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análise histórico-jurídica
Autor(es): Seixas, Margarida
Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/38191
persistente:
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/0870-4147_46_12
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O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
Margarida Seixas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa / THD-ULisboa – Centro de Investigação
em Teoria e História do Direito da Universidade de Lisboa
margaridaseixas@fd.ul.pt
Resumo: Abstract:
O trabalho escravo e o trabalho forçado Slave labour and forced labour were two
foram dois instrumentos da colonização instruments of Portuguese colonialism, which
portuguesa, coexistindo durante séculos; coexisted for centuries. However, over the
porém, ao longo do século XIX, com a course of the 19th century, with the gradual
abolição gradual da escravidão e a proibição abolition of slavery and prohibition of other
de outras práticas similares, o Direito similar practices, slave labour was partially
português estabeleceu a substituição parcial replaced by forced labour under Portuguese
do trabalho escravo pelo trabalho forçado. O law. The process of gradual legal liberation,
caminho de libertação jurídica progressiva, which culminated in the 1870s, underwent
que culminou na década de 1870, sofreu a clear regression at the end of the century,
uma manifesta regressão no final do século, with the reception in Portugal of the doctrine
com a recepção em Portugal da doutrina of “anti-assimilationism” and indigenism
“anti-assimilacionista” e indigenista (assente (grounded in the notion of biological inferiority
na suposta inferioridade biológica e na and the need for legislative differentiation),
necessidade de diferenciação legislativa), com along with political and administrative practice
a prática político-administrativa colonial e a in the colonies and the enshrinement in law of
com a sua consagração legal no Regulamento the 1899 Regulation, which stipulated a legal
de 1899, estipulando uma obrigação jurídica de obligation to work for all indigenous peoples,
trabalho para todos os indígenas e um processo with a process of compulsion that was merely
de compulsão meramente administrativo. administrative.
Palavras-chave: Keywords:
Colonização; Trabalho obrigatório; Colonialism; Compulsory labour; Slavery;
Escravidão; Abolição; Legislação Abolition; Legislation
7
Câmara dos Deputados, 12 de Abril de 1864, Diário de Lisboa (DL) 14 de Abril, p. 1122.
8
Cf. João Pedro Marques, “Uma cosmética demorada: as Cortes perante o problema da
escravidão (1836-1875)”, Análise Social, XXXVI, 158-159, 2001, e “Portugal e o Fim da
Escravidão: Uma Reforma em Contra-Ciclo”, Africana Studia, 7 (2004), p. 137-161.
9
No entanto, as razões para a imposição do trabalho forçado eram ainda apresentadas em 1949
como justificadas por J. M. da Silva Cunha, O Trabalho Indígena. Estudo de Direito Colonial,
Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1949, p. 141.
10
Sá da Bandeira, O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1873, p. 36.
11
Quanto às explorações agrícolas em Angola, Jill Dias, “Angola”, in Valentim Alexandre
e Jill Dias (coord.), O Império Africano (1825-1890), Nova História da Expansão Portuguesa
(X), Lisboa, Editorial Estampa, 1998, p. 442-460; para a evolução posterior, em especial em São
Tomé e Moçambique, Miguel Bandeira Jerónimo, Livros Brancos, Almas Negras – A «missão
civilizadora» do colonialismo português c. 1870-1930, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais,
2010; Valdemir Zamparoni, “Da escravatura ao trabalho forçado: teorias e práticas”, Africana
Studia, 7 (2004), p. 299-325.
12
Para maior desenvolvimento, Margarida Seixas, Pessoa e Trabalho no Direito Português
(1750-1878): Escravo, liberto, serviçal, Lisboa, AAFDL, 2015.
220 Margarida Seixas
13
Diário do Governo (DG) nº 281, 29 de Novembro de 1853, p. 1600-1601.
14
DG nº 305, 28 de Dezembro de 1854, p. 1574-1575.
15
Diário da Câmara dos Deputados (DCD), 13 e 15 de Fevereiro de 1856, p. 107-108 e p.
112-118.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
221
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
16
DG, nº 158, 7 de Julho de 1856.
17
DCD, 14 de Julho de 1856, p. 190.
18
DG nº 178, 30 de Julho de 1856.
19
Carta de Lei de 24 de Julho, DG nº 178, 30 de Julho de 1856.
