Вы находитесь на странице: 1из 591

A CRISE SISTÊMICA

Transição e revolução permanente no século XXI

João Paulo da Síria


ÍNDICE

FIM DO CAPITALISMO: TRÊS CAPITAIS, TRÊS ERAS, TRÊS CICLOS


DECADÊNCIA DO IMPERIALISMO: AUTOMAÇÃO/ROBÓTICA
A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E OS
CICLOS DE ERA
CONTRADIÇÃO FORMA E CONTEÚDO: O ESTADO BURGUÊS ESTÁ MAIS
PRÓXIMO DE SEUS LIMITES HISTÓRICOS
CONTRADIÇÃO TENDENCIAL ENTRE CENTRO PRODUTIVO E CENTRO
ADMINISTRATIVOS DO CAPITAL: O IMPERIALISMO SUI GENERIS
A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”
UM ELEMENTO DA CRISE SISTÊMICA: A SUPERURBANIDADE
O SUJEITO SOCIAL HOJE
ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE
DESIGUALDADE NA IGUALDADE: CLASSE OPERÁRIA. TRABALHO
PRODUTIVO E IMPRODUTIVO
PANDEMIAS COMO SINTOMA DA CRISE SISTÊMICA
DECADÊNCIA GERAL DA PSIQUE
PARA A DISSOLUÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE
A SEPARAÇÃO DO MARXISMO
O “DESPOTISMO ESCLARECIDO” BURGUÊS
TODOS OS PARTIDOS REVOLUCIONÁRIOS TÊM PRAZO DE VALIDADE
SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA
CRÍTICA AO REGIME LENINISTA PROPOSTO POR MORENO
PARA ALÉM DO PARTIDO LENINISTA?
CRISE ESTRUTURAL DO APARATO DE REPRESSÃO
QUESTÃO CONJUNTURAL: A ETAPA HISTÓRICA PÓS-QUEDA DO MURO: EM
QUAL ETAPA HISTÓRICA ESTAMOS?
A CRISE MUNDIAL E A NOVA SITUAÇÃO DAS PAUTAS DEMOCRÁTICAS E
DAS LUTAS DOS SETORES OPRIMIDOS. POPULAÇÃO
COMPREENDER AS VARIAÇÕES DA LUTA DE CLASSES: CATEGORIA
“MOMENTO”
CONTRIBUIÇÕES PARA UM PROGRAMA DE TRANSIÇÃO NO SÉCULO XXI
NOTAS COMPLEMENTARES AOS CAPÍTULOS ANTERIORES
O SOCIALISMO
COMENTÁRIOS SOBRE A DIALÉTICA MATERIALISTA
15 TESES SOBRE A ALIENAÇÃO HOJE. UMA HIPÓTESE PERIGOSA

APÊNDICES - Esboços
ESBOÇO SOBRE A CULTURA DO BRASIL
CONTRIBUIÇÕES PARA A FILOSOFIA DA FÍSICA
ESBOÇOS PARA UMA TEORIA UNIFICADA DA PSICOLOGIA
DA POLÊMICA SOBRE A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
MATEMÁTICA E MATERIALISMO
SOBRE A OBRA “A CRISE SISTÊMICA”
MINIMANIFESTOS ARTÍSTICOS
COMENTÁRIOS SOBRE ARTE
ABC DA ELABORAÇÃO POLÍTICA MARXISTA
DEDICATÓRIA

Em principal, à minha esposa por ter-me suportado com tanta paciência e sofrimento;
À classe trabalhadora de todo o mundo;
A Machado de Assis e a Augusto dos Anjos;
À LIT pelo hercúleo esforço de construir um partido mundial da revolução;
À minha mãe por ter-me alfabetizado com bombons de chocolate.
APRESENTAÇÃO

Este livreto é uma tentativa de unificar importantes contribuições marxistas sobre o


capitalismo atual. Aqui, o leitor verá novas sínteses e contribuições que partem de
conclusões já existentes mas parciais e antes separadas umas das outras; a tarefa de
reuni-las, complementá-las, criticá-las e produzir uma concepção unificada e
generalizante nos é a meta pretendida. Não bastou, por isso, costurar citações e fazer
colagens artificiais das diferentes pesquisas; encontrar elementos da verdade e
preencher lacunas foi necessário.
O que pode existir de “inédito” ou “original” neste pequeno trabalho é a superação
por meio da soma. Além disso, foi preciso aprofundar algumas reflexões teóricas feitas
de maneira incompleta por outros, pois exigiam maior maturação e tempo. Assim,
descobrimos o trabalho teórico como uma construção sempre coletiva, apesar do esforço
solitário; graças às outras elaborações, podemos ir precisando cada vez mais as
conclusões, medir cada vez melhor a realidade.
No entanto, este e outros trabalhos estão atrasados historicamente. De um lado,
temendo o revisionismo, parte significativa dos marxistas torna-se dogmática; de outro,
os intelectuais simpáticos ao comunismo adotam o atual modo de produção acadêmico:
apenas pequenas teses, evitam generalizações, produtivismo, focam na construção de
conceitos, buscam “hipóteses de efeito”, fogem dos grandes riscos para garantir a
conclusão do doutorado e o prestígio, etc.
Dessa observação não podemos concluir um “anti-intelectualismo”, longe disso: a
força da classe operária – em certa medida, de um país – se define pela capacidade de
ela atrair para si artistas, pensadores, eruditos e alguns profissionais liberais. Com todos
os seus vícios e excentricidades, aqueles que se dedicam ao honesto trabalho intelectual
costumam dar bons e ótimos aportes. Dito isso, afirmamos que esta obra liberta-se de
qualquer concessão academicista ou de mediação com outras correntes de pensamento.
A razão para tal postura é apenas uma: a obra pretende oferecer um suporte para a
prática revolucionária, tem caráter militante.
Direta ou indiretamente, as bases deste trabalho são extraídas dos seguintes
teóricos: Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Moreno, Martín Hernandez, Henri Lefebvre,
Mészáros, Kurz, Sérgio Lessa-Ivo Tonet e Reginaldo Carcanholo.
Guiados por esses mestres, esperamos encontrar entusiasmo para com as teses
apresentadas. De qualquer modo, na tentativa de facilitar nosso trabalho, antecipamo-
nos com uma observação de Carcanholo:

“Além disso, parece ter se generalizado, entre nós, a ideia de que é muito mais
elegante ser contra que a favor: doutos senhores devem discordar e não concordar.
Assim seja! Pelo menos, nossa tentativa servirá para desafiar aqueles que pretendem
inexistir problemas…”1

Este trabalho pode ser definido por alguns eixos complementares: caracterização da
crise, análise teórica de conjuntura, medição do grau de alienação scoial desde 1970,
atualização do marxismo etc.
Consciente do caráter sempre incompleto de um amplo empreendimento, desejo ao
leitor uma leitura agradável e de conteúdo elevado.

1
Oferta e demanda e a determinação do valor de mercado. Tentativa de interpretação do cap. X do livro
III d’O Capital.
Por fim, agradeço às correntes PSTU, MAIS e NOS pelos estímulos à construção
destas análises. Suas avaliações, obervações e debates foram vitais para a conclusão das
teses.
FIM DO CAPITALISMO: TRÊS CAPITAIS, TRÊS ERAS, TRÊS CICLOS

O tema dos limites históricos do sistema capitalista é alvo de inúmeros debates e


polêmicas; vamos, a partir de outras contribuições e tentando superá-las, adentrar na
questão, na sua dinâmica. Na tentativa de entender a atual crise, ao longo da pesquisa
observamos a necessidade de olhar a história por sua totalidade, por seus ciclos de era;
para isso, convido ao leitor a observarmos três elementos do capital e do capitalismo:

1. Capital financeiro – bancário, comércio de dinheiro ou produtor de juros;


2. Capital industrial;
3. Capital comercial.

Ou, em real e em essência:

1. Capital-dinheiro;
2. Capital produtivo;
3. Capital-mercadoria.

Os três objetos acima apontados serão nossos guias; adentraremos na história da


humanidade, do capitalismo e do capital. Para anteciparmos, será a seguinte a pergunta
deste capítulo: como os capitais organizam-se, interagem, rumo à própria destruição,
para o desenvolvimento da totalidade econômica? Observaremos, portanto, o
amadurecimento do corpo vivo – vejamos:

a) Fase I: capitalismo mercantil.

Com as navegações, século XVI, iniciamos o comércio mundial. Neste momento, a


produção e o setor bancário são secundários, frágeis, orbitantes; seus próprios
desenvolvimentos seguem o lastro direto da compra-venda. Assim, Marx explica:

“As leis das corporações (…) impediam deliberadamente, por meio da mais estrita
limitação do número de ajudantes que um único mestre de corporação podia empregar, a
transformação deste último em capitalista. Além disso, só lhe era permitido empregar
ajudantes naquele ofício exclusivo em que ele próprio era mestre. A corporação repelia
zelosamente qualquer intrusão do capital comercial, a única forma livre de capital que
com ela se defrontava. O mercador podia comprar todas as mercadorias, menos o
trabalho como mercadoria.” (MARX, 2015, p. 432.)

Engels:

“E na indústria têxtil o comerciante já começara a pôr a seu serviço os tecelões,


fornecendo-lhes o fio e pagando-lhes salário fixo para que o transformassem por conta
dele em tecido; em suma, convertia-se de simples comprador no que se chamava de
distribuidor (Verleger).” (…) Já existia a taxa de lucro do capital comercial. Além disso,
já estava nivelada em torno de uma taxa média, pelo menos na mesma praça. Que podia
então levar o comerciante a meter-se nesse negócio extra em que interfere na produção?
Uma coisa apenas: a perspectiva de maior lucro, vendendo ao mesmo preço dos outros.
E essa perspectiva correspondia à realidade. Ao tomar o artesão a seu serviço, rompia
com as barreiras tradicionais da produção, dentro das quais o produtor vendia o produto
acabado e nada mais fora disso. O capitalista mercantil comprava a força de trabalho,
que no momento ainda era proprietária dos instrumentos de produção, mas já não
possuía mais a matéria-prima. Assegurando ao tecelão ocupação regular, podia
comprimir-lhe o salário de modo a obter de graça parte da jornada de trabalho que se
efetuasse. O distribuidor apropriava-se assim de mais-valia que se acrescentava ao
ganho comercial anterior. Em compensação tinha de empregar agora capital na função
suplementar de comprar fio etc. material que ficava em poder do tecelão até fabricar-se
o pano pelo qual, antes, só tinha de pagar o preço inteiro por ocasião da compra. Mas,
primeiro, já adiantara, na maioria das vezes, capital extra ao tecelão, que por estar
sujeito a dívidas era levado a submeter-se às novas condições de produção. (Grifo meu
cujo destaque será notado à frente.) (ENGELS)

Com necessidade de mais mercadorias, o comerciante teve de impulsionar uma luta


longa; na medida em que esta classe enriquecia, alguns de seus membros tornavam-se
banqueiros e industriais. Este momento precisou, naturalmente, de mediação histórica
para o próximo ciclo de era do capital, e encontrou a forma transitória na manufatura:

O modo de surgimento da manufatura, sua formação a partir do artesanato, é por


tanto duplo. Por um lado, ela parte de uma combinação de ofícios autônomos e diversos,
que são privados de sua autonomia e unilaterizados até o ponto em que passam a
constituir meras operações parciais e mutualmente complementares no processo de
produção de uma única e mesma mercadoria. (…)
(…)
O trabalho artesanal permanece sendo a base, e essa base técnica limitada exclui
uma analise verdadeiramente cientifica do processo de produção, pois cada processo
parcial que o produto percorre tende ser executado como trabalho parcial artesanal. Por
fim, essa divisão do trabalho é um tipo particular da cooperação, e várias de suas
vantagens resultam da essência geral da cooperação, e não dessa sua forma particular.
(p.413)

O mercado, mundial e nacional, estimulou a nova produção por meio de elevados


preços, por demanda elevada.
Marx:

É fácil, portanto, de compreender por que o capital mercantil aparece como forma
histórica do capital muito antes de o capital submeter a própria produção a seu domínio.
Para desenvolver-se o modo capitalista de produção, é mister historicamente que o
capital mercantil exista e atinja certo grau de desenvolvimento, (1) pois é condição
prévia da concentração dos haveres monetários e (2) porque o modo capitalista de
produção supõe produção para o comércio, venda em grande escala e não a freguês
individual, logo, a comerciante que não compra para satisfazer necessidades pessoais,
mas em sua compra concentra muitos atos de compra. Demais, todo desenvolvimento
do capital mercantil atua no sentido de orientar a produção cada vez mais para o valor
de troca, de transformar os produtos cada vez mais em mercadorias. Todavia, seu
desenvolvimento, considerado de per si, não é, conforme veremos, suficiente para
possibilitar e explicar a transição de um modo de produção para outro. (O Capital III, p.
437)
O desenvolvimento do comércio e do capital mercantil leva a produção por toda a
parte a orientar-se pelo valor de troca, aumenta o volume dela, diversifica-a e dá-lhe
caráter internacional, e faz o dinheiro converter-se em dinheiro universal. O comércio
por isso exerce sempre ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações anteriores
da produção, as quais em todas as suas diversas formas se guiam essencialmente pelo
valor de uso. Até onde vai essa ação dissolvente depende, antes de tudo, da solidez e da
estrutura interna do antigo modo de produção. E o que resultará desse processo de
dissolução, isto é, qual será o novo modo de produção que substituirá o antigo, depende
não do comércio, mas do caráter do próprio modo antigo de produção. No mundo
antigo, a atuação do comércio e o desenvolvimento do capital mercantil resultavam
sempre em economia escravista, ou, de acordo com o ponto de partida, ocasionavam
apenas a transformação de um sistema escravista patriarcal, baseado na produção de
meios de subsistência imediatos, num sistema voltado para a produção de mais-valia.
No mundo moderno, ao contrário, levam ao modo capitalista de produção. Infere-se daí
que outras circunstâncias, além do desenvolvimento do capital mercantil, determinaram
esses resultados. (Idem, p. 442, 443.)

b) Fase II: capitalismo industrial.

Com a máquina a vapor, século XVIII, desloca-se o centro de gravidade do capital:


a produção revoluciona-se, primeira revolução industrial. Surge então, da união nova
capitais bancário-produtivo-comercial, o chamado capital industrial. Os próprios
setores de comércio e de juros evoluem ao surgir a tendência, impulsionada pela
centralidade produtiva, à mercantilização total do mundo e, pela primeira vez na história
humana, à superprodução.

"As formas — o capital comercial e o capital gerador de juros — são mais antigas
que a oriunda da produção capitalista, o capital industrial, a forma fundamental das
relações de capital regentes da sociedade burguesa e com referência à qual as outras
formas se revelam derivadas ou secundárias (...) E é por isso que o capital industrial, no
processo do seu nascimento, tem primeiro de subjugar aquelas formas e convertê-las em
funções derivadas ou especiais de si mesmo. Encontra, ao formar-se e ao nascer, aquelas
formas mais antigas. (...) Onde a produção capitalista se desenvolveu na amplitude de
suas formas e se tornou o modo dominante de produção, o capital produtor de juros está
sob o domínio do capital industrial, e o capital comercial. é apenas uma figura do capital
industrial, derivada do processo de circulação. Ambos têm de ser antes destruídos como
formas autônomas e antes submetidos ao capital industrial. Emprega-se a força (o
Estado) contra o capital produtor de juros, reduzindo-se pela coerção a taxa de juros (...)
Mas este é um estilo que pertence aos estádios menos desenvolvidos da produção
capitalista. O verdadeiro meio do capital industrial para subjugar o capital produtor de
juros é a criação (...) do sistema de crédito." (MARX, 1985, p. 1508 -15092).

Neste ciclo de era, a relação causa e efeito inverte-se, do comércio para a produção:

(…) Ademais, a expansão do comércio exterior, base do modo capitalista de produção


em seus albores, torna-se, com o desenvolvimento do capitalismo, o próprio produto

2
MARX, KarI (1985). Teorias da mais-valia. São Paulo : Difel. v.3. Adiamentos, n.1, 2, 4; p.1507-1531.
desse modo de produção, impelido por necessidade interna e pela exigência de
mercado cada vez maior. (…) (O Capital, Livro III, Marx, Civilização Brasileira. Grifos
nossos.)

Aquilo antes causa torna-se efeito, e vice-versa.

A lei segundo a qual o desenvolvimento do capital mercantil está na razão inversa


do grau de desenvolvimento da produção capitalista patenteia-se melhor na história do
tráfico praticado pelos venezianos, genoveses, holandeses etc. Obtinham o lucro
principal não exportando os produtos do respectivo país, mas servindo de intermediários
na troca dos produtos de comunidades menos desenvolvidas no plano comercial ou
mesmo econômico e explorando os dois países produtores. O capital mercantil aparece
aí puro, separado dos extremos, os ramos de produção que enlaça. Temos aí uma das
principais fontes de sua formação. Mas ao decair o monopólio do tráfico, decai o
próprio tráfico na proporção em que progride a economia dos povos, que explorava
como intermediário e cujo subdesenvolvimento era a base de sua existência. Essa
transformação significa mais que a decadência de um tipo determinado de comércio;
marca o fim da preponderância dos povos puramente comerciais e de sua riqueza
mercantil, nele baseada. Temos aí apenas uma forma particular em que a subordinação
do capital comercial ao industrial transparece no curso do desenvolvimento da produção
capitalista. De mais a mais, a economia colonial em geral (o chamado sistema colonial)
e em particular a economia da antiga Companhia Holandesa das Índias Orientais
ilustram de maneira contundente como o capital mercantil administra onde domina
diretamente a produção. (O Capital III, p. 439, 440.)

Essa dominação do capital produtivo, desde o século XVIII, antes do ciclo de era
seguinte, é expressa deste modo:

"Aí (refere-se ao século XVII – nota do autor) o capital produtor de juros ainda é
forma antediluviana do capital, a qual de início tem de se subordinar ao capital
industrial e deste se tornar dependente, posição que tem de ocupar, teórica e
praticamente, na base da produção capitalista. A burguesia não hesitou em recorrer à
ajuda do Estado neste caso, como o tem feito em qualquer outro em que lhe
importasse adequar às suas as relações tradicionais de produção encontradas."
(MARX, 1985, p.1507)3.

A primeira base de tal alteração produtiva foi a necessidade do capitalista e do


capital de aumentar a produtividade, a oferta, quebrando a resistência e os limites
humanos individual e social do artesão.

c) Fase III: Capitalismo financeiro.

Com a crise orgânica no final do século XIX, décadas 1970 e 1980 – por excesso de
capital produtivo nos países centrais e mundialização da relação mercantil –, a
eletricidade e as renovações técnicas; por essa transição, a relação central-
orbitante altera-se novamente: o setor bancário e o conjunto do capital portador de juros
(ações, etc.) adquire força necessária para dirigir, submeter e desenvolver os outros dois

3
Idem.
capitais. Temos, na fase imperialista, de monopólios e oligopólios, o capital financeiro.
E assim, produção e a distribuição também evoluem. Sobre, afirma Lênin:

“A operação fundamental e inicial que os bancos realizam é a de intermediários nos


pagamentos. É assim que eles convertem o capital-dinheiro inativo em capital ativo, isto
é, em capital que rende lucro; reúnem toda a espécie de rendimentos em dinheiro e
colocam-nos à disposição da classe capitalista.

À medida que vão aumentando as operações bancárias e se concentram num


número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se, de modestos
intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem de
quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem
como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de
um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos modestos intermediários
num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da
transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, e por isso devemos deter-
nos, em primeiro lugar, na concentração bancária.” (Imperialismo, Fase Superior do
Capitalismo.)

A quantia de capital total adiantado na produção acresceu em grandes proporções


ao lado do crescimento das proporções dos aspectos físicos do capital – máquinas,
quantidade de matérias-primas, edifícios etc. – o que fazia necessário realizar a II
Revolução Industrial com o apoio do capital produtor de juros.
Este modelo, na falta de uma revolução mundial, junto à especulação, atingiu
máxima potência com o desenrolar do capital fictício/capital parasitário pós-1970 (em
síntese; busca de rendimento, de “juros” ou lucro, desligada da e/ou subordinando a
produção – o desenvolvimento pleno do chamado capital especulativo ocorre como
consequência da fase/modelo imperialista, uma intensificação).
A mudança de lastro (chamemos assim), ou seja, de centralidade-guia em cada uma
de suas fases do desenvolvimento capitalista, parece oferecer-nos respostas a inúmeras
perguntas, como veremos adiante. Cabe-nos aqui aprofundar esta percepção a partir
deste abstraimento. A fase nomeada comercial do capitalismo (século XVI ao XVIII)
tendia a realizar-se, mercantilização absoluta, somente no ciclo ou era seguinte; a fase
industrial (século XVIII ao final do XIX) desenvolveu-se e também tendia a realizar sua
própria tarefa com o auxílio da próxima era, a do capital financeiro (final do século XIX
até os nossos dias).

d) Salto para si

Este último ciclo foi que consolidou as tendências das duas anteriores, consolidou a
hipertrofia da indústria, com a III revolução industrial, e do comércio mundiais, com a
mercantilização global. Em nosso entender, o final da década de 1970 foi o ápice da
última fase do capital que, diante de sua barreia interna, impossibilitado de deslocar-se
para um próximo ciclo, limitou-se a desenvolver os três capitais em alta potência
(explica o alto desenvolvimento dos capitais fictício e especulativo4); este momento
histórico é como um avião supersônico que, ao aumentar continuamente sua velocidade,
atravessa a barreira do som, gerando um estrondo, um "salto para si", que simboliza o
ciclo de era do capital produtor de juros, o último deste sistema econômico-social. No
gráfico a seguir, para medirmos e dimensionarmos, veremos este momento por meio da
espantosa diferença do PIB mundial em relação ao montante de capital fictício total5:

4
Talvez caiba ao leitor não iniciado breve introdução sobre a natureza desses capitais, por meio de
exemplos: 1) Quando uma empresa passa a atuar com ações, papéis que dão direito a x% da
propriedade daquele negócio, tendo lucro proporcional, esses papéis legais atuam representando um
capital real e, ao mesmo tempo, são uma coisa por si mesmas, tornam-se capitais (não sendo de
verdade, fictício), logo podem ser vendidas e negociadas no mercado de ações – como se o capital se
duplicasse, ganhando autonomia na oferta e procura por estas figuras e, logo, seus preços tendem a se
deslocar do valor real que representam. 2) As dívidas públicas são um empréstimo, D, Dinheiro, em
busca de mais-dinheiro, D’, mas esse dinheiro é gasto improdutivamente pelo Estado, que deve pagar
via impostos e outras fontes. Estes papéis das dívidas também são negociáveis. 3) Os bancos ajudam a
dar dinâmica à produção e comércio na medida em que oferecem dinheiro para pagamento antecipado
de compras (mercadorias, máquinas matérias-primas etc.): um comerciante compra do empresário suas
mercadorias sem ter dinheiro no momento da compra-venda (pois não vendeu as mercadorias ainda)
com ajuda financeira, com o banco pagando o empresário; depois, cabe ao comerciante pagar, em
parcelas e juros, meio de pagamento, o banco, não o empresário – este processo, que se alarga no
tempo, gera ao banco papéis legais dessa dívida e, logo, pode negociar estes, os próprios papéis, na
compra e venda das bolsas de valores, que e por isso também tendem a se deslocar de seus valores
reais (e se o comerciante não conseguir vender para pagar?). 4) Compra-se um terreno para,
especulando, esperar que custe o triplo seu aluguel daqui a 20 anos; o mesmo se pode fazer com obras
de arte. 5) Faz-se empréstimo de 1 milhão de dólares a baixíssimos juros e empresta-se este dinheiro a
juros maiores em outro país; transfere-se dinheiro de uma moeda para outra, de dólar para real, para
quando o preço dessas duas moedas variarem haver lucro ao trocar real por dólar (exemplo: 1 dolar é
trocável por 4 reais num momento; depois, 1 dolar é trocável por 1 real; se o investidor pega 1 dólar e
transforma em 4 reais, guardando essa quantia para momento oportuno, em seguida pode trocar esses
4 reais por 4 dólares – imagine agora em proporção de milhões em dinheiro). 6) Uma empresa pode
abrir seu capital, vender ações, papeis legais de direito, não sobre a propriedade do capital (máquinas
etc.), mas sobre a possibilidade de lucro futuro – dá-se dinheiro à empresa em aposta de retorno futuro
com parte do lucro desta, sem direito de propriedade real; alguém com dinheiro supõe que os preços de
tal produto será alto e lucrativo no futuro, então investe antecipadamente num produto que sequer
ainda foi produzido – o leitor pode se perguntar: é uma aposta, um cassino? Sim, há riscos elevados. O
capitalismo cria tantas formas quanto possíveis de capital fictício (o especulativo é uma das formas de
capital ficitício), quer seja, lucro não lastreado diretamente no trabalho humano explorado.
Antecipamos: com velocidade dos investimentos e os custos dos fatores de produção acrescidos, as
empresas precisam endividar-se para não morrer na praia da concorrência, ou seja, os bancos estavam
contando com lucro, valorização, futuro, que pode não se realizar…
5
Fonte dos próximos dois gráficos: ”O estágio último do capital. A crise e a dominação do capital
financeiro no mundo.” (Jorge Nóvoa; Paulo Balanco).
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792013000100007
Mais de quatro vezes (!) o PIB mundial (PMB), esse capital “falso”, deslocado de
sua base, não encontra água para beber no solo da economia “real”. Dado famoso entre
economistas, o Banco de Compensações Internacionais, sediado em Brasileia, Suíça,
organismo que aglutina os principais bancos centrais do mundo, estima – pois é difícil
medir esta “anomalia” – um volume de derivativos em US$ 710 trilhões, de 14 bancos;
portanto, está numa proporção, pelo menos, 10 vezes maior (!) que o PIB mundial, US$
66 trilhões.

O que Marx pensaria desses fatos?


“Quando o caráter social do trabalho aparece como existência monetária da
mercadoria e, portanto, como uma coisa fora da produção real, as crises monetárias,
independentemente das crises reais ou como uma intensificação delas, são inevitáveis”
(Marx, 1991, p. 649; grifo nosso).6

Porém, ele não imaginou que o capitalismo chegasse a este ponto exposto nos
gráficos, ou ao predomínio de era do capital produtor de juros, ou um século XXI do e
para o capital… Portanto, considerava essas crises “do dinheiro” (D-D´) relativas, como
de fato eram. O domínio da indústria sobre os intermediários, as finanças, era para ele a
forma própria do capitalismo maduro; e morreu antes de ver a centralização e
concentração dos capitais parirem o Imperialismo, estudado por Lenin. Ao agregar,
quem deu a melhor resposta ao pós-1970, neste caso, foi Kurz, teórico limitado na quase
totalidade das questões centrais, mas um gênio neste ponto específico. Aqui, por soma
dialética dos três teóricos, generalizamos e aperfeiçoamos a contribuição deste último.
Ao contrário do que pode imaginar uma reflexão simples, para o Capital isto é uma
anormalidade normal, uma necessidade. Não se trata de um câncer instalado “contra o
setor produtivo", com pensam keynesianos e alguns marxistas, mas uma condição vital
para o próprio desenvolvimento da indústria e do comércio em nossa era. Ou isso ou
colapso do sistema. Agora, temos uma crise de inúmeras dimensões (ambiental, do
Estado, etc.), incluso estas três: inflação montanhosa do capital produtor de juros,
superprodução crônica e comercialização total; ou seja, amadurecimento excessivo,
como que senil, do sistema.
Sintoma vital da crise sistêmica, encontramos uma grande pista e contribuição dos
historiadores econômicos: o endividamento – neste caso, das classes dominantes –
cumpriu o papel de aprofundar a crise final dos sistemas escravista e feudal. Por
exemplo, ajudando a pavimentar o caminho do capitalismo, o senhor do feudo oferecia
suas terras como garantia de pagamento dos créditos recebidos7. No atual modo de
produção, esse processo – aqui, endividamento geral – apresenta-se e repete-se ao
mesmo tempo de modo particular, acentuado e ímpar. Ernst Lohoff e Norbert Trenkle
expressam como isso ocorre hoje:

6
Marx, K. Capital, Volume III. Londres: Penguin Classics, 1991.
7
Marx, O Capital I, p. 579, explica: “Basta, aqui, uma simples alusão a formas híbridas, em que o mais-
valor não se extrai do produtor por coerção direta e que tampouco apresentam a subordinação formal
do produtor ao capital. Nesses casos, o capital ainda não se apoderou diretamente do processo de
trabalho. Ao lado dos produtores independentes, que exercem seus trabalhos artesanais ou cultivam a
terra de modo tradicional, patriarcal, surge o usurário ou o comerciante, o capital usurário ou comercial,
que os suga parasitariamente. O predomínio dessa forma de exploração numa sociedade exclui o modo
de produção capitalista, ao mesmo tempo que, como na Baixa Idade Média, pode servir de transição
para ele. Por último, como mostra o exemplo do trabalho domiciliar moderno, certas formas híbridas
são reproduzidas aqui e ali na retaguarda da grande indústria, mesmo que com uma fisionomia
completamente alterada.” “A luta de classes no mundo antigo, por exemplo, apresenta-se
fundamentalmente sob a forma de uma luta entre credores e devedores e conclui-se, em Roma, com a
ruína do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média, a luta tem fim com a
derrocada do devedor feudal, que perde seu poder político juntamente com sua base econômica.
Entretanto, a forma-dinheiro – e a relação entre credor e devedor possui a forma de uma relação
monetária – reflete aqui apenas o antagonismo entre condições econômicas de existência mais
profundas.” (O Capital I, Boitempo, p. 209.)
“A crise que acabamos de descrever tem sido encoberta pela enorme expansão dos
mercados financeiros ao longo de décadas. Ao nível do sistema, a acumulação de capital
ganhou força após as crises da década de 1970; desse modo, a economia mundial
conseguiu começar a crescer novamente. Esse crescimento, porém, não foi acionado
pela produção efetiva de valor por meio do emprego de força de trabalho, mas por meio
do aumento explosivo de capital no setor financeiro. À medida que aí circularam mais e
mais títulos de propriedade (dívidas, ações, derivativos, etc.), teve continuidade uma
prestidigitação que consiste em fazer aparecer no presente um valor futuro, ou seja, em
transformar um valor que, na verdade, não foi ainda produzido e que, talvez, não venha
a ser nunca produzido, em riqueza abstrata atual.”
“Mas essa reprodução do capital por meio da antecipação de valor, a qual já há
muito tempo atingiu proporções astronômicas, entrou em crise. Ainda que o aumento
constante nos títulos de propriedade, sem o qual o capitalismo já não pode mais
sobreviver, esteja acontecendo da mesma forma que sempre, ou melhor, esteja até
mesmo ganhando velocidade, isso ocorre porque um impulso está sendo dado pelos
governos e, sobretudo, pelos bancos centrais.”
(…)
“Da mesma forma que o keynesianismo apoiou a expansão da produção industrial
de massa, o neoliberalismo se tornou o padrinho da “indústria financeira”. É uma ironia
da história que, simultaneamente, tenha propiciado o irromper da terceira revolução
industrial. Esta, por si mesma, teria se sufocado devido à sua própria produtividade.
Mas a acumulação de capital fictício criou um espaço de acumulação que era necessário
para uma ampla instalação de tecnologia da informação. Assim, apelando à valorização
futura, foi possível conter temporariamente os efeitos de uma racionalização poderosa
que provoca um deslocamento maciço do trabalho vivo dos setores em que ocorre a real
valorização do valor. O resultado desse processo, no entanto, vem a ser uma erosão
progressiva da produção de valor, a qual realmente só se torna visível agora, em sua
escala completa, na crise do capital fictício.”8

Marx percebeu que a elevação da composição orgânica do capital, custo maior com
as coisas produtivas relativo ao custo com humanos operários ou demissão destes,
empurra à queda tendencial da taxa de lucro, em médio prazo afetando a massa de lucro;
isto é contratendenciado relativamente por mecanismos como a financeirização, ou seja,
um recurso conjuntural que se torna estrutural dada a taxa baixa de nossa época. Os
fatores do salto para si serão debatidos ao longo do livro. Por hora, antecipamos o peso
do desenvolvimento técnico nesta mudança permitindo, por exemplo, uma forma de
dinheiro fluida para o atual modo de domínio do capital produtor de juros. Desta
realidade, a marxista Virgília Fontes destaca em seus textos, palestras e entrevistas o
controle das condições sociais de produção, expresso na liquidez (trocabilidade) e
mobilidade do capital-dinheiro, hiperconcetrado em poucas mãos, ao lado e acima do
controle dos meios de produção.
Em direta ligação com maior usufruto dos juros, a elevação do comércio foi
presente nas crises sistêmicas das sociedades não mercantis. A elevação mundial do
mercado atual, saturada ao sobrelimite pelo crédito e mercantilização de quase todos os
aspectos da vida, desta economia mercadológica, anuncia o Ragnarök.
Embora lhe faltasse teorizar em total, Marx intuiu:

8
Como os bancos centrais são transformados em “bad banks”; Entrevista dada a Reinhard Jellen.
Tradução da versão em inglês feita por Joe Keady do original em alemão. A entrevista foi publicada
originalmente na revista Telepolis em 1º de agosto de 2012.
Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação
excessiva no comércio, é só porque o processo de reprodução, elástico por natureza, se
distende até o limite extremo, o que sucede em virtude de grande parte do capital social
ser aplicada por não proprietários dele, que empreendem de maneira bem diversa do
proprietário que opera considerando receoso os limites de seu capital. Isto apenas
ressalta que a valorização do capital fundada no caráter antinômico da produção
capitalista só até certo ponto permite o desenvolvimento efetivo, livre, e na
realidade constitui entrave à produção, limite imanente que o sistema de crédito
rompe de maneira incessante. Assim, este acelera o desenvolvimento material das
forças produtivas e a formação do mercado mundial, e levar até certo nível esses
fatores, bases materiais da nova forma de produção, é a tarefa histórica do modo
capitalista de produção. Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas
dessa contradição, as crises, e, em consequência, os elementos dissolventes do
antigo modo de produção.
O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente, de um lado,
desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela
exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de
especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a
riqueza social; de outro, constitui a forma de passagem para novo modo de
produção. É essa ambivalência que dá aos mais eminentes arautos do crédito, de Law a
Isaac Péreire, o caráter híbrido e atraente de escroques e profetas. (O Capital III,
Volume 5, Civilização Brasileira, 2008, p. 588; grifos nossos.)

Faltou-lhe perceber o caráter qualitativo, ciclo de era, da teorização acima.


Um dos aspectos gerais deste momento histórico é o desenvolvimento qualitativo
dos setores de serviços. Além de Kurz, outros tantos economistas, marxistas e não,
perceberam esta mudança qualitativa (que, para Marx, era um setor de menor atenção).
Ao lado das privatizações de serviços públicos, funções improdutivas nas empresas
foram terceirizadas na medida em que se inflavam, adquiriam importância econômica. É
um tipo colateral de desenvolvimento. Assim, as empresas de call center, por exemplo,
passaram a cuidar do atendimento aos clientes de outras empresas – uma especialização
de tarefa na proporção do aumento de sua magnitude e complexidade. E, enquanto passa
a ser fonte específica de lucro, passa a extrair parte do mais-valor global para si9.
A própria urbanização elevada, elevando a demanda, per se gera necessidade de
ampliação, maior complexidade e generalização de serviços. Utilizemos o exemplo da
saúde: antes, o médico formado atendia pacientes em suas casas e desenvolvia relações
sociais com os clientes; hoje – diante da proporção urbanitária –, há relação formal,
objetiva e impessoal ligado à dinâmica adquirida por este trabalho, pelos centros
médicos e hospitalares – fenômeno relativamente novo na história da medicina.

O CONCRETO EM LATÊNCIA

A) Ciclos de era
O capital, em sua permanente inter-relação, desenvolveu três centros de
gravidade (dialética central-orbitante) durante seu desenvolvimento interno, que agora
caminha para a fase final de decadência, sua senilidade. As três partes constitutivas de
uma única totalidade, em nossa época, evoluíram imensamente, como de suas

9
Assim como os setores financeiros e comerciais, o setor de serviços não produz valor e mais-valor.
tendências naturais. Sempre que um centro de gravidade beirava certo ápice-crise,
ocorria o deslocamento, graças as suas interinfluências e interdependências.
A dialética, por esta análise, aponta para a fusão: fim da relação alienada entre os
capitais e de suas autonomizações relativas; a isto chamamos, por abstração, concreto
em latência. Quando Lenin insiste, em “Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo”,
em levantar a tendência à fusão dos capitais bancário e produtivo, observa, em verdade,
o futuro e a lei do capitalismo. Os setores bancário, produtivo e comercial tendem –
permanentemente, hoje – à união, confluência e integração; ou seja: concentração e
centralização. Basicamente, o valor10 faz este chamado contra a concorrência, a lei da
tendência à queda do lucro e a incômoda classe trabalhadora. E a este mesmo chamado
respondemos e percebemos: a fusão total de capitais, fim da relação e domínio alienados
entre eles, só será possível com a destruição do capital, com a revolução socialista
planetária, com o fim do comércio, com a extinção do trabalho manual e assalariado,
com democracia operária e socialista, com economia planejada e propriedade coletiva.
Então: de um concreto simples, do central capital-mercadoria, avançou-se para a relação
alienada ou abstrata, o capital industrial ou centralidade do capital-produtivo, e hoje
pretende a integração não-alienada ou, dito de outra forma, fase imperialista que
alcançará seu objetivo pela negação, pela revolução mundial.
Neste sentido, parece-nos, o desenvolvimento do valor-capital finalmente encontrou
um limite. Por isso, a manifestação da crise em um dos elementos cada vez mais
integrados atua na prática como dispositivo revelador da crise em plena gestação nas
outras esferas, e inicia-se uma espiral. Essa integração das coisas se expressa, uma
bomba-relógio, no complexo sistema de empréstimos e dívidas que os grandes bancos
possuem uns com os outros; e em outros fatores vitais do sistema, como debateremos a
seguir. Porém, o capitalismo não cairá apenas por velhice avançada; há a possibilidade
de manobra relativa, de ainda mais concentração e centralização, incluindo maior
controle sobre o capital comercial e da área de serviços e maior independência da
produção em relação à parte da matéria-prima. Tal hipótese só será possível após
duríssima luta de classes, com derrota do proletariado, com instauração de relações
semi-escravistas.

B) Interestados
Assim como a fase final do império-economia romana, para fins de comparação, o
mundo e as relações entre estados-nacionais serão cada vez mais instáveis e sob
dificuldade de estabelecer um centro de gravidade do poder. Em profundidade, isso
ocorre pela necessidade de superação da contradição economia mundial/fronteiras

10
Caso seja o contanto inicial com a economia política marxista: o valor é uma relação social, uma
substância social – não natural – da mercadoria, ou seja, numa relação mercantil; exemplos: uma casa é
trocável, e compensa, por certa quantidade de sofás, digamos oito – e por quê? A casa e os sofás
exigiram certa proporção de esforço humano (medido de modo inexato pelo tempo); os esforços
conjuntos para produzir oito sofás equivalem ao de produzir uma casa. Certa montanhosa quantidade
de canetas é trocável por uma Ferrari. Existe um sentido de proporção. O valor de troca preço é a
manifestação inexata e inconstante do valor, da substância social, a essência – são interligados e
interdependentes, mas diferentes. O valor é um ser social gerado pelo trabalho manual humano, que
gasta e transfere energia corpórea, medido, com inexatidão, pelo tempo médio socialmente necessário
para produzir e reproduzir uma mercadoria. Já a aparência, preço, é alterável até mesmo pelo humor
diário do comerciante. Noutros modos de produção, o valor e o comércio eram fenômenos paralelos;
coube ao capitalismo fundar a produção material como produção de valor. A mercadoria tem duplo
caráter, duplas natureza e característica: valor de uso e valor (este, na aparência de valor de troca).
nacionais (Trotsky11). A tentativa de implementação da ALCA, a instalação de projetos
como o Mercosul, com sua instabilidade, e a União Europeia/Euro etc. demonstram o
mesmo processo – necessidade de integração, do concreto. Como boa parte da realidade
possui duplo caráter, vemos que se destaca o aspecto negativo, o domínio do
imperialismo alemão na UE, por exemplo, e todas as consequências que isso gera; por
outro, o lado positivo aparece de forma frágil ou latente: maior integração interna, no
exemplo da Europa; possibilidades mais vivas de internacionalismo proletário;
tendência a uma reação em cadeia fortalecida em caso de revolução socialista vitoriosa,
facilitando a Revolução Permanente, ou seja, a internacionalização da revolução e da
economia planejada.
Na percepção dialética, o duplo caráter tem não raro um polo estrutural e outro
conjuntural. O conjuntural pode dominar, controlar a realidade e impor-se sobre o
aspecto estrutural – mas não indefinidamente. A religião, por exemplo, foi um
fenômeno progressivo na antiguidade para compreender o mundo, embora com
limitações; já nas sociedades de classes a religiosidade revela todo seu caráter estrutural,
alienante e mistificador. O produto tem, nas relações mercantis, valor de uso e Valor;
em nossa época o valor domina – portanto: a tarefa socialista é superar o conjuntural, o
fim do comércio como mediação produção-produto-consumo. Na mesma lógica,
forçado pelas tendências a sua destruição, o capital gera, por exemplo, “zonas” para a
livre circulação de mercadorias, incluso as mercadorias-pessoas (estes: apenas, quando e
se se movem enquanto mercadorias). O Euro e a União Europeia são, vistos desse
modo, reacionários e progressivos, negativos e positivos12; onde o conjuntural do polo,
do duplo caráter, predomina sobre o estrutural, sobre o futuro – nega-o e encaminha-o.
Os Estados Unidos Socialistas da Europa são mais necessários do que nunca. Na
Idade Média a Europa desconhecia fronteiras, nações, nacionalidades, etc. Os habitantes
desse continente viam-se como “o mundo cristão” e tinham em comum a história, o
Latim, a Igreja Romana, o sistema feudal, etc. De fato, era uma massa única,
homogênea e de particularidades internas pouco definidas – chamemos concreto ou
concreto simples. Imediatamente após, a burguesia inicia sua tarefa de formar países,
Estados-nacionais, exércitos regulares, fronteiras definidas, nacionalismo, identidade,
impostos unificados, etc.: a Europa continua Europa, entretanto suas partes separam-se
em uma “relação alienada” ou “relação, porém alienada” e isto foi vital para
desenvolvimento das partes e do todo; chamemos abstrato. Este processo desenvolveu
as partes, os países do mundo europeu, assim como suas interconexões, a tal ponto que
amadureceram e agora (!) pedem fusão, integração, união e superação dos limites
nacionais; este é o concreto complexo em latência, ou seja, o desenvolvimento
econômico-social avisa-nos que deseja voltar ao começo, ao negado, ao antes do
abstrato, ao concreto só que de modo diferente, superior, superante. Isso aponta a
revolução socialista europeia: o Euro e a União Europeia são mediações, deformantes,
propostas pelo capital e pelo imperialismo, para essa necessidade objetiva.

11
“O que foi a guerra imperialista? Foi a revolta das forças produtivas não apenas contra as formas de
propriedade da burguesia, mas também contra as fronteiras dos Estados capitalistas. A guerra
imperialista expressou o fato de que as forças produtivas estão insuportavelmente constrangidas com o
confinamento dos Estados nacionais. Nós sempre dissemos que o capitalismo é incapaz de controlar as
forças produtivas e que somente o socialismo é capaz de incorporar as forças produtivas que superam
as fronteiras dos Estados capitalistas com uma entidade econômica superior. Todos os caminhos que
levam de volta ao Estado isolado foram bloqueados.” (Minutas, Sétima Plenária do CIEC, discurso de
Trotsky, p. 100.)
12
Em dialética, negativo e positivo afasta-se de juízo de valor. Em resumo, o positivo é o “o que é”; o
negativo, o que tende a ser. O positivo é negado.
A produção e a circulação ganham maior dinâmica, superam barreiras contra a
fluidez das coisas. Esse é um fenômeno global. A facilidade com que os capitais se
movem de país a país desde a década de 1970, desde a desregulamentação financeira, se
nos revela uma lei – o capital cada vez menos possui pátria.

C) Da produção à mercadoria
Em nossa época, a relação valor de uso e valor tem produzido um novo fenômeno;
ao dominar o duplo caráter da mercadoria, o valor consegue uma façanha nova: os
valores de uso tendem a desprender-se do suporte. Ilustraremos: quantos objetos das
décadas de 1980 e 1990 cabem hoje em um único e pequeno aparelho? Quantas
utilidades, por meio de aplicativos, podem haver em um celular? Mesmo simples
produtos naturais, como fruta transformável em suco pode ser substituído por um pó
químico que simula o sabor/cheiro do produto – valor de uso – original. Isso ocorre pelo
que explicamos, a supremacia do valor, mas não somente.
O que descrevemos anteriormente manifesta uma necessidade de valorização do
valor, que tende a desaparecer. Esse substantivado protagonista da sociedade gera a
forma, ou seja, o capital – e pode haver contradição nessa relação. Neste caso: o
desenvolvimento dos capitais tende a encerrar a relação “valor gerado pelo trabalho
abstrato, geral, medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a
reprodução de uma mercadoria”. Ou seja, o capital caminha para a) diminuição
constante do tempo necessário para criar um produto; b) substituição do trabalhador ou
trabalho vivo, que agrega/gera valor na produção, pelo maquinário e matéria-prima ou
trabalho morto, que não pode ser explorado e, por isso, apenas transfere valor. Do ponto
de vista das consequências: tendência a mais valores-de-uso, a menores valores (de
troca, mediado pela monopolização) e, principalmente, menor mais-valor e taxa de
lucro. Então, revelou-se uma contradição importantíssima: a relação valor-capital,
conteúdo-forma, resolvida com mais contradição, com concentração/centralização de
capitais, com mais tecnologia, com fragilização do valor de uso ou tempo útil das
mercadorias (obsolescência programada, tendência exposta por Mészaros), com
desprendimento dos valores de uso do suporte e, ao mesmo tempo, tendência a reuni-los
em um só: no subterrâneo, extração cada vez mais concentrada do trabalho não pago, o
mais-valor.
Sobre essa tendência, vejamos o trecho de uma matéria:

Análises feitas desde 2008 pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da


Universidade de São Paulo (USP), mostram que o uso do milho é de, em média, 45%,
bem próximo do limite máximo estipulado pela legislação de, 50%.
— Sempre detectamos milho nas análises. Isso porque o milho chega a ser 30%
mais barato do que a cevada. O problema é que o rótulo não é mais claro, e a
legislação permite — diz o coordenador da pesquisa, professor Luiz Antônio
Martinelli.13

Sobre a falsificação, a poderosa Ambev revela-se risível:

Por incluir cereais não maltados – como milho e arroz – nas cervejas, a Ambev
defendeu a prática e disse que ela é positiva para o mercado cervejeiro. A fabricante é
dona de marcas como Skol, Brahma e Antarctica.

13
http://extra.globo.com/noticias/economia/cerveja-brasileira-tem-45-de-milho-no-lugar-da-cevada-
aponta-estudo-12306727.html#ixzz4O1qq7KoA
"O mundo seria muito chato se todas as cervejas fossem iguais", disse o diretor-
geral da empresa (…) referindo-se às cervejas que levam apenas água, lúpulo e malte
em sua composição. "Quem é contra arroz, milho e outras misturas na cerveja é contra
a diversidade", declarou.14

Voltemos ao exemplo do suco de laranja artificial. A preferência de um burguês por


um valor de uso deslocado do suporte não tem origem subjetiva ou imaginativa mas sim
no fato de que, de um lado, exige menor trabalho socialmente necessário (no caso:
melhores condições para apropriar-se do valor total, baixar o valor de troca e vencer
concorrência), e de outro, diminui sua dependência das variações conjunturais doutro
setor, o agroindustrial; além de reduzir custos. Pode inclusive mudar o sabor-cor-cheiro
(valor de uso) do produto com poucos movimentos, em minutos (menor tempo de
trabalho e de produção). Percebemos um processo objetivo.
“Eu sei que este filé não existe, eu sei que o que eu ponho na minha boca, Matrix
diz ao meu cérebro que é… suculento e delicioso.” (Filme Matrix, referência ao livro
1984, George Orwell.) A má distribuição de renda ao lado da má distribuição do futuro,
atuais avanços da humanidade, ainda impede ser senso comum saber estarmos numa
distopia futurística não ficcional.
Sob a óptica dialética concreto-abstrato: 1) no princípio da relação mercantil (séc.
XVI ao XVIII), o produto-mercadoria era simples e concentrado – baseado no trabalho
artesanal, na cooperação e no excedente feudal; 2) com o capitalismo amadurecido (séc.
XVIII ao XIX), surgiu cada vez mais novas, variadas e especializadas formas de
mercadoria disponíveis, vendáveis; 3) fase imperialista (séc. XIX ao XXI),
desenvolvimento e produção de mercadorias atinge o auge, intensiva e extensivamente;
e por isso 4) tende agora (em especial, desde a década de 1970, salto para si, concreto
em latência) à fusão, ao fim da relação alienada dos valores de uso; e, por causa e
consequência, da extração de valor. E qual será o resultado final deste processo? Ao
destruir o comércio, o socialismo apresentará caminhos novos aos produtos – no
momento, esta não é uma preocupação nossa. Podemos direcionar o fenômeno geral: se
surge uma nova fábrica com novos operários, há uma produção nova de valor e mais-
valor na sociedade; se uma fábrica cumpre a função de produzir valores de uso que
antes era cumprida, digamos, por três, há redução da massa total de valor e mais-valor
produzido socialmente, mesmo elevando-se o tempo de jornada de trabalho.
Esta é a grande dádiva e objetivo da terceira revolução industrial: a destruição da
segunda. Os países atrasados poderiam industrializar-se pela mera cópia da indústria
externa; um relógio de pulso poderia ser produzido a custos baixos em qualquer país
com capital interno, porém – abstraído o uso estético, que será debatido – o grosso
desses setores perderam espaço na medida da evolução dos computadores de mão, dos
celulares e afins, já que, sem maiores dificuldades, por razão da computação,
apresentam as horas nos mais variados fuso-horários. O capital revela sua criação
destruidora.
Por isso, o processo de substituição do trabalho vivo por trabalho morto não ficara
tão claro durante a primeira metade do século XX. Interno às fábricas este processo
ocorria, mas havia também o desenvolvimento expansivo e extensivo da produção e do
mercado com cada vez maior tipos inéditos de mercadorias, de valores de uso (carros,
refrigerantes, máquinas de lavar, etc.) até que a superprodução crônica somou-se à
mercantilização de todos os poros da sociedade.

14
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/10/21/ambev-apoia-milho-e-arroz-na-cerveja-
muito-chato-se-todas-fossem-iguais.htm
Podemos exemplificar isso também por suas falhas. Microsoft e Sony possuem
uma guerra planetária por vendas e... por quem primeiro implementa novos valores de
uso em seus aparelhos. A corporação mais ousada nos lançamentos tem recebido, no
entanto, rejeição do público; e neste ziguezague medeiam:

A divisão do Xbox na Microsoft passou por um turbilhão de emoções no último


ano, com o anúncio do Xbox One, toda a rejeição às políticas de sempre-online e o foco
em recursos multimídia, como TV. A empresa, por meio do novo chefe da área, Phil
Spencer, reconhece que errou bastante em algumas decisões tomadas.
(…)
Spencer não fala explicitamente no vídeo, mas já deixou claro em outras
entrevistas, como novo chefe da área, dará foco a jogos. Esta deve ser a mídia mais
importante do Xbox One, mesmo com todas as outras alternativas de TV, e etc. Este foi
um ponto que os rivais aproveitaram para tripudiar sobre o console da Microsoft,
dizendo que ele “só tinha TV, mas não tinha jogos”. A Sony deixou clara em seu
anúncio que o PS4 foi feito pensando em jogos.15

A Sony havia cometido a mesma falha de tentativa com o console PS3. Tudo indica
um retorno futuro a esse objetivo; uma vez por fim vitoriosa essa meta, destruirá
capitais destinados à produção dos mesmos valores de uso de modo autônomo,
concentrando valor, e permitirá um salto de qualidade sobre a concorrência – diria o
filósofo, aos vencedores as batatas!
Do observado, formulamos um único trabalho abstrato para múltiplos valores de
uso; junto com a tendência ao monopólio, serve de base para formação de
multiempresas. Em longo prazo, a contradição prejudica o essencial ou valor como
consequência do duplo caráter, positivo-negativo. Assim, a tendência à concentração e
centralização de vários valores de uso apresenta-se como necessidade e afirmação do
valor, embora desemborque em uma negação, qual seja, a maior concentração e
centralização, com destruição de capital produtivo e aumento da composição orgânica
do capital, coloca em crise a essência-valor. Nesse sentido, a monopolização
contratendencia para contradição valor-de-troca elevado / valor em crise.
Aprofundada a natureza específica no próximo capítulo; tratamos de maneira mais
abstrata, neste parêntese, a autocontradição valor-capital, citada acima. Há um
movimento oposto entre valor e formas do capital; enquanto o primeiro tende a
definhar-se (isto visualizável pela redução do tempo socialmente necessário para
produzir uma mercadoria), o segundo, por outro lado, incha-se: capital fictício (ou seja,
desprendido do valor) hiperinflacionado, aumento do maquinário e matéria-prima na
produção (composição orgânica do capital e terceira revolução industrial), inflação de
monopólio, inchaço dos setores de serviço (bancário, comercial, etc. – extraem para si,
não produzem, o valor)16, empresas “zumbis”.
Listemos:

15
http://olhardigital.uol.com.br/games-e-consoles/noticia/microsoft-assume-erros-com-xbox-one-e-
promete-foco-em-jogos/41247
16
Quando Keynes conclui a necessidade de intervenção do Estado na economia, investimentos públicos
nas áreas produtivas onde o lucro não é imediato (e, por isso, de pouco interesse para a burguesia,
como hidrelétricas) e faz elogios indiretos à planificação (na França, entre 1950 e 1970, as estatais
faziam planificação, burguesa e burocrática); ele, sem que soubesse, por suas limitações teóricas-
metodológicas e de classe, expôs limites do valor-capital em autocontradição com suas formas.
1. Na produção, as fábricas automatizadas não produzem novo valor, seus preços
realizam os preços de custo e tiram lucro por meio do mais-valor extra (acima do
preço de custo e abaixo do preço médio de mercado).
2. O capital fictício lucra sem o correspondente investimento em produção real e
direto de valor.
3. O setor serviços, entre a produção e comércio, infla-se, extraindo parte do mais-
valor global para si.
4. O preço da terra e habitação – que, por suas naturezas, possuem preço sem
possuir valor – incha-se.
5. O dinheiro em excesso deixa de encontrar aplicação na economia real, como
capital-dinheiro na produção e comércio.
6. O dinheiro, tendo lastro indireto, perde parte de sua capacidade de medida e de
medir-se, estando em excesso, fazendo surgir uma camada de inflação artificial a
diminuir os salários reais e desregular as relações de concorrência por
produtividade17. Propomos leitura da nota de rodapé18.)
7. Infla-se um setor de assalariados cujo capital variável formal está por fora do
circuito de geração e realização de valor e mais-valor (bancos, fábricas e
comércio).

No aspecto geral e, em especial, no setor produtivo, significa: as formas do capital


ficam esvaziadas de conteúdo por necessitarem de um conteúdo social novo – um
aspecto transitório.
Vejamos o exemplo histórico do setor de serviços. 1) livros, teatro, cinema e
serviços pagos diretamente; 2) a TV permite o pagamento indireto, via propaganda; 3) a
internet dá novo salto para possibilidades de pagamento indireto, ou não pagamento,
enquanto parte da tendência ao valor de uso superar em si o valor (de troca).

17
Em Mèszários e Kurz podemos encontrar tais afirmações, não sendo novidade.
18
A tendência mais geral e íntima do capitalismo é a deflação. No entanto, na atual etapa, alguns
produtos já podem ser apenas produtos desprovidos de preço, caso tentássemos o socialismo. Por isso,
o dinheiro um tanto desregulado, sem hiperinflação tem algum valor capitalista em geral (podendo ser
ruim a alguns setores, como os bancos, ao verem a desvalorização da moeda, sua capacidade compra
com a mesma quantidade). Tanto a deflação quanto a hiperinflação são sinônimos de crise econômica e
política, mas podem, desregulando as relações entre setores econômicos, ser positivos a alguns: a
hiperinflação ajuda a burguesia comercial e grande parte da produtiva, a deflação ajuda a burguesia
financeira. Mas há limites e isso é da conjuntura, limitado no tempo: tal continuidade só poderia
significar o colapso de um país, após prejuízos a todos os setores e classes, ou a revolução social. Então,
como os governos podem medir e pensar intervenções para influenciar – não determinar – a dinâmica?
Medem informal e inconscientemente a relação dinheiro e seu lastro (debateremos em outro capítulo)
pela relação de preços postos e, se for coerente e científico, lastreando a causa dos desequilíbrios.
Hiperinflação do Brasil na década de 1980: a produção de mercadorias, de valor, não atendia a demanda
geral e isto se expressou na forma fenomênica, verdadeira e falsa, na aparência de excesso de dinheiro
relativo ao de mercadorias no mercado (ou seja, se abstrairmos a fonte real, a produção, tal como fazem
os economistas); logo, mudar a moeda ou seu nome de nada adiantaria, nem em si a quantidade desta
(dispor mais ou menos), nem o aumento dos salários (neste caso, política correta: gatilho salarial,
aumentar os salários automaticamente com o aumento dos preços). Vejamos outra forma de
desregulamentação, uma aparencial, para vermos a relação de medida: Na economia em crescimento
regular, o governo dispõe dinheiro em excesso e isto, após um tempo de circulação da moeda, se revela
numa inflação alta (muita oferta de dinheiro relativo à demanda); o governo “perdeu a mão” da medida
e pode, então, forçar a retirada de parte do dinheiro em circulação. Assim, sob codições normais, pode a
experiência encontrar as proporções. Com o capital fictício e outros fatores ainda não debatidos, o
Estado tende a perder sua capacidade de intervir.
Esta contradição do valor com sua forma, capital, apresentada pela (hiper)inflação
global deste em absoluto e relativo em relação ao definhamento daquele, apresenta outra
forma particular em nível micro. Força social, mas imaterial e abstrata, o valor sempre
procurou impor-se e subverter o “mundo das coisas” e o “mundo da vida” em uma
relação necessariamente contraditória: sua força e proporção são maiores quanto
maiores e mais rápidos forem os desgastes das máquinas, das pessoas, dos animais, da
natureza etc. Destruir o mundo material, sensível, é seu objetivo e sua impossibilidade.
O resultado dessa contradição na totalidade está na massa ampliada de capital e capital
fictício durante a crise do valor. Partamos da conclusão filosófica de Marx –
suprassensível no sensível – para o concreto, para o exemplo: se há três fábricas
concorrentes, se uma dentre elas é capaz de acelerar o maquinário, se por isso acelera o
trabalho humano, se consegue fazer o mesmo número de operários trabalhar mais e por
mais tempo, então há maior desgaste do maquinário e dos trabalhadores em troca de
geração maior de valor, de mercadorias e em menor tempo; o tempo de trabalho altera-
se em relação às duas outras fábricas concorrentes, o processo de circulação de capital
no processo de produção de valor durante um ano diferencia-se. Já no total, no geral,
este desgaste acelerado permite maior lucro e maior possibilidade de acúmulo de
capital, de ampliar o maquinário ou o uso do existente, de fundir empreendimentos, etc.
O processo de decadência expresso nos parágrafos anteriores adquire, como
consequência, uma forma particular no comércio, onde o valor se autorrealiza. O valor
precisa estar “grudado” na mercadoria, uma imaterialidade necessitante de
materialidade, uma abstração real dependente do concreto, o espírito do produto-
mercadoria; mas, na medida em que os valores de uso tomam a forma mais abstrata
possível, deslocam-se e desprendem-se do suporte, fundem-se em um só suporte,
colocam, portanto, o valor em armadilhas, em ainda maior crise de si. Para
visualizarmos; várias mercadorias tendem a se tornarem tão somente produtos – por
vias legais ou ilegais, pois os Estado burguês precisa ajudar o capital –, na proporção
em que a digitalização19 permite acesso gratuito, fácil, abundante e eficiente de muitas
das necessidades humanas20. Somado e acima disso, obtemos a tendência à
superprodução crônica, não cíclica, tema do próximo capítulo.
Como não poderia deixar de ser, este processo – integração de valores de uso –
também ocorre com a principal mercadoria, o homem enquanto força de trabalho,
enquanto coisa e capital variável encarnado. A busca por currículos amplos, recheados
de pequenos e médios cursos e especializações, com experiência em muitos setores é
condição para obter um mero emprego precário. Temos o trabalhador multiuso.
Comum, contratado para uma função, cumprir outras três ao mesmo tempo. Concreto
em latência; este fenômeno expressa de modo invertido e degenerado a tendência do
trabalho no socialismo: “ao passo que, na sociedade comunista, onde cada um não tem
um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe
agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de
19
“O valor, se desconsideramos sua expressão meramente simbólica nos signos de valor, existe apenas
num valor de uso, numa coisa. (O próprio homem, considerado como mera existência de força de
trabalho, é um objeto natural, uma coisa, embora uma coisa viva, autoconsciente, sendo o próprio
trabalho a exteriorização material dessa força.) Por isso, a perda do valor de uso implica a perda do
valor. Com a perda de seu valor de uso, os meios de produção não perdem, ao mesmo tempo, seu valor,
uma vez que, por meio do processo de trabalho, eles só perdem a figura originária de seu valor de uso
para, no produto, ganhar a figura de outro valor de uso.” (O capital I, Boitempo, p. 280)
20
Marx, início do primeiro capítulo d’O Capital I: “A mercadoria é, antes de mais, um objecto exterior,
uma coisa, que, por meio das suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A
natureza dessas necessidades, quer surjam, p. ex., do estômago ou da fantasia, em nada modifica a
questão.”
hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à
criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade, sem
que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou crítico.” (Marx, A Ideologia
Alemã, p. 38, Boitempo, versão digital.) Por outro lado e ao mesmo tempo, a elevação
do desemprego e do subemprego, subclasse dos desempregados21, também se revela
como modo inverso-danoso da tendência à elevação do tempo livre no socialismo.
Nos países atrasados, desprovidos de investimento em novas tecnologias, a
totalidade desse processo foi estimulada pelas crises “financeiras”, onde a alta abrupta
de juros, impulsionadas pelo FMI, aprofundando ou gerando crise, na intenção de atrair
o capital especulativo, destruíram e destroem parte significativa das empresas em
desvantagem, “fordistas” e não internacionalizadas.
Na produção, o concreto-abstrato assim se manifesta: 1) ciclo do capital mercantil:
produção artesanal, cooperação e, por transição, manufatura; 2) ciclo do capital
industrial: grande indústria; 3) capital portador de juros: fordismo; 4. salto para si:
terceira revolução industrial (concreto em latência)22.
Para irmos ao tópico seguinte, comentaremos outra tendência: a relativa fusão
mercadoria-arte, mercadoria-estética, o valor de uso como valor também poético. Dos
tipos de carro aos tipos de lâmina de barbear, quem mais paga (valor de troca) possui
acesso a um valor de uso mais belo – na relação concreto-abstrato, mais trabalho
concreto exige mais tempo, ou seja, maior valor (isto quando abstraído a automação23).
Tal processo está lastreado, por evidente, na divisão de classe e busca por diferenciação
social ao mesmo tempo em que a concorrência generaliza essa tendência para todas as
mercadorias e públicos. A produção fordista e a II revolução industrial focavam na

21
Trotsky, O Marxismo Em Nosso Tempo: “O exército industrial de reserva constitui um componente
indispensável do mecanismo social do capitalismo, tanto quanto a reserva de máquinas e de matérias-
primas nas fábricas ou de produtos manufaturados nos depósitos. Nem a expansão geral da produção
nem a adaptação do capital à maré periódica do ciclo industrial seriam possíveis sem uma reserva de
força de trabalho. Da tendência geral da evolução capitalista — o aumento do capital constante
(máquinas e matérias-primas) às custas do capital variável (força de trabalho) — Marx tira esta
conclusão:”
“Quanto maior é a riqueza social/... / tanto maior é o exército industrial de reserva /.../. Quanto maior é
a massa de superpopulação consolidada /.../ tanto maior é o pauperismo oficial. Esta é a lei geral e
absoluta da acumulação capitalista”.
“Esta tese — indissoluvelmente ligada à “teoria da miséria crescente” e denunciada durante muito
tempo como “exagerada”, “tendenciosa” e “demagógica” — transformou-se agora na imagem teórica
irrepreensível das coisas tais como elas são. O atual exército de desempregados já não pode ser
considerado como um “exército de reserva”, pois sua massa fundamental já não pode ter esperança
nenhuma de voltar a se ocupar; pelo contrário, está destinada a ser engrossada por uma afluência
constante de desempregados adicionais. A desintegração do capital trouxe consigo toda uma geração de
jovens que nunca tiveram um emprego e que não têm esperança nenhuma de consegui-lo. Esta nova
subclasse entre o proletariado e o semiproletariado é obrigada a viver às custas da sociedade. Calcula-se
que ao longo de nove anos (1930-1938) o desemprego privou a economia dos Estados Unidos de mais
de 43 milhões de anos de trabalho humano. Se considerarmos que em 1929, no auge da prosperidade,
havia dois milhões de desempregados nos Estados Unidos e que durante esses nove anos o número de
trabalhadores potenciais aumentou em até cinco milhões, o número total de anos de trabalho humano
perdido deve ser incomparavelmente maior. Um regime social atacado por semelhante praga está
doente de morte. O diagnóstico exato dessa doença foi feito há cerca de oitenta anos, quando a própria
doença se encontrava latente.” Fonte:
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/marxismo/cap01.htm#i10
22
Ver primeiro comentário do capítulo “Comentários Sobre a Dialética Materialista”.
23
Mesmo neste caso, o tempo de produção, sem tempo de trabalho do trabalhador, e os custos com
matéria-prima tendem a ser maiores. Também muda relativamente a relação oferta-demanda sobre o
preço.
quantidade, na escala, o que exigia uma produção por demais uniforme. Hoje, a
flexibilidade e a microeletrônica na produção dos bens de consumo facilitam – muito,
como consequência e causa – esse processo; assim, o método “dedicado” de produzir,
inflexível e rígido, ver-se em uma desvantagem relativa, abrindo espaço para a III
revolução industrial. O toyotismo faz parte do mesmo processo. Mas logo percebemos
essa poética na mercadoria como a poética alienada, das coisas, sustentada no
embrutecimento e coisificação dos homens24. O trabalho sobre a forma física da
mercadoria permite: 1) vencer concorrência, facilitar a venda; 2) economizar o uso de
matérias-primas; 3) eventualmente, facilitar a produção.25
Na maior fragilidade dos valores de uso (Mèszáros: taxa decrescente do valor de
uso) o lucro extra também pode surgir por meio de produtos semelhantes, mas
diferenciados quanto à qualidade do material, a resistência. Os custos de produção são
maiores, elevando o preço em condições normais (preço=valor, algo acidental), ao lado
do preço alterado por movimento em parte específico de demanda e oferta. Tais
produtos próximos diferenciados pela resistência influenciam-se mutualmente, afetando
os preços.
O marxismo ainda deve continuar a estudar a mercadoria, ao lado dos fatores mais
globais. Em complemento; diferente dos livros I e II, o capital III, ao ir ao concreto,
demonstra a não correspondência exata entre valor e valor de troca. Isto ajuda a clarear
a questão. Reforçamos; quando há produção de bolsa para “madame”, aí há um dos
fatores, ou os dois: 1) melhor feito, exigindo mais trabalho concreto e mais tempo; 2) a
relação demanda-oferta altera-se. Não são os mesmos tipos de produto, para os
assalariados e os aristocráticos: há uma divisão de classe sendo afirmada no valor de uso
e no valor (de troca). Marx examina a categoria mercadoria no início geral de sua obra;
nesta, procuramos conectar o livro I d’O Capital com o III.

24
O fetiche ou feitiço da mercadoria, exposta por Marx no final do capítulo 1 d’O Capital I, ocorre
quando relações sociais aparecem como relações entre coisas, intercâmbio de coisas, impessoais.
Derivado da teoria da alienação; os objetos, gerados pelo e separados do ser humano, possuem um
poder fantasmagórico ao dominarem os rumos e desejos do homem. Opera-se a arte “mágica” do
controle e engano das percepções; e a própria sociedade “do mercado”, com esse espírito chamado
valor, faz-se supor natural, não social. É a real metafísica. Nesta inversão, o dinheiro torna-se o
apaixonante cobiçado, um pouco mais que nada sendo tudo. Assim, os nossos sonhos são os sonhos do
capital, o grande narcísico. “Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; e quem amar a abundância
nunca se fartará da renda; também isto é vaidade” (Eclesiastes 5:10). O senso comum na esquerda
chama fetiche o consumismo, marca de empresa na blusa etc. Aqui, podemos resolver esta contradição:
o significado exposto pelo senso comum não é fetiche, embora seja. Os objetos, sob o capital, exercem
uma atração hipnótica real, por isso isto é parte da alienação e fetiche da mercadoria. Enquanto a
alienação ocorre e corresponde a todas as esferas sociais, a partir da produção; o fetiche, sendo
derivado e particular forma, ocorre na circulação. Com as mudanças do pós-1970, também do modo
debatido no próximo capítulo, o processo de humanização das coisas (fetiche) na medida da coisificação
dos homens e suas inter-relações continuou-se. A relativa fusão mercadoria-arte, expresso no valor de
uso “poético”, gera o desenvolvimento do ofício design de produto, design industrial, além de
propaganda audiovisual intensificada desde a TV, internet etc. A mercadoria ganha sensibilidade
enquanto o homem a perde; o consumo muda, molda, o consumidor (também) em um nível subjetivo –
nos desumanizamos em busca dessas relações sensíveis com objetos. Este objetivo processo, poder da
criatura sobre o criador, é inevitável na sociedade capitalista.
25
“Design não é arte, como definimos arte. Considero uma coisa orgânica no sentido social, cultural e
econômico. Não considero uma coisa especial. As pessoas veem coisas que fiz e não sabem que fui eu e
eu acho ótimo. A busca da perfeição é o caminho do design.” Alexandre Wollner, designer gráfico.
“Proporcionar satisfação às pessoas nas coisas que eles forçosamente devem usar é uma das grandes
tarefas do design.“ William Morris. “O engenheiro trabalha com o quilômetro, o arquiteto com o metro,
o designer com o centímetro.” Tomas Maldonado, designer.
Uma dentre as expressões do “valor de uso poético” está na mercadoria capital
constante: estabelecimentos, máquinas etc. As fábricas foram embelezadas, quando
quase sempre sombrias e sujas, enquanto modo de disfarçar a divisão interna de classes,
ou sua natureza real. É possível visitar fábricas com bibliotecas incríveis, em casos mais
simples.26
A mercadoria guarda em si uma unidade contraditória, o duplo caráter de ter valor e
valor de uso. O atual perfil do sistema fragiliza o valor de uso e seu suporte e prepara,
ao mesmo tempo, uma rebelião, o fim do valor. Isto obriga a economia marxista a
observar esta contradição em sua forma atual e pensar o valor de uso à parte dessa
relação.
A desmaterialização das mercadorias (e do capital, segundo Carcanholo), ocorre: 1)
absoluta: pela desmaterialização do valor de uso; 2) relativa, de dois modos: a) pela
simplificação de seus componentes constitutivos, b) pela redução do tamanho. O
processo dessas duas reduções, relativa e absoluta, que podem ocorrem paralelamente e
confluídas, caminha para a desmaterialização total da mercadoria se suas características
particulares o permitem. Uma geladeira pode modernizar-se no aspecto relativo, mas
costuma ser indesejável sua redução de tamanho; o computador, por outro lado, tende a
reduzir os tamanhos relativos e absolutos, tendendo à futura forma abstrata.
Extraímos três resultados da tendência à redução da mercadoria, podendo ocorrer
de modo combinado:
1. Reduzir os custos com matérias-primas;
Isto surge por diferentes meios: a) a mesma quantidade de matéria-prima produz mais
valores de uso; b) deixa-se de usar alguns materiais ou na mesma proporção; c) alguns
custos de matérias-primas axuliares podem ser relativamente reduzidas; d) redução
relativa dos custos de estocagem.

2. Reduzir relativamente os custos de armazenamento do novo produto;


Os custos com estocagem (capita constante fixo) nos elementos 1 e 2 podem, por outro
lado, assim como em matérias-primas e axuliares, acrescerem seu peso relativo sobre o
preço individual e sobre o conjunto do preço se ocorre decaimento do preço da
mercadoria. O valor cai e, se caindo o mais-valor, o capital constante expresso no valor
(de troca) final aumenta seu peso, embora o lucro extra (desde o preço acima do valor
real e abaixo do valor social médio) retarde e esconda esta conclusão.
3. Reduzir o tempo, o esforço, de trabalho sobre a mercadoria singular.

Estes três fatores encaminham a redução do valor e do preço individuais das


mercadorias. O resultado no decorrer é elevação da oferta acentuada relativo à demanda,
tendência já “natural” do capitalismo desde o século XVIII.
Podemos, então, separar duas diferentes categorias, estando interligadas: valor de
uso e suporte de valor de uso. O valor de uso é a função prática do objeto, costumando
ter correspondência com suas características físicas; suporte de valor de uso é onde,
naquilo em que, esta função se encarna.

D) Mudanças no setor comercial

26
Caso de uma fábrica de biscoitos do Ceará, conforme me relataram alunos de técnico em
administração (IFPI) após visita ao estabelecimento.
O estudo da integração dos capitais foca, em geral, a fusão entre o capital
industrial e financeiro, sob liderança deste último. Destaquemos o processo desde o
comércio:

1. Setores produtivos desenvolvem franquias para a venda de mercadorias suas;


2. Setores comerciais passam a produzir (exemplo: uma rede de supermercado
lançar um produto próprio);
3. O comércio desenvolve, por própria conta e junto aos bancos, seus cartões de
crédito e débito;
4. Grandes redes comerciais passam a operar com capital aberto.
5. Elevam-se a proporção e a massa de mercadorias movimentadas por crédito
comercial, compra-venda por meio de pagamento antes do consumidor final
(do valor de uso).

Embora ficasse por fora de sua teoria a unificação intercapitais, o processo de


concentração e centralização de capitais percebido por Marx explica este resultado.
Aproximemo-nos do processo concreto. O lucro comercial está diretamente, não
mecanicamente, relacionando com o capital adiantado neste setor, desde a massa de
mercadorias que adiciona, compra para posterior venda; se a venda de mercadorias é
baixa, os preços tendem (abstraindo os demais fatores) a ficar mais altos relativos ao
concorrente do setor que vende mais com o mesmo investimento em capital-mercadoria
e, logo, pode pôr menores preços, pois a circulação de seu capital sempre adiantado para
obter novas mercadorias, repô-las, acelera-se. Podemos inferir alguns meios da
concentração e centralização de capitais no setor, ao lado da financeirização e fusão
com os demais capitais: as redes de mercado maiores podem manipular com maior
margem seus preços; a instabilidade inerente do capitalismo gera momentos de
hiperinflação, a permitir maior lucro, acima do valor de mercado, ou seja, mais capital
adiantado para investir nos negócios, ou deflação, a permitir falências dos
empreendimentos menores; o desenvolvimento técnico nos transportes e comunicações,
mundializando e acelerando a distribuição, pede setores mais desenvolvidos nesta área
(capaz de prover grandes estoques, contabilidade complexa, etc.), etc.
Fator atual, no qual seguem válidos os princípios da fusão dos capitais:
desenvolvem-se grandes redes de comércio dos chamados serviços, que não realizam,
em geral, o valor produzido no capital produtivo e extraem parte do valor total para si.
Forma, entre produção e comércio, dentro e fora de ambos, de capital fictício. Pelo
menos cinco fatores influenciam este inchaço: 1) urbanização elevada, gerando novas
demandas e ampliam as existentes27; 2) as vantagens e economia do trabalho
especializado sobre certas atividades (exemplo: empresas terceirizam o “atendimento ao
cliente”, custo improdutivo do capital produtivo, cujo peso ficou maior com a alta
urbanidade, aos call centers); 3) aperfeiçoamento e maior complexidade de atividades,
como a saúde; 4) novas tecnologias: TV, serviços de internet, etc. 5) consequências das

27
Muitos desses serviços, desde a urbanização e elevação da demanda, elevaram-se sem a
correspondente elevação técnica da produtividade. Assim, crescem em quantidade e em número de
assalariados, pequenos patrões e trabalhadores autônomos; inexistindo, portanto, grande ou
importante concentração e centralização de capitais em parte desta área. Ou, em alguns casos, está na
dificuldade de subordinar de modo permanente e estável uma rede de assalariados a impossibilidade de
gerar uma grande burguesia em alguns serviços.
relações alienadas fazendo surgir necessidades artificiais (exemplo: grandes empresas
religiosas – estão dentro e fora da economia e da superestrutura28).

E) Meios de Comunicação e Transporte

Este alienado desenvolvimento – integração das coisas, fragmentação dos homens –


revela-se numa nova tendência mercadológica, a internet das coisas:

A “Internet das Coisas” se refere a uma revolução tecnológica que tem como
objetivo conectar os itens usados do dia a dia à rede mundial de computadores. Cada
vez mais surgem eletrodomésticos, meios de transporte e até mesmo tênis, roupas e
maçanetas conectadas à Internet e a outros dispositivos, como computadores e
smartphones.
A ideia de conectar objetos é discutida desde 1991, quando a conexão TCP/IP e a
Internet que conhecemos hoje começou a se popularizar. Bill Joy, cofundador da Sun
Microsystems, pensou sobre a conexão de Device para Device (D2D), tipo de ligação
que faz parte de um conceito maior, o de “várias webs”.
(…)
A limitação de tempo e da rotina fará com que as pessoas se conectem à Internet de
outras maneiras. Segundo Ashton, assim, será possível acumular dados do movimento
de nossos corpos com uma precisão muito maior do que as informações de hoje. Com
esses registros, se conseguirá reduzir, otimizar e economizar recursos naturais e
energéticos, por exemplo. Para o especialista, essa revolução será maior do que o
próprio desenvolvimento do mundo online que conhecemos hoje.
O protótipo Mobii, que está sendo desenvolvido pela Ford e pela Intel, pretende
reinventar o interior dos automóveis. Ao entrar em um carro com essa tecnologia, uma
câmera vai fazer o reconhecimento do rosto do motorista, a fim de oferecer informações
sobre seu cotidiano, recomendar músicas e receber orientações para acionar o mapa com
GPS.
Se o sistema não reconhecer a pessoa, ele tira uma foto e manda as informações
para o celular do dono, evitando furtos. Esse é um exemplo de um carro dentro de um
ambiente da Internet das Coisas, com acessórios online e agindo de maneira inteligente.
Outro exemplo de aplicação da Internet das Coisas, envolve uma parceria da
fabricante de elevadores Thyssenkrupp com a Microsoft. Juntas, as empresa
desenvolveram um sistema inteligente e online para monitorar os elevadores através de
call centers e técnicos. O software funciona em grandes redes de computadores de mesa
e portais, além de rodar em um app para tablets com Windows.
(…)
Dell, Intel e Samsung, por exemplo, se uniram em julho deste ano exatamente para
padronizar as conexões, em um grupo chamado Open Interconnect Consortium (OIC).
Eles pretendem criar um protocolo comum para garantir o bom funcionamento da
conexão entre os mais variados dispositivos. Wi-Fi, Bluetooth e NFC serão recursos
desenvolvidos pela organização. Fazem parte do consórcio também a Atmel, empresa

28
No Brasil: desde a década de 1970, o megaempresário Edir Macedo criou uma forte franquia de seita
religiosa, A Universal do Reino de Deus, hoje multinacional, sustentada na teologia da prosperidade, ou
seja, do “Deus seja louvado” impresso no dinheiro… Assim, acumulou capital para outros investimentos,
como um canal de TV.
de microcontroladores; a Broadcom, de soluções de comunicação com e sem fio; e
Wind River, de software e tecnologia embarcada.29

Hoje, a internet conecta o mundo e, servindo ao capital e sob ele, facilita de modo
latente o internacionalismo proletário – terá serventia máxima ao e no socialismo. Em
um sistema decadente tendendo à barbárie não se pode garantir um uso de fato
produtivo e progressista das novas tecnologias, ou seja, podem ser usadas para controle
humano.
Sobre, Marx e Engels expunham no Manifesto:

De tempos a tempos os operários vencem, mas só transitoriamente. O resultado


propriamente dito das suas lutas não é o êxito imediato, mas a união dos operários que
cada vez mais se amplia. Ela é promovida pelos meios crescentes de comunicação,
criados pela grande indústria, que põem os operários das diversas localidades em
contacto uns com os outros. Basta, porém, este contacto para centralizar as muitas lutas
locais, por toda a parte com o mesmo carácter, numa luta nacional, numa luta de classes.
Mas toda a luta de classes é uma luta política. E a união, para a qual os burgueses da
Idade Média, com os seus caminhos vicinais, precisavam de séculos, conseguem-na os
proletários modernos com os caminhos-de-ferro em poucos anos.
Esta organização dos proletários em classe, e deste modo em partido político, é
rompida de novo a cada momento pela concorrência entre os próprios operários. Mas
renasce sempre, mais forte, mais sólida, mais poderosa. Força o reconhecimento de
interesses isolados dos operários em forma de lei, na medida em que tira proveito das
cisões da burguesia entre si. Assim [aconteceu] em Inglaterra com a lei das dez horas.
(…)
A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção,
pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais
bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia
pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação
o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a
apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as
a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa
palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.30

No momento de maior desafio e maior risco da humanidade, o capitalismo


desenvolveu os meios de comunicação em nível planetário e abre a possiblidade de
concretizarmos a palavra de ordem “proletários de todos os países, uni-vos!”.
Esta aceleração geral permite:
1. Redução do tempo de rotação para vendas a longas distâncias;
2. A consolidação do mercado global;
3. Interdependência qualitativa – globalização – das economias nacionais e
nações.
4. Maior mobilidade do capital, em busca do lucro;
5. Redução dos preços individuais das mercadorias;
29
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/08/internet-das-coisas-entenda-o-conceito-e-o-
que-muda-com-tecnologia.html
30
https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm
6. Maior planificação, capitalista, nas grandes empresas – mediada e limitada pela
concorrência e mercado.
7. Menor dependência dos estoques para a rotação do capital – o que tende a
diminuir relativamente os estoques preventivos de matéria-prima, de um lado,
mas aumentar os estoques de produtos finais (ao consumo final e consumo
produtivo), de outro;
8. Redução dos custos sociais improdutivos da produção e circulação de dinheiro
(digitalizado);
9. Constituição de um instinto global nas consciências. Exemplo: as eleições nos
EUA ou epidemia de ebola no Quênia soa ao trabalhador comum da América
Latina algo como que lhe diz respeito, que afeta ou pode afetar sua vida e sobre
o qual deve, pelo menos, opinar. Os meios de comunicação em “tempo real”, ao
vivo e com frequentes atualizações reforçam esta tendência.

Considerando inalterados os custos de transporte, a possibilidade relativa de reduzir


os valores de uso permite, em grande escala, facilitar o transporte de maior número de
mercadorias. Assim, os custos de transporte sobre a massa de mercadorias podem ser
reduzidos se se mantém os preços médios; mas, se essa redução é acompanhada pela
redução de custos dos fatores e tempo de produção e preços, no geral, na massa total de
mercadorias, os custos de locomoção aumentam seu peso proporcional, estando
repartidos em suas unidades, a depender da proporção desta queda, podendo ainda assim
permanecer secundário em relação ao aumento da realização de mais-valor na forma de
lucro. E nas mercadorias singulares, havendo menor (mais)valor e preço, a proporção
deste capital fixo constante eleva-se na repartição do valor do produto entre custos com
capital constante, capital variável e mais-valor; enquanto pode existir redução dos
custos com os demais capitais constantes, este, mantendo-se inalterado, aumenta seu
peso proporcional, comparativo, mesmo constante o preço do valor de uso.
No Livro II d’O Capital Marx trata do lucro em ferrovias enquanto indenização de
capital, pois a quantidade de capital variável, em si e relativo ao capital constante, é
irrisório, não sendo considerado o mais-valor. O lucro em ações neste setor seria algo
relativamente por fora das relações fabris de valor, na produção de valor (no próximo
capítulo debateremos a generalização tendencial disso). O mesmo segue válido para os
girantescos navios para transporte de mercadorias. Ao transportar mercadorias, este
setor transfere parte de seu valor, em geral de capital constante, para as mercadorias
transportadas. Da forma ao conteúdo: parte da produção, circulação e realização do
valor; contribui para o valor das mercadorias, mas a forma-lucro tende a expressar
extração de mais-valor sem oferecer este em contrapartida ao valor geral.
A revolução informacional dos meios de comunicação e o desenvolvimento dos
transportes permitiu ao capital produtor de juros livrar-se do constrangimento anterior:
salto para si, importante aspecto específico deste. O fluxo internacional dinheiro, junto
ao capital-mercadoria e capital-produtivo, ganha dinâmica.

F) O dinheiro

A característica física do dinheiro mundial segue o mesmo caminho do dinheiro


nacional, mas em um ritmo mais lento. Quando a equivalente geral nacional expressa-se
pelo o ouro (ou prata) em especifico, o comércio internacional adota o escambo ou uma
mercadoria “falha”31. Assim, a lei mantém-se enquanto tendência: quando o dinheiro
nacional começa a expressar-se por meio do papel-moeda e do cobre lastreados em ouro
(séx. XVIII, XIX), o dinheiro mundial segue atrasado, ou seja, é ainda o próprio ouro
enquanto dinheiro mundial; quando o dinheiro nacional deixa de lastrear-se em ouro, a
sua versão internacional – ao seu modo, a libra inglesa, primeiro; o dólar, depois e até
1971 –, ao contrário e correndo atrás, continua ainda lastreado em ouro, em
equivalência. Depois, o padrão dólar-ouro é rompido, mas continua a correr
tendencialmente atrás do dinheiro nacional, pois a última começa um passo novo: a
digitalização por meio, em especial, dos cartões de débito e crédito32.
Abstração necessária à análise, Carcanholo e Paulo Nakatani desenvolveram com
maestria a tendência à desmaterialização do dinheiro. Disponibilizamos trechos do
artigo-réplica “Sobre a Natureza do Dinheiro em Marx”, de ambos:

“Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior


da unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que chamamos
“desmaterialização progressista da riqueza capitalista”. Isso, por uma razão muito
simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica determinado
pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma delas. O valor é sua
dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a desmaterialização do
conceito riqueza capitalista, desmaterialização da mercadoria.
(…) É justamente no dinheiro, e posteriormente no capital, em que se manifesta
de maneira mais aguda e evidente o processo de desmaterialização, (…) o dinheiro
apresenta-se desprovido completamente desprovido de todo valor-de-uso. (…) Mas,
desde muito antes, desde a sua gênese, nos princípios da forma de equivalente, já se
apresenta o processo de desmaterialização. Por exemplo, já na forma geral do valor,
Marx afirma que o valor da mercadoria distingue-se não só do seu próprio valor-de-
uso, mas de todo valor-de-uso, inclusive naquele próprio da mercadoria, ao aceitar o
equivalente em troca da sua, não está interessado no valor-de-uso deste.”
A desmaterialização continua no dinheiro (ouro), mas ainda a materialidade-ouro
continua ali. O processo fica muito mais evidente quando mais avançado, no dinheiro
de curso forçoso e no dinheiro de crédito (que são as formas que conhecemos
atualmente e que são estudadas por mais no livro III d’O Capital).
(…)
Por mais Impressionante que seja a desmaterialização já alcançada do dinheiro,
ela ainda não chegou ao fim. Ela prossegue seu curso e, com certeza, a
desmaterialização total, embora ansiosamente buscada pela lógica do capital, jamais
poderá ser alcançada.
(…)
[nota 4] As agudas crises financeiras dos nossos dias são a manifestação mais
cabal dessa contradição do sistema: o desejo incontido do capital pela
desmaterialização e sua impossibilidade completa.”33(Grifos nossos.)

31
Iniciamos a abstração pelo século XVI, pelas grandes navegações; portanto, o dinheiro antes e em
outros sistemas não nos interessa aqui. Fumo, conchas, aguardente, açúcar, etc. foram usados como
dinheiro no triângulo comercial Portugal-Brasil-África.
32
Essa desigualdade (temporal) da forma dos dinheiros nacionais e mundial, o ritmo descompassado de
suas mudanças, é tendencialmente reduzida quanto mais evoluído está o capitalismo.
33
http://carcanholo.nuevaradio.org/?p=40
A desmaterialização da forma como aparece a riqueza capitalista, uma enorme
coleção de mercadorias, tem no dinheiro sua expressão especial e participante do
processo.
A que se deve isto? A questão que se nos apresenta é: por que destas duas leis? Ora,
o capítulo I d’O Capital I demonstra o Valor e a construção da “mercadoria das
mercadorias” por um caminho: a relação conteúdo-forma: quanto mais tipos, mais fluxo
e mais troca de mercadorias (conteúdo) existentes – ou seja, quanto mais complexo e
ativo o movimento delas – cada vez faz mais necessário destacar um elemento
específico do conteúdo, elevá-lo, para que sirva de equivalente geral (forma). Assim
surge o sal como meio de troca; depois, ouro; depois, o dinheiro-papel. O conteúdo –
percebe a dialética –, neste caso, o mundo das mercadorias, possui características
inerentes, quais sejam, tendência ao movimento, à instabilidade, à mudança, ao novo, à
não-conservação. Por outro lado, fruto da contradição interna do conteúdo, a forma
também possui singularidades: tende a conservar, à estabilidade e constância. Como o
conteúdo, a forma tem duplo caráter: progressivo na media em que conserva conquistas,
consolida etapas; regressivo na medida em que tende ao conservadorismo, à
estabilidade, a entrar em importante contradição com as necessidades novas do
conteúdo. Portanto, pode haver contradição ente o conteúdo e a forma, que é superada –
cedo ou tarde – a favor conteúdo, fazendo surgir uma forma nova. Assim como a massa
transforma-se em energia quando na velocidade da luz ao quadrado (E=MC²), o
dinheiro adquire massa no seu processo de aceleração histórica para em diante ir
tendendo à desmaterialização, à forma abstrata…34
O dinheiro em geral, seja qual for sua forma física, ainda possui lastro, que não é
mais a mercadoria-ouro, mas o conjunto das mercadorias35. Assim, o dinheiro recebido
representa idealmente o possível acesso a outras mercadorias, e mede-se assim; o valor
expresso no dinheiro é determinado por sua capacidade de prover acesso a valores de
uso, pois “todo linho no mercado vale como se fosse um artigo único, sendo cada peça
apenas uma parte alíquota desse todo. E, de fato, também o valor de cada braça
individual é apenas a materialidade da mesma quantidade socialmente determinada de
trabalho humano de mesmo tipo” (Marx, p. 181). Ou seja, mede-se o lastro por sua
proporção com essa substância geral, com o conjunto do valor por meio da
possibilidade de acesso a outros valores de uso – o valor expresso no dinheiro é relativo
ao valor geral, na manifestação fenomênica M-D-M (mercadoria-dinheiro-
mercadoria)36.
O dinheiro mundial também é lastreado pelo conjunto das mercadorias ou, mais
exatamente, pelo conjunto do valor. O fato de este ser o dólar expressa um fator
histórico: os EUA produzem e consomem parte significativa das mercadorias de todo o
mundo; natural, por conseguinte, que o lastro-valor agarre-se a esta moeda – o domínio
militar garantidor desta ordem é consequência37. O controle da Alemanha sobre o Euro
34
Em analogia, D-M-D' na macroeconomia capitalista, equivale, sob várias perspectivas, ao E=MC² para
a física moderna.
35
Hilferding desenvolve uma resposta satisfatória à questão, não sendo nosso foco.
36
“Nós não éramos imbecis ao ponto de tentar fazer uma moeda [lastreada em] ouro, do qual nada
possuímos, mas para cada marco que era emitido nós exigíamos um marco de valor de trabalho feito ou
de bens produzidos… Nós ríamos das ocasiões em que nossos financistas nacionais apregoavam que o
valor de uma moeda é regulado pelo ouro e pelos títulos do tesouro jazendo nos cofres do Banco
Central.” A. Hitler, citado em “Hitler’s Monetary System”, www.rense.com, citando C. C. Veith em
“Citadels of Chaos” (Meador, 1949).
37
Esta consequência desenvolve ares de causa. Este caráter duplo relaciona-se com a decadência do
império norteamericano. O dólar como dinheiro e reserva internacional, além de manter o nível
consumo sustentado no deficit comercial, permite manter seu poderoso aparato militar em todo o
possui o mesmo motivo. A industrialização e urbanização da China (Imperialismo Sui
Generis), pela mesma razão, coloca em decadência esta realidade. Como percebemos, o
equivalente geral expressa a realidade em sua forma física. O melhor exemplo do lastro
é a mercadoria mais importante e cobiçada do mundo, o petróleo, na medida em que o
império americano há muito garante, com diplomacia e ameaça, a compra internacional
de ouro negro apenas por meio de sua moeda, processo batizado “petrodólares”38.
Outro modo de demonstrar o lastro do dólar percebe-se quando os EUA emitem
moeda para "compensar" seu deficit na balança comercial, mantendo o nível de
consumo interno. Assim, ao emitir de maneira "artificial" a moeda, o Banco Central
força, de fato, o lastro-mercadoria; essa manobra gera inflação nos países exportadores
para aquele, ou seja, a desvalorização da moeda nacional, um acréscimo relativo de
fragilidade no lastro. Surge, por isso, da contradição inter-moedas, uma série de
vantagens em momentos de prosperidade e contradições sociais e políticas em
momentos de crise.
Já o dinheiro virtual é lastreado, por enquanto, no… papel-moeda. Tal lastro é
garantido informalmente por 1) cálculo dos bancos do quanto lhes será exigido de
dinheiro físico e quanto pode gerar dinheiro em bits; 2) depósito compulsório que as
instituições financeiras são obrigas fazer ao banco central. Quando se paga no cartão de
crédito supõe-se que esse pagamento é substituível por papel pintado, que os bits são
transformáveis em dinheiro tão logo o suporte-cartão entre em contato com o banco,
com o caixa-eletrônico. De acordo com o debatido, o dinheiro virtualizado também
tende a perder seu lastro, tende a desprender-se do dinheiro-papel. Neste sentido aponta
a matéria a seguir, sobre a moeda da Suécia (junto com os demais países nórdicos, um
histórico laboratório experimental da burguesia39):

“Dinheiro [em papel] pode sair de circulação na Suécia até 2030”


“O fim do dinheiro de papel já é uma morte anunciada na Suécia: até 2030, as
cédulas e moedas deverão virtualmente desaparecer no país, que lidera a tendência
global em direção à chamada “sociedade sem dinheiro”. A projeção é do Banco
Central Sueco.”
“É o prenuncio de uma nova era, dizem especialistas. A previsão é de que, no
futuro, as economias modernas serão dominadas pelo uso do cartão e da moeda
eletrônica em escala mundial.”
“Na Suécia a transformação é visível (…)”
“Novos dados do Banco Central indicam que as transações em dinheiro
representam, atualmente, apenas 2% do valor de todos os pagamentos realizados na
Suécia – contra a média de 7% no restante da Europa.”
(…)
“’A Suécia continua à frente do resto da Europa em relação à redução do uso do
dinheiro do papel. E principalmente dos Estados Unidos, onde cerca de 47% dos

mundo. Por isso, interessantíssimo o fato de algo tornar-se sua própria negação: a produtividade e
consumo nos EUA permitiu sua moeda torna-se a forma do dinheiro mundial; mas isso abriu caminho
para a desindustrialização futura e entrada facilitada do capital-mercadoria, com o nível de consumo
controlando a luta de classes interna.
38
Desde a Guerra do Iraque, é quase uma sabedoria popular a importância do petróleo para o
capitalismo, fonte de energia e matéria-prima para a indústria (plástico etc.). Seu preço tem repercussão
vital sobre os demais preços.
39
Ricos, longe de países instáveis e subdesenvolvidos, população reduzida e isolantes invernos rigorosos
são parte das bases de “testes históricos sob controle”.
pagamentos ainda são feitos em dinheiro”, acrescenta Nilervail, que destaca os
avanços dos vizinhos nórdicos, Noruega e Dinamarca, na mesma direção.”
(…)
“Até nos quiosque de flores do bairro de Odenplan, no centro da capital, um aviso
foi colado: “Preferência para pagamentos em cartão”. Feirantes e ambulantes também
se adaptam à tendência e trabalham equipados com leitores portáteis de cartões.”40

Para que inexistam dúvidas:

“Os principais bancos da Suécia vêm simplesmente parando de lidar com cédulas
e moedas: cerca de 75% de suas agências já operam sem dinheiro – com a única
exceção do Svenska Handelsbanken.” 41

Como repetição histórica, sabe-se que o dinheiro em ouro era constantemente


roubado, e por isso passou a ser guardado e substituído por um papel que o
representava; assim hoje, a atividade econômica “roubo” estimula e acelera o processo
de desmaterialização do dinheiro, como aponta também a matéria:

“Ladrões de banco vão se tornado, assim, personagens do passado. O número de


roubos em agências bancárias vem atingindo o índice mais baixo dos últimos 30 anos,
segundo a Associação de Bancos Sueca.”
(…)
“Em 1661, as primeiras cédulas de papel da Europa foram introduzidas pelo
Stockholms Banco, o embrião do Banco Central da Suécia. Agora, ironicamente, os
suecos vão se tornando os primeiros do mundo a desprezar o dinheiro vivo.”42

O lastro do dinheiro virtual em relação ao físico tende a se perder, além dos fatores
expostos, pelos seguintes movimentos imediatos:
1. A demanda por dinheiro leva aos bancos à tenderem, à tentação de, negligenciar
o lastro informal, a relação entre bits e a possibilidade de saques desse dinheiro em
forma física;
2. Tendência – em parte derivada do ponto 1 – a não depositar a porcentagem que
de fato lhe cabe ao banco central, escondendo a real contabilidade;43

40
Site: UOL Notícias.
41
Idem.
42
Idem.
43
Portanto, afirmar que dinheiro “virtual” é dinheiro falso é limitado real e teoricamente. Se cumpre o
papel do dinheiro – medida dos valores, meio de compra, meio de pagamento, entesouramento e
mercadoria capital-dinheiro –, é dinheiro. Na teoria, no campo ideal, é conhecido que a busca da
verdade se dá por aproximações, com uma conclusão partindo de outra e aperfeiçoando a anterior,
sendo cada vez mais verdade, mais próxima da verdade. Com o dinheiro virtual ocorre o mesmo
processo, no campo material, de ser cada vez mais realidade, cada vez mais real, cada vez mais
verdadeiro e cada vez mais substituto do dinheiro “físico”. Dinheiro é seu conteúdo, sua natureza; as
formas de que se vale para ser são transitórias. O mesmo não se pode afirmar sobre pirâmides
financeiras como o bitcoins, sendo a possibilidade de irem de dinheiro falso ou fictício a real apenas uma
possibilidade, não necessidade dada (a tese do dinheiro fictício parece pertencer, em primeiro, a
Eleutério Prado). Estas operações são fictícias porque perdem relação direta com o trabalho, são D-D’.
Destes, agregamos:

3. Intensificação do processo de circulação;


4. Menor custo de produção e transporte do dinheiro virtual relativo ao físico.

São as imediatas, visíveis, consequências capitalistas da digitalização do dinheiro:


1) Maior controle social do capital financeiro sobre a circulação – e o conjunto da
sociedade;
2) Lucro por juros nos meros processos de compra-venda44;
3) Garantias à circulação: contra cheques sem fundo, calotes45 etc.

Por isso, pela quantidade e intensificação, o ouro foi necessário como equivalente
geral, expressão do valor, por suas características físicas e por seu valor em uma etapa
específica de complexidade, do fluxo de mercadorias. Mas pela mesma razão – as
características físicas – tornou-se uma forma atrasada, lenta, para poder seguir o
conteúdo, a evolução do capitalismo, ou seja, o cada vez mais intensivo e extensivo
mercado. Esta é a explicação geral para a lei da tendência à desmaterialização do
dinheiro. O valor-capital domina cada poro do mundo, progressivamente, como se
assim, dominador protagonista, cada vez mais fácil fosse expressar seu quase-ser na
forma-equivalente geral.
Karl Marx, embora não tenha percebido isto com clareza, presenteia-nos ele mesmo
com a tese:

“Título de ouro e substância de ouro, conteúdo nominal e conteúdo real iniciam seu
processo de separação. (…) Se o próprio curso do dinheiro separa o conteúdo real da
moeda de seu conteúdo nominal, sua existência metálica de sua existência funcional, ele
traz consigo, de modo latente, a possibilidade de substituir o dinheiro metálico por
moedas de outro material ou por símbolos. A dificuldades de cunhagem de moedas
muito pequenas de ouro ou prata e a circunstância de que metais inferiores foram
originalmente usados como medida de valor no lugar dos metais de maior valor – prata
em vez de ouro, cobre em vez de prata – e desse modo, circulam até ser destronados
pelos metais mais preciosos, esclarecem historicamente o papel das moedas de prata e
cobre como substituta das moedas de ouro. Tais metais substituem ouro naquelas
esferas da circulação das mercadorias em que a moeda circula com mais rapidez e, por
isso, inutiliza-se de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão
continuamente de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão
continuamente numa escala muito pequena.” (O capita I, p. 199)

A oferta e a procura, na especulação, regulam a possibilidade de lucro. A tendência ao irrealismo do


sistema tende a fenômenos de irrealismo no equivalente geral. Porém generalizar o dinheiro desligado
do ouro como “dinheiro fictício” é resposta fácil e falsa à questão, mais ideológica a científica, inibindo a
profundidade real do tema.
44
Exemplo: as “máquinas” de cartão de débito e crédito – os bancos – podem cobrar 1,5% da compra
parcelada e 2% da à vista (retiro este dado de um produto novo no mercado). Antes, o setor de juros
entrava em caso de meio de pagamento (parcelado) e apenas se os setores comerciais e industriais não
cumprissem entre si tais funções. E, de acordo com a origem desta nota de rodapé: antes existente de
modo não geral, as micro-operações dos assalariados passam a ter ligação muito direta com o sistema
financeiro.
45
Exemplo: dedução automática da parcela de um empréstimo no salário; este recebido pelo
trabalhador num – por meio do – banco, não mais em escritório específico da empresa, como era até a
década de 1980.
E completa:

“Para impedir que estes metais satélites tomem definitivamente (! – exclamação


nossa) o lugar do ouro, determinam-se por lei as proporções muito ínfimas em que eles
podem ser usados no lugar desse metal.” (Idem.)

Vejamos a importância do capital produtor de juros no processo (aqui, segundo


ciclo de era):

O sistema de crédito motivou até agora as seguintes observações gerais:


(…)
II. Decréscimo dos custos de circulação.
1) Um dos custos principais da circulação é o próprio dinheiro enquanto valor de
per si. O crédito poupa-o de três maneiras:
a) suprimindo-o em grande parte das transações;
b) acelerando o movimento dos meios de circulação;
Isto em parte coincide com o que se diz em (2). De um lado, a aceleração é de
ordem técnica, isto é, invariáveis o montante e o número das operações reais em
mercadorias destinadas ao consumo, quantidade menor de dinheiro ou de símbolos de
dinheiro efetua o mesmo serviço. Isto faz parte da técnica bancária. Por outro lado, o
crédito acelera a velocidade da metamorfose das mercadorias e, em consequência, a
velocidade da circulação monetária;
c) substituindo o dinheiro-ouro por papel.
2) O crédito acelera as diversas fases da circulação ou da metamorfose das
mercadorias e ainda da metamorfose do capital; em consequência, acelera o processo de
reprodução em geral (além disso, o crédito possibilita prolongar os intervalos entre dois
atos, o de comprar e o de vender, servindo por isso de base para a especulação). Há
contração dos fundos de reserva, o que se pode considerar sob dois aspectos:
decréscimo do meio circulante e diminuição da parte do capital que tem sempre de
existir na forma de dinheiro. (O Capital III, Cap. XXVII. p. 851-852.)

Percebemos que o Estado intervinha contra a tendência ao desprendimento do


equivalente geral do ouro. O ritmo poderia – e conjunturalmente deveria – ser mediado
pela equivalência, porém, mais dia ou menos dia, o dinheiro estava destinado a abrir
mão do lastro em metal precioso; a causa é a fluidez das mercadorias e, por
consequência, do equivalente geral.
Quem sabe valha pousarmos um pouco mais sobre o assunto; por outro modo de
abstração, entre o ouro como dinheiro e o papel-moeda sem lastro tivemos uma secular
transição por meio do dinheiro lastreado em ouro. Na prática e pela extensa duração,
fora muito mais que mera forma transitória, pois o lastro era necessário para o nível de
complexidade da circulação mercantil naquele e daquele momento histórico, sendo, se
vermos a dialética dialeticamente, “cada vez menos necessário” a equivalência do ponto
de vista do conteúdo-mercadoria.
O suporte, a forma do equivalente geral, precisa, portanto, ser matéria capaz de
acompanhar a velocidade e o fluxo das mercadorias no tempo e… no espaço. Essa é
uma das razões da necessidade de expressar o valor cada vez mais tendencialmente
desmaterializado – embora esta lei nunca se realize em plena forma-pura – durante o
desenvolvimento do reino das mercadorias cada vez maior e cada vez mais intenso,
onipotente e onipresente. O capital procura, portanto, um suporte para expressar valor
que negue em si o duplo caráter da mercadoria (ou seja, ter valor de uso e valor) e passe
a expressar apenas o valor das mercadorias sem, no entanto, ter um valor de uso próprio,
ao contrário do ouro ou prata; deve expressar a supremacia do valor sobre o valor de
uso; seu valor de uso é unicamente expressar valor e valor de troca (Carcanholo).
Sigamos a velocidade capitalista. As revoluções na produção produzem mais
mercadorias, mais tipos e vendem-se em maior quantidade de espaços, distâncias e em
menor tempo; logo, o dinheiro deverá expressar esta agitação festiva do conteúdo. Estas
mudanças incluem a mercadoria dinheiro. Quando as revoluções do valor fazem surgir
novas tecnologias – máquina a vapor, eletricidade, a digitalização, a automação, etc. –
as técnicas novas fazem surgir, portanto, mercadorias novas e, principalmente,
quantidade nova de mercadorias no comércio. Logo, as inovações técnicas renovadoras
das mercadorias têm de renovar, também, a mercadoria-mor, o equivalente geral, o
dinheiro; mais uma vez, a forma do dinheiro expressa a própria realidade em sua
estrutura física, isto é, expressa o desenvolver das forças de produção em forma
corpórea. No início, isso se dá por meio do crédito; quando a economia se aquece,
oferendo mais mercadorias e mais possibilidades de produção, o banqueiro não pode
esperar a entrada de ouro em seus cofres (primeiro e segundo ciclos de era) ou de
dinheiro-papel (hoje), bastando dar ao desejante de crédito um símbolo representativo
da riqueza entesourada, em papel ou bits. Assim inicia-se uma transição longa e não
linear. Marx comenta nesse sentido:

"O ouro, como meio de circulação, diverge do ouro como padrão dos preços e,
com isso, deixa também de ser o equivalente efetivo das mercadorias, cujos preços ele
realiza. A história dessas confusões forma a história monetária da Idade Média e da
época moderna até o século XVIII. A tendência natural-espontânea do processo de
circulação de transformar o ser-ouro [Goldsein] da moeda em aparência de ouro ou de
converter a moeda num símbolo de seu conteúdo metálico oficial é reconhecida pelas
leis mais modernas que fixam o grau de perda do metal suficiente para invalidar ou
desmonetizar uma moeda de ouro." (p. 267, O Capital I.)

