundo Martins (1997), é o ponto limite de territórios que se
redefinem continuamente, disputados de diferentes modos, por diferentes grupos humanos.
Durante os depoimentos, muitas entrevistadas relatam as dificuldades que passaram
quando chegaram aqui, dificuldades na adaptação, em fazer novas amizades e um certo
estranhamento que os que aqui estavam sentiam em relação aos recém-chegados.
Próximo da minha casa tem uma mulher que ela não conversa
comigo por que eu sou de cor escura e ela é bem, ela é gaúcha né, e
pra mim, eu nunca comentei nada, mais pra mim, eu acho que a
pessoa não deveria ter esse preconceito. (LMR)
negro no Brasil trouxeram como resultado a indicação de existência de barreiras que lhe
atravessavam o percurso educacional até a universidade‖.
Nesse texto, acima citado, uma das pesquisadoras, Cássia Fabiane dos Santos Souza
(2006, p.42), escreve que os profissionais da educação são agentes reprodutores da
discriminação e do racismo no espaço escolar e cita Cavalleiro (1999, p. 51),
dificuldades enfrentadas pelos alunos negros dentro do ambiente escolar, ―tudo indica que
a criança negra enfrenta dificuldades na escola‖, prejudicando o processo de
aprendizagem, chegando ao ponto de recusar ir à escola.
Assim, acreditamos que a maioria das alunas entrevistadas, provavelmente tenha
passado por situações de discriminação racial na escola, mesmo não querendo relatar essas
situações, tanto que ao serem perguntadas se na opinião delas existe discriminação racial
no Brasil, a maioria respondeu que sim:
Não, eu não, eu nunca tive problema com isso, não sei se porque,
por causa da minha popularidade, porque eu faço amizade com
todo mundo, branco, preto, rico, pobre, não tenho isso, quer dizer,
mulher, jovem casada, tenho facilidade com qualquer pessoa.
(MJL)
Eu graças a Deus nunca aconteceu isso comigo (...), pelo menos se
alguém já me discriminou, eu não me senti discriminada, mas a
gente vê muitas histórias. (LBS)
Contudo, quando foi perguntado se elas conheciam alguém que já havia passado
por essa situação, novamente, a maioria tinha uma história para contar:
A não percepção do racismo por parte de muitos negros, de acordo com Cavalleiro
(2003, p. 33), ―está ligada à estratégia da democracia racial brasileira, que nega a
existência do problema. A ausência do debate social condiciona uma visão limitada do
preconceito por parte do grupo familiar, impedindo a criança de formar uma visão mais
crítica sobre o problema‖.
Fúlvia Rosemberg e colaboradoras (1986), realizaram um importante estudo sobre a
relação entre o rendimento escolar e raça no Estado de São Paulo. Ela conclui que as
crianças negras tendem a repetir o ano com uma freqüência maior do que as brancas. As
autoras destacam, também, que as crianças negras são excluídas mais cedo do sistema
escolar, particularmente na passagem da 3ª para a 4ª série primária do Ensino
Fundamental. É importante ressaltar que a pesquisa foi feita na década de 80.
As crianças negras, segundo Rosemberg (1986), apresentam uma trajetória escolar
mais acidentada do que as crianças brancas, vivenciando um maior número de
afastamentos e retornos para a escola, o que indica uma interação difícil entre o sistema
escolar e o alunado negro. A autora ressalta que, apesar das dificuldades, o alunado negro
esforça-se por permanecer na escola.
Outro aspecto a ser considerado, dentre os mecanismos intra-escolares de
discriminação racial, é o livro didático. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas, no
sentido de demonstrar que os alunos negros têm que conviver com imagens negativas e
estereotipadas, e em alguns casos, existem livros com conteúdo racista e preconceituoso.
Estudos realizados pelo NEPRE20, demonstram uma ausência da questão racial no
planejamento de aula dos professores e no Projeto Político Pedagógico da escola . Na
20
Coleção: Trabalhando as Diferenças em Mato Grosso. MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues (org). Relações
Raciais na Educação. Cuiabá: EdUFMT , 2006. Vol. 4, p. 32.
