Вы находитесь на странице: 1из 113

UFMT – UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RENATA BARROS ABELHA KABEYA

ALUNAS NEGRAS E TRAJETÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO:


PERFIL DA EJA

CUIABÁ - MT
2010
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1

RENATA BARROS ABELHA KABEYA

ALUNAS NEGRAS E TRAJETÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO:


PERFIL DA EJA

Dissertação de Mestrado, apresentada


ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso, para obtenção do Título
de Mestre em Educação, na Área de
Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa:
Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular.

ORIENTADORA:
PROF. DRA. MARIA LÚCIA RODRIGUES MÜLLER

CUIABÁ - MT
2010
2

K11a
Kabeya, Renata Barros Abelha.
Alunas negras e trajetórias de escolarização: perfil da EJA. / Renata
Barros Abelha Kabeya – Cuiabá (MT): A Autora, 2010.

108 p.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de


Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Orientador: Profª. Drª. Maria Lúcia Rodrigues Müller.
Inclui bibliografia.

1. Trajetórias de escolarização. 2. EJA. 3. Relações Raciais. I.


Título.

CDU: 376.6
3
4

DEDICATÓRIA

A DEUS! Aquele que É,


Princípio e Fim de todas as coisas,
de onde emana todo Bem e toda Luz,
Logos gerativo de tudo que existe.

Ao Meu Filho: João Lucas.


Minha preciosidade, razão maior do meu viver.

Ao Meu Esposo: Kelvin.


Companheiro amado, grande incentivador!
5

AGRADECIMENTOS

Sou grata, eternamente grata! Agradeço a todos que, direta ou indiretamente,


fizeram parte desta caminhada.
Alguns agradecimentos devem ser generalizados, uma vez que corro o risco de
esquecer alguém; outros, prefiro nomear, porque foram únicos na construção deste trabalho
de pesquisa.
Primeiramente agradeço a Deus, pela vida, pela inspiração, pela força que me
conduz e me orienta e por permitir que eu vivesse este momento.
À toda minha família! Minha mãe pelas orações, meu filho, irmãos e sobrinhos, que
são a base de tudo na minha vida, especialmente meu esposo Kelvin, pelo afeto
incondicional, por ter sido muitas vezes pai e mãe do nosso filho, pelo apoio moral,
emocional e até financeiro, essenciais, pois só assim foi possível a realização deste curso.
Agradeço sobretudo à minha Orientadora, Profª. Dra. Maria Lúcia Rodrigues
Muller, pela confiança, pelas contribuições acadêmicas, pela orientação precisa e amiga,
pelos ensinamentos, diálogo franco, aberto e acolhedor, conhecimento, sabedoria e muitas
provocações que foram fundamentais na elaboração desta pesquisa. Ainda, pelo estímulo e
cobranças que se fizeram necessárias, contribuindo, assim, para o meu crescimento
intelectual e humano. Por todos os momentos de convívio, pelo carinho e pela dedicação
— por tudo!
Às Professoras Dra. Léa Pinheiro Paixão e Dra. Kátia Morosov Alonso, que tão
prontamente aceitaram o convite de participação na Banca Examinadora e ofereceram
valiosas contribuições para o aperfeiçoamento desta pesquisa, apontando caminhos para a
finalização deste estudo.
Aos Professores do PPGE, Dr. Edson Caetano, Dr. Luiz Augusto Passos, Dra.
Márcia dos Santos Ferreira, Dra. Maria da Anunciação P. Barros Neta, Dra. Marta Maria P.
Darsie, Dr. Silas Borges Monteiro, pelo (com) partilhar de seus conhecimentos e pelas
contribuições no decorrer das disciplinas ministradas.
6

Aos funcionários da Secretaria do PPGE, Luísa Maria T. S. Santos, Mariana Serra


Gonçalves e Jeison Gomes dos Santos que sempre nos atenderam e orientaram com
simpatia, presteza e paciência.
Aos colegas e amigos do Mestrado, toda a equipe do NEPRE, especialmente a
Yandra, a Graça e a Márcia, pelas trocas constantes de alegrias e tristezas, pelo
crescimento mútuo que tornaram possível, por sempre terem uma palavra acolhedora e de
incentivo.
Aos demais interlocutores, pelos diversos diálogos, sobretudo a amiga Cida Lima.
Foram muitas horas na estrada entre Tangará da Serra e Cuiabá, horas de reflexão e troca
de idéias sobre nossas pesquisas.
Às minhas alunas da EJA, por terem tornado possível uma aproximação maior de
suas histórias de vida e escolarização, dispondo-se a serem protagonistas desta
investigação e a sempre com ela colaborar.
À SEDUC – Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso que me concedeu
licença remunerada para qualificação.
À UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso / Campus de Barra do
Bugres, por ter conciliado meus horários de aula, possibilitando que eu realizasse meus
estudos.
E, para encerrar, a todos os que acompanharam esta maratona e acreditaram que eu
conseguiria.
7

KABEYA, Renata Barros Abelha. Alunas Negras e Trajetórias de Escolarização: perfil da


EJA. Cuiabá: UFMT, 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) Instituto de Educação,
Universidade Federal de Mato Grosso.

RESUMO

Conhecer as trajetórias de escolarização de mulheres negras, alunas da Educação de Jovens


e Adultos, é o objetivo dessa pesquisa de mestrado. A idéia para desenvolver essa pesquisa
surgiu através da experiência diária vivida em uma Escola Estadual no interior de Mato
Grosso. A primeira observação feita empiricamente, foi em relação ao grande número de
alunos negros matriculados nessa modalidade de ensino, a observação foi feita
considerando os aspectos do fenótipo dos alunos. Nas entrevistas exploratórias, surgiram
algumas questões que modificaram o recorte da pesquisa: primeiro, o fato dos jovens não
serem a maioria dos alunos da escola; segundo: a dificuldade de entrevistar os poucos
jovens matriculados; terceiro: a maioria dos alunos matriculados serem do sexo feminino.
Assim, definiu-se que os sujeitos da pesquisa seriam as mulheres negras e o objeto a ser
estudado são suas trajetórias de escolarização. Foram entrevistadas 21 (vinte e uma) alunas
negras, jovens e adultas, matriculadas na EJA da Escola Estadual Antonio Casagrande em
Tangará da Serra – MT. Por meio da pesquisa qualitativa, procurou-se responder as
seguintes questões: quem são essas alunas? Qual sua procedência geográfica? Uma vez que
Tangará da Serra é um espaço que acolhe migrantes de várias partes do país. A cor de sua
pele, sua origem racial, teve alguma implicação na sua trajetória escolar? Quais os
motivos que as levaram a não concluir o ensino regular? Optou-se por fazer um estudo das
histórias de vida, através da pesquisa qualitativa. As histórias de vida serão utilizadas como
meio de entendimento do processo de escolarização vivido pelas alunas negras. Os
pressupostos que embasam o conceito de História de vida, neste estudo, estão
fundamentados no pensamento de Maria Isaura Pereira de Queiroz e Bourdieu. Através dos
depoimentos coletados, foi possível perceber que as alunas matriculadas nesta modalidade
de ensino, vêem de famílias que também não tiveram acesso à educação, e na maioria dos
relatos, fica claro que não só as condições sociais, mas também a discriminação racial
contribuíram para que essas alunas não concluíssem seus estudos em idade regular. Pensar
sobre as trajetórias de escolarização das alunas adultas da EJA é buscar compreendê-las
como pessoas que tiveram suas histórias marcadas por questões raciais, de gênero,
culturais, econômicas, históricas e sociais. Mulheres que no decorrer de suas vidas foram
atribuindo sentidos e significados as suas praticas sociais e que não deixaram de sonhar
dentro do campo das suas possibilidades.

Palavras-Chave: Trajetórias de Escolarização, EJA, Relações Raciais;


8

KABEYA, Renata Barros Abelha. Black students and School Histories: The profile of
Youth and Adults Education. Cuiabá: UFMT, 2009. Thesis (Education Master) Education
Institute, Federal University of Mato Grosso.

ABSTRACT

Knowing the school history of black women, students of the Youth and Adults Education,
is the goal of this thesis. The idea to develop this research appeared because of the daily
experience in a State School in Mato Grosso. The first empirically observation was about
the great number of enrolled black students in this kind of education. This observation
considered aspects of students‘ phenotype. During the exploratory interviews, there were a
few notes that changed the focus of the research. First: the fact that they the young students
are not the majority; second: the difficulty to interview the few young enrolled; and third:
most of the enrolled students are female. Thus, it was defined that the research subjects
would be the black women and the object to be studied, would be the school history of
these women. Twenty-one black students were interviewed and all of them are young and
adults enrolled in the Youth and Adults Education of the State School Antônio Casagrande,
in Tangará da Serra – MT. Bu this qualitative research there was an attempted to answer
the following questions: Who are these students? What is the geographical origin of these
students? This, considering that Tangará da Serra is a place that accepts migrants from all
over the country. Had some involvement, in the schooling history of these students, the
skin color, the racial origin? What are the reasons that have not led them to conclude the
regular education? Accordingly, it was decided to study the life stories, which will be used
as a means of understanding the school history process experienced by the black students.
The theoretical that support the concept of life history, in this study, are based on the
thought of Maria Isaura Pereira de Queiroz and Bourdieu. Through the speech collected, it
was possible to notice that some enrolled students in this kind of education, come from
families that did not have access to education. In most cases, it is clear that not only the
social condition but also racism contributed to the failure of these students to conclude
their studies at regular age. Thinking about the school history of these adult students of
Youth and Adults Education, is looking for a way to understand them as people who had
their histories characterized for racial, gender, cultural, economic, historical and social
questions. During their lives, these women attributed meanings for their social practices
and they did not stop to dream according to their possibilities.

Key Words: School history, Youth and Adults Education, Race Relations.
9

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 – Matrícula dos Alunos por turma, segmento, fase, período e sexo no
CEJA ―Antônio Casagrande‖, Tangará da Serra – MT....................... 42
TABELA 02 – Matrícula raça/cor declarada por Modalidades de Ensino no
Brasil ................................................................................................... 49
TABELA 03 – Identificação e Auto-classificação das Alunas Negras entrevistadas
da EJA na Escola Estadual Antonio Casagrande................................ 52
TABELA 04 – Cidade e/ou Estado de Origem das Alunas e dos Pais das Alunas
entrevistadas da EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande........ 56
TABELA 05 – Nível de Escolaridade dos Pais das Entrevistadas............................... 77

TABELA 06 – Estado Civil e Profissão das Alunas Negras entrevistadas da EJA –


na Escola Estadual Antonio Casagrande.............................................. 89
10

LISTA DE SIGLAS

EJA – Educação de Jovens e Adultos

CEJA – Centro de Educação de Jovens e Adultos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio

SEDUC – Secretaria Estadual de Educação e Cultura

MT – Mato Grosso

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

FNEP – Fundo Nacional de Ensino Primário

CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

CNEA – Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

ONU – Organização das Nações Unidas

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

NEPRE – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação

SITA – Sociedade Imobiliária Tupã para a Agricultura


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................... 12

I– CAPÍTULO

Contextualizando a Educação de Jovens e Adultos ....................... 16

1.1 – Breve histórico da EJA no Brasil ........................................ 17

1.2 – Conhecendo o funcionamento da EJA em Mato Grosso...... 26

1.3 – A Educação de Jovens e Adultos em Tangará da Serra........ 29

1.4 – A Escola Pesquisada............................................................. 38

II – CAPÍTULO

O caminho traçado para se conhecer as trajetórias de

escolarização.............................................................................. 41

2.1 – Opções Metodológicas no estudo das trajetórias ................. 41

2.2 – As Depoentes........................................................................ 47

2.3 – A Auto-Classificação das Depoentes.................................... 51

III – CAPÍTULO

Relações Raciais e Processos Discriminatórios na Educação de

Jovens e Adultos............................................................................ 56

3.1 – Trajetórias de Migração das Alunas Negras......................... 56


12

3.2 – Relações Raciais e Escola..................................................... 63

3.3 – O ―Mito‖ que ainda precisa ser desmistificado..................... 69

IV – CAPÍTULO

Trajetórias de escolarização: os desafios e as perspectivas das

alunas da EJA................................................................................. 76

4.1 – As famílias e as trajetórias de escolarização......................... 76

4.2 – Questão de Gênero e educação............................................. 81

4.3 – O Significado da EJA na vida dessas mulheres: Sonhos e

Perspectivas.................................................................................... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................ 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................... 98

ANEXOS................................................................................. 106
13

INTRODUÇÃO

Trata-se de uma pesquisa de mestrado, que tem por objetivo analisar as trajetórias
de vida e de estudo de alunas negras, matriculadas na Educação de Jovens e Adultos
(EJA). A idéia para desenvolver esta pesquisa surgiu através da experiência diária vivida
na Escola Estadual ―Antonio Casagrande‖ em Tangará da Serra - MT.
Sou professora da Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso desde 1998, quando
cheguei neste Estado. No ano de 2000 tornei-me professora efetiva da Rede, lecionava em
uma escola de ensino regular. Entre os anos de 2004 a 2006 fui cedida pela Secretaria de
Educação do Estado de Mato Grosso para a UNEMAT – Universidade do Estado de Mato
Grosso. Após este período, precisei retornar a Rede e fiquei à disposição da SEDUC que
deveria me enquadrar na escola onde houvesse vaga.
Minha lotação saiu para a Escola Estadual Antonio Casagrande, que oferecia a
modalidade de ensino voltada para a Educação de Jovens e Adultos. Possuía uma
experiência de 10 anos, como docente, porém nunca havia trabalhado com uma
modalidade de ensino diferenciada. Dentre os muitos sustos que tomei, nessa nova fase, o
que mais me impactou e deu origem a esta pesquisa, foi a observação empírica em relação
ao grande número de alunos negros matriculados na EJA – Educação de Jovens e Adultos.
Esta percepção sempre esteve baseada nas características do fenótipo dos alunos.
Estudos recentes destacam que o contexto e os processos vividos pelo alunado da
Educação de Jovens e Adultos, não devem ser compreendidos e analisados somente pelo
viés da desigualdade social, mas também pela desigualdade racial, pois, segundo Gomes
(2004, p. 84), ―pesquisas constatam a forte presença da população negra na EJA. Suas
histórias de vida e trajetórias escolares são atravessadas por uma série de desigualdades
e pela presença constante da violência”.
Outro fator que contribuiu para que esta dissertação de mestrado fosse pensada, foi
fato de muitos professores, durante o intervalo das aulas, se recusarem a falar sobre a
questão racial. Os mesmos demonstraram ignorar o fato da maioria dos alunos serem
14

negros, e desse modo, se negavam a dialogar sobre preconceito e racismo. Ou ainda,


quando relatavam que mesmo percebendo os conflitos étnico-raciais preferiam o silêncio e
a indiferença do que enfrentar o próprio preconceito. Este desconhecimento é
acompanhado de um medo ao diferente, muito presente no Brasil e reforçado pelo mito da
democracia racial.
As desigualdades raciais que acontecem historicamente na sociedade brasileira
foram, aos poucos, sendo naturalizadas. Segundo Gomes (2004, p. 85), esse processo
contribui para a produção de uma reação perversa entre nós: ao serem pensadas como
processos naturais, essas desigualdades tornam-se imperceptíveis.
Foram coletados os depoimentos de 21 (vinte e uma) alunas negras, jovens e
adultas, matriculadas na EJA – Educação de Jovens e Adultos da Escola Estadual ―Antonio
Casagrande‖ na cidade de Tangará da Serra – MT, com o objetivo de compreender suas
histórias de vida. Por meio da pesquisa qualitativa, procurou-se responder as seguintes
questões: quem são estas alunas? Qual sua procedência geográfica? Uma vez que Tangará
da Serra é um espaço que acolhe migrantes de várias partes do país. A cor da pele, a
origem racial, teve alguma implicação na trajetória escolar destas alunas? Quais os
motivos que as levaram a não concluir o ensino regular?
Neste sentido, optou-se pela pesquisa qualitativa, por ser um instrumento que
permite captar a subjetividade do entrevistado. Para fazer um estudo das trajetórias de
escolarização, as histórias de vida serão utilizadas como estratégias de entendimento da
realidade vivida pelas alunas negras.
No primeiro capítulo deste trabalho de pesquisa, buscou-se analisar a organização
da EJA – Educação de Jovens e Adultos, no Brasil ao longo do século XX, uma vez que,
para compreender esta modalidade de ensino na atualidade, é preciso antes, conhecer um
pouco da sua história. Este breve histórico da EJA, enquanto modalidade de ensino foi
feito com base em informações fornecidas pela SEDUC – Secretaria de Estado de
Educação e Cultura de Mato Grosso (2009), e textos publicados por Sérgio Haddad e a
Maria Clara Di Pierro (2000). Para compreender a relação da EJA com a questão racial,
foram utilizados alguns dados da PNAD/IBGE e algumas análises feitas pelo IPEA, dados
que demonstram as desigualdades raciais na educação e a presença de um grande número
de alunos negros matriculados na EJA.
Ainda neste capítulo, foi feita uma rápida ilustração de como funciona a EJA em
Mato Grosso e conseqüentemente em Tangará da Serra, e foi realizado um levantamento
15

da legislação que regulamenta esta modalidade de ensino. O primeiro capítulo traz ainda
alguns dados relevantes sobre o processo de ocupação da cidade de Tangará da Serra e
alguns dados históricos da escola escolhida para a realização da pesquisa. Neste tópico, nos
valemos das leituras de Martins (1993) , Castro (2002), Pannuti (2002), Tesoro (1996),
Oliveira (2004) e Cassiano Ricardo (1970).
No segundo capítulo, procuramos demonstrar como o caminho para se conhecer as
trajetórias de vida e de estudo das alunas negras, matriculadas na EJA, foi construído.
Além de trazer informações sobre o processo de construção do objeto da pesquisa e a
identificação das depoentes, há algumas considerações sobre a difícil tarefa de classificar
as pessoas na sociedade seguindo critérios de cor/raça. Neste capítulo, procuramos
demonstrar todas as opções metodológicas utilizadas nesta pesquisa, e o porquê dessas
opções, neste sentido, são apresentadas as contribuições de Bourdieu (2005) na analise das
trajetórias de vida, Minayo (1999), Lüdke e André (2007) e Marré (1991).
Ainda neste capítulo, para demonstrar como ocorreu a escolha das entrevistadas,
procuramos fazer uma análise sobre as relações raciais na EJA a partir de reflexões
propostas por Gomes (2004), de alguns dados fornecidos pelo IBGE e pelo Censo Escolar.
Em seguida, as depoentes são apresentadas, bem como sua identificação e classificação por
cor/raça. Foram utilizadas leituras de Petruccelli (2007), Guimarães (2003), Muller (2006),
Oliveira (1999), Osório (2003), para demonstrar o quanto o ato de classificar e se auto-
classificar é extremamente complexo, isto porque, trata-se de um ato histórico e social.
A análise dos relatos das depoentes é apresentada a partir do terceiro capítulo. Num
primeiro momento, buscamos compreender as trajetórias de migração destas alunas negras
matriculadas na EJA, buscando perceber se estes deslocamentos contribuíram para que
essas alunas interrompessem seus estudos na idade regular. Mais uma vez nos valemos das
leituras de Martins (1993, 1997), também de Thompson (2002) e Elias (2000). Depois,
buscamos compreender as relações raciais na educação e os processos discriminatórios
dentro da escola, que podem de algum modo ter contribuído para o afastamento dessas
alunas do processo de escolarização. Para isso, foram utilizadas parte da produção do
NEPRE, textos e pesquisas desenvolvidos por Muller (2006), Cavalleiro (2003),
Rosemberg (1987, 2001) e Munanga (2000).
Neste capítulo ainda, abordamos como ocorreu a construção do mito da democracia
racial no Brasil, mito este muito presente ainda hoje em toda a sociedade brasileira e que
muitas vezes explica o silenciamento e a indiferença diante das questões raciais. Também
16

foi abordada neste tópico a Teoria de ―branqueamento‖ da população negra no Brasil. Para
essa discussão foram utilizadas as leituras de Heringer (2002), D‘Adesky (2001), Skidmore
(1976), Hasembalg (1995), Nogueira (1985) e Müller (1999).
No quarto capítulo, buscamos compreender os desafios e as perspectivas que
marcam as trajetórias de escolarização das alunas negras da EJA. Inicialmente foi feito um
levantamento sobre as famílias e as trajetórias de escolarização dos pais dessas alunas, na
tentativa de entender como as alunas pesquisadas explicam para si o seu percurso escolar.
Logo após, fazemos uma reflexão sobre a questão do gênero relacionada à questão racial e
educacional, uma vez que, apesar de serem muitos os motivos que levaram as alunas
entrevistadas a interromperem seus estudos na idade regular, há vários relatos de alunas
que interromperam os estudos após engravidarem e casarem-se. Aliado a esta questão,
temos presente o fato da maioria (ver Tabela 1) dos alunos matriculados na escola
pesquisada serem do sexo feminino.
Terminamos o capítulo, analisando o significado, na vida dessas mulheres, de voltar
a estudar, buscando refletir sobre o uso que elas fazem da escola, ou seja, um local para
fazer amigos, conhecer pessoas, espairecer, entre outros; e também um local onde se
aprendem novas sociabilidades o que lhes permite o convívio social. Para dar sustentação
teórica à discussão realizada neste quarto capítulo, utilizamos as leituras de Zago (2000),
Oliveira (2000), Rosemberg (2001), Carvalho (2000) e Velho (2003).
17

I – CAPÍTULO

CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Como já foi dito na introdução deste trabalho, o objetivo desta pesquisa é


compreender as trajetórias de escolarização de alunas negras, matriculadas na Educação de
Jovens e Adultos – EJA. Logo, consideramos necessário contextualizar essa modalidade de
ensino. A idéia é traçar um breve histórico sobre o funcionamento da EJA, desde a década
de 30, quando foram adotadas as primeiras políticas oficiais voltadas para essa modalidade
de ensino, até os dias de hoje.

Também serão analisados neste capítulo, alguns dados que demonstram uma maior
participação da população negra 1 na Educação de Jovens e Adultos. São dados fornecidos
pela PNAD/IBGE (2003), que mostram que a população negra, tem em média, 5,7 anos de
estudo contra 7,6 da população branca (população de 15 anos ou mais). A taxa de
analfabetismo entre a população negra é de 16,8% contra 7,1% da população branca
(população de 15 anos ou mais).

Este quadro geral, da situação educacional dos negros no Brasil, representa uma das
principais dificuldades a serem enfrentadas a fim de gerar maior igualdade de
oportunidades entre brancos e negros no país.

O documento apresentado pelo IPEA, em 2008, apresenta uma análise preliminar


de dados da 3ª edição do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, que analisou dados
das Pnads - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1993 a 2007. Esse
documento, divulgado em setembro de 2008, mostra que as diferenças raciais, são muito

1
Neste trabalho o vocábulo ―negro‖ será utilizado sempre que se estabelecer a união dos indicadores sociais
para a população preta e parda, conforme as categorias do IBGE.
18

marcantes: “os negros e negras estão menos presentes nas escolas, apresentam médias de
anos de estudo inferiores e taxas de analfabetismo bastante superiores” (p. 5).

Ainda de acordo com o estudo feito pelo IPEA, as desigualdades se ampliam


quanto maior o nível de ensino. No ensino fundamental, a taxa de escolarização líquida –
que mede a proporção da população matriculada no nível de ensino adequado à sua idade –
para a população branca era de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Já no ensino
médio, essas taxas eram respectivamente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio
ainda é bastante restrito em nosso país e significativamente mais limitado para a população
negra, que, por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais cedo pressionada a
abandonar os estudos e ingressar no mercado de trabalho.

O acesso à educação é geralmente apresentado pelos estudiosos, como um dos


principais fatores associados ao alcance de melhores oportunidades no mercado de trabalho
e, conseqüentemente, um melhor rendimento. Embora este não seja o objeto de estudo
desta pesquisa, é importante ressaltar que para um grande contingente da população, o
aumento da escolaridade é visto como o principal caminho de mobilidade social
ascendente dos indivíduos.
É esse o quadro que queremos abordar neste capítulo, ou seja, traçar um breve
histórico da EJA, enquanto modalidade de ensino; e analisar as relações dessa modalidade
de ensino com as desigualdades raciais na educação.

