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Estratégias de sobrevivência:

o uso de recursos ao longo da rodovia Transamazônica <1)

Emilio F. Moran (•)

Resumo das pela colonização planejada (ou dirigida).


Os recém-chegados, por outro lado, vêm pas-
O presente trabalho descreve a utilização de re-
sando por um processo rápido de adaptação às
cursos por uma população pioneira ao longo da
rodovia Transamazônica e as mudanças resultantes
mudanças em suas condições físicas e sócio-
no ambiente e no comportamento sócio-econômico econômicas.
dessa população.
O projeto de colonização da Transamazô-
nica, em 1971, tem sido elaborado e financiado
pelo Governo Federal Brasileiro, e já estava em
INTRODUÇÃO
funcionamento por três anos na época em que
este estudo foi realizado. Uns 6. 000 iavrado·
Sob a perspectiva cultural-ecológica o ho-
res sem terras, vindos de todas .as partes do
mem e seu ambiente são considerados como
Brasil, receberam 100 hectares de terra vir-
partes em interação, e não entidades separa-
gem (3). crédito e outros auxílios. Alguns têm
das (1) . O ambiente físico do homem tem sido
sido bem sucedidos como fazendeiros nesse
modificado pelas suas atividades, assim como
novo cenário físico, social e institucional, en·
a cultura tem sido modificada pelas necessida·
quanto que muitos não. Essa diferença suscita
des específicas de sobrevivência num dado
questões sobre o porquê alguns são bem su-
ecossistema.
cediàos quando outros falham. As estratégias
O esquema de povoamento da Transama- que têm permitido a alguns terem sucesso su -
zõnica oferece um laboratório especialmente gerem que cultivos relacionados com a sobre-
bom para esse tipo de estudo. Além d::~ nova vivência e a produção diversificada .ao longo do
população de imigrantes, a qual manifestará ano são mais importantes nas zonas pioneiras
uma ampla variedade de ad::~ptações. há tam- do que a produção para o mercado. Este tra-
bém uma população de residentes locais que balho é baseado no estudo intensivo de uma
tem vivido na região por uma ou mais gerações. comunidade planejada (i. e., uma agrovil3) e
Esse;; últimos desenvolveram suas próprias es- em pesquisas conduzidas ao longo de um tre-·
tratégias adaptativas para lidar com o ambiente cho de 180 km da rodovia, na região de Altami-
físico; mas agora eies têm que se ajustar às ra (Fig. 1) . A região de Aitamira foi o centro
novas condições sociais e institucionais trazi- de tentativas de colonização durante o período

( • ) - Indiana University, Bloomington (U.S.A.).


( 1) - A rodovia Transamazônica liga as capitais nordestinas de João Pessoa e Recife às cidades amazônicas de Ma·
rabá, Altamlra e I ta i tuba. Deverá chegar até as fronteiras c.om o Peru em 1976. As cidades amazôniccs
mencionadas serviram como núcleos para os administradores do projeto de colonização e para os operários
da rodovia até que novas comunidades tossem criadas ao longo da rodovia. Para discussão sobre essas co-
munidades planejadas ver Kleinpenning (1975), Mo:an (1975), e Smith (1976) .
( 2) - A posição de Steward (1955) em relação à ecologia cultural baseia-se no conceito de uma "essência-cultu-
ral'' que é o conjunto dos aspectos especlficos do sistema tecno-econômico. Tais aspectos influenciam for-
temente as outras formas culturais.
( 3) - Apesar dessas áreas terem a aparência de terras virgens. sabe-se que populações indígenas lá viveram (ct.
Smith, 1976). desmatando pequenas áreas para cultivo, pelo método de derruba e queima . Espécies :.ss..,cia-
das com sucessão secundária (esp. Cecropía spp) foram observadas em regiões ainda não ocupadas pelos
colonos.

ACTA AMAZONICA 7(3) : 363-379 -363


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70 60 50

Fig. 1 - Amazônia brasileira. Sistema Rodoviário.

1971-74(•). A pesquisa fo i realizada no outono nova reg1ao uma versão simplificada dos hábl ·
cle 1972, e entre outubro de 1973 e outubro de tos culturais próprios de suas regiões de ori-
1974. A razão da escolha dessa comunidade gem (6 ) (Bi llington, 1967: 16) . Enquanto que
p :~ ra pesquisa, métodos, e outros aspectos dO todos os brasileiros compartilham até certo
estudo, pode ser encontrada em Moran (1975) . pcnto de uma "cultura nacional", também exi s-
Ao contrário de populações tradicionais e tem subculturas region.ais que se compõem de
homogêneas, tais como as estudadas por Niets- respostas específicas às características físicas
chamann (1973), Rappaport (1967), e Waddcll e sociais de diversas regiões geográficas
(1972), a popul:~ção da Transamazônica ainda (Wagley, 1971).
não tem uma resposta cultural comum ao seu Uma dessas subculturas regionais se de-
ambiente social e físico (5 ) • Imigrantes de to- senvolveu como uma resposta particular ao
rias as partes do Brasil trouxeram para essa ambie nte tropical floresta-rio, atravessado pela

( 4) - A região de Altamira parece ter sido escolhida ccmo o centro dos esforços de colonização da Transamazô
nica por causa da ocorrência de solos fé rteis na vizinhança da cidade. Antes da chegada da turma de op
rários da rodovia o município tinha uma população média de O. 1O pessoas por Km2.
A capital, também denominada Altamira, é banhada pelo rio Xingu, um dos maiores afluentes do rio Amazo-
nas. A temperatura média é de 26 graus centígrajos, e as chuvas atingem 1700 mm por ano. Há duas es-
tações marcantes no ano : um período de seca (julho-outubro) , e um período de chuvas (novembro-maio).
A área atravessada pela rodovia está na região elevada, ou terra-firme, e tem as características de uma flo-
resta úmida tropical.
( 5 l - Embora seja verdade que uma grande parte de variação individual está presente em todas as culturas (cf.
Pelt6 & Peito, 1975), as culturas tradicionais ter.dem a ser muito menos pluralistas do que as modernas so-
ciedades (White, 1949).
( 6 l - Billington (1967: 16) sugeriu em seu trabalho sob e a situação nas fronteiras, que essa simplificação da "ba-
gagem cultural" de um pioneiro é um processo que freqüentemente ocorre durante a migração.

