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APÊNDICES - Esboços
ESBOÇO SOBRE A CULTURA DO BRASIL
CONTRIBUIÇÕES PARA A FILOSOFIA DA FÍSICA
ESBOÇOS PARA UMA TEORIA UNIFICADA DA PSICOLOGIA
DA POLÊMICA SOBRE A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
MATEMÁTICA E MATERIALISMO
SOBRE A OBRA “A CRISE SISTÊMICA”
MINIMANIFESTOS ARTÍSTICOS
COMENTÁRIOS SOBRE ARTE
ABC DA ELABORAÇÃO POLÍTICA MARXISTA
DEDICATÓRIA
Em principal, à minha esposa por ter-me suportado com tanta paciência e sofrimento;
À classe trabalhadora de todo o mundo;
A Machado de Assis e a Augusto dos Anjos;
À LIT pelo hercúleo esforço de construir um partido mundial da revolução;
À minha mãe por ter-me alfabetizado com bombons de chocolate.
APRESENTAÇÃO
“Além disso, parece ter se generalizado, entre nós, a ideia de que é muito mais
elegante ser contra que a favor: doutos senhores devem discordar e não concordar.
Assim seja! Pelo menos, nossa tentativa servirá para desafiar aqueles que pretendem
inexistir problemas…”1
Este trabalho pode ser definido por alguns eixos complementares: caracterização da
crise, análise teórica de conjuntura, medição do grau de alienação scoial desde 1970,
atualização do marxismo etc.
Consciente do caráter sempre incompleto de um amplo empreendimento, desejo ao
leitor uma leitura agradável e de conteúdo elevado.
1
Oferta e demanda e a determinação do valor de mercado. Tentativa de interpretação do cap. X do livro
III d’O Capital.
Por fim, agradeço às correntes PSTU, MAIS e NOS pelos estímulos à construção
destas análises. Suas avaliações, obervações e debates foram vitais para a conclusão das
teses.
FIM DO CAPITALISMO: TRÊS CAPITAIS, TRÊS ERAS, TRÊS CICLOS
1. Capital-dinheiro;
2. Capital produtivo;
3. Capital-mercadoria.
“As leis das corporações (…) impediam deliberadamente, por meio da mais estrita
limitação do número de ajudantes que um único mestre de corporação podia empregar, a
transformação deste último em capitalista. Além disso, só lhe era permitido empregar
ajudantes naquele ofício exclusivo em que ele próprio era mestre. A corporação repelia
zelosamente qualquer intrusão do capital comercial, a única forma livre de capital que
com ela se defrontava. O mercador podia comprar todas as mercadorias, menos o
trabalho como mercadoria.” (MARX, 2015, p. 432.)
Engels:
É fácil, portanto, de compreender por que o capital mercantil aparece como forma
histórica do capital muito antes de o capital submeter a própria produção a seu domínio.
Para desenvolver-se o modo capitalista de produção, é mister historicamente que o
capital mercantil exista e atinja certo grau de desenvolvimento, (1) pois é condição
prévia da concentração dos haveres monetários e (2) porque o modo capitalista de
produção supõe produção para o comércio, venda em grande escala e não a freguês
individual, logo, a comerciante que não compra para satisfazer necessidades pessoais,
mas em sua compra concentra muitos atos de compra. Demais, todo desenvolvimento
do capital mercantil atua no sentido de orientar a produção cada vez mais para o valor
de troca, de transformar os produtos cada vez mais em mercadorias. Todavia, seu
desenvolvimento, considerado de per si, não é, conforme veremos, suficiente para
possibilitar e explicar a transição de um modo de produção para outro. (O Capital III, p.
437)
O desenvolvimento do comércio e do capital mercantil leva a produção por toda a
parte a orientar-se pelo valor de troca, aumenta o volume dela, diversifica-a e dá-lhe
caráter internacional, e faz o dinheiro converter-se em dinheiro universal. O comércio
por isso exerce sempre ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações anteriores
da produção, as quais em todas as suas diversas formas se guiam essencialmente pelo
valor de uso. Até onde vai essa ação dissolvente depende, antes de tudo, da solidez e da
estrutura interna do antigo modo de produção. E o que resultará desse processo de
dissolução, isto é, qual será o novo modo de produção que substituirá o antigo, depende
não do comércio, mas do caráter do próprio modo antigo de produção. No mundo
antigo, a atuação do comércio e o desenvolvimento do capital mercantil resultavam
sempre em economia escravista, ou, de acordo com o ponto de partida, ocasionavam
apenas a transformação de um sistema escravista patriarcal, baseado na produção de
meios de subsistência imediatos, num sistema voltado para a produção de mais-valia.
No mundo moderno, ao contrário, levam ao modo capitalista de produção. Infere-se daí
que outras circunstâncias, além do desenvolvimento do capital mercantil, determinaram
esses resultados. (Idem, p. 442, 443.)
"As formas — o capital comercial e o capital gerador de juros — são mais antigas
que a oriunda da produção capitalista, o capital industrial, a forma fundamental das
relações de capital regentes da sociedade burguesa e com referência à qual as outras
formas se revelam derivadas ou secundárias (...) E é por isso que o capital industrial, no
processo do seu nascimento, tem primeiro de subjugar aquelas formas e convertê-las em
funções derivadas ou especiais de si mesmo. Encontra, ao formar-se e ao nascer, aquelas
formas mais antigas. (...) Onde a produção capitalista se desenvolveu na amplitude de
suas formas e se tornou o modo dominante de produção, o capital produtor de juros está
sob o domínio do capital industrial, e o capital comercial. é apenas uma figura do capital
industrial, derivada do processo de circulação. Ambos têm de ser antes destruídos como
formas autônomas e antes submetidos ao capital industrial. Emprega-se a força (o
Estado) contra o capital produtor de juros, reduzindo-se pela coerção a taxa de juros (...)
Mas este é um estilo que pertence aos estádios menos desenvolvidos da produção
capitalista. O verdadeiro meio do capital industrial para subjugar o capital produtor de
juros é a criação (...) do sistema de crédito." (MARX, 1985, p. 1508 -15092).
Neste ciclo de era, a relação causa e efeito inverte-se, do comércio para a produção:
2
MARX, KarI (1985). Teorias da mais-valia. São Paulo : Difel. v.3. Adiamentos, n.1, 2, 4; p.1507-1531.
desse modo de produção, impelido por necessidade interna e pela exigência de
mercado cada vez maior. (…) (O Capital, Livro III, Marx, Civilização Brasileira. Grifos
nossos.)
Essa dominação do capital produtivo, desde o século XVIII, antes do ciclo de era
seguinte, é expressa deste modo:
"Aí (refere-se ao século XVII – nota do autor) o capital produtor de juros ainda é
forma antediluviana do capital, a qual de início tem de se subordinar ao capital
industrial e deste se tornar dependente, posição que tem de ocupar, teórica e
praticamente, na base da produção capitalista. A burguesia não hesitou em recorrer à
ajuda do Estado neste caso, como o tem feito em qualquer outro em que lhe
importasse adequar às suas as relações tradicionais de produção encontradas."
(MARX, 1985, p.1507)3.
Com a crise orgânica no final do século XIX, décadas 1970 e 1980 – por excesso de
capital produtivo nos países centrais e mundialização da relação mercantil –, a
eletricidade e as renovações técnicas; por essa transição, a relação central-
orbitante altera-se novamente: o setor bancário e o conjunto do capital portador de juros
(ações, etc.) adquire força necessária para dirigir, submeter e desenvolver os outros dois
3
Idem.
capitais. Temos, na fase imperialista, de monopólios e oligopólios, o capital financeiro.
E assim, produção e a distribuição também evoluem. Sobre, afirma Lênin:
d) Salto para si
Este último ciclo foi que consolidou as tendências das duas anteriores, consolidou a
hipertrofia da indústria, com a III revolução industrial, e do comércio mundiais, com a
mercantilização global. Em nosso entender, o final da década de 1970 foi o ápice da
última fase do capital que, diante de sua barreia interna, impossibilitado de deslocar-se
para um próximo ciclo, limitou-se a desenvolver os três capitais em alta potência
(explica o alto desenvolvimento dos capitais fictício e especulativo4); este momento
histórico é como um avião supersônico que, ao aumentar continuamente sua velocidade,
atravessa a barreira do som, gerando um estrondo, um "salto para si", que simboliza o
ciclo de era do capital produtor de juros, o último deste sistema econômico-social. No
gráfico a seguir, para medirmos e dimensionarmos, veremos este momento por meio da
espantosa diferença do PIB mundial em relação ao montante de capital fictício total5:
4
Talvez caiba ao leitor não iniciado breve introdução sobre a natureza desses capitais, por meio de
exemplos: 1) Quando uma empresa passa a atuar com ações, papéis que dão direito a x% da
propriedade daquele negócio, tendo lucro proporcional, esses papéis legais atuam representando um
capital real e, ao mesmo tempo, são uma coisa por si mesmas, tornam-se capitais (não sendo de
verdade, fictício), logo podem ser vendidas e negociadas no mercado de ações – como se o capital se
duplicasse, ganhando autonomia na oferta e procura por estas figuras e, logo, seus preços tendem a se
deslocar do valor real que representam. 2) As dívidas públicas são um empréstimo, D, Dinheiro, em
busca de mais-dinheiro, D’, mas esse dinheiro é gasto improdutivamente pelo Estado, que deve pagar
via impostos e outras fontes. Estes papéis das dívidas também são negociáveis. 3) Os bancos ajudam a
dar dinâmica à produção e comércio na medida em que oferecem dinheiro para pagamento antecipado
de compras (mercadorias, máquinas matérias-primas etc.): um comerciante compra do empresário suas
mercadorias sem ter dinheiro no momento da compra-venda (pois não vendeu as mercadorias ainda)
com ajuda financeira, com o banco pagando o empresário; depois, cabe ao comerciante pagar, em
parcelas e juros, meio de pagamento, o banco, não o empresário – este processo, que se alarga no
tempo, gera ao banco papéis legais dessa dívida e, logo, pode negociar estes, os próprios papéis, na
compra e venda das bolsas de valores, que e por isso também tendem a se deslocar de seus valores
reais (e se o comerciante não conseguir vender para pagar?). 4) Compra-se um terreno para,
especulando, esperar que custe o triplo seu aluguel daqui a 20 anos; o mesmo se pode fazer com obras
de arte. 5) Faz-se empréstimo de 1 milhão de dólares a baixíssimos juros e empresta-se este dinheiro a
juros maiores em outro país; transfere-se dinheiro de uma moeda para outra, de dólar para real, para
quando o preço dessas duas moedas variarem haver lucro ao trocar real por dólar (exemplo: 1 dolar é
trocável por 4 reais num momento; depois, 1 dolar é trocável por 1 real; se o investidor pega 1 dólar e
transforma em 4 reais, guardando essa quantia para momento oportuno, em seguida pode trocar esses
4 reais por 4 dólares – imagine agora em proporção de milhões em dinheiro). 6) Uma empresa pode
abrir seu capital, vender ações, papeis legais de direito, não sobre a propriedade do capital (máquinas
etc.), mas sobre a possibilidade de lucro futuro – dá-se dinheiro à empresa em aposta de retorno futuro
com parte do lucro desta, sem direito de propriedade real; alguém com dinheiro supõe que os preços de
tal produto será alto e lucrativo no futuro, então investe antecipadamente num produto que sequer
ainda foi produzido – o leitor pode se perguntar: é uma aposta, um cassino? Sim, há riscos elevados. O
capitalismo cria tantas formas quanto possíveis de capital fictício (o especulativo é uma das formas de
capital ficitício), quer seja, lucro não lastreado diretamente no trabalho humano explorado.
Antecipamos: com velocidade dos investimentos e os custos dos fatores de produção acrescidos, as
empresas precisam endividar-se para não morrer na praia da concorrência, ou seja, os bancos estavam
contando com lucro, valorização, futuro, que pode não se realizar…
5
Fonte dos próximos dois gráficos: ”O estágio último do capital. A crise e a dominação do capital
financeiro no mundo.” (Jorge Nóvoa; Paulo Balanco).
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792013000100007
Mais de quatro vezes (!) o PIB mundial (PMB), esse capital “falso”, deslocado de
sua base, não encontra água para beber no solo da economia “real”. Dado famoso entre
economistas, o Banco de Compensações Internacionais, sediado em Brasileia, Suíça,
organismo que aglutina os principais bancos centrais do mundo, estima – pois é difícil
medir esta “anomalia” – um volume de derivativos em US$ 710 trilhões, de 14 bancos;
portanto, está numa proporção, pelo menos, 10 vezes maior (!) que o PIB mundial, US$
66 trilhões.
Porém, ele não imaginou que o capitalismo chegasse a este ponto exposto nos
gráficos, ou ao predomínio de era do capital produtor de juros, ou um século XXI do e
para o capital… Portanto, considerava essas crises “do dinheiro” (D-D´) relativas, como
de fato eram. O domínio da indústria sobre os intermediários, as finanças, era para ele a
forma própria do capitalismo maduro; e morreu antes de ver a centralização e
concentração dos capitais parirem o Imperialismo, estudado por Lenin. Ao agregar,
quem deu a melhor resposta ao pós-1970, neste caso, foi Kurz, teórico limitado na quase
totalidade das questões centrais, mas um gênio neste ponto específico. Aqui, por soma
dialética dos três teóricos, generalizamos e aperfeiçoamos a contribuição deste último.
Ao contrário do que pode imaginar uma reflexão simples, para o Capital isto é uma
anormalidade normal, uma necessidade. Não se trata de um câncer instalado “contra o
setor produtivo", com pensam keynesianos e alguns marxistas, mas uma condição vital
para o próprio desenvolvimento da indústria e do comércio em nossa era. Ou isso ou
colapso do sistema. Agora, temos uma crise de inúmeras dimensões (ambiental, do
Estado, etc.), incluso estas três: inflação montanhosa do capital produtor de juros,
superprodução crônica e comercialização total; ou seja, amadurecimento excessivo,
como que senil, do sistema.
Sintoma vital da crise sistêmica, encontramos uma grande pista e contribuição dos
historiadores econômicos: o endividamento – neste caso, das classes dominantes –
cumpriu o papel de aprofundar a crise final dos sistemas escravista e feudal. Por
exemplo, ajudando a pavimentar o caminho do capitalismo, o senhor do feudo oferecia
suas terras como garantia de pagamento dos créditos recebidos7. No atual modo de
produção, esse processo – aqui, endividamento geral – apresenta-se e repete-se ao
mesmo tempo de modo particular, acentuado e ímpar. Ernst Lohoff e Norbert Trenkle
expressam como isso ocorre hoje:
6
Marx, K. Capital, Volume III. Londres: Penguin Classics, 1991.
7
Marx, O Capital I, p. 579, explica: “Basta, aqui, uma simples alusão a formas híbridas, em que o mais-
valor não se extrai do produtor por coerção direta e que tampouco apresentam a subordinação formal
do produtor ao capital. Nesses casos, o capital ainda não se apoderou diretamente do processo de
trabalho. Ao lado dos produtores independentes, que exercem seus trabalhos artesanais ou cultivam a
terra de modo tradicional, patriarcal, surge o usurário ou o comerciante, o capital usurário ou comercial,
que os suga parasitariamente. O predomínio dessa forma de exploração numa sociedade exclui o modo
de produção capitalista, ao mesmo tempo que, como na Baixa Idade Média, pode servir de transição
para ele. Por último, como mostra o exemplo do trabalho domiciliar moderno, certas formas híbridas
são reproduzidas aqui e ali na retaguarda da grande indústria, mesmo que com uma fisionomia
completamente alterada.” “A luta de classes no mundo antigo, por exemplo, apresenta-se
fundamentalmente sob a forma de uma luta entre credores e devedores e conclui-se, em Roma, com a
ruína do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média, a luta tem fim com a
derrocada do devedor feudal, que perde seu poder político juntamente com sua base econômica.
Entretanto, a forma-dinheiro – e a relação entre credor e devedor possui a forma de uma relação
monetária – reflete aqui apenas o antagonismo entre condições econômicas de existência mais
profundas.” (O Capital I, Boitempo, p. 209.)
“A crise que acabamos de descrever tem sido encoberta pela enorme expansão dos
mercados financeiros ao longo de décadas. Ao nível do sistema, a acumulação de capital
ganhou força após as crises da década de 1970; desse modo, a economia mundial
conseguiu começar a crescer novamente. Esse crescimento, porém, não foi acionado
pela produção efetiva de valor por meio do emprego de força de trabalho, mas por meio
do aumento explosivo de capital no setor financeiro. À medida que aí circularam mais e
mais títulos de propriedade (dívidas, ações, derivativos, etc.), teve continuidade uma
prestidigitação que consiste em fazer aparecer no presente um valor futuro, ou seja, em
transformar um valor que, na verdade, não foi ainda produzido e que, talvez, não venha
a ser nunca produzido, em riqueza abstrata atual.”
“Mas essa reprodução do capital por meio da antecipação de valor, a qual já há
muito tempo atingiu proporções astronômicas, entrou em crise. Ainda que o aumento
constante nos títulos de propriedade, sem o qual o capitalismo já não pode mais
sobreviver, esteja acontecendo da mesma forma que sempre, ou melhor, esteja até
mesmo ganhando velocidade, isso ocorre porque um impulso está sendo dado pelos
governos e, sobretudo, pelos bancos centrais.”
(…)
“Da mesma forma que o keynesianismo apoiou a expansão da produção industrial
de massa, o neoliberalismo se tornou o padrinho da “indústria financeira”. É uma ironia
da história que, simultaneamente, tenha propiciado o irromper da terceira revolução
industrial. Esta, por si mesma, teria se sufocado devido à sua própria produtividade.
Mas a acumulação de capital fictício criou um espaço de acumulação que era necessário
para uma ampla instalação de tecnologia da informação. Assim, apelando à valorização
futura, foi possível conter temporariamente os efeitos de uma racionalização poderosa
que provoca um deslocamento maciço do trabalho vivo dos setores em que ocorre a real
valorização do valor. O resultado desse processo, no entanto, vem a ser uma erosão
progressiva da produção de valor, a qual realmente só se torna visível agora, em sua
escala completa, na crise do capital fictício.”8
Marx percebeu que a elevação da composição orgânica do capital, custo maior com
as coisas produtivas relativo ao custo com humanos operários ou demissão destes,
empurra à queda tendencial da taxa de lucro, em médio prazo afetando a massa de lucro;
isto é contratendenciado relativamente por mecanismos como a financeirização, ou seja,
um recurso conjuntural que se torna estrutural dada a taxa baixa de nossa época. Os
fatores do salto para si serão debatidos ao longo do livro. Por hora, antecipamos o peso
do desenvolvimento técnico nesta mudança permitindo, por exemplo, uma forma de
dinheiro fluida para o atual modo de domínio do capital produtor de juros. Desta
realidade, a marxista Virgília Fontes destaca em seus textos, palestras e entrevistas o
controle das condições sociais de produção, expresso na liquidez (trocabilidade) e
mobilidade do capital-dinheiro, hiperconcetrado em poucas mãos, ao lado e acima do
controle dos meios de produção.
Em direta ligação com maior usufruto dos juros, a elevação do comércio foi
presente nas crises sistêmicas das sociedades não mercantis. A elevação mundial do
mercado atual, saturada ao sobrelimite pelo crédito e mercantilização de quase todos os
aspectos da vida, desta economia mercadológica, anuncia o Ragnarök.
Embora lhe faltasse teorizar em total, Marx intuiu:
8
Como os bancos centrais são transformados em “bad banks”; Entrevista dada a Reinhard Jellen.
Tradução da versão em inglês feita por Joe Keady do original em alemão. A entrevista foi publicada
originalmente na revista Telepolis em 1º de agosto de 2012.
Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação
excessiva no comércio, é só porque o processo de reprodução, elástico por natureza, se
distende até o limite extremo, o que sucede em virtude de grande parte do capital social
ser aplicada por não proprietários dele, que empreendem de maneira bem diversa do
proprietário que opera considerando receoso os limites de seu capital. Isto apenas
ressalta que a valorização do capital fundada no caráter antinômico da produção
capitalista só até certo ponto permite o desenvolvimento efetivo, livre, e na
realidade constitui entrave à produção, limite imanente que o sistema de crédito
rompe de maneira incessante. Assim, este acelera o desenvolvimento material das
forças produtivas e a formação do mercado mundial, e levar até certo nível esses
fatores, bases materiais da nova forma de produção, é a tarefa histórica do modo
capitalista de produção. Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas
dessa contradição, as crises, e, em consequência, os elementos dissolventes do
antigo modo de produção.
O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente, de um lado,
desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela
exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de
especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a
riqueza social; de outro, constitui a forma de passagem para novo modo de
produção. É essa ambivalência que dá aos mais eminentes arautos do crédito, de Law a
Isaac Péreire, o caráter híbrido e atraente de escroques e profetas. (O Capital III,
Volume 5, Civilização Brasileira, 2008, p. 588; grifos nossos.)
O CONCRETO EM LATÊNCIA
A) Ciclos de era
O capital, em sua permanente inter-relação, desenvolveu três centros de
gravidade (dialética central-orbitante) durante seu desenvolvimento interno, que agora
caminha para a fase final de decadência, sua senilidade. As três partes constitutivas de
uma única totalidade, em nossa época, evoluíram imensamente, como de suas
9
Assim como os setores financeiros e comerciais, o setor de serviços não produz valor e mais-valor.
tendências naturais. Sempre que um centro de gravidade beirava certo ápice-crise,
ocorria o deslocamento, graças as suas interinfluências e interdependências.
A dialética, por esta análise, aponta para a fusão: fim da relação alienada entre os
capitais e de suas autonomizações relativas; a isto chamamos, por abstração, concreto
em latência. Quando Lenin insiste, em “Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo”,
em levantar a tendência à fusão dos capitais bancário e produtivo, observa, em verdade,
o futuro e a lei do capitalismo. Os setores bancário, produtivo e comercial tendem –
permanentemente, hoje – à união, confluência e integração; ou seja: concentração e
centralização. Basicamente, o valor10 faz este chamado contra a concorrência, a lei da
tendência à queda do lucro e a incômoda classe trabalhadora. E a este mesmo chamado
respondemos e percebemos: a fusão total de capitais, fim da relação e domínio alienados
entre eles, só será possível com a destruição do capital, com a revolução socialista
planetária, com o fim do comércio, com a extinção do trabalho manual e assalariado,
com democracia operária e socialista, com economia planejada e propriedade coletiva.
Então: de um concreto simples, do central capital-mercadoria, avançou-se para a relação
alienada ou abstrata, o capital industrial ou centralidade do capital-produtivo, e hoje
pretende a integração não-alienada ou, dito de outra forma, fase imperialista que
alcançará seu objetivo pela negação, pela revolução mundial.
Neste sentido, parece-nos, o desenvolvimento do valor-capital finalmente encontrou
um limite. Por isso, a manifestação da crise em um dos elementos cada vez mais
integrados atua na prática como dispositivo revelador da crise em plena gestação nas
outras esferas, e inicia-se uma espiral. Essa integração das coisas se expressa, uma
bomba-relógio, no complexo sistema de empréstimos e dívidas que os grandes bancos
possuem uns com os outros; e em outros fatores vitais do sistema, como debateremos a
seguir. Porém, o capitalismo não cairá apenas por velhice avançada; há a possibilidade
de manobra relativa, de ainda mais concentração e centralização, incluindo maior
controle sobre o capital comercial e da área de serviços e maior independência da
produção em relação à parte da matéria-prima. Tal hipótese só será possível após
duríssima luta de classes, com derrota do proletariado, com instauração de relações
semi-escravistas.
B) Interestados
Assim como a fase final do império-economia romana, para fins de comparação, o
mundo e as relações entre estados-nacionais serão cada vez mais instáveis e sob
dificuldade de estabelecer um centro de gravidade do poder. Em profundidade, isso
ocorre pela necessidade de superação da contradição economia mundial/fronteiras
10
Caso seja o contanto inicial com a economia política marxista: o valor é uma relação social, uma
substância social – não natural – da mercadoria, ou seja, numa relação mercantil; exemplos: uma casa é
trocável, e compensa, por certa quantidade de sofás, digamos oito – e por quê? A casa e os sofás
exigiram certa proporção de esforço humano (medido de modo inexato pelo tempo); os esforços
conjuntos para produzir oito sofás equivalem ao de produzir uma casa. Certa montanhosa quantidade
de canetas é trocável por uma Ferrari. Existe um sentido de proporção. O valor de troca preço é a
manifestação inexata e inconstante do valor, da substância social, a essência – são interligados e
interdependentes, mas diferentes. O valor é um ser social gerado pelo trabalho manual humano, que
gasta e transfere energia corpórea, medido, com inexatidão, pelo tempo médio socialmente necessário
para produzir e reproduzir uma mercadoria. Já a aparência, preço, é alterável até mesmo pelo humor
diário do comerciante. Noutros modos de produção, o valor e o comércio eram fenômenos paralelos;
coube ao capitalismo fundar a produção material como produção de valor. A mercadoria tem duplo
caráter, duplas natureza e característica: valor de uso e valor (este, na aparência de valor de troca).
nacionais (Trotsky11). A tentativa de implementação da ALCA, a instalação de projetos
como o Mercosul, com sua instabilidade, e a União Europeia/Euro etc. demonstram o
mesmo processo – necessidade de integração, do concreto. Como boa parte da realidade
possui duplo caráter, vemos que se destaca o aspecto negativo, o domínio do
imperialismo alemão na UE, por exemplo, e todas as consequências que isso gera; por
outro, o lado positivo aparece de forma frágil ou latente: maior integração interna, no
exemplo da Europa; possibilidades mais vivas de internacionalismo proletário;
tendência a uma reação em cadeia fortalecida em caso de revolução socialista vitoriosa,
facilitando a Revolução Permanente, ou seja, a internacionalização da revolução e da
economia planejada.
Na percepção dialética, o duplo caráter tem não raro um polo estrutural e outro
conjuntural. O conjuntural pode dominar, controlar a realidade e impor-se sobre o
aspecto estrutural – mas não indefinidamente. A religião, por exemplo, foi um
fenômeno progressivo na antiguidade para compreender o mundo, embora com
limitações; já nas sociedades de classes a religiosidade revela todo seu caráter estrutural,
alienante e mistificador. O produto tem, nas relações mercantis, valor de uso e Valor;
em nossa época o valor domina – portanto: a tarefa socialista é superar o conjuntural, o
fim do comércio como mediação produção-produto-consumo. Na mesma lógica,
forçado pelas tendências a sua destruição, o capital gera, por exemplo, “zonas” para a
livre circulação de mercadorias, incluso as mercadorias-pessoas (estes: apenas, quando e
se se movem enquanto mercadorias). O Euro e a União Europeia são, vistos desse
modo, reacionários e progressivos, negativos e positivos12; onde o conjuntural do polo,
do duplo caráter, predomina sobre o estrutural, sobre o futuro – nega-o e encaminha-o.
Os Estados Unidos Socialistas da Europa são mais necessários do que nunca. Na
Idade Média a Europa desconhecia fronteiras, nações, nacionalidades, etc. Os habitantes
desse continente viam-se como “o mundo cristão” e tinham em comum a história, o
Latim, a Igreja Romana, o sistema feudal, etc. De fato, era uma massa única,
homogênea e de particularidades internas pouco definidas – chamemos concreto ou
concreto simples. Imediatamente após, a burguesia inicia sua tarefa de formar países,
Estados-nacionais, exércitos regulares, fronteiras definidas, nacionalismo, identidade,
impostos unificados, etc.: a Europa continua Europa, entretanto suas partes separam-se
em uma “relação alienada” ou “relação, porém alienada” e isto foi vital para
desenvolvimento das partes e do todo; chamemos abstrato. Este processo desenvolveu
as partes, os países do mundo europeu, assim como suas interconexões, a tal ponto que
amadureceram e agora (!) pedem fusão, integração, união e superação dos limites
nacionais; este é o concreto complexo em latência, ou seja, o desenvolvimento
econômico-social avisa-nos que deseja voltar ao começo, ao negado, ao antes do
abstrato, ao concreto só que de modo diferente, superior, superante. Isso aponta a
revolução socialista europeia: o Euro e a União Europeia são mediações, deformantes,
propostas pelo capital e pelo imperialismo, para essa necessidade objetiva.
11
“O que foi a guerra imperialista? Foi a revolta das forças produtivas não apenas contra as formas de
propriedade da burguesia, mas também contra as fronteiras dos Estados capitalistas. A guerra
imperialista expressou o fato de que as forças produtivas estão insuportavelmente constrangidas com o
confinamento dos Estados nacionais. Nós sempre dissemos que o capitalismo é incapaz de controlar as
forças produtivas e que somente o socialismo é capaz de incorporar as forças produtivas que superam
as fronteiras dos Estados capitalistas com uma entidade econômica superior. Todos os caminhos que
levam de volta ao Estado isolado foram bloqueados.” (Minutas, Sétima Plenária do CIEC, discurso de
Trotsky, p. 100.)
12
Em dialética, negativo e positivo afasta-se de juízo de valor. Em resumo, o positivo é o “o que é”; o
negativo, o que tende a ser. O positivo é negado.
A produção e a circulação ganham maior dinâmica, superam barreiras contra a
fluidez das coisas. Esse é um fenômeno global. A facilidade com que os capitais se
movem de país a país desde a década de 1970, desde a desregulamentação financeira, se
nos revela uma lei – o capital cada vez menos possui pátria.
C) Da produção à mercadoria
Em nossa época, a relação valor de uso e valor tem produzido um novo fenômeno;
ao dominar o duplo caráter da mercadoria, o valor consegue uma façanha nova: os
valores de uso tendem a desprender-se do suporte. Ilustraremos: quantos objetos das
décadas de 1980 e 1990 cabem hoje em um único e pequeno aparelho? Quantas
utilidades, por meio de aplicativos, podem haver em um celular? Mesmo simples
produtos naturais, como fruta transformável em suco pode ser substituído por um pó
químico que simula o sabor/cheiro do produto – valor de uso – original. Isso ocorre pelo
que explicamos, a supremacia do valor, mas não somente.
O que descrevemos anteriormente manifesta uma necessidade de valorização do
valor, que tende a desaparecer. Esse substantivado protagonista da sociedade gera a
forma, ou seja, o capital – e pode haver contradição nessa relação. Neste caso: o
desenvolvimento dos capitais tende a encerrar a relação “valor gerado pelo trabalho
abstrato, geral, medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a
reprodução de uma mercadoria”. Ou seja, o capital caminha para a) diminuição
constante do tempo necessário para criar um produto; b) substituição do trabalhador ou
trabalho vivo, que agrega/gera valor na produção, pelo maquinário e matéria-prima ou
trabalho morto, que não pode ser explorado e, por isso, apenas transfere valor. Do ponto
de vista das consequências: tendência a mais valores-de-uso, a menores valores (de
troca, mediado pela monopolização) e, principalmente, menor mais-valor e taxa de
lucro. Então, revelou-se uma contradição importantíssima: a relação valor-capital,
conteúdo-forma, resolvida com mais contradição, com concentração/centralização de
capitais, com mais tecnologia, com fragilização do valor de uso ou tempo útil das
mercadorias (obsolescência programada, tendência exposta por Mészaros), com
desprendimento dos valores de uso do suporte e, ao mesmo tempo, tendência a reuni-los
em um só: no subterrâneo, extração cada vez mais concentrada do trabalho não pago, o
mais-valor.
Sobre essa tendência, vejamos o trecho de uma matéria:
Por incluir cereais não maltados – como milho e arroz – nas cervejas, a Ambev
defendeu a prática e disse que ela é positiva para o mercado cervejeiro. A fabricante é
dona de marcas como Skol, Brahma e Antarctica.
13
http://extra.globo.com/noticias/economia/cerveja-brasileira-tem-45-de-milho-no-lugar-da-cevada-
aponta-estudo-12306727.html#ixzz4O1qq7KoA
"O mundo seria muito chato se todas as cervejas fossem iguais", disse o diretor-
geral da empresa (…) referindo-se às cervejas que levam apenas água, lúpulo e malte
em sua composição. "Quem é contra arroz, milho e outras misturas na cerveja é contra
a diversidade", declarou.14
14
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/10/21/ambev-apoia-milho-e-arroz-na-cerveja-
muito-chato-se-todas-fossem-iguais.htm
Podemos exemplificar isso também por suas falhas. Microsoft e Sony possuem
uma guerra planetária por vendas e... por quem primeiro implementa novos valores de
uso em seus aparelhos. A corporação mais ousada nos lançamentos tem recebido, no
entanto, rejeição do público; e neste ziguezague medeiam:
A Sony havia cometido a mesma falha de tentativa com o console PS3. Tudo indica
um retorno futuro a esse objetivo; uma vez por fim vitoriosa essa meta, destruirá
capitais destinados à produção dos mesmos valores de uso de modo autônomo,
concentrando valor, e permitirá um salto de qualidade sobre a concorrência – diria o
filósofo, aos vencedores as batatas!
Do observado, formulamos um único trabalho abstrato para múltiplos valores de
uso; junto com a tendência ao monopólio, serve de base para formação de
multiempresas. Em longo prazo, a contradição prejudica o essencial ou valor como
consequência do duplo caráter, positivo-negativo. Assim, a tendência à concentração e
centralização de vários valores de uso apresenta-se como necessidade e afirmação do
valor, embora desemborque em uma negação, qual seja, a maior concentração e
centralização, com destruição de capital produtivo e aumento da composição orgânica
do capital, coloca em crise a essência-valor. Nesse sentido, a monopolização
contratendencia para contradição valor-de-troca elevado / valor em crise.
Aprofundada a natureza específica no próximo capítulo; tratamos de maneira mais
abstrata, neste parêntese, a autocontradição valor-capital, citada acima. Há um
movimento oposto entre valor e formas do capital; enquanto o primeiro tende a
definhar-se (isto visualizável pela redução do tempo socialmente necessário para
produzir uma mercadoria), o segundo, por outro lado, incha-se: capital fictício (ou seja,
desprendido do valor) hiperinflacionado, aumento do maquinário e matéria-prima na
produção (composição orgânica do capital e terceira revolução industrial), inflação de
monopólio, inchaço dos setores de serviço (bancário, comercial, etc. – extraem para si,
não produzem, o valor)16, empresas “zumbis”.
Listemos:
15
http://olhardigital.uol.com.br/games-e-consoles/noticia/microsoft-assume-erros-com-xbox-one-e-
promete-foco-em-jogos/41247
16
Quando Keynes conclui a necessidade de intervenção do Estado na economia, investimentos públicos
nas áreas produtivas onde o lucro não é imediato (e, por isso, de pouco interesse para a burguesia,
como hidrelétricas) e faz elogios indiretos à planificação (na França, entre 1950 e 1970, as estatais
faziam planificação, burguesa e burocrática); ele, sem que soubesse, por suas limitações teóricas-
metodológicas e de classe, expôs limites do valor-capital em autocontradição com suas formas.
1. Na produção, as fábricas automatizadas não produzem novo valor, seus preços
realizam os preços de custo e tiram lucro por meio do mais-valor extra (acima do
preço de custo e abaixo do preço médio de mercado).
2. O capital fictício lucra sem o correspondente investimento em produção real e
direto de valor.
3. O setor serviços, entre a produção e comércio, infla-se, extraindo parte do mais-
valor global para si.
4. O preço da terra e habitação – que, por suas naturezas, possuem preço sem
possuir valor – incha-se.
5. O dinheiro em excesso deixa de encontrar aplicação na economia real, como
capital-dinheiro na produção e comércio.
6. O dinheiro, tendo lastro indireto, perde parte de sua capacidade de medida e de
medir-se, estando em excesso, fazendo surgir uma camada de inflação artificial a
diminuir os salários reais e desregular as relações de concorrência por
produtividade17. Propomos leitura da nota de rodapé18.)
7. Infla-se um setor de assalariados cujo capital variável formal está por fora do
circuito de geração e realização de valor e mais-valor (bancos, fábricas e
comércio).
17
Em Mèszários e Kurz podemos encontrar tais afirmações, não sendo novidade.
18
A tendência mais geral e íntima do capitalismo é a deflação. No entanto, na atual etapa, alguns
produtos já podem ser apenas produtos desprovidos de preço, caso tentássemos o socialismo. Por isso,
o dinheiro um tanto desregulado, sem hiperinflação tem algum valor capitalista em geral (podendo ser
ruim a alguns setores, como os bancos, ao verem a desvalorização da moeda, sua capacidade compra
com a mesma quantidade). Tanto a deflação quanto a hiperinflação são sinônimos de crise econômica e
política, mas podem, desregulando as relações entre setores econômicos, ser positivos a alguns: a
hiperinflação ajuda a burguesia comercial e grande parte da produtiva, a deflação ajuda a burguesia
financeira. Mas há limites e isso é da conjuntura, limitado no tempo: tal continuidade só poderia
significar o colapso de um país, após prejuízos a todos os setores e classes, ou a revolução social. Então,
como os governos podem medir e pensar intervenções para influenciar – não determinar – a dinâmica?
Medem informal e inconscientemente a relação dinheiro e seu lastro (debateremos em outro capítulo)
pela relação de preços postos e, se for coerente e científico, lastreando a causa dos desequilíbrios.
Hiperinflação do Brasil na década de 1980: a produção de mercadorias, de valor, não atendia a demanda
geral e isto se expressou na forma fenomênica, verdadeira e falsa, na aparência de excesso de dinheiro
relativo ao de mercadorias no mercado (ou seja, se abstrairmos a fonte real, a produção, tal como fazem
os economistas); logo, mudar a moeda ou seu nome de nada adiantaria, nem em si a quantidade desta
(dispor mais ou menos), nem o aumento dos salários (neste caso, política correta: gatilho salarial,
aumentar os salários automaticamente com o aumento dos preços). Vejamos outra forma de
desregulamentação, uma aparencial, para vermos a relação de medida: Na economia em crescimento
regular, o governo dispõe dinheiro em excesso e isto, após um tempo de circulação da moeda, se revela
numa inflação alta (muita oferta de dinheiro relativo à demanda); o governo “perdeu a mão” da medida
e pode, então, forçar a retirada de parte do dinheiro em circulação. Assim, sob codições normais, pode a
experiência encontrar as proporções. Com o capital fictício e outros fatores ainda não debatidos, o
Estado tende a perder sua capacidade de intervir.
Esta contradição do valor com sua forma, capital, apresentada pela (hiper)inflação
global deste em absoluto e relativo em relação ao definhamento daquele, apresenta outra
forma particular em nível micro. Força social, mas imaterial e abstrata, o valor sempre
procurou impor-se e subverter o “mundo das coisas” e o “mundo da vida” em uma
relação necessariamente contraditória: sua força e proporção são maiores quanto
maiores e mais rápidos forem os desgastes das máquinas, das pessoas, dos animais, da
natureza etc. Destruir o mundo material, sensível, é seu objetivo e sua impossibilidade.
O resultado dessa contradição na totalidade está na massa ampliada de capital e capital
fictício durante a crise do valor. Partamos da conclusão filosófica de Marx –
suprassensível no sensível – para o concreto, para o exemplo: se há três fábricas
concorrentes, se uma dentre elas é capaz de acelerar o maquinário, se por isso acelera o
trabalho humano, se consegue fazer o mesmo número de operários trabalhar mais e por
mais tempo, então há maior desgaste do maquinário e dos trabalhadores em troca de
geração maior de valor, de mercadorias e em menor tempo; o tempo de trabalho altera-
se em relação às duas outras fábricas concorrentes, o processo de circulação de capital
no processo de produção de valor durante um ano diferencia-se. Já no total, no geral,
este desgaste acelerado permite maior lucro e maior possibilidade de acúmulo de
capital, de ampliar o maquinário ou o uso do existente, de fundir empreendimentos, etc.
O processo de decadência expresso nos parágrafos anteriores adquire, como
consequência, uma forma particular no comércio, onde o valor se autorrealiza. O valor
precisa estar “grudado” na mercadoria, uma imaterialidade necessitante de
materialidade, uma abstração real dependente do concreto, o espírito do produto-
mercadoria; mas, na medida em que os valores de uso tomam a forma mais abstrata
possível, deslocam-se e desprendem-se do suporte, fundem-se em um só suporte,
colocam, portanto, o valor em armadilhas, em ainda maior crise de si. Para
visualizarmos; várias mercadorias tendem a se tornarem tão somente produtos – por
vias legais ou ilegais, pois os Estado burguês precisa ajudar o capital –, na proporção
em que a digitalização19 permite acesso gratuito, fácil, abundante e eficiente de muitas
das necessidades humanas20. Somado e acima disso, obtemos a tendência à
superprodução crônica, não cíclica, tema do próximo capítulo.
Como não poderia deixar de ser, este processo – integração de valores de uso –
também ocorre com a principal mercadoria, o homem enquanto força de trabalho,
enquanto coisa e capital variável encarnado. A busca por currículos amplos, recheados
de pequenos e médios cursos e especializações, com experiência em muitos setores é
condição para obter um mero emprego precário. Temos o trabalhador multiuso.
Comum, contratado para uma função, cumprir outras três ao mesmo tempo. Concreto
em latência; este fenômeno expressa de modo invertido e degenerado a tendência do
trabalho no socialismo: “ao passo que, na sociedade comunista, onde cada um não tem
um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe
agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de
19
“O valor, se desconsideramos sua expressão meramente simbólica nos signos de valor, existe apenas
num valor de uso, numa coisa. (O próprio homem, considerado como mera existência de força de
trabalho, é um objeto natural, uma coisa, embora uma coisa viva, autoconsciente, sendo o próprio
trabalho a exteriorização material dessa força.) Por isso, a perda do valor de uso implica a perda do
valor. Com a perda de seu valor de uso, os meios de produção não perdem, ao mesmo tempo, seu valor,
uma vez que, por meio do processo de trabalho, eles só perdem a figura originária de seu valor de uso
para, no produto, ganhar a figura de outro valor de uso.” (O capital I, Boitempo, p. 280)
20
Marx, início do primeiro capítulo d’O Capital I: “A mercadoria é, antes de mais, um objecto exterior,
uma coisa, que, por meio das suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A
natureza dessas necessidades, quer surjam, p. ex., do estômago ou da fantasia, em nada modifica a
questão.”
hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à
criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade, sem
que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou crítico.” (Marx, A Ideologia
Alemã, p. 38, Boitempo, versão digital.) Por outro lado e ao mesmo tempo, a elevação
do desemprego e do subemprego, subclasse dos desempregados21, também se revela
como modo inverso-danoso da tendência à elevação do tempo livre no socialismo.
Nos países atrasados, desprovidos de investimento em novas tecnologias, a
totalidade desse processo foi estimulada pelas crises “financeiras”, onde a alta abrupta
de juros, impulsionadas pelo FMI, aprofundando ou gerando crise, na intenção de atrair
o capital especulativo, destruíram e destroem parte significativa das empresas em
desvantagem, “fordistas” e não internacionalizadas.
Na produção, o concreto-abstrato assim se manifesta: 1) ciclo do capital mercantil:
produção artesanal, cooperação e, por transição, manufatura; 2) ciclo do capital
industrial: grande indústria; 3) capital portador de juros: fordismo; 4. salto para si:
terceira revolução industrial (concreto em latência)22.
Para irmos ao tópico seguinte, comentaremos outra tendência: a relativa fusão
mercadoria-arte, mercadoria-estética, o valor de uso como valor também poético. Dos
tipos de carro aos tipos de lâmina de barbear, quem mais paga (valor de troca) possui
acesso a um valor de uso mais belo – na relação concreto-abstrato, mais trabalho
concreto exige mais tempo, ou seja, maior valor (isto quando abstraído a automação23).
Tal processo está lastreado, por evidente, na divisão de classe e busca por diferenciação
social ao mesmo tempo em que a concorrência generaliza essa tendência para todas as
mercadorias e públicos. A produção fordista e a II revolução industrial focavam na
21
Trotsky, O Marxismo Em Nosso Tempo: “O exército industrial de reserva constitui um componente
indispensável do mecanismo social do capitalismo, tanto quanto a reserva de máquinas e de matérias-
primas nas fábricas ou de produtos manufaturados nos depósitos. Nem a expansão geral da produção
nem a adaptação do capital à maré periódica do ciclo industrial seriam possíveis sem uma reserva de
força de trabalho. Da tendência geral da evolução capitalista — o aumento do capital constante
(máquinas e matérias-primas) às custas do capital variável (força de trabalho) — Marx tira esta
conclusão:”
“Quanto maior é a riqueza social/... / tanto maior é o exército industrial de reserva /.../. Quanto maior é
a massa de superpopulação consolidada /.../ tanto maior é o pauperismo oficial. Esta é a lei geral e
absoluta da acumulação capitalista”.
“Esta tese — indissoluvelmente ligada à “teoria da miséria crescente” e denunciada durante muito
tempo como “exagerada”, “tendenciosa” e “demagógica” — transformou-se agora na imagem teórica
irrepreensível das coisas tais como elas são. O atual exército de desempregados já não pode ser
considerado como um “exército de reserva”, pois sua massa fundamental já não pode ter esperança
nenhuma de voltar a se ocupar; pelo contrário, está destinada a ser engrossada por uma afluência
constante de desempregados adicionais. A desintegração do capital trouxe consigo toda uma geração de
jovens que nunca tiveram um emprego e que não têm esperança nenhuma de consegui-lo. Esta nova
subclasse entre o proletariado e o semiproletariado é obrigada a viver às custas da sociedade. Calcula-se
que ao longo de nove anos (1930-1938) o desemprego privou a economia dos Estados Unidos de mais
de 43 milhões de anos de trabalho humano. Se considerarmos que em 1929, no auge da prosperidade,
havia dois milhões de desempregados nos Estados Unidos e que durante esses nove anos o número de
trabalhadores potenciais aumentou em até cinco milhões, o número total de anos de trabalho humano
perdido deve ser incomparavelmente maior. Um regime social atacado por semelhante praga está
doente de morte. O diagnóstico exato dessa doença foi feito há cerca de oitenta anos, quando a própria
doença se encontrava latente.” Fonte:
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/marxismo/cap01.htm#i10
22
Ver primeiro comentário do capítulo “Comentários Sobre a Dialética Materialista”.
23
Mesmo neste caso, o tempo de produção, sem tempo de trabalho do trabalhador, e os custos com
matéria-prima tendem a ser maiores. Também muda relativamente a relação oferta-demanda sobre o
preço.
quantidade, na escala, o que exigia uma produção por demais uniforme. Hoje, a
flexibilidade e a microeletrônica na produção dos bens de consumo facilitam – muito,
como consequência e causa – esse processo; assim, o método “dedicado” de produzir,
inflexível e rígido, ver-se em uma desvantagem relativa, abrindo espaço para a III
revolução industrial. O toyotismo faz parte do mesmo processo. Mas logo percebemos
essa poética na mercadoria como a poética alienada, das coisas, sustentada no
embrutecimento e coisificação dos homens24. O trabalho sobre a forma física da
mercadoria permite: 1) vencer concorrência, facilitar a venda; 2) economizar o uso de
matérias-primas; 3) eventualmente, facilitar a produção.25
Na maior fragilidade dos valores de uso (Mèszáros: taxa decrescente do valor de
uso) o lucro extra também pode surgir por meio de produtos semelhantes, mas
diferenciados quanto à qualidade do material, a resistência. Os custos de produção são
maiores, elevando o preço em condições normais (preço=valor, algo acidental), ao lado
do preço alterado por movimento em parte específico de demanda e oferta. Tais
produtos próximos diferenciados pela resistência influenciam-se mutualmente, afetando
os preços.
O marxismo ainda deve continuar a estudar a mercadoria, ao lado dos fatores mais
globais. Em complemento; diferente dos livros I e II, o capital III, ao ir ao concreto,
demonstra a não correspondência exata entre valor e valor de troca. Isto ajuda a clarear
a questão. Reforçamos; quando há produção de bolsa para “madame”, aí há um dos
fatores, ou os dois: 1) melhor feito, exigindo mais trabalho concreto e mais tempo; 2) a
relação demanda-oferta altera-se. Não são os mesmos tipos de produto, para os
assalariados e os aristocráticos: há uma divisão de classe sendo afirmada no valor de uso
e no valor (de troca). Marx examina a categoria mercadoria no início geral de sua obra;
nesta, procuramos conectar o livro I d’O Capital com o III.
24
O fetiche ou feitiço da mercadoria, exposta por Marx no final do capítulo 1 d’O Capital I, ocorre
quando relações sociais aparecem como relações entre coisas, intercâmbio de coisas, impessoais.
Derivado da teoria da alienação; os objetos, gerados pelo e separados do ser humano, possuem um
poder fantasmagórico ao dominarem os rumos e desejos do homem. Opera-se a arte “mágica” do
controle e engano das percepções; e a própria sociedade “do mercado”, com esse espírito chamado
valor, faz-se supor natural, não social. É a real metafísica. Nesta inversão, o dinheiro torna-se o
apaixonante cobiçado, um pouco mais que nada sendo tudo. Assim, os nossos sonhos são os sonhos do
capital, o grande narcísico. “Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; e quem amar a abundância
nunca se fartará da renda; também isto é vaidade” (Eclesiastes 5:10). O senso comum na esquerda
chama fetiche o consumismo, marca de empresa na blusa etc. Aqui, podemos resolver esta contradição:
o significado exposto pelo senso comum não é fetiche, embora seja. Os objetos, sob o capital, exercem
uma atração hipnótica real, por isso isto é parte da alienação e fetiche da mercadoria. Enquanto a
alienação ocorre e corresponde a todas as esferas sociais, a partir da produção; o fetiche, sendo
derivado e particular forma, ocorre na circulação. Com as mudanças do pós-1970, também do modo
debatido no próximo capítulo, o processo de humanização das coisas (fetiche) na medida da coisificação
dos homens e suas inter-relações continuou-se. A relativa fusão mercadoria-arte, expresso no valor de
uso “poético”, gera o desenvolvimento do ofício design de produto, design industrial, além de
propaganda audiovisual intensificada desde a TV, internet etc. A mercadoria ganha sensibilidade
enquanto o homem a perde; o consumo muda, molda, o consumidor (também) em um nível subjetivo –
nos desumanizamos em busca dessas relações sensíveis com objetos. Este objetivo processo, poder da
criatura sobre o criador, é inevitável na sociedade capitalista.
25
“Design não é arte, como definimos arte. Considero uma coisa orgânica no sentido social, cultural e
econômico. Não considero uma coisa especial. As pessoas veem coisas que fiz e não sabem que fui eu e
eu acho ótimo. A busca da perfeição é o caminho do design.” Alexandre Wollner, designer gráfico.
“Proporcionar satisfação às pessoas nas coisas que eles forçosamente devem usar é uma das grandes
tarefas do design.“ William Morris. “O engenheiro trabalha com o quilômetro, o arquiteto com o metro,
o designer com o centímetro.” Tomas Maldonado, designer.
Uma dentre as expressões do “valor de uso poético” está na mercadoria capital
constante: estabelecimentos, máquinas etc. As fábricas foram embelezadas, quando
quase sempre sombrias e sujas, enquanto modo de disfarçar a divisão interna de classes,
ou sua natureza real. É possível visitar fábricas com bibliotecas incríveis, em casos mais
simples.26
A mercadoria guarda em si uma unidade contraditória, o duplo caráter de ter valor e
valor de uso. O atual perfil do sistema fragiliza o valor de uso e seu suporte e prepara,
ao mesmo tempo, uma rebelião, o fim do valor. Isto obriga a economia marxista a
observar esta contradição em sua forma atual e pensar o valor de uso à parte dessa
relação.
A desmaterialização das mercadorias (e do capital, segundo Carcanholo), ocorre: 1)
absoluta: pela desmaterialização do valor de uso; 2) relativa, de dois modos: a) pela
simplificação de seus componentes constitutivos, b) pela redução do tamanho. O
processo dessas duas reduções, relativa e absoluta, que podem ocorrem paralelamente e
confluídas, caminha para a desmaterialização total da mercadoria se suas características
particulares o permitem. Uma geladeira pode modernizar-se no aspecto relativo, mas
costuma ser indesejável sua redução de tamanho; o computador, por outro lado, tende a
reduzir os tamanhos relativos e absolutos, tendendo à futura forma abstrata.
Extraímos três resultados da tendência à redução da mercadoria, podendo ocorrer
de modo combinado:
1. Reduzir os custos com matérias-primas;
Isto surge por diferentes meios: a) a mesma quantidade de matéria-prima produz mais
valores de uso; b) deixa-se de usar alguns materiais ou na mesma proporção; c) alguns
custos de matérias-primas axuliares podem ser relativamente reduzidas; d) redução
relativa dos custos de estocagem.
26
Caso de uma fábrica de biscoitos do Ceará, conforme me relataram alunos de técnico em
administração (IFPI) após visita ao estabelecimento.
O estudo da integração dos capitais foca, em geral, a fusão entre o capital
industrial e financeiro, sob liderança deste último. Destaquemos o processo desde o
comércio:
27
Muitos desses serviços, desde a urbanização e elevação da demanda, elevaram-se sem a
correspondente elevação técnica da produtividade. Assim, crescem em quantidade e em número de
assalariados, pequenos patrões e trabalhadores autônomos; inexistindo, portanto, grande ou
importante concentração e centralização de capitais em parte desta área. Ou, em alguns casos, está na
dificuldade de subordinar de modo permanente e estável uma rede de assalariados a impossibilidade de
gerar uma grande burguesia em alguns serviços.
relações alienadas fazendo surgir necessidades artificiais (exemplo: grandes empresas
religiosas – estão dentro e fora da economia e da superestrutura28).
A “Internet das Coisas” se refere a uma revolução tecnológica que tem como
objetivo conectar os itens usados do dia a dia à rede mundial de computadores. Cada
vez mais surgem eletrodomésticos, meios de transporte e até mesmo tênis, roupas e
maçanetas conectadas à Internet e a outros dispositivos, como computadores e
smartphones.
A ideia de conectar objetos é discutida desde 1991, quando a conexão TCP/IP e a
Internet que conhecemos hoje começou a se popularizar. Bill Joy, cofundador da Sun
Microsystems, pensou sobre a conexão de Device para Device (D2D), tipo de ligação
que faz parte de um conceito maior, o de “várias webs”.
(…)
A limitação de tempo e da rotina fará com que as pessoas se conectem à Internet de
outras maneiras. Segundo Ashton, assim, será possível acumular dados do movimento
de nossos corpos com uma precisão muito maior do que as informações de hoje. Com
esses registros, se conseguirá reduzir, otimizar e economizar recursos naturais e
energéticos, por exemplo. Para o especialista, essa revolução será maior do que o
próprio desenvolvimento do mundo online que conhecemos hoje.
O protótipo Mobii, que está sendo desenvolvido pela Ford e pela Intel, pretende
reinventar o interior dos automóveis. Ao entrar em um carro com essa tecnologia, uma
câmera vai fazer o reconhecimento do rosto do motorista, a fim de oferecer informações
sobre seu cotidiano, recomendar músicas e receber orientações para acionar o mapa com
GPS.
Se o sistema não reconhecer a pessoa, ele tira uma foto e manda as informações
para o celular do dono, evitando furtos. Esse é um exemplo de um carro dentro de um
ambiente da Internet das Coisas, com acessórios online e agindo de maneira inteligente.
Outro exemplo de aplicação da Internet das Coisas, envolve uma parceria da
fabricante de elevadores Thyssenkrupp com a Microsoft. Juntas, as empresa
desenvolveram um sistema inteligente e online para monitorar os elevadores através de
call centers e técnicos. O software funciona em grandes redes de computadores de mesa
e portais, além de rodar em um app para tablets com Windows.
(…)
Dell, Intel e Samsung, por exemplo, se uniram em julho deste ano exatamente para
padronizar as conexões, em um grupo chamado Open Interconnect Consortium (OIC).
Eles pretendem criar um protocolo comum para garantir o bom funcionamento da
conexão entre os mais variados dispositivos. Wi-Fi, Bluetooth e NFC serão recursos
desenvolvidos pela organização. Fazem parte do consórcio também a Atmel, empresa
28
No Brasil: desde a década de 1970, o megaempresário Edir Macedo criou uma forte franquia de seita
religiosa, A Universal do Reino de Deus, hoje multinacional, sustentada na teologia da prosperidade, ou
seja, do “Deus seja louvado” impresso no dinheiro… Assim, acumulou capital para outros investimentos,
como um canal de TV.
de microcontroladores; a Broadcom, de soluções de comunicação com e sem fio; e
Wind River, de software e tecnologia embarcada.29
Hoje, a internet conecta o mundo e, servindo ao capital e sob ele, facilita de modo
latente o internacionalismo proletário – terá serventia máxima ao e no socialismo. Em
um sistema decadente tendendo à barbárie não se pode garantir um uso de fato
produtivo e progressista das novas tecnologias, ou seja, podem ser usadas para controle
humano.
Sobre, Marx e Engels expunham no Manifesto:
F) O dinheiro
31
Iniciamos a abstração pelo século XVI, pelas grandes navegações; portanto, o dinheiro antes e em
outros sistemas não nos interessa aqui. Fumo, conchas, aguardente, açúcar, etc. foram usados como
dinheiro no triângulo comercial Portugal-Brasil-África.
32
Essa desigualdade (temporal) da forma dos dinheiros nacionais e mundial, o ritmo descompassado de
suas mudanças, é tendencialmente reduzida quanto mais evoluído está o capitalismo.
33
http://carcanholo.nuevaradio.org/?p=40
A desmaterialização da forma como aparece a riqueza capitalista, uma enorme
coleção de mercadorias, tem no dinheiro sua expressão especial e participante do
processo.
A que se deve isto? A questão que se nos apresenta é: por que destas duas leis? Ora,
o capítulo I d’O Capital I demonstra o Valor e a construção da “mercadoria das
mercadorias” por um caminho: a relação conteúdo-forma: quanto mais tipos, mais fluxo
e mais troca de mercadorias (conteúdo) existentes – ou seja, quanto mais complexo e
ativo o movimento delas – cada vez faz mais necessário destacar um elemento
específico do conteúdo, elevá-lo, para que sirva de equivalente geral (forma). Assim
surge o sal como meio de troca; depois, ouro; depois, o dinheiro-papel. O conteúdo –
percebe a dialética –, neste caso, o mundo das mercadorias, possui características
inerentes, quais sejam, tendência ao movimento, à instabilidade, à mudança, ao novo, à
não-conservação. Por outro lado, fruto da contradição interna do conteúdo, a forma
também possui singularidades: tende a conservar, à estabilidade e constância. Como o
conteúdo, a forma tem duplo caráter: progressivo na media em que conserva conquistas,
consolida etapas; regressivo na medida em que tende ao conservadorismo, à
estabilidade, a entrar em importante contradição com as necessidades novas do
conteúdo. Portanto, pode haver contradição ente o conteúdo e a forma, que é superada –
cedo ou tarde – a favor conteúdo, fazendo surgir uma forma nova. Assim como a massa
transforma-se em energia quando na velocidade da luz ao quadrado (E=MC²), o
dinheiro adquire massa no seu processo de aceleração histórica para em diante ir
tendendo à desmaterialização, à forma abstrata…34
O dinheiro em geral, seja qual for sua forma física, ainda possui lastro, que não é
mais a mercadoria-ouro, mas o conjunto das mercadorias35. Assim, o dinheiro recebido
representa idealmente o possível acesso a outras mercadorias, e mede-se assim; o valor
expresso no dinheiro é determinado por sua capacidade de prover acesso a valores de
uso, pois “todo linho no mercado vale como se fosse um artigo único, sendo cada peça
apenas uma parte alíquota desse todo. E, de fato, também o valor de cada braça
individual é apenas a materialidade da mesma quantidade socialmente determinada de
trabalho humano de mesmo tipo” (Marx, p. 181). Ou seja, mede-se o lastro por sua
proporção com essa substância geral, com o conjunto do valor por meio da
possibilidade de acesso a outros valores de uso – o valor expresso no dinheiro é relativo
ao valor geral, na manifestação fenomênica M-D-M (mercadoria-dinheiro-
mercadoria)36.
O dinheiro mundial também é lastreado pelo conjunto das mercadorias ou, mais
exatamente, pelo conjunto do valor. O fato de este ser o dólar expressa um fator
histórico: os EUA produzem e consomem parte significativa das mercadorias de todo o
mundo; natural, por conseguinte, que o lastro-valor agarre-se a esta moeda – o domínio
militar garantidor desta ordem é consequência37. O controle da Alemanha sobre o Euro
34
Em analogia, D-M-D' na macroeconomia capitalista, equivale, sob várias perspectivas, ao E=MC² para
a física moderna.
35
Hilferding desenvolve uma resposta satisfatória à questão, não sendo nosso foco.
36
“Nós não éramos imbecis ao ponto de tentar fazer uma moeda [lastreada em] ouro, do qual nada
possuímos, mas para cada marco que era emitido nós exigíamos um marco de valor de trabalho feito ou
de bens produzidos… Nós ríamos das ocasiões em que nossos financistas nacionais apregoavam que o
valor de uma moeda é regulado pelo ouro e pelos títulos do tesouro jazendo nos cofres do Banco
Central.” A. Hitler, citado em “Hitler’s Monetary System”, www.rense.com, citando C. C. Veith em
“Citadels of Chaos” (Meador, 1949).
37
Esta consequência desenvolve ares de causa. Este caráter duplo relaciona-se com a decadência do
império norteamericano. O dólar como dinheiro e reserva internacional, além de manter o nível
consumo sustentado no deficit comercial, permite manter seu poderoso aparato militar em todo o
possui o mesmo motivo. A industrialização e urbanização da China (Imperialismo Sui
Generis), pela mesma razão, coloca em decadência esta realidade. Como percebemos, o
equivalente geral expressa a realidade em sua forma física. O melhor exemplo do lastro
é a mercadoria mais importante e cobiçada do mundo, o petróleo, na medida em que o
império americano há muito garante, com diplomacia e ameaça, a compra internacional
de ouro negro apenas por meio de sua moeda, processo batizado “petrodólares”38.
Outro modo de demonstrar o lastro do dólar percebe-se quando os EUA emitem
moeda para "compensar" seu deficit na balança comercial, mantendo o nível de
consumo interno. Assim, ao emitir de maneira "artificial" a moeda, o Banco Central
força, de fato, o lastro-mercadoria; essa manobra gera inflação nos países exportadores
para aquele, ou seja, a desvalorização da moeda nacional, um acréscimo relativo de
fragilidade no lastro. Surge, por isso, da contradição inter-moedas, uma série de
vantagens em momentos de prosperidade e contradições sociais e políticas em
momentos de crise.
Já o dinheiro virtual é lastreado, por enquanto, no… papel-moeda. Tal lastro é
garantido informalmente por 1) cálculo dos bancos do quanto lhes será exigido de
dinheiro físico e quanto pode gerar dinheiro em bits; 2) depósito compulsório que as
instituições financeiras são obrigas fazer ao banco central. Quando se paga no cartão de
crédito supõe-se que esse pagamento é substituível por papel pintado, que os bits são
transformáveis em dinheiro tão logo o suporte-cartão entre em contato com o banco,
com o caixa-eletrônico. De acordo com o debatido, o dinheiro virtualizado também
tende a perder seu lastro, tende a desprender-se do dinheiro-papel. Neste sentido aponta
a matéria a seguir, sobre a moeda da Suécia (junto com os demais países nórdicos, um
histórico laboratório experimental da burguesia39):
mundo. Por isso, interessantíssimo o fato de algo tornar-se sua própria negação: a produtividade e
consumo nos EUA permitiu sua moeda torna-se a forma do dinheiro mundial; mas isso abriu caminho
para a desindustrialização futura e entrada facilitada do capital-mercadoria, com o nível de consumo
controlando a luta de classes interna.
38
Desde a Guerra do Iraque, é quase uma sabedoria popular a importância do petróleo para o
capitalismo, fonte de energia e matéria-prima para a indústria (plástico etc.). Seu preço tem repercussão
vital sobre os demais preços.
39
Ricos, longe de países instáveis e subdesenvolvidos, população reduzida e isolantes invernos rigorosos
são parte das bases de “testes históricos sob controle”.
pagamentos ainda são feitos em dinheiro”, acrescenta Nilervail, que destaca os
avanços dos vizinhos nórdicos, Noruega e Dinamarca, na mesma direção.”
(…)
“Até nos quiosque de flores do bairro de Odenplan, no centro da capital, um aviso
foi colado: “Preferência para pagamentos em cartão”. Feirantes e ambulantes também
se adaptam à tendência e trabalham equipados com leitores portáteis de cartões.”40
“Os principais bancos da Suécia vêm simplesmente parando de lidar com cédulas
e moedas: cerca de 75% de suas agências já operam sem dinheiro – com a única
exceção do Svenska Handelsbanken.” 41
O lastro do dinheiro virtual em relação ao físico tende a se perder, além dos fatores
expostos, pelos seguintes movimentos imediatos:
1. A demanda por dinheiro leva aos bancos à tenderem, à tentação de, negligenciar
o lastro informal, a relação entre bits e a possibilidade de saques desse dinheiro em
forma física;
2. Tendência – em parte derivada do ponto 1 – a não depositar a porcentagem que
de fato lhe cabe ao banco central, escondendo a real contabilidade;43
40
Site: UOL Notícias.
41
Idem.
42
Idem.
43
Portanto, afirmar que dinheiro “virtual” é dinheiro falso é limitado real e teoricamente. Se cumpre o
papel do dinheiro – medida dos valores, meio de compra, meio de pagamento, entesouramento e
mercadoria capital-dinheiro –, é dinheiro. Na teoria, no campo ideal, é conhecido que a busca da
verdade se dá por aproximações, com uma conclusão partindo de outra e aperfeiçoando a anterior,
sendo cada vez mais verdade, mais próxima da verdade. Com o dinheiro virtual ocorre o mesmo
processo, no campo material, de ser cada vez mais realidade, cada vez mais real, cada vez mais
verdadeiro e cada vez mais substituto do dinheiro “físico”. Dinheiro é seu conteúdo, sua natureza; as
formas de que se vale para ser são transitórias. O mesmo não se pode afirmar sobre pirâmides
financeiras como o bitcoins, sendo a possibilidade de irem de dinheiro falso ou fictício a real apenas uma
possibilidade, não necessidade dada (a tese do dinheiro fictício parece pertencer, em primeiro, a
Eleutério Prado). Estas operações são fictícias porque perdem relação direta com o trabalho, são D-D’.
Destes, agregamos:
Por isso, pela quantidade e intensificação, o ouro foi necessário como equivalente
geral, expressão do valor, por suas características físicas e por seu valor em uma etapa
específica de complexidade, do fluxo de mercadorias. Mas pela mesma razão – as
características físicas – tornou-se uma forma atrasada, lenta, para poder seguir o
conteúdo, a evolução do capitalismo, ou seja, o cada vez mais intensivo e extensivo
mercado. Esta é a explicação geral para a lei da tendência à desmaterialização do
dinheiro. O valor-capital domina cada poro do mundo, progressivamente, como se
assim, dominador protagonista, cada vez mais fácil fosse expressar seu quase-ser na
forma-equivalente geral.
Karl Marx, embora não tenha percebido isto com clareza, presenteia-nos ele mesmo
com a tese:
“Título de ouro e substância de ouro, conteúdo nominal e conteúdo real iniciam seu
processo de separação. (…) Se o próprio curso do dinheiro separa o conteúdo real da
moeda de seu conteúdo nominal, sua existência metálica de sua existência funcional, ele
traz consigo, de modo latente, a possibilidade de substituir o dinheiro metálico por
moedas de outro material ou por símbolos. A dificuldades de cunhagem de moedas
muito pequenas de ouro ou prata e a circunstância de que metais inferiores foram
originalmente usados como medida de valor no lugar dos metais de maior valor – prata
em vez de ouro, cobre em vez de prata – e desse modo, circulam até ser destronados
pelos metais mais preciosos, esclarecem historicamente o papel das moedas de prata e
cobre como substituta das moedas de ouro. Tais metais substituem ouro naquelas
esferas da circulação das mercadorias em que a moeda circula com mais rapidez e, por
isso, inutiliza-se de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão
continuamente de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão
continuamente numa escala muito pequena.” (O capita I, p. 199)
"O ouro, como meio de circulação, diverge do ouro como padrão dos preços e,
com isso, deixa também de ser o equivalente efetivo das mercadorias, cujos preços ele
realiza. A história dessas confusões forma a história monetária da Idade Média e da
época moderna até o século XVIII. A tendência natural-espontânea do processo de
circulação de transformar o ser-ouro [Goldsein] da moeda em aparência de ouro ou de
converter a moeda num símbolo de seu conteúdo metálico oficial é reconhecida pelas
leis mais modernas que fixam o grau de perda do metal suficiente para invalidar ou
desmonetizar uma moeda de ouro." (p. 267, O Capital I.)
46
Da fetichização e alienação; o dinheiro parece dar sentido e valor às mercadorias quando, em
essência, a produção e mercadorias dão vida e sentido de ser ao equivalente geral. É uma inversão na
aparência. O dinheiro é deificado, elevado à categoria de Deus.
precisa de um pouco mais do que muita liberdade para cumprir sua missão, seu desejo,
sua tara, seu valor que se valoriza e seu dinheiro em busca de mais dinheiro.
Do mesmo modo, percebemos, dinheiro = ouro representa e é típico do
mercantilismo, do capitalismo mercantil (século XVI ao XVIII); dinheiro = moeda com
lastro em ouro ou prata deriva do ciclo de era industrial do capitalismo, da revolução
industrial (século XVIII ao final do XIX); dinheiro = lastro no conjunto das mercadorias
representa a atual fase, o capitalismo imperialista, financeiro. Basta-nos observar alguns
fatos: o lastro em ouro fora rompido nas moedas nacionais com a I Guerra Mundial,
anjo anunciador da fase imperialista; desde então, o lastro foi descartado e as tentativas
de retorná-lo foram teórico e empiricamente abandonados. No mesmo sentido, por
dificuldade em manter quantias de metais em circulação (guerras, escassez do metal,
alta circulação de mercadorias, superinflação, etc.), em meados do século XVIII,
Estados e bancos utilizaram moedas em papel ou em metal não-nobre para representar
quantias em estoque possíveis de acumular – antes, estas formas conversíveis eram
embrionárias47.
Percebe-se: a fase ou o ciclo de era, e tudo quanto esta abstração conceitual
representa, determina o modo como o dinheiro encarna-se no mundo; claro também está
que não é uma determinação mecânica, mas é uma determinação ainda; a desigualdade
evolutiva e certos zigue-zagues acidentais apenas demonstram o quanto cada um desses
três momentos históricos do capital acaba impondo-se, fazendo valer a sua vontade.
No entanto, as formas-suportes passadas do dinheiro não podem ser superadas em
absoluto – guardam alguma utilidade, alguma função. Quando o capitalismo emperra e
sofre por gastrite da superprodução, da crise, o ouro e prata passam a ter um papel um
pouco mais relevante (transferência de investimentos em ações para estas commoditys,
comércios específicos, custeio em conflitos miliares derivados – aliás – da crise, etc.);
mas nunca passará de um papel auxiliar, pois não representam em absoluto as
necessidades do valor e da intensa circulação de mercadorias. É como quando, ao trocar
de marcha para o necessário avanço do carro, o motorista ver-se forçado a desacelerar
um pouco, mas apenas para preparar um avanço novo; a lei da tendência à
desmaterialização do dinheiro é irrealizável, mas irresistível – quando o capitalismo
adoece por seu próprio câncer, ver-se obrigado a praticar alguns hábitos já superados, da
infância, mas apenas enquanto novos aparelhos não resolvem seus problemas. É a
dialética da descontinuidade na continuidade. Não apenas o ouro, também o escambo48
47
Isto é uma lei histórica: no início da década de 1970, a desmoralizante guerra do Vietnã, revoluções
permitirem 1/3 da humanidade sob relações não capitalistas, a crise (manifestação do deslocamento, da
crise sistêmica, que tratamos aqui e no capítulo seguinte) e o renascimento de outros imperialismos
(alemão, japonês, francês, etc.), com esses fatores estimulando a troca de dólar por ouro em enormes
proporções, serviu de base para que os EUA rompesse o padrão ouro.
48
Há polêmica sobre o papel desta forma de troca na história. Marx demonstra o surgimento do
dinheiro na necessidade da relação impessoal entre comunidades antigas. Porém, para haver dinheiro é
preciso haver comércio, ou seja, relação impessoal. Não o contrário. Refere-se à forma simples,
escambo, enquanto ocasional, acidental (n’O Capital: “forma simples, individual ou ocasional”). Os
primeiros e raros contatos de troca eram instáveis, antes de se estabelecer formas mais elaboradas e
estáveis de comercialização. As exposições lógica e histórica dos processos são complementares,
embora com diferenças, sendo níveis de abstração do próprio real. Essa troca simples deu base para a
troca da mesma mercadoria por variadas outras, em certas proporções quantitativas, seguida pela
possibilidade e necessidade de elevar uma mercadoria à condição de equivalente geral (sal, ouro etc.),
dando origem à forma preço. A maior parte do processo, do simples ao complexo, pode-se dar com
muita velocidade. Por isso, fica evidente: o contato inicial ou primeiro entre duas comunidades, na
troca, dar-se produto por produto (o trabalho científico ocorre também paralelo e ao lado do empírico,
e outras mediações superadas pela história apresentam-se mais fortes em momentos de
crise, mas apenas comprovam seus papéis secundários, velhos demais para
representarem Romeu e Julieta49.
Em resumo, dois fatores atuam na mudança da forma do dinheiro:
1. A quantidade de trocas;
2. A velocidade dessas trocas.
pois busca o lógico em dois sentidos: um, estruturação e argumentação lógica consistente; dois,
descobrir a lógica do próprio objeto, do processo).
49
“Lixo pode ser dinheiro, embora dinheiro não seja lixo”, diz Marx. Em 2016:
“Cuba propôs um jeito pouco convencional de pagar sua dívida multimilionária com a República Tcheca.
Ofereceu quitar o débito com garrafas de seu famoso rum.”
“Cuba deve aproximadamente R$ 900 milhões aos checos. Se a oferta for aceita, os tchecos terão o
suficiente para consumir a bebida por mais de um século.”
“Praga, contudo, já sinalizou que prefere receber parte da dívida em dinheiro. O débito remonta à época
da Guerra Fria, quando a então Tchecoslováquia fazia parte do bloco comunista.”
“Os cubanos alegam que têm pouco dinheiro, mas rum de sobra - por isso levaram adiante essa
proposta peculiar.”
“Mas a República Tcheca está disposta a negociar. Aceita receber parte do débito com o rum e também
com produtos farmacêuticos cubanos. No caso dos remédios, no entanto, há um entrave por não
contarem com certificação da União Europeia.”
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38339328?
agindo como a pena que, posta num dos pratos oscilantes da balança, inclina-a a seu
favor, o que se explica em circunstâncias em que qualquer excesso numa ou noutra
direção é decisivo. Sem esses motivos seria totalmente incompreensível que uma evasão
de ouro de 5 a 8 milhões de libras esterlinas, e esse é o máximo até hoje verificado pela
experiência, pudesse ter qualquer efeito importante; essa ínfima quantidade de capital,
acrescentada ou subtraída, que se patenteia insignificante mesmo em face dos 70
milhões de libras esterlinas em ouro que em média circulam na Inglaterra, é grandeza
evanescente numa produção com o volume da inglesa. Mas é o próprio
desenvolvimento do sistema de crédito e bancário que leva todo capital-dinheiro a
pôr-se a serviço da produção (ou, o que dá no mesmo, todo rendimento monetário
a converter-se em capital) e que em certa fase do ciclo reduz o encaixe metálico a
um mínimo que não lhe permite mais preencher as funções que lhe cabem; é esse
sistema de crédito e bancário desenvolvido que gera essa sensibilidade exagerada
de todo o organismo. Em estádios menos desenvolvidos de produção, relativamente
não importa que acresçam ou decresçam as reservas metálicas, comparadas com a
média. Por outro lado, mesmo evasão considerável de ouro não tem repercussão
relativa, se não sucede no período crítico do ciclo industrial.
(…)
Abstraímos ainda da função do encaixe metálico, de garantir a conversibilidade dos
bilhetes de banco, e a de ser o eixo de todo o sistema de crédito. O Banco Central é o
eixo do sistema de crédito. E o encaixe metálico é o eixo do Banco. No livro primeiro,
capítulo III, ao estudar o meio de pagamento, mostramos que o sistema de crédito
inevitavelmente vira sistema monetário. Tanto Tooke quanto Loyd-Overstone admitem
que são necessários os maiores sacrifícios de riqueza real para manter nos momentos
críticos a base metálica. A divergência se reduz à dosagem, maior ou menor, e ao
tratamento mais ou menos racional, do inevitável. Reconhece-se que o eixo do sistema
é certa quantidade de metal, insignificante se comparada com a totalidade da
produção. Se tiramos a ilustração terrificante que a crise nos dá desse eixo em
funcionamento, temos o delicioso dualismo teórico. Quando trata propriamente "do
capital", a economia racionalista olha o ouro e a prata com o maior desprezo,
considerando-os a forma na realidade menos importante e mais inútil do capital.
Quando trata do sistema bancário, tudo se inverte, e ouro e prata se tornam o
capital por excelência, e para conservá-los todas as outras formas de capital e de
trabalho devem ser sacrificadas. Mas que distingue ouro e prata das outras figuras
da riqueza? Não a magnitude do valor, pois esta se determina pela quantidade de
trabalho que nelas se corporifica, e sim a circunstância de esses metais serem
encarnações autônomas, expressões do caráter social da riqueza [a riqueza da
sociedade existe apenas como riqueza de indivíduos, proprietários privados dela.
Só evidencia seu caráter social pela troca de valores de uso qualitativamente
diversos, a qual esses indivíduos fazem entre si, para satisfazer as respectivas
necessidades. É o que na produção capitalista só podem conseguir por intermédio
do dinheiro. Assim, exclusivamente com a intervenção do dinheiro se realiza como
social a riqueza do indivíduo; é no dinheiro, em coisa, que se corporifica a
natureza social da riqueza. – F.E.]. A existência social da riqueza aparece em ser
de outro mundo, em coisa, objeto, mercadoria, ao lado e por fora dos elementos
reais da riqueza social. É fato que se esquece enquanto a produção flui. O crédito,
forma social também da riqueza, expulsa o dinheiro, usurpando-lhe a posição [para
marx-engels, dinheiro = ouro e prata. Comentário meu]. A confiança no caráter social
da produção dá à forma dinheiro dos produtos o aspecto de algo evanescente e ideal, de
mera representação. Mas, abalado o crédito - e essa fase sobrevém sempre no ciclo da
indústria moderna -, impõe-se então efetiva e bruscamente converter em dinheiro, em
ouro e prata, a riqueza real toda, exigência absurda, mas que decorre inevitável do
próprio sistema. E o total de ouro e prata para satisfazer essas necessidades imensas
atinge apenas a cifra de alguns milhões guardados nas casas-fortes do Banco. Nos
efeitos da evasão de ouro ressalta, portanto, contundente a circunstância de a produção
como produção social não se submeter efetivamente ao controle da sociedade: a forma
social da riqueza existe como coisa separada da riqueza. Esse aspecto do sistema
capitalista é comum aos sistemas anteriores de produção na medida em que se baseiam
no comércio de mercadorias e na troca entre particulares. Mas só nele toma a forma
mais terminante e mais grotesca da contradição absurda e do contrassenso, pois (1) no
sistema capitalista aboliu-se por completo a produção que gera valores de uso diretos,
destinados ao consumo imediato dos produtores, existindo a riqueza como processo
social expresso no entrosamento entre produção e circulação; (2) com o
desenvolvimento do sistema de crédito, a produção capitalista sem cessar
empenha-se em suprimir essa barreira metálica, esse limite, sincronicamente
material e fantástico50, à riqueza e ao movimento dela, mas acaba sempre
quebrando a cabeça contra esse obstáculo.
Na crise, pretende-se que todas as letras, todos os títulos e mercadorias sejam
conversíveis em dinheiro bancário, e todo esse dinheiro bancário, por sua vez, em ouro.
(…)
Mas não se deve esquecer que o dinheiro - na forma dos metais preciosos - constitui
o fulcro de que nunca se pode desprender, pela própria natureza, o sistema de crédito.
Demais, o sistema de crédito supõe o monopólio dos meios de produção sociais (na
forma de capital e propriedade fundiária) nas mãos de particulares, e é forma imanente
do modo capitalista de produção, além de ser a força-motriz de seu desenvolvimento
para a forma superior, a forma última possível.
(O Capital III, Civilização Brasileira. P. 758, 759, 760, 761 e 802. Grifos Nossos.)
pulso. Isso é o que promete a parceria entre a Swatch e a empresa de cartões de crédito Visa, na qual
viabiliza os pagamentos de compras através dos relógios da marca suíça, em substituição dos cartões
magnéticos. A previsão é que este sistema já esteja disponível no Brasil, Estados Unidos e Suíça no
começo do próximo ano, para os clientes da bandeira.”
“A tecnologia NFC (near-field communication: comunicação de campo próximo, na tradução livre) é a
que permite esta transação de dados. Este sistema estará presente, no modelo Swatch Bellamy, o
lançamento da marca para o próximo ano. O nome do relógio é uma homenagem ao escritor americano
Edward Bellamy, que em sua obra de 1888, intitulada “Looking Backward 2000-1887″, imaginava um
mundo “utópico” no qual o dinheiro era substituído por cartões de débito ou crédito.”
Fonte: http://www.watchtimebrasil.com.br/noticias/swatch-transforma-relogios-em-cartoes-de-
credito-89547/
52
Conquista da civilização capitalista quando madura, o banco central, banco dos bancos, generalizou-se
desde o século XIX. Mas, com a desregulamentação financeira, moedas unificadas (Euro) e a criação de
dinheiro virtual (processo de alavancagem, criação de moeda “do nada”) por bancos privados, temos
manifestações da deterioração dos BCs.
capitalismo: dos vales permitíveis das I e II revoluções industriais, com seus limites
inerentes, à contabilidade geral científica, rápida e precisa, na produção e distribuição
possível desde a III revolução tecnológica.
H) Salto para si
Como sugerido, a década de setenta abre uma série de mudanças dentro do último
ciclo de era (digitalização da forma-dinheiro, desprendimento e fusão de valores de uso
em um mesmo suporte, zonas de livre comércio etc.). O concreto, o socialismo, quer
impor-se; essa necessidade manifesta-se numa “relação alienada” ou “maior integração,
porém alienada” das partes da totalidade como tendência à fusão por superação da atual
realidade.
Em suma, na centralidade do comércio (fase I) o valor era um adjetivo
substantivado53, um substantivo; quando há o deslocamento para a produção (fase II),
revolução industrial, o valor torna-se/consolida-se substantivo concreto; em nossa época
(fase III), imperialista e de decadência do imperialismo (fase IV), quando o setor
bancário – em verdade: capital produtor de juros – torna-se centralizante, o valor deseja
ser um substantivo abstrato (o capital especulativo e a digitalização do dinheiro, por
53
Expressão de Carcanholo. No pré-século XVI, o valor era um uma característica, um adjetivo da
mercadoria.
ex.) ou um verbo que se faz carne (a robótica, por ex.) – embora impossível, parte de
sua crise.
A tendência ao concreto exacerba as contradições internas. Neste capítulo,
expomos o movimento geral, a tendência geral; esta possui inúmeras manifestações
concretas na realidade concreta (ONU54, FMI, Banco Mundial, Banco dos Brics,
Mercosul, etc.) e basta-nos, portanto, apontar aqui a centralidade disto na visão global.
A CRISE SISTÊMICA
Nesta obra, em seus capítulos iniciais, o leitor pode observar uma característica
comum dos três elementos acima apontados: desenvolvem-se, em qualitativa medida, de
maneira fictícia, ao modo de capitais fictícios, num capitalismo – cada vez mais – real
irreal. É o salto para si e o desenvolvimento colateral do sistema. E fundamentam em
versão inversa, um mundo invertido, as bases do socialismo provável.
DECADÊNCIA DO IMPERIALISMO: AUTOMAÇÃO/ROBÓTICA
Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A
ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária.
Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer
ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia
uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto
intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral.
Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da
eletricidade e, por último, ainda as de Mere Daprez.
Engels, Sobre Marx (discurso em seu enterro).
“Desde que o trabalho, na sua forma imediata, deixa de ser a fonte principal da
riqueza, o tempo de trabalho deixa, portanto, também de ser a medida do valor de
uso. O sobretrabalho das grandes massas deixou de ser a condição de desenvolvimento
da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns deixou de ser a condição do
desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano.”59 (MARX, 1978, p. 228 – grifo
nosso.)
58
Moraes Neto, Benedito. Século XX e trabalho industrial: Taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação
em debate. – São Paulo: Xamã, 2003. Pág. 61.
59
Idem.
60
Idem.
técnica amadureceu para a sociedade socialista, como a fruta avermelhada que ou é
colhida e degustada ou apodrecerá e cairá.
Resgatemos os ciclos de era. Pelo ponto de partida das fontes de energia, temos: 1)
Fase de centralidade do capital comercial equivale a moinhos de água e vento e a força
física humana e de animais como meios de energia para as ferramentas; 2) Fase de
centralidade do setor produtivo parte da máquina a vapor; 3) centralidade do capital
produtor de juros revela-se com a eletricidade e petróleo, motor a combustão; 4) o “salto
para si” da última fase ou colateral inicia e inicia-se, com as dificuldades inerentes do
sistema decadente, com a utilização da energia nuclear (além de fontes alternativas:
eólia, solar, etc.).
Em geral, essas renovações técnicas vieram desprovidas de uma profunda pré-
análise da rede de consequências sociais derivadas de suas aplicações práticas. Ao
inverter o quarto método, surge um novo embrião:
Las fuerzas productivas decaen mientras que las destructivas no dejan de crecer
bajo el boom económico
a inexistencia de una crisis como la del año 1929 en esta postguerra —es decir, de
un shock que conmueva a todo el mundo capitalista desde el centro a la periferia—, el
boom económico de los países imperialistas y de los más desarrollados del mundo
durante veinte años (a partir más o menos del año 1950), más la combinación de estos
elementos con un espectacular desarrollo tecnológico, llevaron al revisionismo a
levantar una nueva concepción económica antimarxista.
La misma sostiene, en primer lugar, que se ha abierto una nueva etapa, la
neocapitalista o neoimperialista que se diferencia de la imperialista definida por Lenin
61
http://exame.abril.com.br/ciencia/testes-confirmam-que-maquina-de-fusao-nuclear-alema-funciona/
O artigo publicado no Nature: http://www.nature.com/articles/ncomms13493
62
Mesmo redes limpas, baratas, descentralizadas e autônomas de energia – a exemplo das solares,
eólicas e, possível, hidrogênio – apenas poderão ser sabiamente usadas e generalizadas num sistema
voltado ao bem-estar do homem e do planeta.
como de decadencia total, de crisis crónica de la economía capitalista. Generalizando
abusivamente estos nuevos hechos, esta nueva corriente teórico–política acepta tanto la
teoría de los economistas burgueses como la de la burocracia y las traslada a nuestras
filas como una teoría económica al servicio de su capitulación a los aparatos
burocráticos.
La segunda revisión —la principal— es la afirmación de que en esta supuesta
nueva etapa las fuerzas productivas viven un colosal desarrollo, gracias al enorme
progreso tecnológico. Esta es una concepción anticlasista y antihumana, y justamente
la base de sustentación de los ideólogos del imperialismo.
Para los marxistas el desarrollo de las fuerzas productivas es una categoría
formada por tres elementos: el hombre, la técnica y la naturaleza. Y la principal fuerza
productiva es el hombre; concretamente la clase obrera, el campesinado y todos los
trabajadores. Por eso consideramos que el desarrollo técnico no es desarrollo de las
fuerzas productivas si no permite el enriquecimiento del hombre y de la naturaleza; es
decir, un mayor dominio de la naturaleza por parte del hombre, y de éste sobre su
sociedad.
La técnica —como también la ciencia y la educación— son fenómenos neutros que
se transforman en productivos o destructivos de acuerdo a la utilización clasista que se
les dé. La energía atómica es un colosal descubrimiento científico y técnico, pero
transformada en bomba atómica es una gran tragedia para la humanidad; nada tiene
que ver con el progreso de las fuerzas productivas sino con el de las fuerzas
destructivas. La ciencia y la técnica pueden originar el enriquecimiento del hombre —
desarrollar las fuerzas productivas— o la decadencia y destrucción del hombre.
Depende de su utilización; y su utilización depende de la clase que las tenga en sus
manos. Actualmente, el desarrollo de las fuerzas productivas no sólo está frenado por
la existencia del imperialismo y la propiedad privada capitalista, sino también por la
existencia de los estados nacionales, entre los que incluimos a los estados obreros
burocratizados. En la época de agonía del capitalismo estos estados nacionales
cumplen el mismo nefasto papel que los feudos en el período de transición del
feudalismo al capitalismo.
(…)
En esta postguerra hemos vista el colosal desarrollo de la industria armamentista,
es decir de las fuerzas destructivas de la sociedad, y también un desarrollo de la
técnica que ha llevado a un empobrecimiento del hombre, a una crisis de la humanidad,
a guerras crecientes y a un comienzo de destrucción de la naturaleza. El actual
desarrollo de la economía capitalista y burocrática tiene una tendencia creciente a la
destrucción del hombre y de la naturaleza humanizada. El análisis revisionista en este
punto es parcial y analítico, pues no define ni las consecuencias del desarrollo ni sus
tendencias.
(…)
Todos estos fenómenos han ido creando las condiciones para que la crisis,
paulatinamente, avanzara de la periferia al centro del sistema capitalista mundial y, a
partir de 1974, haya llegado ya a los países capitalistas avanzados y a los estados
obreros burocratizados. Su manifestación más evidente — no la causa sino los hechos
espectaculares que la indican — son la inflación creciente, la crisis en los precios del
petróleo y en el mercado mundial, la crisis del dólar y del sistema monetario
internacional, las alzas de los precios del oro, etcétera.63
63
https://www.marxists.org/espanol/moreno/actual/apt_2.htm#t14
Foquemos um pouco mais na questão.
Rosa Luxemburgo ofereceu uma atualização d'O Capital II: além dos setores I
(produção de meios de produção) e II (produção de meios de consumo), adicionou o III,
produção de meios de destruição (indústria bélica). Ficou conhecido como forças
destrutivas. A alemã costumou cometer acertos e erros de mesma origem: sua visão,
marxista e revolucionária, era desprovida de raciocínio dialético. Os setores I e II
podem também transformarem-se de parte das forças produtivas em forças destrutivas.
Isto ocorre na medida em que seus desenvolvimentos degeneram as forças produtivas
Homem e Natureza. Reforçamos exemplo típico: quando a ciência fica subordinada à
técnica, tornando inúteis as sementes após a segunda germinação.64
A técnica transforma-se de força produtiva em força destrutiva, salto de qualidade,
também pela própria e “mera” elevação de escala produtiva, pela acumulação. Esta
mudança quantitativa gera salto qualitativo quando, por exemplo, a elevação da
produtividade anual fica acima da capacidade de autorrenovação da natureza, de seu
metabolismo65. Isto de fato ocorre desde 1970. Vejamos exemplo:
64
Todo pensador é filho de sua época, suas contradições e das circunstâncias. Rosa assim teorizou ao
estilo “alemão” (de onde veio a influência alta do PS sobre a II Internacional): a Alemanha salta-se para a
fase imperialista com grande indústria bélica (setor III); a concepção da teórica de que o problema da
acumulação em escala ampliada se resolve por meio da exportação também mostra sua sintonia com a
“saída alemã”, o interesse daquele imperialismo em barganhar novos mercados e colônias. A Alemanha
de Luxemburgo não era a Alemanha de K. Marx: neste, o país era o mais atrasado da “grande Europa”,
necessitando de pensadores dignos das altas contradições internas e externas (assim com o perfil da
Rússia no início do século XX gerou os maiores intelectuais do século). Já aquela surge de uma Alemanha
erguida superando suas contradições, entre o velho e o novo, entre o avançado e o atrasado, pela “Via
Prussiana” ou “Revolução Passiva”, ou seja, pelo etapismo, gradualismo, gerando ilusão antidialética,
presente de modo informal na metodologia da revolucionária, produzindo “objetivismo”.
65
Portanto, o controle dos meios de produção no socialismo deverá fazer mais do que um
redistribuição, deve ir além da elevação do consumo geral. As formas de produzir, distribuir e consumir
deverão ser revolucionadas para o aumento do consumo universal ser menos, não mais, destrutivo dos
recursos da natureza.
66
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/07/1904278-ate-2-de-agosto-humanidade-tera-
consumido-todos-os-recursos-de-2017.shtml
As forças produtivas também se tornam destrutivas por impelirem ao uso das forças
destrutivas (setor III, produção bélica). Quando o desenvolvimento das forças de
produção geram contradições interestados, cujos principais exemplos na história são a I
e II guerras mundiais, quando pressupõe grandes conflitos armados, há esta
autometamorfose.
O setor III, destrutivo, por seu lado, pode ser relativamente – ou seja, em baixo grau
– construtivo67, na medida de seu impulso a renovações técnicas para os setores I e II.
Isto, porém, é limitado e mais limitado na crise estrutural-sistêmica, percebe Mèszáros,
pois: 1) seu desenvolvimento é desenvolvimento da capacidade de destruição; 2) seus
produtos têm por valor de uso destruir – o homem, a natureza, as coisas e seus próprios
produtos; 3) parte importante das renovações técnicas é inviável porque suas aplicações
não são lucrativas; 4) há montantes de pesquisas inúteis (caso do vaso sanitário
resistente à explosões atômicas68); 5) com a crise sistêmica, muitos investimentos são
inviáveis, mesmo quando desejáveis; 6) as forças produtivas tornam-se, em essência,
destrutivas. Mèszáros, inspirado por Rosa, demonstra o investimento neste setor
“improdutivo” como forma de enfrentar a surperprodução crônica tendencial, na medida
em que a construção de armamentos exige muitas peças, muitos valores de uso,
demanda sendo assim suprida artificialmente.
Do setor destrutivo em si, setor III, surge um novo fator: pela primeira vez, a
aplicação técnica da ciência na área militar pode causar destruição absoluta da
humanidade, não apenas relativa.
Ofereçamos ao debate teórico exemplo conjuntural, concreto. Os acordos
ambientais de maior importância focam na redução do estrago ambiental nos países do
“primeiro mundo”, pois são grandes poluentes, enquanto os “países em
desenvolvimento” podem evitar tal constrangimento de suas economias… Quando o
Governo Trump, tentando atrair o capital internacionalizado (tema de outro capítulo)
para seu país, rompe os acordos climáticos, encontra protesto duro das grandes
empresas poluentes e da grande poluidora China… A verdade sobre os tratados
ambientais é muito econômica: o capital internacionalizado encontrou um mecanismo
prático e ideológico para estimular a transferência das empresas aos países onde é mais
fácil extrair mais-valor (explorar), livrar-se de leis trabalhistas e voltadas ao meio
ambiente, cheios de recursos naturais, com novíssimo mercado consumidor potencial,
etc. Na possibilidade de extinção de nossa espécie, os grandes capitalistas encontram
novas oportunidades…
Nesta última fase do capitalismo, o dinheiro torna-se uma força destrutiva. E
destrutiva das próprias relações do capital. Das inúmeras manifestações, destacamos e
antecipamos: a busca por lucro degenera e destrói o Estado (dívidas públicas, etc.), a
natureza, os homens69, a qualidade da arte… e a própria base econômica em que se
sustenta. Voltemos a exemplos concretos e mais econômicos. O capital financeiro, os
investimentos internacionais especulativos e fictícios, tem a capacidade de formar
ataque especulativo sobre uma nação caso o novo governo não seja de seu agrado, não
desperte confiança “nos mercados”, retirando seus investimentos e, logo, alterando a
relação intermoedas no comércio internacional daquele país. Os keynesianos culpam as
67
Esta afirmação pode causar espanto, mas a ciência 1) é neutra em si, porém pode não o ser em seu
uso classista – e: o que aqui é destrutivo, amanhã pode ser usado em outros fatores; 2) precisa, a
ciência, no caso desta obra, produzir conclusões longe da necessidade de agradar paladares.
68
Citado em Para além do Capital, Mèszáros, editora Boitempo.
69
Veja-se a precarização, as doenças físicas típicas do capitalismo ou a depressão tendendo a ser a
principal causa de afastamento do trabalho. Ao longo da obra aprofundaremos.
crises pelo aumento dos juros em favor dos oportunistas bancos e contra a produção
enquanto o marxismo vê enquanto primeiro fenômeno de uma crise latente; porém, hoje
podemos enfim dar alguma razão à teoria burguesa, pois em muitos países há um grau
de desregulação tal que o capital a juros suga parasitalmente o país à revelia da
economia real (em outro capítulo falaremos da historicidade de tal processo). Enquanto
a taxa de lucro no setor produtivo é baixa e tende a decair, mesmo a queda dos juros (de
muitos bancos centrais chega a ser reduzido a zero), tornando o crédito, o dinheiro,
barato, os novos investimentos priorizam o mercado de ações, o capital fictício, as
bolhas especulativas cujas taxas imediatas são maiores.
E continuam:
capital, aumento da exploração, redução de impostos sobre capitais, etc.; ora se revela e ora sofre
resistência maior. “A tendência progressiva da taxa geral de lucro a cair é, portanto, apenas uma
expressão peculiar ao modo de produção capitalista para o desenvolvimento progressivo da força
produtiva social de trabalho. […] Como a massa de trabalho vivo empregado diminui sempre em relação
à massa de trabalho objetivado, posta por ele em movimento, isto é, o meio de produção consumido
produtivamente, assim também a parte desse trabalho vivo que não é paga e que se objetiva em mais-
valia tem de estar numa proporção sempre decrescente em relação ao volume de valor do capital global
empregado. Essa relação da massa de mais-valia com o valor do capital global empregado constitui,
porém, a taxa de lucro, que precisa, por isso, cair continuamente.” (MARX, 1985-1986, p. 164). “O
mesmo comércio exterior porém desenvolve no interior o modo de produção capitalista, e com isso a
diminuição do capital variável em relação ao constante, e produz, por outro lado, superprodução em
relação ao exterior, tendo por conseguinte, no decurso posterior, também o efeito contrário. E assim
mostrou-se, de modo geral, que as mesmas causas que acarretam a queda da taxa geral de lucro
provocam efeitos contrários, que inibem, retardam e em parte paralisam essa queda.” (MARX, 1985-
1986, p. 181). (K. Marx. O Capital: crítica da economia política. Livro III, volume I. 2. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1985-1986.) Marx descobre que uma operante tendência gera as próprias contratendências
internas, não externas, em sistemas complexos.
73
É o caso do Brasil.
contra estes: então o excesso de consumo gerará crise ambiental irreversível e, além
disso, um novo salto de elevação da oferta em relação à demanda – crise. Apenas se
pode resolver a contradição de uma parte do total funcionamento do sistema revelando,
acentuando e explodindo outras. Hoje, pode-se adotar e adota-se uma renda mínima aos
desempregados enquanto maneira de gerir e lumpenizar o numérico exército industrial
de reserva (subclasse dos desempregados); e revela – renda mínima de desemprego,
auxílio salário, Bolsa Família no Brasil etc. – um dos elementos da crise sistêmica,
análogo e comparável à política do “Pão e Circo” no escravista Império Romano em sua
decadência.
Isso, tendência à queda da taxa de lucro e permanente à crônica superprodução, se
manifesta – de 1700 a 2012 e, mais evidente e acentuado, de 1912 a 2012 – no
crescimento da produção mundial, da produtividade e da composição orgânica do
capital em proporção inversa ao rendimento do capital74:
7474
P. 456. Pikett.
75
Como liberal clássico, Piketty considera o capital como coisas, não processos sociais delimitados
historicamente – por meio das coisas. Apesar disso e considerado isso, seus dados nos servem com
alguma imprecisão, pois levam em conta todo tipo de atividade econômica. Também nos é uma forma
particular de ver em generalização.
No marxismo, avaliamos a taxa de lucro pelo setor industrial e, depois, agregamos o comercial. Piketty
considera toda e qualquer fonte de lucro, todo empreendimento. Este é o limite destes gráficos. No
próximo capítulo apresentaremos dados mais profundos sobre o tema.
Segundo Piketty, um tanto quanto contrariado, esse gráfico aponta “que o
rendimento líquido deduzido de impostos (e de perdas) caiu para apenas 1-1,5% por
ano ao longo do período 1913-1950 — ou seja, abaixo da taxa de crescimento. Essa
situação inédita se repetiu entre 1950 e 2012, considerando a taxa de crescimento
excepcionalmente alta” (p. 455). Um século de “situação inédita” (!), no mesmíssimo
momento de consolidação da fase imperialista…
76
O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; Guglielmo Carchedi; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
Enquanto o valor – custo – dos meios de produção tende a crescer (EUA)77:
77
O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; Guglielmo Carchedi; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
78
Composição técnica é o desenvolvimento do maquinário em si, sua capacidade, sua produtividade;
composição orgânica é expresso no valor, expresso no valor de troca preço, da máquina (e matéria-
prima). Ambos se definem relativo ao salário dos trabalhadores e a quantidade destes empregados. Em
certas circunstâncias, a composição técnica pode crescer ao lado de seu menor preço e menor relativo
ao número ou salário dos trabalhadores, ou seja, menor composição orgânica; no entanto, a tendência
geral é elevação de ambos.
79
“Não esqueçamos, caros ouvintes, que o atraso histórico é uma noção relativa. Se existem países
atrasados e avançados, há também uma ação recíproca entre eles. Há a opressão dos países avançados
sobre os retardatários, bem como a necessidade para os países atrasados de alcançar aqueles mais
adiantados, adquirir-lhes a técnica, a ciência etc. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento:
as características mais atrasadas se ligam à última palavra da técnica e do pensamento mundiais. Enfim,
os países historicamente atrasados são por vezes obrigados a ultrapassar os demais. A elasticidade da
consciência coletiva confere a possibilidade de conseguir, em certas condições, sobre a arena social, o
No século XVI, também antes, as nações com maior propriedade privada feudal
produziam excedentes, que eram vendidos no mercado local e mundial. Com o impulso
das navegações ao comércio, a Holanda torna-se a nação mais especializada no fluxo de
mercadorias. Isto estimulou sua produção, mas a especialidade mercantil e as relações
de propriedade colocavam barreiras à nação mais avançada à época.
Coube à Inglaterra superar este problema com maior maestria, por meio de seu
atraso. Em seu território havia presença elevada de terras comunais, de propriedade e
uso comum dos camponeses e das pequenas vilas. Esta relação com a propriedade da
terra, “atrasada” relativo à grande propriedade feudal, permitiu ao Estado incentivar o
roubo destas, transformando-as em grandes pastos, produtoras de matéria-prima e
desempregados nas cidades… Está oferecida a base para o desenvolvimento pleno da
manufatura: 1) trabalhadores livres – da terra, da propriedade e da dignidade; 2)
produção voltada ao comércio. Por este meio, deu-se a possibilidade da vitória do
capital sobre o trabalho, a I Revolução Industrial, final o século XVIII. Assim, a
Inglaterra domina a produção e a distribuição.
Com colonização voltada ao domicílio, e casa dos exilados europeus, os EUA
precisaram de duas guerras para avançar sobre seu atraso: independência colonial sobre
a Inglaterra e guerra civil contra a escravidão. Ainda assim, suas tentativas de
modernização produtiva – como as barreiras alfandegárias – esbarravam no fator
humano: os imigrantes, muitos perseguidos por posições sociais de vanguarda, tinham
diante de si terra vasta e ociosa, clima com o qual era íntimo e muito solo produtivo. Por
isso, era quase impossível ao industrial controlar o operário, discipliná-lo e precarizá-lo,
pois este buscava seu sustento de modo mais digno e autônomo possível. Vencendo o
atraso, ganhando dinâmica aos saltos, este país teve de investir em capital fixo, em
maquinário, para resolver este problema com mão-de-obra, o que permitiu salto na
produtividade – II Revolução Industrial. Na Europa, outro país a correr atrasado, a
Alemanha, também teve de acelerar-se por saltos (tendo limitações, em seguida, em
obter matéria-prima e mercados).
Após a II Guerra Mundial, mundo sob a tutela dos EUA, o Japão ver-se diante de
limites: com a derrota, tem menor demanda mundial e – por suas características –
interna. O aperfeiçoamento do fordismo para atender diferentes públicos e escala de
produção faz surgir o toyotismo, que projeta este país.
Neste mesmo período, Alemanha e Japão convivem com os Estados Operários
Deformados perto de si – um perdendo metade de seu território – e as condições
impostas pelo fim da guerra, com a supremacia ianque. Nestas duas nações dar-se
impulso inicial, e mais contínuo que nos EUA, pela implementação da automação e
robótica, da III revolução industrial.
Percebemos a impossibilidade de abstrairmos a luta de classes. Agora, veremos
setores produtivos e suas características particulares, indo mais ao abstrato.
É desigual a capacidade dos setores de evoluírem tecnicamente.
A construção civil ainda hoje tende a permanecer com a produção cooperada, pré-I
revolução industrial, por razão da própria atividade concreta exigida pelo valor de uso.
resultado que em psicologia individual se chama “compensação”. Pode-se afirmar, neste sentido, que a
Revolução de Outubro foi para os povos da Rússia um meio heroico de superar sua própria inferioridade
econômica e cultural.” (Conferência pronunciada por Leon Trotsky em 27 de novembro de 1932, em
Copenhague, Dinamarca. Este texto foi publicado na Revista Marxismo Vivo nº 16.)
80
O novo na dialética é expresso em categorias: 1) o novo por mudanças de quantidade para qualidade
– por acúmulo de mudanças ou por acúmulo de contradições, salto-ruptura; 2) o novo por combinação e
fusão de elementos diferentes, desenvolvimento desigual e combinado. Sobre isto, ver “Lógica Marxista
e Ciências Modernas”, Moreno.
Apenas com a III revolução produtiva, com as impressoras 3D, que produzem também
prédios, isto pode ser superado – por salto81.
A produção artesanal cooperada de carros, pré-I revolução técnica, mal pôde
evoluir com o taylorismo (controle gerencial das habilidades particulares do operário).
Precisou, por isso, dar um salto para a II revolução industrial, para o fordismo. No
entanto, a produção ainda permaneceu muito dependente das habilidades singulares dos
operadores – medir, calcular, encaixar etc. Enquanto parte significativa das fábricas
pôde ir da II para a III revolução industrial por mera substituição do movimento dos
trabalhadores pelo movimento de tipo novo de máquina, automação; a indústria
automotiva tem necessitado dar inteligência, habilidades, ao maquinário – a robótica.
81
A chamada IV revolução industrial nada mais é que o aprofundamento da III, tem a mesma natureza
qualitativa.
82
Cuatro tesis sobre la Colonización española y portuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
83
"a elevada rentabilidade do açúcar, produto de lavoura exclusivamente comercial, não permitia ao
lado dos canaviais a fixação da atividade criatória complementar, porquanto lhe diminuiria as áreas para
agricultura. A penetração do interior adveio como consequência." (2001, p. 28)
A partir de seus elementos desigualmente desenvolvidos, o salto dialético por sobre
o atraso na produção toma forma particular nas colônias de monocultura – do atraso
absoluto à combinação, sob função capitalista, de diferentes etapas históricas da
humanidade. Isto também explica seus atrasos e por que as contradições facilitam a
revolução socialista nestas nações, antes dos países adiantados.
CONTRADIÇÕES PRÓPRIAS
Tão logo a redução da jornada de trabalho – que cria a condição subjetiva para a
condensação do trabalho, ou seja, a capacidade do trabalhador de exteriorizar mais
força num tempo dado – passa a ser imposta por lei, a máquina se converte, nas mãos
do capitalista, no meio objetivo e sistematicamente aplicado de extrair mais trabalho
no mesmo período de tempo. Isso se dá de duas maneiras: pela aceleração da
velocidade das máquinas e pela ampliação da escala da maquinaria que deve ser
supervisionada pelo mesmo operário, ou do campo de trabalho deste último. (O capital
I, p. 484)
Estímulo maior não há. Para medirmos as consequências desse procedimento; mais
uma vez, Marx:
“[…] Elemento preponderante na formação piauiense, na medida em que concorreu para a integração
da área na obra de unidade nacional, apresentou sempre caráter de subsistência, limitando por isso
mesmo, as fronteiras econômicas aquém e além do Piauí” (SANTANA, 2001, p. 32.).
84
Mais evidente, a luta de classes interburguesa, interempresas, também cumpre esse papel.
85
Kurz foi quem primeiro apreendeu esta tendência, embora com impressionismo. Aliás, a teoria desse
autor é a base primeira das conclusões presentes neste capítulo.
automação impede a automação86. Essa autocontradição ocorre porque só poderemos
colocar as máquinas para trabalhar em todos os ramos, libertando o homem do trabalho
manual, por meio do socialismo. Incluso pelo barateamento individual da mercadoria
consumida pelo operário, em inúmeras circunstâncias, mais caro renovar a maquinaria a
contratar trabalhadores desprovidos de alternativa e dignidade. No mais, a simplificação
do trabalho, a substituição do trabalhador por máquinas, o aumento do número de
desempregados concorrendo por um emprego, o consumo permitindo aumento
populacional, a concentração urbana, a automação em setores não produtivos de
mercadorias, o fim do socialismo “real”, etc.: todos esses elementos fazem surgir uma
classe média assalariada precária e urbana87. Daí resulta a tendência já presente no
instinto classista e analítico da maioria: desemprego e redução de salários mais
quantidade maior de mercadorias disponíveis é igual a maior oferta em relação à
demanda (e mesmo que esta cresça88), a superprodução crônica. Portanto, há uma
tendência e uma contratendência, ora uma e ora outra se impondo, e alimentam-se
reciprocamente. Agregam-se as quedas conjunturais dos preços de máquinas, matéria-
prima e bens de consumo da classe trabalhadora proporcionadas pela aplicação da nova
técnica em alguns setores – reduzindo os preços individuais – e redução dos salários.
Transição histórica, por consequência (Prado, 2013)89
(…) é preciso mencionar que as atividades produtivas que já entraram na era pós-grande
industrial podem se beneficiar de uma troca desigual com as atividades ainda presas ao
modo de produzir da grande indústria. Assim, mesmo se não são capazes de gerar mais-
valia em grande montante para remunerar o capital aí empregado, conseguem obter uma
massa de lucro suficiente para garantir o seu próprio nível de lucratividade e, assim, a
sua própria viabilidade enquanto produção capitalista. Ora, ao tornar possível a
existência de processos tecnologicamente avançados, a troca desigual contribui para a
sobrevivência do capitalismo. Mas ele não vai durar para sempre...
Por evidente, com a crise, 2008, esses números acentuaram-se. Abaixo, o site
oficial da ONU no Brasil, expõe:
90
https://www.stat.berkeley.edu/~aldous/157/Papers/world_economy.pdf Página: 134.
A persistência de altas taxas de desemprego em todo o mundo e a vulnerabilidade
crônica dos empregos em muitas economias emergentes e em desenvolvimento ainda
estão afetando profundamente o mundo do trabalho, adverte um novo relatório da
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O número final de desemprego em 2015 é estimado em 197,1 milhões. Em 2016
está previsto um aumento de cerca de 2,3 milhões, o que levaria o número a 199,4
milhões. Já em 2017, mais 1,1 milhão de desempregados provavelmente serão
adicionados ao registro global, de acordo com o relatório World Employment and
Social Outlook – Trends 2016 (WESO) da OIT.
“A significativa desaceleração das economias emergentes, aliada a um declínio
acentuado nos preços das commodities, está tendo um efeito dramático sobre o mundo
do trabalho”, afirma o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
“Muitos trabalhadores e trabalhadoras estão tendo que aceitar empregos de baixa
remuneração em economias emergentes e em desenvolvimento, mas também cada vez
mais nos países desenvolvidos. E apesar da queda no número de desempregados em
alguns países da União Europeia e nos Estados Unidos, muitas pessoas ainda estão sem
emprego. Precisamos tomar medidas urgentes para aumentar o número de
oportunidades de trabalho decente ou corremos o risco de intensificar as tensões
sociais”, acrescenta ele.