1.1 – Breve histórico da EJA no Brasil

A educação de jovens e adultos é uma modalidade de ensino, amparada por lei e


voltada para pessoas que não tiveram acesso, por algum motivo, ao ensino regular na idade
apropriada.
Durante a realização da pesquisa, ao procurarmos a SEDUC - MT para obter mais
informações sobre o funcionamento da EJA em Mato Grosso, a orientação foi para
acessarmos o site da secretaria, uma vez que ‗lá encontraríamos todas as informações
necessárias‘. Assim sendo, muitas informações apresentadas neste capítulo, foram
coletadas no site da SEDUC – Secretaria de Estado de Educação e Cultura de Mato
19

Grosso2, e em textos publicados por Sérgio Haddad e a Maria Clara Di Pierro. Dessa
forma, foi possível fazer um levantamento histórico suscinto sobre o funcionamento da
EJA no Brasil ao longo do século XX.
Segundo Haddad & Di Pierro (2000), a Revolução de 1930 foi um marco na
reformulação do papel do Estado no Brasil e conseqüentemente no modo como a educação
era entendida. A Constituição Federal de 1934 estabeleceu a criação de um Plano Nacional
de Educação que indicava, pela primeira vez, a educação de adultos como dever do Estado,
incluindo em suas normas a oferta do ensino primário integral, gratuito e de freqüência
obrigatória, extensiva para adultos.
De acordo com dados fornecidos pela SEDUC-MT, a década de 40 foi marcada por
algumas iniciativas políticas e pedagógicas que ampliaram a educação de jovens e adultos:
a criação e a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP); a criação do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras
dedicadas ao ensino supletivo; o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos (CEAA), e outros.
Haddad & Di Pierro (2000) confirmam esses dados e afirmam que o Estado
Brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuições e responsabilidades em relação à
educação de adultos, após uma ―atuação fragmentária, localizada e ineficaz durante todo
o período colonial, Império e Primeira República, ganhou corpo uma política nacional,
com verbas vinculadas e atuação estratégica em todo o território nacional.‖
Pode-se perceber neste período, que a ação do Estado veio como resposta à
presença das massas populares que se urbanizavam e precisavam de alguma maneira,
qualificar sua mão de obra, segundo Haddad & Di Pierro (2000, p.111),

Agora, mais do que as características de desenvolvimento das


potencialidades individuais, e, portanto, como ação de promoção
individual, a educação de adultos passava a ser condição necessária
para que o Brasil se realizasse como nação desenvolvida.

2
Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via
http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=154&parent=45. Arquivo capturado em 06 de abril de 2009.
20

Acreditamos que este conjunto de iniciativas, acima citadas, permitiu que a


educação de adultos se firmasse como uma questão nacional. Ao mesmo tempo, os
movimentos internacionais e organizações como a UNESCO, exerceram influência
positiva, reconhecendo os trabalhos que vinham sendo realizados no Brasil e estimulando a
criação de programas nacionais de educação de adultos analfabetos.
Nos anos 50, foi realizada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(CNEA), que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação de adultos. Segundo
dados fornecidos pela SEDUC – MT (2009), seus organizadores compreendiam que a
simples ação alfabetizadora era insuficiente, ―devendo dar prioridade à educação de
crianças e jovens, aos quais, a educação ainda poderia significar alteração em suas
condições de vida”. Essa campanha foi extinta em 1963, juntamente com as outras
campanhas até então existentes.
Em 1958, foi realizado o II Congresso Nacional de Educação de Adultos,
objetivando avaliar as ações realizadas na área e visando propor soluções adequadas para a
questão. Segundo Haddad & Di Pierro (2000), havia uma grande preocupação dos
educadores em redefinir as características específicas e um espaço próprio para essa
modalidade de ensino:

Reconhecia-se que a atuação dos educadores de adultos, apesar de


organizada como subsistema próprio, reproduzia, de fato, as
mesmas ações e características da educação infantil. Até então, o
adulto não escolarizado era percebido como um ser imaturo e
ignorante, que deveria ser atualizado com os mesmos conteúdos
formais da escola primária, percepção esta que reforçava o
preconceito contra o analfabeto.(Haddad & Di Pierro, 2000, p.112)

Percebe-se que o Congresso, repercutia uma nova forma do pensar pedagógico com
adultos. Era proposta para a EJA neste momento, a organização de cursos que
correspondessem a realidade existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho
educativo "com" o homem e não "para" o homem, a criação de grupos de estudo e de ação
dentro do espírito de auto-governo, o desenvolvimento de uma mentalidade nova no
educador, que deveria passar a sentir-se participante no trabalho de soerguimento do país;
propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o
21

discurso pela discussão e utilizando as modernas técnicas de educação de grupos com a


ajuda de recursos audiovisuais. (Paiva, 1973 apud Haddad & Di Pierro, 2000, p.112)
Esta nova percepção da Educação de Jovens e Adultos, vinculada à Educação
popular, deve ser compreendida, segundo Haddad & Di Pierro (2000, p. 112), pelas
condições gerais de turbulência do processo político no começo da década de 1960,
segundo os autores, diversos grupos buscavam junto às camadas populares formas de
sustentação política para suas propostas.
Talvez a Educação, de maneira privilegiada, era a prática social que melhor se
oferecia a tais mecanismos, não só por sua face pedagógica, mas também, e
principalmente, por suas características de prática política.
Dentre os programas e campanhas de educação de adultos, desenvolvidos neste
período, que antecede o Golpe Militar, os que mais se destacaram foram: o Movimento de
Educação de Base; da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, patrocinado pelo
Governo Federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife; os Centros Populares de
Cultura, promovidos pela UNE; a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler,
da Secretaria Municipal de Educação de Natal; e, em 1964, o Programa Nacional de
Alfabetização do Ministério de Educação e Cultura, que contou com a presença do
Professor Paulo Freire.
Segundo Haddad & Di Pierro (2000, p. 113) grande parte desses Programas estava
funcionando no âmbito do Estado ou sob seu patrocínio, ―apoiavam-se no movimento de
democratização de oportunidades de escolarização básica dos adultos, mas também
representavam a luta política dos grupos que disputavam o aparelho do Estado em suas
várias instâncias por legitimação de ideais via prática educacional”.
Em 1964, com o golpe militar, todos os movimentos de alfabetização que estavam
articulados, foram interrompidos, seus dirigentes foram perseguidos, seus ideais,
censurados. O Programa Nacional de Alfabetização foi interrompido e desmantelado, seus
dirigentes, presos e os materiais apreendidos. Um exemplo da ação do Governo Militar
neste período foi a ocupação da Secretaria Municipal de Educação de Natal. Os trabalhos
da Campanha "De Pé no Chão" foram interrompidos e suas principais lideranças foram
presas. A atuação do Movimento de Educação de Base da CNBB foi sendo tolhida não só
pelos órgãos de repressão, mas também pela própria hierarquia católica, transformando-se
na década de 1970 muito mais em um instrumento de evangelização do que propriamente
de educação popular. As lideranças estudantis e os professores universitários que estiveram
22

presentes nas diversas práticas foram cassados nos seus direitos políticos ou tolhidos no
exercício de suas funções. (Haddad & Di Pierro, 2000, p.113)
A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daqueles programas de
educação de adultos cujas ações de natureza política contrariavam os interesses impostos
pelo golpe militar. A ruptura política ocorrida com o golpe militar de 64 tentou acabar com
as práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses populares. O Estado
exercia sua função de coerção, com fins de garantir a "normalização" das relações sociais.
A década de 1970, sob a ditadura militar, marca o início das ações do Movimento
Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, que era um projeto para se acabar com o
analfabetismo em apenas dez anos. Segundo os dados fornecidos pela SEDUC – MT
(2009), após esse período, ―quando já deveria ter sido cumprida essa meta‖, o Censo
divulgado pelo IBGE registrou 25,5% de pessoas analfabetas na população de 15 anos ou
mais. O programa acima citado passou por diversas alterações em seus objetivos,
ampliando sua área de atuação para campos como a educação comunitária e a educação de
crianças.
O fato é que o MOBRAL começava a se distanciar da proposta inicial, mais voltada
aos aspectos pedagógicos, pressionado pelo endurecimento do regime militar. Passou a se
configurar como um programa que, por um lado, atendia aos objetivos de dar uma resposta
aos marginalizados do sistema escolar e, por outro, atendia aos objetivos políticos dos
governos militares:

[...] buscava-se ampliar junto às camadas populares as bases sociais


de legitimidade do regime, no momento em que esta se estreitava
junto às classes médias em face do AI-5, não devendo ser
descartada a hipótese de que tal movimento tenha sido pensado
também como instrumento de obtenção de informações sobre o que
se passava nos municípios do interior do país e na periferia das
cidades e de controle sobre a população. Ou seja, como instrumento
de segurança interna. (Paiva, 1982, apud Haddad & Di Pierro,
2000, p.114)

Em 1971, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº


5.692 em 11 de agosto, foi implantado o ensino supletivo em todo o país, com a proposta
23

de ser um modelo de educação do futuro, atendendo às necessidades de uma sociedade em


processo de modernização. De acordo com a SEDUC – MT (2009), o objetivo era
―escolarizar um grande número de pessoas, mediante um baixo custo operacional,
satisfazendo às necessidades de um mercado de trabalho competitivo, com exigência de
escolarização cada vez maior‖.
A regulamentação do Ensino Supletivo foi feita a partir da Lei Federal 5692, que,
em 1971, consagrara a extensão da educação básica obrigatória de 4 para 8 anos,
constituindo o então denominado ensino de primeiro grau e, ao mesmo tempo, dispôs as
regras básicas para o provimento de educação supletiva, grau de ensino este, que
correspondia aos jovens e adultos. Segundo Di Pierro (2001), pela primeira vez, a
educação voltada a este segmento, mereceu um capítulo específico na legislação
educacional, que distinguiu as várias funções: a suplência - relativa à reposição de
escolaridade; o suprimento - relativo ao aperfeiçoamento ou atualização; a aprendizagem e
a qualificação - referentes à formação para o trabalho e profissionalização.
A extensão da escolaridade obrigatória para oito anos, proposta da Lei 5692,
representava um enorme desafio, já que colocava em condição de déficit educativo um
enorme contingente da população adulta, da qual o ensino supletivo estaria a serviço.
Entretanto, essa mesma legislação limitou a obrigatoriedade da oferta pública do ensino de
primeiro grau apenas às crianças e adolescentes na faixa de 7 a 14 anos. O direito, mais
amplo, à educação básica, só seria estendido aos jovens e adultos na Constituição Federal
de 1988.
No início da década de 80, a sociedade brasileira viveu importantes transformações
políticas com o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização. Assim, em 1985,
o MOBRAL foi extinto, sendo substituído pela Fundação EDUCAR. A nova Constituição
de 1988 trouxe importantes avanços para a EJA: o ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, passou a ser garantia constitucional também para os que a ele não tiveram acesso
na idade apropriada.
Contudo, a partir dos anos 90, segundo os dados da Secretaria de Estado da
Educação e Cultura de Mato Grosso, a EJA começou a perder espaço nas ações
governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor, a Fundação
EDUCAR foi extinta e todos os seus funcionários colocados em disponibilidade. Em nome
do enxugamento da máquina administrativa, a União foi se afastando das atividades da
EJA e transferindo a responsabilidade para os Estados e Municípios.
24

O que chama atenção, neste momento específico, inicio da década de 90, da


trajetória da EJA como modalidade de ensino, é o fato da ONU ter declarado o ano de
1990, como o Ano Internacional da Alfabetização e não haver no Brasil nenhum programa
de alfabetização sendo implementado.
A declaração abaixo, do Prof. José Goldemberg, terceiro Ministro da Educação do
Governo Collor, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 12 de dezembro de 1991,
demonstra como o adulto analfabeto era visto por esse governo:

O grande problema de um país é o analfabetismo de crianças e não


o de adultos. O adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na
sociedade. Pode não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser
pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que
não exigem alfabetização. Alfabetizar o adulto não muda muito sua
posição dentro da sociedade e pode até perturbar. Vamos
concentrar nossos recursos em alfabetizar a população jovem.
Fazendo isso agora, em dez anos desaparece o analfabetismo.
(Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 12 de dezembro de 1991)

Com a aprovação da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação , Lei 9394/96,


ficou definida a integração da EJA à Educação Básica - observada a sua especificidade.
Garantiu-se a flexibilidade da organização do ensino básico, inclusive a aceleração de
estudos e a avaliação de aprendizagens extra-escolares entre outras. Estabeleceu-se as
idades de 14 e 17 anos para o ensino fundamental e médio, além disso, diminuiu as idades
mínimas dos participantes dos Exames Supletivos (15 anos para o Ensino Fundamental e l8
anos para o Ensino Médio).
Outro avanço notável na LDB/96 é a caracterização, ainda no Título III, art. 4º,
inciso VII, da EJA como uma modalidade de ensino que se objetiva como um direito social
constitutivo de cidadania. Como comenta CURY (2000, p. 575):

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deixou de


considerar a educação de jovens como uma compensação de
assistência social. Junto com a educação infantil, ela passa a fazer
25

parte da organização da educação nacional como modos


reconhecidos de educação básica.

Ao incorporar a EJA como uma modalidade de ensino, a Lei 9394/96, rompeu com
a formulação de ensino supletivo. A EJA, na etapa do ensino fundamental, sob o enfoque
da CF/88, deixa de ser obrigatória para aqueles maiores de 15 anos ou que não tiveram
acesso durante a idade própria. Sua oferta porém, é um dever do Estado, numa perspectiva
de acesso para todos aqueles que a desejarem. Por sua vez, a LDB/96 reitera a
obrigatoriedade como conseqüência do dever do Estado, sendo esta, portanto, uma diretriz
legal.
Atualmente, a EJA também é organizada de acordo com o Parecer 11/2000 e a
Resolução 01/2000 - ambos do Conselho Nacional de Educação (ver anexos), instrumentos
que apresentam o novo paradigma da EJA e sugerem: extinguir o uso da expressão
supletivo; restabelecer o limite etário para o ingresso na EJA (14 anos para o Ensino
Fundamental e l7 anos para o Ensino Médio); atribuir à EJA as funções: reparadora,
equalizadora e qualificadora; promover a formação dos docentes e contextualizar:
currículos e metodologias, obedecendo os princípios da Proporção, Equidade e Diferença;
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
Segundo Moacir Gadotti (2004), em 1997, na V Conferência Internacional de
Educação de Adultos da UNESCO, o Brasil foi instado a ratificar compromissos anteriores
e a se comprometer mais, tendo em vista que o país possuía até então, um dos dez maiores
PIBs (Produto Interno Bruto) do Planeta, mas ainda assim, apresentava um número elevado
de analfabetismo e de pessoas com baixa escolaridade.
Sendo assim, nos últimos anos, o Brasil assumiu oficialmente, uma série de
compromissos internacionais na busca de alternativas para garantir a todos, o direito à
educação.
De acordo com o relatório da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicilio (2007), nos últimos 15 anos, observaram-se avanços significativos na educação
no Brasil. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, que era de
17,2%, em 1992, passou para 9,9%, em 2007, correspondendo a 14,0 milhões de pessoas
na condição de analfabetas.
Para o IBGE, na realização da PNAD, uma pessoa considerada alfabetizada é
aquela que responde que sabe ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que
26

conhece. Em 2007, havia cerca de 14,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de
idade. Para esse grupo de pessoas, a taxa de analfabetismo foi de 10,0% em 2007, contra
10,4% em 2006. A taxa de analfabetismo assume diferenças de acordo com os grupos de
idade, região e sexo.
A queda da taxa de analfabetismo foi observada em todas as Grandes Regiões
investigadas pela PNAD. Foi na Região Nordeste, contudo, onde houve a maior redução da
taxa de analfabetismo nesse período, de 32,7% para 19,9%, correspondendo a uma queda
de 12,8 pontos percentuais. Entretanto, apesar dessa redução significativa, a Região
Nordeste registrou a maior taxa dentre todas as regiões, 19,9%. As menores taxas de
analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foram observadas na Região
Sudeste (5,7%) e na Região Sul (5,4%). Em 1992, essas duas regiões tinham taxas de
10,9% e 10,2%, respectivamente. Em 2007, na Região Norte urbana, esse indicador foi de
8,4% e na Região Centro-Oeste, 8,1%, contra 13,1% e 14,5%, nessa ordem, em 1992.
Contudo, mesmo considerando essa redução no número de pessoas analfabetas em
todo país, ainda existem alguns desafios a serem enfrentados, pois a porcentagem da
população considerada na PNAD analfabeta, ainda é muito elevada e a demanda pelo
ensino fundamental de jovens e adultos é extensa e complexa, além de comportar em seu
interior uma grande diversidade de necessidades formativas. Segundo Ribeiro (1998),
devemos considerar a necessidade de consolidar a alfabetização funcional dos indivíduos,
pois estudos atuais indicam que é preciso uma escolaridade mais prolongada para se
formar usuários da linguagem escrita capazes de fazer dela múltiplos usos, com o objetivo
de expressar a própria subjetividade, buscar informação, planejar e controlar processos e
aprender novos corpos de conhecimento.
Para Maria Clara Di Pierro (2001), é preciso considerar os requisitos formativos
cada vez mais complexos para o exercício de uma cidadania plena, as exigências
crescentes por qualificações de um mercado de trabalho excludente e seletivo e as
demandas culturais peculiares a cada subgrupo etário, de gênero, étnico-racial,
socioeconômico, religioso ou ocupacional. A questão que se coloca, então, é como
contemplar com eqüidade um direito básico da cidadania, retendo sob um parâmetro
comum de qualidade necessidades formativas tão diversas?
Ainda, de acordo com a pesquisadora, um passo prévio implica superar a concepção
de que a idade adequada para aprender é a infância e a adolescência e que a função
prioritária ou exclusiva da educação de pessoas jovens e adultas é a reposição de
27

escolaridade perdida na "idade adequada". É necessário reconhecer que jovens e adultos


são cognitivamente capazes de aprender ao longo de toda a vida e que as mudanças
econômicas, tecnológicas e socioculturais em curso, impõem a aquisição e atualização
constante de conhecimentos pelos indivíduos de todas as idades. Nestes marcos, os
objetivos da formação de pessoas jovens e adultas não se restringem à compensação da
educação básica não adquirida no passado, mas visam a responder às múltiplas
necessidades formativas que os indivíduos têm no presente e terão no futuro. Se tais
necessidades caracterizam-se como múltiplas, diversas e cambiantes, as políticas de
formação de pessoas adultas deverão ser necessariamente abrangentes, diversificadas e
altamente flexíveis.
Na próxima seção, será apresentado o que está sendo feito em Mato Grosso e quais
políticas estão sendo adotadas, no sentido de superar os dados apresentados pela PNAD, no
ano de 2007, indicativos evidentes de que o Estado ainda possui índices de analfabetismo
de 8,1% da população.

1.2 – Conhecendo o funcionamento da EJA em Mato Grosso

Durante as entrevistas com as alunas negras da EJA, sobre suas trajetórias de


escolarização, muitas vezes, elas referirão sobre a série em que interromperam seus estudos
e em que série voltaram. Como a organização da modalidade de ensino EJA é diferente,
isso gera certa confusão por parte não só dos alunos, mas até mesmo dos professores e
conseqüentemente de quem for ler essas entrevistas. Por isso, acreditamos que é importante
nesta seção deixar claro como é o funcionamento da EJA no Mato Grosso.
O funcionamento da EJA, em Mato Grosso é organizado de acordo com a LDB –
Lei 9394/96 e as mudanças propostas no Parecer 11/2000 e a Resolução 01/2000 - ambos
do Conselho Nacional de Educação. Com base nessas leis federais, foram elaborados pelo
Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso3, a Resolução nº 177/02 que aprovou o
Programa de Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação, que

3
Resolução nº 177/02 – CEE / MT , de 26 de junho de 2002 . Dispõe sobre a aprovação do Programa de
Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação . Resolução nº 384/04 – CEE / MT , de
23 de dezembro de 2004 . Dispõe sobre as normas para a oferta da Educação Básica no Sistema Estadual de
Ensino de Mato Grosso. Disponível em http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=142&parent=45.
Acesso em 06 de Abril de 2009.
28

contém as diretrizes e critérios de oferta da modalidade de EJA, através de cursos e exames


de ensino fundamental e médio, para as escolas integrantes do Sistema Estadual de Ensino,
e a Resolução nº 384/04 que fixa normas para a oferta da Educação Básica no Sistema
Estadual de Ensino de Mato Grosso.
Não é objeto de estudo desta pesquisa, o funcionamento da EJA em outros Estados
do nosso país. A regulamentação acima citada, é só para esclarecer o amparo legal que a
organização dessa modalidade de ensino tem em Mato Grosso.
Sendo assim, a EJA em Mato Grosso, está organizada em segmentos e fases. O
Primeiro Segmento corresponde aos anos iniciais do Ensino Fundamental, subdividido em
três fases, cada fase corresponde a um ano letivo; o Segundo Segmento corresponde aos
anos finais do Ensino fundamental, também subdividido em três fases; e o Ensino Médio,
que também é subdividido em três fases.
A idade mínima, para efetuar a matrícula na EJA, é de 14 anos para o ensino
fundamental e 18 anos para o ensino médio. Os alunos que não possuem documentos
comprobatórios de escolaridade fazem uma prova elaborada pela escola e regulamentada
por lei4, chamada de Prova de Classificação, que irá apontar o posicionamento do aluno no
segmento e fase adequados ao seu nível de conhecimento.
Outra mudança promovida na EJA em Mato Grosso foi a criação de Centros de
Educação de Jovens e Adultos – CEJAs. Esses Centros foram implantados no início do ano
de 2008, através do Decreto nº 1123/08 da SEDUC. Segundo o gerente de Educação de
Jovens e Adultos da SEDUC, Sávio Brito5, foram criados no início do ano de 2008, cinco
centros instalados em Várzea Grande, Juína e três em Cuiabá, que atendiam cerca de sete
mil estudantes, com um corpo docente especializado de aproximadamente 300 professores,
coordenadores e diretores. No ano de 2009, o projeto foi ampliado com a instalação de 18
novos CEJAs, com previsão de atender a 32.950 alunos e com a contratação de mais de
1300 profissionais.
Para a implantação dos CEJAs, foi criada uma Comissão Interinstitucional de
Redimensionamento do funcionamento da EJA em Mato Grosso, através da Portaria
393/2007 – SEDUC/MT, composta por membros da SEDUC/MT: SUEB, SUGT e SURH;

4
Resolução Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica (CEB) nº 1, de 05 de julho de
2000. Disponível em http://pedagogiaemfoco.pro.br/Ires1_00.htm. Acesso em 08 de Abril de 2009.
5
Entrevista à Revista Eletrônica Circuito Mato Grosso, em 08 de Outubro de 2008.
Disponível em http://www.circuitomt.com.br/home/materia/5557. Acesso em 21 de abril de 2009.
29

do SINTEP/MT; do Fórum permanente de EJA; do CEE/MT e das Assessorias


Pedagógicas e Secretarias Municipais de Educação.
De acordo com essa Comissão, o objetivo da criação desses Centros , é oferecer
formas diferenciadas de atendimento que compreendam a educação formal e informal para
ao longo da vida dos alunos matriculados nessa modalidade de ensino, considerando a
necessidade de reconhecer as especificidades dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos
e dos diferentes tempos e espaços formativos.
É importante ressaltar que um desses novos 18 Centros de Educação de Jovens e
Adultos, é a Escola Estadual Antônio Casagrande, localizada no município de Tangará da
Serra, onde esta pesquisa de mestrado foi realizada.
Por se tratar de uma proposta pedagógica nova, ainda não existem muitas
informações sistematizadas sobre o funcionamento desses Centros, o que temos são
algumas informações de professores que têm participado dos cursos de formação
promovidos pela SEDUC. Também é preciso ressaltar que o foco desta pesquisa não é
analisar o funcionamento da EJA nas escolas estaduais.
Em conversa informal com alguns professores da Escola Estadual Antonio
Casagrande, foi possível saber que as matrículas são feitas por trimestre e por área do
conhecimento, ―lembrando que a qualquer dia que o aluno vier procurar vaga para se
matricular, estamos sempre de portas abertas, de modo que quase todos os dias se efetuam
uma, duas ou mais matrículas‖ – fala da Diretora da escola. Os alunos matriculados fora
do início do trimestre (matrícula extra) são acompanhados pelos coordenadores e
professores. Quando necessário, há acompanhamento dos professores nas horas extras.
O aluno que tem disponibilidade de tempo faz a matrícula em dois períodos, cada
período ele estuda uma Área. Como foi colocado anteriormente, a matrícula é efetuada por
área de conhecimento, são ao todo 03 grandes áreas: Linguagem (que engloba Língua
Portuguesa, Artes, Educação Física e Língua Estrangeira), Ciências da Natureza e
Matemática (que engloba Matemática, Biologia, Física e Química) e Ciências Humanas e
Sociais (que engloba História, Geografia, Filosofia e Sociologia).
Os Centros de Educação de Jovens e Adultos – CEJAs, também prevêem a
possibilidade de Educação a Distância e Semi-presencial. A oferta da Educação a Distância
ou semi-presencial visa oferecer, segundo informações cedidas pela SEDUC – MT 6, mais

6
Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via
http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=335&parent=45. Acesso em 06 de abril de 2009.
30

uma oportunidade formativa aos educandos cujas condições de vida ou trabalho dificultam
a freqüência regular ao ensino presencial, e destina-se àqueles que já tenham desenvolvido
competências e adquirido habilidades relacionadas ao auto-didatismo, requerendo portanto
menor intensidade na interação e supervisão do/a(s) educador/a(es). Especificamente para
os seguintes sujeitos da EJA: a) Sistema Prisional; b) Educação do Campo; c) Áreas
sazonais; d) Quilombolas; e) Indígenas.
A constituição de turmas obedece ao estabelecido nas normativas da SEDUC para
os CEJAs, que variam a cada ano.
É preciso ainda ressaltar, que não existe na escola pesquisada um material didático
específico para trabalhar com a educação de jovens e adultos. Os professores contam com
os livros didáticos utilizados no ensino regular que são distribuídos pelo Governo Federal.
Assim, por exemplo, na 1ª Fase do 2º segmento, são utilizados os livros da 5ª e da 6ª série
do Ensino Fundamental Regular.

