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ESPECIAL | COMO A CIÊNCIA EXPLICA A EXPERIÊNCIA DE VOLTAR DA MORTE

ANO XIII
No 300

MEMÓRIA
Temos lembranças
guardadas dentro das
psicologia • psicanálise • neurociência células cerebrais

BEM-ESTAR
Ambiente e decoração

O poder podem afetar


estados de humor

ted pêutico ALIMENTAÇÃO


E HUMOR
O risco de confundir

gr tidão
fome com tristeza
ou alegria

Identificar e valorizar o que


há de bom em nossas vidas
nos fortalece emocionalmente
carta da editora

Agradecimento, uma
proteção psíquica

A
contece mais ou menos assim: em dada situação, você se dá conta
de que tem ao seu alcance algo muito bom de que pode desfrutar,
seja uma experiência, uma oportunidade, um relacionamento ou
mesmo um bem material. Enfim, algo que traz satisfação sensorial ou afeti-
va e permite – ainda que forma breve – que sua mente relaxe, sem se deixar
levar pela busca constante daquilo que quer ou precisa. Nesse instante,
toma conta de você uma onda de gratidão (que também podemos chamar
de felicidade).
Para que essa sensação surja, ocorre uma movimentação no cérebro:
a liberação da dopamina, um neurotransmissor capaz de ativar o sistema
de recompensa. Por outra via neural, são estimuladas outras formas de li-
beração de um hormônio chamado ocitocina, que potencializa os vínculos
afetivos, favorece a tranquilidade, reduz a ansiedade e o medo. É como se
o um mundo ao nosso redor, muitas vezes hostil, se tornasse de repente
um lugar aconchegante para viver.
Um dos fatos mais curiosos: não somos capazes de sentir ao mesmo
tempo satisfação e angústia (uma imediatamente após a outra é possível,
mas não processamos esses estados mentais de maneira simultânea).
Portanto, nesse sentido, a gratidão funciona como uma espécie de bálsa-
mo psíquico que nos protege do sofrimento.
O artigo de capa desta edição de Mente e Cérebro mostra que, feliz-
mente, a gratidão pode ser exercitada e fortalecida. Entre os vários estudos
que mostram que isso é possível, um artigo publicado por pesquisado-
res da Universidade de Indiana no periódico científico Neuroimage, por
exemplo, atesta que após poucos meses exercitando conscientemente a
gratidão é possível constatar alterações cerebrais visíveis em exames de
imagem do cérebro. Mas os cientistas que se dedicam a entender esses
processos ressaltam: não se trata de negar a tristeza ou supervalorizar
conquistas pessoais – e sim reconhecer, em um nível mais profundo, o
que temos de positivo e dar a esse saber o devido lugar. Em última ins-
tância, parece que gratidão também está relacionada ao cuidado consigo
mesmo e à inteligência.
Boa leitura!
GLÁUCIA LEAL, editora-chefe
glaucialeal@editorasegmento.com.br
sumário | janeiro 2018

10 capa
O poder terapêutico
da gratidão
por Rebecca Shankland 20 Onde não moram as
Reconhecer o que temos ou recebemos
lembranças
de positivo amplia a satisfação geral por Roni Jacobson
em relação à vida e nos torna mais Não basta usar drogas para
resistentes às adversidades. Alguns apagar lembranças dolorosas,
pesquisadores acreditam que o cultivo como durante muito tempo
dessa atitude com a manifestação o cientistas acreditaram, pois
agradecimento genuíno ajuda a evitar elas persistem profundamente
sintomas de depressão e ansiedade. no interior de células
cerebrais; a constatação abre
novas perspectivas para a
compreensão do Alzheimer
especial
22 A estreita relação entre
humor e comida
Na cabeça de quem
28 voltou da morte
O “comer emocional”,
embasado na necessidade de
aplacar algum desconforto
ou a dificuldade de lidar com
por Felipe Leal, Mateus
sentimentos –ainda que
Silvestrin, Raquel Giacóia Leal e
positivos – é um risco para a
Edson Amâncio
saúde física. Neurocientistas
O fenômeno fascina leigos ensinam “truques” para evitar
com relatos da visão do essa armadilha
próprio corpo observado do
teto, imagens de túneis que
levam à luz e o encontro com 24 Entre a razão e a emoção
parentes e amigos já falecidos.
por Jorge Moll e Ricardo de
Para psicólogos, médicos e
Oliveira-Souza
neurocientistas, esse estado
de consciência tão específico, Quando nossas escolhas
relatado por pessoas em envolvem valores éticos –
todo o planeta, pode revelar como sacrificar algumas vidas
informações importantes sobre para salvar outras tantas –
o funcionamento do cérebro e entram em jogo complexos
da mente mecanismos psíquicos e
neurológicos.
4
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janeiro 2018 • mentecérebro 5


cinema
COM AMOR, VAN GOGH
98 min. Reino Unido, Polônia, 2017
Direção: Dorota Kobiela e Hugh
Welchman
Elenco: Saoirse Ronan, Jerome
Flynn, Aidan Turner, Helen McCrory,
Eleanor Tomlinson, Chris O’Dowd

Dentro da obra de Van Gogh


Pinceladas rápidas e os tons fortes apresentam cenários e personagens
retratados pelo artista holandês atormentado pelo sofrimento mental

Narrativas sutis
se desenrolam
A ssistir a Com Amor, Van Gogh é uma experiência
sensorial e afetiva. A animação, criada com base em
pinturas, seguindo o estilo do artista holandês, não ape-
simultaneamente. nas mostra as obras, mas de fato se passa dentro delas.
Céu, estrelas, campos, flores, casas e rostos escapam do
Uma delas trata de enquadre usual, ganham movimento e som sem perder a
perseverança na busca identidade, à medida que as pinceladas rápidas e os tons
pela reconstituição fortes se multiplicam em uma cena após a outra, apre-
sentando cenários e personagens retratados pelo artista.
histórica e promove não A produção do longa-metragem traduz um delicado traba-
apenas uma homenagem lho artesanal: 125 pintores, comandados pelos diretores
póstuma ao artista, mas Dorota Kobiela e Hugh Welchman, trabalharam em mais
também uma espécie de 65 mil frames. Um dos maiores desafios foi a iniciativa
inédita de adaptar técnica da pintura a óleo a cada imagem
de reparação simbólica apresentada. Nos últimos momentos do filme, aliás, é
ao seu sofrimento curioso ver as comparações entre os quadros conhecidos
– e revisitados – e os atores caracterizados.
Há, porém, outras narrativas, mais sutis, que se de-
senrolam simultaneamente. Uma delas trata de perse-
verança e reparação. Na trama, o jovem Armand Roulin
retorna à cidade francesa de Arles, depois de um ano da
morte do pintor naquele local, com uma missão: entregar
a Theo, irmão de Vincent, uma última carta escrita pelo
pintor que havia sido perdida. A tarefa foi conferida por
6
divulgação

seu pai, o chefe dos Correios, que havia se afeiçoado a atirar no próprio peito. “Uma possível razão para Van Gogh
Vincent Van Gogh, após tantas vezes providenciar o envio ter tomado essa atitude pode ter sido o desejo de deixar de
de correspondências para o artista, que frequentemente ser uma preocupação para o irmão que, além de sustentá-lo,
se comunicava com o irmão. No início, o rapaz rejeita a sustentava a esposa e a mãe”, explica a mestre em artes vi-
incumbência, mas termina por se entusiasmar com a in- suais Liane Carvalho Oleque. Após a tragédia, o pintor ainda
vestigação sobre as circunstâncias que envolveram o fale- conseguiu retornar para a hospedaria onde vivia, mas mor-
cimento. Afinal, teria sido suicídio ou assassinato? A bus- reu dois dias depois. O filme mostra que, com a morte do
ca de uma resposta para essa pergunta, no entanto, não irmão, Theo (que já enfrentava problemas graves de saúde)
parece ser o mais importante, mas sim um caminho para caiu em profunda depressão e sucumbiu seis meses depois,
reconstituir os últimos meses da vida do pintor, abordan- deixando a esposa e um filho chamado Vincent.
do conflitos emocionais, sofrimento psíquico, angústia, Ao desvendar detalhes dessa história, atravessando os
busca por tratamento, bem como seus escassos relacio- espaços habitados e retratados por Van Gogh, na busca
namentos e uma possível história de amor. pela reconstituição de sua história, Roulin promove não
O filme procura ser fiel ao que conta a história oficial. apenas uma homenagem póstuma, mas também uma
Nos últimos anos antes de seu falecimento, o artista – espécie de reparação ao artista morto em 1890, aos 37
que apesar de desenhar desde criança só começou a se anos. A descoberta de que não seria possível entregar a
dedicar à sua arte com afinco após os 28 anos – pinta- carta destinada a Theo (porque ele mesmo também já
va regularmente e estava em plena atividade criativa. Na estava morto) parece despertar em Roulin a persistência
tentativa de encontrar alívio para suas crises, procurou o implícita de ressaltar algo verdadeiro e belo – como se,
médico Paul Gachet, retratado em uma das obras mais de certa forma, fosse possível compensar o sofrimento
famosas de Van Gogh, Retrato do Doutor Gachet. e a solidão que subjaz à história de Van Gogh. E, nesse
Como descobre Roulin em suas investigações, em 27 de trajeto, o jovem termina por se reconciliar com o próprio
julho de 1890, o artista teria então saído para um passeio no pai. Uma reparação banal, talvez, mas simbolicamente
campo, carregando consigo um revólver e teria acabado por ocorrida numa noite estrelada.
janeiro 2018 • mentecérebro 7
bem-estar

Influências do
ambiente
sobre a
percepção
Psicólogos da Universidade Yale tentam descobrir como
características dos lugares que frequentamos nos afetam;
cientistas já constataram, por exemplo, que cômodos abafados
e lotados costumam deixar as pessoas mais tensas

