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O ozônio é uma molécula gasosa natural feita de três Hoje, por consenso, o ozônio já é amplamente
átomos de oxigênio. utilizado pela indústria e na desinfecção da água, mas
A ideia de usar o ozônio na medicina foi desen- o uso na medicina ainda é controverso, pois o hábito
volvida vagarosamente durante o último século e seu de críticas por profissionais que ainda não estudaram
uso foi estimulado devido às suas propriedades desin- e não entenderam a utilidade do ozônio é bem evi-
fetantes e antibióticas. denciado.
Entre os agentes oxidantes, o ozônio é o terceiro O ozônio é instável e necessita ser gerado somen-
mais forte, após o flúor e o persulfato, fato esse que te na hora que for usado, por isso o ozonioterapeuta
explica sua alta reatividade. deve possuir um gerador de ozônio seguro e com boa
Na estratosfera, a aproximadamente 22 km da reprodutibilidade.
superfície terrestre, há uma camada de ozônio que A concentração final do ozônio é inversamente
pode chegar à máxima concentração de 10 ppm, que proporcional ao fluxo de oxigênio, por isso, com altos
equivale a 0,02 micrograma/mL. A manutenção dessa fluxos de oxigênio, teremos baixa concentração e vice-
camada é muito importante, devido à sua capacidade -versa.
de absorver a maior parte dos raios ultravioletas pelas Os critérios para calcular a dose de ozônio são os
suas bandas B e C. Quando há falha nessa absorção, seguintes: volume total da mistura do gás composto
podem ocorrer mutações, como alterações da idade de oxigênio e ozônio; concentração de ozônio, ex-
da pele e carcinogênese, responsáveis pelo aumento pressa em microgramas por mL; pressão barométrica
progressivo de carcinomas e melanomas nos últimos em mm Hg, se diferente do normal. Por questões de
tempos. segurança, devemos evitar a pressão hiperbárica.
Em grandes cidades, o ozônio, misturado com
outros componentes tóxicos e acrescido da ação solar A dose total de ozônio é equivalente ao volu-
e do oxigênio do ar, torna-se tóxico para os pulmões, me de gás em mL, multiplicado pela concen-
em particular a mucosa pulmonar, os olhos, o nariz e tração de ozônio em mcg/mL.
a pele (Devlin et al., 1991; Aris et al., 1993; Broeckaert
et al., 1999). Isso leva ao conceito errado que se tem A ozonioterapia não se baseia em um conceito
de que o ozônio é um gás tóxico, mas no local certo homeopático, onde qualquer traço será ativado, mas
e na dose certa ele possui uma ação medicamentosa sim em uma base farmacológica firme, a de que o
muito boa. ozônio significa e age como uma droga real, e como
O corpo humano, mediante a ativação de leucó- tal deve ser quantitativamente concisa (Bocci et al.,
citos, pode produzir ozônio, que vai ser importante 2005).
em situações normais e patológicas (Babior et al., A ozonização da água bidestilada ou do azeite
2003; Nieva e Wentworth, 2004). é realizada por borbulhamento da mistura gasosa,
721
722 Seção XXVI Terapias coadjuvantes
realiza por meio da influência nas membranas celula- gado em enfermidades que intervêm no processo
res e consiste na normalização do balanço dos níveis de estresse oxidativo. Ademais, o mecanismo geral
de produtos da peroxidação lipídica e o sistema de pelo qual atua a ozonioterapia sistêmica é a pro-
defesa antioxidante. dução de um pequeno e controlado (pelas defesas
Como resposta à aplicação do ozônio nos tecidos antioxidantes) estresse oxidativo, que se converte
e órgãos, se produz um aumento compensador sobre em um estímulo oxidante. A repetição sistêmica
toda a atividade das enzimas antioxidantes, como a desse estímulo induz no organismo diversas res-
superóxido dismutase, a catalase e a glutationa pero- postas terapêuticas. A ozonioterapia está, portanto,
xidase, amplamente representadas nos músculos car- estreitamente ligada ao processo biológico conhe-
díacos, fígado, eritrócitos e outros órgãos. cido como estresse oxidativo (Martinez-Sanchez e
Os resultados de vários experimentos clínicos Re, 2010).