1.3 – A Educação de Jovens e Adultos em Tangará da Serra

Para compreender a educação de jovens e adultos em Tangará da Serra,


acreditamos que é importante, antes, conhecer um pouco da história desse município. São
algumas informações relevantes para compreender como se formou a sociedade
tangaraense a partir da vinda de migrantes de várias partes do Brasil.
A análise dos dados coletados sobre as trajetórias de vida das alunas negras
migrantes será tratada no terceiro capítulo, contudo neste tópico, iremos abordar a questão
da migração no processo de colonização do município de Tangará da Serra.
A colonização de Tangará da Serra, precisa ser compreendida dentro do contexto
nacional, a partir do governo de Getúlio Vargas, em 1930. Uma das políticas implantadas
por esse governo foi o programa ―Marcha para o Oeste‖, onde se criaram as chamadas
―colônias nacionais‖, e começou efetivamente, a escalada de uma política colonizadora.
A colonização, em seu sentido mais amplo, segundo Castro (2002, p. 41), é o
processo de ocupação de uma área, realizado por indivíduos de fora, colonos. Em um
sentido mais restrito, a colonização é o povoamento precedido de planejamento
governamental ou privado. Na contemporaneidade este processo está relacionado à
31

apropriação privada do uso do solo, surgimento do trabalhador livre, enquanto classe


social.
Um dos objetivos deste programa, ―Marcha para o Oeste‖, era a ocupação dos
espaços considerados pelo governo ―vazios‖. Esse pensamento sobre a ocupação dos
espaços direcionou os movimentos populacionais para regiões de fronteira, região em que
o estado de Mato Grosso também está inserido.
O conceito de fronteira, para Pannuti (2002, p. 30-31) traz a idéia de ―vazio
demográfico, de espaços vazios, de terras virgens‖, porém, de acordo com a análise que
faz, conclui que a ―fronteira agrícola implica movimento de expansão e deslocamento de
força de trabalho, de áreas desenvolvidas economicamente, para áreas menos
desenvolvidas, ou em desenvolvimento‖.
No Governo Vargas, segundo Pannuti (2002), via-se os ―vazios demográficos‖
como uma solução para os problemas sociais, econômicos e políticos do país, onde a terra
já não era suficiente para garantir o sustento de todas as famílias, o que gerava o
inchamento das grandes cidades. Embora não tenha alcançado seus objetivos, a política de
colonização foi responsável em grande parte, pelo número de povoamento da região Sul do
estado e, conseqüentemente, a modernização de Cuiabá.
Assim, a ―Marcha para o Oeste‖, era uma política de orientação das migrações
internas, que tinha por objetivo fixar o trabalhador em solo mato-grossense. O governo
federal, segundo Pannuti (2002, p.27), dava preferência aos sulistas, porque na visão
reformista de Vargas, eles possuíam uma mentalidade empresarial européia e, sobretudo,
porque esses imigrantes, além das experiências que tinham para lidar com a terra, traziam
consigo algumas economias que auxiliariam na organização inicial do empreendimento
que optassem desenvolver. Assim, o governo federal barrou a imigração estrangeira e
propôs conceder ajuda aos assentamentos das populações rurais nacionais, provocando
grandes movimentações internas.
Para Pannutti (2002, p. 27), a política de colonização agrícola, promovida pelos
governos federais, sempre teve como meta, em seus discursos, a implantação de
explorações familiares na fronteira, sendo que o conceito de fronteira pela política
dominante da época era o de ―espaços vazios‖, desconsiderando os habitantes que já
existiam no início da colonização de Mato Grosso, desrespeitando as sociedades indígenas
que aqui já existiam.
32

Portanto, essa visão do governo sobre os considerados ―espaços vazios‖ resultou na


ocupação de áreas territoriais indígenas, e conseqüentemente, o extermínio de seu povo.
Assim, de acordo com esta autora, ―O espaço estava deixando de ser um direito de uso, de
acordo com as atividades de cada grupo, para tornar-se objeto de título de propriedade
privada da terra, coerente com o tipo de atividade econômica em expansão ao sistema
nacional de produção capitalista‖. (Pannutti 2002, p. 27)
Martins, em seu livro A Chegada do Estranho (1993, p. 12) assim escreve:

Assim como a devastação da floresta destrói definitivamente


espécies vegetais úteis, a devastação ou a mutilação de grupos
sociais diferentes do nosso suprime modos de viver e de pensar,
bem como destrói saberes que representam um germe de alternativa
para a desumanização acelerada que estamos vivendo. É verdade
que, sob a devastação humana que presenciamos, persiste uma
notável capacidade de recriação e regeneração de idéias e modos de
vida, muitas vezes através da assimilação, redefinida, das
concepções do inimigo.

Dentro dessa política voltada para a ocupação dos ―espaços vazios‖, em 1943, é
criada a colônia Agrícola Nacional de Dourados, no município de Dourados, hoje situado
no Estado de Mato Grosso do Sul. Esta colônia além de ter marcado a expansão da
atividade agrícola comercial do Estado, favoreceu grandes fluxos migratórios.
Contudo, tal colônia funcionou apenas simbolicamente, e sobre ela a propaganda
do Estado Novo operou sem cessar, apresentando-a como colônia modelo. Segundo
Tesoro, (1996):
A mercê de uma tática de divulgação enganosa, os colonos foram
atraídos por promessas de propaganda ideológica efetuadas por
meio da imprensa , que garantia estar naqueles espaços vazios a
chance do eldorado esperado por todos eles...

O mito de uma ―terra de riqueza‖ sempre alimentou o movimento migratório de


trabalhadores pobres do Brasil. O governo de Getúlio Vargas impulsionou esse mito
através das técnicas de propaganda, onde, segundo Tesoro (1996), eram projetadas
33

poderosas imagens, nas quais trabalhadores passavam a ser vistos como ―novos
bandeirantes‖. Atrás desse mito, deslocou-se um expressivo contingente populacional em
busca da grande oportunidade das suas vidas.
Estes migrantes eram trazidos pelos caminhões das empresas colonizadoras. Após
serem ‗despejados no local de destino‘ eram abandonados à própria sorte, só não morreram
de fome, graças ao socorro prestado pelo Governo do Estado, numa importante estratégia
de fixá-los para tentar a colonização e o povoamento da região. (Tesoro, 1996)
É dentro desse contexto que a ocupação de Tangará da Serra, desde o final da
década de cinqüenta, precisa ser situada, ou seja, os projetos de colonização oficial em
Mato Grosso. A colonização de Tangará, ao que parece, tinha como meta implícita o
processo de expansão, de colonização na fronteira, uma vez que, novas terras foram
incorporadas ao processo produtivo. Assim, Mato Grosso passa a ser visto como uma
fronteira em expansão e em 1959, o Sr. Joaquim Oléa e o Sr. Júlio Martinez Benevides
fundaram em Tangará da Serra, a empresa Sociedade Imobiliária Tupã para a Agricultura
Ltda. – SITA.
O objetivo era a implantação de um pólo agrícola através de um projeto de
colonização privado. O lugar, sede da futura cidade, recebeu o nome de Tangará da Serra.
A ocupação das terras, hoje tangaraenses , até então representadas como sertão inóspito, foi
realizada através da propaganda das terras, especialmente pela imprensa. É comum
encontrarmos, nos jornais e revistas especializadas em agricultura da época, anúncios
convidando pessoas a se tornarem fazendeiros em Mato Grosso e, especificamente , na
região da Barra do Bugres.
Verifica-se este convite na propaganda apresentada pela Revista Brasil - Oeste,
editada em São Paulo, revista de circulação mensal, publicada desde janeiro de 1956,
especializada na difusão de técnicas agropastoris, na divulgação da conjuntura econômica e
de conhecimentos gerais sobre a Região Centro-Oeste, particularmente de Mato Grosso.
Essa Revista tinha distribuição gratuita aos responsáveis pela produção da lavoura e da
pecuária, aos agrônomos , veterinários e técnicos agrícolas e às empresas diretamente
vinculadas à produção agropecuária.

O Governo do Estado de Mato Grosso, através da Lei 1713, de 29 de dezembro de


1961, declarou a Revista Brasil - Oeste como um veículo de comunicação de utilidade
pública, pois desde o seu primeiro número, trazia as supostas condições que os
colonizadores iriam encontrar em Mato Grosso.
34

Segundo Oliveira (2004, p. 45), a Revista destacava que os territórios mato-


grossenses estavam isentos de fenômenos meteorológicos nocivos, que o teor da terra era
favorável à safra de cereais, que o Estado apresentava boas vias de comunicação, como
estradas e transporte, ressaltava a posição geográfica de Mato Grosso com expansão
comercial para grandes centros e para Bolívia, Paraguai e Argentina, e, principalmente, as
condições ecológicas favoráveis a produção de café.

A Revista Brasil - Oeste apresenta imobiliárias vendendo terras mato-grossenses


em diversos escritórios espalhados por São Paulo , Paraná e Minas Gerais , como
verificamos no anúncio em destaque:

―IMOBILIÁRIA PRESIDENTE
Registrada em Cuiabá, sob o n.º 3.403
Escritório em São Paulo: Rua São Bento, 470 – 4º andar – Sala 414
Telefone: 35-3640
Escritório em Cuiabá: Rua Comandante Costa, 464 – Mato Grosso
TERRAS EM MATO GROSSO: as melhores do Brasil, nos
melhores planos de vendas. Zona Central, completamente livre de
geadas. MATO GROSSO, dentro de pouco tempo será o Estado
mais rico do Brasil, em virtude da ótima qualidade de suas terras.
(PADRÃO: preta-massapé, vermelha, escura e mista). Nas suas
matas existem perobas, cedros, angelins, pau d‘alho, figueiras e
outras madeiras de lei . As terras em média possuem 70% de matas
e 30% de campo nativo. O campo nativo de Mato Grosso é fértil ,
tanto assim que na Zona de Campo Grande foi plantado café no
campo e o resultado foi surpreendente, dando em média 10 sacos
em coco por mil pés. As TERRAS DE MATO GROSSO são
próprias para café, cereais (arroz, feijão, milho, etc.), batata,
hortelã, borracha, etc. A ponte sobre o Rio Paraná, com 20 metros
de largura por 1.260 metros de comprimento, será uma obra
espetacular, em futuro próximo, dando tráfego em três vias.
Conforme publicação feita no ―O Estado de São Paulo‖, edição de
20 de novembro de 1952, ela ficará pronta dentro de três anos,
permitindo assim a extensão da Estrada de Ferro Araraquara , até
Cuiabá. ADQUIRA, enquanto é tempo, TERRAS EM MATO
GROSSO , a preços irrisórios, no traçado da Estrada de Ferro
Araraquara , garantindo o seu futuro e o de sua família. A
Imobiliária Presidente trabalha com terras situadas em BARRA DO
BUGRES, BARRA DO GARÇAS, CUIABÁ, ROSÁRIO OESTE,
CÁCERES, DIAMANTINO, etc... Vendas em pequenos e grandes
lotes, com todas as garantias: Encaminha também requerimentos de
TERRAS DEVOLUTAS no Estado de Mato Grosso, ao preço
oficial, acrescido de pequena comissão por esse serviço, a qual será
35

paga mediante a entrega dos documentos do Estado. Esta é sua


grande oportunidade ! Aproveite-a ! Terras a partir de CR$ 120,00
– o ALQUEIRE PAULISTA, com prazo para pagamento de 3 a 4
anos sem juros. Lembre-se do exemplo do Paraná , que já foi
sertão, e faça o MELHOR NEGÓCIO DA ÉPOCA, comprando
terras em Mato Grosso, o futuro CELEIRO DO BRASIL.Faça uma
visita sem compromissos ao nosso escritório ou procure nossos
corretores autorizados. Atendemos também a pedidos de qualquer
localidade, por meio de correspondência .‖7

A partir de 1960 , com a intensificação dos trabalhos de propaganda realizados pela


SITA, através de corretores e da divulgação em rádio no norte do Paraná, São Paulo e em
Minas Gerais, várias famílias foram em busca da esperança, da grande colheita do café.

Depois, a propaganda era realizada diretamente pelos próprios colonos que aqui se
estabeleceram , através de cartas que eram enviadas a parentes e amigos , chamando-os
para a construção do ―progresso‖.

Em 1998, a Prefeitura Municipal de Tangará da Serra, fez um álbum em


homenagem aos pioneiros e com algumas entrevistas dos donos da SITA. Ao relatar sobre
a propaganda realizada pelos corretores de terras no norte do Paraná ou no interior do
Estado de São Paulo, o Sr. Wanderlei Martinez, membro da colonizadora afirma:

Não levam discursos, levam a idoneidade dos proprietários,


falavam muito , porque nessa região de Alta Paulista , interior de
São Paulo a gente era muito conhecido, todos os três , na região do
Paraná também idem. Quer dizer que perguntavam de quem que é a
firma a empresa, é de fulano e fulano, então não é problema. 8

Cassiano Ricardo (1970), ao escrever sobre as bandeiras do século XIX e XX,


destaca o espírito do bandeirante paulista na ocupação de ―novas áreas‖. Os paulistas,
mineiros, paranaenses, sul-rio-grandenses, nordestinos, goianos, enfim, vieram para

7
REVISTA Brasil-Oeste. Imobiliária Presidente. São Paulo, v. 29, 1959. Rolo 60. Microfilme. Apud:
Oliveira (2004, p.45)
8
SILVA, Ciriaco da. Desbravadores Tangaraenses: a fé na terra. N.º 0724. Álbum autorizado pelo
Decreto n.º 269 de 28/09/1998-Prefeitura Municipal de Tangará da Serra- MT, patrocinado pelo Comércio de
Tangará da Serra e comercializado nas escolas da rede pública.
36

Tangará da Serra, carregando consigo o emblema de fundadores de cidades e o perfil de


pioneiros, ou na busca do ―ouro verde‖ e outras vantagens que a terra parecia oferecer. O
autor, assim define o novo bandeirante:

(...)a palavra ―bandeirante‖ toma um sentido mais amplo; é


sinônimo de pioneiro, de sertanista, de ―grande empreendedor‖; é o
que funda cidades, o que atende a voz do Oeste, o que toma parte
em expedições para o interior do país, o que emigra de uma região
para outra (de um foco de propulsão para outro, ou de atração),
com qualquer um dos objetivos da bandeira. 9

Movidos pela esperança e em busca de melhorar as condições de vida, ao se


deparar com a propaganda das colonizadoras , muitas pessoas colocam o pé na estrada em
busca de um novo lugar pra viver. Segundo Cassiano Ricardo, todos esses povos
subentendidos como ―paulistas‖ contribuíram para a ―integração nacional‖, no fenômeno
moderno que ele caracteriza como bandeirantes do século XX.

A idéia de ocupar os ―espaços vazios‖ ganhava cada vez mais adeptos. Além das
propagandas do Estado e das Empresas Privadas, eram utilizados vários meios para vender
as terras desejadas e atrair um número cada vez maior de pessoas para essa região.
Uma das estratégias utilizadas pela SITA foi, através do arquiteto Américo
Carnevali, elaborar um projeto arquitetônico do espaço onde seria a futura cidade de
Tangará da Serra. Além de tentar organizar o espaço rural e urbano, a idéia principal do
projeto arquitetônico era vender a imagem de um lugar que não existia. De acordo com
Oliveira (2004),

As primeiras famílias, ao chegarem em Tangará da Serra,


começaram a requadricular o espaço, dando uma nova disposição
ao ambiente anteriormente ocupado pelos índios.... Quando os
migrantes começaram a chegar, encontraram uma cidade
quadriculada no solo, os espaços individuais estavam já

9
RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste: a influência da “bandeira” na formação social e política
do Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1970 - v.2.,p. 562.
37

preestabelecidos...A cidade foi edificada como marca de


movimento, de progresso, do resultado significativo da Marcha
para o Oeste, e o seu projeto arquitetônico ajudou a vender essa
idéia.

O Projeto Arquitetônico criado pelo arquiteto Américo Carnevali apresentava uma


cidade com traçado moderno, ruas largas, com 168 quadras, sendo cada uma com 16 lotes,
destacava seis avenidas, centro cívico, locais para praças com áreas verdes, grupos
escolares, cinema, mercado, hospital, clube recreativo, delegacia, rodoviária, posto de
saúde, ginásio, estádio de futebol, aeroporto, horto florestal. 10

A nomenclatura original das avenidas destaca três eixos da Marcha para o Oeste: o
―migrante ideal‖; a construção de Brasília; e a ocupação do Centro – Oeste. O povo
migrante é representado pelas avenidas Paraná e São Paulo. O espaço a ser ocupado é
destacado pelas avenidas Cuiabá e Mato Grosso e o desenvolvimento é representado pela
Avenida Brasília. Os nomes dessas avenidas foram escolhidos por Wanderlei Martinez, um
dos donos da SITA, as outras ruas não receberam nome, pois o arquiteto preferiu numerá-
las para que os nomes fossem dados depois em homenagem aos cidadãos que trabalhassem
pela cidade.

Quando idealizou o projeto para a cidade de Tangará da Serra, o arquiteto não


conhecia o local, e a planta foi realizada tendo como base informações do proprietário.
Segundo o historiador Carlos Edinei de Oliveira 11, as informações dos proprietários da
SITA eram de que o terreno era regular, plano e com pequeno desnível:

...no Projeto Arquitetônico da cidade são evidentes alguns


elementos que serviam como baluarte da representação feita pela
colonizadora sobre o futuro ambiente que estava a venda. ―Quanto
aos desenhos de plantas existentes no projeto da cidade, (...) foram
desenhados a pedido dos proprietários para dar mais ênfase aos

10
Vide projeto arquitetônico em anexo.
11
OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Biografia dos homenageados com nomes de ruas de Tangará da Serra.
ITEC, Projeto de Pesquisa, 1997.
38

vendedores a fim de mostrar aos possíveis compradores a


excelência e fertilidade das terras(...).

A cidade foi edificada como marca de movimento, de progresso, do resultado


significativo da Marcha para o Oeste, e o seu projeto arquitetônico ajudou a vender essa
idéia.

Assim, migrantes de várias partes do país se deslocavam para Tangará da Serra, em


busca da grande oportunidade das suas vidas. Porém, segundo Silva (1997), a partir da
década de 1970, a especulação fundiária impediu o surgimento de outras formas de
produção no campo, ―o principal objetivo do Governo era a implantação ou expansão
subsidiada do latifúndio modernizado, capaz de produzir em larga escala, com pequena
geração de empregos...”.
Após a década de 1970, quando a tecnificação do campo veio à tona, o processo de
latifundiarização se tornou mais evidente. As então pequenas propriedades foram
agrupadas em grandes fazendas de pastagens pelos grandes fazendeiros que se deslocavam
da região sul.
Dessa forma, muitos dos primeiros migrantes que ocuparam a região viram seus
sonhos se desmoronarem, pois vieram pra essa região movidos pelas propagandas e em
busca de uma vida melhor , no entanto , as dificuldades só aumentaram. (Abelha 2003,
p.18) 12
Não foi possível constatar, através das entrevistas (que serão analisadas a partir do
terceiro capitulo), que os filhos dessas famílias, que não conseguiram fixar-se no campo,
como pequenos proprietários, engrossaram as fileiras da EJA. No entanto é possível
perceber empiricamente13 que existe uma grande demanda por essa modalidade de ensino
no município.
Segundo informações da SEMEC14 – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
de Tangará da Serra, a EJA é ofertada em 08 escolas: 02 escolas estão localizadas em

12
ABELHA, Renata Barros. Os Novos Bandeirantes do Século XX - Tangará da Serra : Ilusão ou
Realidade?. UNIC – Cuiabá, Monografia de Final de Curso de Especialização em História de Mato Grosso,
2003.
13
Digo empiricamente porque não encontrei dados oficiais sobre esta demanda.
14
Dados fornecidos pelo Prof. Edson Castoldi, coordenador municipal da EJA em Tangará da Serra, através
de entrevista e e-mail , recebido em 06 de maio de 2009.
39

aldeias indígenas; 02 escolas no assentamento ―Antonio Conselheiro‖; 03 escolas na zona


rural e 01 escola na cidade.
Quanto à educação formal, o município de Tangará conta com 17 escolas estaduais:
13 escolas na zona urbana; 03 escolas na zona rural; e 01 escola indígena. Destas, 05
escolas ofertam entrem outras modalidades de ensino, a modalidade EJA, e apenas a
Escola Estadual ―Antônio Casagrande‖ é destinada somente para a Educação de Jovens e
Adultos.
Vale ressaltar que Tangará da Serra possui uma população estimada 15 em 2009, de
aproximadamente 81.960 habitantes. É uma cidade pólo, que congrega setores de
comércio e serviços da região, o que lhe conferiu, no período 1991-2000, um Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M)16 crescente: de 14,87%, passando de 0,679
em 1991 para 0,780 em 2000. A dimensão que mais contribuiu para este crescimento foi a
Educação, com 41,3%, seguida pela Longevidade, com 34,7% e pela Renda, com 24,1%.
Neste período, o hiato de desenvolvimento humano (a distância entre o IDH do município
e o limite máximo do IDH, ou seja, 1 - IDH) foi reduzido em 31,5%.
Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Tangará da Serra
era 0,780. Segundo a classificação do PNUD, o município está entre as regiões
consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8).
Talvez, essa properidade do município que se reflete nos índices do IDH, seja o
motivo pelo qual existe tanta demanda na Educação de Jovens e Adultos.