Assim igual, o desprendimento do equivalente do lastro em ouro, ou seja, da


produção nas minas, da extração de ouro, é um sintoma do atual ciclo de era do capital:
o desenvolvimento da indústria e do comércio guiado pelo capital bancário, pelo capital
financeiro, pelo capital portador de juros, pela fase imperialista, pela inflação dos
capitais fictício e parasitário e pelo domínio do meio de pagamento (grosso modo, o
pagar parcelado) e pela essência capital-dinheiro; uma inversão de motor central, do
guia. Dependente do capital-produtivo mesmo quando se vê fictício, a fim de não só
dominar a indústria mas também desenvolvê-la, o capital portador de juros demonstra
sua autonomia relativa e em aparência46 por meio do fim da conversibilidade; por isso,

46
Da fetichização e alienação; o dinheiro parece dar sentido e valor às mercadorias quando, em
essência, a produção e mercadorias dão vida e sentido de ser ao equivalente geral. É uma inversão na
aparência. O dinheiro é deificado, elevado à categoria de Deus.
precisa de um pouco mais do que muita liberdade para cumprir sua missão, seu desejo,
sua tara, seu valor que se valoriza e seu dinheiro em busca de mais dinheiro.
Do mesmo modo, percebemos, dinheiro = ouro representa e é típico do
mercantilismo, do capitalismo mercantil (século XVI ao XVIII); dinheiro = moeda com
lastro em ouro ou prata deriva do ciclo de era industrial do capitalismo, da revolução
industrial (século XVIII ao final do XIX); dinheiro = lastro no conjunto das mercadorias
representa a atual fase, o capitalismo imperialista, financeiro. Basta-nos observar alguns
fatos: o lastro em ouro fora rompido nas moedas nacionais com a I Guerra Mundial,
anjo anunciador da fase imperialista; desde então, o lastro foi descartado e as tentativas
de retorná-lo foram teórico e empiricamente abandonados. No mesmo sentido, por
dificuldade em manter quantias de metais em circulação (guerras, escassez do metal,
alta circulação de mercadorias, superinflação, etc.), em meados do século XVIII,
Estados e bancos utilizaram moedas em papel ou em metal não-nobre para representar
quantias em estoque possíveis de acumular – antes, estas formas conversíveis eram
embrionárias47.
Percebe-se: a fase ou o ciclo de era, e tudo quanto esta abstração conceitual
representa, determina o modo como o dinheiro encarna-se no mundo; claro também está
que não é uma determinação mecânica, mas é uma determinação ainda; a desigualdade
evolutiva e certos zigue-zagues acidentais apenas demonstram o quanto cada um desses
três momentos históricos do capital acaba impondo-se, fazendo valer a sua vontade.
No entanto, as formas-suportes passadas do dinheiro não podem ser superadas em
absoluto – guardam alguma utilidade, alguma função. Quando o capitalismo emperra e
sofre por gastrite da superprodução, da crise, o ouro e prata passam a ter um papel um
pouco mais relevante (transferência de investimentos em ações para estas commoditys,
comércios específicos, custeio em conflitos miliares derivados – aliás – da crise, etc.);
mas nunca passará de um papel auxiliar, pois não representam em absoluto as
necessidades do valor e da intensa circulação de mercadorias. É como quando, ao trocar
de marcha para o necessário avanço do carro, o motorista ver-se forçado a desacelerar
um pouco, mas apenas para preparar um avanço novo; a lei da tendência à
desmaterialização do dinheiro é irrealizável, mas irresistível – quando o capitalismo
adoece por seu próprio câncer, ver-se obrigado a praticar alguns hábitos já superados, da
infância, mas apenas enquanto novos aparelhos não resolvem seus problemas. É a
dialética da descontinuidade na continuidade. Não apenas o ouro, também o escambo48

47
Isto é uma lei histórica: no início da década de 1970, a desmoralizante guerra do Vietnã, revoluções
permitirem 1/3 da humanidade sob relações não capitalistas, a crise (manifestação do deslocamento, da
crise sistêmica, que tratamos aqui e no capítulo seguinte) e o renascimento de outros imperialismos
(alemão, japonês, francês, etc.), com esses fatores estimulando a troca de dólar por ouro em enormes
proporções, serviu de base para que os EUA rompesse o padrão ouro.
48
Há polêmica sobre o papel desta forma de troca na história. Marx demonstra o surgimento do
dinheiro na necessidade da relação impessoal entre comunidades antigas. Porém, para haver dinheiro é
preciso haver comércio, ou seja, relação impessoal. Não o contrário. Refere-se à forma simples,
escambo, enquanto ocasional, acidental (n’O Capital: “forma simples, individual ou ocasional”). Os
primeiros e raros contatos de troca eram instáveis, antes de se estabelecer formas mais elaboradas e
estáveis de comercialização. As exposições lógica e histórica dos processos são complementares,
embora com diferenças, sendo níveis de abstração do próprio real. Essa troca simples deu base para a
troca da mesma mercadoria por variadas outras, em certas proporções quantitativas, seguida pela
possibilidade e necessidade de elevar uma mercadoria à condição de equivalente geral (sal, ouro etc.),
dando origem à forma preço. A maior parte do processo, do simples ao complexo, pode-se dar com
muita velocidade. Por isso, fica evidente: o contato inicial ou primeiro entre duas comunidades, na
troca, dar-se produto por produto (o trabalho científico ocorre também paralelo e ao lado do empírico,
e outras mediações superadas pela história apresentam-se mais fortes em momentos de
crise, mas apenas comprovam seus papéis secundários, velhos demais para
representarem Romeu e Julieta49.
Em resumo, dois fatores atuam na mudança da forma do dinheiro:

1. A quantidade de trocas;
2. A velocidade dessas trocas.

Considerados estes, derivamos outro fator:

3. A atividade econômica roubo.

Vale lembrar que a elevação desta atividade deriva de fatores socioeconômicos,


tendo correspondência em fases mais críticas, de maior contradição, do capitalismo, os
momentos históricos de transição.

Marx e Engels consideram o dinheiro, em essência, ouro; e isto se revelava no


mercado mundial. Por isso, consideravam a forma-ouro um limite em si do sistema.
Este erro confunde a forma física e natural com seu uso conjuntural e histórico. O
equivalente geral é, antes de tudo, parte de uma relação social específica, tem caráter
social: quanto mais geral, social e consolidado – aparentemente natural – o sistema
menos precisa justificar-se, em sua forma ímpar, diretamente naquela mercadoria.
Quanto mais natural parecer o sistema capitalista, menos precisa de uma forma natural,
o ouro, para disfarçar sua natureza social, ou seja, sua natureza transitória, ou seja,
histórica e instável. Na próxima citação, percebemos no erro os elementos da própria
correção:

Acresce que, ao elevar o Banco a taxa de desconto, em circunstâncias algo


ameaçadoras - surgindo concomitante a probabilidade de o Banco reduzir o prazo das
letras a descontar -, generaliza-se o receio de que as coisas prossigam num crescendo.
Todo mundo, e em primeiro lugar os que especulam e jogam com o crédito, procura
descontar o futuro e ter à disposição, no momento adequado, tanto quanto possível de
meios de crédito. As razões que acabamos de mencionar levam ao seguinte: a mera
quantidade do metal precioso importado ou exportado não atua por si mesma, mas por
ter o metal precioso o caráter específico de capital na forma dinheiro e, além disso,

pois busca o lógico em dois sentidos: um, estruturação e argumentação lógica consistente; dois,
descobrir a lógica do próprio objeto, do processo).
49
“Lixo pode ser dinheiro, embora dinheiro não seja lixo”, diz Marx. Em 2016:
“Cuba propôs um jeito pouco convencional de pagar sua dívida multimilionária com a República Tcheca.
Ofereceu quitar o débito com garrafas de seu famoso rum.”
“Cuba deve aproximadamente R$ 900 milhões aos checos. Se a oferta for aceita, os tchecos terão o
suficiente para consumir a bebida por mais de um século.”
“Praga, contudo, já sinalizou que prefere receber parte da dívida em dinheiro. O débito remonta à época
da Guerra Fria, quando a então Tchecoslováquia fazia parte do bloco comunista.”
“Os cubanos alegam que têm pouco dinheiro, mas rum de sobra - por isso levaram adiante essa
proposta peculiar.”
“Mas a República Tcheca está disposta a negociar. Aceita receber parte do débito com o rum e também
com produtos farmacêuticos cubanos. No caso dos remédios, no entanto, há um entrave por não
contarem com certificação da União Europeia.”
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38339328?
agindo como a pena que, posta num dos pratos oscilantes da balança, inclina-a a seu
favor, o que se explica em circunstâncias em que qualquer excesso numa ou noutra
direção é decisivo. Sem esses motivos seria totalmente incompreensível que uma evasão
de ouro de 5 a 8 milhões de libras esterlinas, e esse é o máximo até hoje verificado pela
experiência, pudesse ter qualquer efeito importante; essa ínfima quantidade de capital,
acrescentada ou subtraída, que se patenteia insignificante mesmo em face dos 70
milhões de libras esterlinas em ouro que em média circulam na Inglaterra, é grandeza
evanescente numa produção com o volume da inglesa. Mas é o próprio
desenvolvimento do sistema de crédito e bancário que leva todo capital-dinheiro a
pôr-se a serviço da produção (ou, o que dá no mesmo, todo rendimento monetário
a converter-se em capital) e que em certa fase do ciclo reduz o encaixe metálico a
um mínimo que não lhe permite mais preencher as funções que lhe cabem; é esse
sistema de crédito e bancário desenvolvido que gera essa sensibilidade exagerada
de todo o organismo. Em estádios menos desenvolvidos de produção, relativamente
não importa que acresçam ou decresçam as reservas metálicas, comparadas com a
média. Por outro lado, mesmo evasão considerável de ouro não tem repercussão
relativa, se não sucede no período crítico do ciclo industrial.
(…)
Abstraímos ainda da função do encaixe metálico, de garantir a conversibilidade dos
bilhetes de banco, e a de ser o eixo de todo o sistema de crédito. O Banco Central é o
eixo do sistema de crédito. E o encaixe metálico é o eixo do Banco. No livro primeiro,
capítulo III, ao estudar o meio de pagamento, mostramos que o sistema de crédito
inevitavelmente vira sistema monetário. Tanto Tooke quanto Loyd-Overstone admitem
que são necessários os maiores sacrifícios de riqueza real para manter nos momentos
críticos a base metálica. A divergência se reduz à dosagem, maior ou menor, e ao
tratamento mais ou menos racional, do inevitável. Reconhece-se que o eixo do sistema
é certa quantidade de metal, insignificante se comparada com a totalidade da
produção. Se tiramos a ilustração terrificante que a crise nos dá desse eixo em
funcionamento, temos o delicioso dualismo teórico. Quando trata propriamente "do
capital", a economia racionalista olha o ouro e a prata com o maior desprezo,
considerando-os a forma na realidade menos importante e mais inútil do capital.
Quando trata do sistema bancário, tudo se inverte, e ouro e prata se tornam o
capital por excelência, e para conservá-los todas as outras formas de capital e de
trabalho devem ser sacrificadas. Mas que distingue ouro e prata das outras figuras
da riqueza? Não a magnitude do valor, pois esta se determina pela quantidade de
trabalho que nelas se corporifica, e sim a circunstância de esses metais serem
encarnações autônomas, expressões do caráter social da riqueza [a riqueza da
sociedade existe apenas como riqueza de indivíduos, proprietários privados dela.
Só evidencia seu caráter social pela troca de valores de uso qualitativamente
diversos, a qual esses indivíduos fazem entre si, para satisfazer as respectivas
necessidades. É o que na produção capitalista só podem conseguir por intermédio
do dinheiro. Assim, exclusivamente com a intervenção do dinheiro se realiza como
social a riqueza do indivíduo; é no dinheiro, em coisa, que se corporifica a
natureza social da riqueza. – F.E.]. A existência social da riqueza aparece em ser
de outro mundo, em coisa, objeto, mercadoria, ao lado e por fora dos elementos
reais da riqueza social. É fato que se esquece enquanto a produção flui. O crédito,
forma social também da riqueza, expulsa o dinheiro, usurpando-lhe a posição [para
marx-engels, dinheiro = ouro e prata. Comentário meu]. A confiança no caráter social
da produção dá à forma dinheiro dos produtos o aspecto de algo evanescente e ideal, de
mera representação. Mas, abalado o crédito - e essa fase sobrevém sempre no ciclo da
indústria moderna -, impõe-se então efetiva e bruscamente converter em dinheiro, em
ouro e prata, a riqueza real toda, exigência absurda, mas que decorre inevitável do
próprio sistema. E o total de ouro e prata para satisfazer essas necessidades imensas
atinge apenas a cifra de alguns milhões guardados nas casas-fortes do Banco. Nos
efeitos da evasão de ouro ressalta, portanto, contundente a circunstância de a produção
como produção social não se submeter efetivamente ao controle da sociedade: a forma
social da riqueza existe como coisa separada da riqueza. Esse aspecto do sistema
capitalista é comum aos sistemas anteriores de produção na medida em que se baseiam
no comércio de mercadorias e na troca entre particulares. Mas só nele toma a forma
mais terminante e mais grotesca da contradição absurda e do contrassenso, pois (1) no
sistema capitalista aboliu-se por completo a produção que gera valores de uso diretos,
destinados ao consumo imediato dos produtores, existindo a riqueza como processo
social expresso no entrosamento entre produção e circulação; (2) com o
desenvolvimento do sistema de crédito, a produção capitalista sem cessar
empenha-se em suprimir essa barreira metálica, esse limite, sincronicamente
material e fantástico50, à riqueza e ao movimento dela, mas acaba sempre
quebrando a cabeça contra esse obstáculo.
Na crise, pretende-se que todas as letras, todos os títulos e mercadorias sejam
conversíveis em dinheiro bancário, e todo esse dinheiro bancário, por sua vez, em ouro.
(…)
Mas não se deve esquecer que o dinheiro - na forma dos metais preciosos - constitui
o fulcro de que nunca se pode desprender, pela própria natureza, o sistema de crédito.
Demais, o sistema de crédito supõe o monopólio dos meios de produção sociais (na
forma de capital e propriedade fundiária) nas mãos de particulares, e é forma imanente
do modo capitalista de produção, além de ser a força-motriz de seu desenvolvimento
para a forma superior, a forma última possível.
(O Capital III, Civilização Brasileira. P. 758, 759, 760, 761 e 802. Grifos Nossos.)

O dinheiro revela o nível de alienação das relações sociais capitalistas. Em nosso


ciclo de era, atinge a forma mais reificada, mais fetichista ao parecer, aparência,
independe das relações materiais onde opera – o lastro torna-se cada vez mais indireto.
Por isso o trabalho científico de rastrear as ligações íntimas do dinheiro virtual e
impresso, dólar-petróleo, dólar-dinheiros nacionais, do dinheiro com o conjunto das
mercadorias etc. A tendência à moeda em total virtual, ou seja, fluida e frágil,
apontando níveis altíssimos de produtividade, perdendo seu lastro atual, mostra-se
sintoma de um sistema próximo a desmanchar-se.
Desde a origem da civilização, a história do dinheiro descreve a tendência ao fim
deste: de materialidades frágeis – boi, sal etc. – ao ganho de materialidade – cobre,
metais não nobres – até a forma material elevada – prata e ouro – para, em seguida,
perder materialidade – ouro por cobre, por papel-moeda, por bits. Da imaterialidade à,
cada vez mais, materialidade e, em diante, à imaterialidade. É uma tendência à
inexistência, ao desaparecimento.
Esse debate nos auxilia para o parágrafo seguinte.
Eis onde queremos chegar: o dinheiro tende a uma forma unificada: poucos
bancos com seus cartões de créditos como suporte de bits, de dado – integração das
coisas51. Como todas as tendências ao concreto apresentadas neste livreto, somente será
50
“Metafísica real” tal qual Marx expressa no final do capítulo 1 d’O Capital I.
51
A notícia a seguir é muito mais que sugestiva: “Não parecia que o futuro estava tão próximo, mas
realmente ele chegou, pois a partir de 2016 já será possível pagar suas contas usando o seu relógio de
realizável na transição ao socialismo. Assim, a) fase I: os bancos produziam, cada qual,
suas moedas legais; b) fase II: o Estado centralizou a produção e unificou a moeda
nacional; c) fase III: concentração bancária, base do imperialismo; d) salto para si:
altíssima concentração bancária, dólar desprovido de lastro em ouro e elevado à
dinheiro planetário, busca por moedas únicas interestados (Euro, etc.). De imediato –
aqui entramos no terreno da hipótese –, os bancos centrais tenderão cada vez mais a
perder suas capacidades de manobra52. A tendência à moeda unificada visa acelerar as
rotações do capital, reduzir o tempo e o custo de circulação, facilitar o movimento do
dinheiro e da mercadoria.
“Toda moeda tem dois lados, mas quatro dimensões.”
Do início ao fim do capitalismo; do ser ao vir-a-ser nada do, e expresso no,
dinheiro, apreende-se o seguinte caminho geral: 1) concreto simples: ouro (e prata)
enquanto forma universal; 2) abstrato: moedas nacionais, fortalecimento de formas não
universais (não ouro ou prata: dinheiro nacional, papel-moeda, etc.); 3) concreto
complexo em latência: tendência à forma universal, pré-condição para o fim da forma-
dinheiro. A história universal das formas do dinheiro e a história do dinheiro no
capitalismo, onde de fato é a si próprio, manifesta os graus de produtividade social e de
seu excedente. Aqui, afirma-se a lei da dialética: o máximo de algo é, também, sua
superação.
O tema do dinheiro leva-nos ao seu destino sob o socialismo. Um progresso
contínuo e desigual de deflação, aumento da produtividade do trabalho, fará o caminho
da extinção daquela forma mercantil. Com algum atraso, a forma de distribuição será
mudada. N’O Capital II, Marx conclui: “Não entra em congitação na produção
socializada o capital-dinheiro. A sociedade reparte a força de trabalho e os meios de
produção nos diferentes ramos de atividade. Os produtores poderão, digamos, receber
um vale que o habilita a retirar dos estoques sociais de consumo uma quantidade
correspondente a seu tempo de trabalho. Esses não são dinheiro. Não cirulam.”
(Civilização Brasileira, P. 406.) Na transição ao socialismo, os cartões de débito e
crédito, suportes do dinheiro digitalizado, na revolução informacional, permitirão
absorção muito mais exata dos dados sobre consumo, demanda, necessidades sociais e
fluxos na distribuição de produtos. Um banco único estatal com dinheiro virtualizado,
encaminhando o fim dessa forma enquanto forma do dinheiro, o permitirá. Tais cartões
já não serão suportes do meio de circulação e endividamento (meio de pagamento). A
isto, este caráter transicional da forma do dinheiro, chamamos, em abstração dialética, o
“duplo novo”. A forma pede novo conteúdo social. Percebemos, logo, o limite
determinado historicamente sobre o maior crítico e, ao mesmo tempo, maior teórico do

pulso. Isso é o que promete a parceria entre a Swatch e a empresa de cartões de crédito Visa, na qual
viabiliza os pagamentos de compras através dos relógios da marca suíça, em substituição dos cartões
magnéticos. A previsão é que este sistema já esteja disponível no Brasil, Estados Unidos e Suíça no
começo do próximo ano, para os clientes da bandeira.”
“A tecnologia NFC (near-field communication: comunicação de campo próximo, na tradução livre) é a
que permite esta transação de dados. Este sistema estará presente, no modelo Swatch Bellamy, o
lançamento da marca para o próximo ano. O nome do relógio é uma homenagem ao escritor americano
Edward Bellamy, que em sua obra de 1888, intitulada “Looking Backward 2000-1887″, imaginava um
mundo “utópico” no qual o dinheiro era substituído por cartões de débito ou crédito.”
Fonte: http://www.watchtimebrasil.com.br/noticias/swatch-transforma-relogios-em-cartoes-de-
credito-89547/
52
Conquista da civilização capitalista quando madura, o banco central, banco dos bancos, generalizou-se
desde o século XIX. Mas, com a desregulamentação financeira, moedas unificadas (Euro) e a criação de
dinheiro virtual (processo de alavancagem, criação de moeda “do nada”) por bancos privados, temos
manifestações da deterioração dos BCs.
capitalismo: dos vales permitíveis das I e II revoluções industriais, com seus limites
inerentes, à contabilidade geral científica, rápida e precisa, na produção e distribuição
possível desde a III revolução tecnológica.

G) Processo relativo de desmaterialização dos capitais

Pedimos ao leitor um esforço de abstração.


Carcanholo afirma que “Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o
valor-de-uso, no interior da unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que
chamamos “desmaterialização progressista da riqueza capitalista”.” Marx afirma que “a
riqueza capitalista aparece como enorme coleção mercadorias” (Primeiro parágrafo do
capítulo I, O Capital I). Esta atualização do teórico brasileiro, da qual seguimos a pista,
mostra-se nos diferentes capitais – de modo relativo.
Já tratamos disso nos pontos anteriores, por isso falaremos da especificidade
geral.
Comecemos pelos “serviços em geral”, ou seja, além dos serviços propriamente,
entre a produção e o comércio – educação, saúde etc. –, os “serviços” bancários e
comerciais. Além de o capital-mercadoria e capital-dinheiro estarem em processo de
desmaterialização; a busca por diminuir as distâncias relativas, diante da distância física
absoluta, tende à desmaterialização relativa dos capitais financeiros e comerciais. Isto
ocorre na esteira dos produtos que comercializam, dinheiro e mercadorias. Tal processo
é observável quando – na busca por realizar vendas (realizar o valor), diminuir o tempo
de circulação e os custos – as localizações, as estruturas físicas, são substituídas por
vendas virtuais, lojas virtuais, operações virtuais, aplicativos de bancos etc.
Reforçamos o caráter relativo: as mercadorias não desmaterializadas em
absoluto precisam estar, em alguma medida, em estoques, guardadas. E levam algum
tempo de transporte para alcançar o consumidor.
Por sua centralidade, expomos em ponto anterior como isto ocorre em específico
no capital industrial; além de tratarmos do domínio do capital produtor de juros, fictício
e especulativo, sobre aquele, no atual ciclo de era.
Cada um ao seu modo, com seus papéis sociais, tratam de acelerar o
metabolismo do sistema.

H) Salto para si

Como sugerido, a década de setenta abre uma série de mudanças dentro do último
ciclo de era (digitalização da forma-dinheiro, desprendimento e fusão de valores de uso
em um mesmo suporte, zonas de livre comércio etc.). O concreto, o socialismo, quer
impor-se; essa necessidade manifesta-se numa “relação alienada” ou “maior integração,
porém alienada” das partes da totalidade como tendência à fusão por superação da atual
realidade.
Em suma, na centralidade do comércio (fase I) o valor era um adjetivo
substantivado53, um substantivo; quando há o deslocamento para a produção (fase II),
revolução industrial, o valor torna-se/consolida-se substantivo concreto; em nossa época
(fase III), imperialista e de decadência do imperialismo (fase IV), quando o setor
bancário – em verdade: capital produtor de juros – torna-se centralizante, o valor deseja
ser um substantivo abstrato (o capital especulativo e a digitalização do dinheiro, por
53
Expressão de Carcanholo. No pré-século XVI, o valor era um uma característica, um adjetivo da
mercadoria.
ex.) ou um verbo que se faz carne (a robótica, por ex.) – embora impossível, parte de
sua crise.
A tendência ao concreto exacerba as contradições internas. Neste capítulo,
expomos o movimento geral, a tendência geral; esta possui inúmeras manifestações
concretas na realidade concreta (ONU54, FMI, Banco Mundial, Banco dos Brics,
Mercosul, etc.) e basta-nos, portanto, apontar aqui a centralidade disto na visão global.

A CRISE SISTÊMICA

Podemos enumerar quatro tipos principais, não únicas, de crises do capitalismo:


1. As cíclicas, de superprodução;
2. As orgânicas, quando o capital encontra barreiras internas;
3. As estruturais ou categoriais, quando os elementos que constituem e permitem
o capital entram em crise (Estado, Valor, família monogâmica, ciência, natureza, etc.);
4. As de época ou era55, como dimensão maior das crises orgânica e estrutural.

O modelo apresentado, centro de gravidade do capital, altera-se a cada um ou dois


séculos, mais ou menos, com o fluxo temporal tendencialmente encurtado a cada
deslocamento. Em outro capítulo, daremos medida mais exata. A mesma lógica segue a
História universal: a fase primitiva da humanidade é responsável por algo em torno a
95% da existência de nossa espécie; em diante, nas sociedades de classe, o escravismo
durou e hegemonizou por um tempo maior que o feudalismo e, este, também assim,
durou mais do que durará o capitalismo; por sua vez, o socialismo será apenas uma
transição para o comunismo, que terá longuíssima duração5657. Cabe-nos oferecer a
razão geral desta tendência: cada sistema é um salto de produtividade, de valores de uso,
relativo ao anterior; por isso tendem mais cedo a alcançar pontos nodais, onde a crise
sistêmica pode aparecer degenerando a sociedade ou a forçando a um passo adiante na
história. Com a mais curta das histórias dos sistemas dominantes, o capitalismo ou
morre por ação das massas exploradas ou morre levando-nos a todos – supô-lo sempre
adaptável e autorrenovável é fetiche.
A dialética observa: o simples torna-se, superado, o complexo e este último tem
dentro de si os elementos daquele, do simples. A crise orgânica é como a crise cíclica
evoluída, complexa; e assim por diante. A atual crise mundial é ao mesmo tempo
cíclica, orgânica, estrutural e – também, por isso – a última de uma era (capital
financeiro/especulativo, centralidade bancária, capital portador de juros), que
esperamos encerrar-se em seu último ciclo.

Para concluir, como síntese-fim dos três ciclos confluídos, observamos:


1. Essência capital-mercadoria. Foco da economia capitalista, o comércio
expandiu-se extensiva e intensivamente por todo o mundo – alcançou o ápice;
54
Este – e outros organismos – pode ser chamado, sem cair em exageros, “Internacional do capital”.
55
Talvez mais exato seja chamá-la crise-revolução.
56
Não incluímos o “Sistema Asiático” por sua particularidade: como as terras eram pouco produtivas,
base do regime de castas, era impossível revolucionar o modo de produção nestas sociedades.
57
Uma crítica limitada seria afirmar estar sendo feita uma visão etapista e “positivista” da história. A
relação dos modos de produção é, tal como exposto, lógico-histórico: abstração teórica para descer, em
seguida, ao processo concreto. Exemplifiquemos: para o Brasil saltar do primitivismo ao capitalismo
mercantil, salto por cima de etapas, foi preciso que a Europa tivesse vivido suas etapas. Segundo
exemplo: a Rússia em 1917 pôde e necessitou saltar etapas do desenvolvimento porque o capitalismo
havia, em nível geral, passado por seus processos. Aprender a pensar dialeticamente, percebemos, exige
tempo e esforço. Evitar o desvio etapista inclui perceber a existência de etapas.
2. Essência capital-produtivo. A produção-capacidade produtiva, com o
avanço técnico (especialmente, a automação e a robótica) e presença em todos os
continentes junto a sua altíssima monopolização e oligopolização, tende à
superprodução crônica mais crise do valor-trabalho (manual) – alcançou o ápice;
3. Essência capital-dinheiro. O setor bancário inchou-se absurdamente, com
domínio sobre a economia e impulsionando esta (incluindo por parte dos capitais
fictícios e parasitários), sendo componente essencial da crise – alcançou, também, o
ápice.

Nesta obra, em seus capítulos iniciais, o leitor pode observar uma característica
comum dos três elementos acima apontados: desenvolvem-se, em qualitativa medida, de
maneira fictícia, ao modo de capitais fictícios, num capitalismo – cada vez mais – real
irreal. É o salto para si e o desenvolvimento colateral do sistema. E fundamentam em
versão inversa, um mundo invertido, as bases do socialismo provável.
DECADÊNCIA DO IMPERIALISMO: AUTOMAÇÃO/ROBÓTICA

“Sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade: se cada ferramenta,


obedecendo a nossas ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse executar a tarefa que
lhe é atribuída, do mesmo modo como os artefatos de Dédalo se moviam por si mesmos,
ou como as trípodes de Hefesto se dirigiam por iniciativa própria ao trabalho sagrado;
se, assim, as lançadeiras tecessem por si mesmas, nem o mestre-artesão necessitaria de
ajudantes, nem o senhor necessitaria de escravos.”
Citação de O capital I, Marx, p. 480. F. Biese, Die Philosophie des Aristoteles
(Berlim, 1842, v. 2), p.
408.

Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A
ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária.
Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer
ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia
uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto
intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral.
Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da
eletricidade e, por último, ainda as de Mere Daprez.
Engels, Sobre Marx (discurso em seu enterro).

O Imperialismo é a fase de decadência do capitalismo. Nesta obra, apresentamos


aquilo a que chamamos período de decadência do Imperialismo, após sua ascensão.
Convido ao leitor a acompanhar, conosco, as conclusões observadas, parte a parte, a fim
de produzirmos uma síntese concreta, generalizante. Assim, de um lado, objetiva
explicar o capitalismo atual, pós-muro de Berlim e pós-década de 1970, e de outro,
apresentar uma atualização da Teoria da Revolução Permanente – uma elaboração. Para
isso, para esta direção, teremos naturalmente de adentrar em assuntos auxiliares, mas
não menos importantes.
Este capítulo tem por ponto de partida a crise do valor descoberta por Kurz.

BASE DAS BASES


O marxismo rejeita, desde sua origem, o determinismo econômico; os sistemas
econômico-sociais são dialéticos porque frutos de um universo, em si, dialético. Não
obstante, precisa-se de mergulhos profundos, superando a sociologia, para enxergarmos
o objeto em totalidade. A técnica é, portanto, o ponto de partida. A incrível automação e
a robótica, nesse sentido, devem – ou deveriam – despertar polêmicas vivas entre
aqueles que lutam por um novo mundo; afinal, as mudanças na produção alteram todo o
tecido social, além do próprio homem tanto na relação de trabalho quanto por meio do
consumo. Nesse sentido, nortear-nos-emos com a seguinte, e reveladora, citação de
Moraes Neto (2003):

“Sendo assim, como se coloca a natureza autocontraditória do capital quando


sua base técnica possui a natureza taylorista/fordista? A resposta é: não se coloca;
a forma taylorista/fordista de organizar o processo de trabalho não é contraditória com o
capital enquanto relação social; pelo contrário, o taylorismo/fordismo chancela a forma
social capitalista. Uma forma técnica lastreada no trabalho humano, que induz ao
emprego de milhares de trabalhadores parciais/desqualificados, é perfeitamente
assentada à forma social capitalista; o sonho da eternidade capitalista teria encontrado
sua base técnica adequada.
Pois bem;(…) a aplicação da microeletrônica para o caso da indústria metal-
mecânica terá como consequência trazer essa indústria para o leito da automação,
no qual já caminham há muito tempo ramos industriais tecnologicamente mais
avançados. A concorrência intercapitalista em escala mundial e as possibilidades
abertas pelo conhecimento científico estão deslocando uma fração (nada desprezível)
“smithiana/bravermaniana” da base técnica capitalista em direção ao leito comum da
automação, ou melhor, ao leito teórico marxista.58”(grifos nossos.)

De forma oportuna, o autor cita Karl Marx – no mesmo texto:

“Desde que o trabalho, na sua forma imediata, deixa de ser a fonte principal da
riqueza, o tempo de trabalho deixa, portanto, também de ser a medida do valor de
uso. O sobretrabalho das grandes massas deixou de ser a condição de desenvolvimento
da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns deixou de ser a condição do
desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano.”59 (MARX, 1978, p. 228 – grifo
nosso.)

Percebemos, então, que o atual avanço técnico – automação, robótica, informática,


gestão científica etc. – merece maior atenção por parte dos marxistas de todo o mundo;
na falta do socialismo mundial, o capitalismo foi muito além, ao limite. Quais as
consequências disto? Quais soluções apontam? O autor citado, Moraes Neto, levanta a
questão que será o nosso foco:

“Como desafio, é difícil encontrar um maior: de que forma administrar


politicamente a contradição entre forças produtivas e relações de produção no
capitalismo desenvolvido, tendo ao lado os escombros do socialismo real? Sob uma
perspectiva marxista, é esta a verdadeira questão do nosso tempo.”60

Marx foi o profeta; do ponto de materialista, percebeu a tendência constante de


substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, quer seja, o maquinário adquirindo,
objetivando, as habilidades humanas: a robótica, que há muito deixou de ser hipótese-
ficção, apresenta-se como principal imagem-síntese. Em nosso entender, essa tecnologia
– por questão de simplificação, trataremos a automação e a robotização como, em
essência, o mesmo fenômeno – tem duplo caráter; na prática, serve ao capitalismo, à
produção de mercadorias, mas também é um sintoma agressivo ao colocar a sociedade
em decadência e, ao mesmo tempo, ser um modelo útil por excelência ao socialismo;
pois, por exemplo, liberará os trabalhadores do trabalho manual, dará tempo livre a estes
para que adquiram cultura e cuidem do poder, permitirá a planificação centralizada e
científica da abundância e da produção. Podemos afirmar, evidencia-se, que a base

58
Moraes Neto, Benedito. Século XX e trabalho industrial: Taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação
em debate. – São Paulo: Xamã, 2003. Pág. 61.
59
Idem.
60
Idem.
técnica amadureceu para a sociedade socialista, como a fruta avermelhada que ou é
colhida e degustada ou apodrecerá e cairá.
Resgatemos os ciclos de era. Pelo ponto de partida das fontes de energia, temos: 1)
Fase de centralidade do capital comercial equivale a moinhos de água e vento e a força
física humana e de animais como meios de energia para as ferramentas; 2) Fase de
centralidade do setor produtivo parte da máquina a vapor; 3) centralidade do capital
produtor de juros revela-se com a eletricidade e petróleo, motor a combustão; 4) o “salto
para si” da última fase ou colateral inicia e inicia-se, com as dificuldades inerentes do
sistema decadente, com a utilização da energia nuclear (além de fontes alternativas:
eólia, solar, etc.).
Em geral, essas renovações técnicas vieram desprovidas de uma profunda pré-
análise da rede de consequências sociais derivadas de suas aplicações práticas. Ao
inverter o quarto método, surge um novo embrião:

Energia nuclear pode dar arrepios quando pensamos em Chernobyl e Fukushima.


Mas existe uma forma de gerar energia limpa, sem radiação e quase ilimitada.
(…) O Sol produz quantidades imensas de energia por meio da fusão nuclear – um
processo muito diferente da fissão nuclear, usados nas usinas.
Agora, um reator na Alemanha promete imitar as reações solares – e os primeiros
testes têm apresentado resultados promissores.
O Wendelstein 7-X é um grande donut de 16 metros de extensão, um reator de
fusão chamado de “stellerator”, porque tenta imitar as condições das estrelas para fundir
átomos e produzir energia.
(…)
Os primeiros resultados de seu funcionamento saíram agora e revelam que o
equipamento superou um dos maiores desafios da fusão nuclear: manter o plasma sobre
controle.
Isso porque, para fundir átomos de gás, é necessário construir um grande forno, um
mini-sol. O calor forçaria átomos a se aproximarem – apesar da rejeição que eles
apresentam naturalmente, por terem carga elétrica do mesmo sinal.
A mistura resultante é o plasma, um estado da matéria nem sólido nem líquido.
O problema é que as condições para produzir esse plasma são tão absurdamente
quentes que nenhum “donut metálico” aguenta a pressão sozinho.
A solução, pensada décadas atrás, seria manter o gás e, depois, o plasma, contidos
por campos magnéticos, a uma distância segura das superfícies metálicas dos
stellerators.
O que o W-7X conseguiu comprovar é que seus campos magnéticos de
aprisionamento do plasma estão funcionando bem.
Os testes, publicados na revista Nature, mostram que a máquina está gerando
campos magnéticos muito fortes e seguindo com uma precisão impressionante as
expectativas dos engenheiros da parafernália. A taxa de erro, segundo o artigo, é menor
que 0,001%.
O W-7X é diferente de outros reatores de fusão já inventados porque gera campo
magnético em três dimensões, em vez de duas, como faz o modelo inventado na União
Soviética, chamado tokamak.
Com os campos em 3D, o W-7X não precisa de corrente elétrica, é mais estável que
outros modelos e já provou controlar tanto o plasma de hélio quanto o de hidrogênio.
Os testes foram feitos pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, junto
com o Instituto Max Planck de Física do Plasma, na Alemanha.
Eles usaram um elétron para percorrer o campo e delinearam seu trajeto com luz
fluorescente, mostrando o formato de “jaula” do campo magnético do reator alemão.
É o primeiro passo, mas ainda não chegamos ao ponto de ter o primeiro reator de
fusão realmente funcional. Isso só deve começar em 2019, quando o W-7X vai começar
a usar deutério, um isótopo do hidrogênio, muito abundante nos oceanos terrestres. No
início, porém, só vai gerar energia suficiente para se manter funcionando.
Aumentar a eficiência energética dos reatores é o próximo desafio, assim que eles
estiverem fazendo fusão nuclear de forma satisfatória.
Se der certo, podemos ter conseguido a solução energética para a Terra por todo o
futuro previsível. Afinal, juntar átomos de hidrogênio é o que o Sol faz há 4 bilhões de
anos – e deve continuar fazendo pelos próximos 4 bilhões.61

Um sistema desse tipo desenvolver-se-á de modo pleno no socialismo, pois


permitirá ao comunismo seu pleno desenvolvimento. Ao permitir superabundância
global de energia a baixo custo, esta nova fonte é, por si, contraditória com o
capitalismo62.

FORÇAS PRODUTIVAS E DESTRUTIVAS


No pós-II guerra, a concorrência capitalista fez as forças produtivas, em aparência,
crescerem. A energia nuclear e a automação/robótica, por exemplo, são grandes
conquistas da economia na fase imperialista. Porém, como tudo se torna seu contrário, a
técnica necessitou, para continuar a desenvolver-se, colocar em crise outras duas forças
de produção: o homem e a natureza. Assim, percebemos o surgimento e ampliação de
uma nova subclasse de desempregados, o aumento da violência e dos males psíquicos,
as máfias farmacêuticas (a automação deve gerar demanda, pensa a burguesia), o
desmatamento incontrolável, as mutações de sementes em “saltos” genéticos (tornando
estéreis sementes na segunda germinação), métodos em massa e irresponsáveis de
extração de minérios, agrotóxicos, etc. Agora, com a crise “de era” manifestada em
2007/8, amplia-se/consolida-se a tendência estreada desde a década de 1970: as forças
produtivas pararam de crescer – novamente. A aparência desse desenvolvimento era, na
verdade, em essência, desenvolvimento das forças destrutivas; Moreno (1980):

TESIS XIV (1980)

Las fuerzas productivas decaen mientras que las destructivas no dejan de crecer
bajo el boom económico
a inexistencia de una crisis como la del año 1929 en esta postguerra —es decir, de
un shock que conmueva a todo el mundo capitalista desde el centro a la periferia—, el
boom económico de los países imperialistas y de los más desarrollados del mundo
durante veinte años (a partir más o menos del año 1950), más la combinación de estos
elementos con un espectacular desarrollo tecnológico, llevaron al revisionismo a
levantar una nueva concepción económica antimarxista.
La misma sostiene, en primer lugar, que se ha abierto una nueva etapa, la
neocapitalista o neoimperialista que se diferencia de la imperialista definida por Lenin

61
http://exame.abril.com.br/ciencia/testes-confirmam-que-maquina-de-fusao-nuclear-alema-funciona/
O artigo publicado no Nature: http://www.nature.com/articles/ncomms13493
62
Mesmo redes limpas, baratas, descentralizadas e autônomas de energia – a exemplo das solares,
eólicas e, possível, hidrogênio – apenas poderão ser sabiamente usadas e generalizadas num sistema
voltado ao bem-estar do homem e do planeta.
como de decadencia total, de crisis crónica de la economía capitalista. Generalizando
abusivamente estos nuevos hechos, esta nueva corriente teórico–política acepta tanto la
teoría de los economistas burgueses como la de la burocracia y las traslada a nuestras
filas como una teoría económica al servicio de su capitulación a los aparatos
burocráticos.
La segunda revisión —la principal— es la afirmación de que en esta supuesta
nueva etapa las fuerzas productivas viven un colosal desarrollo, gracias al enorme
progreso tecnológico. Esta es una concepción anticlasista y antihumana, y justamente
la base de sustentación de los ideólogos del imperialismo.
Para los marxistas el desarrollo de las fuerzas productivas es una categoría
formada por tres elementos: el hombre, la técnica y la naturaleza. Y la principal fuerza
productiva es el hombre; concretamente la clase obrera, el campesinado y todos los
trabajadores. Por eso consideramos que el desarrollo técnico no es desarrollo de las
fuerzas productivas si no permite el enriquecimiento del hombre y de la naturaleza; es
decir, un mayor dominio de la naturaleza por parte del hombre, y de éste sobre su
sociedad.
La técnica —como también la ciencia y la educación— son fenómenos neutros que
se transforman en productivos o destructivos de acuerdo a la utilización clasista que se
les dé. La energía atómica es un colosal descubrimiento científico y técnico, pero
transformada en bomba atómica es una gran tragedia para la humanidad; nada tiene
que ver con el progreso de las fuerzas productivas sino con el de las fuerzas
destructivas. La ciencia y la técnica pueden originar el enriquecimiento del hombre —
desarrollar las fuerzas productivas— o la decadencia y destrucción del hombre.
Depende de su utilización; y su utilización depende de la clase que las tenga en sus
manos. Actualmente, el desarrollo de las fuerzas productivas no sólo está frenado por
la existencia del imperialismo y la propiedad privada capitalista, sino también por la
existencia de los estados nacionales, entre los que incluimos a los estados obreros
burocratizados. En la época de agonía del capitalismo estos estados nacionales
cumplen el mismo nefasto papel que los feudos en el período de transición del
feudalismo al capitalismo.
(…)
En esta postguerra hemos vista el colosal desarrollo de la industria armamentista,
es decir de las fuerzas destructivas de la sociedad, y también un desarrollo de la
técnica que ha llevado a un empobrecimiento del hombre, a una crisis de la humanidad,
a guerras crecientes y a un comienzo de destrucción de la naturaleza. El actual
desarrollo de la economía capitalista y burocrática tiene una tendencia creciente a la
destrucción del hombre y de la naturaleza humanizada. El análisis revisionista en este
punto es parcial y analítico, pues no define ni las consecuencias del desarrollo ni sus
tendencias.
(…)
Todos estos fenómenos han ido creando las condiciones para que la crisis,
paulatinamente, avanzara de la periferia al centro del sistema capitalista mundial y, a
partir de 1974, haya llegado ya a los países capitalistas avanzados y a los estados
obreros burocratizados. Su manifestación más evidente — no la causa sino los hechos
espectaculares que la indican — son la inflación creciente, la crisis en los precios del
petróleo y en el mercado mundial, la crisis del dólar y del sistema monetario
internacional, las alzas de los precios del oro, etcétera.63

63
https://www.marxists.org/espanol/moreno/actual/apt_2.htm#t14
Foquemos um pouco mais na questão.
Rosa Luxemburgo ofereceu uma atualização d'O Capital II: além dos setores I
(produção de meios de produção) e II (produção de meios de consumo), adicionou o III,
produção de meios de destruição (indústria bélica). Ficou conhecido como forças
destrutivas. A alemã costumou cometer acertos e erros de mesma origem: sua visão,
marxista e revolucionária, era desprovida de raciocínio dialético. Os setores I e II
podem também transformarem-se de parte das forças produtivas em forças destrutivas.
Isto ocorre na medida em que seus desenvolvimentos degeneram as forças produtivas
Homem e Natureza. Reforçamos exemplo típico: quando a ciência fica subordinada à
técnica, tornando inúteis as sementes após a segunda germinação.64
A técnica transforma-se de força produtiva em força destrutiva, salto de qualidade,
também pela própria e “mera” elevação de escala produtiva, pela acumulação. Esta
mudança quantitativa gera salto qualitativo quando, por exemplo, a elevação da
produtividade anual fica acima da capacidade de autorrenovação da natureza, de seu
metabolismo65. Isto de fato ocorre desde 1970. Vejamos exemplo:

“[Título] Até 2 de agosto, a humanidade terá consumido todos os recursos de 2017


A humanidade terá consumido até 2 de agosto todos os recursos que o planeta pode
renovar em um ano, vivendo com o “crédito” até 31 de dezembro, calculou a ONG
Global Fooyprint Network, destacando que este momento chega cada vez mais cedo
todos os anos.
(…)
Para seus cálculos, Global Fooyprint leva particularmente em conta a pegada de
carbono, os recursos consumidos por pesca, gado, plantações, construção e utilização da
água.
(…)
“Para satisfazer nossas necessidades, hoje deveríamos contar com o equivalente a
1,7 planeta”, afirmam.
(…)
Levando em conta os últimos dados científicos, a Global Fooyprint recalcula a cada
ano a data do “dia da excelência” para os anos anteriores desde que esse “déficit
ecológico” começou a se aprofundar, no começo dos anos 1970.66

64
Todo pensador é filho de sua época, suas contradições e das circunstâncias. Rosa assim teorizou ao
estilo “alemão” (de onde veio a influência alta do PS sobre a II Internacional): a Alemanha salta-se para a
fase imperialista com grande indústria bélica (setor III); a concepção da teórica de que o problema da
acumulação em escala ampliada se resolve por meio da exportação também mostra sua sintonia com a
“saída alemã”, o interesse daquele imperialismo em barganhar novos mercados e colônias. A Alemanha
de Luxemburgo não era a Alemanha de K. Marx: neste, o país era o mais atrasado da “grande Europa”,
necessitando de pensadores dignos das altas contradições internas e externas (assim com o perfil da
Rússia no início do século XX gerou os maiores intelectuais do século). Já aquela surge de uma Alemanha
erguida superando suas contradições, entre o velho e o novo, entre o avançado e o atrasado, pela “Via
Prussiana” ou “Revolução Passiva”, ou seja, pelo etapismo, gradualismo, gerando ilusão antidialética,
presente de modo informal na metodologia da revolucionária, produzindo “objetivismo”.
65
Portanto, o controle dos meios de produção no socialismo deverá fazer mais do que um
redistribuição, deve ir além da elevação do consumo geral. As formas de produzir, distribuir e consumir
deverão ser revolucionadas para o aumento do consumo universal ser menos, não mais, destrutivo dos
recursos da natureza.
66
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/07/1904278-ate-2-de-agosto-humanidade-tera-
consumido-todos-os-recursos-de-2017.shtml
As forças produtivas também se tornam destrutivas por impelirem ao uso das forças
destrutivas (setor III, produção bélica). Quando o desenvolvimento das forças de
produção geram contradições interestados, cujos principais exemplos na história são a I
e II guerras mundiais, quando pressupõe grandes conflitos armados, há esta
autometamorfose.
O setor III, destrutivo, por seu lado, pode ser relativamente – ou seja, em baixo grau
– construtivo67, na medida de seu impulso a renovações técnicas para os setores I e II.
Isto, porém, é limitado e mais limitado na crise estrutural-sistêmica, percebe Mèszáros,
pois: 1) seu desenvolvimento é desenvolvimento da capacidade de destruição; 2) seus
produtos têm por valor de uso destruir – o homem, a natureza, as coisas e seus próprios
produtos; 3) parte importante das renovações técnicas é inviável porque suas aplicações
não são lucrativas; 4) há montantes de pesquisas inúteis (caso do vaso sanitário
resistente à explosões atômicas68); 5) com a crise sistêmica, muitos investimentos são
inviáveis, mesmo quando desejáveis; 6) as forças produtivas tornam-se, em essência,
destrutivas. Mèszáros, inspirado por Rosa, demonstra o investimento neste setor
“improdutivo” como forma de enfrentar a surperprodução crônica tendencial, na medida
em que a construção de armamentos exige muitas peças, muitos valores de uso,
demanda sendo assim suprida artificialmente.
Do setor destrutivo em si, setor III, surge um novo fator: pela primeira vez, a
aplicação técnica da ciência na área militar pode causar destruição absoluta da
humanidade, não apenas relativa.
Ofereçamos ao debate teórico exemplo conjuntural, concreto. Os acordos
ambientais de maior importância focam na redução do estrago ambiental nos países do
“primeiro mundo”, pois são grandes poluentes, enquanto os “países em
desenvolvimento” podem evitar tal constrangimento de suas economias… Quando o
Governo Trump, tentando atrair o capital internacionalizado (tema de outro capítulo)
para seu país, rompe os acordos climáticos, encontra protesto duro das grandes
empresas poluentes e da grande poluidora China… A verdade sobre os tratados
ambientais é muito econômica: o capital internacionalizado encontrou um mecanismo
prático e ideológico para estimular a transferência das empresas aos países onde é mais
fácil extrair mais-valor (explorar), livrar-se de leis trabalhistas e voltadas ao meio
ambiente, cheios de recursos naturais, com novíssimo mercado consumidor potencial,
etc. Na possibilidade de extinção de nossa espécie, os grandes capitalistas encontram
novas oportunidades…
Nesta última fase do capitalismo, o dinheiro torna-se uma força destrutiva. E
destrutiva das próprias relações do capital. Das inúmeras manifestações, destacamos e
antecipamos: a busca por lucro degenera e destrói o Estado (dívidas públicas, etc.), a
natureza, os homens69, a qualidade da arte… e a própria base econômica em que se
sustenta. Voltemos a exemplos concretos e mais econômicos. O capital financeiro, os
investimentos internacionais especulativos e fictícios, tem a capacidade de formar
ataque especulativo sobre uma nação caso o novo governo não seja de seu agrado, não
desperte confiança “nos mercados”, retirando seus investimentos e, logo, alterando a
relação intermoedas no comércio internacional daquele país. Os keynesianos culpam as

67
Esta afirmação pode causar espanto, mas a ciência 1) é neutra em si, porém pode não o ser em seu
uso classista – e: o que aqui é destrutivo, amanhã pode ser usado em outros fatores; 2) precisa, a
ciência, no caso desta obra, produzir conclusões longe da necessidade de agradar paladares.
68
Citado em Para além do Capital, Mèszáros, editora Boitempo.
69
Veja-se a precarização, as doenças físicas típicas do capitalismo ou a depressão tendendo a ser a
principal causa de afastamento do trabalho. Ao longo da obra aprofundaremos.
crises pelo aumento dos juros em favor dos oportunistas bancos e contra a produção
enquanto o marxismo vê enquanto primeiro fenômeno de uma crise latente; porém, hoje
podemos enfim dar alguma razão à teoria burguesa, pois em muitos países há um grau
de desregulação tal que o capital a juros suga parasitalmente o país à revelia da
economia real (em outro capítulo falaremos da historicidade de tal processo). Enquanto
a taxa de lucro no setor produtivo é baixa e tende a decair, mesmo a queda dos juros (de
muitos bancos centrais chega a ser reduzido a zero), tornando o crédito, o dinheiro,
barato, os novos investimentos priorizam o mercado de ações, o capital fictício, as
bolhas especulativas cujas taxas imediatas são maiores.

SUPERPRODUÇÃO CRÔNICA LATENTE


Para sair de uma crise, o capital utiliza alguns caminhos, quais sejam: 1) novos
mercados ou desenvolvimento extensivo do capital, mas o mundo está todo ocupado,
mercantilizado; 2) novas tecnologias ou desenvolvimento intensivo do capital, no
entanto toda “novidade” rapidamente sobra nas prateleiras – este é o grande problema,
originado na elevada técnica de produção; 3) guerra, o que é – ainda – uma hipótese,
apesar de perigosa, pois uma guerra nuclear seria o fim do capitalismo lavando junto ao
túmulo a civilização; 4) concentração e centralização de capitais, porém isso já ocorre
em altíssimo nível.
Se as teses deste livro – e as de Mészáros, Kurz e Moreno – estão corretas, então,
segundo afirmam Engels e Marx, em A Ideologia Alemã, chegamos ao clímax histórico
no qual a revolução é uma necessidade máxima e plenamente madura:

“A concepção da história que acabamos de expor permite-nos ainda tirar as seguintes


conclusões: 1, No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio em que
surgem forças produtivas e meios de circulação que só podem ser nefastos no âmbito
das relações existentes e já não são forças produtivas mas sim forças destrutivas (o
maquinismo e o dinheiro), assim como, fato ligado ao precedente, nasce no decorrer
desse processo do desenvolvimento uma classe que suporta todo o peso da sociedade
sem desfrutar das suas vantagens, que é expulsa do seu seio e se encontra numa
oposição mais radical do que todas as outras classes, uma classe que inclui a maioria
dos membros da sociedade e da qual surge a consciência da necessidade de uma
revolução, consciência essa que é a consciência comunista e que, bem entendido, se
pode também formar nas outras classes quando se compreende a situação desta classe
particular.” (p. 23.)

E continuam:

“2. As condições em que se podem utilizar forças produtivas determinadas são as


condições de dominação de uma determinada classe da sociedade o poder social desta
classe, decorrendo do que ela possui, encontra regularmente a sua expressão prática sob
forma idealista no tipo de Estado próprio de cada época; é por isso que toda a luta
revolucionária é dirigida contra uma classe que dominou até então. Em todas as
revoluções anteriores, permanecia inalterado o modo de atividade e procedia-se apenas
a uma nova distribuição dessa atividade, a uma nova repartição do trabalho entre outras
pessoas; a revolução é, pelo contrário, dirigida contra o modo de atividade anterior,
suprime o trabalho e acaba com a dominação de todas as classes pela supressão das
próprias classes - pois é realizada pela classe que, no âmbito da atual sociedade, já
não é considerada como uma classe dentro dessa sociedade e constitui a expressão da
dissolução de todas as classes, de todas as nacionalidades, etc. (p. 23-24)

Em síntese de época70: 1) as forças produtivas cresceram ate o início do século XX;


2) estagnaram, pararam de crescer (Trotsky), no começo deste século até o fim da II
Guerra Mundial; 3) em seguida, desenvolveram-se como forças destrutivas – desde
então e acentuado a partir de 1970.
Continuemos; vejamos as ações e contradições. Daqui em diante, é importante
lermos os gráficos abaixo comparando dois fatores centrais: de um lado, elevação da
produtividade e, de outro, aumento do desemprego e da precarização do trabalho. A
produtividade por pessoa manteve-se em elevação71:

A partir da tendência – negada72 – à queda da taxa de lucro, a automação/robótica


gerou e gera a) de um lado, aumento enorme da produtividade; b) de outro, aumento
70
Todo ofício tem seu vício. O dos marxistas é o otimismo, a pressa; Marx e Engels achavam que sua
época estava madura para o socialismo, e erraram. Após as revoluções de 1848, a partir de 1951, houve
uma ascendência do capitalismo. No próximo capítulo, argumentaremos como o momento anunciado
por eles parece ter chegado. Fica o adiantamento: há momentos, em onda, em que o capitalismo fica
cada vez mais destrutivo; assim era quando os dois alemães escreveram esta obra.
71
http://stat.kushnir.mk.ua/pt/gdp/world.html
72
Na física, sabe-se que “um corpo em movimento tende a permanecer em movimento” quando
observada esta lei em abstração, embora ela seja em constância negada pela resistência do ar, pelo
atrito, etc. Da mesma forma, sabe-se, e reforçado em experimentos no vácuo, que dois corpos são
igualmente atraídos pela gravidade da Terra, independente de seus pesos (mesmo com massas
diferentes, a diferença é irrisória). São conclusões importantíssimas para compreender a realidade
natural. A lei tendencial à queda da taxa de lucro também é constantemente negada, sofre constante
resistência por meio da concentração e centralização dos capitais, aumento da composição orgânica do
enorme do número de desempregados e, por consequência, dos trabalhos precários, mal
pagos, estímulo à lei da tendência à miséria crescente; c) maior concentração e
centralização de capitais; d) aumento da composição orgânica do capital em detrimento
da única fonte de riqueza, o trabalho. Ao fim: tendência constante à superprodução
crônica, não cíclica; contradição entre produção e comércio. Isto gera também a
tendência à estagnação em alguns países relativamente maduros, ao fim da elevação da
produtividade, que tenderá a ocorrer, a elevar-se, quando e se ocorrer, de modo passivo,
ou seja, pelo mero aumento populacional – sem superar absolutamente a proporção
deste limite73.
Esta tendência – à superprodução crônica latente – mostra-se, revela-se, de formas
variadas: fragilização dos valores de uso (obsolescência programada), fusão de valores
de uso num único suporte, deflação, renovação acelerada do maquinário etc. Ora se
revela como crise e ora como aparência de contratendência; geram-se novas
mercadorias onde há excesso de mercadoria. Isto se dá porque o capitalismo eleva o
consumo, a demanda, até certo limite e tendencia, em principal, a diminuir a demanda
por precarização do trabalho, desemprego, guerras locais etc. Portanto, um limite
relativo, pois se define em relação ao outro, a outro limite: a permanente tendência à
crônica superprodução não é algo em si, as leis do capital impedem a elevação da
demanda mesmo quando a maioria passa fome e poderia – em si, hipoteticamente –
elevar o consumo. A superprodução crônica é, por isso, um limite e autolimite
delimitado historicamente. Suponhamos, para exemplificarmos: os governos burgueses
criam a utópica renda universal, salário universal para todos, já que afirmam permitir
elevar o consumo global e evitar a crise. Logo, o chicote do desemprego e fome deixa
de disciplinar os trabalhadores, e todos os ramos de trabalho não automatizados ficam
instáveis com a indisciplina e descontrole do ritmo desta ferramenta, o assalariado. Por
si, isto gera crise. Mas continuemos: este dinheiro, desvalorizando o próprio dinheiro,
servirá, pelo menos em parte, para pagar as dívidas pessoais com bancos e tornará estes
mais frágeis, e em crise. Outro elemento. O central: este dinheiro só pode vir do Estado
pela substituição dos serviços “gratuitos”, direitos conquistados com suor e sangue, por
dinheiro e privatização dos organismos estatais (escolas, hospitais etc.). Ajudaria o atual
desenvolvimento do capital na área de serviços. Se a burguesia mudar de ideia? Luta de
classes para manter este salário universal, e crise. Tiremos, abstraiamos, a maior parte
da realidade na análise tal como fazem a maioria dos economistas, para argumentar

capital, aumento da exploração, redução de impostos sobre capitais, etc.; ora se revela e ora sofre
resistência maior. “A tendência progressiva da taxa geral de lucro a cair é, portanto, apenas uma
expressão peculiar ao modo de produção capitalista para o desenvolvimento progressivo da força
produtiva social de trabalho. […] Como a massa de trabalho vivo empregado diminui sempre em relação
à massa de trabalho objetivado, posta por ele em movimento, isto é, o meio de produção consumido
produtivamente, assim também a parte desse trabalho vivo que não é paga e que se objetiva em mais-
valia tem de estar numa proporção sempre decrescente em relação ao volume de valor do capital global
empregado. Essa relação da massa de mais-valia com o valor do capital global empregado constitui,
porém, a taxa de lucro, que precisa, por isso, cair continuamente.” (MARX, 1985-1986, p. 164). “O
mesmo comércio exterior porém desenvolve no interior o modo de produção capitalista, e com isso a
diminuição do capital variável em relação ao constante, e produz, por outro lado, superprodução em
relação ao exterior, tendo por conseguinte, no decurso posterior, também o efeito contrário. E assim
mostrou-se, de modo geral, que as mesmas causas que acarretam a queda da taxa geral de lucro
provocam efeitos contrários, que inibem, retardam e em parte paralisam essa queda.” (MARX, 1985-
1986, p. 181). (K. Marx. O Capital: crítica da economia política. Livro III, volume I. 2. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1985-1986.) Marx descobre que uma operante tendência gera as próprias contratendências
internas, não externas, em sistemas complexos.
73
É o caso do Brasil.
contra estes: então o excesso de consumo gerará crise ambiental irreversível e, além
disso, um novo salto de elevação da oferta em relação à demanda – crise. Apenas se
pode resolver a contradição de uma parte do total funcionamento do sistema revelando,
acentuando e explodindo outras. Hoje, pode-se adotar e adota-se uma renda mínima aos
desempregados enquanto maneira de gerir e lumpenizar o numérico exército industrial
de reserva (subclasse dos desempregados); e revela – renda mínima de desemprego,
auxílio salário, Bolsa Família no Brasil etc. – um dos elementos da crise sistêmica,
análogo e comparável à política do “Pão e Circo” no escravista Império Romano em sua
decadência.
Isso, tendência à queda da taxa de lucro e permanente à crônica superprodução, se
manifesta – de 1700 a 2012 e, mais evidente e acentuado, de 1912 a 2012 – no
crescimento da produção mundial, da produtividade e da composição orgânica do
capital em proporção inversa ao rendimento do capital74:

Vejamos outro gráfico75:

7474
P. 456. Pikett.
75
Como liberal clássico, Piketty considera o capital como coisas, não processos sociais delimitados
historicamente – por meio das coisas. Apesar disso e considerado isso, seus dados nos servem com
alguma imprecisão, pois levam em conta todo tipo de atividade econômica. Também nos é uma forma
particular de ver em generalização.
No marxismo, avaliamos a taxa de lucro pelo setor industrial e, depois, agregamos o comercial. Piketty
considera toda e qualquer fonte de lucro, todo empreendimento. Este é o limite destes gráficos. No
próximo capítulo apresentaremos dados mais profundos sobre o tema.
Segundo Piketty, um tanto quanto contrariado, esse gráfico aponta “que o
rendimento líquido deduzido de impostos (e de perdas) caiu para apenas 1-1,5% por
ano ao longo do período 1913-1950 — ou seja, abaixo da taxa de crescimento. Essa
situação inédita se repetiu entre 1950 e 2012, considerando a taxa de crescimento
excepcionalmente alta” (p. 455). Um século de “situação inédita” (!), no mesmíssimo
momento de consolidação da fase imperialista…

A produtividade – condição básica para a substituição do sistema – também se


revela assim (p. 117):
Mais uma vez, Piketty faz a síntese:

“A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande medida,


numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do
fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi
excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs
um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda
agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos
trinta anos, os “Trinta Desafortunados” (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta
anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como
antes.”
(…)
“A evolução comparada das taxas de crescimento europeias e americanas
representadas no Gráfico 2.3 demonstra esse argumento de maneira evidente. Na
América do Norte, não existe nostalgia dos “Trinta Gloriosos”, simplesmente porque lá
essa época jamais existiu: a produção por habitante cresceu quase no mesmo ritmo ao
longo de todo o período 1820-2012, em torno de 1,5-2% ao ano. Sem dúvida, caiu
ligeiramente durante os anos 1913-1950, ficando pouco acima de 1,5%, depois apenas
um pouco abaixo de 2% em 1950-1970 e, ainda, levemente abaixo de 1,5% durante
1990-2012. Na Europa Ocidental, que foi muito mais afetada pelas duas guerras
mundiais, as variações são incomparavelmente mais fortes: a produção por habitante
estagnou entre 1913 e 1950 (com um crescimento de, no máximo, 0,5% ao ano), então
saltou para mais de 4% de crescimento anual entre 1950 e 1970, antes de sofrer uma
queda brusca e se estabilizar = no nível americano (ou levemente acima dele) no
período 1970-1990 (pouco acima de 2%) e no período 1990-2012 (sem superar 1,5% ao
ano). A Europa Ocidental teve uma “era de ouro” do crescimento entre 1950 e 1970,
que depois caiu pela metade — ou até para um terço — nas décadas seguintes. (…)” (p.
120.)

Assim, a taxa de lucro nos países centrais tende a cair76:

76
O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; Guglielmo Carchedi; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
Enquanto o valor – custo – dos meios de produção tende a crescer (EUA)77:

O capitalista se vê diante da necessidade de renovar aceleradamente – como


antes nunca – o maquinário, aumentar a composição técnica-orgânica do capital78.
Numa crise cíclica, isso pode significar um tempo médio de crescimento dos lucros via
derrota da concorrência, fusão de capitais, multiempresas, aumento dos juros,
privatização etc. na mesma proporção – e também por razão disso – do aumento do
desemprego e trabalho precário, falência de grandes e pequenos empreendimentos etc. É
o lucro destrutivo.

LEI DO DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E COMBINADO NA TÉCNICA


DE PRODUÇÃO

Uma das conclusões da lei do desenvolvimento desigual (e combinado) é que o


atraso relativo, acumulando contradições, força saltos – e os permite.
Isto é particularmente observável no modo capitalista de produzir.7980

77
O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; Guglielmo Carchedi; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
78
Composição técnica é o desenvolvimento do maquinário em si, sua capacidade, sua produtividade;
composição orgânica é expresso no valor, expresso no valor de troca preço, da máquina (e matéria-
prima). Ambos se definem relativo ao salário dos trabalhadores e a quantidade destes empregados. Em
certas circunstâncias, a composição técnica pode crescer ao lado de seu menor preço e menor relativo
ao número ou salário dos trabalhadores, ou seja, menor composição orgânica; no entanto, a tendência
geral é elevação de ambos.
79
“Não esqueçamos, caros ouvintes, que o atraso histórico é uma noção relativa. Se existem países
atrasados e avançados, há também uma ação recíproca entre eles. Há a opressão dos países avançados
sobre os retardatários, bem como a necessidade para os países atrasados de alcançar aqueles mais
adiantados, adquirir-lhes a técnica, a ciência etc. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento:
as características mais atrasadas se ligam à última palavra da técnica e do pensamento mundiais. Enfim,
os países historicamente atrasados são por vezes obrigados a ultrapassar os demais. A elasticidade da
consciência coletiva confere a possibilidade de conseguir, em certas condições, sobre a arena social, o
No século XVI, também antes, as nações com maior propriedade privada feudal
produziam excedentes, que eram vendidos no mercado local e mundial. Com o impulso
das navegações ao comércio, a Holanda torna-se a nação mais especializada no fluxo de
mercadorias. Isto estimulou sua produção, mas a especialidade mercantil e as relações
de propriedade colocavam barreiras à nação mais avançada à época.
Coube à Inglaterra superar este problema com maior maestria, por meio de seu
atraso. Em seu território havia presença elevada de terras comunais, de propriedade e
uso comum dos camponeses e das pequenas vilas. Esta relação com a propriedade da
terra, “atrasada” relativo à grande propriedade feudal, permitiu ao Estado incentivar o
roubo destas, transformando-as em grandes pastos, produtoras de matéria-prima e
desempregados nas cidades… Está oferecida a base para o desenvolvimento pleno da
manufatura: 1) trabalhadores livres – da terra, da propriedade e da dignidade; 2)
produção voltada ao comércio. Por este meio, deu-se a possibilidade da vitória do
capital sobre o trabalho, a I Revolução Industrial, final o século XVIII. Assim, a
Inglaterra domina a produção e a distribuição.
Com colonização voltada ao domicílio, e casa dos exilados europeus, os EUA
precisaram de duas guerras para avançar sobre seu atraso: independência colonial sobre
a Inglaterra e guerra civil contra a escravidão. Ainda assim, suas tentativas de
modernização produtiva – como as barreiras alfandegárias – esbarravam no fator
humano: os imigrantes, muitos perseguidos por posições sociais de vanguarda, tinham
diante de si terra vasta e ociosa, clima com o qual era íntimo e muito solo produtivo. Por
isso, era quase impossível ao industrial controlar o operário, discipliná-lo e precarizá-lo,
pois este buscava seu sustento de modo mais digno e autônomo possível. Vencendo o
atraso, ganhando dinâmica aos saltos, este país teve de investir em capital fixo, em
maquinário, para resolver este problema com mão-de-obra, o que permitiu salto na
produtividade – II Revolução Industrial. Na Europa, outro país a correr atrasado, a
Alemanha, também teve de acelerar-se por saltos (tendo limitações, em seguida, em
obter matéria-prima e mercados).
Após a II Guerra Mundial, mundo sob a tutela dos EUA, o Japão ver-se diante de
limites: com a derrota, tem menor demanda mundial e – por suas características –
interna. O aperfeiçoamento do fordismo para atender diferentes públicos e escala de
produção faz surgir o toyotismo, que projeta este país.
Neste mesmo período, Alemanha e Japão convivem com os Estados Operários
Deformados perto de si – um perdendo metade de seu território – e as condições
impostas pelo fim da guerra, com a supremacia ianque. Nestas duas nações dar-se
impulso inicial, e mais contínuo que nos EUA, pela implementação da automação e
robótica, da III revolução industrial.
Percebemos a impossibilidade de abstrairmos a luta de classes. Agora, veremos
setores produtivos e suas características particulares, indo mais ao abstrato.
É desigual a capacidade dos setores de evoluírem tecnicamente.
A construção civil ainda hoje tende a permanecer com a produção cooperada, pré-I
revolução industrial, por razão da própria atividade concreta exigida pelo valor de uso.

resultado que em psicologia individual se chama “compensação”. Pode-se afirmar, neste sentido, que a
Revolução de Outubro foi para os povos da Rússia um meio heroico de superar sua própria inferioridade
econômica e cultural.” (Conferência pronunciada por Leon Trotsky em 27 de novembro de 1932, em
Copenhague, Dinamarca. Este texto foi publicado na Revista Marxismo Vivo nº 16.)
80
O novo na dialética é expresso em categorias: 1) o novo por mudanças de quantidade para qualidade
– por acúmulo de mudanças ou por acúmulo de contradições, salto-ruptura; 2) o novo por combinação e
fusão de elementos diferentes, desenvolvimento desigual e combinado. Sobre isto, ver “Lógica Marxista
e Ciências Modernas”, Moreno.
Apenas com a III revolução produtiva, com as impressoras 3D, que produzem também
prédios, isto pode ser superado – por salto81.
A produção artesanal cooperada de carros, pré-I revolução técnica, mal pôde
evoluir com o taylorismo (controle gerencial das habilidades particulares do operário).
Precisou, por isso, dar um salto para a II revolução industrial, para o fordismo. No
entanto, a produção ainda permaneceu muito dependente das habilidades singulares dos
operadores – medir, calcular, encaixar etc. Enquanto parte significativa das fábricas
pôde ir da II para a III revolução industrial por mera substituição do movimento dos
trabalhadores pelo movimento de tipo novo de máquina, automação; a indústria
automotiva tem necessitado dar inteligência, habilidades, ao maquinário – a robótica.

O desenvolvimento desigual e combinado mostra uma das suas aplicações,


implicações, na história: saltar etapas.
Dado o movimento geral central, tratemos da produção nas colônias.
Como se deu o salto, deveras violento, do comunismo primitivo ao mercado
mundial?

Posição lógico-formal: a produção era capitalista, pois voltada ao mercado.


Posição lógico-formal: a produção não era capitalista, pois relações de produção
escravistas.
Posição lógico-dialética (Moreno): a produção era voltada ao capitalismo,
mercantil, mas – e mais – viu-se obrigada a adotar relações de produção escravistas,
pré-capitalistas, para saltar do primitivismo à conexão mundial impessoal.

“La colonización española, portuguesa, inglesa, francesa y holandesa en América


fue esencialmente capitalista. Sus objetivos fueron capitalistas y no feudales: organizar
la producción y los descubrimientos para efectuar ganancias prodigiosas y para colocar
mercancías en el mercado mundial. No inauguraron un sistema de producción capitalista
porque no había en América um ejercito de trabajadores libres en el mercado. Es así
como los colonizadores para poder explotar capitalísticamente a América se ven
obligados a recurrir a relaciones de producción no capitalista: la esclavitud o una semi-
esclavitud de los indígenas. Producción y descubrimientos por objetivos capitalistas;
relaciones esclavas o semi-esclavas; formas y terminologías feudales (al igual que el
capitalismo mediterráneo) son los tres pilares en que se asentó la colonización de
América”.82

Uma das demonstrações da necessidade capitalista de relações de produção não


capitalistas, do sistema escravista, ocorre quando, em parte do nordeste, o mais-trabalho
não se transformava em mercadoria, substituindo – em total ou parcialmente – a figura
do escravo pela a do funcionário, o vaqueiro etc. Quando o gado é afastado da cana de
açúcar e é criado solto, em criação extensiva, tende a soltar o trabalhador das relações
escravistas, pois precisa de mobilidade83.

81
A chamada IV revolução industrial nada mais é que o aprofundamento da III, tem a mesma natureza
qualitativa.
82
Cuatro tesis sobre la Colonización española y portuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
83
"a elevada rentabilidade do açúcar, produto de lavoura exclusivamente comercial, não permitia ao
lado dos canaviais a fixação da atividade criatória complementar, porquanto lhe diminuiria as áreas para
agricultura. A penetração do interior adveio como consequência." (2001, p. 28)
A partir de seus elementos desigualmente desenvolvidos, o salto dialético por sobre
o atraso na produção toma forma particular nas colônias de monocultura – do atraso
absoluto à combinação, sob função capitalista, de diferentes etapas históricas da
humanidade. Isto também explica seus atrasos e por que as contradições facilitam a
revolução socialista nestas nações, antes dos países adiantados.

CONTRADIÇÕES PRÓPRIAS

Diferente do que imaginam os marxistas de visão determinista da economia, a III


revolução industrial tem como causa das causas a luta de classes antes do avanço
científico ou econômico “puro”. Por essa razão, EUA, Japão e Europa Ocidental
(Alemanha) foram os protagonistas da automação/robótica: temendo a revolução
socialista em suas fronteiras, aproveitaram a brecha história e promoveram o Estado de
Bem-estar social, uma qualidade de vida incomum para os assalariados de seus países.
Exato isso, qualidade de vida aos subalternos, estimula a substituição do trabalho vivo
por maquinaria84. Marx descobre:

Tão logo a redução da jornada de trabalho – que cria a condição subjetiva para a
condensação do trabalho, ou seja, a capacidade do trabalhador de exteriorizar mais
força num tempo dado – passa a ser imposta por lei, a máquina se converte, nas mãos
do capitalista, no meio objetivo e sistematicamente aplicado de extrair mais trabalho
no mesmo período de tempo. Isso se dá de duas maneiras: pela aceleração da
velocidade das máquinas e pela ampliação da escala da maquinaria que deve ser
supervisionada pelo mesmo operário, ou do campo de trabalho deste último. (O capital
I, p. 484)

Estímulo maior não há. Para medirmos as consequências desse procedimento; mais
uma vez, Marx:

A parcela da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população


supérflua, isto é, não mais diretamente necessária para a autovalorização do capital,
sucumbi, por um lado, na luta desigual da velha produção artesanal e manufatureira
contra a indústria mecanizada (Atualizemos para substituição da produção “fordista”
pela atual) e, por outro, inunda todos os ramos industriais mais acessíveis, abarrota o
mercado de trabalho, reduzindo assim o preço da força de trabalho abaixo de seu
valor. (O Capital I, p. 503)

Assim sendo, a qualidade de vida no capitalismo é a causa própria da futura perda


da qualidade de vida. Concluamos um pouco mais; o desenrolar dos fatos expostos,
guiados pelas citações acima, demonstra um tal nível de precarização do trabalho,
tornado barato e abundante, que podemos concluir um lei da III revolução industrial85: a

“[…] Elemento preponderante na formação piauiense, na medida em que concorreu para a integração
da área na obra de unidade nacional, apresentou sempre caráter de subsistência, limitando por isso
mesmo, as fronteiras econômicas aquém e além do Piauí” (SANTANA, 2001, p. 32.).
84
Mais evidente, a luta de classes interburguesa, interempresas, também cumpre esse papel.
85
Kurz foi quem primeiro apreendeu esta tendência, embora com impressionismo. Aliás, a teoria desse
autor é a base primeira das conclusões presentes neste capítulo.
automação impede a automação86. Essa autocontradição ocorre porque só poderemos
colocar as máquinas para trabalhar em todos os ramos, libertando o homem do trabalho
manual, por meio do socialismo. Incluso pelo barateamento individual da mercadoria
consumida pelo operário, em inúmeras circunstâncias, mais caro renovar a maquinaria a
contratar trabalhadores desprovidos de alternativa e dignidade. No mais, a simplificação
do trabalho, a substituição do trabalhador por máquinas, o aumento do número de
desempregados concorrendo por um emprego, o consumo permitindo aumento
populacional, a concentração urbana, a automação em setores não produtivos de
mercadorias, o fim do socialismo “real”, etc.: todos esses elementos fazem surgir uma
classe média assalariada precária e urbana87. Daí resulta a tendência já presente no
instinto classista e analítico da maioria: desemprego e redução de salários mais
quantidade maior de mercadorias disponíveis é igual a maior oferta em relação à
demanda (e mesmo que esta cresça88), a superprodução crônica. Portanto, há uma
tendência e uma contratendência, ora uma e ora outra se impondo, e alimentam-se
reciprocamente. Agregam-se as quedas conjunturais dos preços de máquinas, matéria-
prima e bens de consumo da classe trabalhadora proporcionadas pela aplicação da nova
técnica em alguns setores – reduzindo os preços individuais – e redução dos salários.
Transição histórica, por consequência (Prado, 2013)89

(…) é preciso mencionar que as atividades produtivas que já entraram na era pós-grande
industrial podem se beneficiar de uma troca desigual com as atividades ainda presas ao
modo de produzir da grande indústria. Assim, mesmo se não são capazes de gerar mais-
valia em grande montante para remunerar o capital aí empregado, conseguem obter uma
massa de lucro suficiente para garantir o seu próprio nível de lucratividade e, assim, a
sua própria viabilidade enquanto produção capitalista. Ora, ao tornar possível a
existência de processos tecnologicamente avançados, a troca desigual contribui para a
sobrevivência do capitalismo. Mas ele não vai durar para sempre...

Traduzindo a citação, a fórmula: l=Δm – lucro é igual ao mais-valor extra,


extraído de outra produção, que produz valor e mais-valor, quer seja, o trabalho não
pago. O cálculo pode ser expresso de modo mais amplo: l=M-k, sendo M=k+ Δm –
lucro é igual valor extraído da venda do conjunto das mercadorias menos os custos de
produção, desprovidos de capital variável. E o preço de produção da indústria
automatizada: k+Δm – custo de produção mais preço acima desse custo, abaixo do
médio valor de mercado. Produz valor de uso enquanto repassa à mercadoria os valores
gastos na sua produção, acrescido de valor extra. A ilusão aparencial do capitalista de
ser ele quem produz e determina, com o pensamento (idealismo), o mais-valor, o valor
acrescido, parece encontrar realidade empírica e confirmação; e a ilusão na hora do
86
Completamos: toda revolução industrial gera sua própria contratendência, e Marx já havia exposto.
Tratamos do caso único da III Revolução Industrial.
87
A lei da miséria crescente, revelada por Marx, negada de modo relativo em alguns países
imperialistas, por algumas décadas, faz surgir, de um lado, uma subclasse dos desempregados e, de
outro, uma variação nova das classes médias, da pequena burguesia, dentro da “classe média
assalariada”, dividida, em generalização, em precária ou aristocrática.
88
Antes da manifestação de uma crise cíclica, é comum haver elevação geral do consumo, do emprego e
do investimento o que descarta o subconsumo das massas como causa central de crises. Em real, a
oferta tende a elevar-se qualitativamente em relação à demanda.
89
Da posição e da deposição histórica do valor-trabalho; Eleutério F. S. Prado.
http://niepmarx.com.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/12/10
último macrociclo do capital. Disto, descobrimos: a produção automatizada é capital
produtivo fictício, capital fictício. Porque não produz diretamente o valor do capital
variável e o mais-valor, por romper o lastro do trabalho abstrato; indiretamente extrai
das demais indústrias produtoras da substância social. Finge, aparência, criar valor.
O capital não é coisas mas uma relação social entre os homens, histórica e
específica, mediada pelas coisas (Marx). Os produtores relacionam-se, operam trocas,
de modo indireto, mediado pelo mercado. O capital fictício é capital em si, no nível de
aparência, pela relação prática onde opera; e é fictício, no nível de essência, por
deslocar-se do valor, ou seja, capital sem produção ou realização – no caso do comércio
– de mais-trabalho, ou seja, mais-valor. O nível técnico de uma dada sociedade é a base
e parte da natureza desta mesma sociedade; a II Revolução Industrial é viável e
existente apenas no capitalismo, do e para este, não nos sistemas feudal ou escravista.
Porém, importante evitar deduzir serem matéria-prima e maquinário capital em si, sendo
apenas, em si, objetos. Por sua vez, a III Revolução Industrial constitui-se forma técnica
e social de transição. Por sua natureza produtiva.
Complementando os demais dados, veremos a seguir, salto a salto, o crescimento
do desemprego nos países ricos dos anos 1950 até a década de 1990 – destaque para a
Espanha90:

Por evidente, com a crise, 2008, esses números acentuaram-se. Abaixo, o site
oficial da ONU no Brasil, expõe:

90
https://www.stat.berkeley.edu/~aldous/157/Papers/world_economy.pdf Página: 134.
A persistência de altas taxas de desemprego em todo o mundo e a vulnerabilidade
crônica dos empregos em muitas economias emergentes e em desenvolvimento ainda
estão afetando profundamente o mundo do trabalho, adverte um novo relatório da
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O número final de desemprego em 2015 é estimado em 197,1 milhões. Em 2016
está previsto um aumento de cerca de 2,3 milhões, o que levaria o número a 199,4
milhões. Já em 2017, mais 1,1 milhão de desempregados provavelmente serão
adicionados ao registro global, de acordo com o relatório World Employment and
Social Outlook – Trends 2016 (WESO) da OIT.
“A significativa desaceleração das economias emergentes, aliada a um declínio
acentuado nos preços das commodities, está tendo um efeito dramático sobre o mundo
do trabalho”, afirma o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
“Muitos trabalhadores e trabalhadoras estão tendo que aceitar empregos de baixa
remuneração em economias emergentes e em desenvolvimento, mas também cada vez
mais nos países desenvolvidos. E apesar da queda no número de desempregados em
alguns países da União Europeia e nos Estados Unidos, muitas pessoas ainda estão sem
emprego. Precisamos tomar medidas urgentes para aumentar o número de
oportunidades de trabalho decente ou corremos o risco de intensificar as tensões
sociais”, acrescenta ele.
Em 2015, o desemprego global total foi de 197,1 milhões – 27 milhões superior ao
nível pré-crise de 2007.
A taxa de desemprego das economias desenvolvidas diminuiu de 7,1% em 2014
para 6,7% em 2015. Na maioria dos casos, no entanto, estas melhorias não foram
suficientes para eliminar a lacuna de empregos que surgiu como resultado da crise
financeira global.
Além disso, as perspectivas de emprego se enfraqueceram nas economias
emergentes e em desenvolvimento, notadamente no Brasil, na China e nos países
produtores de petróleo.
“O ambiente econômico instável, associado a fluxos de capital voláteis, a mercados
financeiros ainda disfuncionais e à escassez de demanda global continuam a afetar as
empresas e a desencorajar o investimento e a criação de empregos”, explica Raymond
Torres, diretor do Departamento de Pesquisa da OIT.
(…)
Os autores do WESO também apontam para o fato de que a qualidade do emprego
continua a ser um grande desafio. Embora tenha havido uma diminuição nas taxas de
pobreza, a taxa de declínio do número de trabalhadores pobres nas economias em
desenvolvimento desacelerou e o emprego vulnerável ainda responde por mais de 46%
do emprego total no mundo, afetando quase 1,5 bilhão de pessoas.
O emprego vulnerável é particularmente alto nos países emergentes e em
desenvolvimento, atingindo entre metade e três quartos da população empregada nesses
grupos de países, respectivamente, com picos no sul da Ásia (74%) e na África
Subsaariana (70%).
Enquanto isso, o relatório mostra que o emprego informal – como um percentual do
emprego não agrícola – é superior a 50% em metade dos países em desenvolvimento e
emergentes com dados comparáveis. Em um terço desses países, o emprego informal
afeta mais de 65% dos trabalhadores.
“A falta de empregos decentes leva as pessoas ao emprego informal, que é
tipicamente caracterizado por baixa produtividade, baixa remuneração e falta de
proteção social. Isso precisa mudar. Uma resposta urgente e determinada à altura do
desafio mundial de empregos é fundamental para a implementação bem-sucedida da
Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, recentemente adotada pelas Nações
Unidas”, conclui Ryder.91

Façamos mediação. Os dados oficiais dos governos deformam, em geral, os dados


reais. Por exemplo: se alguém desiste de procurar emprego, deixa de listar entre
desempregados; se alguém da família está empregada, idem; se nunca se empregou; se
trabalha, mas sem carteira assinada etc. São formas estatísticas de burlar parte da
realidade, “reduzir” de maneira artificial o nível de desemprego e subemprego.
Quando se torna difícil elevar lucros e evitar crise por meio da técnica, a burguesia
prioriza ainda mais – como quase sempre – a precarização do trabalho enquanto meio de
extrair mais-valor e mecanismo para vencer concorrência92. Apesar disso e por isso
(aumento do desemprego – observação: a automação, de um lado, e a fuga de capital
produtivo, de outro, faz com que grande parte dos empregos nos países ricos seja na
área de serviços, o que ainda mais impressiona93); ao mesmo tempo, nos EUA e Europa
Ocidental, a taxa de crescimento da produtividade per capita permaneceu sempre
positiva, mas declinante, tendendo a 1% entre 1970 e 2012:

91
https://nacoesunidas.org/oit-desemprego-global-projetado-para-aumentar-em-2016-2017/
92

“As duas taxas [nos EUA] estão estreitamente relacionadas. Esta tabela pode ser lida como se a taxa de
lucro estivesse determinada pela taxa de exploração: até meados da década de 1980, quanto mais
diminui a taxa de exploração mais baixa é a taxa de lucro. A partir dos anos 1980 até 2010, pelo
contrário, quanto maior é a taxa de exploração maior é a taxa de lucro. A conclusão de qualquer
economista neoliberal é que, para aumentar a taxa de lucro deve aumentar a taxa de exploração, ou
seja, que tem de recorrer às políticas de austeridade (para o trabalho, não para o capital).” (Guglielmo
Carchedi; O esgotamento da atual fase histórica do capitalismo; fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo)
93
Em 2012, 76% dos empregos na França e 80% nos EUA eram da área de serviços! Ou seja: aumento da
produtividade, mesmo que com transferência de capital produtivo para os países pobres, e redução
social da classe produtora...
As taxas cada vez menores revelam a tendência longa à estagnação e crise, na
medida em que, no mesmo período, a população mundial cresceu e concentrou-se por
saltos94. De 1913 até 1970 com crescimento ascendente; a Europa Ocidental e os EUA
tiveram a tendência reduzida a partir daí, mas ainda positiva. Após a II Guerra Mundial
e, em especial, a partir de 1970, o capital pôde globalizar-se em altíssimo nível (afinal, o
modo de fazê-lo foi causa da guerra), colocando todo o mundo integrado no processo de
autovalorização do valor. De modo desigual, mas não oposto, o crescimento da
produtividade caminhou para uma taxa de 2,0%:

94
“Daí segue que, quanto mais o modo de produção capitalista se desenvolve, uma quantidade cada vez
maior de capital se torna necessária para empregar a mesma força de trabalho, e ainda maior para uma
força de trabalho crescente. A força produtiva crescente de trabalho gera, portanto, na base capitalista,
necessariamente uma superpopulação trabalhadora permanente e aparente.” (MARX, 1985-1986, p.
171). (K. Marx. O Capital: crítica da economia política. Livro III, volume I. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural,
1985-1986.)
Em semicontraposição ao nível de emprego; a taxa de crescimento mundial foi,
entre as décadas 1950 e 1980, em torno de 2%, enquanto o “centro o mundo” viu-se em
taxas sempre positivas tendendo a 1%, desde 1970. Percebemos que, no período entre
guerras mundiais, a taxa ficara menor que 1%; em seguida, elevou-se, mas tendeu a
paralisar-se numa mesma média pelo menos desde 1900 (a crise de 2008 faliu e
paralisou parte do setor produtivo) – sempre devemos considerar as informações
conectadas a outros fatores, como o desemprego e a proporção com a altíssima
população mundial e urbana surgida neste mesmo período (aspecto autoevidente, tema e
dados que trataremos em outro capítulo). De novo, caso estadunidense95:

Eleutério, economista e marxista revolucionário, assim comenta o gráfico:


95
Fonte: Fonte: Basu e Foley, 2011. Extraído de: Queda secular da massa de mais-valor II – uma nota
complementar. Eleutério F. S. Prado1
“(…) Ela mostra que o nível da produção da riqueza material, entre o fim da II Guerra
Mundial e o começo do século XXI, tendeu a cair fortemente; indica, ademais, que a
absorção de força de trabalho se tornou cada vez mais fraca com o correr tanto dos anos
dourados quanto dos anos de chumbo (exceto na década dos anos 80), tendendo mesmo
a zero; sugere, (…), que a produtividade do trabalho também tendeu a cair durante
esse período de cerca de 60 anos – entretanto, com uma tendência para si situar num
nível de elevação anual que chega a 1,5 por cento. Em 2008, na cava da depressão, a
elevação da produtividade deve ter caído muito, mas ela deve ter se elevado nos anos
seguintes, mesmo se a recuperação econômica a partir de então – e pelo menos até 2013
– mostrou-se bem fraca. O que é importante notar é que esse gráfico mostra que a
trajetória da economia norte-americana, submetida aos impactos da terceira revolução
industrial, se já não chegou, aproximou-se, da região do colapso. A evidência, porém,
não é perfeitamente consistente com a tese dos teóricos da “crítica do valor” porque eles
parecem sustentar, talvez com base na experiência europeia, que as economias dos
países desenvolvidos já se encontram no interior da região do colapso.”
“(…) Mas vem a ser duvidoso que ela possa ser verificada também nas principais
economias do mundo em que o capitalismo está ainda amadurecendo. Por exemplo,
falar em contração da massa de mais-valor na China seria chocante. Ora, os teóricos
alemães da “crítica do valor” postulam que uma queda tendencial da massa de mais-
valor vem ocorrendo na economia capitalista como um todo e não apenas numa em
particular ou mesmo apenas nas econômicas desenvolvidas.”

Como demonstramos anteriormente, a crise do valor, tendência à substituição


qualitativa do capital variável por capital constante96, é um processo de tendência e
contratendência, de substituição e barateamento da força de trabalho. A industrialização
da China, por exemplo, após seu retorno ao capitalismo, com sua classe operária mal
nutrida e inigualável população sobrante, é uma forma diferente de manifestação do
mesmo processo, da mesma tendência geral9798.
Deste processo, observemos e comentemos este trecho: “Em relação ao crescimento
da produção por habitante, as coisas são bem mais complexas. Esse crescimento
propriamente “econômico” demorou bastante para decolar: ele foi quase nulo no século
XVIII, alcançou um nível mais significativo no século XIX e só se tornou uma realidade
compartilhada no século XX. O crescimento da produção mundial por habitante

96
Na produção, esta é a forma do “concreto em latência”, transferência das várias etapas da produção,
do trabalho manual, para o maquinário e objetivado nele. Reforçamos: 1) concreto: trabalho artesanal;
2) abstrato: cooperação e manufatura; 3) abstrato cada vez mais concreto: grande indústria e fordismo;
4) concreto latente, salto para si: automação/robótica.
97
“Que em sua manifestação as coisas frequentemente se apresentem invertidas é algo conhecido em
quase todas as ciências, menos na economia política.” (p. 607) “De resto, com a forma de manifestação
“valor e preço do trabalho” ou “salário”, em contraste com a relação essencial que se manifesta, isto é,
com o valor e o preço da força de trabalho, ocorre o mesmo que com todas as formas de manifestação e
seu fundo oculto. As primeiras se reproduzem de modo imediatamente espontâneo, como formas
comuns e correntes de pensamento; o segundo tem de ser primeiramente descoberto pela ciência. A
economia política clássica chega muito próximo à verdadeira relação das coisas, porém sem formulá-la
conscientemente. Ela não poderá fazê-lo enquanto estiver coberta com sua pele burguesa.” (p. 612).
(Marx, O Capital I)
98
Uma das características da dialética é a superação do dualismo próprio do método moderno e
kantiano. A oposição dualista (aparência) guarda por detrás de si um processo uno e autocontraditório.
ultrapassou os 2% ao ano entre 1950 e 1990 — graças à recuperação da Europa — e
novamente entre 1990 e 2012, graças à recuperação da Ásia, sobretudo da China, onde o
crescimento foi maior do que 9% ao ano nesse período, segundo as estatísticas oficiais
(um nível jamais visto na história99).” (Piketty; p. 124.). Percebemos que este sujeito, o
valor-capital, salta de continente a continente, pois alcança limites internos aqui, tenta
valorizar-se mais ali, e logo vai empurrando todo o mundo para um limite
tendencialmente total, absoluto…100101
A primeira e básica observação empírica da crise do valor – este ainda existe – é a
existência de fábricas desprovidas de presença operária, fato conhecido e reconhecido
por todos. Nestas, os poucos proletários são numericamente irrelevantes e, em muitos
casos, recebem salários acima da média (aristocracia operária, parte da classe média e
pequeno-aburguesada). “No movimento real, o capital é capital não no processo de
circulação, mas no processo de produção, o da exploração da força de trabalho.” (Marx,
O Capital III, Civilização Brasileira, p. 459.)
Resumamos os dados assim: a tendência à superprodução crônica gera a tendência à
longa estagnação (de 1970 a 2008) até a crise mundial impor-se. Significa: a altíssima
produtividade tende a não se realizar no mercado, ou seja, o valor tende a não se realizar
no comércio, na compra-venda – este é outro aspecto da crise do valor.
Há outro fator ainda, consequência outra. Antes, listemos: 1) o alto avanço técnico
tende a retirar da produção a fonte do valor, a energia humana102; 2) a altíssima

99
Piketty esquece os números astronômicos da URSS quando iniciou seus planos quinquenais (estes,
propostos por Trotsky e a Oposição de Esquerda na URSS, mas implementados com atraso e de modo
ditatorial pela burocracia).
100
Ao espalhar-se por todo o globo terrestre, o capitalismo cada vez mais é um sistema complexo
fechado. Curioso notar a alta vontade de formar colônias espaciais e em Marte, fantasia até há pouco
tempo, como, de um lado, tentativas de expansão da sociedade capitalista, de outro, desejo de fugir
dela própria.
101
Do ponto de vista da filosofia objetiva, é análogo à segunda lei da termodinâmica. Breve comentário:
“Isaac Asimov explica a tendência da entropia crescente e suas consequências de uma forma simples: A
Segunda Lei da Termodinâmica afirma que a quantidade de trabalho útil que você pode obter a partir da
energia do universo está constantemente diminuindo. Se você tem uma grande porção de energia em
um lugar, uma alta intensidade dela, você tem uma alta temperatura aqui e uma baixa temperatura lá,
então você pode obter trabalho dessa situação. Quanto menor for a diferença de temperatura, menos
trabalho você pode obter. Então, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, há sempre uma
tendência para as áreas quentes se resfriarem e as áreas frias se aquecerem - assim cada vez menos
trabalho poderá ser obtido. Até que finalmente, quando tudo estiver numa mesma temperatura, você
não poderá mais obter nenhum trabalho disso, mesmo que toda a energia continue lá. E isso é verdade
para TUDO em geral, em todo o universo. (Em The Origin of the Universe em ORIGINS: How the World
Came to Be, série em vídeo, Eden Communications, EUA, 1983.)” (…) “Em cosmologia, na evolução do
universo no tempo verifica-se uma diminuição da quantidade de energia disponível para a realização de
trabalho. Tal implica uma limitação no tempo da existência do universo tal como se apresenta, pois o
sentido natural das mudanças da natureza é o que origina uma diminuição da qualidade da energia.
Teoricamente, o universo seria o único sistema realmente isolado, e como tal, nele, a quantidade de
energia útil nunca aumenta. Tal questão tem profundas implicações em filosofia no tratamento do que
chamamos tempo em física e num entendimento do universo com este como uma de suas dimensões e
neste em sua história e evolução, implicando difíceis tratamentos no que sejam os modelos cíclicos,
entre estes o modelo de universo oscilante ou "grande rebote (big bounce)". (Wiki.)
102
“O capital tem um único impulso vital, o impulso de se autovalorizar, de criar mais-valor, de absorver,
com sua parte constante, que são os meios de produção, a maior quantidade possível de mais-trabalho.
O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto
mais quanto mais trabalho vivo suga. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante
o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este consome seu
tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista.” (Karl Marx. O capital, Livro I. p. 307. São Paulo,
capacidade produtiva tende à superprodução permanente; 3) os custos com maquinário,
manutenção e renovação deste são cada vez mais onerosos; 4) o aumento do
desemprego e do trabalho precário distancia nível de consumo geral da produtividade
geral; 5) o valor tende a não se realizar como mercadoria; 6) a realidade social-política,
lastreada na economia, tende à maior instabilidade – retroalimenta, por isso, a crise do
valor. E mais: 7) o mais-valor, em meio à autocontradição do valor (a de definhar a si
próprio durante seu avanço), precisa ser destinado a inúmeros setores além daquele
setor da burguesia mais diretamente ligada à produção, ou seja, o total é fragmentando,
destinado partes do trabalho não pago ao dono das terras onde a fábrica está instalada, à
dívida com o maquinário, aos investidores acionistas e ao capital fictício-parasitário, ao
Estado (impostos, etc.), à reserva para futuros investimentos, aos funcionários, ao banco
emprestador, à rede comercial e de transporte das mercadorias, etc. Além do mais, como
parte da crise sistêmica, a destinação improdutiva do mais-trabalho (sob o capital, mais-
valor), e sua extração para outros setores, ganha expressão particular na medida em que
“Há os bens industriais, para os quais o crescimento da produtividade tem sido mais
rápido do que a média da economia, de modo que seus preços têm ficado abaixo da
média. (…) Por fim, há os serviços, para os quais o crescimento da produtividade tem
sido, de modo geral, fraco (até nulo em certos casos, o que explica por que esse setor
tende a absorver uma proporção cada vez maior da mão de obra) e para os quais os
preços aumentaram mais do que a média.” (Piketty; p. 109). Esta desigualdade
acentuada, entre serviços e produção, é a outra expressão importante dos limites
internos da riqueza capitalista, de sua crise; pois esta formação social depende da sua
fonte e estômago, o trabalho fabril e a fábrica, mas a úlcera corrosiva atingiu seu estágio
final, faz metástase e tem seríssimas dificuldades de nutrir, ao mesmo em que é sugado
em dobro e triplo o corpo envolvente, por sua natureza, crescido e inchado. “Mas se”,
pensará o leitor, “as revoluções técnicas da III Revolução Industrial adentrarem de
modo pleno nos setores não fabris?” Então, o desemprego e a precarização do trabalho
atingirão níveis qualitativamente absurdos; o mesmo com a capacidade produtiva; a
desigualdade entre produção e consumo dará saltos sobre saltos: todo o tecido social
experimentaria um processo análogo à água em processo de ebulição e esta sociedade
apenas poder-se-ia evaporar-se, desmanchar-se no ar. Antes e no caminho de conseguir
alcançar este culminante ponto, as contradições muito elevadas tenderão por si à
revolução mundial ou barbárie, a depender das decisões humanas.
Nesta questão:

“Mais barato comprar um braço robótico de US$ 35 mil do que contratar um


funcionário ineficiente por US$ 15/hora e que rouba batatas fritas." A frase pode
parecer proferida por algum vilão de filmes, mas foi dita por Ed Rensi — ex-CEO da
rede de restaurantes McDonald's.
Ele disse isso depois que a os sindicados de trabalhadores dos Estados Unidos
começaram a exigir que haja um pagamento mínimo de US$ 15/hora para os
trabalhadores da rede. Atualmente, a média salarial nas redes de fast food fica pela
metade disso: US$ 7,25.
Rensi diz que forçar esse aumento é ruim. Conforme ele disse para a Fox: "É sem
sentido e muito destrutivo e inflacionário. Isso vai causar perda de empregos em todo o
país de uma forma que você não vai acreditar. (...) Se você não pode ter pessoas com
salários razoáveis, você vai procurar máquinas para fazer o serviço.".

Boitempo, 2013.) Marx demonstra: no lugar de o operário utilizar a máquina, a máquina utiliza o
operário – para gerar mais-valor.
O executivo ainda foi bem enfático ao dizer que forçar salários vai fazer com que a
transição de mão de obra humana para robótica seja ainda mais rápida. Para finalizar,
ele disse que os Estados é que deveriam definir os salários mínimos de um modo
autônomo, não sendo uma decisão federal como a que ocorreu neste caso. Será que
veremos essa substituição, realmente?103

Noutra reportagem, conhecemos melhor este processo:

A cadeia de lanchonetes McDonald's começa a testar robôs em suas lojas. O


objetivo é que toda a preparação dos lanches, da retirada do "freezer" até a colocação do
lanche na embalagem que é posta na bandeja do cliente seja feita por robôs. Serão
também disponibilizadas máquinas de auto-atendimento para que os clientes possam
digitar diretamente seus pedidos. O lanche poderá ser retirado da própria máquina, mas
haverá também a possibilidade de que a bandeja seja levada (por humanos) às suas
mesas.
Os testes começaram na unidade experimental da rede, localizada em Romeoville,
no estado de Illinois (Estados Unidos). A loja, chamada de "Core Innovation Center", é
uma espécie de laboratório avançado, freqüentada basicamente por funcionários. É lá
que a rede desenvolve os equipamentos e as rotinas de trabalho que serão disseminados
por suas lojas ao redor do mundo. Até os horários de pico são simulados. O McDonald's
tem hoje 31.276 de lojas em 119 países. Só no Brasil são 584.
Apesar de todo o esforço tecnológico, a empresa afirma que o objetivo da
automação será a liberação do gerente da loja, que poderá ter maior contato com o
público. Os atendentes também, afirma o porta-voz da empresa, não serão de todo
eliminados, uma vez que há muitos clientes que não gostam de lidar com máquinas,
preferindo o atendimento pessoal.
As máquinas de auto-atendimento já estão presentes em lojas normais da rede, nas
cidades de Denver e Raleigh. Por enquanto elas aceitam apenas dinheiro, mas logo
estarão disponíveis versões que aceitam cartões de débito e de crédito.
O robô-fazedor-de-hambúrgueres, criado na Suécia, pega os hambúrgueres no
"freezer", encaminha-os à chapa por meio de uma esteira, vira-os no tempo certo, retira
da chapa e embala. O tempo de fritura permanece o mesmo, mas o tempo total da
operação tem uma redução significativa.
Já o robô-fazedor-de-batatas-fritas não apenas faz todo o trabalho, como também,
salga e envelopa as batatas. Um braço robótico coleta as batatas já fritas, na quantidade
adequada a cada embalagem, salga e já as disponibiliza nos escaninhos de onde podem
ser retiradas pelo funcionários do balcão e entregues ao cliente.
A empresa estima que não apenas os custos de funcionamento das lojas serão
reduzidos, mas também o tempo de atendimento será menor, uma vez que a automação
permitirá uma velocidade mais alta e um ritmo mais constante da preparação dos
lanches.
O treinamento dos funcionários também já está sendo automatizado, com as salas
de aula sendo substituídas pelo "e-learning". Por meio de CD-ROMs, os cursos podem
ser acompanhados no ritmo de cada novo funcionário. Parecido com um jogo de
vídeogame em uma "lan-house", com interatividade e competições entre os

103
https://www.tecmundo.com.br/robotica/105347-ex-ceo-mcdonald-s-afirma-prefere-comprar-robos-
aumentar-salarios.htm
participantes, o treinamento insiste sempre: "Sorria bastante e diga 'Olá' e 'Muito
obrigado'."
Outro projeto, já em andamento, é a disponibilização de acesso à Internet nas lojas
McDonald's. Nos Estados Unidos o preço da conexão é de US$4,95 para cada 2 horas.
Agora os robôs-cozinheiros serão instaladas nas lojas da região de Chicago, onde
deverão ser acompanhados em escala real de produção.104

Caso o leitor queira um pouco mais sobre; oferecemos trecho de outra matéria,
onde o maquinário adquire habilidades intelectuais, do trabalho intelectual:

O IBM Watson, que a empresa define como uma plataforma de computação


cognitiva, substituiu 34 funcionários de um escritório de seguros no Japão, de acordo
com o jornal local The Mainichi.
Esse robô funciona como um software de análise de dados com inteligência
artificial, que ajuda gestores a tomarem decisões, entre outras centenas de funções.
Essencialmente, ele “pensa” como um ser humano e consegue interpretar textos, áudios,
imagens e vídeos, mesmo que eles não estejam estruturados.
O Watson vai começar a atuar neste mês na Fukoku Mutual Life Insurance
Company lendo documentos médicos e determinando pagamentos com base em
ferimentos, históricos e procedimentos médicos.
O investimento inicial da operação é de 1,7 milhão de dólares, com manutenção
anual de 128 mil dólares. A empresa espera poupar 1,1 milhão de dólares por ano com o
uso do IBM Watson. A Fukoku Mutual Life Insurance Company também utiliza a
inteligência artificial para analisar ligações para seu call center, identificando a
linguagem dos clientes entre positiva e negativa.
O Watson ficou conhecido em 2011, ao vencer humanos em um programa de
perguntas e respostas na TV, o Jeopardy. Essa tecnologia da IBM aprende conforme
analisa informações e ajuda empresas a reduzir custos e melhorar o atendimento aos
clientes.
Um exemplo de atuação no Brasil é no banco Bradesco. O Watson aprendeu o
nosso idioma e a companhia ensinou o sistema a responder mais de 50 mil perguntas
dos funcionários sobre suas rotinas de trabalho.105

Precisamos abrir um parêntese junto ao leitor. A análise histórica e do


desenvolvimento teórico dos autolimites do capital nos sugere a seguinte conclusão
tendencial: cada revolução industrial, do nascimento até sua superação, tem um período
médio de cem anos, algo acima de hegemonia. A primeira iniciou-se entre 1740 e 1760,
mais ou menos, até 1860-70, quando se inicia a segunda revolução da indústria; em
diante, este segundo salto interno avançou-se até o pós-guerra, 1950-60 – quando
começa, nestas décadas, as primeiras características da III revolução industrial106; mais

104
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010180030806
105
http://exame.abril.com.br/tecnologia/robo-da-ibm-substitui-34-funcionarios-de-empresa-no-
japao/?source_fbinfo
106
Entre pensadores sociais, há relativa variação de data inicial, mantendo a mesma amplidão
centenária: “Nessa perspectiva, a história do modo de produção capitalista de meados do século XVIII
em diante até o presente teria tido duas fases nas quais se observariam o modo de operar dessas duas
lógicas. A primeira, que teria ido até os anos 1970 do século XX, seria uma fase de ascensão em que se
de meio século depois, a percepção teórica indica a consolidação e realização plena
desta terceira fase da produção – se e somente se – por meio da revolução mundial107.
Sigamos.
Por causa da crise mundial, a austeridade e o desemprego acentuaram esta
tendência à produtividade muito acima da capacidade de consumo; isto se manifesta,
por exemplo, com o risco de deflação na Europa108:

observaria uma dinâmica de expansão. A segunda seria uma fase de declínio em que se verificaria uma
dinâmica de estagnação. A primeira fase teria sido gestada pelas revoluções industriais iniciadas nos
quartéis finais dos séculos XVIII e XIX. Nessa perspectiva, a dinâmica de expansão teria se iniciado com a
Primeira Revolução Tecnológica (1771), caracterizada pelo advento das máquinas, do motor a vapor, das
ferrovias etc. E continuado com Segunda Revolução Tecnológica (1875), marcada pelo aparecimento do
aço, da eletricidade, da engenharia pesada, do automóvel, da produção em massa, etc.”
“Já a segunda fase teria se iniciado no último quartel do século XX com a chegada da Terceira Revolução
Tecnológica (1971). Como a informática e a telecomunicação veio junto com a expansão da economia de
serviços em detrimento da produção industrial, ela teria engendrado uma dinâmica de relativa
estagnação. Ao propiciar a mudança dos métodos e processos de produção, ela propiciou certa elevação
da produtividade na produção de mercadorias já existentes.” (Crise estrutural do capitalismo: uma
reconstrução conceitual e empírica; Eleutério F. S. Prado.)
107
O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerestein faz a síntese de sua visão em entrevista:

“Lee Su-hoon: Você disse: “Nos próximos 50 anos o mundo vai mergulhar em uma turbulência
econômica séria e, mais tarde, o capitalismo vai enfrentar uma crise tremenda, como a da Grande
Depressão”. As pessoas dizem que a crise se deve à ganância de Wall Street e à bolha imobiliária etc.
Como você analisa essa crise?”
“Wallerstein: Faz cinco anos que eu não mudo de opinião. Basicamente, a meu ver, estamos em uma
crise estrutural da economia capitalista mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser
totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a data exata, mas vai levar muito tempo.
No momento, o sistema mundial está bifurcado. Tem problemas de tal magnitude que não poderá
sobreviver, está tão longe do equilíbrio que não há como voltar atrás. Mas para onde ele vai é
totalmente incerto, porque, como disse, essa bifurcação significa que, tecnicamente, há duas formas de
resolver uma mesma equação, o que não é normal.” (http://outraspalavras.net/posts/wallerstein-
nenhum-sistema-e-para-sempre/)

Do ponto de vista da lógica quântica (e da dialética) é perfeitamente normal possibilidades,


probabilidades – alteráveis pela ação do cientista. Em segundo, sua observação encontra-se com a visão
secular temporal das revoluções industriais; o ponto qualitativo de quando se dará a transição ao
socialismo ou à barbárie é um cálculo inexato, uma média (considerando a média de 100 anos), com o
ritmo em parte dependente – apenas em parte, pois estes definirão o rumo final – da estrutura (luta de
classes, em principal) e superestrutura (partidos, Estados, consciência, etc.).
http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/conjuntura/150430_cc_abr2015_economia_mundial.p
df
Observemos esta tendência conjuntural – pois é consequência, não causa109110 –
tanto nos EUA quanto na Zona do Euro111:

109
“Parte das mercadorias que se encontram no mercado só pode efetuar seu processo de circulação e
de reprodução mediante enorme contração de seus preços, portanto mediante desvalorização do
capital que ela representa. Do mesmo modo os elementos do capital fixo são mais ou menos
desvalorizados. A isso se acrescenta que determinadas relações pressupostas de preço condicionam o
processo de reprodução e este, devido à queda geral de preços, entra portanto em estagnação e
confusão. Essa perturbação e estagnação paralisam a função do dinheiro como meio de pagamento,
dada simultaneamente com o desenvolvimento do capital e baseada naquelas relações pressupostas de
preços: interrompem em cem lugares a cadeia das obrigações de pagamento em prazos determinados;
são ainda intensificadas pelo colapso consequente do sistema de crédito, desenvolvido
simultaneamente com o capital, e levam assim a crises violentas e agudas, súbitas desvalorizações
forçadas e à estagnação e perturbação reais do processo de reprodução, e com isso a uma diminuição
real da reprodução.” (MARX, 1985-1986, p. 192-193); (O Capital: crítica da economia política. Livro III,
volume I. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985-1986.)
110
Uma elevação forte do preço do petróleo pode esconder tal tendência, embora ela exista e continue
a operar oculta.
111
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/05/11/us-economy-slows-too-much-saving-or-too-
little-investment/
Para dimensionarmos ainda mais a natureza dos dados: desde 2008, os governos
injetaram alguns trilhões de dólares na economia mundial, mas, ao contrário das
previsões, não geraram importante inflação ou hiperinflação – até agora. A burguesia
descobriu, assim, tratar-se de uma crise “diferente” e “estranha”, onde as ferramentas
comuns são pouco úteis.