364- Moran
rodovia Transamazônica; é a cultura do caboclo as energias reprodutivas do homem e do ani-
.:~mazônico (Wagley, 1952; Moran, 1974). /1., mal de tal forma que restrições culturais limi-
população de caboclos dispõe de um conjunto tavam tanto o t:lmanho da família como a in-
de estratégias adaptado tanto ao ambiente físi- tensidade da caça e pesca. O resultado é que
co dos trópicos como ao tradicional isolamento a população permanece estável e dispõe de um
sock:ll de uma região com precárias condições suprimento de proteínas adequado e facilmente
de transpotte. obtido.
A adaptação ao ambiente físico de uma Os Hanunoo, estudados por Conklin (1957),
floresta pluvial, ao ambiente social de uma co- possuem o que ele chama de "método integral"
munidade pk:mejada, e ao ambiente institucio- de aqricu ltura itinerante. Esse é um sistema
nal criado por agências de colonização, fez complexo que permite à terra recuperar-se.
surgir uma variedade de estratégias de sobre- prover uma bo.s cobertura de solo pelo uso de
vivência entre os colonos. Também serão con- consorciação, e utiliza centenas de variedades
sideradas as estratégias que a população de- cultivadas e plantas silvestres que diversificam
senvolveu p.sra identificar e utilizar os vários os recursos alimentares das pesso.ss. Tais
recursos desses ambientes potenciais. O pre- mecanismos sociais e ideológicos ajudam na
sente trabalho tem por objetivo dar uma visão manutenção do equilíbrio entre grupos de pes-
da efetividade da utilização de recursos pelos soas e seu ambiente.
colonos. Os pioneiros que vieram a ser lavr-adores
na Transamazônica não reconheceram os re-
PERCEPÇÕES DOS RECURSOS cursos da floresta nem os diferentes modos de
explorá-los. O primeiro impulso deles foi CO!"·
No começo a maioria dos recém-chegados tar a floresta e :1fastá-la o mais possível. Isto
considerava a floresta como um obstáculo aos é evidente, principaimente, ao redor das casas,
seus interesses e desmat::wam áreas sem se onde eles não deixam crescer nem uma ponti·
preocuparem com os recursos naturais que po- nha de grama ou vegetação n:Jtural. As hortas
deri~m ser utilizados. Os recursos não são que alguns cultivam ficam pelo menos três me-
uma realidade absoluta; são definidos principal- tros distantes da moradia. Alguns até tinham
mente através ds percepção (Sternberg, 1973: medo de cultivar ess.:Js plantas perto da casa.
260-261) . Não só têm que ser reconhecidos Eles só tinham visões de cobras, escorpiões,
antes de serem usados, como também é neces- aranhas e outros habitantes desagradáveis da
sário uma estratégia ,:Jdequada para aproveitá- floresta, escondidos entre as plant:Js. Os tipos
los, permitindo ao sistema ser eficientemente de vegetação da floresta não eram distinguidos
operacional. A menos que isso seja feito, os e adequadamente relacionados às várias pro-
recursos só podem ser usados uma vez. Em priedades do solo. Os frutos silvestres e ani-
termos de sobrevivência a longo prazo isto· é mais de caça não eram reconhecidos nem va-
1nadequ::~do à adaptação humana (Odum, 1969). lorizados, com exceção talvez do veado.
Antropólogos e outros têm estudado popu- Em contraste, a população dos caboclos
lações tradicionais por mu ito tempo. Aqueles, am:Jzônicos é familiarizada com o ambiente fí-
cujas vidas não fo·ram seriamente perturbadas sico (Fig. 2). Eles utilizam os recursos da
pela civilização ocidental, mostram um notável floresta de um modo muito semelhante à adap·
equilíbrio na exploração dos recursos locais . tação indígena. A caça e a colheita de frutas
Por exemplo, Rappaport (1967) descreveu o silvestres provêm proteínas, vitaminas e mine-
elaborado mecanismo regulador-homeostático rais, enquanto que a horticultura de subsistên-
contido na cultura d:1 tribo Tsembaga Maring, cia baseada na mandioca, provê a maior parte
o qual indicava a época apropriada para guer- d:Js calorias necessárias. Eles plantam em
~ear e consumir grandes qu.sntidades de cará pequenas clareiras abertas pela derruba e quei-
e carne de porco. Noutro exemplo, Reichei- ma. O relativo isolamento da área conduz a
Dolmatoff (1971) encontrou uma elaborada um estilo de vida auto-suficiente, que tem sido
cosmologia entre os índios Tukano, ao noroes- ligado a uma economia extrativa. É esse an-
te da Amazônia. Essa cosmologia relacionava tecedente histórico que explica a presumível

E~tratégias de ... - 365


ESTRATEG IAS USADAS
RECURSOS USO DOS REC UR SOS
PARA OBTER RECURSOS

, 'I E N O A

AGROPECUARIA------~~ C OU R O

CONSU M O
,
LATICI N IOS

CO N SU M O

AGRI CULTURA - - - - - ---t-.1 OIST R I B UI~AO

VE N DA

CO N SU M O

OISTR I BU iy à O
HORTI C ULTURA ------~
~~
VENDA

USO 11 E O I C I H A L

V E NO A OE PE LES

At.IBI VENDA OE CARNE


, EN TE C ACA ""' CONSU M O
FISICO I
OISTRIBU iy ÀO
USO M EDICINAL
L--.- - -- -----1

CONSUMO

PESCA DISTRIBU I CÃ O

VENDA

CO N SU II< O

OISTRIBUI~ÃO
COLHEITA M ATER I A PRI IIA
USO M EDICINAL
VENDA

..
Fig. 2 - Recursos e uso do ambiente físico.

366- Moran
negligência do caboclo em relação à agricultu- das quais pesando quatro quilos. Os caboclos
ra. A borracha, a castanha-do-Pará e a madeira não esqueceram o uso do arpão e de um tipo
são bastante rentáveis, enquanto que, compa- de armadilha par.::~ peixes , a cacuri, mas não
rativamente, o excedente das safras produz encontramos nenhum caboclo colono usando
menos lucros e é mais difícil de ser negociado. esses métodos. Eles também não usam timbó.
Na tradicional cid.::~de amazônica de Gurupá, por nome vulgar de uma ampla varied.::~de de cipés
exemplo, a maior parte da comida consumida venenosos que podem entorpecer peixes con-
pelo povo era e é importada, porque a maiori::~ centrados em um igarapé represado. O uso de
das famílias concentra-se em atividades extra- tais cipós é ilegal e, se ainda ocorre, é muito
tivas (Wagley, 1964: 71-72). clandestinamente.
Os o::~boclos da Transamazônica vieram de Os peixes capturados na área da Transa-
tributários vizinhos. garimpos de ouro, ou vie- mazônica são às vezes distribuídos entre ami-
ram de estados amazônicos, como famílias gos e vizinhos. O peixe não é vendido nem
pioneiras, na época em que o Município de Al- usado medicinalmente pelos colonos; é normal -
tamira abriu terras para serem colonizadas, há mentE:: consumido pelas famílias. A caça é
uma geração atrás. Nesses anos anteriores à muito mais importante em termos do tempo gas-
rodovia, a atividade dos colonos de lá diferen- to e da quantidade de proteínas conseguida.
cia pouco da dos caboclos de outras áreas. Antes da chegada da rodovia os animais
Seus pais e avós tinham chegado durante a de caça eram muito mais comuns na região de
época da borracha e permaneceram depois dela Vila Roxa. Os caboclos se record::~m de terem
p::~ssar . A extração da borracha ao longo do morto grandes antas (Tapirus terrestris Linn.)
lriri, por exemplo, continuou, até 1967(1). Com a poucos metros de suas barracas. Agora a
a chegada da rodovia essa população local situação é diferente. Embora a caça não seja
procurou títulos de terras próximas de seu eixo muito praticada pelos colonos em geral, a des-
principal, e estava entre os primeiros a ocupa- truição da floresta para agricultura afastou os
rem as terras do Projeto Altamira. animais para bem distante, em áreas não pene-
O novo ambiente social e institucional não tradas. É difícil aparecer uma anta, ou qual-
prejudica nem altera a adaptação do caboclo quer outra caça grande. Os resultados da caça
ao ambiente físico. Por exemplo, eles conti- à queixada (Tayassu pecari Link.) e ao caititu
nuam a pescar e caçar. Embora os pequenos (Tayassu tajacu Linn.) são mais recompensa-
igarapés que atravessam os lotes dos colonos dores.
não contenham as espéci€s de peixes grandes Os caboclos são conservadores no que se
(Honda, 1972; Veríssimo, 1898), o uso de um refere à caça. A crença nos "dias de sorte" (8 )
simples anzo l é recompensado pela captura de e outras restrições sociais (9 ) e legais (10) que
"traíra" (Hoplias malabaricus Block), algumas proíbem e desencorajam a venda de carne e pe-