Em 2015, o desemprego global total foi de 197,1 milhões – 27 milhões superior ao
nível pré-crise de 2007.
A taxa de desemprego das economias desenvolvidas diminuiu de 7,1% em 2014
para 6,7% em 2015. Na maioria dos casos, no entanto, estas melhorias não foram
suficientes para eliminar a lacuna de empregos que surgiu como resultado da crise
financeira global.
Além disso, as perspectivas de emprego se enfraqueceram nas economias
emergentes e em desenvolvimento, notadamente no Brasil, na China e nos países
produtores de petróleo.
“O ambiente econômico instável, associado a fluxos de capital voláteis, a mercados
financeiros ainda disfuncionais e à escassez de demanda global continuam a afetar as
empresas e a desencorajar o investimento e a criação de empregos”, explica Raymond
Torres, diretor do Departamento de Pesquisa da OIT.
(…)
Os autores do WESO também apontam para o fato de que a qualidade do emprego
continua a ser um grande desafio. Embora tenha havido uma diminuição nas taxas de
pobreza, a taxa de declínio do número de trabalhadores pobres nas economias em
desenvolvimento desacelerou e o emprego vulnerável ainda responde por mais de 46%
do emprego total no mundo, afetando quase 1,5 bilhão de pessoas.
O emprego vulnerável é particularmente alto nos países emergentes e em
desenvolvimento, atingindo entre metade e três quartos da população empregada nesses
grupos de países, respectivamente, com picos no sul da Ásia (74%) e na África
Subsaariana (70%).
Enquanto isso, o relatório mostra que o emprego informal – como um percentual do
emprego não agrícola – é superior a 50% em metade dos países em desenvolvimento e
emergentes com dados comparáveis. Em um terço desses países, o emprego informal
afeta mais de 65% dos trabalhadores.
“A falta de empregos decentes leva as pessoas ao emprego informal, que é
tipicamente caracterizado por baixa produtividade, baixa remuneração e falta de
proteção social. Isso precisa mudar. Uma resposta urgente e determinada à altura do
desafio mundial de empregos é fundamental para a implementação bem-sucedida da
Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, recentemente adotada pelas Nações
Unidas”, conclui Ryder.91
91
https://nacoesunidas.org/oit-desemprego-global-projetado-para-aumentar-em-2016-2017/
92
“As duas taxas [nos EUA] estão estreitamente relacionadas. Esta tabela pode ser lida como se a taxa de
lucro estivesse determinada pela taxa de exploração: até meados da década de 1980, quanto mais
diminui a taxa de exploração mais baixa é a taxa de lucro. A partir dos anos 1980 até 2010, pelo
contrário, quanto maior é a taxa de exploração maior é a taxa de lucro. A conclusão de qualquer
economista neoliberal é que, para aumentar a taxa de lucro deve aumentar a taxa de exploração, ou
seja, que tem de recorrer às políticas de austeridade (para o trabalho, não para o capital).” (Guglielmo
Carchedi; O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo)
93
Em 2012, 76% dos empregos na França e 80% nos EUA eram da área de serviços! Ou seja: aumento da
produtividade, mesmo que com transferência de capital produtivo para os países pobres, e redução
social da classe produtora...
As taxas cada vez menores revelam a tendência longa à estagnação e crise, na
medida em que, no mesmo período, a população mundial cresceu e concentrou-se por
saltos94. De 1913 até 1970 com crescimento ascendente; a Europa Ocidental e os EUA
tiveram a tendência reduzida a partir daí, mas ainda positiva. Após a II Guerra Mundial
e, em especial, a partir de 1970, o capital pôde globalizar-se em altíssimo nível (afinal, o
modo de fazê-lo foi causa da guerra), colocando todo o mundo integrado no processo de
autovalorização do valor. De modo desigual, mas não oposto, o crescimento da
produtividade caminhou para uma taxa de 2,0%:
94
“Daí segue que, quanto mais o modo de produção capitalista se desenvolve, uma quantidade cada vez
maior de capital se torna necessária para empregar a mesma força de trabalho, e ainda maior para uma
força de trabalho crescente. A força produtiva crescente de trabalho gera, portanto, na base capitalista,
necessariamente uma superpopulação trabalhadora permanente e aparente.” (MARX, 1985-1986, p.
171). (K. Marx. O Capital: crítica da economia política. Livro III, volume I. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural,
1985-1986.)
Em semicontraposição ao nível de emprego; a taxa de crescimento mundial foi,
entre as décadas 1950 e 1980, em torno de 2%, enquanto o “centro o mundo” viu-se em
taxas sempre positivas tendendo a 1%, desde 1970. Percebemos que, no período entre
guerras mundiais, a taxa ficara menor que 1%; em seguida, elevou-se, mas tendeu a
paralisar-se numa mesma média pelo menos desde 1900 (a crise de 2008 faliu e
paralisou parte do setor produtivo) – sempre devemos considerar as informações
conectadas a outros fatores, como o desemprego e a proporção com a altíssima
população mundial e urbana surgida neste mesmo período (aspecto autoevidente, tema e
dados que trataremos em outro capítulo). De novo, caso estadunidense95:
96
Na produção, esta é a forma do “concreto em latência”, transferência das várias etapas da produção,
do trabalho manual, para o maquinário e objetivado nele. Reforçamos: 1) concreto: trabalho artesanal;
2) abstrato: cooperação e manufatura; 3) abstrato cada vez mais concreto: grande indústria e fordismo;
4) concreto latente, salto para si: automação/robótica.
97
“Que em sua manifestação as coisas frequentemente se apresentem invertidas é algo conhecido em
quase todas as ciências, menos na economia política.” (p. 607) “De resto, com a forma de manifestação
“valor e preço do trabalho” ou “salário”, em contraste com a relação essencial que se manifesta, isto é,
com o valor e o preço da força de trabalho, ocorre o mesmo que com todas as formas de manifestação e
seu fundo oculto. As primeiras se reproduzem de modo imediatamente espontâneo, como formas
comuns e correntes de pensamento; o segundo tem de ser primeiramente descoberto pela ciência. A
economia política clássica chega muito próximo à verdadeira relação das coisas, porém sem formulá-la
conscientemente. Ela não poderá fazê-lo enquanto estiver coberta com sua pele burguesa.” (p. 612).
(Marx, O Capital I)
98
Uma das características da dialética é a superação do dualismo próprio do método moderno e
kantiano. A oposição dualista (aparência) guarda por detrás de si um processo uno e autocontraditório.
ultrapassou os 2% ao ano entre 1950 e 1990 — graças à recuperação da Europa — e
novamente entre 1990 e 2012, graças à recuperação da Ásia, sobretudo da China, onde o
crescimento foi maior do que 9% ao ano nesse período, segundo as estatísticas oficiais
(um nível jamais visto na história99).” (Piketty; p. 124.). Percebemos que este sujeito, o
valor-capital, salta de continente a continente, pois alcança limites internos aqui, tenta
valorizar-se mais ali, e logo vai empurrando todo o mundo para um limite
tendencialmente total, absoluto…100101
A primeira e básica observação empírica da crise do valor – este ainda existe – é a
existência de fábricas desprovidas de presença operária, fato conhecido e reconhecido
por todos. Nestas, os poucos proletários são numericamente irrelevantes e, em muitos
casos, recebem salários acima da média (aristocracia operária, parte da classe média e
pequeno-aburguesada). “No movimento real, o capital é capital não no processo de
circulação, mas no processo de produção, o da exploração da força de trabalho.” (Marx,
O Capital III, Civilização Brasileira, p. 459.)
Resumamos os dados assim: a tendência à superprodução crônica gera a tendência à
longa estagnação (de 1970 a 2008) até a crise mundial impor-se. Significa: a altíssima
produtividade tende a não se realizar no mercado, ou seja, o valor tende a não se realizar
no comércio, na compra-venda – este é outro aspecto da crise do valor.
Há outro fator ainda, consequência outra. Antes, listemos: 1) o alto avanço técnico
tende a retirar da produção a fonte do valor, a energia humana102; 2) a altíssima
99
Piketty esquece os números astronômicos da URSS quando iniciou seus planos quinquenais (estes,
propostos por Trotsky e a Oposição de Esquerda na URSS, mas implementados com atraso e de modo
ditatorial pela burocracia).
100
Ao espalhar-se por todo o globo terrestre, o capitalismo cada vez mais é um sistema complexo
fechado. Curioso notar a alta vontade de formar colônias espaciais e em Marte, fantasia até há pouco
tempo, como, de um lado, tentativas de expansão da sociedade capitalista, de outro, desejo de fugir
dela própria.
101
Do ponto de vista da filosofia objetiva, é análogo à segunda lei da termodinâmica. Breve comentário:
“Isaac Asimov explica a tendência da entropia crescente e suas consequências de uma forma simples: A
Segunda Lei da Termodinâmica afirma que a quantidade de trabalho útil que você pode obter a partir da
energia do universo está constantemente diminuindo. Se você tem uma grande porção de energia em
um lugar, uma alta intensidade dela, você tem uma alta temperatura aqui e uma baixa temperatura lá,
então você pode obter trabalho dessa situação. Quanto menor for a diferença de temperatura, menos
trabalho você pode obter. Então, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, há sempre uma
tendência para as áreas quentes se resfriarem e as áreas frias se aquecerem - assim cada vez menos
trabalho poderá ser obtido. Até que finalmente, quando tudo estiver numa mesma temperatura, você
não poderá mais obter nenhum trabalho disso, mesmo que toda a energia continue lá. E isso é verdade
para TUDO em geral, em todo o universo. (Em The Origin of the Universe em ORIGINS: How the World
Came to Be, série em vídeo, Eden Communications, EUA, 1983.)” (…) “Em cosmologia, na evolução do
universo no tempo verifica-se uma diminuição da quantidade de energia disponível para a realização de
trabalho. Tal implica uma limitação no tempo da existência do universo tal como se apresenta, pois o
sentido natural das mudanças da natureza é o que origina uma diminuição da qualidade da energia.
Teoricamente, o universo seria o único sistema realmente isolado, e como tal, nele, a quantidade de
energia útil nunca aumenta. Tal questão tem profundas implicações em filosofia no tratamento do que
chamamos tempo em física e num entendimento do universo com este como uma de suas dimensões e
neste em sua história e evolução, implicando difíceis tratamentos no que sejam os modelos cíclicos,
entre estes o modelo de universo oscilante ou "grande rebote (big bounce)". (Wiki.)
102
“O capital tem um único impulso vital, o impulso de se autovalorizar, de criar mais-valor, de absorver,
com sua parte constante, que são os meios de produção, a maior quantidade possível de mais-trabalho.
O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto
mais quanto mais trabalho vivo suga. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante
o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este consome seu
tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista.” (Karl Marx. O capital, Livro I. p. 307. São Paulo,
capacidade produtiva tende à superprodução permanente; 3) os custos com maquinário,
manutenção e renovação deste são cada vez mais onerosos; 4) o aumento do
desemprego e do trabalho precário distancia nível de consumo geral da produtividade
geral; 5) o valor tende a não se realizar como mercadoria; 6) a realidade social-política,
lastreada na economia, tende à maior instabilidade – retroalimenta, por isso, a crise do
valor. E mais: 7) o mais-valor, em meio à autocontradição do valor (a de definhar a si
próprio durante seu avanço), precisa ser destinado a inúmeros setores além daquele
setor da burguesia mais diretamente ligada à produção, ou seja, o total é fragmentando,
destinado partes do trabalho não pago ao dono das terras onde a fábrica está instalada, à
dívida com o maquinário, aos investidores acionistas e ao capital fictício-parasitário, ao
Estado (impostos, etc.), à reserva para futuros investimentos, aos funcionários, ao banco
emprestador, à rede comercial e de transporte das mercadorias, etc. Além do mais, como
parte da crise sistêmica, a destinação improdutiva do mais-trabalho (sob o capital, mais-
valor), e sua extração para outros setores, ganha expressão particular na medida em que
“Há os bens industriais, para os quais o crescimento da produtividade tem sido mais
rápido do que a média da economia, de modo que seus preços têm ficado abaixo da
média. (…) Por fim, há os serviços, para os quais o crescimento da produtividade tem
sido, de modo geral, fraco (até nulo em certos casos, o que explica por que esse setor
tende a absorver uma proporção cada vez maior da mão de obra) e para os quais os
preços aumentaram mais do que a média.” (Piketty; p. 109). Esta desigualdade
acentuada, entre serviços e produção, é a outra expressão importante dos limites
internos da riqueza capitalista, de sua crise; pois esta formação social depende da sua
fonte e estômago, o trabalho fabril e a fábrica, mas a úlcera corrosiva atingiu seu estágio
final, faz metástase e tem seríssimas dificuldades de nutrir, ao mesmo em que é sugado
em dobro e triplo o corpo envolvente, por sua natureza, crescido e inchado. “Mas se”,
pensará o leitor, “as revoluções técnicas da III Revolução Industrial adentrarem de
modo pleno nos setores não fabris?” Então, o desemprego e a precarização do trabalho
atingirão níveis qualitativamente absurdos; o mesmo com a capacidade produtiva; a
desigualdade entre produção e consumo dará saltos sobre saltos: todo o tecido social
experimentaria um processo análogo à água em processo de ebulição e esta sociedade
apenas poder-se-ia evaporar-se, desmanchar-se no ar. Antes e no caminho de conseguir
alcançar este culminante ponto, as contradições muito elevadas tenderão por si à
revolução mundial ou barbárie, a depender das decisões humanas.
Nesta questão:
Boitempo, 2013.) Marx demonstra: no lugar de o operário utilizar a máquina, a máquina utiliza o
operário – para gerar mais-valor.
O executivo ainda foi bem enfático ao dizer que forçar salários vai fazer com que a
transição de mão de obra humana para robótica seja ainda mais rápida. Para finalizar,
ele disse que os Estados é que deveriam definir os salários mínimos de um modo
autônomo, não sendo uma decisão federal como a que ocorreu neste caso. Será que
veremos essa substituição, realmente?103
103
https://www.tecmundo.com.br/robotica/105347-ex-ceo-mcdonald-s-afirma-prefere-comprar-robos-
aumentar-salarios.htm
participantes, o treinamento insiste sempre: "Sorria bastante e diga 'Olá' e 'Muito
obrigado'."
Outro projeto, já em andamento, é a disponibilização de acesso à Internet nas lojas
McDonald's. Nos Estados Unidos o preço da conexão é de US$4,95 para cada 2 horas.
Agora os robôs-cozinheiros serão instaladas nas lojas da região de Chicago, onde
deverão ser acompanhados em escala real de produção.104
Caso o leitor queira um pouco mais sobre; oferecemos trecho de outra matéria,
onde o maquinário adquire habilidades intelectuais, do trabalho intelectual:
104
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010180030806
105
http://exame.abril.com.br/tecnologia/robo-da-ibm-substitui-34-funcionarios-de-empresa-no-
japao/?source_fbinfo
106
Entre pensadores sociais, há relativa variação de data inicial, mantendo a mesma amplidão
centenária: “Nessa perspectiva, a história do modo de produção capitalista de meados do século XVIII
em diante até o presente teria tido duas fases nas quais se observariam o modo de operar dessas duas
lógicas. A primeira, que teria ido até os anos 1970 do século XX, seria uma fase de ascensão em que se
de meio século depois, a percepção teórica indica a consolidação e realização plena
desta terceira fase da produção – se e somente se – por meio da revolução mundial107.
Sigamos.
Por causa da crise mundial, a austeridade e o desemprego acentuaram esta
tendência à produtividade muito acima da capacidade de consumo; isto se manifesta,
por exemplo, com o risco de deflação na Europa108:
observaria uma dinâmica de expansão. A segunda seria uma fase de declínio em que se verificaria uma
dinâmica de estagnação. A primeira fase teria sido gestada pelas revoluções industriais iniciadas nos
quartéis finais dos séculos XVIII e XIX. Nessa perspectiva, a dinâmica de expansão teria se iniciado com a
Primeira Revolução Tecnológica (1771), caracterizada pelo advento das máquinas, do motor a vapor, das
ferrovias etc. E continuado com Segunda Revolução Tecnológica (1875), marcada pelo aparecimento do
aço, da eletricidade, da engenharia pesada, do automóvel, da produção em massa, etc.”
“Já a segunda fase teria se iniciado no último quartel do século XX com a chegada da Terceira Revolução
Tecnológica (1971). Como a informática e a telecomunicação veio junto com a expansão da economia de
serviços em detrimento da produção industrial, ela teria engendrado uma dinâmica de relativa
estagnação. Ao propiciar a mudança dos métodos e processos de produção, ela propiciou certa elevação
da produtividade na produção de mercadorias já existentes.” (Crise estrutural do capitalismo: uma
reconstrução conceitual e empírica; Eleutério F. S. Prado.)
107
O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerestein faz a síntese de sua visão em entrevista:
“Lee Su-hoon: Você disse: “Nos próximos 50 anos o mundo vai mergulhar em uma turbulência
econômica séria e, mais tarde, o capitalismo vai enfrentar uma crise tremenda, como a da Grande
Depressão”. As pessoas dizem que a crise se deve à ganância de Wall Street e à bolha imobiliária etc.
Como você analisa essa crise?”
“Wallerstein: Faz cinco anos que eu não mudo de opinião. Basicamente, a meu ver, estamos em uma
crise estrutural da economia capitalista mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser
totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a data exata, mas vai levar muito tempo.
No momento, o sistema mundial está bifurcado. Tem problemas de tal magnitude que não poderá
sobreviver, está tão longe do equilíbrio que não há como voltar atrás. Mas para onde ele vai é
totalmente incerto, porque, como disse, essa bifurcação significa que, tecnicamente, há duas formas de
resolver uma mesma equação, o que não é normal.” (http://outraspalavras.net/posts/wallerstein-
nenhum-sistema-e-para-sempre/)
109
“Parte das mercadorias que se encontram no mercado só pode efetuar seu processo de circulação e
de reprodução mediante enorme contração de seus preços, portanto mediante desvalorização do
capital que ela representa. Do mesmo modo os elementos do capital fixo são mais ou menos
desvalorizados. A isso se acrescenta que determinadas relações pressupostas de preço condicionam o
processo de reprodução e este, devido à queda geral de preços, entra portanto em estagnação e
confusão. Essa perturbação e estagnação paralisam a função do dinheiro como meio de pagamento,
dada simultaneamente com o desenvolvimento do capital e baseada naquelas relações pressupostas de
preços: interrompem em cem lugares a cadeia das obrigações de pagamento em prazos determinados;
são ainda intensificadas pelo colapso consequente do sistema de crédito, desenvolvido
simultaneamente com o capital, e levam assim a crises violentas e agudas, súbitas desvalorizações
forçadas e à estagnação e perturbação reais do processo de reprodução, e com isso a uma diminuição
real da reprodução.” (MARX, 1985-1986, p. 192-193); (O Capital: crítica da economia política. Livro III,
volume I. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985-1986.)
110
Uma elevação forte do preço do petróleo pode esconder tal tendência, embora ela exista e continue
a operar oculta.
111
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/05/11/us-economy-slows-too-much-saving-or-too-
little-investment/
Para dimensionarmos ainda mais a natureza dos dados: desde 2008, os governos
injetaram alguns trilhões de dólares na economia mundial, mas, ao contrário das
previsões, não geraram importante inflação ou hiperinflação – até agora. A burguesia
descobriu, assim, tratar-se de uma crise “diferente” e “estranha”, onde as ferramentas
comuns são pouco úteis.
115
Extraído de: Crise econômica e taxa de lucro nos EUA; Ricardo Dathein.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-98482011000200005
– que deprimem o salário mundial116 – e a tradicional cultura de obediência (devemos
incluir a alimentação ampla, pouco rigorosa, dos proletários daquele país, o que tende a
reduzir os custos com o capital variável).
A crítica comum acusa o neoliberalismo de ser “ideologia pura”, “ciência de quinta
categoria” e “pseudociência”. De fato, suas premissas são falsas e apenas ideológicas
para a arte do engano; sua generalização prática, porém, se deve porque foi pensado
para fins puramente práticos: a autovalorização do valor em um momento de
esgotamento do sistema – é um instrumento. Keynes, de outro modo, pensou a realidade
para preservá-la, ou seja, para preservar o capital contra os trabalhadores117. Já Marx
procurou compreender a realidade para superá-la. O cientista é, ele próprio, objeto e
instrumento da pesquisa, pois é parte da realidade observada e precisa usar o seu
cérebro. Por isso, este foi muito mais longe, exato e profundo: o contrário do
neoliberalismo não é o keynesianismo (estes são irmãos, como Caim e Abel); o
contrário de ambos é o marxismo.118
Digamos de outro modo: o endividamento do Estado, para girar a economia e o
consumo, da política keynesiana foi “aperfeiçoada” na era neoliberal por meio do geral
endividamento do Estado, das empresas e dos assalariados; a elevação da indústria, do
emprego e da demanda por meio da economia de guerra, do investimento na área
militar, gerando maior possibilidade de dominar outros povos pelas ameaça e força, não
só foi mantida como ampliada (tal como dissemos, desenvolvimento destrutivo do
capital, das forças destrutivas).
Dediquemo-nos um pouco sobre as duas teorias burguesas, ortodoxa e
heterodoxa119.
116
Mediação: a forma-salário não revela de todo a realidade interna do operariado de um país.
Exemplo: os operários ganham no país X o dobro do salário dos do países Y, mas trabalham o triplo…
Logo, o valor do salário esconde a relação real. Esta é a forma aparêncial, do reino da circulação.
Fazemos este alerta porque pode ser usado pelo centrismo, na tentativa de esconder o peso da jornada
de trabalho, intensidade do trabalho nesta jornada, relações de hierarquia degeneradas nas empresas,
qualidade espacial e ambiental da vida urbana etc. A própria elevação da velocidade das máquinas,
produzindo mais mais-produto e mais mais-valor, dada a jornada, ao exigir mais energia humana, tende
a aumentar os salário – às vezes por meio de greves – para poder repor a energia do operário em nível
aceitáveis.
117
“[Não entrarei no Partido Trabalhista,] em primeiro lugar, porque é um partido de classe, e de uma
classe que não é a minha. Se eu tiver de defender interesses parciais, defenderei os meus. Quando
chegar a luta de classes como tal, meu patriotismo como tal, meu patriotismo local e meu patriotismo
pessoal estarão com meus afins. Eu posso estar influenciado pelo que considero que é justiça no bom
sentido. Mas a luta de classes me encontrará do lado da burguesia educada.” (Ensaios: Profecia e
Persuasão, seleção de textos escritos por Keynes nos anos 20)
118
O sujeito da pesquisa como, ao mesmo tempo, objeto e ferramenta é uma das características do
método científico criado por Marx, ontológico. Na psicologia, Piaget revelou-se um gênio sério e
honesto, porém foi largamente superado por Henri Wallon e Vygotsky, como o próprio reconheceu.
Estes últimos eram comunistas, próximos da classe trabalhadora e partidários do materialismo dialético;
enquanto um, inconscientemente, desenvolveu uma concepção dentro da visão burguesa de evolução
(pedaço por pedaço, soma linear, evolução em linha reta, baixa contradição, etc.); os outros, uma visão
mais completa da cognição humana – e valorizaram o esforço científico do primeiro. Observado isto, o
ponto de partida do cientista é gerador de maior ou menor facilidade para o descobrimento do real,
mas não o único fator a influenciar. Além disso, o marxismo rompe com o “sujeito passivo”, aquele a
apenas receber e expor dados coletados: o sujeito é sujeito ativo – tenta descobrir generalizações reais,
pensa, elabora, conecta informações e procura descobrir a essência, coisa-em-si, por detrás dos
fenômenos.
119
Esta classificação das teorias econômicas não tem validade ao marxismo. O ponto de partida para
avaliar uma teoria sobre a sociedade é seu perfil de classe.
Keynesianismo:
1) A demanda gera a oferta;
2) O investimento gera a poupança;
3) Disponibilidade de dinheiro não gera inflação (MMT, pós-keynesianos);
4) O capitalismo alcança o equilíbrio se com a ajuda do Estado;
5) Primazia da queda de juros.
6)
Neoliberalismo120:
1) A oferta gera a demanda;
2) A poupança gera o investimento;
3) Disponibilidade de dinheiro gera inflação;
4) O capitalismo tende ao equilíbrio se não é atrapalhado pelo Estado;
5) Primazia da elevação de juros.
120
Tratamos, aqui, liberalismo e neoliberalismo como o mesmo fenômeno, mesma natureza. Cada um
expressa sua época: um correspondendo a consolidação do capitalismo e o outro, a decadência.
Enquanto o primeiro considerava a existência de classes, o segundo apenas considera os indivíduos. As
premissas do segundo derivam de premissas pós-modernas, o que gera seu perfil pseudocientífico.
comunais, guerras, extermínios de povos, retirada do trabalhador dos meios de produção
e subsistência, escravidão etc.
Em sequência. Imprimir dinheiro gera ou não inflação? Antes, façamos um
exercício lógico "A=A se..." "A=Não-A se...". Desçamos ao concreto. Se imprimirmos
dinheiro, se o dispomos, em alta quantidade, não gerará inflação – ou hiperinflação – se
a produtividade puder se elevar, mesmo com relativo atraso. Ou: se a quantidade à
disposição não tiver um efeito qualitativo – relativo ao mundo das mercadorias. Do
mesmo modo, uma disponibilidade nova e alta de dinheiro pode, ao contrário, gerar
(hiper)inflação121 se o setor produtivo e a capacidade de renovação de estoque for
limitada ou por demais atrasada – relativo ao tempo de circulação do dinheiro. Ocorre
que um aumento da produtividade pode exigir novos e demorados investimentos, pode
fazer com que falte matérias-primas devido ao alto consumo e produtividade em bens de
consumo. Pode ser que o aumento da produtividade cresça, mas o lucro decaia por
“excesso” de concorrentes, derrubando os preços; porque certos produtos foram
vendidos em demasia, e levam tempo enorme para que se necessite de novas compras
de equivalentes (caso de bens de produção e mesmo bens de consumo, a exemplo de
geladeiras e outros produtos duráveis).
A capacidade produtiva ativada financeiramente pode colocar a classe operária na
ofensiva, extraindo parte do mais-valor de volta para si. Há que se considerar que o
dinheiro não parte inédito da casa da moeda: primeiro porque o dinheiro já lançado nos
anos anteriores ainda circula, a maior parte; segundo porque os bancos criam dinheiro
ao modo cartões de crédito e débito (lastreado no papel-moeda), ao moverem os
depósitos para gerar juro – preenchendo, assim relativamente, as necessidades reais de
dinheiro na sociedade. Quebra-se, então, a dualidade falsa da teoria burguesa: a inflação
pode ter inúmeras origens: preço de petróleo por demais alto, afetando os demais
preços; subprodução, a exemplo da substituição de produção de alimentos básicos por
soja para exportação; excesso de dinheiro etc. Cada caso concreto deve ser estudado,
investigado, desprovido de resposta antecipada; um mesmo efeito por ter inúmeras
causas diferentes. Uma coisa, no entanto, fica clara: as crises de dinheiro já existiam no
começo do capitalismo, foram expostas por Marx e existem enquanto possibilidade. No
início do século XX, a França procurou evitar operários-soldados revoltosos após a I
Guerra com crescimento financeiro da economia, com dinheiro, o que gerou emprego e
hiperinflação; Hitler resolvera o problema de hiperinflação na Alemanha com uma regra
simples: a disponibilidade de dinheiro deveria acompanhar a quantidade de trabalho e a
disponibilidade de mercadorias (além de aumentar a disponibilidade destas via indústria
bélica). A questão, porém, é colocar o dinheiro nos museus do futuro. O suposto poder
absoluto do dinheiro, defendido por keynesianos, parte de uma premissa errada, a de
que a crise não é uma necessidade em si do capital. Evitar uma crise por meio da moeda
pode gerar, entre outras consequências, a transferência da contradição: queda da taxa de
lucro, aumento das greves, endividamento do Estado (outro ponto falsificado por muitos
keynesianos). Consideram, consciente ou inconscientemente, o valor de uso como
elemento central, tal como as demais teorias burguesas em economia. Precisamos
demonstrar na prática. Ao considerarem a crise como parte do sistema, mas não como
uma naturalidade a ser ocorrida e superada, pensam poder burlar essa lei por meio de o
Estado aumentar a demanda disponibilizando dinheiro na economia. Com inflação,
hiperinflação ou não, isso geraria um aumento do consumo, da demanda, ou seja, do
(mais-)produto realizado, vendido. Isso tem a aparência de solução. No entanto, a
produção capitalista é a produção de mais-valor, sob a forma de busca de lucro, onde o
121
Keynes prefere a inflação à deflação, pois: 1) permite a redução dos salários reais, mantendo-se o
salário nominal; 2) Diminui a dívida real do Estado; 3) Diminui a dívida real das empresas.
produto-mercadoria é suporte (infelizmente, à burguesia – que sonha o D-D') inevitável
na relação mercantil de produção. Isso significa que a quantidade de produto e mais-
produto realizado na esfera do consumo pode aumentar e, em paralelo, decair as taxas e
massa de lucro (crise), essência motora do capitalismo.
De sua parte, o MMT não deixa clara essa relação – de hierarquia – entre valor de
uso e valor, o que aponta priorizar o primeiro ou ter pouca clareza sobre isso. Ao não
resolver as contradições inerentes do capitalismo, o estímulo via dinheiro da economia
como tática é limitada, quando não nociva ao próprio capital.
O MMT, moderna teoria monetária, parte dos seguintes princípios-conclusões:
1) O Estado cria o dinheiro;
2) Logo, não depende de fatores externos;
3) Logo, pode se autofinanciar;
4) Logo, os impostos são uma formalidade para manter controle da moeda;
5) Logo, as dívidas públicas não são um problema real;
6) Logo, o Estado resolve problemas econômicos imprimindo dinheiro.
122
O idealismo ainda faz escola. Partem da seguinte premissa: basta um governo racional, com boa
teoria e clareza, desprovido de ligações corruptas, para resolver os problemas econômicos. O problema
seria a falta de racionalidade de políticos e economistas, desperdiçando o caráter suposta e
potencialmente racional do Estado. As teorias não marxistas esquecem a objetividade das leis do
capitalismo, adquirindo força aparentemente natural. Descobrir a lógica interna do sistema é uma das
grandes contribuições de Marx.
de 0%, logo os assalariados têm condições de impor vitórias na luta de classes (que
diminui o mais-valor), o que diminui o lucro. Há que se considerar: pleno uso não
significa equilíbrio, pois, por exemplo, o pleno uso sendo garantido pela produção de
bens de consumo pode estar ao lado de uma produção elevada, tanto quanto possível, na
extração de matéria-prima, mas a oferta deste produto estar muito abaixo da demanda
necessária, o que gera inflação e hiperinflação, ou seja, preço de mercado alto extraindo
valor de outros setores para si. Exemplo da mesma natureza: baixo desemprego pode
elevar o consumo de alimentos sem a corresponde oferta, gerando inflação e greves.
Não há taxa de desemprego natural, porém há taxa de desemprego social, no sentido do
capital. A plena utilização dos fatores de produção – incluso toda a força de trabalho
disponível – fere a necessidade de exército industrial de reserva, de uma taxa de
desemprego que 1) pressione os salários para baixo; 2) permita o estoque de força de
trabalho disponível para momentos em que se torne necessário maior uso; 3) relativa e
conjunturalmente, dificulta a luta de classes afetar o lucro e a estabilidade política123.
O pleno emprego, se não desconsideramos o movimento da realidade, gera, cedo ou
tarde, oferta constante de mercadorias, que desemborca em crise de superprodução; por
isso a crise costuma ocorrer após queda brusca do desemprego e aumento geral do
consumo. E mais: pode ser negativo o pleno emprego ao “setor produtivo”, à burguesia
“produtiva”. Se há alto investimento em máquina e matéria-prima e utilização máxima
da capacidade nacional de trabalho, ocorre: 1) os salários aumentam acima de seu valor
comum; 2) para efetuar as compras-vendas e pagar salários e demais custos de
produção, torna-se socialmente muito mais necessário, maior demanda, o dinheiro, ou
seja, demanda de dinheiro acima da oferta, aumentando os juros – assim: salários
maiores retiram parte da renda do capitalista do mesmo modo que juros mais altos
também retiram esta parte do mais-valor antes destinado ao lucro (renda). Quando
ocorre, o emprego pleno dos fatores de produção é, sendo o contrário, um dos primeiros
sinais da crise seguinte.
Em síntese desta exposição; o economista Santiago Marimbondo elabora completa
resposta. Afirma: o subconsumo das massas, na superprodução de mercadorias, revela-
se forma fenomênica, aparencial, da crise de superprodução de capital, a real – essencial
– causa.
123
“Aumentar o desemprego foi uma maneira muito convincente de reduzir a força da classe operária
(...) o que se procurou forjar – para falar numa linguagem marxista – foi uma crise no capitalismo, que
repôs o exército industrial de reserva e permitiu aos capitalistas a obtenção de grandes lucros daí por
diante.” – Alan Budd, conselheiro econômico do governo de Margaret Thacher.
Essa escassez de mão de obra em relação às necessidades ampliadas de acumulação
do capital, assim, num primeiro momento aparecerão, se expressarão fenomenicamente,
como uma falta de demanda efetiva para os elementos, para as mercadorias,
pertencentes ao fundo de consumo dos trabalhadores, ao capital variável.
Isso porque, diferente dos elementos do capital constante, os elementos
pertencentes ao capital variável, a força de trabalho real e concreta capaz de absorver o
excedente econômico produzido, não existem na proporção necessária para a absorção
do produto total a ser consumido por esse setor; dado que diferente dos elementos do
capital constante, que sempre podem ser produzidos pelos capitalistas, os elementos do
capital variável, a força de trabalho real e concreta, não podem ser produzidos de forma
artificial pelos capitalistas, fazendo com que em relação às mercadorias que compõe o
fundo de consumo dos trabalhadores falte o correspondente material para uma troca
entre equivalentes: uma nova leva de trabalhadores passíveis de ser absorvidos no novo
ciclo produtivo, um contingente de trabalhadores, de força de trabalho, que como
mercadoria possa funcionar como valor equivalente em relação as mercadorias
produzidas como fundo de consumo para a força de trabalho excedente que supriria o
ciclo produtivo expandido posterior.
Assim, enquanto é sempre possível produzir uma nova demanda em relação às
mercadoria que são elementos constitutivos do capital constante social, tanto pela troca
mútua entre os capitalistas do setor I da economia quanto pelo crédito que esses
concedem aos capitalistas do setor II, (pois tanto o produtor de aço quanto o produtor de
máquinas que produzem aço podem gerar os valores equivalentes de suas mercadorias
indefinidamente para manter as trocas entre eles, por exemplo), se há uma escassez da
mercadoria força de trabalho em relação ao capital social total, característica da
sobreacumulação de capital, as mercadorias que constituem o fundo de consumo dos
trabalhadores, as mercadorias que correspondem ao valor real da mercadoria força de
trabalho, ao valor total do capital variável, não encontram um equivalente pelo qual
poderiam ser trocadas. Ou seja, o valor das mercadorias que constituem a substância
real do valor total do capital variável não encontram seu equivalente real, a mercadoria
força de trabalho, no mercado, disponível.
Dessa forma, essas mercadorias aparecem como excedentes, como supérfluas em
relação a capacidade de consumo real por elas, posto que seu equivalente para a
continuação do ciclo produtivo, a força de trabalho a cujo valor essas novas mercadorias
correspondem, esta em desproporção em relação a essas mercadorias.
A sobreacumulação de capital, assim, como a existência de um excedente de capital
em relação a força de trabalho passível de ser explorada, dado que a expansão do ciclo
econômico anterior absorveu toda a força de trabalho e exército industrial de reserva
existente previamente naquele espaço econômico dado, se expressa fenomenicamente
como falta de demanda efetiva para os produtos que constituem o fundo de consumo
dos trabalhadores, uma superprodução das mercadorias cujo valor equivalente é o
capital variável social.
(…)
No entanto, é claro que a superprodução como expressão fenomênica, mais
imediatamente aparente, da sobreacumulação de capitais, não se resume ao setor II
[produção dos meios de consumo] da economia capitalista. Através dos mecanismos de
crédito que tinham permitido aos capitalistas desse setor absorver o excedente
produzido pelos capitalistas do setor I [produção de meios de produção] e da
impossibilidade de realizar parte do valor das mercadorias do setor II pela falta de uma
demanda efetiva por parte dos trabalhadores a bolha creditícia que tinha se formado no
setor II da economia se transmite ao setor I.
Ou seja, os capitalistas do setor II, ao não conseguirem realizar o valor total de suas
mercadorias, pela falta de demanda, acabam deixando de honrar suas dívidas contraídas
através do crédito com os capitalistas do setor I.
Dessa forma, a crise de sobreacumulação de capitais, que tinha como expressão
mais imediata a crise de superprodução do setor II se espraia também para o setor I, se
tornando uma crise geral de superprodução de mercadorias.
É assim que se sintetizam, antes de se opor, sobreacumulação de capitais e
subconsumo ou superprodução de mercadorias. Antes de fenômenos opostos são ambos
diferentes expressões, diferenças na unidade, dos limites da produção capitalista, da
contradição entre a capacidade ilimitada de produção dentro do capitalismo e dos
estreitos limites para o consumo das mercadorias.124
Avancemos.
Elevação ou queda de juros são duas táticas burguesas para o enriquecimento, sem
distinção. Por isso, a burguesia e seu Estado atuam à revelia das teorizações em que
defendem um ou outro mecanismo; usa ora um e ora outro125. Uma tendência
transmuta-se em sua negação: aqui, a elevação de juros aumenta o lucro dos bancos,
gera falência de empresas "em excesso", aumenta o desemprego para rebaixar salário e
elevar a disciplina dos funcionários (quebra as greves), permite fusões de investimentos,
etc. Essas mesmas ações, logo mais, tornam as dívidas impagáveis, rebaixa o consumo a
níveis perigosos, começa a gerar luta de classes, etc. Inicia outro movimento: rebaixar
os juros. No Japão, onde o amadurecimento excessivo do capital – expresso também em
montante enorme de dinheiro incapaz de se tornar capital-dinheiro – gera longa
estagnação como sintoma da crise sistêmica; há deflação longuíssima, superprodução
permanente tendencial, enfrentada por juros baixos e negativos (juros dos títulos da
dívida, que repercutem nos juros reais dos bancos), como forma de estimular o consumo
e a produção, como contratendência – como há deflação, ou seja, o dinheiro se valoriza,
podendo adquirir mais com a mesma quantia, não é negativo em si ao setor de juros,
pois, além disso, precisam receber seus dinheiros, sua parte do mais-valor, vindo da
economia "real", dos setores produtivo e comercial.
Se um determinado governo enfrenta uma crise cíclica por meio da redução de
juros, isto reduz, adia e transfere a crise – mas não a anula. As crises cíclicas – não nos
referimos a outras e à sistêmica – são tão necessárias quanto os crescimentos cíclicos.
Do ponto de vista do capitalismo, são fenômenos normais e necessários para reerguer a
massa de lucro, concentrar e centralizar capitais, "limpar" a economia, refazer o
equilíbrio (passageiro). Se esta é adiada, a contradição apenas muda de forma. Aqui, a
venda de máquinas se reduz mesmo em crescimento econômico; ali, o crescimento gera
greves e aumento salarial; em uma conjuntura, inflação alta; aumenta a quantidade de
negócios concorrendo entre si e, logo, rebaixando os preços etc. Cedo ou tarde, a
contradição deverá tomar a forma que lhe cabe – a de destruição. Uma vez dada a crise,
manifestada tal como é, não por contratendências (ações anticiclicas), é do interesse
burguês, por exemplo, que esta percorra seu caminho no menor tempo possível –
124
https://quilombospartacus.wordpress.com/2017/05/20/debate-com-david-harvey-sub-consumo-ou-
sobre-acumulacao-como-uma-das-causas-fundamentais-das-crises-capitalistas/
125
Embora isto tenha força de lei objetiva; a ação prática do Estado pode “errar a mão” no tempo, no
grau e em qual medida, elevação ou redução de juros, necessária. Isto pode, por exemplo, antecipar
crises ainda imaturas e latentes. No Brasil, o governo Dilma sofreu um golpe reacionário, entre outros
motivos, por indicar redução dos juros quando o “mercado” exigia sua elevação. No período anterior,
pós-2009, o governo pôde negar, adiar, a crise econômica por meio de maior oferta de dinheiro, menor
juros e BNDES.
acelerada pela aceleração da elevação da taxa de juros. Os juros atuam na dinâmica,
adiam ou aceleram tendências inerentes, mas não as geram. A ilusão do contrário se dá
pela incapacidade da economia burguesa de medir as crises cíclicas.
Em formulação geral: a elevação da taxa de juros gera, em médio prazo,
necessidade de rebaixar os juros – e vice-versa. Este processo, ligado aos ciclos
periódicos do capital, toma a forma de ondulação, de ondas.
A elevação ou queda de juros, do ponto de vista macroeconômico e não de uma
empresa particular, é bom para os dois setores, para os da crista da onda. A fase
imperialista, fusão dos capitais produtivos e bancários em capital financeiro, torna isso
mais real e verdadeiro que na época de Marx – uma intensa interdependência. A própria
deflação causada pela crise, onde a elevação de juros atua, abre caminho para a redução
seguida dos juros. A elevação ou queda serve para atuar na forma da contradição, não a
nega. Exemplo: a hiperinflação no Brasil (década de 1980), mais onda grevista, foi
revertida, via elevação da taxa de juros.
Esta taxa, sendo garantia de lucro em relação às variações conjunturais, permite
uma equidade, não igualdade, na concorrência entre bancos.
Ficam destacados estes aspectos gerais: 1) o capital-dinheiro – o dinheiro sendo
expressão geral do valor, forma ímpar – não tem mais-valor em si, sua taxa de juros é
determinada pelo seu preço de mercado, pela relação entre oferta e procura de dinheiro-
mercadoria; 2) o limite da taxa de juros é a massa de lucro e a taxa de lucro, mas não há
aí determinação direta da taxa de lucro sobre a de juros; 3) o juro sobre dinheiro
emprestado retorna com um acréscimo, parte do mais-valor extraído para si, direta,
empréstimo aos setores produtivo e comercial, ou indiretamente; 4) um dos primeiros
sintomas de uma crise é a elevação da taxa de juros, pois o dinheiro deixa de retornar já
que os empréstimos de adiantamento – quando o comércio compra mercadorias, por
exemplo, para pagar a prazo – acelerando a economia, vai acumulando, pouco a pouco,
mercadorias nos estoques, antecipando a superprodução (a crise se manifesta antes entre
os setores I, produção de meios de produção, e II, produção de meios de consumo, que
no consumo final; e na relação de estoque entre vendas, antes da venda final, onde o
valor de uso é enfim consumido); por isso Keynes e o keynesianismo veem, de modo
errado, a elevação da taxa de juros como causa da crise, quando é “apenas” uma das
primeiras manifestações126.
Este é um nível de abstração. Um país deve ser analisado por sua localização na
totalidade, no capitalismo mundial. Desde que o dólar substituiu o ouro como
equivalente geral e reserva internacional, a taxa de juros dos EUA passou a ser a taxa de
juros mundial, a determinar peso em outros países. Exemplo: se os juros (dos títulos das
dívidas) norte-americanos elevam-se, atrai investimentos, dinheiro, para aquele país; se
o Brasil precisa de dólar para efetuar suas importações, eleva seus juros para atrair
investidores internacionais para seus títulos de dívida. Assim, o lastro das moedas
126
Marx: “Toda a forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da transformação
constante de uma parte da população trabalhadora em mão de obra desempregada ou semiempregada.
A superficialidade da economia política se mostra, entre outras coisas, no fato de ela converter a
expansão e a contração do crédito, que é o mero sintoma dos períodos de mudança do ciclo industrial,
em causa destes últimos. Tão logo iniciam esse movimento de expansão e contração alternadas, ocorre
com a produção exatamente o mesmo que com os corpos celestes, os quais, uma vez lançados em
determinado movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-se em causas, e as
variações de todo o processo, que reproduz continuamente suas próprias condições, assumem a forma
da periodicidade. Uma vez consolidada essa forma, até mesmo a economia política compreende que
produzir uma população excedente relativa, isto é, excedente em relação à necessidade média de
valorização do capital, é uma condição vital da indústria moderna.” (O Capital I, Boitempo, 2015, p. 708,
709.)
nacionais em dólar é, tal afirmamos no capítulo anterior, mediação indireta do lastro do
dinheiro em relação às mercadorias.
Façamos consideração do atual momento histórico: 1) se são maiores as
possibilidades de crises, isso afeta a massa de lucro, afetando os ganhos com juros; 2) se
há forte tendência à queda de da taxa de lucro, proporção entre capital investido e o
lucro derivado, afeta os ganhos com juros – também. O dinheiro sobrante sem encontrar
investimento, os juros negativos, a possibilidade de o poupador ter de pagar para
guardar dinheiro no banco (inédito na história do sistema financeiro), a baixa margem
de manobra dos bancos centrais etc. são formas em que se manifesta este limite absoluto
do capital produtor de juros – massa e taxa de lucros.
Podemos adicionar nova observação à teoria dos juros. A taxa de juros nominal e
real de um país orbita, com acidentes, em torno de uma taxa central, orbitada. É um
ponto perceptível teoricamente ao redor do qual as taxas efetivas e nominais fazem
elipse127. Tal ponto de orbitação, país a país, tem por origem o perfil econômico da
nação, a taxa média nacional de lucro, sua localização no sistema internacional de
Estados, regime político e etapa etc. As taxas reveladas são mais moventes e afeitas aos
movimentos conjunturais; a taxa “de base” relaciona-se, em maior termo, à estrutura
nacional. Formam, na realidade, uma unidade.
Por fora do temário posto, acrescentemos o debate sobre taxa de câmbio. Dizer ser
a relação das moedas com o equivalente mundial, dólar, uma relação proporcional de
oferta e procura destas, ou das mercadorias, é uma verdade parcial. O ponto chave da
relação de câmbio, o preço da moeda relativo a outra, não é dado pela quantidade de
mercadorias na relação exportação-importação (ricardianismo); esta tem por
fundamento de base a capacidade de um país de absorver, no balanço de pagamentos, o
valor geral produzido mundialmente na forma autônoma da riqueza sob o capital, ou
seja, no dinheiro. O valor total é mais importante do que a quantidade total de
mercadorias em si, importadas e exportadas. Igual na relação interempresas o valor
aparece aqui de modo deformado pela expressão inexata do preço (exemplo: preços
muito acima do valor gerado por razão da demanda elevada, extraindo maior parte do
valor global). Quer dizer: em última instância – considerando a absorção de mais-valor
extraordinário, de outras nações, na relação de mercado – a saúde cambial de uma nação
está determinada pela sua capacidade produtiva, para suprir o mercado interno e o
externo. E todas as manobras estatais para gerir a relação intermoedas, que alteram esta
relação de preço, possível porque o valor-trabalho no dinheiro toma forma relativa e
aparentemente autônoma, estão dependentes da margem de manobra, de possibilidades
de política cambial, dada pelo acúmulo de valor e a produção nacional (ainda mais na
fase imperialista, por “produção nacional” refere-se às empresas nacionais, dentro e fora
do próprio país, a remeter seus lucros para a nação de origem, enquanto o capital
internacionalizado mantém-se “leal e patriota”). A relação, por exemplo, entre real e
dólar pode ser manipulada – em nível conjuntural, positiva ou negativamente – pelo
governo para afastar-se da relação real de valor representado por cada (empréstimos,
utilização de reservas internacionais, medidas de regulação etc.); porém, enquanto
centro de gravidade da economia, a relação está por detrás e oculta, revelando e
corrigindo a contradição (entre coisas) no período seguinte. Quando a China determina
uma taxa de câmbio fixa com o dólar, faz sua função ao capital internacional e às
necessidades do valor em crise, quer seja, acelerar a industrialização do país e oferecer
127
Em imagem, comparação: A Lua (taxa de juros nominal) orbita da Terra (taxa de juros real) e ambos
orbitam o Sol (taxa de juros orbitada).
um padrão estável no comércio mundial e, por evidente, nas exportações aos EUA128;
este, por sua vez, tendo uma aparente mina de ouro infinita na impressão de dinheiro,
força o lastro, facilitando importações, mantendo alto consumo interno por baixos
preços, prontamente estimulando produção estrangeira (menos custos, incluso
trabalhistas), preparando, assim, a crise de sua moeda, expressão da crise geral.
Dadas as diferenças, ficamos com a pergunta: qual a teoria geral da crise em
Marx e no marxismo? Daiamos a resposta por meio de uma lei geral das variadas crises
– financeira pura, financeira enquanto manifestação da crise produtiva, cíclicas, etc. –
explicativa das causas postas: queda tendencial da taxa de lucro, composição orgânica
diferenciada dos setores I e II, aparência de subconsumo etc. O fator universal: os
elementos constitutivos da totalidade do capital e do capitalismo se desenvolvem de
maneira desarmônica, desigual, gerando contradições, ou seja, crises. Esta
formulação central inclui a interinfluência dos elementos ao mesmo tempo dentro e fora
da economia: Estado, luta de classes etc.
Porque a economia capitalista é não planejada, isto é inevitável nesta forma de
sociedade. E assim tem de ser, pois representa toda uma etapa da história: faz-se
necessário um alto desenvolvimento das forças de produção para surgir, dar base, a uma
economia de fato planificada cientificamente. Isto seria impossível de modo pleno, na
prática, sob a I revolução industrial ou a II, mesmo quando sob um Estado Operário.
Podemos agregar, então, um tipo específico de crise para nossa época: a revolução
social. A revolução vitoriosa em um país avançado ou intermediário por si gera crise
mundial ou a acentua, pois: 1) os conflitos internos, revolução e guerra civil, alteram
sua relação normal no mercado interno e interpaíses; 2) a luta de classes, sendo vitoriosa
ou ativa, altera a correlação de forças entre classes em outras nações; 3) um novo Estado
Operário busca relocalizar-se na estrutura internacional, produtiva e política; 4) a
interdependência das economias e nações, após a globalização, atinge níveis altíssimos.
O Brasil, por exemplo, está para muito além de uma ilha, por isso impossível
simplesmente desplugá-lo. EUA e China desenvolveram uma interligação enorme,
enlaçando intimamente os destinos de suas próximas revoluções sociais.
AUTOLIMITE
Percebemos a dimensão trágica da História. No pré-II Guerra ou no pré-década de
1970, o sujeito social – os produtores de mercadorias, a classe operária – era numeroso,
concentrado e potencialmente centralizado “para si”; ou seja, as condições eram
superiores para a ação dessa classe. Dito isso, percebemos que a atual revolução
técnico-científica, onde toda descoberta nova da ciência rapidamente é aplicada à
produção e aos produtos, poderia e deveria ser implementada pelos próprios
trabalhadores no poder, com seu próprio Estado e sociedade mundiais. Podemos dizer,
então, que a revolução faltou ao chamado histórico. O Estado de bem-estar social,
implementado nos países imperialistas, foi uma tentativa de bloqueio da Revolução
Permanente: a lei da tendência à miséria crescente foi relativizada nos países ricos e
“transferida” para as nações pobres, estimulando revoluções na periferia do sistema,
como demonstrou Nahuel Moreno n’O Partido e a Revolução (1973), em polêmica com
128
O marxismo supera e funde idealismo e materialismo. O Estado Chinês, após a restauração do
capitalismo, atuou corretamente, do ponto de vista burguês, em acordo com as tendências do valor-
capital em sua nação, condição posta por fatores globais, acelerando o processo existente. A ideia,
forma especial e humana de materialidade, exerce efeito sobre a matéria na medida em que este
possibilita aquele.
o economista Mandel – antes perder os anéis para manter os dedos com os quais
ordenam.
Em conclusão, alcançamos o momento histórico teorizado por Marx:
129
https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm
estagnação o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase
todas as suas possibilidades.130
O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980: é tão maduro
sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de
crescimento maiores relativos aos da China atual, destino prioritários dos capitais
internacionais por décadas, foi gerando demanda interna por urbanização no século XX;
até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito urbanizado, com luta de
classes urbana, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no
mercado mundial permitiu um ambiente mais “saudável” para o capital; em diante, o
principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje
presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados (via
consumo), destruição do patrimônio público por meio da privatização etc.
O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa
populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras
agricultáveis etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo
“atrasados” a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais
maduros.
Vejamos os 10 países de maior crescimento – além da reconhecida China – em
2017: Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%;
Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%131. São
estimativas do Banco Mundial. O alto processo de crescimento tem como causa o baixo
desenvolvimento… Outra coisa completamente diferente são os mecanismos para
realizar os talentos capitalistas das nações: endividamento do Estado, vantagens fiscais
às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização etc.
Os próximos saltos realmente globais de desenvolvimento só são alcançáveis por
meio de outra sociedade… Até este momento se impor, o desenvolvimento do
capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um
desenvolvimento destrutivo. O “excesso” de maturidade – que no Japão parece haver o
exemplo mais interessante – demonstrará um divórcio entre crescimento humano e
crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que
este último encontra autobarreiras sob o capital.
A história parece andar para trás. No entanto, está no degenerar da civilização a
necessidade de revolucionar a sociedade; o recuo é condição para impor a necessidade
de avanço – impedir a degeneração da sociedade por meio de uma nova (Benjamin).
Outro aspecto do limite sistêmico é a existência inédita das “empresas grandes
demais para quebrarem” (sic!). Traduzindo: o nível de concentração e centralização de
capitais, com altíssima produtividade mundial, tende a um limite extremo onde o
recurso capitalista da destruição de concorrência já é incapaz de se fazer valer em
plenitude. A quebra de um “gigante global” geraria efeito em cadeia… Daí as
estatizações, “pré-privatizações” (jogo linguístico do Estado norteamericano), diante da
crise de 2008. A grande propriedade estatal gerida democrática e planejadamente, sem
fins lucrativos, voltada às necessidades humanas, torna-se necessidade desejosa de se
realizar.
130
Por certo, este limite é relativo, por aproximações. Exemplo: na Europa, este autolimite tende à
tentativa de retirar os direitos adquiridos “em demasia” em nome de um lucro demasiado – gerando
luta de classes… Em dialética, o absoluto tem traços de relativo.
131
https://g1.globo.com/economia/noticia/as-10-economias-que-crescem-mais-rapido-em-2017-e-
uma-delas-nao-e-a-china.ghtml
Gerado pelo trabalho humano, o valor, sujeito do capitalismo, na busca por
autovalorização, teve de reduzir o tempo socialmente necessário para a reprodução de
uma mercadoria. Esta autocontradição atingiu seu ponto culminante. Qualquer
explicação profunda da atual crise necessita levar isso em primeira consideração, pois
esta última é, antes de tudo, a crise do próprio valor. A “mão invisível” – deus
desumano, senhor do tempo, Kronos abstrato e materialista – definha e vê na sua
própria criação, o atual avanço técnico e a sociedade que daí surgiu, um inimigo em
potencial, um Zeus rebelado.
Seja qual for o modo de abstração, o ponto de partida e o foco da análise,
concluímos estarmos diante de um processo singular; por isso e em síntese,
conceituamos crise sistêmica esta crise. Nela, nesta crise geral, as crises cíclicas132
continuarão a se manifestar.
132
Como manifestações fenomênicas e ao lado da crise sistêmica, estas crises tenderão a ser cada vez
mais intensas e explosivas. Ao reformismo – e centrismo; sempre lembrar deste –, considerar apenas as
crises cíclicas é um ponto de apoio, pois pode, assim, dizer aos trabalhadores e vanguardas: “a situação
está difícil, precisamos apertar o sinto e, se necessário, lutar; as crises do capitalismo vêm e vão, são
conjunturais e momentâneas. Amanhã teremos dias melhores se, principalmente, com um bom
governo. Paciência e lutemos por (apenas – afirmam as entrelinhas) reformas.” O reformismo é capaz,
no limite, de liderar greves gerais ou grandes mobilizações caso isto o leve ao poder de Estado burguês –
e, junto a isso, dificulte a audiência dos revolucionários. O centrista PS italiano, em 1920, então membro
da III Internacional, tendo se colocado contra a I Grande Guerra, chegou a elaborar a proposta “façamos
como a Rússia de Lenin e Trotsky!” durante situação revolucionária em seu país; porém, quando a
revolução veio, com ocupações de fábricas e metralhadoras instaladas sobre elas por operários, este
partido assustou-se consigo próprio e recuou-se, o que abriu – na trilha desmoralizante das traições –
caminho para um novo fenômeno, o fascismo.
A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E OS
CICLOS DE ERA
133
Fonte da tradução:
http://orientacaomarxista.blogspot.com.br/2012/04/curva-do-desenvolvimento-capitalista.html
134
Em nível essencial, o momento histórico permitiu e pediu tais medidas. Em nível aparencial,
verdadeiro e falso, o keynesianismo permitiu a aplicação e assistência do momento “próspero”.
a atualizar e discordar parcialmente do teórico russo. Esta conclusão nos leva aos ciclos
de era e à percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas.
Há duas formas de olhar: de modo abstrato, pelos fatores econômicos em si, e de
modo concreto, pela interação com os fatores externos. Comecemos pelo primeiro,
exemplificando.
Uma revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade
do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, eleva a quantidade e o nível das
contradições inerentes. A III, para nos aproximarmos de nossa realidade, faz falir
empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção; por demitir
assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior
comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair; maior escala
de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre
disponíveis na escala necessária; maior produtividade, este salto interno de qualidade,
aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias
ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de
superprodução; o capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima é maior a
ser adiantado, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser paga com
o lucro futuro; as possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de
produção (em resumo excessivo: custo de produção + mais-valor gerado) são mais
presentes; maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os setores I,
produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo; os transtornos
da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com
maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial;
etc. Todo o processo pode ocorrer com a massa de lucro aumentando, na medida em que
aumenta a exploração do trabalho e diminui os elementos concorrentes e, em paralelo,
cai a taxa de lucro. Como elemento de tendência – revelado em quedas conjunturais –, a
massa de lucro tende a cair também, não só pela queda da taxa (proporção entre o
capital total investido e o lucro), mas porque a III Revolução Industrial e demais fatores
do primeiro capítulo, a mesma fábrica produzir objetos com valores de uso múltiplos
etc., diminuem de per se a massa de valor, fonte do lucro, na produção global.
As próprias crises, na medida em que tendem a ser mais cada vez mais duras,
forçam os capitalistas à modernização produtiva (a partir do impulso inicial, a luta de
classes); ocorre um círculo vicioso de causa e consequência, onde ambos cumprem e
invertem papéis – por estímulo recíproco.
Assim, as crises vão de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de
1944 à década de 1970, para um período transitório, com crises mais duras, cujas
sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do
trovões fortes antecedendo a chuva, de 1970 até 2007-8. Agora temos um salto: declínio
da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos
débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de
manifestação, manifestações fenomênicas, de processos profundos e essenciais do
sistema; através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.
Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de
generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, partamos para o fator
externo.
Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo
capitalista de produzir – salto interno. Por isso, essas mudanças, ao elevarem a
produtividade, entram em contradição – relativa ou absoluta e de relativa à absoluta –
com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução
Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar
de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de
1848 à 1851. Antes, deu força às revoluções burguesas.
Após estas tensões, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo
ascenso da curva, nova curva, 1851 à 1873. Já a partir da década de 1870, a partir da
acumulação e centralização de capitais (e pelo impulso da luta de classes), surge a II
Revolução Industrial; e também entra em relativa contradição com a formação sócio-
superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se
explica, por exemplo, a insistência britânica, "humanitária", pelo fim da escravidão no
Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas
mercadorias.
Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares
de absolutas: crise em 1913 e guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva
histórica até 1944, fim da II Guerra.
A nova curva: ascenso com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência
não contraditória, com a formação "societária" vigente. Logo depois: III Revolução
Industrial gera nova contradição relativa em 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e
o declínio da curva histórica. Tem este potencial explosivo, de contradição, absoluto:
socialismo ou barbárie – ou fim da espécie humana.
Este foi o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples
e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande
indústria, I Revolução técnica, deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na
produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por
consequência, 3) 1820-1851, declínio – tal um exemplo a ser seguido em patamares
mais elevados. No período do primeiro ciclo de era, mercantil, inexistindo crises
cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores
agregados na avaliação: a situação das classes e o desenvolvimento técnico.
Descrevamos: a bárbara “acumulação inicial de capital” abre o período inicial, de
estagnação ou, ou seja, precarização dos artesãos e avanço na produção (manufatura
simples e complexa)… A manufatura complexa aperfeiçoa-se e expande-se… Alcança-
se ponto onde, por meio dos segredos de especialização e certa autonomia do
assalariado produtivo (forçando, por exemplo, longo período de formação de novos
trabalhadores), os subordinados agarravam-se a alguma qualidade de vida… A
revolução industrial abre novo ciclo.
As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma
realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se (estamos ao mesmo tempo
considerando e abstraindo a contradição do capital consigo próprio nestes processos).
Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e
crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução
entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade entra em
contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.
O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as externalidades impedem seu
pleno movimento, e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na
produção quanto na circulação; crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso
torna necessário romper tal contradição conteúdo-forma com as mudanças cotadas nos
ciclos de era, de I ao IV, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do
capital etc.
Ascenso______transição______declínio
_________________________________
Ou:
Do ponto de vista dos ciclos de era, o ponto de partida não é o ascenso, a baixa
contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais.
Ou seja: todas as revoluções industriais foram o ponto de partida da fase de transição, de
estagnação, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando
contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre
produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações
sociais (de produção) e organizacionais etc.
Desse ponto de vista:
135
Aquilo a que Trotsky nomeia crise orgânica revela-se momento de declínio da curva histórica, não
autocrise última do sistema em si. Os primeiros passos são dados, por evidente, no momento de
transição da curva, entre ascenção e declínio.
136
“En esa época Marx no podía tomar en cuenta –sólo observó el ascenso en el mercado– que se
enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones
débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más altos. No
previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de
Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes,
cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los
‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (p. 190)
composição orgânica do capital (descoberta que coloca Kurz, apesar de seus inúmeros
erros, entre os marxistas necessários à compreensão da atualidade; ademais, é criador de
um novo gênero literário, crônica teórica137).
A fase comercial, pré-capitalismo industrial, maduro, tem de entrar, com sua
produção cooperada, simples e manufatureira. Num, curva de desenvolvimento do
capitalismo, corresponde à ascensão; noutro, ciclos de era, todo um período histórico.
O que para Trótski era ponto de partida, é, em nossa análise, a resolução de uma
contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, o socialismo –
em real: a transição ao socialismo – será a resolução das contradições atuais, deste ciclo
de era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes
do sistema anterior.
Façamos regra geral: o período estável, de baixa contradição sistêmica, permite
acumulação de capital-dinheiro por, dado a jornada de trabalho, a produção industrial
ativa e vibrante extrair maior massa de mais-valor por ter baixo o desemprego, por
empregar mais força de trabalho. Porém, isto gera o principal problema: luta de classes,
que é resolvida nas fábricas também por meio do maquinário novo.
Outro fator comum, já percebido por Trótski: cada momento de variação de um
ponto histórico a outro corresponde a confrontos armados. Na atual curva e ciclo:
1. O ascenso inicia-se com o fim da II Guerra;
2. Guerra do Vietnã – transição;
3. Guerra do Afeganistão e Iraque (este, o central) e Síria-Líbia – declínio.
Em outro parágrafo, afirmamos a lei de que cada revolução industrial dura, em
média, 100 anos. No decorrer do livro, o leitor perceberá também o ponto nodal, de
estrangulação sistêmica na mesma secularidade no caso contemporâneo. Por quê? As
crises cíclicas ocorrem de 8 a 10 anos, em média tendencial, no processo circular
crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria
saúde doentia do capitalismo, meio de acumulação e centralização de capitais; e gera
bases para as revoluções produtivas seguintes. Acontece, acabamos de expor, que estas
alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; e se a
ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial seguinte, permite por igual o
início de um autolimite que necessita ser resolvido. De 1944 a 1975, nada melhor que o
fordismo e sua expressão na política keynesiana como sinal de saúde e, por igual, base
da autossuperação. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão –
durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio,
oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial.
Até onde foi este estudo, nem Marx nem Trótski perceberam a questão deste modo,
e sequer poderiam por razão dos limites de suas épocas.
Peço atenção do leitor para o seguinte: antes do século XVI existiu um pré-
capitalismo, com proto-valor, fase embrionária, com um ciclo de era pré-ciclo de era.
Apenas nesta nota fazemos tal destaque. Algumas características: na produção – artesão;
força central – comércio por excedente feudal; “nação” centralizante – Itália, Veneza;
urbanização – iniciante; datação – entre os séculos XII e XIII até XVI, grandes
navegações; forma do dinheiro – ouro e prata etc. Foi fator “colateral” no processo de
fim do feudalismo, forma de transição. Cabe, aqui, um destaque importante: inúmeros
137
Em geral, os teóricos marxistas focam nos erros de Kurz, obscurecendo seus vitais acertos. Suas
qualidades e limites derivam de sua vivência: presenciou a Alemanha divida em capitalista e “socialista”,
viu a queda do Muro de Berlim, formou-se na nação de Marx e da alta filosofia, nasceu no país
protagonista da III Revolução Industrial, o governo controlava os “desocupados” com salários-base,
produziu teoria em uma conjuntura de baixíssima luta de classes (atrazando e limitando sua formação).
aspectos do concreto simples correspondem a este período, adentrando no ciclo de era
mercantil.
TEORIA DO COLAPSO
e) A Teoria do Colapso
138
O Marxismo em nosso tempo. Site MIA.
[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas
formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou
à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente
aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a
lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção
ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que
cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e
notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de
produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos,
lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de
concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela
mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de
se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para
constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade
a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou
pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis
internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de
associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses
das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a
concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o
permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande
sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na
América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs
nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. Os antigos
proprietários das diversas empresas - mais de trinta - receberam em ações o valor
estimado dos seus investimentos, ao todo cerca de 5 milhões de libras que constituem o
capital fixo do truste. A direção técnica continua nas mesmas mãos, mas o comando
comercial está nas mãos da direção geral. O capital de giro (floating capital), no
montante aproximado de um milhão de libras esterlinas, foi oferecido à subscrição
pública. O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que
constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a
concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda,
pela nação. - F.E.]
É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte
uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de
transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto
contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do
Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura
de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo
de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e
comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (O
Capital III, Civilização Brasileira, 2014, p. 254-255.)
[Conforme já observei (refere-se ao livro I), houve alteração no ciclo, depois da última
grande crise geral. A forma aguda do processo periódico com seu ciclo decenal parece
ter cedido à intermintência – mais crônica, mais extensa, repartindo-se pelos diversos
países em tempos diferentes – de melhoria nos negócios relativamente curta e débil e de
depressão relativamente longa, onde não se entrevê uma decisão. Mas talvez o ciclo
tenha somente se alongado. Na fase infantil do mercado internacional, de 1815 a 1847,
evidenciam-se ciclos de cerca de 5 anos; de 1857 a 1867, o ciclo é decididamente de dez
anos; estaríamos no período preparatório de um novo craque mundial, de violência
inédita? Os indícios são fortes. Depois da crise geral de 1867 sobreviveram grandes
modificações. Na realidade, foi a expansão colossal dos meios de transporte e
comunicações – navios a vapor, ferroviais, telégrafo elétrico, canal de Suez – que
estruturou o mercado mundial. Vários países industruiais surgiram ao lado da Inglaterra,
que antes monopolizava a indústria; em todas as partes do mundo, abriram-se mais
vastos e mais diversificados territórios à aplicação do capital europeu excedente, que
desse modo se reparte mais amplamente, superando com mais facilidade os excessos de
especulação locais. Todos esses fatores suprimiram ou enfraqueceram bastante, na
maior parte, os antigos focos e as conjunturas responsáveis pelas crises. Ademais, a
concorrência retrocede no mercado interno diante dos cartéis e trustes, enquanto se
restringe no mercados externo pela proteção aduaneira com que se cercam todos os
grandes países industriais exceto a Inglaterra. Mas, as muralhas de proteção aduaneira
são apenas armaduras para a última batalha internacional da indústria que decidirá do
domínio do mercado mundial. Assim, todo fator que se opõe à repetição das velhas
crises traz consigo o germe da crise futuro muito mais violenta. – F.E.] (O Capital III,
Volume 5, Civilização Brasileira, 2008, nota de rodapé 63, p. 646.)
O teórico amigo revelou também ocorrer diferenças nos ciclos decenais, conforme
observamos na citação precedente. Dito de outro modo: produtividade elevando-se,
entrando em contradição – ou não, a depender do momento na curva-onda – consigo
próprio e com a estrutural social. Então, Engels deduziu uma enorme crise surgindo.
Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico – de 1873-1913,
estagnação, à 1913-1944, declínio.
Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista:
Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele
concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos,
que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos este mesmos limites. Era verdade,
mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da
autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à
economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do
teórico, quase todos os poros do mundo.
Em 1926, Trotsky apresenta um melhor esboço de sua tese. Sendo avanço,
pensamos haver limitações de atualização:
139
A carta é de 1958, demonstrando a pressa de Marx em ver o sistema suncubir, acertando e
antecipando os aspectos gerais da grande crise futura. Como se sabe, o capitalismo foi além da
exportação de capital-mercadoria para a exportação de capital produtivo e capital-dinheiro.
Tradução livre, fonte: http://hiaw.org/defcon6/works/1858/letters/58_10_08.html
original inglés, NdT] puede dividirse en cinco períodos: de 1781 a 1851, el capitalismo
se desarrolla lentamente, la curva sube penosamente; después de la revolución de 1848,
que ensancha los límites del mercado europeo, asistimos a un punto de ruptura. Entre
1851 y 1873, la curva sube de golpe. En 1873, las fuerzas productivas desarrolladas
chocan con los límites del mercado. Se produce un pánico financiero. Enseguida,
comienza un período de depresión que se prolonga hasta 1894. Las fluctuaciones
cíclicas tienen lugar durante este tiempo; pero la curva básica queda al mismo nivel,
aproximadamente. A partir de 1894 empieza un nuevo boom capitalista hasta la guerra,
casi, la curva sube com vertiginosa rapidez. Al fin, el fracaso de la economía capitalista
en el curso del quinto período tiene efecto a partir de 1914.
¿Cómo se combinan las fluctuaciones cíclicas con el movimento primario?
Claramente se ve que, durante los períodos de desarrollo rápido del capitalismo, las
crisis son breves y de carácter superficial mientras que las épocas de boom, son
prolongadas. En el período de decadencia, las crisis duran largo tiempo y los éxitos
son momentáneos, superficiales, y están basados en la especulación. En las horas de
estancamiento, las oscilaciones se producen alrededor de un mismo nivel. He aquí,
pues, cómo se determina el estado general del capitalismo, según el carácter particular
de su respiración y de su pulso. (79, 80. Grifos nossos.)
Porém, o bolchevique dilui a curva geral em curvas menores, em períodos. Isto gera
problemas, como desconsiderar as duras crises – e as revoluções daí derivadas – até
1851. Chega a considerar a elevação da produtividade de per se em certos momentos
como fonte de medida; enquanto mantemos, tal que ele próprio indica, a profundidade
tendencial das crises cíclicas em períodos mais longos. Ademais, na citação acima,
coloca o período de 133 anos como um processo único, diferente de como procedemos,
também como aponta em outros textos. Os ciclos de era são, portanto, atualização e
conclusão da curva de desenvolvimento do capitalismo.
"(…) Mas, se v [capital variável] cai de 30 para 20, por se empregar 1/3 menos de
trabalhadores, ao mesmo tempo que aumenta o capital constante, teremos o caso normal
da indústria moderna: produtividade crescente do trabalho, domínio de quantidades
maiores de meios de produção por menos trabalhadores. Na parte terceira deste livro,
ver-se-á que este movimento está necessariamente ligado à queda simultânea da taxa de
lucro." (O Capital, Livro 3, página 81.)
Observemos – do ótimo artigo “A Enfermidade Histórica do Capitalismo” (The
historical transience of capital The downward trend in the rate of profit since XIX
century), escrito por Esteban Ezequiel Maito – estes gráficos:
O autor140, Esteban Ezequiel Maito, de onde obtemos os gráficos141 acima expostos,
afirma:
140
Fonte: https://ligapopular.wordpress.com/2017/08/06/aefemeridadehistoricadocapitalismo/
Artigo original: https://thenextrecession.files.wordpress.com/2014/04/maito-esteban-the-historical-
transience-of-capital-the-downward-tren-in-the-rate-of-profit-since-xix-century.pdf
141
Dos dados e metodologia nos gráficos acima: “A taxa de lucro no capital fixo foi, de longe, a medida
mais comum em estudos sobre a rentabilidade do capital. Em um estudo anterior, realizamos uma
comparação entre quatro países sobre a taxa de lucro marxista, mas, com exceção à este caso, todos os
estudos que abordaram uma comparação internacional, devido à disponibilidade dos dados, focam na
taxa de lucro sobre o capital fixo. Chan-Lee e Sutch, em uma das primeiras análises comparativas,
estudaram as taxas de lucro dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) durante o período de 1960-1980, refletindo claramente o declínio devido à crise de
rentabilidade nos anos setenta. Lee e Sutch realizaram um estudo que considerava a rentabilidade à
longo prazo no Reino Unido, EUA, Japão e na zona do euro (a partir dos anos 60) no contexto de uma
análise histórica da hegemonia global de estados sucessivos no sistema mundial. Duménil e Lévy
também compararam os níveis de taxas de lucro desses países, embora em um intervalo de tempo mais
“Embora a taxa de lucro de 0% não seja considerada como o limite real do capital,
mas níveis mais altos, os anos em que a linha de tendência atinge 0% foram
considerados. Para o ano 1900, a tendência teria atingido 0% em 1990. Para 1919, em
2024. Para 1932, em 2007. Para 1944, em 2025. Para 1955, em 2040. Para 1970, em
2055. Para 1980, em 2046 Para 2010, em 2056. Para os países periféricos, este exercício
marcou, para o ano 1970, uma taxa de 0% projetada no ano de 2072. Para o ano de
1980, em 2050 e para 2010, em 2064.”
curto. Zachariah faz um exercício semelhante, acrescentando também a China e a Índia. No entanto, ele
não estima o retorno do capital fixo reprodutivo, mas inclui moradias, que não fazem parte do capital
fixo e do próprio processo de produção capitalista.”
“As estimativas para catorze países são apresentadas neste artigo, em alguns casos cobrindo mais de um
século de história e representando mais da metade da produção mundial nos últimos setenta anos. Em
relação ao trabalho destes pesquisadores, são incorporados a longo prazo (série de mais de um século
de extensão) estimativas para Alemanha, Argentina, Suécia e Holanda. A inclusão da Argentina no início
do século XX, bem como da Coréia e da China nas últimas décadas, nos permite uma melhor
interpretação das áreas periféricas, de acumulação mais dinâmica, durante alguns períodos específicos,
em relação com a tendência geral de rentabilidade.”
142
Focado no fenômeno, a queda da taxa de lucro, não na sua causa essencial, a leitura do artigo é
recomendável por sua qualidade.
https://ligapopular.wordpress.com/2017/08/06/aefemeridadehistoricadocapitalismo/
https://thenextrecession.files.wordpress.com/2014/04/maito-esteban-the-historical-transience-of-
capital-the-downward-tren-in-the-rate-of-profit-since-xix-century.pdf
143
Para Marx, a tendência a uma taxa de lucro inter-setorial geral é uma tendência, não capaz de se
realizar diante do processo permanente do capital e das variações conjunturais. Aqui, acrescentamos
elemento sistêmico e transnacional.
Embora, sob esperança motivadora, supusessem viável, dadas as contradições, o
socialismo no século XIX; Marx e Engels, O Capital III, alcançam conclusão
semelhante:
144
Percebemos: pouco basta ser erudito. Há formas de aprender e apreender a teoria, menos ou mais
eficientes, e mais ou menos guiadas pela prática. Bastava leitura atenta do livro III d’O Capital para
superar esta falsa questão.
Complementemos. Também no livro III, Marx demonstra a relação entre massa e queda da taxa de lucro
enquanto força íntima das crises de acumulação. Além disso, percebemos tal descoberta enquanto base
da crise principal, a sistêmica. A III revolução industrial, crise do valor (Kurz), é o último impulso
necessário à queda da taxa de lucro, ao mesmo tempo parte e manifestação de tal processo.
1. Restauração do capitalismo nos ex-Estados operários
burocráticos. Abriu-se, em velocidade, um amplo e novo mercado, já que 1/3 da
humanidade vivia sob outra relação de propriedade; privatizaram-se àquelas empresas
nacionais que não faliram; ocorreu a importação de capitais externos;
2. Fragilização do valor de uso em favor do valor (de troca).
Mészáros145 percebeu esse fenômeno; os produtos foram cientificamente fragilizados,
reduzida sua durabilidade (obsolescência programada), para estimular a circulação de
mercadorias;
3. Neoliberalismo. Em especial, a privatização de estatais estimulou o aumento
do lucro e a concentração/centralização de capitais;
4. Tratados de livre-comércio. Em principal, o Euro e a União Europeia
facilitaram a circulação de mercadorias de grandes empresas, como as alemãs e
francesas;
5. Guerras. As invasões do Afeganistão e Iraque são os principais símbolos da
tentativa de, ao mesmo tempo, a) escoar produtos – consumo militar; b) dominar
riquezas naturais e mercados – petróleo, padrão dólar-ouro negro, etc.; e c) lucrar com
reconstruções. Na impossibilidade de destruir capitais com um conflito mundial,
ocorreu a “terceirização”, a “mediação”, etc.;
6. Dívidas públicas. A drenagem de impostos – um, com a devida licença
poética, feudalismo capitalista – torna-se uma importante, estável e parasitária fonte de
lucro;
7. Endividamento. Empresas e, principalmente, assalariados aumentaram o
consumo por este meio;
8. Fim do lastro dólar-ouro. Basta pintar papéis de verde para que expressem
valor na circulação de mercadorias;
9. Desregulamentação do mercado financeiro, dando-o liberdade interfronteiras
e de destinação;
10. Disputas fiscais com isenção de impostos;
11. Estímulo a uma nova moral consumista;
12. Estímulo à tendência, já agressiva e consolidada, de urbanização;
13. Maior concentração/centralização de capitais, como os da produção
agroindustrial e comercial;
14. Criação de novos mercados como a legalização da maconha, embora
rapidamente fiquem saturados;
15. Fim das reformas sociais, como os ataques ao Estado de bem-estar Social;
16. Neocolonialismo. Enfraquecimento dos imperialismos menores, como Portugal
e Espanha; quase-fim do nacionalismo burguês, enquanto prática estatal, nos países
atrasados; maior domínio econômico-militar146 sobre as semicolônias.
17. Desde 1990, a industrialização chinesa – em especial.
O que dizer dessa longa e incompleta lista? Uma conclusão impõe-se: o capitalismo
usou todas as armas disponíveis, adiando a crise geral – apenas. E mais, criou
problemas novos e maiores. Como explanamos, podemos caracterizar a “quebra”
(amortecida147) de 2007/8 como manifestação de uma crise orgânica-estrutural e de era.
145
Em sua obra “Para Além do Capital”. O excesso de mercadorias necessitou extrair mais e, em maior
velocidade, recursos da natureza e aumentou a quantidade de lixo, produtos tóxicos, etc.; percebemos
que o Valor destrói, mas não se permite desaparecer, como é a tendência histórica.
146
Haiti apresenta-se como um trágico exemplo.
147
Diga-se de passagem; ainda bem, pois nem os trabalhadores nem as organizações revolucionárias
estavam preparados para agir: necessitavam, como ocorre, de uma fermentação, um amadurecimento.
A superprodução crônica, a automação/robótica, a crise dos elementos que permitem
existência e desenvolvimento do capital (natureza, Estado, família monogâmica, etc.) e
a superurbanidade são, digamos, o pano de fundo, a tinta do cenário desse teatro épico
ou dramático.
As revoluções nos ex-Estados operários degenerados (após a restauração do capitalismo por ação dos
dirigentes estatais), foram derrotadas (boa parte) pela “reação democrática”, pelo uso do voto; isso deu
origem a uma situação reacionária mundial. No início dos anos 2000, com as guerras do Iraque e
Afeganistão, crise de 2001, Torres Gêmeas, revoluções na América Latina, etc. entramos numa transição
entre um situação reacionária ou não revolucionária (fim da década de 1990) e uma pré-revolucionária.
Agora, a partir da crise mundial, de 2008, entramos numa situação pré-revolucionária mundial rumo a
uma situação revolucionária ou contrarrevolucionária (possivelmente também mediada por uma
transição). Isto tende a abrir todo um período longo, medido em décadas, de revoluções e
contrarrevoluções.
CONTRADIÇÃO FORMA E CONTEÚDO:
O ESTADO BURGUÊS ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE SEUS LIMITES
HISTÓRICOS
Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver,
pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só
aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições
materiais da sua resolução.
K. Marx.
1.
As dívidas públicas, o Estado como fonte direta de lucro.
Um setor enorme da burguesia cada vez mais parasitária lucra e enriquece sugando
orçamento do Estado através dos juros das dívidas públicas em todo o mundo. Esse
método de obtenção de lucro tem, desde o início do século XX, sua importância
permanentemente acentuada; é estrutural. Atualmente as dívidas públicas, em quase
todos os países, são assustadoras. É a galinha dos ovos de ouro; a fonte inesgotável,
garantida, enorme e fácil. Força altas taxas de impostos, corte no orçamento para áreas
sociais, corrupção mais generalizada, aumento de juros para agradar os que lucram com
a dívida (limitando investimento) etc.
Vejamos a relação ativos púbicos e dívida pública (até 2010) com a renda nacional
no Reino Unido:
148
Portanto, este capítulo parte das descobertas de Mészáros.
Na França:
Na Alemanha:
Em especial, nos EUA:
149
Extraído de: http://jornalggn.com.br/noticia/a-divida-publica-e-o-pib-dos-eua
A atual crise econômica, iniciada em 2007-8, tem como tendência um aumento e
fortalecimento dessa fonte de retorno para a classe dominante, tendo como centro ser
um dos meios de resolução da crise aos de cima, cortes de direitos aos de baixo,
aumento da condição parasitária da burguesia, maiores limitações ao Estado.
Não há espaço para investir na produção: o excesso de capacidade produtiva e de
mercadorias impede desde a crise sistêmica do capitalismo. O deslocamento para o
lucro via desvio dos impostos e rendas estatais é, para a burguesia, o melhor caminho.
Na tentativa de salvar o capitalismo dele próprio, estimular a economia e resguardar
algum nível de integridade dos principais aparelhos de Estado do capital, os bancos
centrais dos países imperialistas tentam promover contratendência, por exemplo:
E o Japão não está sozinho. Também praticam juros negativos em alguns de seus
títulos ou como taxa principal de referência o Banco Central Europeu (BCE), o BC da
Suécia, da Suíça e da Dinamarca. Segundo a cálculos do J.P. Morgan, há hoje cerca de
US$ 6 trilhões em títulos públicos com juros negativos. Esse montante dobrou em
apenas dois meses. E, há um ano e meio, não havia nenhum bônus de dívida soberana
com rentabilidade abaixo de zero.
Dos Estados Unidos à Austrália, passando pelo Canadá, os países ricos que ainda
têm juros no terreno positivo estão recorrendo a novos estímulos monetários ou
adiando a elevação de suas taxas.150
150
Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/aumenta-numero-de-paises-com-juros-negativos-
18641745#ixzz4ORwHRbkR
comum crise cíclica. Interligado à queda da demanda e do PIB, a taxa de investimento
tende a cair e crescer, quando e se cresce, de maneira efêmera e instável – caso da zona
do Euro151:
151
http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/conjuntura/150430_cc_abr2015_economia_mundial.p
df
152
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/02/19/investment-investment-investment/
Ainda nos EUA, retirado o investimento em capital fictício, o investimento
produtivo nos EUA tende a cair em permanência153:
153
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/11/10/debating-the-rate-of-profit/
Declinando abruptamente entre 2008 e 2010, com a França elevando-se, os
principais países deprimiram o investimento154:
Durante esta crise, quando a lei da tendência à queda da taxa de lucro impõe-se com
maior força, boa parte dos investimentos são para exportações de capitais, fusões de
capitais já existentes (aquisições de outras empresas, etc.) ou destinados ao mundo
financeiro-especulativo (as dívidas públicas, em especial); não são expressões de saúde
do sistema – como sujeito automático, o valor manifesta seu desejo de autovalorização
na subjetividade da classe capitalista em busca por manter e aumentar as margens de
lucro; neste momento histórico, uma forte destruição mais puramente econômica das
forças de produção para posterior avanço em terreno “limpo” é inviável, pois tenderia
ao colapso do lucro, imprevisibilidade acentuada e… revoluções155. Por isso,
154
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/11/10/debating-the-rate-of-profit/
155
“Em seu mais recente relatório de 2016 sobre os investimentos externos globais, a UNCTAD, sigla em
inglês para United Nations Conference on Trade and Development, instituição imperialista das Nações
Unidas que coleta e divulga os dados sobre o IED global, destaca que “A recuperação dos IED foi forte
em 2015. Os investimentos externos diretos globais saltaram 38%, para US$ 1.76 trilhões, seu nível mais
elevado desde a crise econômico-financeira global de 2008-2009. A subida das fusões e incorporações
transfronteiras de US$ 432 bilhões, em 2014, para US$ 721 bilhões em 2015 foi o principal fator por trás
desta expansão global. O valor dos investimentos diretos externos para a ampliação do capital instalado
das empresas (greenfield investment) permaneceu no elevado patamar de US$ 766 bilhões”.”
“Os fluxos de IED em direção às economias dominantes da União Europeia e Estados Unidos dobraram
para U$ 962 bilhões. No Japão o IED é residual. Como resultado, essas economias do centro do sistema
reverteram a seu favor a balança de IED, absorvendo 55 por cento do fluxo global em 2015, subindo de
41 por cento de participação em 2014. Nas economias dominadas, por seu lado, as entradas de IED
alcançaram novo recorde de US$ 765 bilhões, cerca de 9% acima de 2014. As dominadas asiáticas, com
fluxo de aproximadamente meio trilhão de dólares, permaneceram como a região maior absorvedora de
IED no mundo. Fluxos para África e América Latina sofreram redução em 2015.” (Desenvolvimento
Desigual E Combinado Do Capital Em Tempo Real. Fonte: http://criticadaeconomia.com.br/breaking-
bad-temp-2-ep-3-desenvolvimento-desigual-e-combinado-do-capital-em-tempo-real/). O trecho do
artigo demonstra uma caracterização apressada, embora boa em revelar movimentos, pois confunde
fatos com a natureza dos fatos – o capitalismo está fugindo para frente, não pode mais recuar. Para
exemplificarmos, para irmos além e acima das crises cíclicas: a crise orgânica que deu origem ao
imperialismo, décadas de 1970 a 1980, ocorreu-se em paralelo ao aumento constante do PIB; onde o
precisamos neste parágrafo abrir parênteses: além das flutuações conjunturais, em
médio prazo a luta interburguesa por quem sobe ou cai, quem tirará do outro a margem
de lucro, obrigará a investirem em soluções também técnicas contra a concorrência –
investimentos.
O excesso de dinheiro e de capital fictício, na busca por autovalorização do valor,
tomando cada vez mais a forma ilusória D-D’, como fim em si mesmo e dinheiro em
busca de mais dinheiro; apresenta-se como uma autoexpressão muito potencialmente
inútil, superável, descartável “ao chegar sua hora de morrer”. Porém, apenas a revolução
mundial poderá declarar sua plena falência, a destruição desta economia monetária.
Como vivemos um sistema de dominação países sobre países, esses problemas em
boa medida são transferidos aos mais fracos. Maria Lucia Fattorelli, do órgão brasileiro
“Auditoria Cidadã da Dívida”, contratada para avaliar a dívida na Grécia, logo
descobriu megafarsa financeira onde papéis privados podres eram, como se por mágica,
transformados em dívida pública grega, privatizações e… nenhuma vantagem para a
nação mãe da filosofia. Ela descreve:
Em seguida, o HFSF utiliza esses papéis (vindos da EFSF, e que possuem garantia
dos países sócios da referida S/A) para comprar papéis emitidos por bancos privados
gregos, ativos tóxicos que não possuem garantia alguma.
Ao final, a Grécia permanece com papéis tóxicos e registra dívida para com a
EFSF, além das demais obrigações que assume com o HFSF. Os papéis que possuem a
garantia dos países sócios da EFSF ficam com os bancos privados. Pelo menos EUR
48.2 bilhões foram recebidos pelo HFSF por meio desse mecanismo, para serem
aplicados na capitalização de bancos privados.
A Grécia não obteve benefício algum, pois os recursos apenas transitaram pelo
Banco Central da Grécia e foram diretamente para os bancos privados. Além disso, a
Grécia passou a financiar a EFSF, pois teve que arcar com todos os custos
relacionados à preparação de cada documento, registros em Bolsa, inúmeros custos
operacionais, legais e até viagens!
caminho para monopólios e oligopólios, com centralidade do capital portador de juros, se manifestava –
ou seja, esta crise não decenal revelava-se –, entre outras formas, pela deflação duradoura.
financeiros emitidos pela EFSF simplesmente passam pelo Banco Central Grego e
seguem para o fundo privado HFSF, e deste para os bancos privados. Como uma
dívida gerada dessa forma pode ser sustentável? Sobre ela ainda recaem pesados juros,
encargos, taxas, comissões e toda espécie de custos informados pela EFSF, além de
obrigações extraordinárias criadas pelo HFSF.
O mais grave é que o povo grego fica com o ônus de reembolsar uma dívida cujos
recursos nunca recebeu. Tais pagamentos estão sendo efetuados, às custas de
crescentes cortes de direitos sociais, entrega de patrimônio público e demais medidas
antisociais, ferindo gravemente os direitos humanos e a soberania grega.156
A função das dívidas públicas é cada vez menos financiar o Estado ou intervir no
fluxo de dinheiro e cada vez mais uma degeneração parasita. O capital fictício necessita
de uma razão de ser, precisa justificar sua existência; a extração indireta de mais-valor
via impostos aparece como o mecanismo necessário para pelo menos amenizar a
tendência ao colapso do mercado especulativo e do próprio sistema. Essa manobra não
é, portanto, puro oportunismo, mas uma necessidade sistêmica – que condena os
trabalhadores ao puro desespero. Vejamos o aumento da dívida em vários países desde
2008, em proporção ao PIB157:
EUA
CANADÀ
156
http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/01/28/grecia-mecanismos-do-sistema-da-divida-
corroem-democracia-e-direitos-humanos/
157
Fonte: http://pt.tradingeconomics.com/country-list/government-debt-to-gdp
CHINA
FRANÇA
JAPÃO
RÚSSIA
ESPANHA
REINO UNIDO
ZONA DO EURO
“’Os grandes bancos detinham os produtos tóxicos responsáveis pela crise, mas, em vez
de reestruturá-los, os Estados acabaram assumindo suas obrigações - e a dívida privada
se transformou em dívida pública.’” (Fonte: BBC Brasil158)
158
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160330_bancos_economia_global_fn
159
http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/divida-mundial-ja-supera-325-do-pib-do-planeta-
107348
160
Teorema: a dívida pública é tanto mais estrutural quanto maior for o Estado e sua economia. Causas:
1) a proporção maior das dívidas tem efeito qualitativo – em si, impagáveis de todo; 2) quanto mais
estável é o Estado, maior sua atratividade para investimentos em sua dívida; 3) um Estado é tanto maior
e mais estável quanto mais estável e maior for sua economia, fonte de onde se ergue e se mantêm a
superestrutura; 4) Como tendência geral, assim como com os setores produtivo e comercial, o capital
portador de juros é mais avançado onde é mais avançada a economia.
economia, em um amor prostituído. Por outro lado, Alemanha até agora consegue
relativizar as questões da crise transferindo parte dos problemas para outros países,
como a Grécia, e sustentando algum crescimento da economia, do PIB (1,3 em 2008; -5
em 2009; 3,6 em 2010; 3,0 em 2011; 0,7 em 2012; 0,4 em 2013; 1,5 em 2014; 1,7 em
2015):
ALEMANHA
O mesmo alcançou até agora a Índia, baixando a dívida de 77% do PIB para
66,4%, sustentado em um crescimento econômico maior que o da China:
ÍNDIA
O sistema de crédito público, isto é, das dívidas públicas, cujas origens encontramos em
Gênova e Veneza já na Idade Média, tomou conta de toda a Europa durante o período
manufatureiro. O sistema colonial, com seu comércio marítimo e suas guerras
comerciais, serviu-lhe de incubadora. Assim, ele se consolidou primeiramente na
Holanda. A dívida pública, isto é, a alienação [Veräusserung] do Estado – seja ele
despótico, constitucional ou republicano – imprime sua marca sobre a era capitalista. A
única parte da assim chamada riqueza nacional que realmente integra a posse coletiva
dos povos modernos é... sua dívida pública243a. Daí que seja inteiramente coerente a
doutrina moderna segundo a qual um povo se torna tanto mais rico quanto mais se
endivida. O crédito público se converte no credo do capital. E ao surgir o endividamento
do Estado, o pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdão, cede seu lugar
para a falta de fé na dívida pública.
A dívida pública torna-se uma das alavancas mais poderosas da acumulação primitiva.
Como com um toque de varinha mágica, ela infunde força criadora no dinheiro
improdutivo e o transforma, assim, em capital, sem que, para isso, tenha necessidade de
se expor aos esforços e riscos inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Na
realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a soma emprestada se converte em
títulos da dívida, facilmente transferíveis, que, em suas mãos, continuam a funcionar
como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo.
Porém, ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas ociosos assim criada e a
riqueza improvisada dos financistas que desempenham o papel de intermediários entre o
governo e a nação, e abstraindo também a classe dos coletores de impostos,
161
http://esquerdaonline.com.br/2016/11/13/medidas-radicais-contra-1/ e
http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/08/ABC-da-D%C3%ADvida-3-
Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf
comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo
estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as sociedades
por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra:
o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.
Desde seu nascimento, os grandes bancos, condecorados com títulos nacionais, não
eram mais do que sociedades de especuladores privados, que se colocavam sob a
guarda.
(…)
Como a dívida pública se respalda nas receitas estatais, que têm de cobrir os juros e
demais pagamentos anuais etc., o moderno sistema tributário se converteu num
complemento necessário do sistema de empréstimos públicos.
(…)
2.
O capitalismo consolidou a urbanização no principio desse século XXI, uma
imensa.
3.
“Oferecimento" e transferência, em permanência e crescente, de serviços
privados para os trabalhos públicos.
O custo do serviço aumenta, pois deve, também, nesse caso, além do custo com o
material e mão-de-obra, garantir os lucros da patronal. No mesmo sentido, privatiza-se
os serviços estatais lucrativos, tirando fontes de recursos deste; o neoliberalismo, irmão
do keynesinaismo, mas de personalidade oposta, procurou e conseguiu fragilizar
relativamente o Estado162. A luta burguesa contra o Estado de bem-estar social na
Europa é o caso central.
No gráfico a seguir, podemos ver uma manifestação disso163:
162
O reformismo critica o “capitalismo neoliberal” como se um governo “progressivo” fosse resolver a
questão por meio de algum keynesianismo.
163
P. 214.
O menor peso do Estado na economia, segundo Guglielmo Carchedi:
Também se poderia argumentar que o capitalismo poderia ter uma nova etapa de
desenvolvimento através de políticas de redistribuição keynesianas com investimento
estatal maciço. Numa situação em que as políticas neoliberais de carnificina social
fracassaram miseravelmente, a opção keynesiana volta ao primeiro plano. Mas quem
pode financiá-las? Não os trabalhadores, já que numa situação de crise, ou seja, de
estancamento ou diminuição da produção de mais-valia, salários mais altos significam
menores lucros. Não o capital, porque a rentabilidade já é tão baixa que os lucros se
reduziriam ainda mais. O Estado, então? Mas onde pode encontrar o dinheiro? Não
pode tomá-lo do trabalho ou do capital, pelas razões mencionadas. Portanto deve
recorrer à dívida pública. Mas esta já é elevada e também contribui para o crescimento
da bolha. A resposta keynesiana é que o Estado deve recorrer à dívida pública
temporariamente para financiar grandes projectos de investimento público. Os
investimentos iniciais poderiam favorecer outros investimentos e estes ainda mais
outros, numa cascata multiplicativa de emprego e criação de riqueza. Nesse ponto, os
maiores rendimentos do Estado poderiam ser utilizados para reduzir a dívida pública.
Este é o multiplicador keynesiano. Mas não funciona.
Assim igual, a disputa entre Estados por alocação de empresas tende a reduzir a
zero os impostos cobrados sobre capitais, heranças, investimentos, lucros etc. Com a
crise sistêmica, a taxa de lucro tende a decair; por isso, então, é do interesse burguês ter
diretamente para si aquela parte do mais-valor destinado à superestrutura – esta é a
tendência geral. No Brasil, o governo Temer caminha neste sentido:
O projeto tem como relator o deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR). Propõe parcelar as
dívidas de empresas em até 240 prestações. Haverá corte de 90% das multas, juros e
encargos. Poderão ser incluídas dívidas contraídas até 30 de junho de 2016.
A Receita Federal se posiciona contra a adoção do Refis. Mas houve uma forte pressão
nos últimos dias por parte de empresários e setores políticos que apoiam o governo de
Michel Temer. Acham que é necessário oferecer algum oxigênio para os negócios
endividados.165
164
Guglielmo Carchedi - Doutorado em economia pela Universidade de Turim. Trabalhou para a ONU
em Nova York e leccionou na Universidade de Amsterdam. É autor de numerosos estudos de economia
marxista. Publicará em breve, com Michael Roberts, The World in Crisis, pela editora Zero Books. Os
seus livros Behind the Crisis e The Long Roots of the Present Crisis: Keynesians, Austerians and Marx's
Law podem ser descarregados em resistir.info/livros/livros.html. Fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
165
http://www.poder360.com.br/economia/temer-e-meirelles-acertam-novo-refis-para-perdoar-de-
dividas-de-empresas/
Na bíblia, as sociedades decadentes ouviram líderes religiosos reclamarem do
aumento de impostos sobre os pobres166; caindo sobre as costas dos trabalhadores, por
meio de mais tributos e precarização dos serviços públicos, agora, temos nosso próprio
e materialista apocalipse.
Assim, atualizamos Marx: o trato com os impostos é uma das contratêndências
possíveis à queda da taxa de lucro167. Serve-nos de exemplo a medida do governo
Trump, EUA, de atrair o capital internacionalizado para seu país por meio da redução de
impostos às empresas – gerando a possbilidade de uma guerra fiscal, de maior disputal
internacional por qual país atrai investimentos reduzindo tal custo.
4.
O custo da dominação imperialista exige muito do Estado.
5.
Nos países atrasados há uma burguesia débil que surge, cresce e se mantêm graças
e usando o Estado.
A partir de 2003, com a mudança de seu estatuto social, o BNDES passou a apoiar
investimentos diretos a empresas brasileiras no exterior. Mas foi só em 2005 – quando
se aprovaram as normas de financiamento direto internacional – que o banco se tornou
166
Em provérbios, cap. 29, encontramos: “Quando os honestos governam, o povo se alegra; mas,
quando os maus dominam, o povo reclama.” “Quando o governo é justo, o país tem segurança; mas,
quando o governo cobra impostos demais, a nação acaba na desgraça.” “A pessoa correta se interessa
pelos direitos dos pobres, porém os maus não se importam com essas coisas.” “As autoridades que
defendem o direito dos pobres governam por muito tempo.” E, no mesmo capítulo: “Não adianta nada
corrigir um escravo somente com palavras porque, mesmo que ele entenda, não obedecerá.” “O
escravo que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.”
167
Um trato científico profundo verá a diferença entre os fatores endógenos e centrais, contratendênias
geradas pela tendência, e fatores externos, exógenos. Isto escapa do projeto desta obra.
168
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2014/12/19/custo-de-guerras-dos-eua-desde-os-
atentados-de-11-de-setembro-us-16-trilhao.htm
um agente importante no processo de internacionalização de empresas. A seguir foram
abertos os primeiros escritórios fora do País.
(…)
6.
A guerra tende a tornar-se, cada vez mais, um fim em si mesmo.
A guerra não é só uma forma de ampliar mercados e conquistar riqueza. Ela é em si
uma fonte de lucro: aumenta o consumo, gera investimento, reconstruções, permite às
empresas escoarem a produção para que o país participante na guerra possa manter o
engajamento militar. Se isso era realidade antes, tanto mais o é nessa etapa onde novos
produtos rapidamente ficam saturados no mercado. Não é só a “continuação da política
por outros meios”: cada vez mais é “continuação rotineira da economia por outros
meios”. De uma tática para uma estratégia de lucro. Nesse sentido, os EUA tiveram
derrotas táticas no campo político em relação ao Afeganistão e Iraque, mas com a
conquista da vitória estratégica: o lucro via guerra (depois, deu-se a lógica “vitórias
podem gerar derrotas”). Israel e suas agressões sobre Gaza é outro exemplo, e não à toa
seu mercado de armas cresce após cada massacre. Vez ou outra, tal tipo de motivação é
uma "alternativa", ou antessala, a uma possível guerra mundial.
169
https://economia.terra.com.br/bndes-financiamentos-a-empreiteiras-no-exterior-crescem-
1185,52f5f701cbe92410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
Para exemplificarmos, após os ataques terroristas na França as ações de empresas
de armamento cresceram170 – bela alternativa para o capital fictício... –:
170
Extraído de:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/42306/acoes+de+empresas+do+setor+de+defesa+e+
armamento+sobem+apos+ataques+em+paris.shtml
Vejamos a análise, informações e dados oferecidos em um artigo da POI,
organização política russa, ligada à Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), sobre o
investimento de Putin na guerra civil síria:
(...)
Vale dizer que a maioria destes projetos constituiu para a burocracia soviética
perdas financeiras diretas. Foram investimentos políticos não-orientados à obtenção de
lucro, e sim a manter os regimes em sua “órbita”, para ter melhores condições políticas
na disputa com o imperialismo.
Mas são as armas que desempenham o papel mais importante nas relações entre o
PCUS e o Baath sírio. O custo total do fornecimento de armas soviéticas à Síria entre as
décadas de 1960 e 1980 supera 26 bilhões de dólares e a proporção de armas soviéticas
no exército sírio chegou a 90%[i]. Uma parte importante dessas armas foi fornecida na
forma de crédito e a dívida total da Síria com a URSS chegou a quase 14 bilhões de
dólares, em 1991.
Mas o significado desta dívida foi muito diferente das dívidas capitalistas. O regime
sírio era consciente de que não precisaria pagar a “dívida socialista”, e que deveria, em
troca, ser um “governo progressivo”, isto é, apoiar a política da burocracia soviética no
mundo. Por seu lado, a burocracia soviética era consciente de que se um dia o “regime
amigo” deixasse de ser “amigo” para voltar ao campo de influência do imperialismo,
também não estaria preocupado em pagar a dívida.
(…)
A situação mudou no início dos anos 2000. Por um lado, na Rússia, sobre a base do
esgotamento dos protestos sociais e a derrota da resistência na Chechênia, ocorreu uma
revanche política da burocracia da KGB (hoje FSB) e do Exército, que sempre fizeram
campanha pelo “regresso dos aliados históricos”. Apoiando-se em grande parte neste
setor, instalou-se o regime bonapartista de Putin, que, sob sua direção, consolidou
politicamente os oligarcas russos e a burocracia. Putin monopolizou o espaço político
legal, expulsando os partidos liberais, agentes diretos do imperialismo, e se postulou
como a única referência para dialogar com o imperialismo na Rússia.
(…)
Mas, da mesma forma como na época da URSS, esses projetos econômicos eram
limitados. Antes da guerra e da revolução, a partir dos investimentos russos, produzia-se
apenas 22% da eletricidade, e na participação e na extração do petróleo nunca foi
superado o recorde soviético dos 27% (Evseev V.V.).
Não é difícil encontrar esse mesmo nível de participação dos investimentos russos
em todo o território da ex-URSS. Não é pouco, mas é insuficiente para condicionar a
posição inflexível do regime russo em defesa de Assad. Os projetos econômicos
continuam sendo muito secundários em relação ao aspecto decisivo, o fornecimento de
armas, onde Putin e Assad têm um “entendimento mútuo” muito mais profundo.
De 2005 a 2008, o volume anual de comércio sírio-russo cresceu 10 vezes (de 0,2 a
2 bilhões de dólares).[iii] A totalidade de investimentos russos no país chegou a 20
bilhões de dólares (Odnako, recurso ligado ao Kremlin). Assad também mantém a base
militar naval russa. Sempre apoiou a guerra de Putin no Cáucaso, apoiou a guerra com a
Georgia. Em 2008, durante sua visita a Moscou, Assad declarou estar disposto a
cooperar em “todos os projetos que defenderiam a segurança da Rússia” e, inclusive,
ofertou o território sírio para a instalação dos complexos de mísseis “Iskander” (a última
proposta foi delicadamente recusada por Putin, para não prejudicar as relações com
Israel e os EUA).
Obama e Putin coincidem na necessidade de pôr fim à revolução síria, mas a linha
divisória entre eles passa pelo regime sírio. Quem domina a Síria é um regime ditatorial
que controla todo o cenário político e se apoia em um Exército totalmente dependente
das armas russas. Qualquer “liberalização política” (um debilitamento do regime
ampliando as liberdades “democrático-burguesas” e, mais ainda, sua derrubada e
substituição por um regime parlamentar) significaria a queda do papel político do
Exército e o crescimento sem freios das possibilidades para o imperialismo de participar
diretamente no processo político na Síria.
171
http://litci.org/pt/mundo/europa-mundo/russia/por-que-putin-apoia-assad/
Temos um novo keynesianismo militar em plenitude associado ao neoliberalismo
militarista.
7.
O Estado burguês tem vivido o desgaste do seu monopólio e controle da violência
de seu aparelho militar-policial.
172
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000100054&script=sci_arttext
aproximadamente de um para um entre os contratados privados pelo Departamento de
Defesa, aproximadamente 90 mil homens (Schwartz 2010).
Embora não existam dados recentemente atualizados, é muito provável que esse
índice tenha se desequilibrado em favor das forças privadas, já que o número de
soldados norte-americanos foi reduzido após o anúncio da retirada, feito pelo
presidente Barack Obama no final de agosto de 2010. No final de 2003, no começo do
projeto de reconstrução, havia mais de 60 empresas americanas de segurança no
Iraque e aproximadamente 25 mil empregados (Pelton 2006, p. 107). O resultado desse
desequilíbrio é que a quantidade de baixas de tropas americanas foi drasticamente
reduzida, sem que necessariamente fosse reduzida a presença norte-americana.173
8.
Há burocratização da burocracia burguesa.
9.
Surgem os protetorados.
173
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782015000100027
Enquanto o capitalismo se movia em livre concorrência, até o final do século XIX,
o Estado burguês servia à sua classe dotado de alguma autonomia nesta tarefa, enquanto
o livre mercado desejava liberdade plena para escravizar a maioria dos “cidadãos”.
Quando surge a fase imperialista na economia, com sua superconcorrência de
oligopólios, este mesmo aparelho classista passa a viver sob uma dominação muito mais
direta do capital financeiro, fusão dos capitais bancário e produtivo. Desde a década de
1970, este domínio qualitativo toma forma degenerante. Nos ciclos de era: 1.O Estado
tem duplo caráter, feudal e burguês; 2. Surge a ferramenta estatal do capital; 3. O estado
passa a uma intervenção mais direta na economia; 4. Salto para si, começa a crise mais
ou menos silenciosa, mais ou menos evidente, do organismo.
Esses elementos não significam que o Estado burguês cairá por si, ou caducou de
vez, ou é incapaz. O certo é que paga alto preço por sustentar sua própria ordem já por
demasiado irreal. Sustenta a realidade atual que se desenvolve também desgastando e
devorando, para fins lucrativos, a própria ferramenta de dominação em um nível
superior às contradições demonstradas por Lenin e Trotsky, há um século. Ocorre uma
evolução dessa contradição, estimulando a degeneração do Estado. A burguesia,
seguindo a dinâmica expansiva do capital, desejosa de sobrevivência e engordamento,
parasita seu próprio aparelho – que adoece. Em contrapartida, como nos revelou o
desertor Edward Joseph Snowden, analista de sistemas, ex-administrador de sistemas da
CIA e ex-contratado da NSA, reagindo à própria decadência, os Estados fundaram o
mais poderoso aparato de espionagem jamais visto. Ao mesmo tempo, a internet abre
maiores possibilidades para um combate: o fim do segredo de Estado e diplomacia
secreta.
Vejamos a privatização da espionagem:
Uma das consequências disso, segundo ele, é que empresas privadas podem acabar
investigando as pessoas comuns, civis que usam internet e telefone, por exemplo, em
nome do governo, mas sem que ele possa ser responsabilizado por isso.
Quando uma empresa privada oferece serviços técnicos ao governo, não há nenhum
problema. Entretanto, quando falamos de alto nível de inteligência e investigação,
análise de informações de satélites de segurança, dados da Agência de Segurança
Nacional (NSA), espionagem de internet, grampos em telefones, o fato de termos
empresas privadas analisando as informações e escrevendo relatórios que chegam até
mesmo ao presidente do país, temos uma inteligência contaminada, corrompida por
outros interesses.
Tivemos muitos problemas no processo que nos levou à guerra no Iraque, por
exemplo, quando a inteligência foi pressionada pelo governo, pelo vice-presidente Dick
Cheney, para que escrevesse relatórios de forma que desse motivo à guerra. Acho que
este problema só cresce quando há empresas privadas fazendo o trabalho de
inteligência. As empresas estão trabalhando sob um contrato, e querem manter este
contrato, ter certeza que vão continuar ganhando dinheiro, querem satisfazer os
acionistas mantendo o lucro da empresa. Isso levanta a questão do quão objetiva a
análise dessas empresas privadas pode ser.
(…)
(…) É do interesse das empresas dizer que a ameaça existe e é alta, pois quanto
maior o risco mais dinheiro eles vão ganhar e mais contratos de inteligência. Acho, pelo
contrário, que temos que analisar o trabalho deles de forma crítica e, acima de tudo
questionar a legitimidade deste trabalho de inteligência. Há vários exemplos em que há
conflitos de interesse muito claros. As empresas privadas estão envolvidas em
discussões que mudam políticas públicas, e é do seu interesse mudar a política para
ganhar dinheiro. Isso é um enorme perigo.
(…)
(…) mas é verdade que eles têm uma função secreta de que a população não sabe.
Como resultado, essas agências privadas passam a ter uma influência perigosa para a
democracia, mais forte de que a da população.174
174
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL583481-5602,00-
PRIVATIZACAO+DE+ESPIONAGEM+CORROMPE+INTELIGENCIA+NOS+EUA+DIZ+PESQUISADOR.html
175
No primeiro capítulo afirmamos: “Eis onde queremos chegar: o dinheiro tende a uma forma
unificada: poucos bancos com seus cartões de créditos como suporte de bits, de dados. Como todas as
tendências ao concreto apresentadas neste livreto, somente será realizável na transição ao socialismo.
De imediato (aqui entramos no terreno da hipótese), os bancos centrais tenderão cada vez mais a
perder suas capacidades de manobra”. E complementamos na nota de rodapé: “Conquista da civilização
capitalista quando madura, o banco central, banco dos bancos, generalizou-se desde o século XIX. Mas,
com a desregulamentação financeira, moedas unificadas (Euro) e a criação de dinheiro virtual (processo
de alavancagem, criação de moeda “do nada”) por bancos privados, temos manifestações da
deterioração dos BCs.” Pensamos que esta nota, na medida em que já tratamos deste ponto, basta para
recordarmos este fator estatal.