68
maioria das vezes, a temática racial só é lembrada em datas alusivas aos negros, como por
exemplo, o dia 13 de maio ou o dia 20 de novembro, e, mesmo assim, sempre é dada uma
abordagem folclorizada e muitas vezes constrangedora para os alunos negros, pois não
existe prazer nem orgulho em ouvir que seus ancestrais foram escravos e sofreram no
tronco, que trabalhavam sem ter nenhuma recompensa, ou outras questões como essas,
muito comuns nas escolas.
A escola é um ambiente, que segundo Cavalleiro (2003, p. 98), utiliza-se de várias
formas de discriminação que vão desde a linguagem não verbal até os comportamentos
explícitos: ―No espaço escolar há toda uma linguagem não verbal expressa por meio de
comportamentos sociais e disposições, formas de tratamentos, atitudes, gestos, tons de voz
e outras, que transmite valores marcadamente preconceituosos e discriminatórios [...]‖.
Uma das entrevistadas (FRS), diz nunca ter sido discriminada diretamente, mas
quando perguntada se existe preconceito ou discriminação na escola, ela é categórica ao
afirmar que existe, mesmo que de uma forma muito sutil:
Até o modo das pessoas te olhar, te atender, você nota que ninguém
é bobo, tem uns que nota cumprimenta a gente numa boa e já tem
uns que é mais empinado, mais orgulhoso, assim é preconceito sim.
... tem um filho meu que tem o beiço bem grande sabe, [na escola]
eles chamam ele de beiçola, chama de urubu. (FRS)
69
Com uma menina lá, colega minha, ela era bem mais escura do que
eu né... e sempre o pessoal chamava ela de pretinha, negrinha, de
macaca, um monte de coisa, sempre tem essas brincadeiras de mal
gosto, sabe que acontecia muito isso né.
Quanto aos professores, embora essa análise não seja o objeto dessa dissertação,
vale ressaltar que muitas vezes eles se calam. Em várias situações, na escola pesquisada, os
professores mostram ignorar o fato da maioria dos alunos serem negros, e se negam a
dialogar sobre preconceito e racismo, ou mesmo quando percebem os conflitos raciais,
preferem o silêncio e a indiferença a enfrentar o próprio preconceito. Esse
70
conhecidos Jim Crow21 nos Estados Unidos ou o Apartheid na África do Sul, ou seja, é
como se o critério racial jamais fosse relevante para definir as chances de qualquer pessoa
no Brasil. Em outras palavras, ainda se encontra fortemente difundido no Brasil a crença de
que vivemos numa plena democracia racial.
Essa crença fez com que a sociedade brasileira naturalizasse situações de
preconceito e discriminação racial; contribuiu e ainda contribui muitas vezes para a
invisibilidade da violência exercida sobre o indivíduo negro.
Segundo Heringer (2002), durante a década de 1930, quando o país iniciava sua
industrialização e, ao mesmo tempo, seus intelectuais debatiam em torno da definição de
uma identidade nacional, houve uma interpretação que ganhou força no meio intelectual
brasileiro, que assinalava "a idéia de que o Brasil era uma sociedade sem 'linha de cor', ou
seja, uma sociedade sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de
cor a cargos oficiais ou a posições de riqueza e prestígio‖, sintetizadas na concepção de
uma democracia racial.
A origem precisa desta expressão não está totalmente esclarecida. Como afirma
Guimarães (2002: 139) apud Heringer (2002),
21
―Jim Crow era um nome comum de escravo, e foi utilizado para intitular uma canção de Thomas Rice
(1808-60), artista do século XIX. Essa canção ridicularizava os negros, retratando-os como idiotas
engraçados, congenitamente preguiçosos, mas com uma aura de felicidade infantil. O nome foi aplicado à
legislação que contribuiu para a prática da segregação entre brancos e afro-americanos‖. CASHMORE, Ellis.
Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 284.
72
Outro fator que tem colaborado para o Mito da Democracia Racial sobreviver por
tanto tempo, é o ideal de branqueamento da população que foi construído ao longo do
século XX. Segundo Skidmore (1976, p.61), com a abolição da escravatura, foi criada no
Brasil uma política nacional de promoção da imigração européia, ―avassaladoramente
branca‖ que visava suprir a escassez de mão-de-obra; também contribui para essa tese de
branqueamento, compartilhada pela elite brasileira, uma diminuição da população
brasileira negra em relação à população branca, devido, entre outros fatores, a uma taxa de
natalidade e expectativa de vida mais baixas e, por último, devido ao fato da miscigenação
produzir uma população gradualmente mais branca.