( 7) - Um comerciante da borracha estabelecido em Altamira manteve seu negócio funcionando até 1967, e desistiu
somente porque os coletores de borracha abandondram as "estradas· de borracha para caçarem onça , que
era mais lucrativo . Eles podiam ganhar CrS 1200 por cada pele Com a proibição da caça à onça pintada,
feita pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). os comerciantes da borracha predisseram
que muitos dos homens voltariam para as estradas de borracha . Entretanto, muitos desses ex-seringueiros
são agora colonos na Transamazônica. Se eles vão ou não voltar a coletar borracha em áreas inexploradas da
cabeceira do rio depende do sucesso que conseguirem como pequenos fazendeiros .
( 8) - Alguns caboclos da região disseram que havia "dias da caça " e " dias do caçador ". Terça-feira, sexta-feira e
sábado eram os dias de sorte para o caçador, enquanto que domingo e segunda-feira eram os dias de sorte
para a caça . Nestes últimos dias as caçadas não eram bem sucedidas e geralmente eram evitadas . Segun-
da. quarta e sexta-feira eram dias neutros e ambíguos . Mesmo nos dias de sorte o caçador poderia voltar
de mãos vazias . Em tais ocasiões ele fica preocupado e começa a averiguar a possibilidade de estar empa-
nemado (com má sorte). e procura a causa para efetuar uma cura cultural efetiva .
( 9) - Panema é uma espécie de má sorte na caçada (Galvão, 1951 ). A panema pode ser adquirida por meio do con-
tato com uma mulher menstruada ou com um per ~enr.e de caçador ou pescador: por meio de recusa em par-
ticular animal caçado, com vizinhos ou parentes pobres (desconfiança); através da mutilação ou abandono da
carcaça do animal caçado e através da permissão de que uma mulher grávida sem parentesco com o caçador
coma a caça . O medo da perda das suas fontes de proteínas. tanto caça como peixes, parece residir nas
raizes das crenças dos caboclos em panema (Wagley, 1964 : 81; Moran, 1974: 148) .
(10) - O Instituto Brasi leiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) processará o homem que vender peles de animais
e providenciará a saída dele e de sua família da área de colonização, por tais violações. A caça só é per-
mitida para fins de consumo.

Estratégias de ... -367


les de animais selvagens diminui, conseqüen- /opha Wagler) ; tatu ( 12 ) (Oasypus novemcinc-
temente, a intensidade da caça. Os animais tus linn.) e veado (Mazama americana Erx.).
não são ca9ados com fins lucrativos pelos ca- Geralmente os caboclos comem carne de
boclos da Transamazônica; somente para con- macaco ( 13). mas os recém-chegados só a co-
sumo pessoal e distribuição entre os vizinhos . mem em épocas de necessidade. Na floresta
Os recém-chegados, por outro lado, caçam em há inúmeros outros mamíferos culturalmente
qualquer dia, não acreditam em má sorte aceitáveis, mas raramente são caçados.
( panema) e em vários casos vendem a carne O coelho (Sylvi/agus brasiliensis linn.) é
da caça para complementar seus rendimen- caçado somente pelos gaúchos do Aio Grande
tos (1 ' ) . do Sul. Sua carne é considerada "lisa" pelos
A caça é mais intensa ao fim do dia e à outros e, portanto, indesejável como comida.
noite. Isto evita a longa e cansativa persegui- A capivara (Hydrochoerus hydrochoeris linn.),
ção da caça durante o dia. A única exceção a
essa regra é a caça a porcos do mato que são
ativos durante o dia . Como eles andam em TA BELA 1 - Árvores usadas para esperar a caça
bandos de vinte ou mais, a perspectiva de uma nas caçadas noturnas (*)
caça excitante e altamente produtiva requer
vários homens numa única caçada. Nas caças Árvore ( tolome locol) (tolome científico)
à noite, os caçadores param suas atividades
agrícolas ao fim do dia e encaminham-se para
Açaí Euterpe oleracea Mart.
um ·ponto de espera", na hora do crepúsculo.
Babaçu (**) Orbignya martiana Barb. Rodr.
Esse lugar, geralmente, fica perto de vegeta- Bacaba Oenocarpus bacaba Mart.
ção em floração ou frutificação , que é .atrativa Castanha do Pará (***) Bertholletia excelsa
para a caça (Tabela 1) . Os caçadores armam Cupuaçu (****) Theobroma grandiflorum
suas redes cerca de três metros acima do chã0 Spring.) K. Schum.
e esperam pela chegada da caça. Usam rou- F-rutão Lucuma spp. e Pouterla spp.
Jaracatiá Jaracatia spp.
pas escuras para evitar serem percebidos pel8
Jarana Holopyxidium jarana Ducke
caça. A conversa é praticamente ausente. To- Mata matá Eschweilera spp.
dos esperam ouvir os passos distintos de vá- lnharé Helicostylis spp.
rios animais noturnos . Quando um animal está Piquiazelro Caryocar spp.
debaixo de suas redes, ou comendo as flores Sapucaia (**••• ) Lecythis usitata Miers .
ou frutos, ele é cegado por um "flash" de luz Tamborl Enterolobium maximum Ducke
Tauarl Couratari spp .
e atirado. Raramente o caçador poderá deixar
passEJr a oportunidade de matar uma • paca"
( Agouti paca Linn.), porque sua esposa lhe pe- • ) - A listo acima contém todos os árvores mencionados
pelos caçadores entrevistados. Nenhum deles citou
diu para trazer um veado (Mazama americana todos os nomes embora todos tenham mencionado um
Exr.) . Atirar no primeiro animal que aparece mínimo de dez árvores usados como lugar de espe-
ro. t importante mudar o cada noite, principalmen-
dispersaria os outros e evitaria de virem ao te do lugar em que um caçador matou um animal.
local. ( •• ) - Só os veados e pocos comem os frutos, depois dos co-
tios abrirem o casco duro.
Depois de três anos de intenso povoamen- ( •• • ) - Somente os cotios comem o fruto do Costonho-do-
to na região, perto de Vila Roxa, encontra-se ·Por6.
principalmente caça de pequeno porte : paca ( • **• ) - Somente veados, pocos e antas comem o fruro.
C•••••l - As flores e os frutos são consumidos pelo moiorto
(Agouti paca linn.); cutia (Dasyprocta prymno- dos ontmois, e}(ceto pelos tatus e pássaros,

(11) - A caça como fonte de lucro foi associada com estratégias que enfatizam o trabalho na própria terra . As fa-
mílias caçaram uma média de 22 kg de carne de caça e estavam rapidamente se aproximando de uma mé-
dia de 36 kg por mês. obtidos pelos caboclos .
(12) - O tatu canastra (Priodontes giganteus) é caçado raramente devido à sua relativa esc-assez, embora alguns
casos tenham sido mencionados pelos caçadores.
( 13) - Grand~s bandos de quarenta ou mais macacos gua liba (Aiouatta belzebul Linn .) passeiam pela área . Ma-
caco prego (especialmente Cebus apella Llnn . ) são os macacos mais freqüentemente abatidos para alimenta-
ção. Também são encontrados na região os macacos-de-cheiro (Saimirl sciureus Linn . ) , e macaco barrigudo
(Lagotrix trivlrgatus Humboldt), zoque-zoque (Callicebus spp . ), macaco·da-noite (Aotus trivirgatus Humboldt).
e outras espécies não Identificadas. com nomes locais de mão de ouro, cara branca, 4 olhos e cuambá .