M
uitos pesquisadores costumam torcer
o nariz para assuntos como canais
energéticos e cristais. Alguns, che-
gam a admitir que embora não
endossem essas práticas, preferem aguardar
comprovações para se pronunciarem. Há,
porém, prática não comprovada cientificamente
– pelo menos por enquanto que desafiam os estudiosos.
É o caso, por exemplo, do feng shui, a antiga arte chinesa
shutterstock

da ambientação, baseada na crença de que o espaço, a


distância e a disposição dos objetos podem afetar as
emoções e a sensação de bem-estar. Pessoalmente, a
ideia faz sentido para muita gente que se sente mais
equilibrada psicologicamente em alguns espaços que em
outros, embora não saiba por quê. Alguns pesquisadores
já admitem a conexão entre o espaço físico, o pensamento
e a emoção, considerando que nossos vínculos, muitas
vezes, se misturam à percepção da geografia espacial.
8
Dois psicólogos da Universidade Yale, nos Bargh acreditam que essa
Estados Unidos, decidiram explorar o poder tendência está ligada às
dessa habilidade em laboratório, para verificar conexões do cérebro en-
se a influência emocional de um espaço orde- tre distância e segurança,
nado e aberto é diferente do efeito causado um hábito mental que pro-
por um ambiente fechado e apertado. Lawren- vavelmente evoluiu para aju-
ce E. Williams e John A. Bargh investigaram o dar nossos ancestrais a sobrevi-
tema em uma série de experimentos. As pes- ver em condições precárias.
quisas começaram com o chamado estímulo
subliminar, usado para criar uma atitude ou COMIDA CALÓRICA
sensação inconsciente. Foi empregada uma Os psicólogos também tentaram
técnica simples e eficaz: as pessoas deviam explorar mais diretamente a relação entre
dispor dois pontos em um gráfico, como em distância psicológica e perigo real. Os par-
um pedaço de papel diagramado. Em alguns ticipantes deviam avaliar a quantidade de
casos, as marcações estavam bem próximas, calorias contidas em alimentos saudáveis e
enquanto em outros os pontos apareciam em em junk food. Os estudiosos conjeturaram
lugares distantes. Sabe-se que o exercício es- que as calorias da batata frita e do chocolate
timula a percepção inconsciente de espaço seriam avaliadas como uma ameaça à saú-
congestionado ou amplo. de, diferentemente das calorias contidas no
Em seguida, os pesquisadores testaram arroz integral e no iogurte; raciocinaram ain-
os voluntários de outras formas. Em um da que as pessoas estimuladas pelo espaço
dos procedimentos, por exemplo, os parti- fechado seriam mais sensíveis à ameaça.
cipantes deviam ler um trecho embaraçoso A pesquisa confirmou essas expectativas:
de um livro e, logo após, eram indagados participantes levados a se sentir confinados
se a passagem era agradável ou divertida e em espaços abarrotados avaliaram que
e se gostariam de ler mais sobre o gênero. havia mais calorias na junk food do que as
Williams e Bargh queriam determinar se o estimuladas a se sentir livres e em espaços
senso de distância ou liberdade psicológica abertos. Quanto à comida saudável, a per-
podia anular o desconforto emocional. Foi cepção dos dois grupos foi idêntica.
exatamente isso que ocorreu. Os voluntá- Publicada na Psychological Science, a
rios estimulados pelo ambiente espaçoso pesquisa pareceu convincente. Mas Wil-
se mostraram menos perturbados pela ex- liams e Bargh decidiram realizar mais um
periência embaraçosa, considerando-a mais experimento que abordasse diretamente a
agradável do que aqueles que tiveram per- questão da segurança pessoal. Os pesquisa-
cepção mais opressiva do mundo. dores perguntaram aos voluntários sobre a
Os psicólogos realizaram outra versão força de seus vínculos emocionais com os
do mesmo experimento, na qual o trecho pais, irmãos e a cidade natal, verificando que
do livro era extremamente violento e não os expostos a maior distância psicológica re-
embaraçoso. Os resultados foram simi- lataram elos frouxos com esses importantes
lares. Os participantes estimulados pelo esteios emocionais. Ou seja: a proximidade
espaço fechado consideraram os eventos física revelou também maior ligação emo-
violentos muito mais repugnan- cional. O notável é que tudo se dá de forma
tes, assim como achamos inconsciente: a distância espacial entre dois
um acidente aéreo em objetos arbitrários tem, aparentemente, for-
nossa vizinhança mais ça suficiente para ativar um símbolo abstra-
perturbador que outro to de proximidade e segurança no cérebro,
que ocorre a milhares de que, por sua vez, tem energia suficiente para
quilômetros de nós. Williams e moldar nossas respostas ao mundo.
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capa

10
O poder
terapêutico
da

abertamente o reconhecimento, mais profunda


costuma ser a sensação de bem-estar. Felizmente,
essa habilidade pode ser aprendida e exercitada

Por Rebecca Shankland


aaron goodman

A AUTORA
REBECCA SHANKLAND é doutora em psicologia, professora do Laboratório
Interuniversitário de Psicologia da Universidade Pierre Mendès France, Grenoble 2;
escreveu La psychologie positive (Dinod, 2012).

janeiro 2018 • mentecérebro 11


D
e tempos em tempos algumas pala- que tenha sido gentil conosco, um estado
vras se transformam em moda nas de espírito que nos leva a oferecer algo
redes sociais, ganham lugar nas em troca do favor recebido. O termo deri-
capas de livros de autoajuda e até va do latim gratia, que quer dizer favor. E
em frases escritas em camisetas. “Gratidão” é exatamente ao favor, à generosidade e
parece ser é um desses vocábulos. Indo além ao reconhecimento de uma doação – seja
da possível banalização, nos últimos anos vá- um presente ou um ato de cortesia – que
rios pesquisadores se dedicaram à realização a emoção está associada. De certa forma,
de estudos sobre o tema. A maioria absoluta esse sentimento pressupõe maturidade
deles de fato mostra que praticar a gratidão – psíquica para reconhecer que o outro tem
de forma consciente e deliberada, reconhecen- algo e pode oferecer – seja atenção, deli-
do as coisas boas da própria vida – favorece a cadeza, tempo, algum serviço ou bem ma-
sensação geral de bem-estar. É compreensível terial, por exemplo. Pessoas mais imaturas
que muitos textos sobre o assunto terminem emocionalmente tendem a experimentar
com uma convocação para que o leitor ini- inveja ou desejo de atacar aquele que age
cie um diário de agradecimentos para colher de forma generosa, pois em algum nível se
todos os benefícios da gratidão. E certamen- dão conta do óbvio: sempre nos falta algo e
te não há nada de errado com isso. Mas há precisamos dos outros.
outras finalidades desse sentimento a serem Para experimentar esse sentimento são
consideradas a médio e longo prazo: o fortale- necessárias duas etapas: de um lado, per-
cimento dos vínculos afetivos com as pessoas ceber que um evento positivo aconteceu em
com as quais nos relacionamos e o efeito de nossa vida e, de outro, reconhecer que foi
proteção à saúde mental. provocado intencionalmente por alguém.
A gratidão é um sentimento de profun- Nesse sentido, a gratidão é um formidável
do reconhecimento para com qualquer um veículo de bem-estar social. Vamos imaginar,
12
A orientação para a gratidão é um dos
traços de personalidade mais ligados ao
bem-estar psicológico e à saúde física

por exemplo, um professor que dedica mui- apreciadas. Na realidade, não se trata de uma
tas horas de seu tempo para montar uma forma de submissão nem reflete um estado
comédia musical com seus alunos, com a de espírito que diminui quem a experimenta.
intenção de melhorar a atmosfera em sala de Acima de tudo, é um modo de relacionar-se
aula e transmitir à garotada maior entusias- com a vida. A “orientação para a gratidão”
mo com relação à escola. Caso nem os pais constitui um traço de personalidade – pas-
nem os próprios alunos demonstrem algum sível de ser desenvolvido e fortalecido. Re-
sinal de reconhecimento pelo trabalho, po- conhecer a importância do apoio alheio não
dem surgir decepções e tensão. Inversamen- é, de maneira alguma, incompatível com a
te, se o professor receber agradecimentos e consciência do valor dos esforços individuais.
talvez até um presente coletivo, o gesto pode Um atleta, por exemplo, atribui seu sucesso à
consolidar vínculos afetivos. Ou, eventual- própria constância nos treinos, mas se pos-
mente, provocar em algumas pessoas a sen- sui um elevado grau de orientação para a gra-
sação de que “são devedoras” de quem lhes tidão irá considerar também essencial para
dedicou algo. Para entender esses processos, a vitória a contribuição das pessoas que o
é importante compreender alguns aspectos cercam: a família pela paciência, o time pelo
fundamentais para o bem-estar psicológico. apoio, até mesmo os rivais que o impulsiona-
ram a melhorar.
FAZ BEM PARA QUEM? Inúmeros estudos têm revelado que pes-
Há alguns anos, o pesquisador Jean Dumas, soas orientadas ao reconhecimento tendem
professor da Universidade de Purdue, nos a ser mais dinâmicas, otimistas, empáticas
Estados Unidos, pediu que um grande nú- e abertas a experimentar emoções positivas.
mero de voluntários avaliasse 800 traços de Segundo a neurocientista Sonja Lyubomirsky,
personalidade: os resultados demonstraram da Universidade da Califórnia, em Riverside,
que a gratidão é uma das 30 qualidades mais quanto mais alto é o nível de orientação para a
janeiro 2018 • mentecérebro 13
capa

gratidão de uma pessoa, menos ela apresenta anotar uma vez por semana cinco eventos
sintomas associados a ansiedade e depressão que lhes haviam provocado sentimento de
ou vivencia sentimentos de solidão, inveja e gratidão; aos do segundo grupo, os cientistas
frustração. Além disso, os efeitos da gratidão pediram que fossem registradas cinco preo-
costumam ser proporcionais à consciência dos cupações; e aos participantes do terceiro, cin-
eventos que nos inspiraram o reconhecimento. co eventos ao acaso. Após duas semanas, os
Num estudo desenvolvido na Universida- jovens do primeiro grupo declararam se sen-
de da Califórnia, em Davis, os doutores em tir mais otimistas e satisfeitos com os outros
psicologia Robert Emmons e Michael McCul- e também apresentaram menos distúrbios
lough, ambos professores da instituição, di- físicos, como dor de cabeça ou de estômago,
vidiram alunos voluntários em três equipes. em comparação aos outros universitários.
rimeiro rupo deveriam
É PRECISO FALAR
Sentir é bom, mas comunicar o sentimen-