CONTRADIÇÃO TENDENCIAL ENTRE CENTRO PRODUTIVO E CENTRO
ADMINISTRATIVOS DO CAPITAL: O IMPERIALISMO SUI GENERIS
Tais elementos fazem surgir uma contradição avançar de relativa para absoluta:
entre os centros administrativos/consumidores e os centros produtivos. Por um lado,
interno, o deslocamento territorial fragiliza a classe operária; por outro, pode surgir
conflitos entre Estados-nacionais – China e EUA, por exemplo. As disputas relativas
entre os centros de controle da sociedade e os centros de produção da riqueza social
podem dar combustível à luta de classes (conflito determinante, essencial).
177
Nesta obra, as notas de roda pé visam auxiliar, por isso propomos acompanha-las. Nesta, recordamos
que a dialética materialista faz da negação da negação um movimento constante, que não se encerra
em sua terceira forma, ou seja, sempre haverá uma nova negação, em um ciclo permanente. Exemplo: a
manufatura (afirmação) é uma negação em relação ao anterior (afirmação), cooperação e artesanato,
que eram localizados nas cidades, nos burgos. Outro aspecto da categoria, a negação da negação, de um
lado, é um retorno à afirmação, mas de outro modo; de outro, agrega em si elementos do negado, da
negação.
A transferência do capital para os países atrasados – em principal, capital produtivo,
mas também o capital-dinheiro especulativo –, também fortes no trato da terra, em
muitos casos, enquanto os países dominantes se desindustrializam, ao lado de suas
financeirizações, demonstra que a conclusão da economia política clássica, burguesa, no
salto para si178, está entre fato e fato superado.
Aqui, exige-se breve mas importante nota. Por razão do Estado de Bem-Estar
Social, o próprio marxismo associou país imperialista como igual à qualidade de vida.
Mas isso não é necessariamente nem de todo assim. Também absorveu a concepção de
que, quanto mais desenvolvido é o capitalismo de um país, maior a qualidade vida de
seus assalariados – mas são questões diferentes, interligados por uma conjuntura
específica e excepcional historicamente. Um país “sujo” como a China pode ser, por
razões históricas, imperialista. A tendência à miséria crescente, relativa e absoluta,
começa a se impor nos países imperialistas, onde surgiu a aristocracia operária.
178
Se nos é permitido uma licença poética: são 3,5 ciclos de era; três e uma transição por acentuação do
terceiro, salto para si.
179
Piketty, p. 580.
No gráfico acima, a Ásia dá um salto desde os anos 1990, quando a China abriu-se
para os mercados. A partir dos anos 1970 há uma mudança tendencial – e deste
modo180:
180
Piketty, p. 69.
181
https://www.quandl.com/ e http://katapult-magazin.de/de/artikel/artikel/fulltext/china-vor-usa/
Acima observamos a diferença de proporção mundial entre o PIB Chinês e
estadunidense: uma proporção inversa de crescimento. Mais uma vez, o gráfico trata de
um fato, de um dado: para compreendermos a dimensão real, precisamos conectar essas
informações com o todo.
A Alemanha pode relativizar parte dessa tendência por seus tratados especiais,
UE/Euro. Assim, se pode garantir a circulação e o comércio tendo sua economia como
centro com maior facilidade; para isso, conta com a robótica. Como consequência, os
países mais frágeis de seu continente – Portugal, Espanha, Grécia etc. – tendem a
tornar-se semi-colônias (processo, ainda, em aberto). Por ouro lado, os EUA correm
atrasados na medida em que o projeto da Alca, irmã bruta da UE e Euro, abortou-se por
razão da luta de classes anti-imperialista na América Latina.
"A demanda por matérias-primas está crescendo em todo o mundo. Vários países,
entre eles a Bolívia, podem se tornar novos fornecedores”, explica o especialista da
consultoria financeira Finam Management, Dmítri Baranov.
(…)
Devido à alta demanda por lítio, os preços de baterias na China, maior fabricante
mundial do produto, subiram para US$ 20 mil por tonelada em meados de 2016 - quase
o triplo de seu valor no ano anterior.
182
http://exame.abril.com.br/revista-exame/o-setor-eletrico-brasileiro-caiu-no-colo-dos-chineses/
Em abril de 2016, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países
assinaram o "Plano de Desenvolvimento da Cooperação Estratégica entre Rússia e
Bolívia", que contém 56 pontos em diferentes áreas de cooperação, entre elas as de
energia, extração de recursos naturais, cooperação técnico-militar, economia, turismo,
cultura, educação, pesquisa científica, saúde etc.183
“Segundo: os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes
fontes de matérias-primas, particularmente para a indústria fundamental e mais
cartelizada da sociedade capitalista: a hulheira e a siderúrgica. A posse monopolista das
fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do
grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não
cartelizada.” (Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo; p. 60.)
Além dos demais setores, como o de serviços, onde há mais espaço para novas
grandes empresas, China e Rússia também investem em setores que menos sofrem os
impactos de conjunturas adversas e podem, ao contrário, erguerem-se. Exemplos são as
183
http://gazetarussa.com.br/economia/2016/11/07/empresas-russas-intensificam-presenca-na-
bolivia_645557
184
http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/brasil-e-o-3-maior-destino-dos.html
compras de hidrelétricas brasileiras pelo capital chinês cujo preço da energia depende
mais da disposição da matéria-prima que da concorrência.
Vamos agora ocupar-nos da América, onde sucedeu algo mais importante do que a
revolução de Fevereiro [1848]: a descoberta das minas de ouro californianas. Dezoito
meses após o acontecimento já é possível prever que terá efeitos mais consideráveis do
que a própria descoberta da América. Ao longo de três séculos todo o comércio da
Europa em direção ao Pacífico contornou, com paciência admirável, o cabo da Boa-
Esperança ou o cabo Horn. Todos os projetos de praticar uma abertura no istmo do
Panamá falharam devido às rivalidades e invejas mesquinhas dos povos comerciantes.
Dezoito meses após a descoberta das minas de ouro californianas, os yankees
começaram já a construir uma estrada de ferro, uma grande estrada e um canal no Golfo
do México. E já existe uma linha regular de barcos a vapor de Nova Iorque a Chagres,
do Panamá a S. Francisco, concentrando-se no Panamá o comércio com o Pacífico e
deixando de se utilizar a rota do cabo Horn. O vasto litoral da Califórnia, com 30 graus
de latitude, um dos mais belos e mais férteis do mundo, por assim dizer desabitado, vai
se transformando rapidamente num rico país civilizado, densamente povoado por
homens de todas as raças, do yankee ao chinês, ao negro, ao índio e ao mulato, do
crioulo e mestiço ao europeu. O ouro californiano corre abundante em direção à
América e à costa asiática do Pacífico, e os povos bárbaros mais passivos são arrastados
para o comércio mundial e para a civilização.
Uma segunda vez o comércio mundial muda de direção. O que eram, na
Antiguidade, Tir, Cartago e Alexandria, na Idade Média, Gênova e Veneza, e, até agora,
Londres e Liverpool, a saber, os empórios do comércio mundial, serão no futuro Nova
Iorque e São Francisco, São João de Nicarágua e Leão, Chagres e Panamá. O centro de
gravidade do mercado mundial era a Itália, na Idade Média, a Inglaterra na era
moderna, e é hoje a parte meridional da península norte-americana. [Marx
esquece, ou desconhece, o papel da Holanda na fase comercial; depois destacado em O
Capital, duas décadas depois. Destaque meu.]
A indústria e o comércio da velha Europa terão que fazer esforços terríveis para
não caírem na decadência, como aconteceu com a indústria e o comércio da Itália
no século XVI, isto se a Inglaterra e a França não quiserem tornar-se o que são
hoje Veneza, Gênova e a Holanda. Daqui a alguns anos teremos uma linha regular de
transporte marítimo a vapor da Inglaterra a Chagres, de Chagres e São Francisco a
Sidney, Cantão e Singapura.
A única probabilidade que têm os países civilizados da Europa de não caírem na mesma
dependência industrial, comercial e política da Itália, da Espanha e do Portugal
modernos é iniciarem uma revolução social que, enquanto ainda é tempo, adapte a
economia à distribuição segundo as exigências da produção e das capacidades
produtivas modernas, e permita o desenvolvimento de novas forças de produção que
assegurem a superioridade da indústria européia, compensando assim os
inconvenientes da sua localização geográfica.
Mais ainda. No seio da plebe insurreta, alguns denunciavam a miséria de uns e a riqueza
de outros, exigindo nova repartição dos bens, e mesmo a supressão total da propriedade
privada - e ainda hoje continuam a formular tais reivindicações. Após vinte anos de
ausência, quando o sr. Gutzlaff regressou ao contacto dos civilizados e dos europeus, e
ouviu falar do socialismo, exclamou aterrorizado:"Não poderei então escapar em lado
nenhum a esta perniciosa doutrina? É exatamente isso o que apregoam há algum tempo
muitos indivíduos da população chinesa!"
Por decadência sistêmica, os impérios tentarão manter e ampliar seus domínios com
força dobrada (qual nação-regime-governo pagará pela crise?) e encontrarão
dificuldades em igual proporção, na tentativa de recolonizar os países atrasados; assim,
retroalimentado por maior luta de classes, será cada vez mais difícil a qualquer pátria
exercer o centro de gravidade do poder. Essa interpretação parece ter respaldo de
representantes do imperialismo:
185
https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/02/deslocamento.htm
186
Zbigniew Brzezinski, um dos principais estrategistas da política externa dos EUA nos últimos 40 anos.
Assessor de todos os governos democratas desde 1977. Entrevista para a revista “Época”, do Brasil, de
28/12/2014. Citação extraída do artigo “’1975 versus 2015’: Um passado e um presente para refletir” de
Martín Hernández.
O lapso de honestidade e seriedade desse dirigente esconde a intenção: isso não
evoluirá sem terremotos maiores na luta das classes antagônicas e intraburguesa, com os
EUA tentando manter e ampliar sua posição. Por outro lado, não apenas o império
americano está em decadência, mas a lógica do império e o próprio capitalismo
mundial; o imperialismo-mor apenas expressa isso como o ponto mais alto de uma torre
trêmula, a ponto de desabar. Estamos ainda na fase imperialista, mas no período de
decadência, não de ascensão, dessa fase.
187
Colocar datas fixas aos processos é uma tarefa impossível; neste caso, a crise mundial acelerou o
projeto chinês.
188
EXAME – Política é o fator mais importante na hora de o senhor decidir investir ou não em
determinados mercados?
Sam Zell – Começa com a política. Depois vem a economia. Mas, se a política não for razoável, a
economia não importa. Aprendemos isso em países como a Venezuela. Outra questão importante é a
demografia. No Japão e na maior parte da Europa, há menos pessoas em dezembro do que havia em
janeiro.
Como um investidor [na área de construção civil], o que faço é tentar determinar onde a demanda está
e ver como eu conseguirei suprir essa demanda. Se a população estiver encolhendo, a demanda
também estará. Então, eu prefiro investir no Brasil ou na Índia, onde a população e a demanda vão
crescer.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/e-hora-de-comprar/
189
“A China divulgou um plano para permitir que milhões de agricultores migrem para as cidades ao
longo dos próximos anos, numa tentativa de impulsionar o crescimento econômico, que parece estar
desacelerando.”
“Liderado pelo primeiro-ministro Li Keqiang, o Conselho de Estado (o gabinete do governo) aprovou um
plano há muito esperado para acelerar a urbanização.”
“Isso significaria um deslocamento populacional de quase cem milhões de pessoas, cerca de metade da
população brasileira.”
“Embora o sistema "hukou" – o registro de residência que restringe as migrações – continuará tendo
limites, o governo vai tornar mais fácil para produtores rurais venderem ou arrendarem suas terras,
procurarem emprego nas cidades e ganharem direito aos serviços públicos.”
"A urbanização é um motor potente para manter o crescimento econômico num ritmo sustentável e
numa direção saudável", afirmou o gabinete no site do governo no domingo. "A demanda doméstica é o
propulsor fundamental do desenvolvimento econômico de nossa nação e a urbanização tem um grande
potencial para expandir o consumo interno."
“O plano prevê que a China tenha cerca de 60% de seus mais de 1,3 bilhão de habitantes vivendo em
áreas urbanas até 2020, comparado com 52,6% no fim de 2012.”
Fonte: http://br.wsj.com/articles/SB10001424052702304017604579445870559911930
190
http://br.wsj.com/articles/SB10001424052702304017604579445870559911930
Calibremos as diferenciações. Há colônias (Guiana francesa, etc.), semicolônias
(Bolívia, Egito, Chile, etc.), semicolônias privilegiadas (Brasil, México, Índia, Turquia,
África do Sul, etc. – importam capitais em abundância e, por isso, podem exportar
algum capital nativo), subimperialismos (Portugal, Espanha, Canadá, etc.),
imperialismos Sui Generis (China, Rússia e, aliado aos EUA, – ao ganhar cada vez mais
autonomia desde sua fundação – de satélite e artificial até sua manutenção forçada 70
depois, Israel191) e imperialismos típicos (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra,
etc.). O Brasil serve como exemplo de um país com altas capacidades, mas
subordinado; tende a desindustrializar-se, a focar-se nas áreas comercial/serviço e
produtos primários na medida em que a China suga para si o capital industrial. Os novos
imperialismos, Sui Generis, procuram fazer orbitar ao redor de si os demais países
191
Deixamos a seguinte questão teórica: a Arábia Saudita pode ser incluída como Imperialismo Sui
Generis? A importância de seu petróleo para o mundo, sua influência geopolítica no Oriente Médio e
Norte da África, o regime de monarquia absolutista etc. apontam alguma mudança de qualidade?
intermediários; e estes, como o Irã, podem aproveitar as circunstâncias para também
manobrarem192.
No entanto, os imperialismos Sui Generis, fora da norma, são uma anomalia, como
a tendência aumentada de obtermos células cancerígenas quanto mais velhos ficamos;
são expressões da decadência do capital. Por isso, não representam uma nova
normalidade, mas a anormalidade da manutenção do sistema: trata-se de um fenômeno
transitório, de decadência. De qualquer modo, considerada correta a caracterização, o
nome dado ao processo parece-nos efêmero e auxiliar. As placas tectônicas globais
encontram-se, chocam-se, sobrepõe-se umas nas outras; pois a tendência é o encontro
final, a rearticulação da Pangeia na economia, geopolítica e, isto sim, na humanidade.
Hoje, um burguês organiza operações desde Dubai, via internet, para a empresa
com filial-mãe nos EUA cuja produção se dá na China… Como personificação, o
capitalista expressa em seus hábitos o fato de o capital, por seu auge-decadência, cada
vez menos ter pátria e, por essa razão, cada vez menos lealdade para com os Estados
porque, de qualquer forma, foram feitos para ele, dele dependem e a ele servem. O
imperialismo é, em primeiro lugar, uma fase da economia inaugurada com a fusão dos
capitais bancários e industriais em capital financeiro; daí deriva e explica-se a
geopolítica. O processo na China e Rússia, com países os orbitando (Irã, Cuba, etc.),
começa a dar alguma e maior razão relativa – relativa, mesmo –, dentro do método
marxista, à semiciência geografia política: a luta interestados por quem é a melhor casa
do capital, mundialmente consolidado ao máximo, gerará tensões e violência193. O
capital é uma substância que, como água, ocupando todo o espaço, cada vez mais
autônoma de sua fonte, descerá e acumular-se-á para onde a gravidade a empurra. Isso
ocorre porque esta última etapa do sistema alcançou suas metas: altíssima concentração
e centralização dos capitais, fusão dos capitais, urbanização planetária, comercialização
extensiva e intensiva total do mundo, industrialização dos principais países atrasados,
transformação das potências econômicas em países rentistas, revoluções técnicas,
192
Embora Marini tenha descoberto, em geral, o mesmo que Trotsky, décadas antes, havia
demonstrado; neste capítulo fazemos uma adaptação nova dos conceitos e caracterizações ou uma
atualização. Por outro lado, a panaceia “Desenvolvimento Associado” ou interdependente de Fernando
Henrique Cardoso, errada no geral, demonstrou ter elementos de verdade aproveitáveis para a análise
fora do Brasil, em países onde o desenvolvimento desigual e combinado atingiu altíssimos e particulares
graus. O próximo capítulo complementará essa concepção.
193
“A Rússia é um ciberator pleno que constitui uma grande ameaça para o Governo dos EUA e seus
interesses militares, diplomáticos e comerciais, bem como à infraestrutura crítica e as redes de recursos
principais”, afirmaram o Diretor Nacional de Inteligência, James Clapper, o chefe da Agência de
Segurança Nacional (NSA), Michael Rogers, e o subsecretário de Defesa para Inteligência, Marcel Lettre.
A periculosidade da Rússia é resultado de “seu ciberprograma altamente ofensivo e suas sofisticadas
táticas, técnicas e procedimentos”, explicaram em um comunicado conjunto feito ao Comitê de Forças
Armadas do Senado.
Também não cabe dúvida, acrescentaram, que só o Kremlin pode ter dado o aval para essas atividades,
como afirmaram desde outubro e reiteraram em um relatório apresentado nesta quinta-feira ao
presidente Barack Obama e na sexta-feira a Trump.
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/05/internacional/1483635528_510484.html?id_externo_rsoc=F
B_BR_CM
consolidação da divisão mundial do trabalho, etc. Portanto, quando nos referimos ao
período de decadência da fase imperialista, desde 1970, não nos referimos por exato ou
em primeiro aos Estados e suas relações, mas à decadência desta economia mundial,
deste sistema, desta fase superior e última.
Agregado aos demais fatres expostos; quando a antiga URSS lega à Russia atual
uma forte rede de ferrovias e demais transportes (acelerando a rotação do capital), larga
cadeia produtiva na indústria militar e um corpo de especialistas, obtemos – antecipando
o próximo capítulo – as razões de sua localização. Nesse país, pesam também grande
influência colonial e semicolonial sobre a Europa no Leste e as alianças geopolíticas,
ambos heranças do passado recente.
No contexto geral, a China impulsiona uma estrada de ferro para a América do Sul
e para conectar os dois oceanos. Adiante, a imagem do projeto:
Segundo a BBC Brasil:
(…)
"Trata-se da ferrovia transcontinental que vai cruzar o nosso país no sentido leste
oeste cortando o continente sul-americano", disse a presidente que, logo depois, em
conversa com repórteres, classificou a ferrovia como "estratégica para o Brasil".
(…)
"Seria uma grande conquista e uma peça-chave da relação da China com a América
do Sul, se esse projeto realmente sair do papel", diz Kevin Gallagher, professor da
Universidade de Boston e autor de estudos sobre a relação China-América Latina.
(…)
A China, por sua vez, necessita de recursos naturais para sustentar sua expansão
econômica e tem interesse primordial na construção de projetos ferroviários em outras
regiões do globo.194
194
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150518_ferrovia_transoceanica_construcao_lgb
195
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/03/1596528-china-ambiciona-poder-global-com-nova-
rota-da-seda.shtml
“O mais ambicioso projeto geopolítico do governo chinês começa a sair do papel. A
nova rota da seda, que pretende reviver a antiga rede comercial entre o Oriente e
Europa, é a grande aposta de Pequim para traduzir sua força econômica em poder
Global.
Para financiar as obras, Pequim criou um fundo de US$ 400 bilhões, além do banco
Asiático de Infraestrutura e Investimento, que tema participação de outros 21 países e
deve começar a funcionar neste ano, com um capital de US$ 50 bilhões.
Com o balanço comercial favorável por longa data, observamos que a China investe
sua alta quantidade de capital-dinheiro, capital portador de juros, em grande parte
investido na dívida pública do EUA, em novos investimentos “reais”. Antes que seus
valores se revelem como capital fictício (caso que pode ocorrer, por exemplo, na
próxima manifestação mundial da crise), investe em setores produtivos de mais-valor ou
que extraem mais-valor (serviços). Selecionamos algumas observações para auxiliar
essa visão:
A)
A China condenou neste sábado as "míopes" disputas políticas nos Estados unidos
quanto aos problemas de dívida norte-americana e afirmou que o mundo precisa de uma
nova moeda de reserva mundial estável.
"China, o maior credor da única superpotência do mundo, tem todo direito de exigir
agora que os EUA discutam seus problemas de dívida e garantam a segurança dos
ativos chineses em dólares", informou a agência de notícias oficial da China.
196
http://oglobo.globo.com/economia/china-pede-nova-moeda-de-reserva-mundial-condena-divida-
dos-eua-2705725#ixzz4SEO6wRTU
B)
"Receio estar equivocado, mas o PIB do país (EUA) é de US$ 17,8 trilhões,
enquanto a dívida alcança US$ 18,2 trilhões", disse o líder russo ao término da cúpula
da Organização para Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), realizada na
cidade de Ufá.
Segundo Putin, o déficit impacta não apenas os Estados Unidos, mas toda economia
mundial. O líder russo se referiu não apenas aos problemas americanos, mas aos
dilemas atravessados por todos atores da economia global.
(…)
Ainda assim, o líder russo afirmou que apesar dos problemas atuais, a China segue
sendo a economia que impulsiona a economia mundial.197
C)
Nos últimos doze meses, a venda de títulos do Tesouro dos EUA pela China tem
irritado os investidores e funcionado como um indicador da saúde da segunda maior
economia do mundo.
O Banco Popular da China (PBOC, na sigla em inglês), dono das maiores reservas de
moeda estrangeira do mundo, consumiu 20 por cento de suas reservas desde 2014 com a
venda de cerca de US$ 250 bilhões em dívida do governo americano e usou os recursos
para dar suporte ao yuan e frear fluxos de saída de capitais.
As vendas de títulos do Tesouro dos EUA pela China vêm desacelerando, mas agora
seus ativos de ações americanas estão mostrando declínios acentuados.
O estoque de ações dos EUA que pertence à China diminuiu cerca de US$ 126 bilhões,
ou 38 por cento, do fim de julho até março, para US$ 201 bilhões, mostram dados do
Departamento do Tesouro dos EUA. Isso supera em muito o ritmo de venda dos
investidores do mundo no período - a posse total entre estrangeiros diminuiu apenas 9
por cento. Enquanto isso, o estoque chinês de papéis do governo americano ficou
relativamente estável, com um recuo aproximado de US$ 26 bilhões, ou apenas 2 por
cento.
"A carteira americana da China não consiste apenas em títulos do Tesouro dos EUA",
disse Brad Setser, membro sênior do Council on Foreign Relations em Nova York.
"Para avaliar a atividade da China no mercado é cada vez mais importante olhar além do
mercado de títulos do Tesouro dos EUA".198
197
https://br.sputniknews.com/mundo/201507101533953/
198
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2016/06/16/china-vende-acoes-dos-eua-alem-de-
titulos-do-tesouro.htm
D)
“A China tem todo o direito agora de reivindicar dos Estados Unidos que corrijam os
erros estruturais de sua dívida e garantam a segurança dos ativos chineses”, afirmou a
Xinhua [agência oficial chinesa].
Com relação ao futuro, a “Xinhua” assinalou que se não houver cortes na “gigantesca
despesa militar” e nos custos do novo sistema de previdência social universal disposto
por Barack Obama, a Standard & Poor’s pode diminuir ainda mais a qualificação da
dívida americana.199
Também sob altíssima dívida, a China ou cresce a uma média de, pelo menos, 6% ao
ano ou colapsa:
E)
Não é só na Europa – Portugal incluído – que a dívida pública cresce sem parar. O
endividamento na China atinge níveis alarmantes. Em 2015, atingiu um novo valor
recorde de 248,6% do PIB, ou seja, duas vezes e meia maior do que a própria economia,
que é a segunda maior do mundo. Mais do que o tamanho da dívida, o que surpreende é
o ritmo alucinante a que o Estado chinês tem pedido dinheiro emprestado – em 2008, a
sua dívida atingia “apenas” 148,3% do PIB, ou uma vez e meia a dimensão da
economia. Face a estes valores, os peritos avisam que os países com crescimentos tão
rápidos da dívida geralmente entram numa crise financeira ou começam a enfrentar
sérias dificuldades em crescer.
(…)
Apesar dos alertas, não há sinais de que as coisas estejam a mudar. A economia chinesa
está a desacelerar, mas o crescimento esperado de 6,5% do PIB em 2016 continua
assente no recurso ao crédito. O volume de novos empréstimos concedidos entre janeiro
e março atingiu 4,61 mil milhões de yuans (cerca de 630 mil milhões de euros), um
valor idêntico ao registado no início de 2009, logo após o arranque do programa de
estímulo da economia.
199
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/955621-china-critica-eua-pela-crise-da-divida-e-exige-
garantias.shtml
(…)
Da parte do Governo chinês, parece haver um compromisso tão forte com as metas do
PIB que nem o excesso de dívida o faz mudar de estratégia e iniciar as reformas
económicas que os especialistas estrangeiros recomendam. A favor do regime, estará o
facto de uma larga fatia da dívida ter sido contraída no mercado doméstico, garantindo
ao Governo uma certa facilidade em controlar os danos. Além disso, muitas das
empresas públicas endividadas, assim como os bancos credores, serão “demasiado
grandes para cair”, contando com o apoio das autoridades. “Não acredito que a China
sofra um processo de desalavancagem financeira dolorosa porque as autoridades não o
permitirão”, disse ao El País Iris Pang, da Natixis.
(…)
A China conta com uma importante reserva de divisas para contornar hipotéticos
resgates internacionais, caso as contas públicas se deteriorem, mas isso não evita que a
China possa cair “numa etapa prolongada de baixo crescimento económico”, como tem
sucedido com o Japão desde a década de 90 do século passado. Pequim enfrenta um
paradoxo: ou a economia cresce e a dívida reduz-se de forma natural, ou então não
cresce e a dívida aumenta ainda mais. Uma história que se arrisca a terminar sem um
final feliz, que países como Portugal conhecem bem demais.200
Portanto, conflitos cada vez mais intensos por papéis pintados. Neste final de 2016,
um fato de primeira importância, mas oculta da maioria, gerará mudanças no cenário
mundial e conflitos:
— É nosso direito. Para os outros, uma obrigação que tem de ser honrada. Os
países concordaram, e o acordo, agora, tem de ser respeitado por todos. Não há dúvida.
É cristalino. Não é negociável — afirma, taxativo, um dos maiores especialistas em
negociações comerciais da China, o vice-presidente do Instituto para OMC do
Ministério do Comércio, Xue Rongjiu, que vai além: — A China hoje está muito mais
preparada para adotar medidas de retaliação.
Assim que o novo status passar a valer, disputas sobre dumping (quando os preços
de uma mercadoria exportada são inferiores àqueles cobrados no mercado doméstico do
país para inibir a concorrência externa) na OMC terão de usar como referência os
valores cobrados pela China pelos mesmos produtos no seu mercado interno. Hoje,
como o país ainda não é uma economia de mercado, entende-se que não há como medir
de maneira realista os preços praticados no país.
(…)
(…)
O temor no Ocidente é que a China saia do escopo da OMC para retaliar com mais
agilidade. Dentro das regras do organismo, em teoria, seria necessário abrir inúmeros
casos sobre diferentes produtos contra países distintos. Os chineses são o principal
parceiro de dezenas de países, inclusive do Brasil.201
201
http://oglobo.globo.com/economia/a-partir-deste-domingo-china-economia-de-mercado-
20624881#ixzz4Sam6mLg4
Precisamos agregar o passado histórico à análise. Os países citados têm uma
tradição milenar ligado ao Estado hipercentralizado. Em geral, conheceram o modo de
produção asiático, sustentado desde a burocracia estatal; viveram sob longas e duras
dinastias feudais (caso do czarismo russo) e sob “socialistas” ditaduras burocráticas –
apenas o determinismo econômico desconsideraria este fator histórico. No período final
de decadência do sistema, temos um modo particular da formação de imperialismos;
adentramos na dialética geral-particular, na medida em que a formação dos
imperialismos britânico, ianque e alemão foi também diferente, diferentes formas de um
mesmo processo (no primeiro, o inicial protagonismo foi dos sindicatos patronais; no
segundo, as sociedades por ações; no terceiro, bancos monopolistas como estímulo à
produção – por natural e com o tempo, essas formas se entrelaçavam).
Com a crise, China, Rússia, Índia, Arábia Saudita e satélites têm a oportunidade de
serem, eles próprios, mecanismos da burguesia contra o colapso das empresas. O PC
chinês – o mais cabal exemplo e impulsionador dessa frente única “pró-novos
imperialismos” (a tendência ao concreto manifestada na maior ligação interfronteiras
têm nestes países uma forma particular202) – precisa manter certos níveis de crescimento
para poder controlar a luta de classes interna, fator atraente de capitais globais para este;
para isso, além da parceria militar com os russos, inicia uma verdadeira revolução
científica:
(…)
202
Em artigo sobre a restauração do capitalismo na Coreia do Norte, lemos: “Em primeiro lugar por
possuir arsenal nuclear, o que lhe dá um enorme poder de barganha. Em segundo lugar por sua posição
geoestratégica – faz fronteira com a China ao Norte e com a Coreia do Sul – semicolônia do imperialismo
norte-americano – ao sul. E, em terceiro lugar, existe uma ferrenha disputa em curso pelo domínio de
seu mercado entre as burguesias da China e da Coreia do Sul. Como em ambos os países as empresas
norte-americanas têm papel destacado, esta disputa está sendo aproveitada por elas, apesar do
embargo norte-americano após 2006. A China não participa do embargo e as duas Coreias são
consideradas, do ponto de vista comercial, um único país.” Desfiando: 1) o Estado norte-americano
aprova embargos contra a Coreia do Norte; 2) as empresas dos EUA estão instaladas na China e Coreia
do Sul; 3) estas empresas operam, em nome da lei do lucro, por fora das medidas do Estado de onde se
originaram. Este é um exemplo do processo de desnacionalização do capital. Fonte:
http://www.pstu.org.br/para-entender-a-coreia-do-norte/
203
http://www.universoracionalista.org/a-revolucao-cientifica-chinesa/
Uma guerra mundial?, Perguntar-se-á o leitor. Um conflito desse tipo tenderá a ser
rápido, relâmpago, de ataque surpresa e multifocal para tentar evitar o prolongamento
da guerra e, principalmente, evitar a luta de classes mundial; pois este último fator, por
sua própria natureza, é o mais imprevisível nas simulações de engajamento, teatro de
guerra, dos grandes generais. Ao mesmo tempo, a carnificina seria uma tentativa de
atenuar, por meio da unidade nacional contra um inimigo externo, a cada vez mais
intensa luta entre as classes sociais antagônicas. Por isso, a mídia burguesa pouco trata
desse assunto de modo franco ou cínico: na memória mundial está cristalizada o horror
que é um conflito planetário, sendo um fator subjetivo contingente importante – foi
educativo para as massas; porém, pode, por outro lado, “pegar a todos de surpresa” e
confusos sobre como reagir em oposição quando as bombas forem lançadas.
“O banco já anunciou que “não tenciona saldar os potenciais pedidos civis que
totalizam cerca de 14 mil milhões de dólares. O Departamento de Justiça dos Estados
Unidos convidou o banco alemão a apresentar uma contraoferta, precisou o Deutsche
Bank, sublinhando que as negociações “apenas acabam de começar”.”
204
https://www.youtube.com/watch?v=6Qxv5LbOE2E
205
http://www.libertar.in/2015/05/george-soros-adverte-sobre-o-risco-de.html
“O banco norte-americano Goldman Sachs pagou uma multa de 5,06 mil milhões
de dólares em abril último por um caso similar.”
De sua parte, Rússia está evitando os efeitos da crise mundial por meio da produção
de guerra, da sua indústria armamentista. Assim, aproveita para alargar suas influências
político-econômicas; trata-se, em essência, do mesmo que faz, em escala maior, os EUA
já há muito tempo. O capitalismo só pode se manter de modo destrutivo, como "criação
destruidora":
“A questão é que o terceiro lugar da Rússia nesse ranking não corresponde à sua
posição na economia global”, diz Vassíli Zatsépin, pesquisador do Laboratório de
Mercados Industriais da Academia Presidencial da Economia Nacional e da
Administração Pública da Rússia.
(…)
206
http://pt.euronews.com/2016/09/16/multa-recorde-de-14-mil-milhes-de-dolares-afunda-deutsche-
bank-na-
bolsa?utm_medium=Social&utm_campaign=Echobox&utm_source=Facebook&utm_term=Autofeed#lin
k_time=1474030353
Segundo Zatsépin, os países gastam, em média, cerca de 2,4% do PIB em armas.
Pelas exigências da Otan, por exemplo, os países-membros da Aliança são obrigados a
destinar pelo menos 2% do PIB nacional para despesas militares. Mas somente quatro
membros, um deles os Estados Unidos, seguem essa regra.
No ano passado, os EUA gastaram US$ 610 bilhões (3,5% do PIB) em armas,
enquanto a China investiu US$ 216 blihões (2,2% do PIB) no sector bélico.
É do conhecimento geral que a China pode mobilizar algo como dois milhões de
soldados para infantaria, núcleo central da força de um exército; como se sabe, “meras
mudanças quantitativas podem gerar mudanças qualitativas” (Marx), ou seja, o número
populacional pende a favor dos chineses nas questões militares e econômicas – podendo
dobrar ou mais a quantidade de combatentes, ou aplicar a política “um cidadão, um
soldado”. Mais uma vez e ao seu modo, a Rússia também vai nesse sentido:
Alunos de escolas russas devem começar a aprender em breve uma série de táticas
militares.
O treinamento vai incluir lições práticas sobre como montar rifles, atirar e pular de
paraquedas, mas também conceitos teóricos, como história e táticas militares, informou
o site de notícias russo Gazeta.ru, citando funcionários do Ministério de Defesa do país.
O objetivo parece ser expandir a educação militar já oferecida pelas escolas. Desde
a anexação da península da Crimeia, em 2014, a Rússia tem vivido uma onda de
207
http://gazetarussa.com.br/economia/2015/04/22/relatorio_sueco_evidencia_militarizacao_da_econom
ia_russa_30149
nacionalismo, e o Ministério da Defesa busca tornar mais estruturado o "crescente
número de movimentos militares patrióticos" do país.208
Na outra ponta, o Japão otimiza sua força militar para enfretamentos externos e –
nunca esquecer! – internos, enfrentar a luta de classes (destaque para, relativo à China,
sua infantaria pouco volumosa209):
O Japão tem forças aéreas, marítimas e terrestres bem equipadas – e com planos de
modernização em curso:
A Câmara Baixa do Parlamento japonês aprovou duas leis que podem permitir que
militares do país participem de campanhas no exterior - o que não ocorria desde a
Segunda Guerra Mundial. As leis ainda precisam ser aprovadas na Câmara Alta para
entrar em vigor, mas já desencadearam protestos de ativistas. E preocupação em
vizinhos que sofreram com o imperialismo japonês nos anos 30 e 40, como a Coreia do
Sul.
(…)
Porém, o papel dessas forças era circunscrito e o país evitava envolvimento com
questões militares externas.
O Japão continua sendo o principal aliado dos Estados Unidos na área. E, com a
escala e o alcance do crescimento militar da China, os japoneses têm modernizado suas
forças.
Seu Exército de cerca de 150 mil homens é pequeno (mas ainda maior que o
britânico, que exerce um papel de importância militar média no contexto da Otan, com
84 mil homens).
O Japão possui uma marinha impressionante, que inclui um navio aeródromo - para
transporte de helicópteros -, dois cruzadores equipados com mísseis de cruzeiro Aegis e
208
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36348444
209
Não está descartada a hipótese de uma “guerra mundial indireta permanente” ou “pré-guerra
mundial em permanência”. Pois: 1) a burguesia sabe de sua própria história – faz balanço; 2) ora ou
outra, seus líderes saberão que isto pode significar uma ou outra forma de fim do capitalismo; 3) A
tendências dos Estados nacionais não é o interesse de todas as megaempresas em si; 4) há luta de
classes. Esta forma sequer é necessariamente melhor, pois 1) pode enfraquecer a ação da classe
trabalhadora quanto à intensidade – amplia o tempo de sua angústia, 2) tal guerra direta pode surgir…
contra os próximos Estados Operários.
sistemas sofisticados de radar e gerenciamento de batalha, além de 34 destróieres
(também chamados contratorpedeiros) e nove fragatas de vários tipos.
210
O nacionalismo é uma ideologia antimarxista em si. Nos países atrasados, pode impulsionar uma luta
anti-imperilista que pode se transformar em luta pelo socialismo. Os comunistas atuam nesta
consciência nacional nos países dominados sem captular a este valor; ou seja, aproveitam a luta gerada
para elevar as tarefas, organizar de modo independente os operários em relação à burguesia
“nacionalista” e propor uma vida socialista, que é internacionalismo como projeto.
Infelizmente, boa parte da esquerda mundial substituiu o anti-imperialismo por “antiamericanismo” e o
internacionalismo pelo nacionalismo; seja qual for o lado vencedor, a tragédia será terrível aos não
proprietários. Boa parte dos “revolucionários”, na verdade, perderam esperanças na capacidade
autônoma do proletariado. A esquerda reformista, disfarçados de marxistas com gritos radicais, tenderá
a negar uma saída independente para a classe trabalhadora. Contra isso, deixamos as palavras do
próprio Putin:
"As ideias devem se concentrar em bons resultados, e este não é o caso de Vladmir Ilich Lênin”,
declarou Putin durante uma reunião do conselho presidencial sobre ciências da educação.
Foram as ideias de Lênin que "finalmente desembocaram na queda da União Soviética (URSS)" em 1991,
estimou o presidente russo, em uma crítica incomum ao chefe da Revolução bolchevique de 1917.
"Foi depositada uma bomba sob um edifício chamado Rússia, que depois explodiu", afirmou Putin, que,
com frequência, mostra-se nostálgico à época soviética. (fonte:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/01/putin-acusa-lenin-de-ter-explodido-a-russia.html)
Aberta a polêmica, contrapôs as ideias de Stalin contra as de Lenin (com razão!), mas de modo
investido, defendendo o socialismo num só país com domínio sobre outros povos contra o
internacionalismo (e afirma que as ideias de Lenin, não as de Stalin, retornaram o capitalismo – quer
dizer, como o georgiano, falsifica a realidade):
“Segundo ele, uma vez que as ideias de Stálin foram rejeitadas, o país acabou sendo erguido sobre
ideias que implicam a possibilidade de secessão dos territórios constituintes. “Esse direito [à separação]
foi uma mina de ação retardada plantada sob nossa soberania. Isso foi o que causou o eventual
rompimento do país”, disse o presidente.”
Mas o regime soviético desde 1926, que o permitiu crescer pela nefasta KGB, era o regime de Stalin...
Dito de modo claro: a direção da esquerda burocrática entrou em crise com sua base militante por causa
das afirmações do presidente e, este, desejoso por manter a maior base nacional e mundial de apoio
possível, justificou-se, mediou a afirmação – desconsiderando a realidade histórica, claro.
Raciocínio semelhante faz o centrismo radical na China. Consideram a luta de classes dentro de seus
países, mas ao olhar externamente veem apenas a “nação” como abstração a esconder a divisão de
A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”
A luta pelo socialismo marcou o século XX. Polêmicas, lutas sociais, revoluções e
contrarrevoluções, II Grande Guerra, guerra fria, etc. comunicam-se todos com o fato de
um terço da humanidade ter vivido sob regimes não capitalistas. Após a queda do
estalinismo, do muro de Berlim e da planificação burocrática, podemo-nos perguntar:
qual era, afinal, o caráter daquelas sociedades?
Podemos interpretar o que foram URSS, China, Cuba, etc., quando Estados
operários burocráticos, por três caminhos:
Aqui, para uma visão total, enquanto processo, sob a centralidade do terceiro ponto,
somaremos os três acima citados. Defenderemos, em síntese, que os ex-Estados
classes e o papel oportunista das direções do Estado, dos governos “progressistas”. Isto tem enquanto
uma das origens o revisionismo de Mao TseTung com seus conceitos pseudodialéticos de contradição,
onde subordina a contradição essencial, a de classes, a contradições conjunturais entre setores
burgueses, entre burguesia nacional e imperialista etc. Do nosso lado, os comunistas atuam nos rachas
do campo inimigo, fazendo unidade de ação com o lado mais progressivo (contra um golpe etc.), apenas
como ponte para avançar além do projeto burguês, na certeza de que a burguesia “progressiva” espera
apenas a oportunidade correta de tornar-se “regressiva”, subordinar o movimento operário a si e
destruí-lo assim que possível.
Operários Burocratizados foram uma forma de transição anormal, anômala, Sui Generis
– na fase imperialista do capitalismo – para o que hoje são. Ou seja, o capital
desenvolveu-se através do contrário, de sua negação (diferimo-nos, também, portanto,
da tese "capitalismo de Estado"). Por consequência, a função histórica das economias
planificadas era desenvolver as forças produtivas – para o próprio capital. É uma visão
por fora da ortodoxia marxiana; por isso, vamos desenvolver os argumentos:
elevaremos a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado, de Leon Trotsky, a um
patamar ainda mais intenso.
Para iniciar o leitor ao argumento, comecemos com um trecho de A Revolução
Traída, de Trotsky, que nos servirá de pista. Na obra, encontramos uma profunda
análise da URSS e uma caracterização marxista desta sociedade. Vejamos:
Como o trecho nos sugere, citando Lenin, Leon ficara meio passo atrás da tese que
aqui apresentamos. Citemos o fundador do partido bolchevique e da primeira revolução
proletária vitoriosa:
211
A Revolução Traída – TROTSKY, Leon. Global Editora, São Paulo – SP. 1980. Pág. 41.
Sem dúvida alguma, deveríamos esperar com esta medida até o dia em que
pudéssemos dizer que respondemos por nosso aparelho porque é nosso. Porém agora,
com consciência, devemos dizer o contrário: que chamamos nosso a um aparelho que,
nos fatos, não é fundamentalmente estranho e que representa uma miscelânea de
sobrevivências burguesas e tzaristas; que nos foi absolutamente impossível transformá-
lo em cinco anos, já que não contávamos com a ajuda de outros países e predominavam
as “ocupações” militares e a luta contra a fome. (Últimos Escritos e Diário das
Secretárias, páginas 57 e 58.)212
Podemos resumir as forças produtivas em: técnica, homem e natureza. O Brasil, por
exemplo, entrou no século XX – digamos desse modo – com a revolução de 1930. O
semifascismo de Getúlio Vargas pôde iniciar e/ou consolidar:
212
Esta obra, obrigatória, oferece duas importantes conclusões: 1) Lenin percebeu antes de Trotsky que
o Estado havia saltado para uma degeneração de regime – por isso, abriu duríssima luta fracional contra
Stalin; 2) Também percebeu antes do fundador do Exército Vermelho que a teoria da revolução
permanente poderia ser aplicada a outros países, além da Rússia – antecipou esta generalização,
confirmada na China (a revolução evoluir-se de fevereiro a outubro, de democrático-burguesa para
socialista).
213
O Capital – Crítica da Economia Política, karl Marx. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996. Pág.
169.
caráter destacadamente popular do processo mexicano mostra um segundo caminho
para esta mudança.
Há também um terceiro modo, o da economia planificada. As revoluções socialistas
vitoriosas vingaram em países agrários, analfabetos e de fraca base industrial (igual
como México, Brasil e Turquia). No entanto, o atraso trouxe uma contraditória
vantagem, um salto: a revolução veio antes de existir base material, forças produtivas,
capaz de permitir o socialismo. URSS, China e Cuba, para citar aqueles centrais,
passaram por um processo semelhante aos dos países em desenvolvimento. Vejamos:
A BURGUESIA NA BUROCRACIA
O burguês pós-I revolução industrial surgiu embrionariamente na fase comercial do
capitalismo. A pré-história da burguesia é vista ainda no pequeno comerciante, no
camponês, no artesão, no pequeno industrial, ou seja: na pequena burguesia. Há um tipo
específico de pequeno-burguês – localizado na moderna classe média – que, inclusive,
cumpre nas empresas papéis que há muito os patrões não assumem. Falamos do gerente,
do administrador, do contabilista, etc., o possuidor do trabalho intelectual. O "burocrata
socialista" nada é mais que o representante da burguesia – por meio de outra classe –
nos Estados Operários Burocratizados. Não é, na verdade, no entanto, fenômeno novo o
214
Pensamos ser desnecessário apresentar dados sobre na medida em que é perceptível. Ainda hoje,
mesmo após a dura década de 1990, Cuba, que era o mais frágil Estado Operário do mundo, uma ilha,
apresenta indicadores sociais iguais ou superiores a vários países desenvolvidos.
cumprimento das tarefas de uma classe por outra – como indica a dialética do
desenvolvimento desigual e combinado:
215
Site: Arquivo Marxista na Internet, A Lei do Desenvolvimento Desigual e Cominado da Sociedade –
George Novack, 1968. Tradução de: Valdemir Lisboa dos Santos, 1990. Cap. Substituição de Classes.
Moraes (????) apresenta a tabela e comenta:
“Ao alegar, em 1988, que era preciso mudar o sistema econômico da URSS porque
o ritmo de crescimento anual era de “apenas” 3,5%, Gorbachev estava apenas (sem
aspas) buscando um pretexto para levar adiante sua obra liquidacionista. Quantos países
do Ocidente liberal tiveram crescimento comparável? Sem esquecer que a periferia do
imperialismo ainda chafurdava na estagnação e hiperinflação provocadas pela chamada
“crise da dívida”. A conclusão se impõe: o desmantelamento da URSS não foi
provocado pelo fracasso da planificação econômica, como apregoam os neoliberais e os
reacionários. No máximo, pode-se falar em declínio da taxa de crescimento, mas muito
menor do que o das potências liberal-imperialistas.”
“As análises desenvolvidas por sovietólogos ligados a Problems of Comunism,
publicação do Departamento de Estado norte-americano, não desmentem essa avaliação.
Obviamente, vistos de Washington e de Wall Street, todos os problemas decorrem do
caráter centralmente planificado.”
O volume anual de produção, via planos quinquenais, foram sempre positivos, mas
e mesmo com declínio pós-1960:
Do ótimo artigo, pensamos que o articulista citado tem uma limitação de premissa:
considera a URSS socialista e o estalinismo um movimento honesto. Aos dados,
acrescentamos, entretanto, algumas informações centrais: crises de abastecimento
ocorriam de temos em tempos216; a qualidade dos produtos industriais era, em geral,
baixa e a planificação ancorada na II Revolução Industrial demonstrava esgotamento
cada vez maior. Na verdade, o processo de restauração do capitalismo havia sido
“burocraticamente planejada” desde antes da queda do muro de Berlim:
“Em 1965, foi lançada a reforma econômica conhecida como Reforma de Kosygin
(em nome de A. Kosygin, na época primeiro ministro da URSS). Pela primeira vez,
visou-se ligeiramente modificar a própria base econômica do socialismo, introduzindo
alguns elementos de mercado através do mecanismo de khozraschet (comercialização).
A Reforma de Kosygin objetivou a certa liberalização de inter-relações econômicas e a
flexibilização do mecanismo vertical de comando e controle. Empresas, antes
consideradas como simples peças de propriedade pública, passaram a ser “quase
proprietárias” do seu capital fixo (isso nada tinha a ver com a privatização pós-soviética
nos anos 1990). Tentou-se fazer com que o indicador de lucro da empresa passasse a ser
o critério principal da sua atividade. Para isso, as transferências obrigatórias de lucros,
acima do normativo, para o Orçamento Estatal foram substituídas pelo imposto sobre o
capital fixo.”
216
As produções cooperada, manufatureira, das primeira e segunda revoluções técnicas geram
necessariamente relações de valor. O controle dos preços e a substituição do dinheiro por vales (que
não circulam, logo nãos endo dinheiro, proposta de Marx ao socialismo no Livro II d’O Capital, hoje
substituíveis por cartões análogos aos de débito e crédito – e isto mostra o caráter transicional de nossa
época e não transicional das anteriores) geravam uma deformação e, ao mesmo tempo, a encobria; a
inflação dos preços permitiria melhor oberservar quais setores precisariam de mais investimentos para
aumentar a produtividade. As crises de subprodução são manifestações da ainda imaturidade nacional
para superação total do capitalismo. Em nossa época, a revolução informacional permite uma absorção
muito mais exata dos dados sobre consumo, demanda, necessidades sociais e fluxos na distribuição de
produtos. Um banco único estatal com dinheiro virtualizado, encaminhando o fim dessa forma
enquanto forma do dinheiro, permitirá isso. Os cartões já não serão suportes do meio de circulação e
endividamento (meio de pagamento). A isto, a este caráter transicional da forma do dinheiro,
chamamos, em abstração dialética, o “duplo novo”.
“O período do XII Plano Quinquenal (anos 1986-1990) foi o último período
planificado na União Soviética. Porém, as diretrizes deste plano não foram cumpridas.
Na Tabela 2, visualizam-se as taxas do crescimento dos indicadores macroeconômicos,
neste período e no ano de 1991. No final do período do último plano, em 1990, o
crescimento ficou negativo, e a verdadeira crise deu-se em 1991, quando a Renda
Nacional e o Investimento Total encolheram em aproximadamente 15%.”
Ao dizer em seu admirável artigo que “isso nada tinha a ver com a privatização
pós-soviética nos anos 1990” a autora apenas desconexa as informações que, por suas
naturezas, estão interligadas.
Duas afirmações podem ser opostas e ambas serem verdadeiras. A verdade não está no
meio mas na fusão. Visto em totalidade, percebemos que o retorno ao capitalismo fora
mais do que irresponsabilidades administrativas ou oportunismos individuais (visão
idealista, positivista e não marxista217); era um processo objetivo personificado nos
apetites da burocracia estatal, que era, por sua natureza despótica, incapaz de
implementar a III Revolução Industrial, ou seja, uma técnica compatível com a natureza
do socialismo.
Mandel percebe a tendência à restauração (por meio da burocracia):
217
Em alguns casos; esta metodologia torna-se vulgar e caricatural, uma variação da tendência a
transformar líderes admirados em figuras sagradas, em grandes guias infalíveis – e, por isso, criam-se
caricaturas opostas, demoníacas, dotadas de poderes não limitados e delimitados pela história. Assim,
há quem sustente a tese de que a URSS caiu por decisões pessoais e individuais, por conspiradores.
Consideremos que esta hipótese é verdadeira apenas para argumentar dentro do argumento: se
indivíduos ou fração no Estado restauraram, por sua própria vontade e cabeça (visão idealista), o
capitalismo, então um raciocínio verdadeiro deve admitir que dentro da nação soviética havia os
elementos vitais do próprio retorno ao capital, havia uma contradição desejosa de se manifestar. É a
causa da causa. Isto passa por um duro balanço: reconhecer que o estalinismo foi – como regime no
Estado – uma anomalia, a contrarrevolução com seus bonapartes termidorianos.
burocracia como uma classe dominante e da URSS como um novo “modo de produção
exploratório”, cujas “leis de movimento” nunca foram especificadas.
Em segundo lugar, estaríamos diante, também pela primeira vez na história, de uma
classe dominante sem capacidade de se perpetuar através da operação do funcionamento
do próprio sistema socioeconômico. Não há garantia para um burocrata de que ele ou
ela continuará sendo um burocrata. Nós concordamos que a mobilidade vertical na
sociedade soviética – uma das muitas válvulas de segurança social sob Stálin – diminuiu
significativamente durante as últimas décadas. A “gerontocracia” do Presidium é um
emblema do que está acontecendo em toda a sociedade soviética. A “segurança de posse
do cargo” dos burocratas aumentou, sem dúvida. Mas isso só leva a aumentar a tensão
social (por exemplo, pressão para o acesso ao ensino superior), e não a uma real solução
para o problema da inabilidade dos burocratas de garantir a permanência de sua posição
de poder e privilégio. Além disso, essas posições continuam essencialmente amarradas a
funções particulares e dependem de decisões políticas (a famosa nomenklatura, por
exemplo) e não a um papel específico no processo de produção social. Daí a pressão dos
burocratas em obter laços permanentes com fábricas específicas, empresas, trustes (ou
seja, para restaurar, no sentido econômico do termo, a propriedade privada, antes de
restaurá-la no sentido jurídico). Daí a consistente pressão das largas camadas da
burocracia para obter um posto qualitativo mais elevado de autonomia no nível da
fábrica ou da filial (ou seja, para escapar da estrutura de ferro de um plano
centralizado). Daí a tendência em direção à acumulação privada de capital através de
subornos, corrupção, operações em mercado negro e “cinza”, acúmulo de moeda
estrangeira e de ouro, etc. Daí também a tendência em direção a uma crescente
“simbiose” com seus suas contrapartes no Ocidente, incluindo o estabelecimento de
contas bancárias em bancos ocidentais (especialmente visível nas “Democracias
Populares”).
Tudo isso aponta em direção à potencial emergência de uma “nova classe dominante” –
não uma “nova”, mas a boa e velha classe capitalista, baseada na propriedade privada.
No entanto, antes que este processo possa se concretizar, dois obstáculos formidáveis
devem ser superados: a resistência da classe trabalhadora, que tenderia a perder, no
decorrer de tal restauração, aquilo que mais valoriza na atual configuração (na verdade,
provavelmente a única coisa que valoriza): a garantia de segurança no emprego. Ou
seja, o direito ao trabalho, o pleno emprego e, decorrente disso, um ritmo de trabalho
muito menos febril do que no Ocidente; e a resistência de setores-chave do aparato do
Estado (observe a maneira como Tito reprimiu os “bilionários” iugoslavos no início dos
anos setenta, quando o perigo de “restauração” se tornou real). Portanto, dizer que uma
nova classe dominante existe e governa é interpretar mal as verdadeiras lutas sociais que
ocorrem nesses países. Pensar assim é assumir como já decidida no passado uma luta
cujo resultado ainda está em aberto.218
218
Por Ernest Mandel, artigo originalmente publicado pela revista Monthly Review, v. 31, n. 3, jul.-ago.
de 1979, traduzido Morgana Romão. https://lavrapalavra.com/2017/10/11/por-que-a-burocracia-
sovietica-nao-e-uma-nova-classe-dominante/
Em entrevista, Guennádi Krasnikov, presidente do conselho de diretores da Mikron,
empresa russa líder na produção de semicondutores, e integrante da Academia de
Ciências da Rússia, descreve a limitação técnica da extinta URSS219:
Revista Itogi: O senhor acha que a microeletrônica soviética era mesma tão pobre e
digna de ser objeto de piadas?
219
http://gazetarussa.com.br/articles/2012/11/13/russia_nao_fabricara_chips_para_celulares_num_futur
o_proximo_diz_dir_16415
Ruy Braga chega a observar220 que o aumento da produtividade fabril, para evitar
escassez e hiperinflação, teve por consequência e necessidade o sacrifício da
democracia interna nas fábricas221. Disto faz uma segunda importante observação: a
produtividade de um setor era medida pelo peso (!); assim, quanto mais pesadas as
mercadorias – ou seja, uma forma de burlar as estatísticas –, mais “correta” estava de
acordo com o projeto geral do Estado. Além da demanda de matéria-prima
desnecessária que tal procedimento acarreta, com produtos como geladeira e tratores de
pesos descomunais, desestimulava a tendência geral das mercadorias rumo a tornarem-
se apenas produtos, ou seja: a redução de tamanho, peso e a desmaterialização com
unificação de valores de uso. Vemos aí um forte exemplo de que havia uma contradição
entre base econômica e sua superestrutura, o regime político e sua dupla natureza,
exigindo que o Estado ou se tornasse socialista, com democracia operária, ou capitalista,
com a restauração.
1.
Nós não vivemos apenas num país, senão num sistema de países e a existência da
república soviética lado a lado com os países imperialistas por um longo tempo é
inconcebível. No final, um ou outro deve triunfar (Lenin. Obras Completas. Vol. XVI,
p.102).
2.
O capital numa escala mundial é ainda agora – não apenas no sentido militar, mas
também econômico – mais forte que o poder soviético. Nós devemos partir dessa
consideração fundamental e nunca esquecer. (Idem. Vol. XVII, p. 102)
3.
Enfatizamos em toda uma série de escritos, em todos os nossos discursos e em toda
nossa imprensa que a situação na Rússia não é a mesma dos países capitalistas
avançados, que temos na Rússia uma minoria de trabalhadores industriais e uma grande
maioria de pequenos camponeses. A revolução social em tal país pode ser finalmente
um sucesso apenas sobre duas condições: primeiro, na condição de que receba, a tempo,
o suporte da revolução social em um ou mais países avançados... segundo, que tem que
haver um acordo entre o proletariado que estabelece a ditadura ou controla o poder de
Estado em suas mãos e a maioria da população camponesa...
Sabemos que não é um acordo com os camponeses que pode salvar a revolução na
Rússia se a revolução não acontece em outros países. (Idem, vol. XVIII, parte 1, p. 137-
138)
4222.
220
Palestra “Democracia, Trabalho e Socialismo”, disponível no youtube.
221
No período de regime de Estado pré-stalinista o aumento das jornadas de trabalho era votado,
fábrica por fábrica. Isto, por outro lado, tirou dos operários o necessário tempo livre para auto-
humanização e energia para dedicar-se à política.
222
Estas quatro citações foram usadas por Trostsky no congreço da III Internacional – documento
censurado: Stalin – O Grande Organizador de Derrotas (Editora Sundermann).
Enquanto a nossa República soviética permanecer isolada e cercada por todo mundo
capitalista, será absolutamente uma utopia ridícula e fantasiosa pensar nossa completa
independência econômica e no desaparecimento de certos perigos. (Idem, vol. XVII, p.
409)
5223.
Os grandes fundadores do socialismo, Marx e Engels, observando durante uma
série de decénios o desenvolvimento do movimento operário e o crescimento da
revolução socialista mundial, viram claramente que a passagem do capitalismo ao
socialismo exigirá longas dores de parto, um longo período de ditadura do proletariado,
a destruição de tudo o que é velho, a aniquilação implacável de todas as formas de
capitalismo, a colaboração dos operários de todos os países, que devem unir todos os
esforços para assegurar a vitória até ao fim. Eles disseram que, em finais do século XIX,
«o francês começará, o alemão concluirá» — o francês começará porque durante
decénios de revolução desenvolveu em si a iniciativa abnegada na acção revolucionária
que fez dele a vanguarda da revolução socialista.
(…)
As coisas tomaram uma forma diferente daquela que Marx e Engels esperavam,
elas deram-nos, às classes trabalhadoras e exploradas russas, o honroso papel de
vanguarda da revolução socialista internacional, e vemos agora claramente quão longe
irá o desenvolvimento da revolução; o russo começou - o alemão, o francês, o inglês
concluirão, e o socialismo vencerá.
Mas a natureza burguesa oculta da casta no aparelho de Estado toma também outras
formas. A antileninista burocracia – irmã maior das burocracias sindicais e partidárias –
deve ter sentido alguns calafrios diante da ameaça chamada… Internet. As
possibilidades de integração seriam enormes numa sociedade pós-capitalista; mas isso
tornaria o trabalho burocrático muito mais simples, o burocrata poderia ser substituído
por qualquer um (!224), numericamente os “indispensáveis” tenderiam a ser menores, as
pessoas falariam o que bem pensassem para outras tantas, etc. Quão ameaçador é uma
rede integrada – e descentralizada! Para termos conta de como o oportunista instinto da
burocracia reagiu, o artigo a seguir toma nota:
Mas:
“De acordo com a pesquisa de Peters, a falha do projeto aconteceu por divergências
administrativas, falta de consenso, burocracia, corrupção e falta de pragmatismo entre
os dirigentes da URSS e aqueles que conduziam o projeto.”
“Documentos importantes se perdiam, reuniões eram adiadas, manda-chuvas
discordavam constantemente sobre os detalhes da rede, seus propósitos e sobre quem e
como ela deveria, de fato, beneficiar quando fosse implantada.”
“O resultado da série de entraves que impediram o projeto Ogas de ganhar vida foi que,
nos anos 1980, ele acabou implementado com um caráter completamente diferente da
proposta em sua concepção: servidores desconectados entre si, sem interoperabilidade,
em centros locais de controle de fábricas da URSS - bem diferente da ideia da internet.”
“Apesar das discussões mais recentes sobre como a internet se dividiu em pequenas
redes constituídas de bolhas sociais e sobre o controle de órgãos governamentais e
empresas privadas sobre a informação, a internet foi concebida de forma técnica pelos
EUA como uma rede cujo conceito não concebia hierarquias entre computadores.”
“É uma rede descentralizada e que cresceu por meio de cultura colaborativa de consumo
e alimentação de informações. E esse é um conceito oposto àquele empregado
ideologicamente pelo regime soviético: censura, hierarquias de comando e uma cultura
de controle em todas as esferas.”
“Para o autor do livro, uma internet criada pela URSS teria valores muito diferentes
daqueles que a nossa internet possui - talvez sequer tivesse se transformado na internet
comercial como a conhecemos.”226
“Os valores que concebemos, introduzimos e definimos para a tecnologia - que, por
exemplo, ferramentas digitais são de certa forma democráticas porque permitem ações
participativas, representativas e deliberadas - são tão temporários quanto as sociedades
que sustentam esses valores.” Benjamin Peters Historiador e autor de “How Not to
Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet”, em entrevista ao site do
MIT.227
225
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/08/06/Por-que-a-Uni%C3%A3o-Sovi%C3%A9tica-
fracassou-na-tentativa-de-criar-a-Internet
226
Idem.
227
Idem.
A partir do Livro II d’O Capital, observamos a importância do sistema de
comunicação e transporte para organização, diminuir o tempo de rotação do capital,
diminuir desigualdades entre setores produtivos, integração internacional etc. Tratamos
disso, na forma capitalista, no capítulo 1. Ao negar, e relegar ao capitalismo, este meio
superior; a burocracia impôs sua contradição com as necessidades produtivas e
distributivas, elevando as contradições gerais, rumo a esta ou aquela solução – capital
ou democracia socialista.
A integração das coisas apenas pode realizar-se do modo pleno com e sob a
plena integração dos homens. As longas citações despertam ao menos um interesse
especial no leitor; como complemento, disponibilizamos um pequeno texto sobre a
tentativa de implementar tal projeto no Chile:
228
SYNCO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Synco&oldid=39927156>. Acesso em: 28 ago. 2014.
229
É preciso fazer uma diferenciação: o caráter de Estado se define pela base econômica que o sustenta
e sustenta; o regime de Estado é definido pela instituição central a operar o poder e o modo dessa
operação; o governo – de um regime num determinado Estado – são os indivíduos particulares e seus
perfis sociais.
imperialismo, para establecer vínculos económicos estrechos con el imperialismo con el
argumento del librecambio y otras series de consignas al servicio de la burguesía,
tratando de hacernos retroceder al capitalismo. Estas corrientes pequeñoburguesas se
opondrán ferozmente a que se imponga la dictadura revolucionaria del proletariado en
este interregno entre febrero y octubre de la revolución política, con argumentos
democratistas —como que cada empresa sea controlada por los trabajadores y se
transformen en cooperativas o alguna variante por el estilo— que les permitan
demagógicamente volver a las leyes del mercado tanto interno como externo,
combinados con el planteo de democracia burguesa. Tras este planteo democratista
absoluto se esconderá la mano de la restauración capitalista, aunque con demagogia
obrerista. La revolución de octubre del trotskismo se hará muy posiblemente contra ese
frente restauracionista.
Teóricamente, no están descartadas a más largo plazo otras variantes de revolución
política. Hay una cierta posibilidad de que, a medida que el trotskismo se fortalezca
tanto en los estados obreros burocratizados como en los países capitalistas, el
proletariado pueda hacer una única revolución, la de octubre, dirigida por el partido
trotskista de masas y ahorrarse la de febrero. Seguiría siendo, eso sí, una revolución
violenta. (Atualização do Programa de Transição 1980, TESIS XXIII –La revolución
política.)
230
Moreno mais uma vez parece acertar: os poucos registros deste movimento, mostram jovens
cantando A Internacional ao mesmo tempo onde havia exigências por liberdades democráticas (ao
modo da democracia burguesa) em parte dos protestantes.
nosotros sería invencible frente a EEUU. Si fuéramos el enemigo en la retaguardia, el
proletariado europeo no tendría ninguna chance contra los EEUU capitalistas.
Pero con una retaguardia tan poderosa como nuestro país, de su lado, el
proletariado europeo que formará una Federación Socialista o EEUU Socialistas, junto
con nosotros constituiría una gran fuerza magnética para el Asia. Si hoy en día hubiera
un bloque compuesto por nosotros y los EEUU de Europa, y vendiéramos mercancías al
Asia a um precio justo, Asia se alinearía detrás nuestro, y el camino de una Europa
Socialista hacia el Asia pasaría por la URSS. Entonces EEUU no podría hacer a un lado
a Europa. Los EEUU de Europa contra Norteamérica – esta perspectiva es
completamente realista, y se pueden hacer prognósticos en este sentido.
Si el mundo capitalista pudiera ahora generar un nuevo ascenso orgánico, y si
encontrara un nuevo equilibrio como base para un desarrollo ulterior de las
fuerzas económicas, nosotros, como Estado socialista, colapsaríamos. Se puede
ilustrar esto en forma teórica y práctica em dos palabras. Teóricamente, porque un
ascenso del capitalismo en Europa crearía una tecnología colosal para la burguesía, y
cambiaría la psicologia del proletariado. Si el proletariado ve que el capitalismo puede
levantar la economía nacional, esto se reflejará inevitablemente sobre la clase obrera
que trató de hacer una revolución, fue aplastada, y experimento un desengaño. Si el
capitalismo lleva la economía hacia arriba, habrá conquistado al proletariado por
segunda vez, arrastrando a las masas tras él. Desde el punto de vista teórico, vemos
que el socialismo tiene derecho a existir precisamente porque el capitalismo no es
capaz de desarrollar las fuerzas productivas. Nuestra revolución creció sobre bases
económicas, y antes de la revolución éramos parte integrante de la economía
mundial. Si el capitalismo es capaz de desarrollar las fuerzas productivas,
tendríamos que llegar a la conclusión de que nos equivocamos de raíz en nuestro
pronóstico –el capitalismo es una fuerza progresiva, desarrolla sus fuerzas más
rápido que nosotros; el bolchevismo llegó al poder demasiado pronto, y la historia
castiga muy rudamente a los nacimientos prematuros. Esto sería así si el
pronóstico optimista para el capitalismo tuviera alguna base. ¿Pero tiene alguna
base? Es difícil de demostrar. Pero por el momento la burguesía no ha podido
probarlo, y no puede hacerlo. En Europa no hay ningún desarrollo de las fuerzas
productivas. Lo que están sucediendo son crisis y una fractura de las fuerzas productivas
disponibles –este es el hecho básico. Por lo tanto debemos decir que el socialismo tiene
derecho a existir, a desarrollarse y a todas las esperanzas de victoria. (203, 204)
Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de
mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en
condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la
humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el
proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y,
sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el
capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a
los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros,
Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis;
en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar
realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social
desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva
situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la
humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas,
debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede
esperar aún hacer uma obra de progreso? (234)
***
Este capítulo demonstra a contradição entre o desenvolvimento das forças de
produção e as relações de produção – havendo o nó burocrático – nas sociedades de
transição ao socialismo. Assim, penso encontrar o núcleo central de todos os problemas
já postos pelos balanços teóricos na esquerda.
Porém, há quem veja na circulação, não na produção, o centro do problema. E
coloque a questão técnica como exagero. Vejamos Marx:
“Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A
ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por
mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência
teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia uma alegria
totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha
revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia,
assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e,
por último, ainda as de Mere Daprez.” (Engels, Discurso Diante do Túmulo de
Marx.)231
231
Revisitemos esta citação: “A força produtiva do trabalho é determinada por meio de circunstâncias
diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da
ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a
eficácia dos meios de produção e as condições naturais.” (O Capital – Crítica da Economia Política, karl
Marx. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996. Pág. 169.) A inaplicabilidade tecnológica do
desenvolvimento científico, e técnico, mostra-se não acidental.
Cabe-nos, então, uma pergunta inevitável: precisaria ser assim? A restauração do
capitalismo era o caminho natural? Não, segundo a Teoria da Revolução Permanente.
Entramos na dialética entre necessidade e possibilidades. Se a revolução socialista fosse
vitoriosa na Alemanha em 1918, se a II Guerra Mundial tornasse a Europa ocidental um
grande continente vermelho, se revoluções políticas impusessem a democracia operária
naqueles países sob o stalinismo… Poderia existir, de fato, outro caminho, mas,
ao "destruir o capitalismo, mas não o capital" (Mészaros) internacional232, ocorreu uma
negação da negação.
Segundo Trotsky:
Pois:
A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das
principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas
por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. (…) A
revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional
e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em
revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o
triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta.234
232
Sendo um grande entre os nossos, Mészaros obteve respostas inconclusas ao lhe faltar, neste tema, a
devida atenção à Revolução Mundial. Afirmamos no início do texto; contrangido e limitado, o capital
apenas pôde se desenvolver nestes países de modo latente, por meio de seu contrário. A ele, como a
Lucaks, bastavam outras medidas de Estado, internas, à revelia da revolução internacional, para haver
outro rumo. Sobre a avaliação da obra “Para Além do Capital”, recomendo o ótimo artigo “István
Mészáros e a teoria do socialismo em um só país”, de Gustavo Machado, site Teoria e Revolução,
10/10/2017. Link: https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/istvan-meszaros-e-o-socialismo-em-um-so-pais/
233
A revolução Permanente/ Leon Trotsky; tradução [de] Hemínio Sacchetta – 1.ed. – São Paulo:
Expressão Popular, 2007. Pág. 209.
234
Idem. Pág. 208.
humanidade – em suas órbitas, como se efeitos colaterais. A fórmula de Lênin acabou
por ser invertida: dois passos à frente para, em seguida, um passo para trás235.
Em sua crítica-atualização da teoria da revolução permanente, Moreno usa a própria
lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar que revolução socialista
pode ser = base camponesa, não Operária (A=não-A); tal como Trótski havia usado a
descoberta para dizer revolução democrático-burguesa = protagonismo Operário, não
burguês. Assim, o argentino atualizou a teoria.
Podemos dar novo passo.
As Revoluções em países atrasados tiveram duplo caráter: democrático-burguesas e
socialistas. Usando a mesma lei vemos que o caráter dessas revoluções abriam a
possibilidade de liderança sob base camponesa por outra razão além da percebida por
Nahuel: o campesinato é a base social histórica das revoluções burguesas. Em certa
medida, A=A. Foi possível porque a imaturidade desses países na época da revolução
socialista os fez necessitarem de uma revolução onde o proletariado ainda era pouco
capaz de um papel ativo – exemplo: a função de tais revolucionamentos era
industrializar o país, ou seja, gerar um proletariado ativo e importante.
Tendo essas revoluções duplo caráter, socialista e democrático-burguesa, abriam a
possibilidade de substituir o sujeito revolucionário, do operariado por camponeses, pois
estes últimos são a base social das revoluções burguesas do período anterior. Assim
ocorreu no pós-II Guerra. A lei do desenvolvimento desigual e combinado já aponta a
substituição do sujeito social, de uma classe cumprir as tarefas de outra; essa lei prova
235
A NEP, abertura controlada ao capital, como tática para aquecer a economia, também demonstra o
duplo caráter; e mais, ajudou a fermentar a burocracia estatal. Uma outra questão singular: após a
morte de Lênin, processo de degeneração do regime de Estado avançando, a Oposição de Esquerda no
partido Bolchevique propôs a elaboração de democráticos “Planos Quinquenais” para industrializar a
nação; a direção stalinista chamou a proposta utópica, exagerada, impressionista etc. e, no sentido
oposto, implementou o “Camponeses, enriquecei-vos!” (sic.). A fração de Trotsky alertou que isso
geraria luta de classes e ameaças, que se deveria estimular as cooperativas, os financiamentos coletivos,
a educação para a produção em conjunto etc. como forma de tornar socialista a produção do solo e
aumentar a escala de produtividade. Por fim: houve, de fato, princípio de contrarrevolução dos
camponeses mais enriquecidos e, nervosa, a burocracia adotou os Planos Quinquenais de modo
burocrático e “socializou” a terra com métodos de guerra. Uma das consequências da implementação
na forma burocrática da planificação, com os planos de cinco anos, além das altíssimas taxas de
crescimento, foi a postura do regime de investir em peso no setor I, produção de meios de produção
(matérias primas, máquinas, minérios etc.), em alta diferença e desigualdade relativo ao setor II,
produção de bens de consumo, gerando hiperinflação, baixa produção de mercadorias de primeira
necessidade (problema este gerido do pior modo, impressão de dinheiro); também ocorre desvio alto
de recursos para ao setor III, indústria bélica, dados os seguintes fatores: isolamento da URSS, sob
ameaça militar latente; baixo desenvolvimento tecnológico das forças armadas, forçando, para
compensar, seu crecimento extensivo; necessidade da brurocracia estatal de tornar a força militar, e as
armas, um corpo fixo separado da sociedade – os três elementos apontam necessidade e falta da
revolução permanente. Complementemos com exemplo de Lenin: ainda vivo mas debilitado, o fundador
do partido bolchevique teve de erguer uma luta contra a proposta, aprovada às pressas, do comitê
central do partido pelo fim do controle do comércio exterior. Esta discussão estava vetada de ser
informada a este sob justificativa de sua saúde, porém descobriu. Tal elaboração foi defendida por
Stalin, Zinoviev, Kamenev (trio formador de uma fração secreta) e Bhukarin. O dirigente da revolução
orgumentou que o preço dos produtos camponeses estavam muito valorizados no comércio exterior e,
portanto, o controle do Estado deste comércio impedia o desenvolvimento de uma burguesia desde o
campo e dava recursos financeiros importantes ao próprio Estado – então, o fim do controle do
comércio exterior deste tipo de mercadoria geraria o retono ao capitalismo dada a consequência do
processo de enriquecimento e elevação dos desejos por lucro. Apenas após o estardalhaço e ameaça de
luta fracional geral, os defensores de tal proposta recuaram sob declaração de que ainda apoiavam tal
medida.
toda sua validade em um nível mais intenso. A burocracia estatal, membro da pequena
burguesia, apoiou-se na pequena burguesia rural precária, falida e sem terra (aspira a
uma pequena propriedade privada) usando as bases do Estado operário mais, em
contradição, regime de estado bonapartista. Foi preciso saltar etapas históricas: antes de
forças produtivas maduras, a base socialista para amadurecer as forças de produção.
Quando Lenin afirmou “o socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação do
país”, disse, em outras palavras: o primeiro Estado Operário, sob isolamento, está
obrigado a cumprir tarefas burguesas, sustentar um desenvolvimento ainda burguês das
forças produtivas236.
Sendo sociedades de transição, cabia à revolução mundial a última palavra sobre o
destino desses países.
Vejamos a particularidade russa, a mais proletária das revoluções socialistas do
século XX. Os problemas econômicos da I Guerra, a guerra civil revolucionária contra
24 exércitos e as dificuldade advindas junto ao isolamento econômico, tiveram como
efeito imediato: 1) desarticulação da indústria interna; 2) morte de boa parte dos
operários mais avançados; 3) esvaziamento das duas grandes cidades, com
deslocamento humano para o campo para evitar a fome e dispor da reforma agrária
então implementada. Esses três esvaziamentos foram base do regime Bonapartista
inaugurado por Stálin, e fortalecimento do polo burguês do Estado.
Digamos ao modo concreto: as tarefas burguesas – revolução e reforma agrária,
união nacional, independência nacional, industrialização (industrialização!),
urbanização, educação universal etc. – bases maduras sobre as quais um Estado
Operário deve se erguer, foram erguidas pelo Estado Operário!237
Pela mesma razão, o duplo caráter dessas revoluções, tornou-se menor a
necessidade de um partido revolucionário nestes processos, pois 1) as contradições eram
elevadíssimas; 2) as tarefas poderiam ser geridas por organizações pequeno-burguesas;
3) estes países tinha formações sociais que dificultavam a construção de verdadeiros
partidos comunistas. Por isso, Moreno percebe que todas as revoluções vitoriosas, após
a II Guerra Mundial, foram de base camponesa e não operária, em países atrasados e
dirigidos por partidos burocráticos com liderança pequeno-burguesa. Passaram por fora
das formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Observado desde a macro-história,
estes saltos revolucionários expressavam em seus duplos caracteres o tempo da
revolução burguesa encerrando e o tempo da revolução socialista ainda nascente.
236
“A maioria dos norte-americanos está confusa pelo fato de que na União Soviética tivemos que
construir indústrias básicas inteiras partindo do nada. Uma coisa assim não poderia suceder nos EUA,
onde já estão obrigados a reduzir as zonas cultivadas e a produção industrial. De fato, vosso tremendo
aparato tecnológico está paralisado pelas crises e exige ser posto novamente em uso. Os contínuos
êxitos que tivemos na União Soviética na construção da infraestrutura de uma economia planejada
foram adquiridos à custa do consumo cotidiano das massas. Vosso problema, pelo contrário, é planificar
o ressurgimento de uma economia que já existe, e este deve tomar como ponto de partida o rápido
aumento do consumo da população. Estais mais preparados que nenhum outro país para consegui-lo.
Em nenhum outro lado o estudo do mercado interno chegou a ser tão intenso como nos EUA. Ele foi
realizado por vossos bancos, trusts, homens de negócios, comerciantes, viajantes de comércio e
granjeiros. Vosso governo soviético simplesmente aboliria o segredo comercial, e combinaria e
generalizaria os métodos de cálculo capitalistas e os transformaria em métodos de contabilidade e
planificação econômica.” Trotsky, Se EUA se tornar comunista; tradução livre.
237
A revolução social ocorre também para preservar tais desenvolvimentos, sob risco e degeneração na
fase de decadência, quando o capitalismo deixa de ser uma força civilizacional. A revolução permanente
demonstra: a falta desses avanços burgueses nos países atrasados, durante o imperialismo, obriga saltos
históricos.
As respostas dadas neste capítulo são das questões que os importantes aportes de
Moreno não avançaram, pois, como trotskystas e não trotskystas, consideravam a
revolução democrático-burguesa apenas na medida em que ela era superada pela
revolução socialista, sem supor que esta primeira estava viva ao seu modo no seio do
inimigo. A razão disso era a quase certeza de que o capitalismo estava com os dias
contados, dada a enorme quantidade de países não-capitalistas e as revoluções vitoriosas
ou ocorrentes. Após o impacto da restauração no leste europeu; Kurz e Mèszàros
penderam para a ponta oposta, erro inverso: o caráter burguês da revolução. De modo
geral, todos os pensadores marxistas críticos à casta burocrática aproximaram-se das
conclusões aqui expostas, quase as alcançando.
Fica resolvida, assim, a questão teórica.
CONCLUSÃO
Por suas consequências, por suas deformadas formas internas, os ex-Estados
Operários foram, na prática, um dos caminhos necessários – Sui Generis – para o
desenvolvimento do capital. Essa anomalia deve-se à luta de classes (Desenvolvimento
Desigual e Combinado). A transição para uma nova localização na fase imperialista
ocorreu-se por meio de sua negação, das bases mínimas da economia socialista, com as
vantagens da planificação. O que Brasil, México, China, Rússia e, de sua forma, Cuba
são atualmente deve-se aos processos de transição. Foram três caminhos:
238
"Façamos serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela violência", disse Antônio Carlos,
presidente de Minas Gerais.
239
A restauração do capitalismo é um avanço ou recuo? Humanamente, um recuo; objetiva e
dialeticamente, um recuo preserva parte e parte do avanço de onde veio. É uma forma mais dinâmica
do que vê um racraciocínio linear (na psicologia, o trato Henri Walon na cognição demonstra isso).
maduras para o socialismo, a restauração foi o único caminho viável e natural à
burocracia.
A transição destas sociedades foi feita por meio de sua negação. Diferente do
México e do Brasil, esta nações de transição tiveram um caminho próprio para preparar
a entrada do capital internacional, para entrar em uma nova época, para assentar as
bases necessárias da dominação alienante. Partimos, portanto, do resultado prático ou
causa/consequência240. Porém, acabamos encontrando a resposta no ponto de partida: o
duplo caráter, burguês e proletário, destas revoluções. Por seus resultados, a sociedade
de transição ao socialismo foi, no sentido oposto, uma sociedade de transição, de
alguns países não-imperialistas, para uma nova época capitalista. Pois, ao final das
contas, em todos esses países intermediários, a tarefa burguesa e histórica de
industrialização da nação foi também substituída: das mãos da burguesia nacional para
as da burguesia imperialista241 – China é, visivelmente, o maior bastião deste processo.
Por fim, as nações sobre as quais focamos possuem, hoje, capacidade muito
superior de implementação do socialismo. Brasil, China, Rússia, etc. estão
determinantemente diferentes do que foram há um século – estão mais maduros,
segundo as leis históricas. Do ponto de vista capitalista, alguns são semicolônias muito
privilegiadas e outros, Imperialismo Sui Generis; chineses e russos correm em
protagonismo porque fizeram uma tortuosa e imperfeita revolução burguesa por meio de
uma socialista. Isto ocorre, como aprofundamos em outro capítulo, porque, diante de
sua crise, o capital necessita instalar-se nestes países para manter a autovalorização do
valor.
Uma pena, porém, que, com a queda do muro de Berlim, a maioria da esquerda
degenerou-se ao pensar “se o socialismo está morto e não existe, então tudo está
permitido!”; e a burguesia alegre pensou o mesmo. Esqueceram-se, no entanto: os
grandes fatos positivos da História costumam acontecer primeiro como grandes ensaios
gerais, fato em si; depois, como imposição das leis históricas, fato para si – logo
enxergarão, desesperados, o século XX como nosso grande ensaio geral. As condições
históricas objetivas evoluem desigualmente enquanto se abre todo um período
transitório entre o velho e o novo, incapaz de nascer de todo. Assim como a revolução
de 1905 em relação à de 1917 na Rússia, as primeiras revoluções burguesas foram a
madrugada anunciadora do nascer do Sol, foram as derrotas que anunciavam as
possiblidades em gestação.
O início do século XX estava maduro para o socialismo: era possível em plenitude
e em si, mas não necessário do ponto de vista histórico (diferente do ponto de vista dos
desejos e necessidades humanas). A década de 1970, a partir dela, torna cada vez mais
necessário e imediato o socialismo alimentando a cada vez maior possiblidade, o
possível; em certa medida, por causa dos riscos civilizacionais, degenerando este
último. Aqui, a relação dialética necessidade-possibilidade tem um nexo próprio,
estando agora confluídas as duas condições. Enfim, chegamos ao ponto de degeneração
240
Em dialética – ou seja, em sistemas complexos –, uma causa pode gerar uma ou outras
consequências, no leque de possibilidades abertas, e uma mesma consequência pode ter uma ou outra
causa. Causa e consequência são multiplicidade de fatores em interação contraditória, não elemenos
simples e singulares. Demais, uma causa pode ser tornar consequência; e, ao contrário, uma
consequência pode transformar-se causa; inversão de papéis. A natureza de um objeto define-se pela
sua localização, sua relação com outros objetos, com outras partes interconectadas no todo. Sua função
necessária, demosntrado sua natureza qualitativa, supera a causalidade. A relação simples e direta de
causa e efeito mostra-se falha quando agregamos o “leque de possibilidades”, a probabilidade. (De fato,
cabe-nos comentário, a física quântica tem muito a aprender com a dialética materialista; e, em seguida,
a própria ciência citada pode atualizar a lógica.)
241
Aplica-se, também aqui, a lei do desenvolvimento desigual e combinado.
geral, onde reformas estáveis e duradouras só podem ser implementadas e garantidas
pela via revolucionária.
Consideremos estas teses levantadas: amadurecimento e integração global do e por
meio do capital como base do socialismo, implementação de Estados Operários isolados
e desprovidos de base material, restauração como caminho natural do desenvolvimento
das forças produtivas, retorno ao capitalismo por meio de (contrar)reformas e a falta de
um partido revolucionário que regenerasse a transição ao socialismo quando no
momento de retorno ao mundo burguês. Acontece que estas teses não são novas, de
modo algum – pertencem ao século XIX. Em A Ideologia Alemã, Engels e Marx
previram a natureza de um processo semelhante num trecho que merece toda nossa
atenção. Eis:
(…) Por outro lado, este desenvolvimento das forças produtivas (que implica já que
a existência empírica atual dos homens decorra no âmbito da história mundial e não no
da vida local) é uma condição prática prévia absolutamente indispensável, pois, sem ele,
apenas se generalizará a penúria e, com a pobreza, recomeçará paralelamente a luta pelo
indispensável e cair-se-á fatalmente na imundície anterior. Ele constitui igualmente uma
condição prática sine qua non, pois é unicamente através desse desenvolvimento
universal das forças produtivas que é possível estabelecer um intercâmbio universal
entre os homens e porque, deste modo, o fenômeno da massa «privada de propriedade»
pode existir simultaneamente em todos os países (concorrência universal), tornando
cada um deles dependente das perturbações dos restantes e fazendo com que finalmente
os homens empiricamente universais vivam de fato a história mundial em vez de serem
indivíduos vivendo numa esfera exclusivamente local. Sem isto: 1.) o comunismo só
poderia existir como fenômeno local; 2.) as forças das relações humanas não poderiam
desenvolver-se como forças universais e, portanto, insuportáveis continuando a ser
simples «circunstâncias» motivadas por superstições locais; 3º) qualquer ampliação
das trocas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível
como ação «rápida» e simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o
desenvolvimento universal da força produtiva e as trocas mundiais que lhe estejam
estreitamente ligadas. (p. 80, 81. Grifo nosso.)
E (p. 295):
No peso da moradia na Alemanha (p.177)
243
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/05/20/Por-que-a-China-constr%C3%B3i-cidades-
fantasma
“Em Hong Kong, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, 49% da
população vive de moradia social. E, de acordo com o Sociedade para Organização
Comunitária, um grupo chinês de direitos humanos, mais de 100 mil trabalhadores
vivem em imóveis de 3,72 metros quadrados, como mostra o site Architizer. Em apenas
um cômodo funcionam cozinha, sala e quarto e, muitas vezes, mora mais de uma
pessoa. O espaço é tão minúsculo que só mesmo fotografando do alto para conseguir ter
um ângulo.”244
E246:
244
http://infograficos.oglobo.globo.com/imoveis/os-apartamentos-claustrofobicos-em-hong-kong.html
245
Fonte: Capitalismo e urbanização, Editora Contexto. Maria Encarnação Beltrão Sposito.
246
Extraído de: A urbanização Mundial. Regina Celly Nogeira da Silva e Celênia de Souto Macêdo. Aula
4; Programa universidade à Distância.
Embora – e em razão disso – globalmente a taxa de crescimento absoluto da
população tenda a cair pós-1970, mais gente e menos prole (debateremos as possíveis
consequências disso em outro capítulo)247:
247
P. 101.
aumentavam em número. No entanto, apenas o capitalismo faz surgir um modo de
produzir cujo centro de gravidade está não na relação imediata com a natureza, mas na
fabricação, na fábrica, que pode e instala-se nas cidades. É necessário uma população
concentrada e disponível para trabalhar com salários baixos, concorrendo uns contra os
outros tal qualquer mercadoria; e é preciso, com o grau de produtividade cada vez mais
elevado, concentração e aumento do número de consumidores. A urbanidade é
tipicamente capitalista; esta tendência, cujo impulso primeiro é econômico, dá saltos
sobre saltos na década de 1970. A expulsão do camponês das terras, pela concentração e
centralização de capitais, ao lado da própria atração causa pelo espaço urbano, suas
possibilidades, servem de estímulos constantes.
248
A Ideologia Alemã. Todas as citações desse capítulo são extraídas da obra disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_03.pdf
3. Sistema feudal. Com técnica e modo de trabalho mais avançados que o
escravista, a reprodução humana permitiu o inchaço populacional nos feudos. Tornou-se
um problema ao suserano, querendo evitar motins e desejando acumular para si os
rendimentos da produção campesina. A classe dominante da época contou com a ajuda
sagrada da Igreja Católica; esta excomungava servos para justificar, sob a acusação de
infidelidade a Deus, a expulsão de homens daquelas terras. Os últimos, por necessidade,
tornavam-se comerciantes e judeus, principalmente. Assim, com excedente de produção
e população no campo e, por consequência, o renascimento do comércio; surgem os
embriões do capitalismo, dos bancos, as primeiras cidades etc. Como reação, formam-se
Estados absolutistas (feudais) e, por efeito, nova larga camada de funcionários e
funções; além de impostos. Junto a isso, o aumento populacional campesino – e também
o na urbanidade – gerou base numérica para revoltas sociais e revoluções burguesas.
249
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes 1991.
tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os
proletários somente por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica
quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado avança precisamente ao
mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os
burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais
vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num
mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais
[a revolução industrial] se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que
suplantam o trabalho manual, tanto mais, como já dissemos, a grande indústria
reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado
cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o
descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado,
uma revolução da sociedade pelo proletariado.250
250
Princípios Básicos do Comunismo (1847). Obra que dá origem ao Manifesto. Extraído de:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm
251
Estou tentado a concluir, sendo a crise sistêmica do capital muito mais intensa relativa às demais,
que esta é análoga, mais semelhante na estruturação, à crise do escravismo; e a do feudalismo como
“emulação” do primitivismo. Sendo todas semelhantes não na forma mas no fio de dinâmica, a ligação e
variação apontadas parecem ser exemplo de negação da negação.
O crescimento das cidades significa que elas serão responsáveis por prestar serviços
a um número sem precedentes de pessoas. Isso inclui educação e habitação acessíveis,
água potável e comida, ar limpo, um ambiente livre do crime e transporte eficiente.
(…)
Observado este fator; sob esta avaliação, ainda que instintivamente, as correntes
operárias revolucionárias tendem a atualizar a clássica palavra de ordem “Poder
operário e camponês!” para “Poder operário e popular!” ou “Poder operário, popular e
camponês!”.253
252
Cartilha “Word Urbanization Prospects – The 2014 Revision”, United Nations; New York, 2015.
253
Moreno é o primeiro a perceber (1980): “El proceso que llevó a la formación de los estados obreros
burocratizados en esta postguerra, se dio a través de una categoría que Trotsky había comenzado a
analizar: los gobiernos obreros y campesinos. Tenemos que detenernos exhaustivamente en ella, tanto
São sinais da crise sistêmica, não cíclica, atual, a superurbanidade, a
superpopulação e a superpopulação proletária, assalariada, precária e urbana. Como
sabemos, todo sistema econômico-social gera os elementos da destruição própria. A
concentração humana citadina – dos burgos medievos até nossos dias – amadureceu
para a revolução comunista, facilitando, inclusive!, a democracia socialista, operária.
para defenderla como para ampliarla, dada la tremenda importancia que ha adquirido en los últimos
años.”
(…)
“a fórmula de gobierno obrero y campesino fue utilizada por los bolcheviques como popularización de la
dictadura. Quería así subrayar que era un gobierno de las dos clases explotadas, unidas en el gobierno
contra los explotadores. Ha sido útil en los países de mayoría campesina, para indicar también la alianza
política en la dictadura entre el campesinado y el proletariado, bajo hegemonía de éste último. En los
países de mayoría urbana que no son campesinos pero tienen una poderosa clase media, es necesario
ampliar esta popularización y esta consigna, con la de Gobierno obrero y popular, que indica la alianza
que permitirá al proletariado tomar el poder con el pueblo urbano y rural.” (Atualização do Programa
de transição, TESIS XVIII – Los gobiernos obreros y campesinos.).
O SUJEITO SOCIAL HOJE
Guiados pelo debate até aqui, observemos estes dados que nos servirão de
exemplo254:
Por meio dos dois países centrais acima, percebemos que a classe camponesa foi
substituída pelos assalariados urbanos não operários – uma numerosíssima massa
humana. Como meras mudanças de quantidade promovem mudanças de qualidade,
levemos em conta que a maior parte dessa nova camada é cada vez mais precarizada,
concentrada num mesmo espaço (a cidade) e numericamente forte. Ao mesmo tempo, a
classe operária nos exemplos citados, como em tantos países, foi reduzida
percentualmente ao padrão de 1800 (! – 1800!); além disso, muitas das fábricas foram
transferidas para cidades menores e para outros países, na intenção de reduzir a luta de
classes, e a produção de uma mesma mercadoria – um carro, etc. – pode ser em parte
subdivida em fábricas menores e auxiliares, fragmentando relativamente os produtores.
Essas observações significam a necessidade de atualizar as teses da revolução
permanente. Chegamos, portanto, às conclusões a seguir:
254
P. 112.
255
Neste país, chegou a haver uma tendência viva, possibilidade, ao protagonismo operário por razão do
peso histórico do trotskysmo argentino.
C) Há uma enorme concentração de operários, desempregados, assalariados
precarizados e pequena-burguesia empobrecida em um único centro: a urbanidade;
256
Estas revoluções têm duplo caráter: revoluções, na medida em que encerram uma ditadura/governo,
contrarrevoluções, na medida em que se procura evitar conclusões socialistas. Há revoluções
democráticas, de fevereiro, a derrubarem governos mantendo o regime, mas são exceções históricas.
257
1) inclui-se avanço em permanência de fevereiro à outubro, de revolução democrática à socialista –
ou, também, diretamente socialista;
2) Entre os explorados e oprimidos não operários, os assalariados do comércio, serviços, do estado, etc.,
e os desempregados, tenderão a ser liderança – por razão numérica e condição laboral – dos demais
setores não burgueses. Para parte do marxismo estes setores são proletariado não operário; e, apesar
de não concordarmos com esta caracterização, revela pelo menos a tendência à substituição do sujeito
social;
3) Mesmo essas revoluções, na medida em que tendem a implantar a democracia socialista,
necessitarão de um partido bolchevique, ou uma frente de partidos revolucionários e
semirevolucionários. Apenas após a vitória nos principais países, tornando a transição ao socialismo
predominante, partidos da revolução serão relativamente desnecessários, as revoluções serão mais
fáceis (ainda com seus riscos) e, em alguns casos, organismos de poder revolucionários sem liderança
partidária comunista serão vitoriosos por iniciarem cooperação com outros Estados Operários.
4) Revoluções protagonismo operário continuarão a ocorrer, e serão motores das revoluções socialistas-
populares.
K) Diferente das revoluções de base camponesa, as possíveis revoluções
socialistas urbanas-populares terão vantagens significativas: 1. Concentração humana
facilitando a democracia socialista; 2. Indústrias automatizadas/robotizadas que poderão
ser estatizadas pelo organismo revolucionário de poder para garantir a satisfação das
necessidades sociais e iniciar o avanço técnico geral; 3. Atual interligação e
interdependência dos países e do mundo facilitando a internacionalização da revolução
e da economia planejada; 4. Maior nível cultural médio da sociedade e maior
possibilidade instrução;
258
Para Trotsky, as revoluções socialistas tendiam sempre a ser de protagonismo operário com partido
revolucionário. Para Moreno, atualizando sem negar a fórmula anterior, por razão da alta decadência do
capitalismo e da pressão objetiva dos Estados Operários Burocratizados sobre a subjetividade,
revoluções socialistas poderiam surgir dirigidas por organizações centralistas burocráticas (guerrilhas ou
partidos) não revolucionárias de base camponesa, não operária – casos chinês e cubano.
259
“La revolución de febrero es distinta a la de octubre, pero está íntimamente ligada a ella; debe ser el
prólogo obligado a la de octubre para que la revolución siga avanzando. Febrero es una revolución
obrera y popular que enfrenta a los explotadores imperialistas, burgueses y terratenientes ligados a la
burguesía y destruye al aparato estatal burgués o provoca su crisis. Por su dinámica de clase y por el
enemigo que enfrentan, ambas son revoluciones socialistas. La diferencia entre ambas radica en el
distinto nivel de conciencia del movimiento de masas y, principalmente, en la relación del partido
marxista revolucionario con el movimiento de masas y el proceso revolucionario en curso. Dicho
sucintamente, la revolución de febrero es inconscientemente socialista, mientras que la de octubre lo es
en forma consciente. Podríamos decir —coqueteando con Hegel y Marx— que la primera es uma
revolución socialista en sí, mientras que la segunda lo es para sí.” (Moreno, Tese XV, 1980.)
260
A imposição histórica de um objetivismo apenas pode acorrer após a imposição de uma tendência,
ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto
político do partido bolchevique de fazer a revolução russa, a revolução cubana não seria uma imposição
da história, apesar de seus dirigentes de inspiração liberal – não teria ponto de apoio continental à ilha.
Outro exemplo: no século XIX, na Alemanha, a “via prussiana”, do feudalismo ao capitalismo, apenas
pôde se impor longe da revolução burguesa, por meio do bismarkismo, porque o capitalismo se
consolidou na Europa e no mundo, depois de duras revoluções e conflitos. Mesmo havendo
possibilidade de “objetivismo” numa etapa histórica, este continuiará subordinado, na luta geral, à
relação dialética, aos resultados, entre o objetivo e o subjetivo.
ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE
Este capítulo complementa o anterior, além de estar ligado aos três últimos. Vimos que
as revoluções não diretamente socialistas tendem a um protagonismo não operário,
enquanto a classe operária cumpre centralidade nas diretamente socialistas. Também
vimos que a formação de um Estado Operário com democracia socialista abre maior
possibilidade de revoluções socialistas com protagonismo urbano dos setores populares,
em principal os assalariados precários. Em diante, debatemos questões levantadas pela
conjuntura.
Pelo menos no norte da África e Médio Oriente, onde ocorreu a primavera árabe, há
uma particularidade da modernização capitalista, em boa parte desses países: a
burguesia é também a dirigente das forças armadas e do Estado. A burguesia tem aí
relação muito mais direta com o aparelho, por meio do qual também enriqueceu. Isto
significa: as revoluções democráticas precisam se realizar destruindo ao mesmo tempo o
regime ditatorial, o Estado e a burguesa, ou seja, precisam avançar ao socialismo.
Diferente da burguesia de outros países – onde a classe dominante governa por meio de
seus representantes diretos –, este perfil específico faz com que a democracia burguesa
seja especialmente inviável. Na América Latina, as situações pré-revolucionárias
puderam desemborcar em democracia burguesa como modo de tentar impedir a
revolução. Nestas nações, em diferente, a mesma tendência (por crise, crescimento da
classe operária e urbanização) tende a gerar guerra civil. As revoluções democráticas –
por liberdades democráticas, o que é diferente de revolução democrático-burguesa –
emperram na necessidade da burguesia nacional, e internacional, por estabilidade no
aparelho. A classe dominante não pode supor a substituição de dirigentes por eleições
periódicas, pois equivaleria um tipo anômalo de concorrência.
Vejamos exemplo da burguesia como dirigente direta dos organismos de poder e o peso
disso na economia, como impedimento de uma revolução democrática normal no
mundo árabe:
"1) O imenso peso das forças armadas (apenas para que tenhamos uma ideia, o exército
do Egito é o maior do continente americano, com mais de 460.000 efetivos e um milhão
de reservistas). Segundo informações do Wikileaks, o próprio governo dos EUA
considera que as Forças Armadas do Egito são "uma empresa quase comercial".
Possuem enormes extensões de terras, propriedades e empresas (muitas das quais são
dirigidas por generais de reserva) que produzem, além de armas e suprimentos, muitos
outros bens de consumo. Suas empresas são responsáveis por aproximadamente 40% do
PIB do país." (Página 14.)
Há um fenômeno qualitativo.
No mesmo artigo – Avanços e contradições da revolução egípcia, Correio Internacional,
número 11, julho de 2013, Ronald León e José Welmowicki – completa o fato o
montante de recursos que as Forças Armadas recebem dos EUA, desde o acordo de paz
de Camp David com Israel (página 13).
Por isso, por lucro, o exército egípcio aceitou mudar o governo, contanto que o regime
ficasse de pé, mais ou menos estável. Manobrou tanto quanto pôde para manter-se no
poder e evitar a guerra civil.
Aprofundemos a análise.
Em muitos desses países, surge uma burocracia política no Estado que, se não
transforma os regimes bonapartistas em monarquias, aproxima-se disso. É exemplo
Assad, sua família e os membros governamentais. Esta camada social, necessariamente
ligada à burguesia, depende do controle do aparelho estatal para a manutenção de suas
condições de classe. Precisam manter os regimes políticos antidemocráticos.
Indica-se também ser hipótese mais provável à China não apenas porque a classe
operária tende a protagonizar a revolução democrárica (não democrático-burguesa) mas
na medida em que o desenvolvimento do capitalismo naquele país necessita de um
regime de Estado centralista, muito estável262
261
Na história antiga, o baixo desenvolvimento da agricultura por razão do solo pouco fértil gerou o
sistema asiático e seu Estado muito atônonomo relativo à economia e sociedade.
262
Consenso entre economistas: a China precisa crescer a uma taxa acima de 6% para não entrar em
crise.
DESIGUALDADE NA IGUALDADE: CLASSE OPERÁRIA. TRABALHO
PRODUTIVO E IMPRODUTIVO
"Claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos, que está lutando, e
estamos vencendo."
Warren Buffett, bilionário estadunidense.
“Convém que o povo não perceba o sistema bancário e monetário, pois se percebesse
acredito que haveria uma revolução antes de amanhã de manhã.”
Henry Ford.
Perece ser necessário abrir espaço a uma polêmica marxista: o que é trabalho produtivo?
As formas do capitalismo parecem nos indicar produtivo todo trabalho que produz
valor, lucro e produtos – adiantamos que assim “aparece”. Ouçamos Karl Marx:
A primeira:
Valor = substância gerada nas relações sociais mercantis, fruto da energia humana
despendida na produção de mercadorias.
Capital = processo e manifestação daquele: formas desenvolvidas pela sociedade do
valor, por este sujeito social, onde este, uma vez gerado pelo trabalho, circula de uma
forma a outra. Transmutado em capital, é valor que se autovaloriza, hermafrodita
criatura. Em Marx:
O capital, portanto, não é apenas o comando sobre o trabalho, como diz A. Smith. Ele é,
em sua essência, o comando sobre o trabalho não pago. Todo mais-valor, qualquer que
seja a forma particular em que mais tarde se cristalize, como o lucro, a renda etc., é,
com relação à sua substância, a materialização [Materiatur] de tempo de trabalho não
pago. O segredo da autovalorização do capital se resolve no fato de que este pode dispor
de uma determinada quantidade de trabalho alheio não pago. (O Capital I, Boitempo, p.
738, versão digital.)
263
Em diante, usaremos o método da definição, formal, para expormos as categorias.
A segunda:
Capital portador de juros.
“A parte do lucro que se paga se chama “juros”, o que, portanto, não é nada mais que
um nome particular, uma denominação específica para uma parte do lucro que o capital
em funcionamento, em vez de pôr em seu próprio bolso, tem que pagar ao proprietário
do capital (…) B [o capital atuante ou emprestado] tem que pagar a A [o capital
portador de juros ou agiota] parte do lucro obtido com esta soma de capital, isto é, como
valor que não apenas se conserva em movimento, mas que cria mais-valia para seu
proprietário”264. “Inclusive quando se concede crédito a um homem sem fortuna
(industrial ou comerciante), isto ocorre confiando que ele atuará como capitalista: com o
capital emprestado, se apropriará do trabalho não pago. Ele recebe crédito em sua
condição de capitalista em potencial.”265
Capital comercial.
“As duas formas que o valor-capital adota dentro de suas fases de circulação são as de
capital monetário e capital-mercadoria; sua forma correspondente à fase de produção é a
de capital produtivo. O capital que no transcurso do seu ciclo global adota e volta a
abandonar essas formas, e em cada uma cumpre a função que lhe corresponde, é o
capital industrial – industrial, aqui, no sentido de que abarca todo ramo de produção
capitalista.”267 (Grifo nosso.)
264
(K. Marx, El Capital, Libro III, Vol. 7, Cp. 21, Siglo XXI Editores, México, 1981, pág. 451. Tradução e
extraído de: Iturbe, Alejandro. O Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial. São Paulo: Editora
Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009.)
265
(Idem. Pág. 453)
266
(Marx; Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política. Fonte: Arquivo marxista na
Internet.)
267
K. Marx (1983). O capital: Crítica da Economia Política. O processo de produção do capital. São Paulo:
Abril Cultural, v. 1, tomo 1. p. 41.
A terceira:
Trabalho produtivo essencial = ligado à geração de valor, ao capital produtivo.
Trabalho produtivo aparencial = ligado à geração de lucro, à transferência de valor e
valorização dos capitais comercial, portador de juros e demais serviços.
Trabalho improdutivo = consome a riqueza social sem contrapartida na geração de valor
ou lucro, isto é, de autovalorização do valor (conteúdo) ou do capital (forma).
Que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensino, em vez de numa
fábrica de salsichas, é algo que não altera em nada a relação. Assim, o conceito de
trabalhador produtivo não implica de modo nenhum apenas uma relação entre
atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma
relação de produção especificamente social, surgida historicamente e que cola no
trabalhador o rótulo de meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo
não é, portanto, uma sorte, mas um azar. No Livro IV desta obra, que trata da história da
268
Em vista disso; antes, nas sociedades classistas pré-capitalismo, o trabalho manual subordinado a
outrem produzia valores de uso; agora, na economia monetária, o trabalho manual produz valor. Marx
reforçará isto na próxima citação.
269
Exemplo: qual setor é prioritário, mais explorado, ativo e potencialmente revolucionário – o
funcionalismo da saúde no setor público ou privado? Priorizamos a construção entre este último.
270
Caminhamos com o leitor da aparência à essência; assim, podemos reconstruir a visão de Marx sobre
trabalho produtivo e somar a esta visão uma contribuição particular, do autor desta obra, que, além de
não negar a construção marxiana, está subordinada a ela. A aparência tem elementos da verdade, mas é
uma falsificação se está exposta à revelia da essência, a sua geradora. Este salto mortale no texto expõe
idealmente, e em analogia, o mesmo processo quando do estudo teórico da realidade e sua descoberta.
teoria, veremos mais detalhadamente que a economia política clássica sempre fez da
produção de mais-valor a característica decisiva do trabalhador produtivo. Alterando-se
sua concepção da natureza do mais-valor, altera-se, por conseguinte, sua definição
de trabalhador produtivo. Razão pela qual os fisiocratas declaram que somente o
trabalho agrícola seria produtivo, pois só ele forneceria mais-valor. Mas, para os
fisiocratas, o mais-valor existe exclusivamente na forma da renda fundiária. (P. 706,
707; O Capital; Boitempo; versão digital; grifo nosso.)
Vamos mais longe. Nas passagens, Marx deixa claro existir um antagonismo entre
trabalho manual271 e trabalho intelectual. Isto significa que um professor, mesmo
produtivo (de lucro) e explorado, difere-se do operário. Não sendo burguês, o educador
está caracterizado como “classe média”, ou pequena burguesia não-proprietária,
portanto setor localizado entre os produtores de valor e aqueles que ficam com o mais-
valor, seja de que forma ocorra. Isto é fácil de demonstrar: teórico e empiricamente
podemos imaginar um trabalhador não fabril – continuemos com o educador – sendo
produtivo (de lucro), ao trabalhar numa escola privada, ou improdutivo, ao trabalhar
para o Estado, serviço público. Já, por outro lado e ao contrário, imaginar um operário
como improdutivo é uma anomalia social e teórica (tanto na essência quanto na
aparência).
Já demos um salto de compreensão. Mas conseguimos alcançar o significado da
categoria? Vamos juntos, pois agora resolveremos – é a pretensão – mais duas
armadilhas: 1) o trabalho produtivo não é o único ou central definidor de uma classe
social; 2) um burguês também é trabalhador produtivo. Nossa função é esclarecer…
Para isso, deixemos Marx expressar-se:
Assim:
Trabalho produtivo = toda e qualquer função operante no capital produtivo, compondo o
“trabalhador coletivo”.
Trabalhador produtivo de valor (essencial) = o operário, aquele cujo trabalho manual,
dispêndio abstrato de força, gera mercadoria, isto é, valor272.
271
272
“A definição original do trabalho produtivo citada mais acima, derivada da própria natureza da
produção material, continua válida para o trabalhador coletivo, considerado em seu conjunto. Mas já
não é válida para cada um de seus membros, tomados isoladamente.” K. Marx; O capital I.....................
Percebemos que o trabalhador produtivo não precisa ser operário e pode sê-lo também o
capataz com a arma na cintura… De novo, Marx:
Cabe-nos citar, pelo menos por alto, a seguinte conclusão do Livro III d’O Capital: a
burguesia produtiva tende a ser de todo improdutiva, quer seja, afasta-se da gestão
fabril, contrata executivos por bons salários para as tarefas de controle geral. Podem
assumir cargos artificiais e figurativos, mas vivem do mais-valor gerado sem relação
direta, pessoal, com o trabalho intelectual neste setor; e isto é tanto mais quanto mais é
o capitalista coletivo – portadores das ações das empresas, dos títulos de propriedade –
quem domina. A burguesia toma a forma parasita.
Nos ciclos de era: 1) capitalismo mercantil: a burguesia da produção cumpre tarefas de
comando direto, trabalho intelectual, sobre os artesãos; 2) capitalismo industrial: o
burguês dirige os dirigentes, uma rede interna e hierárquica de comando; 3) capitalismo
financeiro: a burguesia afata-se do comando direto, contratando responsáveis para as
tarefas de trabalho intelectual; 4) salto para si: a burguesia infla seu caráter parasitário,
ocioso e perde identidade imediata para com as empresas.
Expressando o próprio capital – a exemplo do perfil financista do capitalista no III ciclo
de era e no salto para si –, sendo capital encarnado, vemos um movimento geral de
alienação da burguesia em relação ao capital em si. Isto ocorre interligado à
globalização capitalista, com a despatriação do capital, onde este internacionalismo
burguês do sujeito valor-capital desenvolve a mobilidade do capitalista e o lucro
enquanto único objetivo pátrio. A produção ocorre, em muitos casos, na China; a
administração geral da empresa, nos EUA; os acionistas vivem suas vidas parasitantes
em qualquer lugar do mundo onde lhes proporcione prazeres incomuns e possam obter
consultas de seus dados via internet…
Há polêmica sobre a qual setor pertencem políticos, executivos etc. Localizamo-los na
burocracia capitalista, burocracia burguesa. Seus privilégios lhes dão espaço para
273
K. Marx. (1978). O capital. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas. p. 71-
72.
enriquecer de outros modos (empresas, ações etc.) tornando-os ligados organicamente a
mais de um setor privilegiado. A palavra “bucrocracia” tende a passar apenas o sentido
parasitário, sobre o outro, mas também se refere a funções de comando, administrativo
etc.274275
Retornemos aos assalariados propriamente ditos.
Complementemos com duas citações esclarecedoras (Capítulo IV Inédito):
A)
“Uma cantora que entoa como um pássaro é um trabalhador improdutivo. Na medida
em que vende seu canto é assalariada ou comerciante. Mas a mesma cantora contratada
por um empresário (…) da instituição que trafica com o conhecimento (…), é
trabalhador produtivo. Ainda assim, a maior parte desses trabalhos, do ponto de vista da
forma, mal se submetem formalmente no capital: pertencem às formas de transição.
Em suma: os trabalhos que só se desfrutam como serviços não se transformam em
produtos separáveis dos trabalhadores – e, portanto, existentes independentemente
deles como mercadorias autônomas – ainda que os possa explorar de maneira
diretamente capitalista, constituem magnitudes insignificantes se comparados com o
volume da produção capitalista. Por isso, se deve fazer caso omisso desses trabalhos, e
trata-os somente a propósito do trabalho assalariado, sob a categoria do trabalho
assalariado que não é ao mesmo tempo trabalho produtivo. (Capítulo VI inédito; p.