20
DCD, 3 de Agosto de 1854, p. 62-63.
21
Câmara dos Dignos Pares, 9 de Abril de 1855, DG nº 87, 14 de Abril de 1855, p. 426-428.
Sá da Bandeira apresentara idêntica proposta, sem sucesso, em Março de 1836, em Agosto de
1842, em Maio de 1849 e no início de 1851.
22
Ver, para o território angolano, Margarida Seixas, “Escravos e libertos no Boletim Oficial
de Angola (1845-1875)” I e II partes, E-REI – Revista de Estudos Interculturais do CEI, 2,
2014 e 3, 2015.
222 Margarida Seixas
23
Quanto ao serviço de carregadores, Jill Dias, “Angola”, in Valentim Alexandre e Jill
Dias (coord.), O Império Africano (1825-1890), cit., p. 394-398; Maria Emília Madeira Santos,
“Perspectiva do Comércio Sertanejo do Bié na Segunda Metade do Século XIX”, Studia (45),
Janeiro/Junho 1981, p. 85-103.
24
DG nº 32, 6 de Fevereiro de 1839.
25
Cf. Sá da Bandeira, O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial, cit., p. 56.
26
Annaes do Conselho Ultramarino, Parte Oficial, série I, Lisboa, Imprensa Nacional, p.
623-626.
27
DG nº 291, 9 de Dezembro de 1856, p. 1677, com rectificação no nº 292, 10 de Dezembro
de 1856, p. 1682, e publicação do Parecer do Conselho Ultramarino de 12 de Setembro, e da
Portaria de 31 de Janeiro de 1839 no DG nº 293, 11 de Dezembro de 1856, p. 1685-1687.
28
Portaria n.º 10, 7 de Janeiro de 1869, no Boletim Official do Governo-Geral da Província
de Angola, 1869, n.º 2, 9 de Janeiro, p. 12-13.
29
Cf. Jill Dias, “Angola”, in Valentim Alexandre e Jill Dias (coord.), O Império Africano
(1825-1890), cit., p. 404-406; Isabel Castro Henriques, Percursos da Modernidade em Angola –
Dinâmicas comerciais e transformações sociais no século XIX, Lisboa, Instituto de Investigação
Científica Tropical/Instituto de Cooperação Portuguesa, 1997, p. 590-593 e p. 615-617; Maria
Emília Madeira Santos, “Perspectiva do Comércio Sertanejo no Bié na Segunda Metade do
Século XIX”, cit., p. 78-82.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
223
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
30
Sobre os prazos, Malyn Newitt, A History of Mozambique, Londres, Hurst & Company,
2009, p. 217-24; R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A Study in Uneconomic
Imperialism, Stanford, California, Stanford University Press, 1966, p. 39-42; René Pélissier, As
Campanhas Coloniais de Portugal 1844-1941, Lisboa, Editorial Estampa, 2006, p. 70-72; José
Capela, “Conflitos sociais na Zambézia, 1878-1892: a transição do senhorio para a plantação”,
Africana Studia, 1 (1999), em especial p. 152-154.
31
José Capela, “Conflitos sociais na Zambézia, 1878-1892...”, cit., p. 155.
32
DG nº 272, 16 de Novembro de 1838.
33
DG nº 7, 8 de Janeiro de 1855.
34
Collecção Official da Legislação Portuguesa redigida por José Máximo de Castro Neto
Leite e Vasconcellos, do Conselho de Sua Magestade e Juiz da Relação de Lisboa, Anno de 1855,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1856, Supplemento, p. 26-27 (inédita no DG).
224 Margarida Seixas
35
Cf. José Capela, “Conflitos sociais na Zambézia, 1878-1892..., cit., p. 143-173; Alfredo
Augusto Caldas Xavier, Estudos Coloniais, Nova Goa, Imprensa Nacional, 1889, I, p. 39-44.
36
Comentado por Alfredo Augusto Caldas Xavier, Estudos Coloniais..., cit., III, p. 1-12.
37
Cf. R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A Study in Uneconomic Imperialism,
cit., p. 39-40 e 158-160.
38
DG nº 265, 20 de Novembro de 1890.
39
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1971, p. 93-95, mencionava os regulamentos que elaborara em 1892 e as resistências
ao regime.