shutterstock
to é melhor ainda. Emmons e McCullough
também constataram que expressar a grati-
dão não constitui a simples comunicação de
um sentimento, mas tem o efeito de aumen-
tar o bem-estar da pessoa que passa pela
experiência. Os pesquisadores verificaram
que mais da metade dos voluntários entre-
vistados declarava que o simples fato de
agradecer sinceramente a alguém os deixava
“extremamente felizes”. Outro trabalho rea-
lizado com adultos que sofriam de doenças
crônicas mostrou resultados semelhantes:
aumento das emoções positivas – alegria,
entusiasmo, incremento da autoestima –
nos dias em que haviam expressado senti-
mentos de reconhecimento.
A orientação para a gratidão é um dos
traços pessoais mais ligados ao bem-estar
psicológico, e diversos fenômenos podem
explicar sua ligação com a saúde física e
mental. Examinemos, por exemplo, seu im-
pacto sobre o modo pelo qual retemos as
informações. As pessoas com alto nível des-
sa característica costumam memorizar mais
facilmente as lembranças prazerosas positi-
vas, o que torna os aspectos da vida mais
agradáveis. A sensação de reconhecimento
aumenta a intensidade com a qual uma pes-
soa pensa em um favor recebido, em quem
o prestou e no contexto relativo à situação:
todos esses elementos contribuem para re-
forçar aquela lembrança.
Quando se pede a indivíduos com um
alto nível de orientação para a gratidão que
se recordem de eventos do passado, eles
apresentam maior número de lembranças
boas, enquanto pacientes deprimidos de-
monstram tendência às evocações nega-
tivas. Assim, dado que a orientação para a
gratidão permite se concentrar nos fatos po-
sitivos, é possível pensar que essa tendência
reduz o risco de depressão.
Sentir-se intimamente grato – por tudo a
que temos acesso e mesmo pelas atitudes
que nos beneficiam até sem que haja essa
intenção específica – também favorece as
interações sociais, o que pode ser um im-
portante fator de bem-estar. Perceber as
emoções positivas alheias direcionadas a
nós aumenta a autoestima: sentimo-nos
considerados, amados, valorizados e apoia-
dos. Além do mais, ao nos voltarmos prin-
cipalmente aos outros, nos “esquecemos”
de nós mesmos – enquanto os deprimidos
se curvam sobre si mesmos, alimentando
sentimentos de solidão e tristeza, a gratidão
encoraja a abertura emocional.
Essa disposição favorece comportamen-
tos empáticos e aumenta a sensação de
proximidade em relação ao outro, ainda que
se trate de um desconhecido. Isso explica
por que as pessoas empenhadas no auto-
conhecimento tendem a criar redes sociais
duradouras e de qualidade: no âmbito das
pesquisas realizadas sobre o reconhecimen-
to, os indivíduos inclinados à gratidão se dis-
tinguem pelo maior sentido de proximidade
com outras pessoas. E mais: os amigos de
voluntários desses estudos declararam que
sentiam os efeitos do “contágio psicológico”
do bem-estar provocado pela convivência É POSSÍVEL APRENDER
com os “gratos”, em comparação aos que Mas nem sempre é fácil manter esse círculo
eram próximos aos participantes do grupo de virtuoso. Estímulos e apelos para nos sentir-
controle do experimento. Cientistas afirmam mos menosprezados e cultivarmos a certeza
que o mecanismo que produz esses efeitos de que temos menos do que merecemos –
se autoalimenta: a boa vontade e a generosi- o que não raro deflagra ciúme e inveja – são
dade incrementam a capacidade de desenvol- frequentes. E muitas vezes o estado de des-
ver relações satisfatórias, e estas, por sua vez, contentamento parece tão “natural” que o to-
aumentam a sensação de bem-estar. Assim, mamos como uma verdade irrefutável – sem
uma espécie de espiral ajuda as pessoas que espaço para o agradecimento. Mas é possível
cultivam a gratidão a se manterem felizes de reverter isso. Um bom começo é compreen-
forma duradoura. der como nos apropriamos de crenças (que
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Em quatro passos
Embora direcionada ao outro, na prática a gratidão faz bem,
comprovadamente, a quem a sente, já que além do bem-estar
a curto e médio prazo ela favorece a capacidade de resiliência
em situações difíceis de forma geral. Alguns psicólogos
cognitivos elaboraram um programa em quatro etapas para
incrementar esse sentimento de gratidão:
1. IDENTIFICAR “pensamentos ingratos”.
2. FORMULAR pensamentos de reconhecimento.
3. IMAGINAR que esses últimos substituem
os anteriores em sua cabeça.
4. TRANSFORMAR o sentimento em ação,
expressando o reconhecimento.

se transformam em certezas) psiquicamente -estar social tem a ver com as estratégias


prejudiciais sem questioná-las. usadas para enfrentar as adversidades. As
Uma das possíveis explicações para o mal- pessoas mais inclinadas ao reconhecimento
-estar difundido nos países ocidentais é o iso- têm a capacidade de valorizar aspectos posi-
lamento de muitos indivíduos, em parte devi- tivos e benefícios, mesmo das circunstâncias
do às modificações na estrutura social. Muitas difíceis. Em 2003, a pesquisadora Barbara
pessoas vivem sós, as relações são voláteis e Fredrickson e seus colegas da Universidade
as separações, frequentes. Assim, o bem-es- de Michigan estudaram os efeitos dos aten-
tar psicológico das pessoas inclinadas ao re- tados às Torres Gêmeas e descobriram que
conhecimento dependerá de sua iniciativa de as pessoas com nível mais alto de orientação
fugir do isolamento, já que sabem da impor- para a gratidão se adaptavam melhor às ex-
tância da solidariedade e do apoio dos outros. periências chocantes do 11 de Setembro e
Outro fator que vincula gratidão a bem- apresentavam menos sintomas decorrentes
gia positiva, o chamado “diário da gratidão”
experimentado por Sonja Lyubomirsky é uma
das mais adotadas. Registrar os eventos
bons pode ser bastante útil, especialmente
se o exercício for praticado à noite e a pes-
soa escrever detalhadamente a respeito de
cada situação. Porém, não basta experimen-
tar o sentimento de gratidão; é necessário
comunicar esse estado mental aos outros.
De fato, inúmeros estudos têm demonstrado
que o ato de agradecer a alguém produz efei-
tos mais amplos em comparação à simples
sensação de reconhecimento. Quando não
é possível expressar abertamente a própria
gratidão, pode surgir uma espécie de tensão
interna que reduz a sensação de bem-estar.
O reconhecimento pode também ser ma-
nifestado por meio de uma “carta de grati-
dão”. Durante um experimento, foi pedido
aos voluntários que redigissem um texto no
qual cada um expressassem gratidão para
com uma pessoa que havia se mostrado par-
ticularmente atenciosa ou gentil mas não ti-
nha ainda recebido nenhum agradecimento.
Na sequência, a carta deveria ser entregue
em mãos ao destinatário. Após uma semana,
os participantes do experimento se sentiam
mais felizes em comparação aos indivíduos
do grupo de controle que não manifestaram
do trauma. Além disso, a gratidão favorece a os próprios sentimentos. Os efeitos positivos
solução dos problemas. persistiam por cerca de um mês após o expe-
Mas se a tendência à gratidão é um tra- rimento, depois diminuíam progressivamen-
ço da personalidade, é possível desenvolver te se o exercício não fosse repetido.
a atitude de reconhecimento? Alguns psicó- As cartas de gratidão são ainda mais
logos elaboraram exercícios que permitem úteis no caso de experiências dramáticas,
aumentar esse sentimento para melhorar o como mostra o caso de um homem que, por
bem-estar físico e psicológico. Ainda que a ocasião do Natal, decidiu escrever uma car-
gratidão possa ser considerada uma disposi- ta de gratidão a seus pais, expressando em
ção subjetiva estável, é possível desenvolvê-la seu nome e do irmão o reconhecimento por
por meio da educação durante a infância, por todo o amor que haviam lhes dedicado e pe-
exemplo. Entre as práticas utilizadas pelos los sacrifícios feitos por eles. Porém, durante
pesquisadores que trabalham com psicolo- as festas, o irmão morreu em um acidente
janeiro 2018 • mentecérebro 17
Uma cola eficiente
Historicamente, a maioria das pesquisas tem agraciado com algo. Em um dos estudos,
sido centrada sobre a função social da gratidão, casais voluntários foram observados ao
não seu impacto sobre nossos cérebros. demonstrar gratidão um ao parceiro por algo
Esse conjunto de pesquisas descobriu que – que o outro tinha feito recentemente para
explicando de forma bem direta – expressar eles. Suas expressões foram classificadas pelo
gratidão a alguém que o ajuda mantém a grau em que representavam um elogio ao
pessoa interessada em você e faz com que ela outro ou eram focadas no benefício próprio.
invista no relacionamento a longo prazo. E faz Exemplos de suas expressões incluem o elogio
com que o tempo que ela gastou, seu esforço, ao outro (por exemplo, “Isso mostra como
e as dificuldades, pareçam ter valido a pena. você é responsável” ou “Acho que você é
Da mesma forma, não há nada como a realmente bom nisso) ou reconhecimento do
ingratidão para azedar um relacionamento que, próprio benefício (“Sua atitude me fez muito
do contrário, seria positivo. Não é difícil para a bem”). Finalmente, os chamados benfeitores
maioria de nós recordar um momento em que classificaram o quão felizes e amorosos eles
nos chocamos com quão ingrato e descuidado se sentiram em relação ao seu parceiro, e
alguém foi em resposta a nossa generosidade. quão grato o outro (que expressara a gratidão)
Sem algum tipo de reconhecimento, as de fato se encontrava. Os pesquisadores
pessoas deixam muito rapidamente de querer descobriram que a gratidão na forma de elogio
ajudá-lo. De fato, em estudos realizados por estava muito mais fortemente relacionada
Adam Grant e Francesca Gino, mostraram com a percepção de receptividade, emoção
que quando alguém não era agradecido pela positiva, e carinho – do que aquela focada no
colaboração recebida, a probabilidade dessa reconhecimento do próprio benefício.
pessoa ajudar outros no futuro diminuía, Ora, mas então não é tão importante perceber
em média, 50%. Ou seja: do ponto de vista o bem que recebemos? Claro que sim!
evolutivo, a gratidão parece ter um efeito de Fundamental. Mas na hora de agradecer,
“cola” que une quem recebe e quem faz a vale a pena nos lembrarmos de que os seres
gentileza (não necessariamente material, a boa humanos são, com frequência, egocêntricos.
ação pode vir em forma de palavras gentis, da Temos a tendência a falar de nós mesmos,
disposição de ensinar algo ou apenas de ouvir mesmo quando deveríamos pensar nos
as mazelas alheias. outros. Assim, quando recebemos ajuda e
Uma pesquisa recente sugere que as pessoas apoio, queremos contar sobre como isso
costumam cometer um erro crucial quando nos fez sentir. Na realidade, assumimos que
expressam gratidão: elas se concentram é isso o que a pessoa quer ouvir. Na maior
em como elas se sentem: em quão felizes parte das vezes, essa suposição está só
elas estão, quão benéfica foi a ajuda – em parcialmente correta. Sim, é muito provável
vez de focar no benfeitor. As pesquisadoras que a pessoa que o ajuda quer que você seja
Sara Algoe, Laura Kurtz, e Nicole Hilaire, feliz, mas a motivação para ser útil, muitas
da Universidade da Carolina do Norte, vezes, está diretamente ligada ao próprio senso
distinguem duas formas de expressar a de autoestima. Somos generosos porque
gratidão: elogiar outro, o que valida as ações queremos ser boas pessoas, para viver de
de quem ajuda, e o benefício próprio, com acordo com nossos objetivos e valores. E,
o reconhecimento da vantagem de ter sido temos de admitir, para sermos admirados.

A AUTORA
HEIDI GRANT HALVORSON é doutora em psicologia, diretora associada do Centro de Ciência da Motivação
na Universidade de Columbia, autora de No one understands you and what to do about it
(Harvard Business Review Press, 2015), entre outros livros.

18
de carro. Mesmo assim o homem entregou
a carta escrita antes da tragédia. Nos meses
seguintes, refletir sobre o conteúdo daquele
texto ajudou toda a família a superar progres-
sivamente o luto.