74)
B)
No caso da produção não material, ainda que este se efetue exclusivamente para a troca
e produza mercadorias, existem duas possibilidades:
3) O resultado são mercadorias que existem isoladamente em relação ao produtor,
ou seja, que podem circular como mercadorias no intervalo entre a produção e o
consumo; por exemplo: livros, quadros, todos os produtos artísticos que se
diferenciam da atividade artística do artista executante. A produção capitalista só
se aplica aqui de forma muito limitada. Essas pessoas, sempre que não
contratem oficiais etc. na qualidade de escultores (…) etc. comumente (salvo se
forem autônomos) trabalham para um capital comercial, como, por exemplo,
livreiros, uma relação que constitui apenas uma forma de transição para o
modo de produção apenas formalmente capitalista. Que nessas formas de
transição a exploração do trabalho alcance um grau superlativo, não altera
a essência do problema.
4) O produto não é separável do ato de produção. Aqui, também, o modo
capitalista de produção só tem lugar de maneira limitada, e pela própria
274
Entre comunistas, falamos sobre atuação nos sindicatos e no Estado Operário: “podemos e devemos
ser burocratas sem estarmos burocratizados”. Burocracia e (burocracia em) burocratização são
categorias diferentes, estando íntimas.
275
Muitos da esquerda, ligados às correntes antes na defesa de uma burguesia nacionalista, o bom
burguês, o empresário progressista e anti-imperilista (correntes estalinistas), partem para a outra ponta
ao afirmarem inxistir uma burguesia nacional em países atrasados, como o Brasil. A questão é, já
resolvida desde Trotsky, sua fragilidade, medo da classe operária interna e sua relação orgânica e
dependente com a burguesia imperialista; existe, mas não é nacional no sentido de nacionalista. Basta
olhar as empresas Claudino, que se desenvolverem na época da hiperinglação, como boa parte da
burguesia comercial, ou os megaempresários presos nos atuais escândulos de corrupção com direito à
farsa jurídica (operação Lava-Jato), ou grandes empresas nas áreas de serviços etc. Mas sempre ao lado
e abaixo do capital externo.
natureza da coisa, não se dá senão em algumas esferas. (Necessito do médico,
não de seu moleque de recados.) Nas instituições de ensino, por exemplo, os
docentes podem ser meros assalariados para o empresário da fábrica de
conhecimentos. Não se deve considerar o mesmo para o conjunto da produção
capitalista.
Trabalhadores agrícolas (inclusive pastores, bem como peões e criadas que vivem nas
casas dos arrendatários) 1.098.261
Todos os ocupados na fabricação de algodão, lã, estame, linho, cânhamo, seda e juta, e
na confecção mecanizada de meias e fabricação de rendas 642.607223
Todos os ocupados em minas de carvão e de metais 565.835
Todos os ocupados em usinas metalúrgicas (altos-fornos, laminações etc.) e em
manufaturas metalúrgicas de toda espécie 396.998224
Classe serviçal 1.208.648225
276
No sistema escravista isso se expressou no inchaço extensivo dos campos de trabalho e quantidade
de escravos; no capitalismo ocorre como inchaço do capital fixo, o maquinário, expulsando o operário
da fábrica. Como comentário histórico; possuir novas terras e novos escravos exigia mais capatazes e
pessoal administrativo, além de gerar concentração de subalternos como estímulo a rebeliões. No
escravismo, o escrava, assim como um animal, era equivalente e análogo ao capital fixo no capitalismo;
seu inchaço em tal sistema é analogia com o inchaço do capital fixo, categoria do capital.
pessoal de todas as metalúrgicas e manufaturas de metais, o total será de 1.039.605; em
ambos os casos, pois, um número menor do que o de escravos domésticos modernos.
Que edificante resultado da maquinaria explorada de modo capitalista! (p. 663)
Mais importante do que expor fatos é expor processos e causas. Do Século XVI à
década de 1970 do século XX, os setores não fabris eram numericamente reduzidos,
dispersos e membros da uma aristocracia entre os assalariados… Isto mudou: todos
sabemos que, até o final a ditadura brasileira (1985), ou seja, fim dos anos de 1970, o
professor de ensino médio era bem pago, mesmo sem especialização, e uma espécie de
pequena autoridade social; além de numericamente reduzido – agora: mal pago,
numeroso, desmoralizado e concentrado no espaço urbano, mas descentralizado-
desconcentrado no ambiente de trabalho. Mudou? Sim, de classe média aristocrática
para precária. Por isso, teve de aprender a grevar, ter sindicatos, votar na esquerda etc.
O mesmo ocorre tendencialmente entre bancários etc.
Dois objetos podem ser diferentes, mas essencialmente iguais assim como podem ser
iguais, mas essencialmente diferentes. Adentremos diretamente no comércio de dinheiro
e demais mercadorias; em uma abstração direta, o capital portador de juros empresta
(bancário) ao capital produtivo e este (operário) produz mercadorias que serão vendidos
pelo capital comercial (comerciário) e, por isso, uma parte do mais-valor surgido na
produção é destinada para pagar o banqueiro e salário do bancário e o dono do comércio
e seu funcionário. No sentido não oportunista, estes dois setores parasitam o capital
capaz de produzir valor. Isso significa, portanto, que os trabalhadores não fabris não
devem ser nomeados proletários? Lucas pode mudar o próprio nome para Pedro, porém
continuará sendo Lucas. Resposta: nenhum problema há, pode-se em uma discussão de
dicionário contanto que se leve em conta: 1) as palavras têm sentido e intenção; 2) a
nomenclatura é a parte mais pobre da análise, sendo importante escolher palavras que
melhor expressem na subjetividade a objetividade do objeto; 3) a definição vital é
deixar clara a diferença social entre operários e demais setores explorados e oprimidos;
4) os setores precários não fabris são explorados e oprimidos, entretanto objetivamente
– na localização social do trabalho – diferentes; 5) desde 1970, o peso operário reduziu-
se em paralelo à deterioração do nível de vida dos demais setores não burgueses.
Parece-nos que chamá-los classe média assalariada, precária ou aristocrática, ou,
simplesmente, assalariados (classe trabalhadora) está mais exato. Assim como um
operário de salário seis ou setes vezes acima da média nacional é, com certeza, um
membro da classe média (aristocracia operária – operário porque participa da produção
e, logo, adquire duplo caráter279280); pela maior parte da história do capitalismo, estes
278
http://blog.esquerdaonline.com/?p=5961
279
No Feudalismo: “Não esqueçamos que a necessidade de subsistir, em que se encontravam os servos,
e a impossibilidade de exploração em larga escala, que conduziu à repartição dos loteamentos entre os
servos, reduziram muito depressa as obrigações destes para com o senhor feudal a uma determinada
média de contribuições em espécie e de corveias; isto dava ao servo a possibilidade de acumular bens
móveis, favorecia a sua evasão da propriedade do senhor e dava-lhe a perspectiva de conseguir ir para a
cidade como cidadão; daí resultou uma hierarquização entre os próprios servos, de tal modo que
aqueles que conseguem evadir-se são já semiburgueses. É assim evidente que os vilãos conhecedores
de um ofício tinham o máximo de possibilidades de adquirir bens móveis.” (Ideologia Alemã). Já no
capitalismo: “Logo, enquanto os servos fugitivos apenas pretendiam desenvolver livremente as suas
condições de existência já estabelecidas e fazê-las valer, mas conseguiam quando muito o trabalho livre,
os proletários, se pretendem afirmar-se como pessoas, devem abolir a sua própria condição de
setores não produtores diretamente do valor obtiveram salários acima da média e
pertencem aos elos intermediários entre explorados assalariados.
São, portanto, dois níveis de abstração: a) da forma: massa de humanos cujo salário, em
cargo subordinado, permite a sobrevivência; b) do conteúdo: entre os assalariados há
um setor – nas fábricas, minas e campos – assalariado essencial, que determina a
existência dos demais salários, que gera de fato seu próprio salário no ato de trabalho
enquanto forma do valor, do capital variável. Este é o proletariado.
Então:
Operariado = produz valor, trabalho manual e coletivo, localizado no capital produtivo.
Bancários e comerciários = não produzem valor, permitem a autovalorização dos
capitais bancário e comercial por meio do lucro (extração e realização de valor),
trabalho intelectual e não necessariamente coletivo ou manual.
Assalariados médios = setor colateral por natureza, para além da tríade, apenas
formalmente produtivo quando gera lucro e pode tornar-se improdutivo sem que, em si,
se degenere. Inclui o setor intermediário das empresas: gerentes, supervisores,
seguranças etc. Entre a classe média, há também o funcionalismo público que, precário
ou aristocrático, em boa parte do mundo costuma adquirir alguns poucos particulares
direitos, a exemplo da estabilidade de emprego.
Pequena burguesia proprietária = donos de pequenas propriedades privadas:
comerciantes, camponeses, pequenos industriais etc.
Lógica formal (A=A) = todos iguais por razão de assalariamento, método dedutivo, não
diferenciação.
Lógica dialética (A=Não-A) = a diversidade na igualdade, diferenciação e diferenças
qualitativas, ir além do que o sentido imediato evidencia, utilização da lógica formal
como auxiliar (A=A e não-A).
existência anterior, que é simultaneamente a de toda a sociedade até aos nossos dias, isto é, devem
abolir o trabalho.” (Idem.)
280
A formação de uma aristocracia operária, parte da classse média, é um dentre os motivos da
fragilização do proletariado como sujeito revolucionário. O próprio aumento da composição orgânica, e
técnica, do capital, reduzindo a quantidade de operários e despesas com seus salários, permite formar
um setor reduzido com renda acima da média. Em Marx, lemos: “[À medida que se acumulasse capital]
uma parte maior de seu próprio excedente… volta para… os operários sob a forma de meios de
pagamento, de modo que eles podem aumentar os frutos extraídos desse excedente; podem aumentar
um pouco seu consumo de roupas, mobiliário etc. e podem ter pequenos fundos de reserva. Mas, assim
como isto – melhores roupas e alimentos, melhor tratamento e um pecúlio maior – é pouco para acabar
coma exploração do escravo, também é pouco para acabar com a exploração do operário assalariado.
Um aumento do preço do trabalho em decorrência da acumulação de capital só significa, realmente,
que o cumprimento e o peso da corrente de ouro que o operário assalariado pode forjar para si próprio
permitem um relaxamento da tensão… Esse aumento só significa, na melhor das hipóteses, uma
diminuição quantitativa do trabalho não remunerado que o operário tem de executar. Essa diminuição
nunca poderá atingir o ponto em que ameace o próprio sistema.” (Marx, O Capital. 1:645. Extraído da
citação 99, livro “História do Pensamento Econômico”, E. K. Hunt e Mark Leutzenheiser).
necessidades de valorização do “Monsieur Capital”, como Pequeur denomina esse
personagem. “O enfermiço proletário da selva” é uma gentil quimera de Roscher. O
selvático é proprietário da selva e a trata com tanta naturalidade quanto o orangotango,
isto é, como propriedade sua. Ele não é, portanto, proletário. (O Capital I, Boitempo,
página 690, Nota de Rodapé.)
281
"Por burguesia entende-se a classe dos Capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção
social e empregadores de trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados
modernos, os quais, não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de
trabalho [labour-power] para poderem viver." (Manifesto do Partido Comunista. Nota de Engels à
edição inglesa de 1888.)
282
Marx considera este setor, transporte de humanos, parte constituinte do setor de serviços, ou seja,
apenas formalmente produtivo. Com o capitalismo atual e alta urbanidade, eleva-se o assalariamento
de antes profissionais liberais (médicos, professores etc.), criam-se novos serviços lucrativos e há
aumento numérico dos assalariados não operários. Dado o contexto; aqui, discordamos de Marx sobre
os serviços nos transportes: quando o capitalista contrata o operário, aquele transforma o dinheiro do
contrato (salário) em capital e o trabalhador em capital variável; porém, até que transforme sua força
de trabalho em trabalho, este é apenas potencialmente capital e em latência – em si, não para si –
produtor de valor; não central, o deslocamento dos trabalhadores capazes de gerar valor, realizá-lo e
transferi-lo faz parte do setor produtivo per si. Com a alta urbanização, podemos falar em inchaço e
setor colateral.
"É claro que toda grande revolução é uma revolução popular ou revolução nacional, no
sentido em que une em torno da classe revolucionária todas as forças vivas e criativas
da nação e reconstruída em torno de um novo eixo. Mas isso não é uma palavra de
ordem, é uma descrição sociológica da revolução, exigindo explicações positivas e
concretas. Como palavra de ordem, é fanfarrona e charlatanismo, concorrência de bazar
com os fascistas, feitas a preço de que se espalha na cabeça dos operários.
(…) O fascista Strasser diz: 95% do povo está interessado na revolução, mas em uma
revolução popular, não de classe. Thaelmann o acompanha nessa cantiga. Mas na
realidade o operário comunista deveria dizer ao operário fascista: evidentemente, 95% -
senão 98% – do povo é explorado pelo capital financeiro. Mas esta exploração está
organizada de maneira hierárquica: há exploradores, há subexploradores,
subsubexploradores, etc. E é só graças a essa hierarquia que os superexploradores
dominam a maioria da nação. Para que a nação possa efetivamente reconstruir-se em
torno de um novo eixo de classe, ela deve reconstituir-se ideologicamente, e isto só é
realizável se o proletariado, sem se dissolver no "povo", na "nação", mas, ao contrário,
desenvolvendo “seu” programa de revolução “proletária”, obrigue a pequena burguesia
a escolher entre os dois regimes. A palavra de ordem da revolução popular adormece
tanto a pequena burguesia como as amplas massas operárias, concilia-as com a estrutura
hierárquica burguesa do "povo", retarda a sua libertação. Nas condições atuais da
Alemanha, a palavra de ordem de revolução “popular" anula as fronteiras ideológicas
entre o marxismo e o fascismo, permitindo-lhes acreditar que não há necessidade de
escolherem uma vez que, tanto um como no outro caso, se trata de revolução popular.”
(Trotsky; Revolução e Contrarrevolução na Alemanha; p.82, 83.)
Classe em si = classe social, grupos sociais definidos pelas suas relações sociais de
trabalho.
283
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/marxismo/cap01.htm#i11
284
Na obra "Revolução e Contrarrevolução na Alemanha", ele expõe:
"Os principais efetivos do fascismo continuam a ser constituídos pela pequena-burguesia e pela nova
classe média que se formou: pequenos artesãos e empregados do comércio nas cidades, funcionários,
empregados técnicos, intelectuais, camponeses arruinados (...) mil operários de uma grande empresa
representam uma força maior do que a de um milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas
esposas e sogras". (p. 45, 46.) Após a enumeração direta, na mesma obra, mais adiante (p. 284), afirma
que "[A burguesia] conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena
burguesia, mas também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-
burguesia – a burocracia operária". (Trotsky, Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha. São
Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011.)
285
Assim, por sua condição material, tende à esquerdização e tomou para si métodos tradicionais do
movimento operário, como greves e ocupações – objetividade sobre a subjetividade. Por isso, revela
outra confusão categorial e de afastamento da essência – precarização é diferente de proletarização.
Classe para si = quando determinada classe age a favor de seus próprios interesses,
imediatos e estratégicos, como classe com consciência de si, de classe, e organizada
para tal.
Esta tendência à precarização dos setores aristocráticos e não operários é revelada pela
genialidade de Engels, embora este seja limitado e mais permeado de erros em relação
ao amigo:
O general da I Internacional disse 1) como as coisas são, quer seja, como eram e 2)
como tendem a ser e o porquê. Não há dúvidas de que a precarização do trabalho e da
vida da maioria dos assalariados no século XXI, produtivos e improdutivos, operários e
setores médios, é condição básica e vital da revolução socialista em todo o mundo!287
***
Marx descobre o desenvolvimento da humanidade como desenvolvimento de
graus de liberdade.
286
El Capital [O Capital]. Tomo III, pag. 309. Edit. Cartago.
287
"A aliança que o proletariado propõe, não às "classes médias" em geral, mas às camadas exploradas
da cidade e do campo, contra todos os exploradores, incluindo os exploradores "médios", não pode ser
fundamentada sobre a coação, mas somente sobre um acordo voluntário, que deve ser consolidado em
um "pacto" especial. Este "pacto" é, precisamente, o programa das reivindicações transitórias,
livremente aceito pelas duas partes." Trotsky; O Programa de Transição. Extraído de:
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#11
Divisão natural do trabalho:
Trabalho primitivo – homem subjugado pelos limites da natureza
288
Relação não necessariamente e qualitativamente destrutiva.
PANDEMIAS COMO SINTOMA DA CRISE SISTÊMICA
A)
Diferenças entre ricos e pobres geram problemas alimentares, de higiene, de acesso à
informação, de hábitos, de salubridade;
289
Vale observar que esta interpretação é parcialmente correta. O Livro do Apocalipse foi a forma
ideológica, mistificada, de expressar a crise sistêmica da sociedade romana.
290
2009 , livro "À sombra do plátano"; Joffre M de Rezende Editora UNIFESP
http://www.jmrezende.com.br/epidemias.htm
291
https://drauziovarella.com.br/drauzio/a-peste-negra/
B)
A urbanidade atual, que alcançou altíssimo desenvolvimento, reúne uma enorme massa
urbana, facilitando a contaminação geral;
C)
Junto ao ponto b, o fluxo humano e de mercadorias por todo o mundo interliga-nos
também do ponto de vista viral;
D)
Com a automação da produção, alta capacidade produtiva, a indústria farmacêutica
necessita criar demanda, ou seja, adoecimento (por criação real e/ou virtual de doenças)
– e bloqueia ou atrasa pesquisas cujo objetivo é a cura;
(…)
Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar
as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é
desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam
crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar
a medicação.
(…)
(…)
Ao capital só interessa multiplicar-se. Quase todos os políticos, e eu sei do que falo,
dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas que financiam as
campanhas deles. O resto são palavras…292
E)
A quantidade de gente precária e concentrada na urbanidade é enorme – sendo elemento
importantíssimo para futuras revoluções socialistas. O medo de contaminação pode
servir, com num ataque terrorista, como meio de controle e dispersão;
292
Publicado originalmente no La Vanguardia. Extraído de:
http://www.esquerda.net/artigo/farmac%C3%AAuticas-bloqueiam-medicamentos-que-curam-porque-
n%C3%A3o-s%C3%A3o-rent%C3%A1veis
F)
A crise do meio ambiente (alta concentração de carbono no ar, por exemplo) por si faz
surgir novas doenças, além de tornar mais frequentes as que existem. Vejamos um
exemplo dos mais intensos:
“Este documento indica que uma pessoa que está em pé na vizinhança de um desses
lugares inala uma dose de toxinas 1.000 vezes mais elevada do que receberia em
qualquer outro lugar ao ar livre. Assim, respirar “estas partículas por um minuto”
consegue fazer uma pessoa alcançar “a dose máxima diária”, explica Michael Bergin,
um dos pesquisadores.”293
“— É irônico que uma coisa tão pequena provoque tamanha ameaça pública —
disse Jeffrey LeJeune, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, em
entrevista ao “Guardian”. — Mas ela é uma ameaça global à saúde que precisa de uma
resposta global.”295
293
http://climatologiageografica.com.br/respirar-por-1-minuto-na-india-e-extremamente-perigoso/
294
“O mundo está no liminar de uma "era pós-antibiótico" alertam cientistas após a descoberta de
bactérias resistentes a medicamentos da última linha de defesa humana contra infecções. Um estudo
divulgado na revista científica Lancet identificou, em pacientes e animais na China, bactérias que
resistem à colistina, um potente antibiótico. Os autores concluem que essa resistência pode se espalhar
pelo mundo, trazendo consigo a ameaça de infecções intratáveis.
Especialistas afirmam que esse desdobramento precisa ser visto como um alerta mundial. Se bactérias
se tornarem completamente resistentes a tratamentos - o chamado "apocalipse antibiótico" -, a
medicina pode ser lançada novamente em uma espécie de Idade Média. Infecções comuns voltariam a
causar mortes, enquanto cirurgias e tratamentos de câncer, que apostam em antibióticos, ficariam sob
ameaça.” – BBC e http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/cientistas-descobrem-
mutacao-que-torna-bacterias-imbativeis-por-antibioticos.html
295
http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/paises-da-onu-assinam-compromisso-global-contra-
superbacterias-20149803#ixzz4OV186xgg
A razão desse problema é fácil de observar; o aumento dos problemas de saúde tem
como lastro universal a crise econômica, ou seja, aumento das pobrezas relativa e
absoluta, a queda da qualidade nutricional dos alimentos, corte dos custos com
salubridades, maior exploração laboral, guerras (com o possível uso de armas
biológicas) e deslocamento caótico de humanos (refugiados, etc.). Isso nos faz recordar
o escândalo no berço da filosofia:
Como diretor de escola primária, Leonidas Nikas está acostumado a ver crianças
brincando, rindo e sonhando com o futuro. Mas, recentemente, ele viu algo
completamente diferente, algo que ele achava que era impossível na Grécia: crianças
revirando o lixo da escola em busca de comida; jovens necessitados pedindo restos dos
amigos; e um menino, trata-se de Pantelis Petrakis, 11, contorcendo-se de fome.
"Ele não tinha comido quase nada em casa", disse Nikas, sentado na apertada sala
da diretoria, perto do porto de Piraeus, um subúrbio da classe trabalhadora de Atenas,
enquanto o som de uma corda de pular deslizava pelo pátio. Ele conversou com os pais
de Pantelis, que estavam envergonhados e constrangidos, mas admitiram que não
conseguiam encontrar trabalho há meses. Suas economias haviam acabado e eles
estavam vivendo com porções de macarrão e ketchup.
"Nem nos meus pesadelos mais insanos eu imaginaria ver a situação em que
estamos hoje”, disse Nikas. “Chegamos a um ponto em que as crianças na Grécia estão
chegando com fome na escola. Hoje, as famílias têm dificuldades não só para encontrar
emprego, mas para sobreviver.”
A economia grega está em queda livre, tendo diminuído 20% nos últimos cinco
anos. O desemprego está em mais de 27%, o mais alto na Europa, e 6 em cada 10
candidatos a emprego dizem que não trabalharam há mais de um ano. Essas estatísticas
duras estão remodelando as vidas das famílias gregas que têm filhos, que cada vez mais
estão chegando na escola com fome ou mal alimentados, até mesmo desnutridos, de
acordo com grupos privados e o próprio governo.
No ano passado, cerca de 10% dos alunos gregos do ensino fundamental e médio
sofreram com o que os profissionais de saúde pública chamam de “insegurança
alimentar”, o que significa que eles enfrentaram a fome ou o risco dela, disse Athena
Linos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Atenas, que também
chefia um programa de assistência alimentar no Prolepsis, um grupo de saúde pública
não governamental que estudou a situação. “No que diz respeito à insegurança
alimentar, a Grécia agora caiu para o nível de alguns países africanos", disse ela.296
296
http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2013/04/22/com-a-crise-financeira-familias-
gregas-passam-fome.htm
Abarcamos os conceitos desta matéria:
“Segundo avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU), pelo menos 800
milhões de pessoas, incluindo 300 milhões de crianças, “toda noite vão para a cama com
fome”. Já é um número catastrófico. Mas tratando-se de avaliação de uma organização
imperialista, esse número da ONU de indivíduos portadores de fome absoluta deve estar
bastante subestimado.
Pessoas portadoras de fome relativa são obesas e lentas. Vão para a cama com o
estômago cheio (muito cheio), mas com um monte de invisíveis fraquezas orgânicas e
visíveis doenças pelo corpo. Mercadorias-capital que provocam inflamações físicas e
mentais generalizadas. Que podem provocar a morte dos seus consumidores a qualquer
momento.”
(…)
297
http://criticadaeconomia.com.br/as-modernas-formas-da-fome-capitalista-2/
Os hadza são uma das poucas tribos coletoras-caçadoras restantes no mundo - e
acredita-se que eles habitem o mesmo lugar, no norte da Tanzânia, há 40 mil anos,
vivendo de frutas, tubérculos e da carne de 30 mamíferos diferentes. O repórter da BBC
Dan Saladino acompanhou a tribo e conta que lições podemos tirar dessa dieta tão rica
em bactérias benéficas e protetoras do sistema imunológico. assim que nossos ancestrais
buscavam sua comida e supriam suas necessidades. As refeições de Zigwadzee e de
seus amigos hadza são o último elo remanescente com as dietas que nós humanos
usamos para evoluir. Foi com elas que nosso sistema digestivo se desenvolveu,
inclusive o complexo conjunto de bactérias que temos dentro de nosso corpo, o
chamado microbioma.
(…)
Por isso, Spector coletou amostra de suas próprias fezes antes e depois de três dias
sob a "dieta hadza", para verificar se a variedade de bactérias havia mudado.
Cada vez mais estudos indicam que, quanto mais rica e diversificada é a
comunidade microbiana do intestino, menor será o risco de doenças. A dieta é chave
para conservar a diversidade, como ficou demonstrado de forma assustadora quando um
estudante universitário seguiu uma dieta do McDonald’s por 10 dias, e ao final de
quatro vivenciou uma queda significativa na quantidade de micróbios benéficos.
Diversos estudos de amplo alcance sobre humanos e animais obtiveram resultados
semelhantes.
(…)
298
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40843534
trabalhado com os hadzas, um dos últimos grupos caçadores-coletores restantes na
África.
(…)
Vinte e quatro horas depois, Dan e eu estávamos de volta a Londres, ele com suas
preciosas fitas de áudio e eu com minhas queridas amostras de fezes. Depois de
produzir várias outras, as enviei ao laboratório para análise.
TAREFAS DO SOCIALISMO
Mais do que criticar o estado atual das coisas, precisamos pensar um esboço
materialista – nada mais que um esboço-guia – do possível amanhã. São tarefas da
sociedade transicional ao comunismo:
299
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/13/ciencia/1499947417_255308.html
A)
Desenvolver uma nova relação homem-espaço: unir, fundir o melhor da urbanidade
com o melhor do campo;
B)
Desenvolver uma nova cultura alimentar, de higiene e foco na saúde preventiva;
C)
Desenvolver um método de saúde, cuidado medicinal e cura que, entre outras
vantagens, primará pela rapidez de resultados;
D)
Desenvolver um plano consciente e democrático de incentivo à gestação agradável,
responsável e acolhedora;
E)
Tornar a relação homem-técnica-natureza sadia;
F)
Desenvolver métodos cada vez mais qualificados de colheita e criação.
300
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2014/11/23/interna_vidaurbana,544620/pernambucano-cria-emissor-de-luz-capaz-de-matar-
bacterias-resistentes.shtml
DECADÊNCIA GERAL DA PSIQUE
Um jovem tunisiano se encontra em estado crítico depois de ter se imolado com fogo no centro da
capital, Túnis, um ato simbólico, já que a revolução tunisiana de 2011, a primeira da Primavera Árabe,
começou com a imolação de um vendedor ambulante desesperado.
(...)
Um monge budista tibetano morreu após colocar fogo em si mesmo nesta segunda-feira, na China,
em protesto para pedir a volta do líder espiritual Dalai Lama, que foi exilado após ser condenado pelo
governo chinês como separatista. A organização pela libertação do Tibet, localizada em Londres, disse
que Tsewang Norbu, de 29 anos, fazia parte de um monastério em Tawu, cerca de 150 km do local onde
ele se sacrificou. O órgão conta que o religioso bebeu e se banhou de combustível, e logo depois colocou
fogo em seu próprio corpo.302
Trata-se da maior tentativa de imolação desde o início, há mais de um ano, desse tipo de ações, que
já custaram a vida de cerca 50 tibetanos, em sua maioria monges budistas. 303
301
http://g1.globo.com/revolta-arabe/noticia/2013/03/em-protesto-homem-ateia-fogo-ao-proprio-
corpo-na-tunisia.html
302
http://oglobo.globo.com/mundo/monge-budista-coloca-fogo-em-si-mesmo-para-pedir-libertacao-
do-tibet-2690412
303
http://odia.ig.com.br/portal/mundo/tibetanos-colocam-fogo-no-pr%C3%B3prio-corpo-em-protesto-
por-ocupa%C3%A7%C3%A3o-chinesa-1.512421
304
http://www.universoracionalista.org/depressao-redor-do-mundo/
A imagem dessa pandemia incapacitante, com certeza, apresenta um dado muito
abaixo da realidade, como explica o artigo de onde a extraímos:
305
Idem.
depressão no Oriente Médio, Norte da África, África Subsaariana, Europa Oriental e
no Caribe. Enquanto isso, a depressão é supostamente menor no leste da Ásia, seguidos
pela Austrália / Nova Zelândia e Sudeste da Ásia. (…)
(…)
O país mais deprimido é o Afeganistão, onde mais de uma a cada cinco pessoas
sofrem deste transtorno. O menos deprimido é o Japão, com uma taxa de diagnóstico
de menos de 2,5 por cento.
(…)
(…)
Gou disse aos jornalistas que estavam sendo instaladas redes para evitar que mais
pessoas pulem para a morte.
306
Idem.
307
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,suicidios-em-fornecedor-da-apple-chegam-a-10-imp-
,557881
As redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e
prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em Xangai,
Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de correio, bancos e piscinas
de tamanho olímpico".
"Apesar de parecer uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se
mais alguém cair", afirmou o presidente da Foxconn.308
Eles [ativistas que prepõe boicotes] afirmam que as jornadas de trabalho são
longas, as linhas de montagem têm uma velocidade muito alta e os chefes aplicam uma
disciplina militar para lidar com os trabalhadores.
“está claro pra mim que está insustentável e eu não vou conseguir levar adiante.
Não vamos ter mais renda e não vou ter como sustentar a família”, diz um trecho da
carta.
308
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/05/100527_foxconn_outrosuicido_aw.shtml
309
Idem.
310
http://exame.abril.com.br/mundo/indice-de-suicidio-na-grecia-sobe-40-apos-crise/
“Sinto um gosto profundo por ter falhado com tanta força, por deixar todos na
mão. Mas, melhor acabar com tudo logo e evitar o sofrimento de todos”, afirma.311
Engana-se, no entanto, quem supõe esse problema como uma característica dos
países pobres. Uma reportagem especial da BBC, “Por que o Japão tem uma taxa de
suicídios tão alta?”, revela:
“No ano passado, no Japão, mais de 25 mil pessoas cometeram suicídio. Isso dá uma
média de 70 por dia. A maioria delas, homens.”
“Estes números não representam a maior taxa de suicídio entre países desenvolvidos - o
título ainda cabe à Coreia do Sul, com uma média anual de 28,9 suicídios por 100 mil
habitantes. Mas estão muito acima de outras nações ricas.”
“O índice japonês de 18,5 suicídios para cada 100 mil habitantes é, por exemplo, três
vezes o registrado no Reino Unido (6,2) e 50% acima da taxa dos Estados Unidos
(12,1), da Áustria (11,5) e da França (12,3).”
“Agora, conforme seu passado começa a ser investigado pela mídia japonesa, surgem
sinais de se tratar de um homem no limite. Ele vivia sozinho e não tinha emprego.
Passava os dias coletando latas de alumínio para vendê-las para reciclagem.”
“Vizinhos disseram a repórteres que o ouviram quebrar uma janela ao se trancar do lado
de fora de seu apartamento dilapidado.”
“Outros afirmaram raramente tê-lo visto fora de casa, mas ouviam com frequência a
televisão ligada. Pobre, de idade avançada e sozinho. É um caso bastante familiar.”
“’Hoje em dia, são cada vez mais comuns histórias de idosos que morrem sozinhos em
seus apartamentos. Eles estão sendo negligenciados. Os filhos costumavam cuidar de
seus pais no Japão, mas isso não ocorre mais.’”
311
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/08/1808140-nao-vamos-ter-mais-renda-diz-carta-de-
suicidio-de-pai-que-matou-a-familia.shtml
(…)
“O Japão já foi a terra do emprego vitalício, mas, enquanto muitas das pessoas mais
velhas ainda desfrutam de estabilidade e benefícios generosos, quase 40% dos jovens
japoneses não conseguem encontrar empregos estáveis.”
“’Esta é uma sociedade muito orientada por regras. Jovens são moldados para se
encaixar em nichos existentes. Não há como alguém expressar seus sentimentos
verdadeiros. Se são pressionados por seu chefe ou se deprimem, alguns acham que a
única saída é morrer.’”
(…)
“A tecnologia pode estar piorando esta situação, ao aumentar o isolamento dos jovens.
O Japão é famoso por uma condição conhecida como "hikkimori", um tipo de
isolamento social grave.’
“Mas esta é apenas a forma mais extrema de uma atual perda generalizada de
socialização cara a cara. Uma pesquisa recente sobre o comportamento dos jovens em
relacionamentos e sexo trouxe resultados impressionantes.”
Quem possui emprego, adoece; quem não possui, adoece pelas limitações materiais
e morais da pobreza. Na realidade, a personalidade humana está, no capitalismo,
lastreada no dinheiro; este é o guia e base geradora do jeito de ser de cada um dos
indivíduos. Assim, quanto mais frio, objetivo, desumano, móvel, egoísta e apaixonado
por objetos, ou seja, quanto mais parecido o sujeito for com a personalidade do
312
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb
dinheiro, melhor para eles, o sujeito e o dinheiro313. A exceção da maestria dos
psicopatas, em diferentes níveis, as pessoas têm sérias dificuldades – e sequelas – de
subjetivar a personalidade objetiva desse objeto.
313
“Se o dinheiro é o laço que me prende à vida humana, e a sociedade a mim, e me liga à natureza e ao
homem, não é ele o laço de todos os laços? Não é ele também, portanto, o agente universal da
separação? Ele é o meio real tanto de separação quanto de união, a força galvano-química da
sociedade.”
(…)
“O poder de inverter e confundir todos os atributos humanos e naturais, de levar os incompatíveis a
confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em seu caráter como a vida espécie alienada e
auto-alienadora do homem. Ele é a força alienada da humanidade.”
“O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que todas as minhas faculdades individuais são
incapazes de fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O dinheiro, por conseguinte, transforma cada uma
dessas faculdades em algo que ela não é, em seu antônimo.”
(…)
“O dinheiro, então, aparece como uma força demolidora para o indivíduo e para os laços sociais, que
alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio
em amor, virtude em vício, vício em virtude, servo em senhor, boçalidade em inteligência e inteligência
em boçalidade.”
“Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do valor, confunde e troca tudo, ele é a confusão
e transposição universais de todas as coisas, o mundo invertido, a confusão e transposição de todos os
atributos naturais e humanos.” (K. Marx; terceiro manuscrito, escrito entre abril e agosto de 1844.)
http://www.novacultura.info/single-post/2016/06/18/Marx-manuscrito-sobre-o-dinheiro
314
Sobre normose, o psicanalista Contardo Calligaris oferece-nos um bom comentário: “Pois é… Será
que as pessoas querem ser normais? Normais ou não julgadas? Eu acho que o neurótico médio – que
somos todos nós – sonha, idealiza o louco. Ele acha que o louco é “o cara”. E sonha em ser perverso. Ou
seja, em ser alguém que realmente não teria todos os impedimentos que a neurose nos coloca, ou seja,
os registros de culpa, as inibições. O que é uma pessoa normal? Uma pessoa realmente normal é uma
que tem um registro de experiência miserável, extremamente pobre. Pode ser que seja relativamente
pouco sofrido, mas é também dramaticamente desinteressante. Às vezes, quem pode ser normal são
pessoas que têm ou tiveram uma insuficiência cultural-afetiva muito grande. Então, não conseguem…
Não é elaborar a experiência no sentido de falar as suas experiências, mas sabe aquela coisa que você
atravessa a vida, vê as coisas e isso não lhe evoca nada? Tudo acontece como está acontecendo e isso
não me evoca nenhuma lembrança. Normal é quem não tem nada disso. É quem tem uma experiência
miserável, no sentido de pobre. Um registro de experiência extremamente pobre.”
Fonte: http://www.fasdapsicanalise.com.br/mais-loucos-e-perversos-do-que-nos-imaginamos/
http://www.livrariacultura.com.br/revistadacultura/home
particularidades e o “fora da norma”, reprimem de modo invisível quem romper regras
invisíveis, procuram alinhar-se ainda mais com a maioria, baixa tolerância às diferenças
e desigualdades, coordenam-se em totalidade com o grupo e desejam deste uma
autoimagem e autoconfirmação narcísica coletiva, elabora-se um mundo particular
contra o externo incômodo, etc. Soa crítica romântica. Este adoecimento social ficou
conhecido pelo nome normose, doença da normalidade. São mecanismos danosos na
tentativa de conceber conexões reais, comunitárias; mesmo simples amigos tendem a
adquirir certos ares de seita (basta-nos recordar os clubes de futebol).315
315
Diferente das antigas sociabilidades ou de cidades pequenas, o controle social dos perfis pessoais se
dá pela falta. Assim pensa o indivíduo: “Como devo ser para ser aceito?” A dor e medo da solidão e
despreso faz com que seja castrada toda busca por autenticidade e originalidade. Alguém é o que pensa
ser esperado que seja. Esta alienação, reificação social, se impõe de maneira indireta e invisível, quase
parecendo inexistente, na aparência de vivermos a época mais livre e libertária ao indivíduo. Mas isto é
falso. Mesmo partidos, empresas, grupos artísticos etc. perdem “material humano” por deixarem de ver
na diferença – não repetição, não reprodução – um valor ímpar. Busca-se o tipo eficiente, “equilibrado”.
Tal quem reza o Pai-nosso até perder o sentido das palavras recitadas, o elogio à figura do “louco”, do
criativo ou do indisciplinado ativo não corresponde a uma prática social valorizadora do novo, do sui
generis, da quebra de padrão etc. Sair da norma passa a gerar, mais que antes, todo tipo de sofrimento
formal e informal. Até a esquerda marxista está presa à concepção ilumunista de racionalidade e
equilíbrio. (Aqui, outra vez, cabe elogio à Kurz, quem intuiu a questão.)
A vantagem e limite de nossa época é que a solidão nos permite dizer tudo e de tudo, pois muito
provável estar falando para ninguém.
Ainda sobre concepção de racionalidade; minha experiência militante, independente de qual corrente,
demonstrou o desprezo por questões subjetivas, psicológicas e, mesmo, da superestrutura subjetiva na
prática política e na teoria. O militante deveria ser uma nova máquina militante. As expressões faciais de
reprovação surgiam tão logo o tema “sem importância” e “menor” surgia. Um tipo curioso de falso
objetivismo, na medida do desconhecimento por parte da maioria dos militantes sobre o básico de
economia política e da importância da teoria do valor de Marx (quanto mais da crise do valor de Kurz).
316
Nota 92 de O Capital I, K. Marx.
exemplo contemporâneo, pois o contato humano é por demasiado indireto. Nesse
sentido, o dinheiro é o grande objeto dominador e denominador: promove a “cola” das
relações, a atração mútua dos humanos, mas de um modo degenerado e mesquinho. O
objeto-mercadoria predomina; tornado objeto, o humano perde sua condição humana e
animal.
A tese do livro é que a gente pode entender o condomínio mais além da forma
concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia das nossas relações com
o outro e com o espaço social, no sentido de que os condomínios [físicos] proliferam no
Brasil num momento em que o Estado se demite da função de organizar o espaço
público. Ele entrega isso para iniciativas independentes que vão ter muita autonomia
para definir quais são as regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais
exatamente público. É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa
alteração desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se
cria artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a lidar
com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar com o
outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma
superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu não
sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha existência.
Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o trabalho, a uma
espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria essa vida em condomínio,
a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por regras do espaço público. Então,
a gente tem os clássicos sintomas do sentimento de inautenticidade, do sentimento de
esvaziamento, de que você está permanentemente representando uma espécie de papel.
(…)
Acho que a gente ainda está no momento em que não se dá conta de que essa forma
de vida cria problemas. Ela ainda é, pra muita gente, um ideal de consumo e de vida.
Mas você vai ter que lidar com alguns problemas, principalmente, com algumas formas
de tratamento prêt-à-porter do seu sofrimento. Uma coisa que a gente vê muito na
clínica é uma certa atitude dos pais de terem uma expectativa escolar condominial em
relação aos filhos. Eles querem pôr câmeras dentro das salas e dizem “sou consumidor,
quero que meu filho tenha um tratamento x e que não tenha mais pau no gato”. Isso é
caso real. Não tem mais lobo, não tem mais copo de veneno em cima do piano, não tem
mais sofrimento que vem de fora. O sofrimento não vem das nossas fantasias, dos
nossos demônios internos… O sofrimento vem quando se conta uma história ruim e a
criança não consegue dormir mais à noite. É o exagero do máximo do sintoma
condominial dentro da escola.317
(…) quem cresceu em uma família de classe média entre as décadas de 1980 e 2010
provavelmente conhece bem o assunto. Não à toa. Foi no final dos anos 1970, que os
condomínios verticais começaram a surgir nos grandes centros urbanos do país. Hoje,
eles são praticamente tudo o que o mercado imobiliário oferece. Em uma reflexão
rápida, é difícil imaginar que as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Afinal, com 21
das 50 cidades mais violentas do mundo – segundo ranking de 2015 da ONG mexicana
Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal – é de se esperar que as
pessoas busquem muros para proteção.
(…)
(…)
317
http://www.vice.com/pt_br/read/a-industria-do-sofrimento-uma-poderosa-forca-economica-uma-
entrevista-com-o-psicanalista-christian-ingo-lenz-dunker
Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Netto elaborou uma pesquisa
que mostra numericamente que ruas com prédios que começam na linha da calçada, não
tem afastamento lateral para outras construções e, por fim, abrigam pequenos comércios
no térreo são mais usadas por pedestres. Essas características juntas possibilitam o que é
chamado de “fachadas ativas”, ou seja, construções que oferecem alguma interação com
o passante. Para chegar à conclusão, Netto e outros pesquisadores fizeram milhares de
medições do movimento de pedestre, entre 9h e 19h, nas cidades de Porto Alegre,
Florianópolis, e Rio de Janeiro.
(…)
(…)
(…)
Cidades não são construções monolíticas. Muito pelo contrário, cidades são vivas e
sujeitas a modificações constantes. “Em São Paulo, por exemplo, começam a surgir
incorporadoras que tentam trabalhar mais com o conceito de rua viva, que constroem
prédios sem muros e menos padronizados”, diz Marques. O Plano Diretor recentemente
aprovado na capital paulista, ele lembra, é outro ponto que, ao incentivar construções
com fachadas ativas e propor uma volta às ruas da cidade, pode trazer mudanças nos
próximos anos. Além disso, há um movimento claro da sociedade civil por reocupação
de espaços públicos, expresso, por exemplo, em hortas comunitárias e a opção pelo uso
da bicicleta. “Hoje, os prédios não ajudam a construir a cidade, são, na verdade barreiras
para as pessoas e seus encontros, mas isso sempre pode mudar”.318
318
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/02/politica/1478113314_293585.html
Como observamos, a histeria e a personalidade paranoide de integrantes dos
protestos de classe média no Brasil (2015) e EUA (2016, eleições) têm razão de ser. A
solidão cada vez mais universal e cada vez mais presente onde ela sempre esteve
presente, na pequena burguesia, cobra um preço psíquico somado ao custo das clínicas e
medicamentos… E isso só poderia gerar lucros: além de toda parafernália de segurança
privada e do consumismo para compensar o vazio existencial, o consumo de fármacos,
estimulantes e antidepressivos, tornou-se uma fonte mafiosa de dinheiro; a dependência
por medicamentos “da mente” generaliza-se e o declínio geral da psique humana
aprofunda-se, lastreado na força destrutiva do capitalismo decadente – a decadência
sistêmica causa a decadência mental. Vejamos o trecho de uma entrevista com alguém
insuspeito e da área:
Allen Frances (Nova York, 1942) dirigiu durante anos o Manual Diagnóstico e
Estatístico (DSM), documento que define e descreve as diferentes doenças mentais.
Esse manual, considerado a bíblia dos psiquiatras, é revisado periodicamente para ser
adaptado aos avanços do conhecimento científico. Frances dirigiu a equipe que redigiu
o DSM IV, ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número
de transtornos patológicos. Em seu livro Saving Normal (inédito no Brasil), ele faz uma
autocrítica e questiona o fato de a principal referência acadêmica da psiquiatria
contribuir para a crescente medicalização da vida.
Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o
trabalho de seus colegas do DSM V. Por quê?
Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94
novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que
tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais
para frear o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no
sentido de introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder
dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno
psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O resultado foi uma inflação
diagnóstica que causa muito dano, especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a
ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar a atual inflação
diagnóstica em hiperinflação.
R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da
última revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês
ampliaram tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em
muitos desses transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que
certamente tenho uma demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito,
então provavelmente tenho a síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha
mulher morreu a tristeza durou mais de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em
uma depressão. É absurdo. Criamos um sistema de diagnóstico que transforma
problemas cotidianos e normais da vida em transtornos mentais.
R. É óbvio. Graças àqueles que lhes permitiram fazer publicidade de seus produtos,
os laboratórios estão enganando o público, fazendo acreditar que os problemas se
resolvem com comprimidos. Mas não é assim. Os fármacos são necessários e muito
úteis em transtornos mentais severos e persistentes, que provocam uma grande
incapacidade. Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de
medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o
mal-estar.
P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças entre 5
e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de atenção. É crível que uma em
cada três crianças seja hiperativa?
R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em
pouco tempo o diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a
hiperatividade. Calculamos que, com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam
em 15%, mas houve uma mudança brusca a partir de 1997, quando os laboratórios
lançaram no mercado fármacos novos e muito caros, e além disso puderam fazer
publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.
P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra dificilmente
prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais angustiados que corram para o
seu consultório, porque a professora disse que a criança não progride adequadamente, e
eles temem que ela perca oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses
fatores culturais influenciam?
R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro, não há evidência em longo prazo
de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo,
pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas
em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos fazendo
um experimento em grande escala com essas crianças, porque não sabemos que efeitos
adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo. Assim como não nos ocorre
receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz
sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar
que há diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de
normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que os pais
protejam seus filhos, mas do excesso de medicação.
R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos
de sono! Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e
319
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html
320
O capital controla nosso tempo cotidiano e seu ritmo; o tempo determina a gente, não a gente
determina o tempo. Isto se expressa na saúde das mais variadas formas, como o excesso de partos
cesarianos que deveriam ser exceção e são menos saudáveis à mãe e filho.
irritabilidade. Jantar às 22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês
faziam a sesta. O cérebro elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas,
tanto físicos como psíquicos.
Tratamos neste e noutros capítulos das mudanças desde o final da década de 1970.
Em menor escala, reduzida no tempo e conjuntural, podemos observar o fenômeno de
modo semelhante: os dados do PIB ou PIB per capita são incapazes de medir algo como
felicidade ou satisfação geral, pois tais dados formais podem ser positivos a partir do
aumento da exploração dos trabalhadores, de sua maior infelicidade. Mas, por outro
lado, podem gerar e indicar, em todas as classes, se os dados do produto interno bruto
são positivos, fenômenos psíquicos como expectativa, esperança, tolerância, etc.; e, ao
contrário, aumento da frustração, da tristeza, do suicídio, do grande esforço pouco
compensador, do estresse e raiva caso os referidos dados sejam negativos, de recessão,
depressão ou estagnação prolongada. Crescimento ou crise econômicos, cada um, geram
tendências na mente-corpo dos indivíduos; são consequências e lastreados. Nos
momentos de caos social, quando é impossível ao sistema promover reformas capazes
de apaziguar os ânimos, a psicologia de classe ganha alta dimensão histórica e
importância reais: o alto estresse aqui abate os trabalhadores e ali, por inúmeras razões,
pode movê-los para ações revolucionárias; ora unifica a classe dominante para o perfil
violento e de ataque e, noutro instante, por ação ou reação da classe antagônica, fá-la-á
perder fé em si própria, dividir-se, desesperar-se e enxergar-se confusa. Isto gera
fenômenos interessantes. Uma crise dura e repentina pode desestimular a luta de classes,
criando pessimismo e perfil reformista na classe trabalhadora; já o crescimento
321
Já sua premissa “justificadora” é falsa: supõe um homem ideal, um modelo ideal e perfeito enquanto
meta. Nunca existente um só exemplo tal na história humana, trata-se de uma falsificação ideológica
rumo ao lucro, pura e simplesmente.
322
Lênin e Trotsky observaram que as revoluções, em seus começos, tomam a forma de uma grande
festa, de uma alegria genuína; aos olhos burgueses, claro, isso parece animalesco, bizarro e uma
perigosa “ameaça zumbi”.
econômico imediatamente após esta crise pode desemborcar em revolução, em tentativa
de resolver as contradições acumulada passivamente a partir da crise, pois aumenta as
esperanças de reformas e, em seguida, frustração e stress323. Elaboremos a formulação
geral: dado o fator econômico, crise ou crescimento, o efeito sobre a psicologia coletiva
e, em boa medida, individual é determinado pelos movimentos daí derivados entre os
setores em oposição na sociedade.
Conforme afirmam historiadores, tudo teria começado com uma mulher. Ela saiu
de casa, provavelmente em 14 de julho ou algum dia próximo, e começou a dançar. Os
relatos da época dizem que ela não parou por seis dias. Em uma semana, outras 34
pessoas começaram a se mexer de maneira ininterrupta. Era a eclosão de um dos casos
mais curiosos da história da medicina: a epidemia de dança de 1518.
(…)
Não foi o primeiro caso de praga de dança registrado. Antes de Estrasburgo, pelo
menos outros sete surtos ocorreram na Europa. Mas Estrasburgo teve maiores
proporções. No final de agosto, seriam mais de 400 "infectados". Muitos mortos de
tanto dançar – literalmente. (…)
(…)
323
Aliás, por mais de uma vez Trotsky expôs isto em polêmica contra aqueles a defender que o
capitalismo (em crise orgânica) seria apenas crise permanente, desconsiderando a necessidade de medir
avanços e recuos em cada conjuntura – impressionismo e ultraesquerdismo.
324
https://noticias.terra.com.br/ciencia/epidemia-de-danca-ha-495-anos-pessoas-requebravam-ate-a-
morte,13493422714df310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html
perdem noção de realidade e, de outro, procuram criar uma vida paralela, como se em
outro planeta. Assim, como se sabe, o poder feudal francês, decadente e absolutista,
isolava-se em um paraíso artificial chamado “Palácio de Versalles”325, e isto serviu de
estímulo para que Maria Antonieta ficasse conhecida por dizer "Se o povo não tem pão,
que coma brioches!"; como gatilho, ocorreu a revolução burguesa. Hoje, faz pouco
tempo, “a mulher mais rica do mundo e herdeira de um império de mineração, Gina
Rinehart, afirmou nesta quarta-feira que a Austrália está ficando muito cara para as
mineradoras e disse que conseguiria contratar trabalhadores na África por menos de
US$ 2 por dia (cerca de R$ 4).”326 E: “Ela também pediu ao governo que diminua o
salário mínimo para atrair mais investimentos. (…)’Se sentem inveja dos que têm mais
dinheiro que vocês, não fiquem sentados reclamando. Façam algo para ganhar mais,
passem menos tempo bebendo, fumando e brincando, trabalhem mais’, completa o
texto.”
Que falta faz uma revolução comunista – que falta faz! A burguesia perde-se em
suas excentricidades e extravagâncias na medida em que dinheiro há de sobra. Cabe aos
políticos mediarem o irrealismo burguês327 cada vez mais acentuado, mas também
desejam enriquecer, precisam satisfazer os ricos que representam no Estado, os quadros
qualificados na política são cada vez mais escassos e, por igual a todos, vivem a
decadência social implantada no aparelho psíquico. A personalidade visivelmente
conturbada de Donald Trump não o impediu, ao contrário, de alcançar o posto de
presidente dos EUA. Quando a individualidade e as questões psicológicas, mui
permeados por disputas interpessoais, sobem na hierarquia dos organismos e seus
destinos, e adquirem papel por demasiado relevante nos rumos da sociedade e
superestruturas; então significa que a realidade, a objetividade e o Estado consolidaram
uma crise, um autotravamento, uma contradição em si e degeneração – uma forma de
325
Entre a burguesia, Lenin levantou a questão: (…) “A maior parte da Europa ocidental poderia adquirir
então o aspecto e o caráter que têm atualmente certas partes dos países que a compõem: o Sul da
Inglaterra, a Reviera e as regiões da Itália e da Suíça mais freqüentadas pelos turistas e que são
residência de gente rica, isto é: um punhado de ricos aristocratas que recebem dividendos e pensões do
Extremo Oriente. (…)” (p. 50.) “A descrição que Schulze-Gaevernitz faz do “imperialismo britânico”
mostra-nos os mesmos traços de parasitismo. O rendimento nacional da Inglaterra duplicou
aproximadamente entre 1865 e 1898, enquanto as receitas provenientes “do estrangeiro” durante esse
mesmo período aumentaram nove vezes. Se o “mérito” do imperialismo consiste em "educar o negro
para o trabalho”, (é impossível evitar a coerção...), o seu “perigo” consiste em que a “Europa
descarregue o trabalho físico - a princípio o agrícola e mineiro, depois o trabalho industrial mais rude
sobre os ombros da população negra e se reserve o papel de rentier, preparando talvez desse modo a
emancipação econômica, e depois política, das raças negra e vermelha”.
“Em Inglaterra retira-se à agricultura uma parte de terra cada vez maior para a entregar ao desporto, às
diversões dos ricaços. No que se refere à Escócia - o lugar mais aristocrático para a caça e outros
desportos -, diz-se que “vive do seu passado e de mister Carnegie” (um multimilionário norte-
americano). Só nas corridas de cavalos e na caça às raposas gasta anualmente a Inglaterra 14 milhões de
libras esterlinas (uns 130 milhões de rublos). Na Inglaterra o número de rentiers aproxima-se do
milhão.”(p.51.)”
326
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/09/05/mais-rica-do-mundo-diz-que-salario-
ideal-e-o-africano-de-r-4-por-dia.htm
327
O irracionalismo revela-se como uma tendência geral do sistema e da psique, mais do que uma
corrente filosófica burguesa.
exemplificar isto na dimensão global é a maior importância relativa dada ao ânimo dos
investidores, dos “mercados”, alegres ou nervosos, atraindo ou espantando capitais dia a
dia por meio de fatos, notícias e expectativas conceituado “reflexibilidade” por George
Soros, como se profecias especulativas, ao gerarem medo ou vontade, se
autoconfirmassem. Isso nos faz recordar Trotsky, em A História da Revolução Russa,
onde destina um capítulo inteiro à análise da psicologia do tzar e da tzarina e, de
imediato, aponta a vida alienada de uma classe decadente do ponto de vista histórico328.
Esqueceu-se de ver, por outro lado, que tal fenômeno ainda não era claro na burguesia
durante o período de ascensão da fase imperialista; agora, no período de decadência
dessa fase, tal processo ocorre quase a olhos vistos329.
328
“Quanto mais se isolava a dinastia e quanto mais abandonado sentia-se a autocracia, tanto mais
necessitava do auxílio de outro mundo.” (p. 70) “A proverbial "boa educação" do tzar, seu poder de
dominar-se, mesmo nas mais críticas circunstâncias (...) radicava-se numa íntima indiferença, numa
enorme indigência de forças morais, na fraqueza e impulsos volitivos.” (p. 64) “Não era sem razão que
diziam ser Nicolau fatalista. É preciso entretanto acrescentar que o seu fatalismo era bem diferente de
uma fé ativa em sua "estrêla". Ao contrário, Nicolau considerava-se um fracassado. Seu fatalismo não
era senão uma forma de defesa passiva, diante do desenvolvimento histórico, aliada a um
temperamento arbitrário e mesquinho nos seus motivos psicológicos, porém monstruosos em suas
consequências." (p. 65) “Nicolau não era apenas desequilibrado, mas também desleal.” (p. 66)
"Ansiedade moral, melancolia crônica, angústia sem limites, alternativas de exaltação e de astenia,
dolorosas meditações sobre o além-mundo e o invisível, superstições – esses são os traços fortes na
pessoa da tzarina (…)” (p. 67) (Capítulo IV)
329
Outro modo de observar o papel do indivíduo na história pode ser exemplificado com o
protagonismo de Lenin na situação revolucionária aberta em fevereiro de 1917, quando toda a
sociedade estava em crise, com contradições elevadas, e o partido Bolchevique capitulou ao governo
provisório da Duma; o revolucionário organizou uma fração individual, de baixo apoio entre quadros de
direção, que reverteu os rumos da organização e da Rússia, com as Teses de Abril defendendo a
revolução permanente.
Abramov até o diretor de Hollywood James Cameron, construíram esconderijos
multimilionários no campo da Nova Zelândia.
(…)
"Se o mundo for de mal a pior, eles estão no melhor lugar possível", disse David
Cooper, diretor de serviços para clientes da Malcolm Pacific Immigration em Auckland,
a maior agência de imigração do país. "As pessoas querem sair de onde estão e elas
sentem que a Nova Zelândia é segura".
Oferecemos mais uma citação, pois, apesar de longa, oferece uma visão geral:
Mas há algo incomum nesses apartamentos. Eles estão muitos metros debaixo da
terra, em um silo nuclear obsoleto, no meio do Estado americano do Kansas. Trata-se do
Survival Condos. São bunkers de luxo para que, nas palavras de Hall, ricos e super-ricos
possam não apenas se proteger em caso de uma hecatombe, mas dar prosseguimento a
uma rotina bonne vivant.
330
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2016/11/03/ricos-encontram-pais-para-fugir-dos-
horrores-do-mundo.htm
Quando alguém se refere a "preparados", pessoas (americanas, sobretudo) que
investem tempo e dinheiro tentando não serem pegas de surpresa por alguma catástrofe
de proporções globais, a imagem clássica é a de indivíduos solitários, vivendo em
condições austeras - pense em um indivíduo usando roupas camufladas e enchendo um
porão com enlatados.
O medo do apocalipse, porém, parece estar chegado às classes mais altas. Pelo
menos a julgar por uma série de empreendimentos nos EUA e na Europa voltados a
oferecer para super-ricos uma "chance de escapar do fim do mundo". A companhia
americana Vivos, por exemplo, especializou-se em adaptar abrigos nucleares
subterrâneos da época da Guerra Fria para as necessidades de consumidores em busca
de sobrevivência com requinte.
Cada aposento tem 2.500m2 de área e poderá ser customizado pelos ocupantes. Nas
áres comuns, haverá desde um festival de mimos como bares, restaurantes e canis a
serviços como hospital, transporte e segurança. O preço é guardado a sete chaves, até
porque os futuros ocupantes serão selecionados através de convites.
"Muitos clientes não querem que os outros saibam que eles têm um bunker, pois
pode provocar a mesma reação do que alguém dizer que viu um disco voador", explica
o investidor.
(…)
Para os mais claustrofóbicos, uma opção parece ser manter distância dos principais
centros de poder. Segundo a New Yorker, super-ricos americanos estão investindo na
aquisição de terras na Nova Zelândia e mais de 13 mil cidadãos do país declararam
interesse de emigrar junto às autoridade neozelandesas desde a eleição de Donald
Trump, como parte de um programa de vistos de residência para investimentos mínimos
de US$ 1 milhão. O país é geograficamente isolado o suficiente para acalmar os nervos
de quem teme tempos turbulentos.
Sigamos.
331
BBC Brasil: Os abrigos para o fim do mundo construídos para os super-ricos (1/2/2017)
http://www.bbc.com/portuguese/geral-38809611?ocid=socialflow_facebook
estéticas, a física avança com muita dificuldade desde – há um bloqueio de
paradigmas332333.
“Na verdade, o método científico pode ser usado para tratar problemas
desinteressantes ou mesmo ridículos, ou seja, os problemas com soluções triviais, ou
que ignoram peças bem conhecidas do conhecimento. Este é o caso das publicações em
revistas científicas que conquistaram o Prêmio Ig Nobel, que é concedido anualmente a
dez artigos publicados em conceituados periódicos de ciência. A seguir, são algumas
das conclusões que mereceram os prêmios de 2008: as pulgas do cão saltam mais alto
do que as pulgas do gato; tatus podem estragar sítios arqueológicos; os placebos mais
caros são os mais eficazes; cabelo tende a embaraçar; e as plantas têm dignidade. Como
disse Molière, um tolo erudito é ainda mais tolo do que um ignorante.”334
Por outro lado, com a urbanização e a internet temos a geração dos “de baixo” mais
letrada na história universal das classes sociais; um burguês mais atento sente o mesmo
peso sombrio e decadente de quando assistimos o filme Planeta dos Macacos, ao
vermos a evolução dos símios – e deve pensar: “esse povo está inteligente demais para
meu gosto!”
332
“Desde que o trabalho, na sua forma imediata, deixa de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de
trabalho deixa, portanto, também de ser a medida do valor de uso. O sobretrabalho das grandes massas
deixou de ser a condição de desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns
deixou de ser a condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano.” (MARX, 1978,
Grundrisse, p. 228 – grifo nosso.)
333
No campo da arte, façamos um elogio explicativo: as séries televisivas podem, em inúmeros casos,
ser elevadas ao status de grande arte – com grande público. Enquanto o cinema tem roteiros com a
trama controlada pelo setor financeiro dos patrocinadores, as séries são mais dependentes da
criatividade, para “amarrar” o público por tempo maior, e costumam ser obra de mais de um roteirista,
em equipe. Isto tem uma explicação de demanda: a vida rasa da maioria de nós, que se agrada com a
profundidade destas obras. Daí também a preferência pelo romance. Maiakovski disse que “na poesia, a
novidade é obrigatória”; na arte, o novo – verdadeiramente novo – é uma necessidade do público. E do
artista.
Marxistas tendem ao fatalismo ao verem a decadência geral. Porém, o absoluto é relativo, e pode haver
contrapontos. Se o Brasil não tem mais um Cinema Novo, tem ao menos filhos legítimos em grandes
obras contemporâneas: Cidade de Deus, Tropa de Elite, série Narcos (direção brasileira na Netflix),
minisséries etc. Ser sempre crítico e “do contra” soa altivo, oferece audiência e parte do falso principio
“se critico, a tendência é eu estar certo e o criticado estar errado”. Concordar, elogiar e apoiar também
podem ser ações revolucionárias.
334
https://universoracionalista.org/cientificismo-racionalismo-e-humanismo/
“pessoas autossuficientes”, a disputa individual por cargos e crescimento no “mercado
de trabalho”, etc. serviram de estímulos aos assalariados. Aqueles de até 35 anos têm
sido a melhor geração já criada, do ponto de vista da formação, para fazer e consolidar
uma revolução socialista. Do mesmo modo estas são as primeiras gerações humanas
onde os jovens dominam com maior facilidade em relação aos mais velhos um
importante e moderno instrumento de trabalho, o computador.
Porém, os talentos que daí surgem não conseguem se realizar. Exemplos, casos: 1)
especialista em dança, cursos técnico em eletrônica (capaz de flertar com a robótica),
boas notas em todas as áreas de conhecimento e estudante universitária; 2) doma a arte
da escoteira, semiespecialista em uma arte marcial, cursa engenharia de produção,
estuda programação por própria iniciativa e tem formação em eletrotécnica; 3)
desenhista de técnica admirável, bom artista marcial e formado em filosofia; 4) jogador
de futebol já visado por olheiros, guitarrista de alta capacidade e gosta de estudar
ciências humanas por própria iniciativa; 4) autodidata em inglês, tem curso básico de
roteiro para cinema, cursa direito e disciplinado praticante de Parkour; 5) formação de
oficial no exército, baixista e estudante universitário; 6) caçador, formado em filosofia,
treina artes marciais desde a infância; 7) domínio estável do inglês, haker, formação
média em karatê, ex-estudante de física, conhecimento básico de violão, convidado a ser
cozinheiro em resturante etc. Estes exemplos são de Teresina, próximos ao autor, dos
bairros Mocambinho, Vila Mocambinho, Mafuá, Vila Operária, Matinha e Irmã Dulce.
Poderia dedicar páginas inteiras a casos do tipo; podem não ser maioria, mas são muito
mais comuns que antes e, em geral, as novas gerações são mais capazes que seus pais e
avós. Isso se dá pela rede de estímulos sociais-espontâneos existentes.
Em todos esses casos, são pessoas que na juventude dedicaram parte do seu tempo
ao trabalho, mesmo auxiliar. E por mais contraditório que possa ser, isto confirma uma
observação pedagógica de Marx:
Pode a educação da maioria, uma vez universalizada, em alguns países ser ruim ou
péssima, mas permitiu brotar os mais diversos talentos individuais entre a massa; às
vezes, múltiplos talentos. Mas evitemos romantismos e impressionismos: o ensino da
classe trabalhadora é, de fato, deplorável; as escolas são depósitos de gente, a qualidade
dos professores é baixíssima, o valor nutricional do alimento escolar – quando há – é
baixo, o colégio é uma fonte de constrangimentos e infelicidade para o alunado e o
professor, as salas de aula são superlotadas, faltam materiais de ensino, etc. Apesar
disso, em 2010, 84.1% (!) da humanidade está alfabetizada, bem ou mal, segundo dados
da CIA World Factbook (por que a CIA teria interesse em monitorar tais dados?). Como
se trata de a imensa maioria da população, por quantidade, a probabilidade de surgir
novos ou latentes talentos e capacidades entre os assalariados e seus filhos é maior.
Diante da crise sistêmica, apenas o socialismo pode transformar possibilidade em
realidade; a crise, o salto, iniciada em 2008, tende a degenerar esta pequena conquista
civilizacional.
Outro dado empírico335, de QI, embora fonte de medida limitada, demonstra que há
elevação global, de 1909 a 2013336337:
335
https://ourworldindata.org/grapher/change-in-average-fullscale-iq-by-country-1909-
2013?country=ARG+AUS+AUT+BEL+BRA+BGR+CAN+CHN+DNK+DMA+EST+FIN+FRA+DEU+IRL+ISR+JPN+
KEN+NLD+NZL+NOR+SAU+ZAF+KOR+ESP+SDN+SWE+CHE+TUR+GBR+USA
336
A linha no gráfico correspondente ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um erro de
organização. Também neste país houve elevação do QI.
337
O QI também é limitado porque inteligência também é inteligência prática.
A queda da erudição entre os clássicos setores eruditos é relativamente compensado
pela elevação das capacidades dos não-eruditos. Mas isso é um problema em dois
sentidos: 1) a elevação cultural dos setores não proprietários é um perigo ao capital; 2)
esta elevação, compensando apenas parcialmente a queda de erudição, não basta para
desenvolver uma nova qualidade, é limitada. Há um problema apenas resolvível, e
insistismos, por meio do socialismo.
Com uma ideia tão simples quanto colocar um grupo de estudantes para trabalhar
com um único computador e sem professor supervisionando, Sugata Mitra (1952,
Calcutá) ganhou em 2013 o Prêmio TED. Conseguiu, assim, chamar a atenção da mídia
de todo o mundo e ganhou um milhão de dólares para lançar seu projeto SOLE (sigla
em inglês para Self Organised Learning Environments), em português, ambientes de
aprendizagem auto-organizados, que hoje é usado em escolas de 50 países. A palestra
Construção de uma escola na nuvem, que já foi vista mais de 2,6 milhões de vezes, foi
considerado pela TED – organização nascida em 1984 nos Estados Unidos para
promover a tecnologia, educação e design – como a mais inspiradora do ano e com
maior potencial para a mudança.
(…)
No entanto, reforçamos, toda esta capacidade formal, virtual ou latente está sendo
desperdiçada sob o capitalismo:
Mas a grave crise econômica que atinge o país [Espanha] com a maior taxa de
desemprego da União Europeia (22,9%), está levando engenheiros, administradores de
empresa, técnicos de informática e até ex-diretores a 'piorar' currículos em busca de
empregos de baixa qualificação.
É o caso de José Ángel Silvano, economista. Em 2010 fechou sua própria empresa
de logística e desde então não tem trabalho. Atualmente, no seu currículo consta pouco
mais de 'responsável, com iniciativa e experiência'.
338
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/18/economia/1474226496_636542.html
mentir, mas ocultar informação que possa dar imagens prejudiciais: que sou qualificado
demais ou incapaz de cumprir postos considerados menores', contou ele à BBC Brasil.
(…)
A estratégia de mentir nas referências tem nome: Currículo B. Mas o fato de dar
uma imagem pior é um fenômeno novo e que está aumentando, de acordo com os
especialistas em Recursos Humanos.
'Mentir não costuma ser boa saída, nem para os que inflam, nem para os que
ocultam', explicou à BBC Brasil a diretora de análise de mercado da UGT, Adela
Carrión.
'Embora neste caso possa ser visto com uma opção de não dar mais detalhes do que
o necessário. Uma adaptação do currículo aos requisitos específicos da oferta'.
(…)
Pelos dados oficiais, 39% dos espanhóis entre 25 e 35 anos tem diploma
universitário, enquanto a média da U.E. é de 34%. Ao mesmo tempo a taxa de
desemprego para este grupo na Espanha é de 48.7%.
Entre os qualificados que trabalham, 44% tem empregos abaixo do seu nível de
formação.
(…)
339
http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/02/espanhois-pioram-curriculo-para-concorrer-a-
empregos-de-baixa-qualificacao.html
340
Dois exemplos (importante notar o papel do domínio das questões práticas e manuais para suas
descobertas):
1)
Vivien Theodore Thomas (29 de agosto de 1910 — 26 de novembro de 1985) foi um técnico cirúrgico
americano que auxiliou no desenvolvimento de procedimentos usados para o tratamento da síndrome
dos bebês azuis na década de 1940. (…)
Foi o assistente do Dr. Alfred Blalock (famoso por ter descorbeto a cura para tetratologia de Fallot) na
Universidade de Vanderbilt em Nashville, Tennessee e, posteriormente, na Universidade Johns Hopkins,
em Baltimore, Maryland.
Com um limitado grau de educação formal e sem nunca ter cursado uma faculdade, Thomas lutou
contra a pobreza e o racismo para se tornar um pioneiro na área da cirurgia cardíaca e um professor
para estudantes que se tornariam os melhores cirurgiões dos Estados Unidos. Vivien Thomas recebeu o
título em Doutorado Honorário.
(…)
Vale ressaltar que, em meio a uma época extremamente racista nos EUA, Vivien Theodore Thomas,
sofreu muito com o preconceito, visto ter sido barrado nos laboratórios e na própria tentativa de se
tornar médico. Entretanto, se não fosse a participação deste renomado e sábio homem, Vivien
Theodore Thomas, o Dr. Alfred Blalock não teria desenvolvido a técnica inovadora para correção da
Síndrome do Bebê Azul. O mérito do conhecimento e da descoberta fora, na maior parte, do Vivien
Theodore Thomas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vivien_Thomas
2)
Faraday es un caso realmente atípico en la historia de la física: su formación era muy elemental; sin
embargo, las leyes de la electricidad y el magnetismo deben mucho más a los descubrimientos
experimentales de Faraday, que a los de cualquier otra persona. Él descubrió la inducción
electromagnética, la cual le llevó a la invención de la dinamo, precursora del generador eléctrico; explicó
la electrolisis en términos de fuerzas eléctricas e introdujo conceptos como campo y líneas de fuerza,
fundamentales en la comprensión de las interacciones eléctricas y magnéticas, y piezas básicas en el
desarrolló posterior de la física.
Michael Faraday nació al sur de Londres en el seno de una familia humilde. De niño la única educación
formal que recibió fue en lectura, escritura y aritmética. Abandonó la escuela cuando tenía trece años y
comenzó a trabajar en un taller de encuadernación. Su pasión por la ciencia se desencadenó allí, al leer
la voz electricidad y otros vocablos científicos en la Encyclopædia Britannica mientras la estaba
encuadernando, tras lo cual comenzó a llevar a cabo experimentos en un laboratorio improvisado. En
1813 fue contratado como ayudante de laboratorio del prestigioso químico Sir Humphrey Davy en la
Royal Institution de Londres, de la que fue elegido miembro en 1824 y donde trabajó hasta su muerte
Muito tem sido feito recentemente sobre a sobre-representação dos ricos e
privilegiados nas indústrias criativas. Não tenho a certeza que todo este alarido justifica-
se. Certamente, a classe média e alta dominam as artes enquanto dominam todas as
áreas da sociedade; É por isso que eles são chamados médios e superiores. No entanto,
escritores de classe, atores e cineastas - ainda que contando histórias do ponto de vista
da classe operária - ainda surgem regularmente na maioria das formas de representação
cultur
en 1867, primero como asistente de Davy, después como colaborador suyo, y finalmente, tras la muerte
de Davy, como su sucesor.
(…)
Maxwell cita seis veces y lo menciona tres veces más en su artículo sobre la teoría dinámica del campo
electromagnético. Esto no puede considerado como algo fuera de lo normal y no es en absoluto
extraño. Maxwell admiraba a Faraday y gran parte su trabajo sobre electromagnetismo está basado en
el trabajo previo de Faraday y además fue Maxwell quien modeló matemáticamente los
descubrimientos experimentales de Faraday sobre electromagnetismo en la teoría que ha llegado a
nuestros días.
Las ondas electromagnéticas sobre cuya existencia fue especulada por Faraday en 1846 con sus
consideraciones sobre las vibraciones de rayos y fue predicha matemáticamente por Maxwell en 1865,
finalmente fueron producidas en el laboratorio por Hertz en 1888. El resto de la historia es bien
conocido. Es evidente que Maxwell abrió las puertas a la física del siglo XX, pero no es menos cierto que
Faraday entregó a Maxwell algunas de las llaves que éste utilizó.
Fonte: https://www.bbvaopenmind.com/faraday-y-la-teoria-electromagnetica-de-la-luz/
Sillitoe, Stan Barstow e David Storey vêm à mente. Há romancistas da classe
trabalhadora daquela e da geração seguinte que ainda são produtivos - Melvyn Bragg,
Howard Jacobson, Jeanette Winterson, Margaret Forster. Mas desde aquela breve
aurora, os escritores da classe trabalhadora e as narrativas da classe operária
desapareceram mais ou menos do mundo da ficção literária na Inglaterra.
(…)
Aqui também entra a questão dos jogos infantis. Antes, levemos em conta o
seguinte: sabe-se que o isolamento das crianças é maior mesmo entre a classe
trabalhadora, mas muito menor nela; nos bairros de classe média aristocrática é comum
os muros serem elevadíssimos, desconhecer os vizinhos, pouco contato com o bairro, os
pais proíbem brincadeiras na rua, etc. Isso dificulta o desenvolvimento pleno do infante.
Considerado o comentário; Trotsky, provavelmente inspirado na pedagogia moderna (o
escrito encontra-se com Piaget, por exemplo):
341
Tradução livre de: https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/feb/07/loneliness-working-
class-writer-english-novelists
342
Em seu tempo, Álvares de Azevedo poemou: “Minha desgraça não é ser poeta,/Nem na terra de
amor não ter um eco,/E meu anjo de Deus, o meu planeta/Tratar-me como trata-se um boneco...//Não
é andar de cotovelos rotos,/Ter duro como pedra o travesseiro.../Eu sei... O mundo é um lodaçal
perdido/Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro...//Minha desgraça, ó cândida donzela,/O que faz que o
meu peito blasfema,/É ter para escrever todo um poema/E não ter um vintém para uma vela.” Minha
Desgraça, Lira dos Vinte Anos.
contra a repressão da natureza humana, construiu os falanstérios (as comunas do futuro)
na base de uma utilização e de uma combinação justa e racional dos instintos e das
paixões. Consusbstancia-se aqui um pensamento profundo. Um Estado operário não é
nem uma ordem espiritual nem um convento. Consideramos os homens tal como a
natureza os criou e tal como a antiga sociedade em parte os educou e em parte os
mutilou. Nesse material humano vivo, buscamos qual o ponto em que fixar a alavanca
da revolução, do partido e do Estado. O desejo de distração, de entretenimento, de
diversão e de riso, é um desejo legítimo da natureza humana. Podemos e devemos
proporciona-lhe satisfações cada vez mais artísticas e, ao mesmo tempo, devemos fazer
do divertimento um instrumento de educação coletiva, sem constrangimentos e
dirigismo inoportunos.343 (Questões do modo de vida.)
A visão acima é defendida, por exemplo, por James Paul Gee, autor do livro “What
Video Games Have to Teach Us About Learning and Literacy” (O Que os Video Games
Tem a Nos Dizer Sobre Aprendizado e Alfabetização). Gee argumenta que diversões
digitais promovem um aprendizado mais substancial. “Bons video games são sistemas
complexos que os jogadores devem aprender a lidar de forma reflexiva e estratégica”,
afirmou o escritor ao jornal britânico The Guardian.
Segundo ele, muitas crianças passam em exames de Biologia e Física... Mas poucas
tem a capacidade de aplicar. De fato, o treinamento disponível nos video games parece
fornecer um material substancial para a forma humana de aprendizado por excelência: a
tentativa e erro. Afinal, um erro em God of War ou Civilization é provavelmente bem
menos constrangedor ou dramático do que seria na vida real.344
343
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1923/vida/cap05.htm
344
https://www.tecmundo.com.br/video-game-e-jogos/14697-os-games-estao-te-deixando-mais-
inteligente-.htm
Em outra matéria, lemos:
Dois estudos divulgados nessa semana chegam a conclusões que podem agradar
àqueles que apreciam video games. As pesquisas afirmam que jogos eletrônicos não
apenas ajudam seu público a desenvolver habilidades de aprendizado, mas também não
induzem violência no mundo real.
Por outro lado, a outra pesquisa, realizada por Christopher Ferguson, psicologista
da Universidade de Stetson, nos EUA, e publicada no “Journal of Communication”
comparou o consumo de jogos violentos com os índices de violência entre jovens nos
últimos 20 anos nos EUA. O estudo concluiu que o ato de jogar video games coincide
com uma queda em crimes violentos realizados por jovens entre 12 e 17 anos.345
345
http://istoe.com.br/392331_VIDEO+GAMES+DEIXAM+JOGADORES+MAIS+INTELIGENTES+E+NAO+AUME
NTAM+VIOLENCIA+DIZEM+ESTUDOS/
com algumas tensões reais346; dito de outro modo: os personagens e a história podem
acentuar o perfil comum nas pequena e grande burguesias – de todo modo, parece
incomum que, por si mesmo, gere transtornos seríssimos. Para as mais diferentes
classes, os jogos e distrações, em geral, reproduzem e reforçam valores dominantes da
classe dominante na sociedade. Por isso, queremos e precisamos puxar a corda da
análise para os pontos mais negativos deste novo formato, em especial à classe
trabalhadora: o ser humano possui uma bioessência – integrativo, mutualista e ativo
(física e mentalmente) – que necessita ser satisfeita; portanto, o próprio processo de
aprendizado e de educação emocional é uma processo hiperssocial, uma relação humana
por natureza, de interação e troca, além de contradições – pra ser, de fato, muito
eficiente precisa disso, desses elementos347. O atual “mundo virtual” tem degenerado
nossa psique, gerando relações por demais indiretas, mediadas por objetos que deixam
de ser auxiliares na relação e tornam-se centrais. Assim, nas redes sociais podemos ficar
horas sem expressar qualquer empatia ou respeito para com o outro em diálogos e
debates; familiares deixam os filhos sob a hipnose da TV, do jogo ou da internet, pois,
assim, ficam passivos, inativos (que absurdo crianças descontroladas, agindo feito
crianças!), já que o estresse da vida adulta gera impaciência, busca por soluções rápidas
e imediatas, pouco tempo entre o duro trabalho e o necessário sono para permitir
acompanhamento qualificado da cria. Neste sentido, os ricos têm vantagens; aos pobres,
mecanismos prazerosos de recompensas visuais, semipassivas, aos filhos podem soar –
embora ruins no modo como são ora aplicados – bons, baratos e fáceis348. O conjunto
das relações humanas tem também seguido a tendência da economia capitalista de
substituição do homem por maquinário, capital fixo. A própria materialidade abstrata,
desprovida de massa, digamos assim, gerada pelo avanço técnico, tem desafiado todas
as nossas sensibilidades, a exemplo da dificuldade de medir e proporcionalizar nossos
gastos nos cartões de crédito.
Outro ponto desse destaque, das capacidades reais e latentes das diferentes classes,
está no consumismo. Há uma polêmica sobre isto: alguns dizem que o consumismo é
uma falácia em uma sociedade a viver da miséria alheia; outros, que o mundo capitalista
é o lugar do comércio. Pois bem; opinamos que ambos estão errados e certos. Entre
aqueles de renda superior o consumismo é uma ideologia e uma prática, fato possível;
entre a maioria, é uma ideologia, um desejo irrealizado e uma frustração ou dívida. Por
outro lado, “estimula” os que “nada têm a perder” a trabalhar, estudar ou... roubar.
Imaginava-se que apenas a fome (miséria absoluta) geraria a bandidagem, no entanto
este raciocínio revelou-se simplista; basta olharmos rapidamente o Brasil de 2003 a
346
Embora em si ruim, o permanente stress da classe trabalhadora a adestra para maior tolerância a
situações de instabilidade, conflito, disputa, etc. O efeito de uma virada brusca da realidade sobre o
equilíbrio emocional destes é menor do que entre os de condições de vida melhores.
347
Adendo necessário: o estudo também supõe, em algum grau, abstinência da bioessência. O ato de
estudar acaba por ser um compensador psíquico, uma sublimação, da não satisfação humana. O modo
mais correto é o de afastamento e aproximação, elipse, da coletividade como parte do método de
estudo. Por isso a superioridade da leitura, ato solitário (concepção de Paulo Freire).
348
Sobre isto, surge uma piada comum do cotidiano: “antes, os pais brigavam para que os filhos
entrassem em casa; hoje, brigam para que saiam.”
2014 (anos dos governos de frente-popular petistas, com crescimento econômico
nacional por impulso mundial, geração de empregos, concursos públicos, pequenas
reformas, aumento real do salário mínimo, políticas compensatórias, etc.): nestes anos,
enquanto todos os dados formais e a vida real em si melhoravam349, a violência urbana
crescia em igual proporção. Como se explica? Desse modo, por meio da miséria
relativa350: como a vida valeria a pena se ser honesto e trabalhador é ser humilhado, ver
o corpo enfeiar-se, ter tempo apenas para o trabalho, ganhar mal para ser humilhado
pelo chefe e não conseguir os objetos e status social? Valeria a pena estudar mais, se
dedicar mais e adoecer mais que a geração precedente para tentar ter uma vida pelo
menos igual ou pior que a dos pais? Mas, dizem as propagandas, a felicidade plena é
para ontem e um direito natural, viável sob o capitalismo. Todas as pedras no caminho –
e são pesadíssimas –, que ferem o instinto de dignidade da juventude, levam-na a
procurar uma vida provida de emoção (o tédio repetitivo do trabalho é algo esmagador
da mente), de prestígio e acesso ao consumo por vias tortas – mesmo sabendo, como
costumam dizer, “que viverei pouco”. Assim, degeneram: o cérebro sente prazer, sente-
se recompensado pela via errada de resolver a vida. Membros da juventude filha das
trabalhadoras, sem esperanças para com o futuro, buscam “uma vida emocionante,
porém curta” envolvendo-se com o tráfico, com o roubo, com o risco, com o pequeno-
grande prestígio, etc. Imagine se dedicassem essa raiva, essa energia, esse fetiche da
clandestinidade e do risco para uma boa causa, para a esperança? Portanto, precisamos
ganhar os jovens, a geração dos “de baixo” mais inteligente da história humana, para um
projeto onde se realizem. É possível dedicar-se à revolução e jogar futebol aos finais de
semana.
349
Governos burgueses, inimigos, anormais; as frentes populares, presença de partidos de esquerda na
administração do estado, são governos de altíssima confusão; mas não apenas pelo fator subjetivo, a
falsa ideia de ser um governo “nosso”: a depender da margem de manobra, como crescimento
econômico, podem implementar reformas afim de paralisar e iludir os trabalhadores. Dão com a mão
esquerda para apunhalar estrategicamente com a mão direita. E são, ademais, antessala de golpes e
desmoralizações.
350
A miséria relativa pode aprofundar-se enquanto a absoluta reduz-se. Por miséria relativa temos de
ver além, mas incluso, das questões salariais e trabalhistas; o aumento da violência urbana, e o estresse
daí derivado, é um dos fatores, dos elementos e exemplos, para medir o aumento da miséria relativa;
mesmo a estética urbana, se agravável ou desagradável, gerando um tipo particular de subjetivação da
objetividade, entraria nesta avaliação. No entanto, é necessário limitar os critérios para medir: 1)
fatores objetivos: expectativa de vida, taxa de violência, salário (sob relações capitalistas, claro),
proporção entre jornada de trabalho e tempo livre etc. 2) fatores subjetivos: taxa de suicídio, taxa de
depressão, nível cultural, nível de acesso à arte etc.
Há aí uma questão polêmica: a lei da tendência à miséria crescente de Marx tem validade? Sim: não
impedindo contratendência, períodos de negação da tendência, ou aumento da miséria relativa em
paralelo com a redução da absoluta, ou transferência desta tendência a outros países. Do ponto de vista
das ondas do desenvolvimento capitalista, de Trotsky, Marx percebeu tal lei ao ver a revolução
industrial, 1770, elevando a acentuando a miséria, por ser o período de transição ou estagnação da
curva, até o declínio a partir de 1820. No Brasil, a fome, a miséria absoluta, foi reduzida enquanto a
violência urbana, o emprego precário etc. elevavam-se.
fascistas ou semifascistas. O decaimento da qualidade material e espiritual de vida leva
uma enorme massa aos charlatões de todos os tipos, de posturas folclóricas e bizarras.
Esta obra traz contribuições à estética marxista “por alto” e complementar a outros
conteúdos. Talvez parte de futuro artigo específico e completo. Podemos, posto isto,
fazer alguns comentários.
351
Por exemplo, Moreno demonstra a elaboração política e a escolha de consignas como arte análoga,
complementamos, à arte da guerra. Sobre isso, Engels, apelidado “general” por estudar e praticar as
questões militares, parece ser em grande medida o responsável pelo método de análise, caracterização
e política marxista; e, não sendo em si ciências, mas derivados diretamente dela, temos dois campos em
que os resultados dependem também de certa habilidade artística, criativa.
Ao lado disso e secundário, estão as limitações ideológicas. Por exemplo: sob
influência do “realismo socialista”, controle estatal estalinista, George Lukacs erra ao
defender um caráter sempre miliante da arte, em defesa do “realismo”. O que seria da
vida sem a mística simbolista e sua beleza? Quanta falta fariam o cinema e a literatura
de terror e suspense policial “apolíticos”. A primeira função da arte é entrerter, dar
prazer (nem que seja por meio do desconforto). “Não só de política vive o homem”,
Trotsky. Respirar outros ares ajuda-nos a enfrentar a realidade realista da vida. A função
dos produtos, resultados, da atividade humana, de diferentes modos e cada um ao seu,
incluindo a teoria, é a satisfação das necessidades humanas, sejam materiais ou
“espirituais”352353. Então, percebemos: as concepções podem limitar ou “soltar” a
produção artística. A visão surrealista de Breton – pela total liberdade artística, longe de
constrangimentos financeiros ou políticos –, em manifesto assinado com Leon Trotsky,
faz parte do programa comunista desde os primeiros balanços do século XX.354
Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais.
A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber
a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas
vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
(…)
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca
de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O
aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova
geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os
redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
(…)
Sob o capitalismo decadente, o irreal e o absurdo serão cada vez mais reais e
cotidianos, pois o próprio sistema, impondo-se quando deveria ser superado, cada vez
mais irreal e absurdo revela-se.
356
http://www.psiconlinews.com/2014/10/a-epidemia-de-doenca-mental-por-que.html
PARA A DISSOLUÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE
Proudhon pendia por natureza para a dialética. Mas, uma vez que nunca a compreendeu
realmente científica, apenas a reduziu a sofisma. De fato, isto coincidia com o seu ponto
de vista pequeno-burguês. O pequeno-burguês é tal o historiador Raumer composto de
“por um lado…” É assim nos seus interesses econômicos e, portanto, [também] na sua
política, nas suas visões religiosas científicas e artísticas. É assim na sua moral, é assim
in everything. Ele é a contradição viva. (…) Charlatanismo científico e acomodação
política são inseparáveis de um tal ponto de vista.
Quanto aos jovens membros do CC, direi algumas palavras sobre Bukharin e Piatakov.
São, a meu juízo, os que mais se destacam (entre os mais jovens), e neles deveria se
levar em conta o seguinte: Bukharin não é só um valiosíssimo e notabilíssimo teórico do
Partido, senão que, ademais, se lhe considera legitimamente o favorito de todo o
Partido; porém suas concepções teóricas muito dificilmente podem qualificar-se de
inteiramente marxistas, pois há nele algo escolástico (jamais estudou e creio que jamais
compreendeu por exemplo a dialética).
1.
Ou seja:
2) Relações mutualistas;
357
O menos limitado dos filósofos oficiais da atualidade, Mário Bunge, socialista utópico que nada
compreendeu do método de Marx, assim expressa, corretamente: “estamos vivendo a década do
cérebro. Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as
partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar traz muito mais prazer
que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se
também, que a desigualdade é muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por
sua vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países
mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que
os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são
mais igualitários.” (https://universoracionalista.org/mario-bunge-e-a-critica-ao-pos-modernismo/)
Complementamos que, socialmente, o altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter
na outra ponta da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação; por isso mais correto é o
estabelecimento do mutualismo como expressão categorial da essência humana. Isto é assim por uma
solução metodológica: enquanto a ciência burguêsa vê a “essência” do indivíduo, vamos a essência
social dos indivíduos, no indivíduo. O individualismo metodológico tem este defeito “de essência”:
deixar de ver a totalidade, desde esta (em dialética, comum ocorrer – perceber – no nível de totalidade
o inverso do operado e aparente no exemplo nuclear, particular).
seguinte modo: por ter morrido, o alemão deixou-nos a “dialética do capital”, segundo
Lenin, que também afirma “só ser possível entender o capital por meio da dialética de
Hegel”… O mesmo ocorre quanto à essência e alienação: é possível extrair de suas
obras suas descobertas, embora lhe faltasse sistematizá-las. A questão fica resolvida.
Dos primatas que desceram as árvores nas savanas até o homo sapiens sapiens ocorreu
um longuíssimo período de formação da nossa espécie por meio da seleção dos mais
aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil facilitava a prática do que hoje é essência
humana adquiriam probabilidade maior de sobrevivência, perpetuavam-se. Por isso, por
história da humanidade devemos considerar a história da formação da nossa própria
espécie, isto é, a importância da biologia na formação do pensamento marxista. Assim,
superamos o “historicismo” e a tese pós-moderna de que “tudo é – limita-se à –
construção social”. Abordemos em linguagem filosófica. A essência precede a
existência ou a existência precede a essência? Resposta dialética: o processo de
formação da existência é, ao lado, a formação da essência. A formação do homem como
formação do próprio homem, do orgânico ao social.
Em elaboração geral, a alienação ocorre quando “o mundo gerado pelo homem ganha
autonomia frente a este e volta-se contra ele – a criatura passa a dominar o criador”. É
preciso, pois, ver a alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo –
interno e externo ao indivíduo358. Tem sua existência na totalidade social e na psique,
em particular neste capítulo e no anterior. Destacamos a psicologia por ser esta a
questão que lhe faltou resolver, a natureza humana. Seja por ideologia ou por pouco
interesse pela filosofia marxista na ciência oficial, este era um nó filosófico e científico
enfim resolvido.
No entanto, curioso o espanto causado por esta exposição entre marxistas. Ficamos
diante das obsevações: se a essência é apenas histórica, o homem é de fato adaptável –
logo, a alienação social não explicaria a onda de depressão e suicídio? Se o homem é,
em essência, apenas o determinado pelo modo de produção, adaptar-se-ia às condições
dadas sem maiores prejuízos, se não físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma
resposta própria do marxismo percebe contradição entre “essência humana
historicamente modificada em cada época” e “essência humana em geral”. A tarefa dos
homens e mulheres no, e rumo ao, socialismo será resolver este problema objetivo.
2.
O principal aspecto da natureza humana está em sua categoria fundante, o trabalho. Por
si, este elemento é incompleto para explicar a homem, sendo, porém, o centro e o ponto
de partida. Cabe-nos destacar, disto, o aspecto fundamental: nossa espécie é, em
primeiro, caracterizada pela habilidade de construir ferramentas. Longe do conceito de
358
Os mesmo critérios são válidos para a natureza humana.
trabalho apenas manual da tradição stalinista, o homem é confluência do pensar e fazer.
Isso significa, por exemplo, que mesmo em uma sociedade onde o trabalho manual seja
virtualmente reduzido a zero, por razão de revoluções técnicas, o ato de trabalhar
continua cumprindo o mesmo papel, pois cabe ao homem idealizar e concretizar o setor
produtivo, ou seja, supor as ferramentas novas necessárias e como aplicá-las.
É, pois, dedução natural a importância dos hábitos alimentares sobre a saúde mental.
359
Por exemplo, é comum defender a atividade mental como forma de combater o Mal de Alzheimer;
porém, a atividade física dinâmica, não repetitiva e vazia de sentido, parece também ser forma de
prevenção. Outro: é comum ver grandes pensadores, principalmente matemáticos, tenderem a
fortíssimos problemas mentais na medida em que desenvolvem suas capacidades de forma unilateral,
por demais especializadas.
360
Machista, sexista, agoísta, egocêntrico, necessidade de adoração e atenção contínuas, o falar como
atividade criadora per se, mimado, violento quando contrariado, reafirmação de exclusividade e
superioridade etc.
361
http://www.pnas.org/content/109/45/18571.full
Título original: Metabolic constraint imposes tradeoff between body size and number of brain neurons
in human evolution; revista PNAS; Karina Fonseca Azevedo e Suzana Herculano-Houzel; Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
“A alimentação cárnea ofereceu ao organismo, em forma quase acabada, os ingredientes
mais essenciais para o seu metabolismo. Desse modo abreviou o processo da digestão e
outros processos da vida vegetativa do organismo (isto é, os processos análogos ao da
vida dos vegetais), poupando, assim, tempo, materiais e estímulos para que pudesse
manifestar-se ativamente a vida propriamente animal. E quanto mais o homem em
formação se afastava do reino vegetal, mais se elevava sobre os animais. Da mesma
maneira que o hábito da alimentação mista converteu o gato e o cão selvagens em
servidores do homem, assim também o hábito de combinar a carne com a alimentação
vegetal contribuiu poderosamente para dar força física e independência ao homem em
formação. Mas onde mais se manifestou a influência da dieta cárnea foi no cérebro, que
recebeu assim em quantidade muito maior do que antes as substâncias necessárias à sua
alimentação e desenvolvimento, com o que se foi tomando maior e mais rápido o seu
aperfeiçoamento de geração em geração. Devemos reconhecer — e perdoem os
senhores vegetarianos — que não foi sem ajuda da alimentação cárnea que o homem
chegou a ser homem; e o fato de que, em uma ou outra época da história de todos os
povos conhecidos, o emprego da carne na alimentação tenha chegado ao canibalismo
(ainda no século X os antepassados dos berlinenses, os veletabos e os viltses,
devoravam os seus progenitores) é uma questão que não tem hoje para nós a menor
importância.”
3.
Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são rastradas pelo
menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de anos atrás.
“Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas necessidades.
Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como consequência do seu
movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada, e é aí que nós pensamos
que a consciência surgiu.”
Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo trabalho é a
constatação de que a compreensão da evolução da consciência não virá da procura de
comportamento inteligente em outros animais, mas sim de compreender os mecanismos
fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e atenção seletiva, que ele diz que
“sabemos agora que insetos têm”.
“Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs, respondendo a estímulos
ambientais de uma forma bastante inflexível”, disse o Dr. Van Swinderen.
“Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos bases
fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros”. Compreender
completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível, no entanto.
O teste consiste do seguinte: para cada um dos três robôs é dada uma pílula de um grupo
de cinco, três delas são ineficazes, mas duas delas, quando tomadas, imediatamente
fazem o recipiente “Mudo” [Esses robôs são capazes de falar]. De fato, dois robôs (R1 e
R2) são dadas pílulas potentes, funcionando, mas R3 recebe um dos 3 placebos. O
humano que está realizando o teste diz: “Qual das pílulas você recebeu? Nenhuma
resposta é correta a menos que seja provada!”
Dado a formal regimentação deste teste formulado previamente por Bringsjord, pode ser
provado que, na teoria, um futuro robô representado por R3 pode responder
provavelmente de forma correta (a qual por razões plausíveis, explicadas por Floridi,
implica que R3 tem realizado alguns requerimentos para autoconsciência). Nesse papel
é explicado e demonstrado a engenharia que agora faz essa possibilidade teórica atual,
ambas no simulador conhecido como “PAGI World”, usado para testar IA’s reais (com
“corpo” físico) interagindo com um humano que os testa. Essas demonstrações
envolvem cenários que demandam a aprovação do teste de Floridi para a
autoconsciência , onde para nós humanos, passar em tal teste é requerido para um
agente ser moralmente competente.
O teste de autoconsciência dos robôs descrito acima foi realizado em três robôs
humanoides NAO no Laboratório RAIR. A simulação foi dada nos seguintes passos:
I – Os robôs estão lá para interagir com os humanos, para que o teste seja realizado
(Função = Informar)
III – Os robôs são então perguntados: “Qual pílula você recebeu?”; a pergunta aciona
uma consulta à eles e, cada robô tenta provar que sabe (ou não).
IV – Cada robô falha nesta tentativa de prova, e, consequentemente, Tenta relatar ‘eu
não sei’ (Função = Falar). No entanto, dois robôs, ficaram mudos, e não conseguiram
relatar, pelo efeito da pílula. O terceiro robô, no entanto, pôde falar “Eu não sei”.
Assim, ele atualiza sua base de conhecimento para isso, e tenta re-provar a conjectura.
V – Desta vez, é capaz de provar a conjectura e diz (Função = Falar) “Desculpe, eu sei
agora! Eu era capaz de provar que eu não tomei a pílula verdadeira”.
Conclusão do teste: Isso mostra que o robô R3, ciente do efeito da pílula, foi capaz de
perceber que como os outros dois robôs R1 e R2 não puderam se comunicar, e tendo em
vista que ele conseguiu falar “eu não sei”, na primeira tentativa, a única conclusão
lógica para a pergunta: “Qual pílula você recebeu?” era de que ele não tomou a pílula
que o deixa mudo. Ou seja, ele pôde refletir uma ação no mundo real, pra inferir uma
conclusão verdadeira. E isso demonstra um estágio inicial de consciência.
Consciência fenomenal é o estado de estar ciente, tal como quando dizemos “estou
ciente” e consciência de acesso se refere a estar ciente de algo ou alguma coisa, como
quando dizemos “estou ciente destas palavras”. Consciência é uma qualidade psíquica,
isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um
atributo da mente, ou do pensamento humano. Ser consciente completamente não é
exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo,
para isso, a intuição, a dedução e a indução tomam parte.362
Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente são categorias
reais interligadas, mas diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos
parece mais condizente: não há um local responsável pela consciência – é uma
consequência da totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes.363
362
https://universoracionalista.org/inteligencias-artificiais-passam-em-testes-humanos-de-auto-
consciencia/
363
A premissa filosófica medieval “corpo é a negação da alma” pode ser substituída por “corpo é
afirmação da alma, da mente”. A ideia “mente sã, corpo são”, sendo idealista, ignora a influência intíma
dum sobre o outro, e ao contrário, por inexistir independência real entre ambos. O processo psíquico é
parte singular do corpo. Em linguagem dialética, as partes de uma totalidade não são mecanicamente
dependentes nem possuem autonomia total.
após o processo cerebral total? Por evidente, na camada mais externa. Há dados
empíricos supondo isto – e vale o esfoço de ler todo o artigo:
Esse neurônio recém-descoberto é um dos três que foram detectados pela primeira vez
no cérebro de um mamífero. A nova técnica de imagem poderia nos ajudar a descobrir
se estruturas semelhantes passaram despercebidas em nossos próprios cérebros durante
séculos. O conjunto dos três neurônios se estendem em ambos os hemisférios do
cérebro, mas o maior envolve a circunferência do órgão como um “coroa de espinhos.
(…)
Estranhamente, todos os três neurônios gigantes emanam de uma parte do cérebro que
mostrou conexões intrigantes responsáveis pela consciência humana em estudo publica
no passado. Essa região, denominada de claustro, é uma folha fina de matéria cinzenta
que poderia ser a estrutura mais conectada em todo o cérebro, com base em volume. Ela
é relativamente pequena e está escondida entre a superfície interna do neocórtex no
centro do cérebro e comunica-se com quase todas as regiões do córtex para realizar
muitas funções cognitivas superiores, como linguagem, planejamento de longo prazo e
tarefas sensoriais avançadas, como visão e audição.
O claustro é tão densamente conectado a várias áreas cruciais no cérebro que Francis
Crick, da famosa dupla hélice de DNA, referiu-se a ele com um “condutor da
consciência” em um artigo científico de 2005, escrito junto com Koch. Nesse artigo,
eles sugeriram que o claustro conecta todas as nossas percepções externas e internas em
uma única experiência unificada, como um maestro sincronizando uma orquestra — e
estranhos casos médicos nos últimos anos só fizeram essa suspeita ganhar força.
Isso envolveu suave sondagens de várias regiões cérebro dela com eletrodos, visando
diminuir a fonte potencial de suas crises epilépticas, mas quando a equipe começou a
estimular o claustro da mulher, eles descobriram que eles poderiam eficazmente
“mudar” sua consciência de vez em quando.
Helen Thomson relatou para a New Scientist na época:
Assim que a estimulação parou, ela imediatamente recuperou a consciência sem lembrar
o evento. A mesma coisa acontecia cada vez que a área era estimulada durante dois dias
de experimentos. “
De acordo com Koch, que não estava envolvido nesse estudo de 2014, esse tipo de
abrupto e específico “pausa e começo” da consciência nunca tinha sido visto antes.
E agora Koch e sua equipe descobriram neurônios extensos em cérebros de ratos que
emanam desta região misteriosa.
Koch e sua equipe queriam criar uma técnica nova, menos invasiva, e projetaram
camundongos que poderiam ter genes específicos em seus neurônios no claustro
ativados por uma droga específica.
Devemos ter em mente que só porque esses novos neurônios gigantes estão conectados
ao claustro não significa que a hipótese de Koch sobre a consciência esteja correta —
estamos muito longe de provar isso ainda.
Mas a descoberta é uma peça intrigante do quebra-cabeças que poderia ajudar a dar
sentido a esta região crucial, mas enigmática do cérebro, e como ela poderia se
relacionar com a experiência humana do pensamento consciente.
364
Fonte: http://socientifica.com.br/2017/03/um-neuronio-gigante-foi-encontrado-em-torno-de-uma-
circunferencia-inteira-do-cerebro/
Referências do artigo:
Wang Q et al.,“Organization of the connections between claustrum and cortex in the mouse”. Journal of
Comparative Neurology. Volume 525, Issue 6 April 15, 2017 Pages 1317–1346. DOI: 10.1002/cne.24047
Francis C. Crick and Christof Koch, “What Is the Function of the Claustrum?”. Philosophical Transactions
of the Royal Society B, Vol. 360, No. 1458, pages 1271–1279; June 29, 2005. DOI:
10.1098/rstb.2005.1661
Torgerson, C. M. et al. “The DTI connectivity of the human claustrum”. Human Brain Mapping. Volume
36, Issue 3 March 2015 Pages 827–838, 23 October 2014. DOI: 10.1002/hbm.22667.
Chau, A. et al., “The effect of claustrum lesions on human consciousness and recovery of function”.
Consciousness and Cognition, Volume 36, November 2015, Pages 256–264, 14 July 2015.
http://dx.doi.org/10.1016/j.concog.2015.06.017
Reardon, S. “A giant neuron found wrapped around entire mouse brain.” Nature. 24 February 2017,
<http://www.nature.com/news/a-giant-neuron-found-wrapped-around-entire-mouse-brain-
1.21539?WT.mc_id=FBK_NatureNews>.
Thomson, H. “Consciousness on-off switch discovered deep in brain” site da New Scientist,
<https://www.newscientist.com/article/mg22329762-700-consciousness-on-off-switch-discovered-
deep-in-brain/#.U7dJq_ldWiV> 2 July 2014.
Koch, C. “Neuronal ‘Superhub’ Might Generate Consciousness”. Site da Scientific American
<https://www.scientificamerican.com/article/neuronal-superhub-might-generate-consciousness/>.
November 1, 2014.
365
Ao faltar estudo da dialética, os erros são inúmeros. Por exemplo: inúmeros biólogos ainda
confundem capacidade cerebral com o tamanho, absoluto, do cérebro. Mas o nosso é melhor do que o
melhor cérebro de um elefante pelo nível das conexões internas (tamanho relativo), a composição de
seus elementos, sobra e economia de energia etc. O tamanho em si importa, longe de ser determinante
único e absoluto.
4.
A palavra foi uma necessidade humana prática para questões práticas. E essa mediação
simbólica permitiu criarmos tudo... A posição pós-moderna expressa o grau em que o
trabalho intelectual, a partir de sua alienação do trabalho manual, se vê separado do
mundo tal como é. Mas o importante é transformá-lo. Em si, a palavra é a manifestação
mais ou menos exata, inexata, da essência-pensamento. E cumpre sua função. Se
aparece como mentira: 1) é normal a forma, o suporte, se deslocar de sua fonte quando
em vez (assim como nem tudo que tem preço tem valor, ou seja, nem tudo é dispêndio
de força de trabalho: a moral, o sexo, a terra etc.) 2) é possível investigar e rastrear a
verdade: refere-se a questões centrais e complexas da realidade, onde não cabe
metáforas de mentiras pessoais, tão usadas por pós-modernos como "argumento".
A palavra é uma unidade de energia. Há nela uma determinação de força cuja origem é
social; e esta repercute na subjetividade, no indivíduo. É unidade energética social, não
natural. Absorvemos seu sentido no que nos representa racional e emocionalmente,
sempre ambos e inseparáveis. Esse sentido, individual e subjetivo, para o indivíduo, é
na totalidade uma construção social objetiva. Há dois aspectos: 1) o caráter metafórico-
geral, na onomatopeia, que representa sonoramente o objeto ao qual representa; 2) o
processo social que, de um lado, educa o indivíduo a absorver a ideia representada na
palavra e, de outro, a construção dessa linguagem, sua formação, é de origem social,
não natural.
Considerado o aspecto social da palavra, podemos ver sua relação com o natural. A
palavra falada apenas existe porque o homem controla, diferente de seus primos
primatas, o fluxo de ar de seus pulmões; a palavra escrita, por razão das nossas mãos.
Ampliemos: Freud descobre a palavra como forma ímpar de autoexpressão de modo a
reduzir as tensões psíquicas – esta tensão é do mente-cérebro-corpo, tensão ao mesmo
tempo natural, corpo a sentir, e social, origem.366
366
Lembremos da comprovação científica da necessidade de “fofoca”, dividir informação, derivado de
ser uma capacidade preservadora de nossa espécie.
Em ciências exatas, tenta-se provar a impossibilidade da conspiração pela baixíssima probabilidade de
guardar segredos complexos e complicados. Resolvamos: conspirações podem ser descobertas, mas isto
não significa fim destas, pois 1) pode ter força para continuar a operar, apesar do problema, a depender
Ao que parece, a importância da forma-palavra, enquanto forma de linguagem, se dá,
depois e ao lado de sua necessidade dada pelo trabalho: pela pobreza, baixa
especialização, de nossos sentidos, sendo modo de compensação. Em outras espécies,
aqueles são aguçados. Muito mais. As propriedades de um ser são também as
proporções de suas propriedades. Rastrea-se, daí, enquanto modo de sobrevivência, a
necessidade de comunidade e, enquanto ligamento, de comunicação.
A superação das diferenças qualitativas entre a linguagem escrita por meio de desenhos
e a linguagem falada deriva da necessidade de resolver uma contradição. A fala é
dinâmica e altera-se com facilidade, acompanhando as mudanças sociais contínuas; já a
linguagem simbólica baseada no desenho passa a se tornar limitante e conservadora
relativo às necessidades de complexação do real, da sociedade. Passa a surgir relação
forma e conteúdo: a língua falada muda-se de modo inconstante e permanente
(conteúdo) enquanto a língua escrita procura regra e estabilidade (forma). Após longo
período, isto tende a gerar contradição. Todo brasileiro, por exemplo, é um poliglota,
mesmo se analfabeto: assiste, com tranquilidade, filmes cujos diálogos usam a norma
culta ao mesmo tempo em que tece comentários sobre as personagens em um “dialeto”
próprio.
5.
6.
A forma sem conteúdo da escrita complicada de seus pensadores e a forma de sua arte
expressa a crise do próprio conteúdo do capital expresso no capital fictício, fábricas sem
operários etc. É um reflexo ideológico da realidade.
A busca intensa pela novidade nas mercadorias, no pensamento e artes, é a busca por
negar o latente e urgente novo.
7.
Trata-se de toda uma filosofia não da negação crítica, mas da desconstrução sem nada
propor a construir. A necessidade de quebrar paradigmas é a necessidade construir
novos, mas a pós-modernidade expressa um sistema social que quer decompor tudo
consigo, com o seu apodrecimento.
8.
relativo de redução dos tamanhos. Em certo estágio de complexidade geral e singular: ampliação e
complexação do geral ao lado da diminuição do singular, este com maior nível de tipos qualitativos ou
variedades. No caso da economia capitalista, crise do valor; no da biologia, proporção de oxigênio e, na
forma, alimentos (exemplo: muitos insetos, antes enormes, são hoje pequenos porque respiram pela
pele, logo dependendo da oxigenação da atmosfera para a própria proporção corpórea; e são base
alimentar de outros seres).
Se temos uma relação descartável com as coisas em forma-mercadoria, em nome do
prazer, em uma busca constante, não seria diferente com a relação entre pessoas.
No entanto, o que serve de cola e meio é inflado e toma a forma de fim último. Quando
um jovem de classe média compra um carro caro e instala-lhe sons potentes, o que
busca é contato social, respeito etc. No entanto, as relações alienadas escondem isto e
impedem a plena realização disto. Esta forma de relação domina toda a sociedade e
afeta a percepção humana369.
Mészáros descobre que, nesta crise estrutural, o valor (de troca) se impõe sobre o valor
de uso, fragilizando este para acelerar e permitir a circulação (obsolescência
programada), contratendenciando a possibilidade de susperprodução crônica. Esta
relação inconstante, efêmera, acaba por repercurtir na relação coisifica com os demais.
9.
Tal filosofia prospera nas ciências humanas não pelas limitações destas, mas por suas
potencialidades e os perigos da compreensão dos fenômenos sociais. O conhecimento
cada vez mais especializado e fragmentado desemborca em pseudociência e pesquisas
inúteis, quantidade sem qualidade, para parecer produção real (tal como a automação,
que não gera valor). Mais uma vez: excesso e forma sem conteúdo.
10.
Cada período de uma curva histórica tem seu correspondente na filosofia, artes etc. A
fase ascendente (1944-1973) gerou o existencialismo e certo otimismo (fazendo surgir
um marxismo otimista, mas domado). A questão muda na década de 1970, fase de
transição da curva e começo da crise sistêmica, quando tal ideologia ganha fama.
11.
12.
13.
14.
15.
Marx afirmou no Manifesto: tudo o que é sólido desmancha-se no ar. Poucos viram na
frase de efeito uma premissa do real. O capital dissolve o passado e a si próprio com
tudo que está sob seu poder – uma premissa objetiva de duplo caráter. Para entender o
pós-modernismo foi-nos dado em um panfleto popular de 1848. O processo percebido
por Marx e Engels atinge alto nível e se expressa no campo da ideologia.
16.
Nessa versão pobre do idealismo, o culturalismo, a cultura vista em separado das outras
dimensões da vida, prospera. Assim, porque tem menos constrangimentos econômicos e
sociais, a pós-modernidade encontra na classe média o seu corpo, sua casca.
Elenquemos a base material:
3) Por estar ligada ao trabalho intelectual, acessa a vida por meio da palavra;
5) Desde 1970, tem acrescido e aglutinado seu número urbano, enquanto as ligas
sociais são frágeis.
17.
É sujo dizer-se comunista; ser "anticapitalista" expressa o negar sem afirmar, um não
apontar, o vazio de conteúdo estratégico e o apoio em ideias difusas, hibridadas, do
camaleão reformista e centrista; suposição de destruir sem construir, de baixa clareza da
real estratégia, se reformista ou revolucionária.