e pré-clínicos em diferentes patologias e tecidos O estresse oxidativo não pode ser definido em
indicam que, como resposta à administração das termos universais, porque é um processo biológico
primeiras doses de ozônio, por diversos modos de complexo, que necessita ser avaliado por diferentes
aplicação, se observam aumentos não significativos pontos. Por esse motivo, se aceita, atualmente, de um
dos processos oxidativos, determinados pelo méto- modo universal, que a valorização do estado de estres-
do de quimiluminescência dos tecidos biológicos se oxidativo requer uma combinação de métodos, que
analisados e com as análises das concentrações de permitirá estabelecer o tipo de uma forma personali-
produtos de peroxidação lipídica: primários (DC, zada, já que muitas patologias podem estar associadas
TC: conjugados dienólicos e trienólicos), secundá- a diversos desequilíbrios oxidativos, o que obriga ao
rios (MDA: malonildialdeído) e finais (BSH: bases uso de vários índices de evolução.
de Schiff). Não obstante a ativação posterior dos sis- Os principais produtos que se originam na ozo-
temas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos nização de lipídios e proteínas são: ozonídeos de
do organismo, há a restauração da atividade da pero- Criegee, hidróxi-hidroperóxidos, peróxido de hidro-
xidação lipídica e, ao final do tratamento, se observa gênio e aldeídos.
a normalização de todos os componentes do sistema Para se ter uma ideia das defesas antioxidantes
redox. enzimáticas, temos que achar os produtos da ozoni-
A restauração do sistema antioxidante é um pro- zação.
cesso complexo e requer a ativação das reações meta- Os ozonídeos de Criegee são catabolizados pela
bólicas, que permite o acúmulo de NADH e NADPH enzima GST (glutationa S transferase), que usa a glu-
do ciclo de Krebs e da via da pentose fosfato, que são tationa (GSH) como agente redutor para gerar aldeí-
doadores de prótons para a redução dos componentes dos e glutationa oxidada (GSSH). Os aldeídos são
oxidativos do sistema antioxidante (glutationa, vita- metabolizados pela enzima aldeído desidrogenase
mina E, acido ascórbico e outros). (ALDH), utilizando como cofator o dinucleotídeo
A possível dose de ozônio se determina pela oxidado da nicotinamida adenina (D+).
potência do sistema de defesa antioxidante do or- A ozonioterapia leva ao estímulo significativo da
ganismo. A escola russa utiliza a quimiluminescên- enzima GSH.
cia como critério de seguridade para a utilização da A evolução do estado de estresse oxidativo antes,
ozonioterapia (Kontorchikova, 1992). A aplicação de durante e depois da ozonioterapia facilita a perso-
antioxidantes exógenos, com o cálculo preliminar da nalização da terapia e assegura um resultado ótimo,
dose administrada, somente é necessária para concen- por isso é bom um controle bioquímico do estresse
trações elevadas de ozônio e também na presença de oxidativo.
indicadores iniciais muito baixos do sistema de defesa
antioxidante nos pacientes.
A ozonioterapia está muito vinculada ao con-
MELHORA DO METABOLISMO DO
ceito de equilíbrio oxidação-redução (ambiente
redox) devido ao fato de, como parte de seu meca-
OXIGÊNIO
nismo de ação, gerar um efeito antioxidante, sendo O uso do ozônio levando a uma reação de peroxida-
paradoxalmente um tratamento oxidativo, empre- ção sobre os fosfolipídios de membrana determinará
724 Seção XXVI Terapias coadjuvantes
um aumento da carga elétrica negativa na membrana 78 pessoas (Barjotkina TM et al., National Polytech-
eritrocitária, evitando um empilhamento ou roleaux, o nic University, Medical Center, Ucrânia, Cracóvia),
que torna os eritrócitos mais deformáveis, aumentan- foi mostrado que os eritrócitos discoides bicôncavos
do assim sua flexibilidade (Tabela 70-1). eram muito afetados com a inflamação e hipóxia
O 2,3-DPG exerce um papel importante na fun- (13% e 17%) e, após o uso do ozônio, foi observada
cionalidade dos eritrócitos, pois a afinidade da he- a melhora da sua população, havendo maior entrega
moglobina pelo O2 depende do 2,3-DPG. Este, de de oxigênio (81% e 79%), enquanto os eritrócitos
fato, adentra o centro da estrutura quaternária da planos (75% e 69%) estavam aumentados nas pato-
hemoglobina, liberando quatro moléculas de O2. O logias e, após o ozônio, voltavam a ter seu formato
aumento da velocidade da glicólise no eritrócito é mais fisiológico, que é discoide bicôncavo (Figuras
acompanhado de um significativo aumento no inter- 70-3 e 70-4).
câmbio de íons sódio e potássio, os quais são respon-
sáveis por manter o potencial elétrico de membrana.