1.4 – A Escola Pesquisada

A Escola escolhida para a realização da pesquisa é a Escola Estadual ―Antônio


Casagrande‖, localizada em Tangará da Serra – MT. Esta escola foi criada em 14 de
fevereiro de 1991 pelo governo estadual e recebeu este nome em homenagem a um dos
pioneiros. Antônio Casagrande chegou em Tangará da Serra em 1963, vindo da cidade de

15
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009 - Estimativas de População.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Página visitada em 08 de Julho de 2009.
16
http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH - Atlas do Desenvolvimento Humano. Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2000). Página visitada em 11 de outubro de 2008.
40

São Simão no interior do Estado de São Paulo. Além de produtor rural, Antônio
Casagrande, tornou-se delegado de polícia em 1965.
O interesse por fazer a pesquisa nesta escola começou em 2006, como foi dito na
introdução deste trabalho, quando comecei a lecionar nesta modalidade de ensino. Outro
motivo que conduziu a escolha desta escola é o fato dela ser a única, entre estaduais,
municipais e particulares, em Tangará da Serra, a atender somente alunos da EJA; e
também é um dos 18 Centros instalados no Estado de Mato Grosso, que objetiva se tornar
um ―Centro de Excelência‖ na educação de jovens e adultos, conforme já foi explicado
anteriormente.
Podemos perceber também, na Escola Estadual Antônio Casagrande, uma diferença
muito grande em relação à faixa etária entre os alunos do noturno e do diurno, de acordo
com informações da Secretaria da Escola. Enquanto no noturno são alunos mais jovens que
em geral trabalham durante o dia, no diurno são alunos mais adultos, nos dois turnos a
maioria dos alunos é do sexo feminino.
Em 1993 teve início à modalidade de ensino Supletivo semestral, oferecido pela
Escola desde a 5ª até a 8ª série do 1º grau, hoje ensino fundamental; e também o 2ª grau
propedêutico, hoje ensino médio, nos períodos matutino e vespertino. Aos poucos, foi
aumentando o número de alunos e em 1997 foi necessário abrir turmas no período noturno,
não só para melhor ocupar o espaço físico da escola, mas também para atender uma grande
demanda de alunos que trabalhavam durante o dia e desejavam retornar aos estudos.
Em 1998 a Escola passou a ser chamada de Escola Estadual de Suplência de Ensino
Fundamental e Médio ―Antonio Casagrande‖. No ano 2000, o ensino supletivo foi extinto
de acordo com o Parecer 11/2000 e a Resolução 01/2000 - ambos do Conselho Nacional de
Educação. Com base nessas decisões federais, a Escola passou a se chamar Escola
Estadual ―Antonio Casagrande‖.
Segundo dados da secretaria da escola, em 2008 foram feitas 831 matrículas na
EJA – Educação de Jovens e Adultos, sendo 258 no ensino fundamental e 573 no ensino
médio. Em 2009 foram feitas 1005 matrículas, sendo 485 no ensino fundamental e 520 no
ensino médio. Alguns professores da escola acreditam que o número de matriculas no
ensino fundamental aumentou significativamente em função da nova proposta de
organização do CEJA.
Quanto ao corpo docente, segundo dados da Secretaria da Escola, para o ano de
2009, o quadro conta com 52 professores, sendo 19 professores efetivos e 33 professores
41

interinos. Já o quadro administrativo e técnico conta com 15 profissionais, sendo 6 efetivos


e 9 interinos, entre os serviços de auxiliar de secretaria, auxiliar de limpeza e auxiliar de
cozinha.
42

II – CAPÍTULO

O CAMINHO TRAÇADO PARA SE CONHECER AS TRAJETÓRIAS


DE ESCOLARIZAÇÃO

No segundo capítulo, procuramos demonstrar como o caminho para se conhecer as


trajetórias de vida e de estudo das alunas negras matriculadas na EJA foi construído. Além
de trazer informações sobre o processo de construção do objeto da pesquisa, são feitas
algumas considerações sobre a difícil tarefa de classificar as pessoas na sociedade seguindo
critérios de cor/raça. Neste capítulo, procuramos demonstrar todas as opções
metodológicas utilizadas nesta pesquisa, e o porquê dessas opções, neste sentido, são
apresentadas as contribuições de Maria Isaura Pereira de Queiroz e Bourdieu na análise das
histórias de vida.

2.1 – Opções Metodológicas no estudo das trajetórias de escolarização

Para poder melhor delinear a pesquisa, buscando identificar tendências e padrões


relevantes, optou-se por entrevistas exploratórias, registrados através de gravação direta e
transcrição na íntegra das informações coletadas. De acordo com Lüdke e André (2007):

Podem existir inicialmente algumas questões ou pontos críticos que


vão sendo explicitados, reformulados ou abandonados na medida
em que se mostrem mais ou menos relevantes na situação estudada.
Essas questões ou pontos críticos iniciais podem ter origem...de um
contato inicial...com as pessoas ligadas ao fenômeno estudado.
43

Assim, após a realização das entrevistas exploratórias, surgiram algumas questões:


primeira: o fato dos jovens não serem a maioria dos alunos matriculados na escola;
segunda: a dificuldade que eu tive enquanto pesquisadora de fazer com que os poucos
jovens me concedessem entrevista; terceira: o fato da maioria dos alunos matriculados
serem do sexo feminino, conforme os dados da Secretaria da Escola, ilustrados na Tabela
01, logo abaixo:

TABELA 01 – Matrícula dos Alunos por turma, segmento, fase, período e sexo no
CEJA “Antônio Casagrande”, Tangará da Serra – MT
TURMA FASE PERÍODO HOMENS MULHERES TOTAL
1º Segmento 1ª Fase A Vespertino 03 14 17
1º Segmento 1ª Fase B Noturno 20 17 37
1º Segmento 2ª Fase A Vespertino 04 14 18
1º Segmento 2ª Fase B Noturno 16 25 41
2º Segmento 1ª Fase A Vespertino 08 17 25
2º Segmento 1ª Fase B Vespertino 07 15 22
2º Segmento 1ª Fase C Noturno 12 20 32
2º Segmento 1ª Fase D Noturno 17 12 29
2º Segmento 2ª Fase A Vespertino 09 15 24
2º Segmento 2ª Fase B Vespertino 07 21 28
2º Segmento 2ª Fase C Noturno 16 14 30
2º Segmento 2ª Fase D Noturno 17 12 29
2º Segmento 3ª Fase A Vespertino 15 13 28
2º Segmento 3ª Fase B Vespertino 07 17 24
2º Segmento 3ª Fase C Noturno 13 19 32
2º Segmento 3ª Fase D Noturno 19 17 36
2º Segmento 3ª Fase E Noturno 21 12 33
Ensino Médio 1ª Fase A Matutino 07 22 29
Ensino Médio 1ª Fase B Matutino 06 20 26
Ensino Médio 1ª Fase C Vespertino 05 20 25
Ensino Médio 1ª Fase D Vespertino 09 28 37
Ensino Médio 1ª Fase E Noturno 19 19 38
Ensino Médio 1ª Fase F Noturno 18 23 41
Ensino Médio 1ª Fase G Noturno 09 16 25
Ensino Médio 2ª Fase A Matutino 06 19 25
Ensino Médio 2ª Fase B Matutino 03 17 20
Ensino Médio 2ª Fase C Vespertino 02 28 30
Ensino Médio 2ª Fase D Noturno 12 28 40
Ensino Médio 2ª Fase E Noturno 16 19 35
Ensino Médio 2ª Fase F Noturno 13 17 30
Ensino Médio 3ª Fase A Matutino 03 12 15
Ensino Médio 3ª Fase B Vespertino 04 25 29
44

Ensino Médio 3ª Fase C Noturno 14 25 39


Ensino Médio 3ª Fase D Noturno 14 22 36
Total de
371 634 1005
Alunos
Fonte: Levantamento realizado pela pesquisadora em Março de 2009 – Dados fornecidos pela Secretaria da
Escola

Considerando as questões levantadas na realização das entrevistas exploratórias, e a


confirmação de alguns dados pela escola, definiu-se que os sujeitos da pesquisa seriam as
mulheres negras e o objeto a ser estudado seriam suas trajetórias de escolarização. Foram
realizadas 21 entrevistas: 10 entrevistas com mulheres entre 20 e 28 anos; e 11 com
mulheres acima de 30 anos de idade.

Através da pesquisa qualitativa, procuramos responder as seguintes questões: quem


são essas alunas? Qual sua procedência geográfica? Uma vez que Tangará da Serra é um
espaço que acolhe migrantes de várias partes do país. A cor de sua pele, sua origem racial,
teve alguma implicação na sua trajetória escolar? Quais os motivos que as levaram a não
concluir o ensino regular?
Neste sentido, considerou-se importante ouvir as histórias das trajetórias de vida e
escolarização das alunas negras matriculadas na EJA, da Escola Estadual ―Antonio
Casagrande‖, na cidade de Tangará da Serra – MT.
Através da pesquisa qualitativa, optou-se por utilizar as histórias de vida, por ser
um instrumento que permite captar a subjetividade do entrevistado. As histórias de vida
serão utilizadas como um meio de entendimento das trajetórias de escolarização das alunas
negras, matriculadas na EJA. Segundo Minayo (1999, p. 53),

...sua principal função [histórias de vida] é retratar experiências


vividas, mas também as definições dadas por pessoas, grupos ou
organizações. Pode ser escrita ou verbalizada e compreende os
seguintes tipos: a história de vida completa, que retrata todo o
conjunto da experiência vivida; e a história de vida tópica, que
focaliza uma etapa num determinado setor da experiência em
questão.
45

Também optamos por seguir a recomendação de Bourdieu (2005a, p. 14) aos que
levam a ―preocupação metodológica até a obssessão‖ que tomem cuidado para não se
transformarem no doente analisado por Freud que limpa constantemente os óculos sem
nunca colocá-los. Da mesma forma, porém, em outra perspectiva metodológica, Moscovici
(2003, p. 14) defende que não se deve fetichizar ―um método específico como garantia de
via régia para se chegar ao conhecimento, a menos que isso seja só poeira atirada aos
olhos‖.
Assim, na tentativa de não restringir os caminhos a serem desvendados na
constituição das trajetórias de escolarização das alunas negras matriculadas na EJA,
procuramos refazer o percurso teórico-metodológico constantemente, para tecer
aproximações possíveis de referenciais sociológicos.
Os pressupostos que embasam o conceito de história de vida, neste estudo, estão
fundamentados no pensamento de Bourdieu (2005b, p. 75), quando este autor, ao analisar o
que denomina de ―ilusão biográfica‖, compara as perspectivas que trabalham com histórias
de vida às noções de senso comum ―que entraram de contrabando no universo do saber‖.
O autor critica a visão linear que perpassa algumas pesquisas realizadas por
etnólogos e sociólogos, inscritas ainda no horizonte positivista, baseados na idéia de que
toda vida é uma história que tem início, ―prossegue em etapas e terá um final, uma
realização, um telos‖. Nessa perspectiva, o processo narrativo busca dar um sentido,
―encontrar a razão, descobrir uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma
consistência e uma constância, de estabelecer relações inteligíveis [...] entre estados
sucessivos, constituídos como etapas de um desenvolvimento necessário‖. (Bourdieu
2005b, p. 75)
Em sentido contrário, o autor parte da premissa de que nunca se deve tentar
compreender uma vida como ―uma série única‖, pois ela se desenrola em espaços ―em
construção‖, isto é, os sujeitos são submetidos a constantes transformações, portanto, os
acontecimentos biográficos são deslocamentos em estruturas sociais, ―matriz das relações
objetivas‖ (Bourdieu, 2005b, p. 81).
Alguns sociólogos, em especial Jacques Léon Marré (1991), afirmam que a História
de Vida deve tornar-se parte essencial de um Método Biográfico, para que não seja
considerada uma simples técnica de investigação empírica. O Método Biográfico para
Marré permite reconstruir, em cada história de vida, relações básicas e complexas que
dizem respeito às categorias sociedade, grupo e indivíduo, expressas na relação oral. São
46

relações ligadas à estrutura social e grupal e, ainda à idéia de rearranjo e reapropriação do


social, que o indivíduo faz como unidade singular de seu relato.
De acordo com o referido autor, o Método Biográfico, constituído pelas
modalidades História de Vida, Trajetória de Vida e Narrativas, no seu desenvolver
dinâmico, traz a possibilidade concreta de reconstrução do passado a partir de relatos,
levando em conta a descontinuidade e as rupturas ocorridas tanto, a nível da vida
individual, como coletiva. (Marré, 1991, p. 91)
A singularidade das Histórias de Vida é ressaltada pelo autor, ao considerar que não
se consegue chegar ao geral, através de uma diversidade de histórias de vida singulares,
sem dar a elas uma totalidade sintética, que por sua vez se forma a partir da singularidade
de cada uma delas. Quando o indivíduo vivencia e relata sua trajetória, se identifica a um
grupo social do qual ele é elemento constitutivo (Marré, 1991, p.128).
Para Marré, a História de Vida sempre deve tornar-se parte de um Método
Biográfico; o que interessa é a vida das pessoas, seja a trajetória total, sejam fases desta
vida.
Segundo Queiroz (1991, p.6), a história de vida se define como o relato de um
narrador sobre sua existência através do tempo, buscando reconstituir os acontecimentos
que vivenciou e transmitir a experiência que acumulou. ―Narrativa linear e individual dos
acontecimentos que ele considera significativos, através dela se delineiam as relações com
os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social,... que cabe ao
pesquisador desvendar.‖
Sendo assim, o interesse do pesquisador está em captar algo que ultrapassa o caráter
individual do que é transmitido e que se insere nas coletividades a que o narrador pertence.
Contudo, quem decide o que vai relatar é o entrevistado, para Queiroz (1991, p.7) o
pesquisador deve se conservar tanto quanto possível silencioso. Suas interferências devem
ser reduzidas, pois o importante é que sejam captadas as experiências do entrevistado. Este
é quem determina o que é relevante ou não narrar, ele é quem detém o fio condutor.
A história de vida, para Queiroz (1991, p.15-21), como qualquer outro
procedimento empregado na coleta de dados, é , pois, um instrumento, não é nem coleta,
nem produto final da pesquisa; ela recolhe um material bruto que necessita ser analisado.
―A história de vida é, portanto, técnica que capta o que sucede na encruzilhada da vida
individual com o social.‖
47

Ainda citando Queiroz (1991, p.159),

Toda história de vida tem de ser um depoimento, isto é, não apenas


um relato cronológico de acontecimentos, mas trazer em si a
riqueza de sentimentos, opiniões e atitudes da pessoa que a relata.
(...) Para o sociólogo, desejoso de conhecer como se comporta a
coletividade, os depoimentos e os fragmentos de história de vida
abundantes completar-se-ão uns aos outros (...).

A forma mais antiga e mais difundida de coleta de dados orais, nas ciências sociais,
é a entrevista; considerada muitas vezes, segundo Queiroz (1991, p.6), como sua técnica
por excelência. A entrevista supõe uma conversação continuada entre informante e
pesquisador. O pesquisador dirige, pois, a entrevista; esta pode seguir um roteiro,
previamente estabelecido, ou operar aparentemente sem roteiro, porém, na verdade, se
desenrolando conforme uma sistematização de assuntos que o pesquisador tem em mente.

Considerando o exposto, mesmo nos relatos sobre histórias de vida, em que a maior
quantidade possível de dados e de informações deve ser solicitada, o pesquisador não pode
perder de vista seu problema porque corre o risco de deixar vagos e obscuros os
acontecimentos que mais de perto lhe interessam.

Foi pensando nisso, que foi utilizado um roteiro com os principais tópicos a serem
abordados. O roteiro elaborado para esta coleta de dados está em anexo. Contudo,
procuramos prestar atenção máxima às questões levantadas no decorrer da entrevista, para
Lüdke e André (2007, p. 36)

Não há receitas infalíveis a serem seguidas, mas sim cuidados a


serem observados...Um desses cuidados é o que alguns autores
chamam de ―atenção flutuante‖. O entrevistador precisa estar
atento não apenas (e não rigidamente, sobretudo) ao roteiro
preestabelecido e as respostas verbais que vai obtendo ao longo da
interação . Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações,
sinais não verbais, hesitações..., enfim, toda uma comunicação não
48

verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e a


validação do que foi efetivamente dito.

Essa postura de estar atento a tudo o que faz o entrevistado, nos possibilita uma
leitura complementar dos gestos, das pausas cheias de significado, captando outras formas
de expressão, que vão além da linguagem falada, e que se constituem em dados
importantes para o momento de análise.

A coleta de dados foi registrada utilizando gravador digital, com a transcrição na


íntegra das entrevistas. Para utilização dos relatos nesta pesquisa, optamos por editar as
falas, para evitar constrangimentos futuros.

2.2 – As Depoentes

Uma das primeiras observações feitas na Escola Estadual Antonio Casagrande,


quando comecei a lecionar nesta escola, foi em relação ao grande número de alunos negros
matriculados na EJA – Educação de Jovens e Adultos. Aliás, é preciso deixar claro que não
foi feita nenhuma classificação nesse sentido. A observação foi feita considerando os
aspectos do fenótipo dos alunos. Ainda neste no tópico, estudaremos um pouco mais sobre
a questão da classificação de cor no Brasil, que é um assunto polêmico e extremamente
complexo.

Estudos recentes destacam que o contexto e os processos vividos pelo alunado da


Educação de Jovens e Adultos, não devem ser compreendidos e analisados somente pelo
viés da desigualdade social, mas também pela desigualdade racial, pois, conforme já foi
citado na introdução, pesquisas constatam a forte presença da população negra na EJA.
Alguns dados divulgados pelo IBGE e pelo Censo Escolar mostram em números a
quantidade total de alunos matriculados nesta modalidade de ensino e a quantidade de
alunos negros, evidenciando o que foi observado na Escola Estadual Antonio Casagrande.
49

Segundo dados divulgados pelo IBGE17, do universo de 141,5 milhões de pessoas


no país de 15 anos ou mais de idade, cerca de 10,9 milhões pessoas (7,7%) freqüentavam
ou freqüentaram anteriormente algum curso de Educação de Jovens e Adultos – EJA. Na
ocasião do levantamento, aproximadamente 03 milhões de pessoas freqüentavam curso de
EJA, enquanto cerca de 41 milhões estudavam na rede regular de ensino fundamental e
médio. Já entre as cerca de 08 milhões pessoas que cursaram EJA antes do levantamento,
42,7% não concluíram o curso em que se matricularam.
Na ocasião do levantamento, do total de 2,9 milhões de pessoas de 15 anos ou mais
de idade que freqüentavam um curso de EJA, a maioria estava cursando o segundo
segmento do ensino fundamental (5ª a 8ª séries), o que correspondia a 40,0% (1,1 milhão);
o ensino médio recebia 36,1% (01 milhão) dos estudantes; e o primeiro segmento do
ensino fundamental (1ª a 4ª séries) 23,9% (699 mil). A região Nordeste foi a que
apresentou o maior percentual de freqüência ao primeiro segmento do ensino fundamental
(37,6%); o Norte registrou o maior no segundo segmento (43,7%,); e as regiões Sul
(46,3%) e Centro-Oeste (46,1%) tiveram as maiores proporções no ensino médio.
Para complementar esses dados fornecidos pelo IBGE, trazemos os dados
do Censo Escolar 2005 18, que podem ser melhor visualizados na Tabela 2, indicando que
2,7 milhões de estudantes que freqüentam a Educação de Jovens e Adultos são negros (as),
enquanto que 1,4 milhões são estudantes brancos (as). Contudo, esses números
representam apenas 6% da população jovem que se encontra fora da escola, sem o ensino
fundamental completo. O que significa que a oferta de EJA encontra-se muito aquém das
necessidades da população jovem brasileira.
A inclusão do quesito cor no Censo Escolar 2005 tem sido uma demanda histórica
do movimento negro. As informações sobre a matrícula na Educação Básica, considerando
raça/cor, indicam um aumento da presença de estudantes negros em todas as modalidades
de ensino. Nas matrículas referentes à Educação Infantil, a presença de estudantes negros é
maioria (3.006.832), no Ensino Fundamental (15.903.476) e no Ensino Médio (3.917.271)
também, na Educação de Jovens e Adultos a presença de estudantes negros (as) é

17
IBGE divulga suplemento com perfil da Educação e Alfabetização de Jovens e Adultos no país.Disponível
em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1375&id_pagina=1.
Acesso em 23 de setembro de 2009.

18
Fonte: MEC/Inep. Censo Escolar 2005.
50

predominante (2.771.220). Apenas na Educação Especial (144.448) e na Educação


Profissional (180.864) a maioria dos alunos não são negros.

TABELA 2 Matrícula raça/cor declarada por Modalidades de Ensino


no Brasil
Modalidades de Ensino Matrícula raça/cor declarada
Total Branca Preta Parda Outras
Educação Infantil 6.085.316 2.936.564 512.241 2.494.591 141.920
Ensino Fundamental 27.821.352 11.224.104 2.643.412 13.260.064 693.772
Ensino Médio 7.215.948 3.132.641 753.923 3.163.348 166.036
Educação Especial 313.832 164.725 31.562 112.886 4.659
Educação de Jovens e 4.350.274 1.478.288 621.554 2.149.666 100.766
Adultos
Educação Profissional 491.047 300.923 42.841 138.023 9.260
TOTAL 46.277.769 19.237.245 4.603.533 21.318.578 1.116.413
Fonte: MEC/Inep. Censo Escolar 2005.

Como vemos na tabela acima, e nos dados apresentados pelo IBGE, os alunos
negros têm uma presença numérica marcante na EJA, porém, as pesquisas que apresentam
este grupo social como foco, ainda são escassas. Para Dayrell (2005, p. 85), o aluno negro
é um jovem e/ou adulto desconhecido nas pesquisas:

As análises da vida escolar dos alunos se limitam às dimensões


estritamente pedagógicas e consideram as experiências educativas
sob a ótica limitada da instrução, não levando em conta os atores
dessas práticas e nem a multiplicidade de processos formativos que
são vividos nos diversos espaços e tempos escolares,
desconhecendo as dimensões mais amplas de formação (ou
deformação) humana que ocorrem na escola.

Di Pierro (2005, p. 7-8), observa que, mais recentemente, a emergência de


movimentos que exigem reconhecimento político e cultural de identidades sociais
singulares (negros, mulheres, jovens indígenas, sem terra), tem favorecido o
reconhecimento da diversidade dos sujeitos da EJA. Mas concorda a autora com o fato de
que ―são raros e recentes os estudos que abordam as questões étnico-raciais, mesmo
51

quando os indicadores apontam a população negra como maioria entre os jovens e


adultos analfabetos e com baixa escolaridade‖
A seleção das alunas escolhidas para entrevista, obedeceu primeiro ao critério de
cor, preferindo as de pele mais escura e com o fenótipo negro mais acentuado. Os motivos
dessa escolha já foram descritos no item 2.1. A opção por entrevistar somente mulheres, se
deu em função de serem a maioria do total de alunos matriculados, como demonstrou a
tabela 1 e para atender a um dos objetivos específicos desta pesquisa, que é analisar as
relações entre as questões de gênero, raça e educação, cuja análise será desenvolvida no
capítulo 3 desta pesquisa.

Os relatos das alunas foram coletados pela pesquisadora na própria escola,


conforme a disponibilidade das entrevistadas. Todo o material coletado está registrado no
gravador digital e gravado em CD. Os relatos foram transcritos na íntegra e após
impressos, uma cópia de cada entrevista foi entregue para que as respectivas depoentes,
após a leitura da mesma, consentissem por escrito a utilização deste material neste trabalho
de pesquisa.

Quanto às transcrições, procurou-se seguir as orientações de Callejo (2001), que


ressalta alguns cuidados necessários para se realizar uma boa transcrição: identificar os
falantes e manter a mesma identificação durante toda a transcrição; registrar todas as
expressões, pois são os indicadores da entonação da voz; deixar espaços nas margens para
que o analista possa fazer suas anotações; fazer a primeira leitura da transcrição com o
apoio da gravação.
Ao retornar à escola para pedir autorização para a utilização dos relatos, as alunas
entrevistadas foram informadas de que suas identidades seriam mantidas em sigilo, e
surpreendentemente, a maioria delas demonstrou certa frustração. As mesmas concordaram
após serem explicadas as razões que nos levaram a fazer essa opção, mas registraram certa
insatisfação.

Todavia, optou-se por manter a identidade das entrevistadas em sigilo, elas serão
identificadas pelas iniciais do nome, com o objetivo de preservá-las de qualquer
constrangimento que possam vir a ter no futuro, em função dos relatos concedidos.

Trabalhar com Histórias de vida foi um dos caminhos entre tantos outros que
poderiam ter sido escolhidos, mas acreditamos que é um dos poucos meios capaz de dar
52

respostas a quem entende o individual como produto de uma construção social, não se trata
apenas de dados, mas de uma construção, para Sarmento (1994, p. 123):

Contar histórias é uma forma que os seres humanos utilizam para


dar corpo às idéias, assunções, crenças e valores, que se entretecem
nas intrigas narrativas e se sintetizam na moralidade final que todas
as boas histórias apresentam.

Na obra, A Miséria do Mundo – Bourdieu (2007, 6ª ed.), juntamente com vários


pesquisadores, produziu uma pesquisa baseada em testemunhos, onde buscava um olhar
compreensivo sobre diversos contextos sociais, um livro que é um misto de
compreensão/interpretação e de transcrições integrais de ―entrevistas mais ou menos
biográficas‖ (cf. Bourdieu, 2007).

Bourdieu (2007, p.694), recorda que dedicou vários anos ao inquérito sob as mais
variadas formas, da etnologia à sociologia e do questionário fechado à entrevista o mais
aberta possível, e acaba por reconhecer que só a reflexibilidade ―que é sinônimo de
método, mas uma reflexibilidade reflexa, baseada num „trabalho‟, num „olho‟ sociológico,
permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os efeitos da
estrutura social na qual ela se realiza‖. Acaba também por legitimar a importância das
histórias de vida na compreensão dos sujeitos, ao falar da metodologia utilizada nas
entrevistas e sua transcrição que deram origem ao livro: A Miséria do Mundo.