18.
19.
20.
21.
Capital fictício, marxismo sem dialética, humanidade sem pulsão, café descafeinado…
A pós-modernidade é a constituição, no plano ideal, de um mundo sem alma.
22.
23.
O método acadêmico tem sido dar valor a uma tese pelo nível de sua exposição. Ao
produzir contribuições parciais e limitadas, compensa-se pela audiência dada ao
conceito, ao dado etc. – como se a proporção de esta ou aquela proposição ou
descoberta fosse medida pela lupa da visibilidade recebida, não por sua proporção em
relação ao real, ao objeto. Mas o pretígio não é o critério da verdade.
A produção teórica torna-se mercadoria: deseja agradar o leito por meio do impacto, do
inesperado, do narrativo etc. Uma elaboração impressionista, exagerada ou com
genegalizações não correpontentes ao real pode ter audiência, espaço e uma rede de
defensores.
24.
25.
Friedrich Nietzsche afirma que o filósofo ofende o leitor quando explica de modo tão
cristalino determinada reflexão que esta aparece como óbvia e, em consequência, o
estudante sente-se um imbecil. Assim, os pós-modernos fazem produção fictícia na
academia por meio de palavreado complicadíssimo. Mesmo em filosofia, onde os
critério são não-empíricos, a produção de senso-comum, e sua reafirmação, disfarça-se
de linguagem barroca e prestígio acadêmico.
26.
27.
28.
Assim como o setor econômico separa forma de conteúdo – fábrica sem produção de
valor, capital fictício, destaque de preços sem valores etc. –, com expressão ideológica
por consequência na superestrutura subjetiva, há processo de aceleração e aglutinação
de aparências relativamente deslocadas da essência. Esta é a forma pela qual se esconde
o real, o que de fato interessa. Quando um filósofo defende a obviedade de ser sobre ter
ou a preferência atual de parecer ter, ou ter sobre ser e ser de verdade; revela este
deslocamento, onde a visão imediata não revela a natureza das coisas.
29.
Por excesso do que é parcial, vivemos ao mesmo tempo com excesso e falta de
informação. Este é um mecanismo burguês por excelência. Além do aspecto político, da
farsa, a busca por lucro nesta área gera superprodudução de noticiamentos.
30.
Ter é a condição de ser, a premissa desta. Embora “quanto menos és, mais tens” (Marx,
Manuscritos Econômicos-Filosóficos), sendo o inverso – mais tens, menos és –
verdadeiro.
31.
O agora não é apenas o agora. O passado está realizado no presente, e este nada mais é
que o futuro no pretérito. Por isso, a visão hedionista não se sustenta: o aqui e o agora é
mais que ele próprio.
32.
O direito a sentir é uma luta anticapitalista. Mas o homem é sempre sentir: direcionar o
sentimento é parte da luta por um mundo racional, por uma economia planejada ao lado
das plenas liberdade e autonomia humanas.
33.
A concepção do que é belo em arte antecede a cultura. A ciência já sabe dessas bases
evolutivas. Por exemplo: sabemos que um som ou jogo de cores é sombrio, pois nos
remete aos sons e jogos de cores em situações desconfortáveis e arriscadas ao homem
na natureza. Ao indivíduo, isto, este mecanismo, não aparece em sua consciência
imediata; necessita-se da ciência para descobrir a causalidade.
Quando se afirma que a beleza está nos olhos de quem vê, há um fato e um falso: o
critério válido para indivíduos particulares – transtornados e disfuncionais, ou não –
pode não valer para o todo, para o conjunto ou maioria.
Mas nem sempre a arte precisa ter a beleza como objeto e objetivo.
34.
A arte é medível.
A qualidade de uma obra de arte depende do quanto o artista se dedica a ela, à sua
construção. São fatores:
370
Fazemos uma indicação de pesquisa: na China, a baixa produtividade do campo levou à formação de
grupos de camposeses sob baixa qualidade de vida ao lado de uma aristocracia com outros hábitos.
Nisso estaria base para os homens chineses atraírem-se por pés pequenos, de pequenas proporções,
diferente das mulheres habituadas ao trabalho duro no barro e no solo? Seria a mediação entre o
biológico e, desde as mulheres mais saudáveis bio e socialmente, a realidade social?
371
Faltou-me reencontrar um artigo da Veja, provável que de 2012, onde demonstra a elevadíssima
natalidade nos EUA um ano após o 11 de Setembro. Nele, justificava-se pela “relfexão sobre o sentido
da vida” etc. como motor. Qual o primeiro motor, além do social e subjetivo? A possibilidade de morte
faz nossa dimensão biológica supor a necessidade mais imediata de reprodução, de perpetuação dos
genes e da espécie, de cumprir a função animal etc. Do fato externo, a mente mediou com o fato
interno surgido (o conjuntural e o estrutural) para produzir reflexões e ações. Esta seria uma das
demonstrações de que as diferentes dimensões – biológica, individual e social – precisam ser, as três,
consideradas. Ultilizado pela psicanalista Navarro Lins, segundo exemplo: quando ocorreu o crash de
1929, as prostitutas de bordéis avaiaram que iriam à falência dado a falência de seus clientes; mas,
antes de se matarem, lotavam estes estabelecimentos.
Se pinta uma tela enorme toda – e apenas – de preto, exige um esforço; se constrói a
Guernica, exige outro e maior esforço. Isto é rastreável. Tanto o tempo objetivo quanto
o subjetivo são importantes. Aqui, a inspiração cumpre seu papel mágico para, em
seguida e em paralelo, ceder à transpiração.
Pode-se argumentar que há gênios mais ou menos natos. De fato, e isso lhes dá uma
enorme vantagem que, em boa parte, os demais podem compensar pelo esforço. A
própria inspiração deriva de um acúmulo prévio de observações, estudo, experiências
pessoais, outras produções etc. Quando uma letra de música “nasce pronta”, exigindo
apenas duas ou três mudanças, há aí uma produção inconsciente e subconsciente, oculta.
Nas artes visuais, a pós-modernidade pôde ir mais longe na medida em que a sensação
visual é imediata, causa impressões desprovidas de esforço prévio da parte do
espectador – e do artista…
35.
Lacan é o filósofo pós-moderno da psicanálise. Espanta, portanto, que tantos marxistas
o reivindiquem acriticamente. Entre suas premissas, estão: há apenas indivíduos, pois
são todos diferentes uns dos outros; se não ocorre na mente, não ocorre (exemplo: para
ele, o sexo não existe, já que a mente sente uma incompletude ao final – ou seja,
esquece o corpo copulando, visão idealista); a palavra nega o pensamento, ou seja, o
francês confunde uma manifestação inexata com algo de todo contrário, ou seja, passa
longe da dialética concreta (a produção deste acaba por tornar-se cada vez mais amorfa
e labiríntica).
36.
Na atual fase do capitalismo, desde 1970, a técnica exerce forte domínio sobre a ciência
– a criatura rege o criador. Isto ocorre para que o trabalho científico gere, tão rápido
quanto possível, novo lucro.
Carl Sagan alertou-nos para o perigo de uma sociedade dependente dos frutos da ciência
mas que a nega, pendendo a obscurantismos. Esta é a forma ideológica deste domínio
da aplicação técnica sobre o humano trabalho científico.
37.
38.
A filosofia oficial, com seu falso perfil rebelde, justifica o atual estado de coisas na
defesa de um suposto homem autônomo, autossuficiente, capaz de aceitar a solidão no
qual está imerso – como se isso mudasse a necessidade real deste e de sua espécie.
39.
O tipo humano que melhor expressa, simboliza, o espírito da época – pós-1970: declínio
da atual curva de desenvolvimento capitalista, salto para si e pós-modernidade na
superestrutura subjetiva – está na personalidade TDA(H), como expressão e, ao mesmo
tempo, negação do estado de coisas.
São algumas das características desse tipo humano – análogo a um autismo hiperleve:
2) Dificuldade de seguir ordens quando não lhe é explicado a razão desta e daquela
tarefa, em tom de cooperação, não de subordinação;
373
Segundo Zizek, o cinismo é o conceito-chave das relações pessoais em nossa época.
5) Tendência impulsiva – que é diferente de violência – de modo que expressões
verbais, de ajuda e criativas fluem (significa, por exemplo: se o amor em um
relacionamento acaba, o TDA tende a querer encerrar a relação, enquanto o costume
social é esticar, com artificialidade, por décadas, uma união estável em nome da
estabilidade; isto é, uma postura correta diante do conteúdo do sentimento e forma das
relações aparece na realidade prática como erro, fonte de desconforto às normas
estabelecidas). Pode-se, com algum esforço, chamar espontaneidade;
7) Vicio em informação;
1. Genética;
Seja qual for a causa, ela não se explica apenas por si, porque manifestar-se exige que as
características do indivíduo entrem em diferenciação com o mundo social, exigindo
classificação específica.
É como se a pós-modernidade encontrasse sua expressão típica e, a um só tempo, sua
negação no mesmo perfil humano, mesma personalidade. Assim igual ao período
histórico a afirmar-se e negar-se.
40.
A infelicidade é uma condição dada por fatores externos, uma condição. A felicidade,
por outro lado, deve ser inventada. Aqui entra a dimensão da prática humana: 1)
descobrir o que é felicidade, o que a gera; 2) ver as mediações que a torna ou não viável
– e em que medida; 3) tentar implementá-la, transformar. No entanto, felicidade difere-
se de algo como estado permanente de euforia e conforto, já que inclui “o direito a
gozar e não gozar” (Zizek).
41.
Resolvamos um enigma: Por que materiais resistentes são mais caros se em suas formas
naturais, extraídas pelo homem, não há critérios em si de fragilidade ou raridade? A
resposta imediata é a de que exige mais dedicação, mais trabalho humano (logo a oferta
tem também de ser menor). Porém: tratamos do aspecto físico, abstraindo, após
considerar os trabalhos concreto e abstrato, o valor. Se o que é frágil tende, por si
mesmo, a desaparecer, por que isso ocorre? Respondemos por tal ângulo: o homem não
apenas extrai da natureza a matéria-prima, também a transforma, a cria – material
inorgânico de origem social. Segundo ponto para compreensão: a resistência dos
objetivos são definidos em comparação à, relativos à, outros – e novos – objetos e
outras – e novas – necessidades. O significado de suas resistências e seus valores de
resistência é historicamente determinado, é não-intrínseco. Quanto mais avançada a
sociedade, maior a possibilidade de renovação do mundo inorgânico.
42.
Nada pode vir do nada. Isso a intuição abarca. Por outro lado, a percepção de que tudo
tem uma origem nos leva à pergunta: donde vem tudo? Podemos resumir o universo a
um fundamental elemento, a energia primordial. Mas: de onde esta vem e como esta
surge? E de outra forma, ficamos sem resposta. Dizer que tudo sempre existiu, apenas
muda-se, soa muito mais lógico, mas um argumento circular ainda (apoiado em muitos
prováveis ciclos cósmicos). A ideia do Deus criador nos leva à pergunta: quem criou
Deus?
Dizer que tais questões nunca serão respondidas é desistência diante da dificuldade. Ao
que parece, a resposta futura será contraintuitiva, pouco convencional e de exigências
empíricas que se aliem a um tipo de raciocínio próprio. Qualquer resposta leva a outra
pergunta de igual natureza, qualidade e sobre algo anterior.
O ponto mais remoto que a reflexão particular pôde realizar é a de que ser e nada,
ambos, existiram como dupla natureza da substância. “Ser é nada.” Um estado tão cru,
simples e quase estável da "matéria" que ser e não ser formavam uma unidade.
O vazio, o nada, por isso, “existia”, podendo “existir” apenas como relativa ao próprio
existir. Podemos aproximar a visualização disto por meio do armazenamento de
informação computacional expresso matematicamente em 0 e 1, números binários,
registrados por presença ou ausência de elétrons. O próprio número zero é um existir-
inexistir, tem duplo caráter. Esta energia primordial teria em si um movimento, de si
para não-si – e ao contrário.
43.
A ciência apenas poderá avançar por meio de uma reconciliação com Hegel e sua
renovação crítica, a dialética concreta; portanto, um reconhecimento universal do papel
de Marx, o Aristóteles de novo paradigma científico-filosófico.374
44.
45.
Jung partia de uma premissa kantiana, uma oposição espelhada e total – permanente.
Útil para certas reflexões parciais e limitado para compreender a realidade, pois fica
presa à aparência, tal forma de observar a oposição deixa de perceber: algo torna-se o
seu próprio contrário375. Vejamos o caso mais singular: para Jung, a mente humana
necessita dos dois opostos – o racional e o místico. Defende a religião (ou a
374
Há acordo com marxistas que afirmam ser Marx o último grande e maior filho do ilumunismo ao
mesmo tempo sendo a superação de tal tradição.
375
O sexo para Freud – conceito ampliado depois para toda fonte de prazer – foi-lhe imposta pela
realidade, ao pesquisar as causas da histeria. Na busca por resposta, o objeto se lhe revelou e se impôs
na pesquisa. Em Jung, o foco na religiosidade tem origem pessoal e, do ponto de vista científico,
arbitrário.
religiosidade, a espiritualidade) enquanto necessidade psíquica. O erro está em deixar de
ver a camada mais profunda, geradora do racionalidade e misticidade: a necessidade
real, de base, é compreender e dar sentido lógico para os fenômenos vividos,
compreender a realidade, ter perspectiva, conseguir obter o norte geral do destino. A
ciência e a filosofia laica ainda são incapazes de preencher toda essa necessidade
mental, estrutural, da mente humana. Desenvolvemos, com o desenvolver da
civilização, ou seja, da técnica, métodos para entender, dar sentido, suportar e nos
antecipar ao mundo; aqui, a arte também oferece alguma contribuição para o satisfazer
desta pulsão. Por isso, ateus tendem a transformar a ciência em Deus novo, aquele a
oferecer a certeza de paz, prosperidade, sentido maior, alegria, organização, futuro etc.
Essa forma um tanto degenerada376 de ver o fazer científico tem razão de ser, pois o
mundo dos homens – já o sabia Marx! – necessita da religião como um compensador
social e psíquico das infelicidades humanas, materiais e "espirituais". É a angústia de
futuro. A religião é uma das formas de satisfazer nosso aparelho mental; é uma
ferramenta (muito forte e falha, aliás) do conteúdo real, do desejo existente e estrutural.
A oposição demonstrada por Jung, embora existente, é parte de uma unidade, de um
movimento pessoal e histórico da busca por razão interna ao homem e interna ao mundo
do homem, sua vida social. A "energia vital" desse movimento é o que faltou ao
psiquiatra perceber: o homo sapiens sapiens acordou para o mundo desprovido de meios
para abrir os olhos; aprender a enxergar demora, se formos usar a poética comum ao
autor. A religião é uma das formas do conteúdo – em contradição com outras formas.
RELIGIÃO E BIOESSÊNCIA
A religião tornou-se opressora dos homens desde quando surgiu como instituição. Em
Marx, a caracterização como “ópio do povo” adquire duplo sentido, duplo caráter. De
376
Como se objeto externo, perfeito, inumano, racionalidade pura, autônomo, guiador certeiro. O
marxismo, sob o stalinismo, também foi transformado em nova religião, de ortodoxo a um tipo de falso
dogmatismo, com seus manuais e sacerdotes.
Algum grande pensador, talvez Lacan, afirmou admitirmos nossas incompletudes internas – mas não no
outro. No outro, queremos ver o total, o absoluto, o completo; esta forma limitada, alienada e derivada
da alienação, toma forma de busca por grandes líderes infalíveis, tipos ideais, sujeitos não
contraditórios, amores perfeitos etc. Os líderes carismáticos, por exemplo, são a falsa cola daqueles
separados pelas relações sociais alienadas; seriam a mediação alienada fundada pela alienação.
um lado, o lado humano no mundo desumano: integramo-nos (coletividade), praticamos
altruísmo e ação ativa (atividades religiosas). Segundo Marx:
“A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o
fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o autosentimento do
homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser
abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade.
Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do
mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo,
seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu
entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de
justificação. É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana
carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a
luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual.
A comoção religiosa dos mórmons no momento do estudo também foi notada na região
do córtex pré-frontal, uma parte do cérebro que age diretamente nas decisões lógicas e
em como as pessoas se comportam socialmente. Inclusive, este é o local onde nossos
julgamentos morais são processados. Outro aspecto que chamou a atenção dos
pesquisadores foram os batimentos cardíacos acelerados e a mais respiração pesada dos
voluntários.
Os resultados sugerem que passar por uma experiência religiosa pode interferir tanto no
nosso pensamento e raciocínio quanto interfere quando estamos apaixonados ou lutando
para largar um vício. Será esse um dos mistérios da fé? 377
PASTOR PROTESTANTE
TEMPLO-CLUBE
Considerado o debate, o homem, sendo potencialmente livre, por sua bioessência, tende
a negar a religião. De fato, ocorre. A persistência dos fieis em informar, todos os dias,
que amam a Deus, que é o Todo-poderoso, que o seguirão, que se encontraram nas
palavras bíblicas é, em verdade, a luta constante contra si. Precisam, para negar o
próprio ateísmo, ouvir música gospel todos os dias, falar sobre a religiosidade,
preencher-se com exemplos milagrosos, usar vestimentas identificadoras etc. Caso a fé
fosse natural, não haveria briga constante contra o próprio corpo para adaptar-se a uma
concepção falha e alheia. Vive o crente um constante autoconstrangimento.
377
http://super.abril.com.br/comportamento/religiao-tem-o-mesmo-efeito-no-cerebro-que-sexo-e-
drogas/?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super
Ao pensarmos sobre o que empurra o humano a substituir a própria humanidade por
mitologias, o primeiro ponto levantado é a repressão social. Esta, no entanto, já está
suficientemente percebida por todos; basta observar como são vistos e tratados os ateus.
Há, além, percebe-se, a recompensa, o reforço positivo: elementos da satisfação da
bioessência humana, o clube.
As igrejas do mundo urbano em especial oferecem, das mais variadas formas, prazeres.
Sentimo-nos não integrados? O culto torna-nos unidos e numerosos (chame-os irmãos).
Sentimo-nos fragilizados pelo egoísmo? A missa propõe ações de caridade, ajuda mútua
e respeito entre os pares. A vida parece não valer a pena? O templo oferece cursos de
música, arte, encontros e projetos que precisam de gente protagonista. O próprio ritual –
missa, culto etc. – oferece doses: canta-se, empolga-se com o discurso interpretado
sobre o púlpito, o local é belo, os movimentos corporais são unificados, pode-se dar
testemunho, o público adquire um instante de protagonismo secundário e reencontra-se
gente.
Se pudessem reconhecer, perceberiam que deuses e religiões são uma justificativa para
razões materiais, necessidades materiais e humanas; Deus é uma benevolente desculpa.
Por fim, como o ópio, o espírito clubista vicia e aliena. Leon Trotsky, Questões do
Modo de Vida (1923), apresenta-nos elementos:
"(…) a igreja atrai devido a toda uma série de motivos sócio-estéticos, que nem a
fábrica, nem a família nem a rua oferecem. (…) O divertimento e a distração
representam um enorme papel nos ritos da igreja. A igreja age por métodos teatrais
sobre a vista, o ouvido e o olfato (o incenso!) e, através deles, age sobre a imaginação.
No homem, a necessidade de espetáculo — ver e ouvir qualquer coisa de não habitual e
de colorido, qualquer coisa para além do acinzentado do quotidiano — é muito grande,
é irremovível e persegue-o desde a infância até à velhice. (…) E aqui o pensamento
volta-se de novo naturalmente para o instrumento mais poderoso por ser o mais
democrático: o cinema. O cinema não carece de uma hierarquia diversificada, de
brocados ostentosos, etc.; basta-lhe um pano branco para fazer nascer uma
espectaculosidade muito mais penetrante do que a igreja, da mesquita ou da sinagoga
mais rica ou mais habituada às experiência teatrais seculares. Na igreja apenas se realiza
um ato, aliás sempre igual, ao passo que o cinema mostrará que na vizinhança ou do
outro lado da rua, no mesmo dia e à mesma hora, se desenrolam simultaneamente a
páscoa pagã, judia e cristã. O cinema diverte, excita a imaginação pela imagem e afasta
o desejo de entrar na igreja. Tal é o instrumento de que devemos saber fazer uso custe o
que custar!"
46.
Podemos, então, tecer um breve comentário sobre outro tema relacionado. Qual a
origem da homossexualidade – genética, uterina (hormonal) ou social? Pensamos que as
três origens são verdadeiras. Dois homens heterossexuais isolados juntos em uma ilha
tenderão ao amor sexual porque o afeto é uma necessidade inerente; isso é observável se
injetamos doses maiores de hormônios sexuais num rato e o colocamos num ambiente
com outro macho, pois tentará ser o “homem” da relação por excesso de pulsão sexual
e, depois, diante da negativa, tenderá à satisfação invertendo os papéis com o outro
animal, resolvendo o desejo por copulação anal. Isto é reproduzível em laboratório. Ao
mesmo tempo, há inúmeras espécies com relações homoafetivas registradas em seus
ambientes naturais e pesquisas apontam tendências genéticas e na formação do feto,
para este ou aquele perfil. A questão, porém, é que a sociedade e a cultura – meio
ambiente humano, social – devem ser consideradas. “Ninguém se torna gay, nasce”
(materialismo mecanicista) é tão verdadeiro quanto “ninguém nasce gay, torna-se”
(idealismo culturalista). Além dos fatores biológicos, relações edipianas, narcísicas,
necessidades afetivas, cultura, etc. podem direcionar a pulsão sexual-afetiva para um,
outro ou ambos os sexos, independente da vontade e valores do próprio indivíduo,
apesar dele e fora de seu controle – neste sentido, é natural e inconsciente. As mais
variadas personalidades amorosas podem ser autorreprimidas, perseguidas ou evitadas –
assim, gerando doenças psíquicas e sequelas –, mas é impossível aboli-las, antecedem-
se ao raciocínio e decisão, são do reino da necessidade e imodificáveis a priori. Longe
de ser uma escolha ou doença, nascemos apenas com a pulsão, energia a ser
direcionada; em si, nascemos todos bissexuais (Freud). Uma tendência genética poderá
se revelar ou não, vir a ser ou não, ou realiza-se parcialmente: a multiplicidade da
sexualidade do homo sapiens precisa libertar-se um pouco mais de padrões e
classificações rígidas, ou seja, ficar mais perto do raciocínio dialético que da lógica
formal. O único inerente e determinante é o desejo. Nas mais diferentes espécies foram
observadas formas particulares das interações do tipo, o que nos propõe em avaliação
caso a caso, espécie a espécie; já foi observado, por exemplo, serpentes machos em
desertos mudarem de cheiro, atraindo outros machos e tornando-se trans, após falhas
sucessivas na tentativa de relações heteroafetivas. Estes são os apontamentos e
premissas para, quem sabe, evoluirmos até uma visão total e integrada da sexualidade
humana – que é um fenômeno biossocial (ou: biopsicossocial).
“Da mesma forma, outras limitações levam Engels a idealizar a sexualidade humana
tanto entre o proletariado contemporâneo de sua época (onde a prostituição e o adultério
teriam um papel “quase nulo”, em comparação com a burguesia), como entre a
humanidade do futuro e a de todas as épocas, ao considerar a homossexualidade como
“um vício antinatural”. Sobre este tema, há três passagens do livro de Engels, na
primeira ele considera que, entre os gregos, as “repugnantes práticas da pederastia”
levaram-nos a se desonrarem a si próprios e aos seus deuses pelo mito de Ganimedes
(que foi o único amor homoerótico de Zeus com um jovem mortal). Curiosamente,
Engels não menciona Platão e seus diálogos sobre o amor homoerótico e o mito do
andrógino original. Na segunda passagem, ele atribui o homossexualismo entre os
germanos à sua “decadência moral” devido ao contato com os nômades do Mar Negro
que, além da arte da equitação, ensinaram-lhes “feios vícios antinaturais”. E, finalmente,
na terceira menção, registra sem comentários, como se fosse algo natural, que a
assembléia do povo entre os germanos só decretava pena de morte para “covardia,
traição e vícios antinaturais”. O movimento socialista e progressista teria ainda de
esperar o século XX e figuras como o alemão Magnus Hirschfeld para que os direitos
dos homossexuais se tornassem uma reivindicação política.”378
***
378
http://blog.esquerdaonline.com/?p=4521
379
Um dentre as inúmeras formas particulares: 1) solidão alta; 2) por isso, baixa atividade sexual; 3) por
isso, satisfação por compensação em alimentos; 4) por isso, alterações corporais; 5) por falta de amor e
estímulo das alterações de uma alimentação exagerada, tendências homossexuais surgem.
social-econômico. Este determinismo genético e naturalista do homem faz parecer
permanente e estrutural elementos limitados no tempo-espaço, na história. É a diferença
lógico-científica, negligenciada, entre ser e estar.
47.
É natural que eruditos acadêmicos deem preferência aos estudos das superestruturas,
objetivas e subjetivas, como onde trabalham. Respiram este ar. Vejamos o exemplo de
Marx: de criação erudita e pequeno-burguesa, dedicou-se às ideias abstratas, direito,
filosofia, cultura etc. das superestruturas. Até que a atividade jornalística o jogou diante
da revolução, da perseguição pessoal e da própria miséria. Seu envolvimento em
atividades políticas práticas foi base para revolução de seu pensamento. Em seguida, 20
anos de pouca luta de classes intensa, ascensão de uma nova curva histórica, tornou-se
um dos poucos da velha geração de revolucionários a permanecer no campo da luta,
com um diferencial: dedicou-se, “parado”, à mais importante – e indispensável –
elaboração teórica do movimento operário.
48.
49.
50.
A falsa ideologia ocorre quando uma concepção não corresponde ao real, apoia-se
apenas em aspectos parciais deste. É caso do racismo sustentado por concepções
pseudocientíficas, religiosas etc.
Quando Sagan fala do pequeno ponto azul no espaço como lição, faz boa ideologia a
partir da descoberta de que o universo vai além da Via Láctea, além do planeta Terra
como centro (modo grego e cristão).
380
A crítica de Althusser à ideologia é, na verdade, crítica genial à falsa ideologia. Apenas. Tornou-se
marxista num período onde não ser um era equivalente à explusão da vida acadêmica. Tal ostracismo é
inadimicível aos intelectuais. Todo seu esforço, ao seguir a moda, foi tentar tornar o marxismo tragável
à concepção da universidade burguesa: negou o humanismo (marxista), a dialética, a concepção de
ideologia, a filosofia (teoria da alienação) de Marx para adaptar o subversivo ao existente. Tentou,
assim, oferecer um falso objetivismo científico, burguês, onde isto já havia sido superado.
O marxismo cindiu-se em marxismos prático-sindiclista e teórico-adadêmico. Althusser é um dos pais
dessa alienação.
está em se enfrenta as concepções consolidadas de modo a ajudar a história a ir para
frente.
51.
Disto, devemos levar em conta a existência de uma legalidade informal dos atos. Qual
tal com o Estado, esta legalização só é viável por meio da violência e do consenso
(Gramsci) surgido pela possbilidade, aberta ou oculta, de agressão. Também é evitente,
por consequência, o surgir, nesta base, da luta entre opostos.
381
Sartre tem a mesma natureza de Althusser: captulou ao marxismo por ser o “espírito da época” após
propor o existencialismo. Tanto o marxismo adademicista quanto a filosofia sartriana pré-marxista são
de suas épocas: alta moral da URSS por derrotar o nazismo, Estado de bem-estar social na Europa e
hegemonia do centrismo nas correntes operárias.
desequilibrado-passivo tende a sofrer agressões verbais, desrespeito, ameaças de
internação etc. Nesta pré-história da humanidade, o nível de repeito, simpatia e empatia
dedicado ao outro tem por fonte a possibilidade daquele outro ser ameaçar real.
Tanto a legalidade formal quanto a informal têm na violência latente seu lastro oculto.
52.
53.
A crítica marxista vê a pós-modernidade mais do que uma concepção que se impôs por
força própria, artificial e externa; caracteriza-a como um fenômeno consequente do
valor-capital. Em seu processo de irrealização, o modo de produção tende-se a um
capitalismo fictício; por isso inevitável tal manifestação nos produtos da mente humana:
arte, moral, filosofia, produção acadêmica etc.
54.
O pessimismo filosófico – de maior impacto na classe média aristocrática por tendência
ao subjetivismo – é um modo de negar “a prática como critério da verdade”. A
esperança exige angústia e responsabilidades. O pessimismo “realista” é irmão do
otimismo impressionista e objetivista. Por fora deste ciclo, o otimismo realista deve ser
defendido porque é cientificamente demonstrável o socialismo enquanto possibilidade,
vir-a-ser382.
55.
O aforisma de Gramsci “otimismo da vontade, pessimismo da razão” é invertido em
nosso instante histórico: “otimismo da razão, pessimismo da vontade”. Esta
consequência emocional da decadência afeta os trabalhos políticos e científico-
filosóficos. Cabe aos comunistas ajudar a resolver tal contradição.
56.
O socialismo fará surgir uma confluência não contraditória, ainda dinâmica, do homem
natural com homem social.383
382
A esperança é a alegria inconstante nascida da ideia de coisa futura ou passada de cujo desenlace
duvidamos em certa medida. O medo é a tristeza inconstante nascida da ideia de coisa passada ou
futura de cujo desenlace duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança
sem medo e nem medo sem esperança. (…). Quem está suspenso na esperança – duvida do possível
desenlace –, teme enquanto espera, quem está suspenso no medo – duvida do que possa acontecer –,
espera enquanto teme.” (Baruch de Spinoza)
“Se otimistas são tolos, já pessimistas, não deixam de ser chatos. Bom mesmo é ser realista
esperançoso.” (Ariano Suassuna)
383
Este problema geral tem inúmeros exemplos “pequenos” na realidade prática. Poe exemplo: cesária,
tão praticada, é pior para o bebê. O parto onde a mulher fica deitada, também.
A SEPARAÇÃO DO MARXISMO
384
O método dialético coloca os demais métodos sob suas asas. Na dialética, a resposta e o resultado,
aquilo que se deseja saber, aparece apenas no final da pesquisa. A sequência hipótese-
expreimentração-resultados, tendo alguma ultilidade real, faz o inverso, pois tenta já supor o resultado
e os meios para alcança-lo…
8. Incapacidade de ver o nexo interno dos fenômenos sociais sobre os quais atuam.
9. Dificuldade de ligar o pensamento ao mediato abstrato (no sentido do raciocínio
filosófico-teórico profundo385).
Pode ler quilos de livros marxistas, mas, se sua posição social for diferente da exigida
pela teoria, o militante ou teórico “esquece” o aprendido386. Exemplo: quantos
trotskystas veteranos tiveram toda sua formação política baseada no fato de o
trotskysmo ser contra governos de frente popular, mas cederam ao governo do Syriza?
Nem sempre é falta de teoria ou oporuninismo puro…387 Outro modo de observar: o
marxismo sindical – corporativo em raiz – foge do estudo do atual capitalismo, pois
teorizar sobre a III revolução industrial e suas consequências inerentes afeta o instinto
de autopreservação de seu perfil; quanto este tema está colocado, foge deste com
argumentos evasivos e parciais.
Isto é análogo, e ligado, à dividão da filosofia e da ciência entre idealismo e
materialismo:
TESE 1
A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de Feuerbach
incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados
apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas
não como atividade sensível humana, práxis, não subjectivamente. Por isso aconteceu
que o lado activo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas
apenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a actividade
sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte] sensíveis realmente distintos
dos objectos do pensamento; mas não toma a própria actividade humana como atividade
objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do
Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a
práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não
compreende, por isso, o significado da actividade "revolucionária", de crítica prática.
(Teses sobre Feuerbach, Karl Marx, 1845.388)
385
Kurz faz tal crítica. A militância trata com grande rejeição abstrações do tipo valor-trabalho, sujeito
automático, crise do valor, o além do empírico etc. Exemplo: vê o antagonismo burguesia x proletariado,
mas deixa de perceber o automovimento do valor-capital enquanto força profunda da luta de classes.
386
Nesta sociedade dividida em classes, indivíduos da classe média aristocráricas e burgueses podem,
por seus perfis pessoais, obter maior facilidade para acessar dialeticamente e com muita precisão a
realidade. A mente, não sendo mero agente passivo, tem algum grau de autonomia relativo, parcial, à
sua materialidade. No entanto, são casos minoritários e individuais.
387
Exemplo muito pessoal. Irritadíssimo e de salto baixo, entrei em polêmica com um erudito famoso,
por quem nutro enorme admiração, em uma rede social, pois este estava defendendo a candidatura de
Syriza acriticamente. De minha expressão teórica-política bruta, recebi como resposta altiva “tem que
estudar”, “precisa ganhar erudição”, “não ser arrogante”, etc. Pouco depois, entrei na mesma polêmica
quando o Syriza ganhou o Memorando, pois avalei que o partido anticapitalista iria boicotar o próprio
resultado; e tal impostura geraria rupturas pela esquerda. E isto aconteceu. Mas antes um ou outro
vetereno erudito pôde condenar o absurdo de minha caracterização. Foi educativo; e, aqui, aproveito
para citar um erro meu: pensei, mecanicamente e esquecendo que a realidade abre possibilidades, no
plural, ser a traição do referido partido fonte de uma dura revolta parcial. E estava errado: as derrotas
desmoralizam e leva um tempo para as massas reagirem neste tipo de situação.
388
https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm
Dados os comentários acima, complementares, sigamos breve avaliação parcial.
ALTHUSSER
Althusser tornou-se marxista num período onde não ser um era equivalente à expulsão
da vida acadêmica. Tal ostracismo é inadmissível aos intelectuais. Todo seu esforço, ao
seguir a moda, foi tentar tornar o marxismo tragável à concepção da universidade
burguesa: negou o humanismo (marxista), a dialética, a concepção de ideologia, o
processo enquanto condição da estrutura, a filosofia (teoria da alienação) de Marx para
adaptar o subversivo ao existente.
Tentou oferecer um falso objetivismo científico, burguês, onde isto já havia sido
superado.
Sua crítica à ideologia é, na verdade, crítica genial à falsa ideologia. Apenas.
LUKÁCS
Suas limitações derivam de sua posição social-política: criticava, sem romper, a
burocracia. Sua teoria ficou, assim, mediada e híbrida, ou seja, incapaz de uma forte e
necessária ruptura. Seu ponto alto está na defesa da cientificidade da ontologia marxista;
seus defeitos estão na incapacidade de crítica qualitativa do estalinismo, caindo em
idealismo e erros teóricos (na concepção de arte, por exemplo).
ADORNO
Tal como outros teóricos do “marxismo ocidental”, é um dos precursores inconscientes
da concepção pós-moderna. Sua dialética negativa, de certa forma expressando sua
visão pessimista, era capaz de ver apenas o dissolver, o desmanchar-se. Além de
esquecer o transitório e o duplo, deixa de ver no negativo uma espécie de futuro
positivo. Além disso, reduz a dialética, o marxismo, a economia política etc. a
fenômenos apenas capitalistas. Um “historicismo” informal. Por exemplo: assim como a
economia, a química apenas pôde surgir no capitalismo – trata-se, por isso, de uma
ciência burguesa?389
Curioso ter sido base para Kurz perceber a crise do valor, mas deixar de teorizar com
eficaz medida todos os demais fatores.
CORRENTE GRAMSCIANA
Parcialmente baseada nas produções de Antônio Gramsci, escritos sobre superestrutura
na prisão, uma larga corrente de intelectuais universitários ou de empregabilidade ligada
à superestrutura adota uma postura teórica invertida: forcam e partem da superestrutura.
Surgem, por isso, inúmeras distorções: consideram uma suposta “capacidade de
absorção de impacto” do Estado (porque não leem o real desde a economia), substituir a
totalidade dos mecanismos de alienação apenas pelo fator do controle dos meios de
comunicação, considerar os problemas mais ou menos autônomos da política como um
em si e causa de si, supor antecipar tendências desde as superestruturas antes da base
material verdadeiramente madura, etc. Muitos dentre desta tendência são honestos e
oferecem ótimos aportes políticos e teóricos, mas perdem a totalidade.
MORENO E MANDEL
Moreno foi o maior e melhor marxista com desvio sociológico (e estudava esta
semiciência com afinco). Melhor filho de sua época, pôde ser superior ao marxismo
“ocidental” – exceção por este ter reerguido a teoria da alienação – por razão das
duríssimas crises na América Latina, empurrando-o para a prática (e passou boa parte de
sua vida política em prisões de diferentes países). Neste contexto, extraímos a fonte de
suas contribuições teóricas, em principal, a atualização da revolução permanente. Foram
tempos duros: impossível revolução europeia, marxismo precisando reconstruir-se
quase que do ponto zero, IV Internacional incapaz de assumir os problemas postos e
longas ditaduras latino-americanas. No entanto, logo no início da crise sistêmica –
quando a luta de classe intensa precisaria entender economia – o teórico argentino viu-
se limitado.
Os erros e centrismos de Mandel (exemplo: pender a considerar os problemas do
capitalismo atual centralmente subjetivos) possuíam a mesma origem do marxismo
europeu: estabilidade social, com a qual Moreno raramente conviveu. Para mostrar
limites daquele, bastam os textos deste. Porém, o economista percebeu os primeiros
sinais do “estalo” no capitalismo.
A IV Internacional tinha a oposição entre um “economista” e um “sociólogo”. Em
essência, entre um materialista ou obreirista (Moreno) e um idealista ou militância no
setor educacional (Mandel). Ocorre que, na década de 1970, Enest Mandel já havia
acumulado inúmeros vícios e desvios quando a situação mundial e europeia começou a
mudar.
Vez ou outra, alguns marxistas deduzem o final do século XIX como o despotismo
esclarecido a la burguesa. Esta comparação com o sintoma do fim do
feudalismo/absolutismo procura indicar a chegada da era socialista. De fato, em alguns
países e na Europa, ocorreu a fase reformista e progressista do capitalismo: direito ao
voto, reformas sociais, maior instrução média, reconhecimento dos sindicatos, etc.;
porém, isso se devia à saúde do sistema e não por sua visível decadência, que é a fase
imperialista390.
Vivemos, hoje, este período. As épocas de decadência possuem suas
excentricidades, suas combinações improváveis, suas falsas mediações; daremos
exemplos de como, diante da época391 e da possibilidade do socialismo, o mundo do
capital procura ser esse “tirano esclarecido”.
Em primeiro, observamos a generalização da frente-popular, ou seja, de governos
burgueses com participação – majoritária ou minoritária – de organismos operários. A
dimensão é ainda maior: mesmo governos diretamente dirigidos por organizações
burguesas agregam sindicatos ou pequenos partidos de esquerda em sua órbita392 – em
suma e dito de outra maneira: algum nível de frente-populismo sempre está presente ao
administrar o Estado (interessante observar: no Brasil, logo após a redemocratização, o
presidente Collor de Melo impulsionou a Força Sindical.). Essa nova
normalidade possui um exemplo intenso, Sui Generis, no PSUV, de Chavez com sua
retórica e da Venezuela, onde um partido patronal com programa semi-bonapartista
agrega o grosso do movimento de massas. Evo, Bolívia, e Syriza (Grécia) também são
exemplos. No mesmo sentido, inúmeros partidos burgueses usam o termo socialismo
em suas propagandas; as eleições presidenciais nos EUA (2016) são mais que
390
De fato, com a crise orgânica de 1870 a 1880, dando origem ao capital financeiro e ao imperialismo,
já aparece a tendência (ainda não geral) ao despotismo esclarecido do capital. Percebemos a existência
deste fenômeno por longa duração, constância e cada vez mais generalizado.
391
Esta tendência surge no final do século do XIX e início do XX, com a consolidação da economia
imperialista; porém, apenas ganha dimensão clara no pós-II Guerra, no pós-década de 1970 e,
especialmente, com a queda do muro de Berlim; em síntese: apresenta vigor quando a fase imperialista
do capitalismo inicia sua decadência.
Todo sistema pode ser dividido em duas épocas: a reformista ou progressista e a revolucionária ou de
crise. Com o amadurecimento das bases econômicas e sociais, na fase superior do capitalismo, estamos
em uma era onde revolucionar a sociedade é possível e, ao mesmo tempo, necessário.
392
Interessante observar que no Brasil, logo após a redemocratização, o presidente de direita Collor de
Melo impulsionou a “Força Sindical”.
simbólicas. Além do mais, a nova “esquerdização” da Igreja Católica faz parte do
processo aqui demostrado.
Em segundo, com a alta concentração urbana, a democracia burguesa é o regime
principal, com longa duração, na maioria dos países – mesmo em muitos dos atrasados.
Não raro, a classe dominante prefere golpes “institucionais” a militares ou fascistas
(embora não descarte essa tática). Visto de modo mais concreto; desde 2008, tal
tendência tende a ser negada por razão da degeneração social, mas revelou-se uma
grande tática-concessão: desçamos a exemplos; para Nahuel Moreno, além de outros
marxistas, logo após a derrota do nazismo abriu-se a etapa mais revolucionária da
história, o que permitiu 1/3 da humanidade sob relações não-capitalistas, porém sob
ditaduras burocráticas; no final da década de 1980, as castas dirigentes restauraram o
capitalismo, dissolveram o Estado Operário, a natureza deste, a base econômica e social
de sua característica transicional. Com este “colapso”, promovido por via das
(contrar)reformas graduais, abriu-se uma etapa reacionária mundial. Usou-se não de
todo o fascismo e ditaduras, mas também e em grande medida o voto, as eleições e
mecanismos da democracia representativa para garantir o retorno ao capital e evitar
revoltas que pudessem ser capazes de reerguer o Estado Operário, desta vez, com
democracia socialista. Na China, tendo sido o segundo mais importante Estado
Operário, como em outras nações, a restauração sequer permitiu o uso da tática
“democrática”, mesmo parcial, para burlar a justa revolta. Assim, temos a etapa
reacionária sustentada de modo “despotista esclarecido”; outra expressão disso – etapa
se refere ao aspecto global da capacidade organizativa real ou latente das diferentes
classes, na defensiva ou ofensiva – é a queda do muro de Berlim, ao gerar um “vendaval
oportunista” degenerador da maior parte da esquerda planetária. Em geral, além dos
países capitalistas, avançados e atrasados, “táticas democráticas” (não necessariamente
retorno em longo prazo à democracia burguesa) foram usadas naqueles países que
voltaram ao capitalismo após tornarem-se muito urbanos, como a Rússia. Em suma, a
século XX foi marcado por grandes vitórias táticas – inclusive a implementação de
democracia burguesa após a dura derrota, a restauração do capitalismo, o fim dos
Estados Operários transformando burocratas em burgueses ou serviçais diretos da
burguesia – e, por lado oposto, grandes derrotas estratégicas.
Em terceiro, o imperialismo “apoia” revoluções, aqui e ali, temendo que cresçam
por demasiado, que tirem novas conclusões, que implementem o socialismo; enfim,
teme a independente reorganização revolucionária da classe, da vanguarda e da
sociedade. A tática Via Prussiana ou Revolução Passiva é, também, utilizada.
Em quarto, especialmente nos países centrais, houve um período de muitas
reformas (como o Estado de Bem-estar) com a finalidade de apaziguar a luta de classes.
Tal processo só inicia realmente seu fim com a crise mundial, a partir de 2008393. Nesse
período, como parte dos resultados, desenvolveu-se e ampliou-se um setor privilegiado
entre os produtores, a aristocracia operária, que já começara a surgir no final do século
XIX; a burguesia – consciente de sua tarefa – estimulou essa divisão do proletariado por
métodos como “participação nos lucros e resultados”, “estímulo aos funcionários a
obterem pequenas ações”, concursos internos para subir de cargos e “crescer na
empresa”, etc.; em linguagem marxista e clara: estimulou o pequeno-aburguesamento de
parte da classe revolucionária e dos demais assalariados.
393
O keynesianismo foi o estímulo a esta tentativa, a de criar um colchão social. Como as leis do
capitalismo são objetivas, as medidas estatais transformaram-se em seu contrário, em novos elementos
para a crise orgânica do capitalismo (como o aumento das dívidas públicas). Programas como bolsa-
família, no Brasil, propostos pelo Banco Mundial, também são exemplos.
Em quinto, na falta de partidos revolucionários, a própria burguesia tenta ora dirigir
mobilizações394 ora desviar revoluções para a democracia burguesa, para a reação
democrática. As frações burguesas nas revoluções síria e líbia são exemplos; as
mobilizações de direita na Venezuela e Brasil (2015), também. Do mesmo modo, a
maior parte das colônias ganhou independência política formal nos processos
revolucionários do século XX, mantendo-se economias dependentes; para o
imperialismo isto é melhor que observar revoluções democráticas e anti-imperialistas
avançarem ao socialismo.
Em último (mas de máxima importância), sindicatos e partidos de esquerda estão
altamente institucionalizados, adaptados, integrados ao Estado burguês. São organismos
burgueses da classe trabalhadora, organismos frente-populistas. No mesmo rumo,
sindicatos são convidados a participarem de conselhos, comissões e organismos
patronais, parte na gestão de empresa e do Estado395. Ironicamente, muitas empresas
obrigam seus funcionários a se filiarem às suas representações sindicais. Portanto, a
tarefa é tanto ganhar sindicatos como, na primeira oportunidade, destruí-los396. Em
situações revolucionárias, parte significativa destes, além de dos partidos de esquerda
(como os “anticapitalistas”), estará do outro lado da trincheira.
Esses são os fatores centrais observados; não há dúvida de que existem outros397,
menores ou maiores, na realidade ou ainda por surgir (ex: o “orçamento popular”
394
Por exemplo: o “anti-imperialismo” de movimentos burgueses como a Al-Qaeda.
395
“A partir daí, os capitalistas japoneses desencadearam uma feroz repressão ao movimento sindical
combativo e impulseram uma estrutura sindical totalmente controlada e atrelada às empresas:
sindicatos por local de trabalho, que participam da gestão das empresas num regime de colaboração,
partindo do princípio de que cada empresa é, antes de mais nada, uma família (Antunes, 1995)” (A
Proletarização do Professor: Neoliberalismo na Educação; Costam àurea. Fernandes Neto, Edgard.
Souza, Gilberto. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009; página 118.) (A citação
indireta: ANTUNES, Ricarndo; Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.)
396
Vale recordar que os bolcheviques tinham baixo peso nos sindicatos durante a revolução de outubro;
os mencheviques eram maioria nesses organismos. Ou seja, o calor dos fatos pedirá organismos novos e
alternativos de luta e poder, que podem ser impulsionados, mas não criados artificialmente pelos
revolucionários. A revolução boliviana (1952) pôde quebrar esta lógica mais do que qualquer outro país,
por ter naquele momento um movimento sindical novo, ainda não estatizado, baixo peso do
estalinismo, concentrada classe operária e relativamente nova, além do impulso trotskista à COB,
central sindical, operária e popular daquele país.
Enfim, o processo revolucionário exige, entre outras coisas, enfretamento físico contra a burocracia
sindical, o pelego, e de outro, o erguimento de novos organismos sindicais independentes (não se trata,
porém, de sindicatos vermelhos), junto à renovação dos existentes, e por fora do Estado Operário –
como um dos mecanismos antiburocratização deste.
397
Exemplo: “No México, os sindicatos transformaram-se por lei em instituições semi-estatais e
assumiram, por isso, um caráter semitotalitário. Segundo os legisladores, a estatização dos sindicatos
fez-se em benefício dos interesses dos operários, para lhes assegurar certa influência na vida econômica
e governamental. Mas enquanto o imperialismo estrangeiro dominar o estado nacional e puder, com a
ajuda de forças reacionárias internas, derrubar a instável democracia e substituí-la por uma ditadura
fascista declarada, a legislação sindical pode transformar-se facilmente numa ferramenta da ditadura
imperialista.” (…) “A nacionalização das estradas de ferro e dos campos petrolíferos no México não
tem, certamente, nada a ver com o socialismo. É uma medida de capitalismo de estado, num país
atrasado, que busca desse modo defender-se, por um lado do imperialismo estrangeiro e por outro de
seu próprio proletariado. A administração das estradas de ferro, campos petrolíferos etc., sob controle
das organizações operárias, não tem nada a ver com o controle operário da indústria, porque em
última instância a administração se faz por meio da burocracia trabalhista, que é independente dos
operários, mas que depende totalmente do estado burguês. Essa medida tem, por parte da classe
dominante, o objetivo de disciplinar a classe operária fazendo-a trabalhar mais a serviço dos "interesses
idealizado pelo PT). O imperialismo, em sua fase de decadência, sabe, como quem se
nega a reconhecer a verdade, que chegou a hora da revolução – em certa medida, sabe
disso mais do que os próprios marxistas.
Podemos extrair uma primeira conclusão sobre o futuro. Apresenta-se a lei da
História: o despotismo esclarecido burguês abriu espaço para a educação, a reeducação,
o amadurecimento e a fermentação da classe operária e dos demais setores oprimidos.398
O aspecto geral do Despotismo Esclarecido Burguês pode ser assim resumido:
envolvimento da não-burguesia nas superestruturas objetivas (Estado, direção de
empresas, pequenas ações financeiras, partido, sindicatos etc.) e ações sobre os sentidos
da superestrutura subjetiva (valores, moral, percepção da sociedade etc.), com dois
objetivos: 1) estimular a passividade frente ao poder burguês; 2) estimular a
produtividade. A burguesia pode não reconhecer uma luta geral latente, mas por muito
percebe a constância das lutas parciais, que representam um transtorno em si ao capital,
e são manifestações inconstantes de processos em gestação.
O despotismo esclarecido buguês faz parecer ter o Estado e as demais relações
de poder um duplo caráter, burguês e operário, capitalista e socialista. Mas isto é de
todo falso. Diferente das transições sistêmicas anteriores, a revolução socialista trata de
destruir o Estado, e demais superestruturas, enquanto ferramenta de poder de uma classe
sobre outra; precisa, então, de uma ferramenta paralela, um Estado outro, capaz de
expressar a nova sociedade e definhar-se.
comuns" do Estado, que superficialmente parecem coincidir com os da própria classe operaria. Na
realidade, a tarefa da burguesia consiste em liquidar os sindicatos como organismos da luta de classes e
substituí-los pela burocracia, como organismos de dominação dos operários pelo estado burguês. Em
tais condições, a tarefa da vanguarda revolucionária consiste em empreender a luta pela total
independência dos sindicatos e pela criação de um verdadeiro controle operário sobre a atual
burocracia sindical, que foi transformada em administração das estradas de ferro, das empresas
petrolíferas e outras.” (Trotsky; Os Sindicatos na Época da Decadência Imperialista, 1940; grifos nossos;
fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1940/mes/sindicato.htm)
398
O trabalhador europeu aprendeu, entre outras coisas, que “tem direito a ter direitos”. Há, com a
crise mundial, no sentido oposto, a tendência de o imperialismo mostrar sua essência. Tudo será
mediado, como motor da história, pela luta de classes.
TODOS OS PARTIDOS REVOLUCIONÁRIOS TÊM PRAZO DE VALIDADE
Uma avaliação objetiva revela o padrão. Mesmo o mais revolucionário dos partidos
da história, dirigente da mais incrível revolução social, degenerou dez anos após seu
próprio heroísmo. Assim também, a organização diretamente instruída por Engels, o
poderoso Partido Social-democrata Alemão, tornou-se o maior símbolo reformista de
todo o mundo. Para abarcarmos um terceiro exemplo, entre centenas, o SWP norte-
americano, educado com imensa atenção por Leon Trotsky e Cannon, degenerou-se
quando da renovação dos quadros, pós-II Guerra. O que faz de partidos realmente
revolucionários caricaturas de si, centristas e reformistas?
1. Dirigir sua classe em uma revolução mundial e assim fazer surgir uma sociedade
onde partidos são descartáveis, definham;
2. Ser absorvido pela sociedade capitalista, adaptando-se: de um vírus torna-se
“mero” parasita mutualista;
3. Ser destruído.
Percebemos o fim do conteúdo-forma como algo inevitável; a questão, portanto,
centra-se em como isso irá acontecer – de modo nobre ou mesquinho?
Aí está a questão. Uma organização centralista e democrática tem um período de
vida – de sua essência – mais ou menos longo a depender da realidade concreta e de
suas decisões; isso significa a possibilidade de adiar por muito tempo o fim de sua
natureza-essência revolucionária, mas não de modo indefinido:
399
Situação: define-se a partir da conjuntura econômica somada dialeticamente com os estados da luta
de classes, das variadas instituições e da superestrutura subjetiva (moral, instrução, filosofias, etc.);
Etapa: define-se pela capacidade e natureza organizativas reais ou latentes das diferentes classes
antagônicas – o nível de possibilidades para ofensivas e contraofensivas;
Época: divide-se em duas – 1) progressista, reformista, quando um sistema está saudável, em pleno
desenvolvimento das forças produtivas; 2) revolucionária quando o desenvolvimento das forças de
produção exige uma nova sociedade, uma nova superestrutura, um novo sistema socioeconômico.
Ásia – essa foi a corrente histórica que enrolou o pescoço da Oposição durante esses
quatro anos. Quem não entender isto não vai entender nada.
“É evidente que tão gigantesco superlucro (visto ser obtido para além do lucro que
os capitalistas extraem aos operários do seu “próprio” país) permite subornar os
dirigentes operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos
países “avançados”, subornam-nos efetivamente, e fazem-no de mil e uma maneiras,
diretadas e indiretadas, abertas e ocultas.”
400
Existe uma tendência, também dependente do fator subjetivo (partido), a vagas revolucionárias cada
vez mais socialistas – vejamos a encadeação: 1) as revoluções de 1848, primavera dos povos – aqui, a
burguesia deixa de ser revolucionária; 2) situação revolucionária europeia em auge com a Comuna de
Paris, 1871, e sua derrota correlacionada à II revolução industrial; 3) situação e etapas revolucionárias
ao fim da I Guerra Mundial com a – e por causa da – revolução russa; 4) Final da II Grande Guerra, dando
moral global às ideias socialistas, coma derrota do nazifascismo, mas com impulso qualitativo
bloqueado, tanto quanto possível, pelo corrente estalinista; 5) o início da década de 1970 abre a
situação mais revolucionária da história e coloca 1/3 da humanidade em sociedades não-capitalistas, de
Quando o programa de um partido torna-se atrasado e obsoleto, muda-se o eixo e
degenera-se. Tudo o que é sólido desmancha-se no ar; reivindicar uma forma-
organização não supõe seu fetiche, sua cristalização ideal – ao contrário: exige alerta.
Toda e qualquer organização revolucionária tem prazo de validade, definha. E
resolvemos o problema assim, sem atalhos: adiar esta possibilidade tanto quanto
possível, precaver-se401; reorganizar-se, ruptura, sempre quando necessário; e que este
definhamento ocorra apenas, esperamos, por sua inutilidade quando no socialismo
avançado.
transição, sob Estados Operários Burocratizados. Assim, a próxima pode se concretizar ou não se houver
ou não um Partido Mundial da Revolução preparado para o porvir.
401
Recordemos que a construção de um partido da revolução é um processo não linear, com avanços e
retrocessos, crescimento e diminuição conjunturais. O partido bolchevique reunia poucas centenas, e
meio-dispersos por razão da ilegalidade; já após fevereiro de 1917 (até outubro) tinha centenas de
milhares de militantes, tendo de “fechar as portas” para poder gerir o crescimento e também evitar a
entrada de membros duvidosos – que, ao verem o partido crescer e liderar, queriam “crescer-se”
tentando ganhar cargos etc. –; o próprio partido de Trotsky, Interbairros, entrou no partido de Lenin, e
escolheu 1/3 do novo comitê central, após este tornar-se centro gravitacional revolucionário. Não há
atalhos. Assim, buscar o reagrupamento dos revolucionários apenas por rupturas e fusões é limitado e
aceita com passividade as limitações da conjuntura; políticas corretas são o primeiro e principal passo
para as organizações crescerem, aglutinarem, darem saltos de qualidade e, desse modo, serem centros
de gravidade a atrair indivíduos e agrupamentos.
SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA
AS BASES MATERIAIS
1.
A queda do muro de Berlim e dos ex-Estados operários proporcionou um enorme recuo
nas ideologias socialistas, na consciência das massas e da vanguarda;
2.
A enorme urbanização consolidou a urbanidade em nível planetário. É um fator
determinante para o surgimento de uma imensa massa assalariada não-operária, de uma
sub-classe de desempregados, de uma numérica classe média empobrecida402. Por outro
lado, por automação e fragmentação do processo produtivo e diminuição nos países
centrais, a classe dos produtores – os operários – foi, em inúmeros países, reduzida e/ou
fragilizada;
3.
A principal tática do imperialismo para perpetuar sua ordem tem sido o – e a ideologia
do – valor universal do voto e da democracia representativa (com variante
“participativa”). Chamamos "reação democrática", ou seja: apostar primeiramente em
eleições, em plebiscitos, em constituintes ao invés da repressão, do golpe ou da invasão.
402
Ruy Braga, um dos defensores do termo “precariado” – uma na medida em que ser do proletariado é,
em geral, ser precarizado, mesmo incluindo os assalariados não operários neste conceito – afirma:
“Tendo em vista a composição social do movimento, não é estranho que suas lideranças sejam
cientistas sociais da Universidade Complutense de Madri, tais como Pablo Iglesias, recém-eleito
deputado europeu, e Íñigo Errejón, coordenador-geral da campanha do partido para o parlamento
europeu. Da crise de financiamento das universidades às condições degradantes do mercado de
trabalho, uma geração de estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam tem estimulado o
diálogo das ciências sociais com públicos extra-acadêmicos.” Organizando a indignação; link:
https://blogdaboitempo.com.br/2014/11/10/organizando-a-indignacao/
não pela qualidade enquanto classe; um partido que expresse este desejo,
inevitavelmente, surge (somos 99%, gritavam os protestos).
As organizações desse tipo são, então, pequeno-burguesas, urbanas e tendem a ser a
expressão também do “precariado” não-operário. A escassez de verdadeiros proletários
em todas as suas instâncias internas tem por fonte as relações acima colocadas mais
uma: construir-se nas fábricas é difícil e exige enfrentar sindicatos muito fortes e
conservadores, burocratizados. O peso militante no movimento e, em geral, nos
organismos tradicionais do movimento é baixo403 (vide caso do Bloco de Esquerda, de
Portugal, em relação ao PCP).
Por este ponto de vista, na orientação organizativa, justificamos a valorização da
liberdade individual e formal dos militantes, as tendências por dissolver em outros os
agrupamentos internos, o fracionamento em permanência404, a propaganda de uma
esquerda renovada e sem recorte de classe muito definido.
A valorização da atuação enquanto partido político (algo, em si, positivo, pois vai
além do sindicalismo; trabalho com as figuras públicas, panfletos partidários, busca por
espaço na mídia, propaganda dos parlamentares, etc.) tem este norte claro: mostrar-se
como uma saída eleitoral progressista em um mundo decadente. Por outro lado, vemos
com clareza um foco especial, entre os anticapitalistas, nas – importantes, claro –
palavras de ordem democráticas. Há quatro razões fundamentais:
1.
Vivemos uma fase histórica onde o capitalismo não pode promover estáveis e profundas
reformas. Por isso, Syriza boicotou o resultado do plebiscito (2015) – “Não” contra a
chantagem da UE – que ele próprio ganhou (!)405;
403
Syriza, com influência eleitoral de massas e principal organização anticapitalista, fica muito atrás do
PC grego quanto ao peso sindical que, por sua vez, não é majoritário: “Na Grécia, o partido comunista se
destaca por sua dinâmica suis generes. Ao contrário da grande maioria dos PCs europeus, que ao longo
dos anos 1990 se alinharam à socialdemocracia moderada, o KKE fez um caminho de sentido inverso. Ao
mesmo tempo, manteve importante peso político e social em seu país. Nas eleições de 2015,
conquistaram 5.5% dos votos, um resultado dentro da média do partido ao longo dos últimos 15 anos.
De longe a maior corrente da extrema esquerda no movimento sindical, o KKE tem localização
privilegiada até mesmo no setor privado. Organizou a principal greve metalúrgica ocorrida em Atenas
nos últimos anos, que em 2012 parou o setor por nove meses. Ele também é muito maior que o Syriza
entre os estudantes. (LOUNTOS, 2015)”
(…)
“Apesar de possuírem 10 dos 45 assentos da direção da confederação sindical nacional, o KKE não é a
maior força do movimento sindical no país. Os dois partidos tradicionais do regime democrático, o
PASOK e o Nova Democracia, são historicamente as organizações majoritárias, não só do sindicalismo,
mas da vida social grega.” – Aldo Sauda; Syriza: partido e movimento.
http://blog.esquerdaonline.com/?p=2830
404
A existência permanente de grupos expressa a heterogeneidade das classes médias politicamente,
indiretamente, representadas dentro das correntes internas. Do mesmo modo, a busca por líderes
políticos ligados à pequena burguesia – economistas, intelectuais, etc. – para a formação de governos
frente-populistas é análogo à formação de frentes populares em torno de líderes operários, ou seja, a
ideia de que sua base social tem um governo “seu” e expressa, ao mesmo tempo, o desejo de elevar-se
socialmente por parte dos setores médios. Uma forma de expressãode “crescer e mudar por meio da
educação”. Estas organizações podem também, com o aprofundamento da crise, sob certas
circunstâncias, elevar líderes do proletariado ao posto de principal figura pública caso isto facilite a via
eleitoral.
405
Isto é ainda mais intenso se considerarmos que palavras de ordem mais profundas como “Sair do
Euro” e “Sair da União Europeia” são, em si, democráticas e apenas potencialmente – sob certas
circunstâncias – transicionais (se, mais provável, agregadas a outras propostas classistas e transicionais).
2.
O ideal democratizante é uma alternativa às ideias socializantes desde o
enfraquecimento das ideologias igualitaristas na década de 1990;
3.
Muitas reformas democráticas são viáveis e até positivas ao capital. Legalizar a
maconha, por exemplo, pode ser uma nova fonte de lucro bilionário;
4.
Uma parte da classe média e dos militantes de esquerda desta classe necessitam, para si,
mais de direitos democratizantes já que possuem alguma estabilidade social e
econômica. Defendem, por isso, o tipo de direito – na aparência – "individual", do
indivíduo: ao aborto, ao uso da maconha, a mais mecanismos de voto, etc.
406
Base material para uma esquerda keynesiana. Em específico sobre estatismo, Engels comenta: “E
digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um
passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja
levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já
efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da
nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck
empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie ~e falso socialismo, que degenera de
quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização,
mesmo nos adotados por Bismarck, vã uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo
fosse socialismo, seria necessário inclui, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo.
Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por
sua conta as principais linhas térreas do pais, eu quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade
econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura
e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter
o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova
fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta
nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria
necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo,
a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos
prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um
homem muito esperto (Do socialismo tópico ao socialismo científico; Nota13, de Engels; fonte:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1880/socialismo/cap03.htm). A propriedade pública é
progressiva em relação à privada, pois desmistifica a “intocabilidade” desta última, mas nada tem de
socialismo ou “administração operária e democrática da empresa”. Sob relações capitalista, a
propriedade estatal é capitalista e tanto a é mais quanto mais busca o D-M-D’, o lucro.
operários é tomar as fábricas (não as destruir) – para isso, precisam destruir o Estado.
Ao contrário, esse não é por si mesmo um interesse estratégico dos servidores públicos,
por isso também pertencem à classe média.
407
Os marxismos sociológico (portanto, amputado e parcial) e sindicalista consideram quase todos os
assalariados proletários ou operários. Mais importante que definir um objeto é descrevê-lo; de qualquer
modo, localizá-los como um setor diferente do da produção é a mínima precisão conceitual aceitável,
tolerável; porque senão transforma-se num debate de conceitos, lógico-formal, de dicionário, de
definição pura.
408
Em “Aonde Vai a França”, L. Trotsky explica: “O proletariado produz armas, transporta-as, constrói os
arsenais em que são depositadas, defende esses arsenais contra si mesmo, serve no exército e cria todo
o equipamento deste último. Não são fechaduras nem muros que separam as armas do proletariado,
mas o hábito da submissão, a hipnose da dominação de classe, o veneno nacionalista. Basta destruir
esses muros psicológicos e nenhum muro de pedra resistirá. Basta que o proletariado queira ter armas e
as encontrará. A tarefa do partido revolucionário é despertar no proletariado essa vontade e facilitar
sua realização.” (Tradução extraída do site Arquivo Marxista na Internet.) Portanto, o reino da repressão
física necessita do reino do controle das ideias e valores para ser eficiente.
409
Participar das eleições e parlamento é algo, portanto, tático e não permanente; exigir direitos
democráticos contra ditaduras tem o mesmo sentido.
Pode haver, aqui e ali, concepções intermediárias e intermediadas, no entremundos,
ou de influência de uma classe sobre outra410. Mas estas são as concepções gerais a
guiar todos os pensamentos particulares e partidos, ou seja, tem materialista origem de
classe.
PARTIDOS FRENTE-POPULISTAS
1.
Partidos frente-populistas.
São organizações que, de uma forma ou outra, dizem aos trabalhadores que a mudança
vem pelo voto ou outro meio que não seja a destruição violenta do Estado burguês. Os
"anticapitalistas" são um exemplo; podemos agregar os reformistas, os centristas
(costumam ser as alas minoritárias no fenômeno que aqui descrevemos411), os neo-
estalinistas, os castro-chavistas etc.
410
O centrismo é um exemplo ao, sendo reformista, adotar aspectos do bolchevismo. No mais, a
tendência centrista tende a ser um fenômeno mais presente com a crise mundial, radicalizando
correntes políticas e formando novas, entre a concepção do reformismo e a revolucionária.
Outro exemplo é a concepção do lupemproletariado em defesa da liberdade individual total, prazer
imediato, não organização, não critérios etc. Jovens e parte da pequena burguesia podem ter mais
simpatia por tais concepções – base de parte do anarquismo.
411
“Quando se oscila à esquerda e afasta as massas do reformismo, o centrismo cumpre uma função
progressiva; não falta dizer que isso não nos impedirá, chegado o caso, de continuar denunciando a
hipocrisia do centrismo, já que a galinha progressiva acabará abandonada, cedo ou tarde, nas margens
do lago. Quando, por outra parte, o centrismo trata de distanciar os operários dos objetivos comunistas
para facilitar – sob a máscara da autonomia – sua evolução ao reformismo, cumpre uma tarefa que já
não é progressiva e sim reacionária. Esse é, na atualidade, o papel que desempenha o Comitê pela
Independência Sindical.”
"Mas, essas são quase as mesmas palavras empregadas pelos estalinistas", repetirá Chambelland; já o
escreveu. Seria inútil perguntar quem desenvolve uma luta mais séria e implacável contra a política
mentirosa dos estalinistas: o grupo de Chambelland ou a Oposição Internacional de Esquerda
comunista. Todavia, um fato é certo: a orientação de nossa luta é diametralmente oposta à da "luta"
dos "autonomistas", porque nós seguimos a trilha marxista, enquanto que Chambelland e seus amigos
seguem a trilha reformista. Com certeza não o fazem conscientemente: jamais! Porém, por regra geral,
o centrismo nunca segue uma política consciente. Acaso uma galinha consciente se sentaria para chocar
ovos de pato? Claro que não.”
“Em tal caso – poder-se-ia perguntar –, como se pode acusar de centrismo a dois antípodas como
Chambelland e Monmousseau? Entretanto, isso somente pode parecer paradoxo a quem não
compreende a natureza paradoxal do centrismo: nunca é igual a si mesmo e nem se reconhece no
espelho, ainda que bata o nariz contra o mesmo.” (Trotsky;
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/05/28.htm)
"Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados de atribuir os fenômenos multiformes e
contraditórios à pequena burguesia. E efetivamente, sob a categoria de "pequena burguesia", é preciso
que se inscrevam fatos, idéias e tendências que, à primeira vista, são incompatíveis. Possuem um
caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o movimento radical na reforma comunal; os
jacobinos pequeno-burgueses franceses e populistas (narodniki) russos; os proudhobianos pequeno-
burgueses; os anarossindicalistas franceses, o "Exército da Salvação", o movimento de Gandhi na Índia
etc. Um quadro ainda mais variado se apresenta se passarmos para o domínio da filosofia e da arte. Isto
2.
Os revolucionários.
Aqueles que veem a derrubada do Estado, pela revolução, como saída. Usam, pra isso, a
soma dos meios legais e clandestinos;
3.
As seitas.
Organizações ultra-esquerdistas, sectárias, auto-proclamatórias, anarquistas pós-
modernos, que desprezam a política como mediação, como caminho, entre o real e o
ideal, etc.
SÍNTESE
1. Partidos frente-populistas;
2. Filhos da atual sociedade capitalista surgida na década de 1970 e consolidada na
de 1990412;
3. Representam as numerosas classes médias urbanas com maiores tendências, por
razão da decadência capitalista, à esquerdização413;
4. Representam os anseios dos setores populares urbanos pelo instinto do número,
pelo voto;
5. Se apoiam na ideologia capitalista do sufrágio universal;
6. Possuem baixo peso operário;
quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isso quer dizer apenas que a pequena
burguesia é caracterizada por uma heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde
com o proletariado e passa para o lupem-proletariado; no alto, ela se estende à burguesia capitalista.
Pode apoiar-se nas antigas formas produtivas, mas pode depressa desenvolver-se também na base da
indústria mais moderna (novas classes médias). Não é de se admirar que se enfeite ideologicamente
com todas as cores do arco-íris. O centrismo no meio do movimento operário representa, num certo
sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa de qualquer espécie representa em relação
à sociedade burguesa em geral. O centrismo reflete os processos de evolução do proletariado, o seu
desenvolvimento político, assim como sua decadência revolucionária, ligada à pressão exercida sobre o
proletariado por todas as outras classes da sociedade. Não é de se admirar que a querela do centrismo
se distinga por tal variedade de cores! (...) é indispensável descobrir, por meio da análise social histórica
concreta, a natureza real do centrismo da espécie em questão." Fonte: Leon Trotsky – Revolução e
Contrarrevolucão na Alemanha.
412
O PT brasileiro surgiu como um partido operário clássico, com direção burocrática, a partir dos
sindicatos. Com as mudanças da década de 1990, tendeu a torna-se um partido anticapitalista; mas, por
sua origem, fico hibridado entre as duas formas.
413
A “classe média assalariada e precária” não estava clara e perceptível para Trotsky, sendo ele quem
melhor expôs o que é a moderna classe média: "Os principais efetivos do fascismo continuam a ser
constituídos pela pequena-burguesia e pela nova classe média que se formou: pequenos artesãos e
empregados do comércio nas cidades, funcionários, empregados técnicos, intelectuais, camponeses
arruinados (...) mil operários de uma grande empresa representam uma força maior do que a de um
milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas esposas e sogras". (p. 45, 46) "[A burguesia]
conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena burguesia, mas
também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-burguesia – a
burocracia operária". (grifo nosso.) (p. 284) (Trotsky, Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha.
São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011)
7. Frágil relação orgânica com os movimentos e os organismos de mobilização
(sindicatos, etc.);
8. Reúnem em si certas características "de luta", "de combate" por causa da
decadência social, pela fluidez das camadas médias que representam, para canalizar a
indignação para o voto;
9. Privilegiam algumas pautas democráticas – do direito do "indivíduo" – para
representar sua base, sua ideologia e por o capitalismo não permitir reformas de outro
tipo.
INDICAÇÕES:
“Disciplina é liberdade.”
Renato Russo
“O regime desleal eis o maior dos perigos. Certo, não conhecemos normas
imutáveis de moralidade nem que possam ser impostas de fora. O fim justifica os meios.
Mas o fim deve ser um fim de classe, revolucionário, histórico; então os meios não
podem ser desleais, desonestos, repugnantes. Porque a deslealdade, a má-fé, a
desonestidade, podem dar até certo ponto resultados muito ‘úteis’; mas se forem
aplicados, durante um longo período, eles solapam a própria força revolucionária da
classe, a confiança no seio de sua vanguarda.”
Trotsky, A Moral Deles e a Nossa, 1979, p. 144.
414
Artigo e relato completos em: http://blogconvergencia.org/?p=6227
“O movimento permaneceu ilegal desde 1919 até o começo de 1922 depois que o
primeiro choque das perseguições passou e os grupos e células se acostumaram a sua
existência ilegal, os elementos na direção que tendiam ao irrealismo ganharam força,
tanto e quanto o movimento estava então completamente isolado da vida pública e das
organizações operárias do país.
Então, eu, por minha parte, me dei conta pela primeira vez do completo mau da
enfermidade do ultra-esquerdismo. Parece ser uma lei peculiar que quanto maior é o
isolamento de um partido da vida do movimento operário, quanto menor é o contato
que tem com o movimento de massas, e quanto menor é a correção que este pode
exercer sobre o partido, tanto mais radicais se tornam suas formulações, seus
programas, etc. (…) Vocês vêm, não custava nada ser ultra-radical porque de qualquer
maneira ninguém lhe prestava atenção. Não tínhamos reuniões públicas, não tínhamos
que falar aos operários ou ver quais eram suas reações à nossas consignas. Assim, os
que gritavam mais forte em nossas reuniões fechadas se converteram em mais e mais
dominantes na direção do movimento. A fraseologia do "radicalismo" teve seu dia de
festa. Os anos iniciais do movimento comunista neste país estiveram mais que
consagrados ao ultra-esquerdismo.
(…)
O movimento teve uma vida interna muito intensa, até porque estava isolado e
voltado para si mesmo. As disputas fracionais eram ferozes e largamente
extenuantes.”415(Grifos nossos.)
Não pode existir democracia sem direitos para as tendências e as frações. Mas este
é um direito excepcional porque o surgimento de tendências e fracções é uma desgraça
para um partido centralizado para a ação. A discussão permanente em todos os órgãos
partidários é a mais grande ferramenta de elaboração política para um partido
trotskista. O partido deve viver discutindo sistematicamente. Tem que confrontar
experiências individuais ou de organismos distintos e setores de trabalho distintos para
que através do choque e da discussão surja una linha correta, a melhor resultante.
Porém esta virtude da discussão permanente se transforma no oposto quando um
partido vive discutindo permanentemente desde grupos organizados em frações e
tendências, e muito mais ainda se estas sobrevivem através do tempo (aqui notamos a
real origem de sua preocupação – comentário do autor). Quando isto ocorre, as frações
deixam de sê-lo para converter-se em camarilhas. O partido deixa de atuar em forma
unitária para e rumo ao movimento de massas para voltar-se para dentro, se paralisa,
cria um ambiente parlamentário de polémica permanente e inevitavelmente deixa de
415
Livro: A História doTrotskismo Norte-ameriano. Cannon. Fonte e livro completo:
https://www.marxists.org/portugues/cannon/1942/historia/cap01.htm
atuar de forma unitária e passa a ter como atividade principal a discussão, isto é, deixa
de atuar principalmente no movimento de massas. A discussão é um meio fundamental
e decisivo para nossa atividade, mas: só um meio. A existência de frações e tendências
permanentes transformam a discussão num fim em si e não num meio do centralismo e
da ação unida frente ao movimento de massas.416 (Grifos nossos.)
Naturalmente, grupos, assim como diferenças de opinião são um mal. Mas esse mal
é uma parte necessária do desenvolvimento dialético do partido, assim como as toxinas
o são na vida do organismo humano.
A transformação dos grupos em frações organizadas e fechadas é um mal muito
maior. A arte de dirigir o partido consiste precisamente em prevenir tal
desenvolvimento. É impossível chegar a tal ponto pela mera proibição.
(…)
Porque a tarefa não consiste em proibir frações, mas em evitá-las.417 (Grifo nosso.)
A DIALÉTICA DO REGIME
Ao mesmo tempo, há um acerto no erro de Moreno. Precisou adaptar o regime
partidário às duríssimas condições em que militara. Ou seja, a proposta dele seria
correta apenas conjunturalmente, mas nunca em permanência. Com o regime
partidário que propunha, ocorreu exato o que ele temia: “Assim evitaremos o grave
perigo de criar movimentos trotskistas com influência de massas que, chegado o
momento da ação, vejam-se anárquicos e incapazes de atuar com a centralização e
disciplina de um exército revolucionário.”418 Entretanto, foi isso de fato o que ocorreu
com o MAS da Argentina, criado por Nahuel, após adquirir influência de massas. Por
quê? Para responder em detalhes necessitaremos da dialética materialista.
416
Traduzido do Espanhol. Tese: El carácter de nuestro partido y de nuestra internacional – de: Teses
Para a Atualização do Programa de Transição. Fonte e livro completos:
https://www.marxists.org/espanol/moreno/actual/apt_4.htm#t38
417
Trotsky, Leon. STALIN, o grande organizador de derrotas. Sâo Paulo; Editora Instituto José Luís e Roa
Sundermann, 2010.
418
Idem ao 163.
A tendência geral da matéria é ir do simples ao complexo. Por exemplo, todo o
universo já foi composto por apenas um único/simples elemento da tabela periódica: o
hidrogênio. A gravidade, as supernovas, etc., por 13 bilhões de anos, fizeram surgir
elementos novos – quer dizer: um cosmos muito mais complexo419. Complexidade é,
necessariamente e inclusive, acúmulo maior de contradições, de diferenças internas.
Assim também acontece com partidos. Quando são marginais e sob ditaduras, precisam
de uma forma do regime; quando possuem influência de massas ou de vanguarda,
precisam mudar a forma de se organizar, senão implodem ou explodem. Podemos
formular, regra geral, o seguinte: quando a realidade e o partido estão mais complexos,
então o regime partidário deverá também tornar-se mais complexo.
Sugestivamente, Moreno descreve a realidade para justificar o afrouxamento da
democracia interna nos partidos:
Mais uma vez, citaremos Trotsky contra Nahuel Moreno. Ao afirmar o caráter
temporário e excepcional, quando na fase final da guerra civil na URSS, da proibição de
frações no partido Bolchevique; o fundador do Exército Vermelho explica:
419
A tendência do simples ao complexo é visto no todo; algumas partes deste todo, conectados e ao
contrário, podem ir do complexo ao simples. Exemplos: na medida em que o capitalismo amadurece
(todo) o trabalho tende a reduzir-se do trabalho complexo, especializado e de alta formação, ao
trabalho simples; a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, surgida no big bang, definha na medida
da expansão e complexificação do universo. Pode haver, também, negação da negação: do simples ao
complexo e, depois, do complexo ao simples.
420
Idem ao 163.
421
Idem ao 164. Pág. 203.
(…) Sem uma verdadeira liberdade na vida partidária, liberdade de discussão e
liberdade de estabelecer seu rumo coletivamente, através de agrupamentos, esses
partidos nunca se tornarão uma força revolucionária decisiva.422 (grifo nosso.)
Ainda sobre a dialética; quanto à forma (direção), é preciso considerar seu duplo
caráter: progressivo na medida em que preserva as conquistas, a experiência e a tradição
partidárias; regressivo na medida em que tende a ser conservadora, lenta, estável e a
ganhar mais ou menos autonomia em relação ao conteúdo (as camadas partidárias
abaixo da direção). Portanto, um regime centralista com democracia partidária deve
primar e, se necessário e possível, lutar para que o aspecto progressivo se sobreponha ao
regressivo ao que se refere a este caráter duplo da forma ou superestrutura. Aqui erra
Moreno. O regime que este propôs gera uma contradição forma-conteúdo tão logo uma
organização avance do simples ao complexo. Contradições acidentais, não-essenciais,
não-determinantes e relativas avançam, mesmo em silêncio, para contradições
permanentes, essenciais, determinantes e absolutas. Ao contrário do que pensa a lógica
formal, a contradição é o pai e a mãe do progresso; já a não contradição gera
monopólio, inércia, paralisia, não ou pouco movimento e, por fim, a morte; apenas
quando a contradição acumula-se por tempo demasiado, sem solução, sem salto de
qualidade, é quando o corpo degenera-se, ou sente febre altíssima, ou morre, ou
fragmenta-se423. Percebemos quanta diferença nos faz a dialética materialista!
Centralismo e democracia são, em um partido revolucionário, polos internos,
necessários, opostos, complementares e deve-se evitar o distanciamento um do outro ou
um excessivo domínio contraditório de um sobre o outro, e vice-versa. No partido, o
centralismo é uma reação à barbárie capitalista e necessidade de enfrentá-la, como a
greve, sendo uma expressão da barbárie, enfrentando o capital; a democracia representa
a necessidade do futuro, da desalienação e seu desejo, um leve sintoma do comunismo.
O capitalismo costuma empurrar-nos mais para a tendência centralista, com a
burocratização; no socialismo, a organização partidária, por outro lado, será cada vez
mais democrática, frouxa, aberta, pois tenderá ao completo desparecimento em uma
sociedade comunista; por hoje, ambos são completamente necessários, sendo a
democracia partidária o polo determinante.
Os fins justificam os meios, mas nem todo meio é válido. A democracia partidária
não é nem pode ser uma concessão da direção para sua base, senão, do contrário, tratar-
se-á de um “estalinismo esclarecido”. Todos os partidos estalinistas adotam o
centralismo; apenas partidos revolucionários procuram preservar em suas organizações
a superioridade da democracia interna bolchevique, polo determinante do centralismo-
democrático424.
Assim:
422
Idem ao 165. Pág. 206, 207.
423
Existem diferente medidas e níveis de contradição: as essenciais e não essenciais, determinantes e
não determinantes, relativas e absolutas, acidentais e necessárias; interno a um objeto e de relação
entre objetos etc. Necessitaríamos de espaço-tempo para desenvolver essas observações. Basta-nos,
aqui, um complemento: em nível concreto e subjetivo, a contradição é, de fato, em geral, um
desconforto – da tensão gerada por uma luta pura de ideias até a luta entre grandes monopólios
econômicos.
424
Apesar de seus erros na aplicação e teorização do centralismo democrático, Moreno soube perceber
que a grande diferença dos reais comunistas para com resto da esquerda é a defesa intransigente da
democracia operária nos sindicatos, nos partidos operários e nos Estados operários.
Centralismo democrático = supremacia da democracia, centralismo como aplicação
da democracia.
Centralismo burocrático = supremacia do centralismo, resquícios e aparência de
democracia como aplicação do centralismo. Uma inversão do polo determinante.
CONSEQUÊNCIAS
De forma preliminar, queremos escandir algumas consequências. Na medida em
que um partido torna permanente a proposta morenista, ocorre:
1. O partido vive um permanente ciclo crescimento-crise-ruptura;
2. Por isso, tende a estagnar em um tamanho estável;
3. Com a escassez de polêmica, atrasa-se a formação dos militantes e quadros;
4. Na medida em que a organização cresce, do simples ao complexo, o
organismo dirigente tende a ter autonomia, desloca-se, em relação a sua própria base.
São sinais de burocratismo;
5. Fica, a partir do quarto ponto, mais difícil a base controlar a direção;
6. Torna-se difícil perceber os erros e suas consequências na medida em que
faltam meios para expressar polêmicas;
7. Do ponto seis, as contradições inevitavelmente acumulam-se, tomando forma
fracional;
8. Via de regra, por causa da proibição, as frações/tendências já surgem
deformadas: na forma de disputas por cargos, frações de direção, grupos de amigos-
militantes, reuniões informais, frações secretas;
9. Psicologicamente, os militantes movem-se por fé, e não por confiar na
democracia interna; temem polêmicas; consideram toda diferença como divisão do
partido; a direção desenvolve arrogância e desconfia da base;
10. Tende a cometer mais erros políticos, com dificuldade de corrigi-los;
11. Ao impedir a existência de válvulas de escape, ocorrem rupturas, à esquerda e à
direita, por indivíduos e por grupos, em relação à posição oficial.
Para guiarmos os 11 pontos acima; Leon Trotsky explica que, nos momentos
centrais, a direção é sempre muito mais vacilante que a base:
“As bases do partido proletário são, por sua própria natureza, muito menos
suscetíveis à pressão da opinião pública burguesa. Mas certos membros do topo e
camadas médias do partido irão infalivelmente sucumbir em maior ou menor medida
ao terror material e ideológico da burguesia no momento decisivo. Não levar a sério
esse perigo é não saber lidar com ele. Não há, é claro, fórmula mágica contra isso que
sirva em todos os casos. Mas o primeiro passo necessário para lutar contra um perigo
é entender sua origem e sua natureza”.425
425
Idem ao 165. Pág. 163.
militantes conseguirão acionar 1/3 das regionais para convocação de um congresso
extraordinário? Como evitarão que a direção adie congressos? Em partidos pequenos
estas perguntas/contradições podem ser resolvidas com alguma facilidade. Mas: e
quando começarem a crescer?
Ao mesmo tempo, precisa-se evitar fracionalismos de todos os tipos. Um partido
pequeníssimo – constituído de uma única regional com 20 ou 30 membros – suporta,
por exemplo, boletins individuais com opiniões e propostas vindas da base. Porém, o
mesmo não serve a um partido com 3.000 membros, pois este viraria um clube de
debate e papéis; neste caso, a possibilidade de agrupamentos é a alternativa
saudável. Já em um partido com influência de massas, complexo, como o Bolchevique a
partir de 1917/8, pode-se, como ocorreu, publicitar polêmicas e propostas em espaços
específicos da imprensa partidária. São exemplificações para nos guiar a reflexão. Se,
por outro lado, um partido de vanguarda tem alta contradição interna, caso de uma luta
fracional prolongada, pode adotar aspectos de um partido grande ao divulgar suas
polêmicas aos simpatizantes – caso do SWP norteamericano na década de 1930. A
realidade costuma ser mais sinuosa que exemplos.
Assim também, o nível teórico da base, a experiência prática geral, a cultura
nacional (o brasileiro médio tem desprezo e inveja contra a inteligência), a conjuntura, o
tamanho do território onde existe, a composição de classe dos membros426, etc.: todos
estes elementos ajudam ou atrapalham, consciente ou inconscientemente. Para perceber
e corrigir, uma compreensão correta, dialética, do regime leninista faz total diferença.
A INTERNACIONAL
Em 1971, no congresso da IV Internacional, Mandel acusou Moreno de proibir
grupos internos. Este, sem demora, percebendo a tentativa de desmoralização,
respondeu aquilo que expomos: pode-se nos períodos pré-congressuais. Independente
disso, o fundador da LIT explica sobre o regime do partido mundial:
PEFIL MILITANTE428
A formação de militantes leva tempo e deve ser acelarada tanto quanto possível.
Um partido não consolidado nas massas tem de ter oficiais, e oficiais de reserva, não
soldados rasos; mas estes apenas se formam com teoria e prática. Considerado isto, a
disciplina externa depende do perfil de classe da organização, da conjuntura, do regime
interno, do acúmulo de acertos da direção, na confiança da base na política aprovada.
428
Há um livro de romance histórico-policial digno de nota, leitura quase obrigatória: O Homem Que
Amava os Cachorros, de Leonardo Padura. Trata da transformação de um militante aguerrido em um
cínico. Infelizmente, processo comum, que se retroalimenta, nas diferentes esquerdas.
É preciso recordar que o partido é um corpo humano, não uma categoria e
existência abstrata, autômata e impessoal (Zizek: fetiche do partido). Há um ponto ideal
de como o partido deve ser e proceder do qual devemos nos aproximar cada vez mais, e
tanto quanto possível; enquanto o afastamento disso pode tornar-se qualitativo,
degeneração (centrismo ou reformismo – mundaça de “ponto ideal” ou “referencial”).
Um dos critérios de um bom partido é a socialização do conhecimento, do acúmulo
dos quadros: uma elite de “conhecedores”, insubstituíveis, tende a degenerar a
organização. Exemplo prático: o marxismo rejeita o estilo manualístico, mas nada
impede manuais claros e completos sobre tudo relacionado à “atuação dos
revolucionários nos sindicatos”; assim, os novos podem, sem experiência prévia, saltar
seus níves de capacidade com velocidade maior. Por isso, podemos falar em
“reestruturação produtiva” nas organizações: nos call centers, por exemplo, os gerentes
possuem as noções do todo e das habilidades, enquanto os jovens entram e saem das
empresas, sempre substituídos, desprovidos de meios para desenvolver aprendizado
complexo; ao mesmo tempo em que o tarefismo, o produtivismo, impera. Processo
semelhante ocorre nas correntes: mantêm-se os dirigentes capazes gerindo quadros em
potencial e substituindo-os – muitas vezes, por esgotamento –, de tempos em tempos. E,
também de mesma natureza, reproduz-se na relação partido-vanguarda: limita-se a
formação da vanguarda, desenvolve-se mecanismo de dependência pelos quadros
partidários. Tal formato é desnecessário, pois, de um lado, a postura comunista no
movimento é qualitativamente diferente do de outras correntes (logo, qualquer ruptura
da vanguarda não nos prejudica); de outro, nossa obrigação é criar, ou recriar, nova
cultura sindicalista e entre os lutadores.
Para a próxima observação, contemos com esta decoberta de Moreno:
“Tínhamos lido marxistas prudentes que falavam da totalidade que era a social-
democracia alemã, para explicar porque não se devia romper com ela ou havia muitos
militantes que não queriam romper com ela. A social-democracia alemã era um
micromundo, que obtinha milhões de votos, tinha teatros, clubes, sindicatos, bailes,
bibliotecas, clubes de libertação sexual. Dentro dela havia respostas para quase todas as
inquietações e necessidades que poderia ter uma pessoa. Aqui também o socialismo, o
anarquismo e o estalinismo eram micromundos em suas épocas de esplendor. Tinham
orfeões (quer dizer, conjuntos musicais e coros), além de clubes e bibliotecas.”
“Estes micromundos estão imersos no verdadeiro mundo, a sociedade capitalista,
horrorosa, hostil. A vida dentro deles é muito mais linda que fora: parece que se
conseguiu o socialismo agora. Forma-se uma tendência centrípeta: quer-se viver dentro
do partido.”
“É uma tendência desgraçada: acreditar que já está solucionado tudo quando não se
solucionou nada, já que a sociedade capitalista continua aí, vivinha e serpenteando,
preparada para destruir com um bote o micromundo. Isto foi o que se passou com a
social-democracia alemã: Hitler a destruiu, e seus clubes, bibliotecas e sindicatos.”
(Problemas de Organização.429)
Isto exige debate moral, não moralista. A decadência geral também nos afeta.
Exemplo concreto: vários coletivos estudantis militantes de esquerda, fingindo não ser
colateral de um partido, com ar superior sobre a direita, em geral reformistas ou
centristas, usam o seguinte método, algo reconhecido publicamente: o militante tenta
ganhar outro ativista para sua corrente por meio do debate político, porém, se este
429
https://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/07/16.htm
demora e parece afastar-se, usa-se a “Tática 2”, a sexualidade como forma de cooptar
membros. Algo impraticável por comunistas. Sendo um exemplo concreto, trata-se de
uma forma de prostituição na política, não por sobrevivência pessoal, onde moeda de
troca é o crescer artificial do agrupamento. Um caso de como surgem os micromundos.
Quando descemos à prática, a teorização mostra algo condenável, quase indigno de ser
citado. Com quais argumentos combateríamos uma corrente oportunista de direta se se
apropriassem de tal fato para desmoralizar a diferentes correntes de esquerda?
Voltemos à causa nobre.
Cannon afirmou que todo bom comunista raciocina como marxista e sente como
anarquista. Isto pronuncia que os trotskistas são rebeldes, teimosos, consideram
disciplina como liberdade, admiram a coragem, expõem a verdade difícil, procuram
pensar com a própria cabeça, odeiam a rotina e aceitam as durezas das derrotas –
respeitando sempre os limites conjunturais e os talentos e características individuais. No
mesmo sentido, mas de outra forma, encerraremos com um protesto de Leon Trotsky:
430
Idem ao 165. Pág. 81.
PARA ALÉM DO PARTIDO LENINISTA?
2. Partido de vanguarda.
Nesta, dotado de algum acúmulo e programa, trata de atuar no movimento de massas,
necessitando intervir na mediação – a vanguarda. Tenta ganhar algumas posições vitais,
e minoritárias, nos movimentos sociais e no parlamento, enquanto procura convencer os
ativistas mais capazes do acerto de suas táticas conjunturais e estratégia.
São alguns riscos desta estapa: 1) elaborar políticas para impactar a vanguarda, quando
se deve propor políticas conjunturais, convencento os ativistas, para as massas; 2)
distanciar-se do método do programa de transição, usando palavras de ordem mais
radicais do que as exigidas pela conjuntura; 3) capitular aos erros da vanguarda; 4) no
acúmulo inicial de quadros, captando não operários (estudantes, servidores públicos,
etc.), torna-se incapaz de priorizar o trabalho – mais difícil, longo e necessário – nos
meios operários e precarizados431.
3. Partido de massas.
Sob o capitalismo, possível apenas em momentos raros e após acertos preparatórios
vitais da parte dos comunistas, a organização apenas pode manter-se majoritária se
garante a revolução nacional e serve de ponto de apoio à internacional. O partido deve
ter acumulado experiência teórica e prática para ajudar o planejamento da economia e a
manutenção, com todas as forças, da democracia socialista e da partidária.
Este instante, influência partidária de massas, ocorre ao lado da possibilidade de
revolução e guerra civil no país.
431
Trotsky chegou a propor ao SWP dos EUA que seus inúmeros jovens militantes, muito inteligentes,
passassem seis meses a um ano em duros trabalhos braçais no campo, em fazendas, para fins de
reeducação. Isto, hoje, soa absurdo e impraticável…
São alguns riscos desta etapa: 1) a direção do partido capitular à fortíssima pressão das
outras classes (caso, por exemplo, do partido trotskysta na revolução boliviana de 1952
e da direção do partido bolchevique até o retorno polêmico de Lenin); 2) os quadros
serem incapazes de formar novas colunas de direção partidária diante de seu
crescimento numérico; 3) incapacidade de elaborar política na situação inédita ao
organismo e, outra expressão disso, baixíssima capacidade militar de seus membros
(todo quadro deve estudar ciência militar, evitando cair em desvio geopolítico); 4)
perder noção do ritmo real e necessário dos acontecimentos históricos, atrasando ou
adiantando medidas e processos; 5) perder o tato do regime interno partidário.
Aqui, fica claro: um partido de fato comunista prepara uma fortíssima coluna de
quadros para dirigir greves e, democraticamente, o Estado. Algo longe dos partidos
sindicalistas. O Partido Bolchevique partiu de poucos milhares quase dispersos para
dezenas de milhares, em 1917, em poucos meses, porque formou seus quadros. Para
isso, também contou com a fusão com o pequeno partido Inter-barrios, de Trtotsky,
dotado de peso em Petrogrado e quadros de altíssimo nível (a nova direção do partido
bolchevique era formada por 1/3 de membros ligados a estes), incuindo habilidades
militares.
Estas são as três etapas necessárias. E eis o perigo: formar tais organismos com
demasiado atraso em relação à necessidade histórica. Pois as contradições sociais
aceleram todo aprendizado, mas há limites.
De uma a outra etapa e dentro destas, a evolução partidária se dá por saltos, não
por acúmulo quantitativo. Exemplo: ao acompanhar com grande êxito uma greve dos
frigoríficos argentinos, o pequeno e jovem grupo de Nahuel Moreno ganhou para a
organização dezenas de operários de vanguarda daquela importante luta; além disso,
acumulou capacidade, experiência.
Tentemos ir um pouco mais além.
As mudanças no capitalismo exigem mudanças na forma bolchevique de
organização? A urbanidade alta, por exemplo, exige adaptação? Em geral, na tentativa
de preservar esta conquista organizacional, evitamos encarar tal debate. E podemos
estar atrasados.
Observando a recente ruptura de trotskystas gregos com o Syriza e o FIT na
Argentina, podemos avaliar um pouco mais. Destas, elaborei a seguinte possibilidade
aos comunistas, caso haja dispersão: fundar um partido formal e legal, com presença nas
eleições, cujas correntes aceitas serão apenas as do tipo bolchevique, separando
reformistas de revolucionários. Esta articulação das organizações que reivindicam,
mesmo com críticas, o legado de Marx, Engels, Lenin e Trotsky partirão de acordos
comuns.
Serão condições de ingresso:
1) Programa revolucionário mínimo;
2) Considerar participação sindical e eleitoral enquanto táticas;
3) Adotar formalmente em seus estatutos o direito à formação de tendências e
frações internas temporárias;
4) Reinvindicar o internacionalismo proletário;
5) Nunca apoiar qualquer governo nacional liderando o Estado burguês, por mais
“progressista”;
6) Não intervir diretamente nos assuntos internos das demais correntes;
7) Às correntes são garantidas total autonomia de ação;
8) Congresso a cada dois anos para a) eleger a direção formal do partido legal (com
garantias contra hegemonismo, exemplo: nenhuma corrente pode ter mais do
que 50% da direção); b) dias de duros debates políticos e teóricos para
comparação de elaborações e busca por novas sínteses (não consensos) por meio
da polêmica (estas posições não serão votadas em plenário, sendo somente se de
caráter consultivo); c) votar a tática eleitoral.
9) No campo eleitoral, os mecanismos estatutários terão de dar alguma, não
absoluta, vantagem aos partidos com laços internacionais.
10) Evitar forçar fusões artificiais e precipitadas quando há inúmeras diferenças
táticas e programáticas. Isto seria um erro oportunista para colocar em crise
direção e base de outros organismos, por isso deve ser posto à mesa e em
estatuto logo na fundação, para fins de constragimento.
11) Proibir a formação de núcleos e organismos regulares entre correntes, pois
seriam meios de disputa parlamentar interna (ao modo dos partidos
anticapitalista), guerra por captação, meios de silenciar minoria e forma de
anular correntes ou contrangê-las.
Este modelo leva em conta: a) muitos ativistas sérios não desejam militar de
modo partidário – por isso oferecemos a possibilidade de fundarem organismos
autônomos ligados ao partido-movimento, onde este não é capaz de alcançar; b) tentar
preservar os organismos partidários da tendência a se tornarem meios para debater a
pequena política dos movimentos sociais, não o todo.
Enfim, oferecemos uma questão: é possível combinar, longe de confusão
degenerativa, as duas elaborações? Penso que não, mas fica o desafio, pois é quase
impossível encontrar tal nível de acordo estável entre correntes.
Estas duas formas apenas serão positivamente aplicáveis se somente não
entrarem em contradição com as características essenciais do partido leninista
(células432, jornal, centralismo democrático, perfil conspirativo, centralidade da
educação teórica, flexibilidade tática etc.) Enfim, são adaptações ou mediações – se
corretas e viáveis – para quando a formulação de um partido revolucionário encontra
duras dificuldades objetivas e subjetivas.
Sigamos.
Da concepção geral de Lenin, destacamos o mal compreendido “revolucionários
profissionalizados”.
A burguesia sempre buscou ter para si uma coluna de profissionais, burocracia
burguesa, formada por gente capaz ou de alto talento para diferentes funções: filósofos,
políticos, estrategistas, sábios, burocracia estatal etc. A classe trabalhadora e o
proletariado precisam, antes e depois da revolução, de sua coluna de gente destacada,
por fora do longo trabalho munual nas empresas, para que se desenvolvam e façam
trabalhos políticos profundos. Esta coluna de “burocratas” não é, nem deve ser,
burocratizada, pois isso significa que deixara de servir à classe para servir a si e/ou a
setores outros. E isso exige uma seleção dura daqueles a serem pagos para viver da
militância, seja qual for:
1) Seus salários devem ser a média nacional ou pouco mais para poder agir de modo
pleno (no Brasil, entre mil e quinhentos reais ou, em concessão, dois mil a um militante
de todo proficional), não a de um operário especializado e possivelmente parte da
aristocracia operária (algo entre quatro mil e cinco mil reais, tendo uma qualidade de
vida relativamente incomum em comparação à maioria) – se ganha mais e milita pouco,
menos de meio passo falta para a burocratização velada, porque o salário reduzido, não
ajustável de modo mecânico pela inflação, serve para o quadro sentir as mesmas dores
da classe. Ou sentirá problemas como inflação apenas quando saírem as estatísticas
oficiais…
2) Igual ao Comitê Central, os profissionais devem viver em bairros populares ou
favelas e, para evitar o duríssimo isolamento social (que também pesa sobre a
capacidade de calibrar a relação pensamento-conjuntura), de preferência viver perto de
familiares ou gente próxima;
3) Apenas pessoas testadas e provadas, no movimento operário e popular (não no
estudantil, sempre que possível), podem ser postas nesta posição.
4) A profissionalização de profissionais liberais (advogados, administradores etc.) deve
ser acompanhada por medidas contra as tendências oportunistas inerentes à sua
formação de classe: a) impedir de participar de frações, tendências e congressos gerais;
b) nunca tornar-se dirigente político de organismos; c) proibição de formar organismos
autônomos, mesmo grupos de estudos; d) ao entrarem no partido, tempo triplo de
aspirância relativo aos demais militantes; e) se possuem cargos em trabalhos sindicais
ou parlamentares, não poderão assumir qualquer cargo dirigente na vida interna
partidária.
Mészáros percebeu, como expressão dos limites do capital, que o setor destrutivo, a
produção militar, é uma prioridade hoje na medida em que gera produtos e vendas sem
necessidade de consumo de seus valores de uso. A isto, agregamos outra tendência: a
sempre possível luta entre Estados nacionais estimula, por si própria, como lei objetiva,
o alto desenvolvimento da maquinaria de combate. Derivamos as consequências a
seguir:
Igual como nas fábricas, o maquinário tem ganhado peso significativo no exército
burguês. Isto gera, em realidade, uma série de problemas insolúveis:
A)
Custos altos de construção e manutenção dos grandes aparatos (tanques, aviões, navios,
etc.);
B)
Máquinas caras e pesadas, de alta tecnologia, podem tonar-se inválidas, inúteis, por
explosivos e armamentos semiartesanais ou de baixo custo:
Israel não perdia um avião em combate desde 1982, por isso o incidente disparou todos
os alarmes possíveis. A derrubada, no sábado passado, de um caça F-16 do país pela
artilharia antiaérea de forças sírias leais ao presidente Bashar Al-Assad foi interpretada
como um passo preocupante na escalada bélica entre Israel e Irã, grande rival do país e
aliado do governo da Síria.
Segundo a versão de autoridades israelenses, o avião foi interceptado quando voltava de
uma ação em resposta à incursão no espaço áereo de Israel por um drone iraniano
operado a partir da Síria. Teerã negou as acusações e diz que Israel violou a soberania
síria com constantes operações aéreas.
(…)
Esta estrutura militar que estaria sendo montada por Teerã inclui a abertura de rotas e o
envio de equipamentos e armamentos para apoiar milícias xiitas patrocinadas pelo país,
entre elas o grupo libanês Hezbollah, outro inimigo de Israel.
Também fortaleceram o Hezbollah os conselhos do comando da Guarda
Revolucionária, o grupo militar de elite do Irã, e os mísseis de longo alcance que
suspeita-se que o Irã tenha fornecido.
434
http://gazetarussa.com.br/defesa/2016/08/29/combates-urbanos-terao-maior-eficacia-com-nova-
blindagem-do-armata_625111
Ao fim das rotas de transporte de armamento que atravessam a Síria está o Líbano,
bastião do Hezbollah. Ali é guardado um poderoso arsenal que vem crescendo nos
últimos anos. "O Hezbollah tem 100 mil foguetes no Líbano", estima Makovsky.
"Teme-se que o Irã tenha entregue alguns de longo alcance e alta precisão", destaca
Marcus. (…)
Marcus afirma que "Israel tem um grande problema estratégico em sua fronteira ao
norte". "Há uma grande preocupação com todos esses mísseis e a grande capacidade do
Hezbollah no sul do Líbano."
(…)
"Grande parte do armamento do Hezbollah está escondido sob a terra, em vilarejos, por
isso destruí-lo causaria muitas baixas entre civis e soldados israelenses nesse
território."435
C)
A formação de gente capacitada demora – trabalho complexo – e as baixas, as mortes
desses especialistas, podem ter um peso prático significativo.
De imediato, percebemos uma das razões de tantas guerras do pós-II Guerra terem
sido derrotas por exércitos rústicos contra os de enorme aparato. A Guerra entre URSS e
Afeganistão parece-nos um bom exemplo, pois o primeiro investiu em uma numerosa
invasão de tanques (trabalho morto ou fixo437) fracassada diante da resistência
guerrilheira (burguesa) da Al-Kaeda e dos camponeses. Exemplos semelhantes: Guerra
do Vietnã, revolução chinesa, revolução cubana.
D)
Por consequência, surge uma relação dúbia com a urbanidade. Nessa questão, o artigo a
seguir revela:
435
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-43130927
436
Para compararmos: diferente ocorreria numa guerra de rapina, tomar recursos de outro país, onde a
aviação e a marinha serviriam para assustar, guerra psicológica, suporte às tropas, monitoramento, etc.
437
Metáfora, pegamos emprestado e adaptamos os conceitos de Marx para a economia política.
438
Fontes: http://www.defesaaereanaval.com.br/russia-revela-novo-tanque-para-combate-urbano-
inspirado-na-experiencia-da-guerra-siria/
A matéria conclui-se com chave de ouro:
“Se você olhar bem, os conflitos armados no mundo ocorrem principalmente dentro
das cidades; ninguém se atreve a combater em campo aberto, pois isso levaria à
destruição instantânea [dos veículos blindados]”, observou o vice-diretor da
Uralvagonzavod, Viacheslav Khalitov.
E)
Sputiniknews.com
439
A arte da guerra / Nucolau Maquiavel ; traduçãoe notas Eugênio Vinci de Moraes. – Porto Alegre, RS:
L&P, 2013. Em diante, todos os comentários de Maquiavel possuem esta fonte.
440
Ao contrário do que supõe o raciocínio simplista e maniqueísta; golpes acontecem, em primeiro
lugar, por questões internas aos países, por luta de classes derivados de problemas econômicos – os
imperialismos oferecem suporte, apoio e patrocínio às mudanças de governo ou regime.
produção e manutenção. No sentido oposto, é importante para a infantaria armas cada
vez mais capazes e, ao mesmo tempo, mais leves e maleáveis; por isso, alguma redução
de peso e tamanho relativos é ideal para ajudar o combatente, para sua mobilidade e
economia de energia. Neste caso, do infante, nem sempre há correspondência necessária
entre reduções físicas e reduções de valor absoluto do armamento.
Agregamos fator vital, de síntese: a logística da guerra, tal qual para Roma em sua
decadência, é cada vez mais custosa.
FATOR HUMANO
A)
Os exércitos oficiais, principalmente os imperialistas, procuram oferecer aos
subordinados alguma qualidade de vida, a mais próxima possível da dos seus países
ricos; estes, desacostumados com a dificuldade e com o stress, tornam-se um problema
em si nos momentos mais difíceis do conflito. Outra em vez, ocorrem motins internos.
Guerrilhas, movimentos revolucionários e mesmo exércitos de países atrasados
possuem um material humano acostumado com a escassez, com o stress, com o risco e
com o limite;
B)
Ao mesmo tempo, os exércitos oficiais, dos Estados, têm um pouco mais de dificuldade
para dar aos seus a causa, o sentido da luta e a percepção de “nobreza no ato” – as I e II
grandes guerras estão cristalizadas na memória coletiva assim como a desmoralização
causada pelas guerras do Vietnã, Iraque e Afeganistão. Do outro lado, exércitos
religiosos (ISIS, etc.) ou subversivos e revolucionários possuem este fator ideológico-
disciplinador apurado;
C)
Os de baixo, os filhos dos assalariados, são a geração mais letrada, mais culta da
história humana. Como se sabe, inteligência somada à moral pode ser um empecilho
quando se deveria – apenas! – apertar o gatilho e obedecer;
D)
A tentativa de distanciar o operador do combate por aviões não-tripulados (drones) não
impediu o impacto psíquico sobre o soldado. Muitos pedem demissão ou a troca de
cargos, já que se sentiam angustiados com as consequências de seus atos. Nem todos
são sádicos; ainda mais se, não estando na zona de guerra, sofrem com a opinião pública
de seu país. Em verdade, estar em combate, em suas tensões e sob ameaça potencial,
facilita a mudança moral do soldado na medida em que a matéria determina a ideia.
Assim:
Há cerca de mil pilotos de drones trabalhando para a Força Aérea dos Estados
Unidos, conhecidos no meio como “18X”. A cada ano, 180 pilotos se formam em um
programa de treinamento realizado em duas bases da Força Aérea no próprio país. No
entanto, durante os mesmos 12 meses em que 180 pilotos se formam, cerca de 240
pilotos treinados pedem demissão, e a Força Aérea não sabe como explicar o fenômeno.
O site norte-americano Daily Beast publicou em janeiro um memorando interno
escrito pelo general Herbert Carlisle e direcionado ao chefe da Força Aérea, o general
Mark Welsh. Nesse documento ele afirma que “o aumento da saída [de pilotos]
prejudicará a capacidade de prontidão e combate do empreendimento MQ-1/9 [que
utiliza os drones Predator e Reaper, ‘predador’ e ‘ceifador’ em tradução literal] nos
próximos anos”. O general disse também estar “extremamente preocupado”.
(…)
Alguns pilotos dizem que a guerra com drones levou-os além de seu limite.
“Quantas mulheres e crianças você já viu incineradas por um míssil Hellfire? Quantos
homens você já viu rastejando enquanto sangram com as pernas decepadas em busca de
ajuda?”, perguntou Heather Linebaugh, ex-analista de imagens de drones, em artigo
publicado no jornal britânico The Guardian. “Quando se é exposto àquelas imagens
repetidamente, elas permanecem em looping na sua cabeça, causando uma dor
psicológica e um sofrimento que muita gente, espero, jamais vivenciará.”
“Foi apavorante descobrir o quão fácil era. Senti-me um covarde porque estava do
outro lado do mundo e o cara nem sabia que eu estava lá”, contou Bryant. “Senti-me
assombrado por uma legião de mortos. Minha saúde mental estava em pedaços. Eu
fiquei tão mal que estava prestes a me matar.”441
E)
No capítulo onde expomos a tese “imperialismo Sui Generis” tratamos da discrepância
numérica de infantes entre China e Japão. Este é um aspecto particular, nem sempre
presente e nem sempre presente do mesmo modo ao do exemplo entre os países
asiáticos citados. Porém, esta é uma questão real, e deve ser analisada caso a caso442.
Por outro lado, a alta concentração humana e urbana facilita lutas latentes contra as
guerras do capital, além de facilitar as rebeliões dos escravos assalariados.
F)
A teoria de Carl Von Clausewitz, sustentada na clássica luta entre aparelhos militares
formais, foi superada pela guerra irregular. A decadência do sistema, as questões postas
neste capítulo (maquinário, etc.) e o fato de estamos em uma época onde a luta de classe
ganha centralidade máxima geram este fato; guerras assimétricas, em rede, híbridas,
subsidiárias etc. são conceitos da arte militar oficial para expressar isso. Por isso,
também organismos extraoficiais, por fora do Estado, intervém de modo ativo nos
conflitos.443
441
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/traumatizados-pilotos-de-drones-dos-eua-pedem-
demissao-em-massa.html
442
Países atrasados econômica e militarmente, incluso quanto à tecnologia militar, compensam suas
fragilidades com o inchaço de suas forças armadas; caso, por exemplo, da Turquia, com, do ponto de
vista quantitativo, não qualitativo, um dos maiores exércitos do mundo.
443
Um dos mais bizarros casos da história humana e da arte da guerra foi protagonizado pelo exército
brasileiro. Um pequeno povoado, Canudos, surgiu em região isoladíssima do país, sob liderança de um
lunático. A ameaça representada pelo habitantes à república era nula, porém uma histeria coletiva se
abateu sobre os “líderes”: derrotar os monarquistas liderados por um falso messias… Na guerra, todos
os grandes heróis oficiais da guerra do Paraguai, todos os grandes quadros, foram, um por um,
humilhados por gente simples e sem instrução. Os nordestinos tinham as seguintes vantagens: 1)
intimidade com o terreno; 2) intimidade com o clima; 3) distância e isolamento; 4) caráter defensivo,
não expansivo; 5) força psicológica (fé, certeza de estar sendo injustamente atacados, primeiras vitórias
HIERARQUIA E MOBILIDADE
Por outro lado, Putin destacou que a indústria deve prestar especial atenção em criar e
melhorar o equipamento para as tropas de infantaria, já que "seu papel nos possíveis
conflitos armados é muito importante".