MEMÓRIA COMO ALIADA


Pesquisadores enfatizam que para aumentar
a sensação de bem-estar associada à gratidão
é fundamental, além de expressar abertamen-
te os sentimentos, desenvolver a capacidade
de atenção. A ação voltada ao momento pre-
sente é uma condição essencial para a grati-
dão – afinal, é impossível reconhecer algo que
nem mesmo havíamos percebido. Por isso, é
importante recorrer à pró-memória visual por
meio de fotografias, cartas e outros objetos
que nos tragam lembranças e nos conectem
emocionalmente com pessoas significativas.
Além disso, é essencial cultivarmos “ami-
gos de gratidão”. Muitos estudos têm demons-
trado, por exemplo, que é mais fácil praticar re-
gularmente uma atividade esportiva na compa-
nhia de um amigo. Ter companheiros que nos
encorajem diante de situações que favoreçam o
desenvolvimento de sentimentos saudáveis de
reconhecimento em relação aos eventos positi-
vos pode ser decisivo. Essa prática corresponde
aos mecanismos do contágio emocional (veja
artigo na pág. 24). Se, em um grupo, um amigo
experimenta gratidão, pessoas próximas ten-
dem a vivenciar algo muito similar. Além disso,
ela aumenta a probabilidade de que um com-
portamento anunciado venha mesmo a acon- PARA SABER MAIS
A ciência da
tecer: a orientação para a gratidão é favorecida felicidade. Susan
quando as pessoas expressam publicamente Andrews. Mente e
seu empenho nessa prática. Obviamente, a gra- Cérebro no 223, págs. 26-
35, agosto de 2011.
tidão pelo que temos de bom não nos exime
da dor e da tristeza. A proposta não é negar o Persona. Sonja
Lyubomirsky e Marina
sofrimento, mas sim aprender a extrair de cada Krakovsky. Mente e
situação os elementos que permitem o de- Cérebro no 190, págs. 28-
30, novembro de 2008.
senvolvimento das próprias competências e o
bem-estar psicológico.
janeiro 2018 • mentecérebro 19
memória

Onde não
moram as
lembranças
Não basta usar drogas para apagar lembranças dolorosas, como
durante muito tempo cientistas acreditaram, pois elas persistem
profundamente no interior de células cerebrais; a constatação abre
novas perspectivas para a compreensão do Alzheimer
por Roni Jacobson

A
pesar de abstratas, intangíveis e muitas vezes Angeles pode derrubar essa interpretação ao sugerir que
pouco consistentes, nossas memórias têm memórias talvez residam no interior de células do cérebro.
uma sólida base biológica. Segundo a neuroci- Se for corroborado, esse trabalho pode ter implicações –
ência clássica, elas se formam quando células para o bem e para o mal – no tratamento do transtorno de
cerebrais enviam às suas vizinhas sinais de comunicação estresse pós-traumático, condição marcada por memórias
química através das sinapses (espaços entre as células), dolorosamente vívidas e intrusivas. Há mais de uma década
ou para entroncamentos que as conectam. Toda vez que cientistas começaram a examinar a droga propranolol para
uma memória é ativada, a conexão é fortalecida. A noção o tratamento do distúrbio. Acreditava-se que ela impedis-
de que sinapses armazenam memórias dominou a ciência se a formação de memórias ao bloquear a produção de
por mais de um século, mas um novo estudo realizado proteínas necessárias ao armazenamento de longo prazo.
por especialistas da Universidade da Califórnia em Los Infelizmente a pesquisa logo deparou com um problema: a
não ser que fosse ministrado imediatamente após o evento
shutterstock

traumático, o procedimento era totalmente ineficaz.


O AUTOR Ultimamente, pesquisadores têm trabalhado em uma
RONI JACOBSON é psicóloga e jornalista científica. solução alternativa: evidências sugerem que, quando al-
20
De início, a droga pareceu confirmar pes-
quisas anteriores ao neutralizar a conexão
sináptica, mas, quando as células foram ex-
postas a um lembrete dos choques, a memó-
ria voltou com força total em 48 horas. “Ela
foi completamente restabelecida; isso parece
significar que a memória não estava arma-
zenada na sinapse”, diz Glanzman. Os re-
sultados foram divulgados recentemente na
publicação científica eLife, de acesso aberto.
Se a memória não está localizada na sinap-
se, então onde está? Quando os neurocien-
tistas investigaram mais de perto as células
cerebrais, descobriram que mesmo quando a
sinapse era apagada mudanças moleculares
e químicas persistiam após o disparo inicial
dentro da própria célula. O traço mnêmico,
ou engram, podia ser preservado por essas
alterações permanentes. Alternativamente,
ele podia ser codificado em modificações no
DNA da célula responsáveis pelo modo como
genes específicos são expressos. Glanzman e
outros favorecem esse raciocínio.
O neurocientista alemão Eric R. Kandel,
ganhador do Nobel de Fisiologia ou Medici-
na de 2000 por seu trabalho sobre memória
e atualmente na Universidade Colúmbia, ad-
guém ativa uma memória, a conexão não só verte que os resultados do estudo foram ob-
é fortalecida como também se torna tempo- servados nas primeiras 48 horas após o tra-
rariamente suscetível a mudanças, um pro- tamento, um período em que a consolidação
cesso chamado reconsolidação da memória. ainda é sensível. Embora preliminares, os re-
Ministrar propranolol (acompanhado de tera- sultados sugerem que, para pessoas com es-
pia, e talvez estimulação elétrica e até outras tresse pós-traumático, simplesmente tomar
drogas) durante essa “janela” pode permitir certos medicamentos muito provavelmente
que cientistas bloqueiem a reconsolidação, não elimina memórias dolorosas – até por-
apagando ou eliminando a sinapse no local. que, ainda que o fato em si fique esmaecido
A possibilidade de eliminar lembranças cha- na lembrança, as emoções (ou afetos, como
mou a atenção de David Glanzman, neuro- dizem os psicanalistas) ligadas à situação que
biólogo da Universidade da Califórnia que co- causou sofrimento – bem como seus efeitos
meçou a estudar o processo em Aplysia, um – permanecerão até que haja elaboração.
molusco parecido com uma lesma-do-mar “Se tivessem me perguntado há dois anos
utilizado comumente em pesquisas neuro- se seria possível tratar o estresse pós-trau-
científicas. Ele e sua equipe aplicaram leves mático com um bloqueio medicamentoso,
choques elétricos nos animais, criando uma eu teria dito sim, mas agora não penso mais
memória do evento expressada como novas assim”, admite Glanzman. Segundo ele, a
sinapses no cérebro. Em seguida, transferi- constatação de que as memórias persistem
ram neurônios do molusco para uma placa profundamente no interior de células oferece PARA SABER MAIS

de Petri e ativaram quimicamente a lembran- novos caminhos para estudar e compreender Memória. Alan. Baddeley.
Artmed, 2010.
ça dos choques, ministrando, em seguida, transtornos ligados à memória, como a
uma dose de propranolol. doença de Alzheimer.
janeiro 2018 • mentecérebro 21
alimentação

A estreita
relação
entre
humor e
comida
O “comer emocional”, embasado na necessidade de
aplacar algum desconforto ou a dificuldade de lidar com
sentimentos –ainda que positivos – é um risco para a
saúde física. Neurocientistas ensinam alguns “truques”
para evitar essa armadilha

A
fome talvez seja a sensação que mais nos confunda: tristeza, cansaço ou
mesmo felicidade frequentemente nos impulsionam a buscar algo para mas-
tigar. A maior parte das pessoas só não deseja comer quando está doente,
fazendo exercícios físicos ou dormindo. O problema é que quando estamos
estressados, tendemos a fazer escolhas alimentares imprudentes. E talvez
a maioria das pessoas não consiga controlar rigorosamente a relação entre humor e
comida, mas entender essa proximidade pode ser muito importante.
Historicamente, cientistas têm analisado como os estados “negativos” de humor nos
levam a comer em excesso. O que parece uma “comida reconfortante”, pode ser vista
por psicólogos como uma “alimentação emocional”. Os pesquisadores tentam entender
esse processo que nos faz recorrer a alimentos calóricos e gordurosos quando estamos
angustiados, como mostra um artigo publicado no periódico Psycosomatic Medicine. Já
os pesquisadores N. Rose, S. Koperski e B.A. Golomb comprovaram que, quando estão
deprimidos, homens e mulheres comem mais chocolate do que nos momentos em que
se sentem felizes. Infelizmente, fartar-se de guloseimas nem sempre traz conforto, prin-
cipalmente quando se instala a culpa. Sob estresse, temos dificuldade até em discernir se
certa comida é saudável, como mostra o artigo Oral perceptions of fat and taste stimuliare
modulated by affect and mood induction, publicado na PLoS ONE. Por essa razão, não é de

22
admirar que o “comer emocional” aumente o
risco de obesidade e outros problemas de saú-
de ligados à alimentação incorreta.
E embora as emoções negativas estejam
associadas à prática de alimentar-se em ex-
cesso, muita gente exagera na comida quan-
do está feliz. Na verdade, é tão fácil comer em
excesso na alegria quanto na tristeza. Embora
este último estado possa aumentar o desejo
de comer chocolate, é mais provável que al-
guém consuma mais batatas fritas e amen-
doim torrado quando está animado. O fato é
que a felicidade pode reduzir as inibições dian- psicólogos comportamentais: não compre
te de um pacote de Doritos. No entanto, nem aquilo que não consegue deixar de comer ou
todas as pessoas comem da mesma maneira que consome abusivamente quando tem de-
em resposta às emoções – em razão de carac- terminado humor. Não se trata, obviamente,
terísticas pessoais, aspectos culturais e expe- de nunca comer aquilo que nos traz confor-
riências de vida os comedores emocionais são to psicológico. Apenas é importante reservar
mais propensos a esse comportamento. esses alimentos para ocasiões especiais ou
Evidentemente, não queremos nos privar para quando realmente “precisamos” deles
de sentir emoções, mesmo negativas, nem –e mesmo nessas situações é recomendável
queremos deixar de ingerir os nutrientes de ingeri-los com moderação. Vale a pena tomar
que precisamos. Porém, se você é um come- um sorvete com a família no final da semana
dor emocional, pode tomar algumas atitudes ou, de vez em quando, comprar seu biscoito
para não agarrar uma barra de chocolate toda favorito no caminho de volta do trabalho de-
vez que ficar com os olhos marejados. Lem- pois de um dia longo e frustrante. Apenas é
bre-se da sua tendência para usar os alimen- conveniente ser prudente com relação a quan-
tos como apoio, não faça a comida de leni- to consome e tentar perceber o que realmente
tivo e busque outras fontes de conforto: os deseja. É um biscoito ou um colinho?
amigos, a família, o exercício físico, um bom Segundo algumas pesquisas, os alimentos
livro, um banho relaxante, o passeio com o que nos reconfortam são, em parte, resultado
cachorro. Além da comida, o que lhe parece de preferências adquiridas. Nossa experiência
um agrado? Quando esticar a mão para a bar- passada nos ensinou a pensar em um pote
ra de chocolate, pergunte: “Estou realmente de sorvete como uma gratificação e uma fon-
com fome de comida? Existe outra coisa que te amparo emocional. Teoricamente, pode-
possa me trazer satisfação nesse momento? ríamos considerar qualquer alimento como
O que mais poderia preencher meu vazio?” um alívio para as angústias. Por exemplo, no
Os “comedores emocionais” devem limitar Ocidente as mulheres tendem a compensar
o acesso aos alimentos que desejam quando as carências emocionais com chocolate, mas
estão emotivos. Ou seja, se você não mantiver em lugares onde o chocolate é mais escasso,
em casa as comidas que compensam suas ca- nossas congêneres anseiam por outros tipos
rências, será mais difícil consegui-las quando de doces. Portanto, o nosso alimento recon-
as emoções estiverem à flor da pele. Afinal, se fortante depende dos recursos do ambiente
você estiver disposto a ir até o mercado para ao nosso redor. Podemos não ser capazes de
comprar algum alimento, talvez realmente mudar a cultura nas qual estamos inseridos
precise daquele reconforto. São muitos os ali- assumir a responsabilidade pelo “ambiente
mentos que realmente não precisamos ter em alimentar” de nossas casas e assim mudar
shutterstock

casa: batatas fritas, doces, biscoitos, sorvete. nossa tendência a desejar certos alimentos na
A solução, nesse caso, é simples, afirmam os presença de determinadas emoções.