2.3 – A Auto-Classificação das Depoentes

Como foi dito no início deste capítulo, a classificação racial é um assunto polêmico
e extremamente complexo, isto porque, o ato de classificar é um ato histórico e social. De
acordo com Petruccelli (2007, p.10), existe uma concepção por trás desse ato, é ato de
conhecimento e de reconhecimento, envolvendo os atores, o que faz a auto-classificação e
quem classifica.
A classificação se cristaliza em categorias, segundo Guimarães (2003, p.95), a
partir do pressuposto de que os conceitos , teóricos ou não, só podem ser aplicados ou
53

entendidos no seu contexto discursivo, o autor estabelece a distinção entre conceitos


―analíticos‖ e ―nativos‖, ou seja, entre as categorias retiradas de um ―corpus teórico‖ e
categorias que compõem o próprio universo discursivo dos sujeitos que estão sendo
analisados.
A questão que se coloca, é o conceito de raça, pois de acordo com Petruccelli
(2007, p. 11) “...estamos cientes de que o descrédito contemporâneo da noção biológica
de raça não diminui seu poder organizador da percepção comum”.
Ainda sobre essa questão, segundo Muller (2006, p. 50), ―Raça não existe do ponto
de vista da biologia e da genética. Mas existe no imaginário social, portanto é uma
construção social.‖
A classificação de quem seriam os entrevistados da pesquisa teve início, a partir do
levantamento da ficha de matrícula, que fica arquivada na pasta individual de cada aluno,
onde esperava-se encontrar dados sobre a identificação do aluno por cor ou raça.
Como não foi possível encontrar esses dados, optou-se por escolher as
entrevistadas, considerando os aspectos do fenótipo das mesmas, tais como a cor da pele,
os traços do rosto e cabelos, pois de acordo com Iolanda Oliveira (1999, p. 48) “...é a tais
características físicas que são atribuídos significados sociais, dando origem ao estigma
que é a fonte de discriminação.”
Durante as entrevistas, no momento em que as alunas relatavam suas histórias de
vida e escolarização, foi solicitado que as mesmas se auto-classificassem espontaneamente.
Foi possível perceber uma variação entre morena, morena clara e morena escura, sendo
que das 21 entrevistadas, somente 05 responderam que se identificam como negras, e 02
fizeram menção às categorias utilizadas pelo IBGE, se auto-classificando como pretas.
O quadro abaixo traz informações sobre a idade das alunas entrevistadas e
demonstra como elas se auto-classificaram.

TABELA 03 – Identificação e Auto-classificação das Alunas Negras entrevistadas da


EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande

ALUNA IDADE AUTO – CLASSIFICAÇÃO


MJL 45 Morena
TFS 25 Morena Escura
CBG 40 Negra
LBS 43 Negra
EGL 28 Morena
MAC 22 Morena Clara
54

EAB 63 Não se auto-classificou


DSC 39 Neguinha
RCM 31 Morena
MMP 38 Preta
MAM 38 Morena Escura
CFS 28 Negra
FRS 45 Preta
NGC 25 Morena
ROS 20 Morena
LMR 24 Morena Escura
IEV 28 Negra
MAF 42 Morena
JGA 23 Morena
RVG 31 Negra
EGS 27 Não se auto-classificou
Fonte: Levantamento realizado pela Pesquisadora - 2009

Analisando o quadro e a auto-classificação, podemos perceber então, uma


preferência pelo termo ―morena‖, que pode ser entendido, como explica Rafael G. Osório
(2003, p. 17) da seguinte maneira:

...é um eufemismo para não se referir pessoas como negras, pretas


ou pardas, é a expressão perfeita dessa etiqueta das relações raciais.
É comum pessoas se referirem a fulano, que é negro, como ‗aquele
moreno‘, ainda que fulano não tenha o menor problema em se
declarar negro, preto ou pardo. É uma espécie de concessão polida
para não ‗depreciar‘ o sujeito pela alusão ao que se entende como
sua condição racial.

Foi possível perceber em diversas entrevistas, certo desconforto em relação à auto-


classificação. Muitas vezes ficou evidente o constrangimento de algumas entrevistadas, a
ponto de solicitarem que a entrevista fosse interrompida, tanto que 02 entrevistadas não
fizeram a auto-classificação. Elas não argumentaram, no momento em que foi solicitado a
auto-classificação, optaram pelo silêncio. Um silêncio carregado de significados, são
gestos, expressões , tons de voz , que foram anotados no caderno de campo, e que se
tornaram extremamente importantes nessa análise.
55

Segundo Martins (1993), a sensibilidade do pesquisador para a comunicação não


verbal de seus entrevistados deve estar ligada, principalmente, aos momentos da pesquisa
de campo:

No campo, o pesquisador se defronta com uma linguagem do


silêncio. Com o tempo, aprende a conviver com essa população e
descobre o que significa o seu silêncio. É uma forma de linguagem
e um meio de luta. É preciso uma paciência enorme para ouvir esse
silêncio. E é ele que fala mais do que qualquer outra coisa. Às
vezes, uma situação de entrevista, o entrevistado é capaz de ficar
longo tempo calado. As poucas palavras, intercaladas por pausas e
acompanhadas por muitos gestos, colocam o pesquisador diante da
ampla riqueza dessa fala dupla, que oculta e revela e, com isso,
situa quem fala e, também, quem ouve.

Ao que parece, o resultado da auto-classificação entre as alunas entrevistadas da


EJA, não seguiu a mesma tendência apresentada pelo IBGE (2007). Enquanto a maioria
das alunas entrevistadas optaram pelo termo morena e suas variáveis (claro, escuro),
segundo o IBGE, a população brasileira que se auto-declara preta e parda está aumentando.
A análise desses dados divulgados pelo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
em setembro de 2008 19, demonstram a existência de uma curva ascendente daqueles que
se declaram negros na sociedade brasileira. Este fenômeno torna-se perceptível tanto na
área urbana como na rural. Em 1993, o total de pessoas residentes nas áreas urbanas que se
declararam como negras representavam 42%, subindo para 47% no ano de 2006. Na zona
rural percebe-se essa mesma tendência.
Ainda segundo essa análise, realizada pelo IPEA (2008), este fenômeno ocorre em
praticamente todas as faixas etárias, indicando que não se trata de uma questão geracional
de auto-afirmação identitária e nem tampouco de um fenômeno eminentemente urbano,
mas sim de uma tendência observada em toda a população.

19
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher;
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das desigualdades de gênero e raça – 3ª edição -
Análise preliminar dos dados, 2008.
56

Mesmo não utilizando as categorias do IBGE – Preto, Pardo, Amarelo, Branco e


Indígena – duas entrevistadas optaram por se auto-identificar como Pretas, uma das
entrevistadas, IEV, se classificou como negra, citou as categorias utilizadas pelo IBGE,
mas disse não se reconhecer como parda:

...esses dias atrás perguntaram pra mim: você é parda? Como que é
parda, branca, ou negra? Eu não acho que eu sou parda.... Por que
pardo eu não sou, por que pardo? Papel pardo? Aquele papel, coisa
mais feia. Aquela, ou é branco, ou é preto, eu me classifico preto,
negra, por que não.(IEV)

Simon Schwartzman, (1999, p. 2) ao discutir a questão da raça ou cor no Brasil, diz


que,
A discussão acadêmica sobre o tema da raça ou cor no Brasil tem
como uma de suas principais referências um texto clássico de
Oracy Nogueira, que contrasta o "preconceito de origem", que seria
típico dos Estados Unidos, com o "preconceito de marca", que seria
mais típico do Brasil. Segundo esta interpretação, nos Estados
Unidos, o que define um "negro" na sociedade segmentada seria
sua ascendência africana e escrava, sua origem, e não o fato de a
pessoa ter a pele mais ou menos escura. No Brasil, ao contrário,
seria a cor da pele, mais do que sua origem, que definiria as
pessoas socialmente, e serviria de base para preconceitos e
discriminações.

Assim sendo, podemos perceber que no Brasil, o preconceito varia em função da


quantidade de melanina na pele, a discriminação racial vai se intensificando quanto mais
escura é a pele das pessoas. Segundo Petruccelli (2007), os indivíduos buscam uma
diversificação maior da cor na auto-classificação, na tentativa de driblar práticas de
discriminação racial existentes em nosso país.
57

III – CAPÍTULO

RELAÇÕES RACIAIS E PROCESSOS DISCRIMINATÓRIOS NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

3.1 – Trajetórias de Migração das Alunas Negras

Neste capítulo começamos a analisar os dados coletados durante as entrevistas, o


primeiro dado apresentado com certa freqüência nas respostas foi o fato das alunas
entrevistadas serem majoritariamente migrantes ou filhas de famílias que migraram.
Dentre as 21 entrevistadas, apenas 07 nasceram em Tangará da Serra, mesmo estas,
são filhas de famílias migrantes, conforme podemos ver na tabela a seguir:

TABELA 04 – Cidade e/ou Estado de Origem das Alunas e dos Pais das Alunas
entrevistadas da EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande
CIDADE/ESTADO DE CIDADE/ESTADO DE
ALUNA IDADE ORIGEM ORIGEM
DAS ALUNAS DOS PAIS DAS ALUNAS
MJL 45 Maceió – AL PAI: Estado de Pernambuco
MÃE: Estado de Pernambuco
TFS 25 Tangará da Serra – MT PAI: Estado da Bahia
MÃE: Estado de Minas Gerais
CBG 40 Cuiabá – MT PAI: Estado da Bahia
MÃE: Estado da Bahia
LBS 43 Pedra Azul – MG PAI: Estado de Minas Gerais
MÃE: Estado de Minas Gerais
EGL 28 Tangará da Serra – MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
MAC 22 Tangará da Serra – MT PAI: Estado de Minas Gerais
MÃE: Estado do Paraná
58

EAB 63 Campo Grande – MS PAI: Estado de Pernambuco


MÃE: Estado de Pernambuco
DSC 39 Rio Branco – AC PAI: Estado de Minas Gerais
MÃE: Estado de Minas Gerais
RCM 31 Tangará da Serra – MT PAI: Estado de São Paulo
MÃE: Estado do Espírito Santo
MMP 38 Rondonópolis – MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
MAM 38 Tangará da Serra – MT PAI: Estado do Espírito Santo
MÃE: Estado de Minas Gerais
CFS 28 Tangará da Serra – MT PAI: Estado de Sergipe
MÃE: Estado de Minas Gerais
FRS 45 Porecatu - PR PAI: Não informou
MÃE: Não informou
NGC 25 Juína - MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
ROS 20 Tangará da Serra – MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
LMR 24 Cuiabá – MT PAI: Estado de São Paulo
MÃE: Estado do Paraná
IEV 28 Iguatemi – MS PAI: Não informou
MÃE: Não informou
MAF 42 Naviraí – MS PAI: Estado da Bahia
MÃE: Estado da Bahia
JGA 23 Cuiabá – MT PAI: Estado do Maranhão
MÃE: Estado do Maranhão
RVG 31 Riacho do Iguatemi – PE PAI: Estado de Pernambuco
MÃE: Estado de Pernambuco
EGS 27 Barra do Bugres – MT PAI: Estado do Paraná
MÃE: Estado do Paraná
Fonte: Levantamento realizado pela Pesquisadora - 2009

Podemos ver nos depoimentos coletados, que as famílias das alunas entrevistadas,
passaram por diversas cidades antes de se fixarem em Tangará da Serra.

...eu sou cuiabana, nasci em Cuiabá e só me criei lá, fiquei lá até os


sete anos, fui pro interior, (...), fui pro Espírito Santo, criei meus
filhos lá, ta com cinco anos que eu voltei pro Mato Grosso
novamente, vim direto pra Sapezal, meus filhos hoje moram ali em
Sapezal, e eu aqui. (CBG)

Eu vim de Mato Grosso do Sul, da cidade de Navirai (...) nasci em


Campo Grande. (EAB)
59

[Você veio de qual cidade?] Cuiabá [Você nasceu em Cuiabá?]


Não, vim de Minas. [Quando você veio de Minas para Cuiabá?]
Tipo assim, na verdade não foi bem pra Cuiabá que eu vim, né, na
verdade foi pra outra cidade que é Rio Branco (...). (DSC)

Eu vim pra cá, ...a gente morou assim, nessa região mesmo,
moramos em Nortelândia, Arenápolis, aí eu estava em Juína, de
Juína, em 2003 eu vim pra Tangará. (NGC)

A questão colocada no roteiro para a realização das entrevistas, perguntava qual era
a procedência geográfica das depoentes, uma vez que Tangará da Serra é uma cidade que
acolhe migrantes de várias partes do país. A intenção era compreender de que modo esse
processo migratório interferiu nas trajetórias de escolarização desse grupo de alunas
entrevistadas.
Estudar o movimento de migração, tem se tornado uma atividade cada vez mais
complexa. Os fluxos migratórios são cada vez mais intensos e as motivações para migrar
vão desde dificuldades econômicas, políticas, sociais e religiosas, passando por questões
como fenômenos naturais desfavoráveis. Todos estes fatores acabam por estimular,
esporadicamente a transferência de pessoas para outras áreas, que não as de origem, na
esperança de encontrarem melhores condições de existência.
Trata-se de um movimento de mobilidade espacial, isto é, de deslocamento de
pessoas de uma região para outra, em caráter permanente ou temporário. A migração é um
fenômeno que ocorre tanto através de transferências de população dentro das mesmas
fronteiras políticas (migrações internas, ou internacionais), quanto através dessas
fronteiras.
Segundo Itamar Souza (1980, p. 30) podemos entender o processo de migração
como ―[...] um processo social resultante de mudanças estruturais de um determinado país,
que provocam o deslocamento horizontal de pessoas de todas as classes sociais que por
razões diversas, deixam o seu município de nascimento e vão fixar residência noutro‖.
Martins, em seu livro A Chegada do Estranho (1993, p. 12) assim escreve:
60

Assim como a devastação da floresta destrói definitivamente


espécies vegetais úteis, a devastação ou a mutilação de grupos
sociais diferentes do nosso suprime modos de viver e de pensar,
bem como destrói saberes que representam um germe de alternativa
para a desumanização acelerada que estamos vivendo. É verdade
que, sob a devastação humana que presenciamos, persiste uma
notável capacidade de recriação e regeneração de idéias e modos de
vida, muitas vezes através da assimilação, redefinida, das
concepções do inimigo.

O processo de migração, para estas famílias, possibilita o contato com o outro, com
o diferente, o que pode ocasionar mudanças em seus hábitos. Entre os hábitos que mais
sofrem alterações estão os de habitação, de alimentação, de lazer e, principalmente, os de
convivência social. Isto ocorre pelas dificuldades enfrentadas para se adaptarem à nova
cidade e seus moradores, em seus relacionamentos na escola, no trabalho, na vizinhança e
em outros locais.
Os migrantes tendem a incorporar certos aspectos culturais de outros grupos após o
encontro, pois apesar de diversos costumes serem percebidos como diferentes ou
estranhos, pode ocorrer que assimilem atitudes ou que tenham idéias antes não conhecidas
ou não consideradas.
Ao analisarmos o processo migratório efetivado pelas famílias das entrevistadas,
percebemos que a motivação principal, em parte, é a mesma dos primeiros colonizadores
da região e do município, como visto no capítulo I, qual seja, a busca de uma melhor
qualidade de vida, a busca de mais oportunidades de trabalho.
Durante as entrevistas, tanto as alunas que migraram, como as que nasceram em
Tangará da Serra, ao falar dos pais, relatam que migraram em busca de melhores condições
de vida e trabalho:

(...) eles vieram atrás de oportunidade, só que não acharam, não


acharam o que eles esperavam que iam achar aqui, ficaram do
mesmo jeito que estavam. (MMP)
61

Eu nasci na Barra do Bugres, (...). Meu pai é de Sergipe, minha


mãe é de Minas Gerais.(...) Eles já vieram para Mato Grosso
casados. (...) Eles vieram porque a facilidade aqui é maior, de vida
financeira (...) a gente já tinha parente aqui e fomos convidados pra
vim pra cá (...). (CFS)
Meus pais nasceram no Paraná.(...) A vida lá era meio difícil, eles
vieram procurar uma vida melhor. (ROS)

É que em Cuiabá estava difícil a vida (...) Como mãe solteira, aí


vim pra cá, na verdade eu vim pra nova Olímpia, cheguei em Nova
Olímpia a dificuldade de vida lá é extrema, não tem como uma
pessoa, mãe solteira, viver lá, ai vim pra cá. (LMR)

Eu nasci em Iguatemi no Mato Grosso do Sul (...) Vim para o Mato


Grosso, com meus pais e meus avôs.(...) O trabalho que lá, onde
agente morava não tinha, e aqui, na época tinha. (IEV)

(...) nós já éramos comerciantes lá em Mato Grosso do Sul e aqui


era um lugar novo e estava vindo muita gente de tudo quanto era
lugar, de toda aquela região por lá. Aí meu esposo veio aqui pra
conhecer, se apaixonou, já deixou ponto alugado, tudo, disse vamos
mudar a loja pra lá, (...) em poucos meses, construímos e ficamos
no comércio.(EAB)

Em quase todos os relatos, as entrevistadas referem-se sempre a Mato Grosso e por


último à Tangará da Serra, como um lugar que parecia ser de grandes oportunidades.
Percebemos também, que um dos fatores que facilitam a decisão de migrar é a presença de
alguns membros da família ou de amigos na região de destino:

(...) nós tínhamos uns amigos aí na Barra do Bugres, ligamos (...)


para ele de Alagoas e ele disse que se meu esposo viesse pra cá, pra
Itamaraty ele fichava, eu liguei pro meu esposo, ele veio e no outro
62

dia fichou e aí nós passamos dezesseis anos em Nova Olímpia.


(MJL)

(...) olha foi assim a facilidade maior, de vida financeira que eles
tiveram aqui no Mato Grosso, a gente já tinha parente aqui e fomos
convidados pra vim pra cá e resolvemos, viemos e estamos aqui até
hoje. (CFS)

Porque meu pai já veio na época pra cá né, e eu fiquei casada


lá...depois agente veio, separei, e vim embora atrás dos meus pais
(...). (FRS)

(...) a cidade é boa pra morar com família, não tem aquele ‗vuco –
vuco‘, igual aquilo em Cuiabá, aí eu gostei, vim a primeira vez,
passear na casa de amigos, depois eu gostei e vim de novo pra
morar. (JGA)

Segundo Thompson (2002), a decisão de migrar é influenciada pelo que ele chama
de ―redes de relações sociais‖ ou ―redes de sociabilidade‖, caracterizadas pelas “redes de
apoio familiar” ou “família ampliada”, que ocorre quando um ou alguns membros da
família ou grupos de amigos migram e acabam influenciando os outros membros da
família ou amigos a fazerem o mesmo.
A fronteira, segundo Martins (1997), é o ponto limite de territórios que se
redefinem continuamente, disputados de diferentes modos, por diferentes grupos humanos.
Durante os depoimentos, muitas entrevistadas relatam as dificuldades que passaram
quando chegaram aqui, dificuldades na adaptação, em fazer novas amizades e um certo
estranhamento que os que aqui estavam sentiam em relação aos recém-chegados.

Aqui tem muito preconceito, muita discriminação, (...) não só de


negro (...). O nordestino! É talvez, mais do que o negro hoje, as
pessoas acham que lá é tudo seca, que lá se passa fome, lá todo
mundo vive saqueando, (...) caminhão, quando chega época da
63

seca, pra pode comer, e é muito o contrário, porque não conhecem


o nordeste. (EAB)

Próximo da minha casa tem uma mulher que ela não conversa
comigo por que eu sou de cor escura e ela é bem, ela é gaúcha né, e
pra mim, eu nunca comentei nada, mais pra mim, eu acho que a
pessoa não deveria ter esse preconceito. (LMR)

As famílias das alunas entrevistadas, são de migrantes negros. Quando chegaram


em Tangará da Serra, encontraram os grupos de sulistas, em sua maioria brancos, que
vieram nos anos anteriores. Assim, sofreram o impacto do encontro com as diferenças
raciais/fenotípicas e também com relação as diferentes culturais. Esse encontro muitas
vezes termina por gerar uma disputa pelos espaços territoriais, mas também simbólicos.
Norbert Elias (2000), ao estudar as relações estabelecidas entre dois grupos
distintos, e divididos, de forma hierarquizada, em Winston Parva, na Inglaterra, mostra que
um grupo considerava-se ―melhor‖, denominado por Elias como os Estabelecidos, e que o
outro grupo inferiorizado pelos primeiros, foi chamado de Outsiders. O que determinava o
grupo de pertencimento era o tempo de residência no local. Assim, entendemos os
conflitos entre os residentes mais antigos e os recém-chegados a Tangará da Serra no
processo de migração.
Ainda citando Elias (2000, p.23), o grupo estabelecido elabora estratégias de
silenciamento que desconcertam aqueles que resistirem. Nas relações de poder entre os
grupos sociais, ―um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem
instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído‖. Este autor
diz ainda, que estigmatizar ―é uma arma utilizada pelos grupos superiores nas disputas de
poder, como meio de manter sua superioridade social‖. Ainda mais discriminado, o grupo
dos outsiders sente-se envergonhado e culpado, anulando sua reação. Porém, como já está
estigmatizado e já incorporou o estigma que lhe foi atribuído, fica sem condições de
resposta:

[...] aqueles que são objetos do ataque não conseguem revidar


porque,apesar de pessoalmente inocentes das acusações ou
censuras, não conseguem livrar-se, nem sequer em pensamento, da
64

identificação com o grupo estigmatizado. Assim, as calúnias que


acionam os sentimentos de vergonha ou culpa do próprio grupo
socialmente inferior, diante de símbolos de inferioridade e sinais do
caráter imprestável que lhes é atribuído, bem como a paralisia da
capacidade de revide que costuma acompanhá-los, fazem parte do
aparato social com que os grupos socialmente dominantes e
superiores mantém sua dominação e superioridade em relação aos
socialmente inferiores. (ELIAS, 2000, p.23)

A luz dessas reflexões, promovidas por Elias, buscamos compreender as relações


raciais no Brasil, especialmente na escola, que serão tratadas no próximo tópico.

3.2 – Relações Raciais e Escola

Um dos principais objetivos desta pesquisa, é compreender se a cor/raça das alunas


matriculadas na EJA, teve implicação nas suas trajetórias escolares. Buscamos através das
entrevistas, conhecer os motivos que levaram as alunas a não concluírem o ensino regular.
Através dos depoimentos coletados, foi possível perceber que as alunas
matriculadas nesta modalidade de ensino, vêem de famílias que também não tiveram
acesso à educação, e na maioria dos relatos, fica claro que não só as condições sociais, mas
também a discriminação racial contribuíram para que essas alunas não concluíssem seus
estudos em idade regular.
Todos os trabalhos de pesquisa, realizados pelo NEPRE – Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da UFMT, têm demonstrado que a escola
está recheada de mecanismos intra-escolares de discriminação racial. São pesquisas que
demonstram o quanto o conteúdo do livro didático, a prática pedagógica, a relação entre
professor e aluno, entre outros, podem contribuir para o fracasso escolar dos alunos negros.
A coleção Trabalhando as diferenças em Mato Grosso, organizado pela Professora
Drª. Maria Lúcia Rodrigues Muller, através do NEPRE, no volume 04, que trata das
relações raciais na educação, no texto 01, sobre racismo, preconceito e discriminação racial
no cotidiano escolar (SANTOS: 2006, p. 29) mostra que ―estudos sobre a escolarização do
65

negro no Brasil trouxeram como resultado a indicação de existência de barreiras que lhe
atravessavam o percurso educacional até a universidade‖.
Nesse texto, acima citado, uma das pesquisadoras, Cássia Fabiane dos Santos Souza
(2006, p.42), escreve que os profissionais da educação são agentes reprodutores da
discriminação e do racismo no espaço escolar e cita Cavalleiro (1999, p. 51),

...um olhar mais cuidadoso para as relações estabelecidas na escola


flagra situações que constatam a existência de um tratamento
diferenciado em função do pertencimento racial dos alunos. Essa
diferenciação de tratamento pode ser considerada uma ação
antieducativa, concorrendo para a difusão e a permanência do
racismo na nossa sociedade.