A normalização da troca de íons pelo ozônio e seus
produtos favorece a restauração do potencial ao nor-
mal. As doenças arteriais oclusivas estão relaciona-
das com a perda do potencial normal da membrana.
Foi observado, também, que, de acordo com a forma
do eritrócito (discoide bicôncavo tem maior coefi-
ciente do que o eritrócito plano e esferoide), que de-
termina seu coeficiente de esfericidade, observou-se
que, quanto maior esse coeficiente, maior era o grau
A
de hipóxia. Em um trabalho para determinar o coe-
ficiente de esfericidade, um estudo com amostra de
Valores normais
Área de superfície do eritrócito, %
110
Leve grau de hipóxia
100 Moderado grau de hipóxia
90
80
70
B
60
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,1 1,2 1,3 Figura 70-4 A. Microscopia eletrônica do sangue que
mostra agregação dos eritrócitos em “pilha de moedas”. B. A
Coeficiente de esfericidade do eritrócito
mesma amostra depois do tratamento com ozônio. (Do livro
Figura 70-3 (Do trabalho de Barjotkina TM et al. National Ozônio, Aspectos Básicos e Aplicações Clínicas, Menendez S.
Polytechnic University, Medical Center. Ucrânia, Cracóvia.) et al., 2008.)
Capítulo 70 Ozonioterapia no tratamento de feridas 725
Th0
Th1 Th2
Segundo os dados de Bolton (1982), os vírus en- aumentando a possibilidade de aparecimento de sep-
capsulados são mais sensíveis à ação do ozônio que os ses. Essa investigação demonstrou que o tratamento
não encapsulados. mediante a insuflação retal de ozônio produz dimi-
O efeito bactericida do azeite vegetal ozonizado nuição da mortalidade, aumento da atividade do teci-
se deve à presença de ozonídeos e hidroxiperóxidos, do linfoide esplênico e menor lesão hepática e renal,
que se formam nas reações do ozônio com as duplas em comparação com os resultados obtidos com um
pontes de lipídios. Supõe-se que o ozonídeo do óleo tratamento com soro fisiológico (Figura 70-6).
se acopla no receptor para os micro-organismos e o
bloqueia.
A ação germicida de amplo espectro do ozônio
permite que a ozonioterapia seja um valioso tratamen-
REGULAÇÃO DO METABOLISMO
to para a limpeza e a desinfecção das feridas infectadas, Diversas observações pré-clínicas e clínicas realizadas
assim como nos processos sépticos locais. Essa forma têm permitido observar a ação reguladora do ozônio
de aplicação pode se combinar com outros procedi- sobre indicadores metabólicos, tendo-se detectado,
mentos também derivados das aplicações do gás (ozo- em geral, uma modulação dos indicadores (glicose,
nioterapia sistêmica, água ozonizada, azeites vegetais creatinina, hemoglobina, hematócrito, proteínas to-
ozonizados), sem o perigo de resistência dos micro- tais, lactato desidrogenase, colesterol, triglicerídios,
-organismos nem de toxicidade ou efeitos colaterais. lipoproteínas, enzimas hepáticas, bilirrubinas, ácido
As queimaduras constituem um tema de grande úrico, acido láctico, cálcio, entre outros), inicialmente
interesse, por sua intensa relação com sepses, síndro- alterados para valores normais.
mes de inflamação sistêmica generalizada e disfunção Não existe uma explicação clara para os meca-
orgânica múltipla, choque e traumatismos, entre ou- nismos de ação, mas acredita-se que provavelmente o
tros. Os resultados de um estudo experimental sobre equilíbrio do sistema redox leve à estabilização desses
queimaduras em ratos, com o fim de constatar a efe- parâmetros metabólicos (León, 1998; Al Dalain S. M.