janeiro 2018 • mentecérebro 23


moral

Entre
a
ea razão
Quando nossas escolhas envolvem valores
éticos – como sacrificar algumas vidas
para salvar outras tantas – entram em
jogo complexos mecanismos psíquicos
e neurológicos. Pesquisadores tentam
entender esses processos

por Jorge Moll e Ricardo de Oliveira-Souza

D
e que maneira o que sentimos afeta
nosso julgamento sobre o que é
certo ou errado? Um estudo pu-
blicado na Nature apresenta uma
importante concepção sobre a relação entre
raciocínio moral e emoção. Os pesquisadores
Michael Koenigs, pós-doutorando do Instituto
Nacional de Transtornos Neurológicos e Aci-
dente Vascular Cerebral (AVC), Liane Young,
aluna de pós-graduação em psicologia cogni-
tiva da Universidade Harvard descobriram que
uma lesão no córtex pré-frontal ventromedial
(CPFVM, uma região do cérebro localizada
acima das órbitas dos olhos) aumenta a pre-
shutterstock

ferência por escolhas “utilitárias” em situações


de dilema moral.
24
de um trem descontrolado (o que, conse-
quentemente, o mataria) para salvar a vida
de cinco trabalhadores adiante na linha.
Uma segunda classe apresentava pos-
sibilidades de “baixo conflito” (sem ambi-
guidade moral), mas altamente pessoais,
tais como se seria correto que um homem
contratasse alguém para estuprar a esposa
para que, depois, pudesse consolá-la e re-
conquistar seu amor. Uma terceira classe
oferecia situações moralmente ambíguas,
mas relativamente impessoais, como se se-
ria certo mentir para um segurança e “tomar
emprestada” uma lancha veloz para avisar
os turistas sobre uma tempestade mortal
iminente. Uma quarta classe consistiu em
fazer escolhas amorais, como tomar um
trem em vez de ônibus para chegar pontual-
mente a algum lugar.
Nas situações bem-definidas de baixo
conflito pessoal, os pacientes com lesão no
córtex pré-frontal ventromedial e os indiví-
duos do grupo de controle tiveram desem-
penhos semelhantes, respondendo unani-
memente de forma negativa a exemplos
semelhantes. Mas, ao ponderarem sobre
as situações com implicações emocionais,
mais carregadas de ambiguidade, os pacien-
Koenigs e Young aplicaram um teste so- tes com lesão de CPFVM apresentaram pro-
bre tomada de decisão moral em três gru- babilidade muito maior que os demais de
pos: um deles formado por seis pacientes endossar decisões utilitárias que levariam a
com lesão bilateral de CPFVM; outro cons- um maior bem-estar agregado. Eles se mos-
tituído por pessoas com lesões em outras traram muito mais dispostos que os demais
regiões do cérebro, e um terceiro, o grupo a, por exemplo, empurrar um passageiro
de controle, formado por indivíduos neu- qualquer na frente do trem para salvar um
rologicamente saudáveis. As pessoas sub- grupo de trabalhadores no caminho adiante.
metidas ao teste enfrentaram situações de Por que as pessoas com lesão no CPF-
tomada de decisão em quatro classes. Uma VM deveriam exibir maior preferência por
delas continha cenários morais “pessoais escolhas utilitárias? É tentador atribuir a
de alto conflito” (moralmente ambíguas) e preferência a um embotamento emocional
emocionalmente incômodas; exigia que o geral – um traço habitualmente encontrado
voluntário optasse entre empurrar ou não nos pacientes com lesão pré-frontal. Emo-
um estranho, obeso, em direção aos trilhos ção diminuída supostamente os tornaria
janeiro 2018 • mentecérebro 25
moral

especialmente propensos ao raciocínio uti- rejeitaram com maior frequência as ofer-


litário. Mas uma pesquisa anterior realiza- tas desequilibradas que os indivíduos do
da por Koenigs e Daniel Tranel, professor grupo de controle – aparentemente por se
de neurologia dos Hospitais e Clínicas da sentirem insultados pela proposta desigual,
Universidade de Iowa, com pacientes com ainda que lucrativa, o que invalida os argu-
lesão no CPFVM mostra o oposto. No es- mentos utilitários. Um embotamento emo-
tudo, os voluntários participavam do “jogo cional geral e um maior raciocínio utilitário
do ultimato”. Nessa atividade, é oferecida parecem, portanto, explicações improváveis
uma soma em dinheiro a um par de joga- para o comportamento dos pacientes com
dores. O jogador A propõe alguma divisão lesão de CPFVM.
do dinheiro com o parceiro B; se este último Uma causa mais parcimoniosa, apresen-
rejeitar os termos da divisão, nenhum deles tada como hipótese em um artigo da Nature
recebe nenhum dinheiro. Para o jogador B, a Reviews Neuroscience, é que razão e emo-
decisão estritamente utilitária é aceitar qual- ção cooperaram para produzir sentimentos
quer proposta, mesmo que receba apenas morais. O CPFVM teria especial influência
1% do dinheiro, já que a rejeição da oferta nos chamados “sentimentos pró-sociais” –
implica nenhum ganho. A maioria das pes- que incluem culpa, compaixão e empatia.
soas, porém, rejeita ofertas excessivamente Eles emergem quando estados como tris-
desequilibradas porque determinadas pro- teza e afiliação, que se originam das áreas
postas ofendem seu senso de justiça. Os límbicas, são integrados com outros meca-
jogadores com lesão de CPFVM, contudo, nismos mediados por setores anteriores do

Estrutura envolvida em escolhas


pessoais e sociais
córtex pré-frontal ventromedial – como ava-
liação de possíveis desfechos. Estudos que
utilizam técnicas de imageamento funcional
corroboram esta ideia. Como descrevemos
num artigo publicado no periódico científico
Social Neuroscience e numa pesquisa ante-
rior, o córtex participa ativamente não ape-
nas dos processos explícitos de julgamento
moral, mas também quando as pessoas são
passivamente expostas a estímulos evoca-
tivos de sentimentos pró-sociais (como os
despertados pela cena de uma criança com
fome). Curiosamente, o CPFVM era acio-
nado quando os voluntários optavam por
sacrificar dinheiro para doar a obras de ca-
ridade – decisão que é, ao mesmo tempo,
utilitária e emocional –, como descrevemos
em um artigo do Proceedings of the Natio-
nal Academy of Sciences USA.
A deterioração dos sentimentos pró-so-
ciais, resultante de lesão na parte ventral
(ou lado de baixo) do córtex pré-frontal, jun-
tamente com uma capacidade preservada
de experimentar reações emocionais aver-
sivas associadas a ira ou frustração (depen-
dendo mais dos setores laterais do córtex e
conexões subcorticais), poderiam explicar
os resultados dos dois estudos de Koenigs.
Os pacientes com lesão de CPFVM que par-
ticipam do jogo do ultimato, por exemplo,
deixam que emoções como raiva e desdém
governem as decisões não utilitárias para
rejeitar ofertas injustas. Os pacientes com
lesão de CPFVM foram mais práticos – ou
utilitários – ao enfrentar dilemas morais di-
fíceis, justamente porque a lesão nas partes ALBERT EINSTEIN: a
contribuição consciente
centrais do córtex pré-frontal reduziu os sen- de civis – mas, ao fazê-lo, deram um fim à
do ganhador do Nobel
timentos pró-sociais, dando vantagem rela- Segunda Guerra Mundial. Teria sido cruel ajudou os Estados
tiva ao raciocínio impiedoso. a escolha utilitária de Einstein, resultante Unidos a construírem
das emoções sendo subjugadas pela pura as primeiras bombas
atômicas, que causaram
A DECISÃO DO GÊNIO cognição? Acreditamos que não. Aparente- a morte de dezenas de
Esta explicação pode nos fazer pensar no di- mente, a razão e os sentimentos de Einstein milhares de civis, mas
lema histórico, vivido pelo físico Albert Eins- estavam trabalhando juntos muito bem, re- foram fundamentais para
o fim da Segunda Guerra
tein. A contribuição consciente do ganhador fletindo a interação entre raciocínio lógico, Mundial
do Nobel ajudou os Estados Unidos a cons- emoção e capacidade empática – bem como
truírem as primeiras bombas atômicas, que angústia e ambivalência – que complexas
causaram a morte de dezenas de milhares decisões morais incitam.
janeiro 2018 • mentecérebro 27
especial EQM

Na
cabeça
de quem
voltou
da morte
O fenômeno fascina leigos com relatos da visão do próprio
corpo observado do teto, imagens de túneis que levam à
luz e o encontro com parentes e amigos já falecidos. Para
psicólogos, médicos e neurocientistas, esse estado de
consciência tão específico, relatado por pessoas em todo
o planeta, pode revelar informações importantes sobre o
funcionamento do cérebro e da mente
por Felipe Leal, Mateus Silvestrin,
Raquel Giacóia Leal e Edson Amâncio

OS AUTORES
FELIPE LEAL é psiquiatra, mestrando em antropologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
MATEUS SILVESTRIN é psicólogo, mestrado em neurociência e cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
RAQUEL GIACÓIA LEAL é psiquiatra do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise (Nesme).
EDSON AMÂNCIO é neurocirurgião, pós-graduado pela Unifesp. Os autores agradecem ao físico teórico Carlos de
Moura Ribeiro Mendes as inúmeras sugestões e o entusiasmo com esta publicação.

28
shutterstock
especial • EQM

E
m 1943, Georgie Ritchie escreveu
o livro Voltar do amanhã (Nórdica,
1980), no qual conta que, quando
era um jovem soldado, foi convocado
para se apresentar num batalhão cuja sede
ficava no meio do deserto. Durante vários
dias foi açoitado por uma tempestade de
areia e contraiu pneumonia, numa época em
que ainda não havia antibióticos. Após um
período de febre intensa e violentas dores no
peito, foi declarado morto e colocado num
pequeno cubículo, envolvido por lençóis. Um
enfermeiro, porém, convenceu o médico de
plantão a aplicar uma injeção de adrenalina
no coração do jovem soldado. Depois de ter
estado “morto” durante nove minutos, Ritchie
recobrou a consciência, para grande espanto
de todos, e confessou que durante esse tem-
po viveu uma experiência intensa, da qual se
lembrava perfeitamente bem.
No início ele evitava falar sobre o assunto,
pois temia a opinião alheia. Mais tarde escre-
veu o livro sobre o que lhe aconteceu naque-
les nove minutos. Posteriormente, formou-se
em medicina e fez residência em psiquiatria.
Tornou-se professor e passou a evocar sua ex-
periência durante as aulas. Um desses futuros
médicos, Raymond Moody, ficou de tal forma
intrigado com o relato de Ritchie que começou
a pesquisar o que poderia se passar com os
pacientes durante situações críticas. Em 1975,
Moody publicou A vida depois da vida (Butterfly
Editora, 2004), na qual cunhou o termo near
death experience – em português, experiência
de quase morte (EQM).
Depois do relato de Moody, numerosos
casos de EQM foram descritos na literatu-
ra médica. O cardiologista holandês Pin van
Lommel, autor de Consciousness beyond life:
the science of the near-death experience (Har-
per, 2010), publicou em 2001 na revista The
Lancet uma série de 344 casos de EQM num
estudo prospectivo em hospitais da Holanda.
Van Lommel e sua equipe revisaram os pron-
tuários e ouviram o relato desses pacientes.
Foram analisados o tempo de parada cardior-
respiratória (PCR), as drogas utilizadas na
shutterstock