368- Moran
o maior roedor existente, pode ser caçada per- Na maioria das vezes o consumo de frutos
to de igarapés. mas é raramente encontrada na silvestres requer um certo grau de preparação
r·egião de Altamira . Outros animais não são A polpa é normalmente esmagada e misturada
cultu ralmente aceitáveis como comida : porco- com água quente e açúcar para fazer suco (vi-
espinho (Chaetomys subspinosus Tefer). ta- nho). As crianças raramente têm paciência de
manduá (M yrmecophaga tridactly/a Linn. e Ta- esperar tanto, e elas são os membros da família
mandua tetradacty/a L.) e preguiças (Bradypus que mais freqüentemente consomem frutos em
tnfuscatus marmoratus e Choloepus didactylus seu estado natural. Algumas das frutas silves-
L.) . Apesar dos mitos de conservação não tres são muito ricas em vitaminas. Embora
serem ativos nessa área, exceto entre .a popu- poucos frutos tenham sido adequadamente ana-
lação de caboc los, felizmente as preferências lisados, aqueles que o foram poderiam comba-
alimenta res, por si só, exercem uma força de ter a "deficiência de vitamina" dos cabocl~s
restrição à caça ( 14 ) • Além disso, em qualquer amazonenses, tão freqüentemente discutida na
C·3SO de doença e estados de gravidez, pós-par-
to e lactação, a carne de caça não é consumida
AP I: NDICE 1
porque é considerada perigosa Cremosa) . In-
diretamente, isso atua de modo a diminuir a FRUTAS SILVESTRES NA REGIÃO DE ALTAMIRA (*)

intensidade da caça e a torná-la disponível por


mais tempo como fonte de proteína. ( 15 ) • NOME EM PORTUGUtS I NOME CIENT IFICO

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O uso de plantas silvestres também é dife-
rente entre os caboclos e os novos colonos . Açaí Euterpe oleracea Mart .
Araçá Psidium araca Raddi .
Esses últimos só comem a fruta de cupuaçu
Babaçu Orbignya martiana Barb. Rodr.
(Theobroma grandiflorum), cacau do mato Bacaba Oenocarpus bacaba Mart .
(Theobroma spp) e castanha-do-Pará (Berthol- Bacuri Platonia insignis Mart .
/etia excelsa). Buriti Mauritia vinifera Mart.
Biribá Rollinia mucosa (Jacq . ) Baill .
As plantas silvestres eram desconhecidas Castanha-do·Pará Bertholletia excelsa
e mesmo consideradas mais perigos·as do que Cacau (• •1 Theobroma cacao L.
a caça. As frutas, de modo geral, tendem a ser Cupuaçu Th~obroma grandiflorum Schum.
Graviola (••1 Anona muricata L.
consideradas "ácidas" e são especialmente evi-
ingá lnga spp.
tadas durante períodos de doença e fraqueza. Jambo Syzygium jambos (L.) Alston
Isso é verdade mesmo para os caboclos, Jenipapo Genipa americana Linn .
Mangaba Hanconia speciosa Gomes
que quando estão sadios consomem uma varie- Murici Byrsonima spp .
dade de frutas silvestres. Eles usam os frutos Miriti Mauritia flexuosa Linn .
do açaí (Euterpe oleracea), bacaba, babaçu Piqui Caryocar spp .
(Orbignya martiana) e outras palmeiras, as no- Pupunha Guilielma spp .
Sapatilha Achras sapota Llnn .
zes da castanha-do-Pará (Berthol/etia excelsa) ,
Sapucaia Lcythis usitata L.
sapucaia (Lecythis usitata) e os frutos de pi- Taperebá ( ... ) Spondias lutea Linn.
quiá (Caryocar villosum), cupuaçu (TheobromiJ
grandiflorum), taperebá (Spondias lutea) e ca-
( • ) - A região de A lromiro é pobre em frul os silvestres, o
cau (Theobroma cacao). O apêndice 1 contém que não é comum,
uma lista dos frutos silvestres que são consu- C• • ) - A g raviola e o cacau quase adquiriram o categor ia de
frutos domésticos devido à preferência dos fazendeiros.
midos na região de Altamira ( 16 ). (• . . ) - Também conhecido pel nome de cojá.

(14) - Para uma discussão geral sobre tabus alimentares e a sua relação com a concepção de s·aúde e doença da
população, consultar Fleming·Moran (1975) .
(15) - Uma pequisa sobre o impacto da colonização na população de caça da Transamazônica foi desenvolvida por
Nigel Smith, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (Smith, 1976) .
(16) - A região de Altamira é relativamente pobre em frutos si lvestres. Entre as notáveis ausências estão: araçá
(Psidlum araca Raddl); buriti (Mauritia vinifera); bacuri (Piatonia inslgnis Mart.); biribá (Rollinla mucosa Baill);
ingá (lnga spp); jenipapo (Genipa americana Linn.); murici (Byrsonima spp); mirlti (Mauritia flexuosa) · e pupu-
nha (Gullielma gasipaes) . '

Estratégias de . .. - 369
literatura ( 11) . Por exemplo, taperebá (Spondías família inteira adota essa freqüência. Esse
lutea Linn.) provê grande quantidade de vitami- modo de difusão também é válido para plantas
na C; castanha-do-Pará contém o aminoácido medicinais, carne de caça e métodos para ob-
metionina ( 18), açaí é rico em gorduras (1 9), e ter alimentos si lvestres . As crianças atuam
pupu11ha, buriti e tucumã são mais ricos em vi· como mensageiros, pois sempre estão em con-
tamina A do que as cenouras (20 ) • tato com os hábitos de outras pessoas e com
a informação intra-familiar sobre a utilização de
Diferentemente dos outros colonos, o ca-
recursos.
boclo não considera a floresta como um inimi-
Com a chegada da rodovia, a reserva mo·
go que precisa ser afastado. Ao contrário, ela
netária do governo foi aplicada na área da
é considerada como provedora de alimentos.
Transamazônica sob a forma de salários míni-
tanto como de matéria-prima para suprimento
mos, créditos, empregos e maiores mercados
das necessidades caseiras : cipó para corda ,
comerciais. Os caboclos não mudaram inteira-
casca de árvore para tecelagem de cestos, fo-
mente: seu modo de subsistência; eles adapta-
lhas de palmeiras para cobertura de tetos, seiva
ram-no às novas condições. Eles começaram
de cipó para água potável quando os igarapés
primeiro por escolher áreas férteis demarcadas
estão distantes, palha seca para vassouras,
por "pau-finos " e mata de cipó . Os soios asso-
plantas medicinais e muitos outros materiais
ciados com tal vegetação têm um bom conteúao
de U8o diário. Tal conhecimento está sendo
orgânico, baixos níveis de troca de alumínio .
adquirido em graus diferentes pelos recém-
quantidades adequadas de potássio e fósforo,
chegados.
e um pH de 6,0 ou mais (ver Figura 3) (21) . Mui-
As crianças são importantes na difusão tos dos novos colonos ficam confusos diante
dessa informação entre os colonos. Sendo me- da vegetação exuberante da floresta amazôni-
nos limitadas pelas preferências culturais, e ca, e simplesmente assumem que o mesmo
bem mais gregárias, elas aprendem sobre os critério adotado em suas regiões de procedên-
alimentos locais e os experimentam. Como cia também se aplica à floresta tropical . Assim
Stewart & Amerine (1973: 68) colocam: "Quan- como muitos de nós somos capazes de fazer.
do uma sociedade muda seus hábitos alimenta- eles associam as áreas onde há árvores maio-
res. os membros mais jovens da família tendem res com um maior potencial para agricultura.
a mudar primeiro". Se os alimentos são agra- Na Transamazônica, entretanto, tal critério con-
dáveis, eles então os levam para os irmãos e duz a uma escolha de terras não férteis, com
p:.is. Foi freqüentemente observado que, quan- muito pouco potencial para agricultura intensi·
do as crianças gostam de uma certa comida, a va (22 ) . A figura 4 mostra os níveis de fertilida-