tividade do tratamento com ozônio na evolução da 2005; Hernandez, 1995; Baeuerle, 1994; Borrego, 2004;
lesão multiorgânica, demonstraram que, nas queima- Gonzaléz, 2004; Martinéz, 2005; Al Dalain S. M. 2005;
duras, um importante edema com isquemia tissular Candelário, 2001; Peralta, 2000; Hernandez, 2005).
local é produzido. A falta de fluxo sanguíneo compli- Em um estudo com 22 pacientes com cardiopa-
ca a necrose e diminui a velocidade de cicatrização, tia isquêmica, se observou uma diminuição estatisti-
camente significativa do colesterol total e do LDL no No presente estudo, foi demonstrado que a ozo-
plasma no quinto dia de tratamento (diminuíram nioterapia aumentou significativamente a PON as-
5,5% e 15,4%, respectivamente) e no 15o dia (dimi- sociada ao HDL (p <0,05), em comparação com os
nuição de 9,7% e 19,8%, respectivamente) com a ozo- pacientes tratados somente com oxigênio. Enquanto
nioterapia venosa a uma concentração de 50 mg/L com isso, o MDA e o LDL oxidado foram significativamen-
200 mL de gás, sem modificação do HDL colesterol e te inferiores (p <0,05) nos pacientes ozonizados do
dos triglicerídios. Houve uma diminuição maior nos que nos de controle (insuflados apenas com oxigê-
pacientes que receberam uma quantidade maior de nio) (Livan Delgado-Roche, Enrique Verdial, Hern. N
sessões de ozonioterapia. Assam, 2013) (Figuras 70-7 e 70-8).
Em outro estudo realizado com pacientes dia- Observamos também um efeito desintoxicante
béticos do tipo 2, com pé diabético neuroinfeccioso, do ozônio pela otimização do sistema microssômico
um grupo foi tratado com ozônio por via retal e local dos hepatócitos e pelo reforço da filtração hepática. O
(na lesão) e outro com antibiótico (sistêmico e local). ozônio também altera o metabolismo dos hepatóci-
Ambos tinham concentrações elevadas de glicose no tos. Durante o tratamento, observou-se que, nas célu-
sangue antes do início do estudo. Depois do fim de las hepáticas, há acúmulo de enzimas do sistema do
ambos os tratamentos, observou-se que, no grupo citocromo P450 e catalase, o que aumenta o número
tratado com ozônio, a concentração de glicose dimi- de moléculas de glicogênio e dos antioxidantes mais
nuiu significativamente até os valores de referência, importantes, que por sua vez aumentam a produção
enquanto no grupo tratado apenas com antibióticos de ATP. A reorganização do metabolismo se baseia
não se observou diminuição desses níveis (Martinez- também nas trocas morfofuncionais dos hepatócitos,
-Sanchez et al., 2005). na hiperplasia pelos peróxidos, na normalização das
Um grupo de crianças com capacidade auditiva estruturas dos elementos do retículo endoplasmático
diminuída e valores de T3 e T4 elevados com corti- liso e na diminuição do nível de mudanças distrófi-
sol normal recebeu aplicações de 20 sessões de ozô- cas. Graças à ação recíproca desses mecanismos, mui-
nio retal (concentrações de 40 mcg e volume de 50 e tas funções hepáticas, entre elas a antitóxica, melho-
150 mL uma vez ao dia). Ao término do tratamento, ram (Peretiagin, 1991; Boiarinov, 1999).
constatou-se diminuição dos níveis de T3 e T4 para Nos rins, o ozônio intensifica os processos de
valores normais, sem alteração nos níveis de cortisol utilização da glicose, da glicose 6-fosfato, da lactato
(Menendez et al., 2008). e do piruvato, mantendo uma atividade elevada de
A qualidade e a funcionalidade do HDL, mais gliconeogênese (Zelenov, 1998). Tem-se observado
que a quantidade, parecem ser preditores importan- manutenção do ATP e aumento da resistência das
tes das propriedades antiaterogênicas dessas partí- membranas nas células renais. Depois do tratamento
culas. com ozonioterapia, os pesquisadores têm observado
Dados recentes sugerem que a qualidade do HDL
e suas funções também podem ser significativamen- 2,0
*
Atividade da PON1 lactonase
5
5
0 0
CAD + oxigênio
CAD + ozônio/oxigênio
Figura 70-8 Efeito da ozonioterapia sobre o LDL oxidado e a concentração de malondialdeído (MDA), determinada na fração
LDL. Os asteriscos representam as diferenças estatísticas significativas (p <0,05) entre grupos.