reanimação e o resultado dos exames realiza-


dos no período de reanimação.
Ao publicar seu primeiro livro, em 1975, POR QUE ISSO ACONTECE?
Moody descreveu os elementos característi- Várias hipóteses têm sido aventadas para
cos das EQMs, enfatizando que a maior parte explicar o fenômeno. Em 2001, o doutor em
das pessoas experimenta apenas alguns de- medicina Sam Parnia e seus colaboradores da
les. Cada EQM é uma experiência única, vivida Universidade de Southampton, no Reino Uni-
de forma coerente, e não como uma série de do, realizaram estudo prospectivo de EQMs
elementos distintos. A ordem em que as vi- ocorridas durante PCR. Durante um ano, eles
vências são citadas pode variar. Há trabalhos entrevistaram sobreviventes das unidades co-
comparativos entre os elementos descritos ronariana e de emergência do Hospital Geral
antes e depois de 1975. Esses estudos pro- de Southampton. Dos 63 pacientes ouvidos,
curaram averiguar se a enorme publicidade apenas sete (11%) do total relataram alguma
dada ao livro de Moody teria influenciado o memória do momento da reanimação, dos
conteúdo dos relatos de EQM. Autores con- quais quatro preencheram os critérios para
cluíram que os relatos são semelhantes, exce- EQM (6,3%), e a citaram como agradável.
to talvez a referência ao túnel, menos frequen- Embora o estudo de Parnia não obtivesse um
temente citado antes de 1975. Mas as EQMs número de pacientes com EQM suficiente
e seus efeitos sobre as pessoas que a viven- para comparações estatísticas, houve uma
ciaram parecem ser os mesmos no mundo in- pequena diferença entre os grupos quanto
teiro. Algumas poucas diferenças podem ser aos níveis médios de sódio e potássio, pres-
atribuídas à cultura. Um estudo transcultural são parcial de CO2 (pCO2) ou medicamen-
mostra que alguns elementos, como o filme tos administrados durante a parada cardíaca.
da vida do sujeito e a experiência do túnel, são Curiosamente, pessoas que passaram por
menos comumente relatados pelas popula- EQMs tiveram pressão parcial de oxigênio no
ções indígenas da América do Norte, da Aus- sangue arterial (pO2) duas vezes mais eleva-
trália e das ilhas do Pacífico Sul. da do que no grupo de controle.

O QUE É EQM?
Uma experiência de quase morte (EQM) é a lembrança (recontada) de todas as
impressões experimentadas durante um estado de consciência particular, marcada por
elementos específicos como visão de túnel, luz, filme da própria vida, personagens
mortos ou associados ao momento da reanimação. Segundo o médico Pim van Lommel,
esse estado mental pode se produzir durante uma parada cardíaca, o chamado período
de morte clínica, mas também durante uma doença grave ou mesmo sem causa médica
aparente. A experiência provoca quase sempre mudanças essenciais e duráveis na atitude
da pessoa em relação à vida, incluindo a perda do medo da morte.
Trata-se de uma vivência altamente subjetiva e pessoal, mas fatores individuais,
culturais e religiosos determinam a maneira como esses fenômenos são descritos e
interpretados. Uma criança provavelmente não empregaria as mesmas palavras que um
adulto, e o testemunho de um cristão certamente é diferente do de um budista ou de um
agnóstico.
“As experiências de quase morte são eventos psicológicos profundos, contendo
elementos transcendentais e místicos, que se produzem geralmente nos indivíduos
próximos da morte ou em situação de dano físico ou emocional grave”, diz o psiquiatra
Bruce Greyson, pesquisador da Universidade de Michigan e autor da escala que
caracteriza a profundidade das EQMs.
janeiro 2018 • mentecérebro 31
especial • EQM

No amplo trabalho prospectivo realizado semi-intensiva de cardiologia do Hospital da


por Van Lommel, também em 2001, foram Universidade da Virgínia. Dos 1.595 incluídos
analisados 344 pacientes em dez hospitais na amostra, 27 (2%) preencheram os critérios
da Holanda. Todos estiveram clinicamente para a EQM. Daqueles que relataram EQM,
mortos e foram submetidos à ressuscitação 41% tiveram parada cardíaca, 26%, infarto do
cardiorrespiratória (RCR) bem-sucedida. Do miocárdio, 22%, angina instável e 11%, outros
total, 62 (18%) relataram alguma recordação diagnósticos cardíacos. Dos 105 com parada
durante o tempo de morte clínica, 21 (6%) ti- cardíaca, 10% tiveram EQM; outros 81 (5%)
veram uma EQM superficial e 41 (12%), EQM descreveram EQM que ocorreram durante
significativa. Entre estes últimos, 23 (7%) rela- um episódio anterior que envolveu risco de
taram EQM profunda ou muito profunda. Van vida. Greyson não encontrou nenhuma corre-
Lommel não conseguiu associar nenhuma lação entre várias medidas médicas, incluindo
causa psicológica, neurofisiológica ou farma- proximidade objetiva da morte (por exemplo,
cológica para explicar a experiência. perda de sinais vitais), índice de prognóstico
Em pesquisa publicada em 2003, o pes- coronariano e classificação da função cardía-
quisador da Universidade de Michigan Bruce ca com a incidência de EQMs. No entanto, os
Greyson, autor da escala que caracteriza a pacientes internados com parada cardíaca re-
profundidade das EQMs, entrevistou pacien- lataram, de forma enfática, mais EQMs (10%)
shutterstock

tes nos primeiros seis dias de internação na do que os pacientes internados com outros
unidade de tratamento cardíaco e na unidade diagnósticos cardíacos (3%).
32
A alteração de oxigênio e gás carbônico dirigido por Sam Parnia, diretor do The Human
ocorrida durante a parada cardíaca em pa- Consciousness Project, da Universidade de
cientes que tiveram EQM foi pesquisada por Southampton, o AWARE (Awareness during Re-
Klemenc-Ketis e colaboradores da Universi- suscitation), concluído em 2008 e publicado em
dade de Maribor, na Eslovênia, em 2010. Eles 2014. Durante quatro anos foram entrevistados
pesquisaram medidas de pressão parcial de 2.060 sobreviventes de parada cardíaca em 15
CO2 exalado no final da expiração (petCO2), hospitais dos Estados Unidos, Reino Unido
pCO2, pO2 e níveis de sódio e de potássio e Austrália. Todos foram submetidos a testes
séricos. Pacientes com petCO2 e pCO2 mais específicos com o propósito de identificar a in-
elevados relataram significativamente mais cidência e a validade de relatos de consciência
EQM. As pontuações das EQMs também fo- durante parada cardíaca. Para avaliar a precisão
ram positivamente correlacionadas com os das alegações de percepção visual durante a pa-
níveis de pCO2 e potássio sérico. Os pacien- rada cardíaca, cada hospital instalou entre 50 e
tes com pO2 mais baixo tiveram mais EQM, 100 prateleiras em áreas onde a ressuscitação
porém a diferença não foi expressiva. de paradas cardíacas era considerada provável
Citado por Van Lommel, um dos mais de ocorrer. Cada prateleira continha uma ima-
emblemáticos casos de EQM se refere a uma gem apenas visível acima dela. Estas imagens
jovem mulher que, operada de um aneurisma foram instaladas para permitir a avaliação de
cerebral, teve uma EQM profunda na cirur- relatos de consciência visual.
gia. Durante o procedimento, seu corpo foi
resfriado e foi realizada circulação extracorpó- Trata-se de uma vivência subjetiva,
rea. Ela estava sob efeito de anestesia geral,
os olhos estavam cobertos por bandagens carregada de fatores culturais e
para evitar ressecamento e foram colocados religiosos que determinam a maneira
tampões nos ouvidos. Apesar de não ter ne- como os fenômenos são descritos
nhuma atividade elétrica cortical e no tronco
encefálico, a paciente passou por uma profun-
e interpretados. Uma criança não
da EQM. Ela se surpreendeu ao ver que um empregaria as mesmas palavras que um
médico tentava realizar algum procedimento adulto e o testemunho de um crente
na região de sua virilha direita e o ouviu dizer
ao neurocirurgião que “não estava conseguin-
seria diferente do de um agnóstico
do...”. Seu interlocutor sugeriu então que ele
que fosse para o outro lado da mesa cirúrgi- Entre as 2.060 pessoas, 140 sobreviven-
ca. Tratava-se da canalização da artéria femo- tes fizeram as entrevistas da fase 1, enquanto
ral para realizar a circulação extracorpórea. A 101 dos 140 pacientes completaram a etapa 2.
moça havia sido informada de que sua cabeça Do total, 46% relataram memórias com sete
seria aberta com uma serra, mas o que viu na temas cognitivos principais: medo; animais/
mão do médico foi um objeto parecido com plantas; luz brilhante; violência/perseguição;
sua escova de dentes elétrica. Ela descreveu déjà-vu; família; recordações de eventos pós-
inúmeras situações ocorridas na sala de cirur- -parada cardíaca. Apenas 9% tiveram EQM e
gia – as quais, estando ela anestesiada, com o 2% descreveram a recordação explícita de ver
corpo resfriado, o coração parado e o cérebro e ouvir eventos reais relacionados à sua res-
inativado, jamais poderiam ter sido percebi- suscitação. Entre os que apresentaram EQM
das. A equipe cirúrgica confirmou todos os não houve registro de pacientes que contaram
relatos, embora nenhum profissional conse- ter visto os alvos colocados nas prateleiras. O
guisse explicar como a jovem pôde ter acesso argumento para a não visualização desses ob-
a todas essas informações. jetos é que 78% das paradas cardíacas ocorre-
A mais abrangente pesquisa sobre EQM rea- ram em locais onde não havia prateleiras com
lizada até o momento foi o estudo multicêntrico alvos previamente colocados.
janeiro 2018 • mentecérebro 33
especial • EQM