73
22
Apud SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 62.
74
primeira ocorreu sem conflito (...) sugerem que as últimas também existiram sem conflito‖
(Hasenbalg, 1995, p. 358).
Quanto ao ideal de branqueamento, segundo Oracy Nogueira (1985, p.84), ele é
incorporado pela população e se apresenta através de uma desvalorização da estética negra
e em contrapartida uma valorização da estética branca. Além disso, esse ideal apresenta-se
como uma tentativa de ‗melhorar‘ a raça através de casamentos mistos. Sendo que ―quando
o filho do casal misto nasce branco, também se diz que o casal teve ‗sorte‘; quando nasce
escuro, a impressão é de pesar‖ .
Nos relatos sobre suas trajetórias de vida, as alunas entrevistadas vão demonstrar
essa valorização da estética do branco em detrimento da estética do negro:
(...) meus filhos, eles não saíram tão escuro né, (...) eles não são tão
morenos, eles são bem mais claros, então, já não sofre preconceito
e até porque os cabelos já vieram melhor né. (TFS)
(...) porque negro é sempre aquele que mata, rouba, estupra, que faz
tudo isso, branco já geralmente eles nunca fazem (...) (RVG)
75
Percebe-se que tanto a construção do mito da democracia racial, como esse ideal de
branqueamento encobrem o problema da discriminação racial na escola, por isso, muitas
vezes, durante a realização das entrevistas, no momento em que eram abordadas questões
sobre as relações raciais, o silêncio e o constrangimento tomavam conta das alunas. Todas
as pessoas entrevistadas demonstraram falta de interesse em dialogar sobre o assunto,
deixando claro que não se sentiam bem, muitas vezes pediam até mesmo para interromper
a gravação, como podemos verificar nesses depoimentos:
Enfim, percebemos que o mito da democracia racial, ainda hoje, tem contribuído para a
negação da existência do preconceito e da discriminação em muitas situações cotidianas, pois é
justamente a idéia de uma sociedade sem racismo que constitui um dos fatores que dificultam a
visibilidade das atitudes discriminatórias presentes na sociedade, e conseqüentemente na
escola.
77
IV – CAPÍTULO
TRAJETÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO:
OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS DAS ALUNAS DA EJA
litteris.
Cada uma das alunas pesquisadas possui uma história de vida singular, porém,
para quase todas, a questão da família diretamente relacionada ao grau de escolaridade dos
pais, representou um motivo relevante para que cada uma delas interrompesse sua vida
escolar. Apresentamos, a seguir, um quadro resumido com a escolaridade dos pais dessas
alunas:
Meus pais são analfabetos de tudo, minha mãe não sabia ler nada,
ela aprendeu a ler a Bíblia depois que ela virou crente, (...), ela
pediu pra Deus e ela, começou ler a Bíblia,(...) Deus ensinou ela
ler, (...) ela lia a Bíblia de Gênesis a Apocalipse, mais outra letra
ela não lia, só a Bíblia. (MJL)
(...) o meu pai ele lê, assim, depois que ele passou a ser evangélico,
ele aprendeu a ler na Bíblia. A minha mãe também, pela mesma
questão, ela começou a estudar uma vez, (...), mais estudou pouca
coisa, eles lêem pouca coisa, mal assinam o nome. (LBS)
Esse quadro apresentado é revelador, à medida que nos mostra que uma das grandes
dificuldades enfrentadas por essas alunas da EJA, que inclusive contribuíram para que elas
interrompessem os estudos na idade regular, foi a falta de apoio que encontravam na
família, pois não havia em casa alguém que pudesse ajudá-las nas tarefas escolares, que as
incentivasse ou mesmo valorizasse o conhecimento escolar, como elas mesmas relatam:
80
Eu lembro, por que meu pai ficava mudando muito, (...), ele
mudava demais, então nós repetia muito de ano. Todo ano ele
arrumava mudança, a transferência nossa sempre de uma escola pra
outra, uma escola pra outra, não findava o ano numa escola, então
nós fomos reprovando, aí eu parei na terceira, (...) o meu pai não
importava, meu pai já era ignorante ele falava bem assim: ‗Ah já
pegou a terceira série pra escrever carta pra macho, já tá bom de
mais (...) (FRS)
(...) meus pais não estimulavam né (...) estudei, fiz até a quarta
série, aí eu sai, por livre e espontânea vontade e tem uns dez anos
81
que eu parei e retornei agora (...) [Quando você parou qual foi a
reação de seus pais?] Não teve reação alguma, por que para eles
tanto fazia, se eu estudava ou não, não fazia a menor diferença.