40
Mouzinho de Albuquerque, Moçambique 1896-1898, s/l, Agência Geral das Colónias,
1934, p. 152.
41
R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A Study in Uneconomic…, cit., p. 160-166.
42
Valdemir Zamparoni, “Chibalo: Trabalho Livre, Trabalho Escravo?”, As Discussões
em torno do Trabalho Compulsório em Moçambique Colonial”, in Isabel Castro Henriques
(ed.), Escravatura e Transformações Culturais. África – Brasil – Caraíbas, Lisboa, Vulgata,
2002, p. 87-88.
43
Malyn Newitt, “Moçambique...”, cit., p. 562-575, p. 619-628; Valdemir Zamparoni,
“Chibalo: Trabalho...”, cit., p. 82-83.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
225
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
44
Eduardo dos Santos, “A Questão da Barca «Charles et Georges» ”, Studia, 45 (1981),
p. 158-171, 195-211; José Capela, O escravismo colonial em Moçambique, Porto, Edições
Afrontamento, p. 98-110.
45
Face a esta realidade, parece-me existir falta de imparcialidade na afirmação de Isabel
Castro Henriques e Louis Sala-Molins, “Introduction”, in Isabel Castro Henriques e Louis
Sala-Molins (ed.) Déraison, esclavage et droit – Les fondements ideologiques et juridiques de
la traite négrière et de l’esclavage, Paris, Éditions Unesco, 2002, p. 18, atribuindo somente a
Portugal a “palma da exploração” dos africanos através da figura do trabalhador “contratado”.
46
Collecção Official da Legislação Portuguesa… 1855, Supplemento, cit., p. 19-20 (inédita
no DG).
47
DG nº 181, 2 de Agosto de 1856.
48
Collecção Official da Legislação Portuguesa…, 1857, Lisboa, Anno de 1857, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1858, Supplemento, p. 35 (inédita no DG).
49
Idem, p. 107-108 (inédito no DG).
50
Idem, p. 108 (inédita no DG).
51
DG nº 195, 20 de Agosto de 1858.
52
Collecção Official da Legislação Portuguesa…, 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1859,
Supplemento, p. 99 (inédita no DG).
53
Publicada no Relatorio do governador Geral da Provincia de Angola Sebastião Lopes de
Calheiros e Menezes expedido ao ano de 1861, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 440-442.
226 Margarida Seixas
54
Cf. Malyn Newitt, “Moçambique”, cit., p. 595-596, em 1864; José Capela, O escravismo
colonial em Moçambique..., cit., p. 109-110, prolonga-o pela década de 1870, sendo permitida
a contratação a partir de 1881 (cf. James Duffy, A Question of Slavery. Labour Policies in
Portuguese Africa and the British Protest…, cit., p. 87-91). Em menor escala, os franceses
também recrutavam na Costa Ocidental, v. g. em Angola, cf. Eduardo dos Santos, “A Questão
da Barca «Charles et Georges...”, cit., p. 172-175.
55
Malyn Newitt, “Moçambique”, cit., p. 608-610 e 613-614.
56
José Capela, O escravismo colonial em Moçambique..., cit., p. 111.
57
Ernestina Carreira, “Índia”, in Valentim Alexandre e Jill Dias (coord.), O Império Africano
(1825-1890)..., cit., p. 695-696.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
227
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
58
Por exemplo, a Portaria de 7 de Novembro de 1857 (Boletim do Conselho Ultramarino:
legislação novíssima, vol. 3, cit., p. 145) ou a Portaria de 18 de Agosto de 1858, (Collecção
Official da Legislação Portuguesa, 1858, cit., Supplemento, p. 78, inédita no DG).
59
V.g., na Portaria de 8 de Agosto de 1856 (Collecção Official da Legislação Portuguesa…,
1856, cit., Supplemento, p. 45-46, inédita no DG) para o governador-geral de Cabo Verde ou
a Portaria de 7 de Novembro (nota anterior), onde se exceptuava a emigração para a Guiné.
60
Augusto Nascimento, “Escravatura, trabalho forçado e contrato em S. Tomé e Príncipe nos
sécs. XIX e XX: sujeição e ética laboral”, Africana Studia, 7 (2004), p. 189.
61
José Vicente Serrão, “Macau”, in Valentim Alexandre e Jill Dias (coord.), O Império
Africano (1825-1890), cit., p. 749-751.