Nos depoimentos coletados, apenas 01 das 21 alunas entrevistadas diz claramente


ter deixado a escola por ter sido discriminada. A aluna declarou que aos 11 (onze) anos
desistiu de estudar por ter sofrido discriminação racial. Ao ser perguntado sobre a
existência de preconceito na escola ela respondeu que:

Ah tinha, às vezes quando eu era pequena, eu lembro quando eu


tinha 11 anos, eu saí uma vez por causa disso, porque agora não,
que a gente pode faze tratamento no cabelo, mas muitos me
chamavam de neguinha, cabelo duro, essas coisa.... e isso me levou
também a saí da escola.(TFS)

Contudo, sabemos que existem vários mecanismos de discriminação intra-escolares


que levam os alunos a interromperem seus estudos na idade regular. Segundo Rosemberg
(1987), existe uma situação desfavorável aos alunos negros dentro do processo escolar. A
autora percebe que alunos negros apresentam índices de exclusão e de repetência
superiores ao de alunos brancos em todas as séries iniciais do ensino fundamental. Revela
ainda, que os alunos negros vivenciam uma trajetória escolar mais curta e mais acidentada
que a dos alunos brancos.
As pesquisas realizadas por Regina Pinto (1987), também demonstram os vários
mecanismos intra-escolares de discriminação racial. Segundo a pesquisadora, são várias as
66

dificuldades enfrentadas pelos alunos negros dentro do ambiente escolar, ―tudo indica que
a criança negra enfrenta dificuldades na escola‖, prejudicando o processo de
aprendizagem, chegando ao ponto de recusar ir à escola.
Assim, acreditamos que a maioria das alunas entrevistadas, provavelmente tenha
passado por situações de discriminação racial na escola, mesmo não querendo relatar essas
situações, tanto que ao serem perguntadas se na opinião delas existe discriminação racial
no Brasil, a maioria respondeu que sim:

Existe! Tem, tem sim. (MJL)

Ah, eu creio que sim, professora. Eu penso que sim. (LBS)

Existe, não só de negro, como de branco também, tem pessoas que


discriminam os brancos também, o nordestino, o branco, o preto,
aqui tem muito preconceito, muita discriminação.(EAB)

Na seqüência, foi perguntado se elas já haviam passado por alguma situação de


discriminação racial, e então a situação se inverte, a maioria respondeu que não:

Não, eu não, eu nunca tive problema com isso, não sei se porque,
por causa da minha popularidade, porque eu faço amizade com
todo mundo, branco, preto, rico, pobre, não tenho isso, quer dizer,
mulher, jovem casada, tenho facilidade com qualquer pessoa.
(MJL)
Eu graças a Deus nunca aconteceu isso comigo (...), pelo menos se
alguém já me discriminou, eu não me senti discriminada, mas a
gente vê muitas histórias. (LBS)

Contudo, quando foi perguntado se elas conheciam alguém que já havia passado
por essa situação, novamente, a maioria tinha uma história para contar:

Deixa eu lembrar, (...) já vi sim, já na rua que eu morava lá em


Nova Olímpia, tinha uma menina era sozinha e morava na casa dela
67

com os filhos, conheço pessoas que passaram por ela e nem


falavam com ela por causa disso.(MJL)

Já conheço pessoas (...) geralmente na área de emprego né. A gente


vê se você é uma pessoa simpática se tem mais facilidade pra te um
emprego, né? Se é uma pessoa mais simples, principalmente pele
negra, ele tem muito mais dificuldade. (LBS)

A não percepção do racismo por parte de muitos negros, de acordo com Cavalleiro
(2003, p. 33), ―está ligada à estratégia da democracia racial brasileira, que nega a
existência do problema. A ausência do debate social condiciona uma visão limitada do
preconceito por parte do grupo familiar, impedindo a criança de formar uma visão mais
crítica sobre o problema‖.
Fúlvia Rosemberg e colaboradoras (1986), realizaram um importante estudo sobre a
relação entre o rendimento escolar e raça no Estado de São Paulo. Ela conclui que as
crianças negras tendem a repetir o ano com uma freqüência maior do que as brancas. As
autoras destacam, também, que as crianças negras são excluídas mais cedo do sistema
escolar, particularmente na passagem da 3ª para a 4ª série primária do Ensino
Fundamental. É importante ressaltar que a pesquisa foi feita na década de 80.
As crianças negras, segundo Rosemberg (1986), apresentam uma trajetória escolar
mais acidentada do que as crianças brancas, vivenciando um maior número de
afastamentos e retornos para a escola, o que indica uma interação difícil entre o sistema
escolar e o alunado negro. A autora ressalta que, apesar das dificuldades, o alunado negro
esforça-se por permanecer na escola.
Outro aspecto a ser considerado, dentre os mecanismos intra-escolares de
discriminação racial, é o livro didático. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas, no
sentido de demonstrar que os alunos negros têm que conviver com imagens negativas e
estereotipadas, e em alguns casos, existem livros com conteúdo racista e preconceituoso.
Estudos realizados pelo NEPRE20, demonstram uma ausência da questão racial no
planejamento de aula dos professores e no Projeto Político Pedagógico da escola . Na

20
Coleção: Trabalhando as Diferenças em Mato Grosso. MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues (org). Relações
Raciais na Educação. Cuiabá: EdUFMT , 2006. Vol. 4, p. 32.
68

maioria das vezes, a temática racial só é lembrada em datas alusivas aos negros, como por
exemplo, o dia 13 de maio ou o dia 20 de novembro, e, mesmo assim, sempre é dada uma
abordagem folclorizada e muitas vezes constrangedora para os alunos negros, pois não
existe prazer nem orgulho em ouvir que seus ancestrais foram escravos e sofreram no
tronco, que trabalhavam sem ter nenhuma recompensa, ou outras questões como essas,
muito comuns nas escolas.
A escola é um ambiente, que segundo Cavalleiro (2003, p. 98), utiliza-se de várias
formas de discriminação que vão desde a linguagem não verbal até os comportamentos
explícitos: ―No espaço escolar há toda uma linguagem não verbal expressa por meio de
comportamentos sociais e disposições, formas de tratamentos, atitudes, gestos, tons de voz
e outras, que transmite valores marcadamente preconceituosos e discriminatórios [...]‖.
Uma das entrevistadas (FRS), diz nunca ter sido discriminada diretamente, mas
quando perguntada se existe preconceito ou discriminação na escola, ela é categórica ao
afirmar que existe, mesmo que de uma forma muito sutil:

Até o modo das pessoas te olhar, te atender, você nota que ninguém
é bobo, tem uns que nota cumprimenta a gente numa boa e já tem
uns que é mais empinado, mais orgulhoso, assim é preconceito sim.

Quanto aos comportamentos explícitos, ou a linguagem verbal, esses mecanismos


intra-escolares de discriminação, vão desde piadas, xingamentos, apelidos depreciativos,
entre tantos outros. Embora durante as entrevistas, a maioria das alunas tenha dito nunca
terem sido discriminadas na escola, algumas chegaram a fazer alguns relatos pessoais e
também relataram algumas situações que tomaram conhecimento sobre outras pessoas:

Bom, eu às vezes, assim...(visivelmente constrangida) eu lembro de


críticas, quando eu era pequena né, na escola pela minha cor, pela
grossura dos lábios, lembro de críticas assim de outras crianças.
(LBS)

... tem um filho meu que tem o beiço bem grande sabe, [na escola]
eles chamam ele de beiçola, chama de urubu. (FRS)
69

Ah eu já vi, lógico que a gente via, eu tinha um colega que se


chamava José, o professor judiava, era na fazenda isso, mais
judiava desse menino, coitado, ... ele chegava sempre atrasado, e
ele era muito discriminado, porque ele era filho adotivo e ele era
preto, ele era o último da sala, ele era o último em inteligência,
porque ele era massacrado em casa e massacrado na escola. (EAB)

Já, se fica muito constrangida sabe, por que se chama um colega


seu de sala de negro ―ah seu negrinho preto‖, você entendeu? Com
aquele tom de grosseria, você que é negro se ofende, claro né, você
pega a dor do outro pra você, por que você tem a pele negra que
nem a dele. (CFS)

Com uma menina lá, colega minha, ela era bem mais escura do que
eu né... e sempre o pessoal chamava ela de pretinha, negrinha, de
macaca, um monte de coisa, sempre tem essas brincadeiras de mal
gosto, sabe que acontecia muito isso né.

Como podemos perceber, a escola está recheada de mecanismos de discriminação


racial, situações essas, que muitas vezes podem ter contribuído ou até mesmo levado essas
alunas a não concluírem seus estudos na idade regular. Para Munanga (2000, p.14)

Todos os preconceitos e discriminações que permeiam a sociedade


brasileira são encontrados na escola, cujo papel deve ser o de preparar
futuros cidadãos para a diversidade, lutando contra todo o tipo de
preconceito. Mas na prática, ela acaba é reforçando o racismo.

Quanto aos professores, embora essa análise não seja o objeto dessa dissertação,
vale ressaltar que muitas vezes eles se calam. Em várias situações, na escola pesquisada, os
professores mostram ignorar o fato da maioria dos alunos serem negros, e se negam a
dialogar sobre preconceito e racismo, ou mesmo quando percebem os conflitos raciais,
preferem o silêncio e a indiferença a enfrentar o próprio preconceito. Esse
70

desconhecimento é acompanhado de um medo ao diferente, muito presente no Brasil e


reforçado pelo mito da democracia racial, que estudaremos a seguir, no próximo tópico.
Não cabe acusar ou vitimizar os educadores, mas tentar compreender porque o
professor acaba se tornando um dos mecanismos intra-escolares de discriminação racial.
Segundo Gomes (2004) ―[os professores] tanto podem impulsionar um trabalho
pedagógico afirmativo e positivo, quanto pode resultar em medo, afastamento e
silenciamento do docente diante da questão racial”.
As desigualdades raciais que acontecem historicamente na sociedade brasileira
foram, aos poucos, sendo naturalizadas. Ainda citando Gomes (2004):

Esse processo contribui para a produção de uma reação perversa


entre nós: ao serem pensadas como processos naturais, essas
desigualdades tornam-se imperceptíveis. E, mesmo quando
percebemos, muitas vezes não reagimos a elas, pois nosso olhar
docente e pedagógico está tão ‗acostumado‘ com essa realidade
social e racial na escola, que tendemos a naturalizá-la e não a
questionamos.
Munanga (2000, p.14) refere-se aos professores da seguinte forma: "Na maioria das
vezes os professores não estão preparados para lidar com as diferenças e muitos deles se
mostram predispostos a não esperar o melhor resultado do estudante negro e pobre."
Pensar na dinamicidade e complexidade do espaço escolar e da sala de aula é
perceber também a produção e reprodução de práticas e ações discriminatórias que
ocorrem cotidianamente. Essa percepção poderá acontecer, quando superarmos a idéia de
que vivemos numa democracia racial.

3.3 – O “Mito” que ainda precisa ser desmistificado

Neste tópico, abordaremos como ocorreu a construção do mito da democracia racial


no Brasil, mito este muito presente ainda hoje em toda a sociedade brasileira e que muitas
vezes explica o silenciamento e a indiferença diante das questões raciais.
É muito comum na sociedade brasileira, um discurso de que aqui, diferentemente
de outros países, não existem conflitos raciais. Além disso, imagina-se que em nosso país a
ascensão social do negro nunca esteve bloqueada por princípios legais tais como os
71

conhecidos Jim Crow21 nos Estados Unidos ou o Apartheid na África do Sul, ou seja, é
como se o critério racial jamais fosse relevante para definir as chances de qualquer pessoa
no Brasil. Em outras palavras, ainda se encontra fortemente difundido no Brasil a crença de
que vivemos numa plena democracia racial.
Essa crença fez com que a sociedade brasileira naturalizasse situações de
preconceito e discriminação racial; contribuiu e ainda contribui muitas vezes para a
invisibilidade da violência exercida sobre o indivíduo negro.
Segundo Heringer (2002), durante a década de 1930, quando o país iniciava sua
industrialização e, ao mesmo tempo, seus intelectuais debatiam em torno da definição de
uma identidade nacional, houve uma interpretação que ganhou força no meio intelectual
brasileiro, que assinalava "a idéia de que o Brasil era uma sociedade sem 'linha de cor', ou
seja, uma sociedade sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de
cor a cargos oficiais ou a posições de riqueza e prestígio‖, sintetizadas na concepção de
uma democracia racial.
A origem precisa desta expressão não está totalmente esclarecida. Como afirma
Guimarães (2002: 139) apud Heringer (2002),

[...] ―na literatura acadêmica especializada, o uso primeiro parece


caber a Charles Wagley: 'O Brasil é renomado mundialmente por
sua democracia racial', escrevia Wagley, em 1952...". No lugar de
nos envergonharmos de nossa maioria negra e mestiça, devíamos
nos orgulhar e admirar isto como um sinal de nossa tolerância e
integração racial. Afinal, nós não possuíamos uma segregação legal
como nos Estados Unidos e na África do Sul e éramos capazes de
conviver bem com todas as raças.

Para a autora acima citada, a controvertida crença numa democracia racial à


brasileira, teve no sociólogo Gilberto Freyre a mais refinada interpretação, tornando-se

21
―Jim Crow era um nome comum de escravo, e foi utilizado para intitular uma canção de Thomas Rice
(1808-60), artista do século XIX. Essa canção ridicularizava os negros, retratando-os como idiotas
engraçados, congenitamente preguiçosos, mas com uma aura de felicidade infantil. O nome foi aplicado à
legislação que contribuiu para a prática da segregação entre brancos e afro-americanos‖. CASHMORE, Ellis.
Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 284.
72

assim, um dos principais alicerces ideológicos da integração racial e do desenvolvimento


do país e foi suficientemente substantiva para atrair a atenção internacional.
A questão que se coloca, é porque esse mito ainda permanece no século XXI,
mesmo existindo inúmeras pesquisas que demonstram o quanto a sociedade brasileira é
injusta e desigual.
Segundo Jacques D‘Adesky (2001, p. 133), são três os motivos essenciais que
fazem o mito da democracia racial ser tão presente na nossa sociedade:

Primeiro, sua expressão coloca em primeiro plano um ideal futuro


de igualdade para todos e, ao mesmo tempo, tem o poder de ocultar
a realidade presente de desigualdades raciais colocando em
evidência a mestiçagem real da população; Segundo, há uma
dificuldade de falar abertamente das desigualdades raciais no
Brasil. Entre as décadas de 70 e 80, alguns acreditavam mesmo que
o racismo e a discriminação racial não ocorriam no Brasil e que
insistir nesses temas representava importação de um problema
particular dos Estados Unidos; Terceiro, a ideologia da democracia
racial continua a ter não apenas seus adeptos, mas também
defensores entre os intelectuais e acadêmicos brasileiros. Esses
últimos gozam de boa penetração na imprensa e na televisão, tendo
maior facilidade de publicar seus trabalhos em revistas
especializadas.

Outro fator que tem colaborado para o Mito da Democracia Racial sobreviver por
tanto tempo, é o ideal de branqueamento da população que foi construído ao longo do
século XX. Segundo Skidmore (1976, p.61), com a abolição da escravatura, foi criada no
Brasil uma política nacional de promoção da imigração européia, ―avassaladoramente
branca‖ que visava suprir a escassez de mão-de-obra; também contribui para essa tese de
branqueamento, compartilhada pela elite brasileira, uma diminuição da população
brasileira negra em relação à população branca, devido, entre outros fatores, a uma taxa de
natalidade e expectativa de vida mais baixas e, por último, devido ao fato da miscigenação
produzir uma população gradualmente mais branca.
73

Assim, segundo dados do IBGE22, em 1890, havia 44% de brancos, 41,4% de


mulatos e 14,6% de negros; em 1950, havia 62% de brancos, 27% de mulatos e 11% de
negros. Independentemente das questões levantadas quanto à metodologia e às categorias
utilizadas – branco, mulato e negro, podemos perceber um aumento gradual de
―embranquecimento‖ da população.
Esse ideal de branqueamento pressupunha uma solução para o problema racial
brasileiro, através da gradual eliminação do negro que seria assimilado pela população
branca. Assim, a mestiçagem era apenas um processo transitório.
Segundo Skidmore (1976, p. 84 e 85), nesse período, início do século XX, os
brasileiros foram encorajados na sua ideologia de ―branqueamento‖ por muitos
estrangeiros. Pierre Denis, em 1909, produziu uma relação de viagem muito lida sobre a
sua estada no Brasil, no qual dedicou um capítulo às ―populações negras‖, e sua crença na
diminuição gradual de negros no Brasil. O ex-presidente americano, Theodore Roosevelt,
esteve no Brasil entre 1913 e 1914, e escreveu um artigo para uma revista americana
descrevendo como ocorreria uma ―iminente desaparição do negro brasileiro‖. Vejamos um
trecho desse artigo que foi traduzido e publicado por um jornal brasileiro:

No Brasil ...o ideal principal é o do desaparecimento da questão


negra pelo desaparecimento do próprio negro, gradualmente
absorvido pela raça branca.[...]A enorme imigração européia tende,
década a década, a tornar o sangue preto um elemento
insignificante no sangue de toda a nação. Os brasileiros do futuro
serão, no sangue, mais europeus ainda do que o foram no
passado...(Skidmore, 1976, p. 85)

Logo, esses discursos passaram a fazer parte do cotidiano de toda a sociedade


brasileira, tanto o mito da democracia racial quanto o ideal de branqueamento, ganham
uma leitura popular. Muitos estudos tem demonstrado que uma significativa maioria dos
brasileiros reconhecem-se como misturados, assim como valorizam essa mistura. O que
ocorre quando se ressalta e valoriza essa mestiçagem é que há uma confusão da ―mistura
racial no plano biológico com as interelações raciais no sentido sociológico. Supondo que a

22
Apud SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 62.
74

primeira ocorreu sem conflito (...) sugerem que as últimas também existiram sem conflito‖
(Hasenbalg, 1995, p. 358).
Quanto ao ideal de branqueamento, segundo Oracy Nogueira (1985, p.84), ele é
incorporado pela população e se apresenta através de uma desvalorização da estética negra
e em contrapartida uma valorização da estética branca. Além disso, esse ideal apresenta-se
como uma tentativa de ‗melhorar‘ a raça através de casamentos mistos. Sendo que ―quando
o filho do casal misto nasce branco, também se diz que o casal teve ‗sorte‘; quando nasce
escuro, a impressão é de pesar‖ .
Nos relatos sobre suas trajetórias de vida, as alunas entrevistadas vão demonstrar
essa valorização da estética do branco em detrimento da estética do negro:

(...) meus filhos, eles não saíram tão escuro né, (...) eles não são tão
morenos, eles são bem mais claros, então, já não sofre preconceito
e até porque os cabelos já vieram melhor né. (TFS)

(...) geralmente na área de emprego né. A gente vê, se você é uma


pessoa simpática você tem mais facilidade pra te um emprego. Se é
uma pessoa mais simples, principalmente pele negra, ele tem muito
mais dificuldade. (LBS)

(...) eu tenho um irmão que ele é negro, eu também sou morena


mais ele é bem mais negro que eu, os lugares e ambientes que ele
freqüenta, principalmente loja, existe aquele preconceito, por que a
pessoa olha, fica de olho, assim pensando que ele vai roubar (...)
porque geralmente quando a gente vê na televisão, geralmente
esses assassinos, geralmente são negros, então às vezes eles têm
preconceito com outro que não tem nada a ver, aí entra na loja, já
fica de olho, já aconteceu com meu irmão. (JGA)

(...) porque negro é sempre aquele que mata, rouba, estupra, que faz
tudo isso, branco já geralmente eles nunca fazem (...) (RVG)
75

Podemos compreender melhor esses relatos, a partir da definição da Pesquisadora


Müller (2005), quando nos diz que:

O preconceito racial constitui uma forma negativa de perceber um


indivíduo ou grupos raciais que tenham fenótipos diferentes dos
que se denominam superiores. Para tanto as características físicas
como a cor da pele, o tipo de cabelo, o tipo de nariz, o tipo de
lábios, etc., caracterizam a suposta superioridade.

Ainda citando Müller (1999), conseguimos perceber que as relações raciais na


sociedade brasileira, são marcadas por esta ideologia de branqueamento, quando diz que,
O preconceito e a discriminação estão cotidianamente presentes nas
relações sociais, embora sejam disfarçados por mecanismos sutis
de evitação. É o chamado ―racismo à brasileira‖ que impõe
estratégias de ―branqueamento‖ àqueles que desejam ou podem
ascender socialmente. (1999, p. 23)

Percebe-se que tanto a construção do mito da democracia racial, como esse ideal de
branqueamento encobrem o problema da discriminação racial na escola, por isso, muitas
vezes, durante a realização das entrevistas, no momento em que eram abordadas questões
sobre as relações raciais, o silêncio e o constrangimento tomavam conta das alunas. Todas
as pessoas entrevistadas demonstraram falta de interesse em dialogar sobre o assunto,
deixando claro que não se sentiam bem, muitas vezes pediam até mesmo para interromper
a gravação, como podemos verificar nesses depoimentos:

[Nunca viu nenhum caso de preconceito racial?] Por


enquanto não, nem quando eu estudava, mas eu não tenho o que
falar agora. Aqui na escola eu nunca vi isso não, nem na outra
também, não comigo eu não vi nada de mais. [Pede para parar de
gravar...fala que é morena, mas sua mãe é negra, descendente de índios]
(RCM)
76

No caso dessa entrevistada, é interessante notar que quando foi perguntado se na


opinião dela existia preconceito e discriminação racial no Brasil, ela responde que sim, que
tem muito preconceito, contudo, na seqüência, quando é solicitado que ela relate algum
episódio que tenha visto ou sofrido, ela responde com a citação feita acima.
Esse silenciamento diante do preconceito e da discriminação racial também pode
ser visto em outros depoimentos:

[Você já sofreu algum tipo de discriminação?] Não...que eu saiba


não. Assim..., eu acho, que essa parte eu não vou falar não... meio
chata. (MAM)

[Você acha que na escola existe preconceito, discriminação


racial?] Acho que sim ainda, ainda existe um pouco, mais existe
né, não esta tão na cara, mais existe. [A entrevistada pergunta se
tem outras questões, e diz que não gostaria de falar sobre esse
assunto] (IEV)

[Em sua opinião existe preconceito e discriminação racial na


escola?] Às vezes eu acho que sim. [Por quê?] Ah, num sei
explica. [Já passou por alguma situação?] Não eu não
particularmente não. (RVG)

Enfim, percebemos que o mito da democracia racial, ainda hoje, tem contribuído para a
negação da existência do preconceito e da discriminação em muitas situações cotidianas, pois é
justamente a idéia de uma sociedade sem racismo que constitui um dos fatores que dificultam a
visibilidade das atitudes discriminatórias presentes na sociedade, e conseqüentemente na
escola.
77

IV – CAPÍTULO

TRAJETÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO:
OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS DAS ALUNAS DA EJA

4.1 – As famílias e as trajetórias de escolarização

Na busca de tentar compreender os motivos que levaram as alunas negras da EJA a


não concluírem seus estudos na idade regular, procuramos conhecer um pouco mais sobre a
escolaridade dos seus pais. Não pretendemos efetuar aqui, entretanto, um estudo sobre
configurações familiares e fracasso escolar. O que buscamos foi uma compreensão do
ponto de vista do outro, ou seja, de como as alunas pesquisadas explicam para si o seu
percurso escolar.
Conforme nos alerta Zago (2000, p. 20), ao estudarmos sobre a realidade escolar
nos meios populares, é preciso que levemos em conta também outras dimensões da vida do
aluno além da estritamente escolar, entre elas a participação deste no trabalho e a rede de
relações sociais da qual faz parte, ou seja, as trajetórias sociais desses alunos são
fundamentais.
E esses diversos fatores são interdependentes, conforme nos diz Velho (1997, p. 28)
(apud Zago, op. cit., p. 20):

Por mais que seja possível explicar sociologicamente as variáveis


que se articulam e atuam sobre biografias específicas, há sempre
algo irredutível, não devido necessariamente a uma essência
individual, mas sim a uma combinação única de fatores
psicológicos, sociais, históricos, impossível de ser repetida ipsis
78

litteris.