Os autores do estudo concluíram que os Das duas EQMs, a mais vívida e detalha-
sobreviventes de parada cardíaca vivenciaram da foi a ocorrida aos 22 anos. No início de
ampla gama de memórias após PCR, incluin- 1973, Vicki, trabalhava eventualmente como
do experiências assustadoras e persecutórias, cantora em uma casa noturna em Seattle.
e que tiveram momentos em que acreditavam Uma noite, após a apresentação, ela não
estar conscientes. Os pesquisadores reconhe- conseguiu chamar um taxi para levá-la para
cem, porém, que outros estudos são necessá- casa. A única opção era aceitar carona do
rios para delinear o papel explícito e implícito casal de patrões, embora ambos estivessem
da parada cardíaca e seu impacto na ocorrên- embriagados. Na viagem ocorreu um sério
cia de eventuais transtornos de estresse pós- acidente e Vicki foi jogada para fora do veí-
-traumático (TEPT) entre os sobreviventes. culo. Sofreu fratura de crânio e concussão
cerebral, lesões no pescoço e nas costas e
Substâncias químicas liberadas ou quebrou uma perna.
estimulada por acontecimentos dos Vicki lembra-se claramente dos segundos
que antecederam o acidente, mas tem lem-
quais temos consciência tendem a branças nebulosas de ter estado “fora do cor-
reduziras inibições naturais tanto do po” – foi quando diz ter visto, de vislumbre, o
organismo quanto da mente e podem veículo amassado. Foi nesse momento que ela
afirma ter tido a sensação de que se encontra-
proporcionar a ampliação de estados va num corpo não físico “como se fosse feito
de consciência de luz”. Ela não se recorda da sua ida para o
hospital na ambulância, mas, quando chegou
PESSOAS CEGAS à sala de emergência, recobrou a consciência
Os doutores em psicologia Sharon Cooper, e estava no teto do cômodo, assistindo a um
professora da Universidade de Nova York, e médico e a uma mulher (ela não soube especi-
o professor Kennety Ring, da Universidade ficar se era médica ou enfermeira) trabalhando
de Connecticut, cofundador e ex-presidente em seu corpo. Ela ouvia a conversa entre eles,
da Associação Internacional para Estudos de que comentavam a ocorrência de um possível
Quase-Morte, analisaram vários casos de pes- dano do tímpano e falavam do receio de que,
soas cegas que relataram o fenômeno. Um além de cega, ela se tornasse surda. Vicki ten-
dos casos é o de Vicki Umipeg, uma mulher tou desesperadamente se comunicar com eles
de 43 anos, moradora do estado de Washing- dizendo que estava bem, mas obviamente não
ton, que teve duas EQMs. A primeira, quando obteve resposta. Ela estava consciente de ver o
ela tinha 12 anos de idade, ocorreu em 12 de próprio corpo abaixo dela.
fevereiro de 1962, quando teve uma crise de Ela primeiro percebeu uma imagem
apendicite e peritonite. A segunda foi quase muito fraca de si mesma deitada na maca
exatamente uma década depois, na noite de 2 de metal e estava segura de que fosse ela,
de fevereiro de 1973, quando foi gravemente embora tenha levado um momento para re-
ferida num acidente de automóvel. gistrar esse fato com certeza. Em seu relato
Vicki nasceu prematura, com apenas 1,5 diz: “Sabia que era eu... Eu era muito magra,
kg, na 22a semana de gestação. Como era na época. Era muito alta e magra. E eu reco-
comum ocorrer com crianças prematuras na nheci que era um corpo, mas nem sabia que
metade do século 20, foi colocada numa incu- era o meu, inicialmente. Quando eu percebi,
badora para administração de oxigênio, mas estava no teto e pensei: ‘Isso é meio estra-
houve falha na regulagem da quantidade de nho. O que estou fazendo aqui em cima?’.
oxigênio e Vicki recebeu uma dose excessiva, Em seguida pensei: “Bem, este deve ser eu,
que provocou lesão definitiva nos nervos ópti- será que estou morta?’. Só vi esse corpo bre-
cos dos dois olhos. Em razão disso, ela nunca vemente, sabia que era o meu porque eu es-
teve experiência visual durante toda a sua vida. tava fora dele. Eu estava longe dele”.
34
shutterstock

Ela relata que depois disso se viu subindo cinco pessoas já falecidas que ela conhecera.
pelo teto do hospital até que alcançou do te- Diane e Debby eram colegas cegas da escola,
lhado do edifício. Desfrutou da vista panorâ- com 6 e 11 anos, respectivamente, na época
mica e sentiu-se inundada por uma intensa de sua morte. Além de cegas, ambas tinham
sensação de alegria, liberdade e movimento. um retardo mental profundo, mas agora pa-
Em seguida se deu conta de que ouvia uma reciam brilhantes, belas, saudáveis – e muito
música harmoniosa, bastante agradável, “se- vivas. E já não eram crianças. Vicki distinguiu
melhante ao som de sinos ao vento” e per- ainda um casal de cuidadores seus na infân-
cebeu que estava sendo sugada pela cabeça cia, o senhor e senhora Zilk. Finalmente, Vicki
para dentro de um túnel. “O lugar era escuro, viu sua avó, que se aproximou para abraçá-la.
mas estava ciente de que me movia em dire- Vicki disse que, nesses encontros, nenhuma
ção a uma luz”, diz. palavra foi dita: mas tinha consciência dos
Quando alcançou a abertura do túnel, a sentimentos de amor e bem-estar. No meio
música que tinha ouvido antes se transforma- desse arrebatamento, ela de repente foi domi-
ra em hino (semelhante ao que ela escutou nada por uma sensação de conhecimento to-
anos mais tarde, na EQM posterior). Então tal. “Tive a impressão de que sabia tudo e de
ela “rolou para fora” e deu-se conta de que que tudo fazia sentido. Eu só sabia que este
estava deitada na grama. Estava rodeada por era o lugar onde eu iria encontrar as respostas
árvores e flores e grande número de pessoas, para todas as perguntas sobre a vida, sobre os
em um lugar de intensa luz, que podia sentir planetas, sobre Deus e sobre tudo... Era como
tão bem quanto ver. Até as pessoas que ela viu se o lugar fosse o próprio conhecimento.”
eram brilhantes. “A luz transmitia paz, amor Ela relata que, em dado momento, se viu
e era como se isso viesse do ambiente, dos na presença de um “ser de luz”, profunda-
pássaros e das árvores.” mente amoroso, que lhe mostrou uma espé-
Vicki então tomou consciência da presen- cie de filme de toda a sua vida e a advertiu
ça de pessoas que ela havia conhecido em vida de que ela deveria voltar. “Em seguida, fui
e a estavam acolhendo naquele lugar. Havia conduzida de volta ao meu corpo, que estava
janeiro 2018 • mentecérebro 35
especial • EQM

Memórias do outro lado


Moody e outros autores destacam pontos em
comum encontrados nos relatos de pessoas que
passaram por essa situação

• Apesar de os pacientes estarem em situação


de doença grave ou acidente, a sensação emocional
prevalente é de bem-estar, paz e alegria
• A atividade mental se torna mais aguçada; a
lembrança é clara e as pessoas têm a convicção de
que ela é até mais real do que as vividas no estado
de vigília
• Ainda assim, apresentam dificuldade para
explicar a vivência e relatam que não conseguem terrivelmente doloroso, muito pesado, e me
expressar com palavras a amplitude do que viveram lembro que eu me senti muito mal.”
• Pessoas se referem à sensação de viver O ponto mais discutível na EQM de Vic-
experiências fora do corpo (EFCs) como se ki e de todos os pacientes cegos de nascença
observassem “de fora de si” eventos que é a questão de como alguém que nunca teve
transcorreram próximos a elas ou em um local experiência da visão possa, de repente, ver –
distante e compreender o que está vendo. O cego de
• Muitos falam de ter, em algum momento, nascença tem a experiência das formas (pois
passado por uma região de escuridão ou por um pode tocar), do olfato, da audição e das pa-
túnel sem luz lavras, mas nunca viu absolutamente nada. E
• É frequente citarem que, após essa travessia nem sequer tem a experiência do que signifi-
pela escuridão, veem um cenário de grande beleza ca ver. Em última análise, pode-se perguntar
• Geralmente, em algum momento da experiência como uma pessoa em coma devido a graves
encontram parentes e amigos já falecidos lesões cerebrais, cega desde o nascimento,
• Fazem referência a uma luz extraordinariamente pode ter visões tão nítidas, algumas das quais
brilhante que, no entanto, não ofusca a visão, às puderam ser comprovadas. O que se sabe
vezes percebida como um “ser de luz” que emana com certeza é que os relatos de pessoas ce-
aceitação, amor incondicional e pode comunicar-se gas que passaram por EQM constituem um
telepaticamente desafio para a ciência e nos obriga a repensar
– Pacientes costumam se lembrar de ver e reviver o que sabemos sobre consciência e cérebro.
acontecimentos importantes e incidentais de sua vida
como se fosse um filme CASOS DE EPILEPSIA
• Em dado momento da vivência, percebem que Pacientes com epilepsia do lobo temporal
chegaram a uma espécie de fronteira além da qual têm sido objeto de estudo por apresentarem
não podem ir manifestações críticas parecidas com as des-
• Têm a sensação de ter “retornado” ao corpo critas em EQM. Os doutores em psicologia e
físico de forma involuntária, algo muitas vezes vivido neurociência Willoughby B. Britton e Richard
com desagrado, dada a paz que sentiam antes R. Bootzim, da Universidade do Arizona, ana-
36
lisaram 43 pacientes com epilepsia temporal, mulação magnética transcraniana, afirma ter
dos quais 23 apresentaram EQM com pon- desencadeado fenômenos psíquicos causados
tuação mínima na escala de Greyson. pelo bloqueio ou pela estimulação de campos
Um trabalho publicado na Nature por Olaf eletromagnéticos do cérebro. Os fenômenos
Blanke, diretor do Laboratório de Neurociência são episódios próximos do sonho, semimísti-
Cognitiva do Instituto Cérebro-Mente, da Es- cos, com luz ou música e sensação da presença
cola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, de outros seres. Essas informações guardam
teve grande repercussão nos meios científicos alguma semelhança com as descrições de uma
e na mídia em geral. Ele descreveu o caso de EQM. Por outro lado, o trabalho de Persinger
uma paciente epiléptica que, após estimulação não foi corroborado por experimentos seme-
elétrica do córtex do giro angular, viveu a sen- lhantes realizados na Suécia, onde os pacientes
sação de sair do corpo. Como ela se viu no teto nem sequer sabiam que seriam estimulados.
do centro cirúrgico, mas teve uma visão defor-
mada de suas pernas, o fenômeno é chamado SOB EFEITO DE DROGAS
pelos especialistas de “incompleto”. Apesar de intensos esforços de cientistas, ne-
Em outro artigo, Blanke propôs uma nova nhum estudo esclarece completamente ainda
explicação neurológica para esse fenômeno. O como um indivíduo é capaz de manter a cons-
pesquisador descreveu seis pacientes, três com ciência de forma aguda ou mais alerta em
relatos de saídas do corpo atípicas e incomple- uma situação de quase morte. Mas algumas
tas, que não tiveram percepção “a partir do teto” situações são capazes de provocar experiên-
de elementos verificáveis concernentes a eles cias parecidas, como o aumento de concen-
mesmos ou ao ambiente. Quatro deles relata- tração sanguínea de CO2 (hipercapnia) e a
ram ter tido a visão de seu próprio duplo a partir hipóxia cerebral por baixa perfusão sanguínea
do seu corpo. Blanke considerou a decorporação resultante da aceleração rápida de pilotos de
como “uma ilusão causada pela disfunção tem- avião, bem como a hiperventilação seguida
porária ou lesão no lobo temporal e ou parietal”. por manobra de Valsava (diminuição do fluxo
O pesquisador Michael Persinger, que rea- sanguíneo venoso para o coração, o que faz
lizou grande número de experimentos de esti- com que os batimentos sejam acelerados e a
janeiro 2018 • mentecérebro 37
especial • EQM

pressão arterial se eleve, de modo a não faltar


sangue e oxigênio para o cérebro; para pes-
soas saudáveis e treinadas, essa manobra não
traz nenhuma consequência prejudicial).