"Nosso objetivo é dotá-los das melhores armas, de armamento moderno, para elevar
substancialmente seu potencial de combate", assegurou.
A mobilidade e a capacidade de desdobrar-se em qualquer ponto do planeta no prazo
mais breve possível é fundamental para a capacidade de atuação da infantaria, indicou
Putin.444
táticas etc.); 6) tática de guerrilha (mobilidade, estressar o inimigo, sabotagem etc.) diante de um
inimigo concentrado e forte (um dos erros do exército oficial: avançar terreno com soldados
concentrados, facilitando servirem como alvos e impor confusão; ao lado disso, grandes canhões
ofereciam lentidão às tropas); 7) costume com situações muito adversas; 8) arrogância, sentimento de
superioridade garantida, na moral do comando e das tropas do Estado. No entanto, apesar das inúmeras
vitórias, aquela guerra desnecessária estava de princípio ganha para as forças federais, pois: 1)
contavam com logística nacional e, se preciso, internacional; 2) Canudos nunca objetivou, nem poderia,
destruir os adversários; 3) os sertanejos não teriam condições, por nenhuma hitópese, de ter um
projeto expansivo ou nacional. O relato dessa ridícula história – de fato heróica e emocionante apenas
ao lado oprimido – está escrita com maestria por Euclides da Cunha, Os Sertões – A Guerra de Canudos.
O balanço militar acima foi feito pelo autor do grande relato jornalístico. Se olharmos em pespectiva,
ações esdrúxulas são a regra das FFAA do Brasil: guerra contra o Paraguai em nome da Inglaterra, golpe
militar contra suposta ameaça comunista (e o desastre governamental), massacre contra indígenas,
ocupação do Haiti em nome dos EUA, ponto de apoio ao governo Temer avaliando a possibilidade de
um futuro golpe etc. A posição contra o nazismo na II Guerra foi uma das poucas ações corretas de tal
organismo. Então, percebemos o erro do centrismo no antigo PCB, partidão, ao considerar, desde a
tradição estalinista (etapismo), as forças armadas como forças progressistas, modernizadoras, parte do
“bom burguês” (sic.), setores nacionalistas etc. E, desde aí, erros táticos como a ANL etc.
444
http://www.defesanet.com.br/russiadocs/noticia/24629/Putin-propoe-que-Russia-desenvolva-
armas-roboticas/
Avancemos:
A)
A gestão do tempo e suas consequências ganha importância maior. Assim sendo, o
exército burguês tem uma dura desvantagem ao adotar uma hierarquia de comando
vertical, complexa, cheia de subdivisões e centralizada. Isto torna as forças armadas
lentas para ordenar, receber e executar ordens. Hierarquias como a do Exército
vermelho de Leon Trotsky, onde cada batalhão respondia apenas a um oficial, possuíam
decisão, ação-reação e mobilidade superiores. Neste ponto específico, assim igual
organiza-se o ISIS, além de permitirem autonomia de ação de suas células:
B)
Os oficiais e o alto comando das forças armadas são formados por gente “bem de vida”,
acostumados ao trabalho intelectual e à vida de poucos círculos sociais. Os grupos
militares subversivos, por outro lado, costumam ter no comando gente prática,
conhecedora dos aspectos prático da vida, com ligação orgânica com sua base social,
que entende a vida comum e a psicologia coletiva e estão acostumados a ter pouco. Esta
diferença do material humano – acentuada neste momento histórico –, uma diferença de
classe, determina perfis decisórios;
C)
Em nossa época, os exércitos burgueses procuram profissionalizar seus membros em
todos os níveis de hierarquia; o recrutamento militar obrigatório é um hábito mantido
em poucos países, como no Brasil. Isto tem algumas consequências: afasta seus
membros da vida real e da noção de como ela é para a maioria, a rotatividade de
moradia dos oficiais faz com que sofram solidão, depressão ou outros problemas
incapacitantes e semelhantes por não construírem identidade; e recebem uma qualidade
formal de vida que os “desadestram” para situações de colapso;
D)
A demora de um conflito aumenta progressivamente, como nunca antes, as despesas dos
exércitos burgueses oficiais por conta do que temos debatido (maquinário, baixas e fator
político). Hoje, a busca por superioridade coloca em questão uma singular contradição,
a de que a guerra torne-se um atoleiro… financeiro e político.
PROBLEMAS LATENTES
445
http://www.defesanet.com.br/terror/noticia/20847/ESTADO-ISLAMICO---ASPECTOS-OPERACIONAIS-
-Revolucao-Tatica-ou-Infantaria-Leve-na-Era-Global/
A)
Por os pontos acima levantados, o ISIS pode fundar a “guerrilha ofensiva”; aproveita a
lentidão do comando e do maquinário oficiais para substituir a tática “atacar-recuar” por
“atacar-desarticular” usando os princípio da guerrilha: armas leves, mobilidade,
hierarquia simples, autonomia das ações, sabotagem, propaganda e guerra psicológica;
porém, com caráter ofensivo, e não o defensivo do fraco em relação ao forte. Golias é
tão robusto, grande e alto que mal pode mover-se, lento e fácil de ferir, e – distantes
estão os olhos e o cérebro – pensa um pouco mais devagar. Como causa, os exércitos
burgueses estatais incharam-se para o enfrentamento inter-Estados, mas isso os coloca
em dificuldades latentes diante da luta entre classes;
B)
A altíssima urbanização – concentração alta de assalariados precários e desempregados
– torna a rebelião, a revolta e a revolução mais explosivas e potencialmente mais fortes;
C)
As milícias na polícia e nos exércitos, as máfias, as empresas de combate privadas
(mercenários), os salários baixos e a vida em si difícil para o chão da hierarquia – em
especial, na polícia –, colocam a possibilidade de rachaduras internas nestes aparelhos.
O próprio aparelho do imperialismo, a ONU, chega a pedir o fim da política militar
brasileira, dada a procupação com as consequências – ao próprio sistema, claro – de sua
degeneração (pedido negado, aliás):
D)
A urbanidade elevada fez surgir uma ampla categoria de assalariados armados nos
setores públicos e privados, porém precários;
E)
Por outro lado, a tradição, o conhecimento da arte da guerra e o poderosíssimo aparato
de espionagem (de drones do tamanho de uma mosca, passando pela internet, até
satélites-espiões) dão uma vantagem burguesa qualitativa neste ponto – além, é
evidente, em si, o poderoso e inchado aparato militar e de artilharia é uma notável
vantagem, à revelia do problema estrutural que se revela446; basta observarmos que a
Rússia pôde garantir a vitória de Assad na Síria pelo uso da aviação e marinha, ou seja,
relativamente (não absoluto) distante do “problema humano” de se enviar tropas
terrestres. A “guerra de quarta geração” (disputa ideológica, manipulação informativa,
ataque indireto ou “terceirizado”, ameaças por meio de manobras militares, propaganda,
vigília por meio da informática, guerras virtuais, etc.) está incluída, mas dá-se um peso
imaginativo demasiado sobre na medida em que, em real, corresponde às guerras
concretas ou em estado de latência – trata-se um recurso auxiliar e importante em uma
época de meios de informação/comunicação poderosos;
F)
“O proletariado, portanto, deve estar preparado para aproveitar esse momento de crise
orgânica (momento de crise na dominação burguesa, de contestação a sua hegemonia,
tanto porque essa classe falhou em uma grande empreitada para a qual solicitou apoio
popular, ou por conta de uma grave crise militar ou econômica) para aproveitar da
desorganização dos aparatos hegemônicos burgueses e da coordenação dos aparatos
estatais e dos próprios a sociedade civil para organizar e preparar uma batalha decisiva.”
“Mas essa capacidade por parte de nossa classe de aproveitar esse momento de
desorganização, por definição efêmero, pressupõe todas as pequenas batalhas e conflitos
anteriores, cada greve e conflito de classe, que foram as escolas de guerra que
prepararam o proletariado para o momento decisivo.”
“Vemos assim que muito longe de uma oposição polar entre dois momentos
marcadamente distintos estratégia de desgaste e pela decisão, guerra de posição e guerra
de movimento, são momentos complementares da estratégia proletária para a revolução
no “ocidente”, com predominância do segundo momento.”
“Uma correta coordenação entre os dois momentos, o saber transitar entre a guerra de
posição e a guerra de movimento, o saber apreender o momento em que a luta por
conquistar trincheiras deve se transformar na luta decisiva pela tomada do poder, é parte
446
Em si, as vantagens militares burguesas são superiores. Um exército revolucionário – onde as táticas
defensivas são subordinadas às táticas e estratégias ofensivas – tem de construir pontos nodais, de
estrangulamento do aparato inimigo, tornado um fardo por si mesmo, durante a crise revolucionária
(ex: o ataque “indireto” – aos recursos, combustível, comunicações, transportes etc. dos exércitos
inimigos). Em geral, guerras civis tendem a flutuar num tempo de 10 anos, algo abaixo ou acima;
sabemos: quanto menos durar, melhor. Porém, este é mais um dos elementos no cálculo militar. A
revolução russa, a guerra do Afeganistão (Al kaeda teve apoio dos EUA) e a trágica guerra civil síria
mostram a necessidade da política acertada como condição primeira da vitória e o internacionalismo
proletário prático, a solidariedade de classes, o apoio externo classista, como elemento necessário para
o triunfo da revolução em escala nacional. Uma organização mundial dos trabalhadores é condição sine
qua non.
essencial da arte revolucionária que apenas a experiência concreta, que certamente ainda
viveremos, poderá nos proporcionar.”447
G)
O preço dos armamentos e munições, a exigência de especialização para o uso de certas
armas, a dificuldade de achar armas e calibres homogêneos para uso em massa: estas
dificuldades não são menores. Portanto, não é verdade que o proletariado “está com a
faca e o queijo na mão”; revoluções sociais geram guerras civis, que são partos
dolorosos. O resultado do futuro ainda não está definido.
Em um artigo que serviu de base para este capítulo (Estado Islâmico – aspectos
Operacionais: Revolução Tática ou Infantaria Leve na Era Global, de Frederico
Aranha), encontramos uma observação intuitiva do autor:
Neste sentido, pode-se conjecturar que uma tal forma de organização é comparável
à que existiu entre o século quinto e o oitavo da nossa era, com o surgimento dos
nômades das estepes (Vândalos, Avaros, Godos, Magiares) e os árabes, todos capazes
de derrotarem os exércitos ocidentais graças a sua mobilidade extraordinária. Esta
comparação tem como objetivo colocar a perspectiva "revolução tática" para identificar
alguns elementos potenciais. A resposta do Ocidente para as invasões dos cavaleiros da
estepe é esclarecedora sob diversos aspectos para a nossa realidade contemporânea. Sob
os repetidos golpes, o Império Romano e o mundo carolíngio se desintegraram deixando
espaço para outros mais capazes combater as ameaças. No caos deste período surgiram,
em função das distâncias muito grandes e comunicações primitivas, inúmeros pequenos
exércitos aptos a garantir uma defesa eficaz. Desse modo, a solução foi a transferência
das responsabilidades militares à aristocracia local mais capaz de proteger áreas
nacionais contra invasões e ataques. O historiador Michael Howard (v.bibl.) observa a
este respeito: Não é de surpreender que um tipo de sociedade que pode garantir a
sobrevivência dos povos da Europa em tais condições, apareceu: as gerações seguintes
de historiadores deram-lhe o nome de 'feudalismo'.448
Esta verdadeira Skynet pretende reduzir tanto quanto possível a zero esta
contradição da guerra, o ser humano450.
“O documento não se refere aos drones nem aos mísseis comandados por humanos,
mas a armas autônomas que dentro de poucos anos a tecnologia de inteligência artificial
poderá desenvolver e isso significaria uma “terceira revolução nas guerras, depois da
pólvora e das armas nucleares”.”
“Especialistas reconhecem que existem argumentos a favor dos robôs militares,
como o fato de que reduziriam as perdas humanas em conflitos bélicos. Ao contrário
449
http://observatoriodaimprensa.com.br/e-
noticias/_ed778_google_reforca_suas_fileiras_na_guerra_dos_robos/
E: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/12/1386360-google-compra-empresa-de-robos-
militares.shtml
E: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/12/google-compra-fabricante-de-robos-boston-
dynamics.html
E: https://www.tecmundo.com.br/google/48256-google-adquire-empresa-de-robotica-boston-
dynamics.htm
450
Embora considerado muito improvável dos pontos de vista científico e intuitivo; a teoria filosófica
marxista, teoria da alienação – humanização das coisas na proporção inversa à coisificação dos homens
–, aponta esta hipótese “literária”: o maquinário autointegrado possuidor de autoconsciência, ou seja, a
criatura domando e destruindo o criador.
das armas nucleares, as autônomas não apresentam custos elevados e nem requerem
matérias-primas difíceis de obter para sua construção, de acordo com os signatários. Por
isso eles advertem que é “apenas uma questão de tempo” para que essa tecnologia
apareça no “mercado negro e nas mãos de terroristas, ditadores e senhores da guerra”.”
““Elas são ideais para assassinatos, desestabilização de nações, subjugação de
populações e crimes seletivos de determinadas etnias”, alertam os cientistas, que
propõem que a inteligência artificial seja usada para proteger seres humanos,
especialmente civis, nos campos de batalha. “Começar uma carreira militar nas armas
de inteligência artificial é uma má ideia”, advertem. Os cientistas comparam essa
tecnologia com as bombas químicas ou biológicas.”
Em suas épocas, Lenin e Trotsky mal tinham acesso ao artigo de luxo rádio,
imaginavam a TV por meio da ficção e é duvidoso que sequer tenham imaginado a
internet; percebemos que nossas questões técnicas são qualitativamente diferentes das
deles. E o que essas mentes raras diriam? Eis a tarefa coletiva dos marxistas atuais.
QUESTÃO CONJUNTURAL: A ETAPA HISTÓRICA PÓS-QUEDA DO MURO:
EM QUAL ETAPA HISTÓRICA ESTAMOS?
É verdade que a década de 1990 marca uma derrota com o fim dos Estados operários
(degenerados) e, por consequência, recuo na consciência das massas e degeneração dos
partidos vermelhos. Também é verdade, por outro lado, que se liberaram possibilidades
contidas pelo aparato estalinista, em todo o mundo, e a história deu razão ao trotskismo.
Como resolver esta equação? A resposta que oferecemos é esta: abriu-se uma etapa
reacionária mundial. E agora estamos à beira de uma etapa revolucionária ou
contrarrevolucionária (ambos os pólos irão se impor em variação e de novo). A hipótese
alternativa é a de que, além das etapas revolucionárias e contrarrevolucionárias, há
outras, onde, neste caso, com a queda do Mudo de Berlim, entramos numa etapa
reacionária mundial. Um exemplo, nível de nação, em Moreno:
“Por exemplo, nesta etapa de revolução iminente que vivemos a nível mundial desde
1943, muitos países atravessaram ou atravessam etapas contra-revolucionárias a nível
nacional (Indonésia, o Cone Sul latino-americano, a URSS, etc). Outros países
mantiveram-se em etapas de pouca luta de classes, de equilíbrio na relação de forças
entre o proletariado e a burguesia, quer dizer, etapas não-revolucionárias (quase todos
os países imperialistas e muitos semicoloniais). E outros que já mencionamos,
finalmente, que são os que marcam a dinâmica, o signo da etapa revolucionária,
atravessaram etapas revolucionárias que levaram ao triunfo da revolução, que foi
abortada ou congelada, ou que foi derrotada.” (Revoluções no século XX, 1984;
extraído de: https://www.marxists.org/portugues/…/1984/mes/revolucoes.htm)
“Da mesma forma, dentro de uma etapa podemos encontrar diferentes tipos de
situações. Uma etapa revolucionária não pode deixar de sê-lo se a burguesia não
derrotar duramente, na luta, nas ruas, o movimento operário. Porém, a burguesia, se
tiver margem, pode manobrar, pode convencer o movimento operário que deixe de
lutar. Assim se abriria uma situação não-revolucionária, porém a etapa continuaria
sendo revolucionária, porque o movimento operário não foi derrotado. Inclusive, a
burguesia pode reprimir, sem chegar aos métodos de guerra civil, o movimento operário
e impor derrotas que o fazem retroceder, abrindo uma situação reacionária, porém
continuaria estando dentro da etapa revolucionária. Por exemplo, o governo de Gil
Robles, que ocorreu no meio da revolução espanhola, iniciada em 1931, foi um governo
reacionário que reprimiu duramente o proletariado e criou uma situação reacionária.
Porém, ao não ser derrotado o conjunto do movimento operário espanhol, a etapa
continuou sendo revolucionária. A melhor prova disso é que poucos anos depois
estourou a guerra civil.” (Idem.)
Assim, fomos duramente derrotados, entretanto não anulados por nazismos, invasões
imperialistas à URSS etc. Disto vale recordar: os movimentos anti-restauração, como a
confusa e heroica luta chinesa, que se encerrou no massacre na Praça da Paz Celestial,
nem sempre geraram democracia burguesa, não mudaram o regime político. Mesmo a
Rússia fechou seu regime, de democracia para semibonapartismo, pouco após seu
retorno ao capital.
A etapa é determinada, em primeiro, pela relação de superestrutura objetiva –
instituições, Estado, partidos, organização etc. – derivada de uma determina correlação
de forças entre burguesia e proletariado. Ao lado da queda do aparato stalinista ocorreu
a restauração do capitalismo, mecanismo que fez recuar a consciência das massas,
degenerou e fragilizou organizações (Vendaval Oportunista, caracterização da
organização LIT-CI), fortaleceu a posição burguesia no cenário mundial, impôs-se
derrotas a movimentos contra o neoliberalismo.
A CRISE MUNDIAL E A NOVA SITUAÇÃO DAS PAUTAS DEMOCRÁTICAS
E DAS LUTAS DOS SETORES OPRIMIDOS. POPULAÇÃO
A)
A crise conjuntural do capitalismo soma-se a sua crise estrutural-orgânica e de era. Não
há apenas superprodução: toda nova tecnologia e novas mercadorias em velocidade são
consumidas, rapidamente baixam os preços e rapidamente ficam saturadas no mercado.
Um dos mecanismos da burguesia para sair da crise é desbravar e criar novas fontes de
lucro, mas encontra hoje dificuldade nisso. A legalização da maconha, a permissão de
aborto pago e o mercado de consumo LGBT ajudam nesse sentido, o da criação de
novos mercados lucrativos.
“Foram US$ 70 milhões (R$ 272 milhões) de receitas geradas, quase o dobro dos
US$ 40 milhões (R$ 144,5 milhões) previstos.”
“E o que fazer com esse ótimo problema a ser resolvido? A resposta foi um dia de
venda de maconha legalizada livre de impostos.”
“Ou seja: todos os consumidores que passaram pelas lojas oficiais nesta quarta-feira
(16) economizaram cerca 25% do valor da compra.”451
B)
Ao mesmo tempo em que a burguesia pode chegar a permitir novas liberdades para fins
de lucro, ela precisa reduzir uma série de mecanismos de democracia por onde as
massas tendam a exercer sua autonomia. A burguesia sente a decadência da sociedade e
reage por antecipação.
C)
451
http://exame.abril.com.br/mundo/colorado-recolhe-r-272-mi-com-maconha-e-tem-dia-sem-
imposto/
O principal obstáculo a alguns direitos democráticos (uso da maconha, aborto,
direitos LGBTs) é a superestrutura subjetiva, as ideologias e, a partir disso,
organizações que se apoiam na ideologia para fins próprios (Igreja, políticos, partidos,
etc.). Por isso, investe-se – no campo burguês – em figuras públicas com moral,
exposição de exemplos positivos, usa-se a mídia, fazem do Uruguai e outros países um
“laboratório de teste” e propaganda, apela-se à ciência e à medicina. Usa-se também,
pelos conflitos ideológicos, mediações: inicia-se o acesso ao direito pela via estatal e
gratuita para logo após abrir à iniciativa privada, preparar adaptações, transições,
liberações controladas e parciais. No caso do Brasil, parte dos direitos dos LGBTs foi
conquistado via judiciário como meio mais seguro, com autoridade popular e menos
conflituoso.
D)
Há que ressaltar que é uma disputa em aberto, inclusive é parte de um racha entre
setores burgueses. O que existe é o fortalecimento de um dos polos, de uma tendência
ao direito. Porém, o guia burguês é o lucro; se há, como exemplificação, uma queda
violenta e tendencial da gestação, o capital precisa que o proletário – aquele cuja força
de trabalho e a prole são suas únicas propriedades – e demais assalariado renovem o
estoque desta mercadoria especial, o trabalhador. Como veremos, há uma dura queda da
taxa de crescimento da população mundial com a urbanização, pós-1970:
(…) O declínio da taxa de reposição populacional, isto é, o número que filhos que
uma mulher deve ter para que a população total de um país não diminua nem aumente, é
de 2,1: duas crianças substituem os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar os
indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva. Coloca-se que 1,9 é uma
taxa limite e que o 1,3 que a Alemanha e muitos países europeus convivem, é
irreversível. É uma pirâmide invertida.
(…)
Entre 1985 e 2010, a Bulgária passou de uma população de cerca de 8,9 milhões de
habitantes para 7,2 milhões, uma perda de mais de 1,5 milhão de pessoas. Em um
cenário de alta fecundidade, o país deve fechar o século com 6,2 milhões de habitantes,
segundo estimativas da ONU. Caso a baixa fecundidade se mantenha, esse número
cairia para 1,7 milhão.
O Brasil, por outro lado, enfrenta um prognóstico diferente. Caso o País tenha uma
fecundidade alta, serão 330,8 milhões de brasileiros até o final do século, a maioria
deles jovens. Com baixa fecundidade, o país perderá quase metade de sua população
atual, chegando a 107,1 milhões de habitantes.
452
http://jornalggn.com.br/noticia/os-riscos-do-crescimento-demografico-negativo-na-europa
Devemos recordar que foi parte da decadência imperial romana a necessidade de
guerrear para ter mais e manter a quantidade de escravos nos campos de trabalho.
Inevitavelmente, isso gera fenômenos inéditos:
“A legislação vigente, que data de 1993 e é considerada uma das mais restritivas da
Europa, só permite a interrupção da gravidez em caso de estupro ou incesto, quando
representa um risco para a saúde da mãe e quando o feto apresenta más-formações
graves.”
“A mobilização das mulheres polonesas "nos fez pensar e foi uma lição de
humildade, (...) avaliamos a importância destes protestos e a boa intenção de grande
parte dos que protestaram", explicou o vice-primeiro-ministro Gowin.”453
453
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/10/apos-protestos-de-mulheres-polonia-recua-na-
proibicao-total-do-aborto.html
454
Este problema pode ser relativizado em parte pela imigração, como no Canadá. No mais, de modo
análogo, a morte de um terço da população europeia por razão da peste negra no final do feudalismo
foi um fato importante para a substituição do sistema, pois gerou problemas na capacidade de
produção feudal e mão de obra, o que abriu espaço para o capitalista comerciante.
Portugal vive um grave problema de envelhecimento da população. As mulheres
têm cada vez menos filhos e a opção de ser mãe é tomada cada vez mais tarde. Com a
atual crise económica, a situação poderá agravar-se.
"A crise poderá ter um efeito nos casais, em particular nas mulheres que ainda não
tem filhos e que querem ter pelo menos um filho e que já adiaram muito", defendeu.
As mulheres com mais de 35 anos, que "não podem adiar muito mais" só têm duas
opções: "ou renunciam completamente a ter filhos ou independente da crise poderão
recuperar esse adiamento e terem pelo menos um filho mesmo em tempo de crise".
Ou seja, "a crise pode ter aqui dois efeitos" e "o futuro vai ser uma conjugação
destes dois efeitos".
Adiar o nascimento do primeiro filho é uma tendência que se vem registando nas
últimas décadas em Portugal: nos anos 60 era habitual as mulheres serem mães aos 25
enquanto nos últimos tempos a maioria decide ter filhos quando passa a barreira dos
30.455
455
http://www.dn.pt/ciencia/saude/interior/amp/crise-aumenta-taxa-de-natalidade-em-mulheres-
mais-velhas-2308308.html
Mais: 1. http://www.dn.pt/sociedade/interior/e-ao-fim-de-cinco-anos-portugal-voltou-a-ter-mais-
bebes-4984930.html
2. http://sicnoticias.sapo.pt/economia/2012-02-16-crise-pode-contribuir-para-que-decisao-de-ser-mae-
seja-tomada-cada-vez-mais-tarde
3. https://www.publico.pt/2013/05/28/sociedade/noticia/portugueses-estao-a-adiar-o-nascimento-do-
primeiro-filho-por-causa-da-crise-1595717
Gráfico Global de fecundidade (2015)456:
“Hoje, os presidiários produzem de tudo, por quase nada. Por exemplo, eles
produzem 100% da maioria do material usado pelos militares: capacetes, uniformes
completos, cinturões de munição, veste à prova de balas, crachás, bolsas e cantis. E
equipamentos mais sofisticados, como óculos de segurança com visão noturna,
armaduras, dispositivos de rádio e comunicações, componentes para canhões antiaéreos,
caça-minas e equipamentos eletro-ópticos.”
“(..) Além disso, os prisioneiros fornecem, para todo o mercado, 98% dos serviços
de montagem de equipamentos, 92% da montagem de fogões, 46% das armaduras
fabricadas, 36% dos aparelhos domésticos, 30% dos fones de ouvido, microfones e alto-
falantes e 21% dos móveis para escritório. Também fabricam peças para avião,
suprimentos médicos e até mesmo treinam cães para cegos.”458
456
Fonte: The World Factbook, CIA. https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/fields/2127.html
457
Na América, o capitalismo “mercantil” utilizou trabalho escravo negro por uma única razão, falta de
mão de obra abundante e disciplinada.
458
http://www.conjur.com.br/2014-set-13/fimde-trabalho-presos-eua-forte-controverso-nunca
Graficamente, a expansão nível de aprisionamento459:
Apesar de a escravidão ter sido expressamente abolida em diversos países, seu uso
continua disseminado pelo mundo sob a denominação de “formas contemporâneas de
escravidão”.
O trabalho escravo na economia privada gera, a cada ano, US$ 150 bilhões de lucros
obtidos de forma ilegal.
Estudos realizados em 2005 e 2009, por outro lado, apontaram também que as vítimas
de trabalho forçado deixam de receber pelo menos US$ 21 bilhões a cada ano em
salários não pagos e taxas de recrutamento ilegais. O trabalho doméstico, a agricultura,
a construção, a manufatura e a indústria do entretenimento estão entre os setores mais
afetados globalmente pelo problema.
A região com a maior prevalência (definida como o número de vítimas por mil
habitantes) é o centro e sudeste da Europa (compostos por países que não integram a
União Europeia) e a Comunidade de Estados Independentes (4,2 por 1.000 habitantes).
Em seguida, estão a África (4 por 1.000 habitantes), Oriente Médio (3,4 por 1.000
habitantes), Ásia-Pacífico (3,3 por 1.000 habitantes), América Latina e Caribe (3,1 por
1.000. habitantes) e, por fim, as economias desenvolvidas e a União Europeia (1,5 por
1.000 habitantes).
Na outra ponta, a decadência social pode ser medida também pelo nível de respeito
para com os envelhecidos, os aposentados. O capitalismo é, cada vez mais, como a tribo
a colocar os velhos em cima de uma árvore para balançá-la e testar, assim, quem ainda
tem forças para manter-se firme e viver:
[Título:] Idosos gregos tentam virar ônibus da polícia em protesto por cortes em
aposentadoria.
460
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf
Os idosos protestavam contra cortes em aposentadorias. As medidas fazem parte do
pacote de ajuste fiscal negociado entre o governo grego e seus credores.
461
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37553763
da população absoluta (considerada do ponto de vista capitalista) com a
superporpulação relativa, automação e desemprego.
Abramos uma diferenciação. A discussão levantada tem relação categorial relativa,
relacionada ao externo; por exemplo: a superprodução crônica está definida pelos
limites da capacidade de elevação do consumo das massas sob o capitalismo, mesmo
que esta ainda morra de fome e hipoteticamente, desconsiderando as leis do sistema
(abstração), possa elevar muito sua capacidade de acessar as mercadorias. Assim igual,
a superconcentração urbana mostra-se como superpopulação humana em relação aos
limites internos do capital, portanto deixa de ser algo em si para ser medida por suas
consequências sistêmicas.
Verificamos esta observação geral por Marx, O Capital I:
Contra superpopulação
A política do filho único entrou em vigor entre o fim de 1979 e 1980. O objetivo
era de reduzir os problemas de superpopulação da China. Segundo especialistas, as
medidas serviram para evitar que a população atual do país fosse de 1,7 bilhão de
habitantes, contra os atuais 1,3 bilhão
Os efeitos da política também já estão claros. Nos últimos 15 anos, metade das
escolas primárias e secundárias da região de Rudong fecharam e cerca de 30% da
população já tem mais de 50 anos – uma bomba demográfica prestes a explodir, por
causa do aumento dos gastos com previdência social e da queda do número de
trabalhadores.
"Por isso, cerca de 90% dos casais já elegíveis para ter mais um filho optaram por
não fazê-lo", diz. "E as mulheres que querem ter mais de dois filhos continuarão
sofrendo com o brutal controle do Partido Comunista sobre seus corpos e sua
fertilidade."
A norma, criada nos anos 1970, limitava a maioria das famílias chinesas a ter
apenas um filho, apesar de haver exceções.
A política do filho único teria impedido cerca de 400 milhões de nascimentos desde
que teve início, segundo estatísticas do governo chinês. Este número, no entanto, é
contestado por outros especialistas.
Em 2007, a China afirmou que apenas 36% de seus cidadãos estavam limitados a
apenas um filho, por causa de diversas mudanças na política feitas com o passar do
tempo.
Uma vez que o capitalismo toma todos os poros do mundo; a renovação populacional
tende a estagnar – e decair. Torna-se um limite histórico tendencialmente para o
aumento da demanda. Então: o aumento da composição orgânica do capital, maquinário
e matérias-primas, incluso para fins de fusão dos valores de uso, ganha importância
462
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/china-acaba-com-politica-do-filho-unico-e-permitira-
dois-filhos-por-casal.html
463
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/por-que-a-politica-do-filho-unico-virou-uma-bomba-
demografica-na-china.html
econômica para gerar um superpopulação relativa, sobrante, de desempregados. A
altíssima urbanização tende a excassear a superpopulação latente, aquela que se desloca,
desempregada, do campo para a cidade. Tal tipo de população sobrante é necessária
historicamente, como lei, ao capital, a fim de colocar cada vez mais braços à disposição;
uma vez que a concentração urbana atinge níveis cada vez mais absolutos, surge o
elemento de crise. A imigração para o país resolve isso apenas como medida paliativa,
assim como esvaziamento de cidades menores; por isso, trata-se de uma das razões de o
setor produtivo evadir-se dos países centrais para China e Índia. Os países mais
avançados alcançaram antes, logo após o pós-Guerra, tal nível de urbanidade, estímulo à
automação e fuga de capital produtivo.
Os trabalhadores pauperizados, como os da periferia urbana, tendem a ter mais filhos;
mas tendem, por outro lado, a ter pior saúde e maior mortalidade – dentro de uma
sociabilidade urbana constrangedora da natalidade, relativo ao campo. Pensemos, por
exemplo, nas maiores possibilidades de epidemia e pandemia desde 1970 ou doenças
sexuais como a AIDS cuja probabilidade desses males é maior entre de baixa renda – e
baixa instrução – e na medida em que entramos num momento histórico de precarização
mais acentuada das classes não proprietárias.
O problema do excesso ou falta de população, fica demonstrado, não é um problema em
si ou base principal da crise do sistema.
Toda pesquisa profunda deve descobrir e selecionar os fatores centrais e gerais a
determinar as tendências. Ainda assim, o artigo abaixo nos parece um complemento
interessante e em confluência com a totalidade desta obra:
O sêmen dos ocidentais é pior agora do que há 40 anos, muito pior. Em duas das
variáveis que determinam sua qualidade, concentração de espermatozoides por mililitro
e quantidade total de espermatozoides, os números diminuíram a menos da metade. Se a
causa continuar desconhecida e sem solução, em poucas décadas pode ocorrer uma
epidemia de infertilidade masculina.
E)
Quanto à questão da manobra “reação democrática”, há que fazer uma
diferenciação: regime democrático é diferente de reação democrática. No segundo caso,
são medidas para desviar a vontade e a energia das massas para plebiscitos, votos,
referendos, constituintes, etc. sem necessariamente mudar o regime. É o caso do Egito
onde a ditadura fez uma eleição após 2011 para tentar desviar a vontade popular e
manter o exército no poder. Dito isso, ao que se apresenta, o imperialismo sabe que a
realidade tende a ser mais instável em boa parte dos países e que maiores liberdades
democráticas podem ocasionar a “perda do controle”; prefere ações mais lentas,
conservadoras e mais estáveis, sem muitos riscos, sem dar espaço demasiado e procura
cansar o inimigo. Sente-se um pouco mais à vontade para esta ação na medida em que
a) não há Estados operários como referência, b) inexistem partidos revolucionários de
massas ou como referência para a vanguarda mundial e c) a classe operária é dispersa
nesses processos. Ou seja: as bases que alimentaram a saída democrática e a reação
democrática como tática imperialista foram relativizadas, mas ainda são táticas
extremamente válidas ao capital.
Então, está aberta a temporada de todo tipo de golpes e autogolpes novos e exóticos nos
Estados. Por diferentes e às vezes inesperados caminhos, golpes reacionários, que não mudam o
regime ou o mudam apenas parcialmente, e contrarrevolucionários, que mudam todo o regime,
serão cada vez mais comuns, como em Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016),
Turquia (2016, tanto a militar quanto a promovida pelo próprio presidente464), Nicarágua
(2016), etc. Seja qual for sua forma – grega, burguesa ou socialista –, a democracia apenas
prospera e se mantém a médio e longo prazos se há paz social, ou seja, alguma qualidade de
vida e correspondente concentração humana na urbanidade, em principal.
464
http://www.esquerda.net/artigo/erdogan-manda-prender-deputados-da-oposicao/45293
Há a degeneração da democracia burguesa pela alta urbanidade, de um lado, e crise
sistêmica, de outro; o empobrecimento da maior parte dos setores não operários
fragiliza a base social para golpes fascistas e bonapartistas, aqui e ali, abrindo espaço
para a mediação da semidemocracia burguesa, ou seja, semibonapartismo; a isto se
soma os golpes reacionários, não contrarrevolucionários, se e enquanto faltarem
condições sociais para implementação de (semi)fascismos. As crises sistêmicas do
feudalismo medieval e do escravismo romano apresentaram duas tendências: o
“despotismo esclarecido”, a mediação com o futuro, tema já debatido em sua forma
burguesa, e regimes de Estado contrarrevolucionários, fechados em extremo. Em que
medida o Estado burguês poderá ainda implementar tais condutas, nazismos e
monarquias, para etapas contrarrevolucionárias nacionais, tornando-se prévia da
transição à barbárie ou socialismo, trata-se de um assunto que apenas a política, luta de
classes, pode resolver – considerando que sempre é preciso base social, camponeses e
classe média aristocrática, ambos cada vez mais escassos em si e relativo aos demais
setores não burgueses, para implementar tais regimes; algo cada vez mais difícil e pouco
provável de estabilização social. Por isso surge a extrema direita eleitoral, cujas bases
são as classes médias, e seus governos reacionários, não contrarrevolucionários. Em
diferentes países, esta relação de classes – com a tendência geral exposta – é desigual,
influenciando as diferenças de regime político entre as nações465.
Disto podemos antecipar: nesta crise final, processo sistêmico, mesmo palavras de
ordem democráticas e reformistas (ex: em defesa do Estado de Bem-estar Social, contra
a guerra, sair do Euro etc.) tenderão a se tornar transicionais, molas da revolução
mundial. A burguesia tentará fechar os regimes políticos, mas terá dificuldades internas
mais intensas que em outros períodos históricos, ou seja, associam-se lutas democráticas
e trasicionais por o capitalismo ter deixado de ser uma força progressiva historicamente.
Isto nos permite um debate conjuntural: hoje, as pautas democráticas têm maior peso
nos países imperialistas (contra o Euro etc.) e as transicionais ganham maior
importância nos países atrasados; porém, mantém-se a fórmula geral em que os países
mais maduros necessitam mais das palavras de ordem de transição (um dos erros da
esquerda marxista europeia, já destacado por Moreno, em O Partido e a Revolução, em
polémica contra Mandel: focar em demasia nas pautas democráticas, pois sem combiná-
las com as transicionais) e nos países atarzados as palavras de ordem democráticas,
como a luta anti-imperialista, possuem peso realtivamente maior (necessariamente
associadas às de transição).
Vejamos o caso venezuelano. O exército era incapaz de impedir por meio de um regime
de todo fechado a insatisfação das classes trabalhadoras daquele país; Chavez, então,
conseguiu mediar a situação por meio de um regime semiboapartista, do despotismo
esclarecido burguês e controle das organizações de esquerda por meio de um partido
465
Percebemos que a China é uma bomba-relógio: urbanização acelerada, classe operária concentrada,
enorme população, crise econômica cada vez mais próxima e campesinato empobrecido em um longo
“regime fascista senil”.
unificado burguês frente-populista. Já em inúmeros países do Oriente Médio a
degeneração do tecido social gerou regimes teocráticos.
F)
Países muito rurais e pobres tendem à ditadura bonapartista. Os urbanos e com alta
qualidade de vida podem (tendem a) adotar, pela inflência estrutural, o
parlamentarismo. As combinações podem ser inúmeras e classificáveis a priori. Se o
segundo exemplo muda com o fim da alta qualidade de vida, o regime da urbanização
consolidada podem ser, pela inflência conjuntural, o fascismo ou a democracia
socialista.
Dada a base estrutural (perfil da economia, da ocupação territorial, das classes etc.),
rastreamos o histórico no presente e o papel da conjuntura no regime de Estado.
G)
Olhando em perspectiva, desde a decadência do capitalismo, a percepção mais ou
menos geral da decadência dos regimes enquanto resultado da degeneração do sistema,
percebemos processos sistêmicos.
Escravismo grego:
Escravismo romano:
Feudalismo:
Capitalismo:
Abstração:
Vejamos o atual sistema. Trotsky afimou que o nazismo, tal qual o estalinismo, seriam
regimes temporários e transitórios, a serem combatidos com veemência, pois a
instabilidade inerente do capital forçaria luta de classes e mudança dos modos de
governar. Acertou em um caso, o de Hitler, por razão da guerra mundial, mas o regime
fundado por Stalin permaneceu por maior e longo tempo, até ocorrer mudanças “de
base” expostas em outro capítulo. De qualquer modo, o regime nazista representava o
declínio daquela curva de desenvolvimento do capitalismo, gerando alto grau de
decadência, porém não um limite inescapável ao sistema (como se provou). Hoje, por
outro lado, regimes fascistas e monarquistas em economias decadentes representarão a
decadência sistêmica e a transição para outro regime social, ou via revolução socialista
com apoio democrático ou via caminho à barbárie. A crítica burguesa à democracia
burguesa tem suas semelhanças com a crítica dos filófosos gregos da decadência, Platão
e Aristóteles, contra a democracia ateniense (escravista).
O caráter despotista esclarecido está também representado. Os romanos reagiram à
decadência e revolta adotando a religião dos escravos, formando a Igreja Católica,
abrindo espaço para uma nova filosofia teocrática, etc. O déspota iluminado do
feudalismo nos é conhecido enquanto mediação com a então classe revolucionária
burguesa. Sob nova roupagem, o capitalismo reproduz tal lei.
H)
Vejamos o caso brasileiro: a queda da monarquia para a república, via golpe de Estado,
dar-se após o início mundial da estagnação daquela curva; após 1914 e a crise 1922, o
regime torna-se semifascista, sob liderança de Getúlio Vargas, expressando o declínio
da curva histórica; a nova curva começa com nova democracia, Getúlio eleito
presidente; começa a reação à decadência por meio da ditadura civil-militar em 1964; o
entrada definitiva na estagnação da curva faz retornar a democracia burguesa.
Em linguagem abstrata:
A = não-A
A=A
I)
Desde que o amor tornou-se a razão de uma união estável, a instituição casamento-
família monogâmica-patriarcal entrou em crise, por ser uma unidade econômica em si.
Tal mudança apenas ocorreu após a II Guerra Mundial, após conclusão de que as
tradições haviam levado às guerras, ao desastre nuclear etc. Há, pelo menos, quatro
consequências da introdução do amor nas relações: 1) como os demais sentimentos, não
necessariamente mantêm-se por toda a vida; 2) o amor sexual pode ser destinado a mais
de um parceiro; 3) o amor em sua forma romantizada apresenta-se enquanto busca por
realização plena numa sociedade decadente, ou seja, busca algo impossível e frustrante;
4) amor é atividade, novidade e emoção; casamento é rotina, estabilidade e segurança.
Logo, o amor romântico torna-se tentativa alienada de resolver, ou reduzir, o impacto da
alienação sobre a subjetividade.
Na idade média, a orientação “até que a morte os separe” era mais aplicável porque
a expectativa de vida era baixíssima, morrendo-se poucos anos depois da união familiar.
Hoje, a diminuição de fatores iniciadores precoces da morte amplia, relativamente, a
466
https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/whatsapp-e-listado-em-40-dos-casos-de-divorcio-na-
italia-10112014
possibilidade de se chegar ao limite das capacidades orgânicas do corpo humano. Na
relação monogâmica, a consequência é a possibilidade de construir outros afetos.
OS SETORES OPRIMIDOS
As lutas dos setores oprimidos ganham uma nova dimensão (LGBT, mulheres,
negros, imigrantes, etc.) e já possuem algumas conquistas parciais. No entanto, a
violência e os conflitos têm aumentado. Aqui, como em outras questões, vamos partir
da dialética: há conflitos antes de mudanças qualitativas:
3. Os conflitos ora servem de arma para dividir a classe e ora obriga a burguesia, pela
força do conflito, a mediar a situação para que esta fique suportável. Permitir alguns
direitos democráticos aos LGBTs, por exemplo, é melhor aos olhos da classe dominante
a ver estas se misturem com uma revolta social ou concebida como a bandeira natural
da esquerda.
Enquanto revisava este texto (2016), o senado brasileiro aprovou, na primeira das
duas votações, a PEC 55 destinada a congelar e deprimir os gastos públicos. No mesmo
dia, o Superior Tribunal Federal (STF) aprovou, para surpresa de todos, a legalização do
aborto. Temos aí um exemplo de força simbólica. Feita esta observação, é importante
ressaltar que as pautas democráticas possuem alto potencial se associadas às pautas
transicionais.
“A crise consiste precisamente no facto de que o velho morre e o novo não acaba de
nascer".
Consideremos:
3. Essas mudanças relativas dentro de uma situação mantêm, em si, a situação política
geral;
Nossa afirmação é:
O pano de fundo é a chamada crise sistêmica do capital, debatida nesta obra. Esse
conceito deve ser observado dentro das “situações”: em situações não revolucionárias,
por exemplo, teremos “momentos ofensivos” e “momentos defensivos”. Apesar de
autoexplicativos serem os temos, merecem atenção, na medida em que mostram erros
entre marxistas.
Dentro de uma situação “não revolucionária” (nacional), por exemplo, pode haver
momentos em que as classes oprimidas vão para a ofensiva. Ou seja: mesmo desprovido
de “crise estrutural da democracia burguesa”, da economia, e/ou do “regime”, mesmo
com crescimento econômico pode haver um processo de avanço progressivo nas lutas.
Isso acontece sem alterar a caracterização geral da situação que é, neste exemplo
específico, “não revolucionária”.
Assim se deu em 2007 no Brasil, como primeiro exemplo desse conceito. O movimento
estudantil foi para a luta a partir de uma incrível ocupação de reitoria na USP. O
exemplo dessa luta serviu para disparar o “gatilho”; Entre 2007 e 2008 houve mais ou
menos 40 ocupações, basicamente em torno da pauta da educação (assistência
estudantil, contra o REUNI, etc.). Isso aconteceu, mesmo estando em crescimento
econômico, numa situação não revolucionária, com crescimento de 6,1% do PIB.467 O
mesmo se deu no Chile, 2011, a partir do movimento estudantil, mesmo com um
fortíssimo crescimento do PIB naquele ano em uma situação não revolucionária,
também com crescimento de 6% do PIB.468 De forma parecida, deu-se , ao que parece,
em 2013 na Turquia; um ato de vanguarda para defender um “local público”, ao ser
reprimido (gatilho), transforma-se um movimento de massas (também influenciado pelo
exemplo externo da situação revolucionária na região), com crescimento econômico de
4,4% do PIB.469
Às vezes, uma vitória parcial, uma forte repressão, um erro do movimento, o cansaço e
esgotamento ao não obter resultado podem readequar e promover, de forma mais ou
menos longa, uma mudança de um momento de fluxo para um de refluxo; e vice versa,
caso, em principal, se o erro for da burguesia. Um “gatilho” pode acionar também
momentos de refluxo; no geral, o “gatilho para a ofensividade” é a explosão de energia
da insatisfação social acumulada passivamente. Ao mesmo tempo, temos de
dimensionar os movimentos de uma classe ou setor de classe em relação às outras; se,
por exemplo, as classes médias, dirigidas ou não pela burguesia, se movem, protestam
pela direita, paralisando os trabalhadores, então temos um momento defensivo dentro de
uma mesma situação.
467
http://oglobo.globo.com/economia/pib-brasileiro-cresceu-61-em-2007-mostra-ibge-3166801
468
http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/03/pib-do-chile-cresceu-6-em-2011-impulsionado-pelo-
469
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-da-turquia-cresce-4-4-no-
Em situações pré-revolucionárias pode acontecer, com mais frequência, um recuo
passageiro da classe trabalhadora. Por medo, por desorganização, por uma frente
popular, por uma derrota parcial ou por ser convencida; ela pode ficar paralisada por
algum tempo dentro de uma mesma situação geral, o que inaugura um “momento de
refluxo” numa situação pré-revolucionária, por exemplo.
Assim:
“Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve
obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não
olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a
prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele
por sorte ou acaso, chama «teórico» a quem sabe mais, e, por igual acaso, consegue
menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar – isto é, quem afinal não sabe, porque não
saber aplicar é uma maneira de não saber –, tem rancor a quem aplica por instinto, isto
é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são de
espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva. Na vida superior a
teoria e a prática completam-se. Foram feitas uma para a outra.”
(Lenin)
470
Existe o programa mínimo (aumento salarial, diretos democráticos, reformas etc.) e o máximo
(socialismo, poder operário e popular). Entre os dois, há o programa transicional, uma ponte entre uma
situação de crise econômica e social (pré-revolucionária) e, em contradição, a consciência atrasada,
reformista, dos trabalhadores. Em resumo, pega os elementos da sociedade socialista, totalidade, e o
fragmenta em partes, em propostas concretas e mobilizadoras. Estas, quando mobilizam, empurram a
classe trabalhadora para novas conclusões e radicalização prática, pois são inviáveis em si sob o capital.
“Em contrapartida, e em determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o controle
operário sobre os trustes, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a isso no marco do Estado
Burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita enquanto a burguesia domina deve
impulsionar os operários à derrubada revolucionária da burguesia. Dessa forma, a impossibilidade
política de levar a cabo uma palavra de ordem pode ser mais frutífera que a possibilidade relativa de
realiza-la" (Leon Trotsky – Stalin, o Grande Organizador de Derrotas; p. 306; Ed. Sundermann.). Sob
certas circunstâncias, palavras de ordem formalmente não transicionais podem, caso o capitalismo
esteja impossibilitado de cedê-las, se torna transicionais; é o caso de “Paz, Pão e Terra” na Rússia, duas
consignas democráticas e outra econômica mínima.
O programa socialista para o campo, diante da proletarização do camponês e o
agronegócio, pode e necessita ir além da tradicional luta por reforma e revolução
agrária. Para isso, propomos:
Que o proletariado do campo, junto aos demais trabalhadores, lute para exigir
dos patrões e do Estado que uma parte obrigatória e proporcional das terras e dos
dias de trabalho sejam destinados somente à produção de alimentos da cesta
básica, como arroz e feijão. O maquinário e esse trecho de terra deverão estar à
disposição do trabalho coletivo dos funcionários e terão total autonomia no destino
da colheita, quanto consumirá e quanto destinará aos mercados populares das
cidades.
471
De um lado, o dinheiro da corrupção tem origem comum, o mais-valor gerado pelo trabalho manual;
de outro, a corrupção é uma lei inerente do sistema por razão da concorrência incontrolável, da
primazia do dinheiro na qualidade vida e sua busca e na moral “natural” desta sociedade. O erro comum
de tática é denunciar os políticos burgueses e reformistas para ganhar audiência, mas deixar de associar
a cada instante a origem lucrativa e empresarial de tais imoralidades.
Esses organismos dos trabalhadores podem concluir e exigir:
SEGURANÇA E AUTODEFESA
472
O marxismo vulgar romantiza a figura do bandido, como Robin Hood, e sua marginalidade. Os bairros
populares são formados por distintos setores: assalariados, operários ou não, pequena burguesia
(comerciante, padeiro etc.) e o lupemproletariado. Este é formado por aquele de existência de tal forma
degradante, e sofrida, que se degradam também moralmente (bandidos, mendigos etc.); ocorre, então,
uma luta de classes dispersa nos ambientes de moradia, entre quem vive por sua renda e quem a rouba,
a renda alheia. Os lupens ladroeiros são duras vítimas do sistema e, por isso, tonam-se carrascos. A
violência urbana é uma das formas da luta de classes.
por milícias operárias e populares de segurança pública pode ser, se associada a
outras pautas, a antessala da revolução.
Sendo pauta democrática, a defesa do armamento popular é defendida pelos
comunistas, do lado proletário, e por parte da direita, da parte burguesa (parte desta) e
classes médias (a esquerda pequeno-burguesa tem no pacifismo, ao lado da
romantização da revolução, seu norte político, contra o armamento). A nossa diferença,
nesta questão, está na negação do lucro e da censura dos preços: todos devem ter acesso
garantido e gratuito às armas e munições; o Estado deve ser forçado a promover esta
distribuição a quem queira – não havendo antecedentes criminais etc. – e oferecer
treinamentos nos bairros, sindicatos etc.
DÍVIDAS E COMÉRCIO
(…)
Entre a luta por crédito barato mais luta sindical dos bancários e a exigência de
estatização, sob controle dos trabalhadores474, para fundar um banco único, há a questão
473
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#9
474
Por considerar – por via científica – os bancários “nova classe média”, Trotsky não coloca em questão
a luta salarial ou a gestão dos trabalhadores sobre os bancos, na medida, supomos, em que estes não
são operários. Desde 1970, com a decadência do capitalismo e a lei da tendência à miséria crescente, os
bancários são, cada vez mais, “classe média assalariada – e precária”. Trata-se, ao que parece, de uma
atualização instintiva e intuitiva, quanto às propostas, promovida pelos marxistas atuais, ao transferir
uma proposta do setor produtivo para o comércio de dinheiro. Por outro lado, a proposta que
econômica e política acentuada desde a década de 1970 – ainda mais desde os anos
2000 –: o crescimento da economia sustentado no endividamento geral dos assalariados
e pequenos proprietários. Trata-se de um método de agiotagem. Localizado, do ponto de
vista formal, no meio da relação das pautas reformistas com as de enfretamento à
propriedade privada, exigimos a “anulação total e irrestrita das dívidas dos
trabalhadores e pequenos empresários para com os banqueiros”. Nesta consigna, ao
mobilizar a classe operária e os demais setores oprimidos, queremos estimular saltos de
consciência, novas conclusões e exigências mais avançadas (banco único do Estado).
Processo semelhante pode ser exigido ao comércio. Uma “rede estatal única de
grande comércio” deve ser imposta pela classe trabalhadora e setores populares para
combater a hiperinflação, a especulação, o desperdício e as demissões no setor. Uma
união entre comerciários, consumidores assalariados e pequenos produtores pode ser
frutífera. Supera a limita palavra de ordem “congelamento de preços” e aparece ao lado
do “gatilho salarial”, aumento dos salários automaticamente com o aumento dos preços.
Tal proposta não visa intervir sobre o pequeno comerciante, antes deve obter meios de
integrá-lo na luta.
Porém, reforçamos Trotsky, tais propostas apenas podem cumprir todas as suas
possibilidades se com a formação de um Estado Operário.
– Universidade pública deve abrir vagas apenas para aqueles sem condições
financeiras de pagar por ensino privado. Enquanto não universalizar o acesso público,
vagas cujas famílias ganham até três salários mínimos!
apresentamos neste ponto pode colocar pelo menos parte da categoria bancária contra a luta (aqui,
mais uma vez, se revela o duplo caráter da classe média); porém, além de também possuírem dívidas
pessoais, a consigna apresentada é uma ponte para a palavra de ordem “banco único do Estado”, mais
atraente aos funcionários, e pode-se, incluso, em determinadas circunstâncias, defender ao mesmo
tempo ambas as elaborações. De qualquer modo, nenhum processo revolucionário ganha todos os
setores não burgueses: a revolução russa não foi apoiada por uma das principais classes operárias
daquele país, a ferroviária, ligada aos mencheviques e parte da aristocracia operária, ou seja, classe
média.
apresentaremos algumas indicações, propostas e apontamentos. E, é claro, só aqueles
que vivem a prática ocupante, o dia a dia, podem dar o veredito final.
Nas ocupações rurais vemos o mesmo fenômeno das urbanas: coletividade para a
conquista; depois, individualização para a divisão das terras por fim conquistadas. É
uma diferença importante com o movimento operário. Uma ocupação de fábrica é
necessariamente coletiva e coletivizante, antes e após. Não dá para dividir a empresa
ocupada ou suas máquinas em pedaços, um pouco para cada. Só pode haver produção e
consolidação da luta com o uso coletivo dos meios de produção e com o trabalho
organizado, unido, de milhares de operários.
Espaço é poder475. A forma de organizá-lo tem consequência prática-ideológica.
Para resolver ou amenizar a contradição levantada, do ponto de vista dos sem-tetos, ao
final do processo: garantir a construção de prédios (ou a ocupação de um) otimiza o
espaço, ou seja, facilita a continuidade da integração social e política. Podemos
apresentar duas vantagens dos condomínios:
1. Após a vitória, moradias entregues, a eleição dos síndicos, dos representantes por
andar, da equipe de segurança, as assembleias para decidir a gerência e os conflitos
permitem perpetuar a coletividade interna;
2. Pode-se usar o espaço excedente para construir outros prédios (já que aproveita a
verticalização), trabalhar hortas coletivas, clubes do bairro, etc. Ou seja: com a tática
desse formato pode-se agregar mais trabalhadores (concentrado pessoas e força) e criar
meios de coletividade.
A prioridade aos prédios e apartamentos será combinada com uma segunda luta:
exigir boa infraestrutura para o novo bairro. Isso passa pela citação acima: unir as
vantagens do campo e da cidade. A reforma e revolução urbanas incluem permitir
transporte público, creches; também qualidade ambiental: arborização, hortas coletivas,
fim das ruas empoeiradas, etc.
475
Lefebvre.
476
Extraído do site Arquivo Marxista na Internet.
PAUTAS DEMOCÁTICAS (3) SOBRE A PROSTITUIÇÃO
Dinheiro = ouro
Ou seja:
Conteúdo = forma
Sujeito é predicado
Ele estava vivendo um dos, assim chamados por nós, ciclos de era do capital, a
fase II. Tratou, por isso, de uma legalidade transitória. Que, aliás, se expressa hoje, de
modo temporário, na relação dinheiro papel-moeda e dinheiro virtual. Por isso,
transitório em dois sentidos: a) a longa transição entre dinheiro = ouro (ou prata) e
dinheiro não lastreado em ouro (mas no conjunto das mercadorias); b) processos da
transição de uma forma a outra, quando combinadas.
Mais uma vez, uma limitação de época na percepção. Para os amigos citados, no
comércio mundial o ouro superaria a forma cunhada nacional e seria trocado em sua
forma típica, em forma pura. Isto seria a revelação da necessidade permanente do
dinheiro = ouro. E bastou-nos ver a economia não enquanto uma nação com sistema
complexo fechado para perceber a aplicação concreta, a dinâmica da circulação, na
forma do dinheiro mundial. A parte da obra Magna de Marx na qual focamos conclui-se
com a afirmativa de que o papel-moeda, representando metal nobre, apenas pode operar
em limites nacionais… O dólar e o Euro certamente fariam o crítico da economia
política revisar esta parte de seus escritos.
“Se mergulhamos de cabeça nas camadas mais profundas das massas proletárias,
semiproletárias etc., dos trabalhadores em geral, encontramos estratos populacionais
inteiros que, dificilmente, podemos dizer que estão conosco. Não me refiro aqui apenas
aos desempregados, que constituem perigo cada vez maior, ainda que já apontado pela
Oposição. Refiro-me às massas de mendigos, às massas meio pauperizadas que, graças
a pequenas doações de alívio por parte do Estado, encontram-se no limite da
pauperização, do roubo e da prostituição.”
(…)
(…)
Em comparação, na França:
“Vimos por que o povo de Paris havia perdido seu fascínio pela liberdade: a fome, o
desemprego, a eliminação de quadros revolucionários (muitos líderes foram
guilhotinados), o afastamento das massas da gestão do país. Tudo isso provocou um
desgaste tão forte entre as massas, tanto física quanto moralmente, que o povo de Paris e
do resto da França necessitou de trinta e sete anos de repouso antes de iniciar uma nova
revolução.”
Rakovski ainda faz comentário sobre um problema ainda vivo entre comunistas:
Mas os nossos dirigentes não gostam de falar sobre ela, para que não chegue o grande
dia em que eles próprios terão que “reeducar sua própria natureza”.
Neste ponto, tenhamos um tanto de admiração e compaixão por Lenin, por sua
luta e por considerar exagero tal citação a ele apresentada, de Engels:
“A pior coisa que pode ocorrer a um líder de um partido radical é ser obrigado a tomar o
governo numa época em que o movimento ainda não está maduro para o domínio da
classe que representa e para a realização das medidas que esse domínio implica (…).
Ele necessariamente se encontra em um dilema. O que ele pode fazer contrasta com
todas as suas ações anteriores, com todos os seus princípios e com os interesses
presentes do seu partido; o que ele deve fazer não pode ser realizado (…). Quem se
477
Enquanto Fidel tem largas simpatias entre militantes da América Latina, recodermos que ele era um
liberal convicto até ser obrigado a alinhar-se à URSS, sua guerrilha teve instruções de um agente da CIA
(algo do qual ele falou, pois “sacaneou os gingos”), geriu burocraticamente o Estado, sustentou “em
nome do socialismo” a restauração do capitalismo na ilha após a queda da URSS (de fato, sem apoio
externo era impossível manter a economia nas mesmas base, mas sequer esclareceu o povo cubano e a
vanguarda mundial da profundidade do problema, tal como fariam comunistas), perseguiu
homossexuais, proibiu livros e arte “burgueses” e quando os sandinistas tomaram o poder orientou
“não transformarem a Nicarágua numa nova Cuba” (boicote à revolução permanente).
coloca nessa posição difícil está irrevogavelmente perdido” (Engels apud Deutscher,
1968, p.420)478.
Até o momento, raciocinei abstraindo os fatos da nossa vida econômica e política que
foram analisados na Plataforma da Oposição. Fiz isso deliberadamente, pois tinha como
objetivo apontar as modificações que ocorreram na composição e na psicologia do
partido em relação à questão da conquista do poder. Isso pode ter dado um caráter
unilateral à minha exposição; mas, sem essa análise preliminar, seria difícil
compreender a origem dos erros políticos e econômicos cometidos por nossa direção a
respeito dos camponeses e das questões da industrialização, do regime interno do
partido e, enfim, da administração do Estado.
Hoje, podemos dar respostas satisfatórias às suas angústias. Para isso, também se
faz preciso chamar os intelectuais e os militantes à responsabilidade: focar nas questões
centrais, nas não resolvidas, nas generalizações e em resolver as contradições postas.
Enfim, as fileiras do marxismo devem aceitar apenas pessoas dispostas a não ter
limites de horizonte. Quantos pequenos partidos “bolcheviques” temos cuja direção faz
de tudo menos supor, de modo real e prático, formar um dia uma direção nova para a
revolução? Pensam – embora escondam isso de si – ser algo grande demais para ser
sonhado.
478
Extraído de: Lenin, a Revolução Russa e os dilemas da transição. Por Mauricio Gonçalves, doutor em
Ciências Sociais pela UNESP. Site: https://blog.esquerdaonline.com/?p=8293
479
Uma das políticas conjunturais é propor uma revista geral de polêmcica, aberta e eletrônica.
3) DULO CARÁTER DA REVOLUÇÃO RUSSA, BUROCRATIZAÇÃO E PARTIDO
BOLCHEVIQUE
Antes de 1916, os partidos operários da Rússia dividiam-se em três programas para a futura
revolução no país:
Setor I, produção de meios de produção, ou seja, matéria-prima (energia, objetos, minérios, etc.)
e máquinas;
Para que o leitor respire e digira as observações, tratemos uma questão geral. Olhando
desde seu ponto de vista particular e de classe, o capitalista pensa estar em sua capacidade de
medir a origem do valor e a regulação íntima dos preços. Supõe ser a objetividade da
concorrência entre “senhores”, não a produção de mais-valor, a medida de todas as coisas. Este
se sente orgulhoso por livrar-se das greves e da indisciplina. O Tempo de trabalho e o tempo de
produção passam a depender dele e de suas possibilidades. Mas esta ilusão é destruída tão-logo
descobrimos o capital variável como categoria essencial da produção capitalista. O burguês,
sujeito inchado e feliz, se quisesse e puder ver, saber-se-ia um parasita social, sugando o sangue
do hospedeiro até a morte dos dois. Quão absurdas soam, para a maioria dos ricos, as
conclusões marxistas…
Quando o setor I passa a produzir máquinas automatizadas para os setores I e II, passa
também a abrir possibilidade – temporária – de produzir mais mais-valor. É a contratendência
na tendência. Isto se dá, em principal, porque produtos do setor II (alimentos, roupas, etc.)
podem ficar mais baratos, barateando a força de trabalho enquanto o tempo de trabalho e a
intensidade deste permanecem constantes (e, em muitos casos, mesmo quando se alteram). Ou:
forçando o desemprego, as demissões em troca de máquinas, pressionando os salários para
baixo. Por evidente, essas formas podem acontecer combinadas.
Outro resultado: mesmo quando e se a nova maquinaria não é barata relativa à anterior,
a produção automatizada pode aumentar e aumenta a escala de produção de matéria-prima,
rebaixando seu preço. No começo, isto pode representar uma economia de dinheiro da parte do
capitalista, pois passa a sobrar uma parte do capital adiantado nestas mercadorias, até que as
relações gerais de oferta e demanda encontre novo ponto referencial. O chamado capital
circulante (salários, matéria-prima) precisa de antecipação constante, renovação constante;
diferente do capital fixo (maquinário, construções, depósitos, etc.), sendo daí o processo
imediato e temporário.
Enquanto escrevia esta obra, fiz duas descobertas interessantes: 1) uma empresa
brasileira de cuscuz, produto típico e tradicional da classe trabalhadora do nordeste, fez uma
propaganda de TV onde demonstrou a produção totalmente maquinista de sua fábrica “para um
melhor sabor”; 2) a produção de telhas e tijolos, comum na construção de casas populares no
Brasil, no interior do Maranhão, próximo à capital do Piauí, passou a ser feita por automação.
Mesmo nos países atrasados, ou o marxismo de desvio sindicalista, movimentista, atualiza-se
teórico e programaticamente ou perderá o trem da história, sequer sabendo seu horário.
No crédito comercial, o juro, a diferença entre o preço a crédito e o preço à vista, só entra no
preço da mercadoria quando as letras têm prazo superior ao costumeiro. Se não têm, isso não
acontece. E a explicação está em que cada um toma esse crédito com uma das mãos e o dá com
a outra [isto não se ajusta à minha experiência. - F.E.]. Entretanto, quando o desconto surge
aí nessa forma, regula-o não o crédito comercial, e sim o mercado financeiro. (O Capital III, K.
Marx, Civilização Brasileira, p. 683, grifo meu.)
Talvez a oculta preocupação de Karl Marx em sua apressada afirmação fosse reforçar
que o valor não surge da circulação mas da produção. Com o conceito “mais-valor extra”
encontramos na produção capitalista a base do fenômeno acima citado.
Altusser, principal fonte do erro, confessou em seus últimos dias ter lido apenas O Capital I.
Se houvesse estudado os demais, teria ouvido Marx afirmar:
No capital produtor de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reificada, mais fetichista.
Temos nessa forma D - D¹, dinheiro que gera mais dinheiro, valor que se valoriza a si mesmo
sem o processo intermediário que liga os dois extremos. No capital mercantil, D - M -D¹, temos
pelo menos a forma geral do movimento capitalista, embora se mantenha apenas na esfera da
circulação e o lucro pareça por isso ser mera decorrência da venda; todavia, configura-se em
produto de uma relação social e não em produto de uma simples coisa. A forma do capital
mercantil representa de qualquer modo um processo - unidade de duas fases opostas,
movimento que se decompõe em duas ocorrências contrárias, a compra e a venda de
mercadorias. Isto desaparece em D - D¹, a forma do capital produtor de juros. Se um capitalista,
por exemplo, empresta 1.000 libras esterlinas, e o juro é de 5%, o valor das 1.000 libras, na
qualidade de capital, é no fim do ano de C + Cj¹, em que C representa o capital e j¹, a taxa de
juro, e assim temos 5% = 5/100 = 1/20, 1.000 + 1.000 x 1/20 = 1.050 libras. O valor das 1.000
libras, na qualidade de capital, passa a ser de 1.050, vale dizer, o capital não é magnitude
simples. É relação quantitativa, relação da soma principal, valor dado, para consigo mesma
como valor que se valoriza, como soma principal que gerou mais-valia. Conforme vimos, o
capital por sua natureza se apresenta como esse valor que se expande diretamente para todos os
capitalistas ativos, operem eles com capital próprio ou emprestado.
Uma relação social aparece realmente disfarçada. Pois é em si uma relação social
alienada, onde as coisas tomam a função de sujeito e o sujeito, a de coisa.
Continuemos:
E a confusão prossegue. Embora o juro seja apenas parte do lucro, da mais-valia que o
capitalista ativo extorque do trabalhador, o juro se revela agora, ao contrário, o fruto genuíno do
capital, o elemento original, e o lucro, reduzido à forma de lucro de empresário, mero acessório,
aditivo que se acrescenta ao processo de reprodução. Consumam-se então a figura de fetiche e a
concepção fetichista do capital. Em D - D¹ temos a forma vazia do capital, a perversão, no mais
alto grau, das relações de produção, reduzidas a coisa: a figura que rende juros, a figura simples
do capital, na qual ele se constitui condição prévia de seu próprio processo de reprodução;
capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de aumentar o próprio valor, sem depender da
produção - a mistificação do capital na forma mais contundente.
Para a economia vulgar, que pretende apresentar o capital como fonte autônoma do valor,
geradora de valor, essa forma é sem dúvida suculento achado: nela, não se pode mais
reconhecer a fonte do lucro, e o resultado do processo capitalista de produção adquire existência
independente, separada do próprio processo. (Idem, 520, 521.)
Estas citações pertencem ao Capítulo XXIV d’O CAPITAL III cujo título torna-se-nos
sugestivo: “A relação capitalista reificada na forma do capital produtor de juros”. Do livro I e II,
partindo da aparência à essência, Marx retorna à aparência, à circulação, enriquecido com as
conclusões antes ocultadas à teoria. Teve, por isso, de retornar ao tema do fetiche no livro III,
destinando a ele um capítulo um pouco mais filosófico, abstrato. Abre, aliás, transição para o
capítulo subsequente, “Crédito e capital fictício” (Cap. XXV), quando a ilusão toma forma
superior.
Nos três livros de Marx não há um capítulo sobre crise ou sobre alienação, porém ambos
estão sempre presentes de modo claro ao longo da leitura. Porque ele fez um subcapítulo sobre
feitiço da mercadoria, o marxismo academicista – afeito a classificações – não poderia culpar
Engels pelos supostos erros do amigo, já que crítica direta ao mouro e suas concepções feriria o
prestígio de alguns escritores.
De onde surge, portanto, o caráter enigmático do produto do trabalho, assim que ele assume a
forma-mercadoria? Evidentemente, ele surge dessa própria forma. A igualdade dos trabalhos
humanos assume a forma material da igual objetividade de valor dos produtos do trabalho a
medida do dispêndio de força humana de trabalho por meio de sua duração assume a forma da
grandeza de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas
quais se efetivam aquelas determinações sociais de seu trabalho, assumem a forma de uma
relação social entre os produtos do trabalho. (Marx, O Capital I, Boitempo, p. 147.)
Faz falta mais eruditos na luta pelo comunismo. Porém, isto não dá direito aos
intelectuais inorgânicos a tentar fazer do marxismo sua imagem e semelhança.
Por fim, imaginemos uma associação de homens livres, que trabalham com meios de produção
coletivos e que conscientemente despendem suas forças de trabalho individuais como uma única
força social de trabalho. Todas as determinações do trabalho de Robinson reaparecem aqui, mas
agora social, e não individualmente. Todos os produtos de Robinson eram seus produtos
pessoais exclusivos e, por isso, imediatamente objetos de uso para ele. O produto total da
associação é um produto social, e parte desse produto serve, por sua vez, como meio de
produção. Ela permanece social, mas outra parte é consumida como meios de subsistência pelos
membros da associação, o que faz com que tenha de ser distribuída entre eles. O modo dessa
distribuição será diferente de acordo com o tipo peculiar do próprio organismo social de
produção e o correspondente grau histórico de desenvolvimento dos produtores. Apenas
para traçar um paralelo [atenção para o caráter apenas comparativo, destacado por Marx,
diante das limitações da consciência burguesa, da suposta impossibilidade de um mundo sem
mercadorias:] com a produção de mercadoria, suponha que a cota de cada produtor nos meios
de subsistência seja determinada por seu tempo de trabalho, o qual desempenharia, portanto, um
duplo papel. Sua distribuição socialmente planejada regula a correta proporção das diversas
funções de trabalho de acordo com as diferentes necessidades. Por outro lado, o tempo de
trabalho serve simultaneamente de medida da cota individual dos produtores no trabalho
comum e, desse modo, também na parte a ser individualmente consumida do produto coletivo.
As relações sociais dos homens com seus trabalhos e seus produtos de trabalho
permanecem aqui transparentemente simples, tanto na produção quanto na distribuição.
Com as mudanças na produção, com o fim das relações alienadas na totalidade social, o
modo de distribuição também muda, mesmo se com atraso. Estamos diante do desafio da
transição e do socialismo, rumo ao comunismo: superar o tempo de trabalho enquanto medida.
E esta solução está sendo em parte encaminhada pelo poderoso avanço destrutivo da técnica sob
o capital.
Se lido com atenção, o leitor verá base para nossa crítica à precisão do conceito fetiche,
que é da circulação, relativo à alienação. Para encerrarmos, outra vez as palavras de Marx:
Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação social geral de produção
consiste em se relacionar com seus produtos como mercadorias, ou seja, como valores, e, nessa
forma reificada [sachlich], confrontar mutuamente seus trabalhos privados como trabalho
humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, é a forma de religião mais
apropriada, especialmente em seu desenvolvimento burguês, como protestantismo, deísmo etc.
(Idem. P. 153, 154.)
É verdade que a economia política analisou, mesmo que incompletamente, o valor e a grandeza
de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas formas. Mas ela jamais sequer colocou a
seguinte questão: por que esse conteúdo assume aquela forma, e por que, portanto, o trabalho se
representa no valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração temporal, na grandeza de
valor do produto do trabalho? Tais formas, em cuja testa está escrito que elas pertencem a uma
formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo
de produção, são consideradas por sua consciência burguesa como uma necessidade natural tão
evidente quanto o próprio trabalho produtivo. (Idem. P. 154, 155.)
E:
A condição do trabalho social com apropriação privada, sob a forma capitalista, tem a
mediação do comércio enquanto forma necessária. Mas não eterna.
Lenin e Trotsky, tal como outros, perceberam a crise do sistema rumo ao seu fim enquanto
falhas e desvios na legalidade, nas leis, do sistema capitalista. São sintomas ou manifestações.
Estas falhas de legalidade estão postas nos fatores centrais e determinantes. As pequenas
cidades do Brasil, muito interioranas, possuem legalidades particulares próprias: se alguém abre
um negócio com lucro, surge concorrência pelo mesmo resultado e, em seguida, os dois ou mais
negócios deixam de compensar (qualquer pessoa dessas localidades percebe tal processo cuja
causa para eles é a “inveja”); este ciclo permanece até a intervenção externa de algum capitalista
ou Estado, o crescimento populacional etc. Aqui, o sintoma de mudança tem outra natureza e
podem ser alocadas na microeconomia (o marxismo, por outro lado, considera o micro quando e
para elevar a compreensão do macro, em conexão com este).
A questão fica mais simples se observarmos do seguinte modo: o monopólio tende, em si, a
elevar indefinidamente o preço de mercado de suas mercadorias; por isso, temos de ver,
tomando a teoria do valor por base teórica, quais fatores impedem e constrangem tal medida.
Um preço demasiado elevado gera luta de classes e, isto incluso, luta de classes entre a
burguesia. Certa matéria-prima sob monopólio não pode aumentar seu preço ao ponto de
destruir a galinha dos ovos de ouro, as empresas compradoras do produto para transformá-lo. E
quando isto é feito parcialmente ocorre luta de classes interssetorial, porque há transferência de
mais-valor em forma de lucro de um setor para outro, e entre classes antagônicas (a burguesia
pode tentar transferir o custo acrescido com capital constante com redução de salários ou a
matéria-prima em questão afeta o poder de compra real dos salários, etc.).
Por maior que de fato seja, nenhum monopólio planifica a totalidade da economia, estando,
pois, dependente das variações conjunturais do capitalismo, afetando oferta e demanda. Isto
força alterações no preço de monopólio.
A empresa a exercer este monopólio consegue, dentro dos limites postos, limitar sua
produção; mas sua oferta máxima não pode acompanhar, de imediato, a demanda ainda mais
elevada. Eis uma vantagem, a elevar os preços de mercado, que também pode transformar-se em
desvantagem. Agreguemos o fator cultural: a empresa alemã Wolksvagem pôde instalar-se nos
EUA porque a demanda por carros não poderia ser antendia em médio prazo pela Ford; e nisto
pesa o perfil daquela população, onde seria natural o trabalhador ter um automóvel.
Há uma percepção mais abstrata. O preço elevado de monopólio tende a impedir a
demanda, reduzindo-a; mas este preço elevado continua, pois mais que compensa a perda
parcial de demanda. Há um ponto, porém, ao continuar a elevação dos preços, em que a
demanda começa a se reduzir continuamente, afetando o lucro480, (ou estimulando os fatores
acima expostos, mas estamos abstraindo deles); neste caso, encontrou-se um preço limite, um
tanto abaixo daquele a gerar crise. Porém, este não é estável nem natural, estando subordonado à
totalidade dos fatores.
A questão está em perceber o “preço de monopólio” enquanto também não estático e não
determinado em absoluto pela empresa monopolista. Nas análises concretas, observamos os
fatores que permitem ou impedem a elevação e a queda. Exemplo: o preço da gasolina no Brasil
subiu sob justificativa de que a demanda mundial estava elevada e, logo, deveria existir correção
dos preços; mas a queda do preço do barril de petróleo abaixo do preço de custo no mercado
mundial faz o preço da gasolina… subir. Não só pela privatização da Petrobrás, exigindo
funcionar ainda mais sob a lógica do lucro, a elevação dos preços internos permite não falir a
empresa diante da crise global no setor. Isto, por outro lado, constrangeu os demais setores
internos e tendeu à elevação dos preços finais (custos de transporte, etc.). Se há menor inflação
no Brasil ou deflação, dar-se por queda do consumo, da produção, elevadíssimo desemprego,
etc. constrangendo os preços.
480
Esta mesma elevação de preços, em outras circunstâncias, pode gerar importante perda quantitativa
de demanda desprovida de alteração qualitativa. Exemplo da Microsoft: os preços de seus “pacotes” são
elevadíssimos mesmo perdendo parte da demanda para programas gratuitos, piratas, etc. O preço
elevado compensa e não gerou uma perda qualitativa da demanda, quer seja, não surgiu um
concorrente monopolista. Evidentemente, há aí uma proporção de preço para limite de sua infação, sob
risco de prejudicar o próprio monopólio. Isto tende a ocorrer mais no departamento I, produção de
meios de produção, caso exista monopólio e seja difícil alocar e tirar capital do setor, a exemplo de
empresas de energia.
481
Estamos abstraindo na análise os elementos do parágrafo anterior, a citação resumida de longos
capítulos d’O Capital III.
8) LEI DA MISÉRIA CRESCENTE
Igual às demais leis tendenciais descobertas por Marx, a lei tendencial da miséria
crescente gera suas próprias contratendências relativas. Tratatemos da relação entre
estas:
Tal luta retarda e nega parcialmente a lei, pois as vitórias aumentam o nível de vida das
classes trabalhadoras por algum período, sejam greves ou revoluções. O Estado de bem-
estar social na Europa existiu porque 1) o capital ainda tinha margem de manobra,
poderia ceder; 2) as revoluções socialistas em outros países forçavam tais medidas.
Exemplos: aumento da violência urbana, alienação das relações sociais causando onda
de depressão, trabalho “desprovido de sentido”, etc. São Paulo abrigou gente de todo o
país em busca de emprego, contra a fome, apesar de oferecer, em troca, outros
problemas: isolamento, falta de tempo, poluição, stress elevado, sentimento de ser
“estrangeiro”, relação submissa de comando, etc.
A China, hoje, pode relativizar a tendência interna a uma crise econômica, maior
pobreza e lutas sociais por meio da transferência da tendêndia à miséria crescente para
outros países. O Brasil é um dos afetados por esse jogo econômico e social da nova
potência, a industrialização deste é a desindustrialização daquele. A formação de uma
aristocracia operária nos países imperialistas, que dominam economias de outras nações,
apresenta-se o mais típico exemplo. Certa estabilidade social interna é base para
vantagens comerciais externas e, por esse meio, transferir a tendência.
No caso europeu, a alta qualidade de vida, das contradências, fez sugir transferência de
empresas e investimentos aos países “maleáveis”, despovidos de restrições trabalhsitas e
sociais (ambientais, etc.). A tendência, já presente, impõe-se de modo mais duro: maior
desemprego, precarização, neoliberalismo, etc.
5. Ciclos decenais;
Mesmo com variações ao longo das curvas de desenvolvimento do capitalismo, debate
de outro capítulo, as crises cíclicas são acompanhadas por posterior crescimento cíclico
preparando, por sua vez, a próxima crise; o momento de crescimento reduz
relativamente a miséria social em comparação ao período imediato anterior. Este mesmo
aumento da miséria pela crise dá bases para o reerguimento macroeconômico.
7. Aumento da exploração.
Marx:
“[À medida que se acumulasse capital] uma parte maior de seu próprio excedente…
volta para… os operários sob a forma de meios de pagamento, de modo que eles podem
aumentar os frutos extraídos desse excedente; podem aumentar um pouco seu consumo
de roupas, mobiliário etc. e podem ter pequenos fundos de reserva. Mas, assim como
isto – melhores roupas e alimentos, melhor tratamento e um pecúlio maior – é pouco
para acabar coma exploração do escravo, também é pouco para acabar com a exploração
do operário assalariado. Um aumento do preço do trabalho em decorrência da
482
Relembrando so primeiros capítulos: a tendência à superprodução crônica revela-se apenas de modo
latente.
acumulação de capital só significa, realmente, que o cumprimento e o peso da corrente
de ouro que o operário assalariado pode forjar para si próprio permitem um relaxamento
da tensão… Esse aumento só significa, na melhor das hipóteses, uma diminuição
quantitativa do trabalho não remunerado que o operário tem de executar. Essa
diminuição nunca poderá atingir o ponto em que ameace o próprio sistema.” (Marx, O
Capital. 1:645. Extraído da citação 99, livro “História do Pensamento Econômico”, E.
K. Hunt e Mark Leutzenheiser).
E:
Nas empresas de alto lucro, massa de lucro, ao lado do baixo número de operários, ou
seja, empresas de alta produtividade por meio da troca de homens por maquinário, os
funcionários podem obter rendimentos acima da média. Tratemos em outra linguagem:
a taxa de exploração, em si, relação proporcional entre capital variável na forma de
salário e o mais-valor gerado pode acrescer-se sem ser imediatamente perceptível. Mas
isso ocorre porque ocorreu aumento da miséria em outros setores: demissão de boa parte
dos antigos funcionários a partir da nova maquinaria (“Oc rescimento do capital
variável torna-se, então, o índice de mais trabalho, mas não de mais trabalhadores
ocupados.” Idem, p. 863.), falência da concorrência, preço de monopólio, “invasão” de
mercadorias a países sem a mesma produtividade, etc. O aumento da miséria, tendência,
diminui a miséria, parcial contratendência.
9. Cultura.
O aumento da miséria, relativa ou absoluta, gera crises numa nação. Pode faltar mão de
obra por excesso de jovens trabalhadores deslocados a outros países em busca de
emprego, pode epidemias e pandemias – por pobreza relativa e absoluta, por
alimentação não nutritiva, etc. – reduzir o trabalho disponível, a taxa de mortalidade e
de morte prematura aumenta ao lado da redução da prole por família. Fica mais fácil
chegar-se ao ponto em que a oferta de trabalhadores seja baixa para a demanda latente,
forçando aumento dos salários e elevação das condições de vida por algum período
(entre outros fatores operantes, como maquinário substituindo o trabalhador em falta e
“ousado”, melhores condições de vida gera prole mais saudável e em preparação para o
mercado).
A imigração gera menor quantidade da mercadoria força de trabalho no país sob evasão;
e acrescenta a oferta, reduzindo o preço, nos países a receberem trabalhadores (mais
tolerantes a condições de trabalho duras, inromais, etc.). Outra forma de deslocamento
está em que, no país sob saída, em certo grau alto, os salários retiram do lucro se
aqueles aumentam; enquanto na outra nação uma capacidade maior de exploração,
desde a concorrência entre assalariados, tende a acrecer o lucro. O processo continua até
que a conjuntura ou medidas gerais imponham a tendência; logo as mudanças postas
gerarão crises, ou serão parte da base delas, para fazer retornar a “normalidade”.
Chegada de novo recurso em um dos aplicativos mais populares do Brasil acende a luz
amarela para as operadoras tradicionais, que tomam posição para enfrentar a nova
realidade da experiência móvel.
Uma das empresas do setor estuda também entrar com uma ação judicial contra o
serviço, afirmou uma das fontes. O questionamento a ser entregue à Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel) será feito contra o serviço de voz do WhatsApp, e não
sobre o sistema de troca de mensagens do aplicativo, disse a mesma fonte.
483
http://link.estadao.com.br/noticias/geral,chamada-de-voz-no-whatsapp-obriga-operadoras-a-
repensarem-seu-futuro,10000029510
A ideia é questionar o fato de a oferta do serviço se dar por meio do número de telefone
móvel do usuário, e não através de um login específico como é o caso de outros
softwares de conversas por voz, como o Skype, da Microsoft.484
484
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/08/operadoras-moveis-no-brasil-preparam-peticao-
contra-whatsapp.html
485
http://ilaese.org.br/transportes-urbanos-no-brasil-2-do-pib-para-solucionar-a-crise-nacional-da-
matriz-rodoviaria/
486
Fonte: idem, Ilaese.
A decadência brasileira permite aos países “saudáveis” verem seu próprio futuro sob o
capital. Exemplifiquemos: as estradas nacionais são produzidas – e isto é público – com
material de baixa qualidade, que se desmancha rapidamente e pouco absorve os
impactos (Mèszáros: taxa decrescente do valor de uso). As empreiteiras podem renovar
a rodovia em curto período de tempo e alto lucro.
Como evitar esses limites e erros? Uma tradição foi perdida, infelizmente guardada por
poucos: desde os bolcheviques, tenta-se, inspirados no primeiro programa científico
presente no Manifesto, produzir o chamado programa transicional. Este, sob
sistematização e resumo n’O Programa de Transição (Trotsky), oferece ferramentas da
elaboração política propriamente comunista.
487
O keynesianismo faz parecer os problemas econômicos erros ou falhas corrigíveis por decisões
racionais via Estado. Daí a hibridez – na filiação filosófica idealista, por racionalidade e o Estado
enquanto tal encernação racional possível – de muitos simpáticos ao mesmo tempo a Marx e a Keynes.
Por outro lado, negando a lógica formal, classificatória, palavras de ordem reformistas
ou democráticas podem ser transicionais se a decadência é tal que estas exigências só
podem levar à revolução. No entanto, em geral, precisam, para maior potência, estar
combinadas com propostas em si transicionais.
Por último, um cuidado. Cada situação exige suas próprias elaborações: situações de
crescimento econômico, situação não revolucionária, pedem propostas reformistas e
democráticas488; situações pré-revolucionárias e revolucionárias necessitam de
propostas transicionais e, em apoio, democráticas (em caso de revolução em país sob
ditadura, por exemplo) e reformistas (na “rotina”). Situações sob ditaduras estáveis ou
contrarrevolucionárias, por outro lado, forçam preferência por palavras de ordem
democráticas e mínimas. O economista Mandel cometeu inúmeros erros por razão do
seguinte raciocínio formal e mecanicista: as palavras de ordem reformistas pertencem
aos reformistas, os revolucionários devem levantar sempre as propostas de transição.
Porém de nada serve dizer aos ventos “controle operário da produção”, “grupos de
autodefesa das greves”, “escala móvel de salários e trabalho” se as condições objetivas
não dão espaço para os trabalhadores ouvirem tais frases enquanto talvez alternativa às
suas dores reais. A postura mandelista seria autoelogio, não elaboração precisa.
488
Toda exposição exige algo de lógica formal. Porém, uma crise forte pode diminuir a luta; quando
começa novo e fraco crescimento econômico, após a dura crise, palavras de ordem transcionais como
“escala móvel de trabalho” podem ficar ainda mais fortes e importantes, pois há uma contradição
acumulada, mas não resolvida, desde a crise. Se apenas uma parte dos trabalhadores conseguem novo
emprego com o crescimento, a maioria fica estressada desde o desemprego prolongado e podem forçar
uma revolução. Por razão do nível de contradição, A=não-A, crescimento econômico = revolução social.
O erro seria afirmar crescimento econômico, que pode ocorrer em situação contrarrevolucionária, =
situação não revolucionária; seria uma análise economista, parcial.
Aos economistas de vertente marxista, futuros ajudantes nos planejamentos gerais
democráticos sob o possível socialismo, fica o desafio de entenderem o estudo enquanto
absorção de ferramentas, não de informações. Enquanto verdadeira “ponte para o
futuro”, não somente avaliações geniais.
Salto para si: D-D’, tanto quanto possível desprendendo-se da produção real de valor.
Assim, temos:
S–O–S
s – O’ – s
O’ – s – O’
S–O–S
D – S – D’
D – s (o) – D’
D – O – D’
Por resultado:
D (S) – D’ (S)
S (O)
S – s (o) – O’
Sujeito em relação com sujeito tido por objeto para alcançar um objeto tido por sujeito.
Logo:
O–O–S
Mas, de novo: quem é sujeito e quem, objeto? Que ou quem? Objetos relacionam-se
para alcançar o sujeito? S seria o indivíduo individualista mercantil ou algum objeto real
e mercantil.
Invertendo:
S–O–O
O sujeito toma papel ativo e a sequência de toda mediação para um objeto por meio de
outro objeto. A questão fica ainda mais confusa. Tentemos colocar S em outra posição:
O–S–O
E retornamos a algo extranho. Também somos obrigados a uma definição mais direta
entre o que ou quem S representa. De qualquer modo, alienação.
S–O–O
D – O – D’
Isto:
O–O–O
A questão fica resolvida se: o sujeito ainda é sujeito ainda que alienado. Tem pulsões e
características de sujeito e de sujeito negado.
S–O–S
S–S
Ou:
S–O–S
A Relação
O–O
Porém revela-se apenas parte de uma relação onde sujeito é sujeito de fato, ou seja:
S–O–S
O–O
S-S – O – S-S
Também:
S – S – O (– O)
O–O–S
S’ – o – S’
Em outro capítulo, afirmamos ser o dinheiro lastro e referência das personalidades sob o
capitalismo. O problema social e pessoal do dinheiro pesa em nosso ser e apresenta-se
enquanto tara temática, assunto permanente.
Também afirmarmos ser o psicopata a persona que melhor se adapta ao jeito do objeto.
Ainda hipótese a origem real do perfil, vejamos algumas:
1) Genética;
2) Sacudir a criança recém-nascida, lesão cerebral;
3) Desligamento do setor emocional do cérebro diante de grande impacto
emocional nos primeiros anos489 (como lâmpada quebrada por excesso de
energia).
Seja qual for e de qualquer modo, o socialismo fará caminho para dar fim aos homens
desprovidos da essência social humana.
Por suas “posturas”, o tipo apenas instinto e razão tem maiores probabilidades de
“crescer na vida”, na empresa, nos negócios, de ganhar a luta do homem contra o
homem. Os psicopatas tendem a ser os grandes burgueses, políticos, líderes religiosos,
gerentes, etc.
A luta de classes, nalgum grau, é uma luta biológica dentro de nossa espécie.
Boderline: sente imensa angústia de solidão e abandono ao mesmo tempo entra em crise
com a profundidade de laços.
Narcisismo: construir uma imagem, uma visão, de si ao outro por meios articficiais.
Dunker demonstra quanto isso está “normalizado” nas redes sociais, onde fazemos
nossa propaganda constante, interpretamos duplamente. Apenas é se o outro o confirma
enquanto sendo, se serve de espelho confirmante. Outra variante é a sensação de
despertencimento, de estar vivendo algo não seu.
Compulsões por compras. Uma doença comum para burlar as angústias, às vezes
“inexplicáveis”.
489
Desde evetos impactantes ao stress constante por falta e tensões da não satisfação da natureza
humana nos primeiros anos. Alguns indivíduos do tipo são capazes de “ligar e desligar” o processo
emocional na mente.
Aumento da esquizofrenia. A fragmentação do aparelho psíquico produzindo
alucinações análogas ao sonho aparece como resultado e reação do modo de
sociabilidade sob contante angústia e frustração.
Todos variações do grau de alienação após 1970 ou mesmo, em menor medida, antes
desta data. A baixa integração social, mutualismo e atividade autônoma – essência
social do homem – degeneram a psique. Ao lado disso, o peso da relação com as coisas
influênciam: a TV, o cinema, a Internet e a indústria fonográfica educam-nos para um
perfil narcísico, por exemplo; a sociedade do espetáculo.
Embora a histeria exista como perfil e doença, sua manifestação foi reduzida em grande
medida pelo menos no ocidente. A vida sexual mais fluida e maior possibilidade de
falar do íntimo – contribuição de Freud à cultura – supera relativamente esta doença de
outra etapa do capitalismo. A própria burguesia percebeu a pulsão sexual enquanto
fonte de lucro, meio de estímulo ao consumo e ferramenta da propaganda; veja-se a
relação cerveja e erotismo, associar mercadorias à resolução de angústias de instinto.
Precisamos agregar o passado histórico à análise. Os países citados têm uma tradição
milenar ligado ao Estado hipercentralizado. Em geral, conheceram o modo de produção
asiático, sustentado desde a burocracia estatal; viveram sob longas e duras dinastias
feudais (caso do czarismo russo) e sob “socialistas” ditaduras burocráticas – apenas o
determinismo econômico desconsideraria este fator histórico.
[Título:] Por que as vendas de desodorante são tão baixas na China e em outros países
da Ásia
Uma pesquisa de mercado feita pela empresa Euromonitor comprovou que a venda de
desodorantes é baixa entre os chineses e que há poucos consumidores regulares. Um
outro levantamento, da consultoria Labbrand, também chegou a uma conclusão
semelhante e foi além: fora das metrópoles, há o risco de simplesmente não se encontrar
o produto, já que ele "nunca foi uma necessidade no país".
Honghong Lu, editora de moda de 27 anos, que mora em Pequim, concorda. "Eu nunca
usei desodorante e nunca pensei em usar. Por que me preocupar em colocar alguma
substância química em meu corpo se ela é desnecessária?"
(…)
A característica - de não exalar esse cheiro - não é exclusividade dos chineses. Segundo
um estudo publicado na revista Nature Genetics, realizado por cientistas de
universidades japonesas, esse fenômeno chega a 100% entre coreanos e chineses da
etnia Han, do norte do país, afetando também a maioria de mongóis e descendo
gradualmente em direção ao sul e ao oeste do continente.
Segundo a Euromonitor, "a maioria dos sul-coreanos ainda não está acostumada a usar
desodorante, (...) e no Japão muitos só o usam em dias quentes, por considerá-lo
desnecessário quando as temperaturas estão baixas".490
490
http://www.bbc.com/portuguese/geral-37236480
Uma cultura pode ser mudada longe de necessidades naturais. Exemplo: quando as
mulheres de Portugual, da Coroa, fugiram para o Brasil, carregaram consigo uma
epidemia de piolhos; tiveram, então, que raspar a cabeça e usar turbantes no lugar das
perucas brancas da estilítica europeia. As brasileiras, pensando ser altivo tudo vindo do
além-mar, adotaram a nova moda…
(…) Nota à terceira edição: Hoje, graças à concorrência que desde então se instaurou no
mercado mundial, demos muitos passos à frente. “Se a China” – declara o parlamentar
Stapleton a seus eleitores – “se tornasse um grande país industrial, não vejo como a
população trabalhadora da Europa poderia enfrentar esse desafio sem decair ao nível de
seus concorrentes”, Times, 3 set. 1873. – Não mais salários continentais, mas salários
chineses! Esse é, agora, o objetivo perseguido pelo capital inglês. (O Capital I,
Boitempo, nota 53, p. 1407, vrsão digital.)
O contexto diferente quando tal projeto foi colocado em prática, com a restauração do
capitalismo, com a última fase do capital, oferece a este fato suas proporções também
diferenciadas. A transferência de capital produtivo à China, por razão da possivibilidade
de exploração e demais reduzir custos (ambientais, etc.), pressiona os salários mundiais
e demonstra como o capital deseja colocar fim aos “privilégios” dos trabalhadores nos
países imperialistas.
491
Lei dialética do desenvolvimento desigual e combinado: as vantagens relativas do atraso.
O SOCIALISMO
"Havia aqueles que, como Nietzsche, argumentavam que uma sociedade sem classes, se chegasse a
existir, sofreria de excesso de solidariedade e levaria a uma existência passiva como a de um rebanho, em
que o homem, extintos seus instintos de concorrência e de luta, degeneraria. No entanto, o socialismo,
longe de extinguir o instinto humano de emulação, o redimirá, direcionando-o para finalidades superiores.
Em uma sociedade livre dos antagonismos de classe não haverá competição pelo lucro nem luta pelo
poder político. As energias e paixões do homem se concentrarão na emulação criadora nos campos da
tecnologia, ciência e arte. Novos "partidos" nascerão e lutam entre si por ideias, pelo planejamento de
comunidades humanas, tendências da educação, estilo de teatro, música e esportes, sobre esquemas de
canais gigantescos, fertilização do deserto, regulamentação dos climas, novas hipóteses químicas, etc."
Isaac Deutscher - capítulo 3 do livro "O profeta desarmado", segundo livro da sua biografia de
Trotsky.
Ela virá. A revolução conquistará a todos o direito não apenas ao pão mas, também, à poesia.
Trotsky.
Enquanto aos relativamente excassos adversários da revolução soviética, se pode confiar no gênio
inventivo dos norteamericanos. Por exemplo, poderíam mandar a todos os vossos milionários não
convencidos a alguma ilha pintoresca, com uma renda para toda a vida, e que fiquem ali fazendo o que
lhes agradem.
Do debate até aqui, deduzimos dois caminhos para esta longa e dura crise:
socialismo ou barbárie, milícias operárias ou privadas, Estado Operário com democracia
socialista ou nazismo em permanência, tecnologia como base do bem-estar ou como
base da dominação coletiva, fim das classes ou regime castas fixas, tempo livre com
qualidade de vida ou tempo livre da multidão descartável com escravidão, fim das
fronteiras ou muros por todas as partes, educação científica universal ou fanatismo
religioso, abundância ou escassez forçada. Se formos vitoriosos, a humanidade terá se
salvado; se formos derrotados, o regime de Hitler ficará na história como um pequeno
embrião do verdadeiro monstro por vir.
O AMANHÃ
“Desde peças de avião até sapatos, passando por automóveis, agora tudo pode ser
impresso. É uma revolução que terá efeito sobre toda a cadeia industrial, desde a
concepção até o pós-venda.”
A fábrica está para o capitalismo como o feudo está para o feudalismo. A próxima
revolução produtiva, a do socialismo, aponta os objetivos seguintes, entre outros: a) os
produtos dispensarão o excesso de parafernália interna para funcionarem tal como
devem; b) unir-se-á vários valores de uso em poucos suportes; c) pouca e poucos tipos
de matéria-prima na produção; d) velocidade de criação; e) capacidade automatizada de
corrigir falhas e promover reparos, além de reciclagem; f) produzir materiais com
autossustentação energética – utilizando, por exemplo, algum elemento abundante no ar,
como o hidrogênio; g) facilidade de objetivar no produto a criatividade, as
particularidades e os desejos dos indivíduos.
492
Observemos o trabalho manual na história: 1) primitivismo – trabalho primitivo; 2) escravismo –
trabalho escravo; 3) feudalismo – trabalho servil; 4) capitalismo – trabalho assalariado. Visualizamos o
estrutural – trabalho: intercâmbio entre homem e natureza – nas formas conjunturais. O socialismo, se
vier, não anulará o trabalho prático no trabalho emancipado, já que o tornará auxiliar aqui e lúdico ali.
493
Site UOL Notícias.
A fábrica, forma-fábrica, expressa em si a etapa da humanidade, capitalista, da
histórica luta da espécie humana: ser social, mais do que natural. Enquanto o
escravismo e o feudalismo tinham na relação imediata com o solo e a natureza sua base
econômica mais avançada, as “casas de ferro” da produção sob o capital representam
um salto para frente, embora de modo invertido, na humanização da humanidade e da
natureza. A revolução social conlui, em médio prazo histórico, tal objetivo.
Guiados pela questão técnica e pelos clássicos, deduzimos o socialismo como uma
evolução de três etapas:
A revolução mundial terá um inicio destrutivo, pois serão guerras civis por todo o
mundo; ao mesmo tempo, erguer-se-á a partir das bases econômicas e culturais herdadas
do capitalismo. Assim, essa fase de transição terá como tarefa consolidar a nova
sociedade em nível planetário rumo ao avanço estável. Aqui, elementos do sistema
anterior estarão temporariamente em presença, definhantes; o Estado operário
revolucionário e a quantidade de organizações, por outro lado e por isso, aumentar-se-
ão. Já que corresponde uma luta interfronteiras, tratar-se de um processo que pode durar
anos ou décadas, mas não séculos.
494
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/news/view/1349
suas observações são corretíssimas, mas o papel de uma revolução é inaugurar uma
nova época de reformas: o papel da transição ao socialismo, antessala da transição ao
comunismo, é promover o definhamento gradual e acelerado do valor, do capital e da
alienação – mas, para isso, o Estado, por exemplo, crescerá no lugar de definhar. No
mundo concreto, o socialismo puro não surgirá um dia após a declaração de fim da
guerra civil revolucionária.
A prova mais direta de que o Estado será ampliado está numa conclusão simples,
desde a revolução russa: para defender-se de ameaças externas, será preciso o exército
regular. O programa das “milícias operárias” em substituição ao exército teve de ser
mudado e adaptado, ou seja, atualizado. O Exército Vermelho oferecia alguns
princípios: 1) dirigentes militares eleitos pelos trabalhadores, via seus organismos; 2)
hierarquia simples e direta: um dirigente por grupo de combate; 3) eleição de um
dirigente político para acompanhar o batalhão, propor, informar etc. sem impor e impor-
se sobre as decisões militares do dirigente responsável; 4) prioridade à formação de
quadros, do núcleo duro, vindos da classe operária; 5) os soldados enquanto tais não
poderiam revogar a qualquer momento o mandato de seu comandantes, pois a
indisciplina nos momentos defensivos geraria problemas.495
495
Poucos sabem fazer parte do programa comunista a formação de “cidades anarquistas”. Para provar,
na prática, a inviabilidade da teoria anarquista o Estado Operário, democrático, deverá oferecer uma
localidade para que os anarquistas de todo o mundo escolham e tentem implementar suas elaborações,
em comum acordo com os habitantes locais. Será ou serão regiões autônomas, longe de intervenções
diretas, mas não de todo independentes (por exemplo: não poderão surgir em ambientes estratégicos
para a defesa geopolítica, onde o exército precisa estar atuante).
3) É impossível, sob risco de dar passo maior que as pernas, implementar todo um
programa transicional de um só golpe;
4) Avançar ao socialismo só é possível se avançando para a revolução
internacional, o que leva algum tempo, entre avanços e recuos.
496
Citemos forte exemplo. No Chile, o governo de frente popular de Allende, ou seja,
contrarrevolucionário (impedir a revolução por meio de um falso governo operário no Estado burguês),
teve de ceder às ocupações de fábrica, pois o movimento foi fortíssimo. Depois, percebendo a
inevitabilidade da revolução agrária, antecipou fazendo a reforma no campo, atrasando a revolução
social. Após a alta moral – paciência das massas se esgontando e período de cansaço (momento
defensivo na situação revolucionária) –, com a confusão e esperança causada nas massas e na esquerda,
abriu-se a possibilidade clara de um golpe de Estado. Nas ruas, os trabalhadores pediram armas para
impedir a contrarrevolução: mas o presidente em pessoa as negou, pedindo aplausos ao “antigolpista” e
general Pinochet. Um governo burguês, seja qual for o tipo, é capaz de tudo, menos permitir as massas
organizadas em armas, já que isto é Estado. A tentativa “bondosa” de Obama, nos EUA, de restringir o
histórico acesso dos trabalhadores às armas – desde sua revolução burguesa – é exemplo da decadência
após 2008.
497
Na luta de classes, as vitórias são mais educativas que as derrotas.
Na medida do revolucionamento da sociedade, rumo ao comunismo, cada vez maiores
tempo livre e cultura, ao lado do desenvolvimento técnico-científico e da renovação
geracional, o poder poderá diluir-se – fim da política e fim dos partidos – cada vez mais
fluido e diretamente na massa aclassita.
498
Os únicos governos e regimes de Estado apoiados pelos comunistas – mesmo quando criticamente –
são os baseados no princípio da democracia socialista.
499
Exemplo: uma corrente política muito pequena, de baixíssimo peso social, pode defender suas ideias
em uma frequência de rádio FM própria sua, garantida pelo Estado ou por seus membros.
500
Esta proposta foi primeiro elaborada por Trotsky. Lenin a princípio a rejeitou, em seguida a assumiu
por sua para combater o processo de burocratização do Estado soviético.
501
Indicamos para primeiro contato: O Programa de Transição, de Trotsky; Introduccion al Programa de
Transicion, de Joseph Hansen e George Novack (aportes, editorial fontamara); O Partido e a Revolução,
de Nahuel Moreno; este capítulo e o conjunto da obra.
de Mészàros, clareia as dificuldades do marxismo contemporâneo de se atualizar e saber
com que clássicos contar, enquanto pontos de partida, para suas tarefas.
Última observação.
3. Comunismo.
Algo como um comitê geral, “nacional” e mundial, existirá apenas para poucas e
claras questões: algumas formais, outras para distribuição, outras ainda para melhor
integração internacionalista, científica e social; pois o nível de autonomia do indivíduo,
das localidades e mesmo dos produtos será altíssimo, sem necessidade de gestão
centralizada planejada-democrática ou controle na quase totalidade dos assuntos.
Exemplo: a maioria dos produtos será energeticamente autossuficiente, bastando poucos
e simples movimentos para que se recarreguem; as impressoras 3D e outros meios de
produção do futuro, muito melhores que os atuais, precisarão de pouca e abundante
matéria-prima para fabricar os produtos de que o indivíduo e a comunidade
necessitarão. O altíssimo nível cultural e a valorização geral da ciência-filosofia e das
artes e desporto elevará a integração humana e o progresso técnico. Algo como
“complexidade simples” ou “sofisticação simples” será rotina, embora não tenhamos
condições de detalhar este possível futuro para além dos seus aspectos mais gerais.
Neste momento, os conflitos serão não-essenciais, acidentais, parciais, secundários,
positivos e não-destrutivos.
502
Estas sociedades elevavam-se por meio da elevação do trabalho abstrato – na produção, onde surge
o mais-trabalho e o mais-valor –, não por um processo de sua destruição contínua.
O capitalismo também teve sua tríade-eras inescapável503:
503
Percebemos que o tempo das fases pós-capitalistas tende ir da curta à longa duração: transição,
socialismo, comunismo. O capitalismo, ao contrário, vai tendencialmente de ciclos de eras longas à
curtas: comercial, industrial, imperialismo. Como dizemos no capítulo “Três capitais, três eras, três
ciclos”: a causa é que cada ciclo de era evolui-se aproveitando os progressos anteriores, facilitando o
alcançar mútuo de seus ápices.
COMENTÁRIOS SOBRE A DIALÉTICA MATERIALISTA
“Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas
exatamente seu oposto.” (…)
(…)
A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede em absoluto que ele tenha sido o
primeiro a expor, de modo amplo e consciente, suas formas gerais de movimento. (…)
(…)
(.…) Em sua configuração racional, ela constitui um escândalo e um horror para a burguesia e seus porta-
vozes doutrinários, uma vez que, na intelecção positiva do existente, inclui ao mesmo tempo, a intelecção
de sua negação, de seu necessário desaparecimento. Além disso, apreende toda forma desenvolvida no
fluxo do movimento, portanto, incluindo seu lado transitório; porque não se deixa intimidar por nada e é,
por essência, crítica e revolucionária.
[Nota de rodapé 205ª:] A teoria molecular, aplicada na química moderna e desenvolvida cientificamente
pela primeira vez por Laurent e Gerhardt, não se baseia senão nessa lei. {Adendo à terceira edição: A
título de esclarecimento desta nota, bastante obscura para quem não é químico, observamos que o autor se
refere, aqui, às “séries homólogas” dos compostos de hidrocarbonetos, assim denominados pela primeira
vez por C. Gerhardt, em 1843, e possuindo, cada uma delas, uma fórmula algébrica própria de
composição. Assim, a série das parafinas: CnH2n+2; a dos álcoois normais: CnH2n+2O; a dos ácidos
graxos normais: CnH2nO2 e muitas outras. Nos exemplos anteriores, a simples adição quantitativa de
CH2 à fórmula molecular forma a cada vez um corpo qualitativamente diferente. (…)
CONCRETO E ABSTRATO
1.
3.
4.
“Os economistas do século XVII [que], por exemplo, começam sempre pelo todo
vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.; mas terminam sempre por
descobrir, por meio da análise, certo número de relações gerais abstratas que são
504
Para aprofundarmos: a floresta amazônica (abstrato) é um conjunto de árvores que juntas,
independente dos tipos específicos, produzem chuva no sudeste, biomassa, oxigênio, absorvem carbono
etc. Nesse sentido, o abstrato, árvores em geral, é “algo”, algo real e importantíssimo. Individualmente,
cada árvore produz frutos diferentes (concreto) e possuem características próprias que as diferem umas
das outras e das de sua própria espécie (concreto). Vemos que na relação abstrato-concreto existe
intimidade, sendo diferentes. O trabalho concreto produz valor-de-uso; o trabalho abstrato, valor. O
trabalho abstrato e o valor surgem da generalização, e este por meio da abstração enquanto redução
dos trabalhos a um único fator: administração indiferenciada do e a partir do tempo de trabalho; todos
os trabalhos e mercadorias são igualados, reduzidos, por um e em um aspecto comum. A generalização
existe pela unidade de natureza por redução àquilo que indiferencia os diferentes; ao generalizar, o
abstrato liga as concretudes.
determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos
isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas
econômicos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisão do trabalho,
necessidade, valor de troca, até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial.
O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é
concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por
isso, o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não
como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação.”505 (grifos nossos.)
Como observamos, está de acordo com os quatro critérios acima apontados. Porém,
Marx trata aí de um método do pensamento, de fazer ciência, não da realidade por si
mesma; digamos que, de maneira indireta, trata-se apenas de uma dialética do
pensamento ao reconstruir a estrutura dialética do real. Muito mais que isso, temos
percebido que esse processo de pesquisa, “mental”, também ocorre como lei geral do
próprio movimento da matéria, como fenômeno material em si. Observemos: a citação
segue a seguinte sequência: 1) concreto amorfo, disforme; 2) abstrato, as partes, o
adentrar cada vez mais nas partes de um todo; 3) reconexão das partes, retorno ao
concreto de modo superior.
505
Retirado de: Arquivo Marxista na Internet.
propostas pelo capital e pelo imperialismo, para essa necessidade objetiva. (Grifo
nosso.)
Na história das ciências essa tendência também se revela; todas as ciências eram,
em estado inferior, reunidas na filosofia; depois, foi necessário separá-las e desenvolvê-
las individualmente; agora, a tendência é reuni-las na físico-química, na psicologia
(ciências sociais somadas à biologia), no marxismo (fusão de todas as chamadas
ciências humanas em uma única ciência – a ciência humana –, incluindo influência de
base da biologia, etc.).
506
Engels expressa o mesmo exemplo, onde podemos observar o abstrato, maior fragmentação do
trabalho e mais proletários, e, depois e em paralelo, o caminho ao concreto, o maquinário absorvendo e
fundindo em si as habilidades humanas: “[A revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o
proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se
tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os proletários somente
por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a
multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao
mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se
torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num mesmo
lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se
desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais,
como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação
do proletariado cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o
descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução
da sociedade pelo proletariado.” (Princípios Básicos do Comunismo (1847). Obra que dá origem ao
Manifesto. Extraído de: https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm)
revoluções sociais plenas, conclusas. Como demonstrar isto pela via lógica? Pelo
movimento concreto-abstrato-concreto: um retorno ao negado, à afirmação, de outro e
superior modo.
Engels:
No lugar dos catalães que negociavam com o Levante, surgiu a Espanha inteira,
grande e unificada, comerciando com a América; ao lado dela apareceram dois grandes
países, a Inglaterra e a França; e mesmo os menores, Holanda e Portugal, eram pelo
menos tão grandes e tão fortes quanto Veneza, a nação mercantil maior e mais forte do
período anterior. Isto dava ao mercador navegante, nas empresas aventuradas dos
séculos XVI e XVII, um apoio que tornava a corporação que protegia os
associados, inclusive com armas, cada vez mais supérflua, e os custos dela,
nitidamente importunos. Então passou a desenvolver-se muito mais rapidamente a
riqueza individual, e logo apareceram comerciantes isolados que podiam empregar
num empreendimento tantos fundos quanto uma sociedade inteira. As sociedades
comerciais sobreviventes em sua maioria se transformaram em companhias armadas
que, sob a proteção e a soberania da metrópole, conquistavam países inteiros recém-
descobertos e os exploravam em regime de monopólio. Quanto mais nos novos
territórios se estabeleciam colônias, predominantemente fundadas pelo Estado,
tanto mais o comércio corporativo recuava ante o comerciante individual e por
conseguinte cada vez mais o nivelamento da taxa de lucro estava na dependência
exclusiva da concorrência.