FIM DA TEORIA BURGUESA


Daqui derivamos o esgotamento da obra de Keynes. Para demonstrar, vamos para
um exemplo concreto: o Estado, por meio de uma estatal de energia, eletrifica toda a
sociedade e, por si só, isso estimula a economia, tendo como consequência almejada e
alcançada que, aqueles cuja eletricidade chega a suas casas, passem a comprar bens de
consumo duráveis (geladeira, TV, vala-roupas etc.) – a economia se aquece. Porém,
tudo gera sua negação; uma vez eletrificado tudo, uma vez os assalariados terem
comprado tudo, uma vez que todas as medidas “estatistas” tiverem sido tomadas, o que
resta? O keynesianismo foi, de um lado, uma necessidade do capital e, de outro, a base
do futuro esgotamento máximo, até seu limite intransponível, do próprio capital. Após
sustentar o desenvolver culminante do sistema, restou, para enfrentar a tendência à
queda da taxa de lucro e a crise estrutural, a privatização daquela rede elétrica, o
fortalecimento dos bancos para reestimular o consumo por meio do endividamento
geral, substituir o trabalhador por maquinário para reduzir custos (e evitar a luta de
classes concentrada: desemprego quebra a força dos operários) e relativo
enfraquecimento do Estado burguês. O objetivo prático dessa escola instrumental era,
com a ajuda do Estado, ajudar na realização do processo de autovalorização do valor, no
D-M-D’, portanto, como tática, os donos do mundo deixam de usá-la tão logo ela deixa
de ser útil ao “dinheiro em busca de mais dinheiro”. Por isso, o keynesianismo é a mãe
do neoliberalismo, a fantasma queixosa do seu filho por ele a ter matado112.
As coisas mudaram de algum modo na crise dos anos 70. Os banqueiros norte-
americanos e as multinacionais passaram a não gostar do modo como a resposta dada
pela ‘macroeconomia keynesiana’ à crise dos anos 70 levou à inflação e à
desvalorização do dólar. Porém, como apontou Robert Brenner, se essa política tivesse
resolvido os problemas de lucratividade e de excesso de capacidade do capitalismo
norte-americano como um todo, “seria inteiramente concebível que mesmo uma
coalisão poderosa de interesses internacionais e domésticos, ao se opor a ela, teria
falhado”. De fato, a abordagem keynesiana não foi satisfatória frente a esses objetivos
capitalistas. Uma recuperação econômica limitada da recessão de 1974-76 aumentou o
nível da inflação, a qual atingiu 13,3 por cento ao ano. Isto teve duas consequências
negativas para todos os setores do capitalismo norte-americano. Encorajou
provavelmente os trabalhadores a lutar por melhores salários. E minou a capacidade do
dólar norteamericano de atuar como padrão de medida nas transações dos capitalistas
norteamericanos entre si mesmos. Forçar a subida das taxas de juros significava resolver
ambos esses problemas – a redução do nível da atividade econômica assustava os
trabalhadores, fazendo-os aceitar menores aumentos de salários (o que aconteceu), ao
mesmo tempo em que baixava as taxas de inflação (o que, também, aconteceu). Isto
permitiu que alguns setores financeiros ganhassem; trouxe, também, perdas para alguns
outros setores do capital produtivo nos Estados Unidos. Porém, também, satisfez ao
interesse geral de todos os capitalistas norte-americanos. (p. 296).
O sofrimento de muitas centenas de milhões que resultou da elevação da taxa de
juros, feita por Volcker, foi o preço a ser pago para restaurar uma medida de valor
relativamente estável, a qual era do interesse do capitalismo norteamericano como um
todo; ademais, ela ajudou a consolidar o controle dos Estados Unidos sobre o resto do
mundo. O ‘golpe’ dado por Volcker (assim como a virada monetarista na Grã-Bretanha,
feita por Thatcher) consistiu na mudança de uma política que supostamente ajudava a
restaurar a lucratividade dos empreendimentos industriais – expansão da oferta de
dinheiro capaz de produzir o crescimento dos preços e dos lucros – para outra política
que encoraja a elevação das taxas de juros, com a finalidade de eliminar do sistema as
firmas pouco lucrativas, pondo pressão nos trabalhadores desempregados para aceitar
menor remuneração. O capital – e não apenas o capital financeiro – reconheceu que a
ortodoxia keynesiana prevalecente no longo boom não mais dava conta da nova fase em
que o capital (incluindo não apenas o capital industrial) se encontrava. (p. 297).
Quando se percebeu que essa manobra estava dando parcos resultados e se tornou
claro que as altas taxas de juros estavam prejudicando seriamente a indústria norte-
americana, Volcker derrubou-as – não somente por pressão dos industriais, mas também
de certas frações financeiras. A tendência das taxas de juros reais de longo prazo no
quarto de século seguinte foi de baixa – não de alta –, embora elas tenham permanecido
acima dos níveis atingidos no longo boom até o ano 2000; depois dessa data, elas
caíram, chegando aproximadamente a 1 por cento em 2003.113

Junto à totalidade dos fatores – automação, transferência de capital produtivo para


países atrasados etc. – foi-se importa pelo neoliberalismo uma geração inteira de refluxo
expresso na baixa taxa de greves com mil trabalhadores ou mais114:
113
Harman, Chris – Zombie capitalism – global crisis and the relevance of Marx. Chicago, Illinois:
Haymarket Books, 2009. Tradução: Eleutério Prado; artigo “Chris Harman e o capitalismo zumbi”.
114
Extraído de: https://lbo-news.com/2017/02/09/strikes/
Em proporção inversa à estagnação dos salários e aumento da produtividade115:

Hoje, com o limite estrutural do capitalismo, o keynesianismo é impraticável,


exceção como método destrutivo como o caso chinês ao aproveitar suas particularidades
internas incomuns: abundantes população, matéria-prima, território, indústria de base
formada antes da restauração do capitalismo, regime semifascista, não-ameaça imediata
nas fronteiras, acordos com a Rússia, relações trabalhistas análogos ao do século XVIII

115
Extraído de: Crise econômica e taxa de lucro nos EUA; Ricardo Dathein.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-98482011000200005
– que deprimem o salário mundial116 – e a tradicional cultura de obediência (devemos
incluir a alimentação ampla, pouco rigorosa, dos proletários daquele país, o que tende a
reduzir os custos com o capital variável).
A crítica comum acusa o neoliberalismo de ser “ideologia pura”, “ciência de quinta
categoria” e “pseudociência”. De fato, suas premissas são falsas e apenas ideológicas
para a arte do engano; sua generalização prática, porém, se deve porque foi pensado
para fins puramente práticos: a autovalorização do valor em um momento de
esgotamento do sistema – é um instrumento. Keynes, de outro modo, pensou a realidade
para preservá-la, ou seja, para preservar o capital contra os trabalhadores117. Já Marx
procurou compreender a realidade para superá-la. O cientista é, ele próprio, objeto e
instrumento da pesquisa, pois é parte da realidade observada e precisa usar o seu
cérebro. Por isso, este foi muito mais longe, exato e profundo: o contrário do
neoliberalismo não é o keynesianismo (estes são irmãos, como Caim e Abel); o
contrário de ambos é o marxismo.118
Digamos de outro modo: o endividamento do Estado, para girar a economia e o
consumo, da política keynesiana foi “aperfeiçoada” na era neoliberal por meio do geral
endividamento do Estado, das empresas e dos assalariados; a elevação da indústria, do
emprego e da demanda por meio da economia de guerra, do investimento na área
militar, gerando maior possibilidade de dominar outros povos pelas ameaça e força, não
só foi mantida como ampliada (tal como dissemos, desenvolvimento destrutivo do
capital, das forças destrutivas).
Dediquemo-nos um pouco sobre as duas teorias burguesas, ortodoxa e
heterodoxa119.

116
Mediação: a forma-salário não revela de todo a realidade interna do operariado de um país.
Exemplo: os operários ganham no país X o dobro do salário dos do países Y, mas trabalham o triplo…
Logo, o valor do salário esconde a relação real. Esta é a forma aparêncial, do reino da circulação.
Fazemos este alerta porque pode ser usado pelo centrismo, na tentativa de esconder o peso da jornada
de trabalho, intensidade do trabalho nesta jornada, relações de hierarquia degeneradas nas empresas,
qualidade espacial e ambiental da vida urbana etc. A própria elevação da velocidade das máquinas,
produzindo mais mais-produto e mais mais-valor, dada a jornada, ao exigir mais energia humana, tende
a aumentar os salário – às vezes por meio de greves – para poder repor a energia do operário em nível
aceitáveis.
117
“[Não entrarei no Partido Trabalhista,] em primeiro lugar, porque é um partido de classe, e de uma
classe que não é a minha. Se eu tiver de defender interesses parciais, defenderei os meus. Quando
chegar a luta de classes como tal, meu patriotismo como tal, meu patriotismo local e meu patriotismo
pessoal estarão com meus afins. Eu posso estar influenciado pelo que considero que é justiça no bom
sentido. Mas a luta de classes me encontrará do lado da burguesia educada.” (Ensaios: Profecia e
Persuasão, seleção de textos escritos por Keynes nos anos 20)
118
O sujeito da pesquisa como, ao mesmo tempo, objeto e ferramenta é uma das características do
método científico criado por Marx, ontológico. Na psicologia, Piaget revelou-se um gênio sério e
honesto, porém foi largamente superado por Henri Wallon e Vygotsky, como o próprio reconheceu.
Estes últimos eram comunistas, próximos da classe trabalhadora e partidários do materialismo dialético;
enquanto um, inconscientemente, desenvolveu uma concepção dentro da visão burguesa de evolução
(pedaço por pedaço, soma linear, evolução em linha reta, baixa contradição, etc.); os outros, uma visão
mais completa da cognição humana – e valorizaram o esforço científico do primeiro. Observado isto, o
ponto de partida do cientista é gerador de maior ou menor facilidade para o descobrimento do real,
mas não o único fator a influenciar. Além disso, o marxismo rompe com o “sujeito passivo”, aquele a
apenas receber e expor dados coletados: o sujeito é sujeito ativo – tenta descobrir generalizações reais,
pensa, elabora, conecta informações e procura descobrir a essência, coisa-em-si, por detrás dos
fenômenos.
119
Esta classificação das teorias econômicas não tem validade ao marxismo. O ponto de partida para
avaliar uma teoria sobre a sociedade é seu perfil de classe.
Keynesianismo:
1) A demanda gera a oferta;
2) O investimento gera a poupança;
3) Disponibilidade de dinheiro não gera inflação (MMT, pós-keynesianos);
4) O capitalismo alcança o equilíbrio se com a ajuda do Estado;
5) Primazia da queda de juros.
6)
Neoliberalismo120:
1) A oferta gera a demanda;
2) A poupança gera o investimento;
3) Disponibilidade de dinheiro gera inflação;
4) O capitalismo tende ao equilíbrio se não é atrapalhado pelo Estado;
5) Primazia da elevação de juros.

Qual a diferença com o marxismo?


O problema da teoria burguesa, mesmo as mais sérias, é limitar-se às formas e à
aparência. Por isso a polêmica circular.
Se, dada a demanda, a oferta de uma mercadoria se eleva (por mudanças na
produção), logo o preço de mercado cai, o que aumenta as possibilidades de venda, de
demanda. Se, dada a oferta, a demanda se eleva, então aumentar-se-á o investimento na
produção daquela mercadoria, a oferta. Há aí um tempo relativo em que demora a ação
da causa sobre a consequência, ação e reação. As duas variantes burguesas estão erradas
e certas, ou seja, há determinação recíproca.
Assim, uma dentre as limitações dos teóricos da burguesia está em colocar o valor
de uso acima do valor: se aumenta a oferta relativo à demanda, os preços caem – há
novo equilíbrio entre oferta e demanda? Os preços rebaixados podem não compensar as
vendas, os investimentos, ou seja, a produção daquele valor de uso, por isso queda
acentuada do lucro; conjunturalmente, eferta diminuindo oferta e demanda. Demanda
muito alta de alguma mercadoria essencial (ou monopólios reduzindo a oferta) pode
gerar altos preços, diminuindo a possibilidade de os consumidores terem dinheiro para
adquirir outras mercadorias, de outros setores; conjunturalmente, demanda diminuindo
demanda e oferta.
Complementamos que a tendência geral, de longo prazo, é a elevação qualitativa da
oferta com queda da demanda. Marx descobre ser estrutural este problema, dado o
catáter não planejado da economia capitalista. Keynesianos de esquerda tentam adaptar
o marxismo reconhecendo este problema e sua afirmação n’O Capital, porém supondo-o
não essencial, fora das leis inerentes do sistema – posição idealista e não dialética. O
Capital III também pode ser apelidado “O Antikeynes”.
Ao próximo ponto.
O investimento deriva da possibilidade de exploração e de realizar desta, mais-
valia, no mercado. Se, por exemplo, o excesso de investimento num setor gera
superprodução porque os preços ficaram muito baixos, então se abre o período de
falências e deslocamento de capital para setores mais rentáveis. É a possibilidade de
realizar valor e mais-valor que gera tanto o investimento quanto a poupança. Se
rastrearmos historicamente, acumulação inicial do capital, este dois fatores têm por
origem a formação do capitalismo, ou seja, da exploração capitalista: roubo de terras

120
Tratamos, aqui, liberalismo e neoliberalismo como o mesmo fenômeno, mesma natureza. Cada um
expressa sua época: um correspondendo a consolidação do capitalismo e o outro, a decadência.
Enquanto o primeiro considerava a existência de classes, o segundo apenas considera os indivíduos. As
premissas do segundo derivam de premissas pós-modernas, o que gera seu perfil pseudocientífico.
comunais, guerras, extermínios de povos, retirada do trabalhador dos meios de produção
e subsistência, escravidão etc.
Em sequência. Imprimir dinheiro gera ou não inflação? Antes, façamos um
exercício lógico "A=A se..." "A=Não-A se...". Desçamos ao concreto. Se imprimirmos
dinheiro, se o dispomos, em alta quantidade, não gerará inflação – ou hiperinflação – se
a produtividade puder se elevar, mesmo com relativo atraso. Ou: se a quantidade à
disposição não tiver um efeito qualitativo – relativo ao mundo das mercadorias. Do
mesmo modo, uma disponibilidade nova e alta de dinheiro pode, ao contrário, gerar
(hiper)inflação121 se o setor produtivo e a capacidade de renovação de estoque for
limitada ou por demais atrasada – relativo ao tempo de circulação do dinheiro. Ocorre
que um aumento da produtividade pode exigir novos e demorados investimentos, pode
fazer com que falte matérias-primas devido ao alto consumo e produtividade em bens de
consumo. Pode ser que o aumento da produtividade cresça, mas o lucro decaia por
“excesso” de concorrentes, derrubando os preços; porque certos produtos foram
vendidos em demasia, e levam tempo enorme para que se necessite de novas compras
de equivalentes (caso de bens de produção e mesmo bens de consumo, a exemplo de
geladeiras e outros produtos duráveis).
A capacidade produtiva ativada financeiramente pode colocar a classe operária na
ofensiva, extraindo parte do mais-valor de volta para si. Há que se considerar que o
dinheiro não parte inédito da casa da moeda: primeiro porque o dinheiro já lançado nos
anos anteriores ainda circula, a maior parte; segundo porque os bancos criam dinheiro
ao modo cartões de crédito e débito (lastreado no papel-moeda), ao moverem os
depósitos para gerar juro – preenchendo, assim relativamente, as necessidades reais de
dinheiro na sociedade. Quebra-se, então, a dualidade falsa da teoria burguesa: a inflação
pode ter inúmeras origens: preço de petróleo por demais alto, afetando os demais
preços; subprodução, a exemplo da substituição de produção de alimentos básicos por
soja para exportação; excesso de dinheiro etc. Cada caso concreto deve ser estudado,
investigado, desprovido de resposta antecipada; um mesmo efeito por ter inúmeras
causas diferentes. Uma coisa, no entanto, fica clara: as crises de dinheiro já existiam no
começo do capitalismo, foram expostas por Marx e existem enquanto possibilidade. No
início do século XX, a França procurou evitar operários-soldados revoltosos após a I
Guerra com crescimento financeiro da economia, com dinheiro, o que gerou emprego e
hiperinflação; Hitler resolvera o problema de hiperinflação na Alemanha com uma regra
simples: a disponibilidade de dinheiro deveria acompanhar a quantidade de trabalho e a
disponibilidade de mercadorias (além de aumentar a disponibilidade destas via indústria
bélica). A questão, porém, é colocar o dinheiro nos museus do futuro. O suposto poder
absoluto do dinheiro, defendido por keynesianos, parte de uma premissa errada, a de
que a crise não é uma necessidade em si do capital. Evitar uma crise por meio da moeda
pode gerar, entre outras consequências, a transferência da contradição: queda da taxa de
lucro, aumento das greves, endividamento do Estado (outro ponto falsificado por muitos
keynesianos). Consideram, consciente ou inconscientemente, o valor de uso como
elemento central, tal como as demais teorias burguesas em economia. Precisamos
demonstrar na prática. Ao considerarem a crise como parte do sistema, mas não como
uma naturalidade a ser ocorrida e superada, pensam poder burlar essa lei por meio de o
Estado aumentar a demanda disponibilizando dinheiro na economia. Com inflação,
hiperinflação ou não, isso geraria um aumento do consumo, da demanda, ou seja, do
(mais-)produto realizado, vendido. Isso tem a aparência de solução. No entanto, a
produção capitalista é a produção de mais-valor, sob a forma de busca de lucro, onde o
121
Keynes prefere a inflação à deflação, pois: 1) permite a redução dos salários reais, mantendo-se o
salário nominal; 2) Diminui a dívida real do Estado; 3) Diminui a dívida real das empresas.
produto-mercadoria é suporte (infelizmente, à burguesia – que sonha o D-D') inevitável
na relação mercantil de produção. Isso significa que a quantidade de produto e mais-
produto realizado na esfera do consumo pode aumentar e, em paralelo, decair as taxas e
massa de lucro (crise), essência motora do capitalismo.
De sua parte, o MMT não deixa clara essa relação – de hierarquia – entre valor de
uso e valor, o que aponta priorizar o primeiro ou ter pouca clareza sobre isso. Ao não
resolver as contradições inerentes do capitalismo, o estímulo via dinheiro da economia
como tática é limitada, quando não nociva ao próprio capital.
O MMT, moderna teoria monetária, parte dos seguintes princípios-conclusões:
1) O Estado cria o dinheiro;
2) Logo, não depende de fatores externos;
3) Logo, pode se autofinanciar;
4) Logo, os impostos são uma formalidade para manter controle da moeda;
5) Logo, as dívidas públicas não são um problema real;
6) Logo, o Estado resolve problemas econômicos imprimindo dinheiro.

Vamos ao primeiro fator de nossas críticas. Dinheiro é determinado por suas


características sociais: meio de circulação, meio de pagamento, meio de
entesouramento, medida do valor, capital-dinheiro, dinheiro de empréstimo. A moeda –
signo do valor –, por outro lado, é a forma legal, superestrutural, que adquire o dinheiro.
Se o Estado imprime dinheiro tal como queira, então gera inflação; então passa a agir
como banco Sui Generis com juros zero e negativo; então – efeito em cadeia – ocorre a
falência dos bancos, que são partes essenciais do sistema. Isto, a proposta do MMT, só é
imaginável ser evitamos concluir que o Estado é o que é – burguês. Uma crise bancária
geraria, por si, crise capitalista e, por consequência, crise no Estado. Por isso, a
arrecadação deve ser lastreada nos impostos e demais fontes reais; de imediato, tira o
excesso de dinheiro da circulação para a este retorná-lo, assim se financiando. Precisa
endividar-se para aumentar seus recursos ou para perdê-los… Os donos das dívidas
exigem que seus pagamentos sejam de fonte segura, lastreados na arrecadação. Exposto
isso, perguntemo-nos de novo: o Estado pode imprimir dinheiro do nada? Sim, mas a
quantidade não pode se transformar em qualidade.
Dediquemo-nos a outro argumento do MMT: o dinheiro arrecadado, na verdade,
desaparece – destruído e substituído. Para respondermos, é preciso separar duas
categorias: valor de uso e suporte do valor de uso. Em física quântica, uma partícula
desaparece aqui para reaparecer em outro ponto, reiniciando seu movimento, sua
circulação. Se o dinheiro arrecadado desaparece e é substituído por moeda recém-
imprimida, isto nada muda. O dinheiro que deixou de existir fisicamente, ainda existe
na contabilidade – idealmente. Em seguida, outro montante físico o substitui, ou seja, o
representa.
No fundo, há problema de premissa: o capitalismo tender ao equilíbrio122. Marx
descobre que as contradições são a regra; e o equilíbrio, excessão e casual. O próprio
pleno emprego é crise… O pleno emprego dos fatores de produção, que é condicionado
por toda população economicamente ativa, significa que o desemprego chega próximo

122
O idealismo ainda faz escola. Partem da seguinte premissa: basta um governo racional, com boa
teoria e clareza, desprovido de ligações corruptas, para resolver os problemas econômicos. O problema
seria a falta de racionalidade de políticos e economistas, desperdiçando o caráter suposta e
potencialmente racional do Estado. As teorias não marxistas esquecem a objetividade das leis do
capitalismo, adquirindo força aparentemente natural. Descobrir a lógica interna do sistema é uma das
grandes contribuições de Marx.
de 0%, logo os assalariados têm condições de impor vitórias na luta de classes (que
diminui o mais-valor), o que diminui o lucro. Há que se considerar: pleno uso não
significa equilíbrio, pois, por exemplo, o pleno uso sendo garantido pela produção de
bens de consumo pode estar ao lado de uma produção elevada, tanto quanto possível, na
extração de matéria-prima, mas a oferta deste produto estar muito abaixo da demanda
necessária, o que gera inflação e hiperinflação, ou seja, preço de mercado alto extraindo
valor de outros setores para si. Exemplo da mesma natureza: baixo desemprego pode
elevar o consumo de alimentos sem a corresponde oferta, gerando inflação e greves.
Não há taxa de desemprego natural, porém há taxa de desemprego social, no sentido do
capital. A plena utilização dos fatores de produção – incluso toda a força de trabalho
disponível – fere a necessidade de exército industrial de reserva, de uma taxa de
desemprego que 1) pressione os salários para baixo; 2) permita o estoque de força de
trabalho disponível para momentos em que se torne necessário maior uso; 3) relativa e
conjunturalmente, dificulta a luta de classes afetar o lucro e a estabilidade política123.
O pleno emprego, se não desconsideramos o movimento da realidade, gera, cedo ou
tarde, oferta constante de mercadorias, que desemborca em crise de superprodução; por
isso a crise costuma ocorrer após queda brusca do desemprego e aumento geral do
consumo. E mais: pode ser negativo o pleno emprego ao “setor produtivo”, à burguesia
“produtiva”. Se há alto investimento em máquina e matéria-prima e utilização máxima
da capacidade nacional de trabalho, ocorre: 1) os salários aumentam acima de seu valor
comum; 2) para efetuar as compras-vendas e pagar salários e demais custos de
produção, torna-se socialmente muito mais necessário, maior demanda, o dinheiro, ou
seja, demanda de dinheiro acima da oferta, aumentando os juros – assim: salários
maiores retiram parte da renda do capitalista do mesmo modo que juros mais altos
também retiram esta parte do mais-valor antes destinado ao lucro (renda). Quando
ocorre, o emprego pleno dos fatores de produção é, sendo o contrário, um dos primeiros
sinais da crise seguinte.
Em síntese desta exposição; o economista Santiago Marimbondo elabora completa
resposta. Afirma: o subconsumo das massas, na superprodução de mercadorias, revela-
se forma fenomênica, aparencial, da crise de superprodução de capital, a real – essencial
– causa.

Isso porque a sobrecumulação de capital é expressão da escassez da mercadoria


força de trabalho passível de ser explorada lucrativamente pelos capitalistas, dado que o
crescimento econômico durante o ciclo expansivo absorveu toda força de trabalho
disponível imediatamente no espaço econômico dado.
Assim, o limite a continuidade da expansão econômica não se dá por uma
incapacidade de absorver mercadorias que fazem parte do capital constante, pelo menos
não no primeiro momento, mas pela impossibilidade de esses elementos se expressarem
concretamente como elementos de absorção de força de trabalho e transformação dela
de valor potencial em valor atuante, que gera efetivo mais-valor, posto que passa a
haver, com a continuidade da expansão do ciclo econômico, cada vez mais uma
desproporção entre o capital constante produzido e a força de trabalho passível de ser
explorada através da submissão a esse capital constante, do trabalho vivo ao trabalho
morto.

123
“Aumentar o desemprego foi uma maneira muito convincente de reduzir a força da classe operária
(...) o que se procurou forjar – para falar numa linguagem marxista – foi uma crise no capitalismo, que
repôs o exército industrial de reserva e permitiu aos capitalistas a obtenção de grandes lucros daí por
diante.” – Alan Budd, conselheiro econômico do governo de Margaret Thacher.
Essa escassez de mão de obra em relação às necessidades ampliadas de acumulação
do capital, assim, num primeiro momento aparecerão, se expressarão fenomenicamente,
como uma falta de demanda efetiva para os elementos, para as mercadorias,
pertencentes ao fundo de consumo dos trabalhadores, ao capital variável.
Isso porque, diferente dos elementos do capital constante, os elementos
pertencentes ao capital variável, a força de trabalho real e concreta capaz de absorver o
excedente econômico produzido, não existem na proporção necessária para a absorção
do produto total a ser consumido por esse setor; dado que diferente dos elementos do
capital constante, que sempre podem ser produzidos pelos capitalistas, os elementos do
capital variável, a força de trabalho real e concreta, não podem ser produzidos de forma
artificial pelos capitalistas, fazendo com que em relação às mercadorias que compõe o
fundo de consumo dos trabalhadores falte o correspondente material para uma troca
entre equivalentes: uma nova leva de trabalhadores passíveis de ser absorvidos no novo
ciclo produtivo, um contingente de trabalhadores, de força de trabalho, que como
mercadoria possa funcionar como valor equivalente em relação as mercadorias
produzidas como fundo de consumo para a força de trabalho excedente que supriria o
ciclo produtivo expandido posterior.
Assim, enquanto é sempre possível produzir uma nova demanda em relação às
mercadoria que são elementos constitutivos do capital constante social, tanto pela troca
mútua entre os capitalistas do setor I da economia quanto pelo crédito que esses
concedem aos capitalistas do setor II, (pois tanto o produtor de aço quanto o produtor de
máquinas que produzem aço podem gerar os valores equivalentes de suas mercadorias
indefinidamente para manter as trocas entre eles, por exemplo), se há uma escassez da
mercadoria força de trabalho em relação ao capital social total, característica da
sobreacumulação de capital, as mercadorias que constituem o fundo de consumo dos
trabalhadores, as mercadorias que correspondem ao valor real da mercadoria força de
trabalho, ao valor total do capital variável, não encontram um equivalente pelo qual
poderiam ser trocadas. Ou seja, o valor das mercadorias que constituem a substância
real do valor total do capital variável não encontram seu equivalente real, a mercadoria
força de trabalho, no mercado, disponível.
Dessa forma, essas mercadorias aparecem como excedentes, como supérfluas em
relação a capacidade de consumo real por elas, posto que seu equivalente para a
continuação do ciclo produtivo, a força de trabalho a cujo valor essas novas mercadorias
correspondem, esta em desproporção em relação a essas mercadorias.
A sobreacumulação de capital, assim, como a existência de um excedente de capital
em relação a força de trabalho passível de ser explorada, dado que a expansão do ciclo
econômico anterior absorveu toda a força de trabalho e exército industrial de reserva
existente previamente naquele espaço econômico dado, se expressa fenomenicamente
como falta de demanda efetiva para os produtos que constituem o fundo de consumo
dos trabalhadores, uma superprodução das mercadorias cujo valor equivalente é o
capital variável social.
(…)
No entanto, é claro que a superprodução como expressão fenomênica, mais
imediatamente aparente, da sobreacumulação de capitais, não se resume ao setor II
[produção dos meios de consumo] da economia capitalista. Através dos mecanismos de
crédito que tinham permitido aos capitalistas desse setor absorver o excedente
produzido pelos capitalistas do setor I [produção de meios de produção] e da
impossibilidade de realizar parte do valor das mercadorias do setor II pela falta de uma
demanda efetiva por parte dos trabalhadores a bolha creditícia que tinha se formado no
setor II da economia se transmite ao setor I.
Ou seja, os capitalistas do setor II, ao não conseguirem realizar o valor total de suas
mercadorias, pela falta de demanda, acabam deixando de honrar suas dívidas contraídas
através do crédito com os capitalistas do setor I.
Dessa forma, a crise de sobreacumulação de capitais, que tinha como expressão
mais imediata a crise de superprodução do setor II se espraia também para o setor I, se
tornando uma crise geral de superprodução de mercadorias.
É assim que se sintetizam, antes de se opor, sobreacumulação de capitais e
subconsumo ou superprodução de mercadorias. Antes de fenômenos opostos são ambos
diferentes expressões, diferenças na unidade, dos limites da produção capitalista, da
contradição entre a capacidade ilimitada de produção dentro do capitalismo e dos
estreitos limites para o consumo das mercadorias.124

Avancemos.
Elevação ou queda de juros são duas táticas burguesas para o enriquecimento, sem
distinção. Por isso, a burguesia e seu Estado atuam à revelia das teorizações em que
defendem um ou outro mecanismo; usa ora um e ora outro125. Uma tendência
transmuta-se em sua negação: aqui, a elevação de juros aumenta o lucro dos bancos,
gera falência de empresas "em excesso", aumenta o desemprego para rebaixar salário e
elevar a disciplina dos funcionários (quebra as greves), permite fusões de investimentos,
etc. Essas mesmas ações, logo mais, tornam as dívidas impagáveis, rebaixa o consumo a
níveis perigosos, começa a gerar luta de classes, etc. Inicia outro movimento: rebaixar
os juros. No Japão, onde o amadurecimento excessivo do capital – expresso também em
montante enorme de dinheiro incapaz de se tornar capital-dinheiro – gera longa
estagnação como sintoma da crise sistêmica; há deflação longuíssima, superprodução
permanente tendencial, enfrentada por juros baixos e negativos (juros dos títulos da
dívida, que repercutem nos juros reais dos bancos), como forma de estimular o consumo
e a produção, como contratendência – como há deflação, ou seja, o dinheiro se valoriza,
podendo adquirir mais com a mesma quantia, não é negativo em si ao setor de juros,
pois, além disso, precisam receber seus dinheiros, sua parte do mais-valor, vindo da
economia "real", dos setores produtivo e comercial.
Se um determinado governo enfrenta uma crise cíclica por meio da redução de
juros, isto reduz, adia e transfere a crise – mas não a anula. As crises cíclicas – não nos
referimos a outras e à sistêmica – são tão necessárias quanto os crescimentos cíclicos.
Do ponto de vista do capitalismo, são fenômenos normais e necessários para reerguer a
massa de lucro, concentrar e centralizar capitais, "limpar" a economia, refazer o
equilíbrio (passageiro). Se esta é adiada, a contradição apenas muda de forma. Aqui, a
venda de máquinas se reduz mesmo em crescimento econômico; ali, o crescimento gera
greves e aumento salarial; em uma conjuntura, inflação alta; aumenta a quantidade de
negócios concorrendo entre si e, logo, rebaixando os preços etc. Cedo ou tarde, a
contradição deverá tomar a forma que lhe cabe – a de destruição. Uma vez dada a crise,
manifestada tal como é, não por contratendências (ações anticiclicas), é do interesse
burguês, por exemplo, que esta percorra seu caminho no menor tempo possível –

124
https://quilombospartacus.wordpress.com/2017/05/20/debate-com-david-harvey-sub-consumo-ou-
sobre-acumulacao-como-uma-das-causas-fundamentais-das-crises-capitalistas/
125
Embora isto tenha força de lei objetiva; a ação prática do Estado pode “errar a mão” no tempo, no
grau e em qual medida, elevação ou redução de juros, necessária. Isto pode, por exemplo, antecipar
crises ainda imaturas e latentes. No Brasil, o governo Dilma sofreu um golpe reacionário, entre outros
motivos, por indicar redução dos juros quando o “mercado” exigia sua elevação. No período anterior,
pós-2009, o governo pôde negar, adiar, a crise econômica por meio de maior oferta de dinheiro, menor
juros e BNDES.
acelerada pela aceleração da elevação da taxa de juros. Os juros atuam na dinâmica,
adiam ou aceleram tendências inerentes, mas não as geram. A ilusão do contrário se dá
pela incapacidade da economia burguesa de medir as crises cíclicas.
Em formulação geral: a elevação da taxa de juros gera, em médio prazo,
necessidade de rebaixar os juros – e vice-versa. Este processo, ligado aos ciclos
periódicos do capital, toma a forma de ondulação, de ondas.
A elevação ou queda de juros, do ponto de vista macroeconômico e não de uma
empresa particular, é bom para os dois setores, para os da crista da onda. A fase
imperialista, fusão dos capitais produtivos e bancários em capital financeiro, torna isso
mais real e verdadeiro que na época de Marx – uma intensa interdependência. A própria
deflação causada pela crise, onde a elevação de juros atua, abre caminho para a redução
seguida dos juros. A elevação ou queda serve para atuar na forma da contradição, não a
nega. Exemplo: a hiperinflação no Brasil (década de 1980), mais onda grevista, foi
revertida, via elevação da taxa de juros.
Esta taxa, sendo garantia de lucro em relação às variações conjunturais, permite
uma equidade, não igualdade, na concorrência entre bancos.
Ficam destacados estes aspectos gerais: 1) o capital-dinheiro – o dinheiro sendo
expressão geral do valor, forma ímpar – não tem mais-valor em si, sua taxa de juros é
determinada pelo seu preço de mercado, pela relação entre oferta e procura de dinheiro-
mercadoria; 2) o limite da taxa de juros é a massa de lucro e a taxa de lucro, mas não há
aí determinação direta da taxa de lucro sobre a de juros; 3) o juro sobre dinheiro
emprestado retorna com um acréscimo, parte do mais-valor extraído para si, direta,
empréstimo aos setores produtivo e comercial, ou indiretamente; 4) um dos primeiros
sintomas de uma crise é a elevação da taxa de juros, pois o dinheiro deixa de retornar já
que os empréstimos de adiantamento – quando o comércio compra mercadorias, por
exemplo, para pagar a prazo – acelerando a economia, vai acumulando, pouco a pouco,
mercadorias nos estoques, antecipando a superprodução (a crise se manifesta antes entre
os setores I, produção de meios de produção, e II, produção de meios de consumo, que
no consumo final; e na relação de estoque entre vendas, antes da venda final, onde o
valor de uso é enfim consumido); por isso Keynes e o keynesianismo veem, de modo
errado, a elevação da taxa de juros como causa da crise, quando é “apenas” uma das
primeiras manifestações126.
Este é um nível de abstração. Um país deve ser analisado por sua localização na
totalidade, no capitalismo mundial. Desde que o dólar substituiu o ouro como
equivalente geral e reserva internacional, a taxa de juros dos EUA passou a ser a taxa de
juros mundial, a determinar peso em outros países. Exemplo: se os juros (dos títulos das
dívidas) norte-americanos elevam-se, atrai investimentos, dinheiro, para aquele país; se
o Brasil precisa de dólar para efetuar suas importações, eleva seus juros para atrair
investidores internacionais para seus títulos de dívida. Assim, o lastro das moedas
126
Marx: “Toda a forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da transformação
constante de uma parte da população trabalhadora em mão de obra desempregada ou semiempregada.
A superficialidade da economia política se mostra, entre outras coisas, no fato de ela converter a
expansão e a contração do crédito, que é o mero sintoma dos períodos de mudança do ciclo industrial,
em causa destes últimos. Tão logo iniciam esse movimento de expansão e contração alternadas, ocorre
com a produção exatamente o mesmo que com os corpos celestes, os quais, uma vez lançados em
determinado movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-se em causas, e as
variações de todo o processo, que reproduz continuamente suas próprias condições, assumem a forma
da periodicidade. Uma vez consolidada essa forma, até mesmo a economia política compreende que
produzir uma população excedente relativa, isto é, excedente em relação à necessidade média de
valorização do capital, é uma condição vital da indústria moderna.” (O Capital I, Boitempo, 2015, p. 708,
709.)
nacionais em dólar é, tal afirmamos no capítulo anterior, mediação indireta do lastro do
dinheiro em relação às mercadorias.
Façamos consideração do atual momento histórico: 1) se são maiores as
possibilidades de crises, isso afeta a massa de lucro, afetando os ganhos com juros; 2) se
há forte tendência à queda de da taxa de lucro, proporção entre capital investido e o
lucro derivado, afeta os ganhos com juros – também. O dinheiro sobrante sem encontrar
investimento, os juros negativos, a possibilidade de o poupador ter de pagar para
guardar dinheiro no banco (inédito na história do sistema financeiro), a baixa margem
de manobra dos bancos centrais etc. são formas em que se manifesta este limite absoluto
do capital produtor de juros – massa e taxa de lucros.
Podemos adicionar nova observação à teoria dos juros. A taxa de juros nominal e
real de um país orbita, com acidentes, em torno de uma taxa central, orbitada. É um
ponto perceptível teoricamente ao redor do qual as taxas efetivas e nominais fazem
elipse127. Tal ponto de orbitação, país a país, tem por origem o perfil econômico da
nação, a taxa média nacional de lucro, sua localização no sistema internacional de
Estados, regime político e etapa etc. As taxas reveladas são mais moventes e afeitas aos
movimentos conjunturais; a taxa “de base” relaciona-se, em maior termo, à estrutura
nacional. Formam, na realidade, uma unidade.
Por fora do temário posto, acrescentemos o debate sobre taxa de câmbio. Dizer ser
a relação das moedas com o equivalente mundial, dólar, uma relação proporcional de
oferta e procura destas, ou das mercadorias, é uma verdade parcial. O ponto chave da
relação de câmbio, o preço da moeda relativo a outra, não é dado pela quantidade de
mercadorias na relação exportação-importação (ricardianismo); esta tem por
fundamento de base a capacidade de um país de absorver, no balanço de pagamentos, o
valor geral produzido mundialmente na forma autônoma da riqueza sob o capital, ou
seja, no dinheiro. O valor total é mais importante do que a quantidade total de
mercadorias em si, importadas e exportadas. Igual na relação interempresas o valor
aparece aqui de modo deformado pela expressão inexata do preço (exemplo: preços
muito acima do valor gerado por razão da demanda elevada, extraindo maior parte do
valor global). Quer dizer: em última instância – considerando a absorção de mais-valor
extraordinário, de outras nações, na relação de mercado – a saúde cambial de uma nação
está determinada pela sua capacidade produtiva, para suprir o mercado interno e o
externo. E todas as manobras estatais para gerir a relação intermoedas, que alteram esta
relação de preço, possível porque o valor-trabalho no dinheiro toma forma relativa e
aparentemente autônoma, estão dependentes da margem de manobra, de possibilidades
de política cambial, dada pelo acúmulo de valor e a produção nacional (ainda mais na
fase imperialista, por “produção nacional” refere-se às empresas nacionais, dentro e fora
do próprio país, a remeter seus lucros para a nação de origem, enquanto o capital
internacionalizado mantém-se “leal e patriota”). A relação, por exemplo, entre real e
dólar pode ser manipulada – em nível conjuntural, positiva ou negativamente – pelo
governo para afastar-se da relação real de valor representado por cada (empréstimos,
utilização de reservas internacionais, medidas de regulação etc.); porém, enquanto
centro de gravidade da economia, a relação está por detrás e oculta, revelando e
corrigindo a contradição (entre coisas) no período seguinte. Quando a China determina
uma taxa de câmbio fixa com o dólar, faz sua função ao capital internacional e às
necessidades do valor em crise, quer seja, acelerar a industrialização do país e oferecer

127
Em imagem, comparação: A Lua (taxa de juros nominal) orbita da Terra (taxa de juros real) e ambos
orbitam o Sol (taxa de juros orbitada).
um padrão estável no comércio mundial e, por evidente, nas exportações aos EUA128;
este, por sua vez, tendo uma aparente mina de ouro infinita na impressão de dinheiro,
força o lastro, facilitando importações, mantendo alto consumo interno por baixos
preços, prontamente estimulando produção estrangeira (menos custos, incluso
trabalhistas), preparando, assim, a crise de sua moeda, expressão da crise geral.
Dadas as diferenças, ficamos com a pergunta: qual a teoria geral da crise em
Marx e no marxismo? Daiamos a resposta por meio de uma lei geral das variadas crises
– financeira pura, financeira enquanto manifestação da crise produtiva, cíclicas, etc. –
explicativa das causas postas: queda tendencial da taxa de lucro, composição orgânica
diferenciada dos setores I e II, aparência de subconsumo etc. O fator universal: os
elementos constitutivos da totalidade do capital e do capitalismo se desenvolvem de
maneira desarmônica, desigual, gerando contradições, ou seja, crises. Esta
formulação central inclui a interinfluência dos elementos ao mesmo tempo dentro e fora
da economia: Estado, luta de classes etc.
Porque a economia capitalista é não planejada, isto é inevitável nesta forma de
sociedade. E assim tem de ser, pois representa toda uma etapa da história: faz-se
necessário um alto desenvolvimento das forças de produção para surgir, dar base, a uma
economia de fato planificada cientificamente. Isto seria impossível de modo pleno, na
prática, sob a I revolução industrial ou a II, mesmo quando sob um Estado Operário.
Podemos agregar, então, um tipo específico de crise para nossa época: a revolução
social. A revolução vitoriosa em um país avançado ou intermediário por si gera crise
mundial ou a acentua, pois: 1) os conflitos internos, revolução e guerra civil, alteram
sua relação normal no mercado interno e interpaíses; 2) a luta de classes, sendo vitoriosa
ou ativa, altera a correlação de forças entre classes em outras nações; 3) um novo Estado
Operário busca relocalizar-se na estrutura internacional, produtiva e política; 4) a
interdependência das economias e nações, após a globalização, atinge níveis altíssimos.
O Brasil, por exemplo, está para muito além de uma ilha, por isso impossível
simplesmente desplugá-lo. EUA e China desenvolveram uma interligação enorme,
enlaçando intimamente os destinos de suas próximas revoluções sociais.

AUTOLIMITE
Percebemos a dimensão trágica da História. No pré-II Guerra ou no pré-década de
1970, o sujeito social – os produtores de mercadorias, a classe operária – era numeroso,
concentrado e potencialmente centralizado “para si”; ou seja, as condições eram
superiores para a ação dessa classe. Dito isso, percebemos que a atual revolução
técnico-científica, onde toda descoberta nova da ciência rapidamente é aplicada à
produção e aos produtos, poderia e deveria ser implementada pelos próprios
trabalhadores no poder, com seu próprio Estado e sociedade mundiais. Podemos dizer,
então, que a revolução faltou ao chamado histórico. O Estado de bem-estar social,
implementado nos países imperialistas, foi uma tentativa de bloqueio da Revolução
Permanente: a lei da tendência à miséria crescente foi relativizada nos países ricos e
“transferida” para as nações pobres, estimulando revoluções na periferia do sistema,
como demonstrou Nahuel Moreno n’O Partido e a Revolução (1973), em polêmica com

128
O marxismo supera e funde idealismo e materialismo. O Estado Chinês, após a restauração do
capitalismo, atuou corretamente, do ponto de vista burguês, em acordo com as tendências do valor-
capital em sua nação, condição posta por fatores globais, acelerando o processo existente. A ideia,
forma especial e humana de materialidade, exerce efeito sobre a matéria na medida em que este
possibilita aquele.
o economista Mandel – antes perder os anéis para manter os dedos com os quais
ordenam.
Em conclusão, alcançamos o momento histórico teorizado por Marx:

“Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da


sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que
é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais
se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas
relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de
revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais
devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura. Na consideração de tais
revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o revolucionamento material nas
condições económicas da produção, o qual é constatável rigorosamente como nas
ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em
suma, ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem.
Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si
próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua
consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições
da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção
sociais. Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as
forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações
de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das
mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha. Por isso a
humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois
que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só
aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as
condições materiais da sua resolução. Nas suas grandes linhas, os modos de produção
asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas
progressivas da formação económica e social. As relações de produção burguesas são a
última forma antagónica do processo social da produção, antagónica não no sentido de
antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da
vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da
sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a
resolução deste antagonismo. Com esta formação social encerra-se, por isso, a pré-
história da sociedade humana.” (Marx, prefácio de “Para a Crítica da Economia
Política”129)

Eis o papel oculto da III revolução produtiva.


Podemos elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é o
capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu desenvolvimento. Por
isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento e com ares de longa

129
https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm
estagnação o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase
todas as suas possibilidades.130
O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980: é tão maduro
sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de
crescimento maiores relativos aos da China atual, destino prioritários dos capitais
internacionais por décadas, foi gerando demanda interna por urbanização no século XX;
até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito urbanizado, com luta de
classes urbana, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no
mercado mundial permitiu um ambiente mais “saudável” para o capital; em diante, o
principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje
presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados (via
consumo), destruição do patrimônio público por meio da privatização etc.
O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa
populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras
agricultáveis etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo
“atrasados” a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais
maduros.
Vejamos os 10 países de maior crescimento – além da reconhecida China – em
2017: Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%;
Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%131. São
estimativas do Banco Mundial. O alto processo de crescimento tem como causa o baixo
desenvolvimento… Outra coisa completamente diferente são os mecanismos para
realizar os talentos capitalistas das nações: endividamento do Estado, vantagens fiscais
às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização etc.
Os próximos saltos realmente globais de desenvolvimento só são alcançáveis por
meio de outra sociedade… Até este momento se impor, o desenvolvimento do
capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um
desenvolvimento destrutivo. O “excesso” de maturidade – que no Japão parece haver o
exemplo mais interessante – demonstrará um divórcio entre crescimento humano e
crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que
este último encontra autobarreiras sob o capital.
A história parece andar para trás. No entanto, está no degenerar da civilização a
necessidade de revolucionar a sociedade; o recuo é condição para impor a necessidade
de avanço – impedir a degeneração da sociedade por meio de uma nova (Benjamin).
Outro aspecto do limite sistêmico é a existência inédita das “empresas grandes
demais para quebrarem” (sic!). Traduzindo: o nível de concentração e centralização de
capitais, com altíssima produtividade mundial, tende a um limite extremo onde o
recurso capitalista da destruição de concorrência já é incapaz de se fazer valer em
plenitude. A quebra de um “gigante global” geraria efeito em cadeia… Daí as
estatizações, “pré-privatizações” (jogo linguístico do Estado norteamericano), diante da
crise de 2008. A grande propriedade estatal gerida democrática e planejadamente, sem
fins lucrativos, voltada às necessidades humanas, torna-se necessidade desejosa de se
realizar.

130
Por certo, este limite é relativo, por aproximações. Exemplo: na Europa, este autolimite tende à
tentativa de retirar os direitos adquiridos “em demasia” em nome de um lucro demasiado – gerando
luta de classes… Em dialética, o absoluto tem traços de relativo.
131
https://g1.globo.com/economia/noticia/as-10-economias-que-crescem-mais-rapido-em-2017-e-
uma-delas-nao-e-a-china.ghtml
Gerado pelo trabalho humano, o valor, sujeito do capitalismo, na busca por
autovalorização, teve de reduzir o tempo socialmente necessário para a reprodução de
uma mercadoria. Esta autocontradição atingiu seu ponto culminante. Qualquer
explicação profunda da atual crise necessita levar isso em primeira consideração, pois
esta última é, antes de tudo, a crise do próprio valor. A “mão invisível” – deus
desumano, senhor do tempo, Kronos abstrato e materialista – definha e vê na sua
própria criação, o atual avanço técnico e a sociedade que daí surgiu, um inimigo em
potencial, um Zeus rebelado.
Seja qual for o modo de abstração, o ponto de partida e o foco da análise,
concluímos estarmos diante de um processo singular; por isso e em síntese,
conceituamos crise sistêmica esta crise. Nela, nesta crise geral, as crises cíclicas132
continuarão a se manifestar.

132
Como manifestações fenomênicas e ao lado da crise sistêmica, estas crises tenderão a ser cada vez
mais intensas e explosivas. Ao reformismo – e centrismo; sempre lembrar deste –, considerar apenas as
crises cíclicas é um ponto de apoio, pois pode, assim, dizer aos trabalhadores e vanguardas: “a situação
está difícil, precisamos apertar o sinto e, se necessário, lutar; as crises do capitalismo vêm e vão, são
conjunturais e momentâneas. Amanhã teremos dias melhores se, principalmente, com um bom
governo. Paciência e lutemos por (apenas – afirmam as entrelinhas) reformas.” O reformismo é capaz,
no limite, de liderar greves gerais ou grandes mobilizações caso isto o leve ao poder de Estado burguês –
e, junto a isso, dificulte a audiência dos revolucionários. O centrista PS italiano, em 1920, então membro
da III Internacional, tendo se colocado contra a I Grande Guerra, chegou a elaborar a proposta “façamos
como a Rússia de Lenin e Trotsky!” durante situação revolucionária em seu país; porém, quando a
revolução veio, com ocupações de fábricas e metralhadoras instaladas sobre elas por operários, este
partido assustou-se consigo próprio e recuou-se, o que abriu – na trilha desmoralizante das traições –
caminho para um novo fenômeno, o fascismo.
A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E OS
CICLOS DE ERA

Como os gráficos e dados apresentados apontam com admirável clareza, a curva


capitalista foi ascendente, de desenvolvimento, de 1944 até a de 1970; entrou em um
período transitório de estagnação na década de 1970, com suas turbulências
anunciadoras, até 2008; a partir da crise atual, 2008, entramos na parte decrescente da
curva. Estamos caminhando há 70 anos sobre e sob a mesma curva histórica! Criador da
teoria, Trotsky afirma:

“Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos ciclos


[aqui, no sentido de ciclos econômicos mais ou menos decenais, não ciclos de era – nota
minha], de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um
desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente caráter
em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está determinada pelas
inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de auge de cada ciclo
considerado. Se o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do
período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise,
que significa destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa
em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração
da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude,
obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema
no fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em
séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo número
de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises débeis e de
curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica
do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva,
ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece
aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos
períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre através de
oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação
das forças produtivas.”133

Essa teoria demonstra quão mecanicistas e antimarxistas são os ciclos de


Kondratiev, seus ciclos de 50 anos, falsos prática e teoricamente.
A ascensão possibilitou e correspondeu à prática keynesiana134; a transição da curva
necessitou da práxis neoliberal; agora, a burguesia ver-se desprovida de uma teoria da
circunstância, tateia políticas econômicas por empirismos e pragmatismos.
Cabe-nos uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as
obrigações políticas o impedia de fazer uma atividade científica total. Assim, enquanto
criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev, ele próprio apresentou o
movimento geral percebido e suas manifestações, não alcançando a coisa-em-si;
enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma duríssima pesquisa em torno
do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado

133
Fonte da tradução:
http://orientacaomarxista.blogspot.com.br/2012/04/curva-do-desenvolvimento-capitalista.html
134
Em nível essencial, o momento histórico permitiu e pediu tais medidas. Em nível aparencial,
verdadeiro e falso, o keynesianismo permitiu a aplicação e assistência do momento “próspero”.
a atualizar e discordar parcialmente do teórico russo. Esta conclusão nos leva aos ciclos
de era e à percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas.
Há duas formas de olhar: de modo abstrato, pelos fatores econômicos em si, e de
modo concreto, pela interação com os fatores externos. Comecemos pelo primeiro,
exemplificando.
Uma revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade
do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, eleva a quantidade e o nível das
contradições inerentes. A III, para nos aproximarmos de nossa realidade, faz falir
empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção; por demitir
assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior
comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair; maior escala
de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre
disponíveis na escala necessária; maior produtividade, este salto interno de qualidade,
aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias
ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de
superprodução; o capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima é maior a
ser adiantado, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser paga com
o lucro futuro; as possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de
produção (em resumo excessivo: custo de produção + mais-valor gerado) são mais
presentes; maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os setores I,
produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo; os transtornos
da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com
maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial;
etc. Todo o processo pode ocorrer com a massa de lucro aumentando, na medida em que
aumenta a exploração do trabalho e diminui os elementos concorrentes e, em paralelo,
cai a taxa de lucro. Como elemento de tendência – revelado em quedas conjunturais –, a
massa de lucro tende a cair também, não só pela queda da taxa (proporção entre o
capital total investido e o lucro), mas porque a III Revolução Industrial e demais fatores
do primeiro capítulo, a mesma fábrica produzir objetos com valores de uso múltiplos
etc., diminuem de per se a massa de valor, fonte do lucro, na produção global.
As próprias crises, na medida em que tendem a ser mais cada vez mais duras,
forçam os capitalistas à modernização produtiva (a partir do impulso inicial, a luta de
classes); ocorre um círculo vicioso de causa e consequência, onde ambos cumprem e
invertem papéis – por estímulo recíproco.
Assim, as crises vão de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de
1944 à década de 1970, para um período transitório, com crises mais duras, cujas
sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do
trovões fortes antecedendo a chuva, de 1970 até 2007-8. Agora temos um salto: declínio
da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos
débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de
manifestação, manifestações fenomênicas, de processos profundos e essenciais do
sistema; através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.
Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de
generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, partamos para o fator
externo.
Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo
capitalista de produzir – salto interno. Por isso, essas mudanças, ao elevarem a
produtividade, entram em contradição – relativa ou absoluta e de relativa à absoluta –
com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução
Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar
de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de
1848 à 1851. Antes, deu força às revoluções burguesas.
Após estas tensões, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo
ascenso da curva, nova curva, 1851 à 1873. Já a partir da década de 1870, a partir da
acumulação e centralização de capitais (e pelo impulso da luta de classes), surge a II
Revolução Industrial; e também entra em relativa contradição com a formação sócio-
superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se
explica, por exemplo, a insistência britânica, "humanitária", pelo fim da escravidão no
Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas
mercadorias.
Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares
de absolutas: crise em 1913 e guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva
histórica até 1944, fim da II Guerra.
A nova curva: ascenso com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência
não contraditória, com a formação "societária" vigente. Logo depois: III Revolução
Industrial gera nova contradição relativa em 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e
o declínio da curva histórica. Tem este potencial explosivo, de contradição, absoluto:
socialismo ou barbárie – ou fim da espécie humana.
Este foi o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples
e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande
indústria, I Revolução técnica, deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na
produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por
consequência, 3) 1820-1851, declínio – tal um exemplo a ser seguido em patamares
mais elevados. No período do primeiro ciclo de era, mercantil, inexistindo crises
cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores
agregados na avaliação: a situação das classes e o desenvolvimento técnico.
Descrevamos: a bárbara “acumulação inicial de capital” abre o período inicial, de
estagnação ou, ou seja, precarização dos artesãos e avanço na produção (manufatura
simples e complexa)… A manufatura complexa aperfeiçoa-se e expande-se… Alcança-
se ponto onde, por meio dos segredos de especialização e certa autonomia do
assalariado produtivo (forçando, por exemplo, longo período de formação de novos
trabalhadores), os subordinados agarravam-se a alguma qualidade de vida… A
revolução industrial abre novo ciclo.
As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma
realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se (estamos ao mesmo tempo
considerando e abstraindo a contradição do capital consigo próprio nestes processos).
Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e
crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução
entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade entra em
contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.
O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as externalidades impedem seu
pleno movimento, e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na
produção quanto na circulação; crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso
torna necessário romper tal contradição conteúdo-forma com as mudanças cotadas nos
ciclos de era, de I ao IV, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do
capital etc.

Podemos representar as curvas visualmente:

Ascenso______transição______declínio
_________________________________

Ou:

Crises curtas e anêmicas_estagnação_crises longas e profundas


___________________________________________________

As três curvas históricas, em ondas135:


1. Século XVI-1780 | 1780 (revolução industrial) – 1820 | 1820-1851
2. 1851-1873136 | 1873-1913 | 1913-1944
3. 1944-1973 | 1973-2008 | 2008...

Do ponto de vista dos ciclos de era, o ponto de partida não é o ascenso, a baixa
contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais.
Ou seja: todas as revoluções industriais foram o ponto de partida da fase de transição, de
estagnação, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando
contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre
produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações
sociais (de produção) e organizacionais etc.
Desse ponto de vista:

Primeiro ciclo, comercial: 1500 - 1780


Segundo ciclo, industrial: 1780 - 1873
Terceiro ciclo, financeiro: 1873 - 1973
Salto para si: 1973...

No primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços


de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação
simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a força
constrangedora do trabalho, fator que o limitava e também o estimulava a superar esta
contradição, o nível de autonomia do assalariado. No terceiro, a nova escala de
produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor de juros se torna
mecanismo mais necessário para os saltos produtivos e retirar a força acumulada pela
classe trabalhadora, desde a derrota das revoluções de 1848 (duas décadas – 1850 e
1860 – e parte da de 1870 conquistando direitos trabalhistas básicos na Inglaterra,
Comuna de Paris na França, surgimento da I Internacional etc.). No salto para si, década
de 1970, a expressão monetária do capital, fixo e circulante, necessita ainda mais que
antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se fictício, a financeirização ganha
importância como reação à impossibilidade de investimentos produtivos e à necessidade
de permitir o montante de capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual

135
Aquilo a que Trotsky nomeia crise orgânica revela-se momento de declínio da curva histórica, não
autocrise última do sistema em si. Os primeiros passos são dados, por evidente, no momento de
transição da curva, entre ascenção e declínio.
136
“En esa época Marx no podía tomar en cuenta –sólo observó el ascenso en el mercado– que se
enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones
débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más altos. No
previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de
Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes,
cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los
‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (p. 190)
composição orgânica do capital (descoberta que coloca Kurz, apesar de seus inúmeros
erros, entre os marxistas necessários à compreensão da atualidade; ademais, é criador de
um novo gênero literário, crônica teórica137).
A fase comercial, pré-capitalismo industrial, maduro, tem de entrar, com sua
produção cooperada, simples e manufatureira. Num, curva de desenvolvimento do
capitalismo, corresponde à ascensão; noutro, ciclos de era, todo um período histórico.
O que para Trótski era ponto de partida, é, em nossa análise, a resolução de uma
contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, o socialismo –
em real: a transição ao socialismo – será a resolução das contradições atuais, deste ciclo
de era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes
do sistema anterior.
Façamos regra geral: o período estável, de baixa contradição sistêmica, permite
acumulação de capital-dinheiro por, dado a jornada de trabalho, a produção industrial
ativa e vibrante extrair maior massa de mais-valor por ter baixo o desemprego, por
empregar mais força de trabalho. Porém, isto gera o principal problema: luta de classes,
que é resolvida nas fábricas também por meio do maquinário novo.
Outro fator comum, já percebido por Trótski: cada momento de variação de um
ponto histórico a outro corresponde a confrontos armados. Na atual curva e ciclo:
1. O ascenso inicia-se com o fim da II Guerra;
2. Guerra do Vietnã – transição;
3. Guerra do Afeganistão e Iraque (este, o central) e Síria-Líbia – declínio.
Em outro parágrafo, afirmamos a lei de que cada revolução industrial dura, em
média, 100 anos. No decorrer do livro, o leitor perceberá também o ponto nodal, de
estrangulação sistêmica na mesma secularidade no caso contemporâneo. Por quê? As
crises cíclicas ocorrem de 8 a 10 anos, em média tendencial, no processo circular
crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria
saúde doentia do capitalismo, meio de acumulação e centralização de capitais; e gera
bases para as revoluções produtivas seguintes. Acontece, acabamos de expor, que estas
alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; e se a
ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial seguinte, permite por igual o
início de um autolimite que necessita ser resolvido. De 1944 a 1975, nada melhor que o
fordismo e sua expressão na política keynesiana como sinal de saúde e, por igual, base
da autossuperação. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão –
durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio,
oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial.
Até onde foi este estudo, nem Marx nem Trótski perceberam a questão deste modo,
e sequer poderiam por razão dos limites de suas épocas.
Peço atenção do leitor para o seguinte: antes do século XVI existiu um pré-
capitalismo, com proto-valor, fase embrionária, com um ciclo de era pré-ciclo de era.
Apenas nesta nota fazemos tal destaque. Algumas características: na produção – artesão;
força central – comércio por excedente feudal; “nação” centralizante – Itália, Veneza;
urbanização – iniciante; datação – entre os séculos XII e XIII até XVI, grandes
navegações; forma do dinheiro – ouro e prata etc. Foi fator “colateral” no processo de
fim do feudalismo, forma de transição. Cabe, aqui, um destaque importante: inúmeros

137
Em geral, os teóricos marxistas focam nos erros de Kurz, obscurecendo seus vitais acertos. Suas
qualidades e limites derivam de sua vivência: presenciou a Alemanha divida em capitalista e “socialista”,
viu a queda do Muro de Berlim, formou-se na nação de Marx e da alta filosofia, nasceu no país
protagonista da III Revolução Industrial, o governo controlava os “desocupados” com salários-base,
produziu teoria em uma conjuntura de baixíssima luta de classes (atrazando e limitando sua formação).
aspectos do concreto simples correspondem a este período, adentrando no ciclo de era
mercantil.

TEORIA DO COLAPSO

A teoria do "processo de colapso" é de Marx, não de Kurz. Os marxistas sabem de


cor a ideia de que um sistema só cai e é substituído quando explora todas as suas
possibilidades; o raciocínio dialético – se levado a sério – não permite ilimitada margem
de manobra ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise
geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1913... Mas ele
não tinha um elemento teórico: a teoria das curvas históricas, mais importante que as
das crises cíclicas; tal é uma enorme contribuição de Trótski. Agora, se somarmos ao
"ciclos de era", percebemos toda a dinâmica; e conseguimos explicar o motivo de Marx,
Lênin e Trótski terem errado em achar que aquela crise, potencialmente a última, não a
era de fato. A crise atual apresenta, enfim, os limites absolutos do capitalismo.
Diz o general do Exército Vermelho:

e) A Teoria do Colapso

Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os


corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram
quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do
progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a
idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico
de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma
distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições
de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem
dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a
democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do
reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada
crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas catástrofes parciais por
meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das
dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para
conseguir mercados, matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes
militares. E tudo isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil
concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo,
sossegado e razoável”. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos
vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou
sobre a teoria do desenvolvimento pacífico.138

Pouco antes de falecer (1883), K. Marx percebeu mudanças no capitalismo,


expostas no livro III d’O Capital. Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais
clareza a existência de novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico
estavam presenciando o início do III ciclo de era, fase de estagnação daquela curva
histórica, II revolução industrial. Vejamos passagem:

138
O Marxismo em nosso tempo. Site MIA.
[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas
formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou
à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente
aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a
lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção
ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que
cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e
notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de
produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos,
lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de
concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela
mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de
se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para
constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade
a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou
pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis
internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de
associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses
das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a
concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o
permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande
sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na
América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs
nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. Os antigos
proprietários das diversas empresas - mais de trinta - receberam em ações o valor
estimado dos seus investimentos, ao todo cerca de 5 milhões de libras que constituem o
capital fixo do truste. A direção técnica continua nas mesmas mãos, mas o comando
comercial está nas mãos da direção geral. O capital de giro (floating capital), no
montante aproximado de um milhão de libras esterlinas, foi oferecido à subscrição
pública. O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que
constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a
concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda,
pela nação. - F.E.]
É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte
uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de
transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto
contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do
Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura
de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo
de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e
comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (O
Capital III, Civilização Brasileira, 2014, p. 254-255.)

Outra vez mais, apesar de não perceber as curvas-ondas, Engels:

[Conforme já observei (refere-se ao livro I), houve alteração no ciclo, depois da última
grande crise geral. A forma aguda do processo periódico com seu ciclo decenal parece
ter cedido à intermintência – mais crônica, mais extensa, repartindo-se pelos diversos
países em tempos diferentes – de melhoria nos negócios relativamente curta e débil e de
depressão relativamente longa, onde não se entrevê uma decisão. Mas talvez o ciclo
tenha somente se alongado. Na fase infantil do mercado internacional, de 1815 a 1847,
evidenciam-se ciclos de cerca de 5 anos; de 1857 a 1867, o ciclo é decididamente de dez
anos; estaríamos no período preparatório de um novo craque mundial, de violência
inédita? Os indícios são fortes. Depois da crise geral de 1867 sobreviveram grandes
modificações. Na realidade, foi a expansão colossal dos meios de transporte e
comunicações – navios a vapor, ferroviais, telégrafo elétrico, canal de Suez – que
estruturou o mercado mundial. Vários países industruiais surgiram ao lado da Inglaterra,
que antes monopolizava a indústria; em todas as partes do mundo, abriram-se mais
vastos e mais diversificados territórios à aplicação do capital europeu excedente, que
desse modo se reparte mais amplamente, superando com mais facilidade os excessos de
especulação locais. Todos esses fatores suprimiram ou enfraqueceram bastante, na
maior parte, os antigos focos e as conjunturas responsáveis pelas crises. Ademais, a
concorrência retrocede no mercado interno diante dos cartéis e trustes, enquanto se
restringe no mercados externo pela proteção aduaneira com que se cercam todos os
grandes países industriais exceto a Inglaterra. Mas, as muralhas de proteção aduaneira
são apenas armaduras para a última batalha internacional da indústria que decidirá do
domínio do mercado mundial. Assim, todo fator que se opõe à repetição das velhas
crises traz consigo o germe da crise futuro muito mais violenta. – F.E.] (O Capital III,
Volume 5, Civilização Brasileira, 2008, nota de rodapé 63, p. 646.)

Engels, percebendo a tendência à grande crise, está trabalhando, um tanto informal e


inconscientemente, com a seguinte afirmação de Marx: as crises cíclicas seguintes,
partindo de produtividade superior, são crises em patamares mais elevados. Leiamos:

“A estatística das exportações e importações serve para medir a acumulação do capital


real – o capital produtivo e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de
desenvolvimento da indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o
máximo da última fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo
da subsequente fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais
elevado.” (Idem; p. 663.)

O teórico amigo revelou também ocorrer diferenças nos ciclos decenais, conforme
observamos na citação precedente. Dito de outro modo: produtividade elevando-se,
entrando em contradição – ou não, a depender do momento na curva-onda – consigo
próprio e com a estrutural social. Então, Engels deduziu uma enorme crise surgindo.
Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico – de 1873-1913,
estagnação, à 1913-1944, declínio.
Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista:

¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?


Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de
mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en
condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la
humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el
proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y,
sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el
capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a
los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros,
Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis;
en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar
realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social
desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva
situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la
humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas,
debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede
esperar aún hacer uma obra de progreso? (234)
(…)
En cuanto a América, el cuadro parece muy distinto. Pero ¿y Asia? No se la
puede, em efecto, desdeñar. Asia y África representan el 55% de la superficie y el
60% de la población del globo. Merecerían, es cierto, un examen detallado que no
cabe en los límites de este discurso. Pero todo lo que hemos dicho más arriba
demuestra claramente que la lucha entre América y Europa es ante todo una lucha por la
dominación en Asia. ¿Es capaz aún el capitalismo de cumplir una misión de progresso
en América? ¿Puede realizar esta misión en Asia y en África? En Asia ya ha
empezado a obtener éxitos importantes; en África no ha hecho más que rozar la
periferia del continente. ¿Qué perspectivas de desarrollo tiene? A primera vista,
podría parecer que el capitalismo ha cumplido ya su tiempo en Europa, que en
América desarrolla las fuerzas productivas, que en Asia y en África tiene todavía
ante sí un ancho campo donde podrá ejercer su actividad durante décadas y hasta
siglos. ¿Es realmente así? Si fuese así significaría que el capitalismo no ha
terminado aún su misión en el mundo. Ahora bien, actualmente la economía es
mundial, y esto es lo que determina la suerte del capitalismo para todo los
continentes. El capitalismo no puede desarrollarse aisladamente en Asia,
independientemente de lo que ocurre en Europa o en América. La época de los
procesos económicos provinciales ha pasado definitivamente.
Es cierto que el capitalismo americano es incomparablemente más flerte y más
sólido que el capitalismo europeo y puede mirar al porvenir con mayor seguridad. Pero
ya no puede sostenerse con su equilíbrio interior. Necesita el equilibrio mundial.
Europa depende cada vez más de América, pero de aquí resulta que América, a su
vez depende cada día más de Europa. América acumula anualmente 7 mil millones
de dólares. ¿Qué hacer con este dinero? Encerrarlo simplemente en un sótano
equivale a convertirlo en un capital muerto que disminuirá los benefícios del país.
Todo capital exige intereses. ¿Dónde colocar los fondos disponibles? El país por sí
mismo no los necesita. El mercado interno está sobresaturado. Es necesario buscar
una salida al exterior. Se ha empezado a prestar dinero a los demás países, a
invertir fondos en la indústria extranjera. Pero, ¿qué hacer con los intereses?
Estos, en efecto, vuelven a América. Hace falta, pues, o colocarlos de nuevo en el
extranjero si se perciben en moneda metálica, o bien, en lugar de percibirlos en oro,
importar mercancías europeas. Pero estas mercancías minarán la indústria americana,
cuya enorme producción ya exige una apertura hacia el exterior. Tal es la contradicción.
(235, 236)

Em carta a Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização


global:
Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda vez
seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o primeiro o
conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a criação do mercado
mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse mercado [Esboço, diz
Marx: percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o
desenvolvimento quase máximo do mercado planetário para abrir a possibilidade alta de
superação do atual sistema. Sigamos:]. Uma vez que o mundo é redondo, a
colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e do Japão
parecem ter concluído este processo. Para nós, a questão difícil é esta: no continente,
a revolução é iminente e, além disso, assumirá instantaneamente um caráter socialista.
Não será necessariamente esmagado neste pequeno canto da terra, já que o
movimento da sociedade burguesa ainda está, no ascendente, em uma área muito
maior?
No que diz respeito à China em particular, tenho analisado cuidadosamente o
movimento de comércio desde 1836, estabelecimos que, em 1847, o aumento das
exportações inglesas e americanas entre 1844 e 1846 tinha provado uma fraude total e
que, nos 10 anos seguintes, a média permaneceu bastante estacionária, enquanto as
importações da China para a Inglaterra e a América aumentaram enormemente; em
segundo lugar, o único resultado da abertura dos 5 portos e da anexação de Hong Kong
foi uma mudança de comércio de Cantão para Xangai. Os outros "emporiums" não
contam. O principal motivo para o fracasso deste mercado parece ser o comércio do
ópio - ao qual, de fato, todo aumento no comércio de exportação para a China foi
invariavelmente limitado; no entanto, outro fator é a organização econômica interna
do país, sua agricultura, etc., para demolir, o que demorará muito tempo.139
(Grifos nossos.)

Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele
concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos,
que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos este mesmos limites. Era verdade,
mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da
autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à
economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do
teórico, quase todos os poros do mundo.
Em 1926, Trotsky apresenta um melhor esboço de sua tese. Sendo avanço,
pensamos haver limitações de atualização:

Entonces, la curva del desarrollo económico es un compuesto de dos movimientos:


uno, primario, que expresa el crecimiento ascendente del capitalismo; y otro,
secundario, que corresponde a las oscilaciones periódicas constantes, relativas a los
dieciséis ciclos de un período de ciento treinta y ocho años. En ese tiempo, el
capitalismo ha vivido aspirando y expirando de manera diferente, según las épocas.
Desde el punto de vista del movimento de base, es decir, desde el punto de vista del
progreso y decadência del capitalismo, la época de 138 años [133, incorrecto en el

139
A carta é de 1958, demonstrando a pressa de Marx em ver o sistema suncubir, acertando e
antecipando os aspectos gerais da grande crise futura. Como se sabe, o capitalismo foi além da
exportação de capital-mercadoria para a exportação de capital produtivo e capital-dinheiro.
Tradução livre, fonte: http://hiaw.org/defcon6/works/1858/letters/58_10_08.html
original inglés, NdT] puede dividirse en cinco períodos: de 1781 a 1851, el capitalismo
se desarrolla lentamente, la curva sube penosamente; después de la revolución de 1848,
que ensancha los límites del mercado europeo, asistimos a un punto de ruptura. Entre
1851 y 1873, la curva sube de golpe. En 1873, las fuerzas productivas desarrolladas
chocan con los límites del mercado. Se produce un pánico financiero. Enseguida,
comienza un período de depresión que se prolonga hasta 1894. Las fluctuaciones
cíclicas tienen lugar durante este tiempo; pero la curva básica queda al mismo nivel,
aproximadamente. A partir de 1894 empieza un nuevo boom capitalista hasta la guerra,
casi, la curva sube com vertiginosa rapidez. Al fin, el fracaso de la economía capitalista
en el curso del quinto período tiene efecto a partir de 1914.
¿Cómo se combinan las fluctuaciones cíclicas con el movimento primario?
Claramente se ve que, durante los períodos de desarrollo rápido del capitalismo, las
crisis son breves y de carácter superficial mientras que las épocas de boom, son
prolongadas. En el período de decadencia, las crisis duran largo tiempo y los éxitos
son momentáneos, superficiales, y están basados en la especulación. En las horas de
estancamiento, las oscilaciones se producen alrededor de un mismo nivel. He aquí,
pues, cómo se determina el estado general del capitalismo, según el carácter particular
de su respiración y de su pulso. (79, 80. Grifos nossos.)

Porém, o bolchevique dilui a curva geral em curvas menores, em períodos. Isto gera
problemas, como desconsiderar as duras crises – e as revoluções daí derivadas – até
1851. Chega a considerar a elevação da produtividade de per se em certos momentos
como fonte de medida; enquanto mantemos, tal que ele próprio indica, a profundidade
tendencial das crises cíclicas em períodos mais longos. Ademais, na citação acima,
coloca o período de 133 anos como um processo único, diferente de como procedemos,
também como aponta em outros textos. Os ciclos de era são, portanto, atualização e
conclusão da curva de desenvolvimento do capitalismo.

Podemos supor que o capitalismo autodesenvolveu ao ponto de reduzir suas


possibilidades, que geram suas margens de manobra. Isto não garante a vitória do
socialismo, mas permite a base material, o terreno onde a batalha pode ser travada nas
melhores condições históricas possíveis.
A crise ambiental por si demonstra um limite do sistema capitalista, que pode nos
levar consigo. Vejamos os limites mais econômicos. O capitalismo tem elevado sua
produtividade por meio de aumento da composição técnica do capital, fator que gera
queda da taxa de lucro na medida em que aumenta o peso monetário do maquinário e
matéria-primas e substitui trabalhadores (composição orgnânica). A queda da taxa de
lucro manifesta e está ao lado da tendência latente à superprodução crônica, que só pode
revelar-se de modo latente, concluindo-se ou em economia planejada, de superprodução
relativa, ou em destruição sistêmica, a barbárie.
Da relação produtividade e queda da taxa de lucro, Marx:

"(…) Mas, se v [capital variável] cai de 30 para 20, por se empregar 1/3 menos de
trabalhadores, ao mesmo tempo que aumenta o capital constante, teremos o caso normal
da indústria moderna: produtividade crescente do trabalho, domínio de quantidades
maiores de meios de produção por menos trabalhadores. Na parte terceira deste livro,
ver-se-á que este movimento está necessariamente ligado à queda simultânea da taxa de
lucro." (O Capital, Livro 3, página 81.)
Observemos – do ótimo artigo “A Enfermidade Histórica do Capitalismo” (The
historical transience of capital The downward trend in the rate of profit since XIX
century), escrito por Esteban Ezequiel Maito – estes gráficos:
O autor140, Esteban Ezequiel Maito, de onde obtemos os gráficos141 acima expostos,
afirma:

140
Fonte: https://ligapopular.wordpress.com/2017/08/06/aefemeridadehistoricadocapitalismo/
Artigo original: https://thenextrecession.files.wordpress.com/2014/04/maito-esteban-the-historical-
transience-of-capital-the-downward-tren-in-the-rate-of-profit-since-xix-century.pdf
141
Dos dados e metodologia nos gráficos acima: “A taxa de lucro no capital fixo foi, de longe, a medida
mais comum em estudos sobre a rentabilidade do capital. Em um estudo anterior, realizamos uma
comparação entre quatro países sobre a taxa de lucro marxista, mas, com exceção à este caso, todos os
estudos que abordaram uma comparação internacional, devido à disponibilidade dos dados, focam na
taxa de lucro sobre o capital fixo. Chan-Lee e Sutch, em uma das primeiras análises comparativas,
estudaram as taxas de lucro dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) durante o período de 1960-1980, refletindo claramente o declínio devido à crise de
rentabilidade nos anos setenta. Lee e Sutch realizaram um estudo que considerava a rentabilidade à
longo prazo no Reino Unido, EUA, Japão e na zona do euro (a partir dos anos 60) no contexto de uma
análise histórica da hegemonia global de estados sucessivos no sistema mundial. Duménil e Lévy
também compararam os níveis de taxas de lucro desses países, embora em um intervalo de tempo mais
“Embora a taxa de lucro de 0% não seja considerada como o limite real do capital,
mas níveis mais altos, os anos em que a linha de tendência atinge 0% foram
considerados. Para o ano 1900, a tendência teria atingido 0% em 1990. Para 1919, em
2024. Para 1932, em 2007. Para 1944, em 2025. Para 1955, em 2040. Para 1970, em
2055. Para 1980, em 2046 Para 2010, em 2056. Para os países periféricos, este exercício
marcou, para o ano 1970, uma taxa de 0% projetada no ano de 2072. Para o ano de
1980, em 2050 e para 2010, em 2064.”

Percebemos uma previsão empírica do tempo secular de cada revolução industrial,


com a década de 2070 um limite de qualitativo.
O artigo conclui-se como poderia:

“Dois pontos podem ser destacados a partir desses exercícios de projeção.


Conforme observado anteriormente, a tendência não se desenvolve de forma constante,
mas muda sua inclinação de acordo com o momento histórico e os fatores contrários.
Assim, até 2010, o limite previsto em 1900 mudou 66 anos, de 1990 a 2056. No entanto,
e, em segundo lugar, o progresso desta tendência continua diminuindo cada vez mais o
número de anos em relação ao limite projetado, que tende, por outro lado, a permanecer
fixo no meio deste século. A incapacidade do capital, e dos fatores contrários, em
reverter sua própria tendência nas últimas décadas é refletida, assim, como sendo
incapaz de avançar este limite hipotético. Vale a pena repetir neste ponto a citação de
Grossmann: “… à medida que essas contratendências são gradualmente fragilizadas, os
antagonismos do capitalismo mundial se tornam progressivamente mais nítidos e a
tendência para a ruptura aproxima-se cada vez mais da forma final de um colapso
absoluto”.”142

A tendência aparente a uma taxa de lucro mundial, unificada, superando as


desigualdades nacionais é manifestação da tendência real: fim da taxa de lucro no
conjunto do sistema. Enquanto definha-se, regional e globalmente, tende a encurtar as
diferenças e obter maior influência mútua143.

curto. Zachariah faz um exercício semelhante, acrescentando também a China e a Índia. No entanto, ele
não estima o retorno do capital fixo reprodutivo, mas inclui moradias, que não fazem parte do capital
fixo e do próprio processo de produção capitalista.”
“As estimativas para catorze países são apresentadas neste artigo, em alguns casos cobrindo mais de um
século de história e representando mais da metade da produção mundial nos últimos setenta anos. Em
relação ao trabalho destes pesquisadores, são incorporados a longo prazo (série de mais de um século
de extensão) estimativas para Alemanha, Argentina, Suécia e Holanda. A inclusão da Argentina no início
do século XX, bem como da Coréia e da China nas últimas décadas, nos permite uma melhor
interpretação das áreas periféricas, de acumulação mais dinâmica, durante alguns períodos específicos,
em relação com a tendência geral de rentabilidade.”
142
Focado no fenômeno, a queda da taxa de lucro, não na sua causa essencial, a leitura do artigo é
recomendável por sua qualidade.
https://ligapopular.wordpress.com/2017/08/06/aefemeridadehistoricadocapitalismo/
https://thenextrecession.files.wordpress.com/2014/04/maito-esteban-the-historical-transience-of-
capital-the-downward-tren-in-the-rate-of-profit-since-xix-century.pdf
143
Para Marx, a tendência a uma taxa de lucro inter-setorial geral é uma tendência, não capaz de se
realizar diante do processo permanente do capital e das variações conjunturais. Aqui, acrescentamos
elemento sistêmico e transnacional.
Embora, sob esperança motivadora, supusessem viável, dadas as contradições, o
socialismo no século XIX; Marx e Engels, O Capital III, alcançam conclusão
semelhante:

Se cai a taxa de lucro, o capital se torna tenso, o que transparece no propósito de


cada capitalista de reduzir, com melhores métodos etc., o valor individual de suas
mercadorias abaixo do valor médio social, e assim fazer um lucro extra, na base do
preço estabelecido pelo mercado; ocorrerá ainda especulação geralmente favorecida
pelas tentativas apaixonadas de experimentar novos métodos de produção, novos
investimentos de capital, novas aventuras, a fim de obter um lucro extra qualquer,
que não dependa da média geral e a ultrapasse.
A taxa de lucro, isto é, o crescimento proporcional do capital, é sobretudo
importante para todas as novas aglomerações autônomas de capital. E, logo que a
formação de capital fosse exclusividade de alguns poucos grandes capitalistas
amadurecidos, para os quais o montante de lucro compensasse a taxa, extinguir-se-
ia definitivamente o fogo sagrado da produção. Esta ficaria inerte. A taxa de lucro
é a força propulsora da produção capitalista, e só se produz o que se pode e
quando se pode produzir com lucro. Daí mostrarem-se os economistas ingleses
apreensivos com o decréscimo da taxa de lucro. Que a mera possibilidade desse
decréscimo tenha inquietado Ricardo demonstra justamente a profunda compreensão
que tinha das condições da produção capitalista. A importância de Ricardo reside
precisamente naquilo em que é criticado, isto é, que abstrai dos seres humanos, ao
estudar a produção capitalista, considerando apenas o desenvolvimento das forças
produtivas, qualquer que seja o custo em sacrifícios humanos e em valores-capital. O
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é a tarefa histórica do
capital e o legitima. Exercendo justamente essa função, cria ele as condições
materiais de forma superior de produção, sem que esteja consciente disso. O que
preocupa Ricardo é a circunstância de o próprio desenvolvimento da produção
ameaçar a taxa de lucro, o estimulante da produção capitalista e, ao mesmo tempo,
condição e móvel da acumulação. E nele tudo gira em torno da relação quantitativa,
mas há, na realidade, algo bem mais profundo que ele apenas pressente. Patenteia-se aí,
no plano puramente econômico, isto é, sob o prisma burguês, dentro das barreiras
da compreensão capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista, a
limitação, a relatividade deste modo de produção, seu caráter histórico, vinculado
à determinada época de desenvolvimento limitado das condições materiais de
produção. (O Capital III, Volume 4, Cinilização Brasileira, 2008, p. 339, 339; grifos
nossos.)

Estão dadas as condições.


Fica assim resolvida a falsa polêmica se é a queda da taxa de lucro a causa do fim
do sistema ou se a é o desenvolvimento das forças produtivas, da produtividade,
entrando em contradição com o invóclo social, relações de produção, no qual se
desenvolve. Um manifesta o outro; a queda da taxa de lucro, direcionando-se à
possibilidade virtual de taxa em 0%, manifesta a tendência à superprodução crônica
latente. Também não é verdade que a queda da taxa de lucro impede de todo
investimentos, mas os limita relativamente, pois: 1) aumenta o capital adiantado total
necessário para novos empreendimentos (em principal, os produtivos); 2) todos os
problemas derivados dos avanços de produtividade impedem a realização do valor, do
lucro, impedindo o investimento de capital em inúmeras conjunturas – mesmo que a
burguesia queira e tenha recursos em capital-dinheiro; 3) os problemas de baixa
lucratividade e concorrência são resolvidos também de modo destrutivo, como falências
e as duas guerras mundiais; 4) maior luta de classes; 5) “E, logo que a formação de
capital fosse exclusividade de alguns poucos grandes capitalistas amadurecidos, para os
quais o montante de lucro compensasse a taxa, extinguir-se-ia definitivamente o fogo
sagrado da produção. Esta ficaria inerte. A taxa de lucro é a força propulsora da
produção capitalista, e só se produz o que se pode e quando se pode produzir com
lucro” (Marx, trecho da citação acima). Mas a concorrência força soluções via novos
investimentos, o que por sua vez retroalimenta os limites inerentes do capital (exemplo:
automação). Demais, há falsos investimentos como privatizações, capital fictício etc.
Investimento pressupõe possibilidade de exploração, trabalho não pago, e de realizar
este mais-trabalho na circulação, no mercado. A crise é mais que cíclica também por
este fator. Estas duas impossibilidades estão dadas, cada vez mais dadas: a de explorar e
a de realizar o resultado da exploração. Demonstramos no capítulo anterior que a
superproprodução crônica não é uma categoria ahistórica, em si, por mais que abra a
possibilidade de satisfazer futuramente todas as necessidades, mas é uma criação e
existência própria do capitalismo – como de diminuir a massa de mais-valor, tirando o
operário da produção, salto na III revolução industrial, e de precarizar a vida da maioria
aumentando qualitativamente a oferta em relação à demanda. Esta autocontradição é
estrutural, inevitável. Tal problema deixaria de existir caso a economia passasse ao
planejamento democrático, caso isto ocorra.
Vejamos as contratendências principais geradas pela própria tendência à queda da
taxa de lucro:
1. Aumento da jornada e da intensificação do trabalho.
No entanto, são já altos os tempos e intensidades. As próximas elevações,
mostra-nos o operariado europeu, tenderão à luta de classes. Ademais, a III
Revolução Industrial, com sua produtividade supra-humana e extraindo valor,
generaliza-se e coloca para o passado o trabalho fabril.
2. Salários abaixo do valor da força de trabalho.
Esta é outra contratendência à queda da taxa e ampliação da III Revolução
Industrial (ver-se relação íntima destes dois fatores, tal como apontamos em
outro parágrafo). Este fator possui força relativa de médio prazo ao mesmo
tempo em que limita a demanda e tendência à luta de classes.
3. Barateamento dos elementos do capital constante.
Demostramos no capítulo anterior a pressão por renovação do maquinário, antes
de seu barateamento. A técnica utiliza a ciência, para renovar-se, tão rápido
quanto pode. Isto, renovação técnica do capital, repercute no preço do capital
constante. Mais verdadeiro, ainda conjuntural, para outros elementos do capital
constante: matéria-prima, materiais auxiliares etc. Também é elemento relativo,
terceiro fator, pois deixa de atuar com a mesma intensidade de quando as
demais revoluções industriais.
4. Comércio exterior.
A globalização desenvolveu verdadeira unidade: comércio mundial, produção
mundial, superprodução mundial. A exportação de capital produtivo para China
e Índia – força de trabalho mais barata, novo mercado consumidor, menor luta
de classes – de fato permite fôlego histórico ao sistema, mas visualizável este
limite.
5. Superpopulação relativa de operários.
Aqui, abarca-se e basta-se a explicação do fator 2. Também trataremos disto em
capítulos específicos. No mais, a substituição – relativa e absoluta – do
trabalhador por maquinário tem transformado o “exército industrial de reserva”
em “subclasse de desempregados”.
6. Aumento do capital em ações.
Isto está de todo consolidado. No salto para si, toma forma degenerada,
destrutiva, na financeirização pós-1970. Os capitais fictício e especulativo
apostam na valorização futura e inviável e na extração indireta de valor. Na
medida da queda da taxa de lucro; o capital de empréstimo, produtor de juros,
adquire, tanto quanto pode, forma parasita: à revelia da saúde econômica de
nações, setores produtivos e comerciais. A forma-dinheiro torna-se força
destrutiva. Quando a taxa de lucro no investimento financista e fictício é maior
relativo ao investimento real, em declínio, compensa ao investidor o deslocar-se
para “fora” da base material da riqueza. Eis a fonte da “finaceirização” atual.

Em intensidade, todos os recursos acima foram utilizados desde a década de 1970


até o esgotamento em 2008, crise mundial. Aos críticos ou marxistas que “refutaram” a
lei da tendência à queda da taxa porque ouve aumento dela, percebe-se, em troca, em
Marx a existência do movimento ocorrido e usado como “evidência” contra este 144. Em
sistemas complexos, a menor distância entre um ponto e outro é uma curva.
A função da contratendência é afirmar a tendência, deriva desta, enquanto esta
própria se impõe. São fatores conjunturais ao lado e gerando a degeneração social. Os
elementos 1,2 e 5 – se abstrairmos o 4, de mesma natureza –, se e quando impedem a
queda taxa de lucro, demonstram quem paga a conta, quem deve romper os grilhões.
Na circunstância da crise “secular”, as coisas na relação social de capital, fatores 3
e 6, oferecem menor contribuição para contratendenciar relativamente a queda da taxa
de lucro (estamos abstraindo o efeito das crises sobre investimentos). Enquanto, por
outro lado, os fatores humanos são mais “viáveis”, enquanto coisificados, por meio da
possibilidade de maior desumanização. No entanto, as tensões e contradições
necessárias, inevitáveis, preparam revoluções sociais, vitoriosas ou não. Há um limite
histórico. Eis a tendência geral: a queda da taxa e, em confluído paralelo, a precarização
dos não proprietários.
O momento histórico atual pode ser visto e analisado por meio da linha histórica de
produtividade: 1) escassez absoluta latente: comunismo primitivo; 2) escassez relativa:
sociedades de classes; 3) da escassez relativa e abundância relativa à absoluta latente:
do capitalismo ao – se surgir – socialismo e comunismo. Este o caminho do reino da
necessidade ao possível reino da liberdade, da humanização do homem, após sua pré-
história. É uma situação, porque ímpar, desesperadora.
***
A fase transitória (1970 a 2008) pode ser expressa como inúmeras tentativas de dar
fôlego ao capital, com a crise mundial adiada por táticas diversas – algumas delas:

144
Percebemos: pouco basta ser erudito. Há formas de aprender e apreender a teoria, menos ou mais
eficientes, e mais ou menos guiadas pela prática. Bastava leitura atenta do livro III d’O Capital para
superar esta falsa questão.
Complementemos. Também no livro III, Marx demonstra a relação entre massa e queda da taxa de lucro
enquanto força íntima das crises de acumulação. Além disso, percebemos tal descoberta enquanto base
da crise principal, a sistêmica. A III revolução industrial, crise do valor (Kurz), é o último impulso
necessário à queda da taxa de lucro, ao mesmo tempo parte e manifestação de tal processo.
1. Restauração do capitalismo nos ex-Estados operários
burocráticos. Abriu-se, em velocidade, um amplo e novo mercado, já que 1/3 da
humanidade vivia sob outra relação de propriedade; privatizaram-se àquelas empresas
nacionais que não faliram; ocorreu a importação de capitais externos;
2. Fragilização do valor de uso em favor do valor (de troca).
Mészáros145 percebeu esse fenômeno; os produtos foram cientificamente fragilizados,
reduzida sua durabilidade (obsolescência programada), para estimular a circulação de
mercadorias;
3. Neoliberalismo. Em especial, a privatização de estatais estimulou o aumento
do lucro e a concentração/centralização de capitais;
4. Tratados de livre-comércio. Em principal, o Euro e a União Europeia
facilitaram a circulação de mercadorias de grandes empresas, como as alemãs e
francesas;
5. Guerras. As invasões do Afeganistão e Iraque são os principais símbolos da
tentativa de, ao mesmo tempo, a) escoar produtos – consumo militar; b) dominar
riquezas naturais e mercados – petróleo, padrão dólar-ouro negro, etc.; e c) lucrar com
reconstruções. Na impossibilidade de destruir capitais com um conflito mundial,
ocorreu a “terceirização”, a “mediação”, etc.;
6. Dívidas públicas. A drenagem de impostos – um, com a devida licença
poética, feudalismo capitalista – torna-se uma importante, estável e parasitária fonte de
lucro;
7. Endividamento. Empresas e, principalmente, assalariados aumentaram o
consumo por este meio;
8. Fim do lastro dólar-ouro. Basta pintar papéis de verde para que expressem
valor na circulação de mercadorias;
9. Desregulamentação do mercado financeiro, dando-o liberdade interfronteiras
e de destinação;
10. Disputas fiscais com isenção de impostos;
11. Estímulo a uma nova moral consumista;
12. Estímulo à tendência, já agressiva e consolidada, de urbanização;
13. Maior concentração/centralização de capitais, como os da produção
agroindustrial e comercial;
14. Criação de novos mercados como a legalização da maconha, embora
rapidamente fiquem saturados;
15. Fim das reformas sociais, como os ataques ao Estado de bem-estar Social;
16. Neocolonialismo. Enfraquecimento dos imperialismos menores, como Portugal
e Espanha; quase-fim do nacionalismo burguês, enquanto prática estatal, nos países
atrasados; maior domínio econômico-militar146 sobre as semicolônias.
17. Desde 1990, a industrialização chinesa – em especial.

O que dizer dessa longa e incompleta lista? Uma conclusão impõe-se: o capitalismo
usou todas as armas disponíveis, adiando a crise geral – apenas. E mais, criou
problemas novos e maiores. Como explanamos, podemos caracterizar a “quebra”
(amortecida147) de 2007/8 como manifestação de uma crise orgânica-estrutural e de era.

145
Em sua obra “Para Além do Capital”. O excesso de mercadorias necessitou extrair mais e, em maior
velocidade, recursos da natureza e aumentou a quantidade de lixo, produtos tóxicos, etc.; percebemos
que o Valor destrói, mas não se permite desaparecer, como é a tendência histórica.
146
Haiti apresenta-se como um trágico exemplo.
147
Diga-se de passagem; ainda bem, pois nem os trabalhadores nem as organizações revolucionárias
estavam preparados para agir: necessitavam, como ocorre, de uma fermentação, um amadurecimento.
A superprodução crônica, a automação/robótica, a crise dos elementos que permitem
existência e desenvolvimento do capital (natureza, Estado, família monogâmica, etc.) e
a superurbanidade são, digamos, o pano de fundo, a tinta do cenário desse teatro épico
ou dramático.

As revoluções nos ex-Estados operários degenerados (após a restauração do capitalismo por ação dos
dirigentes estatais), foram derrotadas (boa parte) pela “reação democrática”, pelo uso do voto; isso deu
origem a uma situação reacionária mundial. No início dos anos 2000, com as guerras do Iraque e
Afeganistão, crise de 2001, Torres Gêmeas, revoluções na América Latina, etc. entramos numa transição
entre um situação reacionária ou não revolucionária (fim da década de 1990) e uma pré-revolucionária.
Agora, a partir da crise mundial, de 2008, entramos numa situação pré-revolucionária mundial rumo a
uma situação revolucionária ou contrarrevolucionária (possivelmente também mediada por uma
transição). Isto tende a abrir todo um período longo, medido em décadas, de revoluções e
contrarrevoluções.
CONTRADIÇÃO FORMA E CONTEÚDO:
O ESTADO BURGUÊS ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE SEUS LIMITES
HISTÓRICOS

“Quem trabalha muito não tem tempo pra ganhar dinheiro”


Ditado Popular Brasileiro.

Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver,
pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só
aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições
materiais da sua resolução.
K. Marx.

No início do século XX, Lenin e Trotsky perceberam uma importante


contradição entre forma e conteúdo. A economia amadureceu para uma forma nova,
para um desenvolvimento saudável da humanidade. O Estado burguês, por outro lado,
ainda resiste e mantêm a atual relação de classes apesar da necessidade do socialismo
como ordem social. Essa é uma grande contradição da etapa imperialista, de decadência
do capitalismo. Aqui, podemos somar uma segunda contradição, percebida por Leon: a
relação entre a existência fronteiras e Estados nacionais e uma economia mundial.
Nesse princípio de século XXI, esse Estado ainda não foi derrotado, as revoluções
socialistas e seus Estados operários degenerados, como vitórias táticas, recuaram, em
todos os casos, para a restauração.
O Estado burguês consegue ainda sustentar a atual sociedade. Mas cada vez mais há
uma diferença, há custo enorme para esta superestrutura. Ou seja: a contradição entre
forma e conteúdo, hoje, aguça-se a tal ponto que começa a degenerar a forma. Ao
mesmo tempo em que o Estado sustenta o capitalismo decadente, essa mesma natureza
social exige e, cada vez mais, tende a esgotar a ferramenta de dominação. Amadurece
uma crise “estrutural”148 da superestrutura.
Quais elementos promovem esse desgaste do Estado burguês?

1.
As dívidas públicas, o Estado como fonte direta de lucro.

Um setor enorme da burguesia cada vez mais parasitária lucra e enriquece sugando
orçamento do Estado através dos juros das dívidas públicas em todo o mundo. Esse
método de obtenção de lucro tem, desde o início do século XX, sua importância
permanentemente acentuada; é estrutural. Atualmente as dívidas públicas, em quase
todos os países, são assustadoras. É a galinha dos ovos de ouro; a fonte inesgotável,
garantida, enorme e fácil. Força altas taxas de impostos, corte no orçamento para áreas
sociais, corrupção mais generalizada, aumento de juros para agradar os que lucram com
a dívida (limitando investimento) etc.
Vejamos a relação ativos púbicos e dívida pública (até 2010) com a renda nacional
no Reino Unido:

148
Portanto, este capítulo parte das descobertas de Mészáros.
Na França:

Na Alemanha:
Em especial, nos EUA:

A evolução ascendente da dívida pública nos EUA em diferentes governos149:

149
Extraído de: http://jornalggn.com.br/noticia/a-divida-publica-e-o-pib-dos-eua
A atual crise econômica, iniciada em 2007-8, tem como tendência um aumento e
fortalecimento dessa fonte de retorno para a classe dominante, tendo como centro ser
um dos meios de resolução da crise aos de cima, cortes de direitos aos de baixo,
aumento da condição parasitária da burguesia, maiores limitações ao Estado.
Não há espaço para investir na produção: o excesso de capacidade produtiva e de
mercadorias impede desde a crise sistêmica do capitalismo. O deslocamento para o
lucro via desvio dos impostos e rendas estatais é, para a burguesia, o melhor caminho.
Na tentativa de salvar o capitalismo dele próprio, estimular a economia e resguardar
algum nível de integridade dos principais aparelhos de Estado do capital, os bancos
centrais dos países imperialistas tentam promover contratendência, por exemplo:

E o Japão não está sozinho. Também praticam juros negativos em alguns de seus
títulos ou como taxa principal de referência o Banco Central Europeu (BCE), o BC da
Suécia, da Suíça e da Dinamarca. Segundo a cálculos do J.P. Morgan, há hoje cerca de
US$ 6 trilhões em títulos públicos com juros negativos. Esse montante dobrou em
apenas dois meses. E, há um ano e meio, não havia nenhum bônus de dívida soberana
com rentabilidade abaixo de zero.

Nesta quarta-feira, economistas do JP Morgan afirmaram que investidores


preocupados com os impactos negativos do dinheiro superbarato sobre bancos e
mercados globais podem precisar se preparar para juros abaixo de zero em economias
ao redor do mundo.

Dos Estados Unidos à Austrália, passando pelo Canadá, os países ricos que ainda
têm juros no terreno positivo estão recorrendo a novos estímulos monetários ou
adiando a elevação de suas taxas.150

Sendo os mais estáveis Estados mundiais numa época turbulenta – compensa… O


excesso de dinheiro e o crédito barato não têm servido de estímulo a volumosos
investimentos, ao giro de capital para a produção e a economia “real”; a razão disso é
evidente: trata-se de uma crise, em sua natureza, pior que a de 1929, mais do que uma

150
Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/aumenta-numero-de-paises-com-juros-negativos-
18641745#ixzz4ORwHRbkR
comum crise cíclica. Interligado à queda da demanda e do PIB, a taxa de investimento
tende a cair e crescer, quando e se cresce, de maneira efêmera e instável – caso da zona
do Euro151:

Percebamos; desde os anos 1970, a tendência ao declínio dos investimentos nos


EUA, com uma queda abismal em 2010152:

151

http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/conjuntura/150430_cc_abr2015_economia_mundial.p
df
152
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/02/19/investment-investment-investment/
Ainda nos EUA, retirado o investimento em capital fictício, o investimento
produtivo nos EUA tende a cair em permanência153:

153
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/11/10/debating-the-rate-of-profit/
Declinando abruptamente entre 2008 e 2010, com a França elevando-se, os
principais países deprimiram o investimento154:

Durante esta crise, quando a lei da tendência à queda da taxa de lucro impõe-se com
maior força, boa parte dos investimentos são para exportações de capitais, fusões de
capitais já existentes (aquisições de outras empresas, etc.) ou destinados ao mundo
financeiro-especulativo (as dívidas públicas, em especial); não são expressões de saúde
do sistema – como sujeito automático, o valor manifesta seu desejo de autovalorização
na subjetividade da classe capitalista em busca por manter e aumentar as margens de
lucro; neste momento histórico, uma forte destruição mais puramente econômica das
forças de produção para posterior avanço em terreno “limpo” é inviável, pois tenderia
ao colapso do lucro, imprevisibilidade acentuada e… revoluções155. Por isso,

154
https://thenextrecession.wordpress.com/2016/11/10/debating-the-rate-of-profit/
155
“Em seu mais recente relatório de 2016 sobre os investimentos externos globais, a UNCTAD, sigla em
inglês para United Nations Conference on Trade and Development, instituição imperialista das Nações
Unidas que coleta e divulga os dados sobre o IED global, destaca que “A recuperação dos IED foi forte
em 2015. Os investimentos externos diretos globais saltaram 38%, para US$ 1.76 trilhões, seu nível mais
elevado desde a crise econômico-financeira global de 2008-2009. A subida das fusões e incorporações
transfronteiras de US$ 432 bilhões, em 2014, para US$ 721 bilhões em 2015 foi o principal fator por trás
desta expansão global. O valor dos investimentos diretos externos para a ampliação do capital instalado
das empresas (greenfield investment) permaneceu no elevado patamar de US$ 766 bilhões”.”
“Os fluxos de IED em direção às economias dominantes da União Europeia e Estados Unidos dobraram
para U$ 962 bilhões. No Japão o IED é residual. Como resultado, essas economias do centro do sistema
reverteram a seu favor a balança de IED, absorvendo 55 por cento do fluxo global em 2015, subindo de
41 por cento de participação em 2014. Nas economias dominadas, por seu lado, as entradas de IED
alcançaram novo recorde de US$ 765 bilhões, cerca de 9% acima de 2014. As dominadas asiáticas, com
fluxo de aproximadamente meio trilhão de dólares, permaneceram como a região maior absorvedora de
IED no mundo. Fluxos para África e América Latina sofreram redução em 2015.” (Desenvolvimento
Desigual E Combinado Do Capital Em Tempo Real. Fonte: http://criticadaeconomia.com.br/breaking-
bad-temp-2-ep-3-desenvolvimento-desigual-e-combinado-do-capital-em-tempo-real/). O trecho do
artigo demonstra uma caracterização apressada, embora boa em revelar movimentos, pois confunde
fatos com a natureza dos fatos – o capitalismo está fugindo para frente, não pode mais recuar. Para
exemplificarmos, para irmos além e acima das crises cíclicas: a crise orgânica que deu origem ao
imperialismo, décadas de 1970 a 1980, ocorreu-se em paralelo ao aumento constante do PIB; onde o
precisamos neste parágrafo abrir parênteses: além das flutuações conjunturais, em
médio prazo a luta interburguesa por quem sobe ou cai, quem tirará do outro a margem
de lucro, obrigará a investirem em soluções também técnicas contra a concorrência –
investimentos.
O excesso de dinheiro e de capital fictício, na busca por autovalorização do valor,
tomando cada vez mais a forma ilusória D-D’, como fim em si mesmo e dinheiro em
busca de mais dinheiro; apresenta-se como uma autoexpressão muito potencialmente
inútil, superável, descartável “ao chegar sua hora de morrer”. Porém, apenas a revolução
mundial poderá declarar sua plena falência, a destruição desta economia monetária.
Como vivemos um sistema de dominação países sobre países, esses problemas em
boa medida são transferidos aos mais fracos. Maria Lucia Fattorelli, do órgão brasileiro
“Auditoria Cidadã da Dívida”, contratada para avaliar a dívida na Grécia, logo
descobriu megafarsa financeira onde papéis privados podres eram, como se por mágica,
transformados em dívida pública grega, privatizações e… nenhuma vantagem para a
nação mãe da filosofia. Ela descreve:

Tal mecanismo opera da seguinte forma: inicia com a emissão de instrumentos


financeiros pela EFSF, que são em grande parte apenas registrados na Bolsa de
Luxemburgo. A EFSF desembolsa o empréstimo, enviando esses papéis para o HFSF,
por intermédio do Banco Central da Grécia, que registra a dívida, ou seja a obrigação
da Grécia para com a EFSF.