uma diminuição dos valores das moléculas de massa cosanoides, como algumas prostaglandinas da série E
média, que caracterizam a toxicidade no organismo e prostaciclinas. Alguns estudos mostraram aumento
em diferentes estados de gravidade. de tromboxano B2, dependente da dose de ozônio.
Estudo preliminar em Cuba (Menendez S, 2004) com
pacientes submetidos a insuflação retal de ozônio e
portadores de diversas doenças constatou que as con-
INTERVENÇÃO NA LIBERAÇÃO DE
centrações de TxB2 tenderam a diminuir e a das pros-
AUTACOIDES taciclinas a aumentar.
A palavra autacoide deriva do grego autos (próprio) Um trabalho realizado em pacientes com quei-
e do vocábulo akos (agente medicinal ou remédio) e maduras (estágio inicial) mediu, por técnicas crista-
se considera como tal um grupo de substâncias com lográficas, as concentrações de prostaglandinas E1
diversas ações fisiológicas e farmacológicas, as quais no grupo tratado com ozonioterapia venosa, tendo-
participam em muitos eventos fisiológicos e patoló- -se observado que os resultados foram os mesmos do
gicos. Atuam em baixas concentrações e, em muitos grupo tratado com vazaprostano (um análogo sinté-
casos, mediante o monofosfato cíclico de adenosina tico da prostaglandina E1) e não se evidenciou a pre-
(AMPc) como segundo mensageiro; assim, seu tipo de sença de prostaglandina E1 no grupo não tratado com
ação parece hormonal, embora, ao contrário dos hor- ozônio nem vazaprostano.
mônios, eles não sejam transportados pela corrente Foi realizado um estudo em pacientes com pé
sanguínea para o seu local de ação, ou seja, atuam no diabético neuroinfeccioso e isquêmico submetidos
mesmo ambiente em que são sintetizados. Geralmen- a ozonioterapia retal e local em bolsa, nos quais se
te têm uma vida média muito curta. pode observar que a agregação plaquetária ao final de
Das famílias diferentes de autacoides derivadas 20 tratamentos tinha diminuído significativamente.
dos fosfolipídios de membranas celulares, têm sido O tratamento das feridas ainda é um desafio.
identificados os eicosanoides formados a partir de O número de pacientes que se encontram nessa
certos ácidos graxos poli-insaturados (principalmente condição vem crescendo, devido ao aumento da ex-
o ácido araquidônico), incluindo as prostaglandinas, pectativa de vida.
prostaciclinas, tromboxano A, leucotrienos e outros A amputação de membros inferiores constitui
fosfolipídios modificados, representados pelo fator de uma das mais devastadoras complicações do diabetes
ativação das plaquetas. Esses compostos têm grande melito (DM), associada a significativa morbidade, in-
importância biológica e têm sido detectados em quase capacidade e mortalidade.
todos os tecidos e fluidos do corpo. As amputações representam um relevante impac-
Bocci referenciou de forma hipotética que a ozo- to socioeconômico, com perda da capacidade labo-
nização do sangue pode produzir a liberação de ei- rativa, de socialização e, consequentemente, da qua-
730 Seção XXVI Terapias coadjuvantes
lidade de vida. Essa complicação protagoniza 85% A isquemia crônica dos membros é frequente-
das amputações não traumáticas, além de contribuir mente acompanhada por uma úlcera que nunca irá
desfavoravelmente para internações prolongadas e re- cicatrizar, a não ser que haja uma normalização do
correntes. oxigênio e estímulo para a regeneração do tecido.