62
João Andrade Corvo, Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, vol. IV, Lisboa, Academia
Real das Ciências, 1887, p. 132, 144-145, 149.
63
[Andrade Corvo], Relatorio e Documentos sobre a abolição da emigração de chinas
contratados em Macau, apresentado às Cortes na sessão legislativa de 1874 pelo ministro e
Secretario d’ Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874,
p. 15-21, 27-31, 34-45.
64
Collecção Official da Legislação Portuguesa…, Anno de 1858, cit., Supplemento à
Collecção, p. 110 (inédita no DG).
65
DG nº 116, 19 de Maio de 1859.
66
Boletim Official do Governo Geral da Província de Moçambique, ano de 1860, nº 11, 17
de Março, p. 46.
67
Idem, nº 43, 27 de Outubro, p. 179.
68
Relatório de 4 de Abril de 1868, de B. S. Fernandes, superintendente da emigração chinesa,
DL, n.º 256, 10 de Novembro de 1868, p. 2672-2674.
69
Boletim da Província de Macau e Timor (BPMT), n.º 52, 27 de Dezembro de 1873, p. 207.
228 Margarida Seixas
70
Portaria régia n.º 76-A, 19 de Dezembro de 1882, BPMT, nº 6, 10 de Fevereiro de 1883,
p. 35, e Portaria provincial n.º 92 e regulamento (art. 32º), de 3 de Agosto de 1883, BPMT, nº
31, 4 de Agosto de 1883, p. 269-271. A Portaria nº 992, de 17 de Dezembro de 1894, BPMT,
suplemento ao nº 50, 17 de Dezembro de 1894, p. 606-611, autorizava este embarque para todas
as províncias portuguesas e a emigração teve lugar para S. Tomé, a partir de 1895, cf. Augusto
Nascimento, “A Passagem dos Collies por S. Tomé e Príncipe”, Arquipélago – História, 2ª série,
VIII (2004), p. 80-85.
71
DG nº 45, 27 de Fevereiro de 1869, p. 251-252.
72
Cf. Valentim Alexandre, “A Questão Colonial no Portugal Oitocentista”, in Valentim
Alexandre e Jill Dias (coord.), O Império Africano (1825-1890)..., cit., p. 96-97, notas 203-205.
73
Cf. Rui Ramos, “«Um novo Brasil de um novo Portugal». A história do Brasil e a ideia
de colonização em Portugal nos séculos XIX e XX”, Penélope, n.º 23 (2000), p. 141-142, 148.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
229
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
74
DG nº 104, 11 de Maio de 1875, p. 862-863.
75
DG nº 293, 24 de Dezembro de 1875, p. 2443-2445.
76
DCD, Sessão de 22 de Março de 1875, p. 944-947.
77
DCD, Sessão de 29 de Janeiro de 1876, p. 208-210.
78
Veio antecipar a entrada em vigor da Lei 29 de Abril de 1875 para São Tomé e Príncipe. A
urgência era justificada: após a Lei de 1875, muitos trabalhadores das roças dirigiram-se à capital,
reclamando a liberdade e aceitando trabalhar, desde que remunerados, cf. Augusto Nascimento,
“A «Crise Braçal» de 1875 em S. Tomé – Os Comportamentos dos Agentes Sociais”, Revista
Crítica de Ciências Sociais, 34 (1992), p. 317-329.
79
DCP, Sessão de 1 de Fevereiro de 1876, p. 86-90: parecer da Comissão do Ultramar,
discursos do ministro da Marinha, de Carlos Bento e Martens Ferrão.
80
Regulamento para os contratos de serviçaes e colonos nas províncias da África portugueza,
DG, nº 267, 25 de Novembro de 1878, p. 2852-2854.
230 Margarida Seixas
83
Cf. Augusto Nascimento, “Escravatura, trabalho forçado e contrato...”, cit., p. 192: “Nesse
período, os serviçais em pouco se distinguiram dos escravos.” A afirmação é adequada a outros
territórios, especialmente Angola e Moçambique.
84
João Pedro Marques, Portugal e a escravatura dos africanos, Lisboa, ICS, 2004, p. 135-136.
85
Valentim Alexandre, “A Questão Colonial no Portugal Oitocentista...”, cit., p. 102.