(LMR)
[Quando você parou qual foi à reação dos seus pais?] Não teve
reação nenhuma, teve reação pela gravidez pelo estudo não. (EGS)
Não pretendemos culpar os pais pelo fracasso escolar dos filhos, mas
podemos perceber uma falta de valorização do estudo por essas famílias de classe baixa.
Como conseqüência, teremos uma ampliação das desigualdades educacionais, que irão
marcar a trajetória escolar dessas alunas, uma vez que, essas famílias de baixa renda, não
possuem condições de investimentos educativos e apresentam um capital cultural
extremamente reduzido. Segundo Zago (2007, p. 144),
A partir das narrativas feitas pelas alunas, podemos perceber o que afirma Oliveira
(2000, p.2), quando nos diz que o educando adulto da EJA, geralmente é migrante que
chega às cidades provenientes de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais
não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito freqüentemente
analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não sistemática pela escola e
trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na
infância e na adolescência, que busca a escola tardiamente para alfabetizar - se ou cursar
algumas séries do ensino supletivo.
82
Como podemos perceber nas narrativas apresentadas até aqui, muitos são os
motivos que levaram as alunas entrevistadas a interromperem seus estudos na idade
regular. Um dos motivos apontados pelas alunas no decorrer das entrevistas nos remetia à
questão de gênero, até porque, como já foi mencionado anteriormente, e pode ser visto na
Tabela 1, a maioria dos alunos matriculados na escola pesquisada são do sexo feminino.
De acordo com a análise de dados feita pelo IPEA23, nos últimos 12 anos, as taxas
de analfabetismo apresentaram quedas significativas para a população de 15 anos ou mais
de idade, contudo, não foram suficientes para eliminar, ou mesmo reduzir, as disparidades
entre brancos e negros. Na média geral, a diferenças entre as taxas de analfabetismo de
homens e mulheres não é significativa: em 2004, 10,8% dos homens com idade igual ou
superior a 10 anos eram analfabetos, proporção bastante semelhante à das mulheres, que
era de 10,2%. Entre a população mais jovem, com idade até 45 anos, as taxas de
analfabetismo masculinas são sempre superiores às femininas, o que é um reflexo das
melhores condições educacionais das mulheres, como já foi mencionado anteriormente.
Nessa análise de dados apresentada pelo IPEA, vemos que somente quando se trata
das mulheres com 45 anos ou mais de idade, é que esta situação se inverte. Entre elas, o
analfabetismo é superior ao dos homens, e a média de anos de estudo, inferior, o que pode
ser visto como herança de uma situação social anterior, na qual as mulheres ainda
apresentavam pouca inserção no mercado de trabalho e dedicavam-se em maior proporção
às atividades domésticas e de cuidados com o lar e a família.
De acordo com Rosemberg (2001) e Carvalho (2000), o direito à instrução é uma
conquista histórica, alcançada em meados do século XIX, pela mulher brasileira. Apesar
23
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher;
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das desigualdades de gênero e raça – 2ª edição -
Análise preliminar dos dados, 2006.
83
Segundo Castro (1998), existe uma ―alquimia das categorias sociais‖, a situação da
mulher negra destaca os efeitos perversos sobre a simbiose entre o processo de opressão
vividos através dos eixos de raça e de gênero. Destacamos, diante desse contexto, a dupla
subalternidade a que as mulheres negras são submetidas. De um lado, discriminadas por
24
Relatório Jacques Delors, 2000.
25
IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing (China) em 1995, com o tema: Luta pela
Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz.
84
serem mulheres e por outro, por serem negras, o que as fragilizam também em diferentes
aspectos no que tange o tema racial.