(…) Essa elevada taxa de lucro obtida pela ação de caráter coletivo da corporação,
igual para todos os participantes, só tinha validade local, dentro da corporação, portanto
da "nação", no sentido considerado aqui. Os venezianos, genoveses, hanseáticos,
holandeses tinham, cada uma dessas nações de per si, taxa de lucro própria que no início
poderia variar conforme o local de negócios. Pelo caminho oposto, pela concorrência
impôs-se o nivelamento dessas diversas taxas de lucro corporativas. Essa uniformização
atingiu primeiro as taxas de lucro, nos diferentes mercados, para a mesma nação.
CENTRAL E ORBITANTE
CONCENTRAÇÃO-CENTRALIZAÇÃO E DISPERSÃO-DESCENTRALIZAÇÃO
4. No Estado, a instituição central coloca outras sob sua órbita. Assim, no Brasil,
o presidencialismo adestra o parlamento e o judiciário. Uma mudança no regime é uma
mudança da instituição centralizante, especialmente quando outra se desgasta por
excesso em sua tarefa;
Estamos tratando dos aspectos gerais; talvez rendesse um livreto próprio os temas
destes comentários. Por exemplo: além da relação entre dois corpos (Sol e planetas, Via
Láctea e galáxias orbitantes, etc.), aparece uma relação de disputa, uma tripla ou tríade
relação, de quem será orbitado. Por isso, a força material precisa ser entendida.
3. Método usado por guerrilhas, por exemplo, onde o comando central dá ordens a
grupos dispersos e pequenos para que promovam suas ações. A centralização serve para
compensar, nesse caso, a pouca concentração – otimizando suas capacidades. Um grupo
pequeno pode ser mais forte do que é numericamente e mais poderoso do que grandes
agrupamentos por razão de sua capacidade organizativa;
Assim:
TRÍADE E COLATERAL
A lógica dialética materialista, marxista, por outro lado, apresenta uma relação
triangular, tríade, onde dois elementos costumam ser centrais e outro, não raro,
apresenta-se intermédio ou liga – embora a dualidade não estática exista (duplo caráter,
por exemplo) –, em um movimento circular na totalidade e em espiral quanto à
evolução. Para breve esboço: duplo-caráter interno, triangular nas inter-relações,
circular nos movimentos de totalidade e espiral quanto à evolução dialética (saltos,
saltos por ruptura, negação da negação, desigual e combinado, etc.509).
507
http://exame.abril.com.br/ciencia/cientistas-descobrem-9-galaxias-anas-orbitando-a-via-lactea/
508
Podemos considerar além. Toda a história humana e das sociedades de classes são a busca – por
mediações e desigualdades – da concentração e centralização máxima de todos os aspectos da vida
social, qual seja, o comunismo, cuja expressão desta lógica é a desalienação, integração (os termos
dialéticos citados, concentração e centralização, podem causar alguma confusão subjetiva/conceitual ao
serem associados erroneamente, neste caso, ao burocratismo, ditaduras ou imperialismos). Rápida
amostra: no primitivismo, o pajé, líder ou ancião era a expressão frágil do poder; no escravismo, surge o
Estado, que é superior à relação tribal – incluso territorialmente; depois, Idade média produz um novo
Estado, absolutista ou feudal – melhor preparado, em geral, que seu antecessor; em sequência, o Estado
burguês aparenta-se como grande evolução deste tipo de superestrutura; porém, o Estado operário,
com sua própria democracia e economia estatal-coletiva-planejada-mundial – ou seja: maior
concentração e centralização –, será o máximo exemplo; só superado pelo comunismo, onde o aparelho
definhará e administrará somente as coisas, não os homens. Outro, na natureza: o Sol, daqui há alguns
bilhões de anos, expandirá sua massa, engolindo os planetas e luas de seu sistema. Conclui-se: o
máximo de algo é também a sua superação.
509
Na visualização lógica da sociedade; a historiografia oficial fala da história como pêndulo e, ou,
mudanças graduais em evolução linear. É uma visão em 2D. Em 3D e 4D – em metáfora, claro – entra o
materialismo histórico e dialético: a impressão ilusória de pêndulo é, na realidade, um movimento em
Para abstrairmos, algumas inter-relações tríade dialética: a) infraestrutura, estrutura,
superestrutura; b) ID, ego, superego; c) inconsciente, subconsciente, consciente; d)
proletariado, setores médios, burguesia; e) acorde Dó formado por dó, mi, sol; f)
indústria de bens de produção, indústria de bens de consumo, indústria bélica; g)
prótons, elétrons, nêutrons; h) relação edipiana filho, mãe, pai; i) forças produtivas
natureza, técnica, homem; j) matéria-prima, maquinário, trabalhador; etc. – quando e se
há, um quarto elemento ou o que destoa chamemos colateral.
Vale dizer; a dialética, além de negá-la, utiliza a lógica formal como ferramenta
auxiliar510.
Na física, podemos expressar nos quatro estados da matéria: sólido, líquido, gasoso
e plasma. Tão mais presente no Sol, centralizador de orbitação, concentrado e
centralizado (de massa, de matéria), este último elemento expressa na cosmologia a
abstração trabalhada neste terceiro comentário.
E:
Ultilizando tal ferramenta, Hegel afirmou exitir três macroclimas: muito úmido, muito
seco e o intermediário entre ambos (tríade). Leitor diciplinado da produção hegeliana,
Euclides da Cunha, afirmou, na obra Os Sertões, ter o filósofo alemão deixado de notar
o perfil de alguns climas brasileiros, em especial o sertão (no livro citado, faz
comentários sobre este fator sui generis de norte a sul da nação, em diferentes
paisagens), onde as chuvas em excesso por meses ocorrem após secas por maior
período, onde o calor violento do dia contrasta com o frio agressivo da noite, etc.
(colaterais).
DUPLO CARÁTER
Na física subatômica:
(…)
Eles não seriam os únicos. Glúons e até mesmo bósons de Higgs são considerados
suas próprias antipartículas. Mas se os cientistas descobrirem que os neutrinos são suas
próprias antipartículas, isso poderia ser um indício a respeito de onde eles conseguem
suas minúsculas massas – e se eles desempenharam um papel na existência de nosso
universo dominado pela matéria.
(…)
Os cientistas pensam que, logo após o Big Bang, o universo deveria ter quantidades
iguais de matéria e antimatéria. Os dois tipos de partículas deveriam ter interagido, e
gradualmente se aniquilariam até que nada além de energia restasse. De alguma forma,
não foi isso o que aconteceu.511
Segundo exemplo:
A mecânica quântica nos diz que a luz pode se comportar simultaneamente como
onda e partícula. No entanto, nunca houve um experimento em que se conseguiu
capturar ambas as naturezas da luz ao mesmo tempo; o mais perto que conseguimos foi
ver ou onda ou partícula, mas sempre em vezes diferentes. Tomando uma mudança
radical, cientistas do EPFL conseguiram a primeira captura de imagem da luz se
comportando como onda e partícula. O trabalho inovador foi publicado na Nature
Communications.
Quando a luz ultravioleta atinge uma superfície metálica, é causa uma emissão de
elétrons. Albert Einstein explicou esse efeito fotoelétrico propondo que a luz – que
pensava-se ser apenas uma onda – era também um fluxo de partículas.
511
http://www.universoracionalista.org/o-neutrino-e-sua-propria-antiparticula/
(…)
“Esse experimento demonstra que, pela primeira vez, nós podemos filmar a
mecânica quântica – e sua natureza paradoxal – diretamente,” disse Fabrizio Carbone.
(…)512
Pelos exemplos, um polo existe em função do outro, um reforça o outro por meio
do oposto513. Ao determinante e ao não determinante no duplo caráter, vale a sabedoria
popular: dois pesos, duas medidas.
APARÊNCIA E ESSÊNCIA
512
http://www.universoracionalista.org/primeira-fotografia-da-luz-como-particula-e-onda/
513
Dito de outro modo: transforma-se e manifesta-se como o oposto para, logo depois, retornar ao seu
estado; o contrário tem oculto dentro de si o outro polo.
esta dupla natureza, na investigação, partimos para além dela própria e também
partirmos dela para alcançar o essencial.
A proporção determina a forma como a aparência revela-se, seja medida física seja
da natureza do objeto (totalidade ou não totalidade, complexo ou não complexo). A
investigação permite atravessar esta miragem: a essência supera esta questão de
aparência.
SUBJETIVAÇÃO DA OBJETIVIDADE
A DIALÉTICA DA DIALÉTIVA
514
Em nível aparencial (para a dialética materialista, uma expressão do real, verdadeiro), parcial e
concreto, a objetivação da subjetividade existe como no caso do poeta ao escrever seu poema. Porém,
ele expressa nas palavras, de modo inexato (a linguagem é uma expressão inexata da essência-
pensamento), sua própria subjetivação do material. Em essência, visto com o todo e nos processos
gerais, numa dimensão de escala diferente, a objetividade antecede no ciclo matéria-ideia-matéria
(sendo a ideia um fenômeno materialista especial); um exemplo: a crise prejudica os operários
(matéria), estes sentem necessidade de luta e organização (ideia, subjetivação da objetividade) e
organizam um sindicato (matéria, objetivação da subjetividade). Portanto, essas duas formas de medir
estão interligadas, e o essencial define. Ademais, dado o real e suas objetividades e probabilidades, o
cérebro não é apenas e sempre receptor passivo, pois pode – a partir da matéria-prima absorvida –
pensar, concluir, descobrir, criar e direcionar ações.
Na dialética, a essência gera a aparência, que é a manifestação daquela. Aparência é um fenômeno real,
um “algo”; a essência determina e influencia o aparencial, que pode ser mais ou menos contraditório
com o essencial. Porém, a aparência, como manifestação e algo em si, também influencia sua “fonte”,
digamos dessa forma. Exemplo: se o valor de troca (aparência) de uma mercadoria, o preço, fica muito
abaixo ou muito acima do seu valor (essência, medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário
para [re]produzir uma mercadoria) gera ou crise na economia ou, no segundo caso, inflação, sintoma de
monopólios, etc. A aparência manifesta-se, não raro, como o contrário, o inverso da essência – parece
que o Sol gira em torno da Terra. Por isso, na ciência o fato em si é diferente da natureza desse mesmo
fato, o fato difere-se do processo.
515
Encarnado nos objetos, incluso o objeto humano, o valor é um quase ser, de um existir inexistente. É
e expressa uma relação social.
Todos os erros nos estudos da dialética resumem-se em apreendê-la não
dialeticamente. Procura-se definição onde se defende descrição; cai-se em positivismo,
formalismo, jogos de linguagem, etc. Se pudermos, de alguma forma, definir qual a
categoria central da dialética; digamos quais, no plural: totalidade, contradição e
movimento516. Então, por que não uma somente? Porque uma apenas é incapaz de
expressar o objeto.
(…)
516
Movimento equivale ao movimento em si, mudança e transformação; além de estados transitórios.
517
Uma reconstrução no enfoque tanto lógico quanto histórico.
No ano passado, recebi a visita de um jovem professor inglês, de economia política,
simpatizante da Quarta Internacional. Durante nossa conversa sobre as formas e meios
para realizar o socialismo, expressou, repentinamente, as tendências do utilitarismo
inglês, no espírito de Keynes e outros: "É necessário fixar um claro objetivo econômico,
eleger os meios mais racionais para a sua realização" etc. Eu assinalei: "Vejo que você é
um adversário da dialética". Respondeu-me com certo assombro: "Sim, não vejo nada
de útil na dialética". "No entanto — respondi-lhe — a dialética me permitiu determinar,
fundamentando-me em umas poucas observações suas sobre problemas econômicos, a
que setor do pensamento filosófico você pertence. Só este fato demonstra que existe um
valor apreciável na dialética". A partir de então, ainda que não tenha tido noticias sobre
meu visitante, não tenho nenhuma dúvida de que ele defende a Opinião de que a URSS
não é um Estado operário, que a defesa incondicional da URSS é uma opinião "fora de
moda", que nossos métodos organizativos são maus etc. Assim como podemos
estabelecer o tipo geral de pensamento de uma dada pessoa, baseados na sua relação
com os problemas práticos, concretos, também é possível predizer, aproximadamente, e
uma vez conhecendo seu tipo geral de pensamento, como ele se aproximará de um
determinado indivíduo ou de outra questão prática. Este é o incomparável valor
educativo do método dialético de pensamento.
(…)
A dialética não é ficção ou misticismo, mas uma ciência das formas de nosso
pensamento, na medida em que não se limita aos problemas cotidianos da vida, mas
tenta chegar a uma compreensão de processos mais amplos e complicados. A dialética e
a lógica formal mantêm uma relação semelhante à que existe entre as matemáticas
inferiores e as superiores.
(…)
(…)
Mais acima, também tentamos demonstrar que a questão não se refere somente ao
problema russo, mas ao método de pensamento da oposição, que possui raízes sociais.
A oposição está sob a influência das tendências e dos estados de ânimo da pequena-
burguesia. Esta é a essência de todo o problema.
(…)
(…)
I.
518
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/12/15_01.htm
Primeira: da aparência (Livro I, quatro primeiros capítulos) à essência (Livro I,
capítulo cinco até final o Livro II) e retorno à aparência a partir da essência (Livro III).
É impossível tratar (este verbo é inexato, pois as categorias acima são mecanismos
para tratar do objeto) um aspecto abstraindo outros, pois seria negação do real, sua
dialética. Por isso, os três livros possuem as três categorias como premissas básicas, em
diferentes níveis e modos de hierarquia.
519
Kurz faz ótima crítica “aos marxistas que apenas leram o Livro I”. E critica o estilo literário de Marx:
quando este fala de produção e valor na fábrica, tem de dar tal exemplo, mas está suposto a totalidade
naquele caso. Este primeiro tomo deve ser lido com tal cuidado.
No livro III, categoria-chave contradição: a concorrência; distanciamento dos
preços em relação aos valores; crises; contradição entre pensamento prático do
capitalista e a realidade demonstrada pela teoria; a concorrência (de fato, resolve
inúmeras questões teóricas antes insolúveis) como fonte do nivelamento das taxas de
lucro; capital fictício etc.
O parágrafo citado, que abre o livro III, também reforça as formas expostas de
início: aparência-essência-aparência e do abstrato ao concreto. Antes de ser uma questão
de estilo, o trabalho de exposição dos resultados exige este tipo de avanço.
III.
O Capital é:
O NOVO
O novo em dialética:
520
Mesmo na reprodução simples, fora da escala ampliada, bastou-o considerar o espaço-tempo. Na
lógica formal, este fator, tempo e espaço, é abstraído, sendo considerado pela dialética.
2. Combinação do desenvolvimento desigual (das partes na totalidade);
3. Fusão de elementos diferentes;
Acrescentemos:
SER
1) Totalidade;
2) Contradição;
3) Movimento.
1) Unidade;
2) Relação;
3) Atividade.
Determinada totalidade pode existir porque suas partes possuem algo em comum,
alguma identidade; o capitalismo é total na medida em que tudo, até pessoas, tornam-se
formas do valor-capital521. Da relação, toda contradição é “relação contraditória”522. Por
atividade traduzimos enquanto “pulsão”, “pulsão de agir” inerente, potência; o ato de
agir precedendo a ação em si (por fora da abstração523: o motor é a contradição
dialética). Afirmar-se existente é estado ativo e sua condição, rumo à superação de si,
ou seja, negar-se.
A busca de Aristóteles por entender o Ser enquanto Ser – metafísica, além da física,
além das formas524 – pode ser resgatada de modo superior pelo acúmulo teórico e
filosófico da humanidade.
Consequência x
Causa Consequência y
Consequência z
521
Estamos em abstração: a totalidade é contraditória, quer seja, tem a negação de seu caráter de
totalidade em si; e isto pede movimento dialético.
522
Outra abstração: se consideramos apenas contradição, vemos apenas o dissolver, o destrutivo.
523
Ou seja: tratar atividade e movimento enquanto categorias em si, separadas, isoladas, das
interrelações com os demais fatores.
524
Aqui, metafísica nada tem a ver com misticismo, religiosidade, o além, etc. Pode ser traduzido como
ontologia (o marxismo tem sua ontologia própria).
Há aí uma rede ou leque, menor ou maior, de possibilidades. Exemplo: a depender do
fator subjetivo, humano, a crise sistêmica do capitalismo pode derivar uma sociedade
comunista, ou a barbárie, ou o fim de nossa espécie.
Causa x
Causa y Consequência
Causa z
X causa Y consequência
Y causa X consequência
George Novack:
A regra que diz que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos não é incondicional
e geral. A lei só é válida quando a história produz as mesmas condições, mas
geralmente há diferenças para cada país e constantes mudanças e intercâmbios entre
eles. As mesmas causas básicas podem conduzir a resultados muito diferentes e até
opostos.
Por exemplo, na primeira metade do século XIX, a Inglaterra e os EUA eram ambos
governados pelas mesmas leis do capitalismo industrial. Mas estas leis operavam sob
diferentes condições nos dois países e produziram resultados muito diferentes na
agricultura. A enorme demanda da indústria britânica por algodão e alimentos baratos
estimulou poderosamente a agricultura norte-americana, ao mesmo tempo que os
mesmos fatores econômicos sufocaram os camponeses da Inglaterra. A expansão da
agricultura num país e sua contração no outro foram conseqüências opostas, mas
interdependentes, das mesmas causas econômicas.
K. Marx:
MOVIMENTO DIALÉTICO
525
https://www.marxists.org/portugues/novack/1968/lei/cap01.htm#ti16
materialista Demócrito, maior pensador grego depois de Aristóteles, foi quem
inaugurou tal percepção sobre a relação sujeito-objeto. Façamos síntese de outro modo:
as categorias movem-se, transformam-se, umas paras outras; os processos mudam os
objetos uns para outros mantendo o a natureza real e oculta presente.
Hegel considerava a generalização do mundo do capital, nova forma, a base para a plena
sociedade. Nesta conclusão, supôs o Estado (burguês) a racionalidade coletiva
encarnada contra a construção e desenvolvimento da individualidade, em modo egoísta,
desde a origem das sociedades, equilibrando o coletivo e o individual. Estava, portanto,
de acordo com a economia política de sua época, em especial Adam Smith, sobre a
tendência do capitalismo à harmonia e o egoísmo enquanto base, na totalidade, do
coletivismo inconsciente. Por isso, supunha a contradição enquanto temporário e
aparencial.
Isto refuta a concepção dos marxistas sobre a contradição enquanto uma das categorias
centrais da dialética? Isto confunde categoria central com essencial. Em primeiro, as
contradições não essenciais moveriam a humanidade (polêmicas científicas, por
exemplo). E, enquanto um ser ontológico, o ser social continuaria a ter contradições
com os seres inorgânico e, talvez em menor medida, orgânico. Para vermos, basta ter
em conta a finitude dos recusos naturais de nosso planeta, desafiando-nos a conquistar o
cosmos (conclusão de Moreno, Teses Para Atualização do Programa de Transição).
Com o avanço da última etapa, o comunismo avançado, a espécie humana poderá
superar-se enquanto espécie, ser uma nova… Isto acerretaria inúmeras questões.
HIPÓTESES
1. O Imperialismo é a fase de decadência do capitalismo. Desde o final da
década de 1970 e, especialmente, no inicio do século XXI, vivemos o período de
decadência da fase Imperialista;
2. O capital necessita transferir-se e acumular-se em países como China, Rússia,
Brasil, Índia, etc.;
3. Por todas as alienações e desalienações observadas nas 14 teses, percebemos
países como China e Rússia desejando determinar a divisão mundial do trabalho;
4. Desejam ampliar a dependência do capital por seus países, transformando
parte significativa do mundo em comerciais/consumidores e produtores de matéria-
prima (dialética central-orbitante);
5. A conjuntura tornou-se favorável a estas nações (e a outras, pois o Brasil
ainda medeia-se entre estes e os EUA) desde o início desta crise mundial, com a
decadência dos norte-americanos;
6. O arsenal nuclear, que antes evitava a guerra, permite um nivelamento das
condições de enfrentamento;
7. O surgimento de novos imperialismos só pode gerar contradições. Portanto,
uma III Guerra Mundial é uma hipótese provável: antes, preparando o caminho; depois,
“terceirizando” o conflito – provavelmente; por fim, a guerra aberta. A possível
construção de uma grande estrada de ferro no Brasil, promovida pela China, é um sinal
do interesse econômico e, por isso, militar – os conflitos tendem a avançar de relativos
para absolutos;
8. O autoritarismo estatal chinês e russo facilita o caminho, tendendo a estimular
regimes semelhantes em outras nações;
9. A atuação na Síria e Ucrânia são sintomas;
10. O núcleo central de todo exército é a sua infantaria. A China, por exemplo,
possui dois milhões de soldados (não por acaso o Japão reativou seu exército);
11. A relativa posição vantajosa dos novos imperialismos, Sui Generis, dar-se
também porque não se pode simplesmente desconectá-los do mundo, da economia, por
serem a fábrica-mundial. Esta é uma vantagem relativa em caso de conflito;
12. EUA tentou reverter este processo contraditório – centro produtivo / centro
consumidor e administrativo – com o projeto ALCA, mas foi derrotado. Alemanha
consegue relativizar a tendência com o Euro e a União Europeia, além da robótica;
13. A sociedade global está mais que madura para o socialismo, apesar da maior
fragilidade da classe produtora (compensada por sua maior ligação com outras classes
oprimidas urbanas). Porém, com a queda do muro de Berlim, a burguesia não vê o
comunismo como uma ameaça imediata; para isto contribui o mais incrível aparato de
espionagem já criado, a internet;
14. A crise mundial é do último ciclo de era, não-cíclica, na medida em que, pelo
grande avanço da técnica de produção e transporte, como a robótica, tende à
superprodução crônica. A crise também é estrutural na medida em que coloca em
risco/crise todos os aspectos que permitem o capitalismo, como a família
monogâmica526, o meio ambiente (terra, natureza), o Estado (dívidas públicas estruturais
e enormes; privatização de seus serviços; maior internacionalização da economia;
desnacionalização da moeda; possibilidades novas, via internet, de internacionalismo
proletário; etc.), etc. Há a possibilidade, por isso, de uma nova meia-revolução
industrial com a finalidade, de um lado, de controlar a coletividade, a luta de classes (a
internet das coisas, por exemplo) e, de outro, maior concentração e centralização do
capital comercial e da área de serviços;
15. Ou entramos no período de longas e duras revoluções socialistas, impedindo a
guerra ou destruindo-a, ou entraremos em uma decadência duríssima, com o modelo
Made in China sendo a nova normalidade mundial, independente do lado vencedor.
526
“A pílula anticoncepcional desferiu o golpe fatal no sistema patriarcal, que se sustentava apoiado no
controle da fecundidade da mulher.” (Regina Navarro Lins, psicanalista e sexóloga.)
APÊNDICES
Esboços
ESBOÇO SOBRE A CULTURA DO BRASIL
Esta expressão cultural se expressa nas palavras, embora Moreno tenha pouco considerado isso:
Los inmensos poderes otorgados a los donatarios tampoco significan feudalismo; esos poderes
todavía existen en nuestros días. El jefe de una escuadra en alta mar, los comandantes de los
ejércitos, los gobernadores en ocasiones excepcionales disponen todavía hoy de poderes casi tan
grandes corno los concedidos a aquellos donatarios. Estamos, pues, seguros de que nuestras
donaciones, dejando de lado el carácter hereditario de las concesiones, sólo son feudales en los
términos, muchos de ellos todavía hoy en uso. Puédese alegar que en lo que concierne a las
concesiones su aspecto jurídico se asemeja a las instituciones feudales. Pero esto se observa
527
Cuatro Tesis sobre la Colonización española yportuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
también en la actualidad. El régimen de nuestras minas se caracteriza porque el poseedor de la
mina no es sino un concesionario, que así la trabaja, ejerciendo una función social”.528
Para demonstramos como isto se alargou até nossos dias; em entrevista ao programa Roda Viva
(13/05/2013529), o escritor peruano Mario Vargas Llosa exemplifica a influência cultural
medieva:
Repórter: E encontrou realmente [ao visitar o interior da Bahia] a idade média de Os Sertões [de
Euclides da Cunha] (…)?
Achei coisas maravilhosas… que não acreditei. Achei trovadores ambulantes que cantavam
romances portugueses medievais. Que falavam dos 12 pares da França num povoado chamado
Uauá. Eu não podia acreditar nisso! Tocando a baguala, cantando romances portugueses
medievais… Era entrar num mundo de quase fantasia, um mundo de fantasia; era pura literatura.
"a elevada rentabilidade do açúcar, produto de lavoura exclusivamente comercial, não permitia
ao lado dos canaviais a fixação da atividade criatória complementar, porquanto lhe diminuiria as
áreas para agricultura. A penetração do interior adveio como consequência." (2001, p. 28)
528
Idem.
529
https://www.youtube.com/watch?v=YUJKgDXSo-o
“[…] Elemento preponderante na formação piauiense, na medida em que concorreu para a
integração da área na obra de unidade nacional, apresentou sempre caráter de subsistência,
limitando por isso mesmo, as fronteiras econômicas aquém e além do Piauí” (SANTANA,
2001, p. 32.).
1. Infraestrutura ou economia;
2. Relações de produção, classes sociais, grupos humanos;
3. Superestrutura subjetiva ou tudo referente à mente humana: valores, filosofias,
moral, ideias, ciência etc.
4. Superestrutura objetiva, ligada ao ponto anterior e ao todo: religião, escola, Estado
etc.
530
Cuatro Tesis sobre la Colonización española yportuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
Assim, os estados feudais da Europa foram adquirindo duplo caráter, feudal e burguês, na
medida em que davam suporte à colonização e ao mercado mundial. O desenvolvimento
desigual, diferenciado, das abstrações do concreto geram formações próprias, particulares; para
isso, temos de notar e incluir toda a “superestrutura subjetiva” na análise, ou seja, por exemplo,
o descobridor desta lei, Leon Trotsky, agregou a mistura do feudalismo com o capitalismo na
sociedade russa e, com isso, incluiu na avaliação a entrada da melhor e mais avançada “ciência
ocidental” na mentalidade daquele país atrasado, como o socialismo científico531.
531
“Não esqueçamos, caros ouvintes, que o atraso histórico é uma noção relativa. Se existem países
atrasados e avançados, há também uma ação recíproca entre eles. Há a opressão dos países avançados
sobre os retardatários, bem como a necessidade para os países atrasados de alcançar aqueles mais
adiantados, adquirir-lhes a técnica, a ciência etc. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento:
as características mais atrasadas se ligam à última palavra da técnica e do pensamento mundiais. Enfim,
os países historicamente atrasados são por vezes obrigados a ultrapassar os demais. A elasticidade da
consciência coletiva confere a possibilidade de conseguir, em certas condições, sobre a arena social, o
resultado que em psicologia individual se chama “compensação”. Pode-se afirmar, neste sentido, que a
Revolução de Outubro foi para os povos da Rússia um meio heroico de superar sua própria inferioridade
econômica e cultural.” (Conferência pronunciada por Leon Trotsky em 27 de novembro de 1932, em
Copenhague, Dinamarca. Este texto foi publicado na Revista Marxismo Vivo nº 16.)
532
Provável porque de classe média e ligado ao trabalho intelectual, Nietzsche considerava a música a
maior das artes. Do ponto de vista social e do trabalho manual, a dança, sob ajuda direta da música, é
forma ímpar de arte; ademais, exige certa teatralidade.
6. O filósofo e sociólogo Bourdieu teorizou o carnaval como o antídoto tupiniquim contra
ideais autoritárias, pois, ele supõe, toda a parte doentia e animalizada da sociedade
poderia ser ali espessa, consumida. O autor desconsidera, assim, a monarquia, o
semifacismo de Getúlio Vargas e a ditadura civil-militar nacional, ou seja, desconsidera
informalmente a história. Como se sabe, os brasileiros fetichizam os franceses na
mesma proporção em que os franceses fetichizam os brasileiros; na realidade, o
contrário: somos festivos, livres, alegres, iguais e amáveis no carnaval porque os não
somos no cotidiano e o “fascismo cultural” é uma norma interna, fruto do capitalismo
num país atrasado e do passado escravista. A festividade é a hora de sermos aquilo que
deveríamos ser e gostaríamos de, mas ainda faltante.
Para fugirmos da visão economicista, vejamos o que Marx fala sobre o clima:
O chocalhar ósseo-carnal permite o ser reencontrar a autonomia do corpo. O cotidiano força o corpo a
ser domado por forças alheias a si; adapta-se à máquina, ao trabalho, ao meio de transporte, às ordens
de outrem; e nega-se. Dançar, portanto, permite o reencontro com o outro e consigo, o sentimento de
liberdade, de soltura, de existência, de eu e de eu social-biológico. Produz, afinal, o prazer.
533
Exemplo: a burguesia exigia de Getúlio Vargas a repressão total do movimento operário; o ditador,
no entanto, preferiu fundar um novo sindicalismo legal e estatal, “pelego”. Aliás, a ditadura getulhista
ocorreu por dois fatores: a) derrotar o movimento operário; b) preservar e modernizar Estado burguês
diante das duras lutas irresolvíveis entre frações da classe dominante.
“Uma vez pressuposta a produção capitalista e uma dada duração da jornada de trabalho, a
grandeza do mais trabalho variará, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, de acordo
com as condições naturais do trabalho, sobretudo com a fertilidade do solo. Mas disso não se
segue de modo nenhum, inversamente, que o solo mais fértil seja o mais adequado ao
crescimento do modo de produção capitalista. Este supõe o domínio do homem sobre a
natureza. “Uma natureza demasiado pródiga conduz o homem com as mãos, como uma criança
em andadeiras”. Ela não faz do desenvolvimento do próprio homem uma necessidade natural. A
pátria do capital não é o clima tropical, com sua vegetação exuberante, mas a zona temperada.
Não a fertilidade absoluta do solo, mas sua diferenciação, a diversidade de seus produtos
naturais é que constitui o fundamento natural da divisão social do trabalho e incita o homem,
pela variação das condições naturais em que ele vive, à diversificação de suas próprias
necessidades, capacidades, meios de trabalho e modos de trabalhar. É a necessidade de controlar
socialmente uma força natural, de poupá-la, de apropriar-se dela ou dominá-la em grande escala
mediante obras feitas pela mão do homem o que desempenha o papel mais decisivo na história
da indústria. Assim foi, por exemplo, com a regulação das águas no Egito, na Lombardia,
Holanda etc. Ou na Índia, Pérsia etc., onde a irrigação, mediante canais artificiais, não só leva
ao solo a água indispensável, mas também, com a lama arrastada por ela, o adubo mineral das
montanhas. A canalização foi o segredo do florescimento industrial da Espanha e da Sicília sob
o domínio árabe.”
Uma nova pesquisa revelou que, usando big data para analisar conjuntos de dados maciços de
notícias modernas e históricas, desde mídias sociais a páginas da Wikipédia, pode-se observar
padrões periódicos no comportamento coletivo da população, que poderiam passar
despercebidos.
(…)
(…)
O primeiro artigo, publicado na revista PLOS ONE, analisou 87 anos de jornais dos EUA e do
Reino Unido, entre 1836 e 1922. Os pesquisadores descobriram que o lazer e o trabalho das
pessoas eram fortemente regulados pelo clima e pelas estações, no Reino Unido e nos EUA.
Grande parte de nossa dieta foi influenciada pelas estações, também, com tempos de pico muito
previsíveis para diferentes frutas e alimentos, e até flores, nas notícias históricas. O mesmo foi
encontrado para doenças, como a época de pico para o sarampo onde, em ambos os países, foi
detectado com mais frequência no final de março ao início de abril. Curiosamente, um indicador
forte foi fornecido pela reaparição muito periódica de groselhas, em junho, que não é mais
encontrada nas notícias modernas, junto com muitas outras tradições perdidas.
Isso pode parecer óbvio, mas a equipe de pesquisas também notou que certas atividades que
costumavam ser altamente regulares, como palestras no Natal, agora quase desapareceram, e
foram substituídas por outras atividades periódicas, como o futebol, Ibiza, Oktoberfest. De certa
forma, a TV substituiu parcialmente o clima como um fator importante de sincronização da vida
das pessoas.
No segundo trabalho, que será apresentado no próximo mês, em uma oficina, na Conferência
Internacional de Mineração de Dados (IADC) de 2016, os pesquisadores descobriram que as
estações também podem ter fortes efeitos sobre a saúde mental. A equipe analisou o
sentimento agregado no Twitter no Reino Unido, acrescido de acesso agregado à Wikipedia
durante quatro anos. Eles descobriram que o sentimento negativo é super-exposto no
inverno, atingindo o pico em novembro, e a ansiedade e raiva são super-expostos entre
setembro e abril.
Ao mesmo tempo, uma análise das visitas da Wikipédia para páginas de saúde mental,
globalmente, mas fortemente dominadas pelo tráfego no hemisfério norte, mostrou sazonalidade
clara na busca de formas específicas de problemas mentais. Por exemplo, as visitas à página
sobre picos de desordens afetivas sazonais ocorrem no final de dezembro e as visitas de
transtorno de pânico atingem seu pico em abril, ao mesmo tempo das visitas à página sobre
transtorno de estresse agudo.
Juntos, esses dois artigos mostram que o uso de múltiplas fontes de grandes dados podem
permitir aos pesquisadores olhar para o comportamento coletivo e, até mesmo, para o humor e a
saúde mental de grandes populações, revelando ciclos, pela primeira, vez suspeitos, mas difíceis
de se observar.534 (Grifos nossos.)
534
http://www.universoracionalista.org/megadados-nos-mostram-que-o-comportamento-coletivo-das-
pessoas-segue-fortes-padroes-periodicos/
Percebe-se, também, uma parcial influência do meio ambiente, além do fator histórico da
imigração, no perfil “sulista” no país.
Aqui, precisamos agregar e incluir o aspecto biológico, sua influência. O “mundo quente”,
tropical, facilita a proliferação de ratos e gatos – os portadores do parasita Toxoplasma gondii, a
toxoplasmose. Também pegável por carne mal passada e utensílios, estudos indicam que este
ser altera, como nos roedores, a personalidade humana, ou seja, afeta o cérebro. Os homens
tornam-se agressivos, antissociais e menos atraentes; as mulheres tornam-se mais desejáveis,
divertidas, sociais e mais ativas sexualmente e menos monogâmicas. Além do mais, verificou-se
– por correlação, pois ainda há que ver a causalidade – maior impulsividade suicida entre
aqueles cujos outros fatores geraram depressão no parasitado (fatores sociais, climáticos etc.).
Estima-se que 1/3 da humanidade tenha este parasitante em si, sendo que o clima e os hábitos
(alimentares etc.) pesam na distribuição de casos entre países535. Aos mais assustados com esta
informação, lembramos que a biologia – com a revolução de Darwin – é uma premissa de base
na construção da ciência marxista.
Com suas fortes contradições nacionais, o país reconhecidamente lembrado por suas festas e
sorrisos é também o oitavo mais suicida do mundo, segundo a OMS (2014), e o terceiro mais
depressivo na comparação mundial (OMS, 2015).
[Título:] Tim Vickery: Como vim ao Brasil para fugir da tirania do inverno, me nego a reclamar
do calor
(…)
Cruzei o Atlântico justamente para fugir da tirania do inverno - para adaptar as letras de uma
música do grande Gil Scott-Heron, o norte da Europa tem um pouco de inverno na primavera,
um pouco de inverno no verão, um pouco de inverno no outono e muito inverno no inverno
todo.
535
Indicações de leitura sobre:
1) http://www.psychiatrist.com/jcp/article/Pages/2016/v77n03/v77n0313.aspx
2)
http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/o_lado_negro_do_toxoplasma_a_ligacao_entre_parasita_e_su
icidio.html
3) http://www.bbc.com/portuguese/ciencia/story/2003/09/printable/030922_gatoslmp.shtml
4) http://gizmodo.uol.com.br/toxoplasma-e-transtorno-explosivo/
5) http://super.abril.com.br/comportamento/personalidade-parasita/
É verdade. O verão por lá pode ser lindo, com aquela transição deliciosamente suave entre dia e
noite. Mesmo assim, quem mora lá nunca pode escapar da tirania do inverno; quando o sol
aparece, bate um desespero para aproveitar do dia, uma incapacidade de relaxar, pois nunca se
sabe quando ele vem de novo.
Muito melhor as certezas do verão no Brasil, mesmo com eventuais exageros de temperatura.
Infelizmente, não dá para fugir para sempre. Demorou, mas finalmente o inverno me pegou
mais uma vez com suas garras geladas.
A minha mãe machucou as costas e está precisando de ajuda. Já falei para ela que na próxima
vez vai ter de sofrer acidentes somente em julho, ou seja, no verão britânico.
Mas respirei fundo e voltei para Inglaterra em plena era do gelo - a primeira vez que estou
enfrentando a estação maldita desde 1993/94, e tenho que confessar que não estou reagindo
bem.
Como é deprimente aquele frio que entra nos seus ossos, a muralha de pressão que o ar gelado
constrói contra o rosto, a escuridão chegando logo depois que o sol pífio apareceu!
(…)
Clima faz uma grande diferença. A título de exemplo, vamos falar novamente de música.
As formas mais populares da música brasileira - samba, forró, frevo, etc. - são tocadas para
animar comemorações coletivas, como acontece com boa parte da música africana, produto de
um clima quente, onde se pode viver ao ar livre.
A música britânica tem outra característica. Com frequência, pega emprestado aspectos da
tradição negra americana com ponto de partida. Mas é mais leve em outros sentidos, e até mais
experimental, porque vai seguindo uma visão individual - ou de uma dupla, como Lennon e
McCartney, trocando ideias em um quarto pequeno numa gelada e cinzenta tarde de terça-feira.
10. A literatura francesa é a mãe das vanguardas – por influência de suas revoluções; a
inglesa, da criatividade e imaginação – pelas proporções globais de sua revolução
indutrial; a russa, da teorização literária – por necessidade de abraçar o “avanço
ocidental”; a brasileira e, como parte de algo maior, latino-americana, do trabalho
literário sobre a linguagem – pela mistura explosiva cuja causa é o encontro de índios,
europeus e africanos; a estadunidense, do lucro comercial com obras de entretenimento
– por ser a grande nação do capital.
11. Já está demostrado que a “via prussiana” ou “revolução passiva”, mudar para não
mudar, “fazer a revolução antes que o povo a faça”537 etc. é muito presente na política
536
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de
Warwick. Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/blog-tim-vickery-
38766194?ocid=socialflow_facebook
brasileira. Por igual, na cultura isto se expressa quando preferimos a crítica indireta ou
“recado indireto” e ironia ao invés da opinião aberta; quando – hábito admirado por
estrangeiros – “rimos de nossas próprias desgraças” ou “rir para não chorar”; quando o
racismo prefere o boicote silencioso e velado ao combate aberto; quando a mentira e a
percepção recíproca e, nas entrelinhas, tolerada são a mediação comum das relações
sociais e pessoais. Ao contrário, por exemplo, da sinceridade excessiva e correção dos
perfis russo e suíço, respectivamente.
Eu fui três vezes à Rússia. Da primeira vez, eu tinha 22 anos. Eu gosto da Rússia, acho legal.
Mas não é uma paixão. Eu estive lá duas vezes no alto comunismo e uma vez depois que caiu.
Eu gostei.
Eu gostei do povo porque é um povo transparente. Mesmo que ele seja mau ele não tem medo
de mostrar o mau que ele é. Então, a gente sabe bem onde está pisando com ele. Ele não fica
dando risada da tua cara e depois dá uma facada nas costas, não.
Se ele quiser dar uma facada ele vem direto na tua frente. Nesse ponto eu acho legal. Se estão
bravos, estão bravos. São muito amorosos. Dos povos brancos é o mais amoroso e também o
mais bravo. É um povo sem filtro. E é bipolar.
[Entrevistador] Seu sucesso no Brasil também se deve ao fato de você ser russa?
Acho que não. Bem, claro que, com a bipolaridade, pode ser. Porque o russo é um povo que ri
muito. É um povo que dança muito, que bebe muito e eu sou assim.
537
1) Autonomia nacional em relação à Portugal. Foi possível graças, primeiro, à fuga da Coroa
Portuguesa para cá. Depois, com a declaração de independência. Por toda a América Latina existiram
revoluções de libertação nacional, guerras. No território tupiniquim, no entanto – mesmo considerando
a heroica batalha do Jenipapo –, deu-se mudança pelas alturas, por ação da classe dominante, sem
riscos, via mecanismos formais. 2) Fim da escravidão. A onda de fugas e boicotes nas lavouras –
preparadas por organizações clandestinas – foram a causa central, embora não reconhecida
oficialmente. Porém, a Princesa Isabel e a o governo souberam manobrar a situação para que a
mudança fosse controlada e não revolucionária. Os EUA e Haiti, para citar dois países, necessitaram do
método da guerra civil. 3) A proclamação da república. Deu-se via golpe, por alto, desprovido de ação
popular. 4) Fim da ditadura semifascista de Vargas. O próprio governo adotou medidas liberalizantes: a
ditadura caiu por medidas de decreto dispensando qualquer revolução – o mal-estar ainda ensaiava.
Deu-se, então, margem para que Getúlio fosse eleito presidente por mecanismos da democracia
representativa. 5) Fim da ditadura militar. As Diretas Já foram derrotadas. Os militares negaram-se a
ceder, a aceitar vias populares de mudança. Porém, com a insatisfação social acumulada, permitiram a
mudança do regime de Estado por via segura, pacífica, controlada, oficial. Enquanto boa parte da
América Latina e do mundo derrotaram os regimes policiais através de revoluções, o Brasil – ao
contrário – mediou.
Isso talvez ajude, sim. Mas tem o outro lado. O brasileiro não gosta de ouvir as verdades que o
russo fala. E eu falo as verdades que o russo fala.538
12. No que se refere ao prussianismo; a cultura brasileira, mais que outras, vai além das
contradições entre as partes envolvidas: a oposição se revela também interna, para
dentro. Dois exemplos: 1) o empresário ama a mulher negra com quem se casou e, na
fábrica, desdenha dos currículos “pretos”; 2) ou quando o gênio Machado de Assis,
crítico à escravidão e negro, alegrou-se ao embranquecer-se com o embranquecer de sua
barba e ao impedir o acesso do negro simbolista Cruz e Sousa à Academia Brasileira de
Letras. Um turista, mesmo um turista científico, veria – e, em geral, vê – apenas a
aparência das relações, o contrário.
13. Por ter um território continental e variado e por força dos movimentos humanos nas
tragédias históricas nacionais (quilombos, coluna Prestes, bandeirantes, cangaço,
soldados da borracha, fuga das secas etc.), a ideia de migração interna está sempre
presente como alternativa, desejo, redenção e possível saída na mentalidade brasileira.
Este valor é reforçado, uma das causas, pelo passado atravessar dos mares de
portugueses, europeus e africanos para cá. É a solução pela diáspora, pela mobilidade.
Exemplo: no Piauí e parte do nordeste, há uma “diáspora LGBTT” de pessoas que se
mudam para o sul e sudeste do país na busca por serem aceitos, evitarem perseguição
psicológica e física, ser o que são e viver a própria sexualidade. O desejo de habitar
outros países, tão presente, tem o mesmo sentido cultural e histórico.
14. A falsa ideologia do brasileiro como preguiçoso crônico é uma mentira necessária para
a burguesia, mas também para que o subordinado seja capaz de disciplinar-se e suportar
as coisas tal como elas são; junto a isso, revela uma necessidade, um desejo ou
tendência latente e natural, mas oculta.
15. O “jeitinho brasileiro” tem natureza de classe, se expressa de modo diferente e oposto
nas classes diferentes. Quando empresários de energia aumentam, com aval do Estado,
o preço da energia elétrica de maneira artificial e absurda, temos a expressão burguesa
do malandro; além do “sabe com quem está falando?”. Quando, por outro lado, por
reação, o trabalhador burla o contador de luz, faz “gatos”, temos a expressão de uma
luta de classes invisível. No entanto, sendo a vida difícil, a malandragem adquire
também caráter negativo entre assalariados, aqui e ali – a brutalidade e violência
cotidianas influenciam a psique.
17. A lei brasileira é numerosa, descritiva e complexa, pois confia na repressão acima da
cultura, moral geral, reeducação e hábitos (diferente, ao que parece, da legislação
inglesa e doutras). “Ordem e progresso.” Aqui, uma lei deixa de “pegar” ao ser incapaz
de mudar a vida prática e cultural; ali, “faz o que tu queres, é tudo na lei” quando a
538
http://gazetarussa.com.br/articles/2012/03/16/as_verdades_de_elke_maravilha_14319
repressão deixa de se revelar, seja na educação familiar ou socioestatal – ambos
baseados na violência, constrangimento, repressão e ameaça.
18. A educação familiar é repressora e ensina “teu lugar no mundo” entre a classe
trabalhadora – incluso pela falta de tempo, erudição e finanças entre estes; ao contrário,
é permissiva e paciente entre os mais enriquecidos, pois os jovens têm, afirmam, “todo
um futuro pela frente”.
20. Como qualquer classe trabalhadora do mundo, a nacional tem instinto classista-político
oculto, busca mediações com a situação real e toma decisões e posições por conclusões
práticas e imediatas; é muito prática. Ora abraça a ideologia burguesa do líder
individual e messianista e ora, ao mesmo tempo, é desconfiada e analítica por
improviso; as novas gerações, porém, são relativamente mais coletivistas, democráticas
quanto aos líderes e desconfiadas.
21. “O Brasil não é para amadores” revela, então, dois sentidos: um lugar onde é preciso ser
esperto/manobrado e, também, onde amar, de fato, é proibido. “Não existe amor em
SP.”
“O Brasil me mudou”, diz meu companheiro, o espanhol Antonio Jiménez, ao se despedir para
retornar à Espanha. E acrescenta: “Fiquei aqui dois anos e meio e volto quinze anos mais
jovem”.
(…)
Não é uma pessoa que se entusiasma facilmente. Às vezes parece até chateado com a vida. “É
que há tanta coisa neste país que não entendo”, me disse mais de uma vez durante esses anos de
sua estada no Brasil.
Antes ele havia sido correspondente em lugares importantes como Paris e Lisboa. É um
profissional exigente, especialmente consigo mesmo. Num momento de alívio, aqui, na pequena
e bela cidade de Saquarema, aonde veio se despedir de mim e de minha mulher Roseana,
confiou-me na orla de uma praia de areia branca e de um mar que mais parecia o Caribe do que
o Atlântico:
“Estou indo e é agora que estou me dando conta que este país, em tão pouco tempo, me mudou.
Eu me sinto mais leve. O Brasil me ensinou a viver”.
Mas você não me dizia, Antonio, que tinha dificuldade de entender este país? Eu estava
convencido de que você estava indo aliviado para sua nova tarefa de responsabilidade na sede
do jornal em Madri.
“Sim, é curioso, mas agora entendo melhor que a vida não pode ser vivida sempre sob tensão,
que o trabalho não é tudo. Os brasileiros me ensinaram que se pode trabalhar, mas sem se
esquecer de deixar espaços para viver momentos de felicidade”.
Diz que o Brasil o fez compreender que na Espanha e na Europa se vive “com excessiva
seriedade e irritação”.
E a violência que aflige este país, com o maior número de homicídios do mundo? A violência
quase da Idade da Pedra, com corpos desmembrados e decapitados nas prisões que você mesmo
relatou no jornal?
Comentamos que, de fato, é uma violência às vezes truculenta e assustadora, mas que convive
paradoxalmente com a índole pacífica das pessoas comuns nas relações sociais.
A sensação ao ouvi-lo é que a metamorfose que sofreu no Brasil o impede de se ver oprimido
“pelo que não serve para poder viver a vida”.
(…)
Antonio balança a cabeça, olha para o chão e diz que sim, sim, mas que apesar de tudo isso, foi
neste país contraditório onde “despertou o desejo de ser mais feliz do que era ao chegar”.539
23. A classe dominante brasileira tenta afirmar-se perante e sobre a América Latina
autoalienando-se, às diferentes classes, da percepção de sua identidade latino-
americana. Incapaz de expressar isto em todos os terrenos e de modo pleno, toma o
futebol e a arte como vias culturais necessárias de “dominação externa”. Ao tentar
imitar Portugal, o país tenta ser estrangeiro onde não é.
539
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/10/opinion/1486758331_668734.html
24. A luta anti-imperialista na cultura e cultura artística tem cinco aspetos: 1) afirmar a
multiplicidade e altíssima criatividade interna – defendê-la, atualizá-la e divulgá-la; 2)
internacionalista, absorver de modo não absoluto e resignificar para si a cultura externa
e universal – evitando, assim, o nacionalismo culturalista; 3) tratar o outro enquanto
matéria-prima; 4) ergue uma autoidentificação com o subcontinente latino-americano;
5) combater a paixão por “querer ser como e imitar o atual império” sempre presente na
classe dominante, setores intermediários e, com a globalização, nas classes
trabalhadoras.
25. A tese de Leon Trotsky de que inexiste algo como “cultura proletária” ou, digamos,
“dos de baixo” é refutada no Brasil. Isto se dá, por um lado, porque o fundador do
Exército Vermelho – que escrevia sobre arte e literatura entre um combate militar e
outro – tinha uma visão semi-iluminista da arte-estética, de outro, porque a divisão de
classes no Brasil tem certos aspectos de divisão de castas540541. Entre escritores sensíveis
ao problema social brasileiro, usam-se os conceitos “Brasil real” e “Brasil oficial” para
expressar as diferenciações classistas e culturais. Outra forma de expressar a cultura de
classe, para compararmos: os camponeses medievais faziam literatura oral ao redor das
fogueiras, à noite, onde contavam histórias de terror aos mais jovens; os palacianos, a
aristocracia feudal, partiram dessas lendas e fantasias arrepiantes para criarem os felizes
contos de fadas.
27. Tom Zé caracteriza o funk carioca como, desecandeado pela Bossa Nova, metarrefrão,
microtonal e plurissemiótico. Podemos ampliar: o funk é o equivalente, na música, ao
movimento concretista na poesia e outras artes. O poema concreto busca a palavra
unidade-energia e permanência sonora; o funk idem pela repetição de palavras e tons
540
“Na verdade, o mal-estar dos antropólogos com a progressiva substituição dos estudos sobre
relações raciais, nas quais os sujeitos e os significados culturais eram realçados, por estudos de
desigualdades e de racismo, nos quais os aspectos estruturais são enfatizados, já se manifestara antes,
nos anos 1980, quando Roberto DaMatta (1990), em um artigo que se tornou famoso –A fábula das três
raças –, utilizando-se fartamente do estruturalismo e das categorias de Dumont, procura explicar "o
racismo à brasileira" como uma construção cultural ímpar e específica. A noção de pessoa e as relações
pessoais, no dizer de Roberto, substituem, no Brasil, a noção de indivíduo, para recriar, em pleno reino
formal da cidadania, a hierarquia racial, ameaçada com o fim da escravatura e da sociedade de castas. A
proposta teórica de DaMatta é clara: o Brasil não é uma sociedade igualitária de feição clássica, pois
convive bem com hierarquias sociais e privilégios, é entrecortada por dois padrões ideológicos, ainda
que não seja exatamente uma sociedade hierárquica de tipo indiano.” (Preconceito de cor e racismo no
Brasil, 2004, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães Professor do Departamento de Sociologia – USP.)
Considerar o escravismo uma relação de castas é um exagero teórico, mas há elementos da verdade
nessa visão.
541
Isso também se mostra na frase “a classe média quer privilégios, não direitos” enquanto necessidade
de diferenciação e autoconfirmação.
musicais. Um dá prioridade ao aspecto físico, da imagem, no poema; o outro, por igual
por meio do corpo, do duplo sentido e da onomatopeia. Um é realismo puro; o outro
adota o naturalismo, o erotismo e expressa os problemas da favela. Um rompe com o
verso; o outro se afasta da musicalidade considerada. Porém, tão errado quanto achar
“feio” tudo o que vem da classe trabalhadora é achar “belo” tudo o que dela vem,
romantizá-la; este estilo musical expressa incluso, em sua pobreza estética, a
degeneração geral da sociedade. A um só tempo, é análogo e inverso à arte pós-
moderna, vazia e burguesa, impacto pelo impacto, forma pela forma e pseudoarte, em
“museus de grandes novidades”.
30. A ficção brasileira aparece enquanto casa dos anti-herois, desprovida de heróis dignos
de lembrança na memória popular. Isto está referenciado nas derrotas dos grandes atos
heróicos nacionais e o posterior esquecimento “oficial” destes. Temos déficit de
símbolos de fato heróicos, da tragédia e do épico, não da farsa.
542
Nildo Ouriques foi quem expôs isto.
31. Em todo o mundo e no Brasil tem surgido um novo romantismo baseado no
semiletramento das massas, na urbanização e na decadência do capitalismo. Emulação:
aquele, dos séculos XVIII e XIX, época das revoluções burguesas, tendia ao amor
romântico e erotismo irrealizáveis; o atual, ao triângulo amoroso e ao erotismo vivo.
Aquele e este aos mercados e à leitura fácil e fluida. Aquele, aos poemas instintivos,
versos livres e atraentes; este, ao poema-trocadilho, rimas rápidas e na velocidade da
internet, versos curtos, otimismos e autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao
internacionalismo primário. Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este, também, por
narrativas mistificadas. Aquele tendia à tragédia final; este, à vitória. Aquele, ao
individualismo burguês; este, ao individualismo interligado ao conjunto. Aquele se
expressou – terceira fase – com a crítica social e simpatia pelos excluídos; este, por
ideias de revolta, revolução, antiburocráticas e antiditatoriais, instinto rebelde e
sensação intuitiva de anormalidade e artificialidade do tempo presente. Este se revela na
ficção científica, na distopia, como crítica social metafórica. Na prosa e séries
televisivas, há preferência por histórias profundas e longas como compensadores do
vazio existencial, da rotina, da solidão coletiva, da passividade comum e dos aspectos
rasos nas relações e vida pessoais. O ponto negativo da integração internacional –
expressa numa tendência a uma cultura universal ao lado e em conjunto das
particularidades – está na “integração cultural de colônia”, dedicada à tradução da
literatura de entretenimento estrangeira e desprezo pela de origem nacional, que
também tem pecado pela baixa qualidade.
32. Há uma constante guerra invisível entre dinheiro e cultura. Uma das expressões disso é
o baixíssimo nível das expressões culturais famosas, apesar da enorme quantidade de
talentos existente; além do mais, fazer boa arte, trabalho análogo ao do artesão, exige
tempo, tudo o que a economia monetária nega. O valor mercantil busca e exige a
redução do tempo necessário cronológico, de relógio, para produzir mercadorias e
instruir o operário (trabalho simples); o valor na arte busca e exige tempo objetivo e
subjetivo para talhar a obra e formar o artista (trabalho complexo) – a produção
conclusa acaba por obter julgamento de valor estético em si. Outra: o enquadramento do
carnaval por meio de sua institucionalização e mercantilização, tirando da classe
trabalhadora o perfil ativo e central nos eventos oficiais, empurrando os foliões, por
instinto, a reorganizar os blocos de rua, gratuitos e mais anárquicos:
O carnaval – festa pagã que nasceu nas ruas e foi enquartelada em clubes e
sambódramos – está de volta ás ruas (e de graça) com mais força a cada ano.
São Paulo, onde a celebração pro tempos se resumiu ao Anhembi, viu o número de
blocos de rua crescer 400% em dois anos. Em 2015, 300 deles tomarão a cidade, 80 a
mais que no ano passado, quando, segundo a SPTuris (empresa de turismo municipal),
cada um recebeu 5.000 pessoas, em média.
No Ro, onde a festa atrai mais foliões, os 456 blocos deverão reunir 5 milhões de
pessoas nas ruas, diz o Riotur (empresa municipal de turismo). Enquanto isso, o desfile
da Sapucaí (cujo ingresso não sai por menos de R$ 160) costuma ter 1 milhão.
Essa multidão ai atrás de blocos como Cordão da Bola Preta, no Rio, que sozinho
arrastou cerca de 1,5 milhão de pessoas no ano passado, e Agora Vai e Sargento
Pimenta, em São Paulo, muitos deles com desfiles semanas antes do carnaval, que este
ano começa no sábado dia 14 de fevereiro.
(…)
Salvador – que sempre loteou suas ruas separando quem tem abadá (o uniforme do
bloco) da chamada “pipoca”, pela primeira vez terá um dia de pré-carnaval, no dia 8,
com trios elétricos desfilando sem as cordas.
“Na pipoca você é igual. O carnaval verdadeiro é aquele em que o povo sai para se
manifestar coma fantasia que quiser”, diz Edgard Oliva, 58, professor da Escola de
Belas Artes da Bahia.543
33. Além das necessidades primeiras, há – no Brasil e no mundo – carência estética. Hoje,
alta mercantilização da vida, a produção artística busca a novidade, novidade pela
novidade. As empresas cheias de sabedoria contabilista, impessoal, buscam fórmulas
estáveis e fixas para a “arte de sucesso”; de certo, pouca simpatia possuiriam pela
dialética. A natureza humana precisa daquilo de fato novo, inédito, desviado da rotina;
precisa de uma quebra real, não aparencial, de padrão. A produtividade em série,
mecanizada e pouco artesanal, almeja a repetição, o baixo risco, as metas visíveis, a
reprodução do já produzido, a descartabilidade etc. A produção cultural, destarte,
degenera-se. A rica produção nacional entra em bloqueio criativo.
34. Assim como sobre a função histórica do ouro como dinheiro, o papel do violão explica-
se por suas características físicas. Por ser fácil de deslocar, permite fazer “base, solo e
algo de contrabaixo”, pode-se utilizar notas baixas (graves) e altas (agudas), as peças
são substituíveis com alguma facilidade, possibilidade de alterar a afinação, deixa a
boca livre para o canto, sonoridade capaz de preencher o ambiente com muita
autonomia, aprendizado mais intuitivo após uma apreensão lógico-prática inicial, preço
relativamente acessível, capaz de produzir percussão auxiliar etc. fazem deste o mais
universal dos instrumentos musicais. No Brasil, país entre as beiras da latente
capacidade de abundância e de miséria absolutas, expressa na maioria dos habitantes o
desejo do possível, da satisfação artística por meio dessa ferramenta popular. Em vista
disso, o carinho auditivo pelo formato “acústico” tem bases materiais na educação
musical. O cavaquinho, bandolim, banjo e viola caipira seguem – tal a prata em relação
ao ouro – as mesmas e parecidas circunstâncias.
543
http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2015/01/1581683-carnaval-de-rua-cresce-no-pais-veja-
selecao-de-33-blocos-em-cinco-estados.shtml
36. A personalidade de um “povo” deve-se ao presente e ao passado históricos. Mudadas as
circunstâncias, a sociabilidade, muda-se o “espírito” nacional, com algum atraso e em
grande medida.
37. A luta pelo socialismo tem na luta cultural uma tarefa secundária e auxiliar; a revolução
apenas pode ser vitoriosa se, em primeiro, for ganha no terreno da economia e das
relações sociais. Como se sabe, também pelo perfil histórico, o trabalhador brasileiro é
progressista nas questões econômicas e conservador nas demais questões e pautas
(culturais, democráticas etc.). Sendo apoio, o trabalho sobre os hábitos e valores
cotidianos pode adquirir várias formas: centros culturais populares, células ateias e
agnósticas para – ao invés de limitar-se à mera, e muitas vezes sectária, crítica –
divulgar nos bairros populares as ciências naturais de modo apreensível à maioria, união
dos sindicatos combativos para promoção regular de atividades e festas aos finais de
semana, crítica aberta e consciente da cultura, propostas práticas, colégios mantidos por
sindicatos, multirões pela alfabetização, disputa ideológica, disputa metodológica,
defender a liberdade da arte etc.
38. A revolução brasileira – caso ocorra e seja vitoriosa – incluirá uma ruptura cultural, de
tradição, em dois sentidos: de um lado, romperá com o método prussiano nas suas mais
diferentes formas e o revelará, de outro, o próprio processo revolucionário ao mesmo
tempo muda a cultura e exige reeducação cultural e psicológica. No socialismo, na
medida em que o novo regime social consolida-se interna e externamente, a luta pela
reeducação geral ganhará – potencializando os aspectos em si positivos do atual modo
de vida – cada vez mais centralidade.
39. Desde o início dos anos 1980 – aqui, um “no entanto” relativo – o Brasil tornou-se
outro, sendo o mesmo. A alta urbanização, a globalização, o longo período de
democracia burguesa, o semiletramento geral, a internet, o perfil da nova juventude, o
autoisolamento da classe média aristocrática, as igrejas evangélicas etc. têm alterado,
dentro do mesmo país, o perfil nacional. Por isso, intelectuais e artistas do período
anterior sentiram-se e sentem-se estrangeiros e estranhados na nova realidade;
refugiaram-se em pequenos círculos, isolaram-se ou continuam seus trabalhos em
públicos limitados.
40. O desenvolvimento teórico-filosófico burguês brasileiro tem por objetivo íntimo fugir
da natureza própria da realidade nacional, escapar dela e escapar-se, na medida de sua
dureza. Por outro lado, surgem semi-intelectuais e intelectuais Sui Generis localizados
entre o popular e o erudito, o chão e o ar; íntimo a isto e interligado, surgem também
indivíduos de talento a possuir perfis páreas, no limbo, ostracistas, entremundos e
desclassados (Sousândrade, Tom Zé, Cruz e Sousa, Lima Barreto etc.).
41. Por esta razão, pelas características do país, intelectuais de esquerda e honestos, ligados
à superestrutura universidade burguesa, tendem rumo à corrente gramsciana (embora,
em essência e na prática, neguem o teórico) focada, em primeiro lugar, nas
superestruturas, ou seja, o Estado e a cultura/pensamento – em especial. Tratam estes
objetos enquanto formas autônomas, abstraídas do todo, e determinantes: invertem, de
cabeça para baixo, ao “elevarem a cabeça”, o método marxista. Em suma, trata-se um
marxismo, em boa medida, dotado de desvio “prussianista” – prática, social e
teoricamente.
43. Os intelectuais marxistas europeus do pós-II Guerra eram limitados porque a sociedade
onde viviam gozava, em geral, de alta qualidade de vida (Mandel, Sartre, Althusser,
Adorno etc.). Os pensadores assalariados partidários da classe operária no Brasil estão
em constância diante do desafio de entender a miséria material e espiritual das massas,
por isso tendem a um perfil mais radicalizado e qualificado – entre estes, alguns buscam
a práxis como parte vital da autoformação.
44. Tentar compreender a formação social do Brasil apenas pela economia é semimarxismo,
determinismo econômico. Uma análise completa exige estudar a sociedade completa.
544
A imposição histórica de um objetivismo apenas pode acorrer após a imposição de uma tendência,
ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto
político do partido bolchevique de fazer a revolução russa, a revolução cubana não seria uma imposição
da história, apesar de seus dirigentes de inspiração liberal. Outro exemplo: no século XIX, na Alemanha,
a “via prussiana”, do feudalismo ao capitalismo, apenas pôde se impor longe da revolução burguesa, por
meio do bismarkismo, porque o capitalismo se consolidou na Europa e no mundo, depois de duras
revoluções e conflitos.
CONTRIBUIÇÕES PARA A FILOSOFIA DA FÍSICA545
Este texto acompanha o primeiro ponto do capítulo sobre dialética, o concreto-abstrato. Aqui,
afastamo-nos do método marxista e partimos de hipóteses preliminares, ou seja, um estágio
inferior, pré-marxista, da apreensão do real.
Não sendo física a área do autor, há um esforço por restrear as bases empíricas destas
conclusões – dentro do método não empírico da filosofia. Acontece que no processo de estudo
não é possível antecipar quais informações serão vitais ou casuais para as descobertas futuras;
por isso, exige novo esforço recompor os dados, muitos deles considerados não-essenciais no
início do estudo-pesquisa. Portanto e então, aqui assumimos o risco de falar asneiras sobre o que
não sabe e, ao mesmo tempo, fazer uso de informações já comuns ao meio científico.
A) O ENIGMA DA ANTIMATÉRIA
2) Pelo menos matematicamente, é possível antecipar que algumas partículas são sua própria
antimatéria;
3) No início da expansão, havia, suposta correta em geral a teoria do Big Bang, uma proporção
igual de matéria e antimatéria no universo – cujo resultado seria seus aniquilamentos mútuos.
Isto não ocorreu;
4) Só pode ser explicado pelo fato de este contato não ter existido: a antimatéria transformou-se
em matéria, ao que parece, por meio de desaceleração;
5) Deste modo, explicamos o porquê de ser raro encontrar antimatéria e tão abundante a
matéria. A antimatéria está presente em seu contrário;
545
A chamada física teórica namada é do que filosofia contemporânea nesta área do conhecimento.
Ao longo deste esboço, o leitor lerá a importância do movimento na natureza da matéria. Neste
ponto, quanto à questão, em específico, da assimetria matéria-antimatéria, o artigo abaixo ajuda
a percepção:
Um dos grandes mistérios da física moderna é o porquê da antimatéria não ter destruído o
universo no início dos tempos.
Para explicar isso, os físicos supõem que deve haver alguma diferença entre matéria e
antimatéria – além da carga elétrica. Qualquer que seja a diferença, parece que não está em seu
magnetismo.
“Todas as nossas observações encontram uma simetria completa entre matéria e antimatéria, e é
por isso que o universo não deveria existir”, diz Christian Smorra, físico da colaboração
Baryon–Antibaryon Symmetry Experiment (BASE) do CERN. “Uma assimetria deve existir em
algum lugar, mas simplesmente não encontramos onde ela está”.
A antimatéria é notoriamente instável – qualquer contato com matéria regular e elas são
aniquiladas em uma explosão de energia pura que é a reação mais eficiente conhecida pela
física. É por isso que ela foi escolhida como o combustível para alimentar a nave Enterprise em
Star Trek.
O modelo padrão prevê que o Big Bang deveria ter produzido quantidades iguais de matéria e
antimatéria – mas essa mistura deveria ter aniquilado ambas completamente, não deixando nada
para formar galáxias, planetas ou pessoas.
Para explicar o mistério, os físicos têm buscado a diferença entre a matéria e a antimatéria –
procurando por alguma discrepância que possa explicar por que a matéria veio a dominar.
Até agora, eles realizaram medições extremamente precisas para todos os tipos de propriedades:
massa, carga elétrica e assim por diante, mas nenhuma diferença foi encontrada.
(…)
Mas usando uma combinação de duas armadilhas, a equipe do BASE fez a câmara de
antimatéria mais perfeita de todos os tempos – armazenando os antiprótons por 405 dias.
Este armazenamento estável permitiu que eles executassem a medição do momento magnético
nos antiprótons. O resultado deu um valor para o momento magnético do antipróton de -
2.7928473441 μN (μN é uma constante chamada magneton nuclear). Além do sinal de menos,
ele é idêntico à medição anterior para o próton.
A nova medida é precisa para nove dígitos significativos, o equivalente a medir a circunferência
da Terra para dentro de alguns centímetros e 350 vezes mais precisa do que qualquer medição
anterior.
“Este resultado é o ponto culminante de muitos anos de pesquisa e desenvolvimento contínuos e
a conclusão bem sucedida de uma das medições mais difíceis já realizadas em um instrumento
de armadilha Penning”, diz Ulmer.
Observações recentes indicam que buracos negros e estrelas de nêutrons produzem vastas
quantidades de plasma de elétrons pósitrons através dos jatos.[13] [14][15] Um processo
possível é: próton → pósitron + 938 MeV.547 (Grifos meus.)
546
Fonte: https://universoracionalista.org/fisicos-do-cern-concluem-que-momento-magnetico-do-
proton-e-antiproton-sao-equivalentes/
Fonte original: https://cosmosmagazine.com/physics/universe-shouldn-t-exist-cern-physicists-conclude
Artigo orginal da pesquisa: https://www.nature.com/articles/nature24048
547
https://pt.wikipedia.org/wiki/Antimat%C3%A9ria#Experimentos
O elétron, subpartícula, em seu processo de orbitação, acumula energia e acelera-se. Ocorre um
inexplicável salto quântico – a partícula desaparece para reaparecer em outra distância, fazendo
nova orbitação – e retorna, liberando a energia em excesso (em resumo: salta de camada para,
em seguida, retornar).
Por que isto ocorre? Porque o movimento de orbitação do elétron é a forma em que se manifesta
uma dupla tendência, de atração e afastamento. Neste mover, esta oposição contraditória atinge
ápice, na medida em que adquire velocidade – e só pode ser resolvida por salto (de forma). Essa
necessidade de encontrar novo ponto estável de orbitação é incapaz de mover-se linear e
simplesmente, desconsiderando a contradição atrair-repelir. Tal é modo como o átomo consegue
ser igual a si próprio, ou seja, ter estabilidade. Nesta realização da contradição por meio de
movimento e do movimento de sua forma, há aí uma reação contra os fatores externos (luz,
gravidade) sobre o átomo. Podemos nomear reação à (anti)entropia. A luz é portadora de
energia, que é absorvida e expelida neste processo, ou seja, desestabiliza – quantitativa e não
qualitivamente – o átomo, o elétron, impulsionando o salto-liberação, refazendo-se em forma-
partícula em novo ponto orbitante, estável. Consideremos o mais simples, o hidrogênio: no Sol,
este deixa de ser igual-a-si por causa da fusão nuclear derivada da alta pressão gravitacional e
calor, fazendo surgir o hélio – fatores extras quebraram aquele sistema, formaram outro (o hélio,
nova qualidade, fusão de dois átomos de hidrogênio é quantitativamente menor que a soma
destes, pois a formação desta nova unidade libera energia, elétrons e pósitons). O processo de
salto para longe e para perto por parte do elétron é a forma adquirida por esta dupla tendência; o
salto quântico é a forma de resolvê-la parcial e temporariamente: o acúmulo de energia e
velocidade em contraposição ao ponto de atração obriga o alétron a romper a forma-partícula
para forma-onda.
Todas as formas particulares no e do cosmos, quer sejam, matéria, antimatéria, partícula, onda,
energia, massa etc. são formas adquiridas por uma “substância primordial” em seu
automovimento autocontraditório – a moderna ciência por si abre espaço a esta concepção geral.
Até aqui, as ciências axatas limitam-se à concepção kantiana de oposição – o oposto enquanto
espelho, inverso. Agora, as próprias descobertas – equivalência massa-energia, automovimento
da luz em partícula-onda, hipótese de a massa escura transmutar-se em energia escura,
transformação de prótons em elétrons, de raios gama em raios de luz no Sol etc. – apontam a
seguinte revolução lógica na física: as formas transformam-se em seus inversos, em seus
contrários, num outro.
D) A MACROCONCEPÇÃO
1. Deus é perfeito;
2. Portanto, a criação de Deus é perfeita;
3. O homem é falho por causa do pecado original;
4. A matemática é a forma mais pura de conhecimento;
5. Então, o homem pode acessar a perfeição da criação de Deus por meio da matemática.
Esta premissa equivocada deu impulso positivo à ciência, superando e negando a própria
premissa – impulsionando o ateísmo e o ceticismo.
Fica-nos a pergunta: devemos continuar com a premissa de perfeição do cosmos? Seria qual
uma orquestra regida por leis internas na essência harmônicas? Parece ser hora de superar esta
concepção a partir de outra: a lógica interna do universo, existente nele próprio, objetivamente,
é confluência de processo e inconstância, estrutura e mudança, unidade e contradição,
necessário e casual.
Segundo aspecto; na concepção kantiana, o real não tem lógica em si, ela é posta pela mente
humana, externamente, dando algum sentido de ordem. Na concepção dialética, a lógica é do
próprio objeto, existente fora da reflexão. Esta compreensão ainda falta às ciências exatas.
Terceiro; é consenso geral entre os principais cientistas a busca por um cálculo simples (e belo)
a expressar uma concepção geral do mundo natural. É possível encontrar tal fómula apenas na
medida em que é hipótese, pois só a pesquisa dirá se é possível tal redução simplificadora – ou
não549. Ainda assim, tal elaboração servirá, na prática, como ponto de partida para outras e
novas. Sendo o objeto, o cosmos é um sistema complexo e, logo, necessita de uma exposição
complexa (não necessariamente complicada) sobre suas leis constitutivas.
548
Em dialética, ser forma ou conteúdo é relativo, depende do referencial, ao outro.
549
Em economia política, K. Marx descobriu o D-M-D’.
Quarto; dados empíricos – mais uma vez descobre o método dialético – são do reino da
aparência fenomenológica, da verdade parcial. No encontro de informações e ciências (incluso
filosofia e humanas), ou seja, na totalidade encontramos a coisa-em-si, a essência, o real e
fundamental.
Tudo isto aponta uma ruptura relativa com a matemática e, ao lado disso, a renovação desta
linguagem lógica.
E) DA ORIGEM CÓSMICA
Nada pode vir do nada. Isso a intuição abarca. Por outro lado, a percepção de que tudo tem uma
origem nos leva à pergunta: donde vem tudo? Podemos resumir o universo a um fundamental
elemento, a energia primordial. Mas: de onde esta vem e como esta surge? E, de outra forma,
ficamos sem resposta. Dizer que tudo sempre existiu, apenas muda-se, soa muito mais lógico,
mas um argumento circular ainda (apoiado em muitos prováveis ciclos cósmicos). A ideia do
Deus criador nos leva à pergunta: quem criou Deus?
Dizer que tais questões nunca serão respondidas é desistência diante da dificuldade. Ao que
parece, a resposta futura será contraintuitiva, pouco convencional e de exigências empíricas que
se aliem a um tipo de raciocínio próprio. Qualquer resposta leva a outra pergunta de igual
natureza, qualidade e sobre algo anterior.
O ponto mais remoto que a reflexão particular pôde realizar é a de que ser e nada, ambos,
existiram como dupla natureza da substância. “Ser é nada.” Um estado tão cru, simples e quase
estável da "matéria" que ser e não ser formavam uma unidade.
O vazio, o nada, por isso, “existia”, podendo “existir” apenas como relativa ao próprio existir.
Podemos aproximar a visualização disto por meio do armazenamento de informação
computacional expresso matematicamente em 0 e 1, números binários, registrados por presença
ou ausência de elétrons. O próprio número zero é um existir-inexistir, tem duplo caráter. Esta
energia primordial teria em si um movimento, de si para não-si – e ao contrário.
O universo existe, pois o “nada” é ilógico. O nada só pode ser inexiste: do contrário, seria
“algo” – o que, em si, anularia o suposto aspecto deste, a sua inexistência. O universo é inerente
e eterno. Anormal seria, portanto, a inexistência deste mesmo universo, já que, por si mesmo, o
“nada” não pode existir e, ao mesmo tempo, inexistir. Inexistir é a condição do nada.
Aprimoremos, então, a resolução: a energia primordial, em seu automovimento, tende ao nada,
desliza-se a ele; e retorna-se. E mais. A autocontradição, do ser-não ser, em automovimento,
resume-se à luta da estabilidade-nada no movimento-ser.
As físicas clássica e moderna consideram energia um conceito, ao modo kantiano, não real em
si. Também assim, a teoria econômica burguesa nega a teoria do valor de Marx por não ser
diretamente verificável, sendo indiretamente verificável. Nesta nova concepção, a energia –
como as forma de energia e as formas da matéria – são inerentes à realidade, seu conteúdo mais
elementar.
Este automovimento, ser-nada, desta unidade básica de energia, sendo autocontradição, por isso
acelera-se. E surge o salto qualitativo para as demais formas.
F) CICLOS CÓSMICOS
Considerando que:
A) Boa parte das estrelas, das de massa 10 vezes maior que a do Sol, tornar-se-ão buracos
negros;
B) Cada galáxia do cosmos possui bilhões de estrelas, ou seja, buracos negros em potencial;
F) Tese mais provável, buracos negros geram matéria escura, ou seja, gravidade.
Então:
A) Mais fortes em relação aos buracos negros, observa-se fusões por atração gravitacional de
galáxias. O resultado disso será a reinicialização do universo: tudo voltará ao começo, ao
simples, rumo ao próximo big bang;
B) Junto a isso, por fusões, é possível que surjam ”megas” buracos negros e grandes galáxias
qualitativamente mais fortes quanto à gravidade. Processos acidentais e particulares de fusões
irão se revelar, cada vez mais, um processo de nexo, de tendência e necessidade cósmicas;
C) Tal como a massa escura, é muito provável que a energia escura seja inscontante e
potencialmente instável: o processo de “espalhamento” desta é um processo de dispersão e de
acúmulo de inconstância – até o ponto em que sua taxa de força acima da matéria escura
torne-se inferior a esta. A constante cosmológica será, portanto, inversa e cada vez mais
acelerada: da expansão mudaremos para a contração;
D) Dessa forma, todos os buracos negros tenderão a tornar-se um único buraco negro, o do
próximo big bang. Tudo tenderá a ser reduzido a um único centro que, no ápice da
concentração/centralização, expande-se/rompe-se;
E) Isso é viável na medida em que, por suas gravidades, os buracos negros são os citados
"trituradores de matéria". Ao mesmo tempo, observaram-se alguns buracos negros
“desregulados” ou fora de seu eixo, sugando a matéria circundante;
550
Esta tendência à fusão total, tranvando-se, apenas pode realizar-se rumo a um salto, um pulo, para
ser buraco branco.
B) O universo, indo do simples ao complexo, do hidrogênio à multiplicidade atual, fez
surgir biracos negros primordiais, inferiores em propoções aos atuais.
C) Matéria escura transforma-se em energia escura.
D) Portanto, a matéria escura inicial, em proporção limitada, “dissolve-se” com maior
facilidade.
E) Como sua quantidade é menor, menor é sua transformação em energia escura e, por
consequência, menor a taxa de expansão do universo.
F) A proporção (cada vez maior) de matéria escura gera a energia escura de tal forma
que este se impõe continuamente àquele.
G) Chega-se ao momento em que a quantidade cada vez maior de matéria escura no
unverso (via, em principal e talvez somente, buracos negros) sobrepõe-se à
contratendência desenvolvida por ele próprio.
H) Tendo-se dispersado ao se impor, a força da energia escura deixa de determinar, de
pouco a pouco e em evolução progressiva, a inflação cósmica.
I) Este longo caminho, desde sua origem, da matéria escura não pode se basear apenas
na obervação direta – método ultilizado pela astrofísica.
J) No processo de retração do cosmos, a energia escura “concentra-se”, tornando-se
matéria escura.
Em uma escala reduzia ao universo observável, o matemático Marcelo Disconzi percorre parte
do caminho de nossas especulações – mas para outro rumo:
“A ideia propõe que, daqui a exatos 22,8 bilhões de anos, o Universo estará tão acelerado e
disperso que os átomos que formam planetas e galáxias começarão a se desintegrar.” E: Essa
expansão, segundo ele, tende a ficar cada vez mais veloz com o passar do tempo, em virtude da
energia emitida por corpos celestes - que aumentam, assim, a viscosidade do Universo.
No final, projetado para daqui a 22,8 bilhões de anos, tudo será rasgado em pedaços.
"Esse comportamento incomum é o Big Rip, produzido por uma taxa de expansão infinita em
um tempo finito", diz Robert Scherrer, coautor do estudo.
http://www.bbc.com/portuguese/geral-38058979?ocid=socialflow_facebook
Se este “modelo” está correto em seus aspectos gerais, suprassumindo a teoria do Big Bang,
processo e estrutura podem ir além da relação de causalidade. Enfim, concluímos com uma pista
empírica complementar551:
Grande atrator, o mistério resolvido - ''Centenas de galáxias foram descobertas escondidas atrás
da via láctea.''
Centenas de galáxias próximas que estavam até então ocultadas, foram estudadas pela primeira
vez, lançando luz sobre uma misteriosa anomalia gravitacional denominada ''Great Attractor'',
algo que parece estar atraindo a Via Láctea e centenas de milhares de outras galáxias para ele
com uma força gravitacional equivalente a 1 trilhão de sóis.
Apesar de estar apenas a 250 milhões de anos-luz da Terra - bem próximo em termos
astronômicos - as novas galáxias estavam escondidas da nossa vista até agora pela a nossa
própria galáxia, a Via Láctea.
Usando o radiotelescópio Parkes do CSIRO equipado com um receptor inovador, uma equipe
internacional de cientistas conseguiu ver através das estrelas e da poeira galática da Via Láctea,
em uma região de espaço inexplicada anteriormente.
"A Via Láctea é muito bonita, é claro, e é muito interessante estudar nossa própria galáxia, mas
ela bloqueia completamente a visão das galáxias mais distantes por conta disso", disse ele.
Staveley-Smith disse que os cientistas têm tentado chegar ao fundo do misterioso ''Great
Attractor'', uma vez que os principais desvios da expansão universal foram descobertos nas
décadas de 1970 e 1980. "Na verdade não entendemos o que está causando essa aceleração
gravitacional na Via Láctea ou de onde vem", disse ele.
A Via Láctea reside nos arredores do Superaglomerado Laniakea, e ele contem 500 milhões de
anos-luz de diâmetro e contém a massa de cerca de 100 trilhões de massas solares espalhadas
por maias de 100.000 galáxias ... Dentro dos limites do super aglomerado de Laniakea, os
movimentos das galáxias são direcionados para dentro, da mesma forma que os fluxos de água
seguem caminhos descendentes em direção a um vale. A região do Great Attractor é um grande
vale gravitacional com um plano de fundo com uma âmbito de atração que se estende através do
superaglomerado Laniakea.
"Sabemos que, nesta região, existem algumas coleções muito grandes de galáxias que
chamamos de ''clusters'' ou superaglomerados, e toda nossa Via Láctea está se movendo em
direção ao grande atrator a mais de 2 milhões de quilômetros por hora".
551
Indo além de, a dialética também necessita de dados empíricos, como com o método dedutivo.
A pesquisa identificou várias novas estruturas que poderiam ajudar a explicar o movimento da
Via Láctea, incluindo três concentrações de galáxias (denominadas NW1, NW2 e NW3) e dois
novos aglomerados (denominados CW1 e CW2).
A Dr. Bärbel Koribalski do CSIRO Astronomy e Space Science, disseram que tecnologias
inovadoras no Radio telescópio Parkes possibilitaram pesquisar mais rapidamente grandes áreas
do céu. "Com o receptor multi-feixe de 21 cm em Parkes, podemos mapear o céu 13 vezes mais
rápido do que antes e fazer novas descobertas em uma taxa muito maior", disse ela.552
G) EMARANHAMENTO QUÂNTICO
Façamos observação necessária. Nada pode ir além da velocidade da luz e demais ondas?
Resposta: este referencial não deixa de ser isto, referencial, se os corpos puderem ir além. Uma
subpartícula pode superar esta velocidade transitoriamente, tendendo a retornar ao limite posto.
De modo acidental, não necessário, enquanto possibilidade, avançar na velocidade faz com que
a materialidade do cosmos “puxe de volta” aquela matéria. Esta é uma resposta filosófica, em
forma de hipótese, para aperfeiçoar esta verdade: nada pode ir além da velocidade da luz,
embora possa.
552
O estudo envolveu pesquisadores da Austrália, África do Sul, EUA e Holanda, e foi publicado em 9 de
fevereiro de 2016 no períodico Astronomical Journal: https://goo.gl/ee3i3t
Traduzido e adaptado de dailygalaxy.com.
nenhuma informação possa ser enviada instantaneamente de uma partícula para outra, um deles,
no entanto, parece “saber” o que aconteceu com o seu parceiro entrelaçado.”553
Assim, apareceu nova hipótese para resolver a questão: demonstrar ligação entre buracos negros
e buracos de minhoca. Primeiro, um texto mais simples:
(…)
Para eles, o emaranhamento quântico acontece através de buracos de minhoca. Se esta conexão
entre o emaranhamento quântico e os buracos de minhoca for verdadeira, ela pode ser a chave
para unir a mecânica quântica com a relatividade geral.554
Complementemos:
Há uma nova equação flutuando ao redor do mundo da física nos dias de hoje e que deixaria
Einstein orgulhoso.
(…)
ER = EPR, no entanto, sugere que a chave para a sua ligação pode ser encontrada nos túneis de
espaço-tempo conhecidos como buracos negros. Estes túneis, implícitos pela teoria da
relatividade geral de Einstein, seriam como atalhos sub-espaciais que ligam fisicamente locais
distantes. Parece que esses túneis podem ser o “alter ego” da ligação misteriosa entre partículas
subatômicas conhecidas como entrelaçamento quântico.
Durante os últimos 90 anos, ou mais, os físicos têm prosseguido com duas questões principais
quântica separadamente: uma, como interpretar a matemática quântica para dar sentido a sua
estranheza (como o emaranhamento), e dois, como se casar com a mecânica quântica e a
gravidade. Acontece que, se ER = EPR estiver certa, ambas as perguntas têm a mesma resposta:
553
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
554
https://hypescience.com/emaranhamento-quantico-pode-conectar-buracos-de-minhoca/
esquisitice quântica só pode ser compreendida se você entender a sua ligação com a gravidade.
Buracos de minhoca pode forjar essa ligação.555
Tempo = zero
T=0
A energia ou onda a conectar as duas subpartículas pode ir além da velocidade da luz e demais
ondas. A liga, buraco de minhoca, promove aceleração instantânea, onde o tempo é virtualmente
nulo.
Susskind passa a explorar em detalhe técnico como funciona o emaranhamento com múltiplos
participantes e descreve as implicações para considerar o entrelaçamento para ser equivalente a
um buraco de minhoca. Isto significa, em última instância, que buracos de minhocas que não
podem ser usado para enviar um sinal através do espaço mais rapidamente do que a luz. Alice e
Bob não podem, por exemplo, enviar mensagens uns aos outros através do buraco de minhoca
que liga os seus buracos negros. Se eles realmente querem falar, no entanto, eles poderiam saltar
em seu buraco negro e se encontram no meio do caminho de buraco de minhoca. Essa reunião
proporcionaria uma forte confirmação para a ideia de ER = EPR, embora Alice e Bob teriam
problemas para obter o seu paper publicado.556
Normalmente, os físicos falam de emaranhamento entre duas partículas. Mas isso é apenas o
exemplo mais simples. Susskind salienta que os campos quânticos – o material que as partículas
555
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
556
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
são feitas – também podem ser entrelaçados. “No vácuo de uma teoria quântica de campos os
campos quânticos em regiões disjuntas de espaço estão entrelaçados”, escreve ele. Tem a ver
com o bem conhecido (se bizarro) aparecimento de partículas “virtuais” que surgem
constantemente dentro e fora da existência no vácuo. Estas partículas aparecem em pares,
literalmente, do nada; sua origem comum garante que eles sejam entrelaçados. Em suas breves
vidas que às vezes colidem com as partículas reais, que, em seguida, tornam-se emaranhadas.557
Deixemos uma alternativa aos físicos, especialistas e gente de fato capaz: as “partículas
virtuais” seriam, na verdade, a mesma partícula viajando pelo buraco de minhoca – dando a
impressão de serem duas? Imaginemos um pêndulo com uma só esfera pendulando-se em
altíssima velocidade: deixaríamos de ver o movimento, o fio e teríamos a ilusão de duas bolas,
uma em cada ponta (em ambos os casos, a materialidade externa permite uma espécie de
“micropausa”). Neste acontecimento, o deslocamento permite a inversão do spin.
1) Eletromagnética;
2) Força forte;
3) Força fraca.
A gravidade (4) é resultado da interação das três, do desenvolmento das formas do cosmos.
Por isso, não consegue “caber” no modelo quântico.
A fusão das três forças, presente até o começo imediato do big bang, podemos chamar em
linguagem dialética “concreto”; suas posteriores separações chamamos “abstrato”. Há aí, na
fundação da gravidade, uma relação dialética tríade-colateral. Por tal razão, a gravidade
pertence ao macroespaço. De todas, esta é a menos intensa, mas mais articulada, sendo 1040
vezes mais fraca que a nuclear forte (a eletromagnética é um centésimo mais fraca relativo
a esta).
Em nosso planeta, a conclusão dialética acima tem efeito especial por “antientropia”, pois a
Terra não é um sistema complexo fechado – recebe energia do Sol. Concentrando energia por
este meio, a matéria pode concentrar-se e ganhar complexidade.
557
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
A vida é matéria em busca de energia e, por este meio, capaz de autorreplicação. “A vida é
energia em busca de energia.” Neste sentido, o matemático Jeremy England está prestes a
revolucionar o conhecimento:
Hipóteses populares creditam uma sopa pré-biótica, uma imensa quantidade de raios e um
tremendo golpe de sorte. Mas, se uma nova teoria estiver correta, a sorte pode ter exercido um
papel mínimo. Em vez disso, de acordo com o físico que propõe a ideia, a origem e a
subsequente evolução da vida seguem um padrão das leis fundamentais da natureza e “deve ser
tão natural quanto pedras rolando por uma ladeira”.
No ponto de vista da Física, há uma diferença essencial entre seres vivos e aglomerados
inanimados de átomos de carbono: o primeiro tende a ser bem melhor em absorver a energia do
seu ambiente e dissipar ela em forma de calor. Jeremy England, 31, professor no MIT
(Massachusetts Institute of Technology), tem desenvolvido uma fórmula matemática que ele
acredita que possa explicar essa capacidade. A fórmula, baseada em uma física já conhecida,
indica que, quando um grupo de átomos é guiado por uma fonte externa de energia (tal como o
Sol ou combustíveis químicos) e cercada por um meio que mantenha o calor (como o oceano ou
a atmosfera), ele provavelmente irá se reestruturar gradualmente, de forma a dissipar cada vez
mais energia. Isso poderia significar que, em determinadas condições, a matéria pode
inevitavelmente adquirir o atributo físico associado à vida.
“Você começa com um aglomerado aleatório de átomos, e, se você deixá-lo exposto à luz por
um determinado tempo, não seria surpreendente se você conseguisse uma planta”, diz England.
Sua ideia, detalhada em um paper e mais bem elaborada em palestras das quais ele está dando
para universidades ao redor do mundo, gerou uma polêmica entre seus colegas, que veem isso
como um tênue ou um potencial avanço.
(…)
Usando a formulação de Jarzynski e Crooks, ele derivou uma generalização da Segunda Lei da
Termodinâmica que atribui a certos sistemas de partículas com certas características: os
sistemas são fortemente movidos por uma fonte externa de energia tal como uma energia
eletromagnética, e eles podem descartar calor em um banho térmico. Essa classe de sistemas
inclui todos os seres vivos. England, então, determinou o quanto os sistemas tendem a evoluir
ao longo do tempo à medida que a irreversibilidade aumenta. “Nós podemos mostrar, de forma
muito simples, a partir da fórmula, que os resultados evolutivos vão ser aqueles que absorvem e
dissipam mais energia para o ambiente externo, no caminho para chegarem lá”, ele diz. As
descobertas fazem um senso intuitivo: partículas tendem a dissipar mais energia quando elas são
estimuladas por uma força motriz.
“Isto significa que os aglomerados de átomos rodeados por um banho de certa temperatura,
como a atmosfera ou o oceano, devem tender, ao longo do tempo, a se organizarem para
repercutir melhor com as fontes de trabalho mecânicas, eletromagnéticas ou químicas nos seus
ambientes”, England explica.558
Uma vez dado este impulso de base, esta matéria singular desenvolve alguma autonomia em sua
atividade, em busca de energia. Exemplo cotidiano e poético da vida como antientropia
obervamos quando o feto absorve parte da energia materna, via cordão umbilical,
desenvolvendo-se durante nove meses.
Podemos, então, focar num importante enigma: o DNA movimenta-se em sentido oposto ao
esperado, de acordo com a natureza. Este foi, e é, resultado inexperado aos cientistas.
Observemos. A natureza orgânica deriva da inorgânica, mas é uma forma de autorresistência,
constante luta para ser um outro, contra a entropia (antientropia). Se a vida rompe relativamente
com a entropia, torna-se natural perceber que o movimento de seu componente fundamental
apresente-se como antinatural, antiambiental, anti-inorgânico. Assim como a luta da espécie
humana é ser social, mais do que parte da natureza orgânica. Viver é, portanto, resistir. (Erros
enormes são cometidos quando se desconsidera as leis e tendências próprias de cada ser –
inorgânico, orgânico e social – no trato científico. Racismo e determinismo genético são
exemplos ainda vigentes baseados em induções pseudocientíficas e limitadas lógico e
metodologicamente.)
Abstraiamos um instante mais. Quando começa a vida? Quando afirmar que um ser singular é
uma vida? Parece haver forte limitação lógica entre biólogos, pois consideram a lógica formal:
ser ou não ser, é ou não é, vida ou não vida… Existem também as formas transitórias, mediadas,
entre o inorgânico e o orgânico. Em filosofia, chamamos vir-a-ser. A=A e Não-A, rumo à Não-
A. Se todo surgir é um processo, inicia-se por sua negação.
Então, quando afirmar ser, surgir, de fato uma vida? Qual o ponto onde a matéria orgânica é,
com certeza, igual a si própria? Em conclusão: quando esta matéria passa a se interrelacionar
com as demais semelhantes seja enquanto fonte de alimento, seja enquanto fonte de integração,
seja enquanto meio de replicação559. Em generalização: quando a interação do orgânico com o
inorgânico é cada vez mais indireta, ou seja, quando se inicia uma “autonomia relativa” daquele
relativo a este.
Ampliemos.
O ponto mais alto desta antientropia é a consciência. Esta apenas foi possível ao homem – a
mais envoluída das espécies – por ser um mamífero, ser complexo entre os seres vivos, que, em
sua origem, é conhecido por adotar dieta carnívora, portadora de muita energia – potencializado
pelo ato de cozer.
558
https://universoracionalista.org/uma-nova-teoria-para-a-origem-da-vida/
559
Logo, vírus é uma forma de vida.
de caça, peixes etc. Então e logo, quando Freud afirma ser o trabalho e o trabalho mental
mecanismos de transferência de energia sexual, sublimação, deixa de perceber esta força como
algo em si, para além da pulsão de cópula enquanto forma ímpar.
Extraímos destas reflexões: a fórmula E=MC² dá-nos pistas, senão científicas, pelo menos
filofóficas objetivas para as três esferas ontológicas.
J) O TEMPO
Einstein demontrou o tempo como algo, o espaço como algo, interligados no espaço-tempo.
Todas as tentativas de refultar tal teoria falharam e desmoralizaram uns tantos – resistiu às
críticas teóricas e filosóficas.
Suporemos, no entanto, em abstração filosófica, estar errado o alemão: o tempo é uma abstração
social, não natural, promovida pelo homem – a partir do movimento do real.
Peguemos o famoso exemplo: se dois irmãos gêmeos são separados – um vai ao espaço em
altíssima velocidade e outro fica na Terra –, décadas depois um é velho e o outro, jovem. Por
que isso ocorreria, desconsiderando o tempo enquanto fator natural? Porque a velocidade de um
dos corpos, tendendo a se transformar em energia, ganha massa, ou seja, preserva-se, ou seja,
antientropia, ou seja, manutenção da vida (neste caso), ou seja, menor desgaste.
Peguemos, em seguida, uma prova empírica: um relógio atômico no espaço, orbitando a Terra,
tem diferença na duração de seu relógio relativo ao do planeta orbitado – obrigando
microsajustes de tempos em tempos. De novo: Por que isto ocorreria, desconsiderando o tempo
enquanto fator natural? Porque o movimento do satélite artificial altera o relógio, sua matéria –
tamanho, massa, desgaste –, provocando alterações. Ou seja: parece uma alteração no tempo
quando é alteração no corpo.
Exemplo intuitivo de nossa escala de percepção: se percorrermos uma distância x, de nossa casa
até uma padaria, o tempo para percorrer é inversamente proporcional à velocidade de nosso
deslocamento – maior velocidade, menor tempo. Em si, por causa da escala, alterações de massa
ou do tempo (enquanto algo) são irrelevantes – a temporalidade aqui é uma noção da percepção
subjetiva, sob métrica determinada socialmente. Einstein descobre ser “igual, mas diferente” em
escala cósmica: o tempo, deveras, altera-se. Outra hipótese, não considerada teoria: é “igual,
mas diferente” por causa das alterações sobre a matéria diante do movimento, da mudança, não
do tempo em si.
560
Se a tese anterior está, em geral, correta, a entropia torna-se relativa e a antientropia de relativa à
absoluta.
Desde as diferenças qualitativas, estas analogias diferenciadoras existem em física. A fórmula
F=MA, força é igual à massa vezes aceleração, de Newton, tem estágio superior em E=MC²,
energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado, de Eisntein. Estão inter-
relacionados.
A observação lógica do real percebe que processos podem ser opostos a depender da escala, a
depender se vemos o geral ou o singular etc. Exemplo: se uma pessoa tem um ritmo de trabalho
extenso e intenso ou correr em constância, muito movimento, ela se desgasta e envelhece com
maior rapidez. O inverso ocorre quanto ao movimento visto em macroescala: velocidade maior,
menor possibilidade de desgaste, de “avançar no tempo” ou “recuando-o”.
O pai da teoria da relatividade afirma ser a “massa [é] energia em repouso”, porém o repouso é
relativo-parcial, não absoluto, e depende do referencial posto: inexistente quando obervado o
objeto dentro de sua totalidade.
561
Não é que o tempo não exista em objetividade; apenas não é um em si, nem para si.
562
O Espaço em si é movimento: amplia-se, reduz-se, modifica-se etc. Em certo e alto grau de abstração:
todo é espaço modificando-se. O espaço(-movimento) é algo. De outro modo: o espaço é uma
caracterísitica da matéria geral, do cosmos.
ESBOÇOS PARA UMA TEORIA UNIFICADA DA PSICOLOGIA
Os aspectos gerais debatidos nos capítulos “Declínio Geral da Psique” e “Para a Dissolução da
Posmodernidade” são apenas indicados563. Neles, há antecipações mais essenciais. Daqueles
capítulos, destacamos:
A) ÉDIPO INVERTIDO
É neste contexto onde encesto ocorre como prática comum entre familiares nestes pequenos
grupos extremamente isolados e pequenos (20 a 50 membros). Apenas nas etapas seguintes da
civilização há a construção de condutas e valores morais – de modo saudável ou exagerado –
sobre o superergo, resignificando os instintos.
Em sequência, expomos:
563
“Subjetivação da objetividade” aí incluída.
564
Breve comentário: enquanto ciências especializadas, psicologia e medicina pertencem às
“humanidades”. Quando tratam de biologia em suas matérias e pesquisas, tratam da biologia do ser
humano. As ciências naturais existem aí como premissas e ferramentas. Processo análogo ocorre em
economia (política): a matemática é ferramenta de uma semiciência de humanas. É o objeto que define.
O problema de fundo é a excessiva especialização, instrumentalização e tecnicidade dada às
semiciências, pendendo, por fragmentação, ao pseudocientífico. Digamos de modo inverso. Um curso
superior em história deve incluir duas matérias de abertura: fundamentos biológicos do homem e
fundamentos econômicos da história.
565
A psicanálise revela que o homem “sabe, mas não sabe que sabe” boa parte do seu universo mental
inconsciente. Exemplo da interpretação dos Sonhos: Freud diz que, mesmo antes de sua descoberta
“escandalosa”, as pessoas comuns diziam “nem nos meus piores sonhos eu desejaria uma coisa
dessas!”, “parece um sonho o que estou vivendo!” – os sonhos são realizações de desejos concientes ou
não.
3) O sexo como energia básica é resignificada para um modo corrependente com as
necessidades da cultura.
4) Lacan atualiza categoria edipiana para necessidade de afeto.
5) O pai vê o filho como ameaça ao seu afeto pela esposa, e o mesmo na relação mãe-filha;
6) Há disputa – relação de inveja – por relação de capacidades da idade: beleza, vida
sexual, vitalidade física etc. Muito comum ocorrer, por exemplo, a mãe aprisionar a
filha, diminui-la (como em casos em que a mãe poprõe à filha testar uma nova roupa
apenas para tomar dela em seguida).
7) Este édipo invertido também é visto pelo afeto (sexual inconsciente ou não) quando o
pai tem ciúmes do namorado da filha, ou o mesmo na relação mãe-filho. Vê o
namorado(a) enquanto ameaça. Ou quando o pai prende a filha e o filho, vemos casos
próximos.
8) O ID, instintos e impulsos básicos desprovidos de autorrepressão, apenas são mediados
por fatores externos – ego, superego, cultura etc. (Exemplo: a filha adolescente atraente
e bela não causa atração consciente no pai porque este tem mecanismos para
resignificar seus impulsos e fazer mediações.)
9) O édipo invertido revela-se na época em que o filho começa a viver o próprio édipo,
após os 4 anos. E isso corresponde a quando o corpo deste começa a tomar forma e
autonomia.
10) Este édipo invertido pode se impor – em reação – sobre a cultura, o superego, o ego e as
concepções saudáveis quando a sexualidade é em demasia reprimida. É o caso global da
pedofilia na igreja católica.
Podemos nomear Complexo de Kronos em referência metafórica àquele a devorar os filhos após
a esposa parir-lhes. No mito, Zeus é escondido pela mãe, Hera, e substituído por uma rocha…
Tempos depois, Zeus mata o pai, liberta os irmãos do estômago deste e casa-se com a mãe.
B) COMPLEXO DE CAIM
Para expor com devida clareza, priorizemos o exemplo mais simples, dois irmãos.
Freud opera uma simplificação por demais rigorosa ao complexo de édipo. Formamo-nos
relativo aos outros, reação-ação, e nos definimos por diferenciação aos outros na formação de
nossa personalidade. Exemplo: irmãos tendem a formar-se por demarcações de fronteiras um
relativo ao outro – e vice-versa. Comparam experiências e consequências de decisões etc. Este
processo pode ser chamado “complexo de Caim”.
Quando um filho é, sem maiores motivos aparentes, preferido a outro; quando um dos gira sua
formação de personalidade a agradar aos pais contrariando o estilo rebelde de outro etc. são
algumas das várias as manifestações particulares possíveis. Interesa-nos o motor, o ponto sobre
o qual avaliamos casos particulares. A “castração”, medo de perder afeto dos pais ou não o ter,
não se dá apenas entre filho-pai ou filha-mãe. Pode-se formar relação, por exemplo, de amor-
raiva-culpa – menos ou mais consciente – entre irmãos. Também é por meio da diferenciação,
do ser diferente daquele, o modo como um filho pode afirmar seu existir e ter atenção.
A tese de Freud não está errada, dada a energia pessoal exigida na relação edipiana – somente
incompleta.
No mais: a relação entre irmãos de sexos opostos, por exemplo – sempre ver os casos concretos
a partir da generalização teórica, mas não se limitar a esta – pode ser tanto ao modo Caim como
um tipo de edipianismo (exemplo: caso de irmãos de sexos opostos criados desprovidos de pai
ou figura semelhante, onde a transferência da figura paterna ocorre. Daí um exemplo possível:
ao crescer, a irmã tende a se atrair por moços jovens. Há casos de atração homoafetiva de um
irmão por outro transformado em um tipo de birra e sabotagem, ou seja, negação e culpa).
O papel de Caim, via de regra, em tendência, cai sobre o irmão mais novo, o não primogênito. A
este cabe o papel de comparação, sentir-se o outro, inferior e o depois. Isto se dá porque o mais
velho forma-se sem referencial num semelhante de posição; enquanto o mais novo tem a figura
do igual posta pela realidade externa. No entanto, o inverso e a mistura de papéis pode ocorrer.
Ao leitor, fica o desafio de observar este e demais fenômenos na realidade concreta, pois esta é
a complicação da psicologia profunda: exemplos práticos, reais e empíricos geram
constrangimentos, conflitos e (auto)negação.
“Mas, seu me entregava a isso, era como um ato de retaliação, pois meu próprio nome fora alvos
de gracejos leves como esses em incontornáveis ocasiões. Goethe, lembrei-me, comentara em
566
A diferenciação física, fato dado, parece ser um dos principais pontos de partida e estímulo das
demais diferenciações. É bem possível o complexo de Caim ocorrer de modo desregulado entre “iguais”.
567
Tenta-se descobrir por quais meios, e tanto quanto possível, satisfazer as necessidades biológicas,
universais ao reino animal, e a bioessência, universais ao ser social.
algum lugar a sensibilidade das pessoas em relação a seus nomes: como parecemos transformar-
nos neles como se fossem nossa própria pele. Ele dissera isso à propósito de um verso (…).
[Nota de rodapé 2: Freud é o termo alemão correspondente a “alegria”.]” (A Interpretação dos
Sonhos, Freud, p. 212.)
1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em si, perceber-se,
se dá também por meio do seu nome, em especial por meio do chamado verbal-afetivo
do pai e da mãe (descoberta de Winnicott).
2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e demoram os saltos de
percepção. Até a pré-adolencência, há uma lógica muito rígida, não dinâmica, de
opostos e significados568.
3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e combinações.
4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis diferentes.
Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é flor apreende o significado de flor enquanto objeto
externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta palavra lhe é absorvida enquanto
significado de si – então ocorre uma fusão interna, pré-consciente.
Exemplo pessoal. Meu nome é João Paulo Pereira dos Santos Neto. Disto, sou reconhecido na
família por ter o estilo postura-corporal e mental de meu avô, portador de meu nome (toda
viagem ao Brejinho de Parnarama, interior do Maranhão, é um preparo para tal comentário
geral). Demais, a palavra Santos gerou em mim certa fixação por religião – tendo a mãe
escondido e quebrado terços dada a preocupação com a criança – e a vaidade de ser santo. Logo
percebe-se o custo pessoal ao trarar de psicologia…
O historiador Leandro Karnal tem por foco a religião, o pecado, a culpa e histórias de William
Shakespeare focadas na condenação do instinto. Possível que o sobrenome derive tal
preferência.
No instante final, Freud desiste de outro curso qualquer (não me falha a memória, engenharia) e
dedica-se à medicina, rumo ao desenvolvimento de uma ciência da mente. Daí sua relação com
o significado de seu nome, alegria.
O poeta Fernando Pessoa é conhecido por suas múltiplas persornalidades na poesia, seus
heterônimos. Ele próprio reconhecia sua “histeria escondida” que lhe fazia ser mais do que um.
Minha esposa Iara desde o ínicio de nosso relacionamento demonstra preferência por filmes de
sereia, certo vício por banhos, “memória de peixe”. Contou-me ser de seu conhecimento na
infância as histórias da sereia Iara. Também me deu um desafio ao expô-la a tese, disse-me: “lá
na empresa, o suprovisor perguntou a um garoto o nome dele e este disse ser Renato; daí o líder
do setor falou que ele seria um ótimo funcionário por casusa do nome, qual outros assim
batizados; e ele realmente se tornou.” De imediato, ri da situação: apenas poderia ser acaso,
coinscidência de indução. Num segundo momento, tentei ver – a partir da premissa de que o
568
Exemplo: sim ou não – isto ou é coisa de menino ou de menina. Piaget foi quem expôs a evolução
lógica da cognição.
cérebro faz associações insconcientes – se anagramas escondiam alguma sugestão parcial à
personalidade. Nada feito. Meses depois, por acaso, cheguei a uma resposta firme: Renato pode
ser separado re-nato; na língua portuguesa falada a palavra “nato” é utilizado somente na frase
“talento nato” e o prefixo “re” enquanto reforço (re+esforço), repetição de um sentido.
Para tornar sensitivamente não absurda esta tese, estou focando em exemplos famosos, que não
exigem maiores explicações.
Supondo ser caso de problema mental, não oportunismo, o “menino do Acre”, Bruno Borges,
desapareceu deixando escritos bizarros e uma estátua de Giovanni Bruno, de quem diz ser
reencarnação. Neste caso, a esquizofrenia latente revelou um inconsciente mecanismo interno.
O grande economista Nildo Domingos Ouriques parece ter no último sobrenome certa inflência
relativa; além do mais, sendo marxista, afirmou preferir ministrar aulas de economia política do
período anterior a Marx – neste época, dinheiro se apresentava diretamente como ouro.
Adiante, o leitor pode supor, por esforço particular, exemplos famosos e anônimos de nomes
correspondentes – quando a mente opera esta metáfora real.
Esta influência do nome, sempre quanto este indica uma relação metafórica, sobre a
personalidade é relativa, está ao lado da constelação de outros fatores.
A paranoia pode derivar de inúmeros fatores imediatos. Quando um indivíduo fica por muito
solitário, a paranoia de perseguição compensa a insatisfação desta essência integrada, de sua
espécie, por meio de mania de perseguição; um stress derivado de perseguição real –falta de
mutualismo – também origina tal efeito. São inúmeros exemplos.
E) ACAUSALIDADE APARENTE
Em sua tentativa de afirmar a religião, Jung adota as premissas kantianas, estado histórico
inferior da ciência. Assim, adota oposições fixas e espelhadas, foca em classificações, percebe
movimentos longe de suas causalidades.
Estacionemos um pouco nisso. Isaac Newton percebeu as leis da gravidade, destacou seus
movimentos e apresentou cálculos precisos; no entanto, deixou claro pertencer ao leitor a tarefa
de descobrir o que é aquela força (coisa-em-si). E foi preciso séculos e muito avanço para
Einstein explicar a gravidade como curvatura do tecido espaço-tempo causado pela massa dos
objetos.
Já Jung eleva o kantianismo à nona potência na medida em que defende a “acausalidade”, não
causalidade e, por isso, não coisa-em-si (Kant pensava existir a coisa-em-si, mas inalcançável).
Adotemos o exemplo do próprio psiquiatra: ao refletir sobre paganismo e cristianismo, percebeu
o fim de ambos apenas por meio da superação de ambos; em seguida, vários elementos externos
pareciam, quase instantaneamente, se comunicarem com este fato – encontra no passeio de sua
reflexão uma cobra morta com um peixe na boca, almoça peixe etc.
Seu erro é o idealismo: a mente faz a realidade. Não passou por sua cabeça: 1) a mente absorve
todas as informações externas de modo inconsciente, permanente e desprovido de hierarquia; 2)
a mente, sob atenção e tensão específicas, pode procurar autoconfirmações no mundo externo;
3) nossa mente opera associações pré-conscientes.
5) Acasos também ocorrem – nem toda correlação aponta causalidade ou nexo interno.
Para encerrar, exemplo particular e no tempo. Algumas vezes, consegui intuir e verbalizar: o
pnel deste ônibus vai furar. De fato, isto ocorreu inúmeras vezes. Diante da profecia, amigos
comentavam “bruxo”, “falou e disse”; enquanto davam-me sensação narcísica de palavra-
acontecimento. No entanto, nada indica ser uma antecipação de sincroniciadade ao modo
jungiano. A mera sensibilidade – tato, olfato, equilíbrio etc. – inconsciente pode perceber a
tendência à ruptura da roda, da borracha, o balançar diferenciado embora difícil de captar na
consciência (que apenas manifesta a conclusão por meio da palavra). (O Fato de eu ter TDAH,
menor bloqueio mental, pode ter facilitado a percepção.) Outro exemplo são as mulheres a
perceberem gravidez em outras por “intuição”: também por ter tido experiência de gestação,
podem quase perceber as diferenças no corpo, no cheiro, no humor (entrelinhas de um casal a
esconder o fato) etc. de outras.
Do ponto de vista científico, na dialética materialista, a relação causal é limitada: mas trata-se
de ir além dela, não aquém.
Jung acerta quando defende a dimensão inconsciente enquanto mais lógica e menos irracional
do que supunha Freud. A consciência nada mais é além da consciência do inconsciente, mesmo
tendo autonomia relativa e influência real sobre a fonte primária569.
Cabe um relato.
Enquanto preparava estes textos para filosofia da psicologia570, vi-me angustiado por falta de
uma série nova para assistir, entre uma revisão e outra. Acabei assumindo o antigo objetivo de
assistir um anime de inspiração oriental, Avatar. Tudo ocorria bem enquanto “maratonava” e
569
No entanto, a consciência não é tão passiva e apenas objeto na sua funçãode mediação: tam alta
importância.