(17) - A literatura sobre nutrição raramente menciona o consumo de tais frutas porque elas dependem da estação
e também porque a população tende a esquecer de mencioná-las em pesquis·as sobre o consumo doméstico
de alimentos . Não são consideradas "comida·.
(18) - Esse é o aminoácido menos abundante na slntetização da proteína da mandioca . A sua carência tem sido
usada para condenar a mandioca como um alimento de baixo valor nutritivo . Numa publicação recente,
Gross (1975) sugere que a metionina pode muito bem ser o principal fator limitante do crescimento de po·
pulações indígenas. Ele entretanto falha em mencionar que a castanh a-do-Pará e a batata-doce são ric-ds
nesse importante aminoácido .
(19) - O cons:.~mo de gordura entre a população rural de brasileiros é geralmente considerado muito baixo. O açai
é consumido em enorme quantidade na Amazônia, sempre que disponível . t a fruta favorita no Estado do
Pará, como indica o jargão popular: "Passou no Pará, parou: tomou ·açaí. ficou" .
(20) - A pupunha é comparável à cenoura em vitamina A (8,900 microgramas por 100 g) enquanto que o burlti e o
tucumã são muito mais ricos (30.000 e 31.000 microgramas por 100 gramas. respectivamente) . A pupunha tam-
bém é rica em gorduras (Chavez et ai., 1949) .
(21) - Os solos cuidados pelos caboclos eram de excelente qualidade: o pH era 1.6 mais alto em média do que o
pH do solo doD outros colonos: a quantidade de fósforo foi ainda mais marcante : 15.8 ppm em média con-
tra 2.4 ppm para os outros; cálcio e magnésio fo ram também notavelmente altos : 5 . 76 mE/ 100 gms contra
&, enas 1. 76 mE/ 100 gms . Potássio, Carbono e Nitrogênio não foram significantemente diferentes . o~ SO·
los dos raboclos tenderam a ser de 10 YR em coloração (marrom ou preto amarronzado), enquanto que os
solos dos outros colonos foram de 7 .5 YR em coloração (marrom e marrom escuro) . Ver Moran (1975) para
Informações completas sobre análises de solo.
(22) - Um ou!to critério que os recém-chegados f1 eqüentemente usaram foi o da composição em partículas do solo .
Muitos colonos acharam que quanto mais pesacta e pegajosa fosse a argila, melhor . Se alguns solos bons
caem nessa categoria, alguns com essa argila estariam entre os primeiros a criar problemas de drenas:~em e
sofrer compactação depois da derrubada da flores ta e cultivo .

370- Moran
r ~o..C; RESTA
acesso aos centros de comerc1o durante o pe-
OUEI WA OA
ríodo de chuvas. Os recém-chegados, freqüen-
PRIME IRO t.HO
temente, optam por morar nas agrovilas, onde
S EG U N DO Ah \l
há serviços de saúde e educação. Morando
r ··· ~SOlct;Or. (.AI O(t.O •
TERCE IRO ANC ..... _, nas agrovilas, entretanto , suas roças ficam de
C~$CiJO(N10 SECV'OÁOIO 3 a 20 km distantes . Quando elas se locaiizam
a mais de 1O km das vilas os colonos gastam
menos tempo na lavoura . Na Figura 5 estão
mdicados os lotes dos colonos que residem
Fig. 3 - Compareção de pH entre os solos dos
caboe:los e colonos novos na região. numa agrovila, marcada no mapa como Vila Ro-
xa . Essa grande diferença de distância é tam-
bém repetida em outras vilas. A maioria dos
lotes fica ao longo dos "travessões" que cru-
de do solo de a) caboclos e b) novos colonos. zam a rodovia principal. Entretanto os colonos
Pode-se perceber o quanto a área hexagonai é logo descobrem que a construção ou manuten-
maior para o solo dos caboclos uma con- ção das estradas laterais não tem alta priori-
firmação agronômica da exatidão do seu crité- dade, e que na estação chuvosa são quase im-
rio popular. praticáveis . Assistentes técnicos e comprado-
Quase nenhum dos recém-chegados apro- res ficam impossibilitados de chegar aos lotes
veitou a totalidade dos conhecimentos dos ca- nos ·travessões·, porque estes ficam distan-
boclos em relação às associações planta-solo, tes demais para serem mantidos pelos operá-
porque os mesmos eram conhecidos como sen- rios encarregados da construção e manutenção
do mais interessados na caça do que na agri-- da rodovia. Enfim, muitos dos recém-chegados
cu ltura. Ironicamente, foi durante os períodos estão limitados tanto pela distância da rodovi a
de caça e coleta da borracha que os caboclos principal como pela seleção de solos não fér-
aprenderam a reconhecer as espécies de plan- teis.
tas que indicam os solos produtivos para a
agricultura. A Tabela 2 enumera o critério que
leva em conta a vegetação, usado pelos cabo-
'11
clos para julgar o potencial do solo na região
de Altamira . Os indicadores da vegetação são
provavelmente diferentes em outros micro-am-
bientes da Amazônia. Amostras de solo colc-
tadas na região de Altamira confirmam a exa-
tidão desses indicadores agronômicos popula-
res (Tabelas 3 e 4) . Em outros lugares notei
., .J

(Moran, 1975: 82, 85 e 176-193), que solos


férteis estão presentes em muitas áreas da
Amazônia, e que a produção agncultural pobre • CAI OCLO $ O ARVOA(S O( ORAHOE PORTE

é, freqüentemente, um resultado da má escolh~


de terra e não da ausência de solos férteis. 'H t "o óo"o )

As terras ao longo da rodovia Transamazô- WATÉR I A ORGÂNICA ( 'lfo I


l O l J t t 1 t .tI

nica são divididas em lotes retangulares de •• .. u +-


100 hectares, como mostra a Figura 3. Os co- F ÓSF O ft O ' ''"" )

lonos moram nos lotes ou em agrovi las. Os OI OI OJ o• OJ .,_


POT.O.,S$ 10 I I'I"'E /n t oq)
caboclos preferem viver em suas próprias ter-
ras, e mostram uma marcante preferência por
.
lotes à beira da rodovia (Fig. 5) . Isto é, pro- &O a.o •• 10 cu o
A L U .. I N t O { ,. E /IOO t I
vavelmente, uma reação lógica à longa expe-
riência de isolamento, e um reconhecimento
Fig. 4 - Chave "a" os diagramas de fertilidade.
das sérias restrições provenientes do difíci f

Estratégias de ... - 371


TABELA 2 - Associaçes planta-solo

SOLO BOM PARA AGRICULTURA SOLOS POBRES PARA AGRICULTURA

" PAUS FINOS" " PAUS GROSSOS"


(árvores de tronco fion) (árvores de tronco grosso)
----------------
TE RMO LOCAL NOM E CIE NT IFICO T ERMO LOC AL NOME CI ENTI FICO

Açaí Euterpe oleracea Mart. Acapu Vouacapoua americana Aubl .