Em estudos prospectivos e retrospectivos sobre pé Nessa doença, o ozônio libera seus mensageiros e se
diabético, encontramos dados alarmantes, tais como: comporta como uma droga muito boa quando o ozo-
nioterapeuta combina ozônio sistêmico seja por via
• O diabetes melito (DM) ocupava em 2000 o nono venosa ou retal e aplicação tópica de água ozonizada
lugar em casos de internação e o 12o lugar em gas- e óleo ozonizado.
tos anuais por internações (R$ 2.782.013,98) no A indução local e a liberação de fatores de cres-
Estado de São Paulo. cimento em um tecido estéril e revascularizado têm
• Atualmente, existem 360 milhões de diabéticos no uma importância fundamental para o processo de
mundo e 15% têm úlcera de pé (56 milhões). cicatrização (Clavo et al., 2004). O paciente deve
• Após 20 anos de doença, 50% dos pacientes dia- continuar com a medicação convencional, pois a
béticos desenvolvem neuropatia diabética. Dos pa- combinação do tratamento convencional e a ozo-
cientes portadores de DM, 30% desenvolvem úlce- nioterapia é potencialmente capaz de corrigir o es-
ras nos pés, sendo que 80% são de causa neuropáti- tresse oxidativo, principalmente nas doenças vascu-
ca. Metade das amputações de causa não traumáti- lares, e restaurar a saúde em pacientes seriamente
ca nos Estados Unidos deve-se às complicações em comprometidos.
pés de pacientes diabéticos. Existem evidências que Quando avaliamos a ferida, temos que nos posi-
no Brasil este índice pode ser ainda maior. cionar nas três fases da cicatrização (Figura 70-9).
Uma das complicações mais frequentes do diabe- • Fase 1 − prevalência da inflamação com presença
tes melito é a síndrome do pé diabético, cuja variante de neutrófilos, macrófagos, mastócitos, plaquetas,
mais grave é a necrótica-supurante. A causa da angio- bactérias e toxinas. A aplicação de ozônio em con-
patia das extremidades inferiores a princípio aparece centrações altas inibe a infecção e promove a se-
como isquemia dos tecidos e depois, com a continua- gunda fase.
ção, manifesta-se com a destruição desses e depois a • Fase 2 − durante esta fase, a aplicação constante de
necrose supurativa. ozônio em concentrações baixas previne a superin-
Na zona afetada, aparecem produtos de decom- fecção e estimula a proliferação celular, a síntese
posição das células, micro-organismos e toxinas de de fibronectina, colágeno III/I, ácido hialurônico e
origem microbiana. sulfato de condroitina. Macrófagos estão presentes,
80
O3 concentração
60
(g/mL)
40
20
0
Fases
I II III
mas há uma proliferação ativa de fibroblastos e ce- nhecer que tempo, paciência e complacência são bons
ratinócitos. aliados (Bocci, 2005).
• Fase III − completa reconstrução da ferida, mas, se A ozonioterapia é extremamente válida, princi-
houver excessiva liberação de TGF-b1, pode estimu- palmente nas doenças vasculares isquêmicas (causa-
lar excessiva fibrogênese e levar à formação de que- das por aterosclerose, diabetes, uremia, tabagismo,
loide. etc.) e para cicatrização de feridas crônicas, escaras,
úlceras crônicas (pé diabético), feridas por queima-
O diagrama na figura mostra a concentração de duras, fístulas intratáveis e infecções de pele, cavidade
ozônio em 80 µcg/mL (como gás) usada somente na oral, vagina, reto. O mais interessante é que a maior
primeira fase, na qual há pus, bactérias e tecido ne- quantidade de pessoas que tem essas doenças vive em
crótico. A ferida deve ser limpa e exposta ao gás por países onde a ozonioterapia ainda não está liberada.
somente 10–15 minutos. Água bidestilada ozoniza- As vias de administração da ozonioterapia no tra-
da também com 80 µcg/mL tem um efeito real de 20 tamento das feridas são:
µcg/mL de ozônio; assim como o óleo ozonizado, são
importantes na limpeza e no curativo dessa ferida ao • Venosa (a principal).
longo dos outros dias. Traumas acidentais, feridas e • Intramuscular (menor).
todos os tipos de infecções cutâneas crônicas podem • Retal.
ser proficientemente tratados com água ozonizada • Vaginal.