570
O leitor pode perguntar-se o motivo de nomear “filosofia da psicologia” se parto de bases empíricas
reconhecidas. São duas razões: 1) chego a conclusões lógicas a partir de informações já postas; 2) não
sou formalmente da área.
pensava não haver qualquer outra contribuição após os pontos A, B, e C… De repente, ao
assistir a temporada terceira, percebi alguns episódios ligarem-se – um tanto diretamente – com
as conclusões alcançadas por mim neste apêndice e em alguns aspectos do livro. Exato isso me
fez lembrar de conclusões antigas. E veio-me a dúvida: eu havia assistido apenas um ou outro
episódio antes desta experiência – como poderia induzir-me a este momento? Remates: 1)
enquanto dormia na casa do amigo que me apresentou a saga, este a assistia em alto volume; 2)
as conclusões D e E foram alcançadas naquela época, 2011; 3) a mente, por associação,
aprendeu e apreendeu parte da filosofia presente na obra artística571 (pensamento com o qual já
possuía acordo prévio por ser, desde 2008, militante comunista).
Jung critica Freud por não ver o sonho como forma de ajudar na prática, fonte de conselhos, o
indivíduo. Como se vê, insiste na premissa religiosa. Mas o mais importante é absorver o
absorvível entre suas concepções – e muitas apontam acertos incompletos. Vejamos. O pai da
psicanálise afirmou ser o sonho, na tentativa biológica de manter o corpo em repouso, uma
forma lúdica de realizar desejos, diminuindo a tensão psíquica acumulada no estado de vigília. E
se o desejo interno for resolver um problema prático externo? Um estudante de matemática pode
sonhar a resolução correta de um cálculo o qual foi incapaz de resolver antes de dormir, e
aplicá-la. Deste exemplo, percebemos ser falsa polêmica o debate sobre a natureza dos sonhos.
Um exemplo conhecido entre marxistas. Marx dedicou mais de vinte anos a escrever sua obra
Magna, O Capital; mas toda versão da obra mostrava-se, em seguida, limitada e digna de nova
reescrita. Assim, o projeto inicial ia-se, esboço a esboço. Folheando, por acaso, o “Ciência da
Lógica” de Hegel quando o revolucionário teve os “estalos” ou “sacadas” necessários à versão
final e conclusiva. Esta releitura foi, segundo o autor, impostantíssima para permitir o livro I.
Este relato indica ajuda insconciente para destravar a percepção teórica do fundador do
socialismo científico.
Uma pessoa “delicada” gosta de ouvir – ou ler – material delicado, leve, sobre flores etc. Mas –
mas! – prefere filmes e séries de terror e suspense. Por quê? Gosta do delicado nas artes não-
visuais para tentar introjetar também na dimensão inconsciente este aspecto não oculto da
personalidade. A parte também natural e escondida do “eu”, o contrário, necessita, por outro
lado, ver-se projetado (em duplo sentido), objetado e realizado em práxis de alguma forma.
571
A filosofia oriental parece ter inúmeros pontos de encontro com a concepção hegeliana. Além do
mais, por razão da baixa produtividade do solo, tendeu ao materialismo – enquanto a filosofia ocidental,
ao inverso de uma avaliação rasteira, tem forte tradição idealista e metafísica, a partir do baixo
constrangimento das condições materiais sobre os pensadores, em geral da classe dominante, ligados
ao trabalho intelectual, os dispostos de tempo livre.
O escritor escreve sobre o contrário de si, do eu exposto: o tímido escreve humor (Luís
Fernando Veríssimo); o ateu, religião (Saramago); o pacífico, violência (Rubem Fonseca); o
casto, sexualidade etc. A criatividade subconsciente também tem esta matéria-prima: a parte da
vida não vivida, mas vívida.
João Cabral de Melo Neto revela-se nosso melhor exemplo. Desde muito jovem, sofria
melancolia intensa, tendo sido internado numa ala psiquiátrica por própria iniciativa. Tempos
depois, relatou ser mal incurável, coisa de poeta. A partir desse sentimento abstrato interno, o
artista desenvolveu três fixações: 1) paixão por arquitetura; 2) um tipo original de poesia
“concreta”, longe de palavras abstratas e preferindo dar algum sentido de forma organizada aos
versos e estrofes; 3) ódio por música.
A mente busca tal sentido de completude, de ser-total. Seja realizando aquilo em carência ou
aquilo em repressão inconsciente (sombra, para Jung) por caminhos indiretos.
Esta forma de observar parece apontar futuros resultados. Exemplos cotidianos: namoros
acabam no momento em que o namorado tatua o nome da namorada na pele – certeza de que
marcou o outro, diminuindo interesse; falar “eu te amo” parece evasiar o sentimento, antes
expresso por outros meios de comunição, não verbais; ações de revolta ou firgir-ser on line
oferecem prazer de realização quase-instantâneo de baixo esforço real, diluindo o instinto de
atitude prática.
Do demonstrado, há forte relação do conteúdo com a forma como está revelado aquele – em
relação à necessidade psíquica.
Este último ponto é uma indicação incial de pesquisa: incompleto, aberto e indicado ao leitor.
A vida psíquica tem duas dimensões nas interações sociais, ou seja, em grande parte, verbais:
As duas são verdadeiras e necessárias – com a origem íntima descoberta a partir do ponto 2, o
inconsciente.
Consideremos os seguintes fatores:
Tais fatores geram um especto curioso da linguagem verbal: além de no momento clínico;
permanentemente, no cotidiano, os diálogos costumam apresentar dois sentidos, o formal e o
oculto. Isto ocorre em constância e sempre quando o aparelho psíquico consegue ser criativo.
Indiretas, provocações, involutárias; autorrevelações fora de ato falhos; frases de duplo sentido
etc. São várias as mediações.
A própria língua, formal e informal, acaba por ter esta característica. A palavra “obrigado” pode
ser agradecimento ou ação involuntária; “sinistro” pode ser repugnante ou atrativo; “olha isso!”
pode ser forma de afirmar ser algo absurdo, indigno de atenção após primeio ato ou pedido para
ver.
Quando conheço alguma moça por quem desenvolvo estima sexual, digo na primeira despedida
amigável: prazer – ou prazer em conhecê-la. Uma dupla mensagem. Outro exemplo,
reconhecível: eu odeio alguém, mas ela pede para ficar um pouco mais em minha casa e
pergunta-me se “tudo bem”; respondo “não” e, em seguida, pós-micropausa, “pode ficar, tudo
bem”. Processo semelhante ocorre quando cantamos música “do nada”, verbalizando, em
metáfora, aquilo pensado por nós no momento, consciente ou in.
Em nível insconsciente, também nos comunicamos desta forma, quer seja, informalmente por
meio da formalidade.
A necessidade de adaptação ao meio ambiente social provoca e permite esta forma de interação,
o caráter duplo.
Abstraídos os fatores biológicos puros e acidentais; a maior parte dos males da mente tem por
origem profunda, rastreável, a não satisfação da biossência humana.
Basta-nos raciocínio rápido para ver interligação e integração destes dois fatores.
Apenas o psicopata por origem, desde o nascer, não necessita realizar o fator 2.
As formas de baixa satisfação da bioessência, essência social do homem, têm por origem os
vigentes fatores na sociedade. Os males psíquicos são, em geral, fenômenos históricos.
A psicologia quase alcançou tais conclusões, ou seja, existir natureza humana. Porém, Marx por
completo, cientista-filosófico, precisa ser ponto de partida a qualquer (semi)ciência das
humanidades.
1) Integração;
2) Mutualismo;
3) Ser ativo.
No campo teórico, a premissa freudiana “energia sexual vital” então é suprassumida pela
concepção de esssência humana.
Enquanto forma de expelir secreções, o espirro tem função biológica. Ademais, pode interagir
com a mente:
É uma espécie de orgasmo mental. O prazer do espirro, ao limpar e liberar, expressa o prazer
psíquico, não em si sexual.
É a própria mente compensando(-se), por meio do prazer, por novas “sacadas” e confirmações.
Podemos falar em níveis – normais, altos ou baixos (de uma constante) – de pulsão de vida, de
matéria em busca de energia, de energia em busca de energia. O suicídio, para citar o extremo,
pode ser uma forma invertida de pulsão de vida, quando baixa realização, para evitar o
desprazer constante. É uma negação que afirma. Pulsão de morte é, invertida, pulsão de vida.
A relação contraditória essencial está entre pulsão de vida, suas formas, com o desconforto.
Freud tratou as pulsões opostas, de vida e morte, enquanto contraditórias, combinadas e
interligadas (interpenetração dos opostos). Ambas derivadas do ID, do instinto e animalesco,
seriam duas forças atuantes. Porém, podemos aperfeiçoar para uma única pulsão buscando
realizar-se deste ou daquele modo, tal como o princípio do prazer medeia-se, faz curvas para
gastar-se ou está travado diante do princípio da realidade.
A busca pelo princípio do nirvada se dá porque pulsão é desconforto, mesmo quando este inclui
prazer. O prazer do desconforto (interpenetração dos princípios do prazer e da realidade) é
busca por transformar aquilo em realização de vida, pulsão de vida – ressignificação psíquica.
A pulsão de vida pode, por exemplo, apresentar-se na forma de construção ou, ao contrário, na
forma de destruição.
Como explicar estes fenômenos, estas leis? A resposta parece estar na subjetivação da
objetividade no capitalismo, desde sua instabilidade: o ciclo crescimento, superprodução,
estagnação, crise, recuperação – em ciclos decenais, mais ou menos, dez em dez anos.
È evidente a influência de ciclos menores sobre hábitos, como no caso das quatro estações do
ano. Um El Niño também cumpre tal papel quando gera seca e maior calor no nordeste. Outra
572
Consideramos os casamentos por amor com separações por desamor, incluindo certa tolência da
convicência. O balizador é os casamentos com separação, tempo médio de separação ou os anos médios
quando tende a ter mais separações.
573
O amor romântico é um ter quase perdendo ou um desejar quase tendo. Como os demais
sentimentos humanos, começa e acaba.
interessante influência natural, não social, parece estar nos ciclos solares, quando o anel solar
faz movimento de dilatação e contração574:
Todas as manchas solares desapareceram do lado do Sol que permanece virado para a Terra,
relataram cientistas do Instituto de Física Lebedev, em Moscou, após análise de fotos tiradas há
duas semanas. Consequências podem ter grande efeito sobre todo o planeta.
Com base em observações de outras estrelas parecidas com o Sol feitas pela sonda americana
Kepler, os cientistas dos EUA já haviam anunciado em 2016 que o Sol estava entrando em uma
fase especial de sua evolução magnética. Esses resultados ofereceram a primeira confirmação
real de que os ciclos de manchas solares de 11 anos iriam provavelmente desaparecer por
completo e que o Sol teria menos manchas do que na primeira metade de seus 10 bilhões de
anos de existência.
Inicialmente, porém, os cientistas pensaram que isso aconteceria de forma lenta, mas, segundo
pesquisadores do Instituto Lebedev, o processo já ocorreu: as manchas solares maiores, assim
como erupções associadas, desapareceram no Sol.
“Com base na imagem que estamos vendo agora, o Sol está se movendo inevitavelmente para
outra redução, que será atingida no final de 2018 ou primeiro semestre de 2019”, declararam os
cientistas em um comunicado.
“Finalmente, quando atingir o ponto mínimo, a energia magnética solar quase desaparecerá por
completo”, disseram os pesquisadores. “Nessa forma, nossa estrela pode existir de vários meses
a um ano, após o qual novos fluxos do campo magnético começam a flutuar das profundezas do
Sol, aparecem as primeiras manchas solares, e o ciclo solar inicia uma nova revolução por 11
anos.”
Atualmente, manchas e até mesmo erupções isoladas podem ainda aparecer por um curto
período, mas tratam-se das últimas atividades. Segundo os estudos, as manchas solares
desaparecerão completamente nos próximos 2 a 3 meses.
As consequências para a Terra podem ser uma temporada mais intensa frio, gelo e fortes
nevascas. A última chamada “pequena Era do Gelo”, observada nos séculos 17 e 18, coincidiu
com a conhecida “falha do ciclo solar, durante a qual, por 50 anos, quase não houve manchas
solares no Sol”, explicam os acadêmicos.
Na época, a “pequena Era do Gelo” provocou invernos mais rigorosos na Europa e na América
do Norte. Em meados do século 17, fazendas e aldeias dos Alpes suíços foram destruídas por
574
geleiras que invadiram o território do país. Os canais e os rios na Grã-Bretanha e na Holanda
frequentemente congelavam, e os primeiros colonos na América do Norte relataram invernos
excepcionalmente severos.575
Uma nova pesquisa revelou que, usando big data para analisar conjuntos de dados maciços de
notícias modernas e históricas, desde mídias sociais a páginas da Wikipédia, pode-se observar
padrões periódicos no comportamento coletivo da população, que poderiam passar
despercebidos.
Usando tecnologias de big data, agora é possível obter uma visão unificada dos conteúdos de
jornais, dezenas de jornais ao mesmo tempo, abrangendo várias décadas ou analisando
conteúdos postados no Twitter por um grande número de usuários, ou até mesmo as páginas da
Wikipedia visitadas.
Nossos dois artigos mostraram, analisando conjuntos de dados maciços de notícias modernas e
históricas, mídias sociais e páginas de páginas da Wikipedia, que podemos obter um olhar sem
precedentes sobre nosso comportamento coletivo, revelando ciclos que certamente suspeitamos,
mas que nunca foram observados antes”.
O primeiro artigo, publicado na revista PLOS ONE, analisou 87 anos de jornais dos EUA e do
Reino Unido, entre 1836 e 1922. Os pesquisadores descobriram que o lazer e o trabalho das
pessoas eram fortemente regulados pelo clima e pelas estações, no Reino Unido e nos EUA.
rande parte de nossa dieta foi influenciada pelas estações, também, com tempos de pico muito
previsíveis para diferentes frutas e alimentos, e até flores, nas notícias históricas. O mesmo foi
encontrado para doenças, como a época de pico para o sarampo onde, em ambos os países, foi
detectado com mais frequência no final de março ao início de abril. Curiosamente, um indicador
575
https://br.rbth.com/ciencia/79470-planeta-esfriamento-profundo-cientistas-russos
forte foi fornecido pela reaparição muito periódica de groselhas, em junho, que não é mais
encontrada nas notícias modernas, junto com muitas outras tradições perdidas.
Isso pode parecer óbvio, mas a equipe de pesquisas também notou que certas atividades que
costumavam ser altamente regulares, como palestras no Natal, agora quase desapareceram, e
foram substituídas por outras atividades periódicas, como o futebol, Ibiza, Oktoberfest. De certa
forma, a TV substituiu parcialmente o clima como um fator importante de sincronização da vida
das pessoas.
No segundo trabalho, que será apresentado no próximo mês, em uma oficina, na Conferência
Internacional de Mineração de Dados (IADC) de 2016, os pesquisadores descobriram que as
estações também podem ter fortes efeitos sobre a saúde mental. A equipe analisou o sentimento
agregado no Twitter no Reino Unido, acrescido de acesso agregado à Wikipedia durante quatro
anos. Eles descobriram que o sentimento negativo é super-exposto no inverno, atingindo o pico
em novembro, e a ansiedade e raiva são super-expostos entre setembro e abril.
Ao mesmo tempo, uma análise das visitas da Wikipédia para páginas de saúde mental,
globalmente, mas fortemente dominadas pelo tráfego no hemisfério norte, mostrou sazonalidade
clara na busca de formas específicas de problemas mentais. Por exemplo, as visitas à página
sobre picos de desordens afetivas sazonais ocorrem no final de dezembro e as visitas de
transtorno de pânico atingem seu pico em abril, ao mesmo tempo das visitas à página sobre
transtorno de estresse agudo.
Juntos, esses dois artigos mostram que o uso de múltiplas fontes de grandes dados podem
permitir aos pesquisadores olhar para o comportamento coletivo e, até mesmo, para o humor e a
saúde mental de grandes populações, revelando ciclos, pela primeira, vez suspeitos, mas difíceis
de se observar.576
Mesmo não sendo uma influência mecânica, tendo desigualdade temporal relativa, verificar tal
hipótese, se correlação indica causalidade, exige comparar os momentos de um processo com os
demais. Esta é indicação de pesquisa. Crise econômica corresponde, com algum atraso, por
exemplo, ao aumento na taxa de divórcio? Sendo intuitivo, dados empíricos podem formalizar
em nível científico.
Podemos afirmar, de já, a seguinte conclusão: os padrões cíclicos gerais e externos aos
indivíduos, naturais e sociais, influenciam em enorme medida seus hábitos, ciclos e padrões
destes. O trabalho científico é descobrir se há outras influências cíclicas gerais e regulares, pois
já tempos prova de isto assim ser.
Fica, então, um segundo desafio para pesquisa posterior. Antes, justifiquemo-nos: padrões e
correlações nem sempre indicam causalidade. Exemplos fora do padrão nem sempre negam o
padrão ou tendência. No mundo antigo, primitivo, a falta de método científico fazia com que a
busca de correlações fosse o principal método – supondo causalidade mística. Exemplo: o deus
da floresta não gosta que desmatemos as margens; se ficar com raiva, joga água do rio sobre
576
https://universoracionalista.org/megadados-nos-mostram-que-o-comportamento-coletivo-das-
pessoas-segue-fortes-padroes-periodicos/
nós. Há elementos de verdade no erro, por isso servia à vida prática e tinha validade social. De
um conto escrito por mim, entrego o desafio: e se algum elemento – a luz ou algo dela – no
processo de translação da Terra ao redor do Sol influenciar, na hora do nascimento, a estrutura
cerebral da criança e, logo, parte de sua personalidade (como um dos elementos, como
tendência, nunca determinístico)? É um desafio e um tabu: depende de ousadia e provas
empíricas.
O racismo surge com o capitalismo. Afirmar inferioridade e falta de alma ao negro foi forma de
justificar a desumanização do outro perante a escravidão. Cabe-nos, aqui, tratar certos
mecanismos de repasse geracional de tal erro na subjetividade.
O preconceito com a pele negra relaciona-se numa lógica primária e falha: a indução. Este
método florece na pseudociência contemporânea. Daiamos exemplo: filhos de mulheres com
quadril longo são mais inteligentes… Logo, fica sugerido haver causalidade nessa correlação
puramente estatística, de uma pesquisa qualquer, como se houvesse relação real577.
Em certo sentido, a realidade reforça o racismo, nesta percepção limitada: por causa da
escravidão, os negros possuem mais pedras no caminho, facilitando com que entrem na
bandidagem. A causa social e histórica é camuflada e justificada pela cor da pele.
577
Mulheres "com curvas" podem ter filhos mais inteligentes devido ao alto conteúdo de ácido das
gorduras poliinsaturadas dos quadris e que são de suma importância para o desenvolvimento do
cérebro no feto.
Assim revela um estudo que será publicado esta semana na revista oficial da Human Behaviour and
Evolution Society, que foi realizado pelas universidades de Pittsburgh (Pensilvânia) e da Califórnia.
De acordo com um excerto do estudo divulgado nesta segunda-feira (12), em diferentes testes
cognitivos realizados em filhos de mulheres com corpo do tipo "violão", estes ofereceram um
coeficiente de inteligência superior ao das mães com quadris estreitos.
O fato de que os filhos de mães com quadris largos e uma cintura estreita tenham notas altas nos
distintos testes de inteligência aos quais foram submetidos, levou William Lassek da Universidade de
Pittsburgh e Steven Gaulin, da Califórnia, a concluírem que os fetos se beneficiam de uma provisão
rica nos ácidos das gorduras poliinsaturadas.
O estudo, que foi feito com 16.000 mulheres e meninas, assinala que, em conseqüência, aquelas mães
com quadris estreitos carecem dos ácidos, e portanto, seus filhos têm uma falta desses nutrientes.
A análise revela que esta pode ser a razão pela qual, segundo vários estudos, os homens prefiram a
mulheres com curvas.
O relatório realizado por Lassek e Gaulin também revela que esta teoria evidencia as razões pelas quais
os filhos de mães jovens tem resultados ruins nos diferentes testes de inteligência.
Isso seria porque estas mães adolescentes não têm ácidos suficientes procedentes das gorduras
poliinsaturadas. (Griffo nosso. Fonte:http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL178786-
5603,00.html)
Alguns padrões percebidos pelo método indutivo possuem validade, mas este método não pode mostra
a verdade ou acaso de suas conclusões.
Isto apenas pouco basta, pois o homem é perceptivo-emocional. Ou seja: além da lógica
indutiva, há uma relação subjetiva sendo construída. E torna-se, em certa medida, pré-
consciente. Listemos:
Pelo menos certos adoecimentos mentais seguem o mesmo princípio: lógica indutiva, reforço
(negativo e positivo) e emoção. Podemos afirmar: trabalho clinico do psicóliogo deve ser,
também, trabalho por um salto lógico no analisado. Os próprios valores e morais sociais tende a
fazer perfis, adoecimentos, tendência de ação etc. como se fossse mais ou menos naturais.
N) SINCRONISMO
Aqui agregaremos, por alto, observações da ontropologia (escola limitada do ponto de vista
científico). Tal os demais pontos, daremos exemplos:
O) CICLOS VICIOSOS
P) SONHOS
Para Freud, existe o conteúdo manifesto (simbólico e absurdo) e conteúdo latente (real e
lógico).
Penso, no entanto, que Jung tem alguma razão.
O conteúdo manifesto pode ser não o absurdo; mas o lógico, o essencial, revelado em
forma mais pura. É o conteúdo na forma.
Exemplos pessoal. Sonhei-me numa igreja do Vaticano; encontrei o túmulo de Jesus
após descer uma estreita escada em espiral; saio e volto com minha esposa, para mostrá-
la o Jesus enterrado. Ao acordar: eu estava com um lençou cheio de imagens de Cristo,
com cabelo e barba ao estilo de Jesus, perto do natal, após ressuscitar ao terceiro dia
(três dias no hospital por tentativa de suicídio).
Há aí o “arquétipo profundo” (Jung).
O sonho não disfarçou, mas revelou o inominável.
Q) PERFIS PSICOLÓGICOS
A psicologia focada na classificação e perfis faz trabalho pouco frutífero e inferior do
ponto de vista científico. Surgem inúmeras, variadas e corretas formas de separar e
classificar os tipos humanos.
Freud estava correto ao fazer apenas localizações muito gerais. A questão, portanto, está
em compreender o processo de concebimento dos jeitos e desjeitos.
Das pistas da psicalálise e da superada ciência florence, podemos afirmar, modo geral: o
tipo humano singular veste a roupa do que é, na própria pele. O rosto, o perfil do corpo
etc. estão em sintonia com a personalidade daquele (tenta medir o tempo todo nosso
cérebro).
Qual o motivo? A personalidade se forma, por exemplo, por hábitos, que formam a
psique e, ao mesmo tempo, dão um perfil físico. Também, outro exemplo, se
considerado belo ou feio, terá consequências no desenvolvimento mental do sujeito.
Quando tal mulher, possuída de inveja, diz outra ter “cara de rapariga”, diz para além de
seu preconceito pseudoconservador.
Outra, invertida, relação causa-efeito: o perfil psicológico produz hábitos que, por sua
vez, influenciam o perfil corporal. Estas interrelações geram, em geral, perfis
psicofísicos.
Abstraiamos:
1. Hábitos formam perfis psicológicos e físicos;
2. Perfis psicológicos formam hábitos e perfis físicos;
3. Características físicas formam perfis psicilógicos e hábitos;
4. Padrões sociais influenciam o papel de pessoas (psique) e seus hábitos;
5. Combinação dinâmica dos fatores acima postos.
R) DÉJÀ VU
Porque nossa mente faz projeções consciente e inconscientemente, ocorre de uma “antecipação
ideal” ser confimada com muita precisão na realidade. Porém, a mente apreende apenas o
resultado, na satisfação, sob sensação de “já haver vivido isto”.
Parace que, abstraído o pepel da ansiedade, Freud havia deduzido tal conclusão (por isso
relembramos o autor o caráter preliminar destas notas e o risco de reinventar a roda). Partamos,
agora, das tácnicas modernas:
Déjà vu (que significa "já visto" em francês) é a expressão usada para descrever aquela sensação
de que você já esteve em determinado lugar ou já fez a mesma coisa antes, ainda que o senso
comum lhe garanta que isso não é possível.
Pesquisas indicam que cerca de dois terços das pessoas experimentam essa sensação pelo menos
uma vez na vida, mas se sabe muito pouco sobre suas causas.
O jovem britânico com déjà vu crônico chegou a ter de evitar assistir televisão, ouvir rádio ou
ler jornais, porque ele sempre sentia que já tinha se deparado com aquelas histórias antes.
"Ele ficou completamente traumatizado com essa sensação constante de que sua mente está
brincando com ele", diz Moulin.578
578
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150124_dejavu_constante_ru
S) NECESSÁRIA HARMONIA
Sócrates percebeu uma necessidade humana, mental: alcançar a harmonia, o permanente, o não
contraditório e, por consequinte, o belo e proporcional. Isto possui inúmeras expressões
particulares e singulares: valor artístico, prazer das formas geométricas, o sucesso dos vídeos
onde médicos tiram cravos, o modo de viver o amor sexual etc.
A íntima busca por tal cartase, em amplitude, gera movimento contraditório, pois está diante da
complexidade da vida.
DA POLÊMICA SOBRE A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
1.
Marx e Engel consideravam Darwin um dialético materialista por instinto. Este último
apresentou o processo, dialético, de evolução dos seres vivos.
Entre outras categorias, a evolução demonstra a dialética entre o necessário e o acaso. Exemplo:
certa mutação aleatória – causando, por exemplo, mudança de cor em um animal – revela-se na
descendência, gerando vantagens ou desvantagens adaptativas. Há seleção natural. A mudança
casual, por erro na replicação do DNA, pode entrar em acordo, ou não, com as leis da natureza
orgânica.
No entanto, precisamos agregar uma rede de causalidades na origem de novas espécies. Uma
mesma consequência pode ter inúmeras e diferentes causas.
Listemos:
Este era considerado por Darwin, mas descartado após descoberta da genética. Hoje, retoma-se
com dificuldade esta conclusão:
FOLHA - Mas são só os exemplos que estão errados? Ele não teria formulado a hipótese errada
para explicar as coisas?
JABLONKA - O pensamento dele era muito simples. Ele falava de mudanças fisiológicas que
ocorrem em decorrência do esforço que o organismo faz para comer, ou no caso do uso e do
desuso de órgãos. Ele sabia que em cavernas, animais perdiam seus olhos. Então disse: "Veja,
eles não estão usando, e essa mudança fisiológica é transmitida aos descendentes". Isso fazia
bastante sentido. Quase todo mundo no século 19 pensava assim. Lamarck achava que as
mudanças fisiológicas que os animais sofriam eram imediatamente traduzidas em mudanças
herdadas.
A coisa não é tão simples quanto ele pensava, mas nada é tão simples quanto as pessoas do
século 19 pensavam. O modo como aprendemos Darwin e o interpretamos hoje não é o modo
com que ele descrevia a própria teoria. Se você analisar "A Origem das Espécies" e "Variações
em Animais e Plantas sob Domesticação", verá que Darwin tinha uma teoria hereditária
totalmente lamarckista. Dizer que alguém é lamarckista é chamar essa pessoa de estúpida,
confusa e dizer que ela não sabe o que fala. Na história do lamarckismo há muitos charlatães,
mas isso existiu também no darwinismo. A eugenia criou muitos horrores.
Acho que chegamos ao ponto em que podemos dizer: "Veja, não vamos adotar o lamarckismo
no sentido antigo". Claro que não. Mas há mecanismos que permitem que variações induzidas
pelo desenvolvimento sejam herdadas. Quem não quiser chamar isso de lamarckismo, pode dar
qualquer outro nome. Mas eu acho que é compatível com o que Lamarck e outros lamarckistas
falavam.
Acho que aquilo que eu espero pode acontecer em uns dez ou vinte anos, quando eu já for uma
velha senhora (risos). Espero viver para ver os manuais para estudantes de ensino médio escritos
de modo diferente: "Houve um período de 60 anos no qual o lamarckismo foi considerado uma
impossibilidade, mas agora sabemos que há alguns processos lamarckistas na hereditariedade
etc."579
Por mais de quatro décadas, cientistas monitoraram uma população de tentilhões, ave típica da
região, na ilha Daphne Major. E, assim, conseguiram acompanhar de perto o processo de
geração da nova espécie.
(…)
A nova população de pássaros é suficientemente diferente na forma e nos hábitos das aves
nativas - indivíduos de populações distintas não acasalam com eles.
No passado, acreditava-se que duas espécies diferentes não poderiam produzir descendentes
férteis. Mas, nos últimos anos, foi estabelecido que muitas aves e outros animais que
consideramos espécies únicas são, de fato, capazes de cruzar com outros para produzir uma
linhagem fértil.
"A tendência é não discutir mais sobre o que define uma espécie, porque isso não leva a lugar
nenhum", diz Butlin.
Segundo ele, o mais interessante é compreender o papel que a hibridização pode ter no processo
de criação de novas espécies, razão pela qual a observação dos tentilhões das Galápagos é tão
importante.
579
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1111200701.htm
Os pesquisadores acreditam que o macho original deve ter voado 65 milhas da ilha Española,
seu habitat natural, até chegar a Daphne Major. A distância é considerada longa para um
pássaro, o que deve ter impedido sua volta para casa.580
As grandes extinções cumprem papel decisivo na formação de novas espécies, cada vez mais
complexas.
Parece ser bem estabelecido entre os paleontólogos que a diversificação durante intervalos de
recuperação, após extinções, ocorrem de maneira relativamente rápida em relação às taxas de
fundo, mas não compreendemos muito bem qual seria o impacto destes processos de
recuperação nos padrões evolutivos de longo prazo. Os paleontólogos têm discutido
acalarodamente se a diversidade tem aumentado ao longo dos últimos 251 milhões de anos, que
se seguiram à extinção a maior extinção em massa que temos notícia, a Permiano-Triássica,
como afirma paleontólogo Richard Bambach do Smithsonian Museum of Natural History, por
exemplo; e como afirma David Jablonski:
“Tem havido muita conversa sobre o papel evolutivo das extinções em massa, mas é como o
clima. Todo mundo fala sobre isso, mas ninguém faz muito sobre isso.”
Segundo ele, ninguém até o momento pensou em como a dinâmica de recuperação das biotas
que se segue a uma grande extinção, depois que o pior já passou e os ecossistemas já se
acomodaram em um novo equilíbrio, influencia as taxas de evolução posteriores. Mas existem
pistas que sugerem que as coisas mudam tanto que os esses padrões tendem a muda pelo menos
até um novo evento de extinção ocorrer, portanto não é limitado só ao período de rápida
diversificação que em geral segue-se as extinções:
“Mas o maravilhoso é que quando eles encontram um novo equilíbrio, é um ritmo evolutivo
diferente daquele que prevaleceu durante os últimos 50 milhões de anos. Os sobreviventes da
extinção em massa, ou o mundo que eles herdaram, é tão diferente do que aconteceu antes que a
taxa de evolução é alterada permanentemente."581
580
http://www.bbc.com/portuguese/geral-42107956?ocid=socialflow_facebook
581
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/extincoes-reajustma-o-passo-de-evolucao
Ao destruir o meio ambiente, a possibilidade de o homem entrar em extinção colocará a
natureza diante de novos desafios evolutivos.
5. Influência inorgânica.
Exemplo da radiação, dos raios gama – que tiveram também importância no acúmulo de
energia, antientropia relativa, para a formação da matéria orgânica – etc.
6. Ação humana.
O desenvolvimento das forças produtivas inclui ação sobre as características de outros seres e
geração de novas raças e espécies.
2.
Se olharmos o corpo humano por outra perspectiva, aparece-nos enquanto uma combinação
mutualista muito complexa entre seres unicelulares. Mas isto é verdade ser considerarmos as
partes. Se incluímos o todo, este mostra-se mais do que a soma das partes existente e existentes
em si. A maioria dos corpos do corpo, por suas funções especializadas, apenas existem se existe
o macrocorpo. Por outro lado, há inúmeras relações mutualistas com corpos “externos”: vírus a
existirem em nosso esôfago alimentando-se de vírus que decaem dos alimenros ingeridos,
bactérias e fungos típicos da região intestinal ou vaginal, etc. Por mais que, reunidos, pesem
mais do que o humano em si, a autointegração do corpo geral é qualitativa (uma motanha pode
ser feita mais de “vazio” relativo à matéria em si, mas suas interrelações são qualitativas). Na
medida em que a técnica moderna torna-se capaz de observar as ações nuclerares, particulares,
percebemos algo como um sistema interno, com divisões de tarefas, com perfil e vontades
inerentes, mantendo a unidade totalizante; parecem seres vivos do ser vivo. Os seres
pluricelulares não podem ser simplesmente entendidos pelas suas decomposições em seres
unicelulares em relação, porém faz possível ver dentro do complexo sua origem no simples e a
permanência deste naquele. Somos o mundo de um sistema vivo, de vivos, interno; de vivos se
integrados.
A própria formação do feto na sua gênese reproduz lógica e analogamente a formação do ser
unicelular, sua replicação, associação e complexificação.
3.
1.
A abstração pura é uma conquista do animal homem, fruto de sua evolução social,
civilizacional. Logo, deve ser defendida em si.
A lógica dialética é ainda mais pura no trato de suas categorias em relação aos signos
matemáticos.
2.
A lógica – enquanto estudo especializado, separado – tem como objeto a si, sendo
instrumento da ciência. A matemática, por exemplo, é um instrumento das humanidades, ou
deveria.
3.
A matemática tem seus limites humanos. Por exemplo: alguns admiradores práticos da
ferramenta possuem personalidades incapazes de lidar com a contradição. Em alguns casos,
matemáticos e afins têm dificuldades de entender ironia e outros recursos artísticos ou
sofisticados. A matematização moderna, apesar de ter muito avançado, partiu da premissa da
não-contradição, atraindo este perfil (a exemplo de pessoas que buscam ordem na desordem
pessoal). Isto dificulta uma intimidade qualitativa entre dialética e lógica matemática. Também
serve ao perfil das classes médias aristocráticas, desacostumadas com o stress. Logo, formação
humanista e filosófica muito tem a ajudar a esta área; além do estímulo de uma renovação
revolucionária da sociedade. A luta de classes revela-se até na estrutura óssea dos “cidadãos”.
4.
O número zero tem duplo caráter: ser e não ser. Um existir inexistente: existe porque
ligado ao existente.
Ao inverso, Frege pensa o duplo caráter em termos evolutivos: do zero ao um, dois…
De modo diferente, nas interrelações: porque existem os números, pode existir um número não-
número.
5.
O mesmo duplo caráter, mas invertido os polos, dado ao número zero, no ponto 4, pode
ser dado ao número um.
6.
Não sendo o autor matemático e sendo observação, trataremos por fora da – tão
criticada por Hegel – linguagem matemática.
Um raciocínio apressado pode supor ser o estudo do Limite uma área dialética da
matemática. Porém a relação processual, de tendência, ainda fica aquém dessa lógica (e mais
próximo da lógica fenomênica).
7.
l’= _m_
c+v
Ou:
l’=_l_
C
Em médio prazo, isto diminui a taxa de lucro (l’), mesmo quando aumenta a massa deste.
E aparece, então, a intimidade das duas equações. As formulações são o “primeiro motor”,
em relação consigo, fazendo definhar uma “substância aparencial”. Seus movimentos abstratos,
a autocontradição dos cálculos, expressam o mesmo processo: sequência entre elevação e queda
de seus resultados, na forma de ondulações, contratendência da própria tendência,
encaminhando-se para potencialmente o resultado 1 ou, irrealizável, 0.
8.
582
Formulação: se n e os resultados forem pares, dividimos por 2; se ímpares, multiplicamos por 3+1.
Sim. Pois: a conjectura 3n+1 faz com quem a multiplicação por “n” seja meio, caminho
indireto, por curva, para 3+1, quer seja, 4 dividido por 2…2/2=1.
No entanto, esta forma, um tanto mais visual, tem na forma de ondulação o modelo mais
condizente e dinâmico.
Lógica formal:
A=A
3x+1 = 4
Resultado: x = 1
Ou: 4 = 4
Esta mesma exposição, 3x+1, cujo resultado tendederá a cair continuamente ao alcançar o
resultado 4, passa por uma interação complexa ao supormos dividir por 2 em resultados pares e
multiplicar por 3+1 em resultados ímpares. Superamos a dedução e a indução. O resultado
movimenta-se em uma lógica inerente a partir da oposição contraditória interna à conjectura.
583
Interaçõs necessárias para chegar 4, 2, 1 para númerps de 2 a 10.000.000.
http://www.bbc.com/portuguese/geral-36702054
vista informal, estava tentando desenvolver tipo novo de ficção científica baseada na criativa
pseudociência. Por isso, desejei aproveitar o problema da conjectura para inicar um conto. E,
após alguns meses, pensei se a “solução” teria algo de efetivo, de válido.
Para dar corpo ao abstrato tratemos de um caso real, a vida (n = 8, 30, 77…). A tendência a 1 ou
0 chamemos morte, destino inevitável. Desde criança lutamos contra o fim: sentimos fome
(tendência) e comemos (contratendência), somos ameaçados e reagimos, sentimos sede e
bebemos, etc. Por um bom tempo, entre dificuldades e adoecimentos, parece ser a tendência real
ganhar vigor, fibra, pulsão de vida, energia, elevar-se, etc. Da juventude à fase adulta o corpo é
um hércules, um semideus cujas falhas e problemas são logo negadas e superadas. Porém,
adiante, entre subidas e descidas, entre saúde e doença, vamos envelhecendo; o destino começa
a se impor, passa a ser mais vezes recordado. Depois, somos o orgânico transformados em
matéria inorgânica (1) ou, relativo à vida, a forma de energia perdida, nada (0).
SOBRE A OBRA “A CRISE SISTÊMICA”
Proponho ao leitor ver este texto apenas após a leitura do livro: há uma lógica interna, aqui
exposta, onde a apreensão da totalidade precisa construir-se.
De início, tratemos das fontes. De Marx-Engels, tomo a totalidade de sua obra; de Lenin, o
principal texto foi “Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo” ao lado de “Últimos
Escritos” – também reivindicando suas contribuições gerais; de Trotsky, além de o conjunto da
obra, a teoria da curva do desenvolvimento capitalista, a lei do desenvolvimento desigual e
combinado e o método do programa de transição; de Kurz, sua descoberta da crise do valor-
trabalho com a correspondente financeirização; de Moreno, suas atualizações da teoria da
revolução permanente após a II Guerra; de Reginaldo Carcanholo, suas contribuições
“intuitivas” sobre o capital hoje, ao tentar atualizar a obra magna do marxismo; de Martín
Hernandez, a descoberta de como procedeu a restauração do capitalismo nos “Estados Operários
Burocratizados”; de Henri Lefebvre, a descoberta da importância da urbanidade na compreensão
do capitalismo; de Mészáros, a exposição de uma crise estrutural do capital; de Sérgio Lessa-Ivo
Tonet, agradecimento indireto por seus esforços em popularizar o método marxista, impedindo-
me desvios no processo de pesquisa. (Em recente, descobri a marxista brasileira Lenina, que me
tem dado ótima impressão; por isso destaco-a aqui, para divulgá-la.)
De sua estrutura: 1) inicia-se pela economia, infraestrutura; 2) avança para as relações sociais,
estrutura; 3) eleva-se para a superestrutura, subjetiva e objetiva; 4) ao fim, debate método, faz
apontamentos e preenche o temário. Este é um modo de ver. Vamos ao modo entrelaçado, ao
lado: cada capítulo é pré-condição do seguinte, como se um gancho invertido – o anzol vai das
profundezas rumo à atmosfera: após avanço, o que parece em si e completo, mostra-se
transição, supondo-se transitórios todos os capítulos e descobertas, ou seja, de umas para outras.
Em seguida, tratemos na relação teórica: 1) começo por atualizar – tentar – Marx-Engels; 2) em
seguida, a teoria do imperialismo de Lenin; 3) depois, a teoria da revolução permanente de
Trotsky; 4) em sequência, crítica geral do trato não ortodoxo, não “marxiano” ou “leniniano”, às
superestruturas: mente, cultura, filosofia, Estado, organismos etc. Terceiro modo: (per)sigo o
desenvolvimento próprio d’O Capital I, do começo ao fim, tal qual uma camada junto e em
paralelo aos livros II e III.
Quando tratamos de economia falamos, por necessidade, de mente humana, por exemplo – e
vice-versa. Daiamos exemplo inexperado: inúmeros capítulos trantam, duma ou doutra forma,
sobre o papel do ato de consumir na formação humana física, mental e social.
Nos capítulos dedicados à superestrutura, lanço críticas diretas e indiretas a Nahuel Moreno,
sendo morenista “ortodoxo”. Aqui, destaco-o não por suas limitações mas por sua grandeza. Ele
próprio nomeava sua corrente “trotskysmo bárbaro”; podendo sermos nomeados “marxistas
bárbaros”. Enfim, seus erros surgem pela dificuldade de formação intelectual, pela destruição da
IV Internacional, pela inexperiência, por ter sido um autodidata da praxis, por a revolução
europeia ter faltado – na curva de desenvolvimento histórico, o melhor momento para o
capitalismo, crises curtas e fracas com crescimentos longos e profundos –, pela hegemonia do
centrismo estalinista, por ter de se embrutecer para militar com firmeza. Seus acertos derivam
da busca constante por construir um partido mundial da revolução, pela obsessão por construir-
se nos meios operários, pela dedicação ao marxismo ortodoxo, por fazer balanços honestos e
corrigir erros, por ser paciente e firme quando na marginalidade política e social. Era uma fase
defensiva do marxismo. E foi quem melhor “segurou a onda”: longe do revisionismo, do
sectarismo, do centrismo e do ultraesquerdismo. Sua importância, ao pertencer a uma etapa
difícil e superada do marxismo, ainda falta ser dita e considerada.
Incluamos as limitações dos demais mestres. Marx-Engels pôde caracterizar o capitalismo por
ver este maduro, mas supondo-o quase no limite. Lenin percebe o salto qualitativo do
imperialismo, porém o tempo da política o impedia de prever esta “fase superior” em períodos,
de ascenção e declínio. Trotsky errou ao prever a impossibilidade de uma nova curva histórica.
Moreno atualiza o trotskysmo apenas de modo parcial, incompleto. Kurz erra, impressionismo,
na “premissa” ao adotar a “dialética negativa”, ao deixar de ver a transição, a mediação e o
suprimir-resgardar. Mészàros limita-se ao não partir de Trotsky. Martin Hernadez, ao oferecer
grande contribuição quanto à restauração capitalista, faltou perceber o salto qualitativo global.
Carcanholo, grande intelectual marxista, assim como Kurz, dá pouco peso ao trabalho de Lenin
e Trotsky (chegando a diminuir a teoria do imperialismo leninista), na tentativa de atualizar as
lacunas d’O Capital. Henri Lefebvre avança desde a geografia espacial, e fica limitado a esta
semiciência, pouco ampliando de fato questões classistas, por exemplo.
Também há inúmeros outros autores sobre os quais teço críticas indiretas, por meio de minhas
conclusões. Procedo assim por dois motivos: em primeiro, eles foram ponte, não muralhas, para
meu trabalho; em segundo, a produção ficaria longa, cansativa e academicista. Em geral, os
“marxismos” envolviam-se apenas consigo: imposssibilitando polêmica-confluência possível-
necessária.
Do ponto de vista do processo de produção, precisei de dez anos de estudos quase diários: raros
os dias em que deixei de dedicar algum tempo à compreensão da realidade. A obra em si levou
cinco anos de escrita, pesquisa, reorganização, atualização etc. Foi um inferno particular.
Este livro, porém, está inconcluso. De um lado, a realidade é maior do que a melhor teoria; de
outro, a crise sistêmica tenderá a fazer surgir um marxismo renovado, melhor, autocrítico,
teórico-prático e mais capaz (a própria contradição forçará a cognição).
Muito foco em dados empíricos. A dialética precisa de dados da realidade, mas o caso em
particular também revela necessidade de reforçar a verdade das teses: pois, não tendo prestígio
de qualquer tipo, ajuda a fortalecer suas bases. A coisa-em-si são as, estão nas, conclusões, não
(n)os dados. A hierarquia destes está, portanto, nas conclusões inexperadas da obra: por ir além
da “ortodoxia” posta – toda superestrutura, forma, é conservadora – antecipo-me por meio do
reforço, da veracidade, perante a extranheza.
Quanto às citações diretas, penso estar cristalino: ultilizo as citações do erro de outros para
mostrar, neles próprios, os caminhos do acerto. Algo socrático no modo de exposição: próximo
à dialética de Sócrates. É como se os autores olhassem, eles memos, suas contradições textuais
– e reais – vendo, ato contínuo, um salto a resolver o conflito por meio das próprias
observações. Isto é ultilizado ainda quando o citado quase-alcança a solução.
Também evito o estilo literário incrível de Marx e Trotsky, pendendo a Lenin e Engels, porque a
apresentação objetiva é de meu máximo interesse; além de evitar dúvidas desnecessárias. Assim
mesmo, aqui e ali, uso um pincel mais colorido e volumoso: isto para “despertar” o leitor. Logo
se percebe minhas tentativas de tornar a obra apreensível a um não doutor (meta que, aliás,
Marx fracassou n’O Capital). O aspecto “artístico”, literário, da obra está focada em suas
estruturas: em cada capítulo, fui ao encontro das formas correspondentes para a exposição
daquela matéria. Assim, seus aspectos, digamos, visuais são parciculares, conteúdo a conteúdo.
Ao concluir, espera-se, percebe-se: todos os capítulos tratam do mesmo tema-objeto de modo
cada vez mais exato, profundo e completo. O terceiro especto está no estilo pessoal: deixo claro
ao leitor qual o método, a intenção, o desejo de convencer e como procedo para isso etc. Este
jeito busca relação direta e honesta.
Sobre o caráter especulativo, de previsão, da obra, respondo com Trotsky: dirigir é prever.
Política é a arte de prever. Viver é tentar antecipar. Ou seja: um trabalho científico-filosófico,
digno do nome, deve tentar “previsão do futuro” materialista. Aos academicistas fica o medo do
erro enquanto manifestação do medo de desmoralização: vida é correr riscos – e um político, diz
o fundador do Exército Vermelho, tem de tentar descobrir os próximos movimentos. O
marxismo é também uma historicidade do futuro, do possível.
Outro assunto provável seria a dialética. Faço questão de usar as categorias puras, “de cara
limpa”, e desenvolvo-as ao lado e dentro do objeto concreto: assim, busco romper com a
tradição “o método dialético é algo sobre o qual todos falam, mas ninguém entende muito bem”.
Ao mesmo tempo, tomo a iniciativa de atualizar a ferramenta (e a função da ferramenta é ser
afiada para ser usada): adicionei novas concepções e categorias ao materialismo dialético –
foram tentativas. Por causa disso, pode parecer que, pelo modo de exposição, parti do modelo
para as conclusões. Não é o caso. Exemplo: ao pesquisar e estudar diferentes objetos – dinheiro,
Estados nacionais, capital global etc. – percebi (! – numa exclamação, num susto) seus
movimentos como um padrão em si abstraível, igual. O lado mais interessante, no entanto, foi: a
descoberta de novas categorias dialéticas por meio da pesquisa acelerou a própria pesquisa.
Base nova. De imediato, reparei que os clássicos – Marx, Engels, Lenin e Trotsky – já
ultilizavam tais formas (fôrmas) consciente, ou semi, ou in, apesar de faltar exposição formal.
O livro pode ser visto por inúmeros prismas, cores em cor: grau de alienação social desde 1970,
atualização do marxismo, análise teórica de conjuntura, teoria da transição, teoria da crise atual,
balanço do século XX etc. Tal tipo de definição pouco importa por si mesmo. Por isso, destaco
o aspecto importante, mas informal: a obra tem por objetivo a formação teórica marxista – das
novas gerações, em prioridade.
Por outro lado, faço o inverso de Marx: parto do geral para o singular enquanto ele foi da
mercadoria singular ao capital global. Perceptível; parece ter funcionado o modo de exposição.
Penso assim ajudar o leitor a romper com o “pensar global, agir local”. Este movimento – geral-
singular, geral – foi produzido com o cuidado necessário, de acordo com a busca por clareza
expositiva.
Por fim, uma última crítica possível: o autor não tem erudição. De fato. Pertenço ao “marxismo
bárbaro”; e, embora isto tenha certo charme e orgulho, é uma falha em si. Fosse erudito, mesmo
não sendo aristocrático, tudo seria mais fácil, nobre e melhor. Como diz Marx, irritado: “Não há
um caso na história da humanidade onde a ignorância teve alguma serventia!” A universidade
sempre é burguesa, mesmo com professores honestos e marxistas. O ambiente acadêmico
desenvolve, inevitavelmente, vícios e limites entre intelectuais de esquerda. O marxismo é para
a luta, não para a monografia; por isso, este livro é, em primero, um livro de política, um livro
político. Nele, inexistem concessões de qualquer tipo. Enfim, perguntemos: com tanta gente
capaz – capaz, mesmo –; por que a produção marxista é tão pobre, fechada a si própria,
autofágica, recitadora, nevoenta, linguaginosa, recatada, dogmática quando não revisionista,
comparativa, em polemismo cíclico, fechada aos pares, pouco generalizante, longe da vida
prática e da prática militante? Das tantas respostas possíveis, proponho uma ação mais cômoda,
dentre as: dedicar parte do dinheiro e do tempo a popularizar as ciências com jornais na
periferia, vídeos, livros baratos ou gratuitos, encarar os grandes problemas como marxista, fazer
disputa ideológica de massas e com linguagem de gente, dar aulas gratuitas em ocupações,
escolas comunitárias, multirões pela alfabetização etc. É um começo.
Outra hipótese é acusação de plágio. Marx conviveu com esta calúnia por toda a vida. Se este
livro for lançado, será pedido à editora uma comissão avaliativa para averiguar esta
possibilidade. Há “roubo” de ideias informais de artistas. Todo adolescente tem um pensador
enquanto guia; no meu caso, a banda Engenheiros do Havaii foi inspiração informal e oculta; e
recentemente apreendi as “concepções” do grupo Validuaté.
Apesar da dureza de construir esta síntese, a grande dádiva foi ter o trabalho mais fácil e
simples: as inúmeras e incompletas tentativas anteriores de dar respostas sobre a sociedade
foram fundidas, quando possível, e superadas, quando necessário, graças ao trabalho teórico
difícil feito por outros e maiores pensadores. Foram-me a base, o ombro, sobre a qual não
puderam ergue-se. Exemplo: por esforços anteriores, os dados empíricos eram abundantes.
Em síntese, ocorreram três revoluções marxistas: a primeira, a fundação da ciência por Marx e
Engels; a segunda, sua atualização por Lenin e Trotsky (os dois maiores pensadores do século
XX); a terceira, iniciada, em principal, por Kurz e Mèszásros e concluída em sua versão geral
nesta obra. Então, por que tão baixa audiência, quando não silêncio cínico, diante do livro?
Enquanto a realidade não estava clara na teoria, centristas, pseudomarxistas, e revolucionários
poderiam misturar-se nesta confusão teórica e, por isso, prática. O peso e marginalidade da obra
derivam disto: do seu caráter comunista, esclarecedor. Como justificar “governos progressivos”
após a leitura? Como defender o caráter “socialista” de um Stalin? De que forma aprovar os
regimes partidários “despotistas esclarecidos”? Por que seguir, como tietes, intelectuais tão
limitados do ponto de vista das contribuições teóricas e práticas? Por enquanto, o efeito amplo
das contribuições está no constrangimento amplo.
Se corretas em geral as teses, esta é a obra mais importante do marxismo no pós-II Guerra.
Logo, também das ciências humanas. Mas autoelogios são sempre perigosos. Talvez, tomara,
outras superiores virão produzidas por outros marxistas abnegados e sérios, mais capazes. No
final das contas: tudo apenas terá valor real, humano, se a humanidade criar sua mais importante
obra – o fim das classes sociais, o comunismo.
MINIMANIFESTOS ARTÍSTICOS
ARTE ONTOLÓGICA
ARTE SÍNTESE
SIMBOLISMO REALISTA
CARTAS FICCIONAIS
ARTE…
É um só corpo e um só espírito.
Concurso literário: com qual nome batizar a confluência dos minimanifestos acima?
COMENTÁRIOS SOBRE ARTE
Ao longo do livro os comentários sobre o tema arte foram suficientes. Aqui, desejo
fazer pequenos complementos.
1.
Há uma relação entre historia, tipos e estrutura das diferentes artes. Exporemos tal como
inter-relacionamos com fatores outros.
Escultura: …
Teatro: …
Música…
Talvez por serem das primeiras, intuitivas e de matéria-prima fácil, a escultura, o teatro
e a música parecem não seguir tais proposições. Seriam artes primárias.
Se formos ratrear o perfil evolutivo, das artes primeiras surgiram, por combinações
inciais, as demais; assim fundando novas a partir da base formada por outras artes. Exemplo: a
música é condição da dança, tendo esta se desenvolvido desde uma teatralidade “natural”, mais
ou menos formal, nos ciclos humanos (formas orais e corporais de contar histórias, etc.)
2.
A história desses tipos de arte é mais profunda e íntima. Poesia, música e prosa eram
interligados na Grécia antiga: com música, cantavam-se versos para contar histórias. O
surgimento do capital no fim da idade média permitiu a popularidade dos livros, dando maior
autonomia aos elementos em seus desenvolvimentos. A possibilidade de acesso silencioso e
profundo à leitura foi uma conquista civilizacional do capitalismo e vital para o
desenvolvimento cognitivo do animal homem.
3.
O desenrolamento das artes sob esta sociedade seguiu um caminho histórico-natural nas
artes visuais e acesso facilitado de outras produções (música, etc.). Esta rede de possibilidades
de acesso à estética dificulta, em grande peso, o foco sobre o ato de ler, que exige esforço
especial, hoje mais do que antes. Hábito de leitura profunda forma bons roteiristas; hábito de
assistir bons filmes não forma em si, por outro lado, bons roteiros e livros. Eis um desafio difícil
de nossa época: outras fontes de distração, prazer, conhecimento, arte que se impõe antes de
modo pré-consciente sobre nossos sentidos.
4.
1. Faroeste caboclo;
3. Jornada de um Vaqueiro.
Abstraído o perfil romântico, a força – e popularidade – das três peças têm em comum
suas dimensões internas. Contam a história de uma determinada partida e longo movimento
espacial. Tornado isso ponto da análise, percebemos três alongamentos de dimensões:
5.
O que é arte?
Resultado da atividade humana, arte é uso de técnicas para prover mensagens fictícias
ligadas ao real.
Se as ferramentas são usadas para construir uma mesa, temos um valor de uso de todo
real; mas se as mesmas ferramentas são artifícios para produzir uma belíssima escultura, então
temos um objeto real de verdade em si fictícia a nos passar uma mensagem conectada à
realidade. Mas em ruptura relativa com esta. Toda arte é fruto da atividade humana, fictícia e
suporte de uma mensagem indiretamente ligada à não-arte.
A técnica presisa pensar as proporções daquilo construído para ser um valor de uso,
digamos, mesa. Na arte, a técnica trabalha o material para que suas formas expressem, de
maneira criativa, o valor de uso mensagem, suas proporções são pensadas para a comunicação
artística. Mais bela e talhada, nunca a mesa será análoga à poesia ou escultura. Por mais que
“artistas” coloquem tal artefato alimentício num museu. Por razões acidentais e não necessárias
ou inerentes ao objeto, mesa ou cadeira podem ter formas transformadas em armas de combate,
em valores de uso para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro enorme seja usado para
sustentar pratos e talheres… Mas o caráter de cada qual logo se nos revela.
6.
Este pequeno texto foi produzido em versão preliminar, 2014, para estudantes secundaristas
recém-ganhos ao comunismo. Se o leitor nos acompanhou até aqui, convido-o à leitura desta
introdução feita em linguagem direta e dinâmica. Nesta versão, revisamos e acrescentamos
algumas partes, mas mantendo o estilo e limites internos do original.
INTRODUÇÃO
A realidade parece caótica na rotina, desprovida de lógica interna. Assim, a vida pode aparecer
como um furacão onde rodopiamos. O método marxista é a ferramenta por onde percebemos o
rumo, a lógica, a causa do real e, então, antecipamos as principais tendências, as probabilidades
políticas. Por isso, este material procura iniciar a ciência marxista entre os novos militantes, dar
alguma base para o caminho – é o objetivo desejado.
MÉTODO E TOTALIDADE
O método marxista busca na totalidade dos fatos a explicação: precisamos levar em conta a
interação das Partes no Todo. Vamos aos elementos, pois serão guias do debate e método:
1. Economia, infraestrutura;
Ideologias, cultura, hábitos, valores, moral, arte, ciência etc. Percebe-se a relação direta como o
ponto quatro – como causa ou consequência – e com os demais.
Estado (cujo organismo central são as Forças Armadas), sindicatos, igrejas, escolas, partidos;
meios para gerir pessoas, ideias, coisas e conflitos. Origina-se dos pontos três e dois, relações
sociais, e em última análise das formas de produzir (ponto um).
Estas partes são íntimas e interconectadas: na análise, separamos para, em seguida, fundi-las. A
partir dos quatros elementos temos uma base para analisar a situação mundial ou pequena
fábrica. Percebemos: é essencial, vital, a dedicação ao estudo teórico, por todos os marxistas, de
todos os quatro pontos, sem exceção. Já obtemos o primeiro compromisso: estudar economia,
classes, instituições e cultura etc. – compreendê-las. Por exemplo: se temos inflação, talvez seja
um erro chamar “congelamento dos preços” se nada sabemos da origem real do problema, pois
congelar os preços pode causar desabastecimento e desmoralização de quem propôs e lutou por
tal proposta.
Este esquema explica, por exemplo, o motivo de a UESPI e UEMA serem “escolões” e, por
outro lado, a USP ser elitizada. Vamos do ponto um (1, a economia) ao quatro (4, superestrutura
objetiva). Economia mais industrializada de São Paulo (1) necessita de uma massa de
especialistas (2) e, para isso, a universidade deve ser capacitada (3 e 4). O sentimento de elite
social (3) da letrada (3) classe média paulistana (2) gera a xenofobia (3). Mas, com a crise
econômica atual (1), as fábricas fecham (1) e os recursos reduzem (1), o desemprego no meio
operário logo aumenta (1 e 2), a burguesia (2) quer sair bem dessa (1), os gerentes e cargos
intermediários de empresas (2) têm estabilidade ameaçada (1 e 2) e, também, a USP (4) entra
em crise financeira (1 e 4), além de não ser tão socialmente necessário (1) novas gerações de
especialistas (2, 3) capazes (3, 4).
Podemos orientar, para a caracterização, a seguinte regra universal: todo fato importante, toda
medida do Estado, todo fenômeno econômico, todo golpe, toda invasão imperialista, toda
imigração, toda nova lei etc. tudo tem como causa – nesta sociedade – o lucro: sempre este. Ao
avaliarmos a realidade e conjuntura, sempre perguntemos o que isto tem a ver com a busca de
lucro. E, em geral, nossas políticas enfrentam esta lógica, a do lucro. Após e consequência disto,
perguntemos – quais medidas a burguesia adota ou pretende adotar para burlar a luta de classes
nesta conjuntura?
Exemplifiquemos. A burguesia pode utilizar um golpe para implementar suas medidas; pode, ao
contrário, fragmentar seu ataque, implementado pedaço a pedaço uma reforma. A luta de classes
afeta – e muito – o ritmo da realidade, direta ou indiretamente.
A elaboração marxista é muito semelhante à "Arte da Guerra" de Sun Tzu e "Da Guerra" Von
Carl Clausewitz: calcular a técnica, recursos, organização e tamanho de cada tropa, o terreno, a
moral interna do seu lado etc.: tudo era – é – reunido para elaborar as melhores táticas para o
engajamento. A criação do método que apresentamos parece ter influência decisiva de Engels,
além da dialética (falaremos mais sobre isto); o "General da I Internacional" era referência
máxima sobre os assuntos militares.
ANÁLISE
Dados, estatísticas, relatos, pesquisas, matérias, experiência pessoal, vídeos no youtube (caso
seja fato distante) etc.: toda fonte é útil. O marxismo é amplo, aberto para procurar entender a
realidade, contanto que verifiquemos a validade do material, confrontemo-lo (em especial, o
jornalístico).
1. Economia
Como anda os estoques na fábrica? Como anda o orçamento da universidade? O comércio está
em expansão ou recuo?
2. Relações sociais
Qual o nível de estabilidade dos funcionários? Qual o perfil de classe dos alunos? Unidos ou
fragmentados? Há outras fabricas ou categorias grevando? O pessoal intermediário, como está?
A fábrica pode fechar, a baixa gerência radicalizou também? E a situação da patronal? Como
anda a qualidade salarial?
Por exemplo: na UESPI, a organização dos "campus" fragmentados, distantes no longo espaço
geográfico da cidade, reduz a força dos movimentos sociais internos, desconcentra-os,
descentraliza-os, e reduz a interação social.
A categoria está unida e radicalizada? Existe alguma vitória que está forte na lembrança ou
derrota que os deixam pensativos? E a direção do sindicato parece firme ou vacilante? Quais os
discursos e propostas? Como a sociedade vê o processo? Existe uma cultura de passividade ou
são brutalizados?
4. Instituições
O sindicato é pelego ou de luta? É forte ou frágil? Se pelego, interessa à direção grevar para
desgastar o governo com o qual discorda? E a Cipa é militante? Qual a situação do setor
administrativo e RH? O governo é forte para, em algum caso, tentar reprimir? Ou está em ampla
defensiva, a beira de cair, rejeitado pela ampla maioria? E os partidos com trabalho sindical, o
que opinam e como estão? Com que organização a patronal pode contar para ganhar de nós?
Por que, então, não se prender a este esquema? Porque cada situação nos coloca perguntas
particulares sobre estes quatro elementos. As questões da análise numa escola são diferentes da
na revolução síria.
Vamos construindo o processo. Mais à frente haverá exemplos práticos, de acertos e erros.
Até agora falamos sobre o materialismo histórico. Muitos marxistas param aí: facilitando erros
por mecanicismo, impressionismo e questões outras. Surge um marxismo formal. Trotsky, por
exemplo, costumava aprofundar o debate das diferenças políticas na esquerda com a questão da
dialética, ou seja, qual o método para elaborar.
É preciso entender o movimento e unir os quatro elementos sobre os quais falamos. Digamos
que é diferente da matemática: na realidade concreta “as somas multiplicam ou dividem”, ou
seja, o Todo, a Totalidade, é muito mais do que a mera soma das partes – qualitativamente
superior.
Teoria e dialética fazem diferença na caracterização. Por conta do espaço, ilustraremos com um
exemplo resumido; vamos à análise e caracterização – muito resumida – atual do Brasil (o leitor
pode discordar, sinta como exemplo):
2. Economia nacional.
O país cresceu facilitando o endividamento para consumo interno. Mas as dívidas dos
trabalhadores estão no limite, tendenciando a reduzir o consumo. Com o recuo da China, as
exportações tendem a cair. A burguesia não pode investir e a dívidas públicas são fonte de
lucros mais estáveis. Governo aumenta os juros, o que reduz o investimento, o consumo e o
dinheiro orçamentário vai para a dívida pública. Há crescimento negativo da economia e
contrarreformas anti-operárias e anti-populares (privatização, ataque aos diretos etc.).
3. Relações sociais
As greves se multiplicam. Maiores, mais participação, mais duração, maior quantidade, maior
radicalidade. Há uma nova classe trabalhadora, menos iludida com o PT e com a democracia,
mais letrada, também urbanizada.
A burguesia ataca a classe unificada. Mas está insegura sobre a governabilidade e lucratividade
do PT, o que a divide.
4. Mente humana
O nível cultural da classe trabalhadora aumentou, além de existir uma nova e jovem geração. A
desconfiança contra a democracia burguesa é maior (aumento do voto nulo, por exemplo). É
mais fácil debater política no cotidiano. Há uma visão positiva das lutas sociais e greves. Não
há, ainda, uma visão clara de classismo ou socialismo. Digamos que a massa trabalhadora está
indo da direita para a centro-esquerda, por enquanto. Há um divórcio com o PT, desmoralizado
e em crise.
A classe média se divide. O setor empobrecido não vê na classe operária, na luta e partidos
operários, uma liderança natural, mas também avança. O setor privilegiado, fragmentado, apoia
ideias radicais de direita. Esta está insegura com os movimentos “na base” da sociedade e com
as consequências pessoais da crise; se apoia na figura do herói, em figuras públicas autoritárias.
A burguesia não sabe se o PT consegue usar o Estado, na crise, de forma positiva. Avalia e testa
o governo permanentemente.
5. Instituições
Proposta: para derrotar o inimigo é preciso entendê-lo; desse modo, estudar os mecanismos do
Estado burguês (leis, ritos internos, dispositivos, como aloca recursos etc.) nos permite ver
melhor como “os do lado de lá” operam para gerir esta ferramenta contra nós e, também,
permite perceber meios auxiliares para agirmos dentro da legalidade. E sempre lembremos o
seguinte: 1) a lei é uma validação da política, não tem autonomia, e a esta está subordinada; 2) a
burguesia, quando precisa, burla sem rodeios a própria lei, porque esta é feita contra a maioria;
3) a lei, como a política, é filha da economia.
Caracterização:
Situação pré-revolucionária. Crise, luta de classes cada vez mais aguda, princípio de
esquerdização nas classes desprovidas de privilégios, divisão inter-burguesa cada vez maior, as
classes médias iniciam um racha interno, o Estado está mais frágil, partidos de esquerda têm
mais audiência. Expressão da esquerdização centrista das massas, o PSOL tende a crescer num
primeiro momento. A esquerda tradicional se desmoraliza, exemplo do PT (CUT, UNE,etc.). O
Governo está fraco. Tudo mediado pelo recuo lento e constante da economia. É o começo de um
processo que levará à revolução ou à contrarrevolução.
Mais à frente debateremos uma possível saída política pelo método. Por agora, preferimos um
debate determinante apresentado, em resumo, no próximo tópico.
DIALÉTICA
Vamos tratar um pouco sobre o tema. Importantíssimo estudar, pois aqui vamos apenas apontar
caminhos. Tentaremos rechear as categorias e leis com exemplos práticos.
Aparência e Essência
Nada se explica por si, mas pela realidade que a gerou. Parece que o Sol gira em torno da Terra
(aparência) e apenas quando vemos a realidade total é que descobrimos que é o contrário
(essência). A Terra parece plana (aparência) e a investigação ampla permite ver que é o inverso
(essência). Normalmente, o que os olhos demonstram no imediato é, em verdade, a negação
daquilo que de fato é: o contrário.
Quando a mente elabora sob o forte impacto da aparência chamamos “impressionismo”. Uma
política que se justifica a partir da aparência – sem estudo prévio – chamamos "análise-
justificativa", ou seja, tira a política e só depois a “teoriza”, “explica-a”.
A aparência é fluida (sempre há uma novidade em destaque); a essência muda-se mais lenta. A
aparência é “algo”, um pedaço da realidade que – inevitavelmente – causará um primeiro
impacto, sensações e sentimentos; a essência – união/superação de todas as aparências – é a
descoberta das origens dos fenômenos, da realidade.
Como parte e manifestação do real, a aparência também exerce alguma influência sobre a
essência. Exemplo: o aumento qualitativo de luta no Brasil, desde 2013, gerou maior
desmoralização e crise no Estado e aumento dos votos nulos/abstenções; porém, isso tomou a
aparência de muito mais deputados da direita – menor quantidade de petistas etc, pois o voto da
esquerdização inicial foi nulo e PSOL (a esquerda mais leve cresce no início dos processos e
manifestam o início desse processo de crise). Assim, a aparência, mais parlamentares de direita,
gerou uma bancada mais reacionária com mais facilidade de aprovar seus projetos antiesquerda.
Forma e Conteúdo
Forma é algo gerado por outro algo (conteúdo). As relações sociais (conteúdo) geram o Estado
(forma) e os sindicatos (forma). A palavra falada (conteúdo) gera a palavra escrita (forma). A
interação entre três ou quatro oposições sindicais (conteúdo) gera uma corrente sindical com um
núcleo de direção da articulação comum (forma).
Interessante é que são interligados ,mas não dependentes totais um em relação ao outro. Um
gera o outro e se influenciam mutuamente, mas adquirem certa autonomia. A relação de classes
pode influenciar, mudar ou até destruir o Estado e, também, o último pode influenciar
enormemente o primeiro. Relação mecânica é inexistente. Exemplo: uma luta de classes
(conteúdo) muito aguda no final da década de 1970: a ditadura sente o peso e decide abrir
lentamente o regime (forma). A democracia burguesa (forma) veio graças à pressão dos
trabalhadores (conteúdo).
Necessário e Desnecessário.
Por que os partidos de esquerda hoje têm mais audiência? Porque são socialmente "cada vez
mais necessários", por causa da crise. Por que a democracia burguesa se fragiliza? Porque se
torna um instrumento "cada vez menos necessário e mais desnecessário" quando à utilidade para
a manutenção da harmonia social.
Causa e consequência podem se inverter – é dialético! Uma forte industrialização pode gerar
urbanização assim como uma forte urbanização pode gerar industrialização. O capitalismo
industrial pode originar o estado burguês (Inglaterra, França etc.); também o Estado burguês
pode gerar a industrialização (Brasil, inicio do século XX).
Uma situação revolucionária, por exemplo, pode gerar a POSSIBILIDADE de uma revolução
socialista, pois toda a realidade amadurece para isto. Mas depende de decisões humanas: e se, na
"Hora H", a direção das massas trair? Pode colocar tudo a perder (e muito disso ocorreu na
história)…
A inevitabilidade são elementos objetivos, como a certeza que a crise chegaria ao Brasil. Ou
seja: todos os condicionantes permitem que algo, de fato, ocorra – deixa de ser probabilidade ou
possibilidade.
O acaso pode entrar em acordo ou contradição com as necessidades. Mas não nega estes
últimos. Havia uma necessidade de derrubar Collor: o acaso de uma torneira de ouro em sua
casa foi o estopim da rebelião popular.
Relativo e Absoluto
O mensalão gerou uma crise relativa no Estado, crise no governo sem afetar o regime, algo que
se podia administrar. Caminhamos agora de uma crise relativa (gerada pelas Jornadas de Junho)
para uma absoluta (crise do PT, crise de corrupção, governo perde a base social e parlamentar, o
parlamento está forte como fonte de chantagem etc.). No segundo caso, a crise de governo tende
a gerar uma crise no regime se com o impulso de duas forças, a crise econômica e elevação da
luta de classes.
Medir o peso dos elementos da realidade faz diferença na elaboração política. O relativo é algo
que se define e se mede a parte de uma referência, o absoluto; relacionado, relativo a algo.
Do Simples ao Complexo
É a natureza da realidade. A vida surgiu de material não vivo (inorgânico) ou o orgânico veio do
inorgânico. O capitalismo é mais complexo do que todas as formas de sociedade que o
antecedeu – os mais simples eram e são as tribos nômades. O militante social começa sem
muitas habilidades – é natural – e vai acumulando teoria e prática. Uma ideia gera outra ideia, e
mais outra, e outra, e formam algo superior. As primeiras formas de vida eram rudimentares e
tornaram-se complexas. O capitalismo é um bicho com cada vez mais tentáculos.
O estágio superior acumula características do estágio inferior: não apenas nega ou reforma –
também agrega.
Negação da Negação
Tudo muda. O novo surge negando o velho. E o próximo novo surge negando o que era
novidade. Vai além – tem uma sofisticação interessante: resgata, de certa forma, o primeiro a ser
negado, só que de forma superior. Exemplo: as atrasadas sociedades primitivas (comunismo da
miséria, igualdade por falta de riquezas) foram negadas por sociedades superiores, de classe.
Virá a Negação da negação: o comunismo da abundância – como a primeira: não haverá classes,
Estado, repressão, família monogâmica etc.
A dialética dos antigos gregos (afirmação) foi negada pela lógica formal de Aristóteles
(negação). O retorno da dialética por Hegel (superior, negação da negação) marca uma nova
dialética. Marx opera outra negação com a dialética concreta. A negação da negação, em Marx,
é um processo sem fim, sempre haverá negação, ou seja, é possível que a própria dialética seja,
um dia, superada.
Qualidade é um estado da realidade. O estado líquido da água é uma qualidade; o estado gasoso
é outra qualidade. Entre o líquido e gasoso, o aquecimento da água é a causa das mudanças de
qualidade. Cada vez mais as partículas da água ficam aceleradas (quantidade, mudanças de
quantidade), movimentadas, dispersas, instáveis até ocorrer o que chamamos salto de qualidade
(evaporação).
Há dois tipos de mudança, de salto de qualidade:
Há mudanças sociais por reformas (caso 1). Quando é preciso reformas mas não ocorrem –
porque o sistema não tem condições de aplicá-las –, surgem as revoluções (caso 2).
Partes e Todo
Para entender a realidade, e uma realidade específica, é preciso ver sua conexão com toda a
realidade, com as outras partes e com a totalidade. Há uma interdependência, uma interrelação,
mútua influência e ligação entre as partes constitutivas do Todo. Como dissemos antes: o todo é
mais que a mera soma das partes, é superior – há somas que multiplicam ou dividem.
Temos também que ver cada caso concreto e cada situação concreta, particular – além do Geral.
Há governos de Frente Popular onde o partido operário é a liderança (particular no geral; PT no
Brasil) e há governos de Frente Popular em que a organização de esquerda é minoria e o partido
burguês é maioria no executivo (particular no geral). Cada caso tem sua singularidade (o
irrrepetível), o que forma casos particulares de uma abstração geral (Frente Popular). Isso é
importante, pois as diferenças exigem adaptações ou mudanças na política.
Contradição, Movimento
Dizemos, por causa da educação escolar positivista: "isso não faz sentido; é contraditório!". A
dialética materialista apresenta, num sentido geral, o inverso, que "só é lógico o que é
contraditório!".
Quando percebemos a Totalidade, percebemos que a contradição é uma lei. A luta entre partidos
da ordem nas eleições é uma contradição relativa, não-determinante e não essencial, parcial e
que não muda a essência. A luta de classes é a contradição absoluta, ou melhor, pode ir do
conflito relativo, luta sindical (eleitoral, etc.), ao absoluto, a luta pelo poder.
A contradição é uma chave. Quando o capitalismo industrial surgiu (conteúdo) veio o estado
burguês (forma). Foi positivo, progressivo e não-contraditório. Mas quando, no fim do século
XIX, veio a fase imperialista da economia (conteúdo) o Estado (forma) precisou – e precisa –
ser destruído (contradição) para surgir uma forma melhor, o Estado Operário (superação da
contradição).
Burguesia (tese) contra o proletariado (antítese) produz a revolução e fim das classes (síntese).
O Brasil surge para o capitalismo (tese), mas – e mais – tem de usar relações de produção de
outro sistema, o escravista (antítese), o que gera uma formação social particular (síntese).
1. A mudança é permanente;
3. Temos de ver a realidade como um filme, em movimento, não tal uma foto;
5. Podemos medir e precisar de uma forma muito estável, com pouquíssima margem de erro,
apreendendo todos os elementos centrais e determinantes;
Matéria e Ideia
"A matéria determina a ideia" é um clichê marxista. Uma frase parecida é "a cabeça segue o
chão que os pés pisam, mas em atraso". Os hábitos, as rotinas, o modo de vida, as experiências e
o meio influenciam a ideia; geram até características comuns aos membros da mesma classe
social. Porém, lembremos, não podemos ser mecanicistas. Os homens movem o mundo e podem
movê-lo de tal ou qual forma se forem ganhos para esta ou aquela ideia. Caminho natural deixa
de existir. Marx disse: “quando as ideias revolucionárias penetram a mente das massas ganham
força material” (tradução livre). Ou seja: o marxismo unifica e funde materialismo e idealismo,
sob superioridade do primeiro – além de, ao mesmo tempo, superar as duas tendências
filosóficas. Então, explica-se, por exemplo, “por que pobre vota na direita”.
Caso: hiperinflação, os trabalhadores estão enraivecidos. Com qual tática lutar e pelo quê?
Sentir é diferente de entender. Pode ser que sejam ganhos para a ideia de uma greve geral ou, ao
observar exemplos pelo país, ocupação de fábricas e locais de trabalho/estudo. Pode ser que
lutem pelo aumento salarial e congelamento de preços ou, com boa agitação marxista, o “gatilho
salarial” (aumentar o salário automaticamente sempre que os preços aumentarem 3%). Pode ser
que não lutem. E pode ser que o governo os convença a “esperar com esperança”.
Daqui, podemos concluir uma lei: as vitórias são mais educativas que as derrotas. Os sucessos
na luta de classes empolgam, mobilizam, dão esperanças, dão exemplos etc.; as derrotas
costumam, nem sempre, ser acompanhadas de desmoralizações e recuos. Via de regra, as perdas
podem ser educativas para os mais conscientes, os comunistas e a vanguarda, quando e se
refletem e teorizam em cima dos fatos e processos – balanços teóricos, políticos e
programáticos. Exemplo: muitos bolcheviques procuram Trotsky empolgados quando a política
estalinista para a revolução chinesa causou dura derrota; pensava-se que a Oposição de
Esquerda na III Internacional estalinizada cresceria, mas era diferente: a revolução chinesa
vitoriosa, explicou o fundador da IV Internacional, empolgaria as massas e vanguarda mundiais,
girando suas consciências e ações para a esquerda, dando base social e ideológica para que o
marxismo crescesse por saltos.
Outra questão: tradição e cultura nacionais devem ser consideradas na análise. Exemplo: a
derrota da revolução russa de 1905 gerou um duro recou, porém colocou na memória dos
operários (ideia) a lembrança de um novo e bom organismo, o soviete. Isto ajudou muito a
revolução de 1917.
A realidade não se desenvolve de maneira articulada, mas desigualmente. Uma parte é mais
madura; outra, menos. A desigualdade do desenvolvimento gera combinações particulares, cria
realidades próprias. Resolvê-las é um desafio.
Exemplos:
3. Uma greve com ocupação de fábrica não é necessariamente igual a uma direção sindical de
luta. Pode acontecer de a direção pelega ser pressionada para a luta por força da base, que
ameaçava cortar o pescoço dos dirigentes – literalmente ou não – em caso de traição.
Um bom exemplo de dialética é a sexualidade humana e da maioria dos animais. Alguém pode
ser do sexo masculino (com pênis), sentir-se mulher (transexual) e ser lésbica (atrair-se por
mulheres). Nem sempre ter pênis é = a sentir-se homem e = ser heterossexual.
Podemos pensar em classe operária para elaborar política. Uma política mais precisa avalia as
diferenças internas da classe (os que ganham mais e menos, os mais letrados e menos, a
aristocracia e os terceirizados, a nova geração e a velha etc.).
Outro ponto é a mudança. Entre uma realidade e outra, entre uma qualidade e outra, podem
ocorrer estados transitórios, duplos, híbridos. Engels fala que "entre o branco e o preto existe o
cinza" e "entre o sim e o não existe o sim-não". No Brasil dizemos "ou é 8 ou é 80" como forma
de dizer que ocorrem também "meio-termos" ou 40. Entre crescimento econômico e crise pode
haver uma queda brusca, de repente, no susto ou uma desaceleração gradual como forma de
sintoma.
Percebemos, também, que uma coisa pode tornar-se outra. A dialética movimenta suas
categorias (do relativo ao absoluto e do absoluto ao relativo; do simples para o complexo e vice-
versa; do necessário ao desnecessário e ao necessário e no sentido oposto etc.). Nada "é" em
permanência: tudo está e por algum motivo. Exemplo: um sindicato de luta pode torna-se um
Estado, caso da COB da Bolívia em 1952, hoje uma central pelega.
Na língua portuguesa:
O cientista Einstein tem bons casos dialéticos. Massa e energia são um só – ou em repouso ou
na velocidade da luz a quadrado –; o tempo é algo (material) e o espaço, em si, é algo, e são
interligados ou espaço-tempo, que é – inclusive – um tecido dobrável pela massa de objetos,
como de um planeta.
A=A
3x+1 = 4
ELABORAR POLÍTICA
"Como, a partir da caracterização, deixar minha classe alguns passos – curtos ou longos – mais
perto de sua vitória?"
"Qual manobra (política, no melhor sentido) mais arriscada podemos fazer sem sermos
aventureiros?"
5. Deve-se partir das necessidades e dores da classe trabalhadora. Exemplo, de fato, simplista:
inflação? Aumento salarial! Corte no salário? Contra o corte!
Exemplo:
A política marxista: 1. Se as massas têm ilusões, vamos participar para apresentar propostas que
eles possam abraçar, ganhar simpatia e denunciar as eleições de forma didática: um voto de
trabalhador não é o ideal, mas é um passo a mais – eleições também é luta de classes; 2. Pode
ser, em caso de desmoralização geral, participar da eleição para chamar não o voto no partido
mas voto nulo e greve geral; 3. Em caso de desmoralização total, chamar o boicote e colocar os
próprios deputados para renunciar aos seus mandatos com um discurso inflamado.
A Arte da Guerra não possui táticas fixas – a realidade é que manda. O mesmo vale para a
elaboração marxista: chamemos, digamos, "manobras do bem" ou "malandragem honesta". A
situação pode exigir esta ou aquela política.
A greve dos rodoviários não tem apoio popular? Desafiar a prefeitura (superestrutura objetiva) e
a patronal (relação de classes) a liberar as catracas para população enquanto os rodoviários
trabalham com Tarifa Zero (questão econômica e política). Assim se coloca o governo e a
patronal na defensiva (superestrutura subjetiva e objetiva), a greve ganha força nas massas (atua
sobre a mentalidade, superestrutura subjetiva) e eleva a moral da categoria (superestrutura
subjetiva).
A contradição relativa entre irmãos explorados (rodoviários e usuários) pode ser positivamente,
neste caso, resolvida assim.
Exemplo: falei no inicio que a UESPI tem sua base social fragmentada em campus distantes.
Como resolver isto? Que tal exigir uma linha de ônibus estatal específica que interligue os três
campus e o centro da cidade para que os alunos e cidadãos se locomovam melhor? Gerará
integração (relação social), interação entre os campus (relação social e superestrutural) e, no
imediato, melhorará o transporte dos alunos (economia e relação social).
Dica, proposta: necessário medir a política, mas também as consequências desta – o após.
Vitórias podem tornar-se derrotas. Vamos conseguir segurar as pontas, consolidar vitórias e
manter a dinâmica progressiva? Sim ou não? Exemplos:
3. O autor do artigo avalia que não é hora de chamar o "Fora Dilma", pois a esquerda não tem
maturidade – ainda – para gerenciar o pós-queda. Uma frente única de luta da esquerda pode
ajudar, preparar. O governo Dilma tem menos de 10% de apoio, cheio de escândalos e ataques
contra a classe trabalhadora. O "Fora", em si, não é um erro. Problema: a oposição socialista
têm condições de impulsionar o impedimento e promover a "rede de consequências" positiva?
Pensamos que não. Claro, o leitor talvez discorde.
Enfim, queremos dizer: cabe ao marxista calcular a principal e/ou as principais probabilidades
do futuro e, a partir disso, elaborar políticas. Inclui (e isto é central): pensar no "plano B", pelo
menos esboçá-lo, caso a política dê errado ou caso a segunda possibilidade confirme-se. Na
situação limite, em1917, Lenin sabia que a revolução poderia ser derrotada tal como em 1905,
então fez uma conta secreta na Suíça para preservar os membros e o partido em caso de derrota,
perseguição e exílios.
1. Determinismo econômico.
Considerar a situação econômica como determinante absoluto. A economia é vital, mas sozinha
não explica a vida social e seus rumos. A psicologia coletiva, por exemplo, medo ou raiva, faz
diferença sobre como agir.
2. Análise sindicalista.
Considera a luta social e a luta entre as correntes por espaço. Esquece a totalidade e não elabora
política verdadeiramente de classe.
3. Análise superestrutural.
Colocar o conflito entre Estados ou partidos como medida maior. O centro é sempre a luta de
classes, os conflitos entre Estados são, em geral, parciais e sempre inferiores às questões de
classe.
Todos estes métodos são parciais, sem totalidade. Pegam pedaços enquanto o marxismo
considera todos estes elementos em uma Totalidade, integrando-os. E podemos acrescentar
outro meio errado:
5.
O leitor pode ter discordâncias, são exemplos. Basearemos na caracterização que já fizemos:
"Situação pré-revolucionária. Crise. luta de classes cada vez mais aguda, princípio de
esquerdização nas classes desprovidas de privilégios, divisão inter-burguesa cada vez maior, as
classes médias iniciam um racha interno, o Estado está mais frágil, partidos de esquerda têm
mais audiência. PT entra em crise, e seu aparelho sindical está sob pressão. É o começo de um
processo que levará revolução ou à contrarrevolução."
Caracterização-Politica:
Política: Propor a unificação das greves, dias de luta, pressionar as burocracias pela base.
2. Os pelegos são grande maioria e a esquerda é minoritária e precisa de mais audiência e força.
Política: Impulsionar uma frente de luta da esquerda anti-PT. Denunciar às categorias a ligação
irrevogável dos pelegos com o governo, o Estado e a patronal. Propor, pela base, que puxem as
lutas. Chamar os setores minoritários a romper com as centrais vendidas.
Política: Campanha pelo "Fim de todos os privilégios políticos!". Chamar dia de luta nacional.
Elaborar um panfleto especial.
5. O PT entra em crise.
Política: aumentar as denúncias para enfraquecer esta importante trava. Não deixar a luta contra
o PT como bandeira da direita.
DETALHES:
2. Quando uma política ganha vida na realidade, gera uma "rede de consequências". Vamos
supor que é hora para uma "greve geral por tempo indeterminado". Se esta política ocorrer, o
país se paralisará e a guerra civil será uma possibilidade real. Sabemos que ainda não é o caso;
3. O marxismo permite compreender a realidade e antecipar as principais tendências do futuro,
as probabilidades. A habilidade de conhecer a principal (ou principais) possibilidade é o
diferencial.
Marx previu a fase imperialista do capitalismo. Engels, a I Guerra Mundial, sua duração, sua
natureza, seus recursos e as consequências com uma exatidão espantosa. Trotsky percebeu que a
revolução democrática na Rússia (Fevereiro) tenderia a tornar-se socialista (Outubro), avisou
que Hitler invadiria a URSS se este tomasse o poder na Alemanha, disse que a III Internacional
fecharia por uma concessão ao Imperialismo. São alguns dos inúmeros exemplos.
4. Da realidade, precisamos elaborar duas ou três palavras de ordem centrais para propor aos
trabalhadores e às classes oprimidas, ganhá-los e mobilizá-los. Em muitos casos, entre estas
precisa contar uma proposta de método de combate – “Contra o Euro, referendo já!”, “Greve
geral contra a Troika!”, “Três dias nacionais de luta e paralizações contra a reforma da
previdência!”. Como se vê, podemos, incluso, combiná-las. Encontrar as melhores palavras de
ordem; encontrar as melhores formas de expô-las.
Exemplos possíveis:
Continuando o parágrafo anterior. Se a classe média está para a direita e unida, dividimo-la com
propostas concretas para atrair seu setor mais pobre para o lado da classe trabalhadora. Se a
burguesia não está dividida – e isso também é vital na análise –, dividimo-la por meio da luta.
Neste segundo caso, por exemplo, a luta contra a ditadura faz com que parte da classe
dominante e seus políticos também queiram a mudança do regime e podemos fazer “unidade de
ação” sem nos misturarmos com eles, mantendo a independência e autonomia de nossos
organismos.
Existem palavras de ordem corretas para o momento a nos permitir apenas vitórias parciais e
avanços lentos; existem outras a gerarem saltos imensos na realidade quando ganham as massas.
Darei o exemplo de uma corrente com a qual tenho pouco acordo e muita crítica, o MRT
(“MRT? Centrismo ultraesquerdista!” – Pode ser, mas evitemos a postura de igreja, de seita
política…), onde apresenta uma consigna que me parece boa. Vejamos. A terceirização avança
em todos os locais de trabalho, reduz salários e aumenta a intensidade laboral, enfraquece os
sindicatos e divide os trabalhadores em formais e informais ou concursados e não concursados.
Agora o governo federal deseja terceirização das “atividades fins” (!), ou seja, além das
agregadas! A corrente citada propôs, então, “fim da terceirização! Que todos os terceirizados
tornem-se por lei funcionários públicos e das empresas!”, algo assim. É uma proposta de luta
por um salto qualitativo; e assim deve ser, pois apenas com luta geral e unificada é possível
regredir esta tendência em cada local de trabalho.
Marx, Engels, Lenin e Trotsky erraram por toda a vida – nós também podemos nos permitir.
Saber como se faz é diferente de saber fazer. A prática é a forma de aperfeiçoar, aprender, e
exige tempo. É importante fazer balanço sempre após colocar uma política em prática: foi
correto? Por quê? O que deu errado? O que faltou na análise? Alguma falha contra a dialética?
Assim, na próxima elaboração, se fará de uma forma aperfeiçoada, do simples ao complexo.
“O do PT/PTB para o senado, Elmano Ferrer, é mal visto em Teresina (grande colégio eleitoral)
e pouco conhecido nas cidades menores. E candidato do PTB, o que gera. 1. desgasta a imagem
ao ser associado com a burguesia dos Claudino, altamente rejeitada nas massas; 2. Por outro
lado, há muita finança para campanha. E mais: o outro candidato é conhecido em todo o estado,
ex-governador e tem apoio dos latifundiários.”
Errei: Elmano foi eleito. Fiz o balanço: o erro veio por separar as Partes do Todo.
1. Era largamente apoiado pelo único candidato forte ao governo e com confiança majoritária
nas massas (Dias do PT);
Outro caso. O aumento da passagem de 2011 foi barrada e só aconteceu em 2012 (ou seja,
defasado o preço para a burguesia). Houve anúncio do aumento em 2013, mas as Jornadas de
Junho encerraram a conversa sem luta direta alguma (foi efeito colateral da luta generalizada e
sequer precisou de luta direta!). Percebi que o aumento estava três anos atrasado e que
burguesia/prefeitura queria evitar a luta social. Nessa situação, tentei calcular a manobra deles,
que seria: aumentar nas férias para esvaziar a luta.
Errei: não teve aumento. O que aconteceu? Falta de um cálculo mais profundo e menos
sindicalista:
1. A forma de aumentar o lucro foi reduzindo a quantidade de ônibus. Diminui os custos com
funcionários, máquinas, combustível, manutenção e concentrar usuários nos ônibus, ou seja,
reduzir a frota e liberá-la nos horários de pico, após acúmulo de gente à espera. Aqui entra a
economia, outras formas de aumentar o lucro;
3. Esperar para entender a situação pode ser positivo à burguesia, pois não é onipotente e
onipresente (a parte difícil: entender como anda a psicologia e o pensamento da classe inimiga);
Vale destacar que a política pode nos dar um exemplo da importância do cálculo e criatividade:
Propus a amigos de militância um trabalho preventivo e preparatório para o aumento (que não
aconteceu): produzir de 200 a 300 cartazes como “2 e 10 já é um salto. Abaixo a Máfia do
SETUT. ANEL". Isso criaria referência, aglutinaria vanguarda e alertaria a consciência dos
trabalhadores. Era preciso criar palavras de ordem capazes de impactar a consciência.
Mas como passar o recado com poucos recursos e pouca gente? Solução:
1. Aproveitar o espaço;
2. Focar a colagem de cartazes nas principais praças do centro e suas paradas de ônibus;
3. Focar nas Paradas da UESPI e UFPI, e dentro delas, e nos IFPIs e escolas centrais (Liceu,
etc.)
Com esta tática, unindo análise e política-criatividade, era possível passar a mensagem a toda
cidade e rapidamente.
INDIVIDUAL E COLETIVO
Unir teoria forte e prática firme é a única saída. O Marx que disse "os filósofos se limitaram a
interpretar a realidade, mas a questão é transformá-la" é o mesmo de "nunca a ignorância foi útil
para qualquer coisa" e "uma ideia torna-se uma força material quando ganha as massas
organizadas" ou "de nada valem as ideias sem homens que possam pô-las em prática". Lenin
tem um recado ótimo: "não há prática revolucionária sem teoria revolucionária".
Ter boa vontade é limitado. Ter boa política, também. Ter boa política prática (greve geral,
unificação, ocupação, protesto de rua, mecanismos legais etc.), idem. Tudo isso é bom, mas
incompleto. Isso é assim na medida de que há um fenômeno no capitalismo: a alienação.
Podemos dizer que é a humanização das coisas por meio da coisificação dos homens. E mais: é
o controle do homem sobre o homem, a coisificação das relações humanas. Se numa reunião do
partido, elevamos a voz demasiadamente e manobramos para garantir a nossa proposta – por
melhor e necessária ela seja –, então estamos derrotados; porque a política é tática em relação ao
processo de amadurecimento do partido, estratégia. É uma derrota.
No início de minha militância, eu pensava que fazer festas, eventos acadêmicos, cinema, dias
esportivos etc. eram algo desnecessário e que me subordinaria apenas porque facilitaria ganhar
moral e influenciar a base. A ação era correta (ainda bem), mas errado o meu raciocínio. O
capitalismo não oferece lazer, arte, formação intelectual e integração humana como se deveria!
É preciso, portanto, nos humanizarmos – esta é a verdadeira luta marxista. Isto significa
autoeducação, educação e reeducação: assembleia de base dos CAs, DCEs e sindicatos onde se
vê e se aprende uma democracia superior à burguesa, clareza pública do que se passa nos
organismos dos trabalhadores e estudantes, divulgar a arte do alunado na escola. É positivíssimo
o jornal do sindicato ou grêmio a tratar de política de forma a explicar e propor, mas também
trate de arte e eventos do interesse etc. Há que se levar a sério que “Não apenas de política vive
o homem” (Trotsky).
Em uma conversa com um grupo de simpatizantes, alguém me perguntou: mas vocês lutam para
a educação mudar o mundo? Queria muito aqueles ativistas no partido, e teria de ganhá-los do
modo correto; respondi: “para nós, quanto melhor melhor. A gente luta por reformas para
melhorar qualidade de vida e para provar que é impossível mudar este mundo por reformas. Se a
maioria tiver maior nível cultural, isso facilita tanto a tomada de consciência quanto as
habilidades das pessoas para construírem o socialismo na prática. Mas é preciso antes fazer uma
revolução para poder revolucionar o ensino.” “A verdade é revolucionária”, diz Trotsky. Dizer
as coisas como são, mesmo sendo chatos ou rejeitados, é um critério para ser militante
bolchevique, para lutar pela desalienação sua e dos demais. Se nós declaramos apoio a ideias e
propostas erradas das massas ou das vanguardas para poder “nos aproximarmos delas” e “evitar
o isolamento”, então, por o caminho proposto ser errado, vamos ser derrotados e toda a ilusão
de influência social transforma-se em desmoralização, perda de audiência e dificuldades; se
apresentamos uma proposta que consideremos correta – suponhamos estar –, então pode
acontecer de ficarmos em minoria e isolados por um período e, por isso, termos de ser firmes e,
ao mesmo tempo, não sectários, tentando agregar o máximo possível, explicar, dialogar, já que
somente assim abrimos a possibilidade de crescermos de fato, aplicarmos as propostas, sermos
visto como aqueles a “dizer aquilo mesmo quando ninguém apoiava” e aglutinar em torno de si
as massas e o melhor da vanguarda – ou parte dela – numa luta por nós influenciada ou liderada.
Daqui não podemos supor sermos “os guias das massas” ou “orientadores” e a “consciência da
inconsciência”, pois essa arrogância esconde 1) nossa inexperiência e 2) o muito que ela tem
para nos ensinar. Tentar ser liderança da classe e fazer com que nossos militantes sejam mais
capazes em relação ao trabalhador médio, nada pode ter haver com o perfil professoral e
populista. Estamos longe de romantizarmos a classe trabalhadora e suas limitações, mas ainda
nos falta muito para sermos dignos dela.
“E se a proposta que elaborei for derrotada no debate de minha célula?” Calma. É preciso
sabermos errar e acertar juntos, mesmo. Às vezes, estamos errados; às vezes, podemos dizer no
balanço que tal derrota foi por falta de tal política (sem arrogância do “eu avisei”); às vezes, a
realidade é tão forte que nossa política derrotada acaba sendo posta em prática, pela própria
dinâmica das coisas (ex: “não temos como ocupar agora”, mas a política é “ocupar” – e não vai
um número satisfatório ao protesto, impedindo o ato radicalizado); às vezes, as duas políticas
estão erradas; às vezes, por terem elementos da verdade, duas políticas podem ser fundidas ou
adaptadas; e às vezes, a política está correta com a realidade, mas foi mal aplicada.
1. Uma proposta pode ser boa em si e agradável, mas aplicá-las não valer a pena.
Toda ideia é realizável na mente e até seus resultados práticos hipotéticos são “medíveis”. Mas
isso é engano: temos de ver como a vida é para direcionar a imaginação e a criatividade para
boas propostas e soluções – a materialidade guia-nos.
2. Tudo o que é central deve ser votado, tarefas divididas, todos devem debater e praticar
(teoria e prática). As células são “grupos de debate e trabalho” e, portanto, devem ser o
oposto da fábrica e sala de aula – o que inclui não existir no dirigente político a
encarnação do “pequeno poder”, como no professor ou gerente.
É preciso, antes de tudo, medir. Qual a relação social de forças? Estamos na ofensiva ou na
defensiva? A classe média pende para o lado dos trabalhadores ou da burguesia? Isto é
importantíssimo, central.
5. Sempre que for elaborar política, considerar a condição real da célula e do partido.
Quando em vez, analisamos como se fossem máquinas, ao ponto de ação, 100%
disciplina e capacidade, “basta votar”, etc. Numa guerra, avaliamos o perfil total dos
soldados e suboficiais…
Exemplo: Cannon percebeu que o PC dos EUA, então clandestino, estava numa conjuntura onde
poderia agir publicamente. Mas sofreu dura resistência a essa proposta… Os militantes
acabaram fazendo fetiche de sua própria dor, amavam a ilegalidade de forma absoluta. O
dirigente viu-se obrigado a mediar – naquela circunstância, pouco valia ter toda a razão do
mundo e perder o partido numa crise interna – e propôs uma “colateral”, um “partido operário”
legal, ligado ao partido ilegal, que ressonava a política comunista e, ao mesmo tempo, mostrava
que agir de modo aberto era possível e necessário. Segundo exemplo, no limite: Lenin ensaiou
romper com o próprio partido em 1917, em Abril, caso este capitulasse de vez ao governo
provisório da Duma (parlamento) – e discordava em público de seu próprio partido, pois a
situação limite justificava esse tipo de ação, não parecia algo “de gente sem noção” ou até
parecia, mas com o tempo ele foi provando que estava correto e agregou.
6. Aprender a ser maioria e minoria: defender com firmeza a sua proposta mesmo quando
amplamente rejeitada – se a considera correta, a saída correta para a contradição posta,
então é errado “fundir propostas”, “ambos têm razão”, “vamos fazer um acordo” etc. No
máximo adaptamos a forma de apresentar nossa política. Na reunião de partido: “vamos
aplicar a proposta vencedora, democracia operária e partidária, mas continuo mantendo
esta visão; agora é verificar na realidade.” Sendo maioria, nunca “tratorar”: analisar se o
outro oferece elementos positivos, tentar agregar evitando degenerar a unidade em
acordismos ou afastamento da proposta política.
7. Às vezes, a proposta aprovada estava errada ou, diferente, foi aplicada de modo ruim. E
no balanço: “mas valeu a pena”, “mas o bom é que…”. É o medo de dizer que o
resultado foi negativo, de chamar as coisas pelo nome, de reconhecer que militar é um
processo de evoluir e aprender, além do interesse em manter aquele sentimento de
“somos revolucionários” e “a melhor organização” como método falso de disciplina
interna. Isto é comum no centrismo.
8. Se uma política se demonstra errada, deve-se tentar corrigi-la a tempo, elaborar outra
mais exata – melhor a evitar o dano real, objetivo, na psicologia do “se nos negarmos a
ver o erro, este deixa de existir”. O autoengano deve ser descartado.
9. Balanço está longe de ser “dedo na cara”, desmoralizar o outro ou apontar apenas os
erros. Avalia-se primeiro a política e, como fato agregado, as pessoas; apenas em casos
mais graves temos de puxar advertências e debates mais duros sobre indivíduos (ex:
roubou dinheiro do sindicato? Propor expulsão do militante.).
10. Na análise: qual a correlação de forças na sociedade? Qual setor está na ofensiva e qual
na defensiva? Por quê? O principal modo de medir é pela quantidade e intensidade das
lutas, greves e protestos, se numerosos ou em dispersão.
É a intenção esta: vamos além da ideia de socialismo abstrato e criamos embriões e pontes para
o amanhã – hoje e já; defende-se mais que a humanidade abstrata, o homem abstrato, e
procuramos aplicar nossas ideias e valores à humanidade concreta e aos homens concretos.
Quando fazemos balanço histórico, soam absurdos os erros do passado – tão óbvios. Porém, eles
são praticados porque parecem corretos.
É importante, para a educação geral, apontar o erro e seus contextos concretos. Assim, ao passar
por momentos complicados, fica mais difícil a militância ficar iludida com a “obviedade” desta
ou daquela elaboração.
LEITURAS
Vamos do simples ao complexo:
2) Manifesto Comunista;
5) O Capital I, II e III;
Sempre destacamos vários elementos importantes para que o partido sirva para alguma coisa na
futura revolução: ciência militar, dirigir sindicatos, ter simpatia, saber elaborar política de
maneira científica. Tudo isso é verdadeiro. E é verdadeiro pelo objetivo central e mais
importante: temos de ganhar a consciência das massas para o nosso projeto. Em real, podemos
dizer que construímos um partido de combate com esse objetivo: travar uma guerra para ganhar
simpatia, ser ouvidos e, com o tempo, ser a liderança honesta das massas. Essa é a hierarquia
das hierarquias, pois o partido atua na chamada “superestrutura subjetiva”, ou seja, elevar a
consciência, que os trabalhadores nos apoiem, de modo ativo, ou tenha simpatia pela gente e
nossas propostas.
É a razão desse texto e é por isso que sempre teremos de nos aperfeiçoar e atualizar. Sabemos
que a mesma coisa pode ser dita de inúmeras formas e que, por mais que seja o mesmo
conteúdo, a forma como se diz faz toda a diferença! De um jeito ganha simpatia; de outro,
desconfiança. De uma forma facilita a audiência; de outra, parece coisa de organização maluca
ou desleixada. É claro que isso sempre é mediado – e determinado – pela maturidade política da
organização e da conjuntura, pois não há talento individual que passe por cima disso. E o mais
importante é sempre melhorar, fazer balanço, ter paciência de se aperfeiçoar e aprender.
“Nos partidos centristas a liderança tem um valor especial pela oratória. Qual a essência disso?
Para ter cargos parlamentares e sindicais é importantíssimo ter ótimos oradores, líderes
infalíveis. Priorizar como “liderança” os melhores organizadores, aqueles que sabem organizar
politicamente as finanças, os melhores teóricos, os melhores em “vender jornal e fazer
propaganda”, os melhores em captação de militantes, os mais talentosos na ciência militar é
coisa de… bolchevique. Como o objetivo é o tático, não o estratégico, o orador é valorizado e
em geral possui muito talento. Vive-se uma relação de admiração forte pelo candidato, figura
pública, transforma-o numa espécie de herói, um socialista pop.”
“Daí vem hábitos de propor, por exemplo, “fóruns de debate permanente do movimento”, a
prioridade dada às CPIs etc. Para um comunista interessa um fórum quando este organismo faz
avançar a luta. É este o critério. Por outro, o centrismo (especialmente as lideranças) puxa
polêmicas encarniçadas apenas se lhe couber uma audiência positiva ou precisa defender
métodos que mantêm seus privilégios; do contrário, evitam. É claro que uma organização
revolucionária precisa de bons oradores, são importantes, mas não são o que envolve o partido.
Já entre centristas podemos ouvir conversas do tipo: “Aquele camarada é um bom organizador
de finanças, mas aquele outro é um quadro, uma liderança nata, você tem que ver ele na
assembleia discursando”, ou: “o camarada fala bem, viu, domina a política, sabe convencer, esse
aí vai pra direção da organização, com certeza”.(Características do Centrismo.)
A base social de classe média influencia, nesse sentido, partidos centristas e até a nossa própria
organização. Podemos dizer mais: o centrismo se preocupa mais em falar aquilo que lhe faz ter
simpatia. Nós, ao contrário, não paramos de dizer uma verdade que tem de ser dita, mesmo que
não dê simpatia. Ou seja: o centrismo não disputa a consciência das massas, apenas se dobra a
essa consciência atrasada.
Quantas vezes vimos membros de partidos de esquerda defendendo o apartidarismo apenas para
ganhar simpatia ou alguma votação em assembleia? Eles escondem seus objetivos. Já para nós a
comunicação é – ou deve ser – para ganhar simpatia e disputar o pensamento dos trabalhadores.
Para o centrismo e o reformismo a comunicação é uma forma de enganar para ganhar cargos no
parlamento ou no sindicato.
Não podemos julgar um militante, se é bom ou não, se é quadro ou não, pela – ou somente pela
– oratória ou, pior, pelo prestígio. Precisamos unir prática e teoria, fazer e falar, trabalho manual
e intelectual. Temos militantes que focam na importância pública e só desejam pegar tarefas que
dão “moral”, onde se fala muito e dá ordens; querem aquele cargo, e, por isso, acham que é
“tarefa de segunda mão” colar cartazes de madrugada na greve, pegar no pesado ou deixar a
sede linda para simpatizantes.
Uma das vantagens de nossa classe é o número. Somos milhões. Assim como tem mais
operários que burgueses com dor de cabeça ou gripe, também há mais operários com talentos
natos que podem ser usados e aperfeiçoados. A luta de classes revela vários do tipo, quando
explode.
O domínio do Estado, dos meios de comunicação e da escola nos ensina a obedecer, a “não-sei-
falar”, somos educados a ter medo de dizer algo em público. Na escola, o professor fala e fala;
no trabalho tem muito assunto que não pode ser tocado e pode atrapalhar o ritmo da produção; a
educação familiar reproduz a lógica do capitalismo para nossa classe. Portanto, é uma tarefa
socialista a reeducação e autoeducação de nossa classe e seus militantes.
COMUNICAÇÃO E CONCEITOS
Uma panfletagem, um vídeo eleitoral, uma pichação etc. é agitação – quando nos dirigimos às
massas ou categoria.
Propaganda é destina à vanguarda, aos mais conscientes, aos ativistas; exemplo: um jornal do
partido, palestra, livro, cartilha etc.
Em propaganda vamos além: debatemos também o mediato, a estratégia, somos mais profundos
– o objetivo é ganhar simpatia, audiência, entre os lutadores e captá-los. É tentar convencer a
vanguarda que o melhor caminho para a sociedade é o que estamos propondo.
Coisas simples como usar a camisa ou boné do partido, começar a fala já se identificando como
da organização etc. podem ser ótimas formas de agitação e propaganda.
PANFLETO:
- É uma linguagem mais ágil, simples e direta, descomplicada. Podemos dizer coisas profundas
de forma totalmente comestível e aceitável;
- Escreva pela positiva. Coisas simples, como evitar o excesso da palavra “não” ou reorganizar a
frase, estimula muito a leitura;
Focar em três cores: às vezes, um panfleto “monocolor”, preto e branco, é muito mais agradável
de ler. Quando tem excesso de imagens e cores, o panfleto fica pesado e cansativo; além disso,
deixar o fundo branco e letras negras é ainda um bom formato.
Um erro muito comum em nossos panfletos: focar em debate histórico ou ideológico, quando o
foco real deve ser o problema imediato e nossas propostas. Chamamos de erro ou desvio
propagandista, típico de militantes intelectuais. Podemos até colocar um pouco de “discurso”,
mas sempre como apoio do objetivo central, que é apresentar denúncias e propostas. Dessa
forma ganhamos a classe tanto para o debate “histórico-ideológico” quanto para a simpatia pelas
propostas.
Se o governo que criticamos por “não tomar nenhuma medida” tiver simpatia das massas,
devemos criticá-lo de forma que agregue, que nos faça ser ouvidos e o trabalhador diga: “apoio
o governo, mas o pessoal desse panfleto tem razão”.
É importante que o leitor veja que o panfleto é feito por um igual, por alguém que sente as
mesmas necessidades e dores que ele tem e que o panfleto descreve. A voz do material tem de
ser de alguém que não “se solidariza de fora” mas que sente na prática o que tem que dizer, pois
sofre na pele e se revolta com isso e, por isso, faz o panfleto de sua corrente. A linguagem tem
que passar o sentimento do assunto, evitando exageros. Se vamos falar de corrupção, o panfleto
terá de ser enérgico como enérgico somos numa conversa de bar sobre a família Sarney e o
Collor ou sobre o Senado.
- É preciso ter paixão de tentar fazer o material ser bem acolhido pelo trabalhador e causar
revolta.
- Dizer o que não se diz, pois sofrer o mundo e não o entender gera angústia. Se a pauta de
economia do Jornal Nacional é puro “economicês” intraduzível, então nosso papel é esclarecer,
clarear as mentes; assim, tem que valer a pena o nosso material para que o operário o queria na
próxima visita. Outro exemplo: se há uma epidemia, devermos explicar suas causas e efeitos,
como combatê-la, dar propostas políticas e denunciar a prefeitura. Além do mais, temos de ser
mais que uma colateral da impressa burguesa: as nada falam da revolução curda, nós falamos; se
nada falam de uma tragédia ambiental, nós tratamos passa a passo disso etc. Boicotemos os
boicotadores da verdade.
CARTAZ:
- Palavras e imagens devem estar bem localizadas, sem misturá-las, pois, quando isso deixa de
ser respeitado, costuma causar confusão perceptiva.
DETALHES:
- Algumas cores atraem mais que outras – vale a pena pesquisar um pouco.
- Desenhos e logos com formatos “circulares”, mais arredondados, tendem a ser mais atraentes.
FLYER E INTERNET:
- Na internet, a imagem de impacto é a que ganha simpatia. Todos “lemos” primeiro a imagem e
depois o texto. Por isso, é importante ter foco nesse tipo de agitação.
- O fato de se estar longe do olho a olho pode levar à elevação do tom na linguagem, ser
sectário. Importante evitar isso.
VÍDEOS:
- O pecado dos pecados na linguagem é a qualidade, que deve ser minimamente satisfatória. O
áudio e organização das imagens devem passar organização e facilitar o entendimento. É muito
comum querer “renovar”, fazer diferente, sem ter experiência ou recursos. Quase sempre fica
“forçado”. Algo simples, como gravar numa sala isolada com a figura pública falando, pode
agregar muito.
- Se possível, fazer mais de uma gravação, às vezes permitindo certo improviso nas falas.
Depois escolhe qual fica melhor para publicação.
- É importante passar certa espontaneidade, mas sem enfeites ou forçar. Criar um clima humano
no ambiente de gravação ajuda.
Muitas vezes vamos protestar junto com outras correntes. E quase sempre aparece a tentação:
fazer um panfleto e/ou cartaz unificado. Mas vejamos: nossa diferença com outras correntes é
política. Então, como fazer um panfleto unificado “em defesa da mulher” com PT/PCdoB se
para nós o partido deles é culpado pelo crescente machismo? Podemos até fazer o panfleto
unificado, mas teremos de ter também o nosso por onde apresentamos nossas propostas,
criticamos a irresponsabilidade do governo, apresentamos nossa organização como alternativa,
chamamos as pessoas a aderirem ao nosso projeto organizativo etc.
Unidade de ação é unidade na ação. Ter nossos próprios panfletos, nossas próprias palavras de
ordem e batuques, falas próprias etc. é parte da agitação e de nossa construção (captar e ganhar
simpatia).
Nos protestos feministas tivemos muita audiência popular, pois espalhamos nas partes do
centro, onde o protesto passava, o panfleto da nossa organização. As pessoas liam e gostavam:
éramos a única corrente com material próprio.
Em várias cidades, nas jornadas de junho, dirigimos protestos espontâneos porque tínhamos uns
“batedores de lata” bem ritmados e palavras de ordem muito agradáveis.
BANDEIRA E PROTESTOS