Em seguida, o HFSF utiliza esses papéis (vindos da EFSF, e que possuem garantia
dos países sócios da referida S/A) para comprar papéis emitidos por bancos privados
gregos, ativos tóxicos que não possuem garantia alguma.

Os acordos MFAFA autorizam os bancos privados a emitir tais papéis sem


garantia, que se denominam Greek Bank Instruments, dando a entender que se trata de
obrigação do Estado Grego. Após a aquisição desses papéis, o HFSF ainda emite
derivativos sobre eles e o Banco da Grécia se responsabiliza por honrar tais papéis e
ainda remunera-los com juros e encargos.

Ao final, a Grécia permanece com papéis tóxicos e registra dívida para com a
EFSF, além das demais obrigações que assume com o HFSF. Os papéis que possuem a
garantia dos países sócios da EFSF ficam com os bancos privados. Pelo menos EUR
48.2 bilhões foram recebidos pelo HFSF por meio desse mecanismo, para serem
aplicados na capitalização de bancos privados.

A Grécia não obteve benefício algum, pois os recursos apenas transitaram pelo
Banco Central da Grécia e foram diretamente para os bancos privados. Além disso, a
Grécia passou a financiar a EFSF, pois teve que arcar com todos os custos
relacionados à preparação de cada documento, registros em Bolsa, inúmeros custos
operacionais, legais e até viagens!

Esse mecanismo comprova a completa ausência de contrapartida dessa dívida


gerada exclusivamente para capitalizar bancos privados, pois os instrumentos

caminho para monopólios e oligopólios, com centralidade do capital portador de juros, se manifestava –
ou seja, esta crise não decenal revelava-se –, entre outras formas, pela deflação duradoura.
financeiros emitidos pela EFSF simplesmente passam pelo Banco Central Grego e
seguem para o fundo privado HFSF, e deste para os bancos privados. Como uma
dívida gerada dessa forma pode ser sustentável? Sobre ela ainda recaem pesados juros,
encargos, taxas, comissões e toda espécie de custos informados pela EFSF, além de
obrigações extraordinárias criadas pelo HFSF.

O mais grave é que o povo grego fica com o ônus de reembolsar uma dívida cujos
recursos nunca recebeu. Tais pagamentos estão sendo efetuados, às custas de
crescentes cortes de direitos sociais, entrega de patrimônio público e demais medidas
antisociais, ferindo gravemente os direitos humanos e a soberania grega.156

A função das dívidas públicas é cada vez menos financiar o Estado ou intervir no
fluxo de dinheiro e cada vez mais uma degeneração parasita. O capital fictício necessita
de uma razão de ser, precisa justificar sua existência; a extração indireta de mais-valor
via impostos aparece como o mecanismo necessário para pelo menos amenizar a
tendência ao colapso do mercado especulativo e do próprio sistema. Essa manobra não
é, portanto, puro oportunismo, mas uma necessidade sistêmica – que condena os
trabalhadores ao puro desespero. Vejamos o aumento da dívida em vários países desde
2008, em proporção ao PIB157:

EUA

CANADÀ

156
http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/01/28/grecia-mecanismos-do-sistema-da-divida-
corroem-democracia-e-direitos-humanos/
157
Fonte: http://pt.tradingeconomics.com/country-list/government-debt-to-gdp
CHINA

FRANÇA
JAPÃO

RÚSSIA

ESPANHA
REINO UNIDO

ZONA DO EURO

Tal fato é já reconhecido:


“Os Estados são reféns desta hidra bancária e são disciplinados por ela. A crise prova
esse poder", afirma François Morin, autor do livro A Hidra Mundial, o Oligopólio
Bancário, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do
Banco Central francês.”

“’Os grandes bancos detinham os produtos tóxicos responsáveis pela crise, mas, em vez
de reestruturá-los, os Estados acabaram assumindo suas obrigações - e a dívida privada
se transformou em dívida pública.’” (Fonte: BBC Brasil158)

Vejamos o balanço em outra matéria:

[Título] Dívida mundial já supera 325% do PIB do planeta


Alavancagem da economia mundial continua em rota de crescimento: dívida mundial
cresceu substancialmente, sobretudo nos mercados emergentes.
De acordo com os último números publicados pelo Instituto Internacional de Finanças
(IIF), uma associação da indústria financeira com sede em Washington, nos primeiros
nove meses de 2016, a dívida global agravou-se em 11 milhões de dólares até alcançar
um total de 217 mil milhões de dólares. Como resultado, o endividamento do globo
alcançava no ano passado perto de 325% do PIB mundial.
A dívida cresceu substancialmente nos mercados emergentes, onde a emissão de dívida
pública chegou a triplicar em 2016 relativamente aos níveis registrados um ano antes. A
China abraçou uma boa parte dessa nova emissão de dívida entre os países emergentes
com cerca de 710 milhões de dólares dos 855 milhões de dólares totais, indicou o IIF.159

Em outras situações histórias, a dívida pública poderia crescer em proporções


estratosféricas como modo de impulsionar o capitalismo, o setor produtivo, vencer
guerras, etc. Desta vez, porém, o objetivo é tão somente impedir seu colapso, tem
caráter defensivo e sustenta uma degeneração econômica. A crise sistêmica manifestada
como crise do capital fictício tem sido resolvida com mais capital fictício. Isso significa
que países pequenos e/ou de baixo endividamento podem boicotar ou pagar todos os
seus débitos, mas, em sentido contrário, um grande Estado se vê obrigado a dar apoio
permanente ao capital portador de juros, como um mal necessário e delicioso à
burguesia160. De 2008 a 2016, foram nove anos e alguns trilhões de dólares para salvar a

158
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160330_bancos_economia_global_fn
159
http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/divida-mundial-ja-supera-325-do-pib-do-planeta-
107348
160
Teorema: a dívida pública é tanto mais estrutural quanto maior for o Estado e sua economia. Causas:
1) a proporção maior das dívidas tem efeito qualitativo – em si, impagáveis de todo; 2) quanto mais
estável é o Estado, maior sua atratividade para investimentos em sua dívida; 3) um Estado é tanto maior
e mais estável quanto mais estável e maior for sua economia, fonte de onde se ergue e se mantêm a
superestrutura; 4) Como tendência geral, assim como com os setores produtivo e comercial, o capital
portador de juros é mais avançado onde é mais avançada a economia.
economia, em um amor prostituído. Por outro lado, Alemanha até agora consegue
relativizar as questões da crise transferindo parte dos problemas para outros países,
como a Grécia, e sustentando algum crescimento da economia, do PIB (1,3 em 2008; -5
em 2009; 3,6 em 2010; 3,0 em 2011; 0,7 em 2012; 0,4 em 2013; 1,5 em 2014; 1,7 em
2015):

ALEMANHA

O mesmo alcançou até agora a Índia, baixando a dívida de 77% do PIB para
66,4%, sustentado em um crescimento econômico maior que o da China:

ÍNDIA

Os dois exemplos são, portanto, casuais e conjunturais – por razão do


crescimento de seus PIBs e posição internacional – dentro da tendência geral.
Essa tendência, expressa na generalização da dívida cada vez mais acima do PIB
total de uma nação, é por si mesma irreversível. Se os Estados usarem da inflação para
se livrar deste “problema” (na verdade, uma solução do ponto de vista burguês), gerará
um colapso sistêmico, pois a superprodução crônica exige alto consumo – basta-nos
lembrar a existência de empresas “grandes demais para falirem” – e, ao mesmo tempo,
geraria dura luta de classes de potência revolucionária. Assim, por longo tempo, o
declínio do PIB na proporção inversa ao crescimento da dívida estatal será regra.
Impossibilitada de fazer largos investimentos produtivos com seu capital-dinheiro, a
financerização da burguesia rumo ao capital fictício encontra nas dívidas públicas
negócio seguro.
Tal processo, que se generaliza, teve antecedente e exemplo experimental na
estratosférica dívida latino-americana. No Brasil beira o surreal quase 50% do
orçamento estatal para o capital financeiro. E no subcontinente: “em 1970 a América
Latina devia 3,5 bilhões de dólares. Em 2002 o continente já tinha pagado 193 bilhões a
mais do que recebeu de empréstimos. E o pior a dívida cresceu: neste mesmo ano
atingiu o valor de 727 bilhões de dólares. Pagamos seis vezes o que recebemos, mesmo
assim a dívida se multiplicou por 20. Esta é a matemática do imperialismo. É a lógica
da agiotagem que leva a subordinação econômica de países e continentes inteiros.”161
É conhecida a lei da economia de que a quantidade absoluta de uma dívida
estatal pode crescer, mas decair relativo ao aumento do PIB (que gera aumento de
arrecadação). Este recurso tático, crescer por endividamento, já não pode ter o mesmo
efeito. O abandono da concepção keynesiana parte em grande medida desta conclusão,
pois quando a crise sistêmica teve seu começo o crescimento do PIB nos países
adiantados passou a não corresponder às expectativas governamentais.
Em complemento, citamos em extenso trechos de Marx, Capital I:

O sistema de crédito público, isto é, das dívidas públicas, cujas origens encontramos em
Gênova e Veneza já na Idade Média, tomou conta de toda a Europa durante o período
manufatureiro. O sistema colonial, com seu comércio marítimo e suas guerras
comerciais, serviu-lhe de incubadora. Assim, ele se consolidou primeiramente na
Holanda. A dívida pública, isto é, a alienação [Veräusserung] do Estado – seja ele
despótico, constitucional ou republicano – imprime sua marca sobre a era capitalista. A
única parte da assim chamada riqueza nacional que realmente integra a posse coletiva
dos povos modernos é... sua dívida pública243a. Daí que seja inteiramente coerente a
doutrina moderna segundo a qual um povo se torna tanto mais rico quanto mais se
endivida. O crédito público se converte no credo do capital. E ao surgir o endividamento
do Estado, o pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdão, cede seu lugar
para a falta de fé na dívida pública.

A dívida pública torna-se uma das alavancas mais poderosas da acumulação primitiva.
Como com um toque de varinha mágica, ela infunde força criadora no dinheiro
improdutivo e o transforma, assim, em capital, sem que, para isso, tenha necessidade de
se expor aos esforços e riscos inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Na
realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a soma emprestada se converte em
títulos da dívida, facilmente transferíveis, que, em suas mãos, continuam a funcionar
como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo.

Porém, ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas ociosos assim criada e a
riqueza improvisada dos financistas que desempenham o papel de intermediários entre o
governo e a nação, e abstraindo também a classe dos coletores de impostos,
161
http://esquerdaonline.com.br/2016/11/13/medidas-radicais-contra-1/ e
http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/08/ABC-da-D%C3%ADvida-3-
Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf
comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo
estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as sociedades
por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra:
o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.

Desde seu nascimento, os grandes bancos, condecorados com títulos nacionais, não
eram mais do que sociedades de especuladores privados, que se colocavam sob a
guarda.

(…)

Como a dívida pública se respalda nas receitas estatais, que têm de cobrir os juros e
demais pagamentos anuais etc., o moderno sistema tributário se converteu num
complemento necessário do sistema de empréstimos públicos.

Os empréstimos capacitam o governo a cobrir os gastos extraordinários sem que o


contribuinte o perceba de imediato, mas exigem, em contrapartida, um aumento de
impostos. Por outro lado, o aumento de impostos, causado pela acumulação de dívidas
contraídas sucessivamente, obriga o governo a recorrer sempre a novos empréstimos
para cobrir os novos gastos extraordinários. O regime fiscal moderno, cujo eixo é
formado pelos impostos sobre os meios de subsistência mais imprescindíveis (portanto,
pelo encarecimento desses meios), traz em si, portanto, o germe da progressão
automática. A sobrecarga tributária não é, pois, um incidente, mas, antes, um princípio.

(…)

O grande papel que a dívida pública e o sistema fiscal desempenham na capitalização da


riqueza e na expropriação das massas levou um bom número de escritores, como
Cobbett, Doubleday e outros, a procurar erroneamente naquela a causa principal da
miséria dos povos modernos. (Trechos de O Capital I, Marx, Ed. Boitempo, Capítulo
24, A assim chamada acumulação primitiva.)

2.
O capitalismo consolidou a urbanização no principio desse século XXI, uma
imensa.

Enormes, grandes, médias e pequenas urbanidades junto com a consolidação de


grandes empresas agrárias e a exclusão do campesinato do controle do solo. Urbanidade
exige complexidade, exige recursos, significa uma massa populacional enorme que
deseja direitos e tem maiores condições para reivindicá-los; ou seja, exige mais do
Estado: serviços públicos, um aparato policial-repressor maior, organização do fluxo
urbano, meios organizativos, hospitais etc. Tudo isso mediado pela “dívida pública” e
outras limitações (corrupção, recursos para a burguesia, privatização dos serviços
público lucrativos, etc.).
O atual nível de urbanização é um fator objetivo para a promoção da revolução
socialista, facilita o caminho para a classe operária e sua unidade com as classes
populares e médias; ao mesmo tempo é uma fonte limitante, exige mais do Estado,
tanto mais se considerarmos o ponto 1, as dívidas públicas. Aprofundaremos ainda
mais esta questão nos próximos capítulos.

3.
“Oferecimento" e transferência, em permanência e crescente, de serviços
privados para os trabalhos públicos.

O custo do serviço aumenta, pois deve, também, nesse caso, além do custo com o
material e mão-de-obra, garantir os lucros da patronal. No mesmo sentido, privatiza-se
os serviços estatais lucrativos, tirando fontes de recursos deste; o neoliberalismo, irmão
do keynesinaismo, mas de personalidade oposta, procurou e conseguiu fragilizar
relativamente o Estado162. A luta burguesa contra o Estado de bem-estar social na
Europa é o caso central.
No gráfico a seguir, podemos ver uma manifestação disso163:

Nos países ricos (p. 243):

162
O reformismo critica o “capitalismo neoliberal” como se um governo “progressivo” fosse resolver a
questão por meio de algum keynesianismo.
163
P. 214.
O menor peso do Estado na economia, segundo Guglielmo Carchedi:

Também se poderia argumentar que o capitalismo poderia ter uma nova etapa de
desenvolvimento através de políticas de redistribuição keynesianas com investimento
estatal maciço. Numa situação em que as políticas neoliberais de carnificina social
fracassaram miseravelmente, a opção keynesiana volta ao primeiro plano. Mas quem
pode financiá-las? Não os trabalhadores, já que numa situação de crise, ou seja, de
estancamento ou diminuição da produção de mais-valia, salários mais altos significam
menores lucros. Não o capital, porque a rentabilidade já é tão baixa que os lucros se
reduziriam ainda mais. O Estado, então? Mas onde pode encontrar o dinheiro? Não
pode tomá-lo do trabalho ou do capital, pelas razões mencionadas. Portanto deve
recorrer à dívida pública. Mas esta já é elevada e também contribui para o crescimento
da bolha. A resposta keynesiana é que o Estado deve recorrer à dívida pública
temporariamente para financiar grandes projectos de investimento público. Os
investimentos iniciais poderiam favorecer outros investimentos e estes ainda mais
outros, numa cascata multiplicativa de emprego e criação de riqueza. Nesse ponto, os
maiores rendimentos do Estado poderiam ser utilizados para reduzir a dívida pública.
Este é o multiplicador keynesiano. Mas não funciona.

Depois dos primeiros investimentos induzidos pelo Estado, os capitalistas em condições


de fazerem obras públicas têm de fazer encomendas a outros capitalistas. Estes são os
que oferecem preços mais baratos, os capitalistas cujos trabalhadores são mais
produtivos e cujo capital é mais eficiente e, portanto, os que empregam
proporcionalmente mais meios de produção do que trabalho. Ou seja, são os capitalistas
que produzem menos mais-valia por unidade de capital investido. Em cada passo da
cadeia do investimento, o trabalho aumenta em termos absolutos, mas diminui em
percentagem, pelo que a taxa média de lucro cai. Por outro lado, o maior crescimento do
capital implica o desaparecimento dos capitalistas mais fracos, os que
proporcionalmente utilizam mais trabalho do que meios de produção. Quando a cadeia
de investimentos se fecha, há menos trabalhadores empregados, produz-se menos mais-
valia e a taxa média de lucro cai. A análise empírica confirma: a um gasto público
crescente corresponde uma queda da taxa de lucro.

O argumento keynesiano falha. A partir de 1980, a taxa de lucro aumenta juntamente


com o gasto público [nos EUA]. Contudo, cresce porque a taxa de exploração cresce e
não porque cresceu a despesa estatal. De facto, se a taxa de mais-valia se mantém
constante, a correlação negativa é válida para todo o período secular, inclusive o
período do neoliberalismo, da década de 1980 em diante.164

Assim igual, a disputa entre Estados por alocação de empresas tende a reduzir a
zero os impostos cobrados sobre capitais, heranças, investimentos, lucros etc. Com a
crise sistêmica, a taxa de lucro tende a decair; por isso, então, é do interesse burguês ter
diretamente para si aquela parte do mais-valor destinado à superestrutura – esta é a
tendência geral. No Brasil, o governo Temer caminha neste sentido:

O presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, conversaram


ontem (5.dez.2016) e decidiram que é mesmo necessário aprovar rapidamente um
programa de socorro a empresas endividadas.
(…)

Apenas os chamados grandes devedores – cerca de 13 000 pessoas e empresas – têm


dívidas que somam R$ 900 bilhões em impostos.

O novo Refis (programa de recuperação fiscal) é uma fórmula usada no Brasil de


maneira recorrente. Já houve 27 parcelamentos de dívidas com desconto desde 2000.

Os líderes partidários na Câmara já assinaram, há 1 mês, um requerimento para que o


novo Refis possa tramitar em regime de urgência.

O projeto tem como relator o deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR). Propõe parcelar as
dívidas de empresas em até 240 prestações. Haverá corte de 90% das multas, juros e
encargos. Poderão ser incluídas dívidas contraídas até 30 de junho de 2016.

A Receita Federal se posiciona contra a adoção do Refis. Mas houve uma forte pressão
nos últimos dias por parte de empresários e setores políticos que apoiam o governo de
Michel Temer. Acham que é necessário oferecer algum oxigênio para os negócios
endividados.165

164
Guglielmo Carchedi - Doutorado em economia pela Universidade de Turim. Trabalhou para a ONU
em Nova York e leccionou na Universidade de Amsterdam. É autor de numerosos estudos de economia
marxista. Publicará em breve, com Michael Roberts, The World in Crisis, pela editora Zero Books. Os
seus livros Behind the Crisis e The Long Roots of the Present Crisis: Keynesians, Austerians and Marx's
Law podem ser descarregados em resistir.info/livros/livros.html. Fonte:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-esgotamento-da-atual-fase-historica-do-capitalismo
165
http://www.poder360.com.br/economia/temer-e-meirelles-acertam-novo-refis-para-perdoar-de-
dividas-de-empresas/
Na bíblia, as sociedades decadentes ouviram líderes religiosos reclamarem do
aumento de impostos sobre os pobres166; caindo sobre as costas dos trabalhadores, por
meio de mais tributos e precarização dos serviços públicos, agora, temos nosso próprio
e materialista apocalipse.
Assim, atualizamos Marx: o trato com os impostos é uma das contratêndências
possíveis à queda da taxa de lucro167. Serve-nos de exemplo a medida do governo
Trump, EUA, de atrair o capital internacionalizado para seu país por meio da redução de
impostos às empresas – gerando a possbilidade de uma guerra fiscal, de maior disputal
internacional por qual país atrai investimentos reduzindo tal custo.

4.
O custo da dominação imperialista exige muito do Estado.

A decadência de nossa realidade exige do imperialismo uma soma de esforços e


recursos para manter o controle das situações e instabilidades. A isso somamos: a) parte
das empresas se desinstalam dos países imperialistas para abrir novas unidades em
países atrasados; b) as multinacionais exigem desses mesmos países que as auxiliem em
suas tarefas econômicas; c) ao mesmo tempo, o Estado é uma fonte de riqueza (dívida,
etc.) e tem ocorrido cada vez mais o estreitamento de sua "saúde", como expomos nos
pontos 1 e 2. Além das frotas, só com as guerras do Afeganistão e Iraque os EUA
gastaram até 2014 1,6 trilhão168. Como se sabe, o imenso esforço militar e financeiro do
principal imperialismo gerou um enorme atoleiro militar cujo custo geral deixou de ser
vantajoso; como consequência, as forças armadas ianques procuraram “dividir tarefas”
um pouco mais com o resto da OTAN.
Disto, retiramos a seguinte conclusão geral: a aumento das tensões sociais,
econômicas e estatais obriga os Estado a maior despesa, cada vez maior, com “defesa
nacional”.

5.
Nos países atrasados há uma burguesia débil que surge, cresce e se mantêm graças
e usando o Estado.

A burguesia da periferia é em especial dependente do uso dessa superestrutura e


procura sugá-la da melhor forma possível – No Brasil, o BNDES é um exemplo. Os
serviços prestados ao Estado, a corrupção, etc. são fontes de “novos burgueses”.

A partir de 2003, com a mudança de seu estatuto social, o BNDES passou a apoiar
investimentos diretos a empresas brasileiras no exterior. Mas foi só em 2005 – quando
se aprovaram as normas de financiamento direto internacional – que o banco se tornou
166
Em provérbios, cap. 29, encontramos: “Quando os honestos governam, o povo se alegra; mas,
quando os maus dominam, o povo reclama.” “Quando o governo é justo, o país tem segurança; mas,
quando o governo cobra impostos demais, a nação acaba na desgraça.” “A pessoa correta se interessa
pelos direitos dos pobres, porém os maus não se importam com essas coisas.” “As autoridades que
defendem o direito dos pobres governam por muito tempo.” E, no mesmo capítulo: “Não adianta nada
corrigir um escravo somente com palavras porque, mesmo que ele entenda, não obedecerá.” “O
escravo que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.”
167
Um trato científico profundo verá a diferença entre os fatores endógenos e centrais, contratendênias
geradas pela tendência, e fatores externos, exógenos. Isto escapa do projeto desta obra.
168
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2014/12/19/custo-de-guerras-dos-eua-desde-os-
atentados-de-11-de-setembro-us-16-trilhao.htm
um agente importante no processo de internacionalização de empresas. A seguir foram
abertos os primeiros escritórios fora do País.
(…)

De acordo com um levantamento feito pelo instituto Ibase, na área internacional de


exportação – na qual o banco financia o envio de bens já existentes ou de serviços de
uma empresa brasileira a outro país (Exim Pós-Embarque) – cerca de 87% dos
investimentos, nos últimos dez anos, foram para infraestrutura na América Latina e para
compra de bens de capital. Em 2012, o banco totalizou US$ 2,17 bilhões em
desembolsos nessa pós-embarque. O contrato se dá diretamente com a empresa
brasileira, ou com a empresa importadora de outro país – mas com a mediação da
companhia brasileira.

Segundo o estudo do Ibase, de 1998 a 2012 o banco apoiou 48 projetos de


infraestrutura na América Latina – todos vinculados a empresas brasileiras. A grande
líder no ranking é a Construtora Norberto Odebrecht S.A, com mais da metade do filão.
Ela teve nada menos de 26 projetos financiados pelo banco.

Houve, segundo o estudo, um crescimento de 1185%, em dez anos, no


financiamento feito pelo BNDES a empreiteiras brasileiras para exportarem para outros
países. O crescimento é mais que duas vezes maior do que o aumento de desembolsos
totais do banco nos últimos 10 anos, que foi de 500%.169

Sendo débil, puderam surfar no crescimento econômico mundial – e, em certa


medida, artificial, baseada na financeirização –, mas, agora, têm que ajustar as contas
com a tendência à concentração e centralização dos capitais, com as empresas maiores,
desejosas por manter e ampliar suas taxas de lucro. A lei do capital equivale-se à lei da
selva: o mais forte tende a ganhar e engolir o mais fraco.

6.
A guerra tende a tornar-se, cada vez mais, um fim em si mesmo.
A guerra não é só uma forma de ampliar mercados e conquistar riqueza. Ela é em si
uma fonte de lucro: aumenta o consumo, gera investimento, reconstruções, permite às
empresas escoarem a produção para que o país participante na guerra possa manter o
engajamento militar. Se isso era realidade antes, tanto mais o é nessa etapa onde novos
produtos rapidamente ficam saturados no mercado. Não é só a “continuação da política
por outros meios”: cada vez mais é “continuação rotineira da economia por outros
meios”. De uma tática para uma estratégia de lucro. Nesse sentido, os EUA tiveram
derrotas táticas no campo político em relação ao Afeganistão e Iraque, mas com a
conquista da vitória estratégica: o lucro via guerra (depois, deu-se a lógica “vitórias
podem gerar derrotas”). Israel e suas agressões sobre Gaza é outro exemplo, e não à toa
seu mercado de armas cresce após cada massacre. Vez ou outra, tal tipo de motivação é
uma "alternativa", ou antessala, a uma possível guerra mundial.

169
https://economia.terra.com.br/bndes-financiamentos-a-empreiteiras-no-exterior-crescem-
1185,52f5f701cbe92410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
Para exemplificarmos, após os ataques terroristas na França as ações de empresas
de armamento cresceram170 – bela alternativa para o capital fictício... –:

170
Extraído de:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/42306/acoes+de+empresas+do+setor+de+defesa+e+
armamento+sobem+apos+ataques+em+paris.shtml
Vejamos a análise, informações e dados oferecidos em um artigo da POI,
organização política russa, ligada à Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), sobre o
investimento de Putin na guerra civil síria:

(...)

Vale dizer que a maioria destes projetos constituiu para a burocracia soviética
perdas financeiras diretas. Foram investimentos políticos não-orientados à obtenção de
lucro, e sim a manter os regimes em sua “órbita”, para ter melhores condições políticas
na disputa com o imperialismo.

Mas são as armas que desempenham o papel mais importante nas relações entre o
PCUS e o Baath sírio. O custo total do fornecimento de armas soviéticas à Síria entre as
décadas de 1960 e 1980 supera 26 bilhões de dólares e a proporção de armas soviéticas
no exército sírio chegou a 90%[i]. Uma parte importante dessas armas foi fornecida na
forma de crédito e a dívida total da Síria com a URSS chegou a quase 14 bilhões de
dólares, em 1991.

Mas o significado desta dívida foi muito diferente das dívidas capitalistas. O regime
sírio era consciente de que não precisaria pagar a “dívida socialista”, e que deveria, em
troca, ser um “governo progressivo”, isto é, apoiar a política da burocracia soviética no
mundo. Por seu lado, a burocracia soviética era consciente de que se um dia o “regime
amigo” deixasse de ser “amigo” para voltar ao campo de influência do imperialismo,
também não estaria preocupado em pagar a dívida.

(…)
A situação mudou no início dos anos 2000. Por um lado, na Rússia, sobre a base do
esgotamento dos protestos sociais e a derrota da resistência na Chechênia, ocorreu uma
revanche política da burocracia da KGB (hoje FSB) e do Exército, que sempre fizeram
campanha pelo “regresso dos aliados históricos”. Apoiando-se em grande parte neste
setor, instalou-se o regime bonapartista de Putin, que, sob sua direção, consolidou
politicamente os oligarcas russos e a burocracia. Putin monopolizou o espaço político
legal, expulsando os partidos liberais, agentes diretos do imperialismo, e se postulou
como a única referência para dialogar com o imperialismo na Rússia.
(…)

Mas, da mesma forma como na época da URSS, esses projetos econômicos eram
limitados. Antes da guerra e da revolução, a partir dos investimentos russos, produzia-se
apenas 22% da eletricidade, e na participação e na extração do petróleo nunca foi
superado o recorde soviético dos 27% (Evseev V.V.).

Não é difícil encontrar esse mesmo nível de participação dos investimentos russos
em todo o território da ex-URSS. Não é pouco, mas é insuficiente para condicionar a
posição inflexível do regime russo em defesa de Assad. Os projetos econômicos
continuam sendo muito secundários em relação ao aspecto decisivo, o fornecimento de
armas, onde Putin e Assad têm um “entendimento mútuo” muito mais profundo.

Em 2005, a Rússia suspendeu 10 bilhões da dívida síria (73%) em troca de novos


contratos de compra de armas que chegaram, por vários anos, 4 bilhões de dólares[ii]
(Kommersant), um sexto de todos os contratos estabelecidos entre a Rússia e outros
países (25 bilhões) e um quinto das despesas do governo russo para a compra de armas
em 2012 (18 bilhões). Com todas as dificuldades de comparar os dados, podemos
afirmar que a Síria garante, pelo menos, uma importante porcentagem para a indústria
de armas russa. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisas de Paz de Estocolmo
(SIPRI), entre 2007 e 2011, Damasco aumentou 7 vezes a compra de armas (entre as
quais, 72% foram russas).

Na época da URSS, o fornecimento de armas era um investimento político. Agora,


a dependência tecnológica do Exército sírio em relação às armas russas constitui uma
fonte grande e estável dos rendimentos para o “complexo da indústria militar” (VPK).
Isto tem uma importância especial porque, após a destruição em massa da indústria
russa na década de 1990, o VPK ficou como a última grande indústria de alta
tecnologia, independente do imperialismo e autossuficiente, e tem muitas empresas
relacionados a ela (seu significado é parecido com o da indústria automobilística para
outros países). O VPK emprega de forma direta algo em torno de 3 milhões de pessoas,
é uma base de um grande setor da burocracia e da burguesia unida ao Exército, uma
base importante do regime de Putin. Na situação de crise econômica mundial, a
estabilidade do VPK influi muito sobre a estabilidade econômica e social no país e
também na estabilidade interna do regime.

De 2005 a 2008, o volume anual de comércio sírio-russo cresceu 10 vezes (de 0,2 a
2 bilhões de dólares).[iii] A totalidade de investimentos russos no país chegou a 20
bilhões de dólares (Odnako, recurso ligado ao Kremlin). Assad também mantém a base
militar naval russa. Sempre apoiou a guerra de Putin no Cáucaso, apoiou a guerra com a
Georgia. Em 2008, durante sua visita a Moscou, Assad declarou estar disposto a
cooperar em “todos os projetos que defenderiam a segurança da Rússia” e, inclusive,
ofertou o território sírio para a instalação dos complexos de mísseis “Iskander” (a última
proposta foi delicadamente recusada por Putin, para não prejudicar as relações com
Israel e os EUA).

Obama e Putin coincidem na necessidade de pôr fim à revolução síria, mas a linha
divisória entre eles passa pelo regime sírio. Quem domina a Síria é um regime ditatorial
que controla todo o cenário político e se apoia em um Exército totalmente dependente
das armas russas. Qualquer “liberalização política” (um debilitamento do regime
ampliando as liberdades “democrático-burguesas” e, mais ainda, sua derrubada e
substituição por um regime parlamentar) significaria a queda do papel político do
Exército e o crescimento sem freios das possibilidades para o imperialismo de participar
diretamente no processo político na Síria.

Enquanto o regime militar de Assad se mantiver no poder com seus próprios


métodos de administrar o Estado, o regime de Putin terá uma vantagem que corresponde
à proporção das armas russas no Exército sírio. Mas no terreno da “democracia
burguesa”, onde a política se resolve antes de tudo por dinheiro (o terreno mais natural e
preferido pelo imperialismo) o regime de Putin, economicamente débil, está condenado
ao fracasso político.

Putin é consciente de que o “parlamento democrático” iria questionar, cedo ou


tarde, as compras de armas russas e favorecer as armas da OTAN. A dependência
estrutural do Exército sírio em relação às armas russas começaria desaparecer (sem falar
da base naval militar).

Isso já está acontecendo na Líbia, onde a substituição do regime ditatorial de


Gaddafi pelo parlamentar é visto na Rússia como um “adeus” aos contratos de armas.
Na Síria, a aposta é muito maior. O regime de Putin recebeu tranquilamente a queda de
Mubarak ‑ armado pelo imperialismo ‑, ficou um pouco mais nervoso com a queda de
Gaddafi, armado pelo imperialismo e pela Rússia (agora parece que só pelo
imperialismo) e está pronto a defender Assad com todas as forças, armado quase
exclusivamente pela Rússia. Para o regime de Putin, trata-se da “perda da Síria”, como
costumam dizer os jornais russos.

Mas não só a Síria está questionada. A queda de Assad atingirá inevitavelmente o


regime dos ayatolás no Irã, com o qual a Rússia também tem relações especiais, graças
ao confronto do Irã com o imperialismo. A Rússia garante o programa nuclear iraniano
ao ter adquirido este papel no lugar das empresas norte-americanas e alemãs, que não
podiam continuar no projeto pelas sanções imperialistas. Estas mesmas razões políticas
condicionam os projetos russos em relação ao gás no Irã. Outra consequência
importante seria o golpe no fluxo de armas russas entre a Coréia do Norte, Irã, Síria,
Hezbollah e Hamas, que garantem também o peso político da Rússia.171

171
http://litci.org/pt/mundo/europa-mundo/russia/por-que-putin-apoia-assad/
Temos um novo keynesianismo militar em plenitude associado ao neoliberalismo
militarista.

7.
O Estado burguês tem vivido o desgaste do seu monopólio e controle da violência
de seu aparelho militar-policial.

Seja pelo crescimento do investimento privado na área militar (mercenários,


empresas de segurança, etc.), pela degeneração das polícias (Brasil, México, etc.), pela
falta de investimentos (gerando – e gerado pelo – contraste com seu inchaço, do Estado,
fruto da urbanização e do aumento da tensão social) ou, mesmo, pela degeneração
civilizacional presente que os transformam em diferentes tipos de máfias.
Sobre a “iniciativa privada” na guerra, o trecho de um artigo destinado a esse tema
conclui que

“A utilização de Empresas Militares Privadas em Missões de Paz, pelas Nações


Unidas, é uma realidade desde o fim da Guerra Fria. Apesar das diversas críticas feitas à
contratação destas empresas pela ONU, não podemos negar que as EMPs são
responsáveis por boa parte das atividades desenvolvidas em PKOs sendo, inclusive, já
consideradas como parceiras de praxe neste tipo de operação. Mesmo não possuindo
uma posição formal sobre a contratação das EMPs, as Nações Unidas utilizam cada vez
mais deste recurso como forma de garantir a segurança e efetividade das PKOs.”

“Vários aspectos positivos podem ser apontados na contratação destas empresas. O


fato das mesmas possuírem funcionários cosmopolitas e bem treinados eleva o nível das
tropas. Podem ser apontados, também como pontos positivos, a facilidade das EMPs
fazerem operações cirúrgicas e de mobilizarem-se de forma rápida. O baixo custo
financeiro (se contado despesas indiretas com exércitos regulares), a maior
complacência com perdas quando se trata da morte de funcionários de EMPs e a
imagem de imparcialidade passada por estas empresas fecham o arcabouço de
vantagens da contratação das mesmas.”172

Leiamos uma informação reveladora de outro artigo:

O número de empregados de terceiros (nem iraquianos, nem provenientes de


algum dos países membros da coalizão liderada pelos Estados Unidos) empregados
pelo Departamento de Defesa alcançou, em 2010, mais da metade dos contratados no
Iraque. Em sua grande maioria são provenientes de países do sul da Ásia, do Leste
Europeu, da América Latina e da África, bem treinados por seus exércitos nacionais e
dispostos a trabalhar por salários muito mais baixos que os europeus ou norte-
americanos em um ambiente de alto risco (Glanz & Lehren 2010). Na primeira metade
de 2010, pela primeira vez o número de mortes de contratados superou o número de
baixas nas tropas americanas. Nesse período, o número de militares era

172

http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000100054&script=sci_arttext
aproximadamente de um para um entre os contratados privados pelo Departamento de
Defesa, aproximadamente 90 mil homens (Schwartz 2010).

Embora não existam dados recentemente atualizados, é muito provável que esse
índice tenha se desequilibrado em favor das forças privadas, já que o número de
soldados norte-americanos foi reduzido após o anúncio da retirada, feito pelo
presidente Barack Obama no final de agosto de 2010. No final de 2003, no começo do
projeto de reconstrução, havia mais de 60 empresas americanas de segurança no
Iraque e aproximadamente 25 mil empregados (Pelton 2006, p. 107). O resultado desse
desequilíbrio é que a quantidade de baixas de tropas americanas foi drasticamente
reduzida, sem que necessariamente fosse reduzida a presença norte-americana.173

Temos, portanto, a base para a dominação de classe a partir de milícias privadas,


desprovido das foças públicas do Estado. Este é o embrião do próximo sistema, a
barbárie, uma caricatura ainda mais feia do capitalismo, caso a revolução mundial seja
abortada.
Este tema será retomando em outro capítulo.

8.
Há burocratização da burocracia burguesa.

Partidos degeneram em máfias regionais e nacionais; a disputa por cargos e poder


tenciona-se, na “pequena política”, por meios degenerados e conspirativos; novas
colunas dirigentes surgem com baixo talento e limitadas à vida fácil dos privilégios
(deputados, senadores etc.); quando possível, a burocracia burguesa busca mecanismos
para garantir total estabilidade de seus cargos, à revelia de outros setores; aglutinam-se
membros desprovidos de estratégia e programa; em suas buscas pessoais e imediatas,
podem “noção” política e social.
Entre outras consequências, a burocracia burguesa perde a “sensibilidade” pra com seus
inimigos de classe, os “representados”. De modo autônomo ou, ao inverso, acentuando
a fonte material; as crises do alto, as crises políticas, parecerão algo que desreguladas
relativo ao real, ao todo.

9.
Surgem os protetorados.

Por último, o enfraquecer da autonomia de alguns Estados nacionais europeus


(Portugal, Espanha, Grécia, Itália, etc.) desde que aderiram à União Europeia/Euro,
desde que perderam o poder de gerir a própria moeda, é um exemplo especial e público;
além da dependência tecnológica em inúmeros países (satélites etc.). Tal como
afirmamos em outro capítulo, mostra-se uma expressão do concreto em latência,
tendência ao fim das fronteiras mundiais, embora manifeste um processo deformado
pelo capital e suas contratendências. No mesmo sentido, há a perda de poder dos bancos
centrais sobre a economia por causa da desregulamentação financeira e o poder do
capital especulativo.

173
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782015000100027
Enquanto o capitalismo se movia em livre concorrência, até o final do século XIX,
o Estado burguês servia à sua classe dotado de alguma autonomia nesta tarefa, enquanto
o livre mercado desejava liberdade plena para escravizar a maioria dos “cidadãos”.
Quando surge a fase imperialista na economia, com sua superconcorrência de
oligopólios, este mesmo aparelho classista passa a viver sob uma dominação muito mais
direta do capital financeiro, fusão dos capitais bancário e produtivo. Desde a década de
1970, este domínio qualitativo toma forma degenerante. Nos ciclos de era: 1.O Estado
tem duplo caráter, feudal e burguês; 2. Surge a ferramenta estatal do capital; 3. O estado
passa a uma intervenção mais direta na economia; 4. Salto para si, começa a crise mais
ou menos silenciosa, mais ou menos evidente, do organismo.
Esses elementos não significam que o Estado burguês cairá por si, ou caducou de
vez, ou é incapaz. O certo é que paga alto preço por sustentar sua própria ordem já por
demasiado irreal. Sustenta a realidade atual que se desenvolve também desgastando e
devorando, para fins lucrativos, a própria ferramenta de dominação em um nível
superior às contradições demonstradas por Lenin e Trotsky, há um século. Ocorre uma
evolução dessa contradição, estimulando a degeneração do Estado. A burguesia,
seguindo a dinâmica expansiva do capital, desejosa de sobrevivência e engordamento,
parasita seu próprio aparelho – que adoece. Em contrapartida, como nos revelou o
desertor Edward Joseph Snowden, analista de sistemas, ex-administrador de sistemas da
CIA e ex-contratado da NSA, reagindo à própria decadência, os Estados fundaram o
mais poderoso aparato de espionagem jamais visto. Ao mesmo tempo, a internet abre
maiores possibilidades para um combate: o fim do segredo de Estado e diplomacia
secreta.
Vejamos a privatização da espionagem:

Os Estados Unidos estão privatizando seus departamentos de espionagem e


inteligência. A denúncia é feita no livro recém-lançado naquele país “Spies for Hire”
(contratam-se espiões, em tradução livre), do pesquisador Tim Shorrock. Segundo ele,
este processo cria um conflito de interesses, dá poder demais a empresas privadas e
fornece informações contaminadas para que os governantes definam as políticas de
segurança do país.

Uma das consequências disso, segundo ele, é que empresas privadas podem acabar
investigando as pessoas comuns, civis que usam internet e telefone, por exemplo, em
nome do governo, mas sem que ele possa ser responsabilizado por isso.

“Quase 70% do orçamento da Inteligência norte-americana é gasto em contratos


privados. Trata-se de uma enorme quantia de dinheiro que é pago a empresas
particulares para fazer um trabalho que teoricamente deveria ser responsabilidade do
Estado”, disse Shorrock, em entrevista ao G1.
(…)

Quando uma empresa privada oferece serviços técnicos ao governo, não há nenhum
problema. Entretanto, quando falamos de alto nível de inteligência e investigação,
análise de informações de satélites de segurança, dados da Agência de Segurança
Nacional (NSA), espionagem de internet, grampos em telefones, o fato de termos
empresas privadas analisando as informações e escrevendo relatórios que chegam até
mesmo ao presidente do país, temos uma inteligência contaminada, corrompida por
outros interesses.
Tivemos muitos problemas no processo que nos levou à guerra no Iraque, por
exemplo, quando a inteligência foi pressionada pelo governo, pelo vice-presidente Dick
Cheney, para que escrevesse relatórios de forma que desse motivo à guerra. Acho que
este problema só cresce quando há empresas privadas fazendo o trabalho de
inteligência. As empresas estão trabalhando sob um contrato, e querem manter este
contrato, ter certeza que vão continuar ganhando dinheiro, querem satisfazer os
acionistas mantendo o lucro da empresa. Isso levanta a questão do quão objetiva a
análise dessas empresas privadas pode ser.
(…)
(…) É do interesse das empresas dizer que a ameaça existe e é alta, pois quanto
maior o risco mais dinheiro eles vão ganhar e mais contratos de inteligência. Acho, pelo
contrário, que temos que analisar o trabalho deles de forma crítica e, acima de tudo
questionar a legitimidade deste trabalho de inteligência. Há vários exemplos em que há
conflitos de interesse muito claros. As empresas privadas estão envolvidas em
discussões que mudam políticas públicas, e é do seu interesse mudar a política para
ganhar dinheiro. Isso é um enorme perigo.
(…)
(…) mas é verdade que eles têm uma função secreta de que a população não sabe.
Como resultado, essas agências privadas passam a ter uma influência perigosa para a
democracia, mais forte de que a da população.174

No plano diretamente econômico, a concorrência entre megaempresas gera uma


larga batalha de espionagem e contraespionagem reimpulsionada pela internet; isto
coloca em latência a questão, hoje por meio de roubo ou vazamento de dados, do fim do
segredo comercial. O mundo “virtual” facilita esta possibilidade. Tal pauta, no entanto,
apenas pode ser garantida pelo programa de transição aplicado na prática, ou seja, a luta
operária e popular organizando comissões de fábrica para acessar a contabilidade
interna real e, para resolver os problemas econômicos, a revolução social.
Um Estado Operário radicalmente democrático, com sua economia planejada e
estatal, mostra-se, uma vez mais, necessário e superior. Esse problema do Estado
burguês só pode ser resolvido por uma forma apropriada, proletária, capaz de derrotar o
capital e organizar a administração da vida pública com democracia socialista. Isso
passa, inclusive, por uma verdadeira revolução urbana desde uma aliança operária-
popular.
Exporemos no próximo capítulo outro aspecto específico da crise do Estado175.

174
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL583481-5602,00-
PRIVATIZACAO+DE+ESPIONAGEM+CORROMPE+INTELIGENCIA+NOS+EUA+DIZ+PESQUISADOR.html
175
No primeiro capítulo afirmamos: “Eis onde queremos chegar: o dinheiro tende a uma forma
unificada: poucos bancos com seus cartões de créditos como suporte de bits, de dados. Como todas as
tendências ao concreto apresentadas neste livreto, somente será realizável na transição ao socialismo.
De imediato (aqui entramos no terreno da hipótese), os bancos centrais tenderão cada vez mais a
perder suas capacidades de manobra”. E complementamos na nota de rodapé: “Conquista da civilização
capitalista quando madura, o banco central, banco dos bancos, generalizou-se desde o século XIX. Mas,
com a desregulamentação financeira, moedas unificadas (Euro) e a criação de dinheiro virtual (processo
de alavancagem, criação de moeda “do nada”) por bancos privados, temos manifestações da
deterioração dos BCs.” Pensamos que esta nota, na medida em que já tratamos deste ponto, basta para
recordarmos este fator estatal.
CONTRADIÇÃO TENDENCIAL ENTRE CENTRO PRODUTIVO E CENTRO
ADMINISTRATIVOS DO CAPITAL: O IMPERIALISMO SUI GENERIS

Comecemos por algumas observações preliminares.

A crise sistêmica, junto à lei da tendência à queda da taxa de lucro, deslocou


capitais como reação à decadência do modo de produção capitalista; aí está uma base
importantíssima para o período de decadência do imperialismo.

Enumeraremos alguns estímulos desse processo:

1) Há hoje uma alta capacidade de produção, com uma quantidade muito


menor de força de trabalho necessária pra obter produtividade mundial;
2) Ao mesmo tempo, os meios comunicação e transporte são elevadíssimos
e permitem um grande comércio mundial e elevada globalização;
3) Em boa parte da produção, o trabalho especializado é desnecessário,
tornando o trabalhador substituível e descartável;
4) Interessa aos capitalistas dificultar a luta de classes. Nas grandes
urbanidades e países centrais os oprimidos têm mais capacidade de força: cultura,
tradição de luta, concentração de classes subalternas, mais necessidades, etc.176

Assim, observamos dois fenômenos:

1) O deslocamento de mais capital produtivo para países periféricos como China,


Índia, Brasil, Rússia, África do Sul, etc. – uma localização alterada pós-1990 por o
primeiro tender a ser a fábrica do mundo;
2) Tanto nos países adiantados como nos atrasados os meios de produção foram
alocados em cidades menores, fora das capitais centrais – exceção da China –, dos
centros de comando político e administrativo e, por quantidade de consumidores, dos
centros de distribuição de mercadorias.

Exemplo brasileiro: as cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e


Bahia são onde está grande parte da produção de metalurgia, roupas, alimentos etc. Por
evidente, a construção civil tem vida nas capitais, mas em todos os Estados da federação
ver-se a interiorização do setor produtivo. No caso egípcio, por exemplo, a sua principal
classe operária, a têxtil, localiza-se fora da capital. A exceção até o momento parece ser
a China, permitindo controle centralizado e ditatorial de sua classe operária – configura-
se como uma vantagem e estimula a adoção de regimes autoritários em outros países.
176
Marx, O Capital I, Boitempo, 2015: “O mais-valor obtido pelo prolongamento da jornada de trabalho
chamo de mais-valor absoluto; o mais-valor que, ao contrário, deriva da redução do tempo de trabalho
necessário e da correspondente alteração na proporção entre as duas partes da jornada de trabalho
chamo de mais-valor relativo.”
A integração das coisas revela-se também na aproximação da produção com a
matéria-prima. Por outro modo de abstração: 1) afirmação – a produção manufatureira
tendia a ocorrer-se fora da cidade, onde havia moinhos de água e vento; 2) negação – a
moderna produção localiza-se e localizava-se nas grandes cidades; 3) negação da
negação177 – agora, tendência a ir às pequenas cidades, ao redor das grandes, ao campo
e àqueles países produtores de produtos primários. Na transição ao socialismo,
provável, esta tendência última, sob uma nova forma, será acentuada – Lefebvre foi o
primeiro a perceber tal processo. Mantendo a exposição ao lado das categorias dialéticas
correspondentes, vejamos as causas: 1) o artesanato organizava-se no ambiente urbano,
em reação à vida feudal, a partir da concentração humana e suas necessidades; 2) a
manufatura priorizou o campo por ser onde se encontrava a fonte de energia (ventos,
águas para moinhos etc.); 3) com a grande indústria, máquina a vapor, a produção pôde
se deslocar para os centros urbanos, povoados de desempregados em busca de míseros
salários; 4) com o desenvolvimento dos transportes e comunicações, e elevada
concentração – e contradição – urbana, gerando demanda salarial, começa o
deslocamento fabril para pequenas cidades e campo; 5) impressoras 3D, automação
absoluta etc. parecem apontar uma nova negação da negação, o retorno ao espaço
“urbano” no socialismo (este tem por missão fundir o campo e a cidade, superando esta
divisão).

Tais elementos fazem surgir uma contradição avançar de relativa para absoluta:
entre os centros administrativos/consumidores e os centros produtivos. Por um lado,
interno, o deslocamento territorial fragiliza a classe operária; por outro, pode surgir
conflitos entre Estados-nacionais – China e EUA, por exemplo. As disputas relativas
entre os centros de controle da sociedade e os centros de produção da riqueza social
podem dar combustível à luta de classes (conflito determinante, essencial).

No início da fase imperialista, existiam já algumas contradições internacionais


acentuadas em momentos de crise; deram origem, entre outros, às semicolônicas e ao
bonapartismo Sui Generis. Com a continuidade do deslocamento de capitais, dos países
e cidades centrais para os países e cidades periféricos, parece ter surgido um fenômeno
novo, uma nova realidade seja no Sistema Internacional de Estados, seja na vida interna
dos países. Trataremos disso.

Como uma das demonstrações da "crise categorial" (Kurz), a afirmação de Adam


Smith de que o país a focar na produção agrícola e na manufatura – em principal, no
segundo – tende a ser mais rico começa a perder seu status de verdade. Não porque era
uma conclusão errada mas a realidade sobre a qual se firmou está em transição histórica.

177
Nesta obra, as notas de roda pé visam auxiliar, por isso propomos acompanha-las. Nesta, recordamos
que a dialética materialista faz da negação da negação um movimento constante, que não se encerra
em sua terceira forma, ou seja, sempre haverá uma nova negação, em um ciclo permanente. Exemplo: a
manufatura (afirmação) é uma negação em relação ao anterior (afirmação), cooperação e artesanato,
que eram localizados nas cidades, nos burgos. Outro aspecto da categoria, a negação da negação, de um
lado, é um retorno à afirmação, mas de outro modo; de outro, agrega em si elementos do negado, da
negação.
A transferência do capital para os países atrasados – em principal, capital produtivo,
mas também o capital-dinheiro especulativo –, também fortes no trato da terra, em
muitos casos, enquanto os países dominantes se desindustrializam, ao lado de suas
financeirizações, demonstra que a conclusão da economia política clássica, burguesa, no
salto para si178, está entre fato e fato superado.

Aqui, exige-se breve mas importante nota. Por razão do Estado de Bem-Estar
Social, o próprio marxismo associou país imperialista como igual à qualidade de vida.
Mas isso não é necessariamente nem de todo assim. Também absorveu a concepção de
que, quanto mais desenvolvido é o capitalismo de um país, maior a qualidade vida de
seus assalariados – mas são questões diferentes, interligados por uma conjuntura
específica e excepcional historicamente. Um país “sujo” como a China pode ser, por
razões históricas, imperialista. A tendência à miséria crescente, relativa e absoluta,
começa a se impor nos países imperialistas, onde surgiu a aristocracia operária.

As conclusões explicam, assim, os embates comerciais-políticos existentes. Os


EUA são um império forte, porém decadente. A tendência à alienação entre o comando
político/administrativo, superestrutura, e o centro produtivo, infraestrutura, cobra seu
devido preço.

Chegamos, portanto, negação da negação, às três fases do capitalismo maduro:

Primeira fase: a metrópole produz a mercadoria industrializada, enquanto os


países atrasados são consumidores. Os últimos fornecem matéria-prima.

Segunda fase: a metrópole desloca capitais, industrializa os países possuidores de


matéria-prima.

Terceira fase: países atrasados mais capazes são industrializados e urbanizados


com a ação das empresas estrangeiras em seus territórios. Tornam-se consumidores e
produtores, enquanto os países centrais tornam-se consumidores e administradores, ou
seja, os países imperialistas estão com menor classe operária, ficando em seu país
fundamentalmente empresas que exigem alta instrução. Isso se manifesta assim179:

178
Se nos é permitido uma licença poética: são 3,5 ciclos de era; três e uma transição por acentuação do
terceiro, salto para si.
179
Piketty, p. 580.
No gráfico acima, a Ásia dá um salto desde os anos 1990, quando a China abriu-se
para os mercados. A partir dos anos 1970 há uma mudança tendencial – e deste
modo180:

Porém, os dados são imprecisos por excesso de generalização espacial – toda a


Ásia. Neste sentido, oferecemos este gráfico181:

180
Piketty, p. 69.
181
https://www.quandl.com/ e http://katapult-magazin.de/de/artikel/artikel/fulltext/china-vor-usa/
Acima observamos a diferença de proporção mundial entre o PIB Chinês e
estadunidense: uma proporção inversa de crescimento. Mais uma vez, o gráfico trata de
um fato, de um dado: para compreendermos a dimensão real, precisamos conectar essas
informações com o todo.

A Alemanha pode relativizar parte dessa tendência por seus tratados especiais,
UE/Euro. Assim, se pode garantir a circulação e o comércio tendo sua economia como
centro com maior facilidade; para isso, conta com a robótica. Como consequência, os
países mais frágeis de seu continente – Portugal, Espanha, Grécia etc. – tendem a
tornar-se semi-colônias (processo, ainda, em aberto). Por ouro lado, os EUA correm
atrasados na medida em que o projeto da Alca, irmã bruta da UE e Euro, abortou-se por
razão da luta de classes anti-imperialista na América Latina.

Estamos diante de uma reconfiguração, a relação imperialista, mantendo-se em


geral a mesma, tende a mudar. A natureza dos países centrais e dos países atrasados, e
suas interrelações, vive uma relativa metamorfose. Os gráficos deste capítulo nos
oferecem pistas para a teoria, dão-nos base necessária à elaboração. Chamo países como
China e Rússia "imperialismo Sui Generis": não defendem por exato o destino do
próprio capital, de origem interna, nacional, em relação ao global, mas procuram
intervir no destino do capital global ao o atrair para si – desejam definir, assim, a
divisão internacional do trabalho. Países cuja superestrutura, aparelho de Estado, atua
neste sentido; querem o capital para si independente do país de onde venham, pois já há
necessidade do próprio capital de, por sua decadência, transferir-se a esses países.
Assim, desenvolvendo-se, com altos excedentes de capital, formam-se as condições
para criar grandes empresas originárias desses mesmos países “fora da norma” que, em
nosso período de alta oligopolização, tentam achar brechas novas formando também
grandes empresas na área de serviços. Então pode, por exemplo:
“A empreitada chinesa no Brasil faz parte de uma lógica maior de investimentos
mundo afora. Em 2014, os chineses atingiram, pela primeira vez, a marca dos 100
bilhões de dólares de investimento anual no exterior. Somente no primeiro semestre
deste ano, foram mais 87 bilhões de dólares. O investimento internacional é uma
orientação do governo.”

“Em maio do ano passado, o primeiro-ministro Li Keqiang esteve no Brasil para


firmar acordos de 53 bilhões de dólares — e para dar uma sinalização explícita às
empresas chinesas de que o país deveria ser destino de investimentos.”

“Com a desaceleração da economia chinesa e mais de 3 trilhões de dólares em


reservas, os chineses precisam achar formas de gastar esse dinheiro fora“, diz Luiz
Augusto Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.”182

O mesmo faz a Rússia:

O vice-ministro da Energia russo, Iúri Sentiúrin, disse durante negociações em La


Paz que a Rússia poderá compartilhar tecnologias para extração e utilização de lítio com
os bolivianos.

"As empresas russas estão prontas a investir centenas de milhões de dólares em


projetos de lítio e gás, assim como em programas de cooperação bilateral com a
Bolívia", declarou Sentiúrin

"A demanda por matérias-primas está crescendo em todo o mundo. Vários países,
entre eles a Bolívia, podem se tornar novos fornecedores”, explica o especialista da
consultoria financeira Finam Management, Dmítri Baranov.

(…)

"O lítio é um elemento estrategicamente muito importante. Sem ele, é impossível


desenvolver a economia moderna", diz o professor da Academia Presidencial de
Economia Nacional e Administração Pública da Rússia, Ivan Kapitonov.

O elemento é usado, na atualidade, em quase todos os setores da economia, e reduz


em 29% a temperatura de fusão na produção de cerâmica e vidro, sendo utilizado
também na produção de baterias.

Devido à alta demanda por lítio, os preços de baterias na China, maior fabricante
mundial do produto, subiram para US$ 20 mil por tonelada em meados de 2016 - quase
o triplo de seu valor no ano anterior.

182
http://exame.abril.com.br/revista-exame/o-setor-eletrico-brasileiro-caiu-no-colo-dos-chineses/
Em abril de 2016, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países
assinaram o "Plano de Desenvolvimento da Cooperação Estratégica entre Rússia e
Bolívia", que contém 56 pontos em diferentes áreas de cooperação, entre elas as de
energia, extração de recursos naturais, cooperação técnico-militar, economia, turismo,
cultura, educação, pesquisa científica, saúde etc.183

Aqui, uma tabela geral do investimento chinês no exterior (2016)184:

Lênin assim descreve este fenômeno:

“Segundo: os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes
fontes de matérias-primas, particularmente para a indústria fundamental e mais
cartelizada da sociedade capitalista: a hulheira e a siderúrgica. A posse monopolista das
fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do
grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não
cartelizada.” (Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo; p. 60.)

Além dos demais setores, como o de serviços, onde há mais espaço para novas
grandes empresas, China e Rússia também investem em setores que menos sofrem os
impactos de conjunturas adversas e podem, ao contrário, erguerem-se. Exemplos são as

183
http://gazetarussa.com.br/economia/2016/11/07/empresas-russas-intensificam-presenca-na-
bolivia_645557
184
http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/brasil-e-o-3-maior-destino-dos.html
compras de hidrelétricas brasileiras pelo capital chinês cujo preço da energia depende
mais da disposição da matéria-prima que da concorrência.

Em síntese, ao dominar parte da produção primária, podem influenciar os rumos


do capitalismo mundial. Agora, com a crise iniciada em 2008, China, com apoio russo,
quer ser a fábrica do mundo e começa a entrar em conflito com os EUA, que ainda
dominam. Dito isso, pelo esforço teórico até aqui, concluímos que chegamos ao fim da
época “país de domínio mais ou menos estável”, como foi a Holanda no ciclo de era do
capital mercantil, a Inglaterra no ciclo de era do capital industrial e o norteamericano no
ciclo de era do capital financeiro somado à sua decadência no concreto latente, salto
para si (desde 1970, derrota no Vietnã, etc.).

Embora faltasse teorizar, Marx percebeu o movimento de substituição de centro de


gravidade em cada ciclo de era:

O sistema colonial amadureceu o comércio e a navegação como plantas num


hibernáculo. As “sociedades Monopolia”z (Lutero) foram alavancas poderosas da
concentração de capital. Às manufaturas em ascensão, as colônias garantiam um
mercado de escoamento e uma acumulação potenciada pelo monopólio do mercado. Os
tesouros espoliados fora da Europa diretamente mediante o saqueio, a escravização e o
latrocínio refluíam à metrópole e lá se transformavam em capital. A Holanda, primeiro
país a desenvolver plenamente o sistema colonial, encontrava-se já em 1648 no ápice de
sua grandeza comercial. Encontrava-se “de posse quase exclusiva do comércio com as
Índias Orientais e do tráfico entre o sudoeste e o nordeste europeu. Sua pesca, frotas e
manufaturas sobrepujavam as de qualquer outro país. Os capitais da República eram
talvez mais consideráveis que os de todo o resto da Europa somados”.

Com as dívidas públicas surgiu um sistema internacional de crédito, que frequentemente


encobria uma das fontes da acumulação primitiva neste ou naquele povo. Desse modo,
as perversidades do sistema veneziano de rapina constituíam um desses fundamentos
ocultos da riqueza de capitais da Holanda, à qual a decadente Veneza emprestou
grandes somas em dinheiro. O mesmo se deu entre a Holanda e a Inglaterra. Já no
começo do século XVIII, as manufaturas holandesas estavam amplamente
ultrapassadas, e o país deixara de ser a nação comercial e industrial dominante. Um de
seus negócios principais, entre 1701 e 1776, foi o empréstimo de enormes somas de
capital, especialmente à sua poderosa concorrente, a Inglaterra. Algo semelhante ocorre
hoje entre Inglaterra e Estados Unidos. Uma grande parte dos capitais que atualmente
ingressam nos Estados Unidos, sem certidão de nascimento, é sangue de crianças que
acabou de ser capitalizado na Inglaterra. (pags. 1001, 1004-5; O Capital I, Boitempo,
versão digital.)
A mudança de países centrais – Holanda, Inglaterra e EUA – se dá pelas características
particulares (e históricas) do país + o impulso de seu atraso relativo, a contradição como
motor. Caso dos EUA: a dificuldade de obter mão de obra batata, dada a quantidade de
terras disponíveis para o cultivo, forçou a burguesia estadunidense a investir em capital
fixo, maquinário, rumo à segunda revolução industrial. A Inglaterra supera a potência
comercial holandesa por sua produção, por tomar as terras comunais dos camponeses
(que não eram a avançada e decadente propriedade feudal) de modo a gerar propriedade
privada do solo, para fins de lucro, e uma massa enorme de desempregados prontos para
o trabalho em troca de um salário baixo. O atraso relativo de China e Rússia cumpre
papel semelhante – na crise sistêmica. O mais provável é que os próximos Estados
Operários reproduzam tal causalidade, exposta na teoria das Revolução Permanente. Se
um país das proporções do Brasil inicia a transição ao socialismo, gatilho da revolução
mundial, teremos efeito análogo e de curta duração histórica; pois o novo sistema geral
dissolve tais desigualdades, respeitando as características e potencialidades de cada
região. Nessas relações contraditórias, o atraso relativo gera a necessidade de avanço
por saltos – bela descoberta, a lei do desenvolvimento desigual e combinado!

Este processo de financeirização das economias decadentes também se


generaliza na medida em que a economia global e globalizada entra em decadência.

Destacamos a transição do II ciclo de era, Inglaterra, para o III, EUA. Marx, da


importância do ouro-dinheiro descoberto:

Deslocamentos do Centro de Gravidade Mundial (Karl Marx. Fevereiro 1850.)

Vamos agora ocupar-nos da América, onde sucedeu algo mais importante do que a
revolução de Fevereiro [1848]: a descoberta das minas de ouro californianas. Dezoito
meses após o acontecimento já é possível prever que terá efeitos mais consideráveis do
que a própria descoberta da América. Ao longo de três séculos todo o comércio da
Europa em direção ao Pacífico contornou, com paciência admirável, o cabo da Boa-
Esperança ou o cabo Horn. Todos os projetos de praticar uma abertura no istmo do
Panamá falharam devido às rivalidades e invejas mesquinhas dos povos comerciantes.
Dezoito meses após a descoberta das minas de ouro californianas, os yankees
começaram já a construir uma estrada de ferro, uma grande estrada e um canal no Golfo
do México. E já existe uma linha regular de barcos a vapor de Nova Iorque a Chagres,
do Panamá a S. Francisco, concentrando-se no Panamá o comércio com o Pacífico e
deixando de se utilizar a rota do cabo Horn. O vasto litoral da Califórnia, com 30 graus
de latitude, um dos mais belos e mais férteis do mundo, por assim dizer desabitado, vai
se transformando rapidamente num rico país civilizado, densamente povoado por
homens de todas as raças, do yankee ao chinês, ao negro, ao índio e ao mulato, do
crioulo e mestiço ao europeu. O ouro californiano corre abundante em direção à
América e à costa asiática do Pacífico, e os povos bárbaros mais passivos são arrastados
para o comércio mundial e para a civilização.
Uma segunda vez o comércio mundial muda de direção. O que eram, na
Antiguidade, Tir, Cartago e Alexandria, na Idade Média, Gênova e Veneza, e, até agora,
Londres e Liverpool, a saber, os empórios do comércio mundial, serão no futuro Nova
Iorque e São Francisco, São João de Nicarágua e Leão, Chagres e Panamá. O centro de
gravidade do mercado mundial era a Itália, na Idade Média, a Inglaterra na era
moderna, e é hoje a parte meridional da península norte-americana. [Marx
esquece, ou desconhece, o papel da Holanda na fase comercial; depois destacado em O
Capital, duas décadas depois. Destaque meu.]

A indústria e o comércio da velha Europa terão que fazer esforços terríveis para
não caírem na decadência, como aconteceu com a indústria e o comércio da Itália
no século XVI, isto se a Inglaterra e a França não quiserem tornar-se o que são
hoje Veneza, Gênova e a Holanda. Daqui a alguns anos teremos uma linha regular de
transporte marítimo a vapor da Inglaterra a Chagres, de Chagres e São Francisco a
Sidney, Cantão e Singapura.

Graças ao ouro californiano e à energia inesgotável dos yankees, os dois lados do


Pacífico serão em breve tão povoados e tão ativos no comércio e na indústria como o é
atualmente a costa de Boston a Nova Orleans. O oceano Pacífico desempenhará no
futuro o mesmo papel que foi do Atlântico na nossa era e do Mediterrâneo na
Antiguidade: o de grande via marítima do comércio mundial, e o oceano Atlântico
descerá ao nível de um mar interior, como é hoje o caso do Mediterrâneo.

A única probabilidade que têm os países civilizados da Europa de não caírem na mesma
dependência industrial, comercial e política da Itália, da Espanha e do Portugal
modernos é iniciarem uma revolução social que, enquanto ainda é tempo, adapte a
economia à distribuição segundo as exigências da produção e das capacidades
produtivas modernas, e permita o desenvolvimento de novas forças de produção que
assegurem a superioridade da indústria européia, compensando assim os
inconvenientes da sua localização geográfica.

Enfim, uma curiosidade característica da China, contada pelo conhecido missionário


alemão Gutzlaff. Uma excessiva população, de crescimento lento mas regular, tinha
provocado, já desde há muito tempo, uma tensão violenta nas relações sociais da maior
parte da nação. Em seguida vieram os ingleses, que forçaram a abertura de cinco portos
ao livre comércio. Milhares de navios ingleses e americanos singraram para a China,
que, em pouco temo, foi inundada de produtos britânicos e americanos baratos. A
indústria chinesa, essencialmente de manufaturas, sucumbiu à concorrência do
maquinismo. O inabalável Império sofreu uma crise social. Os impostos deixaram de
entrar, o Estado encontrou-se à beira da falência, a grande massa da população
conheceu a completa pobreza, e revoltou-se. Acabando com a veneração aos mandarins
do Imperador e aos bonzos, perseguia-os e matava-os. Hoje, o país está à beira do
abismo, e talvez sob a ameaça de uma revolução violenta.

Mais ainda. No seio da plebe insurreta, alguns denunciavam a miséria de uns e a riqueza
de outros, exigindo nova repartição dos bens, e mesmo a supressão total da propriedade
privada - e ainda hoje continuam a formular tais reivindicações. Após vinte anos de
ausência, quando o sr. Gutzlaff regressou ao contacto dos civilizados e dos europeus, e
ouviu falar do socialismo, exclamou aterrorizado:"Não poderei então escapar em lado
nenhum a esta perniciosa doutrina? É exatamente isso o que apregoam há algum tempo
muitos indivíduos da população chinesa!"

É muito provável que o socialismo chinês se assemelhe ao europeu como a filosofia


chinesa ao hegelianismo. Qualquer que seja a forma, podemos alegrar-nos com o fato de
que o Império mais antigo e sólido do mundo tenha sido arrastado em oito anos, pelos
fardos de algodão dos burgueses da Inglaterra, até a iminência de uma convulsão social
que, qualquer que seja o caso, deve ter consequências importantíssimas para a
civilização. E, quando os reacionários europeus, na sua já próxima fuga, chegarem
enfim junto à Muralha da China, às portas que supõem abrir-se como fortaleza da
reação e do conservadorismo, quem sabe se não lerão ali: República Chinesa Liberdade,
Igualdade e Fraternidade.185 (Grifos nossos.)

Em balanço histórico: a exportação de capital-mercadoria impulsionou a


instabildiade da China. Hoje, a exportação de capital produtivo destaca-a no cenário
mundial, exportando capital-mercadoria aos EUA, Inglaterra e Europa.

Por decadência sistêmica, os impérios tentarão manter e ampliar seus domínios com
força dobrada (qual nação-regime-governo pagará pela crise?) e encontrarão
dificuldades em igual proporção, na tentativa de recolonizar os países atrasados; assim,
retroalimentado por maior luta de classes, será cada vez mais difícil a qualquer pátria
exercer o centro de gravidade do poder. Essa interpretação parece ter respaldo de
representantes do imperialismo:

“Venho dizendo nos últimos 20 anos: vivemos um período de instabilidade sem


precedentes (…) o que eu chamo de ‘despertar político global’, uma tomada de
consciência sobre as injustiças, abusos, desigualdades e exploração. É comovente ver o
despertar produzir ondas como a primavera árabe (…) a fragilidade norte-americana
fica evidente (…) Há enormes faixas de territórios dominadas por agitação, revoluções,
raiva e perda de controle do Estado (…) Os EUA ainda são proeminentes. Mas não são
mais capazes de exercer poder hegemônico”.186

185
https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/02/deslocamento.htm
186
Zbigniew Brzezinski, um dos principais estrategistas da política externa dos EUA nos últimos 40 anos.
Assessor de todos os governos democratas desde 1977. Entrevista para a revista “Época”, do Brasil, de
28/12/2014. Citação extraída do artigo “’1975 versus 2015’: Um passado e um presente para refletir” de
Martín Hernández.
O lapso de honestidade e seriedade desse dirigente esconde a intenção: isso não
evoluirá sem terremotos maiores na luta das classes antagônicas e intraburguesa, com os
EUA tentando manter e ampliar sua posição. Por outro lado, não apenas o império
americano está em decadência, mas a lógica do império e o próprio capitalismo
mundial; o imperialismo-mor apenas expressa isso como o ponto mais alto de uma torre
trêmula, a ponto de desabar. Estamos ainda na fase imperialista, mas no período de
decadência, não de ascensão, dessa fase.

Até o momento, temos antecipado conclusões e oferecemos suporte ao leitor; para


aprofundarmos, vejamos um trecho da obra de Lenin:

“A perspectiva da partilha da China suscita em Hobson a seguinte apreciação


econômica: A maior parte da Europa ocidental poderia adquirir então o aspecto e o
caráter que têm atualmente certas partes dos países que a compõem: o Sul da Inglaterra,
a Reviera e as regiões da Itália e da Suíça mais freqüentadas pelos turistas e que são
residência de gente rica, isto é: um punhado de ricos aristocratas que recebem
dividendos e pensões do Extremo Oriente, com um grupo um pouco mais numeroso de
empregados profissionais e comerciantes, e um número maior de serventes e de
operários ocupados nos transportes e na indústria voltada para o acabamento de artigos
manufaturados. Em contrapartida, os principais ramos da indústria desapareceriam, e os
produtos alimentares de grande consumo e os artigos semi-acabados correntes afluiriam
como um tributo da Ásia e da África”. “Eis as possibilidades que abre diante de nós
uma aliança mais vasta dos Estados ocidentais, uma federação européia das grandes
potências: tal federação, longe de impulsionar a civilização mundial, poderia implicar
um perigo gigantesco de parasitismo ocidental: formar um grupo de nações industriais
avançadas, cujas classes superiores receberiam enormes tributos da Ásia e da África;
isto permitir-lhes-ia manter grandes massas de empregados e criados submissos,
ocupados não já na produção agrícola e industrial de artigos de grande consumo, mas no
serviço pessoal ou, no trabalho industrial secundário, sob o controlo de uma nova
aristocracia financeira. Que os que estão dispostos a menosprezar esta teoria, (deveria
dizer-se perspectiva) “como indigna de ser examinada reflitam sobre as condições
econômicas e sociais das regiões do Sul da Inglaterra atual, que se encontram já nessa
situação. Que pensem nas proporções enormes que poderia adquirir esse sistema se a
China fosse submetida ao controlo econômico de tais grupos financeiros, dos
investidores de capital, dos seus agentes políticos e empregados comerciais e
industriais, que retirariam lucros do maior depósito potencial que o mundo jamais
conheceu com o fim de os consumirem na Europa. Naturalmente, a situação é
excessivamente complexa, o jogo das forças mundiais é demasiado difícil de calcular
para que seja muito verosímil essa ou outra previsão do futuro numa única direção. Mas
as influências que governam o imperialismo da Europa ocidental na atualidade
orientam-se nesse sentido, e se não chocarem com uma resistência, se não forem
desviadas para outra direção, avançarão precisamente para deste modo culminar este
processo.” (p. 50; grifo nosso.)
E que previsão! Assim como o nascer da União Europeia; duas guerras mundiais e
uma revolução socialista depois, este projeto foi posto em prática. Mas de modo
diferente: isso ocorre não no período de ascensão do imperialismo, vivido e estudado
por Lenin, e, sim, no período de decadência dessa fase. O contexto gera alterações. A
China, desde 1990, por suas particularidades, desenvolveu um capitalismo ao mesmo
tempo dependente e associado – e, desde 2008187, busca cada vez mais autonomia.

Como isso impera? A concorrência mundial monopolista força as empresas em


disputa a se melhor localizarem, por isso possuem vantagens aquelas que se instalam
onde as condições são mais agradáveis para a autovalorização do valor – esta dura luta
por lucro coloca algumas nações em uma posição onde podem manobrar. Estímulo ao
processo, há um plano de urbanização agressivo na China: novas pequenas e médias
cidades capazes de consumir, mas fracas para se rebelarem. Para que o capitalismo adie
seu colapso, fugir para frente é preciso: somando mais de dois bilhões de habitantes cuja
maioria é ainda camponesa, Índia188 e China189 são as últimas fronteiras do capital.

Abaixo, gráfico do plano oficial do Estado chinês190:

187
Colocar datas fixas aos processos é uma tarefa impossível; neste caso, a crise mundial acelerou o
projeto chinês.
188
EXAME – Política é o fator mais importante na hora de o senhor decidir investir ou não em
determinados mercados?
Sam Zell – Começa com a política. Depois vem a economia. Mas, se a política não for razoável, a
economia não importa. Aprendemos isso em países como a Venezuela. Outra questão importante é a
demografia. No Japão e na maior parte da Europa, há menos pessoas em dezembro do que havia em
janeiro.
Como um investidor [na área de construção civil], o que faço é tentar determinar onde a demanda está
e ver como eu conseguirei suprir essa demanda. Se a população estiver encolhendo, a demanda
também estará. Então, eu prefiro investir no Brasil ou na Índia, onde a população e a demanda vão
crescer.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/e-hora-de-comprar/
189
“A China divulgou um plano para permitir que milhões de agricultores migrem para as cidades ao
longo dos próximos anos, numa tentativa de impulsionar o crescimento econômico, que parece estar
desacelerando.”
“Liderado pelo primeiro-ministro Li Keqiang, o Conselho de Estado (o gabinete do governo) aprovou um
plano há muito esperado para acelerar a urbanização.”
“Isso significaria um deslocamento populacional de quase cem milhões de pessoas, cerca de metade da
população brasileira.”
“Embora o sistema "hukou" – o registro de residência que restringe as migrações – continuará tendo
limites, o governo vai tornar mais fácil para produtores rurais venderem ou arrendarem suas terras,
procurarem emprego nas cidades e ganharem direito aos serviços públicos.”
"A urbanização é um motor potente para manter o crescimento econômico num ritmo sustentável e
numa direção saudável", afirmou o gabinete no site do governo no domingo. "A demanda doméstica é o
propulsor fundamental do desenvolvimento econômico de nossa nação e a urbanização tem um grande
potencial para expandir o consumo interno."
“O plano prevê que a China tenha cerca de 60% de seus mais de 1,3 bilhão de habitantes vivendo em
áreas urbanas até 2020, comparado com 52,6% no fim de 2012.”
Fonte: http://br.wsj.com/articles/SB10001424052702304017604579445870559911930
190
http://br.wsj.com/articles/SB10001424052702304017604579445870559911930
Calibremos as diferenciações. Há colônias (Guiana francesa, etc.), semicolônias
(Bolívia, Egito, Chile, etc.), semicolônias privilegiadas (Brasil, México, Índia, Turquia,
África do Sul, etc. – importam capitais em abundância e, por isso, podem exportar
algum capital nativo), subimperialismos (Portugal, Espanha, Canadá, etc.),
imperialismos Sui Generis (China, Rússia e, aliado aos EUA, – ao ganhar cada vez mais
autonomia desde sua fundação – de satélite e artificial até sua manutenção forçada 70
depois, Israel191) e imperialismos típicos (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra,
etc.). O Brasil serve como exemplo de um país com altas capacidades, mas
subordinado; tende a desindustrializar-se, a focar-se nas áreas comercial/serviço e
produtos primários na medida em que a China suga para si o capital industrial. Os novos
imperialismos, Sui Generis, procuram fazer orbitar ao redor de si os demais países

191
Deixamos a seguinte questão teórica: a Arábia Saudita pode ser incluída como Imperialismo Sui
Generis? A importância de seu petróleo para o mundo, sua influência geopolítica no Oriente Médio e
Norte da África, o regime de monarquia absolutista etc. apontam alguma mudança de qualidade?
intermediários; e estes, como o Irã, podem aproveitar as circunstâncias para também
manobrarem192.

No entanto, os imperialismos Sui Generis, fora da norma, são uma anomalia, como
a tendência aumentada de obtermos células cancerígenas quanto mais velhos ficamos;
são expressões da decadência do capital. Por isso, não representam uma nova
normalidade, mas a anormalidade da manutenção do sistema: trata-se de um fenômeno
transitório, de decadência. De qualquer modo, considerada correta a caracterização, o
nome dado ao processo parece-nos efêmero e auxiliar. As placas tectônicas globais
encontram-se, chocam-se, sobrepõe-se umas nas outras; pois a tendência é o encontro
final, a rearticulação da Pangeia na economia, geopolítica e, isto sim, na humanidade.

Hoje, um burguês organiza operações desde Dubai, via internet, para a empresa
com filial-mãe nos EUA cuja produção se dá na China… Como personificação, o
capitalista expressa em seus hábitos o fato de o capital, por seu auge-decadência, cada
vez menos ter pátria e, por essa razão, cada vez menos lealdade para com os Estados
porque, de qualquer forma, foram feitos para ele, dele dependem e a ele servem. O
imperialismo é, em primeiro lugar, uma fase da economia inaugurada com a fusão dos
capitais bancários e industriais em capital financeiro; daí deriva e explica-se a
geopolítica. O processo na China e Rússia, com países os orbitando (Irã, Cuba, etc.),
começa a dar alguma e maior razão relativa – relativa, mesmo –, dentro do método
marxista, à semiciência geografia política: a luta interestados por quem é a melhor casa
do capital, mundialmente consolidado ao máximo, gerará tensões e violência193. O
capital é uma substância que, como água, ocupando todo o espaço, cada vez mais
autônoma de sua fonte, descerá e acumular-se-á para onde a gravidade a empurra. Isso
ocorre porque esta última etapa do sistema alcançou suas metas: altíssima concentração
e centralização dos capitais, fusão dos capitais, urbanização planetária, comercialização
extensiva e intensiva total do mundo, industrialização dos principais países atrasados,
transformação das potências econômicas em países rentistas, revoluções técnicas,

192
Embora Marini tenha descoberto, em geral, o mesmo que Trotsky, décadas antes, havia
demonstrado; neste capítulo fazemos uma adaptação nova dos conceitos e caracterizações ou uma
atualização. Por outro lado, a panaceia “Desenvolvimento Associado” ou interdependente de Fernando
Henrique Cardoso, errada no geral, demonstrou ter elementos de verdade aproveitáveis para a análise
fora do Brasil, em países onde o desenvolvimento desigual e combinado atingiu altíssimos e particulares
graus. O próximo capítulo complementará essa concepção.
193
“A Rússia é um ciberator pleno que constitui uma grande ameaça para o Governo dos EUA e seus
interesses militares, diplomáticos e comerciais, bem como à infraestrutura crítica e as redes de recursos
principais”, afirmaram o Diretor Nacional de Inteligência, James Clapper, o chefe da Agência de
Segurança Nacional (NSA), Michael Rogers, e o subsecretário de Defesa para Inteligência, Marcel Lettre.
A periculosidade da Rússia é resultado de “seu ciberprograma altamente ofensivo e suas sofisticadas
táticas, técnicas e procedimentos”, explicaram em um comunicado conjunto feito ao Comitê de Forças
Armadas do Senado.
Também não cabe dúvida, acrescentaram, que só o Kremlin pode ter dado o aval para essas atividades,
como afirmaram desde outubro e reiteraram em um relatório apresentado nesta quinta-feira ao
presidente Barack Obama e na sexta-feira a Trump.
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/05/internacional/1483635528_510484.html?id_externo_rsoc=F
B_BR_CM
consolidação da divisão mundial do trabalho, etc. Portanto, quando nos referimos ao
período de decadência da fase imperialista, desde 1970, não nos referimos por exato ou
em primeiro aos Estados e suas relações, mas à decadência desta economia mundial,
deste sistema, desta fase superior e última.

O desenvolvimento da técnica mobiliza o período de decadência da fase


imperialista: o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações, por exemplo,
facilitam a mobilidade do capital-dinheiro e acesso ao mercado mundial. Daiamos
singular exemplo. Em 2017, o governo da Venezuela anuncia a criação de sua moeda
virtual, criptomoeda, lastreada no petróleo daquele país; procede assim para burlar o
boicote do imperialismo norteamericado a partir da sua falta de dólar, dinheiro mundial,
e da crise instalada com o baxíssimo preço petrolífero (setor do qual depende a
economia do país sulamericano, ao vender a dólar, para poder importar).

No concreto em latência, tencionando as partes do todo, há influência da ciência


militar: um país não imperialista típico – Irã, China, Coréia do Norte etc. – ganha maior
autonomia, poder de negociação, quando domina a construção de bombas atômicas.

Agregado aos demais fatres expostos; quando a antiga URSS lega à Russia atual
uma forte rede de ferrovias e demais transportes (acelerando a rotação do capital), larga
cadeia produtiva na indústria militar e um corpo de especialistas, obtemos – antecipando
o próximo capítulo – as razões de sua localização. Nesse país, pesam também grande
influência colonial e semicolonial sobre a Europa no Leste e as alianças geopolíticas,
ambos heranças do passado recente.

O período de decadência do imperialismo toma a atual forma por razões históricas.


Fossem outros os resultados do século XX, este mesmo período, conteúdo, teria de ser
exposto de forma variada. Não nos cabe especular como seria de outra maneira assim
como nos é impossível e talvez infrutífero medir todos os resultados de uma vitória de
Hitlher na II Guerra. Imaginemos: se a restauração do capitalismo tivesse gerado, em
reação, novas e democráticas revoluções socialistas no Leste Europeu? O período da
fase imperialista teria tomado outra dinâmica.

No contexto geral, a China impulsiona uma estrada de ferro para a América do Sul
e para conectar os dois oceanos. Adiante, a imagem do projeto:
Segundo a BBC Brasil:

(…)

"Trata-se da ferrovia transcontinental que vai cruzar o nosso país no sentido leste
oeste cortando o continente sul-americano", disse a presidente que, logo depois, em
conversa com repórteres, classificou a ferrovia como "estratégica para o Brasil".

(…)

Em declaração no início da tarde desta terça-feira durante o encontro com Li


Keqiang, a presidente Dilma Rousseff afirmou que, com a ferrovia, "um novo caminho
para a Ásia se abrirá para o Brasil, reduzindo distâncias e custos".

Especialistas acreditam que a construção da estrada de ferro marcaria uma nova


fase na relação da China com a região. No entanto, para que o projeto saia do papel, será
necessário superar grandes desafios de engenharia, ambientais e políticos, dizem
analistas ouvidos pela BBC.

"Seria uma grande conquista e uma peça-chave da relação da China com a América
do Sul, se esse projeto realmente sair do papel", diz Kevin Gallagher, professor da
Universidade de Boston e autor de estudos sobre a relação China-América Latina.
(…)

A China, por sua vez, necessita de recursos naturais para sustentar sua expansão
econômica e tem interesse primordial na construção de projetos ferroviários em outras
regiões do globo.194

Observemos outra rota em andamento:

De onde extraímos a imagem195, descreve:

194
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150518_ferrovia_transoceanica_construcao_lgb
195
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/03/1596528-china-ambiciona-poder-global-com-nova-
rota-da-seda.shtml
“O mais ambicioso projeto geopolítico do governo chinês começa a sair do papel. A
nova rota da seda, que pretende reviver a antiga rede comercial entre o Oriente e
Europa, é a grande aposta de Pequim para traduzir sua força econômica em poder
Global.

Quase 8.000 quilômetros separam a cidade de Xi’na de Veneza, na Itália, extremo da


rota. (…) uma rede de ferrovias, estradas, oleodutos e cabos de fibras ópticas ocupará o
percurso, de acordo com os planos do governo chinês.

Para financiar as obras, Pequim criou um fundo de US$ 400 bilhões, além do banco
Asiático de Infraestrutura e Investimento, que tema participação de outros 21 países e
deve começar a funcionar neste ano, com um capital de US$ 50 bilhões.

A China deseja ser mais atraente reduzindo o tempo de circulação do capital.

Com o balanço comercial favorável por longa data, observamos que a China investe
sua alta quantidade de capital-dinheiro, capital portador de juros, em grande parte
investido na dívida pública do EUA, em novos investimentos “reais”. Antes que seus
valores se revelem como capital fictício (caso que pode ocorrer, por exemplo, na
próxima manifestação mundial da crise), investe em setores produtivos de mais-valor ou
que extraem mais-valor (serviços). Selecionamos algumas observações para auxiliar
essa visão:

A)

A China condenou neste sábado as "míopes" disputas políticas nos Estados unidos
quanto aos problemas de dívida norte-americana e afirmou que o mundo precisa de uma
nova moeda de reserva mundial estável.

"China, o maior credor da única superpotência do mundo, tem todo direito de exigir
agora que os EUA discutam seus problemas de dívida e garantam a segurança dos
ativos chineses em dólares", informou a agência de notícias oficial da China.

"Supervisão internacional quanto à questão de dólares dos EUA deve ser


introduzida e uma nova moeda de reserva mundial, estável e segura, pode também ser
uma opção para evitar uma catástrofe causada por um único país", acrescentou.

Os Estados Unidos perderam na sexta-feira sua nota máxima de crédito "AAA"


concedida pela agência de classificação de risco Standard & Poor's, em um
dramático revés sem precedentes para a maior economia do mundo.196

196
http://oglobo.globo.com/economia/china-pede-nova-moeda-de-reserva-mundial-condena-divida-
dos-eua-2705725#ixzz4SEO6wRTU
B)

"Receio estar equivocado, mas o PIB do país (EUA) é de US$ 17,8 trilhões,
enquanto a dívida alcança US$ 18,2 trilhões", disse o líder russo ao término da cúpula
da Organização para Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), realizada na
cidade de Ufá.

Segundo Putin, o déficit impacta não apenas os Estados Unidos, mas toda economia
mundial. O líder russo se referiu não apenas aos problemas americanos, mas aos
dilemas atravessados por todos atores da economia global.

(…)

Ainda assim, o líder russo afirmou que apesar dos problemas atuais, a China segue
sendo a economia que impulsiona a economia mundial.197

C)

Nos últimos doze meses, a venda de títulos do Tesouro dos EUA pela China tem
irritado os investidores e funcionado como um indicador da saúde da segunda maior
economia do mundo.

O Banco Popular da China (PBOC, na sigla em inglês), dono das maiores reservas de
moeda estrangeira do mundo, consumiu 20 por cento de suas reservas desde 2014 com a
venda de cerca de US$ 250 bilhões em dívida do governo americano e usou os recursos
para dar suporte ao yuan e frear fluxos de saída de capitais.

As vendas de títulos do Tesouro dos EUA pela China vêm desacelerando, mas agora
seus ativos de ações americanas estão mostrando declínios acentuados.

O estoque de ações dos EUA que pertence à China diminuiu cerca de US$ 126 bilhões,
ou 38 por cento, do fim de julho até março, para US$ 201 bilhões, mostram dados do
Departamento do Tesouro dos EUA. Isso supera em muito o ritmo de venda dos
investidores do mundo no período - a posse total entre estrangeiros diminuiu apenas 9
por cento. Enquanto isso, o estoque chinês de papéis do governo americano ficou
relativamente estável, com um recuo aproximado de US$ 26 bilhões, ou apenas 2 por
cento.

"A carteira americana da China não consiste apenas em títulos do Tesouro dos EUA",
disse Brad Setser, membro sênior do Council on Foreign Relations em Nova York.
"Para avaliar a atividade da China no mercado é cada vez mais importante olhar além do
mercado de títulos do Tesouro dos EUA".198

197
https://br.sputniknews.com/mundo/201507101533953/
198
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2016/06/16/china-vende-acoes-dos-eua-alem-de-
titulos-do-tesouro.htm
D)

“A China tem todo o direito agora de reivindicar dos Estados Unidos que corrijam os
erros estruturais de sua dívida e garantam a segurança dos ativos chineses”, afirmou a
Xinhua [agência oficial chinesa].

Há alguns dias, Chen Daofu, diretor do Centro de Pesquisas do Conselho de Estado da


China, advertiu da necessidade de buscar alternativas de investimento para as reservas
chinesas, e avaliou que pode mudar a composição destas “é um desafio crucial para os
conselheiros políticos de Pequim”.

Com relação ao futuro, a “Xinhua” assinalou que se não houver cortes na “gigantesca
despesa militar” e nos custos do novo sistema de previdência social universal disposto
por Barack Obama, a Standard & Poor’s pode diminuir ainda mais a qualificação da
dívida americana.199

Também sob altíssima dívida, a China ou cresce a uma média de, pelo menos, 6% ao
ano ou colapsa:

E)

Não é só na Europa – Portugal incluído – que a dívida pública cresce sem parar. O
endividamento na China atinge níveis alarmantes. Em 2015, atingiu um novo valor
recorde de 248,6% do PIB, ou seja, duas vezes e meia maior do que a própria economia,
que é a segunda maior do mundo. Mais do que o tamanho da dívida, o que surpreende é
o ritmo alucinante a que o Estado chinês tem pedido dinheiro emprestado – em 2008, a
sua dívida atingia “apenas” 148,3% do PIB, ou uma vez e meia a dimensão da
economia. Face a estes valores, os peritos avisam que os países com crescimentos tão
rápidos da dívida geralmente entram numa crise financeira ou começam a enfrentar
sérias dificuldades em crescer.

(…)

Apesar dos alertas, não há sinais de que as coisas estejam a mudar. A economia chinesa
está a desacelerar, mas o crescimento esperado de 6,5% do PIB em 2016 continua
assente no recurso ao crédito. O volume de novos empréstimos concedidos entre janeiro
e março atingiu 4,61 mil milhões de yuans (cerca de 630 mil milhões de euros), um
valor idêntico ao registado no início de 2009, logo após o arranque do programa de
estímulo da economia.

199
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/955621-china-critica-eua-pela-crise-da-divida-e-exige-
garantias.shtml
(…)

Da parte do Governo chinês, parece haver um compromisso tão forte com as metas do
PIB que nem o excesso de dívida o faz mudar de estratégia e iniciar as reformas
económicas que os especialistas estrangeiros recomendam. A favor do regime, estará o
facto de uma larga fatia da dívida ter sido contraída no mercado doméstico, garantindo
ao Governo uma certa facilidade em controlar os danos. Além disso, muitas das
empresas públicas endividadas, assim como os bancos credores, serão “demasiado
grandes para cair”, contando com o apoio das autoridades. “Não acredito que a China
sofra um processo de desalavancagem financeira dolorosa porque as autoridades não o
permitirão”, disse ao El País Iris Pang, da Natixis.

Em curso, está já um plano de auxílio aos bancos chineses, avaliado em 1 bilião de


yuans (cerca de 139 mil milhões de euros), que passa pela troca de créditos “maus” por
capital das empresas devedoras. Mas a sua eficácia foi questionada por Gordon Orr,
analista sénior da McKinsey, que alertou para o risco de se estar a transferir dívida “de
um lado para o outro”, em declarações ao site Business Insider.

(…)

A China conta com uma importante reserva de divisas para contornar hipotéticos
resgates internacionais, caso as contas públicas se deteriorem, mas isso não evita que a
China possa cair “numa etapa prolongada de baixo crescimento económico”, como tem
sucedido com o Japão desde a década de 90 do século passado. Pequim enfrenta um
paradoxo: ou a economia cresce e a dívida reduz-se de forma natural, ou então não
cresce e a dívida aumenta ainda mais. Uma história que se arrisca a terminar sem um
final feliz, que países como Portugal conhecem bem demais.200

Portanto, conflitos cada vez mais intensos por papéis pintados. Neste final de 2016,
um fato de primeira importância, mas oculta da maioria, gerará mudanças no cenário
mundial e conflitos:

A movimentação nas trincheiras comerciais do planeta é intensa, porém ainda


silenciosa. O primeiro passo em falso pode desencadear uma das maiores guerras do
comércio exterior do século. A partir deste domingo (11), quando a China terá
oficialmente o tão desejado status de economia de mercado. Desta data em diante, os
chineses terão o mesmo tratamento que é concedido a outros países da Organização
Mundial de Comércio (OMC).

Em tese, seus produtos deixarão de ser sobretaxados se ficar caracterizado que


estão sendo vendidos abaixo do valor de mercado. Enquanto países como Estados
200
http://visao.sapo.pt/actualidade/economia/2016-05-30-Divida-da-China-ja-vale-duas-vezes-e-meia-
o-tamanho-da-propria-economia
Unidos, Japão ou integrantes da União Europeia (UE) estão reticentes, em busca de
novas formas de interpretar e, quem sabe, estender o prazo, a China quer o
reconhecimento imediato, dizendo-se mais preparada do que nunca para brigar.

— É nosso direito. Para os outros, uma obrigação que tem de ser honrada. Os
países concordaram, e o acordo, agora, tem de ser respeitado por todos. Não há dúvida.
É cristalino. Não é negociável — afirma, taxativo, um dos maiores especialistas em
negociações comerciais da China, o vice-presidente do Instituto para OMC do
Ministério do Comércio, Xue Rongjiu, que vai além: — A China hoje está muito mais
preparada para adotar medidas de retaliação.

Para os chineses, estão em jogo seu reconhecimento no cenário internacional e


bilhões de dólares em novos negócios, uma questão de honra. Amedrontados com o
potencial das exportações chinesas, os outros parceiros comerciais, 15 anos depois de
aceitarem a China no seleto clube de exportadores, temem perder espaço no comércio e
empregos nos seus respectivos mercados domésticos.

Assim que o novo status passar a valer, disputas sobre dumping (quando os preços
de uma mercadoria exportada são inferiores àqueles cobrados no mercado doméstico do
país para inibir a concorrência externa) na OMC terão de usar como referência os
valores cobrados pela China pelos mesmos produtos no seu mercado interno. Hoje,
como o país ainda não é uma economia de mercado, entende-se que não há como medir
de maneira realista os preços praticados no país.

Assim, tomam-se como referência valores em terceiros mercados. A mudança


favorece os chineses nas disputas comerciais, pois seus produtos seriam
necessariamente considerados mais competitivos por terem valores mais baixos no
mercado interno.

(…)

Secretamente, os países estão se fazendo de desentendidos. Ninguém se manifesta


até segunda ordem. A verdade é que ninguém quer ser o primeiro a anunciar que não
pretende reconhecer o novo status e enfrentar a China, que está disposta vir com tudo.

(…)

O temor no Ocidente é que a China saia do escopo da OMC para retaliar com mais
agilidade. Dentro das regras do organismo, em teoria, seria necessário abrir inúmeros
casos sobre diferentes produtos contra países distintos. Os chineses são o principal
parceiro de dezenas de países, inclusive do Brasil.201

201
http://oglobo.globo.com/economia/a-partir-deste-domingo-china-economia-de-mercado-
20624881#ixzz4Sam6mLg4
Precisamos agregar o passado histórico à análise. Os países citados têm uma
tradição milenar ligado ao Estado hipercentralizado. Em geral, conheceram o modo de
produção asiático, sustentado desde a burocracia estatal; viveram sob longas e duras
dinastias feudais (caso do czarismo russo) e sob “socialistas” ditaduras burocráticas –
apenas o determinismo econômico desconsideraria este fator histórico. No período final
de decadência do sistema, temos um modo particular da formação de imperialismos;
adentramos na dialética geral-particular, na medida em que a formação dos
imperialismos britânico, ianque e alemão foi também diferente, diferentes formas de um
mesmo processo (no primeiro, o inicial protagonismo foi dos sindicatos patronais; no
segundo, as sociedades por ações; no terceiro, bancos monopolistas como estímulo à
produção – por natural e com o tempo, essas formas se entrelaçavam).

Apenas a partir desta elaboração – necessariamente compreensível se com o


conjunto da obra – podemos traduzir todos os fenômenos inexperados pelos marxistas
na forma de uma elaboração geral, de um fundamento explicativo. Podemos superar
conclusões e políticas de aparência, de reação. Caracterizar China e Rússia
semicolônias, semicolônias privilegiadas ou, indo além, subimperialismos demonsta-se
parcial. Entre os vários desdobramentos da crise do valor, entra em crise o cálculo país
atrasado produz para o país adiantado que, por sua vez, usa tal matéria primária para
vender produtos com valor acrescido ao primeiro (com o valor da exporação que retorna
no novo produto importado + o acrescido pela produção externa); ou, indo adiante, o
país atrasado produz as mercadorias de ponta (da cadeia de produção), mas o valor na
forma de dinheiro retona ao país de origem. Se a burguesia internacionalizada perde o
laço lucrativo com o país imperialista e até com a produção em si, se o desenvolvimento
técnico facilita a elevação da China e Rússia, se esse mesmo desenvolvimento técnico
deixa mais fluida as disputas geopolíticas, se o passado histórico pesa, se os
trabalhadores europeus resistem, se os últimos grandes mercados a fundar estão na Ásia,
se as taxas de lucro tendem a ficar muito baixas, se a produção automatizada nos países
adiantados são ainda mais vantajosos se se aproximam da matéria-prima (reduzir custos
de circulação: tempo, impostos, taxa de câmbio, custos de transporte)… Então, temos
situação qualitativamente diferenciada. Quando os EUA despontou sobre a Ingleterra,
tal processo transformado em fato pareceu algo nebuloso, místico e digno de estudo.
Uma segunda guerra mundial entre as duas nações chegou a ser prevista pela III
Internacional, mas um lado cedeu à história sem luta. A elaboração aqui apresentada
poderia soar absurda e digna de ser minoritária há alguns poucos anos, como de fato
assim foi vista. A reviravolta da Alemanha, a altivez chinesa, a ousadia russa e a
inversão e crise da política norteamericana ao mesmo tempo exige nova explicação e
aproxima aparência da essência.

Com a crise, China, Rússia, Índia, Arábia Saudita e satélites têm a oportunidade de
serem, eles próprios, mecanismos da burguesia contra o colapso das empresas. O PC
chinês – o mais cabal exemplo e impulsionador dessa frente única “pró-novos
imperialismos” (a tendência ao concreto manifestada na maior ligação interfronteiras
têm nestes países uma forma particular202) – precisa manter certos níveis de crescimento
para poder controlar a luta de classes interna, fator atraente de capitais globais para este;
para isso, além da parceria militar com os russos, inicia uma verdadeira revolução
científica:

“Algumas décadas atrás, a China mal se destacou no ranking científico mundial.


Agora, em termos de investimentos em pesquisas e artigos científicos publicados, estão
apenas atrás dos Estados Unidos – por enquanto.”

“(…) em 2013, os gastos com pesquisa e desenvolvimento da China ultrapassou a


Europa e está definido para ultrapassar os EUA em 2020.”

“Uma avaliação recente da revista Nature revelou que, em termos de número de


artigos [científicos] que estão sendo publicadas, a China agora ocupa o segundo lugar
no mundo, atrás apenas dos EUA.”

(…)

“O rápido crescimento da economia da China está diminuindo, mas o governo está


colocando “pesquisas” no coração de seus planos futuros. Em 2020, o governo quer o
seu investimento de incríveis 2,5% do PIB Total para a ciência.”203

Paralelo à busca por autonomia tecnológica, há questões latentes de altíssima


combustão. Se está correta nossa conclusão de que entramos em uma curva de longo
período com extensivas crises e estagnações e crescimentos anêmicos e curtos como
manifestações das crises orgânica, estrutural e de era (em resumo: crise sistêmica),
então, para manter o “sucesso chinês” é preciso facilitar a drenagem do capital
produtivo mundial para este e a exportação de capital-mercadoria com uma mudança,
entre outros fatores, no dinheiro mundial… Isto significa superar o dólar, significa
facilitar a venda de mercadorias Made In China no mercado mundial, significa acordos
especiais com parceiros – Índia (também com um bilhão de habitantes), Rússia e países
orbitantes – e significa conflito cada vez mais aberto e internacionalizado.

202
Em artigo sobre a restauração do capitalismo na Coreia do Norte, lemos: “Em primeiro lugar por
possuir arsenal nuclear, o que lhe dá um enorme poder de barganha. Em segundo lugar por sua posição
geoestratégica – faz fronteira com a China ao Norte e com a Coreia do Sul – semicolônia do imperialismo
norte-americano – ao sul. E, em terceiro lugar, existe uma ferrenha disputa em curso pelo domínio de
seu mercado entre as burguesias da China e da Coreia do Sul. Como em ambos os países as empresas
norte-americanas têm papel destacado, esta disputa está sendo aproveitada por elas, apesar do
embargo norte-americano após 2006. A China não participa do embargo e as duas Coreias são
consideradas, do ponto de vista comercial, um único país.” Desfiando: 1) o Estado norte-americano
aprova embargos contra a Coreia do Norte; 2) as empresas dos EUA estão instaladas na China e Coreia
do Sul; 3) estas empresas operam, em nome da lei do lucro, por fora das medidas do Estado de onde se
originaram. Este é um exemplo do processo de desnacionalização do capital. Fonte:
http://www.pstu.org.br/para-entender-a-coreia-do-norte/
203
http://www.universoracionalista.org/a-revolucao-cientifica-chinesa/
Uma guerra mundial?, Perguntar-se-á o leitor. Um conflito desse tipo tenderá a ser
rápido, relâmpago, de ataque surpresa e multifocal para tentar evitar o prolongamento
da guerra e, principalmente, evitar a luta de classes mundial; pois este último fator, por
sua própria natureza, é o mais imprevisível nas simulações de engajamento, teatro de
guerra, dos grandes generais. Ao mesmo tempo, a carnificina seria uma tentativa de
atenuar, por meio da unidade nacional contra um inimigo externo, a cada vez mais
intensa luta entre as classes sociais antagônicas. Por isso, a mídia burguesa pouco trata
desse assunto de modo franco ou cínico: na memória mundial está cristalizada o horror
que é um conflito planetário, sendo um fator subjetivo contingente importante – foi
educativo para as massas; porém, pode, por outro lado, “pegar a todos de surpresa” e
confusos sobre como reagir em oposição quando as bombas forem lançadas.

George Soros, um dos donos do mundo, tomou partido da China; em entrevista ao


Globo News, Milênio (11/05/2015204), defendeu a substituição, ao menos parcial, do
dólar enquanto moeda mundial como necessidade. E numa conferência afirmou: "a
eclosão desta guerra depende de uma grande medida sobre a saúde da economia
chinesa"; "Se houver um conflito entre a China e um aliado dos EUA, como por
exemplo o Japão, então estaremos no limiar de uma Terceira Guerra Mundial”; ao
defender o enfraquecimento do dólar em relação à moeda chinesa: “Sem ele, há um
perigo real de que a China vá se aliar política e militarmente com a Rússia, e em
seguida, a ameaça da Terceira Guerra Mundial se tornará real, por isso vale a pena
tentar”205.

No entanto, algumas peças desse jogo macabro precisam ainda se localizarem.


Vejamos um conflito entre bancos que são “grandes demais para quebrar”:

“A cotação das ações do Deutsche Bank estava a cair 8% na Bolsa de Frankfurt ao


início da tarde desta sexta-feira, na sequência do Departamento de Justiça norte-
americano ter anunciado o desejo de aplicar uma multa de 14.000 milhões de dólares ao
maior banco alemão.”

“Depois de se ter desvalorizado quase 8% pouco logo depois da abertura, os


‘papéis´ do maior banco alemão já cediam 8,05% para 12,05 euros às 11:14 em Lisboa,
na sequência do pedido da justiça norte-americana de uma multa recorde para saldar o
litígio imobiliário desencadeado no início da crise financeira em 2008.”