Babaçu Orbignya martiana B. Rodr. Caju-Açu Anacardium giganteum Engl .

Fave ira Piptadenia spp . Jarana Holopyxidium jarana Ducke

Muiraximbé Emmotum tagifolium Desv. Maçaranduba Manilkara huberi Standl .

Mororó Bauhinia macrotachya Benth. Melancieira Alexa grandiflora Ducke

Pau d'arco Piqui Caryocar spp .


purpureo Tabebuia impetinosa Standl.

Pau d'arco Sapucaia Lecythi s usitata Miers


amarelo Tabebuia spp.

Espinheiro Preto Acacia polyphylla DC. Samaúma Ceiba pentandra Gaertn .

Entre os caboclos, com alta freqüência, não m1n1o tóxico em solos t ropicais (Popenoe,
somente a escolha da terra e de seu local foi 1960: 100).
certa como também o foi a tecnologia empre-
Embora todos os colonos tenham praticado
gada. A fertil idade do solo melhorou bastante
agricultura itinerante, os solos dos caboclos
com a que1mada (23) . A Figura 6 mostra as mu-
sofreram um declínio mais lento de fertilidade.
danças na fertilidade do solo, desde a floresta
Isto provavelme nte se deve à maior fertiiidad~
alta até a roça queimada , numa amostra de co-
in icia l de tais solos, à pouca limpeza das erv::~s
lonos . Com a queimada há um marcante au-
daninhas que servem para proteger os soios
mento no pH do solo (observe o eixo de pH na
da lixiviação e erosão, e a um sistema de cul-
Figurç· 6) . Isto também signif ica que a capaci-
tivo que se car.act eriza por consorciação e cul-
dade de troca de cátios aumenta. (Buckman &
turas que exigem menos nutrientes . O fósforc
Brady, 1969: 96). Conseqüentemente há um
parece ser o fator que mais limita a qualidade
aumento dos nutrientes utilizáve is assi m como
das pastagens e da produção agrícol.a na região
dos nutrientes em geral (Figura 7) . O nitrogê-
de Alta mira.
nio não é afetado significantemente, nem ha
um aumento notável de matéria orgânica, em A queimada parece ser o procedimento i n-
comparação com as mudanças nos outros cons· dicado de preparação do solo, por ser a únic.l
tituintes do solo. O aumento no pH do solo maneira barata de aumentar os níveis de fós-
está intimamente relacionado com a redução foro . A Figura 8 mostra os benefícios da quei-
de .alumínio trocável (Mora n, 1975 : 181-182) . mada e as mudanças nos níveis de fósforo com
Isto reduz a probabilidade da presença de alu- o cultivo da terra.

(23) - A derruhada e queimada aparece na literatura como uma prática agronômica efetiva nas regiões tropicais (e.g.,
Sanchez & Buol. 1975) . Baidanzi ( 1959) descohriu que as áreas quE-imadas produziram 30% mais do que as que
foram desmatadas mecanicamente e cultivadas com arado . Sanchez et ai (1974) constatou que os rendimen·
tos obtidos pele plantio em áreas queimadas foram de !.iO a 60% mais altos do que os obtidos em áreas onde
se usou terraplanagem . Sanchez atribuiu o baixo rendi mento obtido com a mecanização à reduzida infi ltra-
ção , esultante da compactação do solo, perda de nutnentes pelas ci11zas e perda do horizonte húmlco pela
raspagem da máquina de terraplanagem . Nye & Greeland descobriram que o aquecimento do solo provoca
um aumento na fertilidade devido à mudança no estado de mineralização do nitrogênio (1960: 72) . A que i·
mada extermina as erv&s danlnas, pragas de animais ou insetos. e bactérias patogênicas . A diminuição na
população de roedores é um fator Importante no aumento dos lucros (Popenoe, 1960: 62) .

M or an
372 -
c'~·~ 65
~c 63

57
.r-' 55 54 55
L., ~'I 12 53 5
51 ",( 5 5
_ó48 ro 49 44 49 49.
~ _48 48 47 46 47 47
~~ 44 -45
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~-- ~ 42 44 43 42 43
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33 34 33 33. :11~ 33
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29 30 29
31 32 31 32.
33 34 33 34 32
35 36 3fi 36 34
37 38 - ·~·; 3.6.
37 38
38 40 39 IIJ)A .~~'38-

:•
40 ~-- .42. «> 41 40
42 ~ 45 42 43 42
44 VILA ROXA
44 47

46 49 46
48 51 48 ~~ AGRO'/ I LAS
50 53 50 51 5 o-
52 55
.-:.. ':-57 ;
52 53 52 I I LOTES CABOCLOS
54 54 55 54
:16 !'19 56 57 56 ~ TERRAS INVIA\1õ l S
·:IS& .. 61 58 59 58
63 60 6 60
65 62 63 61
(;7 64 65 64
ç;9 66 67 66
71A 68 69 68
72 . 70 ' 71 69
74 72 73 71
76 74 75 73

_:,

Fig. 5 - Escolha de terra na Transamazônica.

Estratégias de ... -373


TABELA 3 - Solos associados com os critérios dos caboclos 0

pHb
,d
Kd
Soma das
C:i+Mgc bases trocáveis
Alumíõnio
trocáveis
CEC
Efe-
C9
(% )
Nh
(%)
OM .• C/ N
(% Pro·
~ Cor do Solo
(úmido)
(ppm) ti vo porçã
(Em miliequivalentes por

Floresta 5.8 1 0 .18 7.2 7 .38 Traços 7 .38 1.29 I 0. 23 2. 23 6 10 R 2/3


4.0 1 0.09 0.3 0.39 2.5 2.89 1 . 11 0 .1 2 1.90 9 10 YR 4/4.5

1° ano
Roças
I 6.0
5.6
48
3
o. 18
0 .12
8.9
7.6
9.08
7.72
Traços

Traços
9.08
7.72
2.31
1. 78
0.22
0 .22
3 .97
3 .06
11

8
10 YR 4/ 4 .5
10 YR 3/2.5
7.1 26 0.09 4.8 4.89 Traços 4 .89 1 .02 0.10 1 .76 10 10 YR 2/2
Média 5.9 15 .8 0.13 5.76 5.89 0.5 6.39 1.50 0. 18 2.58 8 .8
Viabilidade 4.0 1-48 0 .09 0.3- 0.39- Traços 2.89- 1 .02 0.10 1. 76 6·11
7.1 0.18 8 .9 9.08 2 .5 9.08 2.31 0.23 3.97

( o-1 ) ! - As amostro< nos Tob:>los 7 e 9 foram coletodos com um coletor de amostras oo solo Hoffer Codo amostro foi coletado o
umo profundodooe de 0-1 O em, e foi composto de 15 subomostros selecionados o o o coso. As omostros forom descritas, rotula-
dos c enviados poro serem analisadas no Instituto de Pes w oso Ag ropecuário do Norte. A metodologia de laboratório está in-
c1uldo em Moran (1975).