86
Cristina Nogueira da Silva, Constitucionalismo e Império..., cit., p. 369, último §.
87
Idem, p. 370, continuação do último §. da p. 369 e primeiro § que começa na p. 370, onde
se afirma que “aquela lei” (sublinhado meu, só pode ser a de 1875), “criou condições para que
232 Margarida Seixas
provocação para perturbar o trabalho dos serviçais ou colonos) para o art. 489º
do Código Penal (possibilidade de decretar prisão até um mês ou multa até vinte
mil réis por Regulamentos administrativos e de policia geral, ou municipal,
ou rural, ou nas Posturas das Câmaras) não permitia às autoridades locais,
de “forma praticamente autónoma e descontrolada”88 resolver os possíveis
conflitos.
Não duvido que o trabalho forçado se manteve nos territórios coloniais mas
sem o amparo da Lei. A única forma de trabalho forçado permitida era a dos
condenados judicialmente como vadios, tal como na metrópole (arts. 256º e ss.
do Código Penal). É essencial reforçar esta ideia: não bastava qualquer medida
administrativa de recrutamento, era necessária uma condenação judicial.
Admito que os anteriores proprietários de escravos usassem técnicas de
recrutamento ilícitas e que as autoridades coloniais as tolerassem89 mas, se
o Regulamento de 1878 tivesse sido cumprido, o trabalho forçado tinha sido
extinto. Aliás, é Valentim Alexandre que o caracteriza como “o mais aberto e
menos repressivo de todos os promulgados para as Províncias Ultramarinas
até 1961”90. James Duffy identifica-o como “one of the refreshing moments in
colonial policy”91.
Basta atentar nas críticas a esta legislação e nas profundas alterações
introduzidas pelo Regulamento de 1899 para que este aspecto se torne bem claro.
a coacção atingisse a liberdade destes indivíduos nos aspectos mais quotidianos da sua vida, o
que sucedeu logo nos primeiros regulamentos locais” O exemplo dado é o do Regulamento de
1890 (que mencionei), elaborado com tal Lei já revogada.
88
Idem, p. 369.
89
Situação mais visível em São Tomé e Príncipe, pelas características próprias e pelo cultivo
intensivo do cacau no final do século XIX, cf. Augusto Nascimento, “Escravatura, trabalho
forçado nos sécs. XIX e XX...”, cit., p. 183-217.
90
Valentim Alexandre, “Questão nacional e questão colonial em Oliveira Martins”, Análise
Social, XXXI, 135 (1996 - 1°), p. 200.
91
James Duffy, Portuguese Africa, Cambridge: Harvard University Press, 1959, p. 153, com
uma análise atenta e lúcida deste diploma.
92
Discutia-se se o Decreto de 14 de Dezembro de 1854 permitia a operação aos cidadãos
portugueses ou se lhes estava proibida, cf. R. J. Hammond, Portugal and Africa. A Study in
Uneconomic Imperialism, cit., p. 59-60.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
233
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
93
Quanto ao recrutamento no sertão de Angola para São Tomé e Príncipe, Augusto
Nascimento, “A Passagem dos Collies por S. Tomé e Príncipe”, cit., p. 77-79, e “Escravatura,
trabalho forçado e contrato nos sécs. XIX e XX...”, cit., p. 183-217.
94
António Leite Mendes, Abolição da Escravatura em Angola e Organização do Trabalho,
Lisboa, Typographia do Jornal de Lisboa, 1867, p. 22-23.
95
Valentim Alexandre, “A Questão Colonial no Portugal Oitocentista”, cit., p. 101.
96
Idem, p. 100-101.
97
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, cit., p. 75-76, afirmava
que a Europa tinha “amplos direitos tutelares” em que se incluíam “o da conquista e até o do
extermínio”.
98
Sobre a Conferência de Berlim, Pedro Caridade de Freitas, Portugal e a Comunidade
Internacional na Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, Quid Juris, 2012, p. 431-458 e 483-484.
99
Para uma excelente sinopse e abundante bibliografia, Cristina Nogueira da Silva,
Constitucionalismo e Império, A Cidadania no Ultramar Português, cit., p. 21-66.
100
Para uma caracterização deste modelo “assimilacionista” como “idealista, racionalista”,
Marcello Caetano, Portugal e o Direito Colonial Internacional, Lisboa, s/e, 1948, p. 16-17.