Podemos perceber na fala das entrevistadas o quanto a condição de ser mulher, teve
peso no momento em que interromperam seus estudos. Elas narram situações que revelam
o pensamento machista e preconceituoso por parte do pai:
(...) sabe como são esses homens antigos, mulher não precisava ter
muito estudo, aí paramos por ali, meus irmãos ele quis que
estudasse, mas as meninas não. [As mulheres..?] Tinham que saber
só cozinhar e lavar roupa, aí fiquei parada, (...), ficou esse tempo,
casei, fiquei dezenove anos sem estudar. (MAM)
(...) o meu pai era ignorante, ele falava bem assim: ‗Ah já pegou a
terceira série pra escrever carta pra macho, já está bom de mais.
(FRS)
Casei nova, casei com doze anos, fui mãe aos treze, aí não deu
certo com o pai do meu filho, casei de novo aos dezoito e aí tive
85
mais dois filhos, sou mãe de três filhos, graças a Deus e acabei
criando eles sozinha, só eu e Deus. (CBG)
Eu parei porque resolvi casar, aos dezessete anos, achava que não
precisava [estudar], o marido é bem de vida e daí eu resolvi voltar,
porque não agüentei ficar parada. (MAC)
modo, foi possível identificar um universo de mulheres que retornam à escola com idade
mais avançada e procuram a EJA como uma ―tábua de salvação‖ para os problemas
enfrentados, cujo espectro abrange múltiplas especificidades e singularidades, desde
desemprego, subalternidade, condições físicas e emocionais:
[E o que te fez voltar, o que te motivou...] Por não ter mais nada pra
fazer, porque eu acabei me desgastando muito em serviço, porque
eu trabalhava muito, não tinha tempo nem para os meus próprios
filhos, (...) Então agora eles estão todos trabalhando, e eu só em
casa, eu estava entrando em depressão, estava entediada (...) (CBG
– 40 Anos)
uma mais velha do que eu, aí eu falei: vou estudar sim, comecei a
estudar (EAB – 63 Anos)
A escola é até uma diversão pra mim (...), aqui a gente até brinca,
conversa, estuda, fala com a professora dentro da sala. (...) sai
daquela rotina que a gente fica o dia inteiro em casa, só cuidando
de tudo, então, aqui já é diferente, é gostoso. (RCM – 31 Anos)
(...) foi bom demais eu ter voltado pra escola, (...) eu parei (...) por
causa do meu filho, fiquei em casa, comecei a entrar em depressão,
comecei engordar, e comecei ficar doente, foi, quando eu resolvi
voltar pra escola, e aqui eu encontrei (...), muitos amigos, (...) por
que a escola, ta certo que é pra aprender, mais só que aqui , se faz
muita amizade, é bom de mais, por que você ficar dentro de casa,
(...) eu tava me sentindo um lixo por que não estava servindo
praticamente pra nada (...) aqui eu me sinto alguém. (...) nas férias
eu fui e falei para as minhas amigas: ‗nessas férias o trem vai pega,
por que fica dentro de casa é pra acabar‘, elas falaram: ― não, então
nós vamos ter que fazer alguma coisa‖, (...) quando terminar
mesmo, não sei que eu vou fazer, mais dentro de casa eu não fico
não. Quero continuar alguma coisa (...). (IEV – 28 Anos)
também mulheres que voltam à escola para aprender, visando, talvez, uma melhor
qualidade de vida.
Outra condição que leva essas mulheres de volta aos bancos escolares, na busca de
uma maior escolaridade, é a possibilidade de contribuírem com seus filhos nas tarefas
escolares, ou para usufruir mais facilmente do conhecimento e das atividades realizadas
pelos filhos, os quais, muitas vezes, até mesmo os estimulam a prosseguir nos estudos, e,
às vezes, até mesmo são estimuladas pelos próprios filhos.