TABELA 4 - Solos associados com árvores grandes

pHb
pc
(ppm)
Kd
Soma das
Ca+Mgc bases trocáveis
Alumíõnio CEC
trocáveh Efe-
c
(%)
N
( %)
OM
(•~0 )
~ CIN
Pro·
Cor do Solo
(úmido)
(Em miliequivalentes por ti vo orção

Floresta 5.7 1 .35 5. 75 Traços 3 .20 1.58 .16 2. 71 10 5 YR 3/4.5


4 .1 4 .04 0.1 0.14 1.0 1.14- 0 .68 0.06 1.17 11 10 YR 4/ 4

19 ano 4.1 2 .20 1 .3 150 5.9 5.46 1 .83 0.26 3 . 15 7 7. 5 YR 4/ 3 .5


4 .3 4 . 16 0 .5 0 .66 5 .0 7.35 3 .20 0.24 5 .51 13 7.5 YR 3/3
4. 5 . 25 1.5 1. 75 5.6 5 .66 1. 78 0.22 3 .06 8 7.5 YR 4 . 5/6

Média 4.5 2.4 0 .2 1. 76 1 .95 3.5 7.4 1. 81 .19 3 . 12 9 .8

Viabilidade 4 . 1- 1-4 0 .4- . 1· 0 .66- Traços 1.14 0.68- .06- 1.17·


5.7 .35 5 .4 5 .75 5 .9 7 .4 5.75 .26 .26 5 .51 7-13

Além da escolha apropriada da terra, os tam com uma produção contínua de farinha de
caboclos adaptaram-se às nov.as condições au- mandioca para suprir suas próprias necessida-
mentando seus lotes previamente pequenos e des e também para satisfazer as demandas do
dedicados à subsistência, até serem capazes de mercado local. A mandioca , que é o gênero
vender produtos no mercado local. Ao contrá- alimentício mais tradicional na Amazônia, cres-
rio dos recém-chegados, eles cultivam uma am- ce de maneira abundante e tem relativamente
pla variedade de plantas , ao invés das culturas poucos inimigos naturais. É bem adaptada a
econômicas anuais que são encorajadas pelo solos pobres e esgotados, e provê uma solução
governo (artoz , milho e feijão). Enquanto ou- para os problemas de armazenagem nos trópi-
tros lavradores esperam ganhar dinheiro com a cos pel;~ sua capacidade de permanecer sob a
venda desses três produtos, os caboclos con· terra por períodos de um ano ou mais. É, as-

374- Morao
nha e carne para o consumo da família e são
bem adaptados às condições pioneiras. O fumo
também é bem adaptado aos trópicos e rende
bem nos mercados locais. Os caboclos sabem,
por experiência, que uma combinação de agri-
cultura e criação de animais domésticos é fá-
ci l de ser desenvolvida numa granja pequena ,
0 e também minimiza o risco de perdas no caso
de algum ítem sofrer o ataque de pragas ou
0 0 doenças.

o. FLORESTA • ROÇA QUEI MADA

.. •• •• •• ••
/
AREAS DE FlORESTA

?O
pH ( no ÓgyoJ

li ATER I A ORGÂNICA 1%1 •• .. .. .. •• •• +


R.:>ÇAS OU( IIIIAOA$

FÓSFORO lpp m I
10 .. •• ...
POTASSIO I mE /IOOol
•• .. •• .. o ••
ROÇAS DO I a ANO

CÁLCIO- MAGNÉSIO I mE /IODo I


.. •• +
ROÇAS DO za ANO

ALU IIII'N I O I mE /IOD o I


.. LO 11 lO
•• ~

ROÇAS 00 lll- ANO

Fig. 6 - Chave "a" os diagramas de fertilidade.


CR ESC 1111 ENTO S[CUNOÁR lO

sim, uma cultura ideal para os pequenos lavra- I


CAPA CIDADE EFETI VA DE TROCA DE CATION S
dores dos trópicos. Ao contrário dos cereais I EM M E I I 00 o " "·I
que dependem das estações, a mandioca provê
uma fonte contínua de alimento e pode ser
Fig. 7 - Mudanças na capacidade efetiva de cátlons.
transformada, com um mínimo de tecnologia,
num prnduto seco , armazenável, e altamente
remunerado por ser consumido em todo o Bra-
'
AREAS OE FLORESTA
sil. A produção de mandioca não interfere nas
outras atividades do lavrador, pois pode ser co-
lhida em qualquer época após seis meses de
ROÇAS Oli E I M A O A S
crescimento (cf. Moran, ·!973, 1976).
Outras fontes tradicionais de rendimento
nara os caboclos são a criação de aves domés-
ticas e porcos e o cultivo de fumo. Aves domés-
ticas e porcos requerem pouco cuidado, já que
ROfA 00 zll- ANO
eles próprios buscam forragem para si. Às ve·
zes dão-lhes cascas de mandioca, restos de fru-
tas e de comida, tanto para aumentar o peso CRESCI MENTO SECUNO AR IO

como para manter limpa a área em volta da o z 4 8 8 10 12

casa. Ao contrário do gaêlo. as aves domésticas ,


FOS FORO ( em p . p . m . )
e os porcos requerem pouco capital inicial e
dispensam o sempre caro desenvolvimento de
F ig. 8 - Mudanças nos níveis de fósforo.
pastagens. Além do mais, produzem ovos, ba-