Considerados por grande número de


profissionais como eventos psicológicos
profundos e impactantes, os episódios
narrados em geral apresentam
similaridades com sonhos; parecem
um tanto místicos, acompanhados da
sensação de que há luz ou música e a
presença de outros seres

O efeito foi constatado também após a


ingestão de algumas drogas, como ketami-
na. O papel das endorfinas, das encefalinas
e da serotonina também tem sido mencio-
nado, da mesma forma que experiências fora
do corpo foram relatadas com o uso de LSD,
psilocarpina e mescalina. Essas vivências in-
duzidas podem consistir em períodos de in-
consciência, sensação de estar fora si, flash
ou luzes e recordações de cenas do passado.
Tais lembranças, no entanto, consistem em
fragmentos e memórias aleatórias, e não
em uma revisão panorâmica da própria vida
relatada durante a EQM. Por outro lado, a
transformação pessoal do modo de vida e a
perda do medo da morte raramente ocorrem
nas situações induzidas. É sabido que dro-
gas de fato podem produzir efeitos alucinó-
genos e sensações muito parecidas com as
descrições de pessoas que tiveram EQM. É o
caso do LSD e da dimetiltriptamina (DMT),
porém, no caso desta última, os efeitos são
muito breves porque é rapidamente decom-
posta pelo organismo.
Pim van Lommel enfatiza que é muito
provável que o DMT naturalmente produzi-
do pelo corpo pode ter papel importante na
experiência de consciência ampliada durante
EQM. Sua liberação, provocada ou estimu-
38
lada por acontecimentos dos quais temos
consciência, reduziria as inibições naturais
de nosso organismo e proporcionaria a am-
pliação da consciência – como se ela fosse
capaz de bloquear ou interromper a interface
entre consciência e corpo (e cérebro). O autor
salienta que o zinco é indispensável à síntese
da serotonina e outras substâncias do mes-
mo tipo, como o DMT, por exemplo. Com o
avançar da idade, a taxa desse metal no orga-
nismo diminui – o que talvez ajude a explicar
o fato de que a taxa de EQM diminui com a
idade. Tudo indica, no entanto, que algum
outro mecanismo neurofisiológico desconhe-
cido e neuro-humoral, no nível subcelular do
cérebro, pode exercer papel importante em
situações críticas, como a morte clínica.
Com a falta de evidências ou outra teoria
sobre EQM, a ideia até agora assumida – mas
nunca comprovada – de que a consciência
e as memórias estão localizadas no cérebro
deve ser discutida. Como poderia uma cons-
ciência claramente fora do corpo ser experi-
mentada no momento em que o cérebro já
não funciona durante um período de morte
clínica, sem registro de atividade elétrica no
cérebro? Por outro lado, durante parada car- PARA SABER MAIS
Sobre a morte.
díaca, o eletroencefalograma (EEG) torna-se Maurice Godelier (org).
isoelétrico, na maioria dos casos, após dez se- Edições Sesc
gundos do início da síncope. Além disso, pes- São Paulo, 2017.

soas cegas descreveram a percepção visual AWARE – AWAreness


durante experiências fora do corpo no mo- during REsuscitation –
A prospective study. S.
mento dessa vivência. As EQMs vão ao limite Parmia e outros, 2014.
das ideias médicas a respeito da consciência e http://dx.doi.org/10.106/j.
resuscitation.2014.09.004
da relação mente-cérebro. Alguns autores, en-
tretanto, admitem que as experiências de qua- Dissociation in people
who have near-death
se morte podem ocorrer em decorrência do experience: out of their
estado de mudança da consciência, no qual a bodies or out of their
identidade, a cognição e a emoção funcionam minds? B. Greyson.
Lancet, nº 355, págs. 460-
independentemente do corpo inconsciente, 463; 2000.
mas retêm a possibilidade de percepção não
Near-debate experience
sensorial. Qualquer que seja a explicação para in survivors of cardiac
os relatos de EQM, o fato é que os conheci- arrest: a prospective study
in the Netherland. P. van
mentos atuais excluem a possibilidade de for- Lommel, R. van Wess,
mular uma teoria integrada para explicar esse V. Meyers e I. Elffferich.
Lancet,n.º 358, págs.:2039-
fenômeno, o que deve servir de motivação e 2045; 2001.
estímulo para novas pesquisas.
janeiro 2018 • mentecérebro 39
livro | resenha

Sartre.
Nathalie Monnin.
Estação Liberdade, 2017.
280 págs. R$ 49,00

Um filósofo em busca
da liberdade
Obra introdutória aborda o pensamento e a lógica política de Sartre, o que
ajuda a compreender a produção teórica do autor francês sob várias vertentes

Os principais pontos
de sua obra são
O filósofo, dramaturgo e intelectual politicamente engajado
Jean-Paul Sartre (1905-1980) marcou profundamente o século 20.
Em seu livro Sartre, recém-lançado no Brasil pela Estação Liberdade,
apresentadas de forma a professora de filosofia Nathalie Monnin refaz a trajetória desse pen-
rigorosa e ao mesmo sador da liberdade e da alienação, que refletiu sobre as implicações da
autonomia do sujeito e da consciência acerca de si mesmo, do outro
tempo acessível, e da sociedade na qual se insere, assim como das questões morais.
explorando também sua Para o escritor francês, considerado uma voz original da fenome-
atuação de Sartre na nologia, o ser humano é livre e responsável por seus atos. E não há
desculpas aceitáveis, é preciso se haver com as próprias escolhas
literatura e no teatro e suas consequências. Exemplo disso é a peça teatral Entre quatro
paredes, em que os personagens, condenados ao convívio eterno, se
dão conta de que, embora “o inferno sejam os outros”, esse inferno
sem tridentes ou demônios chifrudos é um estado mental, fruto da
construção subjetiva. Sartre acredita que a consciência humana é, ir-
revogavelmente, a consciência de mundo. Ou seja: está relacionada
à noção pessoal de nossa própria situação.
Sartre se destacou ao introduzir o existencialismo enquanto ten-
dência filosófica, exposta em seu texto O existencialismo é um huma-
nismo. No livro, Monnin analisa a densa obra do filósofo, passando
40
“O que é um ‘grande intelectual’? De onde vem este inalcançável
ascendente? O talento, ou melhor, a ambição de Sartre. Seu
apetite. Sua curiosidade insaciável. O único a tentar todos os
domínios e a mostrar-se excelente em todos eles. Filosofia.
Política, também. Literatura. Jornalismo. Crítica literária.
Reportagem. Teatro, letras de canções, conferências, rádio,
cinema... Seu lado intelectual integral, decidido a possuir o
‘mundo inteiro’, e a se dar os meios dessa fabulosa hegemonia.”
Bernard-Henri Lévy, em O século de Sartre

por Transcendência do ego, O idiota da família, O ser e o nada, deten-


do-se especialmente em Moral e história.
A autora aborda o envolvimento político de Sartre, o que ajuda
o leitor a compreender a produção intelectual e as várias vertentes
de sua proposta filosófica. As principais linhas de seu pensamento
são apresentadas de forma rigorosa e ao mesmo tempo acessível,
explorando também sua atuação de Sartre como teórico das artes,
na literatura e no teatro. “Tudo passava por Sartre, não
O lançamento faz parte da coleção Figuras do saber, com o pro- apenas porque, sendo um filósofo,
pósito de oferecer livros que apresentem ao leitor, de forma intro- possuía um gênio da totalização,
dutória, o pensamento de filósofos e cientistas consagrados, tanto mas porque sabia inventar o novo.
antigos e quanto modernos. Cada título, escrito por um especialista, As primeiras representações de As
apresenta informações fundamentais sobre o autor e os principais
moscas, a aparição de O ser e o nada,
temas de sua obra, com a preocupação de discutir a atualidade de
a conferência O existencialismo é um
seu trabalho. Outros títulos da coleção são abordam autores como
humanismo foram acontecimentos:
Freud, Lacan, Kierkegaard, Nietzsche, Deleuze, Maimônides, Espi-
nosa, Foucault, Darwin, Wittgenstein, Kant, Locke, D’Alembert, He- aprendia-se aí, depois de longas noites,
gel, Comte, Einstein, Saussure, Lévinas, Cantor, Heidegger, Der- a identidade do pensamento e da
rida, Montaigne, Turing e Newton. Estão programados ainda os liberdade.”
volumes dedicados a Cícero, Lévi-Strauss, Russell e Epicuro. Gilles Deleuze

janeiro 2018 • mentecérebro 41


livro | lançamento
Sobre a morte.
Maurice Godelier (org).
Edições Sesc
São Paulo, 2017.
368 págs. R$ 80,00

Reflexões sobre a finitude


Em Sobre a morte, organizado por Maurice Godelier, historiadores
e antropólogos buscam responder como diferentes culturas representam
o óbito e se comportam diante da separação

F alar sobre a morte não é exatamente confortável para


grande parte das pessoas. Ainda assim, o tema exerce
fascínio e evoca fantasias na tentativa de dar conta do que
Por meio de distintas concepções de ritos funerá-
rios de sociedades que vão clássicas antigas aos povos
amazônicos, obra aprofunda o conhecimento sobre os
foge à representação concreta. Organizado pelo antropó- modos como a morte vem sendo concebida e experien-
logo francês Maurice Godelier, Sobre a morte: invariantes ciada. No total, foram focados 14 grupos humanos em
culturais e práticas sociais reúne estudos que buscam des- diferentes continentes. Cinco textos assinados por histo-
vendar como diferentes sociedades, em tempos e locais riadores tratam da Grécia e da Roma antigas, do judaís-
distintos, explicam e vivenciam a finitude. mo, do islamismo e do cristianismo medieval. Os outros
Segundo a doutora em história social pela Univer- nove são de autoria de antropólogos: dois deles abor-
sidade Federal Fluminense Claudia Rodrigues, editora- dam a Índia e a China em uma perspectiva diacrônica;
-chefe da revista M. Estudos sobre a morte, os mortos dois referem-se aos uzbeques de Samarcanda, na Ásia
e o morrer, o desejo de Godelier de preparar o livro Central, e aos tai budistas do Sudoeste Asiático; os úl-
surgiu há sete anos. A demanda veio de profissionais timos cinco estudam o povo ngaatjatjarra, na Austrália,
da área da saúde que se viam obrigados a conviver e os baruya e sulka, na Melanésia, e os ticuna e miranha,
a lidar com o sofrimento daqueles que morrem isola- na Amazônia.
dos em hospitais ou casas de repouso, muitas vezes As narrativas confirmam que a morte constitui um
distantes de amigos e da família. O antropólogo teria dos principais fundamentos organizadores dos grupos
se questionado sobre quais seriam as concepções de sociais humanos. Cada autor busca responder como di-
morte e, eventualmente, de vida após a morte, em ou- ferentes culturas representam o óbito e como se com-
tros lugares e épocas. “O livro é a tradução para o por- portam diante daqueles que agonizam. Para tanto, ten-
tuguês da obra resultante desta empreitada, publicada taram entender a quais necessidades sociais, religiosas
originalmente em 2014”, diz Rodrigues. e culturais respondem práticas como o enterro, a crema-
A apresentação, assinada pelo organizador, sinteti- ção e a mumificação. A esses rituais estão associadas
za os dados e identifica sugere uma estrutura comum as maneiras como se lida com os corpos e, certamente,
da qual surge uma infinidade de combinações e sim- as crenças a respeito do que (ou de quem) nos aguarda
bologias particulares. Estudiosos acompanharam ritos, após o falecimento. Está em questão também a maneira
analisaram documentos históricos e obras de arte, pro- como se lida com a perda e com o luto – um tema com-
curando relacionar fatos geopolíticos importantes que plexo do ponto de vista psíquico e ao qual a psicanálise
impactaram práticas e hábitos rituais milenares. confere grande importância.

Leia sobre experiência de quase morte na pág. 28 desta edição.


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