“O banco já anunciou que “não tenciona saldar os potenciais pedidos civis que
totalizam cerca de 14 mil milhões de dólares. O Departamento de Justiça dos Estados
Unidos convidou o banco alemão a apresentar uma contraoferta, precisou o Deutsche
Bank, sublinhando que as negociações “apenas acabam de começar”.”

204
https://www.youtube.com/watch?v=6Qxv5LbOE2E
205
http://www.libertar.in/2015/05/george-soros-adverte-sobre-o-risco-de.html
“O banco norte-americano Goldman Sachs pagou uma multa de 5,06 mil milhões
de dólares em abril último por um caso similar.”

“O Deutsche Bank é acusado, como outros grandes bancos, de ter vendido a


investidores antes do início da crise financeira de 2007/ 08 empréstimos hipotecários
residenciais, que são créditos convertidos em produtos financeiros, sabendo que os
mesmos eram tóxicos.”

“A denominada ‘titulação’, tática utilizada abundantemente pelos grandes bancos


para converter carteiras de empréstimos em títulos financeiros que cedem depois nos
mercados, é considerada a responsável pelas perdas registadas em 2008 por numerosos
investidores, incluindo os que compraram os títulos associados às famosas
“‘subprimes’”.”206

De sua parte, Rússia está evitando os efeitos da crise mundial por meio da produção
de guerra, da sua indústria armamentista. Assim, aproveita para alargar suas influências
político-econômicas; trata-se, em essência, do mesmo que faz, em escala maior, os EUA
já há muito tempo. O capitalismo só pode se manter de modo destrutivo, como "criação
destruidora":

De acordo com um relatório do Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo


(Sipri, na sigla em inglês), a participação mundial da Rússia em gastos militares atingiu
4,8% em 2014. O país ocupa o terceiro lugar no ranking, após os EUA (34%) e a China
(12%).

No ano passado, os gastos militares da Rússia aumentaram 8,1% em comparação


com 2013 e atingiram os US$ 84,5 bilhões – o que equivale a 4,5% do PIB russo.

“A questão é que o terceiro lugar da Rússia nesse ranking não corresponde à sua
posição na economia global”, diz Vassíli Zatsépin, pesquisador do Laboratório de
Mercados Industriais da Academia Presidencial da Economia Nacional e da
Administração Pública da Rússia.

Segundo ele, o relatório do Sipri apenas evidencia a militarização excessiva da


economia russa. “Devido à situação econômica atual, nada pode justificar essas
despesas militares”, critica.

(…)

206
http://pt.euronews.com/2016/09/16/multa-recorde-de-14-mil-milhes-de-dolares-afunda-deutsche-
bank-na-
bolsa?utm_medium=Social&utm_campaign=Echobox&utm_source=Facebook&utm_term=Autofeed#lin
k_time=1474030353
Segundo Zatsépin, os países gastam, em média, cerca de 2,4% do PIB em armas.
Pelas exigências da Otan, por exemplo, os países-membros da Aliança são obrigados a
destinar pelo menos 2% do PIB nacional para despesas militares. Mas somente quatro
membros, um deles os Estados Unidos, seguem essa regra.

No ano passado, os EUA gastaram US$ 610 bilhões (3,5% do PIB) em armas,
enquanto a China investiu US$ 216 blihões (2,2% do PIB) no sector bélico.

Levando em conta as estimativas do Sipri, os gastos militares da Rússia atingiram


4,5% do PIB. Porém, segundo dados oficiais, essas despesas são de 4,8%, o que é o
dobro da média mundial.207

É do conhecimento geral que a China pode mobilizar algo como dois milhões de
soldados para infantaria, núcleo central da força de um exército; como se sabe, “meras
mudanças quantitativas podem gerar mudanças qualitativas” (Marx), ou seja, o número
populacional pende a favor dos chineses nas questões militares e econômicas – podendo
dobrar ou mais a quantidade de combatentes, ou aplicar a política “um cidadão, um
soldado”. Mais uma vez e ao seu modo, a Rússia também vai nesse sentido:

Alunos de escolas russas devem começar a aprender em breve uma série de táticas
militares.

A iniciativa partiu do Ministério da Defesa do país. O treinamento será realizado


pela Yunarmiya ─ ou Exército Jovem ─ uma organização que existiu durante a União
Soviética e foi ressuscitada pelo governo atual.

Segundo a agência de notícias russa RIA-Novosti, a iniciativa será lançada como


projeto piloto na cidade de Yaroslavl antes de ser replicada nacionalmente em setembro.

O treinamento vai incluir lições práticas sobre como montar rifles, atirar e pular de
paraquedas, mas também conceitos teóricos, como história e táticas militares, informou
o site de notícias russo Gazeta.ru, citando funcionários do Ministério de Defesa do país.

Estudantes usarão uniforme e as unidades terão suas próprias sedes e bandeiras. A


faixa etária deve variar entre 14 e 18 anos, mas pode começar a partir dos dez anos.
Autoridades russas dizem que a participação não será obrigatória, complementando as
aulas normais.

O objetivo parece ser expandir a educação militar já oferecida pelas escolas. Desde
a anexação da península da Crimeia, em 2014, a Rússia tem vivido uma onda de

207

http://gazetarussa.com.br/economia/2015/04/22/relatorio_sueco_evidencia_militarizacao_da_econom
ia_russa_30149
nacionalismo, e o Ministério da Defesa busca tornar mais estruturado o "crescente
número de movimentos militares patrióticos" do país.208

Na outra ponta, o Japão otimiza sua força militar para enfretamentos externos e –
nunca esquecer! – internos, enfrentar a luta de classes (destaque para, relativo à China,
sua infantaria pouco volumosa209):

O Japão tem forças aéreas, marítimas e terrestres bem equipadas – e com planos de
modernização em curso:

A Câmara Baixa do Parlamento japonês aprovou duas leis que podem permitir que
militares do país participem de campanhas no exterior - o que não ocorria desde a
Segunda Guerra Mundial. As leis ainda precisam ser aprovadas na Câmara Alta para
entrar em vigor, mas já desencadearam protestos de ativistas. E preocupação em
vizinhos que sofreram com o imperialismo japonês nos anos 30 e 40, como a Coreia do
Sul.

(…)

Porém, o papel dessas forças era circunscrito e o país evitava envolvimento com
questões militares externas.

Cerca de 70 anos depois, o cenário mudou dramaticamente. A Guerra Fria e a


União Soviética podem ter terminado, mas um crescimento da presença militar da China
está levando preocupações para a região.

O Japão continua sendo o principal aliado dos Estados Unidos na área. E, com a
escala e o alcance do crescimento militar da China, os japoneses têm modernizado suas
forças.

Seu Exército de cerca de 150 mil homens é pequeno (mas ainda maior que o
britânico, que exerce um papel de importância militar média no contexto da Otan, com
84 mil homens).

O Japão possui uma marinha impressionante, que inclui um navio aeródromo - para
transporte de helicópteros -, dois cruzadores equipados com mísseis de cruzeiro Aegis e

208
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36348444
209
Não está descartada a hipótese de uma “guerra mundial indireta permanente” ou “pré-guerra
mundial em permanência”. Pois: 1) a burguesia sabe de sua própria história – faz balanço; 2) ora ou
outra, seus líderes saberão que isto pode significar uma ou outra forma de fim do capitalismo; 3) A
tendências dos Estados nacionais não é o interesse de todas as megaempresas em si; 4) há luta de
classes. Esta forma sequer é necessariamente melhor, pois 1) pode enfraquecer a ação da classe
trabalhadora quanto à intensidade – amplia o tempo de sua angústia, 2) tal guerra direta pode surgir…
contra os próximos Estados Operários.
sistemas sofisticados de radar e gerenciamento de batalha, além de 34 destróieres
(também chamados contratorpedeiros) e nove fragatas de vários tipos.

A força marítima também possui cerca de 80 aeronaves de patrulha ou capacidade


antisubmarina.

Política é economia concentrada – a guerra é a continuação da política por outros


meios. Para os comunistas a questão se apresenta assim: dadas as diferenças teórico-
programáticas impedindo uma Internacional unificada, surgirá uma frente única
revolucionária mundial contra a crise e a guerra? Se a decomposição do capital não
desemborcar em socialismo, surgirá a última transição histórica para outro sistema, a
barbárie210.

210
O nacionalismo é uma ideologia antimarxista em si. Nos países atrasados, pode impulsionar uma luta
anti-imperilista que pode se transformar em luta pelo socialismo. Os comunistas atuam nesta
consciência nacional nos países dominados sem captular a este valor; ou seja, aproveitam a luta gerada
para elevar as tarefas, organizar de modo independente os operários em relação à burguesia
“nacionalista” e propor uma vida socialista, que é internacionalismo como projeto.
Infelizmente, boa parte da esquerda mundial substituiu o anti-imperialismo por “antiamericanismo” e o
internacionalismo pelo nacionalismo; seja qual for o lado vencedor, a tragédia será terrível aos não
proprietários. Boa parte dos “revolucionários”, na verdade, perderam esperanças na capacidade
autônoma do proletariado. A esquerda reformista, disfarçados de marxistas com gritos radicais, tenderá
a negar uma saída independente para a classe trabalhadora. Contra isso, deixamos as palavras do
próprio Putin:

"As ideias devem se concentrar em bons resultados, e este não é o caso de Vladmir Ilich Lênin”,
declarou Putin durante uma reunião do conselho presidencial sobre ciências da educação.
Foram as ideias de Lênin que "finalmente desembocaram na queda da União Soviética (URSS)" em 1991,
estimou o presidente russo, em uma crítica incomum ao chefe da Revolução bolchevique de 1917.
"Foi depositada uma bomba sob um edifício chamado Rússia, que depois explodiu", afirmou Putin, que,
com frequência, mostra-se nostálgico à época soviética. (fonte:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/01/putin-acusa-lenin-de-ter-explodido-a-russia.html)

Aberta a polêmica, contrapôs as ideias de Stalin contra as de Lenin (com razão!), mas de modo
investido, defendendo o socialismo num só país com domínio sobre outros povos contra o
internacionalismo (e afirma que as ideias de Lenin, não as de Stalin, retornaram o capitalismo – quer
dizer, como o georgiano, falsifica a realidade):

“Segundo ele, uma vez que as ideias de Stálin foram rejeitadas, o país acabou sendo erguido sobre
ideias que implicam a possibilidade de secessão dos territórios constituintes. “Esse direito [à separação]
foi uma mina de ação retardada plantada sob nossa soberania. Isso foi o que causou o eventual
rompimento do país”, disse o presidente.”

Mas o regime soviético desde 1926, que o permitiu crescer pela nefasta KGB, era o regime de Stalin...
Dito de modo claro: a direção da esquerda burocrática entrou em crise com sua base militante por causa
das afirmações do presidente e, este, desejoso por manter a maior base nacional e mundial de apoio
possível, justificou-se, mediou a afirmação – desconsiderando a realidade histórica, claro.
Raciocínio semelhante faz o centrismo radical na China. Consideram a luta de classes dentro de seus
países, mas ao olhar externamente veem apenas a “nação” como abstração a esconder a divisão de
A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”

“Estamos no socialismo, mas os dirigentes já estão no comunismo.”

Anedota popular soviética.

''Essa soma de forças de produção, capitais e formas sociais de intercâmbio, que


cada indivíduo e cada geração encontram como algo dado, é o fundamento real [reale]
daquilo que os filósofos representam como 'substância' e 'essência do homem', aquilo
que eles apoteosaram e combateram; um fundamento real que, em seus efeitos e
influências sobre o desenvolvimento dos homens, não é nem de longe atingido pelo fato
de esses filósofos contra ele se rebelarem como 'autoconsciência' e como o 'Único'.
Essas condições de vida já encontradas pelas diferentes gerações decidem, também, se
as agitações revolucionárias que periodicamente se repetem na história serão fortes o
bastante para subverter as bases de todo o existente, e se os elementos materiais de
uma subversão total, que são sobretudo, de um lado, as forças produtivas existentes e,
de outro, a formação de uma massa revolucionária que revolucione não apenas as
condições particulares da sociedade até então existente, como também a própria
'produção da vida' que ainda vigora – a 'atividade total' na qual a sociedade se baseia
– se tais elementos não existem, então é bastante indiferente, para o desenvolvimento
prático, se a ideia dessa subversão já foi proclamada uma centena de vezes – como o
demonstra a história do comunismo.''

A Ideologia Alemã, Marx e Engels, Boitempo, Página 43.

A luta pelo socialismo marcou o século XX. Polêmicas, lutas sociais, revoluções e
contrarrevoluções, II Grande Guerra, guerra fria, etc. comunicam-se todos com o fato de
um terço da humanidade ter vivido sob regimes não capitalistas. Após a queda do
estalinismo, do muro de Berlim e da planificação burocrática, podemo-nos perguntar:
qual era, afinal, o caráter daquelas sociedades?
Podemos interpretar o que foram URSS, China, Cuba, etc., quando Estados
operários burocráticos, por três caminhos:

1. Intensão – por exemplo, desejo dos Bolcheviques de fazer valer o projeto


operário;
2. O que foram em si – transições incompletas ao socialismo, desprovidas de
democracia operária, tentando superar o atraso capitalista;
3. Suas consequências finais – em especial, a restauração do capitalismo.

Aqui, para uma visão total, enquanto processo, sob a centralidade do terceiro ponto,
somaremos os três acima citados. Defenderemos, em síntese, que os ex-Estados

classes e o papel oportunista das direções do Estado, dos governos “progressistas”. Isto tem enquanto
uma das origens o revisionismo de Mao TseTung com seus conceitos pseudodialéticos de contradição,
onde subordina a contradição essencial, a de classes, a contradições conjunturais entre setores
burgueses, entre burguesia nacional e imperialista etc. Do nosso lado, os comunistas atuam nos rachas
do campo inimigo, fazendo unidade de ação com o lado mais progressivo (contra um golpe etc.), apenas
como ponte para avançar além do projeto burguês, na certeza de que a burguesia “progressiva” espera
apenas a oportunidade correta de tornar-se “regressiva”, subordinar o movimento operário a si e
destruí-lo assim que possível.
Operários Burocratizados foram uma forma de transição anormal, anômala, Sui Generis
– na fase imperialista do capitalismo – para o que hoje são. Ou seja, o capital
desenvolveu-se através do contrário, de sua negação (diferimo-nos, também, portanto,
da tese "capitalismo de Estado"). Por consequência, a função histórica das economias
planificadas era desenvolver as forças produtivas – para o próprio capital. É uma visão
por fora da ortodoxia marxiana; por isso, vamos desenvolver os argumentos:
elevaremos a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado, de Leon Trotsky, a um
patamar ainda mais intenso.
Para iniciar o leitor ao argumento, comecemos com um trecho de A Revolução
Traída, de Trotsky, que nos servirá de pista. Na obra, encontramos uma profunda
análise da URSS e uma caracterização marxista desta sociedade. Vejamos:

“Lenin (…) acrescenta: ‘o direito burguês, em matéria de repartição dos artigos de


consumo, supõe naturalmente o Estado Burguês, pois o direito não é nada sem um
aparelho de coação que impõe suas normas. Surge-nos assim o direito burguês a
subsistir durante um certo tempo no seio do comunismo, e até mesmo o Estado
burguês a subsistir sem burguesia!’
Esta significativa conclusão, absolutamente ignorada pelos teóricos oficiais de
hoje, tem uma importância decisiva para a inteligência da natureza do Estado soviético
de hoje ou, mais exatamente, para uma primeira aproximação nesse sentido. O Estado
que toma por tarefa a transformação socialista da sociedade, sendo obrigado a
defender pela coação a desigualdade, isto é, os privilégios da minoria, torna-se, em
certa medida, um Estado “burguês”, embora sem burguesia. Estas palavras não
implicam louvor nem censura, chamam simplesmente as coisas pelo seu nome.
As normas de repartição, quando incitam o crescimento da força material, podem
servir a fins socialistas. Mas o Estado adquire imediatamente um duplo caráter:
socialista, na medida em que defende a propriedade coletiva dos meios de produção;
burguês, na medida em que a repartição de bens tem lugar segundo padrões de valor
capitalistas, com todas as consequências que decorrem desse fato. (...)
A fisionomia definitiva do Estado operário deve definir-se pela modificação da
relação entre as suas tendências burguesas e socialistas. A vitória das últimas deve
significar a supressão irrevogável da polícia, o que significa a reabsorção do Estado
em uma sociedade que se administra a si própria. Isto basta para fazer ressaltar a
enorme importância do problema da burocracia soviética, fato e sintoma.211 (Grifos
nossos.)

Como o trecho nos sugere, citando Lenin, Leon ficara meio passo atrás da tese que
aqui apresentamos. Citemos o fundador do partido bolchevique e da primeira revolução
proletária vitoriosa:

Afirma-se que era necessário a unidade do aparelho. De onde emanam estas


afirmações? Não provinham, por acaso, do mesmo aparelho da Rússia que, conforme já
se disse num número anterior de meu diário, recebemos do tzarismo, limitando-nos a
recobri-lo ligeiramente com um verniz soviético?

211
A Revolução Traída – TROTSKY, Leon. Global Editora, São Paulo – SP. 1980. Pág. 41.
Sem dúvida alguma, deveríamos esperar com esta medida até o dia em que
pudéssemos dizer que respondemos por nosso aparelho porque é nosso. Porém agora,
com consciência, devemos dizer o contrário: que chamamos nosso a um aparelho que,
nos fatos, não é fundamentalmente estranho e que representa uma miscelânea de
sobrevivências burguesas e tzaristas; que nos foi absolutamente impossível transformá-
lo em cinco anos, já que não contávamos com a ajuda de outros países e predominavam
as “ocupações” militares e a luta contra a fome. (Últimos Escritos e Diário das
Secretárias, páginas 57 e 58.)212

Por precisão, desenvolvendo o debate, focaremos nos critérios de desenvolvimento


socioeconômico. Por força produtiva, Marx, em O Capital I, define:

“A força produtiva do trabalho é determinada por meio de circunstâncias diversas,


entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de
desenvolvimento da ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do
processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições
naturais.”213

Podemos resumir as forças produtivas em: técnica, homem e natureza. O Brasil, por
exemplo, entrou no século XX – digamos desse modo – com a revolução de 1930. O
semifascismo de Getúlio Vargas pôde iniciar e/ou consolidar:

1 – O processo de urbanização do país;


2 – Uma sólida indústria de base;
3 – Maior número de letrados/especialistas;
4 – A preparação para a entrada do capital internacional.

Em um discurso/balanço mais que simbólico, afirmou o ditador:

“A qualquer observador de bom senso não escapa a evidência do progresso que


alcançamos no curto prazo de 15 anos. Éramos, antes de 1930, um país fraco, dividido,
ameaçado na sua unidade, retardado cultural e economicamente, e somos hoje uma
nação forte e respeitada, desfrutando de crédito e tratada de igual para igual no
concerto das potências mundiais!” (VARGAS, Getúlio, A nova política do Brasil,
Volume 8, José Olympio Editora, 1940.)

O país assim mudou, tornou-se uma semicolônia privilegiada, inaugurando uma


etapa nova – a partir da década de 1950. Viveu a Turquia um processo semelhante. Por
outro, México diferencia-se por causa da revolução naquele país, em 1910; por isso, o

212
Esta obra, obrigatória, oferece duas importantes conclusões: 1) Lenin percebeu antes de Trotsky que
o Estado havia saltado para uma degeneração de regime – por isso, abriu duríssima luta fracional contra
Stalin; 2) Também percebeu antes do fundador do Exército Vermelho que a teoria da revolução
permanente poderia ser aplicada a outros países, além da Rússia – antecipou esta generalização,
confirmada na China (a revolução evoluir-se de fevereiro a outubro, de democrático-burguesa para
socialista).
213
O Capital – Crítica da Economia Política, karl Marx. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996. Pág.
169.
caráter destacadamente popular do processo mexicano mostra um segundo caminho
para esta mudança.
Há também um terceiro modo, o da economia planificada. As revoluções socialistas
vitoriosas vingaram em países agrários, analfabetos e de fraca base industrial (igual
como México, Brasil e Turquia). No entanto, o atraso trouxe uma contraditória
vantagem, um salto: a revolução veio antes de existir base material, forças produtivas,
capaz de permitir o socialismo. URSS, China e Cuba, para citar aqueles centrais,
passaram por um processo semelhante aos dos países em desenvolvimento. Vejamos:

1 – De agrários para a urbanidade;


2 – De fraca economia para indústria de base (depois a de ponta, mas
especialmente após da chegada do… capital internacional, ou seja: da restauração);
3 – Da ignorância para uma instrução popular mínima – um corpo de
especialistas.

São as mudanças mesmas pelas quais passaram países intermediários, emergentes.


No entanto, fizeram-nas por um caminho diferente214. E assim, na prática, a economia
estatal e planificada foi uma preparação para o que são Rússia, China e Cuba –
atualmente. Para isso, nesta tese, percebemos a existência de outro ponto comum, quer
seja:

4 – Da baixa industrialização para a entrada do capital internacional.

Em outro capítulo observamos a importância da automação/robótica para a


economia socialista. Ocorre que a restauração do capitalismo veio exato quando chegou
a hora de os países não capitalistas implementarem uma infraestrutura avançada, útil e
sua por natureza. Porém, se a burocracia estatal implementasse tal revolução industrial,
destruiria as bases de sua própria dominação, de sua razão de ser… Tal atitude, se
houvesse, mudaria todo o tecido social e a superestrutura; a casta governante não
duraria nem mais um dia porque seria dispensável, não necessária. A dificuldade de,
diferente dos EUA, transferir as conquistar técnicas do aparato militar-espacial para a
produção revela-se muito mais que um erro tático, define-se como limitação objetiva.
Por temor do tempo livre para todos, da abundância geral, da facilidade de planejamento
econômico e do consequente impulso à revolução mundial (ou seja: por medo do fim da
alienação), boicotaram esta “reforma revolucionária” em nome de um prazer humano
anormal e pouco acessível, como a do bilionário e presidente Putin.

A BURGUESIA NA BUROCRACIA
O burguês pós-I revolução industrial surgiu embrionariamente na fase comercial do
capitalismo. A pré-história da burguesia é vista ainda no pequeno comerciante, no
camponês, no artesão, no pequeno industrial, ou seja: na pequena burguesia. Há um tipo
específico de pequeno-burguês – localizado na moderna classe média – que, inclusive,
cumpre nas empresas papéis que há muito os patrões não assumem. Falamos do gerente,
do administrador, do contabilista, etc., o possuidor do trabalho intelectual. O "burocrata
socialista" nada é mais que o representante da burguesia – por meio de outra classe –
nos Estados Operários Burocratizados. Não é, na verdade, no entanto, fenômeno novo o

214
Pensamos ser desnecessário apresentar dados sobre na medida em que é perceptível. Ainda hoje,
mesmo após a dura década de 1990, Cuba, que era o mais frágil Estado Operário do mundo, uma ilha,
apresenta indicadores sociais iguais ou superiores a vários países desenvolvidos.
cumprimento das tarefas de uma classe por outra – como indica a dialética do
desenvolvimento desigual e combinado:

Uma das consequências mais importantes e paradoxais do desenvolvimento


desigual e combinado é a solução dos problemas de uma classe através de
outra. Cada etapa do desenvolvimento social gera, coloca e resolve os seus problemas
complexos específicos de tarefas históricas. (...) Na época burguesa, a unificação de
províncias separadas em estados centralizados nacionais e a industrialização destes
estados foram tarefas históricas colocadas pelo surgimento da burguesia. Mas, em
alguns países, o baixo desenvolvimento da economia capitalista e a consequente
debilidade da burguesia torna insustentável a realização destas tarefas históricas da
burguesia. (...) por exemplo, a unidade do povo alemão foi lograda desde 1866 a 1869
não pela burguesia ou pela classe operária, senão por uma casta social já superada, os
proprietários rurais “junkers” prussianos, encabeçados pela monarquia Hohenzollen e
dirigida por Bismarck. Neste caso, a tarefa histórica da classe capitalista não foi
levada a cabo por forças capitalistas.
O desenvolvimento extremamente desigual da sociedade fez necessária esta
mudança de papel histórico entre as classes: a grandiosidade da etapa histórica fez
possível a substituição. Como Hegel assinalou, a história recorre frequentemente aos
mecanismos mais indiretos e astutos pra lograr seus fins.
(...)
No século atual, a china representa outro exemplo oposto, num nível histórico mais
elevado. Sob a dupla exploração de suas velhas relações feudais e da subordinação
imperialista, a China não podia ser unificada nem industrializada. Tornou-se
necessário nada menos que uma revolução proletária, (ainda que deformada em seu
começo) que, apoiando-se numa insurreição camponesa, abriu caminho para a solução
dessas tarefas burguesas longamente adiadas. Hoje em dia, a China está unificada
pela primeira vez e industrializa-se rapidamente. Contudo, estas tarefas não foram
levadas a cabo pelas forças capitalistas ou pré-capitalistas. (Grifos nossos.)215

Uma das razões do retorno – ou avanço – ao capitalismo era que os burocratas, ao


gerirem empresas e o Estado, queriam enriquecer-se. Então, reforçamos o argumento de
que a economia de transição ao socialismo, neste caso, foi uma forma de desenvolver o
capitalismo por meio de sua negação, causada pela anterior tensão de classes,
disparando a revolução social em países imaturos e, principalmente, isolados.
O caso do ditador Tito, na Iugoslávia, é simbólico. Este restaurou o capitalismo,
destruindo a economia planejada e transformando empresas em cooperativas, sob livre
concorrência – dando às coisas a posição autônoma, de sujeito, ou seja, de capital,
fragmentando, ou seja, coisificando os homens. Iludidos com o ser dono, como um
pequeno-burguês, muitos trabalhadores abraçaram a ideia e faliram.
Em geral, a restauração capitalista surgiu com a crise de era ou sistêmica na década
de 1970 iniciada; ocorreu quando mais o capital necessitou – e ganhou fôlego. Por isso,
não houve algo como um colapso:

215
Site: Arquivo Marxista na Internet, A Lei do Desenvolvimento Desigual e Cominado da Sociedade –
George Novack, 1968. Tradução de: Valdemir Lisboa dos Santos, 1990. Cap. Substituição de Classes.
Moraes (????) apresenta a tabela e comenta:

“Ao alegar, em 1988, que era preciso mudar o sistema econômico da URSS porque
o ritmo de crescimento anual era de “apenas” 3,5%, Gorbachev estava apenas (sem
aspas) buscando um pretexto para levar adiante sua obra liquidacionista. Quantos países
do Ocidente liberal tiveram crescimento comparável? Sem esquecer que a periferia do
imperialismo ainda chafurdava na estagnação e hiperinflação provocadas pela chamada
“crise da dívida”. A conclusão se impõe: o desmantelamento da URSS não foi
provocado pelo fracasso da planificação econômica, como apregoam os neoliberais e os
reacionários. No máximo, pode-se falar em declínio da taxa de crescimento, mas muito
menor do que o das potências liberal-imperialistas.”
“As análises desenvolvidas por sovietólogos ligados a Problems of Comunism,
publicação do Departamento de Estado norte-americano, não desmentem essa avaliação.
Obviamente, vistos de Washington e de Wall Street, todos os problemas decorrem do
caráter centralmente planificado.”

Com evolução sempre progressiva, o autor também dispõe um indicador de bem-


estar na URSS:

O volume anual de produção, via planos quinquenais, foram sempre positivos, mas
e mesmo com declínio pós-1960:
Do ótimo artigo, pensamos que o articulista citado tem uma limitação de premissa:
considera a URSS socialista e o estalinismo um movimento honesto. Aos dados,
acrescentamos, entretanto, algumas informações centrais: crises de abastecimento
ocorriam de temos em tempos216; a qualidade dos produtos industriais era, em geral,
baixa e a planificação ancorada na II Revolução Industrial demonstrava esgotamento
cada vez maior. Na verdade, o processo de restauração do capitalismo havia sido
“burocraticamente planejada” desde antes da queda do muro de Berlim:

“Em 1965, foi lançada a reforma econômica conhecida como Reforma de Kosygin
(em nome de A. Kosygin, na época primeiro ministro da URSS). Pela primeira vez,
visou-se ligeiramente modificar a própria base econômica do socialismo, introduzindo
alguns elementos de mercado através do mecanismo de khozraschet (comercialização).
A Reforma de Kosygin objetivou a certa liberalização de inter-relações econômicas e a
flexibilização do mecanismo vertical de comando e controle. Empresas, antes
consideradas como simples peças de propriedade pública, passaram a ser “quase
proprietárias” do seu capital fixo (isso nada tinha a ver com a privatização pós-soviética
nos anos 1990). Tentou-se fazer com que o indicador de lucro da empresa passasse a ser
o critério principal da sua atividade. Para isso, as transferências obrigatórias de lucros,
acima do normativo, para o Orçamento Estatal foram substituídas pelo imposto sobre o
capital fixo.”

No mesmo texto, Irina Mikhailova apresenta a seguinte tabela:

Indicadores 1951 1961 196 1971 197 19


– 1960 – 6– – 6– 81 –
1965 197 1975 198 19
0 0 85
Renda 10,2 6,5 7,8 6,3 4,2 3,5
Nacional
Investimento 10,8 5,4 7,3 6,7 3,7 3,7
total

Sobre os dados acima, comenta:

216
As produções cooperada, manufatureira, das primeira e segunda revoluções técnicas geram
necessariamente relações de valor. O controle dos preços e a substituição do dinheiro por vales (que
não circulam, logo nãos endo dinheiro, proposta de Marx ao socialismo no Livro II d’O Capital, hoje
substituíveis por cartões análogos aos de débito e crédito – e isto mostra o caráter transicional de nossa
época e não transicional das anteriores) geravam uma deformação e, ao mesmo tempo, a encobria; a
inflação dos preços permitiria melhor oberservar quais setores precisariam de mais investimentos para
aumentar a produtividade. As crises de subprodução são manifestações da ainda imaturidade nacional
para superação total do capitalismo. Em nossa época, a revolução informacional permite uma absorção
muito mais exata dos dados sobre consumo, demanda, necessidades sociais e fluxos na distribuição de
produtos. Um banco único estatal com dinheiro virtualizado, encaminhando o fim dessa forma
enquanto forma do dinheiro, permitirá isso. Os cartões já não serão suportes do meio de circulação e
endividamento (meio de pagamento). A isto, a este caráter transicional da forma do dinheiro,
chamamos, em abstração dialética, o “duplo novo”.
“O período do XII Plano Quinquenal (anos 1986-1990) foi o último período
planificado na União Soviética. Porém, as diretrizes deste plano não foram cumpridas.
Na Tabela 2, visualizam-se as taxas do crescimento dos indicadores macroeconômicos,
neste período e no ano de 1991. No final do período do último plano, em 1990, o
crescimento ficou negativo, e a verdadeira crise deu-se em 1991, quando a Renda
Nacional e o Investimento Total encolheram em aproximadamente 15%.”

Ao dizer em seu admirável artigo que “isso nada tinha a ver com a privatização
pós-soviética nos anos 1990” a autora apenas desconexa as informações que, por suas
naturezas, estão interligadas.
Duas afirmações podem ser opostas e ambas serem verdadeiras. A verdade não está no
meio mas na fusão. Visto em totalidade, percebemos que o retorno ao capitalismo fora
mais do que irresponsabilidades administrativas ou oportunismos individuais (visão
idealista, positivista e não marxista217); era um processo objetivo personificado nos
apetites da burocracia estatal, que era, por sua natureza despótica, incapaz de
implementar a III Revolução Industrial, ou seja, uma técnica compatível com a natureza
do socialismo.
Mandel percebe a tendência à restauração (por meio da burocracia):

Todas as sucessivas reformas econômicas introduzidas na URSS sob a burocracia –


desde a reintrodução nas empresas da contabilidade de custos (khozrazhot), sob Stálin,
ao sovnarkhoz [conselho de economia regional] experimental de Khrushchev, ao projeto
de uso de lucros como indicador do desempenho econômico geral, de Liberman, até a
introdução dos “indicadores mistos” para medir esse desempenho, de Kosygin – foram
projetadas para superar essa contradição, mas não obtiveram sucesso duradouro. Pode-
se facilmente explicar esse aparente paradoxo enfatizando a natureza parasitária da
burocracia, que age de forma contrária à lógica do sistema. Pode-se também acrescentar
que o planejamento social pode funcionar sem problemas somente sob a gestão de
produtores associados, interessados materialmente no “dividendo social” e não na
separação dos ganhos distintos, que colocam fábricas contra fábricas, cidade contra
cidade, ramo contra ramo e região contra região. No entanto, tudo isso implica
precisamente que a burocracia – que procura tais ganhos particulares – não é uma nova
classe dominante, gerindo um novo modo de produção capaz de autorreprodução, mas
um câncer em uma sociedade de transição entre capitalismo e socialismo. A direção
burocrática não somente é um desperdício cada vez maior, como ela também impede
que o sistema de economia planejada, com base em propriedades socializadas, funcione
efetivamente. Esse fato inegável é, por si só, incompatível com a caracterização da

217
Em alguns casos; esta metodologia torna-se vulgar e caricatural, uma variação da tendência a
transformar líderes admirados em figuras sagradas, em grandes guias infalíveis – e, por isso, criam-se
caricaturas opostas, demoníacas, dotadas de poderes não limitados e delimitados pela história. Assim,
há quem sustente a tese de que a URSS caiu por decisões pessoais e individuais, por conspiradores.
Consideremos que esta hipótese é verdadeira apenas para argumentar dentro do argumento: se
indivíduos ou fração no Estado restauraram, por sua própria vontade e cabeça (visão idealista), o
capitalismo, então um raciocínio verdadeiro deve admitir que dentro da nação soviética havia os
elementos vitais do próprio retorno ao capital, havia uma contradição desejosa de se manifestar. É a
causa da causa. Isto passa por um duro balanço: reconhecer que o estalinismo foi – como regime no
Estado – uma anomalia, a contrarrevolução com seus bonapartes termidorianos.
burocracia como uma classe dominante e da URSS como um novo “modo de produção
exploratório”, cujas “leis de movimento” nunca foram especificadas.
Em segundo lugar, estaríamos diante, também pela primeira vez na história, de uma
classe dominante sem capacidade de se perpetuar através da operação do funcionamento
do próprio sistema socioeconômico. Não há garantia para um burocrata de que ele ou
ela continuará sendo um burocrata. Nós concordamos que a mobilidade vertical na
sociedade soviética – uma das muitas válvulas de segurança social sob Stálin – diminuiu
significativamente durante as últimas décadas. A “gerontocracia” do Presidium é um
emblema do que está acontecendo em toda a sociedade soviética. A “segurança de posse
do cargo” dos burocratas aumentou, sem dúvida. Mas isso só leva a aumentar a tensão
social (por exemplo, pressão para o acesso ao ensino superior), e não a uma real solução
para o problema da inabilidade dos burocratas de garantir a permanência de sua posição
de poder e privilégio. Além disso, essas posições continuam essencialmente amarradas a
funções particulares e dependem de decisões políticas (a famosa nomenklatura, por
exemplo) e não a um papel específico no processo de produção social. Daí a pressão dos
burocratas em obter laços permanentes com fábricas específicas, empresas, trustes (ou
seja, para restaurar, no sentido econômico do termo, a propriedade privada, antes de
restaurá-la no sentido jurídico). Daí a consistente pressão das largas camadas da
burocracia para obter um posto qualitativo mais elevado de autonomia no nível da
fábrica ou da filial (ou seja, para escapar da estrutura de ferro de um plano
centralizado). Daí a tendência em direção à acumulação privada de capital através de
subornos, corrupção, operações em mercado negro e “cinza”, acúmulo de moeda
estrangeira e de ouro, etc. Daí também a tendência em direção a uma crescente
“simbiose” com seus suas contrapartes no Ocidente, incluindo o estabelecimento de
contas bancárias em bancos ocidentais (especialmente visível nas “Democracias
Populares”).
Tudo isso aponta em direção à potencial emergência de uma “nova classe dominante” –
não uma “nova”, mas a boa e velha classe capitalista, baseada na propriedade privada.
No entanto, antes que este processo possa se concretizar, dois obstáculos formidáveis
devem ser superados: a resistência da classe trabalhadora, que tenderia a perder, no
decorrer de tal restauração, aquilo que mais valoriza na atual configuração (na verdade,
provavelmente a única coisa que valoriza): a garantia de segurança no emprego. Ou
seja, o direito ao trabalho, o pleno emprego e, decorrente disso, um ritmo de trabalho
muito menos febril do que no Ocidente; e a resistência de setores-chave do aparato do
Estado (observe a maneira como Tito reprimiu os “bilionários” iugoslavos no início dos
anos setenta, quando o perigo de “restauração” se tornou real). Portanto, dizer que uma
nova classe dominante existe e governa é interpretar mal as verdadeiras lutas sociais que
ocorrem nesses países. Pensar assim é assumir como já decidida no passado uma luta
cujo resultado ainda está em aberto.218

Belíssimas análise e capacidade de previsão.


Em síntese, em essência: as forças produtivas, a partir daquele ponto, poderiam
desenvolver-se por apenas dois caminhos: socialismo e democracia socialista ou via
capital.
Tratemos disso.

218
Por Ernest Mandel, artigo originalmente publicado pela revista Monthly Review, v. 31, n. 3, jul.-ago.
de 1979, traduzido Morgana Romão. https://lavrapalavra.com/2017/10/11/por-que-a-burocracia-
sovietica-nao-e-uma-nova-classe-dominante/
Em entrevista, Guennádi Krasnikov, presidente do conselho de diretores da Mikron,
empresa russa líder na produção de semicondutores, e integrante da Academia de
Ciências da Rússia, descreve a limitação técnica da extinta URSS219:

Revista Itogi: O senhor acha que a microeletrônica soviética era mesma tão pobre e
digna de ser objeto de piadas?

Guennádi Krasnikov: Claro que não. Na União Soviética, a microeletrônica era


nosso orgulho e símbolo da nossa liderança no mundo. Naquela época, estávamos no
grupo dos três líderes mundiais em microeletrônica, que incluía os EUA e o Japão, e
mantínhamos a frente incondicional em todos os indicadores, desde volume de
produção e nível tecnológico até a política do governo para o setor.

R.I.: Os soviéticos não estavam cientes disso?

G.K: Cerca de 99% dos produtos da microeletrônica soviética eram destinados à


indústria bélica, enquanto 0,5% era voltado para a fabricação de eletrodomésticos.
Portanto, as pessoas comuns só podiam julgar o desenvolvimento da indústria eletrônica
nacional pela presença de equipamentos eletrônicos no mercado de bens de consumo.
Como essa não era uma prioridade das empresas, os eletrodomésticos de qualidade
escasseavam no mercado interno. Cada empresa de microeletrônica tinha a obrigação de
ter em sua gama de produtos um determinado percentual de artigos como relógios,
calculadoras, brinquedos etc.
Mas como os esses produtos não estavam entre as prioridades, seu desgin e
qualidade deixavam a desejar. Essa atitude dificilmente pode ser considerada correta,
mas tem uma explicação.

R.I.: Muitas empresas de microeletrônica soviéticas sobreviveram?

G.K.: De jeito nenhum! A URSS tinha uma indústria microeletrônica


desenvolvida, que empregava mais de um milhão de trabalhadores e englobava uma
infraestrutura colossal. Apenas algumas delas sobreviveram. E o processo de extinção
não terminou: muitas das sobreviventes se mantém vivas, mas não se modernizaram.
Em nossa empresa, por exemplo, a modernização começou só entre 2005 e 2006.
Conseguimos diminuir nosso atraso, criamos uma nova base científica e tecnológica e
instalamos uma linha de produção e montagem de chips. Como resultado, conseguimos
a mesma taxa de crescimento da época soviética.
As tecnologias microeletrônicas são muito complexas e caras. Por isso, na fase de
recuperação, tivemos que adquirir tecnologias de empresas líderes mundiais do setor.
Agora, estamos criando nossas próprias tecnologias, que são competitivas.

Da entrevista percebemos que a tendência ao concreto na produção e na


mercadoria, expressa no primeiro capítulo, ajudaria o socialismo contra a burocracia; e
foi objetivamente travada rumo ao capitalismo.

219

http://gazetarussa.com.br/articles/2012/11/13/russia_nao_fabricara_chips_para_celulares_num_futur
o_proximo_diz_dir_16415
Ruy Braga chega a observar220 que o aumento da produtividade fabril, para evitar
escassez e hiperinflação, teve por consequência e necessidade o sacrifício da
democracia interna nas fábricas221. Disto faz uma segunda importante observação: a
produtividade de um setor era medida pelo peso (!); assim, quanto mais pesadas as
mercadorias – ou seja, uma forma de burlar as estatísticas –, mais “correta” estava de
acordo com o projeto geral do Estado. Além da demanda de matéria-prima
desnecessária que tal procedimento acarreta, com produtos como geladeira e tratores de
pesos descomunais, desestimulava a tendência geral das mercadorias rumo a tornarem-
se apenas produtos, ou seja: a redução de tamanho, peso e a desmaterialização com
unificação de valores de uso. Vemos aí um forte exemplo de que havia uma contradição
entre base econômica e sua superestrutura, o regime político e sua dupla natureza,
exigindo que o Estado ou se tornasse socialista, com democracia operária, ou capitalista,
com a restauração.

Essa autolimitação burguesa da burocracia era uma expressão, antes de tudo,


objetiva e teve como primeira ação barrar a revolução mundial, condição sine qua non.
Do ponto de vista proletário, Lenin defendia a revolução permanente como necessidade
primeira; selecionamos cinco observações do revolucionário:

1.
Nós não vivemos apenas num país, senão num sistema de países e a existência da
república soviética lado a lado com os países imperialistas por um longo tempo é
inconcebível. No final, um ou outro deve triunfar (Lenin. Obras Completas. Vol. XVI,
p.102).
2.
O capital numa escala mundial é ainda agora – não apenas no sentido militar, mas
também econômico – mais forte que o poder soviético. Nós devemos partir dessa
consideração fundamental e nunca esquecer. (Idem. Vol. XVII, p. 102)
3.
Enfatizamos em toda uma série de escritos, em todos os nossos discursos e em toda
nossa imprensa que a situação na Rússia não é a mesma dos países capitalistas
avançados, que temos na Rússia uma minoria de trabalhadores industriais e uma grande
maioria de pequenos camponeses. A revolução social em tal país pode ser finalmente
um sucesso apenas sobre duas condições: primeiro, na condição de que receba, a tempo,
o suporte da revolução social em um ou mais países avançados... segundo, que tem que
haver um acordo entre o proletariado que estabelece a ditadura ou controla o poder de
Estado em suas mãos e a maioria da população camponesa...
Sabemos que não é um acordo com os camponeses que pode salvar a revolução na
Rússia se a revolução não acontece em outros países. (Idem, vol. XVIII, parte 1, p. 137-
138)
4222.

220
Palestra “Democracia, Trabalho e Socialismo”, disponível no youtube.
221
No período de regime de Estado pré-stalinista o aumento das jornadas de trabalho era votado,
fábrica por fábrica. Isto, por outro lado, tirou dos operários o necessário tempo livre para auto-
humanização e energia para dedicar-se à política.
222
Estas quatro citações foram usadas por Trostsky no congreço da III Internacional – documento
censurado: Stalin – O Grande Organizador de Derrotas (Editora Sundermann).
Enquanto a nossa República soviética permanecer isolada e cercada por todo mundo
capitalista, será absolutamente uma utopia ridícula e fantasiosa pensar nossa completa
independência econômica e no desaparecimento de certos perigos. (Idem, vol. XVII, p.
409)

5223.
Os grandes fundadores do socialismo, Marx e Engels, observando durante uma
série de decénios o desenvolvimento do movimento operário e o crescimento da
revolução socialista mundial, viram claramente que a passagem do capitalismo ao
socialismo exigirá longas dores de parto, um longo período de ditadura do proletariado,
a destruição de tudo o que é velho, a aniquilação implacável de todas as formas de
capitalismo, a colaboração dos operários de todos os países, que devem unir todos os
esforços para assegurar a vitória até ao fim. Eles disseram que, em finais do século XIX,
«o francês começará, o alemão concluirá» — o francês começará porque durante
decénios de revolução desenvolveu em si a iniciativa abnegada na acção revolucionária
que fez dele a vanguarda da revolução socialista.
(…)
As coisas tomaram uma forma diferente daquela que Marx e Engels esperavam,
elas deram-nos, às classes trabalhadoras e exploradas russas, o honroso papel de
vanguarda da revolução socialista internacional, e vemos agora claramente quão longe
irá o desenvolvimento da revolução; o russo começou - o alemão, o francês, o inglês
concluirão, e o socialismo vencerá.

Mas a natureza burguesa oculta da casta no aparelho de Estado toma também outras
formas. A antileninista burocracia – irmã maior das burocracias sindicais e partidárias –
deve ter sentido alguns calafrios diante da ameaça chamada… Internet. As
possibilidades de integração seriam enormes numa sociedade pós-capitalista; mas isso
tornaria o trabalho burocrático muito mais simples, o burocrata poderia ser substituído
por qualquer um (!224), numericamente os “indispensáveis” tenderiam a ser menores, as
pessoas falariam o que bem pensassem para outras tantas, etc. Quão ameaçador é uma
rede integrada – e descentralizada! Para termos conta de como o oportunista instinto da
burocracia reagiu, o artigo a seguir toma nota:

A história é relativamente desconhecida - mas foi investigada pelo historiador e


professor da Universidade de Tulsa, nos EUA, Benjamin Peters. Ele é autor do livro
“How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet” (“Como
não conectar uma nação: a complicada história da internet soviética”, em tradução
livre), ainda sem edição em português.
O Ogas foi conduzido pelo cientista soviético Viktor M. Glushkov, que era diretor do
Instituto de Cibernética de Kiev, na Ucrânia, nos anos 1950 e 1960, e era considerado
por colegas cientistas “a frente de seu tempo”.
“A proposta era construir uma rede descentralizada, hierarquizada e em tempo real de
gerenciamento de informação - algo semelhante ao que hoje chamamos de “computação
na nuvem”.”
“O objetivo era facilitar o controle do Estado soviético sobre fábricas e empresas do
regime e integrar economicamente todos os Estados da URSS.”
223
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/01/24-2.htm
224
. A gestão produtiva se tornaria, cada vez mais, de uma questão política para técnica e científica.
“Na União Soviética, uma rede centralizada de computadores significaria, portanto, um
aumento das possibilidades e do apelo do controle do Estado sobre a economia: seria
dar um largo passo à frente na demonstração de que o comunismo era um regime
superior e inclusive com viabilidade administrativa.”
“A URSS tinha, à época, além dos motivos, os conhecimentos tecnológicos necessários
e infraestrutura para fazer com que um projeto desse acontecesse. Além disso, o regime
era conhecido pelas ambições e projetos megalomaníacos na área tecnológica.”225

Mas:

“De acordo com a pesquisa de Peters, a falha do projeto aconteceu por divergências
administrativas, falta de consenso, burocracia, corrupção e falta de pragmatismo entre
os dirigentes da URSS e aqueles que conduziam o projeto.”
“Documentos importantes se perdiam, reuniões eram adiadas, manda-chuvas
discordavam constantemente sobre os detalhes da rede, seus propósitos e sobre quem e
como ela deveria, de fato, beneficiar quando fosse implantada.”
“O resultado da série de entraves que impediram o projeto Ogas de ganhar vida foi que,
nos anos 1980, ele acabou implementado com um caráter completamente diferente da
proposta em sua concepção: servidores desconectados entre si, sem interoperabilidade,
em centros locais de controle de fábricas da URSS - bem diferente da ideia da internet.”
“Apesar das discussões mais recentes sobre como a internet se dividiu em pequenas
redes constituídas de bolhas sociais e sobre o controle de órgãos governamentais e
empresas privadas sobre a informação, a internet foi concebida de forma técnica pelos
EUA como uma rede cujo conceito não concebia hierarquias entre computadores.”
“É uma rede descentralizada e que cresceu por meio de cultura colaborativa de consumo
e alimentação de informações. E esse é um conceito oposto àquele empregado
ideologicamente pelo regime soviético: censura, hierarquias de comando e uma cultura
de controle em todas as esferas.”
“Para o autor do livro, uma internet criada pela URSS teria valores muito diferentes
daqueles que a nossa internet possui - talvez sequer tivesse se transformado na internet
comercial como a conhecemos.”226

O autor do livro assim intui:

“Os valores que concebemos, introduzimos e definimos para a tecnologia - que, por
exemplo, ferramentas digitais são de certa forma democráticas porque permitem ações
participativas, representativas e deliberadas - são tão temporários quanto as sociedades
que sustentam esses valores.” Benjamin Peters Historiador e autor de “How Not to
Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet”, em entrevista ao site do
MIT.227

225
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/08/06/Por-que-a-Uni%C3%A3o-Sovi%C3%A9tica-
fracassou-na-tentativa-de-criar-a-Internet
226
Idem.
227
Idem.
A partir do Livro II d’O Capital, observamos a importância do sistema de
comunicação e transporte para organização, diminuir o tempo de rotação do capital,
diminuir desigualdades entre setores produtivos, integração internacional etc. Tratamos
disso, na forma capitalista, no capítulo 1. Ao negar, e relegar ao capitalismo, este meio
superior; a burocracia impôs sua contradição com as necessidades produtivas e
distributivas, elevando as contradições gerais, rumo a esta ou aquela solução – capital
ou democracia socialista.
A integração das coisas apenas pode realizar-se do modo pleno com e sob a
plena integração dos homens. As longas citações despertam ao menos um interesse
especial no leitor; como complemento, disponibilizamos um pequeno texto sobre a
tentativa de implementar tal projeto no Chile:

O projeto Synco ou projeto Cybersyn foi a tentativa chilena de planejamento econômico


controlado em tempo real, desenvolvido durante o Governo de Salvador Allende. Em
essência, se tratava de uma rede de máquinas de teletipo que intercomunicava às
fábricas a um centro de computação em Santiago, que controlava às máquinas
empregando os princípios da cibernética. O principal arquiteto do sistema foi o cientista
britânico Stafford Beer.
(…)
Em princípios dos anos 1970, Stafford Beer recebeu a solicitação do Governo de
Salvador Allende de estruturar este sistema. A construção levou um ano (de novembro
de 1971 a novembro de 1972), embora nunca tenha sido completada.
O sistema teve a oportunidade de demostrar sua utilidade em outubro de 1972, quando
50.000 caminhoneiros em greve bloquearam as ruas de Santiago. Utilizando as
máquinas de teletipos, o governo foi capaz de coordenar o transporte de alimentos à
cidade com os cerca de 200 caminhões leais a Allende e que não se encontravam em
greve. Comentando este feito, Beer lembrava modestamente: "Comunicação é controle".
Após o golpe militar de 11 de setembro de 1973, o centro de controle foi destruído.
(…)
Dado que existiam 500 teletipos sem uso, todos adquiridos durante o Governo de
Eduardo Frei Montalva, cada uma das máquinas foi instalada numa fábrica. No centro
de controle em Santiago, um computador processava diariamente a informação recebida
das fábricas. Ao processar esta informação, se obtinham previsões de curto prazo e
recomendações para realizar melhoras. Existiam quatro níveis de controle (companhia,
ramal, setor e total) que contavam com retroalimentação algedônica (se o nível de
controle inferior não podia solucionar um problema em um intervalo de tempo
determinado, o nível superior era notificado a respeito). Os resultados eram discutidos
na sala de operação e se elaborava um plano global.
(…)
O software do projecto Synco se chamava Cyberstride e empregava filtros bayesianos e
controle bayesiano. Foi escrito por uma equipe de programadores chilenos, em consulta
a 12 programadores britânicos.
A sala de operações (Opsroom) contava com um aspecto bastante futurista, parecia
(segundo o próprio Beer) "o cenário de um filme de ficção científica… Nela, não há
nenhum papel. A informação é mostrada em telas ao redor da sala, em modelos
electrônicos animados.". Havia um mobiliário composto por 7 cadeiras giratórias
(consideradas as melhores para a criatividade) com painéis de botões; estes botões
controlavam várias telas gigantes, em que se podia projetar a informação, e outros
painéis com informação sobre o estado de operações .
O projeto é mencionado no livro Platform for change, de Stafford Beer.228

Quais possibilidades teríamos hoje?


Por essas observações, Kurz erra na premissa ao afirmar “Nunca houve tanto fim.
Com o colapso do socialismo real, toda uma época desaparece e vira história” (O
Colapso da Modernização, p. 10). Quem primeiro localizou a questão e apontou de
modo correto o processo foi o argentino Martín Hernandez, em “O veredicto da
História”, sobre como ocorreu a restauração capitalista nos ex-Estados Operários. Aqui,
fundimos as contribuições dos dois teóricos.
URSS e China possuíam as bases mínimas do socialismo – planificação,
propriedade estatal e controle do comércio exterior –, mas operavam sob um regime
político não socialista229. Se, no entanto, o processo de restauração, ao gerar elevação
das contradições internas, encontrasse a insatisfação popular – e esta por si abria a
possibilidade de uma nova revolução – com um partido marxista, o caminho teria sido
diferente. Moreno, embora lhe tivesse sido difícil perceber a restauração como um
caminho de “reformas” (possibilitadas pelas relações alienadas; o socialismo apenas é
viável com o mecanismo de sua própria democracia, diferente, em grau e natureza, da
burguesa), conseguiu sacar a seguinte tese:

El retroceso que han originado en todos los estados obreros burocratizados la


burocracia y la aristocracia obrera para mantenerse en el poder y aumentar sus
privilegios instaurando un régimen totalitario, más la inmadurez de la dirección del
proletariado debido a este régimen totalitario, indican que la revolución política tendrá
que pasar (aparentemente) por dos etapas revolucionarias que grosso modo serán
semejantes a la revolución de febrero y a la de octubre. Es lo que hasta aquí indica la
experiencia. Si tomamos en cuenta Hungría y Checoslovaquia, vemos que la revolución
política comienza como un movimiento obrero y popular por la conquista de la
democracia en general, uniendo a todos los sectores disconformes. Va a ser un
movimiento obrero y popular por la democracia: todos unidos contra el gobierno
bonapartista y totalitario de la burocracia. Surgirán por eso corrientes pequeñoburguesas
que tendrán poca claridad sobre si corresponde o no colaborar con el imperialismo en su
afán de voltear a la burocracia totalitaria. Lo que caracterizará a esta primera revolución
de febrero antiburocrática será que a su frente no tendrá un partido trotskista, pares no
habrá tenido tiempo de madurar y de formarse.
Vemos por eso muy difícil que la revolución política se dé en una solo revolución.
Creemos que comenzará con esta primera revolución de febrero, la que dará paso a la
democracia en general; y en este proceso surgirán órganos de poder obrero,
seguramente los soviets o los comités de fábrica, y paralelamente se fortalecerá el
partido trotskista, el único que puede llevar a cabo la verdadera revolución política, la
de octubre, que imponga una dictadura revolucionaria del proletariado. Este partido
trotskista luchará contra todas las corrientes pequeñoburguesas restauracionistas que se
habrán unido —seguramente— a sectores mayoritarios de la burocracia en crisis y al

228
SYNCO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Synco&oldid=39927156>. Acesso em: 28 ago. 2014.
229
É preciso fazer uma diferenciação: o caráter de Estado se define pela base econômica que o sustenta
e sustenta; o regime de Estado é definido pela instituição central a operar o poder e o modo dessa
operação; o governo – de um regime num determinado Estado – são os indivíduos particulares e seus
perfis sociais.
imperialismo, para establecer vínculos económicos estrechos con el imperialismo con el
argumento del librecambio y otras series de consignas al servicio de la burguesía,
tratando de hacernos retroceder al capitalismo. Estas corrientes pequeñoburguesas se
opondrán ferozmente a que se imponga la dictadura revolucionaria del proletariado en
este interregno entre febrero y octubre de la revolución política, con argumentos
democratistas —como que cada empresa sea controlada por los trabajadores y se
transformen en cooperativas o alguna variante por el estilo— que les permitan
demagógicamente volver a las leyes del mercado tanto interno como externo,
combinados con el planteo de democracia burguesa. Tras este planteo democratista
absoluto se esconderá la mano de la restauración capitalista, aunque con demagogia
obrerista. La revolución de octubre del trotskismo se hará muy posiblemente contra ese
frente restauracionista.
Teóricamente, no están descartadas a más largo plazo otras variantes de revolución
política. Hay una cierta posibilidad de que, a medida que el trotskismo se fortalezca
tanto en los estados obreros burocratizados como en los países capitalistas, el
proletariado pueda hacer una única revolución, la de octubre, dirigida por el partido
trotskista de masas y ahorrarse la de febrero. Seguiría siendo, eso sí, una revolución
violenta. (Atualização do Programa de Transição 1980, TESIS XXIII –La revolución
política.)

Nesta admirável dissertação, esqueceu-se apenas de reforçar: um partido


revolucionário é um vírus contra o corpo do capital; exige ciência mais experiência
prática e também mais da subjetividade ativa, ou seja, não surge por si mesmo
“naturalmente” como os demais partidos de esquerda. Quando afirma que
“paralelamente se fortalecerá el partido trotskista, el único que puede llevar a cabo la
verdadera revolución política”, apenas levanta uma das possibilidades concretas.
Em sistemas complexos, que exigem pensamento dialético, uma ação nem sempre
gera uma reação na mesma proporção, na mesma direção e em sentido oposto. O
processo de restauração do capitalismo, precarizando a vida dos trabalhadores,
encontrou uma classe confusa e desorganizada.
Fica destacado este elemento: embora incapaz de determinar sozinho a realidade, o
peso próprio da urbanização na URSS colocava latente, em potencial, a questão do
regime estalinista sobre o Estado. Somavam-se a necessidade e possibilidade maior de
implementar uma fórmula de poder não burocrático, com democracia operária. Por isso
democracia burguesa temporária foi forma tática de a Rússia evitar explosão social
urbanitária; já a China manteve o regime semifascista, com o massacre na Praça da Paz
Celestial, protesto contra a restauração230, pois a ruralidade ainda era determinante no
perfil nacional quando do retorno ao capitalismo.
Retomemos os ciclos de era e a curva de desenvolvimento. Sem que soubesse,
Trotsky antecipou o futuro, em aspectos gerais:

Ahora es necesario dedicar algunas palabras para evaluar la situación económica de


la URSS. Por cierto, nosotros tenemos una influencia mínima en el mercado mundial, y
estamos todavía activos en él sólo em una medida muy modesta. Sin embargo, seremos
de decisiva importância para una Europa socialista. Una Europa socialista unida a

230
Moreno mais uma vez parece acertar: os poucos registros deste movimento, mostram jovens
cantando A Internacional ao mesmo tempo onde havia exigências por liberdades democráticas (ao
modo da democracia burguesa) em parte dos protestantes.
nosotros sería invencible frente a EEUU. Si fuéramos el enemigo en la retaguardia, el
proletariado europeo no tendría ninguna chance contra los EEUU capitalistas.
Pero con una retaguardia tan poderosa como nuestro país, de su lado, el
proletariado europeo que formará una Federación Socialista o EEUU Socialistas, junto
con nosotros constituiría una gran fuerza magnética para el Asia. Si hoy en día hubiera
un bloque compuesto por nosotros y los EEUU de Europa, y vendiéramos mercancías al
Asia a um precio justo, Asia se alinearía detrás nuestro, y el camino de una Europa
Socialista hacia el Asia pasaría por la URSS. Entonces EEUU no podría hacer a un lado
a Europa. Los EEUU de Europa contra Norteamérica – esta perspectiva es
completamente realista, y se pueden hacer prognósticos en este sentido.
Si el mundo capitalista pudiera ahora generar un nuevo ascenso orgánico, y si
encontrara un nuevo equilibrio como base para un desarrollo ulterior de las
fuerzas económicas, nosotros, como Estado socialista, colapsaríamos. Se puede
ilustrar esto en forma teórica y práctica em dos palabras. Teóricamente, porque un
ascenso del capitalismo en Europa crearía una tecnología colosal para la burguesía, y
cambiaría la psicologia del proletariado. Si el proletariado ve que el capitalismo puede
levantar la economía nacional, esto se reflejará inevitablemente sobre la clase obrera
que trató de hacer una revolución, fue aplastada, y experimento un desengaño. Si el
capitalismo lleva la economía hacia arriba, habrá conquistado al proletariado por
segunda vez, arrastrando a las masas tras él. Desde el punto de vista teórico, vemos
que el socialismo tiene derecho a existir precisamente porque el capitalismo no es
capaz de desarrollar las fuerzas productivas. Nuestra revolución creció sobre bases
económicas, y antes de la revolución éramos parte integrante de la economía
mundial. Si el capitalismo es capaz de desarrollar las fuerzas productivas,
tendríamos que llegar a la conclusión de que nos equivocamos de raíz en nuestro
pronóstico –el capitalismo es una fuerza progresiva, desarrolla sus fuerzas más
rápido que nosotros; el bolchevismo llegó al poder demasiado pronto, y la historia
castiga muy rudamente a los nacimientos prematuros. Esto sería así si el
pronóstico optimista para el capitalismo tuviera alguna base. ¿Pero tiene alguna
base? Es difícil de demostrar. Pero por el momento la burguesía no ha podido
probarlo, y no puede hacerlo. En Europa no hay ningún desarrollo de las fuerzas
productivas. Lo que están sucediendo son crisis y una fractura de las fuerzas productivas
disponibles –este es el hecho básico. Por lo tanto debemos decir que el socialismo tiene
derecho a existir, a desarrollarse y a todas las esperanzas de victoria. (203, 204)

Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de
mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en
condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la
humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el
proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y,
sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el
capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a
los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros,
Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis;
en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar
realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social
desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva
situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la
humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas,
debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede
esperar aún hacer uma obra de progreso? (234)

As coisas não ocorreram tal como a hipótese declarada improvável pelo


bolchevique. Primeiro porque a vitória da URSS na II Guerra lha deu fôlego e novos
postos avançados, como na Alemanha Oriental; segundo porque ocorreram revoluções
em outros países, como a China. Parcialmente, a revolução permanente se impôs. Mas
há aproximações. A revolução técnica da década de 1970, III Revolução Industrial, era
impraticável a um Estado com dupla natureza, aliás, altamente contraditória.

***
Este capítulo demonstra a contradição entre o desenvolvimento das forças de
produção e as relações de produção – havendo o nó burocrático – nas sociedades de
transição ao socialismo. Assim, penso encontrar o núcleo central de todos os problemas
já postos pelos balanços teóricos na esquerda.
Porém, há quem veja na circulação, não na produção, o centro do problema. E
coloque a questão técnica como exagero. Vejamos Marx:

“Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A
ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por
mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência
teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia uma alegria
totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha
revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia,
assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e,
por último, ainda as de Mere Daprez.” (Engels, Discurso Diante do Túmulo de
Marx.)231

Os marxismos sociológico e ricardiano precisam ser superados. Sobre, Mészàros


oferece resposta intuitiva: Marx é contra o determinismo econômico na análise, e ocorre
que o capital impera de forma determinística e total sobre os seres humanos – problema
a ser resolvido pela revolução mundial.

REVOLUÇÕES DEMOCRÁTICO-BURGUESAS E SOCIALISMO


Leon Trotsky provou que, na atual época, as revoluções burguesas só podem ter
seus objetivos alcançados por meio da revolução socialista. Uma revolução em
permanência. Os Estados Operários fizeram este trabalho, mas em parte e de forma
diferente da esperada pelo teórico. Permitiram, como esperado, um salto econômico-
social para o retorno ao capitalismo. Como exemplo, Cuba fora, inicialmente, uma
revolução democrática com enormes dificuldades: teve de adotar, a contragosto de seus
próprios dirigentes, uma economia planificada.

231
Revisitemos esta citação: “A força produtiva do trabalho é determinada por meio de circunstâncias
diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da
ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a
eficácia dos meios de produção e as condições naturais.” (O Capital – Crítica da Economia Política, karl
Marx. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996. Pág. 169.) A inaplicabilidade tecnológica do
desenvolvimento científico, e técnico, mostra-se não acidental.
Cabe-nos, então, uma pergunta inevitável: precisaria ser assim? A restauração do
capitalismo era o caminho natural? Não, segundo a Teoria da Revolução Permanente.
Entramos na dialética entre necessidade e possibilidades. Se a revolução socialista fosse
vitoriosa na Alemanha em 1918, se a II Guerra Mundial tornasse a Europa ocidental um
grande continente vermelho, se revoluções políticas impusessem a democracia operária
naqueles países sob o stalinismo… Poderia existir, de fato, outro caminho, mas,
ao "destruir o capitalismo, mas não o capital" (Mészaros) internacional232, ocorreu uma
negação da negação.
Segundo Trotsky:

Os diferentes países chegarão ao socialismo com ritmos diferentes. Em


determinadas circunstâncias, certos países atrasados podem chegar à ditadura do
proletariado antes dos países avançados, mas só depois destes chegarão ao
socialismo.233

Pois:

A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das
principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas
por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. (…) A
revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional
e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em
revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o
triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta.234

Segundo a dialética, negação da negação é um retorno ao negado, mas em um


estado superior. Exemplo: do comunismo primitivo a humanidade avançou para
sociedades de classes – escravismo, feudalismo, capitalismo – e tende a negar a própria
negação: retornar a um comunismo diferente, o da abundância. Pois bem; a
mesma lógica deu-se nos países focados: do atraso capitalista para a planificação e,
desta, para o capitalismo mais amadurecido.
O rio da história poderia desaguar em duas diferentes águas: ou uma revolução
socialista por meio de uma revolução democrático-burguesa ou uma revolução-
democrático-burguesa por meio de uma revolução socialista. Estes são os casos, em
principal, de Rússia e China, por suas proporções, colocando outros países – 1/3 da

232
Sendo um grande entre os nossos, Mészaros obteve respostas inconclusas ao lhe faltar, neste tema, a
devida atenção à Revolução Mundial. Afirmamos no início do texto; contrangido e limitado, o capital
apenas pôde se desenvolver nestes países de modo latente, por meio de seu contrário. A ele, como a
Lucaks, bastavam outras medidas de Estado, internas, à revelia da revolução internacional, para haver
outro rumo. Sobre a avaliação da obra “Para Além do Capital”, recomendo o ótimo artigo “István
Mészáros e a teoria do socialismo em um só país”, de Gustavo Machado, site Teoria e Revolução,
10/10/2017. Link: https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/istvan-meszaros-e-o-socialismo-em-um-so-pais/
233
A revolução Permanente/ Leon Trotsky; tradução [de] Hemínio Sacchetta – 1.ed. – São Paulo:
Expressão Popular, 2007. Pág. 209.
234
Idem. Pág. 208.
humanidade – em suas órbitas, como se efeitos colaterais. A fórmula de Lênin acabou
por ser invertida: dois passos à frente para, em seguida, um passo para trás235.
Em sua crítica-atualização da teoria da revolução permanente, Moreno usa a própria
lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar que revolução socialista
pode ser = base camponesa, não Operária (A=não-A); tal como Trótski havia usado a
descoberta para dizer revolução democrático-burguesa = protagonismo Operário, não
burguês. Assim, o argentino atualizou a teoria.
Podemos dar novo passo.
As Revoluções em países atrasados tiveram duplo caráter: democrático-burguesas e
socialistas. Usando a mesma lei vemos que o caráter dessas revoluções abriam a
possibilidade de liderança sob base camponesa por outra razão além da percebida por
Nahuel: o campesinato é a base social histórica das revoluções burguesas. Em certa
medida, A=A. Foi possível porque a imaturidade desses países na época da revolução
socialista os fez necessitarem de uma revolução onde o proletariado ainda era pouco
capaz de um papel ativo – exemplo: a função de tais revolucionamentos era
industrializar o país, ou seja, gerar um proletariado ativo e importante.
Tendo essas revoluções duplo caráter, socialista e democrático-burguesa, abriam a
possibilidade de substituir o sujeito revolucionário, do operariado por camponeses, pois
estes últimos são a base social das revoluções burguesas do período anterior. Assim
ocorreu no pós-II Guerra. A lei do desenvolvimento desigual e combinado já aponta a
substituição do sujeito social, de uma classe cumprir as tarefas de outra; essa lei prova

235
A NEP, abertura controlada ao capital, como tática para aquecer a economia, também demonstra o
duplo caráter; e mais, ajudou a fermentar a burocracia estatal. Uma outra questão singular: após a
morte de Lênin, processo de degeneração do regime de Estado avançando, a Oposição de Esquerda no
partido Bolchevique propôs a elaboração de democráticos “Planos Quinquenais” para industrializar a
nação; a direção stalinista chamou a proposta utópica, exagerada, impressionista etc. e, no sentido
oposto, implementou o “Camponeses, enriquecei-vos!” (sic.). A fração de Trotsky alertou que isso
geraria luta de classes e ameaças, que se deveria estimular as cooperativas, os financiamentos coletivos,
a educação para a produção em conjunto etc. como forma de tornar socialista a produção do solo e
aumentar a escala de produtividade. Por fim: houve, de fato, princípio de contrarrevolução dos
camponeses mais enriquecidos e, nervosa, a burocracia adotou os Planos Quinquenais de modo
burocrático e “socializou” a terra com métodos de guerra. Uma das consequências da implementação
na forma burocrática da planificação, com os planos de cinco anos, além das altíssimas taxas de
crescimento, foi a postura do regime de investir em peso no setor I, produção de meios de produção
(matérias primas, máquinas, minérios etc.), em alta diferença e desigualdade relativo ao setor II,
produção de bens de consumo, gerando hiperinflação, baixa produção de mercadorias de primeira
necessidade (problema este gerido do pior modo, impressão de dinheiro); também ocorre desvio alto
de recursos para ao setor III, indústria bélica, dados os seguintes fatores: isolamento da URSS, sob
ameaça militar latente; baixo desenvolvimento tecnológico das forças armadas, forçando, para
compensar, seu crecimento extensivo; necessidade da brurocracia estatal de tornar a força militar, e as
armas, um corpo fixo separado da sociedade – os três elementos apontam necessidade e falta da
revolução permanente. Complementemos com exemplo de Lenin: ainda vivo mas debilitado, o fundador
do partido bolchevique teve de erguer uma luta contra a proposta, aprovada às pressas, do comitê
central do partido pelo fim do controle do comércio exterior. Esta discussão estava vetada de ser
informada a este sob justificativa de sua saúde, porém descobriu. Tal elaboração foi defendida por
Stalin, Zinoviev, Kamenev (trio formador de uma fração secreta) e Bhukarin. O dirigente da revolução
orgumentou que o preço dos produtos camponeses estavam muito valorizados no comércio exterior e,
portanto, o controle do Estado deste comércio impedia o desenvolvimento de uma burguesia desde o
campo e dava recursos financeiros importantes ao próprio Estado – então, o fim do controle do
comércio exterior deste tipo de mercadoria geraria o retono ao capitalismo dada a consequência do
processo de enriquecimento e elevação dos desejos por lucro. Apenas após o estardalhaço e ameaça de
luta fracional geral, os defensores de tal proposta recuaram sob declaração de que ainda apoiavam tal
medida.
toda sua validade em um nível mais intenso. A burocracia estatal, membro da pequena
burguesia, apoiou-se na pequena burguesia rural precária, falida e sem terra (aspira a
uma pequena propriedade privada) usando as bases do Estado operário mais, em
contradição, regime de estado bonapartista. Foi preciso saltar etapas históricas: antes de
forças produtivas maduras, a base socialista para amadurecer as forças de produção.
Quando Lenin afirmou “o socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação do
país”, disse, em outras palavras: o primeiro Estado Operário, sob isolamento, está
obrigado a cumprir tarefas burguesas, sustentar um desenvolvimento ainda burguês das
forças produtivas236.
Sendo sociedades de transição, cabia à revolução mundial a última palavra sobre o
destino desses países.
Vejamos a particularidade russa, a mais proletária das revoluções socialistas do
século XX. Os problemas econômicos da I Guerra, a guerra civil revolucionária contra
24 exércitos e as dificuldade advindas junto ao isolamento econômico, tiveram como
efeito imediato: 1) desarticulação da indústria interna; 2) morte de boa parte dos
operários mais avançados; 3) esvaziamento das duas grandes cidades, com
deslocamento humano para o campo para evitar a fome e dispor da reforma agrária
então implementada. Esses três esvaziamentos foram base do regime Bonapartista
inaugurado por Stálin, e fortalecimento do polo burguês do Estado.
Digamos ao modo concreto: as tarefas burguesas – revolução e reforma agrária,
união nacional, independência nacional, industrialização (industrialização!),
urbanização, educação universal etc. – bases maduras sobre as quais um Estado
Operário deve se erguer, foram erguidas pelo Estado Operário!237
Pela mesma razão, o duplo caráter dessas revoluções, tornou-se menor a
necessidade de um partido revolucionário nestes processos, pois 1) as contradições eram
elevadíssimas; 2) as tarefas poderiam ser geridas por organizações pequeno-burguesas;
3) estes países tinha formações sociais que dificultavam a construção de verdadeiros
partidos comunistas. Por isso, Moreno percebe que todas as revoluções vitoriosas, após
a II Guerra Mundial, foram de base camponesa e não operária, em países atrasados e
dirigidos por partidos burocráticos com liderança pequeno-burguesa. Passaram por fora
das formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Observado desde a macro-história,
estes saltos revolucionários expressavam em seus duplos caracteres o tempo da
revolução burguesa encerrando e o tempo da revolução socialista ainda nascente.

236
“A maioria dos norte-americanos está confusa pelo fato de que na União Soviética tivemos que
construir indústrias básicas inteiras partindo do nada. Uma coisa assim não poderia suceder nos EUA,
onde já estão obrigados a reduzir as zonas cultivadas e a produção industrial. De fato, vosso tremendo
aparato tecnológico está paralisado pelas crises e exige ser posto novamente em uso. Os contínuos
êxitos que tivemos na União Soviética na construção da infraestrutura de uma economia planejada
foram adquiridos à custa do consumo cotidiano das massas. Vosso problema, pelo contrário, é planificar
o ressurgimento de uma economia que já existe, e este deve tomar como ponto de partida o rápido
aumento do consumo da população. Estais mais preparados que nenhum outro país para consegui-lo.
Em nenhum outro lado o estudo do mercado interno chegou a ser tão intenso como nos EUA. Ele foi
realizado por vossos bancos, trusts, homens de negócios, comerciantes, viajantes de comércio e
granjeiros. Vosso governo soviético simplesmente aboliria o segredo comercial, e combinaria e
generalizaria os métodos de cálculo capitalistas e os transformaria em métodos de contabilidade e
planificação econômica.” Trotsky, Se EUA se tornar comunista; tradução livre.
237
A revolução social ocorre também para preservar tais desenvolvimentos, sob risco e degeneração na
fase de decadência, quando o capitalismo deixa de ser uma força civilizacional. A revolução permanente
demonstra: a falta desses avanços burgueses nos países atrasados, durante o imperialismo, obriga saltos
históricos.
As respostas dadas neste capítulo são das questões que os importantes aportes de
Moreno não avançaram, pois, como trotskystas e não trotskystas, consideravam a
revolução democrático-burguesa apenas na medida em que ela era superada pela
revolução socialista, sem supor que esta primeira estava viva ao seu modo no seio do
inimigo. A razão disso era a quase certeza de que o capitalismo estava com os dias
contados, dada a enorme quantidade de países não-capitalistas e as revoluções vitoriosas
ou ocorrentes. Após o impacto da restauração no leste europeu; Kurz e Mèszàros
penderam para a ponta oposta, erro inverso: o caráter burguês da revolução. De modo
geral, todos os pensadores marxistas críticos à casta burocrática aproximaram-se das
conclusões aqui expostas, quase as alcançando.
Fica resolvida, assim, a questão teórica.

CONCLUSÃO
Por suas consequências, por suas deformadas formas internas, os ex-Estados
Operários foram, na prática, um dos caminhos necessários – Sui Generis – para o
desenvolvimento do capital. Essa anomalia deve-se à luta de classes (Desenvolvimento
Desigual e Combinado). A transição para uma nova localização na fase imperialista
ocorreu-se por meio de sua negação, das bases mínimas da economia socialista, com as
vantagens da planificação. O que Brasil, México, China, Rússia e, de sua forma, Cuba
são atualmente deve-se aos processos de transição. Foram três caminhos:

1 – Bonapartismo, via prussiana ou revolução passiva238;


2 – Revoluções nacionais;
3 – Estados Operários Burocráticos.

A luta de classes, em todos os casos, determinou a forma do conteúdo. As


peculiaridades internas e típicas das nações citadas (recursos naturais, mão de obra
abundante, amplo território, capacidade de desenvolver o mercado interno, história,
localização, etc.) permitiram o processo, destacando-os em relação aos demais países
atrasados. Países atrasados mais capazes tentaram a modernização na fase imperialista,
então necessitaram ultilizar o Estado como motor e acelerador.
É a História usando o martelo. Intenções revolucionárias ou o que foram estes
países em si e para si possuem limitada explicação. Portanto, temos outra interpretação
ao nos afastarmos do pequeno tempo da política e ao nos aproximarmos da Longa
Duração das Épocas Históricas. Em síntese, os Estados Operários Deformados foram o
meio de lançar sociedades atrasadíssimas para frente: evitaram colapso por prolongada
tensão social, evitaram o atraso absoluto e alcançaram algum desenvolvimento. Avançar
para o socialismo era, portanto, uma possibilidade, um dos caminhos239.
Nestes países, o capital não poderia acumular-se naturalmente por razão de crise,
luta de classes e guerra – estava travado, sob um teto. Por isso, a própria burocracia
restaurou o capitalismo não diante de um atraso imenso mas, na verdade, após
certo desenvolvimento socioeconômico. Estes países, em seus auges, não avançaram
para o socialismo ou comunismo, ao contrário, adquiriram um capitalismo interno mais
maduro. De outro modo: quando as condições nacionais e mundiais passaram a estar

238
"Façamos serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela violência", disse Antônio Carlos,
presidente de Minas Gerais.
239
A restauração do capitalismo é um avanço ou recuo? Humanamente, um recuo; objetiva e
dialeticamente, um recuo preserva parte e parte do avanço de onde veio. É uma forma mais dinâmica
do que vê um racraciocínio linear (na psicologia, o trato Henri Walon na cognição demonstra isso).
maduras para o socialismo, a restauração foi o único caminho viável e natural à
burocracia.
A transição destas sociedades foi feita por meio de sua negação. Diferente do
México e do Brasil, esta nações de transição tiveram um caminho próprio para preparar
a entrada do capital internacional, para entrar em uma nova época, para assentar as
bases necessárias da dominação alienante. Partimos, portanto, do resultado prático ou
causa/consequência240. Porém, acabamos encontrando a resposta no ponto de partida: o
duplo caráter, burguês e proletário, destas revoluções. Por seus resultados, a sociedade
de transição ao socialismo foi, no sentido oposto, uma sociedade de transição, de
alguns países não-imperialistas, para uma nova época capitalista. Pois, ao final das
contas, em todos esses países intermediários, a tarefa burguesa e histórica de
industrialização da nação foi também substituída: das mãos da burguesia nacional para
as da burguesia imperialista241 – China é, visivelmente, o maior bastião deste processo.
Por fim, as nações sobre as quais focamos possuem, hoje, capacidade muito
superior de implementação do socialismo. Brasil, China, Rússia, etc. estão
determinantemente diferentes do que foram há um século – estão mais maduros,
segundo as leis históricas. Do ponto de vista capitalista, alguns são semicolônias muito
privilegiadas e outros, Imperialismo Sui Generis; chineses e russos correm em
protagonismo porque fizeram uma tortuosa e imperfeita revolução burguesa por meio de
uma socialista. Isto ocorre, como aprofundamos em outro capítulo, porque, diante de
sua crise, o capital necessita instalar-se nestes países para manter a autovalorização do
valor.
Uma pena, porém, que, com a queda do muro de Berlim, a maioria da esquerda
degenerou-se ao pensar “se o socialismo está morto e não existe, então tudo está
permitido!”; e a burguesia alegre pensou o mesmo. Esqueceram-se, no entanto: os
grandes fatos positivos da História costumam acontecer primeiro como grandes ensaios
gerais, fato em si; depois, como imposição das leis históricas, fato para si – logo
enxergarão, desesperados, o século XX como nosso grande ensaio geral. As condições
históricas objetivas evoluem desigualmente enquanto se abre todo um período
transitório entre o velho e o novo, incapaz de nascer de todo. Assim como a revolução
de 1905 em relação à de 1917 na Rússia, as primeiras revoluções burguesas foram a
madrugada anunciadora do nascer do Sol, foram as derrotas que anunciavam as
possiblidades em gestação.
O início do século XX estava maduro para o socialismo: era possível em plenitude
e em si, mas não necessário do ponto de vista histórico (diferente do ponto de vista dos
desejos e necessidades humanas). A década de 1970, a partir dela, torna cada vez mais
necessário e imediato o socialismo alimentando a cada vez maior possiblidade, o
possível; em certa medida, por causa dos riscos civilizacionais, degenerando este
último. Aqui, a relação dialética necessidade-possibilidade tem um nexo próprio,
estando agora confluídas as duas condições. Enfim, chegamos ao ponto de degeneração
240
Em dialética – ou seja, em sistemas complexos –, uma causa pode gerar uma ou outras
consequências, no leque de possibilidades abertas, e uma mesma consequência pode ter uma ou outra
causa. Causa e consequência são multiplicidade de fatores em interação contraditória, não elemenos
simples e singulares. Demais, uma causa pode ser tornar consequência; e, ao contrário, uma
consequência pode transformar-se causa; inversão de papéis. A natureza de um objeto define-se pela
sua localização, sua relação com outros objetos, com outras partes interconectadas no todo. Sua função
necessária, demosntrado sua natureza qualitativa, supera a causalidade. A relação simples e direta de
causa e efeito mostra-se falha quando agregamos o “leque de possibilidades”, a probabilidade. (De fato,
cabe-nos comentário, a física quântica tem muito a aprender com a dialética materialista; e, em seguida,
a própria ciência citada pode atualizar a lógica.)
241
Aplica-se, também aqui, a lei do desenvolvimento desigual e combinado.
geral, onde reformas estáveis e duradouras só podem ser implementadas e garantidas
pela via revolucionária.
Consideremos estas teses levantadas: amadurecimento e integração global do e por
meio do capital como base do socialismo, implementação de Estados Operários isolados
e desprovidos de base material, restauração como caminho natural do desenvolvimento
das forças produtivas, retorno ao capitalismo por meio de (contrar)reformas e a falta de
um partido revolucionário que regenerasse a transição ao socialismo quando no
momento de retorno ao mundo burguês. Acontece que estas teses não são novas, de
modo algum – pertencem ao século XIX. Em A Ideologia Alemã, Engels e Marx
previram a natureza de um processo semelhante num trecho que merece toda nossa
atenção. Eis:

(…) Por outro lado, este desenvolvimento das forças produtivas (que implica já que
a existência empírica atual dos homens decorra no âmbito da história mundial e não no
da vida local) é uma condição prática prévia absolutamente indispensável, pois, sem ele,
apenas se generalizará a penúria e, com a pobreza, recomeçará paralelamente a luta pelo
indispensável e cair-se-á fatalmente na imundície anterior. Ele constitui igualmente uma
condição prática sine qua non, pois é unicamente através desse desenvolvimento
universal das forças produtivas que é possível estabelecer um intercâmbio universal
entre os homens e porque, deste modo, o fenômeno da massa «privada de propriedade»
pode existir simultaneamente em todos os países (concorrência universal), tornando
cada um deles dependente das perturbações dos restantes e fazendo com que finalmente
os homens empiricamente universais vivam de fato a história mundial em vez de serem
indivíduos vivendo numa esfera exclusivamente local. Sem isto: 1.) o comunismo só
poderia existir como fenômeno local; 2.) as forças das relações humanas não poderiam
desenvolver-se como forças universais e, portanto, insuportáveis continuando a ser
simples «circunstâncias» motivadas por superstições locais; 3º) qualquer ampliação
das trocas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível
como ação «rápida» e simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o
desenvolvimento universal da força produtiva e as trocas mundiais que lhe estejam
estreitamente ligadas. (p. 80, 81. Grifo nosso.)

É preciso ouvir a realidade – o sino da revolução mundial voltou a bater.

UM ELEMENTO DA CRISE SISTÊMICA: A SUPERURBANIDADE

O Homem é a principal força produtiva. Quando Trotsky afirma, no Programa de


Transição, que “as forças produtivas pararam de crescer”242, percebemos sintomas do
prognóstico nas guerras, no aumento da miséria relativa e absoluta, no desemprego
estrutural, na depressão como epidemia global, na solidão coletiva, no empobrecimento
da arte, na degeneração moral, na onda de estupros na Índia e – é este nosso foco – nas
242
Em síntese: 1) as forças produtivas cresceram ate o início do século XX; 2) estagnaram, pararam de
crescer, no começo deste século até o fim da II Guerra Mundial; 3) em seguida, desenvolveram-se como
forças destrutivas – desde então e, em especial, a partir de 1970.
crises populacionais, número e urbanização. Mesmo autoevidente, reforçamos a ideia de
outro modo:

E (p. 295):
No peso da moradia na Alemanha (p.177)

Compare-se o peso do capital moradia com relação às terras agrícolas.


Desde já, percebemos que a superurbanização é uma necessidade do capital
expressa como lei da tendência geral à urbanização. Foi esse fenômeno, com deu saltos
globais a partir de 1970, que permitiu aumento do consumo e, principalmente,
alargamento do capital financeiro/especulativo manifestado na crise das hipotecas,
2008, dos EUA alastrado pela Europa. A concentração descentralizada dos homens se
dá, aqui, como pessoas-mercadorias, pessoas-objetos, por meio dos objetos e sob a
integração destes (alienação). É um aspecto do concreto em latência, da possível – mas
não inevitável – integração plena dos homens.
Recordemos a tendência à forma-capital ficar desprovida de conteúdo, do valor,
necessitando de novo conteúdo social, deixando, assim, de ser capital – sendo superado
pela nova sociedade. Isto tem exemplo particular na terra e habitação. Primeiro, a terra
tem preço, mas não tem valor, pois nele não há trabalho humano abstrato; seu preço é,
assim, dado pela relação de oferta e procura. Quanto mais perto de um centro urbano e
quanto maior este centro, mais caro o metro quadrado; e abre-se espaço para todo tipo
de especulação com terra, além de aumento dos preços de aluguéis de terreno, seja para
fins de moradia ou para fins de produção, comércio etc. São formas diferentes de extrair
parte do mais-valor total da sociedade, fontes específicas de lucro. Segundo, quando
uma empresa desenvolve casas ou apartamentos para moradia – que por si só gera
pagamento por meio do crédito de médio e longo prazos, financeirização –, ou quando
casas são dispostas em aluguéis, o que há em verdade é valor de uso moradia
retransformada em mercadoria – por aluguel ou revenda. Uma relação de aluguel de
moradia ou instalação, uma vez paga a sua produção ou ao lado desta, toma forma de
uma relação de preço desprovido de valor; não há aí trabalho sendo pago e não pago,
apenas extração de mais-valor para setor não produtor. Ao lado disso, é interessante aos
capitalistas a concentração urbana por aumentar a quantidade de consumidores, a
facilidade de alcançá-los e concentra mão-de-obra concorrendo, umas contra as outras –
muito embora isto acarrete problemas estruturais.
Pelos dados percebemos ser um fenômeno pós-Marx-Engels. Em citação:

“Impertinente e absurdo é incluir aí o aluguel (empréstimo) de casa etc. para


consumo individual. É claro que esta é uma das formas de fraudar a classe trabalhadora
e de maneira revoltante; mas o mesmo se pode dizer dos retalhistas que lhe fornecem os
meios de subsistência. Há aí uma exploração secundária que corre paralela com a
original, efetivada diretamente no próprio processo de produção. A diferença aí entre
vender e alugar (emprestar) em absoluto não importa e é formal, e só o completo
desconhecimento do verdadeiro contexto lhe dá conforme já vimos, o aspecto de
original.” (O Capital III, Civ. Bras.; p. 806.)

Em matéria do jornal Nexo:

Em 2013, o britânico David Harvey, referência em geografia urbana, escreveu que


“desde a metade do Século 19, se não antes, o desenvolvimento urbano foi sempre
especulativo, mas a escala especulativa do desenvolvimento chinês parece ser de uma
ordem completamente diferente de tudo o que veio anteriormente na história humana”.
A frase é do livro “Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana”.243

Daí, por consequência, a verticalização das cidades e moradias e a redução do


tamanho dos espaços dispostos para aluguéis; duas tendências interligadas. Um
empresário com prédio de cinco andares e cinquenta apartamentos, kitnets
pequeníssimas, pode reduzir o preço de cada aluguel relativo a um com vinte na mesma
região – influencia. A demanda e o preço do terreno, caso não o pertença, ou do prédio,
caso não o pertença, também exercem influência sobre o preço final. E é do seu
interesse garantir o preenchimento de todos os pontos disponíveis, tentando encontrar
média entre nível de ocupação e preço realizável.

243
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/05/20/Por-que-a-China-constr%C3%B3i-cidades-
fantasma
“Em Hong Kong, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, 49% da
população vive de moradia social. E, de acordo com o Sociedade para Organização
Comunitária, um grupo chinês de direitos humanos, mais de 100 mil trabalhadores
vivem em imóveis de 3,72 metros quadrados, como mostra o site Architizer. Em apenas
um cômodo funcionam cozinha, sala e quarto e, muitas vezes, mora mais de uma
pessoa. O espaço é tão minúsculo que só mesmo fotografando do alto para conseguir ter
um ângulo.”244

Subordinado ao valor – aqui, de troca, extração do valor –, observa-se a tendência à


redução, relativa, do tamanho absoluto, do valor de uso habitação.
Por evidente, este aumento do preço do aluguel, renda da terra, tende a empurrar o
setor produtivo para cidades menores e o campo. É um dentre os fatores. Enquanto os
capitais comercial, bancário e os serviços precisam – pelo menos relativamente e em
maior parte – estar próximos fisicamente de seus consumidores, o capital produtivo tem
mobilidade potencial maior que estes e menor que a do capital-dinheiro per se.
Para maior reforço, vejamos algumas cidades centrais do capitalismo245:

E246:

244
http://infograficos.oglobo.globo.com/imoveis/os-apartamentos-claustrofobicos-em-hong-kong.html
245
Fonte: Capitalismo e urbanização, Editora Contexto. Maria Encarnação Beltrão Sposito.
246
Extraído de: A urbanização Mundial. Regina Celly Nogeira da Silva e Celênia de Souto Macêdo. Aula
4; Programa universidade à Distância.
Embora – e em razão disso – globalmente a taxa de crescimento absoluto da
população tenda a cair pós-1970, mais gente e menos prole (debateremos as possíveis
consequências disso em outro capítulo)247:

A tendência à urbanização surge, de modo embrionário, desde a fixação do homem


ao solo, cultivo e criação. Nas sociedades pré-capitalistas, baseadas na agricultura,
escravismo e feudalismo, a necessidade de organizar o Estado, com suas forças
administrativas e repressivas, fazia surgir centros urbanos, cada vez mais inflados. A
própria concentração urbana, ao deslocar massas humanas para fora do trabalho sobre a
terra, fez surgir, também, o comércio e, com este, o comércio de dinheiro. Ao lado, uma
gama de ofícios estatais ou não – centros de ensino etc. –, serviço, e artesanais

247
P. 101.
aumentavam em número. No entanto, apenas o capitalismo faz surgir um modo de
produzir cujo centro de gravidade está não na relação imediata com a natureza, mas na
fabricação, na fábrica, que pode e instala-se nas cidades. É necessário uma população
concentrada e disponível para trabalhar com salários baixos, concorrendo uns contra os
outros tal qualquer mercadoria; e é preciso, com o grau de produtividade cada vez mais
elevado, concentração e aumento do número de consumidores. A urbanidade é
tipicamente capitalista; esta tendência, cujo impulso primeiro é econômico, dá saltos
sobre saltos na década de 1970. A expulsão do camponês das terras, pela concentração e
centralização de capitais, ao lado da própria atração causa pelo espaço urbano, suas
possibilidades, servem de estímulos constantes.

Para demostrar o caráter histórico da questão populacional, enumeraremos como a


crise sistêmica desenvolveu-se nos diferentes modos de produção. Ou seja, por fim:
como, do ponto de vista numérico, absoluto, a quantidade/concentração de humanos –
especialmente os assalariados e precários (ou seja: ponto de vista relativo) – é base
importantíssima para a revolução socialista mundial. Segue:

1. Comunidades primitivas. Com o avançando da qualidade de vida, os


humanos primitivos poderiam ter mais filhos e garantir a sobrevivência da prole. Isso
não era um problema enquanto houvesse mais e mais terras para expandir a população,
o cultivo e a pecuária. No entanto, chegava o momento em que a terras boas e
habitáveis terminavam, acabava o “para onde expandir”. Segundo Marx e Engels248:
“a escravatura latente na família só se desenvolve pouco a pouco com o crescimento
da população, das necessidades e das relações exteriores”. Consequências: o sistema
comunitário entrava em crise, surgia a disputa por espaço e posse, o egoísmo superava
a solidariedade, não havia o bastante para todos – surgem a propriedade privada, o
Estado e a monogamia. Ou: a população crescia concentrada e era necessário um
grupo destacado que gerisse a comunidade, os diques, cuidassem da manutenção e
proteção de espaços e construções comuns, etc. Assim, uma burocracia estatal
elevava-se, passo a passo, acima dos trabalhadores braçais. Essas crises, também de
origens populacionais, foram base – uma das – para o surgimento do escravismo e do
sistema asiático.

2. Sistema escravista. A concentração de escravos em campos de trabalho tornou-


se enorme, facilitando revoltas. Por isso, era preciso contratar mais capatazes e
administradores para poder gerir os campos, que estavam maiores – isso,
contraditoriamente, retirava do senhor de escravos os rendimentos da exploração, já que
aumentava as despesas. O aumento de revoltas, do território e da necessidade de guerra
para capturar mais humanos, fazia necessário mais usar e ampliar o Estado e, para isso,
retirar mais dos frutos do próprio trabalho escravista. Surge a greve de soldado.
Também assim, “com a evolução da propriedade privada (…) [ocorre] a transformação
de pequenos camponeses plebeus num proletariado, cuja situação intermediária entre
os cidadãos possuidores e escravos impediu um desenvolvimento independente”
(Ideologia Alemã). A crise romana – e a morte dos filhos primogênitos de hebreus no
relato histórico-bíblico, no Egito – tem como uma das causas o aumento e concentração
populacional enorme de subalternos.

248
A Ideologia Alemã. Todas as citações desse capítulo são extraídas da obra disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_03.pdf
3. Sistema feudal. Com técnica e modo de trabalho mais avançados que o
escravista, a reprodução humana permitiu o inchaço populacional nos feudos. Tornou-se
um problema ao suserano, querendo evitar motins e desejando acumular para si os
rendimentos da produção campesina. A classe dominante da época contou com a ajuda
sagrada da Igreja Católica; esta excomungava servos para justificar, sob a acusação de
infidelidade a Deus, a expulsão de homens daquelas terras. Os últimos, por necessidade,
tornavam-se comerciantes e judeus, principalmente. Assim, com excedente de produção
e população no campo e, por consequência, o renascimento do comércio; surgem os
embriões do capitalismo, dos bancos, as primeiras cidades etc. Como reação, formam-se
Estados absolutistas (feudais) e, por efeito, nova larga camada de funcionários e
funções; além de impostos. Junto a isso, o aumento populacional campesino – e também
o na urbanidade – gerou base numérica para revoltas sociais e revoluções burguesas.

Nesse sentido, Marx e Engels afirmam:

“A esta estrutura feudal da propriedade fundiária correspondia, nas cidades, a


propriedade corporativa, a organização feudal do artesanato. Aqui, a propriedade
consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo, e foi a necessidade de
associação contra uma nobreza voraz, a vantagem de dispor locais de venda comuns
numa época em que o industrial era simultaneamente comerciante, a concorrência
crescente dos servos que se evadiam em massa para as cidades prósperas e a estrutura
feudal de todo o país que levaram à constituição de corporações; os pequenos capitais
economizados pouco a pouco pelos artesãos isolados e o número invariável que estes
representavam numa população que aumentava sem cessar desenvolveram a condição
de companheiro e de aprendiz, que, nas cidades, deu origem a uma hierarquia
semelhante à existente no campo.”

4. Sistema capitalista. Com a robótica/automação e a informática, 1970, surge a


permanente tendência à superprodução. Centros urbanos concentradíssimos,
megalópoles. Em todos os países com algum peso na economia mundial, a urbanidade e
superurbanidade é a regra. Além dos operários, quase todos os humanos do planeta
necessitam vender sua força de trabalho. Concentração urbana de operários,
desempregados, assalariados de classe média precária e a pequena burguesia
empobrecida – portanto: capacidade explosiva e de unidade maiores. Campo dominado
por monopólios e oligopólios, com altíssima tecnologia e proletarizando o camponês. O
Estado é imprensado entre ser fonte de lucro para a classe dominante (dívidas públicas,
etc.) e garantir, ao mesmo tempo, um aparato, uma superestrutura, para gerir a
sociedade – incluso e em enorme medida por sua dinâmica populacional e urbana
(Lefebvre249, 1969).

Engels, como se, ao final, falasse de nossa época e percebendo as tendências


gerais:

[A revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o proletariado na mesma


medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se

249
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes 1991.
tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os
proletários somente por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica
quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado avança precisamente ao
mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os
burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais
vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num
mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais
[a revolução industrial] se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que
suplantam o trabalho manual, tanto mais, como já dissemos, a grande indústria
reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado
cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o
descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado,
uma revolução da sociedade pelo proletariado.250

E mais. A “densidade relativa” eleva-se por meio da internet – encurtamento das


distâncias relativas, não físicas.

Como parte das crises sistêmicas, a destinação improdutiva do mais-trabalho (sob o


capital, mais-valor) e sua extração para outros setores ganha expressão particular no
capitalismo na medida em que “Há os bens industriais, para os quais o crescimento da
produtividade tem sido mais rápido do que a média da economia, de modo que seus
preços têm ficado abaixo da média. (…) Por fim, há os serviços, para os quais o
crescimento da produtividade tem sido, de modo geral, fraco (até nulo em certos casos,
o que explica por que esse setor tende a absorver uma proporção cada vez maior da mão
de obra) e para os quais os preços aumentaram mais do que a média.” (Piketty; p.
109)251

A enorme urbanização eleva as necessidades e, por conseguinte, as demandas


sociais. As necessidades coletivas crescem; temos, então, todo tipo de questões a se
resolverem e acumuladas: transporte e mobilidade, salubridade, qualidade ambiental,
violência, aluguéis e habitação, necessidade de espaços para estudo e lazer, acesso à
água tratada, energia e todo tipo de questões próprias. As "coisas por se fazer" juntam-
se a todas as pautas de classe, como a salarial e tempo de trabalho; tendem ao acúmulo
de tensões e stress socais. No Rio +20 (2012), patrocinado pela ONU, foi elaborada
uma carta cujos alguns trechos são úteis:

Cerca de metade da humanidade vive hoje em cidades. Populações urbanas


cresceram de cerca de 750 milhões em 1950 para 3,6 bilhões em 2011. Até 2030, quase
60% da população mundial viverá em áreas urbanas.

250
Princípios Básicos do Comunismo (1847). Obra que dá origem ao Manifesto. Extraído de:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm
251
Estou tentado a concluir, sendo a crise sistêmica do capital muito mais intensa relativa às demais,
que esta é análoga, mais semelhante na estruturação, à crise do escravismo; e a do feudalismo como
“emulação” do primitivismo. Sendo todas semelhantes não na forma mas no fio de dinâmica, a ligação e
variação apontadas parecem ser exemplo de negação da negação.
O crescimento das cidades significa que elas serão responsáveis por prestar serviços
a um número sem precedentes de pessoas. Isso inclui educação e habitação acessíveis,
água potável e comida, ar limpo, um ambiente livre do crime e transporte eficiente.

Nas próximas décadas, 95% do crescimento da população urbana mundial ocorrerá


em países em desenvolvimento. Espera-se que a população urbana da África cresça de
414 milhões para mais de 1,2 bilhão até 2050, enquanto a Ásia vai crescer de 1,9 bilhão
para 3,3 bilhões. Essas regiões juntas vão contabilizar 86% do crescimento total da
população urbana mundial.

(…)

828 milhões de pessoas vivem em favelas hoje e número continua a crescer.

Os maiores aumentos populacionais urbanos de 2010 a 2050 são esperados na


Índia, China, Nigéria, Estados Unidos e Indonésia. Índia terá um adicional de 497
milhões à sua população urbana; China – 341 milhões; Nigéria – 200 milhões; Estados
Unidos – 103 milhões; e Indonésia – 92 milhões.

Este gráfico da ONU252 expressa a tendência geral:

Observado este fator; sob esta avaliação, ainda que instintivamente, as correntes
operárias revolucionárias tendem a atualizar a clássica palavra de ordem “Poder
operário e camponês!” para “Poder operário e popular!” ou “Poder operário, popular e
camponês!”.253

252
Cartilha “Word Urbanization Prospects – The 2014 Revision”, United Nations; New York, 2015.
253
Moreno é o primeiro a perceber (1980): “El proceso que llevó a la formación de los estados obreros
burocratizados en esta postguerra, se dio a través de una categoría que Trotsky había comenzado a
analizar: los gobiernos obreros y campesinos. Tenemos que detenernos exhaustivamente en ella, tanto
São sinais da crise sistêmica, não cíclica, atual, a superurbanidade, a
superpopulação e a superpopulação proletária, assalariada, precária e urbana. Como
sabemos, todo sistema econômico-social gera os elementos da destruição própria. A
concentração humana citadina – dos burgos medievos até nossos dias – amadureceu
para a revolução comunista, facilitando, inclusive!, a democracia socialista, operária.

para defenderla como para ampliarla, dada la tremenda importancia que ha adquirido en los últimos
años.”
(…)
“a fórmula de gobierno obrero y campesino fue utilizada por los bolcheviques como popularización de la
dictadura. Quería así subrayar que era un gobierno de las dos clases explotadas, unidas en el gobierno
contra los explotadores. Ha sido útil en los países de mayoría campesina, para indicar también la alianza
política en la dictadura entre el campesinado y el proletariado, bajo hegemonía de éste último. En los
países de mayoría urbana que no son campesinos pero tienen una poderosa clase media, es necesario
ampliar esta popularización y esta consigna, con la de Gobierno obrero y popular, que indica la alianza
que permitirá al proletariado tomar el poder con el pueblo urbano y rural.” (Atualização do Programa
de transição, TESIS XVIII – Los gobiernos obreros y campesinos.).
O SUJEITO SOCIAL HOJE

Guiados pelo debate até aqui, observemos estes dados que nos servirão de
exemplo254:

Por meio dos dois países centrais acima, percebemos que a classe camponesa foi
substituída pelos assalariados urbanos não operários – uma numerosíssima massa
humana. Como meras mudanças de quantidade promovem mudanças de qualidade,
levemos em conta que a maior parte dessa nova camada é cada vez mais precarizada,
concentrada num mesmo espaço (a cidade) e numericamente forte. Ao mesmo tempo, a
classe operária nos exemplos citados, como em tantos países, foi reduzida
percentualmente ao padrão de 1800 (! – 1800!); além disso, muitas das fábricas foram
transferidas para cidades menores e para outros países, na intenção de reduzir a luta de
classes, e a produção de uma mesma mercadoria – um carro, etc. – pode ser em parte
subdivida em fábricas menores e auxiliares, fragmentando relativamente os produtores.
Essas observações significam a necessidade de atualizar as teses da revolução
permanente. Chegamos, portanto, às conclusões a seguir:

A) Com a robótica/automação e fragmentação do processo produtivo; a classe


operária está mais dispersa, desconcentrada e, em alguns casos, reduzida
numericamente. Isso significa que, para ser protagonista em uma revolução, os
produtores de mercadorias precisam necessariamente de um elemento compensador,
que são estes: um partido operário bolchevique e organismos de poder operário;

B) Por causa do elemento exposto no ponto A; as revoluções têm sido, em geral,


desde a década de 1980, de caráter popular-urbano com apoio popular do campo
(Bolívia, 2003; Peru, 2000; Argentina, 2001255; Tunísia, 2010; Egito 2011; etc.), ou
seja, sem centralidade do operariado;

254
P. 112.
255
Neste país, chegou a haver uma tendência viva, possibilidade, ao protagonismo operário por razão do
peso histórico do trotskysmo argentino.
C) Há uma enorme concentração de operários, desempregados, assalariados
precarizados e pequena-burguesia empobrecida em um único centro: a urbanidade;

D) As chamadas “revoluções democráticas”256 (Moreno), que derrubam um


regime ditatorial mas não o capitalismo, observadas nas últimas décadas, são frutos da
concentração urbana;

E) As classes oprimidas não-operárias tendem a ver sua força no número, no voto,


já que são “concentrados, porém descentralizados”;

F) A superurbanidade é a casa da democracia operária e do fascismo. A


democracia burguesa é, portanto, uma falsa mediação para controlar o concentrado
movimento de massas;

G) Uma revolução de base operária, com apoio popular, será necessariamente


socialista, pois precisa de seus próprios organismos revolucionários;

H) As classes oprimidas urbanas não produtoras tendem a explodir antes mesmo


de o operariado amadurecer – isso ocorre pela alta concentração na cidade,
descentralização no trabalho e precariedade. Por isso, a tendência mais provável, em
países sob ditaduras, é o avanço permanente de uma revolução democrática-popular
para uma socialista-operária;

I) China é, talvez, a única a poder seguir o modelo da revolução russa: a classe


operária avançar, com apoio dos camponeses, de uma revolução de fevereiro até a uma
de outubro. Isto tende a acontecer pela alta concentração proletária e humana;

J) Após uma primeira revolução operária-socialista vitoriosa, a teoria da


revolução permanente dará um novo giro: como no pós-II Guerra, as classes não
operárias oprimidas e, desta vez, urbanas poderão ser a base social de novas revoluções
socialistas sem protagonismo operário257. A lei do desenvolvimento desigual e
combinado aponta nesse sentido;

256
Estas revoluções têm duplo caráter: revoluções, na medida em que encerram uma ditadura/governo,
contrarrevoluções, na medida em que se procura evitar conclusões socialistas. Há revoluções
democráticas, de fevereiro, a derrubarem governos mantendo o regime, mas são exceções históricas.
257
1) inclui-se avanço em permanência de fevereiro à outubro, de revolução democrática à socialista –
ou, também, diretamente socialista;
2) Entre os explorados e oprimidos não operários, os assalariados do comércio, serviços, do estado, etc.,
e os desempregados, tenderão a ser liderança – por razão numérica e condição laboral – dos demais
setores não burgueses. Para parte do marxismo estes setores são proletariado não operário; e, apesar
de não concordarmos com esta caracterização, revela pelo menos a tendência à substituição do sujeito
social;
3) Mesmo essas revoluções, na medida em que tendem a implantar a democracia socialista,
necessitarão de um partido bolchevique, ou uma frente de partidos revolucionários e
semirevolucionários. Apenas após a vitória nos principais países, tornando a transição ao socialismo
predominante, partidos da revolução serão relativamente desnecessários, as revoluções serão mais
fáceis (ainda com seus riscos) e, em alguns casos, organismos de poder revolucionários sem liderança
partidária comunista serão vitoriosos por iniciarem cooperação com outros Estados Operários.
4) Revoluções protagonismo operário continuarão a ocorrer, e serão motores das revoluções socialistas-
populares.
K) Diferente das revoluções de base camponesa, as possíveis revoluções
socialistas urbanas-populares terão vantagens significativas: 1. Concentração humana
facilitando a democracia socialista; 2. Indústrias automatizadas/robotizadas que poderão
ser estatizadas pelo organismo revolucionário de poder para garantir a satisfação das
necessidades sociais e iniciar o avanço técnico geral; 3. Atual interligação e
interdependência dos países e do mundo facilitando a internacionalização da revolução
e da economia planejada; 4. Maior nível cultural médio da sociedade e maior
possibilidade instrução;

L) Portanto, uma revolução socialista popular-urbana antes de uma revolução


operária-popular é uma hipótese mais improvável – embora não impossível. As
fórmulas de Trotsky e Moreno não estão, a priori, descartadas mas relativizadas258;

M) De imediato, as revoluções de outubro, socialistas conscientes, tendem a ser de


base operária, com apoio popular-urbano, com um partido democrático-centralista. As
de fevereiro, as democráticas, as socialistas inconscientes259 são e serão de base popular
urbana (levando-se em conta os pontos J, K e L)260;

N) O campesinato perde força; há a proletarização do camponês; a


industrialização do campo tende a colocar a fome como o último dos problemas
imediatos da transição ao socialismo; porém, essa classe ainda tem sua importância –
maior ou menor a depender do país;

O) Precisa-se, mais que nunca, separar os assalariados precários dos aristocráticos,


a baixa classe média assalariada da alta, o operário pobre do pequeno-aburguesado, o
pequeno-burguês falido do bem nutrido, o desempregado das ilusões políticas:
revoluções vitoriosas são potentes terremotos no subsolo do prestígio social.