234 Margarida Seixas
101
Mouzinho de Albuquerque, Moçambique 1896-1898, cit., p. 74 e p. 172-174, p. 86. Ver
Douglas Wheeler, “Joaquim Mouzinho de Albuquerque (1855-1902) e a política do colonialismo”,
Análise Social, vol. XVI, 61-62 (1980, l°-2°), p. 295-318.
102
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, p. 72, 255-265, 481-486.
103
Alfredo Augusto Caldas Xavier, Estudos Coloniais, cit., I, p. 33.
104
Por exemplo, Andrade Corvo, Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, cit., III.
105
Cf. Mouzinho de Albuquerque, Moçambique 1896-1898, cit., p. 136-137, 173-174;
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo., cit., p. 47-50, 72-75; Sebastião
Chaves Aguiar, A Administração Colonial. Trabalho precedido de uma carta ao Exmo. Senhor
Conselheiro Mariano de Carvalho, Lisboa, Tipografia Lisbonense, 1891, p. 36-39.
106
Esta imagem continuava bem presente no início do século XX: v.g., A Escravatura em
Mossamedes – Carta Aberta dirigida a S. Ex.ª o Presidente da Republica por um grupo de
agricultores, industriais e commerciantes de Mossamedes, Lisboa, Tipografia do Comércio, [19--],
p. 12, 15-16 e 19-24; José de Almada, Apontamentos Históricos sobre a Escravatura e o Trabalho
Indígena nas Colónias Portuguesas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1932, v.g., p. 5-8, 10 e 13-17.
107
Mouzinho de Albuquerque, Moçambique 1896-1898, cit., com uma crítica velada à abolição
“de chofre” do tráfico e da escravatura (p. 144 e 174).
108
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, cit., p. 24.
109
Mouzinho de Albuquerque, Moçambique 1896-1898, cit., p. 172-179.
110
Regulamento de 9 de Novembro de 1899, DG nº 262, 18 de Novembro de 1899.
O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização
235
portuguesa oitocentista: uma análise histórico-jurídica
111
Artigo 1.º: Todos os indigenas das provincias ultramarinas portuguezas são sujeitos
à obrigação, moral e legal, de procurar adquirir pelo trabalho os meios que lhes faltem, de
subsistir e de melhorar a propria condição social.
Têem plena liberdade para escolher o modo de cumprir essa obrigação; mas, se a não
cumprem de modo algum, a auctoridade publica póde impor-lhes o seu cumprimento.” A
obrigação considerava-se cumprida pelos que possuíssem capital ou rendimentos para assegurar
a subsistência ou exercessem comércio, indústria, profissão liberal, arte, ofício ou mester; pelos
que plantavam a terra por conta própria com certos parâmetros ou trabalhassem por soldada ou
salário num número mínimo de meses durante o ano.
112
A obrigação não era imposta às mulheres, homens maiores de 60 e menores de 14 anos,
doentes e inválidos, sipais ou membros de corpos de polícia e segurança, chefes e grandes
indígenas.
113
A punição por via administrativa constava nos arts. 6º a 12º da proposta de Reforma
Judiciária (XXIX) e principalmente da proposta de Regulamentação do Trabalho dos Indígenas
(XXXI), apresentadas por António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, cit.,
p. 482-483 e 495-513.
114
É a pena prevista pelo Decreto de 20 de Setembro de 1894, DG nº 220, 28 de Setembro.
Apesar de exigir condenação judicial, o processo era sumário e as garantias muito diminutas
(art. 5º).
115
Relatório publicado na Antologia Colonial Portuguesa, I, Lisboa, Agência Geral das
Colónias, 1946, 25-55.
116
António Enes, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo, cit., p. 70.
236 Margarida Seixas
117
Idem, p. 71.
118
Cf. Cristina Nogueira da Silva, Constitucionalismo e Império, cit., p. 42.
119
Relatório da comissão, cit., p. 33-34.
120
J. M. da Silva Cunha, O Trabalho Indígena. Estudo de Direito Colonial, cit., p. 148. Para
um forte elogio ao Relatório, Marcello Caetano, Portugal e o Direito Colonial Internacional,
cit., p. 191.
121
Adolpho Lima, O contrato do trabalho, Lisboa, Antiga Casa Bertrand, 1909, p. 34.