Cada uma das alunas pesquisadas possui uma história de vida singular, porém,
para quase todas, a questão da família diretamente relacionada ao grau de escolaridade dos
pais, representou um motivo relevante para que cada uma delas interrompesse sua vida
escolar. Apresentamos, a seguir, um quadro resumido com a escolaridade dos pais dessas
alunas:

TABELA 5 NÍVEL DE ESCOLARIDADE DOS PAIS DAS


ENTREVISTADAS
Nível de
Entrevistadas
Escolaridade dos Pais
MJL Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
TFS Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Analfabeta
CBG Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
LBS Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
EGL Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
MAC Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Médio Completo
EAB Pai – Ensino Médio Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
DSC Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
RCM Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
MMP Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
MAM Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
CFS Pai – Analfabeto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
FRS Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
NGC Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
ROS Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
79

LMR Pai – Ensino Fundamental Incompleto


Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
IEV Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
MAF Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
JGA Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto
RVG Pai – Analfabeto
Mãe – Analfabeta
EGS Pai – Ensino Fundamental Incompleto
Mãe – Ensino Fundamental Incompleto

Fonte: Levantamento realizado pela pesquisadora. Fevereiro e Março de 2009

Ao analisarmos o quadro, percebemos claramente que a maioria das entrevistadas


são filhas de pais analfabetos, e mesmo as que disseram que os pais possuem o ensino
fundamental incompleto, relatavam que os mesmos só sabiam ler e escrever, sendo que,
duas depoentes, afirmam que os pais só sabem ler a Bíblia:

Meus pais são analfabetos de tudo, minha mãe não sabia ler nada,
ela aprendeu a ler a Bíblia depois que ela virou crente, (...), ela
pediu pra Deus e ela, começou ler a Bíblia,(...) Deus ensinou ela
ler, (...) ela lia a Bíblia de Gênesis a Apocalipse, mais outra letra
ela não lia, só a Bíblia. (MJL)

(...) o meu pai ele lê, assim, depois que ele passou a ser evangélico,
ele aprendeu a ler na Bíblia. A minha mãe também, pela mesma
questão, ela começou a estudar uma vez, (...), mais estudou pouca
coisa, eles lêem pouca coisa, mal assinam o nome. (LBS)

Esse quadro apresentado é revelador, à medida que nos mostra que uma das grandes
dificuldades enfrentadas por essas alunas da EJA, que inclusive contribuíram para que elas
interrompessem os estudos na idade regular, foi a falta de apoio que encontravam na
família, pois não havia em casa alguém que pudesse ajudá-las nas tarefas escolares, que as
incentivasse ou mesmo valorizasse o conhecimento escolar, como elas mesmas relatam:
80

Ele [o pai] colocava na escola, só para aprender a ler e escrever,


por que ele não sabia, mais o restante, para se formar (...) assim,
não.
[E quando você parou de estudar, como seus pais reagiram?]
Nunca reclamaram que a gente parou de estudar, todos meus
irmãos pararam na quarta série, só terminaram a quarta série, (...)
pra ele o importante era só saber ler e escrever (...) (MJL)

[E a sua mãe, ela nunca te incentivou a voltar a estudar?] Não,


minha mãe era cozinheira, toda hora estava naquele fogão,
enquanto tivesse um freguês, tinha que estar cozinhando e
servindo, era nossa vida, hoje é que eu vejo a escravidão que eu
vivia, e o dinheiro que eu ganhava, meu padrasto gastava tudo (...)
(EAB)

[Porque você não conseguiu estudar quando era criança?] Nunca!


Meu pai colocava, ele achava que era uma besteira, meu pai e
minha mãe não sabem nem ler e nem escrever, eles acharam que
era uma besteira, onde os filhos ficavam despreocupados, pra eles a
escola era só pra fazer bagunça, (...) nunca interessou colocar nós
num colégio, só na roça, eu só conheci roça até agora (...) (DSC)

Eu lembro, por que meu pai ficava mudando muito, (...), ele
mudava demais, então nós repetia muito de ano. Todo ano ele
arrumava mudança, a transferência nossa sempre de uma escola pra
outra, uma escola pra outra, não findava o ano numa escola, então
nós fomos reprovando, aí eu parei na terceira, (...) o meu pai não
importava, meu pai já era ignorante ele falava bem assim: ‗Ah já
pegou a terceira série pra escrever carta pra macho, já tá bom de
mais (...) (FRS)

(...) meus pais não estimulavam né (...) estudei, fiz até a quarta
série, aí eu sai, por livre e espontânea vontade e tem uns dez anos
81

que eu parei e retornei agora (...) [Quando você parou qual foi a
reação de seus pais?] Não teve reação alguma, por que para eles
tanto fazia, se eu estudava ou não, não fazia a menor diferença.
(LMR)

[Quando você parou qual foi à reação dos seus pais?] Não teve
reação nenhuma, teve reação pela gravidez pelo estudo não. (EGS)

Não pretendemos culpar os pais pelo fracasso escolar dos filhos, mas
podemos perceber uma falta de valorização do estudo por essas famílias de classe baixa.
Como conseqüência, teremos uma ampliação das desigualdades educacionais, que irão
marcar a trajetória escolar dessas alunas, uma vez que, essas famílias de baixa renda, não
possuem condições de investimentos educativos e apresentam um capital cultural
extremamente reduzido. Segundo Zago (2007, p. 144),

(...) a origem social exerce forte influência no acesso às carreiras


mais prestigiosas, pois a elas estão associados os antecedentes
escolares e uma série de investimentos que se transformam em
credenciais com peso não negligenciável nos processos seletivos
(aulas particulares, viagens, cursos de língua estrangeira, para citar
alguns exemplos). É amplamente conhecida a tese de que quanto
mais os recursos (econômicos e simbólicos) dos pais, mais os filhos
terão chances de acesso ao ensino superior e em cursos mais
seletivos (...) e em empregos com melhor remuneração.

A partir das narrativas feitas pelas alunas, podemos perceber o que afirma Oliveira
(2000, p.2), quando nos diz que o educando adulto da EJA, geralmente é migrante que
chega às cidades provenientes de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais
não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito freqüentemente
analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não sistemática pela escola e
trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na
infância e na adolescência, que busca a escola tardiamente para alfabetizar - se ou cursar
algumas séries do ensino supletivo.
82

Acreditamos que é preciso realizar mais estudos, para compreender melhor as


relações entre as famílias de baixa renda e as trajetórias escolares dos seus filhos, até
porque, como veremos no próximo tópico, muitas dessas mulheres entrevistadas,
resolveram voltar a estudar para contribuir no processo de escolarização dos seus filhos e
tentar evitar que eles percorram a mesma trajetória escolar que elas percorreram.

4.2 – Questão de Gênero e Educação

Como podemos perceber nas narrativas apresentadas até aqui, muitos são os
motivos que levaram as alunas entrevistadas a interromperem seus estudos na idade
regular. Um dos motivos apontados pelas alunas no decorrer das entrevistas nos remetia à
questão de gênero, até porque, como já foi mencionado anteriormente, e pode ser visto na
Tabela 1, a maioria dos alunos matriculados na escola pesquisada são do sexo feminino.
De acordo com a análise de dados feita pelo IPEA23, nos últimos 12 anos, as taxas
de analfabetismo apresentaram quedas significativas para a população de 15 anos ou mais
de idade, contudo, não foram suficientes para eliminar, ou mesmo reduzir, as disparidades
entre brancos e negros. Na média geral, a diferenças entre as taxas de analfabetismo de
homens e mulheres não é significativa: em 2004, 10,8% dos homens com idade igual ou
superior a 10 anos eram analfabetos, proporção bastante semelhante à das mulheres, que
era de 10,2%. Entre a população mais jovem, com idade até 45 anos, as taxas de
analfabetismo masculinas são sempre superiores às femininas, o que é um reflexo das
melhores condições educacionais das mulheres, como já foi mencionado anteriormente.
Nessa análise de dados apresentada pelo IPEA, vemos que somente quando se trata
das mulheres com 45 anos ou mais de idade, é que esta situação se inverte. Entre elas, o
analfabetismo é superior ao dos homens, e a média de anos de estudo, inferior, o que pode
ser visto como herança de uma situação social anterior, na qual as mulheres ainda
apresentavam pouca inserção no mercado de trabalho e dedicavam-se em maior proporção
às atividades domésticas e de cuidados com o lar e a família.
De acordo com Rosemberg (2001) e Carvalho (2000), o direito à instrução é uma
conquista histórica, alcançada em meados do século XIX, pela mulher brasileira. Apesar

23
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher;
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das desigualdades de gênero e raça – 2ª edição -
Análise preliminar dos dados, 2006.
83

disso, o acolhimento da mulher, de forma maciça, pelo sistema educacional somente se


iniciou a partir dos anos de 1940. Com isso, os índices de alfabetização feminina sofrem o
impacto da idade, ou seja, as mulheres inscritas nos grupos etários mais idosos apresentam
maiores taxas de analfabetismo.

O Relatório para a UNESCO24, sobre a educação para o século XXI, reafirma a


necessidade de se garantir o princípio da eqüidade como forma de suprimir todas as
desigualdades entre os sexos, no tocante à educação; reconhece também que existe uma
correlação entre pobreza e analfabetismo, e que o investimento na educação da mulher,
além de levar ao desenvolvimento econômico, promoveria uma elevação geral nos níveis
da saúde e da nutrição da população, bem como uma redução na taxa de fecundidade; além
disso, ratifica as recomendações da Conferência de Beijing 25, para se promover a
igualdade de acesso às mulheres à educação, eliminar o analfabetismo feminino, melhorar
o acesso das mulheres à formação profissional, ao ensino científico e tecnológico e à
educação permanente (Relatório Jacques Delors, 2001, pág197).

Para Rosemberg (2001, pág. 518), ―o sistema educacional brasileiro (...) já


apresenta igualdade de oportunidades para os sexos no tocante ao acesso e à
permanência, mas ostenta desigualdade associada ao pertencimento racial e à origem
econômica‖.

Analisando as políticas públicas voltadas para o atendimento das mulheres jovens e


adultas, no Brasil, Fúlvia Rosemberg (2001) destacará a importância da utilização da
categoria gênero para a compreensão da configuração do sistema educacional brasileiro e,
ao mesmo tempo, constatará a carência de estudos sobre o tema. Carvalho (2000) em
análise semelhante reiterará a necessidade de se realizar estudos sobre as políticas
educacionais voltadas para o público jovem e adulto, numa perspectiva de gênero.

Segundo Castro (1998), existe uma ―alquimia das categorias sociais‖, a situação da
mulher negra destaca os efeitos perversos sobre a simbiose entre o processo de opressão
vividos através dos eixos de raça e de gênero. Destacamos, diante desse contexto, a dupla
subalternidade a que as mulheres negras são submetidas. De um lado, discriminadas por

24
Relatório Jacques Delors, 2000.
25
IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing (China) em 1995, com o tema: Luta pela
Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz.
84

serem mulheres e por outro, por serem negras, o que as fragilizam também em diferentes
aspectos no que tange o tema racial.
Podemos perceber na fala das entrevistadas o quanto a condição de ser mulher, teve
peso no momento em que interromperam seus estudos. Elas narram situações que revelam
o pensamento machista e preconceituoso por parte do pai:

(...) sabe como são esses homens antigos, mulher não precisava ter
muito estudo, aí paramos por ali, meus irmãos ele quis que
estudasse, mas as meninas não. [As mulheres..?] Tinham que saber
só cozinhar e lavar roupa, aí fiquei parada, (...), ficou esse tempo,
casei, fiquei dezenove anos sem estudar. (MAM)

(...) o meu pai era ignorante, ele falava bem assim: ‗Ah já pegou a
terceira série pra escrever carta pra macho, já está bom de mais.
(FRS)

Meu pai não me deixava estudar a noite, aí quando eu parei na


quinta-série eu fiquei cinco anos sem estudar. (LBS)

Quando questionadas sobre o motivo que as levaram a interromper seus estudos, as


respostas mais freqüentes, 13 delas, (das 21 entrevistadas) responderam que saíram da
escola porque engravidaram e casaram, e o marido na maioria das vezes, apresenta os
mesmos comportamentos machistas e preconceituosos do pai.

(...) com quatorze anos eu comecei a namorar, com quinze anos me


casei, (...) eu até comecei a quinta série, mas devido às dificuldades
[gravidez] ficou complicado né (...) deixar o marido em casa e ir
pra cidade estudar. (...) Meu esposo, como um bom nordestino, é
bem ciumento né e não queria de jeito nenhum me deixar estudar a
noite, nunca me deixou estudar a noite. (MJL)

Casei nova, casei com doze anos, fui mãe aos treze, aí não deu
certo com o pai do meu filho, casei de novo aos dezoito e aí tive
85

mais dois filhos, sou mãe de três filhos, graças a Deus e acabei
criando eles sozinha, só eu e Deus. (CBG)

Com 14 anos, parei (risos...) porque casei (risos...), num voltei


mais. Vontade eu tinha, mais meu marido implicava um pouco,
falava que não e não e não. Mesmo assim, agora eu voltei. (EGL)

Eu parei porque resolvi casar, aos dezessete anos, achava que não
precisava [estudar], o marido é bem de vida e daí eu resolvi voltar,
porque não agüentei ficar parada. (MAC)

(...) eu casei com um homem muito ciumento, aí começou aquela


guerra, agora (...) eu passei em cima das ordens dele e voltei a
estudar, tipo realizar alguma coisa. (DSC)

(...) arrumei marido, engravidei com 15 anos, aí a gente já tem


aquela coisa de não ir mais pra escola né. (...) Continuar estudando
casada, não dá certo, mas agora eu falei pra ele que eu ia voltar e
voltei mesmo, por ele eu não voltava. (RCM)

Eu parei de estudar com quinze anos, depois que eu casei, aí mudei


para o Assari, aí eu voltei estudar, estudei dois anos e parei de
novo, quando eu parei na terceira (...) (MMP)

Eu parei de estudar com dezessete anos, (...) daí então eu casei, eu


engravidei, em seguida vieram os filhos, minha primeira gravidez,
foi assim que eu casei, com três meses eu engravidei de novo, veio
a segunda e depois o terceiro (...) (NGC)

Eu parei de estudar com 16 anos (...),eu tenho uma filha com um


ano e sete meses, eu casei também né, meu marido não queria que
eu estudasse a noite, aí não deu certo. (ROS)
86

(...) parei com treze anos. Eu engravidei, casei e quando a gente


passa a ser mãe cuidar de casa, a vida fica mais difícil (...) aí tem
que esperar o filho dar uma crescidinha (...) pra voltar. (JGA)

Parei com dezessete pra dezoito. (...) eu engravidei, casei, e tive


que parar com os estudos. (EGS)

Para compreender essas narrativas, optamos por trabalhar com a categoria de


gênero, que se constitui como um instrumento de análise das relações sociais, entendida
nesta pesquisa como uma construção social e histórica, no sentido de romper com uma
visão que naturaliza as relações estabelecidas entre os distintos sexos a partir de
explicações de natureza biológica. O gênero, para Scott (1995), é um elemento constitutivo
de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos. É uma forma
primária de dar significado às relações de poder.
A categoria gênero, compreendida como uma construção social a partir das relações
estabelecidas entre mulheres e homens, dos significados atribuídos ao feminino e ao
masculino na família, na escola, no trabalho e nas lutas sociais, nos permitem analisar as
diferentes instituições e práticas sociais como constituídas e constituintes das relações de
gênero.
Compreender os motivos que levaram essas alunas matriculadas na EJA, a
interromperem seus estudos na idade regular, não é uma atividade simples. A condição de
aluna da EJA vai muito além do pertencimento ao sexo feminino, por si só. Um conjunto
de fatores, como vimos até aqui, conduziram essas alunas por esta trajetória de
escolarização. Questões raciais, de gênero, culturais, econômicas, históricas e sociais
entrelaçam-se numa relação de dependência mútua, não nos permitindo focar apenas um de
seus prismas. É preciso considerar as diferentes dinâmicas que decorrem da combinação do
fator gênero com fatores diversos.

4.3 – O Significado da EJA na vida dessas mulheres: Sonhos e


Perspectivas

No decorrer da pesquisa, fizemos opções metodológicas, que nos levaram a um


grupo específico de entrevistadas, conforme a Tabela 3, mostrada no Capítulo II. Desse
87

modo, foi possível identificar um universo de mulheres que retornam à escola com idade
mais avançada e procuram a EJA como uma ―tábua de salvação‖ para os problemas
enfrentados, cujo espectro abrange múltiplas especificidades e singularidades, desde
desemprego, subalternidade, condições físicas e emocionais:

[E o que te fez voltar, o que te motivou...] Por não ter mais nada pra
fazer, porque eu acabei me desgastando muito em serviço, porque
eu trabalhava muito, não tinha tempo nem para os meus próprios
filhos, (...) Então agora eles estão todos trabalhando, e eu só em
casa, eu estava entrando em depressão, estava entediada (...) (CBG
– 40 Anos)

[E o que te motivou a voltar?] (...) depois de umas briga lá com o


marido (risos) aí eu pensei, não posso ficar parada dentro de casa,
esperando dinheiro vim. E depois? Vai que nós separamos e eu vou
fazer o que? Sem o estudo, porque hoje o estudo esta mandando
muito. Pelo menos o 2º grau completo tem que ter. (EGL – 28
Anos)

Eu voltei com 60 anos. (...) eu perdi o meu esposo, (...) depois de


um ano e oito meses, minha mãe faleceu. Daí eu fiquei assim,
porque os dois eram muito dependentes de mim, tanto o marido
como a mãe, aí eu fiquei assim como (...) como uma pessoa que
perde o emprego. Eu falei: o que é que eu vou fazer. Trabalho de
casa, eu já não tenho grande saúde pra ficar fazendo e por mais que
eu trabalhasse em casa, não preenchia o vazio, (...) pedi para Deus
que me abrisse uma porta, que eu estava mal mesmo, aí, (...) algo
me disse: vai estudar. (...) Eu ficava com medo, porque eu
imaginava uma sala cheia de adolescente e eu velha ali no meio. Aí
eu resolvi vir, eu pisava ali naquele corredor do meio, parecia que
eu pisava meio metro de altura, assim, parecia que eu estava
flutuando, quando cheguei na sala encontrei três senhoras, inclusive
88

uma mais velha do que eu, aí eu falei: vou estudar sim, comecei a
estudar (EAB – 63 Anos)

A escola é até uma diversão pra mim (...), aqui a gente até brinca,
conversa, estuda, fala com a professora dentro da sala. (...) sai
daquela rotina que a gente fica o dia inteiro em casa, só cuidando
de tudo, então, aqui já é diferente, é gostoso. (RCM – 31 Anos)

(...) a gente vem e se diverte e estuda, e ao mesmo tempo conhece


mais gente, faz amizade, que nem ela [aponta para o lado], não
conhecia, conheci aqui, nos tornamos amigas. (...) aqui a gente
distrai e ocupa um pouco do tempo, que a gente só vive no sítio
trabalhando sempre, quando sai, tem que se divertir um pouco, né.
(MMP – 38 Anos)

(...) foi bom demais eu ter voltado pra escola, (...) eu parei (...) por
causa do meu filho, fiquei em casa, comecei a entrar em depressão,
comecei engordar, e comecei ficar doente, foi, quando eu resolvi
voltar pra escola, e aqui eu encontrei (...), muitos amigos, (...) por
que a escola, ta certo que é pra aprender, mais só que aqui , se faz
muita amizade, é bom de mais, por que você ficar dentro de casa,
(...) eu tava me sentindo um lixo por que não estava servindo
praticamente pra nada (...) aqui eu me sinto alguém. (...) nas férias
eu fui e falei para as minhas amigas: ‗nessas férias o trem vai pega,
por que fica dentro de casa é pra acabar‘, elas falaram: ― não, então
nós vamos ter que fazer alguma coisa‖, (...) quando terminar
mesmo, não sei que eu vou fazer, mais dentro de casa eu não fico
não. Quero continuar alguma coisa (...). (IEV – 28 Anos)

Percebemos que essas alunas são marcadas por ―carências‖ socioeconômicas,


culturais, materiais, afetivas e por falta de participação nos processos de decisão dos rumos
que serão dados ao seu destino profissional e societário (HADDAD, 2002, p. 49). Mas são
89

também mulheres que voltam à escola para aprender, visando, talvez, uma melhor
qualidade de vida.

[E o que motivou você a voltar?] Sempre doméstica, (...) aí agora


eu peguei outro cargo numa empresa, lá no fórum e lá eles exigem,
que eu faço ao menos terminar o ensino médio né. (...) (FRS – 45
Anos)

[O que motivou você a voltar?] As dificuldades, porque às vezes, a


gente vai lá ver um serviço, um trabalho e eles pedem que tem que
ter o primeiro grau ou o segundo, pra gente pegar um serviço bom
(...) (JGA)

(...) minha filha mais nova estava começando ficar mais


independente, ai eu sai em busca de emprego (...) e eu não consegui
encontrar emprego (...). Eu conseguia sempre, era assim, de fazer
faxina, de cuidar de casa e cada dia que passava eu ficava mais
triste com a situação e aí eu vi que a única solução era voltar pra
escola e assim eu voltei deixei serviço de lado e voltei pra escola.
(NGC – 25 Anos)

Ao analisarmos os relatos, constatamos que de 21 alunas entrevistadas, 16


trabalham em casa, como pode ser visto na Tabela a seguir. Dessas 16 entrevistadas que
não possuem renda própria, 13 são casadas e sustentadas pelo marido, 02 são viúvas e
recebem pensão e 01 é divorciada e sustentada pelos filhos. Quanto às outras 05
entrevistadas que estão inseridas no mercado de trabalho: 01 trabalha na loja da família, o
que permite uma flexibilidade em relação ao horário de aula; 01 é manicure, relatou que
atende a maioria das clientes no final de semana ou no período matutino; 02 são garçonetes
e trabalham no período noturno; e 01 é faxineira e trabalha no período matutino. Esses
dados nos ajudam a compreender como essas alunas conseguem estudar no período
vespertino.
90

TABELA 06 – Estado Civil e Profissão das Alunas Negras entrevistadas da


EJA – na Escola Estadual Antonio Casagrande
ALUNA IDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
MJL 45 Casada Dona de Casa
TFS 25 Casada Dona de Casa
CBG 40 Divorciada Dona de Casa
LBS 43 Casada Dona de Casa
EGL 28 Casada Trabalha na Loja da Família
MAC 22 Casada Dona de Casa
EAB 63 Viúva Dona de Casa
DSC 39 Casada Dona de Casa
RCM 31 Divorciada Manicure
MMP 38 Casada Lavradora
MAM 38 Divorciada Faz Lanche
CFS 28 Casada Dona de Casa
FRS 45 Separada Faxineira
NGC 25 Casada Dona de Casa
ROS 20 Casada Garçonete
LMR 24 Casada Dona de Casa
IEV 28 Casada Dona de Casa
MAF 42 Viúva Dona de Casa
JGA 23 Casada Dona de Casa
RVG 31 Casada Dona de Casa
EGS 27 Casada Dona de Casa
Fonte: Levantamento realizado pela Pesquisadora - 2009

Outra condição que leva essas mulheres de volta aos bancos escolares, na busca de
uma maior escolaridade, é a possibilidade de contribuírem com seus filhos nas tarefas
escolares, ou para usufruir mais facilmente do conhecimento e das atividades realizadas
pelos filhos, os quais, muitas vezes, até mesmo os estimulam a prosseguir nos estudos, e,
às vezes, até mesmo são estimuladas pelos próprios filhos.

(...) hoje meu filho já está com quatorze anos, e é o mais novo, a
outra está com vinte e dois, você vê então, a minha menina já é
formada é aonde ela me estimula demais, tipo assim, pra estudar:
―mãe estuda, não desiste não‖. (DSC)
91

(...) o que eu espero, é que eu quero me formar. Pelo menos o


terceiro ano eu quero fazer, pra mim poder, quando meu filho
chegar, pra me perguntar, mãe como é que é isso e eu poder
explicar pra ele, isso é o meu desejo, (...) (MMP)

[E o que a motivou a voltar estudar?] O que me motivou é que eu


sou mãe agora, e meus filhos mais tarde vão perguntar pra mim:
‗mãe como que escreve abraço?‘ Eu já vou ter esquecido, então pra
mim não esquecer, (...), eu resolvi voltar, pra poder educar eles,
também em casa, por que não é só na escola que a gente tem
educação. (LMR)

[E o que te motivou a voltar pra escola, vinte e oito anos depois?]


Era um sonho meu né, (...) eu via necessidade que eu tinha de estar
ajudando meus filhos e às vezes eu não podia ajudar eles, porque
eu não tinha conhecimento, era muito pouco, eu tinha esse sonho
de voltar a estudar, ajudar meus filhos nas tarefas em casa. (MAF)

(...) eu acho que, também dar uma vida boa pro meu filho né, acho
que isso que me incentivou a voltar a estudar. (JGA)

Segundo Paixão (2006, p. 71), a preocupação com a escolarização e com o futuro


dos filhos, acontece da seguinte maneira:

Analisando-se o significado da escolarização pelo lado das


famílias, encontra-se uma diversidade de objetivos dependendo do
tipo de família considerado. Esse processo é visto segundo as
chances objetivas de futuro vislumbradas para os filhos. De uma
maneira muito genérica, as camadas populares tendem a buscar na
escolarização dos filhos chances de escapar de atividades duras e
pouco valorizadas que realizam.
92

Por fim, vemos ainda nas narrativas, que a maioria das alunas entrevistadas tem
seus projetos de vida elaborados. São alunas discriminadas pela sua cor, pela condição
subalterna que marcaram suas trajetórias de vida, mas não ficam se lamentando, criam
formas de resistência e não deixam de fazer os seus projetos, de pensar no futuro, e o
fazem com os meios que possuem, utilizando-se do que Velho (2003, p. 40) chama de
―campo de possibilidades‖ na dimensão sociocultural, ―como espaço para formulação e
implementação de projetos‖.