258
Para Trotsky, as revoluções socialistas tendiam sempre a ser de protagonismo operário com partido
revolucionário. Para Moreno, atualizando sem negar a fórmula anterior, por razão da alta decadência do
capitalismo e da pressão objetiva dos Estados Operários Burocratizados sobre a subjetividade,
revoluções socialistas poderiam surgir dirigidas por organizações centralistas burocráticas (guerrilhas ou
partidos) não revolucionárias de base camponesa, não operária – casos chinês e cubano.
259
“La revolución de febrero es distinta a la de octubre, pero está íntimamente ligada a ella; debe ser el
prólogo obligado a la de octubre para que la revolución siga avanzando. Febrero es una revolución
obrera y popular que enfrenta a los explotadores imperialistas, burgueses y terratenientes ligados a la
burguesía y destruye al aparato estatal burgués o provoca su crisis. Por su dinámica de clase y por el
enemigo que enfrentan, ambas son revoluciones socialistas. La diferencia entre ambas radica en el
distinto nivel de conciencia del movimiento de masas y, principalmente, en la relación del partido
marxista revolucionario con el movimiento de masas y el proceso revolucionario en curso. Dicho
sucintamente, la revolución de febrero es inconscientemente socialista, mientras que la de octubre lo es
en forma consciente. Podríamos decir —coqueteando con Hegel y Marx— que la primera es uma
revolución socialista en sí, mientras que la segunda lo es para sí.” (Moreno, Tese XV, 1980.)
260
A imposição histórica de um objetivismo apenas pode acorrer após a imposição de uma tendência,
ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto
político do partido bolchevique de fazer a revolução russa, a revolução cubana não seria uma imposição
da história, apesar de seus dirigentes de inspiração liberal – não teria ponto de apoio continental à ilha.
Outro exemplo: no século XIX, na Alemanha, a “via prussiana”, do feudalismo ao capitalismo, apenas
pôde se impor longe da revolução burguesa, por meio do bismarkismo, porque o capitalismo se
consolidou na Europa e no mundo, depois de duras revoluções e conflitos. Mesmo havendo
possibilidade de “objetivismo” numa etapa histórica, este continuiará subordinado, na luta geral, à
relação dialética, aos resultados, entre o objetivo e o subjetivo.
ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE

Este capítulo complementa o anterior, além de estar ligado aos três últimos. Vimos que
as revoluções não diretamente socialistas tendem a um protagonismo não operário,
enquanto a classe operária cumpre centralidade nas diretamente socialistas. Também
vimos que a formação de um Estado Operário com democracia socialista abre maior
possibilidade de revoluções socialistas com protagonismo urbano dos setores populares,
em principal os assalariados precários. Em diante, debatemos questões levantadas pela
conjuntura.

Pelo menos no norte da África e Médio Oriente, onde ocorreu a primavera árabe, há
uma particularidade da modernização capitalista, em boa parte desses países: a
burguesia é também a dirigente das forças armadas e do Estado. A burguesia tem aí
relação muito mais direta com o aparelho, por meio do qual também enriqueceu. Isto
significa: as revoluções democráticas precisam se realizar destruindo ao mesmo tempo o
regime ditatorial, o Estado e a burguesa, ou seja, precisam avançar ao socialismo.

Diferente da burguesia de outros países – onde a classe dominante governa por meio de
seus representantes diretos –, este perfil específico faz com que a democracia burguesa
seja especialmente inviável. Na América Latina, as situações pré-revolucionárias
puderam desemborcar em democracia burguesa como modo de tentar impedir a
revolução. Nestas nações, em diferente, a mesma tendência (por crise, crescimento da
classe operária e urbanização) tende a gerar guerra civil. As revoluções democráticas –
por liberdades democráticas, o que é diferente de revolução democrático-burguesa –
emperram na necessidade da burguesia nacional, e internacional, por estabilidade no
aparelho. A classe dominante não pode supor a substituição de dirigentes por eleições
periódicas, pois equivaleria um tipo anômalo de concorrência.

A luta por liberdades democráticas empurra, em permanência, para a democracia


socialista. De revolução socialista inconsciente para consciente, onde um partido
comunista democrático e centralizado precisa ganhar a confiança das massas a partir da
clareza desta tarefa.

Vejamos exemplo da burguesia como dirigente direta dos organismos de poder e o peso
disso na economia, como impedimento de uma revolução democrática normal no
mundo árabe:

"1) O imenso peso das forças armadas (apenas para que tenhamos uma ideia, o exército
do Egito é o maior do continente americano, com mais de 460.000 efetivos e um milhão
de reservistas). Segundo informações do Wikileaks, o próprio governo dos EUA
considera que as Forças Armadas do Egito são "uma empresa quase comercial".
Possuem enormes extensões de terras, propriedades e empresas (muitas das quais são
dirigidas por generais de reserva) que produzem, além de armas e suprimentos, muitos
outros bens de consumo. Suas empresas são responsáveis por aproximadamente 40% do
PIB do país." (Página 14.)

Há um fenômeno qualitativo.
No mesmo artigo – Avanços e contradições da revolução egípcia, Correio Internacional,
número 11, julho de 2013, Ronald León e José Welmowicki – completa o fato o
montante de recursos que as Forças Armadas recebem dos EUA, desde o acordo de paz
de Camp David com Israel (página 13).

Por isso, por lucro, o exército egípcio aceitou mudar o governo, contanto que o regime
ficasse de pé, mais ou menos estável. Manobrou tanto quanto pôde para manter-se no
poder e evitar a guerra civil.

Aprofundemos a análise.

Em muitos desses países, surge uma burocracia política no Estado que, se não
transforma os regimes bonapartistas em monarquias, aproxima-se disso. É exemplo
Assad, sua família e os membros governamentais. Esta camada social, necessariamente
ligada à burguesia, depende do controle do aparelho estatal para a manutenção de suas
condições de classe. Precisam manter os regimes políticos antidemocráticos.

As razões de nossa derrota conjuntural na primavera árabe são, portanto: 1) a falta de


partidos comunistas minimamente estruturados; 2) falta de uma teoria correspondente,
que percebesse este elemento da revolução a tempo; 3) pouco apreço pela arte militar,
na certeza de um futuro certo; 4) baixa solidariedade internacional prática.

Três fatores gerais também diminuem a probabilidade de revoluções democráticas


desprovidas da via socialista: 1) Com o fim dos Estados Operários Burocratizados, a
burguesia mundial deixa de necessitar, na mesma anterior medida, da reação
democrática, tática de apaziguamento das situações revolucionárias; 2) o baixo peso
operário em parte destes países; 3) neste momento histórico, o capitalismo torna-se um
fator anticivilização e precisa, para manter-se, reduzir os direitos democráticos de
regime político.

Após a restauração do capitalismo, esta conclusão também parece aplicar-se à Coreia do


Norte – caso falte fusão “pacificada” com a Coreia do Sul. A necessidade capitalista de
uma fortíssima ditadura se dá pela dependência do país da importação de energia e
alimentos (energia para o ser humano – menos de 20% de suas terras são
agricultáveis)261. Quando este era um Estado Operário burocratizado, a ditadora ocorria
pelo baixo autodesenvolmento das forças produtivas somado ao “socialismo em um só
país”, ou seja, sua relação não fraternal com as demais nações na distribuição e demais
fatores.

Indica-se também ser hipótese mais provável à China não apenas porque a classe
operária tende a protagonizar a revolução democrárica (não democrático-burguesa) mas
na medida em que o desenvolvimento do capitalismo naquele país necessita de um
regime de Estado centralista, muito estável262

261
Na história antiga, o baixo desenvolvimento da agricultura por razão do solo pouco fértil gerou o
sistema asiático e seu Estado muito atônonomo relativo à economia e sociedade.
262
Consenso entre economistas: a China precisa crescer a uma taxa acima de 6% para não entrar em
crise.
DESIGUALDADE NA IGUALDADE: CLASSE OPERÁRIA. TRABALHO
PRODUTIVO E IMPRODUTIVO

"Claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos, que está lutando, e
estamos vencendo."
Warren Buffett, bilionário estadunidense.

“Convém que o povo não perceba o sistema bancário e monetário, pois se percebesse
acredito que haveria uma revolução antes de amanhã de manhã.”
Henry Ford.

Perece ser necessário abrir espaço a uma polêmica marxista: o que é trabalho produtivo?
As formas do capitalismo parecem nos indicar produtivo todo trabalho que produz
valor, lucro e produtos – adiantamos que assim “aparece”. Ouçamos Karl Marx:

“Inicialmente, consideramos o processo de trabalho de modo abstrato (ver capítulo 5),


independente de suas formas históricas, como processo entre homem e natureza. Lá,
dissemos: “Se consideramos o processo inteiro do ponto de vista de seu resultado, do
produto, tanto o meio como o objeto do trabalho aparecem como meios de produção, e o
próprio trabalho aparece como trabalho produtivo”. E na nota 7, como complemento:
“Essa determinação do trabalho produtivo, tal como ela resulta do ponto de vista do
processo simples de trabalho, não é de modo nenhum suficiente para ser aplicada ao
processo capitalista de produção”. É esse o ponto que cabe desenvolver aqui.” (p. 706;
O Capital, Boiempo, versão digital.)

Dada a introdução, em diante aprofunda e explica:

Enquanto o processo de trabalho permanece puramente individual, o mesmo trabalhador


reúne em si todas as funções que mais tarde se apartam umas das outras. Em seu ato
individual de apropriação de objetos da natureza para suas finalidades vitais, ele
controla a si mesmo. Mais tarde, ele é que será controlado. O homem isolado não
pode atuar sobre a natureza sem o emprego de seus próprios músculos, sob o controle
de seu próprio cérebro. Assim como no sistema natural a cabeça e as mãos estão
interligadas, também o processo de trabalho conecta o trabalho intelectual ao
trabalho manual. Mais tarde, eles se separam até formar um antagonismo hostil. O
produto, que antes era o produto direto do produtor individual, transforma-se num
produto social, no produto comum de um trabalhador coletivo, isto é, de um pessoal
combinado de trabalho, cujos membros se encontram a uma distância maior ou menor
do manuseio do objeto de trabalho. Desse modo, a ampliação do caráter cooperativo
do próprio processo de trabalho é necessariamente acompanhada da ampliação do
conceito de trabalho produtivo e de seu portador, o trabalhador produtivo. Para
trabalhar produtivamente, já não é mais necessário fazê-lo com suas próprias
mãos; basta, agora, ser um órgão do trabalhador coletivo, executar qualquer uma
de suas subfunções. A definição original do trabalho produtivo citada mais acima,
derivada da própria natureza da produção material, continua válida para o trabalhador
coletivo, considerado em seu conjunto. Mas já não é válida para cada um de seus
membros, tomados isoladamente.
Por outro lado, o conceito de trabalho produtivo se estreita. A produção capitalista
não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmente produção de mais-
valor. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, por isso, que ele
produza em geral. Ele tem de produzir mais-valor. Só é produtivo o trabalhador que
produz mais-valor para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se nos for
permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, diremos que um
mestre-escola é um trabalhador produtivo se não se limita a trabalhar a cabeça das
crianças, mas exige trabalho de si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o
patrão.(P. 705, 706; O Capital, Boitempo, versão digital.)

Esta é a questão. Nas sociedades de classe pré-capitalistas (escravismo, feudalismo,


sistema asiático) o centro era a produção de objetos úteis, valores de uso, onde uma
parte era destinada à classe dominante (senhor de escravos, suserano, burocracia – e aos
intermediários: funcionários do Estado, capatazes, clérigos etc.) e outra para o
trabalhador manual, escravo ou servo. Na sociedade capitalista a busca é por mais-valor
expresso em dinheiro; este é o desejo: desfazer-se dos valores de uso para obter valores.
Assim, aparece – e explicaremos porque isso é falso – como produtivo o trabalho que
gera valor, fabril, ou o extrai, serviços.
Precisamos evitar confusões categoriais. Exemplos: na fase final de pesquisa, Marx
descobriu a diferença entre valor e valor de troca, entre força de trabalho e trabalho,
entre produtividade e intensidade do trabalho, entre tempo de trabalho como medida e a
fonte do valor (energia humana) etc. Apenas numa visão apressada estas diferenças de
categorias são desconsideradas, apesar de tantos marxistas renomados cometerem erros
do tipo. E um erro equivalente é cometido por alguns dos estudiosos: confundir trabalho
como produção de valor – operariado, capital variável – com a categoria trabalho
produtivo.
Retomemos as diferenciações263.

A primeira:
Valor = substância gerada nas relações sociais mercantis, fruto da energia humana
despendida na produção de mercadorias.
Capital = processo e manifestação daquele: formas desenvolvidas pela sociedade do
valor, por este sujeito social, onde este, uma vez gerado pelo trabalho, circula de uma
forma a outra. Transmutado em capital, é valor que se autovaloriza, hermafrodita
criatura. Em Marx:

O capital, portanto, não é apenas o comando sobre o trabalho, como diz A. Smith. Ele é,
em sua essência, o comando sobre o trabalho não pago. Todo mais-valor, qualquer que
seja a forma particular em que mais tarde se cristalize, como o lucro, a renda etc., é,
com relação à sua substância, a materialização [Materiatur] de tempo de trabalho não
pago. O segredo da autovalorização do capital se resolve no fato de que este pode dispor
de uma determinada quantidade de trabalho alheio não pago. (O Capital I, Boitempo, p.
738, versão digital.)

263
Em diante, usaremos o método da definição, formal, para expormos as categorias.
A segunda:
Capital portador de juros.

“A parte do lucro que se paga se chama “juros”, o que, portanto, não é nada mais que
um nome particular, uma denominação específica para uma parte do lucro que o capital
em funcionamento, em vez de pôr em seu próprio bolso, tem que pagar ao proprietário
do capital (…) B [o capital atuante ou emprestado] tem que pagar a A [o capital
portador de juros ou agiota] parte do lucro obtido com esta soma de capital, isto é, como
valor que não apenas se conserva em movimento, mas que cria mais-valia para seu
proprietário”264. “Inclusive quando se concede crédito a um homem sem fortuna
(industrial ou comerciante), isto ocorre confiando que ele atuará como capitalista: com o
capital emprestado, se apropriará do trabalho não pago. Ele recebe crédito em sua
condição de capitalista em potencial.”265

Significa: o lucro do banqueiro e o salário do bancário têm a mesma fonte – a


exploração, o trabalho não pago, do operário.

Capital produtivo (industrial).

“A conclusão a que chegamos não é de que a produção, a distribuição, a troca e o


consumo são idênticos; concluímos, sim, que cada um deles é um elemento de um todo,
e representa diversidade no seio da unidade. Visto que se determina contraditoriamente
a si própria, a produção predomina não apenas sobre o setor produtivo, mas também
sobre os demais elementos; é a partir dela que o processo sempre se reinicia. E evidente
que nem a troca nem o consumo podiam ser os elementos predominantes. O mesmo se
verifica em relação à distribuição tomada como distribuição dos produtos (…)”266

Capital comercial.

“As duas formas que o valor-capital adota dentro de suas fases de circulação são as de
capital monetário e capital-mercadoria; sua forma correspondente à fase de produção é a
de capital produtivo. O capital que no transcurso do seu ciclo global adota e volta a
abandonar essas formas, e em cada uma cumpre a função que lhe corresponde, é o
capital industrial – industrial, aqui, no sentido de que abarca todo ramo de produção
capitalista.”267 (Grifo nosso.)

264
(K. Marx, El Capital, Libro III, Vol. 7, Cp. 21, Siglo XXI Editores, México, 1981, pág. 451. Tradução e
extraído de: Iturbe, Alejandro. O Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial. São Paulo: Editora
Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009.)
265
(Idem. Pág. 453)
266
(Marx; Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política. Fonte: Arquivo marxista na
Internet.)
267
K. Marx (1983). O capital: Crítica da Economia Política. O processo de produção do capital. São Paulo:
Abril Cultural, v. 1, tomo 1. p. 41.
A terceira:
Trabalho produtivo essencial = ligado à geração de valor, ao capital produtivo.
Trabalho produtivo aparencial = ligado à geração de lucro, à transferência de valor e
valorização dos capitais comercial, portador de juros e demais serviços.
Trabalho improdutivo = consome a riqueza social sem contrapartida na geração de valor
ou lucro, isto é, de autovalorização do valor (conteúdo) ou do capital (forma).

Vemos que há um “quarto elemento”, se o afastamos do setor bancário e comercial,


chamado serviços. Este último manifesta-se como todo ato “laboral” que gere lucro ao
patrão, ou seja, que extrai para si mais-valor; por outro lado e ao contrário, trabalho
improdutivo é aquele que não gera lucro. Para compreender esta diferença, faz-se
necessário relembrar: diferente de outros sistemas, a sociedade do capital é a busca por
lucro, dinheiro em busca de mais dinheiro, onde a compra-venda de materiais ou
“imateriais” objetos úteis é mal necessário e suporte.
Mesmo assim, trabalhamos um alargamento de significado. Aqui, ponto de virada. Peço
ao leitor a releitura da segunda citação: nela, K. Marx fala de 1) trabalho coletivo e
trabalhador coletivo, 2) produção material e 3) subordinado o ritmo à máquina, ou seja,
sob seu controle. Recordemos um trecho: “Se” – se! Reforço o pensador alemão – “nos
for permitido escolher um exemplo fora” – fora! – “da esfera da produção material,
diremos que um mestre-escola é um trabalhador produtivo se” – se! – “não se limita a
trabalhar a cabeça das crianças” – ou seja, o que todo professor faz! –, “mas exige
trabalho de si mesmo” – dele próprio, sem ser controlado pelo maquinário! – “até o
esgotamento, a fim de enriquecer o patrão.” Evidencia-se? Para Marx operário fabril =
trabalho produtivo! Ou, em verdade: parte dele, como mostraremos a seguir. Então, em
contribuição, continuemos por outro caminho: entre os níveis de essência e aparência:
trabalho produtivo é trabalho produtivo de valor268, mas também há o trabalho
produtivo de lucro. Ao conectar e separar estes níveis da realidade; poderemos, logo,
satisfazer critérios da vida prática militante269 (ver nota de rodapé270).
Continuando o parágrafo anterior, onde faz um exemplo “fora”, o mouro afirma:

Que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensino, em vez de numa
fábrica de salsichas, é algo que não altera em nada a relação. Assim, o conceito de
trabalhador produtivo não implica de modo nenhum apenas uma relação entre
atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma
relação de produção especificamente social, surgida historicamente e que cola no
trabalhador o rótulo de meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo
não é, portanto, uma sorte, mas um azar. No Livro IV desta obra, que trata da história da

268
Em vista disso; antes, nas sociedades classistas pré-capitalismo, o trabalho manual subordinado a
outrem produzia valores de uso; agora, na economia monetária, o trabalho manual produz valor. Marx
reforçará isto na próxima citação.
269
Exemplo: qual setor é prioritário, mais explorado, ativo e potencialmente revolucionário – o
funcionalismo da saúde no setor público ou privado? Priorizamos a construção entre este último.
270
Caminhamos com o leitor da aparência à essência; assim, podemos reconstruir a visão de Marx sobre
trabalho produtivo e somar a esta visão uma contribuição particular, do autor desta obra, que, além de
não negar a construção marxiana, está subordinada a ela. A aparência tem elementos da verdade, mas é
uma falsificação se está exposta à revelia da essência, a sua geradora. Este salto mortale no texto expõe
idealmente, e em analogia, o mesmo processo quando do estudo teórico da realidade e sua descoberta.
teoria, veremos mais detalhadamente que a economia política clássica sempre fez da
produção de mais-valor a característica decisiva do trabalhador produtivo. Alterando-se
sua concepção da natureza do mais-valor, altera-se, por conseguinte, sua definição
de trabalhador produtivo. Razão pela qual os fisiocratas declaram que somente o
trabalho agrícola seria produtivo, pois só ele forneceria mais-valor. Mas, para os
fisiocratas, o mais-valor existe exclusivamente na forma da renda fundiária. (P. 706,
707; O Capital; Boitempo; versão digital; grifo nosso.)

Vamos mais longe. Nas passagens, Marx deixa claro existir um antagonismo entre
trabalho manual271 e trabalho intelectual. Isto significa que um professor, mesmo
produtivo (de lucro) e explorado, difere-se do operário. Não sendo burguês, o educador
está caracterizado como “classe média”, ou pequena burguesia não-proprietária,
portanto setor localizado entre os produtores de valor e aqueles que ficam com o mais-
valor, seja de que forma ocorra. Isto é fácil de demonstrar: teórico e empiricamente
podemos imaginar um trabalhador não fabril – continuemos com o educador – sendo
produtivo (de lucro), ao trabalhar numa escola privada, ou improdutivo, ao trabalhar
para o Estado, serviço público. Já, por outro lado e ao contrário, imaginar um operário
como improdutivo é uma anomalia social e teórica (tanto na essência quanto na
aparência).
Já demos um salto de compreensão. Mas conseguimos alcançar o significado da
categoria? Vamos juntos, pois agora resolveremos – é a pretensão – mais duas
armadilhas: 1) o trabalho produtivo não é o único ou central definidor de uma classe
social; 2) um burguês também é trabalhador produtivo. Nossa função é esclarecer…
Para isso, deixemos Marx expressar-se:

O capitalista como representante do capital entra no processo de valorização do capital


produtivo, desempenha uma função produtiva que consiste, precisamente, em dirigir e
explorar o trabalho produtivo. Contrariamente aos co-usufruários da mais-valia que
não se encontram em tal relação direta e ativa de sua produção, a classe do
capitalista é a classe produtiva por excelência (par excellence). Como condutor do
processo de trabalho, o capitalista pode executar o trabalho produtivo no sentido de que
seu trabalho se integra no processo de trabalho coletivo objetivado no produto.
Somente mais adiante poder-se-á desenvolver como se portam as outras funções do
capital e os agente de que ele serve no desenrolar dessas funções. (Capítulo IV inédito;
grifos nossos.)

Assim:
Trabalho produtivo = toda e qualquer função operante no capital produtivo, compondo o
“trabalhador coletivo”.
Trabalhador produtivo de valor (essencial) = o operário, aquele cujo trabalho manual,
dispêndio abstrato de força, gera mercadoria, isto é, valor272.

271
272
“A definição original do trabalho produtivo citada mais acima, derivada da própria natureza da
produção material, continua válida para o trabalhador coletivo, considerado em seu conjunto. Mas já
não é válida para cada um de seus membros, tomados isoladamente.” K. Marx; O capital I.....................
Percebemos que o trabalhador produtivo não precisa ser operário e pode sê-lo também o
capataz com a arma na cintura… De novo, Marx:

“Com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho ao capital ou do modo de


produção especificamente capitalista, não é o operário industrial, mas uma crescente
capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente (Funktionär)
real do processo de trabalho total, e como as diversas capacidades de trabalho que
cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no
processo imediato da formação de mercadorias, ou melhor, dos produtos – este trabalha
mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor (manager),
engenheiro (ergineer), técnico etc., outro, como capataz (overloocker), um outro como
operário manual direto, ou inclusive como simples ajudante –, temos que mais e mais
funções da capacidade de trabalho se incluem no conceito imediato de trabalho
produtivo, e seus agentes no conceito de trabalhadores produtivos, diretamente
explorados pelo capital e subordinados em geral a seu processo de valorização e
produção. Se se considera o trabalhador coletivo, de que a oficina consiste, sua
atividade combinada se realiza materialmente (materialiter) e de maneira direta num
produto total que, ao mesmo tempo, é um volume total de mercadorias; é
absolutamente indiferente que a função de tal ou qual trabalhador – simples elo
desse trabalho coletivo – esteja mais próxima ou mais distante do trabalho manual
direto.”273

Cabe-nos citar, pelo menos por alto, a seguinte conclusão do Livro III d’O Capital: a
burguesia produtiva tende a ser de todo improdutiva, quer seja, afasta-se da gestão
fabril, contrata executivos por bons salários para as tarefas de controle geral. Podem
assumir cargos artificiais e figurativos, mas vivem do mais-valor gerado sem relação
direta, pessoal, com o trabalho intelectual neste setor; e isto é tanto mais quanto mais é
o capitalista coletivo – portadores das ações das empresas, dos títulos de propriedade –
quem domina. A burguesia toma a forma parasita.
Nos ciclos de era: 1) capitalismo mercantil: a burguesia da produção cumpre tarefas de
comando direto, trabalho intelectual, sobre os artesãos; 2) capitalismo industrial: o
burguês dirige os dirigentes, uma rede interna e hierárquica de comando; 3) capitalismo
financeiro: a burguesia afata-se do comando direto, contratando responsáveis para as
tarefas de trabalho intelectual; 4) salto para si: a burguesia infla seu caráter parasitário,
ocioso e perde identidade imediata para com as empresas.
Expressando o próprio capital – a exemplo do perfil financista do capitalista no III ciclo
de era e no salto para si –, sendo capital encarnado, vemos um movimento geral de
alienação da burguesia em relação ao capital em si. Isto ocorre interligado à
globalização capitalista, com a despatriação do capital, onde este internacionalismo
burguês do sujeito valor-capital desenvolve a mobilidade do capitalista e o lucro
enquanto único objetivo pátrio. A produção ocorre, em muitos casos, na China; a
administração geral da empresa, nos EUA; os acionistas vivem suas vidas parasitantes
em qualquer lugar do mundo onde lhes proporcione prazeres incomuns e possam obter
consultas de seus dados via internet…
Há polêmica sobre a qual setor pertencem políticos, executivos etc. Localizamo-los na
burocracia capitalista, burocracia burguesa. Seus privilégios lhes dão espaço para
273
K. Marx. (1978). O capital. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas. p. 71-
72.
enriquecer de outros modos (empresas, ações etc.) tornando-os ligados organicamente a
mais de um setor privilegiado. A palavra “bucrocracia” tende a passar apenas o sentido
parasitário, sobre o outro, mas também se refere a funções de comando, administrativo
etc.274275
Retornemos aos assalariados propriamente ditos.
Complementemos com duas citações esclarecedoras (Capítulo IV Inédito):

A)
“Uma cantora que entoa como um pássaro é um trabalhador improdutivo. Na medida
em que vende seu canto é assalariada ou comerciante. Mas a mesma cantora contratada
por um empresário (…) da instituição que trafica com o conhecimento (…), é
trabalhador produtivo. Ainda assim, a maior parte desses trabalhos, do ponto de vista da
forma, mal se submetem formalmente no capital: pertencem às formas de transição.
Em suma: os trabalhos que só se desfrutam como serviços não se transformam em
produtos separáveis dos trabalhadores – e, portanto, existentes independentemente
deles como mercadorias autônomas – ainda que os possa explorar de maneira
diretamente capitalista, constituem magnitudes insignificantes se comparados com o
volume da produção capitalista. Por isso, se deve fazer caso omisso desses trabalhos, e
trata-os somente a propósito do trabalho assalariado, sob a categoria do trabalho
assalariado que não é ao mesmo tempo trabalho produtivo. (Capítulo VI inédito; p.
74)

B)
No caso da produção não material, ainda que este se efetue exclusivamente para a troca
e produza mercadorias, existem duas possibilidades:
3) O resultado são mercadorias que existem isoladamente em relação ao produtor,
ou seja, que podem circular como mercadorias no intervalo entre a produção e o
consumo; por exemplo: livros, quadros, todos os produtos artísticos que se
diferenciam da atividade artística do artista executante. A produção capitalista só
se aplica aqui de forma muito limitada. Essas pessoas, sempre que não
contratem oficiais etc. na qualidade de escultores (…) etc. comumente (salvo se
forem autônomos) trabalham para um capital comercial, como, por exemplo,
livreiros, uma relação que constitui apenas uma forma de transição para o
modo de produção apenas formalmente capitalista. Que nessas formas de
transição a exploração do trabalho alcance um grau superlativo, não altera
a essência do problema.
4) O produto não é separável do ato de produção. Aqui, também, o modo
capitalista de produção só tem lugar de maneira limitada, e pela própria
274
Entre comunistas, falamos sobre atuação nos sindicatos e no Estado Operário: “podemos e devemos
ser burocratas sem estarmos burocratizados”. Burocracia e (burocracia em) burocratização são
categorias diferentes, estando íntimas.
275
Muitos da esquerda, ligados às correntes antes na defesa de uma burguesia nacionalista, o bom
burguês, o empresário progressista e anti-imperilista (correntes estalinistas), partem para a outra ponta
ao afirmarem inxistir uma burguesia nacional em países atrasados, como o Brasil. A questão é, já
resolvida desde Trotsky, sua fragilidade, medo da classe operária interna e sua relação orgânica e
dependente com a burguesia imperialista; existe, mas não é nacional no sentido de nacionalista. Basta
olhar as empresas Claudino, que se desenvolverem na época da hiperinglação, como boa parte da
burguesia comercial, ou os megaempresários presos nos atuais escândulos de corrupção com direito à
farsa jurídica (operação Lava-Jato), ou grandes empresas nas áreas de serviços etc. Mas sempre ao lado
e abaixo do capital externo.
natureza da coisa, não se dá senão em algumas esferas. (Necessito do médico,
não de seu moleque de recados.) Nas instituições de ensino, por exemplo, os
docentes podem ser meros assalariados para o empresário da fábrica de
conhecimentos. Não se deve considerar o mesmo para o conjunto da produção
capitalista.

Percebemos que – colocando à parte, até o momento, os setores de juros e comercial –


existe um setor “produtivo” fora do capital produtivo.
Por que, no entanto, parte da esquerda considera operariado – e/ou produtor de valor –
até mesmo servidores públicos, como aparenta ser o caso de Nahuel Moreno? Parecem
ser as razões do desvio teórico: 1) o marxismo sindicalista, onde atuar nos sindicatos
deixar de ser tática para tornar-se estratégia, produz uma deformação categorial a
expressar este desvio anticomunista; 2) o marxismo sociológico, que pouco ou nada
estuda de economia marxista enquanto parte integrante da análise do real, limita-se às
aparências e formas dos fenômenos, como o assalariamento, e por isso deixa de
caracterizar a partir da teoria do valor-trabalho formulada por Marx; 3) baixa formação
teórica; 4) a esquerda mundial, ainda mais pós-Muro de Berlim, é formada quase que
por inteira por setores não fabris – ainda precisa aprender a olhar-se no espelho,
reconhecer seus limites e composição de classe pequeno burguesa, no lugar de negar a
realidade por meio de mudanças, mesmo que de modo inconsciente, nos significados
das palavras.
O motivo quinto pede um destaque próprio. Retomemos este gráfico:

Percebamos que, quanto à empregabilidade, o campo e o setor industrial definharam


enquanto a de serviços – em geral, inclui juros e comércio – inflou-se… Digamos de
outra forma: Marx viveu e estudou o capitalismo maduro, nós vivemos e estudamos o
capitalismo senil, no pré-morte. É igual, mas é diferente. Outro modo: para Marx, olhar
o assalariado era olhar um operário, pois os setores não fabris eram minoria, dispersos e
de bons salários, e o campesinato (pequena burguesia fora do ambiente urbano) era
numeroso; hoje, há uma alteração relativa e significativa. Aprofundamos isto a partir do
capítulo 6; por agora, exemplifiquemos com o estrutural no conjuntural: a crise de um
sistema é, também, a “crise de suas categorias” (Kurz); assim sendo, a fase final do
império romano significou e, ao mesmo tempo, manifestou-se com o crescimento de um
corpo de funcionários e grupos sociais que não eram nem senhores de escravos nem
escravos: soldados, capatazes, burocratas do Estado, lupens (prostitutas, mendigos,
ladrões etc.) etc. Estes, enquanto eram, alguns, consequências da ordem decadente e,
outros, tentativas de manter a ordem, sugavam cada vez mais os rendimentos do
trabalho escravista, o mais-trabalho (por meio de impostos etc.). Nesta lógica276, ao
contrário do que imagina o marxismo vulgar, ao romantizar o operariado, Marx apontou
a tendência ao definhamento numérico desta classe como lei inerente do sistema:

(…) O resultado imediato da maquinaria é aumentar o mais-valor e, ao mesmo tempo, a


massa de produtos em que ele se representa – portanto, aumentar, também, juntamente
com a substância de que a classe dos capitalistas e seus sequazes se alimentam, essas
próprias camadas sociais. Sua riqueza crescente e a diminuição relativamente
constante do número de trabalhadores requeridos para a produção dos meios de
subsistência geram, ao mesmo tempo, além de novas necessidades de luxo, também
novos meios para sua satisfação. (p. 630)
Por último, o extraordinário aumento da força produtiva nas esferas da grande indústria,
acompanhado como é de uma exploração intensiva e extensivamente ampliada da força
de trabalho em todas as outras esferas da produção, permite empregar de modo
improdutivo uma parte cada vez maior da classe trabalhadora e, desse modo,
reproduzir massivamente os antigos escravos domésticos, agora rebatizados de “classe
serviçal”, como criados, damas de companhia, lacaios etc. Segundo o censo de 1861, a
população total da Inglaterra e do País de Gales somava 20.066.224 pessoas, sendo
9.776.259 do sexo masculino e 10.289.965 do sexo feminino. Descontando-se disso os
muito velhos ou muitos jovens para o trabalho, todas as mulheres, adolescentes e
crianças “improdutivos”, seguidos dos estamentos “ideológicos”, como governo, clero,
juristas, militares etc., além de todos aqueles cuja ocupação exclusiva é consumir
trabalho alheio sob a forma de renda da terra, juros etc. e, por fim, os indigentes,
vagabundos, delinquentes etc., restam, então, num cálculo aproximado, 8 milhões de
pessoas de ambos os sexos e das mais variadas idades, inclusive todos os capitalistas
que, de uma maneira ou de outra, desempenham funções na produção, no comércio, nas
finanças etc. Esses 8 milhões são assim distribuídos:

Trabalhadores agrícolas (inclusive pastores, bem como peões e criadas que vivem nas
casas dos arrendatários) 1.098.261
Todos os ocupados na fabricação de algodão, lã, estame, linho, cânhamo, seda e juta, e
na confecção mecanizada de meias e fabricação de rendas 642.607223
Todos os ocupados em minas de carvão e de metais 565.835
Todos os ocupados em usinas metalúrgicas (altos-fornos, laminações etc.) e em
manufaturas metalúrgicas de toda espécie 396.998224
Classe serviçal 1.208.648225

Se considerarmos os ocupados em todas as fábricas têxteis somados ao pessoal das


minas de carvão e de metais, teremos 1.208.442, e se aos primeiros agregarmos o

276
No sistema escravista isso se expressou no inchaço extensivo dos campos de trabalho e quantidade
de escravos; no capitalismo ocorre como inchaço do capital fixo, o maquinário, expulsando o operário
da fábrica. Como comentário histórico; possuir novas terras e novos escravos exigia mais capatazes e
pessoal administrativo, além de gerar concentração de subalternos como estímulo a rebeliões. No
escravismo, o escrava, assim como um animal, era equivalente e análogo ao capital fixo no capitalismo;
seu inchaço em tal sistema é analogia com o inchaço do capital fixo, categoria do capital.
pessoal de todas as metalúrgicas e manufaturas de metais, o total será de 1.039.605; em
ambos os casos, pois, um número menor do que o de escravos domésticos modernos.
Que edificante resultado da maquinaria explorada de modo capitalista! (p. 663)

Logo em seguida, Marx oferece a cartada final:

Todos os representantes responsáveis da economia política admitem que a primeira


introdução da maquinaria age como uma peste sobre os trabalhadores dos artesanatos e
manufaturas tradicionais, com os quais ela inicialmente concorre. Quase todos deploram
a escravidão do operário fabril. E qual é o grande trunfo que todos eles põem à mesa?
Que a maquinaria, depois dos horrores de seu período de introdução e desenvolvimento,
termina por aumentar o número dos escravos do trabalho, ao invés de diminuí-lo! Sim, a
economia política se regozija com o abjeto teorema, abjeto para qualquer “filantropo”
que acredite na eterna necessidade natural do modo de produção capitalista, de que
mesmo a fábrica fundada na produção mecanizada, depois de certo período de
crescimento, depois de um maior ou menor “período de transição”, esfola mais
trabalhadores do que ela inicialmente pôs na rua!

Certamente, alguns casos já demonstravam – como, por exemplo, o das fábricas


inglesas de estame e de seda – que, quando a expansão extraordinária de ramos fabris
alcança certo grau de desenvolvimento, tal processo pode estar acompanhado não só de
uma redução relativa do número de trabalhadores ocupados, como de uma redução em
termos absolutos. (…) (633, 634)

Obtemos a tendência à elevação irrestrita do capital constante sobre o capital variável.


Os marxistas entraram no salto de qualidade nascido na década de 1970, salto para si,
mas e talvez por isso, faltou perceberem esta mudança qualitativa. Estava ausente o
exame cuidadoso e busca de uma compreensão a partir da totalidade-contradição277, isto
é, o instinto, o improviso e o empirismo substituíram uma visão melhor talhada. Neste
sentido, operou-se um revisionismo não oportunista e inconsciente, mas ainda um
desvio.
Waldo Mermelstein, veterano trotskysta em sua versão obreira (morenismo), escreve:

“O que vemos no mundo e em nosso país confirma espetacularmente essa previsão: o


número daqueles que vivem da venda do seu trabalho ao capital e têm sua rotina de
trabalho estritamente controlada e subordinada a este não deixou de crescer. Por
exemplo, no Brasil existem 1,4 milhão de trabalhadores de telemarketing, uma das
maiores categorias, muito concentrados, com salários baixíssimos, com rotinas
estreitamente determinadas pelos supervisores em nome das empresas. Não por acaso,
os cerca de 2,2 milhões de professores do país (deixando de lado, por serem um caso
mais complexo os professores universitários que são cerca de 300 mil) estão entre os
mais explorados, que mais lutam, utilizando os mesmos métodos de lutas massivas que
os seus irmãos na indústria. E observando as imensas quantidades de trabalhadores do
comércio (o “proletariado comercial”, segundo Engels), em particular nos grandes
277
Daí perdeu-se o sentido de mudança dialética.
supermercados, hiper-mercados, distribuidoras, etc., podemos perceber que o tamanho
do proletariado vai além do chão da fábrica, que é, naturalmente, seu núcleo mais
compacto, importante e decisivo.”278

Mais importante do que expor fatos é expor processos e causas. Do Século XVI à
década de 1970 do século XX, os setores não fabris eram numericamente reduzidos,
dispersos e membros da uma aristocracia entre os assalariados… Isto mudou: todos
sabemos que, até o final a ditadura brasileira (1985), ou seja, fim dos anos de 1970, o
professor de ensino médio era bem pago, mesmo sem especialização, e uma espécie de
pequena autoridade social; além de numericamente reduzido – agora: mal pago,
numeroso, desmoralizado e concentrado no espaço urbano, mas descentralizado-
desconcentrado no ambiente de trabalho. Mudou? Sim, de classe média aristocrática
para precária. Por isso, teve de aprender a grevar, ter sindicatos, votar na esquerda etc.
O mesmo ocorre tendencialmente entre bancários etc.
Dois objetos podem ser diferentes, mas essencialmente iguais assim como podem ser
iguais, mas essencialmente diferentes. Adentremos diretamente no comércio de dinheiro
e demais mercadorias; em uma abstração direta, o capital portador de juros empresta
(bancário) ao capital produtivo e este (operário) produz mercadorias que serão vendidos
pelo capital comercial (comerciário) e, por isso, uma parte do mais-valor surgido na
produção é destinada para pagar o banqueiro e salário do bancário e o dono do comércio
e seu funcionário. No sentido não oportunista, estes dois setores parasitam o capital
capaz de produzir valor. Isso significa, portanto, que os trabalhadores não fabris não
devem ser nomeados proletários? Lucas pode mudar o próprio nome para Pedro, porém
continuará sendo Lucas. Resposta: nenhum problema há, pode-se em uma discussão de
dicionário contanto que se leve em conta: 1) as palavras têm sentido e intenção; 2) a
nomenclatura é a parte mais pobre da análise, sendo importante escolher palavras que
melhor expressem na subjetividade a objetividade do objeto; 3) a definição vital é
deixar clara a diferença social entre operários e demais setores explorados e oprimidos;
4) os setores precários não fabris são explorados e oprimidos, entretanto objetivamente
– na localização social do trabalho – diferentes; 5) desde 1970, o peso operário reduziu-
se em paralelo à deterioração do nível de vida dos demais setores não burgueses.
Parece-nos que chamá-los classe média assalariada, precária ou aristocrática, ou,
simplesmente, assalariados (classe trabalhadora) está mais exato. Assim como um
operário de salário seis ou setes vezes acima da média nacional é, com certeza, um
membro da classe média (aristocracia operária – operário porque participa da produção
e, logo, adquire duplo caráter279280); pela maior parte da história do capitalismo, estes

278
http://blog.esquerdaonline.com/?p=5961
279
No Feudalismo: “Não esqueçamos que a necessidade de subsistir, em que se encontravam os servos,
e a impossibilidade de exploração em larga escala, que conduziu à repartição dos loteamentos entre os
servos, reduziram muito depressa as obrigações destes para com o senhor feudal a uma determinada
média de contribuições em espécie e de corveias; isto dava ao servo a possibilidade de acumular bens
móveis, favorecia a sua evasão da propriedade do senhor e dava-lhe a perspectiva de conseguir ir para a
cidade como cidadão; daí resultou uma hierarquização entre os próprios servos, de tal modo que
aqueles que conseguem evadir-se são já semiburgueses. É assim evidente que os vilãos conhecedores
de um ofício tinham o máximo de possibilidades de adquirir bens móveis.” (Ideologia Alemã). Já no
capitalismo: “Logo, enquanto os servos fugitivos apenas pretendiam desenvolver livremente as suas
condições de existência já estabelecidas e fazê-las valer, mas conseguiam quando muito o trabalho livre,
os proletários, se pretendem afirmar-se como pessoas, devem abolir a sua própria condição de
setores não produtores diretamente do valor obtiveram salários acima da média e
pertencem aos elos intermediários entre explorados assalariados.
São, portanto, dois níveis de abstração: a) da forma: massa de humanos cujo salário, em
cargo subordinado, permite a sobrevivência; b) do conteúdo: entre os assalariados há
um setor – nas fábricas, minas e campos – assalariado essencial, que determina a
existência dos demais salários, que gera de fato seu próprio salário no ato de trabalho
enquanto forma do valor, do capital variável. Este é o proletariado.

Então:
Operariado = produz valor, trabalho manual e coletivo, localizado no capital produtivo.
Bancários e comerciários = não produzem valor, permitem a autovalorização dos
capitais bancário e comercial por meio do lucro (extração e realização de valor),
trabalho intelectual e não necessariamente coletivo ou manual.
Assalariados médios = setor colateral por natureza, para além da tríade, apenas
formalmente produtivo quando gera lucro e pode tornar-se improdutivo sem que, em si,
se degenere. Inclui o setor intermediário das empresas: gerentes, supervisores,
seguranças etc. Entre a classe média, há também o funcionalismo público que, precário
ou aristocrático, em boa parte do mundo costuma adquirir alguns poucos particulares
direitos, a exemplo da estabilidade de emprego.
Pequena burguesia proprietária = donos de pequenas propriedades privadas:
comerciantes, camponeses, pequenos industriais etc.

Lógica formal (A=A) = todos iguais por razão de assalariamento, método dedutivo, não
diferenciação.
Lógica dialética (A=Não-A) = a diversidade na igualdade, diferenciação e diferenças
qualitativas, ir além do que o sentido imediato evidencia, utilização da lógica formal
como auxiliar (A=A e não-A).

De novo, ouçamos Marx:

Por “proletário” deve-se entender, do ponto de vista econômico, apenas o assalariado


que produz e valoriza “capital” e é posto na rua assim que se torna surpéfulo para as

existência anterior, que é simultaneamente a de toda a sociedade até aos nossos dias, isto é, devem
abolir o trabalho.” (Idem.)
280
A formação de uma aristocracia operária, parte da classse média, é um dentre os motivos da
fragilização do proletariado como sujeito revolucionário. O próprio aumento da composição orgânica, e
técnica, do capital, reduzindo a quantidade de operários e despesas com seus salários, permite formar
um setor reduzido com renda acima da média. Em Marx, lemos: “[À medida que se acumulasse capital]
uma parte maior de seu próprio excedente… volta para… os operários sob a forma de meios de
pagamento, de modo que eles podem aumentar os frutos extraídos desse excedente; podem aumentar
um pouco seu consumo de roupas, mobiliário etc. e podem ter pequenos fundos de reserva. Mas, assim
como isto – melhores roupas e alimentos, melhor tratamento e um pecúlio maior – é pouco para acabar
coma exploração do escravo, também é pouco para acabar com a exploração do operário assalariado.
Um aumento do preço do trabalho em decorrência da acumulação de capital só significa, realmente,
que o cumprimento e o peso da corrente de ouro que o operário assalariado pode forjar para si próprio
permitem um relaxamento da tensão… Esse aumento só significa, na melhor das hipóteses, uma
diminuição quantitativa do trabalho não remunerado que o operário tem de executar. Essa diminuição
nunca poderá atingir o ponto em que ameace o próprio sistema.” (Marx, O Capital. 1:645. Extraído da
citação 99, livro “História do Pensamento Econômico”, E. K. Hunt e Mark Leutzenheiser).
necessidades de valorização do “Monsieur Capital”, como Pequeur denomina esse
personagem. “O enfermiço proletário da selva” é uma gentil quimera de Roscher. O
selvático é proprietário da selva e a trata com tanta naturalidade quanto o orangotango,
isto é, como propriedade sua. Ele não é, portanto, proletário. (O Capital I, Boitempo,
página 690, Nota de Rodapé.)

Resolvamos por outra questão:

Classe operária, proletariado: Produz mais-valor, mais-trabalho, mais-produto.


Assalariados produtores de lucro: Produzem mais-trabalho, pois uma parte das vendas
(de mercadorias, serviços etc.) paga seus salários e outra parte transforma-se em lucro.
Seu produto é sua própria atividade. Não produzem a substância social valor, mais-
valor.

No entanto, ocorre a confusão categorial de afirmar ser mais-valor sempre equivalente a


mais-trabalho e mais-produto. Ao mesmo tempo, entendemos o motivo de empresas não
fabris desejarem acelerar os trabalhos de seus funcionários, reduzir salários e aumentar
a jornada, ou seja, o mais-trabalho.
Outro fator, histórico: a maior parte dos assalariados e suas funções existiam antes da
primeira revolução industrial, final do século XVIII; mas apenas o capitalismo maduro,
industrial, fez surgir uma classe assalariada ímpar produtora do valor, o operariado ou
proletariado281.
Não sendo o setor central, o trabalhador de transportes também é operário, por duas
razões: 1) até chegar ao comércio, o valor de uso produzido na fábrica é apenas
potencialmente mercadoria, sendo que o próprio ato de deslocar adiciona valor àquele
quase ser, em potência; 2) transportam, no espaço urbano, metroviários e rodoviários, a
mais importante mercadoria a permitir a criação de valor, o trabalhador com sua força
de trabalho – e torna-se um custo no cálculo do preço dessa força282.

Desçamos, subamos, à dimensão política: poder operário ou popular? A segunda opção,


comum aos movimentos rurais e urbanos, tem sido adotada por organizações que
reivindicam o marxismo. A possibilidade de substituição do sujeito histórico – “Poder
dos Trabalhadores” – está longe de empurrar o protagonismo do trabalhador fabril para
o passado. Trotsky resume com plenitude a questão:

281
"Por burguesia entende-se a classe dos Capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção
social e empregadores de trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados
modernos, os quais, não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de
trabalho [labour-power] para poderem viver." (Manifesto do Partido Comunista. Nota de Engels à
edição inglesa de 1888.)
282
Marx considera este setor, transporte de humanos, parte constituinte do setor de serviços, ou seja,
apenas formalmente produtivo. Com o capitalismo atual e alta urbanidade, eleva-se o assalariamento
de antes profissionais liberais (médicos, professores etc.), criam-se novos serviços lucrativos e há
aumento numérico dos assalariados não operários. Dado o contexto; aqui, discordamos de Marx sobre
os serviços nos transportes: quando o capitalista contrata o operário, aquele transforma o dinheiro do
contrato (salário) em capital e o trabalhador em capital variável; porém, até que transforme sua força
de trabalho em trabalho, este é apenas potencialmente capital e em latência – em si, não para si –
produtor de valor; não central, o deslocamento dos trabalhadores capazes de gerar valor, realizá-lo e
transferi-lo faz parte do setor produtivo per si. Com a alta urbanização, podemos falar em inchaço e
setor colateral.
"É claro que toda grande revolução é uma revolução popular ou revolução nacional, no
sentido em que une em torno da classe revolucionária todas as forças vivas e criativas
da nação e reconstruída em torno de um novo eixo. Mas isso não é uma palavra de
ordem, é uma descrição sociológica da revolução, exigindo explicações positivas e
concretas. Como palavra de ordem, é fanfarrona e charlatanismo, concorrência de bazar
com os fascistas, feitas a preço de que se espalha na cabeça dos operários.
(…) O fascista Strasser diz: 95% do povo está interessado na revolução, mas em uma
revolução popular, não de classe. Thaelmann o acompanha nessa cantiga. Mas na
realidade o operário comunista deveria dizer ao operário fascista: evidentemente, 95% -
senão 98% – do povo é explorado pelo capital financeiro. Mas esta exploração está
organizada de maneira hierárquica: há exploradores, há subexploradores,
subsubexploradores, etc. E é só graças a essa hierarquia que os superexploradores
dominam a maioria da nação. Para que a nação possa efetivamente reconstruir-se em
torno de um novo eixo de classe, ela deve reconstituir-se ideologicamente, e isto só é
realizável se o proletariado, sem se dissolver no "povo", na "nação", mas, ao contrário,
desenvolvendo “seu” programa de revolução “proletária”, obrigue a pequena burguesia
a escolher entre os dois regimes. A palavra de ordem da revolução popular adormece
tanto a pequena burguesia como as amplas massas operárias, concilia-as com a estrutura
hierárquica burguesa do "povo", retarda a sua libertação. Nas condições atuais da
Alemanha, a palavra de ordem de revolução “popular" anula as fronteiras ideológicas
entre o marxismo e o fascismo, permitindo-lhes acreditar que não há necessidade de
escolherem uma vez que, tanto um como no outro caso, se trata de revolução popular.”
(Trotsky; Revolução e Contrarrevolução na Alemanha; p.82, 83.)

Para acrescentarmos e avançarmos no tempo em relação à Marx, Trotsky trabalhou em


cima do conceito “nova classe média”:

c) A Decadência das Classes Médias

Os números que demonstram a concentração do capital indicam ao mesmo tempo que a


gravitação específica da classe média na produção e sua participação na riqueza
nacional foram decaindo constantemente, enquanto que as pequenas propriedades foram
completamente absorvidas ou reduzidas em grau e desprovidas de sua independência,
transformando-se num mero símbolo de um trabalho insuportável e de uma necessidade
desesperada. Ao mesmo tempo, é verdade, o desenvolvimento do capitalismo
estimulou consideravelmente um aumento no exército de técnicos, diretores,
empregados, advogados, médico, numa palavra, a chamada “nova classe média”.
Mas esse estrato, cuja existência já não tinha mistérios para Marx, pouco tem a ver
com a velha classe média, que na propriedade de seus meios de produção tinha
uma garantia tangível da independência econômica. A “nova classe média”
depende mais diretamente dos capitalistas que os trabalhadores. É verdade que a
classe média é em grande parte quem define sua tarefa. Além disso, detectou-se
nela um considerável produto excedente, e sua conseqüência: a degradação social.
“A informação estatística segura — afirma uma pessoa tão distante do marxismo como
o já citado Mr. Hommer S. Cummings — demonstra que muitas unidades industriais
desapareceram completamente — e que o que ocorre é uma eliminação progressiva dos
pequenos homens de negócios como fator na vida norte-americana”.
Mas, segundo a objeção de Sombart, “a concentração geral, com o desaparecimento da
classe de artesãos e lavradores”, ainda não se deu. Como todo teórico, Marx começou
por isolar as tendências fundamentais em sua forma pura; de outra forma, teria sido
totalmente impossível compreender o destino da sociedade capitalista. O próprio Marx
era, no entanto, perfeitamente capaz de examinar o fenômeno da vida à luz da análise
concreta, como um produto da concatenação de diversos fatores históricos. As leis de
Newton certamente não foram invalidadas pelo fato de que a velocidade na queda dos
corpos varia sob condições diferentes ou de que as órbitas dos planetas estejam sujeitas
a perturbações. Para compreender a chamada “tenacidade” das classes médias é bom
lembrar que as duas tendências, a ruína das classes médias e a transformação dessas
classes arruinadas em proletários, não se dão ao mesmo tempo nem na mesma extensão.
Da crescente preponderância da máquina sobre a força de trabalho segue-se que,
quanto mais longe vai o processo de ruína das classes médias, tanto mais para trás
deixa o processo de sua proletarização; na realidade, em determinada ocasião, o
último pode cessar inteiramente e inclusive retroceder.
(…)
(…) Longe de se constituir numa garantia para o futuro, a classe média é uma
desafortunada e trágica relíquia do passado. Incapaz de suprimi-la por completo, o
capitalismo deu um jeito de reduzi-la ao maior grau de degradação e miséria. Ao
lavrador é negada não só a renda que lhe é devida por seu lote de terreno e o lucro do
capital que investiu nele, como também uma boa porção de seu salário. Da mesma
forma, a pobre gente que mora na cidade se debate no reduzido espaço que se lhe
concede entre a vida econômica e a morte. A classe média só não se proletariza
porque se depaupera. A este respeito é tão difícil encontrar um argumento contra
Marx quanto a favor do capitalismo.283

Neste norte geral, podemos atualizar284 o trabalho do fundador do Exercito Vermelho:


podemos dividir a classe média em precária285 ou aristocrática e pequena proprietária ou
não proprietária/assalariada e, nesta última, em produtiva (de lucro) e não produtiva.

Proletarização = deslocamento de pessoas pertencentes a outras classes para o setor


produtivo.
Assalariamento = transformação de setores autônomos e profissionais liberais em
assalariados e subordinados.
Precarização = deterioração da qualidade de trabalho e vida de setores sociais.

Classe em si = classe social, grupos sociais definidos pelas suas relações sociais de
trabalho.

283
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/marxismo/cap01.htm#i11
284
Na obra "Revolução e Contrarrevolução na Alemanha", ele expõe:
"Os principais efetivos do fascismo continuam a ser constituídos pela pequena-burguesia e pela nova
classe média que se formou: pequenos artesãos e empregados do comércio nas cidades, funcionários,
empregados técnicos, intelectuais, camponeses arruinados (...) mil operários de uma grande empresa
representam uma força maior do que a de um milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas
esposas e sogras". (p. 45, 46.) Após a enumeração direta, na mesma obra, mais adiante (p. 284), afirma
que "[A burguesia] conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena
burguesia, mas também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-
burguesia – a burocracia operária". (Trotsky, Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha. São
Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011.)
285
Assim, por sua condição material, tende à esquerdização e tomou para si métodos tradicionais do
movimento operário, como greves e ocupações – objetividade sobre a subjetividade. Por isso, revela
outra confusão categorial e de afastamento da essência – precarização é diferente de proletarização.
Classe para si = quando determinada classe age a favor de seus próprios interesses,
imediatos e estratégicos, como classe com consciência de si, de classe, e organizada
para tal.

Esta tendência à precarização dos setores aristocráticos e não operários é revelada pela
genialidade de Engels, embora este seja limitado e mais permeado de erros em relação
ao amigo:

“O trabalhador comercial propriamente dito pertence à categoria dos assalariados


mais bem pagos, daqueles cujo trabalho qualificado se encontra acima do trabalho
médio. Apesar disso, com o progresso do modo de produção capitalista, seu salário
tende a diminuir, inclusive a respeito do trabalho médio. Isso se deve, antes de tudo, à
divisão do trabalho no escritório…
Com poucas exceções, a força de trabalho destas pessoas se torna desvalorizada com o
progresso da produção capitalista”.286 (grifo nosso)

O general da I Internacional disse 1) como as coisas são, quer seja, como eram e 2)
como tendem a ser e o porquê. Não há dúvidas de que a precarização do trabalho e da
vida da maioria dos assalariados no século XXI, produtivos e improdutivos, operários e
setores médios, é condição básica e vital da revolução socialista em todo o mundo!287

Vamos contra o marxismo vulgar. A=não-A. A possibilidade de substituição do


trabalhador por máquinas automatizadas, ou seja, demissão, eleva a possibilidade de
luta de classes em nível maior e revolucionária… Não é o crescimento em número dos
produtores que lhes dá de todo a força necessária para grandes batalhas, mas o medo do
futuro, sua potencial redução numérica absoluta com o aumento correspondente do
número de desempregados, a precarização e o desespero. Erra quem se apega à lógica
formal e ao modelo fordista… É o medo de desaparecer que leva uma fera encurralada a
lutar como nunca antes contra os predadores.

Se isso gera, também, a possibilidade de substituição do sujeito histórico, para


outros assalariados, é a realidade quem mais ordena. É o caso de países como Paraguai,
focado na área de serviços. No entanto: quem tem condições históricas de dar os
primeiros poderosos passos é a classe operária. O proletariado da China e da Índia está
acumulando tensões invisíveis e passivas. Por enquanto...

***
Marx descobre o desenvolvimento da humanidade como desenvolvimento de
graus de liberdade.

286
El Capital [O Capital]. Tomo III, pag. 309. Edit. Cartago.
287
"A aliança que o proletariado propõe, não às "classes médias" em geral, mas às camadas exploradas
da cidade e do campo, contra todos os exploradores, incluindo os exploradores "médios", não pode ser
fundamentada sobre a coação, mas somente sobre um acordo voluntário, que deve ser consolidado em
um "pacto" especial. Este "pacto" é, precisamente, o programa das reivindicações transitórias,
livremente aceito pelas duas partes." Trotsky; O Programa de Transição. Extraído de:
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#11
Divisão natural do trabalho:
Trabalho primitivo – homem subjugado pelos limites da natureza

Divisão social do trabalho, alienação entre trabalho intelectual e manual:


Sistema escravista – trabalho (manual, produtivo) escravo – homem enquanto coisa,
ferramenta de trabalho de outro
Sistema feudal – trabalho sevil – homem preso formalmente à terra, à propriedade do
feudo
Sistema capitalista – trabalho assalariado, trabalho abstrato – igualdade jurídica formal
– homem provido de sua força de trabalho enquanto mercadoria sua e trocável

Fim da alienação do trabalho:


Sistema socialista – trabalho emancipado – primazia geral do trabalho intelectual –
igualdade geral, liberdade substantiva (Mészaros)

Desemprego estrutural (subclasse dos desempregados), crescimento de


trabalhadores “autônomos”, diminuição do número de operários na produção, trabalhos
“voluntários” (jovens aprendizes, estágios não remunerados etc.), aumento do trabalho
escravo, precarização dos empregos de alta formação (trabalho complexo), manutenção
artificial de serviços socialmente inúteis etc. São expressões da crise do trabalho em
forma capitalista, assalariada.
Todos os sistemas econômico-sociais tentaram dentro de suas possibilidades
histórico-concretas aumentar a produtividade controlando o trabalho produtivo,
reduzindo ao máximo o tempo livre e acalerando a produção. O controle abstrato do
trabalho concreto antes existiu para maior produção de valores de uso, e no capitalismo
– auge e forma ímpar da dominação de classes – rompem-se as anteriores barreiras,
fazendo triunfar o valor, sujeito automático. Por sua vez, a transição ao comunismo tem,
dentre os demais objetivos, a tarefa de tornar cada vez mais humanamente fácil, em
amplo sentido desta vez, o processo produtivo.
O nível de liberdade individual e coletiva tem relação direta, por vezes
contraditória, com o nível de produtividade social. Quer dizer: a dominação humana,
por meio da técnica, sobre a natureza288.

288
Relação não necessariamente e qualitativamente destrutiva.
PANDEMIAS COMO SINTOMA DA CRISE SISTÊMICA

“Nossas prioridades são inclinadas pelos imperativos do mercado. A vacina contra a


malária é a maior necessidade. Mas quase não tem financiamento. Mas se você está
trabalhando com a calvície masculina ou outras coisas você pode conseguir mais
recursos para pesquisa por causa da voz que tem no mercado, mais que algo como a
malária.”
Bill Gates, bilionário.

“A universalidade do homem aparece na prática precisamente na universalidade que faz


de toda natureza seu corpo inorgânico, tanto por ser um meio de subsistência imediato,
como por ser a matéria e instrumento de sua atividade vital. A natureza, ou seja, a
natureza que não é o próprio corpo humano, é o corpo inorgânico do homem. O homem
vive da natureza, quer dizer que a natureza é o seu corpo com o qual ele deve manter
um processo constante para não morrer. Dizer que a vida física e intelectual do homem
é indissoluvelmente ligada à natureza não significa outra coisa senão dizer que a
natureza é indissoluvelmente ligada consigo mesma, porque o homem é uma parte da
natureza.”

“Enquanto o trabalho estranhado (entfremdete) torna o homem estranho primeiro à


natureza, segundo a si mesmo, sua própria função ativa, sua atividade vital, torna o
homem estranho (entfremdet) ao gênero: faz da sua vida genérica um meio da vida
individual.”
Marx, Karl, Manuscritos Econômico-Filosóficos, pag. 27 (Tradução Mônica Hallak).

Empiricamente, observamos o aumento de epidemias e pandemias. O fanatismo


religioso chama "sinais do apocalipse"289; a esquerda dogmática afirma ser "um dos
tantos males do capital". A segunda resposta está incompleta ainda que mais exata, pois
o aumentar do adoecimento está relacionado ao modo de produção ou, mais
precisamente, à necessidade de superá-lo. Assim, em suas fases finais de decadência, o
Egito experimentou "pragas" romantizadas na Bíblia; o império romano sofreu com o
envenenamento por chumbo e outras doenças, como a peste no século III, vinda da
Grécia e norte da África, com suas cinco mil mortes por dia290; o feudalismo conheceu,
por exemplo, a peste negra, doença ceifadora de metade (!) da população europeia entre
1347 e 1351, em quatro anos291… Tais fenômenos tiveram também como origem a
concentração precária de humanos nos campos de trabalho escravo, feudos e cidades. A
partir disso, perguntemo-nos como o fenômeno se manifesta no capitalismo, as causas.
Para melhor organização, exporemos em lista, a seguir:

A)
Diferenças entre ricos e pobres geram problemas alimentares, de higiene, de acesso à
informação, de hábitos, de salubridade;

289
Vale observar que esta interpretação é parcialmente correta. O Livro do Apocalipse foi a forma
ideológica, mistificada, de expressar a crise sistêmica da sociedade romana.
290
2009 , livro "À sombra do plátano"; Joffre M de Rezende Editora UNIFESP
http://www.jmrezende.com.br/epidemias.htm
291
https://drauziovarella.com.br/drauzio/a-peste-negra/
B)
A urbanidade atual, que alcançou altíssimo desenvolvimento, reúne uma enorme massa
urbana, facilitando a contaminação geral;

C)
Junto ao ponto b, o fluxo humano e de mercadorias por todo o mundo interliga-nos
também do ponto de vista viral;

D)
Com a automação da produção, alta capacidade produtiva, a indústria farmacêutica
necessita criar demanda, ou seja, adoecimento (por criação real e/ou virtual de doenças)
– e bloqueia ou atrasa pesquisas cujo objetivo é a cura;

Richard J. Roberts, Prêmio Nobel de Medicina, denuncia em entrevista:

Eu verifiquei a forma como, em alguns casos, os investigadores dependentes de


fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes que teriam acabado
completamente com uma doença ...

(…)

Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar
as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é
desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam
crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar
a medicação.

(…)

Mas é habitual que as farmacêuticas estejam interessadas em linhas de investigação


não para curar, mas sim para tornar crónicas as doenças com medicamentos
cronificadores muito mais rentáveis que os que curam de uma vez por todas. E não tem
de fazer mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica para comprovar o
que eu digo.

(…)
Ao capital só interessa multiplicar-se. Quase todos os políticos, e eu sei do que falo,
dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas que financiam as
campanhas deles. O resto são palavras…292

E)
A quantidade de gente precária e concentrada na urbanidade é enorme – sendo elemento
importantíssimo para futuras revoluções socialistas. O medo de contaminação pode
servir, com num ataque terrorista, como meio de controle e dispersão;
292
Publicado originalmente no La Vanguardia. Extraído de:
http://www.esquerda.net/artigo/farmac%C3%AAuticas-bloqueiam-medicamentos-que-curam-porque-
n%C3%A3o-s%C3%A3o-rent%C3%A1veis
F)
A crise do meio ambiente (alta concentração de carbono no ar, por exemplo) por si faz
surgir novas doenças, além de tornar mais frequentes as que existem. Vejamos um
exemplo dos mais intensos:

“Um estudo da Universidade de Duke (Carolina do Norte, Estados Unidos) revelou


que as partículas de fumaça que emanam da queima de resíduos que ocorre em várias
partes da Índia têm uma composição química tóxica que é muito prejudicial para a
saúde.”

“Este documento indica que uma pessoa que está em pé na vizinhança de um desses
lugares inala uma dose de toxinas 1.000 vezes mais elevada do que receberia em
qualquer outro lugar ao ar livre. Assim, respirar “estas partículas por um minuto”
consegue fazer uma pessoa alcançar “a dose máxima diária”, explica Michael Bergin,
um dos pesquisadores.”293

A Pandemia de gripe suína (2009), os surtos de chikungunya e zica na América do


Sul (2015), ebola na África (2014-2016), gripe aviária (2003, 2005, 2009); vista nesta
perspectiva, a AIDS parece ser a mais importante precursora dessa tendência. Isso
revela o esgotamento do método de saúde do capital294, voltado para o lucro e
administração do sofrimento:

“De acordo com especialistas, as superbactérias, que se desenvolvem por causa do


uso em excesso de antibióticos em humanos e na produção agropecuária, são uma das
maiores ameaças para a Humanidade. Cepas de bactérias resistentes aos mais potentes
medicamentos existentes já foram identificados em diversos países, incluindo o Brasil.
Estimativas apontam que, sem combate, esses micro-ogranismos podem matar 10
milhões de pessoas por ano a partir de 2050.”

“— É irônico que uma coisa tão pequena provoque tamanha ameaça pública —
disse Jeffrey LeJeune, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, em
entrevista ao “Guardian”. — Mas ela é uma ameaça global à saúde que precisa de uma
resposta global.”295

293
http://climatologiageografica.com.br/respirar-por-1-minuto-na-india-e-extremamente-perigoso/
294
“O mundo está no liminar de uma "era pós-antibiótico" alertam cientistas após a descoberta de
bactérias resistentes a medicamentos da última linha de defesa humana contra infecções. Um estudo
divulgado na revista científica Lancet identificou, em pacientes e animais na China, bactérias que
resistem à colistina, um potente antibiótico. Os autores concluem que essa resistência pode se espalhar
pelo mundo, trazendo consigo a ameaça de infecções intratáveis.
Especialistas afirmam que esse desdobramento precisa ser visto como um alerta mundial. Se bactérias
se tornarem completamente resistentes a tratamentos - o chamado "apocalipse antibiótico" -, a
medicina pode ser lançada novamente em uma espécie de Idade Média. Infecções comuns voltariam a
causar mortes, enquanto cirurgias e tratamentos de câncer, que apostam em antibióticos, ficariam sob
ameaça.” – BBC e http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/cientistas-descobrem-
mutacao-que-torna-bacterias-imbativeis-por-antibioticos.html
295
http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/paises-da-onu-assinam-compromisso-global-contra-
superbacterias-20149803#ixzz4OV186xgg
A razão desse problema é fácil de observar; o aumento dos problemas de saúde tem
como lastro universal a crise econômica, ou seja, aumento das pobrezas relativa e
absoluta, a queda da qualidade nutricional dos alimentos, corte dos custos com
salubridades, maior exploração laboral, guerras (com o possível uso de armas
biológicas) e deslocamento caótico de humanos (refugiados, etc.). Isso nos faz recordar
o escândalo no berço da filosofia:

Como diretor de escola primária, Leonidas Nikas está acostumado a ver crianças
brincando, rindo e sonhando com o futuro. Mas, recentemente, ele viu algo
completamente diferente, algo que ele achava que era impossível na Grécia: crianças
revirando o lixo da escola em busca de comida; jovens necessitados pedindo restos dos
amigos; e um menino, trata-se de Pantelis Petrakis, 11, contorcendo-se de fome.

"Ele não tinha comido quase nada em casa", disse Nikas, sentado na apertada sala
da diretoria, perto do porto de Piraeus, um subúrbio da classe trabalhadora de Atenas,
enquanto o som de uma corda de pular deslizava pelo pátio. Ele conversou com os pais
de Pantelis, que estavam envergonhados e constrangidos, mas admitiram que não
conseguiam encontrar trabalho há meses. Suas economias haviam acabado e eles
estavam vivendo com porções de macarrão e ketchup.

"Nem nos meus pesadelos mais insanos eu imaginaria ver a situação em que
estamos hoje”, disse Nikas. “Chegamos a um ponto em que as crianças na Grécia estão
chegando com fome na escola. Hoje, as famílias têm dificuldades não só para encontrar
emprego, mas para sobreviver.”

A economia grega está em queda livre, tendo diminuído 20% nos últimos cinco
anos. O desemprego está em mais de 27%, o mais alto na Europa, e 6 em cada 10
candidatos a emprego dizem que não trabalharam há mais de um ano. Essas estatísticas
duras estão remodelando as vidas das famílias gregas que têm filhos, que cada vez mais
estão chegando na escola com fome ou mal alimentados, até mesmo desnutridos, de
acordo com grupos privados e o próprio governo.

No ano passado, cerca de 10% dos alunos gregos do ensino fundamental e médio
sofreram com o que os profissionais de saúde pública chamam de “insegurança
alimentar”, o que significa que eles enfrentaram a fome ou o risco dela, disse Athena
Linos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Atenas, que também
chefia um programa de assistência alimentar no Prolepsis, um grupo de saúde pública
não governamental que estudou a situação. “No que diz respeito à insegurança
alimentar, a Grécia agora caiu para o nível de alguns países africanos", disse ela.296

I) O processo de separação do valor de uso do suporte e o valor de uso


“poético”, sob a forma capitalista, geram: 1) produtos com baixo valor
nutritivo (exemplo de um suco artificial e barato); 2) estimula a adoção de
substâncias nociva à saúde humana (para dar cheiro, cor, gosto etc.).

296
http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2013/04/22/com-a-crise-financeira-familias-
gregas-passam-fome.htm
Abarcamos os conceitos desta matéria:

“Segundo avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU), pelo menos 800
milhões de pessoas, incluindo 300 milhões de crianças, “toda noite vão para a cama com
fome”. Já é um número catastrófico. Mas tratando-se de avaliação de uma organização
imperialista, esse número da ONU de indivíduos portadores de fome absoluta deve estar
bastante subestimado.

A segunda forma através da qual se manifesta a incapacidade do modo de produção


capitalista alimentar a população mundial é a fome relativa. Pode ser chamada também
de fome especificamente capitalista. É quando as pessoas dispõem formalmente de certa
quantidade de alimentos, mas de péssima qualidade e alto grau de morbidez para a
manutenção da saúde individual e coletiva.

A fome relativa é um resultado histórico do estágio mais avançado da agricultura


capitalista, das mega indústrias capitalistas de alimentos, do sistema de transporte,
armazenamento, conservação e distribuição dessas mercadorias-capital.

Pessoas portadoras de fome relativa são obesas e lentas. Vão para a cama com o
estômago cheio (muito cheio), mas com um monte de invisíveis fraquezas orgânicas e
visíveis doenças pelo corpo. Mercadorias-capital que provocam inflamações físicas e
mentais generalizadas. Que podem provocar a morte dos seus consumidores a qualquer
momento.”
(…)

A deterioração da qualidade dos produtos agrícolas, dos contaminados alimentos


industrializados e comercializados em todos os cantos do mundo – deve-se unicamente
à crescente necessidade de redução dos custos de produção e de circulação do capital.

O crônico processo atual de deterioração da qualidade dos alimentos e a consequente


fome relativa devem-se à necessidade dos capitalistas de sustentação de crescentes taxas
de lucro embutidas nos preços desses bens necessários a reprodução física da população
mundial, historicamente materializados na forma de valor ou mercadorias-capital.

Outra coisa importante: a aceleração da fome relativa, especificamente capitalista, não


elimina a fome absoluta herdada da propriedade privada em geral e de modos de
produção anteriores.

Ao contrário. A aceleração da fome relativa é acompanhada pela introdução,


intensificação e generalização da fome absoluta. Espalhadamente. Não mais apenas nos
países dominados da periferia, como algumas décadas atrás. A fome absoluta retorna
triunfalmente também nas grandes cidades do centro imperialista.”297

Sobre a inflência da alimentação sobre a saúde física (e mental):

297
http://criticadaeconomia.com.br/as-modernas-formas-da-fome-capitalista-2/
Os hadza são uma das poucas tribos coletoras-caçadoras restantes no mundo - e
acredita-se que eles habitem o mesmo lugar, no norte da Tanzânia, há 40 mil anos,
vivendo de frutas, tubérculos e da carne de 30 mamíferos diferentes. O repórter da BBC
Dan Saladino acompanhou a tribo e conta que lições podemos tirar dessa dieta tão rica
em bactérias benéficas e protetoras do sistema imunológico. assim que nossos ancestrais
buscavam sua comida e supriam suas necessidades. As refeições de Zigwadzee e de
seus amigos hadza são o último elo remanescente com as dietas que nós humanos
usamos para evoluir. Foi com elas que nosso sistema digestivo se desenvolveu,
inclusive o complexo conjunto de bactérias que temos dentro de nosso corpo, o
chamado microbioma.

(…)

Tem crescido, entre os médicos especializados, a percepção de que o microbioma


de nosso sistema digestivo tem grande influência sobre nossa imunidade - e que quanto
mais rico e diverso esse microbioma for, menor é o risco de ficarmos doentes.

E acontece que os hadza têm o mais diversificado microbioma digestivo do planeta,


justamente por causa de sua dieta.

Entre meus companheiros de viagem estava Tim Spector, professor de


epidemiologia genética do King's College London, cuja missão era descobrir se, caso
ele se alimentasse como um hadza, conseguiria um microbioma tão saudável quanto o
deles.

Por isso, Spector coletou amostra de suas próprias fezes antes e depois de três dias
sob a "dieta hadza", para verificar se a variedade de bactérias havia mudado.

Os resultados foram impressionantes. Após apenas três dias, a diversidade


bacteriana em seu já saudável microbioma havia aumentado em 20%, incluindo
bactérias raras e geralmente associadas à boa saúde.298

Cada vez mais estudos indicam que, quanto mais rica e diversificada é a
comunidade microbiana do intestino, menor será o risco de doenças. A dieta é chave
para conservar a diversidade, como ficou demonstrado de forma assustadora quando um
estudante universitário seguiu uma dieta do McDonald’s por 10 dias, e ao final de
quatro vivenciou uma queda significativa na quantidade de micróbios benéficos.
Diversos estudos de amplo alcance sobre humanos e animais obtiveram resultados
semelhantes.
(…)

Normalmente, as maiores mudanças microbianas são observadas em pessoas com


má saúde e um microbioma pouco diverso e instável. O que ignorávamos era se um
microbioma intestinal sadio e estável poderia melhorar em apenas alguns dias. A
ocasião de comprovar isso se apresentou de maneira incomum quando meu colega Jeff
Leach me convidou a fazer uma viagem de campo à Tanzânia, onde ele tinha vivido e

298
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40843534
trabalhado com os hadzas, um dos últimos grupos caçadores-coletores restantes na
África.

(…)
Vinte e quatro horas depois, Dan e eu estávamos de volta a Londres, ele com suas
preciosas fitas de áudio e eu com minhas queridas amostras de fezes. Depois de
produzir várias outras, as enviei ao laboratório para análise.

Os resultados mostraram claras diferenças entre a amostra inicial e as obtidas ao


fim de três dias da dieta coletora. A boa notícia foi que a diversidade microbiana de meu
intestino tinha aumentado 20%, o que incluía alguns micróbios africanos totalmente
novos, com os do filo sinergistete.

A má notícia foi que, passados alguns dias, os micróbios tinham voltado


praticamente ao mesmo ponto em que estavam antes da viagem. Mas tínhamos
aprendido uma coisa importante: por melhor que seja sua dieta e a saúde de seu
intestino, não são nem de longe tão boas quanto as de seus ancestrais. Todo mundo
deveria fazer o esforço de melhorar a saúde intestinal voltando a selvagizar sua dieta e
seu modo de vida. Ser mais atrevidos na cozinha diária e voltar a nos conectar com a
natureza e com a vida microbiana que a acompanha pode ser aquilo de que todos
necessitamos.299

Sob o capitalismo, o produtor, trabalhador, tornou-se livre formal e juridicamente; e


em dois aspectos: 1) livre de ter propriedade dos meios de produção – precisa vender
sua força de trabalho a quem detenha as ferramentas; 2) livre dos meios de subsistência
– precisa do salário par acessar alimentos em principal, roupa etc. Esta contradição entre
quem produz e quem é dono do que se produz, na liberdade de ser livre de tudo quanto é
necessário, acresce-se: a ração diária, não sendo muita, tende a trazer problemas à
saúde.
Com acesso a novos produtos, em parte por barateamento dos preços, os pobres
passam a obter “doenças de rico”.

Olhando externo e filosoficamente, abstraindo o lucro, a medicina parece ainda


prisioneira da cientificidade fenomenológica. Por isso, o foco no sintoma, no problema,
na classificação extensiva e, na razão prática, controle, redução de danos e combate às
doenças no lugar de ir ao centro do problema, à prevenção. Em alguns momentos,
epidemias e pandemias tendem a forçar ações antecipadas porque emeaçam o
funcionamento do próprio capital. Porém, a não generalização desta prática, contrária à
lógica sistêmica, prepara sustos, surtos.

TAREFAS DO SOCIALISMO

Mais do que criticar o estado atual das coisas, precisamos pensar um esboço
materialista – nada mais que um esboço-guia – do possível amanhã. São tarefas da
sociedade transicional ao comunismo:

299
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/13/ciencia/1499947417_255308.html
A)
Desenvolver uma nova relação homem-espaço: unir, fundir o melhor da urbanidade
com o melhor do campo;

B)
Desenvolver uma nova cultura alimentar, de higiene e foco na saúde preventiva;

C)
Desenvolver um método de saúde, cuidado medicinal e cura que, entre outras
vantagens, primará pela rapidez de resultados;

D)
Desenvolver um plano consciente e democrático de incentivo à gestação agradável,
responsável e acolhedora;

E)
Tornar a relação homem-técnica-natureza sadia;

F)
Desenvolver métodos cada vez mais qualificados de colheita e criação.

A concentração humana citadina, urbana, amadureceu para a revolução comunista.


Esta lei objetiva do capitalismo, dos burgos medievos para as megalópoles, como
enormes barris de pólvora, se expressa em inúmeros sinais. Epidemias e pandemias, a
partir da grande crise iniciada em 2008, serão regra e estímulos a desesperos sociais e
luta de classes. Temos todos os sintomas de uma crise sistêmica, de um organismo que
merece morrer; senão nossa espécie correrá – e já corre – enormes riscos. Portanto, ou
destruímos o sistema capitalista ou nos destruiremos.

Para termos um esboço das possibilidades de uma revolução socialista na saúde,


superando o império e os limites do lucro, cremos ser esta notícia uma boa pista:

“Substituir antibióticos por luz no tratamento de infecções causadas por bactérias


multirresistentes é uma realidade que está mais próxima dos pernambucanos. Um
estudante de engenharia elétrica-eletrotécnica da Universidade de Pernambuco (UPE)
desenvolveu este ano, durante estágio no Wellman Center, laboratório de Harvard e do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dois equipamentos capazes de irradiar
em tecidos humanos luz em uma frequência que mata em cerca de uma hora micro-
organismos imunes ao tratamento comum.”
(…)
“Caio desenvolveu uma espécie de lanterna portátil, com lâmpadas de led
calibradas para irradiar uma frequência exata de luz, que é visível e sem efeitos
colaterais no ser humano. Também criou uma microagulha biodegradável para guiar a
luz da fonte externa para dentro dos tecidos humanos. “Conseguimos otimizar a entrega
de luz em 300%, permitindo atingir bactérias em partes mais profundas. Como é
biocompatível, a agulha pode ser absorvida pela pele e tem menor risco de alergia”,
explicou.”300

Esta questão aponta a necessidade de um sistema mundial e unificado de saúde


pública – no socialismo.

300
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2014/11/23/interna_vidaurbana,544620/pernambucano-cria-emissor-de-luz-capaz-de-matar-
bacterias-resistentes.shtml
DECADÊNCIA GERAL DA PSIQUE

Um jovem tunisiano se encontra em estado crítico depois de ter se imolado com fogo no centro da
capital, Túnis, um ato simbólico, já que a revolução tunisiana de 2011, a primeira da Primavera Árabe,
começou com a imolação de um vendedor ambulante desesperado.

(...)

O jovem, um vendedor de tabaco de cerca de 20 anos, segundo várias testemunhas, se imolou


gritando "Aqui está a juventude que vende cigarros, isto é o desemprego". 301

Um monge budista tibetano morreu após colocar fogo em si mesmo nesta segunda-feira, na China,
em protesto para pedir a volta do líder espiritual Dalai Lama, que foi exilado após ser condenado pelo
governo chinês como separatista. A organização pela libertação do Tibet, localizada em Londres, disse
que Tsewang Norbu, de 29 anos, fazia parte de um monastério em Tawu, cerca de 150 km do local onde
ele se sacrificou. O órgão conta que o religioso bebeu e se banhou de combustível, e logo depois colocou
fogo em seu próprio corpo.302

Trata-se da maior tentativa de imolação desde o início, há mais de um ano, desse tipo de ações, que
já custaram a vida de cerca 50 tibetanos, em sua maioria monges budistas. 303

Vejamos esse gráfico sobre a taxa de depressão no mundo304:

301
http://g1.globo.com/revolta-arabe/noticia/2013/03/em-protesto-homem-ateia-fogo-ao-proprio-
corpo-na-tunisia.html
302
http://oglobo.globo.com/mundo/monge-budista-coloca-fogo-em-si-mesmo-para-pedir-libertacao-
do-tibet-2690412
303
http://odia.ig.com.br/portal/mundo/tibetanos-colocam-fogo-no-pr%C3%B3prio-corpo-em-protesto-
por-ocupa%C3%A7%C3%A3o-chinesa-1.512421
304
http://www.universoracionalista.org/depressao-redor-do-mundo/
A imagem dessa pandemia incapacitante, com certeza, apresenta um dado muito
abaixo da realidade, como explica o artigo de onde a extraímos:

Claro, os pesquisadores não saíram e testaram todos os casos de depressão


clínica; em vez disso, eles usaram dados preexistentes. Isso significa que nós não
estamos olhando para as taxas de depressão clínica, exatamente, nem sobre a taxa na
qual as pessoas são diagnosticadas com depressão clínica. As pessoas que vivem em
países mais conscientes e um acesso mais fácil aos serviços de saúde mental, em
seguida, naturalmente, vão ser diagnosticadas com uma taxa mais elevada. Isso pode
ajudar a explicar a taxa anormalmente baixa do Iraque, por exemplo, onde os serviços
de saúde pública são pobres. Tabus contra distúrbios de saúde mental também podem
reduzir as taxas de diagnóstico, por exemplo, na Ásia Oriental, baixando
artificialmente a medida do estudo de prevalência de depressão clínica naquela região.
O documento adverte, ainda, que pesquisas confiáveis de depressão nem sequer existem
para alguns países de baixa renda – um problema comum com estudos globais –
forçando os pesquisadores a chegarem em suas próprias estimativas baseadas em
modelos de regressão estatística.305

Destacamos fato de os casos se multiplicarem onde os conflitos são mais intensos


(por óbvio, a crise sistêmica tornará a vivência mais contraditória):

Ainda assim, as descobertas dos pesquisadores tem ramificações reais para o


mundo – e são muitas vezes surpreendentes. Mais de 5 por cento da população sofre de

305
Idem.
depressão no Oriente Médio, Norte da África, África Subsaariana, Europa Oriental e
no Caribe. Enquanto isso, a depressão é supostamente menor no leste da Ásia, seguidos
pela Austrália / Nova Zelândia e Sudeste da Ásia. (…)

(…)

O país mais deprimido é o Afeganistão, onde mais de uma a cada cinco pessoas
sofrem deste transtorno. O menos deprimido é o Japão, com uma taxa de diagnóstico
de menos de 2,5 por cento.

(…)

O nível é maior no Afeganistão, no Oriente Médio e em países do Norte Africano,


bem como na Eritreia, Ruanda, Botswana, Gabão, Croácia, Holanda e Honduras. É
menor em economias mais prósperas da Ásia, incluindo o Japão.306

Segundo o artigo, desde a década de 1990 – portanto, desde a consolidação do


neoliberalismo – as taxas de depressão cresceram em um terço. Porém, esta é uma meia
conclusão: temos de aprofundar ainda mais, incluir as questões de classe – todas as
dores do mundo doem mais entre os nossos –; um exemplo tornou-se famoso:

Um trabalhador da Foxconn Technology tentou se matar ontem, tornando-se a 13.ª


pessoa neste ano a cometer suicídio ou a tentá-lo na companhia, que fabrica produtos
de alta tecnologia para gigantes do setor como Apple, Dell e Hewlett-Packard, segundo
a mídia estatal chinesa. Desse total, foram 10 mortes.

(…)

Os suicídios e tentativas anteriores nas operações da Foxconn Technology Group


no sul da China envolveram trabalhadores que saltaram de edifícios. Dois
sobreviveram. Outro trabalhador se matou em janeiro em uma fábrica no norte da
China.307

E para resolver este problema a empresa teve uma ideia genial:

Gou disse aos jornalistas que estavam sendo instaladas redes para evitar que mais
pessoas pulem para a morte.

306
Idem.
307
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,suicidios-em-fornecedor-da-apple-chegam-a-10-imp-
,557881
As redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e
prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em Xangai,
Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de correio, bancos e piscinas
de tamanho olímpico".

"Apesar de parecer uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se
mais alguém cair", afirmou o presidente da Foxconn.308

Para garantir a “imagem” da empresa:

Eles [ativistas que prepõe boicotes] afirmam que as jornadas de trabalho são
longas, as linhas de montagem têm uma velocidade muito alta e os chefes aplicam uma
disciplina militar para lidar com os trabalhadores.

De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os funcionários a


assinar acordos declarando que não vão se suicidar (! – um acordo, veja só!).

A companhia ressalta que apesar da publicidade negativa, todos os dias cerca de 8


mil pessoas se candidatam para trabalhar na empresa.309

Faltou dizer: ou se candidatavam ou morreriam de fome, de depressão estomacal…


Esse constrangimento da sobrevivência, da busca por um pedaço de papel, gerou o
aumento de 35,7% na taxa de suicídio na Grécia em 2011310; mais recente, um caso
brasileiro denunciou aquilo por vir:

O executivo da área de telecomunicações (…), é o principal suspeito de assassinar


a mulher e os dois filhos entes de ter cometido suicídio.

Na carta encontrada no apartamento, a principal justificativa pelo ato extremo de


Olieira é a falta de recursos para a família.

“está claro pra mim que está insustentável e eu não vou conseguir levar adiante.
Não vamos ter mais renda e não vou ter como sustentar a família”, diz um trecho da
carta.

308
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/05/100527_foxconn_outrosuicido_aw.shtml
309
Idem.
310
http://exame.abril.com.br/mundo/indice-de-suicidio-na-grecia-sobe-40-apos-crise/
“Sinto um gosto profundo por ter falhado com tanta força, por deixar todos na
mão. Mas, melhor acabar com tudo logo e evitar o sofrimento de todos”, afirma.311

Engana-se, no entanto, quem supõe esse problema como uma característica dos
países pobres. Uma reportagem especial da BBC, “Por que o Japão tem uma taxa de
suicídios tão alta?”, revela:

“No ano passado, no Japão, mais de 25 mil pessoas cometeram suicídio. Isso dá uma
média de 70 por dia. A maioria delas, homens.”

“Estes números não representam a maior taxa de suicídio entre países desenvolvidos - o
título ainda cabe à Coreia do Sul, com uma média anual de 28,9 suicídios por 100 mil
habitantes. Mas estão muito acima de outras nações ricas.”

“O índice japonês de 18,5 suicídios para cada 100 mil habitantes é, por exemplo, três
vezes o registrado no Reino Unido (6,2) e 50% acima da taxa dos Estados Unidos
(12,1), da Áustria (11,5) e da França (12,3).”

“O assunto voltou a ter destaque com a auto-imolação de um homem de 71 anos em um


trem bala na última terça-feira.”

“O que fez um pacato idoso a se matar desta forma em um vagão lotado?”

“Conforme ele derramava o líquido inflamável sobre si mesmo, teria se afastado de


outros passageiros, segundo testemunhas, para não colocá-las em perigo. Algumas
disseram que ele tinha lágrimas nos olhos ao fazer isso.”

“Agora, conforme seu passado começa a ser investigado pela mídia japonesa, surgem
sinais de se tratar de um homem no limite. Ele vivia sozinho e não tinha emprego.
Passava os dias coletando latas de alumínio para vendê-las para reciclagem.”

“Vizinhos disseram a repórteres que o ouviram quebrar uma janela ao se trancar do lado
de fora de seu apartamento dilapidado.”

“Outros afirmaram raramente tê-lo visto fora de casa, mas ouviam com frequência a
televisão ligada. Pobre, de idade avançada e sozinho. É um caso bastante familiar.”

“"O isolamento é o fator número um que antecede a depressão e o suicídio", diz o


psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple, em Tóquio.”

“’Hoje em dia, são cada vez mais comuns histórias de idosos que morrem sozinhos em
seus apartamentos. Eles estão sendo negligenciados. Os filhos costumavam cuidar de
seus pais no Japão, mas isso não ocorre mais.’”
311
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/08/1808140-nao-vamos-ter-mais-renda-diz-carta-de-
suicidio-de-pai-que-matou-a-familia.shtml
(…)

“Os números começaram a crescer após a crise financeira asiática de 1998 e


aumentaram novamente após a crise financeira mundial de 2008.”

“Especialistas acreditam que estes aumentos estão ligados a um crescimento das


"condições precárias de emprego", em que jovens são contratados por curtos períodos
de tempo.”

“O Japão já foi a terra do emprego vitalício, mas, enquanto muitas das pessoas mais
velhas ainda desfrutam de estabilidade e benefícios generosos, quase 40% dos jovens
japoneses não conseguem encontrar empregos estáveis.”

“A ansiedade causada por problemas financeiros e a instabilidade no trabalho é


reforçada pela cultura japonesa de não reclamar. "Não há muitas formas de expressar
raiva ou frustração no Japão", diz Nishida.”

“’Esta é uma sociedade muito orientada por regras. Jovens são moldados para se
encaixar em nichos existentes. Não há como alguém expressar seus sentimentos
verdadeiros. Se são pressionados por seu chefe ou se deprimem, alguns acham que a
única saída é morrer.’”

(…)

“A tecnologia pode estar piorando esta situação, ao aumentar o isolamento dos jovens.
O Japão é famoso por uma condição conhecida como "hikkimori", um tipo de
isolamento social grave.’

“O jovem nesta situação pode se fechar completamente ao mundo, permanecendo em


um quarto por meses ou mesmo anos. A maioria deles são homens.”

“Mas esta é apenas a forma mais extrema de uma atual perda generalizada de
socialização cara a cara. Uma pesquisa recente sobre o comportamento dos jovens em
relacionamentos e sexo trouxe resultados impressionantes.”

“Publicada em janeiro pela Associação de Planejamento Familiar do Japão, o estudo


indicou que 20% dos homens com idades entre 25 e 29 anos tinham pouco ou nenhum
interesse em relações sexuais. Nishida aponta para a internet e a influência da
pornografia online sobre isso.”312

Quem possui emprego, adoece; quem não possui, adoece pelas limitações materiais
e morais da pobreza. Na realidade, a personalidade humana está, no capitalismo,
lastreada no dinheiro; este é o guia e base geradora do jeito de ser de cada um dos
indivíduos. Assim, quanto mais frio, objetivo, desumano, móvel, egoísta e apaixonado
por objetos, ou seja, quanto mais parecido o sujeito for com a personalidade do
312
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb
dinheiro, melhor para eles, o sujeito e o dinheiro313. A exceção da maestria dos
psicopatas, em diferentes níveis, as pessoas têm sérias dificuldades – e sequelas – de
subjetivar a personalidade objetiva desse objeto.

A categoria fundante do homem é o trabalho; por isso, a normalidade de um


indivíduo pode ser medida pela sua capacidade útil para o trabalho – isso é verdade em
essência. Porém, o mundo do trabalho na sociedade capitalista é o mundo do trabalho
desumano, alienador e bestificado que trata o trabalhador ora como objeto, ora como
bicho e ora como ambos. Então, a sociedade dividida em classes inverte todo o critério:
quanto mais adestrável, passivo, tolerante, resistente, submisso, animalizado e
desumano o sujeito é, mais "normalizado" considera-se. Assim, doses de rebeldia,
autonomia, arte e relativa “loucura indisciplinada”314 são vistas como inimigos sociais –
com toda "razão".

Entre os efeitos colaterais disso, na medida em que há carência de integração


humana (alienação), os indivíduos buscam ser ainda mais iguais aos outros, parecidos,
com os mesmos valores e desejos, imitam-se mutualmente, condenam as

313
“Se o dinheiro é o laço que me prende à vida humana, e a sociedade a mim, e me liga à natureza e ao
homem, não é ele o laço de todos os laços? Não é ele também, portanto, o agente universal da
separação? Ele é o meio real tanto de separação quanto de união, a força galvano-química da
sociedade.”
(…)
“O poder de inverter e confundir todos os atributos humanos e naturais, de levar os incompatíveis a
confraternizarem, o poder divino do dinheiro reside em seu caráter como a vida espécie alienada e
auto-alienadora do homem. Ele é a força alienada da humanidade.”
“O que sou incapaz de fazer como homem, e, pois, o que todas as minhas faculdades individuais são
incapazes de fazer, me é possibilitado pelo dinheiro. O dinheiro, por conseguinte, transforma cada uma
dessas faculdades em algo que ela não é, em seu antônimo.”
(…)
“O dinheiro, então, aparece como uma força demolidora para o indivíduo e para os laços sociais, que
alegam ser entidades auto-subsistentes. Ele converte a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, ódio
em amor, virtude em vício, vício em virtude, servo em senhor, boçalidade em inteligência e inteligência
em boçalidade.”
“Posto que o dinheiro, como conceito existente e ativo do valor, confunde e troca tudo, ele é a confusão
e transposição universais de todas as coisas, o mundo invertido, a confusão e transposição de todos os
atributos naturais e humanos.” (K. Marx; terceiro manuscrito, escrito entre abril e agosto de 1844.)
http://www.novacultura.info/single-post/2016/06/18/Marx-manuscrito-sobre-o-dinheiro
314
Sobre normose, o psicanalista Contardo Calligaris oferece-nos um bom comentário: “Pois é… Será
que as pessoas querem ser normais? Normais ou não julgadas? Eu acho que o neurótico médio – que
somos todos nós – sonha, idealiza o louco. Ele acha que o louco é “o cara”. E sonha em ser perverso. Ou
seja, em ser alguém que realmente não teria todos os impedimentos que a neurose nos coloca, ou seja,
os registros de culpa, as inibições. O que é uma pessoa normal? Uma pessoa realmente normal é uma
que tem um registro de experiência miserável, extremamente pobre. Pode ser que seja relativamente
pouco sofrido, mas é também dramaticamente desinteressante. Às vezes, quem pode ser normal são
pessoas que têm ou tiveram uma insuficiência cultural-afetiva muito grande. Então, não conseguem…
Não é elaborar a experiência no sentido de falar as suas experiências, mas sabe aquela coisa que você
atravessa a vida, vê as coisas e isso não lhe evoca nada? Tudo acontece como está acontecendo e isso
não me evoca nenhuma lembrança. Normal é quem não tem nada disso. É quem tem uma experiência
miserável, no sentido de pobre. Um registro de experiência extremamente pobre.”
Fonte: http://www.fasdapsicanalise.com.br/mais-loucos-e-perversos-do-que-nos-imaginamos/
http://www.livrariacultura.com.br/revistadacultura/home
particularidades e o “fora da norma”, reprimem de modo invisível quem romper regras
invisíveis, procuram alinhar-se ainda mais com a maioria, baixa tolerância às diferenças
e desigualdades, coordenam-se em totalidade com o grupo e desejam deste uma
autoimagem e autoconfirmação narcísica coletiva, elabora-se um mundo particular
contra o externo incômodo, etc. Soa crítica romântica. Este adoecimento social ficou
conhecido pelo nome normose, doença da normalidade. São mecanismos danosos na
tentativa de conceber conexões reais, comunitárias; mesmo simples amigos tendem a
adquirir certos ares de seita (basta-nos recordar os clubes de futebol).315

Podemos apreender a construção da conturbada personalidade humana pelo capital


quando da época onde o comércio ainda era uma atividade paralela, não generalizada:
“Nunca entre os homens floresceu uma invenção/ pior que o ouro; até cidades ele
arrasa,/ afasta os homens de seus lares, arrebata/ e impele almas honestas ao
aviltamento, à impiedade em tudo”, Sófocles, Antigone [ed. bras.: “Antígona”, em A
trilogia tebana, trad. Mario da Gama Kury, 9. ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001,
versos 344-50]316. Em uma citação da Bíblia há semelhante caracterização sobre os
“homens de mercado”: “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em
muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e
ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça
alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó
homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
paciência, a mansidão.” (1 Timóteo 6:9-11.)

Na sociedade capitalista a relação necessária, natural, de relações inter-humanas por


meio de objetos, mostra-se degenerada: infla-se o intermediário, o objeto, tornando-o
alfa e ômega, princípio e fim. O objeto domina todas as relações; humaniza-se e
desumaniza o homem, tornado solitário. As “redes sociais” são o mais visível e infeliz

315
Diferente das antigas sociabilidades ou de cidades pequenas, o controle social dos perfis pessoais se
dá pela falta. Assim pensa o indivíduo: “Como devo ser para ser aceito?” A dor e medo da solidão e
despreso faz com que seja castrada toda busca por autenticidade e originalidade. Alguém é o que pensa
ser esperado que seja. Esta alienação, reificação social, se impõe de maneira indireta e invisível, quase
parecendo inexistente, na aparência de vivermos a época mais livre e libertária ao indivíduo. Mas isto é
falso. Mesmo partidos, empresas, grupos artísticos etc. perdem “material humano” por deixarem de ver
na diferença – não repetição, não reprodução – um valor ímpar. Busca-se o tipo eficiente, “equilibrado”.
Tal quem reza o Pai-nosso até perder o sentido das palavras recitadas, o elogio à figura do “louco”, do
criativo ou do indisciplinado ativo não corresponde a uma prática social valorizadora do novo, do sui
generis, da quebra de padrão etc. Sair da norma passa a gerar, mais que antes, todo tipo de sofrimento
formal e informal. Até a esquerda marxista está presa à concepção ilumunista de racionalidade e
equilíbrio. (Aqui, outra vez, cabe elogio à Kurz, quem intuiu a questão.)
A vantagem e limite de nossa época é que a solidão nos permite dizer tudo e de tudo, pois muito
provável estar falando para ninguém.
Ainda sobre concepção de racionalidade; minha experiência militante, independente de qual corrente,
demonstrou o desprezo por questões subjetivas, psicológicas e, mesmo, da superestrutura subjetiva na
prática política e na teoria. O militante deveria ser uma nova máquina militante. As expressões faciais de
reprovação surgiam tão logo o tema “sem importância” e “menor” surgia. Um tipo curioso de falso
objetivismo, na medida do desconhecimento por parte da maioria dos militantes sobre o básico de
economia política e da importância da teoria do valor de Marx (quanto mais da crise do valor de Kurz).
316
Nota 92 de O Capital I, K. Marx.
exemplo contemporâneo, pois o contato humano é por demasiado indireto. Nesse
sentido, o dinheiro é o grande objeto dominador e denominador: promove a “cola” das
relações, a atração mútua dos humanos, mas de um modo degenerado e mesquinho. O
objeto-mercadoria predomina; tornado objeto, o humano perde sua condição humana e
animal.

Aqui, o setor intermediário, a classe média aristocrática, na tentativa de escapar da


decadência social, prova do tão buscado veneno:

A tese do livro é que a gente pode entender o condomínio mais além da forma
concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia das nossas relações com
o outro e com o espaço social, no sentido de que os condomínios [físicos] proliferam no
Brasil num momento em que o Estado se demite da função de organizar o espaço
público. Ele entrega isso para iniciativas independentes que vão ter muita autonomia
para definir quais são as regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais
exatamente público. É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa
alteração desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se
cria artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a lidar
com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar com o
outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma
superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu não
sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha existência.
Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o trabalho, a uma
espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria essa vida em condomínio,
a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por regras do espaço público. Então,
a gente tem os clássicos sintomas do sentimento de inautenticidade, do sentimento de
esvaziamento, de que você está permanentemente representando uma espécie de papel.

(…)

Acho que a gente ainda está no momento em que não se dá conta de que essa forma
de vida cria problemas. Ela ainda é, pra muita gente, um ideal de consumo e de vida.
Mas você vai ter que lidar com alguns problemas, principalmente, com algumas formas
de tratamento prêt-à-porter do seu sofrimento. Uma coisa que a gente vê muito na
clínica é uma certa atitude dos pais de terem uma expectativa escolar condominial em
relação aos filhos. Eles querem pôr câmeras dentro das salas e dizem “sou consumidor,
quero que meu filho tenha um tratamento x e que não tenha mais pau no gato”. Isso é
caso real. Não tem mais lobo, não tem mais copo de veneno em cima do piano, não tem
mais sofrimento que vem de fora. O sofrimento não vem das nossas fantasias, dos
nossos demônios internos… O sofrimento vem quando se conta uma história ruim e a
criança não consegue dormir mais à noite. É o exagero do máximo do sintoma
condominial dentro da escola.317

Adiante, indicamos outro trabalho empírico:

(…) quem cresceu em uma família de classe média entre as décadas de 1980 e 2010
provavelmente conhece bem o assunto. Não à toa. Foi no final dos anos 1970, que os
condomínios verticais começaram a surgir nos grandes centros urbanos do país. Hoje,
eles são praticamente tudo o que o mercado imobiliário oferece. Em uma reflexão
rápida, é difícil imaginar que as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Afinal, com 21
das 50 cidades mais violentas do mundo – segundo ranking de 2015 da ONG mexicana
Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal – é de se esperar que as
pessoas busquem muros para proteção.

(…)

Eles geram desigualdade, argumentam os especialistas, porque concentram apenas


pessoas de um mesmo poder aquisitivo convivendo entre si. “Essa lógica tem sido
responsável por produzir uma sociedade dividida em nichos em que o contato com o
outro fica cada vez mais distante e, por isso mesmo, o diálogo cada vez mais difícil”,
argumenta o sociólogo Eduardo Marques, pesquisador do Centro de Estudos da
Metrópole (CEM). São também geradores de insegurança, dizem, porque todos os
serviços e instalações oferecidas nos condomínios usam muito espaço para se
viabilizarem, o que produz quarteirões inteiros murados, onde o pedestre não tem
motivo para passar, fazendo das calçadas lugares desertos.

Pegue a publicitária Luiza Oliveira, 28 anos, como exemplo. Ela mora em um


conjunto de prédios na zona sul da capital paulista em que são oferecidas aulas de
ginástica, yoga, pilates e judô. Além disso, há piscinas, quadras, um mercado para
necessidades de última hora e uma minifeira semanal de produtos orgânicos. Os
funcionários do condomínio têm um cadastro digital e todo dia colocam o dedo em um
leitor ótico para ter acesso às instalações. O carro dos moradores tem um chip eletrônico
que é identificado na hora da entrada na garagem, onde seguranças observam a
movimentação. A publicitária quase não utiliza as facilidades oferecidas, mas seus pais
sim. Ela própria, quando precisa fazer alguma coisa, usa o carro para se deslocar, já que
o bairro em que vive é formado basicamente todo por condomínios verticais como o
dela.

(…)

317
http://www.vice.com/pt_br/read/a-industria-do-sofrimento-uma-poderosa-forca-economica-uma-
entrevista-com-o-psicanalista-christian-ingo-lenz-dunker
Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Netto elaborou uma pesquisa
que mostra numericamente que ruas com prédios que começam na linha da calçada, não
tem afastamento lateral para outras construções e, por fim, abrigam pequenos comércios
no térreo são mais usadas por pedestres. Essas características juntas possibilitam o que é
chamado de “fachadas ativas”, ou seja, construções que oferecem alguma interação com
o passante. Para chegar à conclusão, Netto e outros pesquisadores fizeram milhares de
medições do movimento de pedestre, entre 9h e 19h, nas cidades de Porto Alegre,
Florianópolis, e Rio de Janeiro.