e óleo ozonizado que, em comparação com cremes • Água ozonizada.
convencionais, merecem grande atenção. Após a re- • Hidro-ozonioterapia.
gressão da infecção, devemos ir baixando gradativa- • Ozônio bag.
mente a concentração de ozônio para evitar toxicida- • Óleo ozonizado.
de, ativar o metabolismo local, a proliferação celular
e a síntese de citosinas (PDGF, bFGF, TGF-b1, EGF, A ozonioterapia tópica inclui:
KGF), promover a síntese da matriz intercelular e o • Aplicação de óleos vegetais ozonizados.
processo de cicatrização progressivamente para evi- • Aplicação direta da mistura gasosa de oxigênio
tar sua inibição (Beck et al., 1993; Pierce et al., 1995; e ozônio nas lesões (por meio de um saco plástico –
Sporn e Roberts, 1993; Schimid P. et al., 1993; Slavin, ozônio bag).
1996; Martin, 1997). • Aplicação de água ozonizada.
Há boas razões para justificar a aplicação de • Hidro-ozonioterapia.
ozonioterapia. Para a remoção de material puru-
lento, a rápida lavagem com água ozonizada pode A atividade antisséptica dos óleos ozonizados foi
ser útil, particularmente se combinada com ozônio demonstrada inicialmente por Cronhein (1947), po-
venoso ou retal, durante a fase aguda, 2–4 vezes/se- rém outros efeitos vêm sendo atribuídos a eles, tais
mana, com concentrações baixas, pois a associação como:
das técnicas leva a um maior sinergismo na cura das
feridas. • ativadores da microcirculação local;
O ozônio venoso ou retal aumenta a perfusão • aceleradores do metabolismo do oxigênio celular;
tecidual, a oxigenação e o metabolismo, mas não • estimuladores dos sistemas enzimáticos de defesa
aumenta a produção de citocinas pró-inflamatórias, antioxidantes;
as quais são sempre superinduzidas pelas toxinas • estimuladores da granulação e da epitelização.
das bactérias (Miroshin e Kontorshikova, 1995). Ele
também não pode esterilizar o sangue. Embora mui- A hidro-ozonioterapia consiste em um peeling
tos patógenos suspensos na água sejam sensíveis ao suave, com debridamento não cruento e gradativo,
ozônio, eles se tornam bastante resistentes no plas- que retira o odor fétido das feridas abertas e do pé
ma, devido à proteção exercida pelos antioxidantes diabético, alivia a dor do local e mantém a melhora a
endógenos. longo prazo, diminui o edema extravascular, promove
O tratamento tópico é fácil e a observação diária redifusão capilar e higienização ampliadas, além de
da ferida é um bom guia, entretanto isso ajuda a reco- oxigenoterapia por difusão.
732 Seção XXVI Terapias coadjuvantes
CASOS CLÍNICOS
Caso clínico 1: Ferimento infectado – parte superior do glúteo e flanco
(P. S. Cirúrgico HCFMUSP, arquivo pessoal do Dr. Glacus Brito)
Figura 70-13.
A cultura da ferida revelou Pseudomonas aeruginosa, Após 2 dias de tratamento com O3, o paciente
Acinetobacter hominis, Bacteroides fragilis e E. coli multir- estava sem febre, após 6 dias o antibiótico foi suspen-
resistentes, resultando em um diagnóstico de “ferimen- so e, após 2 meses sem antibioticoterapia, ele teve alta
to incompatível com a vida”, de acordo com o Dr. Cor- hospitalar.
nelius Mitteldorf, cirurgião de trauma do HCFMUSP.
Figura 70-14.
A associação da terapia convencional com ozo- (fim do odor fétido da secreção purulenta) e diminui-
nioterapia tópica resultou em rápida formação de ção rápida e progressiva da área lesada. A cicatrização
rede neovascular, interrupção do processo infeccioso estava completa após 4 meses.
734 Seção XXVI Terapias coadjuvantes
A B
Paciente com úlcera venosa há 8 anos, de odor zação quase completa após 18 sessões de hidro-ozo-
muito fétido, secreção intensa chegando a fazer uma nioterapia e bag.
“poça de secreção” ao ficar parada com o pé. Cicatri-
A B
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