(...) hoje meu filho já está com quatorze anos, e é o mais novo, a
outra está com vinte e dois, você vê então, a minha menina já é
formada é aonde ela me estimula demais, tipo assim, pra estudar:
―mãe estuda, não desiste não‖. (DSC)
91
(...) eu acho que, também dar uma vida boa pro meu filho né, acho
que isso que me incentivou a voltar a estudar. (JGA)
Por fim, vemos ainda nas narrativas, que a maioria das alunas entrevistadas tem
seus projetos de vida elaborados. São alunas discriminadas pela sua cor, pela condição
subalterna que marcaram suas trajetórias de vida, mas não ficam se lamentando, criam
formas de resistência e não deixam de fazer os seus projetos, de pensar no futuro, e o
fazem com os meios que possuem, utilizando-se do que Velho (2003, p. 40) chama de
―campo de possibilidades‖ na dimensão sociocultural, ―como espaço para formulação e
implementação de projetos‖.
É que o meu trabalho (...), a minha faculdade aqui não vai ter, se
até o tempo de eu terminar o terceiro ano, chegar a faculdade
minha aqui, eu faço.[Qual a faculdade que você quer fazer?]
Pedóloga. (...) eu sou manicure, já tem 11 anos (...) [E se não
chegar esse curso?] Aí eu vou ver, vou fazer outra coisa. (RCM –
31 Anos)
Meu objetivo é crescer né, o que eu não pude faze dez anos atrás,
eu pretendo faze tudo agora, tudo, tudo, tudo. Quando eu comecei
na escola, mesmo quando eu tinha seis anos, meu sonho era ser
advogada, não consegui, vamos ver se agora eu consigo né. (LMR
– 24 Anos)
93
Como vemos nessas narrativas, o projeto de chegar ao Curso Superior, não fica
cancelado, apenas seu prazo é prorrogado. A idéia do projeto elaborado não é descartada, é
apenas transferida para mais tarde, quando as condições forem mais propícias. Não se
desistiu do sonho, mas a adequação às possibilidades é feita e viabilizada nesta tentativa.
Como nos diz Velho (2003, p. 103, 104), a construção de um projeto não é
"abstratamente racional", e sim, situa-o como o "resultado de uma deliberação consciente a
partir das circunstâncias, do campo de possibilidades em que está inserido o sujeito". O
autor esclarece que ao considerar o ―campo de possibilidades‖ a pessoa deve reconhecer as
limitações e os constrangimentos de todos os tipos, e assim, elaborar o seu projeto, o que
para Velho significa "a afirmação de uma crença no indivíduo-sujeito", na afirmação de
sua identidade.
Nos depoimentos das alunas entrevistadas, fica clara a predisposição em retomar
sonhos de infância, segundo Velho (2003, p. 101)
O projeto pode ser elaborado desde a infância, mas durante a trajetória de vida,
diversos fatores acabam interferindo e fazendo com que sejam substituídos ao longo do
tempo, ou que sofram mudanças, de acordo com o novo contexto. Velho (2003, p. 104)
esclarece também, que ―o projeto é dinâmico e, é permanentemente, reelaborado,
reorganizando a memória do ator, dando novos sentidos e significados, provocando com
isso repercussões na sua identidade‖ e, que as pessoas podem elaborar para si mais de um
projeto, ―mas, em princípio, existe um principal ao qual estão subordinados os outros que
têm como referência‖. Ainda que a situação financeira do momento não seja favorável, não
perde de vista o projeto traçado, adiando-o para quando seja possível concretizar.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
26
Veja Haddad (1997) e Ribeiro (1999).
96
Não foi possível constatar, através das entrevistas, que os filhos dessas famílias
migrantes que não conseguiram fixarem-se no campo, como pequenos proprietários,
engrossaram as fileiras da EJA. No entanto é possível perceber empiricamente (não foram
encontrados dados oficiais sobre essa demanda), que existe uma grande demanda por essa
modalidade de ensino no município.
No decorrer da pesquisa, precisamos modificar algumas opções que havíamos feito
inicialmente, em função das questões que surgiram após a realização das entrevistas
exploratórias. Primeiro: o fato dos jovens não serem a maioria dos alunos matriculados na
escola; segundo: a dificuldade que eu tive enquanto pesquisadora de fazer com que os
poucos jovens me concedessem entrevista; terceiro: o fato da maioria dos alunos
matriculados serem do sexo feminino. Dessa forma optamos por entrevistar somente
mulheres negras e suas trajetórias de vida e estudo. Nossa abordagem foi essencialmente
qualitativa, baseada no estudo das histórias de vida e nas trajetórias de escolarização.