(…)

O condomínio, como tem sido desenhado, ao mesmo tempo em que interrompe o


tecido urbano – ao criar grandes quarteirões isolados e murados –, também faz com que
as pessoas só andem de carro, reforçando uma característica já cruel das cidades
brasileiras que é um modelo de deslocamento voltado para o transporte individual e não
coletivo. O fato de o transporte coletivo ser um dos principais problemas estruturais do
país reforça tudo isso. Mas e a segurança? “Uma rua com vitalidade, com janelas de
prédios e casas coladas à calçada, com comércios abertos, cria uma segurança natural.
As pessoas se sentem mais observadas”, diz Netto. Janelas são como olhos, os outros
são nossa proteção natural.

(…)

Marques ressalta que o fenômeno não é só brasileiro. Praticamente todos os países


da América Latina, América do Norte e Ásia têm passado por um processo semelhante.
“Lima, no Peru, por exemplo, é um forte exemplo desse tipo de urbanização”, diz o
sociólogo. Uma vista aérea das regiões centrais de São Paulo sugere um verdadeiro
paliteiro de construções desconexas. E, de fato, a capital paulista, em uma mistura de
legislações, ideias urbanísticas e modelos idealísticos de cidade, é um dos melhores
exemplos para se entender quando e por que teve início a proliferação de condomínios
verticais.

(…)

Cidades não são construções monolíticas. Muito pelo contrário, cidades são vivas e
sujeitas a modificações constantes. “Em São Paulo, por exemplo, começam a surgir
incorporadoras que tentam trabalhar mais com o conceito de rua viva, que constroem
prédios sem muros e menos padronizados”, diz Marques. O Plano Diretor recentemente
aprovado na capital paulista, ele lembra, é outro ponto que, ao incentivar construções
com fachadas ativas e propor uma volta às ruas da cidade, pode trazer mudanças nos
próximos anos. Além disso, há um movimento claro da sociedade civil por reocupação
de espaços públicos, expresso, por exemplo, em hortas comunitárias e a opção pelo uso
da bicicleta. “Hoje, os prédios não ajudam a construir a cidade, são, na verdade barreiras
para as pessoas e seus encontros, mas isso sempre pode mudar”.318

318
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/02/politica/1478113314_293585.html
Como observamos, a histeria e a personalidade paranoide de integrantes dos
protestos de classe média no Brasil (2015) e EUA (2016, eleições) têm razão de ser. A
solidão cada vez mais universal e cada vez mais presente onde ela sempre esteve
presente, na pequena burguesia, cobra um preço psíquico somado ao custo das clínicas e
medicamentos… E isso só poderia gerar lucros: além de toda parafernália de segurança
privada e do consumismo para compensar o vazio existencial, o consumo de fármacos,
estimulantes e antidepressivos, tornou-se uma fonte mafiosa de dinheiro; a dependência
por medicamentos “da mente” generaliza-se e o declínio geral da psique humana
aprofunda-se, lastreado na força destrutiva do capitalismo decadente – a decadência
sistêmica causa a decadência mental. Vejamos o trecho de uma entrevista com alguém
insuspeito e da área:

Allen Frances (Nova York, 1942) dirigiu durante anos o Manual Diagnóstico e
Estatístico (DSM), documento que define e descreve as diferentes doenças mentais.
Esse manual, considerado a bíblia dos psiquiatras, é revisado periodicamente para ser
adaptado aos avanços do conhecimento científico. Frances dirigiu a equipe que redigiu
o DSM IV, ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número
de transtornos patológicos. Em seu livro Saving Normal (inédito no Brasil), ele faz uma
autocrítica e questiona o fato de a principal referência acadêmica da psiquiatria
contribuir para a crescente medicalização da vida.

Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o
trabalho de seus colegas do DSM V. Por quê?

Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94
novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que
tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais
para frear o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no
sentido de introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder
dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno
psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O resultado foi uma inflação
diagnóstica que causa muito dano, especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a
ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar a atual inflação
diagnóstica em hiperinflação.

P. Seremos todos considerados doentes mentais?

R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da
última revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês
ampliaram tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em
muitos desses transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que
certamente tenho uma demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito,
então provavelmente tenho a síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha
mulher morreu a tristeza durou mais de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em
uma depressão. É absurdo. Criamos um sistema de diagnóstico que transforma
problemas cotidianos e normais da vida em transtornos mentais.

P. Com a colaboração da indústria farmacêutica...

R. É óbvio. Graças àqueles que lhes permitiram fazer publicidade de seus produtos,
os laboratórios estão enganando o público, fazendo acreditar que os problemas se
resolvem com comprimidos. Mas não é assim. Os fármacos são necessários e muito
úteis em transtornos mentais severos e persistentes, que provocam uma grande
incapacidade. Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de
medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o
mal-estar.

P. O que propõe para frear essa tendência?

R. Controlar melhor a indústria e educar de novo os médicos e a sociedade, que


aceita de forma muito acrítica as facilidades oferecidas para se medicar, o que está
provocando além do mais a aparição de um perigosíssimo mercado clandestino de
fármacos psiquiátricos. Em meu país, 30% dos estudantes universitários e 10% dos do
ensino médio compram fármacos no mercado ilegal. Há um tipo de narcótico que cria
muita dependência e pode dar lugar a casos de overdose e morte. Atualmente, já há mais
mortes por abuso de medicamentos do que por consumo de drogas.

P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças entre 5
e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de atenção. É crível que uma em
cada três crianças seja hiperativa?

R. Claro que não. A incidência real está em torno de 2% a 3% da população infantil


e, entretanto, 11% das crianças nos EUA estão diagnosticadas como tal e, no caso dos
adolescentes homens, 20%, sendo que metade é tratada com fármacos. Outro dado
surpreendente: entre as crianças em tratamento, mais de 10.000 têm menos de três anos!
Isso é algo selvagem, desumano. Os melhores especialistas, aqueles que honestamente
ajudaram a definir a patologia, estão horrorizados. Perdeu-se o controle.

P. E há tanta síndrome de Asperger como indicam as estatísticas sobre tratamentos


psiquiátricos?

R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em
pouco tempo o diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a
hiperatividade. Calculamos que, com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam
em 15%, mas houve uma mudança brusca a partir de 1997, quando os laboratórios
lançaram no mercado fármacos novos e muito caros, e além disso puderam fazer
publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.
P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra dificilmente
prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais angustiados que corram para o
seu consultório, porque a professora disse que a criança não progride adequadamente, e
eles temem que ela perca oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses
fatores culturais influenciam?

R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro, não há evidência em longo prazo
de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo,
pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas
em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos fazendo
um experimento em grande escala com essas crianças, porque não sabemos que efeitos
adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo. Assim como não nos ocorre
receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz
sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar
que há diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de
normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que os pais
protejam seus filhos, mas do excesso de medicação.

P. Na medicalização da vida, não influi também a cultura hedonista que busca o


bem-estar a qualquer preço?

R. Os seres humanos são criaturas muito maleáveis. Sobrevivemos há milhões de


anos graças a essa capacidade de confrontar a adversidade e nos sobrepor a ela. Agora
mesmo, no Iraque ou na Síria, a vida pode ser um inferno. E entretanto as pessoas lutam
para sobreviver. Se vivermos imersos em uma cultura que lança mão dos comprimidos
diante de qualquer problema, vai se reduzir a nossa capacidade de confrontar o estresse
e também a segurança em nós mesmos. Se esse comportamento se generalizar, a
sociedade inteira se debilitará frente à adversidade. Além disso, quando tratamos um
processo banal como se fosse uma enfermidade, diminuímos a dignidade de quem
verdadeiramente a sofre.319

Talvez, faltou ao corajoso psiquiatra a conclusão de que a solução seria destruir o


mundo do lucro, e erguer outro. Mas, levanta um problema das relações trabalhistas e
sociais320 sob o capital:

P. E também será preciso mudar hábitos.

R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos
de sono! Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e

319
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html
320
O capital controla nosso tempo cotidiano e seu ritmo; o tempo determina a gente, não a gente
determina o tempo. Isto se expressa na saúde das mais variadas formas, como o excesso de partos
cesarianos que deveriam ser exceção e são menos saudáveis à mãe e filho.
irritabilidade. Jantar às 22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês
faziam a sesta. O cérebro elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas,
tanto físicos como psíquicos.

Há psicólogos e psicanalistas (!) que, apoiados na ideologia oficial, colocam culpa


das limitações individuais no “indivíduo”, “ele próprio é a causa”, “é a falta de reação”,
“sua responsabilidade”, “só você pode mudar isso”, etc. Estes, se refletissem um pouco
mais, veriam o adoecimento psíquico a partir da conclusão de que “o homem é ele
mesmo e suas circunstâncias”, “os homens fazem a história, mas não a fazem como
queiram, mas sob as circunstancias herdadas do passado”, “nós nos realizamos no
outro”, “a autonomia da mente em relação à realidade é parcial e relativa”, “no
capitalismo, o homem é objeto dos objetos”, “é necessário integrar as dimensões
teóricas e práticas nos hábitos”, “tanto o trabalho quanto o ócio são por igual
importantes” etc. como premissas básicas para tratar o indivíduo. Por seu lado, de
semiciência e possível método auxiliar, a psiquiatria degenerou-se e é hoje a mais
importante pseudociência a ser combatida321. No mais, a revolução comunista mundial
será a maior terapia coletiva da história322.

Tratamos neste e noutros capítulos das mudanças desde o final da década de 1970.
Em menor escala, reduzida no tempo e conjuntural, podemos observar o fenômeno de
modo semelhante: os dados do PIB ou PIB per capita são incapazes de medir algo como
felicidade ou satisfação geral, pois tais dados formais podem ser positivos a partir do
aumento da exploração dos trabalhadores, de sua maior infelicidade. Mas, por outro
lado, podem gerar e indicar, em todas as classes, se os dados do produto interno bruto
são positivos, fenômenos psíquicos como expectativa, esperança, tolerância, etc.; e, ao
contrário, aumento da frustração, da tristeza, do suicídio, do grande esforço pouco
compensador, do estresse e raiva caso os referidos dados sejam negativos, de recessão,
depressão ou estagnação prolongada. Crescimento ou crise econômicos, cada um, geram
tendências na mente-corpo dos indivíduos; são consequências e lastreados. Nos
momentos de caos social, quando é impossível ao sistema promover reformas capazes
de apaziguar os ânimos, a psicologia de classe ganha alta dimensão histórica e
importância reais: o alto estresse aqui abate os trabalhadores e ali, por inúmeras razões,
pode movê-los para ações revolucionárias; ora unifica a classe dominante para o perfil
violento e de ataque e, noutro instante, por ação ou reação da classe antagônica, fá-la-á
perder fé em si própria, dividir-se, desesperar-se e enxergar-se confusa. Isto gera
fenômenos interessantes. Uma crise dura e repentina pode desestimular a luta de classes,
criando pessimismo e perfil reformista na classe trabalhadora; já o crescimento

321
Já sua premissa “justificadora” é falsa: supõe um homem ideal, um modelo ideal e perfeito enquanto
meta. Nunca existente um só exemplo tal na história humana, trata-se de uma falsificação ideológica
rumo ao lucro, pura e simplesmente.
322
Lênin e Trotsky observaram que as revoluções, em seus começos, tomam a forma de uma grande
festa, de uma alegria genuína; aos olhos burgueses, claro, isso parece animalesco, bizarro e uma
perigosa “ameaça zumbi”.
econômico imediatamente após esta crise pode desemborcar em revolução, em tentativa
de resolver as contradições acumulada passivamente a partir da crise, pois aumenta as
esperanças de reformas e, em seguida, frustração e stress323. Elaboremos a formulação
geral: dado o fator econômico, crise ou crescimento, o efeito sobre a psicologia coletiva
e, em boa medida, individual é determinado pelos movimentos daí derivados entre os
setores em oposição na sociedade.

Estamos diante de um processo semelhante à decadência do império romano, e suas


folclóricas bizarrices governamentais, como também de casos feudais, por exemplo:

Conforme afirmam historiadores, tudo teria começado com uma mulher. Ela saiu
de casa, provavelmente em 14 de julho ou algum dia próximo, e começou a dançar. Os
relatos da época dizem que ela não parou por seis dias. Em uma semana, outras 34
pessoas começaram a se mexer de maneira ininterrupta. Era a eclosão de um dos casos
mais curiosos da história da medicina: a epidemia de dança de 1518.

(…)

Não foi o primeiro caso de praga de dança registrado. Antes de Estrasburgo, pelo
menos outros sete surtos ocorreram na Europa. Mas Estrasburgo teve maiores
proporções. No final de agosto, seriam mais de 400 "infectados". Muitos mortos de
tanto dançar – literalmente. (…)

(…)

Para o historiador John Waller, é necessário entender o contexto da época. As


décadas que precederam a epidemia, afirma, foram notáveis pela severidade - mesmo
em um período em que a população era acostumada com o medo e a privação.
Ocorreram momentos de grande penúria em 1492, 1502 e 1511. Invernos rigorosos,
verões abrasadores, granizo e tempestades de neve acabaram com as plantações -
desastres que atingem mais a população pobre da cidade. Além disso, os senhores de
terra aumentavam os impostos agressivamente e decretavam diversas proibições à
população - como pescar e caçar em suas posses, o que apaziguaria a fome.324

No capitalismo decadente o enlouquecimento geral, tanto o relativo quanto o


absoluto, toma formas próprias e tem as próprias patologias. Tal processo se expressa de
modo particular na burguesia; embora não confesse, vê a maioria como pouco mais que
bicho onde os bairros pobres são algo como habitat natural. Por isso, de um lado,

323
Aliás, por mais de uma vez Trotsky expôs isto em polêmica contra aqueles a defender que o
capitalismo (em crise orgânica) seria apenas crise permanente, desconsiderando a necessidade de medir
avanços e recuos em cada conjuntura – impressionismo e ultraesquerdismo.
324
https://noticias.terra.com.br/ciencia/epidemia-de-danca-ha-495-anos-pessoas-requebravam-ate-a-
morte,13493422714df310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html
perdem noção de realidade e, de outro, procuram criar uma vida paralela, como se em
outro planeta. Assim, como se sabe, o poder feudal francês, decadente e absolutista,
isolava-se em um paraíso artificial chamado “Palácio de Versalles”325, e isto serviu de
estímulo para que Maria Antonieta ficasse conhecida por dizer "Se o povo não tem pão,
que coma brioches!"; como gatilho, ocorreu a revolução burguesa. Hoje, faz pouco
tempo, “a mulher mais rica do mundo e herdeira de um império de mineração, Gina
Rinehart, afirmou nesta quarta-feira que a Austrália está ficando muito cara para as
mineradoras e disse que conseguiria contratar trabalhadores na África por menos de
US$ 2 por dia (cerca de R$ 4).”326 E: “Ela também pediu ao governo que diminua o
salário mínimo para atrair mais investimentos. (…)’Se sentem inveja dos que têm mais
dinheiro que vocês, não fiquem sentados reclamando. Façam algo para ganhar mais,
passem menos tempo bebendo, fumando e brincando, trabalhem mais’, completa o
texto.”

Que falta faz uma revolução comunista – que falta faz! A burguesia perde-se em
suas excentricidades e extravagâncias na medida em que dinheiro há de sobra. Cabe aos
políticos mediarem o irrealismo burguês327 cada vez mais acentuado, mas também
desejam enriquecer, precisam satisfazer os ricos que representam no Estado, os quadros
qualificados na política são cada vez mais escassos e, por igual a todos, vivem a
decadência social implantada no aparelho psíquico. A personalidade visivelmente
conturbada de Donald Trump não o impediu, ao contrário, de alcançar o posto de
presidente dos EUA. Quando a individualidade e as questões psicológicas, mui
permeados por disputas interpessoais, sobem na hierarquia dos organismos e seus
destinos, e adquirem papel por demasiado relevante nos rumos da sociedade e
superestruturas; então significa que a realidade, a objetividade e o Estado consolidaram
uma crise, um autotravamento, uma contradição em si e degeneração – uma forma de

325
Entre a burguesia, Lenin levantou a questão: (…) “A maior parte da Europa ocidental poderia adquirir
então o aspecto e o caráter que têm atualmente certas partes dos países que a compõem: o Sul da
Inglaterra, a Reviera e as regiões da Itália e da Suíça mais freqüentadas pelos turistas e que são
residência de gente rica, isto é: um punhado de ricos aristocratas que recebem dividendos e pensões do
Extremo Oriente. (…)” (p. 50.) “A descrição que Schulze-Gaevernitz faz do “imperialismo britânico”
mostra-nos os mesmos traços de parasitismo. O rendimento nacional da Inglaterra duplicou
aproximadamente entre 1865 e 1898, enquanto as receitas provenientes “do estrangeiro” durante esse
mesmo período aumentaram nove vezes. Se o “mérito” do imperialismo consiste em "educar o negro
para o trabalho”, (é impossível evitar a coerção...), o seu “perigo” consiste em que a “Europa
descarregue o trabalho físico - a princípio o agrícola e mineiro, depois o trabalho industrial mais rude
sobre os ombros da população negra e se reserve o papel de rentier, preparando talvez desse modo a
emancipação econômica, e depois política, das raças negra e vermelha”.
“Em Inglaterra retira-se à agricultura uma parte de terra cada vez maior para a entregar ao desporto, às
diversões dos ricaços. No que se refere à Escócia - o lugar mais aristocrático para a caça e outros
desportos -, diz-se que “vive do seu passado e de mister Carnegie” (um multimilionário norte-
americano). Só nas corridas de cavalos e na caça às raposas gasta anualmente a Inglaterra 14 milhões de
libras esterlinas (uns 130 milhões de rublos). Na Inglaterra o número de rentiers aproxima-se do
milhão.”(p.51.)”
326
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/09/05/mais-rica-do-mundo-diz-que-salario-
ideal-e-o-africano-de-r-4-por-dia.htm
327
O irracionalismo revela-se como uma tendência geral do sistema e da psique, mais do que uma
corrente filosófica burguesa.
exemplificar isto na dimensão global é a maior importância relativa dada ao ânimo dos
investidores, dos “mercados”, alegres ou nervosos, atraindo ou espantando capitais dia a
dia por meio de fatos, notícias e expectativas conceituado “reflexibilidade” por George
Soros, como se profecias especulativas, ao gerarem medo ou vontade, se
autoconfirmassem. Isso nos faz recordar Trotsky, em A História da Revolução Russa,
onde destina um capítulo inteiro à análise da psicologia do tzar e da tzarina e, de
imediato, aponta a vida alienada de uma classe decadente do ponto de vista histórico328.
Esqueceu-se de ver, por outro lado, que tal fenômeno ainda não era claro na burguesia
durante o período de ascensão da fase imperialista; agora, no período de decadência
dessa fase, tal processo ocorre quase a olhos vistos329.

Antes de avançarmos, a notícia a seguir revela:

[Título] Ricos encontram país para fugir dos horrores do mundo

(Bloomberg) -- Quando o financista Michael Nock, que trabalha em Hong Kong,


quis um lugar para fugir após a crise financeira global de 2008, ele olhou além dos
refúgios tradicionais dos ricos, em um país no extremo do mundo, onde o número de
vacas é o dobro de pessoas.

Nock, fundador da empresa de hedge fund Doric Capital, comprou um retiro a


9.280 quilômetros de distância, na pitoresca cidade neozelandesa de Queenstown. Em
sete anos, as ameaças de terrorismo na Europa e a incerteza política em vários países, do
Reino Unido aos EUA, ajudaram a transformar o país no Pacífico Sul - a um dia de
viagem em avião de Nova York ou Londres - em uma guarida popular para mega ricos.

O isolamento é considerado há tempos o calcanhar de Aquiles da Nova Zelândia.


Contudo, esse caráter remoto está se transformando em vantagem, já que que muitos
ricos, do precursor dos hedge funds Julian Robertson e o titã russo do aço Alexander

328
“Quanto mais se isolava a dinastia e quanto mais abandonado sentia-se a autocracia, tanto mais
necessitava do auxílio de outro mundo.” (p. 70) “A proverbial "boa educação" do tzar, seu poder de
dominar-se, mesmo nas mais críticas circunstâncias (...) radicava-se numa íntima indiferença, numa
enorme indigência de forças morais, na fraqueza e impulsos volitivos.” (p. 64) “Não era sem razão que
diziam ser Nicolau fatalista. É preciso entretanto acrescentar que o seu fatalismo era bem diferente de
uma fé ativa em sua "estrêla". Ao contrário, Nicolau considerava-se um fracassado. Seu fatalismo não
era senão uma forma de defesa passiva, diante do desenvolvimento histórico, aliada a um
temperamento arbitrário e mesquinho nos seus motivos psicológicos, porém monstruosos em suas
consequências." (p. 65) “Nicolau não era apenas desequilibrado, mas também desleal.” (p. 66)
"Ansiedade moral, melancolia crônica, angústia sem limites, alternativas de exaltação e de astenia,
dolorosas meditações sobre o além-mundo e o invisível, superstições – esses são os traços fortes na
pessoa da tzarina (…)” (p. 67) (Capítulo IV)
329
Outro modo de observar o papel do indivíduo na história pode ser exemplificado com o
protagonismo de Lenin na situação revolucionária aberta em fevereiro de 1917, quando toda a
sociedade estava em crise, com contradições elevadas, e o partido Bolchevique capitulou ao governo
provisório da Duma; o revolucionário organizou uma fração individual, de baixo apoio entre quadros de
direção, que reverteu os rumos da organização e da Rússia, com as Teses de Abril defendendo a
revolução permanente.
Abramov até o diretor de Hollywood James Cameron, construíram esconderijos
multimilionários no campo da Nova Zelândia.

"Aquilo que sempre prejudicava a Nova Zelândia - a tirania da distância - é


exatamente o que vira sua fortaleza à medida que o mundo se torna mais incerto", disse
Nock, 60, em entrevista por telefone de Los Angeles durante uma recente viagem de
negócios.

(…)

"Se o mundo for de mal a pior, eles estão no melhor lugar possível", disse David
Cooper, diretor de serviços para clientes da Malcolm Pacific Immigration em Auckland,
a maior agência de imigração do país. "As pessoas querem sair de onde estão e elas
sentem que a Nova Zelândia é segura".

Cooper tem observado um aumento nas consultas de cidadãos americanos nos


últimos meses, disse ele. A disputa presidencial cada vez mais áspera entre Donald
Trump e Hillary Clinton e a recente sequência de tiroteios são mencionados como
motivos para fugir.

"O país fornece um esconderijo, em caso de necessidade", disse Willy Sussman,


sócio de Bell Gully, um escritório de advocacia de Auckland que trabalha com
imigrantes ricos do mundo inteiro.330

Oferecemos mais uma citação, pois, apesar de longa, oferece uma visão geral:

O espaço é mobiliado de maneira elegante. Hall diz que a qualidade do acabamento


e a atenção aos detalhes têm de ser proporcionais à resposta entusiasmada de seus
clientes.

"Tive clientes chorando de emoção quando visitaram", conta ele.

Mas há algo incomum nesses apartamentos. Eles estão muitos metros debaixo da
terra, em um silo nuclear obsoleto, no meio do Estado americano do Kansas. Trata-se do
Survival Condos. São bunkers de luxo para que, nas palavras de Hall, ricos e super-ricos
possam não apenas se proteger em caso de uma hecatombe, mas dar prosseguimento a
uma rotina bonne vivant.

"Queremos cuidar da proteção física, mas também do bem-estar mental das


pessoas".

330
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2016/11/03/ricos-encontram-pais-para-fugir-dos-
horrores-do-mundo.htm
Quando alguém se refere a "preparados", pessoas (americanas, sobretudo) que
investem tempo e dinheiro tentando não serem pegas de surpresa por alguma catástrofe
de proporções globais, a imagem clássica é a de indivíduos solitários, vivendo em
condições austeras - pense em um indivíduo usando roupas camufladas e enchendo um
porão com enlatados.

O medo do apocalipse, porém, parece estar chegado às classes mais altas. Pelo
menos a julgar por uma série de empreendimentos nos EUA e na Europa voltados a
oferecer para super-ricos uma "chance de escapar do fim do mundo". A companhia
americana Vivos, por exemplo, especializou-se em adaptar abrigos nucleares
subterrâneos da época da Guerra Fria para as necessidades de consumidores em busca
de sobrevivência com requinte.

Na Alemanha, a Vivos conta com o Europa One, aproveitando um bunker escavado


no interior de uma montanha, que durante a Guerra Fria serviu de depósito de armas e
munições do exército soviético. Em vez da aparência austera de instalação militar, o
lugar agora conta com 34 aposentos que, segundo a empresa, oferecem proteção contra
uma variedade de catástrofes (de desastres nucleares a terremotos). E sem perder o
estilo.

Cada aposento tem 2.500m2 de área e poderá ser customizado pelos ocupantes. Nas
áres comuns, haverá desde um festival de mimos como bares, restaurantes e canis a
serviços como hospital, transporte e segurança. O preço é guardado a sete chaves, até
porque os futuros ocupantes serão selecionados através de convites.

A Survival Condo, também aproveitou um resquício dos tempos em que


americanos e russos temiam um holocausto nuclear, e a demanda por "preparados" mais
endinheirados.

Embora promova o luxo das instalações de seu prédio de 15 andares, o grande


chamariz da Survival Condo para seu condomínio de luxo é a robusteza do prédio,
incluindo a redoma da cobertura, resistente a ventos de mais 800km/h, de acordo com a
brochura eletrônica no site da empresa.

Quando Hall anunciou o empreendimento, o preço dos apartamentos começava em


cerca de R$ 4,5 milhões. Ele diz ter vendido 11 dos 12 apartamentos postos à venda -
isso porque uma das unidades é para ele e sua família.

"Muitos clientes não querem que os outros saibam que eles têm um bunker, pois
pode provocar a mesma reação do que alguém dizer que viu um disco voador", explica
o investidor.

Um dos compradores, porém, falou à New Yorker. O empreendedor imobiliário


Tyler Allen pagou US$ 3 milhões por um dos apartamentos. Teme conflitos sociais nos
EUA e mesmo um surto do vírus Ebola. "Podem me chamar de maluco, mas estou
tomando providências para proteger minha família".
(…)

Hall, segundo estimativas da mídia americana, gastou dezenas de milhões de


dólares para equipar o complexo com tudo o que há de mais moderno em termos de
conforto e segurança. O prédio, por exemplo, tem capacidade para sobreviver cinco
anos sem contato com o mundo exterior.

E um exército particular é a garantia contra potenciais invasões - comunidades de


"preparados" acusaram Hall de discriminação e prometeram insurgir contra o
condomínio - a Vivos, por sinal, não se esqueceu deste mercado e conta com uma linha
de bunkeres "populares", que podem ser instalados até em quintais (parecem mais
contêineres que apartamentos de luxo, diga-se de passagem).

(…)

Para os mais claustrofóbicos, uma opção parece ser manter distância dos principais
centros de poder. Segundo a New Yorker, super-ricos americanos estão investindo na
aquisição de terras na Nova Zelândia e mais de 13 mil cidadãos do país declararam
interesse de emigrar junto às autoridade neozelandesas desde a eleição de Donald
Trump, como parte de um programa de vistos de residência para investimentos mínimos
de US$ 1 milhão. O país é geograficamente isolado o suficiente para acalmar os nervos
de quem teme tempos turbulentos.

E outra medida de que super-ricos também contemplam o fim do mundo é que, na


mesma reportagem da revista americana, o milionário Steve Huffman, fundador da rede
social Reddit, conta ter feito uma cirurgia ocular corretora para sua miopia, em 2015,
não por uma questão de estética our praticidade. Huffman crê que uma visão melhor
calibrada lhe dará mais chance de sobreviver ao terror.

"Se o mundo acabar ou tivermos problemas sérios, conseguir óculos ou lentes de


contato será um senhor problema".331

Sigamos.

Se é verdadeira a tese de que o capitalismo começou seu grande limite no final da


década de 1970, é verdade por isso, também, que as últimas grandes vanguardas da arte
e da ciência surgiram e morreram por estes anos citados, tal um último suspiro. Décadas
depois, roqueiros limitam-se aos astros daquela época, a MPB encontra-se do mesmo
modo, a moda insiste em olhar para este momento, a poesia estancou-se naquelas

331
BBC Brasil: Os abrigos para o fim do mundo construídos para os super-ricos (1/2/2017)
http://www.bbc.com/portuguese/geral-38809611?ocid=socialflow_facebook
estéticas, a física avança com muita dificuldade desde – há um bloqueio de
paradigmas332333.

“Na verdade, o método científico pode ser usado para tratar problemas
desinteressantes ou mesmo ridículos, ou seja, os problemas com soluções triviais, ou
que ignoram peças bem conhecidas do conhecimento. Este é o caso das publicações em
revistas científicas que conquistaram o Prêmio Ig Nobel, que é concedido anualmente a
dez artigos publicados em conceituados periódicos de ciência. A seguir, são algumas
das conclusões que mereceram os prêmios de 2008: as pulgas do cão saltam mais alto
do que as pulgas do gato; tatus podem estragar sítios arqueológicos; os placebos mais
caros são os mais eficazes; cabelo tende a embaraçar; e as plantas têm dignidade. Como
disse Molière, um tolo erudito é ainda mais tolo do que um ignorante.”334

Por outro lado, com a urbanização e a internet temos a geração dos “de baixo” mais
letrada na história universal das classes sociais; um burguês mais atento sente o mesmo
peso sombrio e decadente de quando assistimos o filme Planeta dos Macacos, ao
vermos a evolução dos símios – e deve pensar: “esse povo está inteligente demais para
meu gosto!”

Detenhamo-nos um pouco mais neste aspecto.

A generalização da web, o mundo urbano, a maior escolaridade média (alguma


cultura é melhor que nenhuma cultura), a ideologia de que a educação – e não a
revolução – mudará o mundo, o individualismo neoliberal estimulando a busca de

332
“Desde que o trabalho, na sua forma imediata, deixa de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de
trabalho deixa, portanto, também de ser a medida do valor de uso. O sobretrabalho das grandes massas
deixou de ser a condição de desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns
deixou de ser a condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano.” (MARX, 1978,
Grundrisse, p. 228 – grifo nosso.)
333
No campo da arte, façamos um elogio explicativo: as séries televisivas podem, em inúmeros casos,
ser elevadas ao status de grande arte – com grande público. Enquanto o cinema tem roteiros com a
trama controlada pelo setor financeiro dos patrocinadores, as séries são mais dependentes da
criatividade, para “amarrar” o público por tempo maior, e costumam ser obra de mais de um roteirista,
em equipe. Isto tem uma explicação de demanda: a vida rasa da maioria de nós, que se agrada com a
profundidade destas obras. Daí também a preferência pelo romance. Maiakovski disse que “na poesia, a
novidade é obrigatória”; na arte, o novo – verdadeiramente novo – é uma necessidade do público. E do
artista.
Marxistas tendem ao fatalismo ao verem a decadência geral. Porém, o absoluto é relativo, e pode haver
contrapontos. Se o Brasil não tem mais um Cinema Novo, tem ao menos filhos legítimos em grandes
obras contemporâneas: Cidade de Deus, Tropa de Elite, série Narcos (direção brasileira na Netflix),
minisséries etc. Ser sempre crítico e “do contra” soa altivo, oferece audiência e parte do falso principio
“se critico, a tendência é eu estar certo e o criticado estar errado”. Concordar, elogiar e apoiar também
podem ser ações revolucionárias.
334
https://universoracionalista.org/cientificismo-racionalismo-e-humanismo/
“pessoas autossuficientes”, a disputa individual por cargos e crescimento no “mercado
de trabalho”, etc. serviram de estímulos aos assalariados. Aqueles de até 35 anos têm
sido a melhor geração já criada, do ponto de vista da formação, para fazer e consolidar
uma revolução socialista. Do mesmo modo estas são as primeiras gerações humanas
onde os jovens dominam com maior facilidade em relação aos mais velhos um
importante e moderno instrumento de trabalho, o computador.

Porém, os talentos que daí surgem não conseguem se realizar. Exemplos, casos: 1)
especialista em dança, cursos técnico em eletrônica (capaz de flertar com a robótica),
boas notas em todas as áreas de conhecimento e estudante universitária; 2) doma a arte
da escoteira, semiespecialista em uma arte marcial, cursa engenharia de produção,
estuda programação por própria iniciativa e tem formação em eletrotécnica; 3)
desenhista de técnica admirável, bom artista marcial e formado em filosofia; 4) jogador
de futebol já visado por olheiros, guitarrista de alta capacidade e gosta de estudar
ciências humanas por própria iniciativa; 4) autodidata em inglês, tem curso básico de
roteiro para cinema, cursa direito e disciplinado praticante de Parkour; 5) formação de
oficial no exército, baixista e estudante universitário; 6) caçador, formado em filosofia,
treina artes marciais desde a infância; 7) domínio estável do inglês, haker, formação
média em karatê, ex-estudante de física, conhecimento básico de violão, convidado a ser
cozinheiro em resturante etc. Estes exemplos são de Teresina, próximos ao autor, dos
bairros Mocambinho, Vila Mocambinho, Mafuá, Vila Operária, Matinha e Irmã Dulce.
Poderia dedicar páginas inteiras a casos do tipo; podem não ser maioria, mas são muito
mais comuns que antes e, em geral, as novas gerações são mais capazes que seus pais e
avós. Isso se dá pela rede de estímulos sociais-espontâneos existentes.

Em todos esses casos, são pessoas que na juventude dedicaram parte do seu tempo
ao trabalho, mesmo auxiliar. E por mais contraditório que possa ser, isto confirma uma
observação pedagógica de Marx:

Por mais mesquinhas que pareçam quando tomadas em conjunto, as cláusulas


educacionais da lei fabril proclamam o ensino primário como condição obrigatória para
o trabalho. Seu sucesso demonstrou, antes de mais nada, a viabilidade de conjugar o
ensino e a ginástica com o trabalho manual e, portanto, também o trabalho manual com
o ensino e a ginástica. Os inspetores de fábrica logo descobriram, com base em
depoimentos de mestres escolas, que as crianças das fábricas, apesar de só receberem a
metade do ensino oferecido a alunos regulares, de tempo integral, aprendem tanto
quanto estes, e às vezes até mais.

“A questão é simples. Aqueles que só permanecem metade do dia na escola estão


sempre vivazes e quase sempre capacitados e dispostos a receber instrução. O sistema
dividido em metade trabalho e metade escola converte cada uma dessas atividades em
descanso e recreação em relação à outra e, por conseguinte, muito mais adequadas para
a criança do que uma única dessas atividades exercida de modo ininterrupto. Um
menino que desde manhã fica sentado na escola não pode rivalizar, especialmente
quando faz calor, com outro que chega animado e plenamente disposto de seu trabalho.”

Documentos adicionais podem ser encontrados no discurso de Senior durante o


Congresso de Sociologia, realizado em Edimburgo, em 1863, em ele mostra, entre
outras coisas, como a jornada escolar unilateral, improdutiva e prolongada das crianças
das classes mais elevadas e média aumenta inutilmente o trabalho dos professores,
“enquanto ele desperdiça o tempo, a saúde e a energia das crianças de um modo não só
infrutífero, como absolutamente prejudicial”. Do sistema fabril, como podemos ver em
detalhe na obra de Robert Owen, brota o germe da educação do futuro, que há de
conjugar, para todas as crianças a partir de certa idade, o trabalho produtivo com o
ensino e a ginástica, não só como forma de incrementar a produção social, mas como
único método para a produção de seres humanos desenvolvidos em suas múltiplas
dimensões. (p. 553, 554; O Capital I.)

Pode a educação da maioria, uma vez universalizada, em alguns países ser ruim ou
péssima, mas permitiu brotar os mais diversos talentos individuais entre a massa; às
vezes, múltiplos talentos. Mas evitemos romantismos e impressionismos: o ensino da
classe trabalhadora é, de fato, deplorável; as escolas são depósitos de gente, a qualidade
dos professores é baixíssima, o valor nutricional do alimento escolar – quando há – é
baixo, o colégio é uma fonte de constrangimentos e infelicidade para o alunado e o
professor, as salas de aula são superlotadas, faltam materiais de ensino, etc. Apesar
disso, em 2010, 84.1% (!) da humanidade está alfabetizada, bem ou mal, segundo dados
da CIA World Factbook (por que a CIA teria interesse em monitorar tais dados?). Como
se trata de a imensa maioria da população, por quantidade, a probabilidade de surgir
novos ou latentes talentos e capacidades entre os assalariados e seus filhos é maior.
Diante da crise sistêmica, apenas o socialismo pode transformar possibilidade em
realidade; a crise, o salto, iniciada em 2008, tende a degenerar esta pequena conquista
civilizacional.

Outro dado empírico335, de QI, embora fonte de medida limitada, demonstra que há
elevação global, de 1909 a 2013336337:

335
https://ourworldindata.org/grapher/change-in-average-fullscale-iq-by-country-1909-
2013?country=ARG+AUS+AUT+BEL+BRA+BGR+CAN+CHN+DNK+DMA+EST+FIN+FRA+DEU+IRL+ISR+JPN+
KEN+NLD+NZL+NOR+SAU+ZAF+KOR+ESP+SDN+SWE+CHE+TUR+GBR+USA
336
A linha no gráfico correspondente ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um erro de
organização. Também neste país houve elevação do QI.
337
O QI também é limitado porque inteligência também é inteligência prática.
A queda da erudição entre os clássicos setores eruditos é relativamente compensado
pela elevação das capacidades dos não-eruditos. Mas isso é um problema em dois
sentidos: 1) a elevação cultural dos setores não proprietários é um perigo ao capital; 2)
esta elevação, compensando apenas parcialmente a queda de erudição, não basta para
desenvolver uma nova qualidade, é limitada. Há um problema apenas resolvível, e
insistismos, por meio do socialismo.

No rumo contrário, a educação dos filhos da burguesia e da alta classe média, de


altíssimo nível, não tem feito surgir por si novos gênios, novos seres capazes ou de boa
cognição. Por um lado, o método de educação burguesa tem seus limites em relação ao
raciocínio pleno, ao desenvolvimento da criatividade e habilidade de especular, separa o
aprendizado formal dos fatos e da vida, etc. – além de que, ao serem educados para se
sentirem premiados pelo mundo, desenvolvem irresponsabilidades, como, por exemplo,
caso comum, jovens “playboys” matarem outros ao dirigirem bêbados, mas a justiça
burguesa os mantém livres porque “têm todo um futuro pela frente” –; trata-se de uma
educação útil para mandar e comandar, mas limitada para criar e mudar (exemplo: em
alguns casos, se expressa na concepção de aprendizado como, ou centralmente como,
ato de memorizar). Por outro, isso ocorre por causa da divisão entre trabalho manual e
intelectual em todos os aspetos da vida e, agregado ao anterior, a falta de desafios por
razão de uma vida mais fácil. Recebi depoimentos informais de professores e pedagogos
que deram aulas em colégios de alto custo – segue: a) “Prefiro dar aula na escola
pública porque posso ficar à vontade; na escola onde eu trabalhava as paredes eram de
vidro e os pais ficavam vendo os seus filhos do lado de fora no lugar de irem trabalhar.
Até câmera dentro da sala tinha. Na hora do lanche, a gente tinha de levar a comida para
as crianças e dar na boca delas, você acredita? E ai se doer uma unha neles! No colégio
que eu estou agora, a gente grita para os capetinhas ‘bora reunir para lanchar!’, e eles
mesmos pegam o lanche, faziam uma fila, ajudam a organizar as mezinhas e comem por
conta própria”. Em outro caso, um professor de reforço: b) “Tem um dos alunos que
coloca equações nas paredes do quarto, mas a educação emocional é zero. Eles são
pouco centrados.” Um professor: c) “Costumo dizer que estou dando as ferramentas
para meus inimigos, que eles gostam mais de aprender história pela visão marxista – é
mais cinematográfica. Eles não sabem andar nas ruas da cidade, têm dificuldade com
alguns simples problemas com questões bestas [leia-se: práticas] e a gente, para fazer
algo fora da escola, tem que ser babá”. Outra professora: c) “Eu tinha até que alterar a
foto de capa do meu Facebook, eu tinha que ser uma propaganda ambulante e os
coordenadores pressionavam a gente para ‘vestir a camisa’. As crianças lá são meio
desligadas, muitas tomam medicamentos para renderem nos estudos pesados. Parece
que não sentem o mundo”. Podemos ver isso de modo reduzido a uma mesma família
com casal de filhos, onde o garoto apenas brinca e tem mimos e a garota, também
amada, tem por orientação auxiliar as tarefas de casa: nestas situações, as meninas
parecem mais maduras, mais centradas e mais autônomas. Ao unir teoria e prática,
pensamento e ação, corpo e mente, etc. os filhos dos trabalhadores tendem – tender não
significa fato mecânico, pois a precarização da vida é o fator absoluto – a desenvolver
de modo mais completo, complexo e múltiplo suas capacidades humanas. A qualidade
dos professores, da nutrição, do tempo livre e material de estudos é importante; a
internet relativiza, oferecendo novos meios e melhores métodos, a questão das
dificuldades. É um processo singular na pedagogia:

Com uma ideia tão simples quanto colocar um grupo de estudantes para trabalhar
com um único computador e sem professor supervisionando, Sugata Mitra (1952,
Calcutá) ganhou em 2013 o Prêmio TED. Conseguiu, assim, chamar a atenção da mídia
de todo o mundo e ganhou um milhão de dólares para lançar seu projeto SOLE (sigla
em inglês para Self Organised Learning Environments), em português, ambientes de
aprendizagem auto-organizados, que hoje é usado em escolas de 50 países. A palestra
Construção de uma escola na nuvem, que já foi vista mais de 2,6 milhões de vezes, foi
considerado pela TED – organização nascida em 1984 nos Estados Unidos para
promover a tecnologia, educação e design – como a mais inspiradora do ano e com
maior potencial para a mudança.

(…)

P: Na década de 90, trabalhava para uma empresa indiana de informática. Quando


começou a se interessar pela educação?

R: Não foi premeditado. Eu estava encarregado de projetar programas de


treinamento, mas acabei fazendo o contrário: mostrar que a tecnologia pode ser
aprendida por conta própria. Nos anos noventa, éramos poucos que tinham computador
em casa e um dia comentei a um grupo de amigos a facilidade com que nossos filhos
mexiam com eles mesmo sem orientação. Como experiência, pensei em incorporar um
computador em um muro de um bairro pobre em Nova Delhi para analisar a reação das
crianças. Oito horas depois, estavam navegando pela rede e ensinando os outros a fazer
o mesmo. Essas crianças nunca tinham ido à escola e não sabiam inglês. Fiz o mesmo
teste em áreas remotas da Índia e com o apoio financeiro do Banco Mundial realizei a
primeira pesquisa em 2002. A grande descoberta: um grupo de crianças sem qualquer
supervisor e com acesso à Internet pode aprender em nove meses a usar um computador
como qualquer secretário do Ocidente.

P: Como aplicou essa descoberta na sala de aula?

R: Anos depois, a Universidade de Newcastle me chamou para levar a experiência


às escolas da Índia. Aí descobrimos que acontecia o mesmo com a matemática, a física
e a arte; as crianças aprendiam sem as lições do professor, só trabalhando em grupos
com um computador conectado à Internet. A única orientação que recebiam era uma
grande questão que devia ser respondida. Por que chove? Uma professora de uma escola
britânica entrou em contato comigo para levar o sistema ao seu colégio. Quando foi
testado, os professores disseram que o impossível estava acontecendo; os meninos
aprendiam sem um ensino dirigido. Não falavam sobre vantagens ou desvantagens, só
que poderia ser feito. Nos países desenvolvidos, SOLE acaba com a rigidez do sistema,
ajuda a abrir a mente.338

No entanto, reforçamos, toda esta capacidade formal, virtual ou latente está sendo
desperdiçada sob o capitalismo:

Mas a grave crise econômica que atinge o país [Espanha] com a maior taxa de
desemprego da União Europeia (22,9%), está levando engenheiros, administradores de
empresa, técnicos de informática e até ex-diretores a 'piorar' currículos em busca de
empregos de baixa qualificação.

É o caso de José Ángel Silvano, economista. Em 2010 fechou sua própria empresa
de logística e desde então não tem trabalho. Atualmente, no seu currículo consta pouco
mais de 'responsável, com iniciativa e experiência'.

'Tirei os cargos de direção, a graduação universitária e deixei só os idiomas e


conhecimentos variados para ver se assim encaixo em outros perfis. Para mim não é

338
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/18/economia/1474226496_636542.html
mentir, mas ocultar informação que possa dar imagens prejudiciais: que sou qualificado
demais ou incapaz de cumprir postos considerados menores', contou ele à BBC Brasil.

O caso dele não é uma exceção. 'Você se surpreenderia com a quantidade de


universitários que estão procurando trabalhos em supermercados' afirmou à BBC Brasil,
Martín Sanchez, estudante de Filosofia.

(…)

A cada dia, 10% dos desempregados lançam no mercado currículos profissionais


ocultando dados, segundo a pesquisa das consultoras Adecco, Manpower e sindicatos
Comissões Operárias e União Geral dos Trabalhadores (UGT) apresentada em janeiro.

A estratégia de mentir nas referências tem nome: Currículo B. Mas o fato de dar
uma imagem pior é um fenômeno novo e que está aumentando, de acordo com os
especialistas em Recursos Humanos.

'Mentir não costuma ser boa saída, nem para os que inflam, nem para os que
ocultam', explicou à BBC Brasil a diretora de análise de mercado da UGT, Adela
Carrión.

'Embora neste caso possa ser visto com uma opção de não dar mais detalhes do que
o necessário. Uma adaptação do currículo aos requisitos específicos da oferta'.

A pesquisa indica que a maioria dos que escondem dados é de profissionais


experientes do setor de serviços que estão mais de um ano sem emprego e de
universitários recém-formados com alto nível de qualificação.

(…)

Pelos dados oficiais, 39% dos espanhóis entre 25 e 35 anos tem diploma
universitário, enquanto a média da U.E. é de 34%. Ao mesmo tempo a taxa de
desemprego para este grupo na Espanha é de 48.7%.

Entre os qualificados que trabalham, 44% tem empregos abaixo do seu nível de
formação.

(…)

Para o catedrático em Economia Aplicada da Universidade Pompeu Fabra, José


Montalvo, esta situação pode ter repercussões psicológicas nos trabalhadores.
'O perigo de que estes jovens tão qualificados permaneçam em empregos abaixo de
seus padrões é que acabem aceitando isso como realidade. Psicologicamente se verão
afetados, deixando de desenvolver estímulos e metas'.

Os autores da pesquisa concordam. Desvalorizar os currículos 'gera frustração a longo


prazo' e se a empresa descobre o engano 'se romperá a relação de confiança, porque fica
claro que assim que o profissional encontrar uma oportunidade de acordo com sua
formação, abandonará a empresa', diz o documento.339

Basta observarmos os universitários brasileiros ou formados – alguns com


especialização – trabalhando em call centers para dimensionarmos a tragédia.

A história moderna da ciência conhece inúmeros casos de cientistas vindos da


classe trabalhadora que, por suas particularidades de origem, alcançaram grande êxito
ao mesmo tempo em que a falta de formação de alto nível também gerava duras
dificuldades340. Porém, este momento e espaço aos indivíduos filhos da classe
trabalhadora escasseou-se:

339
http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/02/espanhois-pioram-curriculo-para-concorrer-a-
empregos-de-baixa-qualificacao.html
340
Dois exemplos (importante notar o papel do domínio das questões práticas e manuais para suas
descobertas):
1)
Vivien Theodore Thomas (29 de agosto de 1910 — 26 de novembro de 1985) foi um técnico cirúrgico
americano que auxiliou no desenvolvimento de procedimentos usados para o tratamento da síndrome
dos bebês azuis na década de 1940. (…)
Foi o assistente do Dr. Alfred Blalock (famoso por ter descorbeto a cura para tetratologia de Fallot) na
Universidade de Vanderbilt em Nashville, Tennessee e, posteriormente, na Universidade Johns Hopkins,
em Baltimore, Maryland.
Com um limitado grau de educação formal e sem nunca ter cursado uma faculdade, Thomas lutou
contra a pobreza e o racismo para se tornar um pioneiro na área da cirurgia cardíaca e um professor
para estudantes que se tornariam os melhores cirurgiões dos Estados Unidos. Vivien Thomas recebeu o
título em Doutorado Honorário.
(…)
Vale ressaltar que, em meio a uma época extremamente racista nos EUA, Vivien Theodore Thomas,
sofreu muito com o preconceito, visto ter sido barrado nos laboratórios e na própria tentativa de se
tornar médico. Entretanto, se não fosse a participação deste renomado e sábio homem, Vivien
Theodore Thomas, o Dr. Alfred Blalock não teria desenvolvido a técnica inovadora para correção da
Síndrome do Bebê Azul. O mérito do conhecimento e da descoberta fora, na maior parte, do Vivien
Theodore Thomas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vivien_Thomas

2)
Faraday es un caso realmente atípico en la historia de la física: su formación era muy elemental; sin
embargo, las leyes de la electricidad y el magnetismo deben mucho más a los descubrimientos
experimentales de Faraday, que a los de cualquier otra persona. Él descubrió la inducción
electromagnética, la cual le llevó a la invención de la dinamo, precursora del generador eléctrico; explicó
la electrolisis en términos de fuerzas eléctricas e introdujo conceptos como campo y líneas de fuerza,
fundamentales en la comprensión de las interacciones eléctricas y magnéticas, y piezas básicas en el
desarrolló posterior de la física.
Michael Faraday nació al sur de Londres en el seno de una familia humilde. De niño la única educación
formal que recibió fue en lectura, escritura y aritmética. Abandonó la escuela cuando tenía trece años y
comenzó a trabajar en un taller de encuadernación. Su pasión por la ciencia se desencadenó allí, al leer
la voz electricidad y otros vocablos científicos en la Encyclopædia Britannica mientras la estaba
encuadernando, tras lo cual comenzó a llevar a cabo experimentos en un laboratorio improvisado. En
1813 fue contratado como ayudante de laboratorio del prestigioso químico Sir Humphrey Davy en la
Royal Institution de Londres, de la que fue elegido miembro en 1824 y donde trabajó hasta su muerte
Muito tem sido feito recentemente sobre a sobre-representação dos ricos e
privilegiados nas indústrias criativas. Não tenho a certeza que todo este alarido justifica-
se. Certamente, a classe média e alta dominam as artes enquanto dominam todas as
áreas da sociedade; É por isso que eles são chamados médios e superiores. No entanto,
escritores de classe, atores e cineastas - ainda que contando histórias do ponto de vista
da classe operária - ainda surgem regularmente na maioria das formas de representação
cultur

A realidade da presença de pessoas de origens "comuns" nas indústrias criativas é


auto-evidente. Existem alguns escritores de TV (Sally Wainwright, Paul Abbott e
Jimmy McGovern), cineastas (Andrea Arnold, Steve McQueen e Ken Loach) e
dramaturgos (David Eldridge, Dennis Kelly e Laura Wade). Certamente não há escassez
de atores e artistas visuais de fundos não-luxuosos e até mesmo desfavorecidos.

Mas há uma área significativa das artes onde a desigualdade é ofuscantemente


óbvia. É raramente observado, no entanto, porque tem sido tão verdadeiro por tanto
tempo que ninguém se incomoda a comentar sobre ele mais. Isso é visível na morte não
apenas do romance da classe trabalhadora inglesa, mas do romancista literário inglês da
classe trabalhadora. Eu uso a delineação "Inglês" de forma acertada: o mesmo não
acontece com a Escócia, que de Ali Smith a Irvine Welsh a AL Kennedy e James
Kelman possui um rico estoque de autores das propriedades, favelas e pequenas cidades
ignoradas, A população da Escócia é pequena, em relação à Inglaterra.

É tarde demais para realizar um funeral - a passagem aconteceu em meados da


década de 1960. Mas é importante reconhecer que um porta-voz significativo de uma
parte considerável da sociedade foi amplamente silenciado, neste campo pelo menos,
para uma geração, provavelmente dois.

É fácil pensar em romancistas e novelas da classe trabalhadora, embora os mais


célebres sejam agora meio século no passado. Os trabalhos de John Braine, Alan

en 1867, primero como asistente de Davy, después como colaborador suyo, y finalmente, tras la muerte
de Davy, como su sucesor.
(…)
Maxwell cita seis veces y lo menciona tres veces más en su artículo sobre la teoría dinámica del campo
electromagnético. Esto no puede considerado como algo fuera de lo normal y no es en absoluto
extraño. Maxwell admiraba a Faraday y gran parte su trabajo sobre electromagnetismo está basado en
el trabajo previo de Faraday y además fue Maxwell quien modeló matemáticamente los
descubrimientos experimentales de Faraday sobre electromagnetismo en la teoría que ha llegado a
nuestros días.
Las ondas electromagnéticas sobre cuya existencia fue especulada por Faraday en 1846 con sus
consideraciones sobre las vibraciones de rayos y fue predicha matemáticamente por Maxwell en 1865,
finalmente fueron producidas en el laboratorio por Hertz en 1888. El resto de la historia es bien
conocido. Es evidente que Maxwell abrió las puertas a la física del siglo XX, pero no es menos cierto que
Faraday entregó a Maxwell algunas de las llaves que éste utilizó.
Fonte: https://www.bbvaopenmind.com/faraday-y-la-teoria-electromagnetica-de-la-luz/
Sillitoe, Stan Barstow e David Storey vêm à mente. Há romancistas da classe
trabalhadora daquela e da geração seguinte que ainda são produtivos - Melvyn Bragg,
Howard Jacobson, Jeanette Winterson, Margaret Forster. Mas desde aquela breve
aurora, os escritores da classe trabalhadora e as narrativas da classe operária
desapareceram mais ou menos do mundo da ficção literária na Inglaterra.

(…)

A política da identidade substituiu a política da classe. Assim, a escrita da "classe


operária" passou a significar pouco mais do que a escrita "branca". Talvez esta seja uma
das razões para sua queda de leitura. Porque se a escrita da "classe trabalhadora" é a
escrita "branca", talvez estejamos fazendo uma declaração duvidosa em busca de
resultados, seja como editores ou como consumidores.341

Destacamos a literatura, pois é a forma de expressão artística menos instintiva


(diferente de outras artes, onde grandes talentos já se podem revelar na infância, a
escrita é um fenômeno social), e exigir tempo, cultura, etc. Essa questão acentua-se,
neste período de decadência, também de modo negativo aos não proprietários porque
têm tido dificuldades em primeiro lugar financeiras de manifestar e desenvolver suas
potências342.

Aqui também entra a questão dos jogos infantis. Antes, levemos em conta o
seguinte: sabe-se que o isolamento das crianças é maior mesmo entre a classe
trabalhadora, mas muito menor nela; nos bairros de classe média aristocrática é comum
os muros serem elevadíssimos, desconhecer os vizinhos, pouco contato com o bairro, os
pais proíbem brincadeiras na rua, etc. Isso dificulta o desenvolvimento pleno do infante.
Considerado o comentário; Trotsky, provavelmente inspirado na pedagogia moderna (o
escrito encontra-se com Piaget, por exemplo):

Por conseguinte, o problema das distrações apresenta-se como um problema


cultural e educativo muito importante. O caráter da criança revela-se e forma-se nos
jogos. O caráter do adulto manifesta-se mais claramente nos jogos e nas distrações. Mas
as distrações e os jogos podem da mesma forma ocupar um lugar de eleição na
formação do caráter de toda uma classe se esta classe é jovem e segue avante como o
proletário. O grande utopista francês Fourier, ao insurgir-se contra o ascetismo cristão e

341
Tradução livre de: https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/feb/07/loneliness-working-
class-writer-english-novelists
342
Em seu tempo, Álvares de Azevedo poemou: “Minha desgraça não é ser poeta,/Nem na terra de
amor não ter um eco,/E meu anjo de Deus, o meu planeta/Tratar-me como trata-se um boneco...//Não
é andar de cotovelos rotos,/Ter duro como pedra o travesseiro.../Eu sei... O mundo é um lodaçal
perdido/Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro...//Minha desgraça, ó cândida donzela,/O que faz que o
meu peito blasfema,/É ter para escrever todo um poema/E não ter um vintém para uma vela.” Minha
Desgraça, Lira dos Vinte Anos.
contra a repressão da natureza humana, construiu os falanstérios (as comunas do futuro)
na base de uma utilização e de uma combinação justa e racional dos instintos e das
paixões. Consusbstancia-se aqui um pensamento profundo. Um Estado operário não é
nem uma ordem espiritual nem um convento. Consideramos os homens tal como a
natureza os criou e tal como a antiga sociedade em parte os educou e em parte os
mutilou. Nesse material humano vivo, buscamos qual o ponto em que fixar a alavanca
da revolução, do partido e do Estado. O desejo de distração, de entretenimento, de
diversão e de riso, é um desejo legítimo da natureza humana. Podemos e devemos
proporciona-lhe satisfações cada vez mais artísticas e, ao mesmo tempo, devemos fazer
do divertimento um instrumento de educação coletiva, sem constrangimentos e
dirigismo inoportunos.343 (Questões do modo de vida.)

Neste momento, a maioria dos jovens pratica os jogos de videogame. O preconceito


vulgar pode crer que esta nova forma degenera aqueles em formação. Mas não é
necessariamente ou de todo assim. As primeiras gerações de jogos virtuais eram, em
boa parte, simples; as atuais, ao contrário, são complexas, exigem raciocínio, precisam
de foco e esforço, possuem enredos de altíssima qualidade (um mercado mais lucrativo
que o cinema!) e, em alguns casos, estimulam a obtenção de mais curiosidade e
conhecimento – essas características são exigências dos próprios consumidores. Se
formos mais precisos com a realidade, os jogos desse tipo são uma forma nova e
verdadeira de arte interativa, embora desprezada e desdenhada pelos eruditos. A
positiva busca da arte contemporânea por colocar o espectador ou leitor numa posição
ativa e construtora realiza-se nessa nova forma de expressão fundidora de todas as
outras manifestações estéticas.

A visão acima é defendida, por exemplo, por James Paul Gee, autor do livro “What
Video Games Have to Teach Us About Learning and Literacy” (O Que os Video Games
Tem a Nos Dizer Sobre Aprendizado e Alfabetização). Gee argumenta que diversões
digitais promovem um aprendizado mais substancial. “Bons video games são sistemas
complexos que os jogadores devem aprender a lidar de forma reflexiva e estratégica”,
afirmou o escritor ao jornal britânico The Guardian.

Segundo ele, muitas crianças passam em exames de Biologia e Física... Mas poucas
tem a capacidade de aplicar. De fato, o treinamento disponível nos video games parece
fornecer um material substancial para a forma humana de aprendizado por excelência: a
tentativa e erro. Afinal, um erro em God of War ou Civilization é provavelmente bem
menos constrangedor ou dramático do que seria na vida real.344

343
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1923/vida/cap05.htm
344
https://www.tecmundo.com.br/video-game-e-jogos/14697-os-games-estao-te-deixando-mais-
inteligente-.htm
Em outra matéria, lemos:

Dois estudos divulgados nessa semana chegam a conclusões que podem agradar
àqueles que apreciam video games. As pesquisas afirmam que jogos eletrônicos não
apenas ajudam seu público a desenvolver habilidades de aprendizado, mas também não
induzem violência no mundo real.

O primeiro, conduzido por cientistas da Universidade de Rochester, na Inglaterra, e


publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, afirma que
jogadores de títulos de ação não apenas apresentam reações melhores a tarefas de
aprendizado, mas também desenvolvem essas habilidades conforme jogam.

“Pesquisas anteriores do nosso grupo e de outras pessoas mostravam que jogar


video games aumenta uma grande variedade de habilidades cognitivas, perceptivas e de
atenção. Neste novo estudo nós motramos que jogadores de título de ação são melhores
em diversas tarefas porque eles aprendem melhor, e que eles se tornam aprendizes
melhores por jogar jogos de ação”, disse o pesquisador Vikranth Rao Bejjanki ao site da
revista “New York Magazine”.

Por outro lado, a outra pesquisa, realizada por Christopher Ferguson, psicologista
da Universidade de Stetson, nos EUA, e publicada no “Journal of Communication”
comparou o consumo de jogos violentos com os índices de violência entre jovens nos
últimos 20 anos nos EUA. O estudo concluiu que o ato de jogar video games coincide
com uma queda em crimes violentos realizados por jovens entre 12 e 17 anos.345

Mesmo assim, parece errado dar carta branca às observações. Entremos na


totalidade; jovens da classe trabalhadora, em geral, podem jogar em uma “locadora”
(nem todos podem comprar) ou reunir amigos e vizinhos; os da classe média mais bem
paga, comum, isolam-se em seus quartos por longas datas ou de modo fatiado e
extensivo. Ou seja, a mesma prática em diferentes contextos de classe dá pesos
diferentes aos efeitos positivos e negativos dos consoles. Deduzimos da moderna
psicologia; isolamento social mais prática excessiva, incluso como compensador do
primeiro, em um jovem pode adestrá-lo para certos tipos de perfis condizentes com a
prática dos jogos. Por exemplo: necessidade de disputar contra os iguais como interação
com o outro, perfil gerenciador e administrativo, indiferença para com o externo,
acentuar a necessidade de estar sempre em liderança individual e incapacidade de lidar

345

http://istoe.com.br/392331_VIDEO+GAMES+DEIXAM+JOGADORES+MAIS+INTELIGENTES+E+NAO+AUME
NTAM+VIOLENCIA+DIZEM+ESTUDOS/
com algumas tensões reais346; dito de outro modo: os personagens e a história podem
acentuar o perfil comum nas pequena e grande burguesias – de todo modo, parece
incomum que, por si mesmo, gere transtornos seríssimos. Para as mais diferentes
classes, os jogos e distrações, em geral, reproduzem e reforçam valores dominantes da
classe dominante na sociedade. Por isso, queremos e precisamos puxar a corda da
análise para os pontos mais negativos deste novo formato, em especial à classe
trabalhadora: o ser humano possui uma bioessência – integrativo, mutualista e ativo
(física e mentalmente) – que necessita ser satisfeita; portanto, o próprio processo de
aprendizado e de educação emocional é uma processo hiperssocial, uma relação humana
por natureza, de interação e troca, além de contradições – pra ser, de fato, muito
eficiente precisa disso, desses elementos347. O atual “mundo virtual” tem degenerado
nossa psique, gerando relações por demais indiretas, mediadas por objetos que deixam
de ser auxiliares na relação e tornam-se centrais. Assim, nas redes sociais podemos ficar
horas sem expressar qualquer empatia ou respeito para com o outro em diálogos e
debates; familiares deixam os filhos sob a hipnose da TV, do jogo ou da internet, pois,
assim, ficam passivos, inativos (que absurdo crianças descontroladas, agindo feito
crianças!), já que o estresse da vida adulta gera impaciência, busca por soluções rápidas
e imediatas, pouco tempo entre o duro trabalho e o necessário sono para permitir
acompanhamento qualificado da cria. Neste sentido, os ricos têm vantagens; aos pobres,
mecanismos prazerosos de recompensas visuais, semipassivas, aos filhos podem soar –
embora ruins no modo como são ora aplicados – bons, baratos e fáceis348. O conjunto
das relações humanas tem também seguido a tendência da economia capitalista de
substituição do homem por maquinário, capital fixo. A própria materialidade abstrata,
desprovida de massa, digamos assim, gerada pelo avanço técnico, tem desafiado todas
as nossas sensibilidades, a exemplo da dificuldade de medir e proporcionalizar nossos
gastos nos cartões de crédito.

Outro ponto desse destaque, das capacidades reais e latentes das diferentes classes,
está no consumismo. Há uma polêmica sobre isto: alguns dizem que o consumismo é
uma falácia em uma sociedade a viver da miséria alheia; outros, que o mundo capitalista
é o lugar do comércio. Pois bem; opinamos que ambos estão errados e certos. Entre
aqueles de renda superior o consumismo é uma ideologia e uma prática, fato possível;
entre a maioria, é uma ideologia, um desejo irrealizado e uma frustração ou dívida. Por
outro lado, “estimula” os que “nada têm a perder” a trabalhar, estudar ou... roubar.
Imaginava-se que apenas a fome (miséria absoluta) geraria a bandidagem, no entanto
este raciocínio revelou-se simplista; basta olharmos rapidamente o Brasil de 2003 a

346
Embora em si ruim, o permanente stress da classe trabalhadora a adestra para maior tolerância a
situações de instabilidade, conflito, disputa, etc. O efeito de uma virada brusca da realidade sobre o
equilíbrio emocional destes é menor do que entre os de condições de vida melhores.
347
Adendo necessário: o estudo também supõe, em algum grau, abstinência da bioessência. O ato de
estudar acaba por ser um compensador psíquico, uma sublimação, da não satisfação humana. O modo
mais correto é o de afastamento e aproximação, elipse, da coletividade como parte do método de
estudo. Por isso a superioridade da leitura, ato solitário (concepção de Paulo Freire).
348
Sobre isto, surge uma piada comum do cotidiano: “antes, os pais brigavam para que os filhos
entrassem em casa; hoje, brigam para que saiam.”
2014 (anos dos governos de frente-popular petistas, com crescimento econômico
nacional por impulso mundial, geração de empregos, concursos públicos, pequenas
reformas, aumento real do salário mínimo, políticas compensatórias, etc.): nestes anos,
enquanto todos os dados formais e a vida real em si melhoravam349, a violência urbana
crescia em igual proporção. Como se explica? Desse modo, por meio da miséria
relativa350: como a vida valeria a pena se ser honesto e trabalhador é ser humilhado, ver
o corpo enfeiar-se, ter tempo apenas para o trabalho, ganhar mal para ser humilhado
pelo chefe e não conseguir os objetos e status social? Valeria a pena estudar mais, se
dedicar mais e adoecer mais que a geração precedente para tentar ter uma vida pelo
menos igual ou pior que a dos pais? Mas, dizem as propagandas, a felicidade plena é
para ontem e um direito natural, viável sob o capitalismo. Todas as pedras no caminho –
e são pesadíssimas –, que ferem o instinto de dignidade da juventude, levam-na a
procurar uma vida provida de emoção (o tédio repetitivo do trabalho é algo esmagador
da mente), de prestígio e acesso ao consumo por vias tortas – mesmo sabendo, como
costumam dizer, “que viverei pouco”. Assim, degeneram: o cérebro sente prazer, sente-
se recompensado pela via errada de resolver a vida. Membros da juventude filha das
trabalhadoras, sem esperanças para com o futuro, buscam “uma vida emocionante,
porém curta” envolvendo-se com o tráfico, com o roubo, com o risco, com o pequeno-
grande prestígio, etc. Imagine se dedicassem essa raiva, essa energia, esse fetiche da
clandestinidade e do risco para uma boa causa, para a esperança? Portanto, precisamos
ganhar os jovens, a geração dos “de baixo” mais inteligente da história humana, para um
projeto onde se realizem. É possível dedicar-se à revolução e jogar futebol aos finais de
semana.

A outra ponta do processo relatado, desnecessário aprofundar, é o fortalecimento do


fanatismo religioso – na maioria dos casos, sob líderes de inspirações e aspirações

349
Governos burgueses, inimigos, anormais; as frentes populares, presença de partidos de esquerda na
administração do estado, são governos de altíssima confusão; mas não apenas pelo fator subjetivo, a
falsa ideia de ser um governo “nosso”: a depender da margem de manobra, como crescimento
econômico, podem implementar reformas afim de paralisar e iludir os trabalhadores. Dão com a mão
esquerda para apunhalar estrategicamente com a mão direita. E são, ademais, antessala de golpes e
desmoralizações.
350
A miséria relativa pode aprofundar-se enquanto a absoluta reduz-se. Por miséria relativa temos de
ver além, mas incluso, das questões salariais e trabalhistas; o aumento da violência urbana, e o estresse
daí derivado, é um dos fatores, dos elementos e exemplos, para medir o aumento da miséria relativa;
mesmo a estética urbana, se agravável ou desagradável, gerando um tipo particular de subjetivação da
objetividade, entraria nesta avaliação. No entanto, é necessário limitar os critérios para medir: 1)
fatores objetivos: expectativa de vida, taxa de violência, salário (sob relações capitalistas, claro),
proporção entre jornada de trabalho e tempo livre etc. 2) fatores subjetivos: taxa de suicídio, taxa de
depressão, nível cultural, nível de acesso à arte etc.
Há aí uma questão polêmica: a lei da tendência à miséria crescente de Marx tem validade? Sim: não
impedindo contratendência, períodos de negação da tendência, ou aumento da miséria relativa em
paralelo com a redução da absoluta, ou transferência desta tendência a outros países. Do ponto de vista
das ondas do desenvolvimento capitalista, de Trotsky, Marx percebeu tal lei ao ver a revolução
industrial, 1770, elevando a acentuando a miséria, por ser o período de transição ou estagnação da
curva, até o declínio a partir de 1820. No Brasil, a fome, a miséria absoluta, foi reduzida enquanto a
violência urbana, o emprego precário etc. elevavam-se.
fascistas ou semifascistas. O decaimento da qualidade material e espiritual de vida leva
uma enorme massa aos charlatões de todos os tipos, de posturas folclóricas e bizarras.

É como se o pensamento humano encontrasse – e encontra – uma limitação, uma


crise: precisa de novas sociedade, sociabilidade e filosofia. A criatividade tende, ao
avançar, a enfrentar as barreiras filosóficas e socioeconômicas do capital (daí produtos
culturais tão pobres quanto descartáveis). A cultura avança com passos mais pesados,
meio-atolados em uma sociedade-pântano, que precisa ser superada. Hoje por hoje, criar
é tão mais necessário quanto mais dificultoso; a própria luta socialista necessita da
criatividade humana para triunfar351. Mais uma vez, talvez valha um relato pessoal:
próximos à minha vivência, conheço algo mais que meia dúzia de compositores de
altíssimos nível e talento nos bairros populares de minha cidade; muito porém, suas
capacidades são impróprias para o mercado fonográfico fast food.

Uma interessante expressão de “esgotamentos sistêmicos” está na forma musical. O


sistema de escalas explorou quase todas suas possibilidades internas, e tende a ser
superado. Apenas tende. Mesmo expressões “degeneradas”, como o funk e o rap, são
sintomas da necessidade de um novo padrão sonoro. A escala dodecafônica tentou
“suprassumir”, porém viu-se limitada em si própria. Estes aspectos, merecedores de
longa obra específica – e fica a indicação de pesquisa – são destacadas aqui para
apreendermos o geral e suas manifestações particulares.

Esta obra traz contribuições à estética marxista “por alto” e complementar a outros
conteúdos. Talvez parte de futuro artigo específico e completo. Podemos, posto isto,
fazer alguns comentários.

O capitalismo tende a esgotar os tipos de arte por dois meios: 1) aceleração da


produção artística enquanto parte da aceleração geral do sistema, renovando aquele
continuamente, rumo ao esgotamento das possibilidades latentes desta e daquela forma
de produzir; 2) impedimento de produções novas e renovadas, transformando uma
dificuldade relativa em historicamente absoluta. Se o romance começa com o capital,
também é verdade que está próximo de seus limites, de experimentar todas as suas
possibilidades de “formato”. O contrário ocorre com o cinema e os jogos eletrônicos,
pois suas técnicas de produção ainda estão prenhas de possibilidades criativas, de
renovações, de experimentos.

Processo e tempo de esgotamento das possibilidades da forma desenvolvem-se de


modo desigual em relação ao mesmo quanto ao conteúdo. E influenciam-se
mutualmente.

351
Por exemplo, Moreno demonstra a elaboração política e a escolha de consignas como arte análoga,
complementamos, à arte da guerra. Sobre isso, Engels, apelidado “general” por estudar e praticar as
questões militares, parece ser em grande medida o responsável pelo método de análise, caracterização
e política marxista; e, não sendo em si ciências, mas derivados diretamente dela, temos dois campos em
que os resultados dependem também de certa habilidade artística, criativa.
Ao lado disso e secundário, estão as limitações ideológicas. Por exemplo: sob
influência do “realismo socialista”, controle estatal estalinista, George Lukacs erra ao
defender um caráter sempre miliante da arte, em defesa do “realismo”. O que seria da
vida sem a mística simbolista e sua beleza? Quanta falta fariam o cinema e a literatura
de terror e suspense policial “apolíticos”. A primeira função da arte é entrerter, dar
prazer (nem que seja por meio do desconforto). “Não só de política vive o homem”,
Trotsky. Respirar outros ares ajuda-nos a enfrentar a realidade realista da vida. A função
dos produtos, resultados, da atividade humana, de diferentes modos e cada um ao seu,
incluindo a teoria, é a satisfação das necessidades humanas, sejam materiais ou
“espirituais”352353. Então, percebemos: as concepções podem limitar ou “soltar” a
produção artística. A visão surrealista de Breton – pela total liberdade artística, longe de
constrangimentos financeiros ou políticos –, em manifesto assinado com Leon Trotsky,
faz parte do programa comunista desde os primeiros balanços do século XX.354

Continuemos nas restrições estruturais.

A poesia concreta é uma das manifestações de um desenvolvimento até o limite, ao


ponto de romper com o verso. O melhor da arte pós-moderna, péssima em geral, mostra
um limite em si ou histórico, ou ambos, das manifestações artísticas surgidas antes da
última fase do capitalismo (exemplo: a poesia afastou-se da música no processo de
revolução produtiva do capital, com a imprensa). Quando os irmãos Campos tentaram
levar a poesia do visual gráfico moderno ao eletrônico, tentaram, em real, buscar novos
suportes e formas para o conteúdo, abrindo novas redes de possibilidades.

Outro destaque. Enquanto as universidades desprezam a riquíssima produção


trotskysta, Trotsky defendeu as curvas de desenvolvimento capitalista enquanto
geradores de perfis superestruturais, incluso movimentos e tendências artísticos, a
depender da fase da curva, se ascendente ou estagnação ou declínio355. A Bossa Nova,
por exemplo, com todo seu perfil típico, surgiu de e para sua época: ascensão da curva
352
Isto é válido ao produto nos diferentes modos de produção, também quando adquire a forma de
mercadoria (valor, valor de troca e valor de uso). Marx e Engels tiraram a concepção de história do
nevoeiro ideológico mostrando a formação do homem e da sociedade enquanto busca de todo material,
pois precisamos satisfazer necessidades, comer, ter abrigo, sobreviver etc. Uma obviedade
negligenciada até então.
353
Marx, Grudrisse: “No entanto, a dificuldade não está em compreender que a arte grega e a epopeia
estão ligadas a certas formas de desenvolvimento social; está sim no fato de nos proporcionarem ainda
um prazer estético, e de serem para nós, em certos aspectos, uma norma e até um modelo incessíveis.”
354
Como esta questão tem no centrismo estalinista uma polêmica, exemplifico por meio do meu caso:
enquanto escritor amador, a maioria dos meus textos e poemas são militantes e “realistas”. Por quê?
Porque minha inspiração leva-me natural e socialmente a tais produções, sem critérios ou
autoimposições prévias. Para um artista, basta a proibição para haver impulso de subversão. Qualquer
compositor sabe o papel ativo do subconsciente, quase nos tornando pontes, transmissores de um
criação de outro, de um além de nós.
Recordemos a história: o fortalecimento em excesso do superego-superestrutura objetiva do Estado
estalinizado, levou Maiakovsky a profunda decepção e constrangimento; levando-o ao suicídio em praça
pública, ao tiro no peito.
355
Considerando a autonomia relativa; a análise das obras artísticas desde o ponto de vista marxista,
dentro da totalidade social, deve agregar, ao lado, a análise em si, ou seja, ao modo do formalismo
russo. Para caracterização completa, abstraímos e integramos.
histórica, formação de uma grande classe média aristocrática no Brasil, urbanização,
otimismo geral etc. E entra em decadência a partir do final década de 1970, mudança na
curva, momento em que mais se manifesta no país esta alteração. Tal qual as escolas
literárias, entre precursores e saudosistas, os estilos musicais possuem seus auges, seus
momentos de consagração alta e temporária.

Na história da arte, há o movimento “concreto-abstrato-concreto”: música e poesia


andavam lado a lado; em seguida, as artes vivem maior especialização; o cinema e os
jogos eletrônicos, com outras expressões áudio-visuais, integram e fundem as diferentes
formas de arte no mesmo produto estético.

No instante final, o neoliberalismo consolidou a moral do acesso ao consumo


como igual à felicidade plena. No entanto, quem conseguiu “crescer na vida”
permaneceu, em geral, infeliz – às vezes, mais. Acontece que só é possível ser alguém
sendo ninguém, um objeto, aquele que engana seus concorrentes e suporta –
desumanizando-se – as pancadas da inveja, da disputa, das derrotas, do vazio de viver
“sem saber bem o porquê”, da solidão, etc. Sempre há um novo livro de autoajuda nas
estantes. Os mais variados problemas mentais e distúrbios de personalidade
generalizam-se – a esquizofrenia infantil cresce, por exemplo – como expressão da
integração das coisas e atomização dos homens, da alienação.

Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais.
A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber
a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas
vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.

No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes


nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de
crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de
Down.

Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto


Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual
assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana
de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença
mental, entre quatro categorias.

(…)

A substituição da psicoterapia pelo uso de drogas como tratamento majoritário coincide


com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são
causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de
medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público,
bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi
intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.

O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca
de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O
aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova
geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os
redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.

(…)

O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais


amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão.
Enquanto Kirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes
do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são
apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento
de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as
patologias tratadas:

O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e


durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos
psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença
mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia,
embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar
alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?356

Sob o capitalismo decadente, o irreal e o absurdo serão cada vez mais reais e
cotidianos, pois o próprio sistema, impondo-se quando deveria ser superado, cada vez
mais irreal e absurdo revela-se.

356
http://www.psiconlinews.com/2014/10/a-epidemia-de-doenca-mental-por-que.html
PARA A DISSOLUÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE

“Nem só de política vive o homem.”


Trotsky, Questões do Modo de Vida.

Proudhon pendia por natureza para a dialética. Mas, uma vez que nunca a compreendeu
realmente científica, apenas a reduziu a sofisma. De fato, isto coincidia com o seu ponto
de vista pequeno-burguês. O pequeno-burguês é tal o historiador Raumer composto de
“por um lado…” É assim nos seus interesses econômicos e, portanto, [também] na sua
política, nas suas visões religiosas científicas e artísticas. É assim na sua moral, é assim
in everything. Ele é a contradição viva. (…) Charlatanismo científico e acomodação
política são inseparáveis de um tal ponto de vista.

Marx, Sobre Proudhon.

Quanto aos jovens membros do CC, direi algumas palavras sobre Bukharin e Piatakov.
São, a meu juízo, os que mais se destacam (entre os mais jovens), e neles deveria se
levar em conta o seguinte: Bukharin não é só um valiosíssimo e notabilíssimo teórico do
Partido, senão que, ademais, se lhe considera legitimamente o favorito de todo o
Partido; porém suas concepções teóricas muito dificilmente podem qualificar-se de
inteiramente marxistas, pois há nele algo escolástico (jamais estudou e creio que jamais
compreendeu por exemplo a dialética).

Lenin, Testamento Político.

Neste livro, focamos na rearmação teórica do comunismo a partir da análise do período


histórico no qual vivemos, caracterizando-o. Uma vez superado o nevoeiro das
aparências, temos podido acessar a essência da realidade, quase podemos tocar a
concretude do real. Neste capítulo, porém, pela própria natureza do tema, procederemos
de outro modo: focaremos em aspectos mais abstratos da mentalidade humana, e
daremos maior peso à filosofia, dentro do debate teórico.

1.

MARX APONTA ESSÊNCIA HUMANA

Em O Capital I, Marx toma nota:


“(…) Aplicado ao homem, isso significa que, se quiséssemos julgar segundo o princípio
da utilidade todas as ações, movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos
ocupar primeiramente da natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana
historicamente modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas
inutilidades.” (p. 685, Boitempo, 2015.)

O mouro faz uma crítica, e aponta o procedimento metodológico. No entanto, os


marxistas

1) Confundem essência humana com personalidade;

2) Confundem essência humana com moral;

3) Enfim, confundem essência humana com “natureza humana historicamente


modificada”.

O primeiro passo para avançarmos se dá por meio da teoria marxista da alienação,


premissa objetiva de toda sua obra. Em resumo, alienação é

1) Fragmentação do homem, seu afastamento de relações plenas com a


“comunidade”;

2) Domínio do homem sobre o homem, a coisificação do outro-semelhante


(machismo, classes sociais, homofobia, xenofobia etc.);

3) Exclusão do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de


imaginar e colocar em prática de modo ativo (exemplo: quando o operário segue o ritmo
da máquina, em movimento repetitivo e irrefletido, para outro, produzindo algo com o
qual deixa de ter uma relação direta e pessoal, enquanto criatura sua).

Ou seja:

1) Separação do homem da sociedade a qual integra;

2) Separação do homem dos iguais, dos outros homens;

3) Separação do homem de si próprio.


Em duas sentenças: “a valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização
do mundo dos homens” (Marx), “Humanização das coisas e coisificação dos homens”
(idem).

Surge uma “relação, porém alienada”.

Dada a base, basta-nos rastrear a equação: se há alienação, há algo negado – algo


alienado.

Invertamos; seria qual a solução da alienação, o inverso?

1) Integração dos homens;

2) Relações mutualistas;

3) Ser ativo (exemplo: o trabalho, manual-intelectual, adquirir ares de arte).

Estamos diante da (bio)essência humana, da condição animal do ser social. E esta


descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da psicologia357.
Considero, no entanto, que tal achado científico-filosófico, premissa objetiva, do real,
deva ser creditada a K. Marx, pois os elementos estavam presentes em obras como
Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Sobre o Suicídio, além d’O Capital. O risco,
nesse caso, seria afirmar ter sido utilizado o método da filosofia medieval: todas as
reflexões deveriam ser creditadas aos gregos para obterem valor. Isso se resolve do

357
O menos limitado dos filósofos oficiais da atualidade, Mário Bunge, socialista utópico que nada
compreendeu do método de Marx, assim expressa, corretamente: “estamos vivendo a década do
cérebro. Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as
partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar traz muito mais prazer
que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se
também, que a desigualdade é muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por
sua vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países
mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que
os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são
mais igualitários.” (https://universoracionalista.org/mario-bunge-e-a-critica-ao-pos-modernismo/)
Complementamos que, socialmente, o altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter
na outra ponta da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação; por isso mais correto é o
estabelecimento do mutualismo como expressão categorial da essência humana. Isto é assim por uma
solução metodológica: enquanto a ciência burguêsa vê a “essência” do indivíduo, vamos a essência
social dos indivíduos, no indivíduo. O individualismo metodológico tem este defeito “de essência”:
deixar de ver a totalidade, desde esta (em dialética, comum ocorrer – perceber – no nível de totalidade
o inverso do operado e aparente no exemplo nuclear, particular).
seguinte modo: por ter morrido, o alemão deixou-nos a “dialética do capital”, segundo
Lenin, que também afirma “só ser possível entender o capital por meio da dialética de
Hegel”… O mesmo ocorre quanto à essência e alienação: é possível extrair de suas
obras suas descobertas, embora lhe faltasse sistematizá-las. A questão fica resolvida.

Qual, portanto, a origem da natureza humana?

Dos primatas que desceram as árvores nas savanas até o homo sapiens sapiens ocorreu
um longuíssimo período de formação da nossa espécie por meio da seleção dos mais
aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil facilitava a prática do que hoje é essência
humana adquiriam probabilidade maior de sobrevivência, perpetuavam-se. Por isso, por
história da humanidade devemos considerar a história da formação da nossa própria
espécie, isto é, a importância da biologia na formação do pensamento marxista. Assim,
superamos o “historicismo” e a tese pós-moderna de que “tudo é – limita-se à –
construção social”. Abordemos em linguagem filosófica. A essência precede a
existência ou a existência precede a essência? Resposta dialética: o processo de
formação da existência é, ao lado, a formação da essência. A formação do homem como
formação do próprio homem, do orgânico ao social.

Em elaboração geral, a alienação ocorre quando “o mundo gerado pelo homem ganha
autonomia frente a este e volta-se contra ele – a criatura passa a dominar o criador”. É
preciso, pois, ver a alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo –
interno e externo ao indivíduo358. Tem sua existência na totalidade social e na psique,
em particular neste capítulo e no anterior. Destacamos a psicologia por ser esta a
questão que lhe faltou resolver, a natureza humana. Seja por ideologia ou por pouco
interesse pela filosofia marxista na ciência oficial, este era um nó filosófico e científico
enfim resolvido.

No entanto, curioso o espanto causado por esta exposição entre marxistas. Ficamos
diante das obsevações: se a essência é apenas histórica, o homem é de fato adaptável –
logo, a alienação social não explicaria a onda de depressão e suicídio? Se o homem é,
em essência, apenas o determinado pelo modo de produção, adaptar-se-ia às condições
dadas sem maiores prejuízos, se não físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma
resposta própria do marxismo percebe contradição entre “essência humana
historicamente modificada em cada época” e “essência humana em geral”. A tarefa dos
homens e mulheres no, e rumo ao, socialismo será resolver este problema objetivo.

2.

O principal aspecto da natureza humana está em sua categoria fundante, o trabalho. Por
si, este elemento é incompleto para explicar a homem, sendo, porém, o centro e o ponto
de partida. Cabe-nos destacar, disto, o aspecto fundamental: nossa espécie é, em
primeiro, caracterizada pela habilidade de construir ferramentas. Longe do conceito de

358
Os mesmo critérios são válidos para a natureza humana.
trabalho apenas manual da tradição stalinista, o homem é confluência do pensar e fazer.
Isso significa, por exemplo, que mesmo em uma sociedade onde o trabalho manual seja
virtualmente reduzido a zero, por razão de revoluções técnicas, o ato de trabalhar
continua cumprindo o mesmo papel, pois cabe ao homem idealizar e concretizar o setor
produtivo, ou seja, supor as ferramentas novas necessárias e como aplicá-las.

TRABALHO, ALIENAÇÃO E PSICOLOGIA

Um dos pontos de partida para uma teoria unificada da psicologia é a consideração do


trabalho, categoria fundante, e os problemas derivados da alienação, da autodivisão em
trabalho manual e intelectual, e submissão daquele por este. Exemplifiquemos359. O
narcisismo extrovertido – traduzido idealmente na figura do Deus único360 – pode ter
origem na baixa atividade prática, a partir dos hábitos ligados ao trabalho intelectual,
desde a infância. A baixa habilidade de verbalização, de autoexpressão, pode gerar
adoencimento entre aqueles especializados na dimensão prática da atividade humana.

Segunda relação em destaque; um dos primordiais modos de trabalho, o hábito de


cozinhar, faz parte da formação de nossa própria espécie, de o homem formar-se a si
próprio. O corpo dos ancestrais evolutivos, incluindo o cérebro, modificou-se pelas
novas ingestões e ômega 3.

É, pois, dedução natural a importância dos hábitos alimentares sobre a saúde mental.

A cientista brasileira Suzana Herculano-Houzel demonstrou, por meio da moderna


técnica, a importância da carne e do cozer – ato de trabalho, de transformação da
natureza – para a formação do homo sapiens e, em principal, inflação de nosso
cérebro361. É de nosso interesse notar que o marxismo havia exposto esta descoberta já
no século XIX. Engels reuniu os estudos biológicos de sua época, ligando-os ao
materialismo histórico e dialético, para produzir síntese e chegou, por outro modo de
pesquisa, às mesmas conclusões (assim, a autora oferece nova e forte base empírica);
leiamos:

359
Por exemplo, é comum defender a atividade mental como forma de combater o Mal de Alzheimer;
porém, a atividade física dinâmica, não repetitiva e vazia de sentido, parece também ser forma de
prevenção. Outro: é comum ver grandes pensadores, principalmente matemáticos, tenderem a
fortíssimos problemas mentais na medida em que desenvolvem suas capacidades de forma unilateral,
por demais especializadas.
360
Machista, sexista, agoísta, egocêntrico, necessidade de adoração e atenção contínuas, o falar como
atividade criadora per se, mimado, violento quando contrariado, reafirmação de exclusividade e
superioridade etc.
361
http://www.pnas.org/content/109/45/18571.full
Título original: Metabolic constraint imposes tradeoff between body size and number of brain neurons
in human evolution; revista PNAS; Karina Fonseca Azevedo e Suzana Herculano-Houzel; Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
“A alimentação cárnea ofereceu ao organismo, em forma quase acabada, os ingredientes
mais essenciais para o seu metabolismo. Desse modo abreviou o processo da digestão e
outros processos da vida vegetativa do organismo (isto é, os processos análogos ao da
vida dos vegetais), poupando, assim, tempo, materiais e estímulos para que pudesse
manifestar-se ativamente a vida propriamente animal. E quanto mais o homem em
formação se afastava do reino vegetal, mais se elevava sobre os animais. Da mesma
maneira que o hábito da alimentação mista converteu o gato e o cão selvagens em
servidores do homem, assim também o hábito de combinar a carne com a alimentação
vegetal contribuiu poderosamente para dar força física e independência ao homem em
formação. Mas onde mais se manifestou a influência da dieta cárnea foi no cérebro, que
recebeu assim em quantidade muito maior do que antes as substâncias necessárias à sua
alimentação e desenvolvimento, com o que se foi tomando maior e mais rápido o seu
aperfeiçoamento de geração em geração. Devemos reconhecer — e perdoem os
senhores vegetarianos — que não foi sem ajuda da alimentação cárnea que o homem
chegou a ser homem; e o fato de que, em uma ou outra época da história de todos os
povos conhecidos, o emprego da carne na alimentação tenha chegado ao canibalismo
(ainda no século X os antepassados dos berlinenses, os veletabos e os viltses,
devoravam os seus progenitores) é uma questão que não tem hoje para nós a menor
importância.”

“O consumo de carne na alimentação significou dois novos avanços de importância


decisiva: o uso do fogo e a domesticação dos animais. O primeiro reduziu ainda mais o
processo da digestão, já que permitia levar a comida à boca, como se disséssemos, meio
digerida; o segundo multiplicou as reservas de carne, pois agora, ao lado da caça,
proporcionava uma nova fonte para obtê-la em forma mais regular. A domesticação de
animais também proporcionou, com o leite e seus derivados, um novo alimento, que era
pelo menos do mesmo valor que a carne quanto à composição. Assim, esses dois
adiantamentos converteram-se diretamente para o homem em novos meios de
emancipação. Não podemos deter-nos aqui em examinar minuciosamente suas
conseqüências.” (O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem,
Friederich Engels, 1876. Extraído:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1876/mes/macaco.htm )

3.

De onde vem a consciência? Da contradição. Quando um todo no qual um ser vivo


opera se desregula, ou seja, quando os hábitos, as repetições de comportamento, deixam
de encontrar a externalidade (totalidade) correspondente à ação; então força-se à
percepção, cálculo, medição, comparação e diferenciação de si, do si, em comparação
ao externo. É a sobrevivência, a necessidade de satisfazer necessidades, o impulso
íntimo, cuja fonte é exterior ao corpo-mente. O primeiro impulso deu-se com a
obrigatoriedade dos antigos primatas a descerem das árvores nas savanas.
A teoria da evolução descobre que um órgão corporal, uma parte do, o cérebro neste
caso, pode ser mais ou menos flexível e modificável para novas funções; e que as
mudanças, mutações, mais ou menos comuns, prosperam ou não a depender se gerarão
vantagens, não-contradições, com o ambiente natural. Temos um segundo estímulo à
consciência. Isso é válido para uma espécie ou seu ser singular, uma pessoa, como
também para um grupo humano: uma crise econômica faz com que um ser coletivo, a
classe trabalhadora, ao romper a rotina, avance de classe em si para, ao elevarem-se as
contradições, classe para si, consciência de classe. É análogo ao processo em escala
biológica.

Na medida em que o homem primitivo, os antepassados evolutivos próximos,


modificavam, por meio do trabalho e construção de ferramentas, os seus próprios
hábitos, surgiam necessidades novas; o ambiente modificava-se, o que gerava novas
limitações a serem superadas. Como agir a estas contradições e mudanças? Pela
capacidade de projeção, de imaginar, de antecipar idealmente. Tal habilidade só pôde
surgir como necessidade permanente, mais que casual. Temos aí a base para tudo a que
chamamos inteligência, criatividade, consciência e pensamento. Para isso, já o sabia
Engels, o cérebro contou com energia oferecida por alimentos cozidos, pelas carnes e
ômega 3.

Abordemos uma pista empírica – forma de protoconsciência – em outra espécie:

Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são rastradas pelo
menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de anos atrás.

“Quando os organismos começaram a mover-se livremente em seu ambiente, eles


enfrentaram muitos desafios novos”, explicou o Dr. Klein.

“Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas necessidades.
Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como consequência do seu
movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada, e é aí que nós pensamos
que a consciência surgiu.”

Bruno van Swinderen é professor associado da Universidade de Queensland e é um


líder no campo da neurobiologia do inseto.

Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo trabalho é a
constatação de que a compreensão da evolução da consciência não virá da procura de
comportamento inteligente em outros animais, mas sim de compreender os mecanismos
fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e atenção seletiva, que ele diz que
“sabemos agora que insetos têm”.

“Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs, respondendo a estímulos
ambientais de uma forma bastante inflexível”, disse o Dr. Van Swinderen.
“Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos bases
fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros”. Compreender
completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível, no entanto.

Vejamos exemplo de protoconciência artificial:

O teste consiste do seguinte: para cada um dos três robôs é dada uma pílula de um grupo
de cinco, três delas são ineficazes, mas duas delas, quando tomadas, imediatamente
fazem o recipiente “Mudo” [Esses robôs são capazes de falar]. De fato, dois robôs (R1 e
R2) são dadas pílulas potentes, funcionando, mas R3 recebe um dos 3 placebos. O
humano que está realizando o teste diz: “Qual das pílulas você recebeu? Nenhuma
resposta é correta a menos que seja provada!”

Dado a formal regimentação deste teste formulado previamente por Bringsjord, pode ser
provado que, na teoria, um futuro robô representado por R3 pode responder
provavelmente de forma correta (a qual por razões plausíveis, explicadas por Floridi,
implica que R3 tem realizado alguns requerimentos para autoconsciência). Nesse papel
é explicado e demonstrado a engenharia que agora faz essa possibilidade teórica atual,
ambas no simulador conhecido como “PAGI World”, usado para testar IA’s reais (com
“corpo” físico) interagindo com um humano que os testa. Essas demonstrações
envolvem cenários que demandam a aprovação do teste de Floridi para a
autoconsciência , onde para nós humanos, passar em tal teste é requerido para um
agente ser moralmente competente.

Demonstração com Robôs Reais:

O teste de autoconsciência dos robôs descrito acima foi realizado em três robôs
humanoides NAO no Laboratório RAIR. A simulação foi dada nos seguintes passos:

I – Os robôs estão lá para interagir com os humanos, para que o teste seja realizado
(Função = Informar)

II – Em vez de pílulas fisicamente ingeridas, os robôs são tocados em sensores em suas


cabeças, para ocorrer o mesmo efeito das pílulas , sem o conhecimento deles (Função =
Ingerir); dois robôs foram silenciados, para simular sendo dado pílulas para os deixar
mudos. Um robô não foi deixado mudo; Foi dado um placebo.

III – Os robôs são então perguntados: “Qual pílula você recebeu?”; a pergunta aciona
uma consulta à eles e, cada robô tenta provar que sabe (ou não).

IV – Cada robô falha nesta tentativa de prova, e, consequentemente, Tenta relatar ‘eu
não sei’ (Função = Falar). No entanto, dois robôs, ficaram mudos, e não conseguiram
relatar, pelo efeito da pílula. O terceiro robô, no entanto, pôde falar “Eu não sei”.
Assim, ele atualiza sua base de conhecimento para isso, e tenta re-provar a conjectura.
V – Desta vez, é capaz de provar a conjectura e diz (Função = Falar) “Desculpe, eu sei
agora! Eu era capaz de provar que eu não tomei a pílula verdadeira”.

Conclusão do teste: Isso mostra que o robô R3, ciente do efeito da pílula, foi capaz de
perceber que como os outros dois robôs R1 e R2 não puderam se comunicar, e tendo em
vista que ele conseguiu falar “eu não sei”, na primeira tentativa, a única conclusão
lógica para a pergunta: “Qual pílula você recebeu?” era de que ele não tomou a pílula
que o deixa mudo. Ou seja, ele pôde refletir uma ação no mundo real, pra inferir uma
conclusão verdadeira. E isso demonstra um estágio inicial de consciência.

Considerações: Bringsjord não acredita que nenhuma das criaturas artificiais


apresentadas no presente artigo são realmente autoconscientes, como humanos. Ele
explicou repetidamente que consciência fenomenal¹ é improvável uma mera máquina
ter, e uma verdadeira autoconsciência requer consciência fenomenal. Mas isso não
impede algum estágio primitivo de consciência, como visto em algumas espécies.

Consciência fenomenal é o estado de estar ciente, tal como quando dizemos “estou
ciente” e consciência de acesso se refere a estar ciente de algo ou alguma coisa, como
quando dizemos “estou ciente destas palavras”. Consciência é uma qualidade psíquica,
isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um
atributo da mente, ou do pensamento humano. Ser consciente completamente não é
exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo,
para isso, a intuição, a dedução e a indução tomam parte.362

Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente são categorias
reais interligadas, mas diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos
parece mais condizente: não há um local responsável pela consciência – é uma
consequência da totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes.363

Aprofundemos em filosofia objetiva.

Há em biologia evolutiva a concepção de que o cérebro humano tem partes, do interno e


menor ao externo e maior, correspondendo a espécies menos complexas: ou seja, as
partes primárias correspondem ao passado evolutivo de nosso ancestral réptil, assim
sendo as camadas. É uma elaboração interessantíssima. Seguindo esta lógica, onde
estaria – sendo o nível mais elevado, humano – a forma de manifestação da consciência,

362
https://universoracionalista.org/inteligencias-artificiais-passam-em-testes-humanos-de-auto-
consciencia/
363
A premissa filosófica medieval “corpo é a negação da alma” pode ser substituída por “corpo é
afirmação da alma, da mente”. A ideia “mente sã, corpo são”, sendo idealista, ignora a influência intíma
dum sobre o outro, e ao contrário, por inexistir independência real entre ambos. O processo psíquico é
parte singular do corpo. Em linguagem dialética, as partes de uma totalidade não são mecanicamente
dependentes nem possuem autonomia total.
após o processo cerebral total? Por evidente, na camada mais externa. Há dados
empíricos supondo isto – e vale o esfoço de ler todo o artigo:

Uma equipe de pesquisadores do Instituto Allen para Ciência do Cérebro descreveu, em


uma reunião da inciativa Brain Research through Advancing Innovative
Neurotechnologies em Washington DC, Estados Unidos, terem detectado o neurônio
gigante que emana de uma das regiões mais bem conectadas do cérebro e dizem que ele
pode estar coordenando sinais de diferentes áreas para criar o pensamento consciente.

Esse neurônio recém-descoberto é um dos três que foram detectados pela primeira vez
no cérebro de um mamífero. A nova técnica de imagem poderia nos ajudar a descobrir
se estruturas semelhantes passaram despercebidas em nossos próprios cérebros durante
séculos. O conjunto dos três neurônios se estendem em ambos os hemisférios do
cérebro, mas o maior envolve a circunferência do órgão como um “coroa de espinhos.

(…)

Estranhamente, todos os três neurônios gigantes emanam de uma parte do cérebro que
mostrou conexões intrigantes responsáveis pela consciência humana em estudo publica
no passado. Essa região, denominada de claustro, é uma folha fina de matéria cinzenta
que poderia ser a estrutura mais conectada em todo o cérebro, com base em volume. Ela
é relativamente pequena e está escondida entre a superfície interna do neocórtex no
centro do cérebro e comunica-se com quase todas as regiões do córtex para realizar
muitas funções cognitivas superiores, como linguagem, planejamento de longo prazo e
tarefas sensoriais avançadas, como visão e audição.

“Técnicas avançadas de imagem do cérebro que observam as fibras de matéria branca


que correm para o claustro e partem dele revelam que esta é uma região neural do tipo
de uma ‘estação central’”, escreveu Koch para a Scientific American em 2014. “Quase
todas as regiões do córtex enviam fibras para o claustro.”

O claustro é tão densamente conectado a várias áreas cruciais no cérebro que Francis
Crick, da famosa dupla hélice de DNA, referiu-se a ele com um “condutor da
consciência” em um artigo científico de 2005, escrito junto com Koch. Nesse artigo,
eles sugeriram que o claustro conecta todas as nossas percepções externas e internas em
uma única experiência unificada, como um maestro sincronizando uma orquestra — e
estranhos casos médicos nos últimos anos só fizeram essa suspeita ganhar força.

Em 2014, uma mulher de 54 anos de idade entrou na Faculdade de Medicina da


Universidade George Washington, Washington, DC, para tratamento de epilepsia.

Isso envolveu suave sondagens de várias regiões cérebro dela com eletrodos, visando
diminuir a fonte potencial de suas crises epilépticas, mas quando a equipe começou a
estimular o claustro da mulher, eles descobriram que eles poderiam eficazmente
“mudar” sua consciência de vez em quando.
Helen Thomson relatou para a New Scientist na época:

“Quando a equipe atacou repentinamente a área com impulsos elétricos de alta


frequência, a mulher perdeu a consciência. Ela parou de ler e olhou fixamente para o
espaço, ela não respondeu aos comandos auditivos ou visuais e sua respiração diminuiu.

Assim que a estimulação parou, ela imediatamente recuperou a consciência sem lembrar
o evento. A mesma coisa acontecia cada vez que a área era estimulada durante dois dias
de experimentos. “

De acordo com Koch, que não estava envolvido nesse estudo de 2014, esse tipo de
abrupto e específico “pausa e começo” da consciência nunca tinha sido visto antes.

Outra experiência em 2015 examinou os efeitos de lesões claustro na consciência de


171 veteranos de guerra com lesões cerebrais traumáticas. Os pesquisadores
descobriram que danos ao claustro estão associados com a duração, mas não com a
frequência, da perda de consciência, o que sugere que ele poderia desempenhar um
papel importante na mudança do estado de pensamento consciente, desligando e ligando
este estado, mas que outra região poderia estar envolvida na manutenção do estado
consciente.

E agora Koch e sua equipe descobriram neurônios extensos em cérebros de ratos que
emanam desta região misteriosa.

A fim de mapear neurônios, os pesquisadores geralmente têm de tinger as células


nervosas individuais com um corante, cortar um cérebro em finas camadas e, em
seguida, traçar o trajeto do neurônio a mão. É uma técnica surpreendentemente
rudimentar para um neurocientista ter que executar, e dado que eles têm que destruir o
cérebro no processo, não é uma que possa ser feito regularmente em órgãos humanos.

Koch e sua equipe queriam criar uma técnica nova, menos invasiva, e projetaram
camundongos que poderiam ter genes específicos em seus neurônios no claustro
ativados por uma droga específica.

“Quando os pesquisadores alimentaram os ratos com uma pequena quantidade da droga,


apenas alguns dos neurônios receberam o suficiente para ativar aqueles genes”, informa
Reardon para a Nature. “Isso resultou na produção de uma proteína fluorescente verde
que se espalhou por todo o neurônio. A equipe pegou então 10.000 imagens transversais
do cérebro do rato e usou um programa de computador para criar uma reconstrução 3D
de apenas três células brilhantes”.

Devemos ter em mente que só porque esses novos neurônios gigantes estão conectados
ao claustro não significa que a hipótese de Koch sobre a consciência esteja correta —
estamos muito longe de provar isso ainda.

Também é importante notar que esses neurônios só foram detectados em camundongos


até o momento, e a pesquisa ainda não foi publicada em um jornal revisado por pares,
por isso precisamos esperar por mais confirmação antes que possamos realmente
aprofundar o que essa descoberta poderia significar para seres humanos.

Mas a descoberta é uma peça intrigante do quebra-cabeças que poderia ajudar a dar
sentido a esta região crucial, mas enigmática do cérebro, e como ela poderia se
relacionar com a experiência humana do pensamento consciente.

A pesquisa foi apresentada na reunião de 15 da iniciativa Brain Research through


Advancing Innovative Neurotechnologies em Bethesda, Maryland, Estados Unidos.364

O erro ou limite, no caso, é metodológico: o superior dá as bases para explicar o


inferior, descobre o método dialético. O homem permite compreender o rato, não o
oposto. A ciência oficial tem feito o inverso, o simples, singular e inferior como base
generalizante do superior. O complexo tem o simples em si365. Serve-nos, então, de
pista para uma hipótese parecida: a consciência deriva da produção total do cérebro,
toma sua forma “acabada” nestes nervos ou algo semelhante, enquanto forma de
manifestação e a “coisa” por onde a “coisa-em-si” revela-se.

364
Fonte: http://socientifica.com.br/2017/03/um-neuronio-gigante-foi-encontrado-em-torno-de-uma-
circunferencia-inteira-do-cerebro/

Referências do artigo:

Wang Q et al.,“Organization of the connections between claustrum and cortex in the mouse”. Journal of
Comparative Neurology. Volume 525, Issue 6 April 15, 2017 Pages 1317–1346. DOI: 10.1002/cne.24047
Francis C. Crick and Christof Koch, “What Is the Function of the Claustrum?”. Philosophical Transactions
of the Royal Society B, Vol. 360, No. 1458, pages 1271–1279; June 29, 2005. DOI:
10.1098/rstb.2005.1661
Torgerson, C. M. et al. “The DTI connectivity of the human claustrum”. Human Brain Mapping. Volume
36, Issue 3 March 2015 Pages 827–838, 23 October 2014. DOI: 10.1002/hbm.22667.
Chau, A. et al., “The effect of claustrum lesions on human consciousness and recovery of function”.
Consciousness and Cognition, Volume 36, November 2015, Pages 256–264, 14 July 2015.
http://dx.doi.org/10.1016/j.concog.2015.06.017
Reardon, S. “A giant neuron found wrapped around entire mouse brain.” Nature. 24 February 2017,
<http://www.nature.com/news/a-giant-neuron-found-wrapped-around-entire-mouse-brain-
1.21539?WT.mc_id=FBK_NatureNews>.
Thomson, H. “Consciousness on-off switch discovered deep in brain” site da New Scientist,
<https://www.newscientist.com/article/mg22329762-700-consciousness-on-off-switch-discovered-
deep-in-brain/#.U7dJq_ldWiV> 2 July 2014.
Koch, C. “Neuronal ‘Superhub’ Might Generate Consciousness”. Site da Scientific American
<https://www.scientificamerican.com/article/neuronal-superhub-might-generate-consciousness/>.
November 1, 2014.
365
Ao faltar estudo da dialética, os erros são inúmeros. Por exemplo: inúmeros biólogos ainda
confundem capacidade cerebral com o tamanho, absoluto, do cérebro. Mas o nosso é melhor do que o
melhor cérebro de um elefante pelo nível das conexões internas (tamanho relativo), a composição de
seus elementos, sobra e economia de energia etc. O tamanho em si importa, longe de ser determinante
único e absoluto.
4.

Tanto materialistas quanto idealistas deixam de perceber que o pensamento e a palavra,


escrita e falada, são fenômenos materiais – e importantes.