Estratégias de -375
Num levantamento de 101 lotes, os cabo- pesas com a alimentação e, conseqüentemen-
clos apresentam o dobro da proautividade dos te, aumentar o lucro.
recém-chegados por hectare. Em 1973-74, o
Em outro trabalho neguei a validade dos
valor da produção de milho, arroz e feijão foi de
critérios que influenciaram a escoiha dos colo-
CrS 808,00 por hectare para os caboclos. en-
nos (Moran, 1975: 145-162).
quanto que para os recém-chegados foi somen-
te de CrS 494,00 por hectare r~ ) • Os maiores
4
!: relevante para a presente discussão a
rendimentos na Agrovila estudada intensiva- idéia de que os agricultores do sul do Brasil
mente foram obtidos por um caboclo. A sua mostrariam aos outros colonos como desenvol-
produção de arroz foi de 1 . 440 kg por hect::~re, ver uma lavoura com um nível avançado de
e de feijão foi de 1 . 520 kg por hectare. Isto tecnologia (Ministério de Agricultura, 1972:
supera a média de produção de 597 kg por hec- 203) . A única inovação tecnológica importante
tare, obtida pelos outros, na mesma comuni- nos lotes da Transamazôn ica é o uso de moto-
dade. serras parr. desmatar (25 ). Surpreendentemente,
a população de caboclos foi a primeira a usar
O caboclo também diversifica a produção
esse instrumento. Na nossa amostra de 101 lo-
de seu lote. Em 1973-74, os o::~boclos entrevis ·
tes, os caboclos possuem 41% das moto-serras
tados ao longo de um trecho de 108 km da ro-
da área em contraste com somente 18% entre
dovia relataram uma média de CrS 3. 370,00 por
os sulistas. O rendimento bruto mais aito na
família com a produção de farinha de mandioca,
amostra foi entre a população nativa da Ama-
tabaco curtido e a venda de leite, ovos, porcos
zônia (CrS 13.600,00 por família em 1973-74),
e frangos. Os recém-chegados obtiveram uma
com todas as outras regiões seguindo atrás.
média de apenas Cr$ 1 . 968,00 por família. Ob-
tem-se rendimentos tão elevados com a prática Os caboclos tornaram-se os fornecedores
de agricultura diversificada. Mesmo antes da de produtos frescos para mercados, embora
coiheita do arroz e do milho, outras culturas também vendam a varejo para seus vizinhos.
tais como a mandioca, bananas, raízes e tabaco Esposas e filhos dos caboclos trabalham ao
são plantadas. Isto mantém a terra em cons- lado deles na produção de excedentes para ven-
tante produção e contínua proteção. Os iucros ds ao invés de deixarem o lar para ganharem
são realmente impressionantes: um terço áe seu próprio salário . A "indústria caseira", tais
um hectare plantado com tabaco pode render a como a preparação da farinha de mandioca e a
uma ramília acima de CrS 6. 000,00 comparan- curtição do tabaco, requer a participação de
do-se com os Cr$ 300,00 obtidos com o pian- crianças e adu ltos num processo que é tanto
tio de arroz na mesms área, assumindo-se uma produtivo como socia lizante. O crédito bancá-
produção de 1 .000 kg por hectare. Esse tipo de rio é usado para adquirir artigos que ajudam a
intensificação requer menos terra. Em 1973-74, aumentar a renda, tais como a compra de for-
a área média desmatada por caboclos para cul- nos msiores para torrar a farinha de mandioca.
tivo foi de 6. 3 hectares, em contraste com os gado, cavalos e moto-serras.
8. O hectares dos outros colonos. Mesmo as-
sim o rendimento bruto e líquido conseguido CONCLUSÕES
pelos caboclos foi quase duas vezes maior. A
grande eficiência de sua produção pode refletir O aesenvolvimento da agricultura em uma
uma escolha mais criteriosa de solos, maior zona pioneira não é uma tarefa fácil. Muitos
conhecimento das peculiaridades do clima da governos acharam que o modo mais fácil ae
Amazônia e da época das queimadas, e total fazer isso é pelo povoamento espontâneo: cons-
utilização de plantas si Ivestres e recursos ani- truindo estradas de acesso e permitindo aos
mais. Tal conhecimento pode diminuir as des- pioneiros que construíssem o que quisessem.

(24) - Essas figuras incluem somente as colheitas das três plantações promovidas e financiadas pelo INCRA e pelo
Banco <lo Brasil. Outras plantações tais como a mandioca, tabaco, feijão de corda, etc., foram cultivadas
sem ajuda financeira, pela maioria dos colonos.
(25) - Somente alguns dos colonos usaram fertilizantes inorgânicos, Inseticidas ou herbicidas - principalmente os
que plantaram pimenta do reino e outras variedades cultivadas permanentes .

376- Moran
O Brasil esco lheu para a Transamazônica Jao. Esses cereais são os alimentos mais co-
um modo diferente e mais difíci I: não somente muns fora da Amazônia. No entretanto. as po-
construir rodovias como também planejar po- pulações de aborígenes e caboclos dependem
voados, e prover uma série de assistências que muito mais da mandioca (Manihot esculenta),
normalmente só vêm muito mais tarde. Não é tc:ioba (Xanthosoma sagittifolium). batata-doce
segredo que surgiram muitos problemas e que (Jpomoea batatas), cará (Dioscorea spp). fei-
são necessárias mudanças no esquema de co- jão-da-praia ou feijão-de-corda (Vigna unguicu-
lonização. O presente trabalho visa mostrar lata) para a sobrevivência. Essas plantas são
que as estratégias usadas por uma população adaptadas às condições tropicais, tais como as
local são efetivas no uso do ambiente da Ama- dificuldades de armazenamento, níveis baixos
zônia , e que o seu conhecimento e auxílio po- de nitrogênio e fósforo. ausência de diferentes
deriam fac i fitar a adaptação dos futuros colo- estações e pragas, além de produzirem uma
nos a um ambiente que não lhes é familiar. cobertura efetiva do solo para controiar inva-
soras (Sanchez & Buol , 1975).
A adaptação cultural de um caboclo amazô-
nida é, de certo modo, um protótipo da adapta- Mas os recém-chegados valorizam menos
ção pioneira. Isto significa que as habituais esses alimentos, preferindo o arroz, o miiho e
condições de vida são análogas em ambos os variedc:des de feijão-do-sul (Phaseolus vulga-
casos: distância dos mercados principais. iso- ris). Após 3 anos, a produção desses cultivos
lamento físico e social, dedicação da maior continua sendo insignificante, e os fazendeiros
parte do tempo à subsistência do que aos ne· estavam começando a não pagar as suas dívi-
gocros, e dependência da própria habilidade. das. ::l devolver suas terras e a deixar a Ama·
É porisso que o caboclo que sobreviveu na zonra. Isto não deveria causar surpresas ou
Amazônia conseguiu desenvolver a habilidade desânimos. Em qualquer regi ão de colonização
de sobreviver. Os recém-chegados à região é comum que apenas uma pequena proporção
carec iam de uma série dessas aptidões de so- de colonos permaneça.
brevivência: eles não eram capazes de reco-
O que tem sido desencorajante para os
nhecer os solos melhores. nem os recursos da planejadores da colonização é a similaridade
floresta ; não estavam acostumados ao isola- dos resuitados apesar das enormes despesas
mento que a estação chuvosa pode trazer e aos em planejamento e benefícios. Espero que
problemas de transporte por rodovias de terra este trabalho tenha servido para mostrar que o
num ecossistema úmido; nâo tinham conheci- ponto inicial num plano de colonização deve ser
mento sobre as plantações que são resistentes ~ compreensão das estratégias que a população
a pestes e capazes de reproduzir mesmo em local dispõe para utilizar os recursos da região.
solos ácidos e com poucos nutrientes. Somente a partir disso é que se pode esperar
A taxa de desistência em área pioneiras melhorar os planos. A especificidade da adap-
tem sido tradicionalmente muito alta. O Gover- tação ao ambiente sugere que até que esteja-
no Federal esperava superar essas dificuldades mos no ambiente, não podemos esperar encon-
pelo suprimento de muitos tipos de benefícios: trar soluções adequadas.
técnicos em extensão agrícola, assistentes so-
ciais, crédito bancário, enfermeiras e médicos, AGRADECIMENTOS
professores, compradores e distribuidores ofi-
ciais dos produtos, e comunidade planejada. A pesquisa na qual o presente trabalho se
Mas foi esquecido que a maioria áos técnicos baseia foi possível de ser realizada com o apoio
era estranha ao local, tanto quanto os novos fina nceiro do "Social Science Research Coun-
colonos e, como eles. sujeitos ao problema de cil" do "National lnstitute of Mental Health".
ajustamento a um estilo de vida muito diferen- Entretanto, as conclusões. opiniões e outras
te. Mesmo as informações dadas por essas afirmaçóes deste trabalho são do autor, e não
pessoas refletem o que é valorizado fora da refletem as das agências financiadoras. O autor
bacia Amazônica. Isto é muito evidente na agradece às instituições brasileiras que facili-
promoção do arroz de terra-firme, miiho e fei- taram a coleta e a análise dos dados: o lnsti·

Estratégias de . . . -377
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J\'IIN ISTÉ.RlO DA ACRICUL1 URA
as a result of bis activities, just as culture has been
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modified by the specüic rcquirements of survical
in a given ecosystem. This paper discusses rescurce .MORAN, EMÍLIOF.
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Estratégias de ... -379

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