Pretendo terminar, ir pra faculdade e ainda se der ser professora de


educação física, porque, sempre foi meu sonho. (TFS – 25 Anos)

[E você pretende fazer vestibular?] com certeza, vou fazer a prova


do ENEM agora e depois vou encarar o vestibular. (...) Eu quero
pra assistente social. (CBG – 40 Anos)

É que o meu trabalho (...), a minha faculdade aqui não vai ter, se
até o tempo de eu terminar o terceiro ano, chegar a faculdade
minha aqui, eu faço.[Qual a faculdade que você quer fazer?]
Pedóloga. (...) eu sou manicure, já tem 11 anos (...) [E se não
chegar esse curso?] Aí eu vou ver, vou fazer outra coisa. (RCM –
31 Anos)

(...) a gente sonha muito né, (...) eu gostaria, se pudesse, seria


faculdade de artes.(...) eu não sei se a gente alcança, mas a gente
sempre sonha, né... (MAM – 38 Anos)

Meu objetivo é crescer né, o que eu não pude faze dez anos atrás,
eu pretendo faze tudo agora, tudo, tudo, tudo. Quando eu comecei
na escola, mesmo quando eu tinha seis anos, meu sonho era ser
advogada, não consegui, vamos ver se agora eu consigo né. (LMR
– 24 Anos)
93

A minha perspectiva era fazer uma faculdade, meu sonho.(...) pra


Enfermagem. (MAF – 42 Anos)

Como vemos nessas narrativas, o projeto de chegar ao Curso Superior, não fica
cancelado, apenas seu prazo é prorrogado. A idéia do projeto elaborado não é descartada, é
apenas transferida para mais tarde, quando as condições forem mais propícias. Não se
desistiu do sonho, mas a adequação às possibilidades é feita e viabilizada nesta tentativa.
Como nos diz Velho (2003, p. 103, 104), a construção de um projeto não é
"abstratamente racional", e sim, situa-o como o "resultado de uma deliberação consciente a
partir das circunstâncias, do campo de possibilidades em que está inserido o sujeito". O
autor esclarece que ao considerar o ―campo de possibilidades‖ a pessoa deve reconhecer as
limitações e os constrangimentos de todos os tipos, e assim, elaborar o seu projeto, o que
para Velho significa "a afirmação de uma crença no indivíduo-sujeito", na afirmação de
sua identidade.
Nos depoimentos das alunas entrevistadas, fica clara a predisposição em retomar
sonhos de infância, segundo Velho (2003, p. 101)

A memória permite uma visão retrospectiva mais ou menos


organizada de uma trajetória e biografia, o projeto é a antecipação
no futuro dessas trajetórias e biografias, na medida em que busca,
através do estabelecimento de objetivos e afins, a organização dos
meios através dos quais estes poderão ser atingidos.

O projeto pode ser elaborado desde a infância, mas durante a trajetória de vida,
diversos fatores acabam interferindo e fazendo com que sejam substituídos ao longo do
tempo, ou que sofram mudanças, de acordo com o novo contexto. Velho (2003, p. 104)
esclarece também, que ―o projeto é dinâmico e, é permanentemente, reelaborado,
reorganizando a memória do ator, dando novos sentidos e significados, provocando com
isso repercussões na sua identidade‖ e, que as pessoas podem elaborar para si mais de um
projeto, ―mas, em princípio, existe um principal ao qual estão subordinados os outros que
têm como referência‖. Ainda que a situação financeira do momento não seja favorável, não
perde de vista o projeto traçado, adiando-o para quando seja possível concretizar.
94

Pensar sobre as trajetórias de vida e escolarização das alunas adultas da EJA é


buscar compreendê-las como pessoas que tiveram suas histórias marcadas por questões
raciais, de gênero, culturais, econômicas, históricas e sociais. Mulheres que no decorrer de
suas vidas foram atribuindo sentidos e significados às suas práticas sociais e que não
deixaram de sonhar dentro do campo das suas possibilidades.
95

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para encerrarmos esta etapa da pesquisa, faz-se necessário tecer as considerações


finais, contudo, sabemos que esse estudo não é o fim, mas o inicio de outras possibilidades
de estudo.
Iniciamos este trabalho, traçando um breve histórico e procurando refletir sobre a
forma como a EJA – Educação de Jovens e Adultos, foi tratada pelos governos ao longo do
século XX. Foi possível perceber um predomínio de modelo de campanhas emergenciais e
iniciativas de curto prazo, que muitas vezes, recorreram à mão-de-obra voluntária e
recursos humanos não especializados, características da maioria dos programas que
marcaram a história da educação de jovens e adultos no Brasil.
Acreditamos que é necessária uma oferta permanente de programas que, sendo mais
ou menos escolarizados, necessitam de institucionalidade e continuidade, superando esse
modelo de campanhas emergenciais e essas iniciativas de curto prazo. Até porque,
pesquisas recentes26 mostram que são necessários mais de quatro anos de escolarização
bem-sucedida para que um cidadão adquira as habilidades e competências cognitivas que
caracterizam um sujeito plenamente alfabetizado diante das exigências da sociedade
contemporânea, o que coloca na categoria de analfabetos funcionais aproximadamente a
metade da população jovem e adulta brasileira.
No grupo no qual esta pesquisa se realizou, a grande maioria das alunas é
proveniente de outros Estados, como vimos no Capítulo I. Tangará da Serra se caracteriza
como uma cidade que acolhe migrantes de várias partes do país, isto porque, esta cidade,
como tantas outras em Mato Grosso, fora incluída numa política nacional de orientação das
migrações internas, que tinha por objetivo fixar o trabalhador em solo mato-grossense e
ocupar os espaços considerados ―vazios‖.

26
Veja Haddad (1997) e Ribeiro (1999).
96

Não foi possível constatar, através das entrevistas, que os filhos dessas famílias
migrantes que não conseguiram fixarem-se no campo, como pequenos proprietários,
engrossaram as fileiras da EJA. No entanto é possível perceber empiricamente (não foram
encontrados dados oficiais sobre essa demanda), que existe uma grande demanda por essa
modalidade de ensino no município.
No decorrer da pesquisa, precisamos modificar algumas opções que havíamos feito
inicialmente, em função das questões que surgiram após a realização das entrevistas
exploratórias. Primeiro: o fato dos jovens não serem a maioria dos alunos matriculados na
escola; segundo: a dificuldade que eu tive enquanto pesquisadora de fazer com que os
poucos jovens me concedessem entrevista; terceiro: o fato da maioria dos alunos
matriculados serem do sexo feminino. Dessa forma optamos por entrevistar somente
mulheres negras e suas trajetórias de vida e estudo. Nossa abordagem foi essencialmente
qualitativa, baseada no estudo das histórias de vida e nas trajetórias de escolarização.
A seleção das alunas entrevistadas, obedeceu primeiro, ao critério de cor,
preferindo as de pele mais escura e com o fenótipo negro mais acentuado. Os motivos
dessa escolha já foram descritos no segundo capítulo. Foi possível perceber que o ato de
classificar as pessoas por cor/raça é extremamente complexo, isto porque é um ato
histórico e social. De acordo com Petruccelli (2007, p.10), existe uma concepção por trás
desse ato, é o ato de conhecimento e de reconhecimento, envolvendo os atores, o que faz a
auto-classificação e quem classifica.
Analisando a auto-classificação racial das entrevistadas, podemos perceber uma
preferência pelo termo ―morena‖. Segundo Petruccelli (2007), os indivíduos buscam uma
diversificação maior da cor na auto-classificação, na tentativa de driblar práticas de
discriminação racial existentes em nosso país.
Buscamos através das entrevistas, conhecer os motivos que levaram as alunas
matriculadas na EJA, a não concluírem o ensino regular. Vimos que o grupo de
entrevistadas, em sua grande maioria, há mais de quinze anos deixou de estudar por
impedimentos diversos, um deles e o primeiro analisado no terceiro capítulo, foram às
constantes mudanças de cidade. Como foi citado anteriormente, a grande maioria das
alunas entrevistadas são migrantes ou filhas de família que migraram.
Durante os depoimentos, muitas entrevistadas relatam as dificuldades que passaram
quando chegaram aqui, dificuldades na adaptação, em fazer novas amizades e um certo
estranhamento que os que aqui estavam sentiram em relação aos recém-chegados.
97

Buscamos associar esse estranhamento, ao pertencimento racial dessas alunas,


embora nos relatos, elas não digam explicitamente que foram discriminadas na sua
trajetória escolar. Percebemos através das pesquisas desenvolvidas por Rosemberg, Müller,
Munanga e todas as pesquisas já publicadas pelo NEPRE, que existem vários mecanismos
de discriminação intra-escolares que levam os alunos a interromperem seus estudos na
idade regular.
Pensar na dinamicidade e complexidade do espaço escolar e da sala de aula é
procurar perceber também a produção e reprodução de práticas e ações discriminatórias
que ocorrem cotidianamente. Vimos que essa percepção poderá acontecer, quando
superarmos a idéia de que vivemos numa democracia racial, por isso dedicamos parte do
terceiro capítulo para refletir sobre o ―mito da democracia racial‖ e a Teoria do
branqueamento.
Percebe-se que, tanto a construção do mito da democracia racial, como esse ideal
de branqueamento, encobrem o problema da discriminação racial na escola, por isso,
muitas vezes, durante a realização das entrevistas, no momento em que eram abordadas
questões sobre as relações raciais, o silêncio e o constrangimento tomavam conta das
alunas. Todas as pessoas entrevistadas demonstraram falta de interesse em dialogar sobre o
assunto, deixando claro que não se sentiam bem, e muitas vezes pediam para interromper a
gravação ou terminar o depoimento.
No quarto capítulo, vemos que uma das grandes dificuldades enfrentadas por essas
alunas da EJA, que inclusive contribuíram para que elas interrompessem os estudos na
idade regular, foi a falta de apoio que encontravam na família, pois não havia em casa
alguém que pudesse ajudá-las nas tarefas escolares, que as incentivassem ou mesmo
valorizassem o conhecimento escolar, uma vez, que seus pais possuem um baixo nível de
instrução escolar e a maioria das entrevistadas são filhas de pais totalmente analfabetos.
Acreditamos que é preciso realizar mais estudos, para compreender melhor as
relações entre as famílias de baixa renda e as trajetórias escolares dos seus filhos, até
porque, como vimos no quarto capitulo, muitas dessas mulheres entrevistadas, resolveram
voltar a estudar para contribuir no processo de escolarização dos seus filhos e tentar evitar
que eles percorram a mesma trajetória escolar que elas percorreram.
Um dos motivos apontados pelas alunas no decorrer das entrevistas, para explicar o
que as levou a interromper seus estudos na idade regular, nos remetia à questão de gênero,
não só porque a maioria dos alunos matriculados na escola pesquisada, são do sexo
98

feminino, mas também pelo fato da maioria, 13 das 21 entrevistadas, terem respondido que
saíram da escola porque engravidaram e casaram.
Porém, no decorrer da pesquisa, percebemos que para compreender os motivos que
levaram essas alunas matriculadas na EJA, a interromperem seus estudos na idade regular,
várias questões precisavam ser analisadas, questões raciais, de gênero, culturais,
econômicas, históricas e sociais que entrelaçam-se e, numa relação de dependência mútua,
não nos permitindo focar apenas um de seus prismas.
Por último, ao refletirmos sobre o significado da EJA na vida dessas entrevistadas,
seus sonhos e perspectivas, podemos identificar um grupo de mulheres que retornam à
escola com idade mais avançada e procuram a EJA como uma ―tábua de salvação‖ para os
problemas enfrentados, cujo espectro abrange múltiplas especificidades e singularidades,
desde desemprego, subalternidade, condições físicas e emocionais. Nos relatos fica claro o
uso da escola como um local para fazer amigos, conhecer pessoas, espairecer, entre outras
atividades e também para aprender novas sociabilidades que permitam a elas o convívio
social.
Pensar sobre as trajetórias de vida e escolarização das alunas adultas da EJA é
buscar compreendê-las como pessoas que tiveram suas histórias marcadas por questões
raciais, de gênero, culturais, econômicas, históricas e sociais. Mulheres que no decorrer de
suas vidas foram atribuindo sentidos e significados às suas práticas sociais e que não
deixaram de sonhar dentro do campo das suas possibilidades.
99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J. C., e PASSERON, J. C.. Ofício de sociólogo –


metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Vozes, 2005 a.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas – sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus Editora,
2005 b.

BOURDIEU, Pierre. A Miséria do Mundo. Petrópolis: Editora Vozes, 6ª ed., 2007.

CALLEJO, Javier. El grupo de discusión: introducción a una práctica de investigación.


Barcelona: Editorial Ariel S.A, 2001.

CARVALHO, Marília P. Gênero e política educacional em tempos de incerteza. In:


HIPÓLITO, A.M.; GARDIN, L. A. (Orgs.) Educação em tempos de incertezas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.

CASTRO, Mary Garcia. Engendrando um novo feminismo: mulheres líderes de base.


Brasília: UNESCO, 1998.

CASTRO, Sueli Pereira et al. A Colonização Oficial em Mato Grosso: “a nata e a borra
da sociedade”. Cuiabá: EdUFMT, 2002.

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo,


preconceito e discriminação na educação infantil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2003.
100

CUNHA, Charles Moreira; SILVA, Maria Clemência F.da. A educação de jovens e


adultos: a diversidade de sujeitos, práticas de exclusão e inclusão das identidades em
sala de aula. Belo Horizonte: Formato, 2004.

CURY, C.R.J. A educação como desafio na ordem jurídica, In: LOPES, E.M. et al.
(Org.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autentica, 2000.

DAYRELL. J.. Juventude, produção cultural e educação de jovens e adultos. In:


SOARES, L.; GIOVANETTI, M.A; GOMES, N. L.(orgs.). Diálogos na educação de
jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

D'ADESKY, Jacques. Fixidez e mobilidade das categorias raciais. Pluralismo étnico e


multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

DI PIERRO, Maria Clara; JOIA, Orlando; RIBEIRO, Vera Masagão. Visões da Educação
de Jovens e Adultos no Brasil. Revista Scielo: Cad. CEDES, Campinas, vol.21 nº.55
Nov. 2001.

DI PIERRO, Maria Clara. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas


públicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Revista Scielo: Cad.
CEDES,Campinas, vol. 26, n. 92, p. 1115-1139, Especial - Out. 2005.

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das


relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.

GADOTTI, M.. Fórum Mundial de Educação e a reinvenção da cidadania. Eccos. Revista


Científica, v. 6, p. 103-117, 2004.

GOMES, Nilma Lino. Práticas pedagógicas e questão racial: o tratamento é igual para
todos/as? Belo Horizonte: Formato, 2004.

GUIMARÃES, A. S. A.. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1995.
101

GUIMARÃES, A. S. A..Como trabalhar com “raça” em Sociologia. São Paulo: Revista


Educação e Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 93 – 107. Jan./Jun. 2003

HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de Jovens e Adultos. Revista


Brasileira de Educação, mai-ago, nº 14 – Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação. São Paulo, p 108-130.

HADDAD, Sérgio (Coord.). Educação de Jovens e Adultos no Brasil (1986-1998).


MEC/Inep/Comped, Brasília/DF, 2002. Acesso em: 14 de abril de 2009. Disponível em:
<http://www.undime.org.br/htdocs/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=27>.

HADDAD, Sérgio (Coord.), (1997). Analfabetismo funcional na cidade de São Paulo.


São Paulo: Ação Educativa, 285 p. e anexos, mimeo

HASENBALG, Carlos. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil.


Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/ IUPERJ-SBI, 1995, v. 38, n. 2, p.
355-374.

HERINGER, Rosane. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios


no campo das políticas públicas. Cad. Saúde Pública, vol.18, suppl. Rio de Janeiro, 2002.

LUDKE, Menga. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas / Menga Ludke, Marli


E. D. A. André, 10ª Ed. São Paulo: EPU, 2007.

MARRE, Jacques Léon. "História de Vida e Método Biográfico". In: Cadernos de


Sociologia, Porto Alegre, UFRGS, v.3, no. 3 jan/jul. 1991.

MARTINS, José de Souza. A Chegada do Estranho. São Paulo: Hucitec, 1993.

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano.


São Paulo: Hucitec, 1997.
102

MINAYO, Souza Cecília Maria de. Pesquisa social: teoria, método e criatividade.
Petrópolis, Vozes, 1994.

MOSCOVICI, S. ―Prefácio‖, in: GUARESCHI, P., e JOVCHELOVITCH, S. (Orgs.):


Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 2003.

MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues (Org). Relações Raciais na Educação. Cuiabá:


EdUFMT , Vol. 2 e 4, 2006.

MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. (Org.) Trabalhando as diferenças no ensino


fundamental. Cadernos NEPRE, Cuiabá - MT, 2005.

MULLER, Maria Lúcia Rodrigues. Professoras Negras na Primeira República. In:


OLIVEIRA, Iolanda de (coord) ... [et al.]. Relações Raciais e Educação: alguns
determinantes. Niterói: Intertexto, 1999.

MUNANGA, Kabengele. Racismo Esta Luta é de Todos. Revista Raça Brasil. São Paulo:
Símbolo, 2000.

NOGUEIRA, Oracy. Tanto Preto Quanto Branco: estudos de relações raciais. São Paulo:
T. A. Queiroz Editor, 1985.

OLIVEIRA, Carlos Edinei. Famílias e Natureza: as relações entre famílias e ambiente


na colonização de Tangará da Serra – MT. Tangará da Serra: Gráfica e Editora Sanches
Ltda., 2004.

OLIVEIRA, Iolanda. Desigualdades Raciais: construções da infância e da juventude.


Niterói: Intertexto, 1999.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e


aprendizagem. Apresentado na XXII Reunião Anual da Anped, Caxambu, MG, 2000,
16p. Disponível em <http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/kohlp.pdf>. Acesso em:
14 de Abril de 2009.

OSÓRIO, Rafael Guerreiro. O Sistema classificatório de “Cor ou Raça” do IBGE. IPEA.


Texto para Discussão n. 996. Brasília, nov. 2003.
103

PAIXÃO, Lea Pinheiro. Compreendendo a escola na perspectiva das famílias. In:


MULLER, Maria Lúcia Rodrigues; PAIXÃO, Lea Pinheiro. Educação, Diferenças e
Desigualdades (Orgs). Cuiabá: EdUFMT, 2006.

PANNUTI, Maria Regina Viana. História: O processo de ocupação de Mato Grosso. 2.ed.
v.3. Cuiabá, EdUFMT, 2002.

PETRUCCELLI, José Luis. A cor denominada: estudos sobre a classificação étnico-


racial. Rio de Janeiro: DP&A, 2007.

PINTO, Regina Pahim. A Educação do Negro: uma revisão bibliográfica. In: Cadernos
de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, (62):3-34. Agosto/1987.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no registro da
informação viva. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991.

RIBEIRO, Vera M. Masagão. Alfabetismo e atitudes: Pesquisa junto a jovens e adultos.


São Paulo/Campinas: Ação Educativa/Papirus, 1998.

RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste: a influência da “bandeira” na formação


social e política do Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, v.2, 1970.

ROSEMBERG, Fúlvia; PINTO, Regina P.; NEGRÃO, Esmeralda V. A situação


educacional de negros (pretos e pardos). São Paulo, 1986, p.19. (Relatório de Pesquisa.
Departamento de Pesquisas Educacionais/ Fundação Carlos Chagas).

ROSEMBERG, Fúlvia. Relações Raciais e Rendimento. In: Cadernos de Pesquisa, Raça


Negra e Educação. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, (63):19-23. 1987.

ROSEMBERG, Fúlvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasil. Revistas Estudos


Feministas, vol. 9, nº 2, Florianópolis: CFH/CCE/UFSC, 2001.
104

ROSEMBERG, Fúlvia. A Educação de mulheres jovens e adultas no Brasil. In:


SAFFIOTI, H. I. B; MUÑOZ-VARGAS, M. Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos: NIPAS; Brasília, DF: UNICEF, 1994.

SARMENTO, Manuel Jacinto. A Vez e a Voz dos Professores. Porto: Porto Editora, 1994.

SCOTT, J.W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Revista Educação e
Realidade, Porto Alegre, vol. 20, n 2, jul/dez, 1995.

SILVA, Flavio Antonio Nascimento. Aceleração temporal na fronteira: Estudo de Caso


de Rondonópolis. 1997.

SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento


brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

SOUZA, Itamar. Migrações Internas no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.

TESORO, Luci Lea Lopes M.. Rondonópolis- MT: um entroncamento de mão única.
Cuiabá: EdUFMT, 1993.

THOMPSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: História Oral e estudos de migração.


In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, n. 44, p. 341-364. 2002.

VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

ZAGO, Nadir. Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da


obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO,
Nadir (org.) Família e Escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e
populares. Petrópolis: Vozes, 2000.
105

ZAGO, Nadir. Prolongamento da escolarização nos meios populares e as novas formas


de desigualdades educacionais. In: PAIXÃO, Lea; ZAGO Nadir (orgs.). Sociologia da
Educação: Pesquisa e realidade brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas


para a Mulher; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Retrato das
desigualdades de gênero e raça – 3ª edição - Análise preliminar dos dados, 2008.

Revista Eletrônica Circuito Mato Grosso, em 08 de Outubro de 2008. Disponível em


http://www.circuitomt.com.br/home/materia/5557. Acesso em 21 de abril de 2009.

Resolução Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica (CEB) nº 1, de 5


de julho de 2000. Disponível em http://pedagogiaemfoco.pro.br/Ires1_00.htm. Acesso em
08 de Abril de 2009.

Resolução nº 177/02 – CEE / MT , de 26 de junho de 2002 . Dispõe sobre a aprovação do


Programa de Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação .
Disponível em http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=142&parent=45. Acesso em
06 de Abril de 2009.

Resolução nº 384/04 – CEE / MT , de 23 de dezembro de 2004 . Dispõe sobre as normas


para a oferta da Educação Básica no Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso.
Disponível em http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=142&parent=45. Acesso em
06 de Abril de 2009.

Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via


http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=335&parent=45. Arquivo capturado em 06
de abril de 2009.

Site da SEDUC – Secretaria de Estado da Educação. Disponível na Internet via


http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=154&parent=45. Arquivo capturado em 06
de abril de 2009.

SILVA, Ciriaco da. Desbravadores Tangaraenses: a fé na terra. N.º 0724. Álbum


autorizado pelo Decreto n.º 269 de 28/09/1998-Prefeitura Municipal de Tangará da Serra-
106

MT, patrocinado pelo Comércio de Tangará da Serra e comercializado nas escolas da rede
pública.
107

ANEXOS
108

ANEXO I – PROJETO ARQUITETÔNICO DE TANGARÁ DA SERRA


109

ANEXO II – ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

PESQUISA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Entrevistas realizadas nos dias 12 e 13 de agosto; e 23 de setembro de 2008, 18 e 19


de Fevereiro; 03 e 04 de Março de 2009, com alunas matriculadas na modalidade de ensino
EJA – Educação de Jovens e Adultos, no período vespertino da Escola Estadual ―Antonio
Casagrande‖ em Tangará da Serra – MT.

Roteiro flexível para entrevista:

1 – Gostaria que você me contasse um pouco da sua história de vida. Você nasceu em
Tangará da Serra? Caso contrário, de que lugar você veio?
2 – O que motivou sua vinda ou de seus pais pra cidade de Tangará da Serra?
3 – Quais foram os motivos que te levaram a interromper os estudos na idade regular?
4 – Há quanto tempo você voltou a estudar?
5 – O que motivou você a voltar estudar?
6 – Você pretende dar continuidade aos seus estudos? Fazer Vestibular? Caso a resposta
seja positiva, qual curso você pretende fazer?
7 – Em sua opinião, existe preconceito racial no Brasil?
8 – Você já viveu situações, em que tenha sido vítima de racismo? Ou conhece pessoas que
tenham sido vítimas de racismo?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download:

Baixar livros de Administração


Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo

Вам также может понравиться