A seleção das alunas entrevistadas, obedeceu primeiro, ao critério de cor,
preferindo as de pele mais escura e com o fenótipo negro mais acentuado. Os motivos
dessa escolha já foram descritos no segundo capítulo. Foi possível perceber que o ato de
classificar as pessoas por cor/raça é extremamente complexo, isto porque é um ato
histórico e social. De acordo com Petruccelli (2007, p.10), existe uma concepção por trás
desse ato, é o ato de conhecimento e de reconhecimento, envolvendo os atores, o que faz a
auto-classificação e quem classifica.
Analisando a auto-classificação racial das entrevistadas, podemos perceber uma
preferência pelo termo ―morena‖. Segundo Petruccelli (2007), os indivíduos buscam uma
diversificação maior da cor na auto-classificação, na tentativa de driblar práticas de
discriminação racial existentes em nosso país.
Buscamos através das entrevistas, conhecer os motivos que levaram as alunas
matriculadas na EJA, a não concluírem o ensino regular. Vimos que o grupo de
entrevistadas, em sua grande maioria, há mais de quinze anos deixou de estudar por
impedimentos diversos, um deles e o primeiro analisado no terceiro capítulo, foram às
constantes mudanças de cidade. Como foi citado anteriormente, a grande maioria das
alunas entrevistadas são migrantes ou filhas de família que migraram.
Durante os depoimentos, muitas entrevistadas relatam as dificuldades que passaram
quando chegaram aqui, dificuldades na adaptação, em fazer novas amizades e um certo
estranhamento que os que aqui estavam sentiram em relação aos recém-chegados.
97
feminino, mas também pelo fato da maioria, 13 das 21 entrevistadas, terem respondido que
saíram da escola porque engravidaram e casaram.
Porém, no decorrer da pesquisa, percebemos que para compreender os motivos que
levaram essas alunas matriculadas na EJA, a interromperem seus estudos na idade regular,
várias questões precisavam ser analisadas, questões raciais, de gênero, culturais,
econômicas, históricas e sociais que entrelaçam-se e, numa relação de dependência mútua,
não nos permitindo focar apenas um de seus prismas.
Por último, ao refletirmos sobre o significado da EJA na vida dessas entrevistadas,
seus sonhos e perspectivas, podemos identificar um grupo de mulheres que retornam à
escola com idade mais avançada e procuram a EJA como uma ―tábua de salvação‖ para os
problemas enfrentados, cujo espectro abrange múltiplas especificidades e singularidades,
desde desemprego, subalternidade, condições físicas e emocionais. Nos relatos fica claro o
uso da escola como um local para fazer amigos, conhecer pessoas, espairecer, entre outras
atividades e também para aprender novas sociabilidades que permitam a elas o convívio
social.
Pensar sobre as trajetórias de vida e escolarização das alunas adultas da EJA é
buscar compreendê-las como pessoas que tiveram suas histórias marcadas por questões
raciais, de gênero, culturais, econômicas, históricas e sociais. Mulheres que no decorrer de
suas vidas foram atribuindo sentidos e significados às suas práticas sociais e que não
deixaram de sonhar dentro do campo das suas possibilidades.
99
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TESORO, Luci Lea Lopes M.. Rondonópolis- MT: um entroncamento de mão única.
Cuiabá: EdUFMT, 1993.
MT, patrocinado pelo Comércio de Tangará da Serra e comercializado nas escolas da rede
pública.
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ANEXOS
108
1 – Gostaria que você me contasse um pouco da sua história de vida. Você nasceu em
Tangará da Serra? Caso contrário, de que lugar você veio?
2 – O que motivou sua vinda ou de seus pais pra cidade de Tangará da Serra?
3 – Quais foram os motivos que te levaram a interromper os estudos na idade regular?
4 – Há quanto tempo você voltou a estudar?
5 – O que motivou você a voltar estudar?
6 – Você pretende dar continuidade aos seus estudos? Fazer Vestibular? Caso a resposta
seja positiva, qual curso você pretende fazer?
7 – Em sua opinião, existe preconceito racial no Brasil?
8 – Você já viveu situações, em que tenha sido vítima de racismo? Ou conhece pessoas que
tenham sido vítimas de racismo?
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