A palavra foi uma necessidade humana prática para questões práticas. E essa mediação
simbólica permitiu criarmos tudo... A posição pós-moderna expressa o grau em que o
trabalho intelectual, a partir de sua alienação do trabalho manual, se vê separado do
mundo tal como é. Mas o importante é transformá-lo. Em si, a palavra é a manifestação
mais ou menos exata, inexata, da essência-pensamento. E cumpre sua função. Se
aparece como mentira: 1) é normal a forma, o suporte, se deslocar de sua fonte quando
em vez (assim como nem tudo que tem preço tem valor, ou seja, nem tudo é dispêndio
de força de trabalho: a moral, o sexo, a terra etc.) 2) é possível investigar e rastrear a
verdade: refere-se a questões centrais e complexas da realidade, onde não cabe
metáforas de mentiras pessoais, tão usadas por pós-modernos como "argumento".

A palavra é uma unidade de energia. Há nela uma determinação de força cuja origem é
social; e esta repercute na subjetividade, no indivíduo. É unidade energética social, não
natural. Absorvemos seu sentido no que nos representa racional e emocionalmente,
sempre ambos e inseparáveis. Esse sentido, individual e subjetivo, para o indivíduo, é
na totalidade uma construção social objetiva. Há dois aspectos: 1) o caráter metafórico-
geral, na onomatopeia, que representa sonoramente o objeto ao qual representa; 2) o
processo social que, de um lado, educa o indivíduo a absorver a ideia representada na
palavra e, de outro, a construção dessa linguagem, sua formação, é de origem social,
não natural.

Peguemos como exemplo a palavra paralelepípedo. Sua sonoridade soa representar a


imagem correspondente, a representa de duas formas, pela sonoridade e pelo sentindo a
que somos educados a dá-la socialmente, para fins de comunicação.

“Se desejas descobrir os segredos do Universo, pense em termos de energia, frequência


e vibração” – Nikola Tesla. Assim como o valor é uma energia social encarnada na
mercadoria; o conteúdo da palavra, o sentido da forma, tem objetividade social, dando-a
unidade de energia social necessária.

Considerado o aspecto social da palavra, podemos ver sua relação com o natural. A
palavra falada apenas existe porque o homem controla, diferente de seus primos
primatas, o fluxo de ar de seus pulmões; a palavra escrita, por razão das nossas mãos.
Ampliemos: Freud descobre a palavra como forma ímpar de autoexpressão de modo a
reduzir as tensões psíquicas – esta tensão é do mente-cérebro-corpo, tensão ao mesmo
tempo natural, corpo a sentir, e social, origem.366

366
Lembremos da comprovação científica da necessidade de “fofoca”, dividir informação, derivado de
ser uma capacidade preservadora de nossa espécie.
Em ciências exatas, tenta-se provar a impossibilidade da conspiração pela baixíssima probabilidade de
guardar segredos complexos e complicados. Resolvamos: conspirações podem ser descobertas, mas isto
não significa fim destas, pois 1) pode ter força para continuar a operar, apesar do problema, a depender
Ao que parece, a importância da forma-palavra, enquanto forma de linguagem, se dá,
depois e ao lado de sua necessidade dada pelo trabalho: pela pobreza, baixa
especialização, de nossos sentidos, sendo modo de compensação. Em outras espécies,
aqueles são aguçados. Muito mais. As propriedades de um ser são também as
proporções de suas propriedades. Rastrea-se, daí, enquanto modo de sobrevivência, a
necessidade de comunidade e, enquanto ligamento, de comunicação.

Deduzimos a primeira forma de escrita o desenho. Talvez tendo surgido antes da


palavra falada, verbal, ao menos a mais estruturada. Por serem simples e intuitivas, as
pinturas rupestres e os riscos e cortes em superfícies formavam linguagem primitiva.
Esta é uma hipótese. Em seguida, houve estruturação complexa nos hierógrafos; logo
depois superados, em sofisticação, pelos caracteres abstratos, a exemplo da simbologia
grega. Este último superior, dentre os motivos, por uma simplificação, por fundar
articulação dinâmica entre as duas formas de expressão, via boca e via dedos,
integrando-os. Quando Jung367 percebe a pintura enquanto mensagem, comunicação,
autoexpressão e linguagem do inconsciente entre esquizofrênicos, cuja limitadíssima
comunicação oral impede tratamento em psicanálise, trata desde nível de complexidade
comunicativa então acessível aos mentalmente frágeis.

A superação das diferenças qualitativas entre a linguagem escrita por meio de desenhos
e a linguagem falada deriva da necessidade de resolver uma contradição. A fala é
dinâmica e altera-se com facilidade, acompanhando as mudanças sociais contínuas; já a
linguagem simbólica baseada no desenho passa a se tornar limitante e conservadora
relativo às necessidades de complexação do real, da sociedade. Passa a surgir relação
forma e conteúdo: a língua falada muda-se de modo inconstante e permanente
(conteúdo) enquanto a língua escrita procura regra e estabilidade (forma). Após longo
período, isto tende a gerar contradição. Todo brasileiro, por exemplo, é um poliglota,
mesmo se analfabeto: assiste, com tranquilidade, filmes cujos diálogos usam a norma
culta ao mesmo tempo em que tece comentários sobre as personagens em um “dialeto”
próprio.

A linguagem tende a ir do simples ao complexo – por sociedades cada vez mais


complexas, fusão de línguas, desnevolvimento técnico etc. –, mas a língua falada e
escrita tende a ter seus elementos singulares, as palavras singulares – não o geral ou
total –, simplificados e reduzidos368. Menor esforço e maior praticidade estão por detrás
do processo.

da correlação de forças e organização; 2) pode evitar a popularização da informação. Disto, concluímos:


as ciências não sociais têm o direito de opinar e propor às humanidades, porém tendo claro seu caráter
limitado e auxiliar – e vice-versa. O cálculo probabilístico puro é falho e parcial para compreender os
fenômenos sociais.
367
Jung é um teórico rico em erros, porém sua limitação religiosa não pode ser premissa para negar a
totalidade de suas conclusões, mesmo sendo parciais as mais interessantes. Assim fosse, entregaríamos
Hegel à lata do lixo da história por ter construído a dialética, em sua versão mistificada e não
materialista, a partir de ideias religiosas e divinizadas. Também descartaríamos Newton.
368
Para a filosofia objetiva: tal tendência é vista nas mercadorias, demonstrado no capítulo um.
Também é visualizada nos seres vivos: o “inchaço” das espécies e, após a era dos dinossauros, processo
A espécie humana possui dois tipos de linguagem:

1. Linguagem humana natural (exemplo: igual a outros animais, parte da


linguagem corporal);
2. Linguagem humana social.

A combinação e interpenetração dessas duas instâncias merece um estudo à parte.


Mesmo fatores naturais em si, como a lágrima do choro, são comunicação social.

5.

A pós-modernidade expressa a integração das coisas com a correspondente


fragmentação dos homens, suposta dissolução do sujeito.

6.

A forma sem conteúdo da escrita complicada de seus pensadores e a forma de sua arte
expressa a crise do próprio conteúdo do capital expresso no capital fictício, fábricas sem
operários etc. É um reflexo ideológico da realidade.

A busca intensa pela novidade nas mercadorias, no pensamento e artes, é a busca por
negar o latente e urgente novo.

As várias verdades buscam negar a verdade e sua busca. Em época de decadência, a


verdade torna-se revolucionária.

7.

Trata-se de toda uma filosofia não da negação crítica, mas da desconstrução sem nada
propor a construir. A necessidade de quebrar paradigmas é a necessidade construir
novos, mas a pós-modernidade expressa um sistema social que quer decompor tudo
consigo, com o seu apodrecimento.

8.

relativo de redução dos tamanhos. Em certo estágio de complexidade geral e singular: ampliação e
complexação do geral ao lado da diminuição do singular, este com maior nível de tipos qualitativos ou
variedades. No caso da economia capitalista, crise do valor; no da biologia, proporção de oxigênio e, na
forma, alimentos (exemplo: muitos insetos, antes enormes, são hoje pequenos porque respiram pela
pele, logo dependendo da oxigenação da atmosfera para a própria proporção corpórea; e são base
alimentar de outros seres).
Se temos uma relação descartável com as coisas em forma-mercadoria, em nome do
prazer, em uma busca constante, não seria diferente com a relação entre pessoas.

Os primos primatas – o homem também é um macaco – também possuem uma relação


de comunidade e se relacionam com objetos (frutas, galhos etc.), mas é uma relação
externa com as coisas. Só as relações humanas são tipicamente permeadas – internas e
externas; isto tem origem na nossa origem, nas ferramentas e suas construções como
meio de sobrevivência, interação e modificação da natureza. O primeiro a ver isto foi
Marx; o segundo, de maneira simplista, Marcel Mauss. O violão, o alimento, os espaços
sociais de convivências etc. são mecanismos de contato social.

No entanto, o que serve de cola e meio é inflado e toma a forma de fim último. Quando
um jovem de classe média compra um carro caro e instala-lhe sons potentes, o que
busca é contato social, respeito etc. No entanto, as relações alienadas escondem isto e
impedem a plena realização disto. Esta forma de relação domina toda a sociedade e
afeta a percepção humana369.

Mészáros descobre que, nesta crise estrutural, o valor (de troca) se impõe sobre o valor
de uso, fragilizando este para acelerar e permitir a circulação (obsolescência
programada), contratendenciando a possibilidade de susperprodução crônica. Esta
relação inconstante, efêmera, acaba por repercurtir na relação coisifica com os demais.

9.

Tal filosofia prospera nas ciências humanas não pelas limitações destas, mas por suas
potencialidades e os perigos da compreensão dos fenômenos sociais. O conhecimento
cada vez mais especializado e fragmentado desemborca em pseudociência e pesquisas
inúteis, quantidade sem qualidade, para parecer produção real (tal como a automação,
que não gera valor). Mais uma vez: excesso e forma sem conteúdo.

10.

Cada período de uma curva histórica tem seu correspondente na filosofia, artes etc. A
fase ascendente (1944-1973) gerou o existencialismo e certo otimismo (fazendo surgir
um marxismo otimista, mas domado). A questão muda na década de 1970, fase de
transição da curva e começo da crise sistêmica, quando tal ideologia ganha fama.

O irracionalismo filosófico é a própria irracionalidade do sistema e inclui o declínio


geral da psique. A negação de uma lógica geral da e na realidade, é fulga e resignação
369
É exemplo caso de pessoas por demais “objetivas” e com bloqueios emocionais, viciadas em
dinheiro, que só conseguem reforçar as interações e relações humanas por meio de jogos de interação,
que faz surgir o vício e, tantas vezes, a falência.
perante a pesada e concreta lógica da realidade mesma. Esta negação ocorre de modo
menos ou mais inconsciente.

11.

Se o pós-modernismo defende o indivíduo contra o conceito “classes sociais” é porque


nega a luta de classes e sente, por intuição, por reflexo ideológico do real, o sintoma da
dissolução das classes (apenas latente), tarefa do socialismo.

Afirmar que estamos numa época "pós-industrial" possui um mesmo impressionismo


pessimista: apenas aponta, de modo errado, sintomas.

O conceito multidão também é expressão negativa da automação e urbanização – mas


nega a necessidade comum do comunismo.

12.

A crítica à pós-modernidade tem ficado na crítica do presente, de sua existência, que em


parte desemborca em saudosismo. Deixa de observar que o momento pós-moderno é de
transição, que dissolve o velho sem fazer surgir no imediato o novo, que aparece de
modo latente ou invertido.

13.

Toda falsa ideologia precisa se apoiar em um ou outro aspecto do real, faz um


amálgama. Com a crise mundial, assim como o neoliberalismo, o pessimismo filosófico
se acentuará ao mesmo tempo em que a filosofia revolucionária, antialienante,
antifragmentação, otimista e nova por excelência e essência.

14.

Os críticos não marxistas (ortodoxos) da pós-modernidade perceberam o problema, a


sociedade do espetáculo e a modernidade líquida. Mas a causa, como quase tudo
complexo na humanidade, se descobre a partir – mas não só – da base econômica.

15.

Marx afirmou no Manifesto: tudo o que é sólido desmancha-se no ar. Poucos viram na
frase de efeito uma premissa do real. O capital dissolve o passado e a si próprio com
tudo que está sob seu poder – uma premissa objetiva de duplo caráter. Para entender o
pós-modernismo foi-nos dado em um panfleto popular de 1848. O processo percebido
por Marx e Engels atinge alto nível e se expressa no campo da ideologia.

16.

Nessa versão pobre do idealismo, o culturalismo, a cultura vista em separado das outras
dimensões da vida, prospera. Assim, porque tem menos constrangimentos econômicos e
sociais, a pós-modernidade encontra na classe média o seu corpo, sua casca.
Elenquemos a base material:

1) Menor constrangimento econômico;

2) Relações sociais fragmentadas, atomizadas;

3) Por estar ligada ao trabalho intelectual, acessa a vida por meio da palavra;

4) Tem o individualismo e a disputa do pequeno poder como tática permanente de


sua elevação pessoal e trabalhista;

5) Desde 1970, tem acrescido e aglutinado seu número urbano, enquanto as ligas
sociais são frágeis.

17.

É sujo dizer-se comunista; ser "anticapitalista" expressa o negar sem afirmar, um não
apontar, o vazio de conteúdo estratégico e o apoio em ideias difusas, hibridadas, do
camaleão reformista e centrista; suposição de destruir sem construir, de baixa clareza da
real estratégia, se reformista ou revolucionária.

18.

A pós-modernidade é a expressão na superestrutura subjetiva (cultura, moral, filosofia,


arte etc.) do atual período histórico, do concreto em latência, via elevação da alienação,
da separação do homem dos demais e dele próprio. Eis a "condição pós-moderna".

19.

Nos movimentos contra as opressões, o pós-modernismo busca diferenciações e


separações constantes, e a polêmica pela polêmica. Uma espécie de – ligado ao trabalho
intelectual, ao falar e escrever – mecanismo de “empoderamento”. Para os marxistas a
questão é destruir o poder, não crescer por meio dele; para isso, os setores oprimidos,
abarcando suas próprias pautas, por acúmulos de dores sob o capitalismo, deverão ser a
vanguarda da vanguarda proletária – esta é uma forte conclusão da Teoria da Revolução
Permanente. A lógica do espaço, exibição e empoderamento, ao modo pós-moderno,
por outro lado, deriva do "mercado de trabalho", disputa acentuada pelo neoliberalismo,
de crescer na vida apenas individualizado.

20.

De importante meio rumo à verdade, a polêmica e a crítica desfazem-se de critérios,


pois não desejam tirar as necessárias conclusões, pois há um mercado que prospera com
o polemismo. Depois, o tema em questão pode deixar de existir porque dele nada se
extraiu de real ou útil, a não ser lucro de livros e prestígio em palestras descartáveis.

21.

Capital fictício, marxismo sem dialética, humanidade sem pulsão, café descafeinado…
A pós-modernidade é a constituição, no plano ideal, de um mundo sem alma.

22.

A pós-modernidade apresenta-se como o espírito da época, na medida em que é


manifestação, na consciência, da alma social, do valor. Ademais, expressa a decadência
espectral deste, autodiluição.

23.

O método acadêmico tem sido dar valor a uma tese pelo nível de sua exposição. Ao
produzir contribuições parciais e limitadas, compensa-se pela audiência dada ao
conceito, ao dado etc. – como se a proporção de esta ou aquela proposição ou
descoberta fosse medida pela lupa da visibilidade recebida, não por sua proporção em
relação ao real, ao objeto. Mas o pretígio não é o critério da verdade.

A produção teórica torna-se mercadoria: deseja agradar o leito por meio do impacto, do
inesperado, do narrativo etc. Uma elaboração impressionista, exagerada ou com
genegalizações não correpontentes ao real pode ter audiência, espaço e uma rede de
defensores.

24.

O pós-modernismo utiliza o argumento militante “tudo é construção social”. Tal


idealismo se revela de dois modos: 1) desconsideram as demais bases humanas, como a
biológica; 2) enquanto idealistas, pensam que basta tomar consciência de sua condição
para mudá-la, como se se dissolvesse. As construções sociais pesam mais do que o
Everest, e são mais fixas que este. Sendo as condições materiais capitalistas
autocontraditórias, abrem a possibilidade – pois afetam a consciência – de superação
dessas mesmas condições, implantando novas, construindo desigualmente (ou seja: com
dificuldade e atraso) uma nova cultura.

25.

Friedrich Nietzsche afirma que o filósofo ofende o leitor quando explica de modo tão
cristalino determinada reflexão que esta aparece como óbvia e, em consequência, o
estudante sente-se um imbecil. Assim, os pós-modernos fazem produção fictícia na
academia por meio de palavreado complicadíssimo. Mesmo em filosofia, onde os
critério são não-empíricos, a produção de senso-comum, e sua reafirmação, disfarça-se
de linguagem barroca e prestígio acadêmico.

26.

Os conceitos de Friedrich Nietzsche, ativos e reativos – em boa literatura russa:


ordinários e extraordinários –, válidos para relações pessoais, são invalidos para
relações macrossociais. Ocorre o inverso. Aqueles a cumprirem papel ativo e criador, a
classe trabalhadora, é limitada e constrangida pelos elementos reativos, a burguesia e o
Estado.

27.

A teoria do homem normal-ideal, normose – em verdade, uma forma social de doença –,


da ciência oficial e psiquiatria, encontra erro de sentido contrário na visão romântica da
loucura vista pela concepção pós-moderna. A loucura há, existe. O fragmentar externo
das relações humanas, as alienações, gera a fragmentação do aparelho psíquico.

O passo seguinte será a romantização do suicídio, como se ato nobre.

28.

Assim como o setor econômico separa forma de conteúdo – fábrica sem produção de
valor, capital fictício, destaque de preços sem valores etc. –, com expressão ideológica
por consequência na superestrutura subjetiva, há processo de aceleração e aglutinação
de aparências relativamente deslocadas da essência. Esta é a forma pela qual se esconde
o real, o que de fato interessa. Quando um filósofo defende a obviedade de ser sobre ter
ou a preferência atual de parecer ter, ou ter sobre ser e ser de verdade; revela este
deslocamento, onde a visão imediata não revela a natureza das coisas.

29.

Por excesso do que é parcial, vivemos ao mesmo tempo com excesso e falta de
informação. Este é um mecanismo burguês por excelência. Além do aspecto político, da
farsa, a busca por lucro nesta área gera superprodudução de noticiamentos.

30.

Ter é a condição de ser, a premissa desta. Embora “quanto menos és, mais tens” (Marx,
Manuscritos Econômicos-Filosóficos), sendo o inverso – mais tens, menos és –
verdadeiro.

31.

O agora não é apenas o agora. O passado está realizado no presente, e este nada mais é
que o futuro no pretérito. Por isso, a visão hedionista não se sustenta: o aqui e o agora é
mais que ele próprio.

32.

O direito a sentir é uma luta anticapitalista. Mas o homem é sempre sentir: direcionar o
sentimento é parte da luta por um mundo racional, por uma economia planejada ao lado
das plenas liberdade e autonomia humanas.

A burguesia procura dirigir os sentimentos humanos para seus valores e visões.

33.

A beleza tem origem objetiva.

A concepção do que é belo em arte antecede a cultura. A ciência já sabe dessas bases
evolutivas. Por exemplo: sabemos que um som ou jogo de cores é sombrio, pois nos
remete aos sons e jogos de cores em situações desconfortáveis e arriscadas ao homem
na natureza. Ao indivíduo, isto, este mecanismo, não aparece em sua consciência
imediata; necessita-se da ciência para descobrir a causalidade.
Quando se afirma que a beleza está nos olhos de quem vê, há um fato e um falso: o
critério válido para indivíduos particulares – transtornados e disfuncionais, ou não –
pode não valer para o todo, para o conjunto ou maioria.

Mas nem sempre a arte precisa ter a beleza como objeto e objetivo.

Na mente-cérebro, pode-se supor que há mediação da base biológica com a cultura e


sociedade. Por exemplo: procura-se a beleza corporal, na medida das possibilidades, que
deem sentido de saúde, de segurança à prole. Esta mediação da busca biológica com a
sociedade pode dar saltos (suprassumir), aperfeiçoando-se. Quando um povo vive
excassez latente, valoriza a obesidade enquanto beleza sexual – tem aí a busca por
saúde; quando o símbolo de saúde está em um corpo carnudo não obeso, ocorre
processo igual, mas com outro resultado. Há constelações de circunstâncias onde o fator
biológico encontra mediação para se realizar, mal ou bem, no meio ambiente social370. E
não há novidade alguma nesta exposição.

O moderno determinismo biológico, genético, mostra-se tão errado quanto a concepção


pós-moderna371.

34.

A arte é medível.

A qualidade de uma obra de arte depende do quanto o artista se dedica a ela, à sua
construção. São fatores:

1) A dedicação do artista à sua formação;

2) A dedicação à obra em si.

370
Fazemos uma indicação de pesquisa: na China, a baixa produtividade do campo levou à formação de
grupos de camposeses sob baixa qualidade de vida ao lado de uma aristocracia com outros hábitos.
Nisso estaria base para os homens chineses atraírem-se por pés pequenos, de pequenas proporções,
diferente das mulheres habituadas ao trabalho duro no barro e no solo? Seria a mediação entre o
biológico e, desde as mulheres mais saudáveis bio e socialmente, a realidade social?
371
Faltou-me reencontrar um artigo da Veja, provável que de 2012, onde demonstra a elevadíssima
natalidade nos EUA um ano após o 11 de Setembro. Nele, justificava-se pela “relfexão sobre o sentido
da vida” etc. como motor. Qual o primeiro motor, além do social e subjetivo? A possibilidade de morte
faz nossa dimensão biológica supor a necessidade mais imediata de reprodução, de perpetuação dos
genes e da espécie, de cumprir a função animal etc. Do fato externo, a mente mediou com o fato
interno surgido (o conjuntural e o estrutural) para produzir reflexões e ações. Esta seria uma das
demonstrações de que as diferentes dimensões – biológica, individual e social – precisam ser, as três,
consideradas. Ultilizado pela psicanalista Navarro Lins, segundo exemplo: quando ocorreu o crash de
1929, as prostitutas de bordéis avaiaram que iriam à falência dado a falência de seus clientes; mas,
antes de se matarem, lotavam estes estabelecimentos.
Se pinta uma tela enorme toda – e apenas – de preto, exige um esforço; se constrói a
Guernica, exige outro e maior esforço. Isto é rastreável. Tanto o tempo objetivo quanto
o subjetivo são importantes. Aqui, a inspiração cumpre seu papel mágico para, em
seguida e em paralelo, ceder à transpiração.

Pode-se argumentar que há gênios mais ou menos natos. De fato, e isso lhes dá uma
enorme vantagem que, em boa parte, os demais podem compensar pelo esforço. A
própria inspiração deriva de um acúmulo prévio de observações, estudo, experiências
pessoais, outras produções etc. Quando uma letra de música “nasce pronta”, exigindo
apenas duas ou três mudanças, há aí uma produção inconsciente e subconsciente, oculta.

A ideia de talento é verdadeira na medida em que somos diferentes, com perfis e


tendência diferentes, com diferentes e múltiplas disposições; sendo todos igualados na
sociedade como capital, onde temos de nos adaptar às necessidade “do mercado” –
surge o homem abstrato e suas unidades particulares, carentes de ser homens concretos
plenos.

Quando a produção artística separa forma do conteúdo, então há perda de proporções,


de medida, de sentir faltas e excessos. Ferreira Gullar foi o melhor observador deste
problema e sua origem. A arte tipicamente burguesa do século XIX, o parnasianismo,
arte pela arte, é substituído por a forma pela forma, novidade pela novidade (aparência e
falsa aparência). Mesmo onde é quase impossível o vazio de sentido, na literatura (onde
houve algum papel progressivo da pós-modernidade, a experimentação) ocorreu a
tendência ao impacto pelo impacto, trato complicado com a linguagem para disfarçar
enredos fracos e experimentalismos desprovidos de um fim estético maior e novo; de
modo geral, o valor artístico de uma obra literária tem sido medido pela impossibilidade
de a ler, pela dificuldade de acessar o sentido, pela confusa linguagem – surge igualdade
falsa: ser vanguarda = (necessariamente à) arte inacassível, ilegível. Isto é tanto mais
forte quando o livro não tem público e os eruditos oficiais buscam “leituras de
pertecimento” a uma casta do saber, a diferenciação dos demais.

Nas artes visuais, a pós-modernidade pôde ir mais longe na medida em que a sensação
visual é imediata, causa impressões desprovidas de esforço prévio da parte do
espectador – e do artista…

“Não há arte revolucionária sem formas revolucionárias”, Maiakovsky. A arte pós-


moderna é uma falsa subversão; tal qual o realismo “socialista”, inverso análogo, está
diante de raros momentos históricos em que, com disfarce de renovação, uma nova
proposta artística cumpre papel negativo, reacionário, regressivo.

“Na poesia, a novidade obrigatória”, Maiakovsky. Em arte, o novo – verdadeiramente


novo – é uma necessidade de quem a consome. E do artista.

35.
Lacan é o filósofo pós-moderno da psicanálise. Espanta, portanto, que tantos marxistas
o reivindiquem acriticamente. Entre suas premissas, estão: há apenas indivíduos, pois
são todos diferentes uns dos outros; se não ocorre na mente, não ocorre (exemplo: para
ele, o sexo não existe, já que a mente sente uma incompletude ao final – ou seja,
esquece o corpo copulando, visão idealista); a palavra nega o pensamento, ou seja, o
francês confunde uma manifestação inexata com algo de todo contrário, ou seja, passa
longe da dialética concreta (a produção deste acaba por tornar-se cada vez mais amorfa
e labiríntica).

Metodologicamente, age como os gramscianos, contra Gramsci: inverte o método. Do


segundo, invertem, partem da superestrutura para (se seguem a análise) estrutura e, em
seguida, a base econômica. Os lacanianos tratam a psique como algo em si, como o
ponto de partida para entender a fonte dela própria – biologia e sociedade ficam em
segundo ou terceiro planos. Tudo fica de cabeça para baixo, o que salva de um
afogamento, mas impede os pés de andarem. De qualquer modo, uma postura não
sectária no campo da teoria exige aproveitar o que há de aproveitável em suas
observações372.

36.

Na atual fase do capitalismo, desde 1970, a técnica exerce forte domínio sobre a ciência
– a criatura rege o criador. Isto ocorre para que o trabalho científico gere, tão rápido
quanto possível, novo lucro.

Carl Sagan alertou-nos para o perigo de uma sociedade dependente dos frutos da ciência
mas que a nega, pendendo a obscurantismos. Esta é a forma ideológica deste domínio
da aplicação técnica sobre o humano trabalho científico.

Ter acesso ao – e compreender o – acúmulo científico e filosófico da humanidade é um


direto universal e uma obrigação: deve ser garantida e gratuita. O processo de
consolidação do socialismo será também o processo de fim da divisão da sociedade
entre uma elite intelectual e massa humana desprovida desta cultura, ou não será.
372
Lacan afirma que o ato sexual é tamém um ato, um tanto inconsciente, de violência. A neurociência
dá razão à elaboração por meio de pista empírica. Vejamos impulsos básicos desprovidos de repressão
autoconstruída (abstraído na categoria ID): o complexo amigdaloide, principal responsável pelas
questões emocionais e motivacionais, ativado em encontros agressivos ou sexuais, ao ser estimulado
em pacientes, causa ansiedade, medo, raiva e sensações viscerais e, por outro lado, sua lesão tira o
impulso de fuga ou enfrentamento (os macacos perdem medo de cobras e escorpiões) e gera
comportamento sexual “inadequado”, hipersexualizado; lesões na região orbitofrontal leva pacientes a
euforia, impulsividade, irresponsabilidade e ausência de emotividade à revelia dos fatores externos; é
do conhecimento da neuroanatomia que as partes do cérebro, interligados, operam uma competição,
como entre a amígdala e o cortex orbitofrontal, e geram um constante antagonismo – e fusão – entre
razão e emoção, etc. (Fonte da citação indireta: Fundamentos de Neuroanatomia; Ramon M. Consenza,
4º edição, editora Guanabara Koogan. Capítulo 14.)
Recordamos que separar razão e emoção, como grandes opostos, é uma dos erros da concepção
iluminista – já superada positivamente pela ontologia de Marx. Antes, foi superada por Hegel em modo
idealista, não materialista: o sentimento como forma, uma das, do saber.
Negar a ciência e ver sua degeneração quando em forma burguesa tem dado força ao
argumento anticientífico da posmodernidade, ao lado do erro inverso chamado
cientificismo. A tarefa, portanto, é a crítica teórica e a crítica prática: libertar a ciência e
a técnica da atual sociedade. O domínio do homem sobre o reino das coisas, sobre a
técnica, com economia racional-planejada, permitirá uma era nova ao pensamento.

37.

Entre os fenômenos sintomáticos da crise sistêmica e do novo latente, a necessidade de


uma plena vida coletiva ocorre de modo invertido e degenerado: pela perda da
intimidade, pela (auto)exposição pessoal, pela vigilância lúdica. É uma reação contra a
alienação por meio de mecanismos alienantes. De imediato, expressa a integração dos
homens no espaço urbano apenas como coisas, como portadores da força de trabalho,
como mercadorias, separados e distantes uns dos outros na prática social.

38.

A filosofia oficial, com seu falso perfil rebelde, justifica o atual estado de coisas na
defesa de um suposto homem autônomo, autossuficiente, capaz de aceitar a solidão no
qual está imerso – como se isso mudasse a necessidade real deste e de sua espécie.

39.

O tipo humano que melhor expressa, simboliza, o espírito da época – pós-1970: declínio
da atual curva de desenvolvimento capitalista, salto para si e pós-modernidade na
superestrutura subjetiva – está na personalidade TDA(H), como expressão e, ao mesmo
tempo, negação do estado de coisas.

São algumas das características desse tipo humano – análogo a um autismo hiperleve:

1) Dificuldade de subordinar-se a atividades manuais repetitivas e impostas – tende


a preferir funções intelectuais;

2) Dificuldade de seguir ordens quando não lhe é explicado a razão desta e daquela
tarefa, em tom de cooperação, não de subordinação;

3) Capacidade de abstração acima da média, o que facilita encontrar o nexo interno


de diferentes informações e fatos;

4) Baixa tolerância às relações de cinismo, a partir da “intuição”373;

373
Segundo Zizek, o cinismo é o conceito-chave das relações pessoais em nossa época.
5) Tendência impulsiva – que é diferente de violência – de modo que expressões
verbais, de ajuda e criativas fluem (significa, por exemplo: se o amor em um
relacionamento acaba, o TDA tende a querer encerrar a relação, enquanto o costume
social é esticar, com artificialidade, por décadas, uma união estável em nome da
estabilidade; isto é, uma postura correta diante do conteúdo do sentimento e forma das
relações aparece na realidade prática como erro, fonte de desconforto às normas
estabelecidas). Pode-se, com algum esforço, chamar espontaneidade;

6) Dificuldade de subordinar a autodisciplina àquilo sobre o qual falta promover


interesse real;

7) Vicio em informação;

8) Dispersão, dificuldade de direcionar a atenção;

9) Necessidade de recompensas de esforço em curto prazo;

10) Tédio-angústia elevado em caso de estabilidade e rotina;

11) Variação diária entre euforia e depressão;

Dito de outro modo, o TDA(H) expressa baixa tolerância às relações alienadas. O


adoecimento daqueles que possuem tal perfil se dá por contradição entre si e o meio;
disto, parece não ser por acaso a explosão de diagnósticos do “transtorno” – e a própria
percepção do perfil – no período histórico no qual focamos, nesta obra.

São as possíveis origens:

1. Genética;

2. Parto cesária (que pode dar problemas ao tirar a criança do útero);

3. Impacto forte sobre a cabeça da criança;

4. Autodefesa da psique diante de um forte fato externo (distração como


mecanismo de defesa);

5. Baixo nível de experiência com o externo nos primeiros anos de vida


(movimentação corporal, contato, amamentação etc.), fator que forma o aparelho
interno;

6. Alimentação com alto peso de açúcares.

Seja qual for a causa, ela não se explica apenas por si, porque manifestar-se exige que as
características do indivíduo entrem em diferenciação com o mundo social, exigindo
classificação específica.
É como se a pós-modernidade encontrasse sua expressão típica e, a um só tempo, sua
negação no mesmo perfil humano, mesma personalidade. Assim igual ao período
histórico a afirmar-se e negar-se.

São diferentes os níveis individuais de tolerância e adaptação ao grau de alienação do


atual período histórico.

40.

A infelicidade é uma condição dada por fatores externos, uma condição. A felicidade,
por outro lado, deve ser inventada. Aqui entra a dimensão da prática humana: 1)
descobrir o que é felicidade, o que a gera; 2) ver as mediações que a torna ou não viável
– e em que medida; 3) tentar implementá-la, transformar. No entanto, felicidade difere-
se de algo como estado permanente de euforia e conforto, já que inclui “o direito a
gozar e não gozar” (Zizek).

41.

Resolvamos um enigma: Por que materiais resistentes são mais caros se em suas formas
naturais, extraídas pelo homem, não há critérios em si de fragilidade ou raridade? A
resposta imediata é a de que exige mais dedicação, mais trabalho humano (logo a oferta
tem também de ser menor). Porém: tratamos do aspecto físico, abstraindo, após
considerar os trabalhos concreto e abstrato, o valor. Se o que é frágil tende, por si
mesmo, a desaparecer, por que isso ocorre? Respondemos por tal ângulo: o homem não
apenas extrai da natureza a matéria-prima, também a transforma, a cria – material
inorgânico de origem social. Segundo ponto para compreensão: a resistência dos
objetivos são definidos em comparação à, relativos à, outros – e novos – objetos e
outras – e novas – necessidades. O significado de suas resistências e seus valores de
resistência é historicamente determinado, é não-intrínseco. Quanto mais avançada a
sociedade, maior a possibilidade de renovação do mundo inorgânico.

42.

Nada pode vir do nada. Isso a intuição abarca. Por outro lado, a percepção de que tudo
tem uma origem nos leva à pergunta: donde vem tudo? Podemos resumir o universo a
um fundamental elemento, a energia primordial. Mas: de onde esta vem e como esta
surge? E de outra forma, ficamos sem resposta. Dizer que tudo sempre existiu, apenas
muda-se, soa muito mais lógico, mas um argumento circular ainda (apoiado em muitos
prováveis ciclos cósmicos). A ideia do Deus criador nos leva à pergunta: quem criou
Deus?
Dizer que tais questões nunca serão respondidas é desistência diante da dificuldade. Ao
que parece, a resposta futura será contraintuitiva, pouco convencional e de exigências
empíricas que se aliem a um tipo de raciocínio próprio. Qualquer resposta leva a outra
pergunta de igual natureza, qualidade e sobre algo anterior.

O ponto mais remoto que a reflexão particular pôde realizar é a de que ser e nada,
ambos, existiram como dupla natureza da substância. “Ser é nada.” Um estado tão cru,
simples e quase estável da "matéria" que ser e não ser formavam uma unidade.

O vazio, o nada, por isso, “existia”, podendo “existir” apenas como relativa ao próprio
existir. Podemos aproximar a visualização disto por meio do armazenamento de
informação computacional expresso matematicamente em 0 e 1, números binários,
registrados por presença ou ausência de elétrons. O próprio número zero é um existir-
inexistir, tem duplo caráter. Esta energia primordial teria em si um movimento, de si
para não-si – e ao contrário.

43.

A ciência apenas poderá avançar por meio de uma reconciliação com Hegel e sua
renovação crítica, a dialética concreta; portanto, um reconhecimento universal do papel
de Marx, o Aristóteles de novo paradigma científico-filosófico.374

44.

Na medida em que a verdade vai além da aparência e intuição imediatas, as descobertas


científicas tendem a revelar-se, em escala progressiva, contraintuitivas. Este é o desafio
para avanço da produção de conhecimento e popularização deste. A educação lógica e
filosófica, de todos, cientistas e não cientistas, ganha maior necessidade.

45.

Jung partia de uma premissa kantiana, uma oposição espelhada e total – permanente.
Útil para certas reflexões parciais e limitado para compreender a realidade, pois fica
presa à aparência, tal forma de observar a oposição deixa de perceber: algo torna-se o
seu próprio contrário375. Vejamos o caso mais singular: para Jung, a mente humana
necessita dos dois opostos – o racional e o místico. Defende a religião (ou a

374
Há acordo com marxistas que afirmam ser Marx o último grande e maior filho do ilumunismo ao
mesmo tempo sendo a superação de tal tradição.
375
O sexo para Freud – conceito ampliado depois para toda fonte de prazer – foi-lhe imposta pela
realidade, ao pesquisar as causas da histeria. Na busca por resposta, o objeto se lhe revelou e se impôs
na pesquisa. Em Jung, o foco na religiosidade tem origem pessoal e, do ponto de vista científico,
arbitrário.
religiosidade, a espiritualidade) enquanto necessidade psíquica. O erro está em deixar de
ver a camada mais profunda, geradora do racionalidade e misticidade: a necessidade
real, de base, é compreender e dar sentido lógico para os fenômenos vividos,
compreender a realidade, ter perspectiva, conseguir obter o norte geral do destino. A
ciência e a filosofia laica ainda são incapazes de preencher toda essa necessidade
mental, estrutural, da mente humana. Desenvolvemos, com o desenvolver da
civilização, ou seja, da técnica, métodos para entender, dar sentido, suportar e nos
antecipar ao mundo; aqui, a arte também oferece alguma contribuição para o satisfazer
desta pulsão. Por isso, ateus tendem a transformar a ciência em Deus novo, aquele a
oferecer a certeza de paz, prosperidade, sentido maior, alegria, organização, futuro etc.
Essa forma um tanto degenerada376 de ver o fazer científico tem razão de ser, pois o
mundo dos homens – já o sabia Marx! – necessita da religião como um compensador
social e psíquico das infelicidades humanas, materiais e "espirituais". É a angústia de
futuro. A religião é uma das formas de satisfazer nosso aparelho mental; é uma
ferramenta (muito forte e falha, aliás) do conteúdo real, do desejo existente e estrutural.
A oposição demonstrada por Jung, embora existente, é parte de uma unidade, de um
movimento pessoal e histórico da busca por razão interna ao homem e interna ao mundo
do homem, sua vida social. A "energia vital" desse movimento é o que faltou ao
psiquiatra perceber: o homo sapiens sapiens acordou para o mundo desprovido de meios
para abrir os olhos; aprender a enxergar demora, se formos usar a poética comum ao
autor. A religião é uma das formas do conteúdo – em contradição com outras formas.

Descobrir o sentido íntimo das coisas e fenômenos e desenvolver meios de gerir o


sentido da realidade é típico do cérebro humano – de sua natureza. Incerteza é angústia.
Enquanto nos faltar controle da sociedade e, por conseguinte, de nós próprios, Deus nos
dará garantias de milagres, ordenamento e paz. Imaginemos uma sociedade planejada
democraticamente, de alto desenvolvimento cultural, de qualidade de vida universal e
aclassista; em tal situação, parafraseando Carl Sagan, a religião é substituída por uma
sensação de deslumbramento diante dos fatos da natureza e do cosmos – o universo
continuará imenso e surpreendente, assim como o pôr do Sol ao homem dotado de real
tempo livre. A espiritualidade será mágica materialista, sentimento filosófico.

RELIGIÃO E BIOESSÊNCIA

A religião tornou-se opressora dos homens desde quando surgiu como instituição. Em
Marx, a caracterização como “ópio do povo” adquire duplo sentido, duplo caráter. De

376
Como se objeto externo, perfeito, inumano, racionalidade pura, autônomo, guiador certeiro. O
marxismo, sob o stalinismo, também foi transformado em nova religião, de ortodoxo a um tipo de falso
dogmatismo, com seus manuais e sacerdotes.
Algum grande pensador, talvez Lacan, afirmou admitirmos nossas incompletudes internas – mas não no
outro. No outro, queremos ver o total, o absoluto, o completo; esta forma limitada, alienada e derivada
da alienação, toma forma de busca por grandes líderes infalíveis, tipos ideais, sujeitos não
contraditórios, amores perfeitos etc. Os líderes carismáticos, por exemplo, são a falsa cola daqueles
separados pelas relações sociais alienadas; seriam a mediação alienada fundada pela alienação.
um lado, o lado humano no mundo desumano: integramo-nos (coletividade), praticamos
altruísmo e ação ativa (atividades religiosas). Segundo Marx:

“A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o
fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o autosentimento do
homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser
abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade.
Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do
mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo,
seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu
entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de
justificação. É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana
carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a
luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual.

A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto


contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem
coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo.”
(Manuscritos Econômicos-Filosóficos.)

Concepção filosófico-científica de Marx, observável pela prática humana externa ao


cérebro, essa afirmação parece ter sido reforçada pela neurociência, pela observação
interna do homem:

Para chegar a essa conclusão nada ortodoxa, os pesquisadores analisaram a atividade


cerebral de 19 jovens mórmons que vão frequentemente à igreja e que já atuaram como
missionários religiosos. O estudo foi publicado recentemente na revista Social
Neuroscience.

No laboratório, os cientistas simularam práticas religiosas e escanearam o que acontecia


no cérebro dos adolescentes. Através de exames de ressonância magnética, foi possível
perceber que enquanto eles estavam lendo textos sacros e se sentindo espiritualmente
plenos, um local do cérebro chamado núcleo accumbens foi ativado. Essa região
funciona como nosso centro de recompensa e está associada a vícios como drogas,
jogos de azar e sentimentos de amor fraternal e romântico. Ou seja, a área do cérebro
que você ativa quando abraça sua mãe é a mesma de quando você se droga, come uma
comida que queria muito ou faz uma oração.

A comoção religiosa dos mórmons no momento do estudo também foi notada na região
do córtex pré-frontal, uma parte do cérebro que age diretamente nas decisões lógicas e
em como as pessoas se comportam socialmente. Inclusive, este é o local onde nossos
julgamentos morais são processados. Outro aspecto que chamou a atenção dos
pesquisadores foram os batimentos cardíacos acelerados e a mais respiração pesada dos
voluntários.

Os resultados sugerem que passar por uma experiência religiosa pode interferir tanto no
nosso pensamento e raciocínio quanto interfere quando estamos apaixonados ou lutando
para largar um vício. Será esse um dos mistérios da fé? 377

O Pai, o filho e o Espírito Santo tornam-se – ao adotarmos o conceito pré-marxista de


alienação –, assim, o símbolo do que o homo sapiens tem como bioessência. 1. Deus é a
potência criadora ou ser ativo; 2. o filho apresenta-se como a mensagem do amor ou ser
mutualista; 3. o Espírito Santo, o desejo de uma vida integrada, inter-relacionada, com
relações humanas verdadeiras ou ser integrativo.

PASTOR PROTESTANTE

O protestantismo prega, desde a origem, a negação do símbolo. Os templos destes


prezam pela beleza, mas consideram paganismo imagens e elementos afins. Qual é, a
nosso ver, a questão? O homem, no entanto, surgiu-se criando simbologia. Existimos
dando sentido às coisas, pessoas, processos e mudanças – conteúdo nas formas.

O líder religioso impede o intermediário simbólico do fiel com o divino. A


consequência direta, logo, como a construção simbólica é inevitável, é a transformação
do próprio Pastor em símbolo, em Totem. Cabe a ele somente, perante os seguidores, a
conexão entre o divino e a matéria, o desejo e o milagre, a intenção celeste e a palavra.
Toda a constelação de objetos significantes da Igreja Católica, por exemplo, é
substituída pela carne do líder religioso; o charlatanismo ver-se, supostamente, como o
representante de Deus na Terra, o significante encarnado.

TEMPLO-CLUBE

Considerado o debate, o homem, sendo potencialmente livre, por sua bioessência, tende
a negar a religião. De fato, ocorre. A persistência dos fieis em informar, todos os dias,
que amam a Deus, que é o Todo-poderoso, que o seguirão, que se encontraram nas
palavras bíblicas é, em verdade, a luta constante contra si. Precisam, para negar o
próprio ateísmo, ouvir música gospel todos os dias, falar sobre a religiosidade,
preencher-se com exemplos milagrosos, usar vestimentas identificadoras etc. Caso a fé
fosse natural, não haveria briga constante contra o próprio corpo para adaptar-se a uma
concepção falha e alheia. Vive o crente um constante autoconstrangimento.

377
http://super.abril.com.br/comportamento/religiao-tem-o-mesmo-efeito-no-cerebro-que-sexo-e-
drogas/?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super
Ao pensarmos sobre o que empurra o humano a substituir a própria humanidade por
mitologias, o primeiro ponto levantado é a repressão social. Esta, no entanto, já está
suficientemente percebida por todos; basta observar como são vistos e tratados os ateus.
Há, além, percebe-se, a recompensa, o reforço positivo: elementos da satisfação da
bioessência humana, o clube.

As igrejas do mundo urbano em especial oferecem, das mais variadas formas, prazeres.
Sentimo-nos não integrados? O culto torna-nos unidos e numerosos (chame-os irmãos).
Sentimo-nos fragilizados pelo egoísmo? A missa propõe ações de caridade, ajuda mútua
e respeito entre os pares. A vida parece não valer a pena? O templo oferece cursos de
música, arte, encontros e projetos que precisam de gente protagonista. O próprio ritual –
missa, culto etc. – oferece doses: canta-se, empolga-se com o discurso interpretado
sobre o púlpito, o local é belo, os movimentos corporais são unificados, pode-se dar
testemunho, o público adquire um instante de protagonismo secundário e reencontra-se
gente.

Se pudessem reconhecer, perceberiam que deuses e religiões são uma justificativa para
razões materiais, necessidades materiais e humanas; Deus é uma benevolente desculpa.
Por fim, como o ópio, o espírito clubista vicia e aliena. Leon Trotsky, Questões do
Modo de Vida (1923), apresenta-nos elementos:

"(…) a igreja atrai devido a toda uma série de motivos sócio-estéticos, que nem a
fábrica, nem a família nem a rua oferecem. (…) O divertimento e a distração
representam um enorme papel nos ritos da igreja. A igreja age por métodos teatrais
sobre a vista, o ouvido e o olfato (o incenso!) e, através deles, age sobre a imaginação.
No homem, a necessidade de espetáculo — ver e ouvir qualquer coisa de não habitual e
de colorido, qualquer coisa para além do acinzentado do quotidiano — é muito grande,
é irremovível e persegue-o desde a infância até à velhice. (…) E aqui o pensamento
volta-se de novo naturalmente para o instrumento mais poderoso por ser o mais
democrático: o cinema. O cinema não carece de uma hierarquia diversificada, de
brocados ostentosos, etc.; basta-lhe um pano branco para fazer nascer uma
espectaculosidade muito mais penetrante do que a igreja, da mesquita ou da sinagoga
mais rica ou mais habituada às experiência teatrais seculares. Na igreja apenas se realiza
um ato, aliás sempre igual, ao passo que o cinema mostrará que na vizinhança ou do
outro lado da rua, no mesmo dia e à mesma hora, se desenrolam simultaneamente a
páscoa pagã, judia e cristã. O cinema diverte, excita a imaginação pela imagem e afasta
o desejo de entrar na igreja. Tal é o instrumento de que devemos saber fazer uso custe o
que custar!"

46.
Podemos, então, tecer um breve comentário sobre outro tema relacionado. Qual a
origem da homossexualidade – genética, uterina (hormonal) ou social? Pensamos que as
três origens são verdadeiras. Dois homens heterossexuais isolados juntos em uma ilha
tenderão ao amor sexual porque o afeto é uma necessidade inerente; isso é observável se
injetamos doses maiores de hormônios sexuais num rato e o colocamos num ambiente
com outro macho, pois tentará ser o “homem” da relação por excesso de pulsão sexual
e, depois, diante da negativa, tenderá à satisfação invertendo os papéis com o outro
animal, resolvendo o desejo por copulação anal. Isto é reproduzível em laboratório. Ao
mesmo tempo, há inúmeras espécies com relações homoafetivas registradas em seus
ambientes naturais e pesquisas apontam tendências genéticas e na formação do feto,
para este ou aquele perfil. A questão, porém, é que a sociedade e a cultura – meio
ambiente humano, social – devem ser consideradas. “Ninguém se torna gay, nasce”
(materialismo mecanicista) é tão verdadeiro quanto “ninguém nasce gay, torna-se”
(idealismo culturalista). Além dos fatores biológicos, relações edipianas, narcísicas,
necessidades afetivas, cultura, etc. podem direcionar a pulsão sexual-afetiva para um,
outro ou ambos os sexos, independente da vontade e valores do próprio indivíduo,
apesar dele e fora de seu controle – neste sentido, é natural e inconsciente. As mais
variadas personalidades amorosas podem ser autorreprimidas, perseguidas ou evitadas –
assim, gerando doenças psíquicas e sequelas –, mas é impossível aboli-las, antecedem-
se ao raciocínio e decisão, são do reino da necessidade e imodificáveis a priori. Longe
de ser uma escolha ou doença, nascemos apenas com a pulsão, energia a ser
direcionada; em si, nascemos todos bissexuais (Freud). Uma tendência genética poderá
se revelar ou não, vir a ser ou não, ou realiza-se parcialmente: a multiplicidade da
sexualidade do homo sapiens precisa libertar-se um pouco mais de padrões e
classificações rígidas, ou seja, ficar mais perto do raciocínio dialético que da lógica
formal. O único inerente e determinante é o desejo. Nas mais diferentes espécies foram
observadas formas particulares das interações do tipo, o que nos propõe em avaliação
caso a caso, espécie a espécie; já foi observado, por exemplo, serpentes machos em
desertos mudarem de cheiro, atraindo outros machos e tornando-se trans, após falhas
sucessivas na tentativa de relações heteroafetivas. Estes são os apontamentos e
premissas para, quem sabe, evoluirmos até uma visão total e integrada da sexualidade
humana – que é um fenômeno biossocial (ou: biopsicossocial).

Antes de avançarmos, precisamos fazer um resgaste histórico.

Apesar de vender-se como novidade, o pós-modernismo não inaugurou o combate às


opressões na esquerda. Além de n’O Capital; o Manifesto Comunista e, antes, no
“Sobre o Suicicídio”; Marx e Engels levatavam a bandeira contra as opressões como
parte da libertação humana – a felicidade na desalienação. Na I Internacional,
defenderam a liberdade feminina, seu direto ao trabalho e atuação política como passo,
mediação, para a futura autonomia social completa das mulheres; tal defesa foi feita
contra os anarquistas proundonistas que defendiam o lugar “natural” da mulher na
família, na casa, na sociedade e no cuidado dos filhos.
No entanto, na vida pessoal e não pública, os pais do socialismo científico eram
homofóbicos – não militando em torno a esta pauta. Já, por outro lado, na “Origem da
Família, da Propriedade Privada e do Estado”:

“Da mesma forma, outras limitações levam Engels a idealizar a sexualidade humana
tanto entre o proletariado contemporâneo de sua época (onde a prostituição e o adultério
teriam um papel “quase nulo”, em comparação com a burguesia), como entre a
humanidade do futuro e a de todas as épocas, ao considerar a homossexualidade como
“um vício antinatural”. Sobre este tema, há três passagens do livro de Engels, na
primeira ele considera que, entre os gregos, as “repugnantes práticas da pederastia”
levaram-nos a se desonrarem a si próprios e aos seus deuses pelo mito de Ganimedes
(que foi o único amor homoerótico de Zeus com um jovem mortal). Curiosamente,
Engels não menciona Platão e seus diálogos sobre o amor homoerótico e o mito do
andrógino original. Na segunda passagem, ele atribui o homossexualismo entre os
germanos à sua “decadência moral” devido ao contato com os nômades do Mar Negro
que, além da arte da equitação, ensinaram-lhes “feios vícios antinaturais”. E, finalmente,
na terceira menção, registra sem comentários, como se fosse algo natural, que a
assembléia do povo entre os germanos só decretava pena de morte para “covardia,
traição e vícios antinaturais”. O movimento socialista e progressista teria ainda de
esperar o século XX e figuras como o alemão Magnus Hirschfeld para que os direitos
dos homossexuais se tornassem uma reivindicação política.”378

Do exposto, sabe-se cientificamente que a homossexualidade acompanha quase todo o


reino animal e natural ao homem desde sua origem. Inexiste qualquer relação de
doença: não há mal a si ou a outro. No oposto sentido, o percebido por Engels enquanto
sintoma parece apontar a elevação da alienação social – solidão379 – nas sociedades em
limites sistêmicos, o que eleva a possibilidade de a mente pender à homoafetividade. E
isto visto desta forma passa longe de ser doentio, antes sendo um mecanismo para
manter a saúde da mente e do corpo. Ademais, o isolamento social diminui o controle
social sobre os afetos. Não é preciso grande esforço para perceber ser este o momento
histórico presente.

***

Uma das falsas premissas do “biologismo” (determinismo biológico) – sendo a biologia


parte vital, incluso ao marxismo – é a seguinte: “algo está assim porque é assim, revela
sua natureza e estrutura”, mas na história abundam-se fenômenos conjunturais, não
puramente da natureza e em contradição com esta, culturais e de um ou outro sistema

378
http://blog.esquerdaonline.com/?p=4521
379
Um dentre as inúmeras formas particulares: 1) solidão alta; 2) por isso, baixa atividade sexual; 3) por
isso, satisfação por compensação em alimentos; 4) por isso, alterações corporais; 5) por falta de amor e
estímulo das alterações de uma alimentação exagerada, tendências homossexuais surgem.
social-econômico. Este determinismo genético e naturalista do homem faz parecer
permanente e estrutural elementos limitados no tempo-espaço, na história. É a diferença
lógico-científica, negligenciada, entre ser e estar.

47.

É natural que eruditos acadêmicos deem preferência aos estudos das superestruturas,
objetivas e subjetivas, como onde trabalham. Respiram este ar. Vejamos o exemplo de
Marx: de criação erudita e pequeno-burguesa, dedicou-se às ideias abstratas, direito,
filosofia, cultura etc. das superestruturas. Até que a atividade jornalística o jogou diante
da revolução, da perseguição pessoal e da própria miséria. Seu envolvimento em
atividades políticas práticas foi base para revolução de seu pensamento. Em seguida, 20
anos de pouca luta de classes intensa, ascensão de uma nova curva histórica, tornou-se
um dos poucos da velha geração de revolucionários a permanecer no campo da luta,
com um diferencial: dedicou-se, “parado”, à mais importante – e indispensável –
elaboração teórica do movimento operário.

48.

O objetivo do socialismo é tornar os centros de ensino instituições aclassistas. As


próximas revoluções científicas, impulsionadas pelos Estados Operários Democráticos,
serão causa e consequência disto – libertar o pensamento dos limites causados pela luta
e domínio de classes. Hoje, trata-se de atuar nestas instituições burguesas de presença
policlassista para 1) elevar o nível cultural dos trabalhadores; 2) dividi-las, ganhar uma
parte para o igualitarismo; 3) conseguir apoio de intelectuais e sábios.

49.

Instrumento prático do capitalismo em decadência, o neoliberalismo desenvolve sua


produção pseudocientífica por meio de premissas pós-modernas: 1) o ponto de partida é
o indivíduo – enquanto o liberalismo clássico supunha a existência de classes e luta
entre estas; 2) idealista, considera, a partir desse ponto de vista, a figura ideal do sujeito,
consumidor, consciente; 3) ultiliza a linguagem, incluso a matemática, para dar ares de
objetividade e disfarçar a falsificação ideológica; 4) supostamente, separa a economia
“pura” da totalidade social.

50.

A produção científica é produção de ideologia.


Quando um sujeito descobre que a Terra não é o centro do universo, este acaba por
mudar as demais ideias da sociedade – querendo ou não. As descobertas científicas
geram ideologia, ou seja, concepção de mundo.

A falsa ideologia ocorre quando uma concepção não corresponde ao real, apoia-se
apenas em aspectos parciais deste. É caso do racismo sustentado por concepções
pseudocientíficas, religiosas etc.

Quando Sagan fala do pequeno ponto azul no espaço como lição, faz boa ideologia a
partir da descoberta de que o universo vai além da Via Láctea, além do planeta Terra
como centro (modo grego e cristão).

Toda importante descoberta gera concepção de mundo, perfis, cultura, filosofia e


ideologia.

A ideologia gera perspectiva e ajuda ou, ao contrário, atrapalha o trabalho científico.

A descoberta do real e, portanto, a evolução da verdadeira ideologia é um processo


histórico. Aqui, resgatamos um significado não consensual mesmo entre marxistas.380

Zizek defende, contra o marxismo vulgar, a ideologia como necessidade (de


autoengano?). Assim, pouco basta esclarecer a verdade da vida para mudar as
consciências. A função da ideologia, verdadeira ou falsa, seja qual nível ou grau de
verdade abarca em si, é ser um instrumento da prática. Seja esta para conservar e
justificar, seja esta para compreender e mudar. Exemplo: a ideologia comunista apenas
pode ter a possibilidade de ser geral entre as classes trabalhadoras se for uma
necessidade geral para o problema imediato, a crise. Duas grandes potências, nos EUA e
Inglaterra as ideias socialistas sempre foram consideradas “de fora” e exóticas; hoje,
porém, com a crise sistêmica nos países maduros, a ideia de igualdade social entra no
instinto das novas gerações (para isto, nestes países, pesa o fato de o stalinismo nunca
ter tido grande influência social, impedindo desmoralização por suas traições). Por isso,
tantas falas comuns e sensos comuns defendem ideias que são, em geral, o inverso da
realidade posta diante dos olhos: tal engano pode ser uma necessidade social e mental,
também do indivíduo. “Basta trabalhar duro para enriquecer” pode ser um exemplo de
concepção errônea, mesmo não empírica, mas ajuda a levantar cedo e ir trabalhar.

Entre ideologia verdadeira e falsa ideologia há inúmeras mediações, contatos, meios-


termos; além de estarem certas ou erradas de modo relativo, localizadas na história. O
sintoma do aspecto verdadeiro de tal ou qual concepção, mesmo em nível conjuntural,

380
A crítica de Althusser à ideologia é, na verdade, crítica genial à falsa ideologia. Apenas. Tornou-se
marxista num período onde não ser um era equivalente à explusão da vida acadêmica. Tal ostracismo é
inadimicível aos intelectuais. Todo seu esforço, ao seguir a moda, foi tentar tornar o marxismo tragável
à concepção da universidade burguesa: negou o humanismo (marxista), a dialética, a concepção de
ideologia, a filosofia (teoria da alienação) de Marx para adaptar o subversivo ao existente. Tentou,
assim, oferecer um falso objetivismo científico, burguês, onde isto já havia sido superado.
O marxismo cindiu-se em marxismos prático-sindiclista e teórico-adadêmico. Althusser é um dos pais
dessa alienação.
está em se enfrenta as concepções consolidadas de modo a ajudar a história a ir para
frente.

Esta análise deve ser acompanhada por avaliação histórica-estrutural. A história da


humanidade, abrindo a possibilidade da emancipação humana, abre a possibilidade de
uma verdadeira ideologia que expresse de modo estável o real. Por isso, uma análise e
balanço delegados ao futuro. A concepção ideológica “todos os homens são e devem ser
de todo iguais, com suas particularidades, sendo apenas humanos” é em si e
estruturalmente superior às ideologias racistas, nacionalistas, superioridade classita,
civilizados versus bárbaros etc. Nesta perspectiva profunda, a ideologia verdadeira tem
relação íntima com a teoria da alienação, percepção da natureza humana e as
contribuições marxistas. Hoje, o classismo, perceber a sociedade dividida em grupos
humanos na essência antagônicos, é ideologia verdadeira por excelência; se o
comunismo vingar, será percebida tal como se mostra: um estágio inferior da
humanidade, necessitante de uma visão de mundo autoinimiga para poder, na prática,
avançar e superar-se. O desenvolmento das ciências exatas e naturais, na medida em que
se aproximam da realidade na teoria, também tendem e tenderão a auxiliar em tal tarefa.

Ìntima à ideologia, a filosofia oficial de determinada época organiza, sistematiza e


aperceiçoa a falsa ideologia já existente de modo “nevoento” na coletividade. Ao
contrário, a filosofia “não oficial” cumpre função subversiva, crítica e reveladora.
Exemplo: ao propor o existencialismo, Sartre nada mais fez do que clarear um
fenômeno vivo no cotidiano, nos desejos e nos valores de uma Europa pacificada,
focada no consumo desde o incentivo keynesiano, de alta estabilidade social, erguendo
grande classe média aristocrática etc381. Tornou verbo o que era carne, ideia o que era
matéria.

51.

O mircropoder apenas pode ser considerado a partir da sociedade que a gera e do


macropoder sustentante, o Estado. Esta forma nuclear de domínio nada mais é que
representação singular da alienação geral.

Disto, devemos levar em conta a existência de uma legalidade informal dos atos. Qual
tal com o Estado, esta legalização só é viável por meio da violência e do consenso
(Gramsci) surgido pela possbilidade, aberta ou oculta, de agressão. Também é evitente,
por consequência, o surgir, nesta base, da luta entre opostos.

Exemplos cotidianos e práticos. Um “pai de família” desequilibrado-agressivo (alcólotra


etc.) gera respeito, medo, submissão, revolta velada etc. Um “pai de família”

381
Sartre tem a mesma natureza de Althusser: captulou ao marxismo por ser o “espírito da época” após
propor o existencialismo. Tanto o marxismo adademicista quanto a filosofia sartriana pré-marxista são
de suas épocas: alta moral da URSS por derrotar o nazismo, Estado de bem-estar social na Europa e
hegemonia do centrismo nas correntes operárias.
desequilibrado-passivo tende a sofrer agressões verbais, desrespeito, ameaças de
internação etc. Nesta pré-história da humanidade, o nível de repeito, simpatia e empatia
dedicado ao outro tem por fonte a possibilidade daquele outro ser ameaçar real.

Nas disputas táxi-Uber, obtemos casos curiosos. Os primeiros ameaçavam, agrediam,


perseguiam sem ocorrer o peso da lei sobre suas posturas, pois são uma categoria social
muito organizada, agressiva e autossolidária. Os consumidores do novo serviço, por
seus lados, demonstravam medo e crítica passiva.

Tanto a legalidade formal quanto a informal têm na violência latente seu lastro oculto.

Do controle dos corpos, importante lembrar ou relembrar quem primeiro descobriu e


expôs este fato: Gramsci. Caso clássico, estudou o americanismo e o peso da religião na
moral antissexual enquanto estímulo à transferência da energia pessoal-corpórea para o
trabalho (sublimação). Obeservamos aí o encontro do marxismo com a psicanálise.

52.

Para a pósmodernidade, há uma correspondência entre sentir e saber. Isto serve de


premissa para afirmar existir várias verdades, lugar de fala etc. Se um paciente procura
o médico para que este avalie sua perna, isto deriva de: 1) o paciente sente enorme dor,
que motiva sua ação prática; 2) mas, neste caso, apenas o médico tem os instrumentos
técnicos e mentais para dar uma resposta objetiva da origem daquele mal e sua natureza,
assim podendo propor os meios de resolução do problema. O pesado esforço científico é
indispensável para superar as aparências e falsas ideologias, além de servir de
instrumento prático para a prática com resultados positivos.

53.

A crítica marxista vê a pós-modernidade mais do que uma concepção que se impôs por
força própria, artificial e externa; caracteriza-a como um fenômeno consequente do
valor-capital. Em seu processo de irrealização, o modo de produção tende-se a um
capitalismo fictício; por isso inevitável tal manifestação nos produtos da mente humana:
arte, moral, filosofia, produção acadêmica etc.

54.
O pessimismo filosófico – de maior impacto na classe média aristocrática por tendência
ao subjetivismo – é um modo de negar “a prática como critério da verdade”. A
esperança exige angústia e responsabilidades. O pessimismo “realista” é irmão do
otimismo impressionista e objetivista. Por fora deste ciclo, o otimismo realista deve ser
defendido porque é cientificamente demonstrável o socialismo enquanto possibilidade,
vir-a-ser382.

55.
O aforisma de Gramsci “otimismo da vontade, pessimismo da razão” é invertido em
nosso instante histórico: “otimismo da razão, pessimismo da vontade”. Esta
consequência emocional da decadência afeta os trabalhos políticos e científico-
filosóficos. Cabe aos comunistas ajudar a resolver tal contradição.

56.
O socialismo fará surgir uma confluência não contraditória, ainda dinâmica, do homem
natural com homem social.383

382
A esperança é a alegria inconstante nascida da ideia de coisa futura ou passada de cujo desenlace
duvidamos em certa medida. O medo é a tristeza inconstante nascida da ideia de coisa passada ou
futura de cujo desenlace duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança
sem medo e nem medo sem esperança. (…). Quem está suspenso na esperança – duvida do possível
desenlace –, teme enquanto espera, quem está suspenso no medo – duvida do que possa acontecer –,
espera enquanto teme.” (Baruch de Spinoza)

“Se otimistas são tolos, já pessimistas, não deixam de ser chatos. Bom mesmo é ser realista
esperançoso.” (Ariano Suassuna)
383
Este problema geral tem inúmeros exemplos “pequenos” na realidade prática. Poe exemplo: cesária,
tão praticada, é pior para o bebê. O parto onde a mulher fica deitada, também.
A SEPARAÇÃO DO MARXISMO

Este capítulo pretende-se esboço brevíssimo.


O marxismo cindiu-se em dois: o militante e o teórico. Tornaram-se sindicalistas e
acadêmicos. Para a necessária renovação ortodoxa da tradição marxista, será preciso
fundi-los e superá-los, tomando as vantagens e abandonando as desvantagens de cada.
Isto merece uma introdução.
O “materialismo histórico” não é um modelo externo, escolhido por Marx, para ter um
método de valiação. Este é o método moderno: de Bacon, Descartes e Kant.
O método marxista é como estar em um labirinto: pesquisa, reúne todo material, avalia,
compara etc. Até, enfim, descobrir o método. O método é a fase final da pesquisa, assim
como as categorias aparecem apenas ao fim. Só depois passam a servir de “modelo” ou
“premissa”. Na metáfora: não há passo a passo, pois na busca pela verdade descobrimos
o caminho dela – com dificuldade, esforço e descompasso.384
O legado de Marx, entre os tantos, está em superar e fundir, ao mesmo tempo, o
materialismo e o idealismo, sob hierarquia daquele.
Marx e Engels foram tão militantes quanto puderam. Ao lado disso, o trabalho científico
exige momentos de dedicação intensiva e exclusiva – tanto mais se a tarefa for fundar
nova ciência e nova cientificidade. Já Lenin e Trotsky provaram o sabor das grandes
ações históricas; não poucas vezes, tiveram de se dedicar à teoria nos tempos livres da
prisão e exílio.
Hoje, porém, o marxismo movimentista e o academicista olham um para o outro com
desprezo e acusações mútuas. De ambos os lados, há contrangimentos diante da
exposição de suas limitações.
Vejamos algumas características do marxismo acadêmico:
1. Baixa preocupação com questões práticas;
2. Negação ou relação revisionista com a dialética;
3. Incapacidade de ligar teoria à elaboração política;
4. Literatura recitadora;
5. Dialeto próprio;
6. Refúgio no ambiente da classe média aristocrática;
7. Acesso à vida em demasia por meio da palavra;
8. Mais sucetível às pressões sociais e da moda intelectual;
9. Dificuldade de ligar o pensamento ao imediato concreto (no sentido da
conjuntura e do cotidiano).

Vejamos características do marxismo sindicalista:


1. Relação fraca e caricatural com a teoria;
2. Relação distanciada, ainda que disfarce, com o marxismo como ciência;
3. Incapacidade de elaborar política marxista, limitando-se à elaboração sindical;
4. Dialeto próprio;
5. Tendência ao superestruturalismo, objetivo e subjetivo;
6. Praticismo, tarefismo e desprezo – chama diletante – por aqueles mais dedicados
ao estudo;
7. Refúgio em ambientes de vanguarda e organismos;

384
O método dialético coloca os demais métodos sob suas asas. Na dialética, a resposta e o resultado,
aquilo que se deseja saber, aparece apenas no final da pesquisa. A sequência hipótese-
expreimentração-resultados, tendo alguma ultilidade real, faz o inverso, pois tenta já supor o resultado
e os meios para alcança-lo…
8. Incapacidade de ver o nexo interno dos fenômenos sociais sobre os quais atuam.
9. Dificuldade de ligar o pensamento ao mediato abstrato (no sentido do raciocínio
filosófico-teórico profundo385).

Pode ler quilos de livros marxistas, mas, se sua posição social for diferente da exigida
pela teoria, o militante ou teórico “esquece” o aprendido386. Exemplo: quantos
trotskystas veteranos tiveram toda sua formação política baseada no fato de o
trotskysmo ser contra governos de frente popular, mas cederam ao governo do Syriza?
Nem sempre é falta de teoria ou oporuninismo puro…387 Outro modo de observar: o
marxismo sindical – corporativo em raiz – foge do estudo do atual capitalismo, pois
teorizar sobre a III revolução industrial e suas consequências inerentes afeta o instinto
de autopreservação de seu perfil; quanto este tema está colocado, foge deste com
argumentos evasivos e parciais.
Isto é análogo, e ligado, à dividão da filosofia e da ciência entre idealismo e
materialismo:

TESE 1
A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de Feuerbach
incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados
apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas
não como atividade sensível humana, práxis, não subjectivamente. Por isso aconteceu
que o lado activo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas
apenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a actividade
sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte] sensíveis realmente distintos
dos objectos do pensamento; mas não toma a própria actividade humana como atividade
objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do
Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a
práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não
compreende, por isso, o significado da actividade "revolucionária", de crítica prática.
(Teses sobre Feuerbach, Karl Marx, 1845.388)

385
Kurz faz tal crítica. A militância trata com grande rejeição abstrações do tipo valor-trabalho, sujeito
automático, crise do valor, o além do empírico etc. Exemplo: vê o antagonismo burguesia x proletariado,
mas deixa de perceber o automovimento do valor-capital enquanto força profunda da luta de classes.
386
Nesta sociedade dividida em classes, indivíduos da classe média aristocráricas e burgueses podem,
por seus perfis pessoais, obter maior facilidade para acessar dialeticamente e com muita precisão a
realidade. A mente, não sendo mero agente passivo, tem algum grau de autonomia relativo, parcial, à
sua materialidade. No entanto, são casos minoritários e individuais.
387
Exemplo muito pessoal. Irritadíssimo e de salto baixo, entrei em polêmica com um erudito famoso,
por quem nutro enorme admiração, em uma rede social, pois este estava defendendo a candidatura de
Syriza acriticamente. De minha expressão teórica-política bruta, recebi como resposta altiva “tem que
estudar”, “precisa ganhar erudição”, “não ser arrogante”, etc. Pouco depois, entrei na mesma polêmica
quando o Syriza ganhou o Memorando, pois avalei que o partido anticapitalista iria boicotar o próprio
resultado; e tal impostura geraria rupturas pela esquerda. E isto aconteceu. Mas antes um ou outro
vetereno erudito pôde condenar o absurdo de minha caracterização. Foi educativo; e, aqui, aproveito
para citar um erro meu: pensei, mecanicamente e esquecendo que a realidade abre possibilidades, no
plural, ser a traição do referido partido fonte de uma dura revolta parcial. E estava errado: as derrotas
desmoralizam e leva um tempo para as massas reagirem neste tipo de situação.
388
https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm
Dados os comentários acima, complementares, sigamos breve avaliação parcial.

ALTHUSSER
Althusser tornou-se marxista num período onde não ser um era equivalente à expulsão
da vida acadêmica. Tal ostracismo é inadmissível aos intelectuais. Todo seu esforço, ao
seguir a moda, foi tentar tornar o marxismo tragável à concepção da universidade
burguesa: negou o humanismo (marxista), a dialética, a concepção de ideologia, o
processo enquanto condição da estrutura, a filosofia (teoria da alienação) de Marx para
adaptar o subversivo ao existente.
Tentou oferecer um falso objetivismo científico, burguês, onde isto já havia sido
superado.
Sua crítica à ideologia é, na verdade, crítica genial à falsa ideologia. Apenas.

LUKÁCS
Suas limitações derivam de sua posição social-política: criticava, sem romper, a
burocracia. Sua teoria ficou, assim, mediada e híbrida, ou seja, incapaz de uma forte e
necessária ruptura. Seu ponto alto está na defesa da cientificidade da ontologia marxista;
seus defeitos estão na incapacidade de crítica qualitativa do estalinismo, caindo em
idealismo e erros teóricos (na concepção de arte, por exemplo).

ADORNO
Tal como outros teóricos do “marxismo ocidental”, é um dos precursores inconscientes
da concepção pós-moderna. Sua dialética negativa, de certa forma expressando sua
visão pessimista, era capaz de ver apenas o dissolver, o desmanchar-se. Além de
esquecer o transitório e o duplo, deixa de ver no negativo uma espécie de futuro
positivo. Além disso, reduz a dialética, o marxismo, a economia política etc. a
fenômenos apenas capitalistas. Um “historicismo” informal. Por exemplo: assim como a
economia, a química apenas pôde surgir no capitalismo – trata-se, por isso, de uma
ciência burguesa?389
Curioso ter sido base para Kurz perceber a crise do valor, mas deixar de teorizar com
eficaz medida todos os demais fatores.

CORRENTE GRAMSCIANA
Parcialmente baseada nas produções de Antônio Gramsci, escritos sobre superestrutura
na prisão, uma larga corrente de intelectuais universitários ou de empregabilidade ligada
à superestrutura adota uma postura teórica invertida: forcam e partem da superestrutura.
Surgem, por isso, inúmeras distorções: consideram uma suposta “capacidade de
absorção de impacto” do Estado (porque não leem o real desde a economia), substituir a
totalidade dos mecanismos de alienação apenas pelo fator do controle dos meios de
comunicação, considerar os problemas mais ou menos autônomos da política como um
em si e causa de si, supor antecipar tendências desde as superestruturas antes da base
material verdadeiramente madura, etc. Muitos dentre desta tendência são honestos e
oferecem ótimos aportes políticos e teóricos, mas perdem a totalidade.

Os teóricos acima são, menos ou mais conscientemente, grande influência para a


produção acadêmica.
389
Daí dizer que Marx faz apenas “crítica da economia política”, no sentido de negação, como se não
apresentasse ao lado uma resposta alternativa.
CHE GUEVARA
Um revolucionário puro, de alta vontade, mas limitadíssimo na teoria. Suas
maiores contribuições ao pensamento estão nas suas proposições à guerra de guerrilha.
O argentino-cubano pouco compreendia de economia marxista ou do conjunto
da teoria de Marx, embora a reivindicasse em seus aspectos gerais com energia imensa.
O excepcional e irrepetível modelo da revolução cubana foi generalizado por
ele. Por consequência: em suas conclusões de base, substituiu a luta de classes pela luta
de guerrilhas; o método marxista de elaboração política pelo da arte militar; o partido
democrático e centralizado pela guerrilha hipercentralizada; as massas pela vanguarda; a
cidade pelo campo; o proletariado e assalariados pobres pelo campesinato.
Seu instinto militante levou-o ao internacionalismo. E à concepção de que Cuba
necessitaria de uma revolução socialista em toda a América Latina.
Foi crítico, em seus estudos incompletos, ao falso dogmatismo teórico do Estado
soviético, com seus manuais e regras prévias.
Sua relação teoria-prática formava um “neoblanquismo”.

MORENO E MANDEL
Moreno foi o maior e melhor marxista com desvio sociológico (e estudava esta
semiciência com afinco). Melhor filho de sua época, pôde ser superior ao marxismo
“ocidental” – exceção por este ter reerguido a teoria da alienação – por razão das
duríssimas crises na América Latina, empurrando-o para a prática (e passou boa parte de
sua vida política em prisões de diferentes países). Neste contexto, extraímos a fonte de
suas contribuições teóricas, em principal, a atualização da revolução permanente. Foram
tempos duros: impossível revolução europeia, marxismo precisando reconstruir-se
quase que do ponto zero, IV Internacional incapaz de assumir os problemas postos e
longas ditaduras latino-americanas. No entanto, logo no início da crise sistêmica –
quando a luta de classe intensa precisaria entender economia – o teórico argentino viu-
se limitado.
Os erros e centrismos de Mandel (exemplo: pender a considerar os problemas do
capitalismo atual centralmente subjetivos) possuíam a mesma origem do marxismo
europeu: estabilidade social, com a qual Moreno raramente conviveu. Para mostrar
limites daquele, bastam os textos deste. Porém, o economista percebeu os primeiros
sinais do “estalo” no capitalismo.
A IV Internacional tinha a oposição entre um “economista” e um “sociólogo”. Em
essência, entre um materialista ou obreirista (Moreno) e um idealista ou militância no
setor educacional (Mandel). Ocorre que, na década de 1970, Enest Mandel já havia
acumulado inúmeros vícios e desvios quando a situação mundial e europeia começou a
mudar.

Passemos apenas a uma crítica a maior parte do marxismo brasileiro: o eurocentrismo e


mentalidade de colônia afetaram a produção teórica e o olhar de nossos militantes e
pesquisadores. Não raras vezes, fenômenos de paixão instantânea pelas novidades de
fora: estas foram absorvidas com entusiasmos e acriticamente. Por isso surgiu silenciosa
conclusão psicológica: pensar grande é coisa de francês ou outros estrangeiros.
Nãos se trata de reeducar à força todos aqueles a reivindicar o legado de Marx. O
constrangimento dos militantes praticistas diante de suas incapacidades de avaliar a vida
assemelha-se ao dos teóricos, ao fato de estes não se associarem à atividade política
(quanto mais num país tão problemático quanto o Brasil). Ligar a intelectualidade –
tanto quanto possível – à outra ponta se faz necessário, por exemplo. Exigir uma ruptura
total com suas relações de classe é quase impossível (e aqueles, poucos, capazes e
corajosos gerarão frutos incríveis). Trata-se, isto sim, de desenvolver uma nova geração,
reciclar parte da existente e abrir caminhos na conjuntura.
A classe trabalhadora, com sua vanguarda, se deseja ser classe dominante, precisa atrair
os melhores e mais capazes elementos das demais classes. Eruditos, especialistas,
sábios, cientistas etc. servem de grande ponto de apoio – sempre quando evitam ser
“comandantes naturais” – à causa comunista. A questão está em localizá-los, extrair o
melhor deles e educá-los no espírito da atividade coletiva.
A divisão acima posta, do marxismo, também ocorre dentro das organizações políticas
de esquerda: trabalho intelectual dos organismos de direção, trabalho manual nos
organismo de base; separação entre pensar e fazer; idealismo e materialismo etc.
O “DESPOTISMO ESCLARECIDO” BURGUÊS

(…) robustece o domínio do capital, amplia-lhe a base e permite-lhe recrutar


sempre novas forças das camadas inferiores da sociedade. O mesmo ocorria na Idade
Média: a Igreja Católica formava sua hierarquia com as melhores cabeças do povo,
pondo de lado posição, nascimento e fortuna, o que era um dos principais meios de
fortalecer o domínio do clero e de subjugar os leigos. Quanto mais uma classe
dominante é capaz de acolher em seus quadros os homens mais valiosos das classes
dominadas, tanto mais sólido e perigoso é seu domínio.
Marx; O Capital III, p. 775, 776.

Vez ou outra, alguns marxistas deduzem o final do século XIX como o despotismo
esclarecido a la burguesa. Esta comparação com o sintoma do fim do
feudalismo/absolutismo procura indicar a chegada da era socialista. De fato, em alguns
países e na Europa, ocorreu a fase reformista e progressista do capitalismo: direito ao
voto, reformas sociais, maior instrução média, reconhecimento dos sindicatos, etc.;
porém, isso se devia à saúde do sistema e não por sua visível decadência, que é a fase
imperialista390.
Vivemos, hoje, este período. As épocas de decadência possuem suas
excentricidades, suas combinações improváveis, suas falsas mediações; daremos
exemplos de como, diante da época391 e da possibilidade do socialismo, o mundo do
capital procura ser esse “tirano esclarecido”.
Em primeiro, observamos a generalização da frente-popular, ou seja, de governos
burgueses com participação – majoritária ou minoritária – de organismos operários. A
dimensão é ainda maior: mesmo governos diretamente dirigidos por organizações
burguesas agregam sindicatos ou pequenos partidos de esquerda em sua órbita392 – em
suma e dito de outra maneira: algum nível de frente-populismo sempre está presente ao
administrar o Estado (interessante observar: no Brasil, logo após a redemocratização, o
presidente Collor de Melo impulsionou a Força Sindical.). Essa nova
normalidade possui um exemplo intenso, Sui Generis, no PSUV, de Chavez com sua
retórica e da Venezuela, onde um partido patronal com programa semi-bonapartista
agrega o grosso do movimento de massas. Evo, Bolívia, e Syriza (Grécia) também são
exemplos. No mesmo sentido, inúmeros partidos burgueses usam o termo socialismo
em suas propagandas; as eleições presidenciais nos EUA (2016) são mais que

390
De fato, com a crise orgânica de 1870 a 1880, dando origem ao capital financeiro e ao imperialismo,
já aparece a tendência (ainda não geral) ao despotismo esclarecido do capital. Percebemos a existência
deste fenômeno por longa duração, constância e cada vez mais generalizado.
391
Esta tendência surge no final do século do XIX e início do XX, com a consolidação da economia
imperialista; porém, apenas ganha dimensão clara no pós-II Guerra, no pós-década de 1970 e,
especialmente, com a queda do muro de Berlim; em síntese: apresenta vigor quando a fase imperialista
do capitalismo inicia sua decadência.
Todo sistema pode ser dividido em duas épocas: a reformista ou progressista e a revolucionária ou de
crise. Com o amadurecimento das bases econômicas e sociais, na fase superior do capitalismo, estamos
em uma era onde revolucionar a sociedade é possível e, ao mesmo tempo, necessário.
392
Interessante observar que no Brasil, logo após a redemocratização, o presidente de direita Collor de
Melo impulsionou a “Força Sindical”.
simbólicas. Além do mais, a nova “esquerdização” da Igreja Católica faz parte do
processo aqui demostrado.
Em segundo, com a alta concentração urbana, a democracia burguesa é o regime
principal, com longa duração, na maioria dos países – mesmo em muitos dos atrasados.
Não raro, a classe dominante prefere golpes “institucionais” a militares ou fascistas
(embora não descarte essa tática). Visto de modo mais concreto; desde 2008, tal
tendência tende a ser negada por razão da degeneração social, mas revelou-se uma
grande tática-concessão: desçamos a exemplos; para Nahuel Moreno, além de outros
marxistas, logo após a derrota do nazismo abriu-se a etapa mais revolucionária da
história, o que permitiu 1/3 da humanidade sob relações não-capitalistas, porém sob
ditaduras burocráticas; no final da década de 1980, as castas dirigentes restauraram o
capitalismo, dissolveram o Estado Operário, a natureza deste, a base econômica e social
de sua característica transicional. Com este “colapso”, promovido por via das
(contrar)reformas graduais, abriu-se uma etapa reacionária mundial. Usou-se não de
todo o fascismo e ditaduras, mas também e em grande medida o voto, as eleições e
mecanismos da democracia representativa para garantir o retorno ao capital e evitar
revoltas que pudessem ser capazes de reerguer o Estado Operário, desta vez, com
democracia socialista. Na China, tendo sido o segundo mais importante Estado
Operário, como em outras nações, a restauração sequer permitiu o uso da tática
“democrática”, mesmo parcial, para burlar a justa revolta. Assim, temos a etapa
reacionária sustentada de modo “despotista esclarecido”; outra expressão disso – etapa
se refere ao aspecto global da capacidade organizativa real ou latente das diferentes
classes, na defensiva ou ofensiva – é a queda do muro de Berlim, ao gerar um “vendaval
oportunista” degenerador da maior parte da esquerda planetária. Em geral, além dos
países capitalistas, avançados e atrasados, “táticas democráticas” (não necessariamente
retorno em longo prazo à democracia burguesa) foram usadas naqueles países que
voltaram ao capitalismo após tornarem-se muito urbanos, como a Rússia. Em suma, a
século XX foi marcado por grandes vitórias táticas – inclusive a implementação de
democracia burguesa após a dura derrota, a restauração do capitalismo, o fim dos
Estados Operários transformando burocratas em burgueses ou serviçais diretos da
burguesia – e, por lado oposto, grandes derrotas estratégicas.
Em terceiro, o imperialismo “apoia” revoluções, aqui e ali, temendo que cresçam
por demasiado, que tirem novas conclusões, que implementem o socialismo; enfim,
teme a independente reorganização revolucionária da classe, da vanguarda e da
sociedade. A tática Via Prussiana ou Revolução Passiva é, também, utilizada.
Em quarto, especialmente nos países centrais, houve um período de muitas
reformas (como o Estado de Bem-estar) com a finalidade de apaziguar a luta de classes.
Tal processo só inicia realmente seu fim com a crise mundial, a partir de 2008393. Nesse
período, como parte dos resultados, desenvolveu-se e ampliou-se um setor privilegiado
entre os produtores, a aristocracia operária, que já começara a surgir no final do século
XIX; a burguesia – consciente de sua tarefa – estimulou essa divisão do proletariado por
métodos como “participação nos lucros e resultados”, “estímulo aos funcionários a
obterem pequenas ações”, concursos internos para subir de cargos e “crescer na
empresa”, etc.; em linguagem marxista e clara: estimulou o pequeno-aburguesamento de
parte da classe revolucionária e dos demais assalariados.

393
O keynesianismo foi o estímulo a esta tentativa, a de criar um colchão social. Como as leis do
capitalismo são objetivas, as medidas estatais transformaram-se em seu contrário, em novos elementos
para a crise orgânica do capitalismo (como o aumento das dívidas públicas). Programas como bolsa-
família, no Brasil, propostos pelo Banco Mundial, também são exemplos.
Em quinto, na falta de partidos revolucionários, a própria burguesia tenta ora dirigir
mobilizações394 ora desviar revoluções para a democracia burguesa, para a reação
democrática. As frações burguesas nas revoluções síria e líbia são exemplos; as
mobilizações de direita na Venezuela e Brasil (2015), também. Do mesmo modo, a
maior parte das colônias ganhou independência política formal nos processos
revolucionários do século XX, mantendo-se economias dependentes; para o
imperialismo isto é melhor que observar revoluções democráticas e anti-imperialistas
avançarem ao socialismo.
Em último (mas de máxima importância), sindicatos e partidos de esquerda estão
altamente institucionalizados, adaptados, integrados ao Estado burguês. São organismos
burgueses da classe trabalhadora, organismos frente-populistas. No mesmo rumo,
sindicatos são convidados a participarem de conselhos, comissões e organismos
patronais, parte na gestão de empresa e do Estado395. Ironicamente, muitas empresas
obrigam seus funcionários a se filiarem às suas representações sindicais. Portanto, a
tarefa é tanto ganhar sindicatos como, na primeira oportunidade, destruí-los396. Em
situações revolucionárias, parte significativa destes, além de dos partidos de esquerda
(como os “anticapitalistas”), estará do outro lado da trincheira.

Esses são os fatores centrais observados; não há dúvida de que existem outros397,
menores ou maiores, na realidade ou ainda por surgir (ex: o “orçamento popular”

394
Por exemplo: o “anti-imperialismo” de movimentos burgueses como a Al-Qaeda.
395
“A partir daí, os capitalistas japoneses desencadearam uma feroz repressão ao movimento sindical
combativo e impulseram uma estrutura sindical totalmente controlada e atrelada às empresas:
sindicatos por local de trabalho, que participam da gestão das empresas num regime de colaboração,
partindo do princípio de que cada empresa é, antes de mais nada, uma família (Antunes, 1995)” (A
Proletarização do Professor: Neoliberalismo na Educação; Costam àurea. Fernandes Neto, Edgard.
Souza, Gilberto. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009; página 118.) (A citação
indireta: ANTUNES, Ricarndo; Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.)
396
Vale recordar que os bolcheviques tinham baixo peso nos sindicatos durante a revolução de outubro;
os mencheviques eram maioria nesses organismos. Ou seja, o calor dos fatos pedirá organismos novos e
alternativos de luta e poder, que podem ser impulsionados, mas não criados artificialmente pelos
revolucionários. A revolução boliviana (1952) pôde quebrar esta lógica mais do que qualquer outro país,
por ter naquele momento um movimento sindical novo, ainda não estatizado, baixo peso do
estalinismo, concentrada classe operária e relativamente nova, além do impulso trotskista à COB,
central sindical, operária e popular daquele país.
Enfim, o processo revolucionário exige, entre outras coisas, enfretamento físico contra a burocracia
sindical, o pelego, e de outro, o erguimento de novos organismos sindicais independentes (não se trata,
porém, de sindicatos vermelhos), junto à renovação dos existentes, e por fora do Estado Operário –
como um dos mecanismos antiburocratização deste.
397
Exemplo: “No México, os sindicatos transformaram-se por lei em instituições semi-estatais e
assumiram, por isso, um caráter semitotalitário. Segundo os legisladores, a estatização dos sindicatos
fez-se em benefício dos interesses dos operários, para lhes assegurar certa influência na vida econômica
e governamental. Mas enquanto o imperialismo estrangeiro dominar o estado nacional e puder, com a
ajuda de forças reacionárias internas, derrubar a instável democracia e substituí-la por uma ditadura
fascista declarada, a legislação sindical pode transformar-se facilmente numa ferramenta da ditadura
imperialista.” (…) “A nacionalização das estradas de ferro e dos campos petrolíferos no México não
tem, certamente, nada a ver com o socialismo. É uma medida de capitalismo de estado, num país
atrasado, que busca desse modo defender-se, por um lado do imperialismo estrangeiro e por outro de
seu próprio proletariado. A administração das estradas de ferro, campos petrolíferos etc., sob controle
das organizações operárias, não tem nada a ver com o controle operário da indústria, porque em
última instância a administração se faz por meio da burocracia trabalhista, que é independente dos
operários, mas que depende totalmente do estado burguês. Essa medida tem, por parte da classe
dominante, o objetivo de disciplinar a classe operária fazendo-a trabalhar mais a serviço dos "interesses
idealizado pelo PT). O imperialismo, em sua fase de decadência, sabe, como quem se
nega a reconhecer a verdade, que chegou a hora da revolução – em certa medida, sabe
disso mais do que os próprios marxistas.
Podemos extrair uma primeira conclusão sobre o futuro. Apresenta-se a lei da
História: o despotismo esclarecido burguês abriu espaço para a educação, a reeducação,
o amadurecimento e a fermentação da classe operária e dos demais setores oprimidos.398
O aspecto geral do Despotismo Esclarecido Burguês pode ser assim resumido:
envolvimento da não-burguesia nas superestruturas objetivas (Estado, direção de
empresas, pequenas ações financeiras, partido, sindicatos etc.) e ações sobre os sentidos
da superestrutura subjetiva (valores, moral, percepção da sociedade etc.), com dois
objetivos: 1) estimular a passividade frente ao poder burguês; 2) estimular a
produtividade. A burguesia pode não reconhecer uma luta geral latente, mas por muito
percebe a constância das lutas parciais, que representam um transtorno em si ao capital,
e são manifestações inconstantes de processos em gestação.
O despotismo esclarecido buguês faz parecer ter o Estado e as demais relações
de poder um duplo caráter, burguês e operário, capitalista e socialista. Mas isto é de
todo falso. Diferente das transições sistêmicas anteriores, a revolução socialista trata de
destruir o Estado, e demais superestruturas, enquanto ferramenta de poder de uma classe
sobre outra; precisa, então, de uma ferramenta paralela, um Estado outro, capaz de
expressar a nova sociedade e definhar-se.

comuns" do Estado, que superficialmente parecem coincidir com os da própria classe operaria. Na
realidade, a tarefa da burguesia consiste em liquidar os sindicatos como organismos da luta de classes e
substituí-los pela burocracia, como organismos de dominação dos operários pelo estado burguês. Em
tais condições, a tarefa da vanguarda revolucionária consiste em empreender a luta pela total
independência dos sindicatos e pela criação de um verdadeiro controle operário sobre a atual
burocracia sindical, que foi transformada em administração das estradas de ferro, das empresas
petrolíferas e outras.” (Trotsky; Os Sindicatos na Época da Decadência Imperialista, 1940; grifos nossos;
fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1940/mes/sindicato.htm)
398
O trabalhador europeu aprendeu, entre outras coisas, que “tem direito a ter direitos”. Há, com a
crise mundial, no sentido oposto, a tendência de o imperialismo mostrar sua essência. Tudo será
mediado, como motor da história, pela luta de classes.
TODOS OS PARTIDOS REVOLUCIONÁRIOS TÊM PRAZO DE VALIDADE

“Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil,


segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e
é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma
decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no
pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um
grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos
nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato,
replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de
convidá-los a seguir um caminho melhor! Sim, senhores, são livres não somente para
convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos,
inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas
forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse
caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade,
porque também nós somos "livres" para ir aonde nos aprouver, livres para combater não
só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!”
Lenin, O Que Fazer?

Por que todas as organizações bolcheviques, ao longo de um século, cedo ou tarde,


degeneraram? Essa é uma pergunta cuja resposta apenas pode ser descoberta por fora do
dogmatismo ou da fé cega; sobre esse tema nos debruçaremos.

Uma avaliação objetiva revela o padrão. Mesmo o mais revolucionário dos partidos
da história, dirigente da mais incrível revolução social, degenerou dez anos após seu
próprio heroísmo. Assim também, a organização diretamente instruída por Engels, o
poderoso Partido Social-democrata Alemão, tornou-se o maior símbolo reformista de
todo o mundo. Para abarcarmos um terceiro exemplo, entre centenas, o SWP norte-
americano, educado com imensa atenção por Leon Trotsky e Cannon, degenerou-se
quando da renovação dos quadros, pós-II Guerra. O que faz de partidos realmente
revolucionários caricaturas de si, centristas e reformistas?

O materialismo histórico ensina-nos: as superestruturas – como a organização


política – são uma substância gerada pelas relações econômicas e sociais em uma
realidade dada. Claro que, uma vez existente, a forma também influencia o conteúdo e é
um elemento essencial, importante; porém, em primeira e última instância, as
organizações humanas têm sua natureza determinada pela base sobre a qual se erguem,
e que as geram.

Voltemo-nos para a linguagem prática. Um “centro comunista” pode ter três


caminhos:

1. Dirigir sua classe em uma revolução mundial e assim fazer surgir uma sociedade
onde partidos são descartáveis, definham;
2. Ser absorvido pela sociedade capitalista, adaptando-se: de um vírus torna-se
“mero” parasita mutualista;
3. Ser destruído.
Percebemos o fim do conteúdo-forma como algo inevitável; a questão, portanto,
centra-se em como isso irá acontecer – de modo nobre ou mesquinho?
Aí está a questão. Uma organização centralista e democrática tem um período de
vida – de sua essência – mais ou menos longo a depender da realidade concreta e de
suas decisões; isso significa a possibilidade de adiar por muito tempo o fim de sua
natureza-essência revolucionária, mas não de modo indefinido:

a) O Partido Social democrata-Alemão, e a maioria da II Internacional, degenerou-


se com a mudança da realidade – era inevitável. Com o fim do período progressivo,
reformista, do capital, e o início de uma nova etapa e época, essas formas de luta
mudaram-se;
b) Tão logo entramos em uma etapa contrarrevolucionária – derrota da segunda
revolução alemã, fascismo na Itália, isolamento da URSS, etc. –, o stalinismo degenera
todos os partidos revolucionários surgidos na etapa revolucionária anterior;
c) Pós-II Guerra, o Estado de bem-estar social na Europa, a prosperidade
hegemônica nos EUA, as ditaduras estalinistas nos países de base camponesa (China,
etc.) fecharam a situação revolucionária aberta com a derrota do nazi-fascismo. Salvo
heroicas exceções, o leninismo-trotskismo acomodou-se, degenerou-se – também.

Percebemos, assim (e este é um importante foco do texto), que as mudanças de


situação, etapa e época399 – ou seja, em principal da base social-econômica da
superestrutura – mudam, sempre e em alguma pesada medida, os organismos políticos
operários. Ao mesmo tempo, são medições variáveis: muito mais fácil resistirem a uma
mudança de situação a uma de etapa ou época – em real, imensamente mais fácil.
De Leon Trotsky, apresentamos uma passagem esclarecedora, do subcapítulo
intitulado “As causas da derrota da Oposição e suas expectativas” (1927), em polêmica
no VI Congresso da Internacional Comunista. Assim ele diz (p. 211, 212):

(…) A primeira investida contra a Oposição foi efetuada imediatamente depois da


derrota da revolução alemã e serviu, de certo modo, como seu suplemento. Essa
investida teria sido totalmente impossível coma vitória do proletariado alemão, que teria
levantado extraordinariamente a moral do proletariado da URSS e portanto também seu
poder de resistência à pressão das classes burguesas, internamente e externamente, e à
burocracia partidária que transmite essa pressão.
(…)
Agora, no entanto, a mudança abrupta e prolongada da conjuntura política depois
de 1923 para a direita e não para a esquerda já está bem estabelecida. (…)
Consequentemente, (…) a intensificação da luta contra a Oposição e o acentuar dessa
luta até o ponto de expulsões e exílios estão intimamente ligados ao processo político de
estabilização burguesa da Europa.
(…)
O crescimento da pressão econômica e política das camadas burocráticas e
pequeno-burguesas no país paralelamente às derrotas a revolução proletária na Europa e

399
Situação: define-se a partir da conjuntura econômica somada dialeticamente com os estados da luta
de classes, das variadas instituições e da superestrutura subjetiva (moral, instrução, filosofias, etc.);
Etapa: define-se pela capacidade e natureza organizativas reais ou latentes das diferentes classes
antagônicas – o nível de possibilidades para ofensivas e contraofensivas;
Época: divide-se em duas – 1) progressista, reformista, quando um sistema está saudável, em pleno
desenvolvimento das forças produtivas; 2) revolucionária quando o desenvolvimento das forças de
produção exige uma nova sociedade, uma nova superestrutura, um novo sistema socioeconômico.
Ásia – essa foi a corrente histórica que enrolou o pescoço da Oposição durante esses
quatro anos. Quem não entender isto não vai entender nada.

Lênin assim define a causa da degeneração de quase toda a II Internacional:

“É evidente que tão gigantesco superlucro (visto ser obtido para além do lucro que
os capitalistas extraem aos operários do seu “próprio” país) permite subornar os
dirigentes operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos
países “avançados”, subornam-nos efetivamente, e fazem-no de mil e uma maneiras,
diretadas e indiretadas, abertas e ocultas.”

“Essa camada de operários aburguesados ou de “aristocracia operária”, inteiramente


pequenos burgueses pelo seu gênero de vida, pelos seus vencimentos e por toda a sua
concepção do mundo, constitui o principal apoio da II Internacional e, hoje em dia, o
principal apoio social (não militar) da burguesia. Porque são verdadeiros agentes da
burguesia no seio do movimento operário, lugar-tenentes operários da classe dos
capitalistas (labor lieutenants of the capitalist class), verdadeiros veículos do
reformismo e do chauvinismo. Na guerra civil entre o proletariado e a burguesia
colocam-se inevitavelmente, em número considerável, ao lado da burguesia, ao lado dos
“versalheses” contra os “communards.”” (Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo;
prefácio à edição alemã, p. 4.)

Reconhecer este limite ajuda-nos. De qualquer maneira, a formação de partidos


com democracia e centralismo, de quadros, de operários e precarizados, da periferia
urbana, de gente amante da teoria e da prática, pode fazer o projeto alcançar seu
fundante objetivo.
N’O programa de Transição, Leon afirma que “a crise histórica da humanidade
reduz-se à crise da direção revolucionária”. A desigualdade entre o velho e o novo tem
dado a esta crise um caráter, até aqui, permanente; etapas mudaram antes do pleno
desenvolvimento dos partidos revolucionários, situações revolucionárias ocorrerem na
maior parte do mundo sem presença firme de reais organizações comunistas. “Nossos
sonhos são os mesmos há muito tempo, mas já não há mais muito tempo para sonhar”:
esta contradição entre necessidade de amadurecimento e gestão temporal pode ser
diminuída pelo período de decadência da fase imperialista como impulso, se com boas
políticas, desde o subsolo, para o fortalecimento em saltos das organizações do tipo
bolchevique – beiramos a etapa mais revolucionária da história universal (propomos a
leitura da nota de fim400).

400
Existe uma tendência, também dependente do fator subjetivo (partido), a vagas revolucionárias cada
vez mais socialistas – vejamos a encadeação: 1) as revoluções de 1848, primavera dos povos – aqui, a
burguesia deixa de ser revolucionária; 2) situação revolucionária europeia em auge com a Comuna de
Paris, 1871, e sua derrota correlacionada à II revolução industrial; 3) situação e etapas revolucionárias
ao fim da I Guerra Mundial com a – e por causa da – revolução russa; 4) Final da II Grande Guerra, dando
moral global às ideias socialistas, coma derrota do nazifascismo, mas com impulso qualitativo
bloqueado, tanto quanto possível, pelo corrente estalinista; 5) o início da década de 1970 abre a
situação mais revolucionária da história e coloca 1/3 da humanidade em sociedades não-capitalistas, de
Quando o programa de um partido torna-se atrasado e obsoleto, muda-se o eixo e
degenera-se. Tudo o que é sólido desmancha-se no ar; reivindicar uma forma-
organização não supõe seu fetiche, sua cristalização ideal – ao contrário: exige alerta.
Toda e qualquer organização revolucionária tem prazo de validade, definha. E
resolvemos o problema assim, sem atalhos: adiar esta possibilidade tanto quanto
possível, precaver-se401; reorganizar-se, ruptura, sempre quando necessário; e que este
definhamento ocorra apenas, esperamos, por sua inutilidade quando no socialismo
avançado.

transição, sob Estados Operários Burocratizados. Assim, a próxima pode se concretizar ou não se houver
ou não um Partido Mundial da Revolução preparado para o porvir.
401
Recordemos que a construção de um partido da revolução é um processo não linear, com avanços e
retrocessos, crescimento e diminuição conjunturais. O partido bolchevique reunia poucas centenas, e
meio-dispersos por razão da ilegalidade; já após fevereiro de 1917 (até outubro) tinha centenas de
milhares de militantes, tendo de “fechar as portas” para poder gerir o crescimento e também evitar a
entrada de membros duvidosos – que, ao verem o partido crescer e liderar, queriam “crescer-se”
tentando ganhar cargos etc. –; o próprio partido de Trotsky, Interbairros, entrou no partido de Lenin, e
escolheu 1/3 do novo comitê central, após este tornar-se centro gravitacional revolucionário. Não há
atalhos. Assim, buscar o reagrupamento dos revolucionários apenas por rupturas e fusões é limitado e
aceita com passividade as limitações da conjuntura; políticas corretas são o primeiro e principal passo
para as organizações crescerem, aglutinarem, darem saltos de qualidade e, desse modo, serem centros
de gravidade a atrair indivíduos e agrupamentos.
SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA

A esperança vinda da Grécia (2015) tem levado a esquerda a imensos debates e


diferentes interpretações. O que significa este novo fenômeno? Qual dose de sentido
devemos dar? Progressivo, muito progressivo, (potencialmente) revolucionário ou
reacionário? Diante da maior crise da história do capitalismo, uma nova fonte de defesa
e luta? Pretendemos responder a estas questões desde a busca do que significa o projeto
partidário em sua essência.

AS BASES MATERIAIS

Toda organização é uma substância gerada pelas relações da sociedade. Devemos


buscar na dinâmica social a ordem, a base, as influências relativas e absolutas.
Enumeraremos o que, a nosso ver, consideradas as informações expostas neste
livreto, serviu e serve de combustível para os organismos que estamos estudando – três
elementos centrais:

1.
A queda do muro de Berlim e dos ex-Estados operários proporcionou um enorme recuo
nas ideologias socialistas, na consciência das massas e da vanguarda;

2.
A enorme urbanização consolidou a urbanidade em nível planetário. É um fator
determinante para o surgimento de uma imensa massa assalariada não-operária, de uma
sub-classe de desempregados, de uma numérica classe média empobrecida402. Por outro
lado, por automação e fragmentação do processo produtivo e diminuição nos países
centrais, a classe dos produtores – os operários – foi, em inúmeros países, reduzida e/ou
fragilizada;

3.
A principal tática do imperialismo para perpetuar sua ordem tem sido o – e a ideologia
do – valor universal do voto e da democracia representativa (com variante
“participativa”). Chamamos "reação democrática", ou seja: apostar primeiramente em
eleições, em plebiscitos, em constituintes ao invés da repressão, do golpe ou da invasão.

São os principais elementos da origem dos anticapitalistas. Neles há a fonte da


utópica proposta "radicalização da democracia". É a mesma antiga relação da
vantagem instintiva do campesinato, quer seja, o número. Os setores oprimidos não-
operários são uma enorme massa urbana e sua força viria, portanto, pela quantidade e

402
Ruy Braga, um dos defensores do termo “precariado” – uma na medida em que ser do proletariado é,
em geral, ser precarizado, mesmo incluindo os assalariados não operários neste conceito – afirma:
“Tendo em vista a composição social do movimento, não é estranho que suas lideranças sejam
cientistas sociais da Universidade Complutense de Madri, tais como Pablo Iglesias, recém-eleito
deputado europeu, e Íñigo Errejón, coordenador-geral da campanha do partido para o parlamento
europeu. Da crise de financiamento das universidades às condições degradantes do mercado de
trabalho, uma geração de estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam tem estimulado o
diálogo das ciências sociais com públicos extra-acadêmicos.” Organizando a indignação; link:
https://blogdaboitempo.com.br/2014/11/10/organizando-a-indignacao/
não pela qualidade enquanto classe; um partido que expresse este desejo,
inevitavelmente, surge (somos 99%, gritavam os protestos).
As organizações desse tipo são, então, pequeno-burguesas, urbanas e tendem a ser a
expressão também do “precariado” não-operário. A escassez de verdadeiros proletários
em todas as suas instâncias internas tem por fonte as relações acima colocadas mais
uma: construir-se nas fábricas é difícil e exige enfrentar sindicatos muito fortes e
conservadores, burocratizados. O peso militante no movimento e, em geral, nos
organismos tradicionais do movimento é baixo403 (vide caso do Bloco de Esquerda, de
Portugal, em relação ao PCP).
Por este ponto de vista, na orientação organizativa, justificamos a valorização da
liberdade individual e formal dos militantes, as tendências por dissolver em outros os
agrupamentos internos, o fracionamento em permanência404, a propaganda de uma
esquerda renovada e sem recorte de classe muito definido.
A valorização da atuação enquanto partido político (algo, em si, positivo, pois vai
além do sindicalismo; trabalho com as figuras públicas, panfletos partidários, busca por
espaço na mídia, propaganda dos parlamentares, etc.) tem este norte claro: mostrar-se
como uma saída eleitoral progressista em um mundo decadente. Por outro lado, vemos
com clareza um foco especial, entre os anticapitalistas, nas – importantes, claro –
palavras de ordem democráticas. Há quatro razões fundamentais:

1.
Vivemos uma fase histórica onde o capitalismo não pode promover estáveis e profundas
reformas. Por isso, Syriza boicotou o resultado do plebiscito (2015) – “Não” contra a
chantagem da UE – que ele próprio ganhou (!)405;

403
Syriza, com influência eleitoral de massas e principal organização anticapitalista, fica muito atrás do
PC grego quanto ao peso sindical que, por sua vez, não é majoritário: “Na Grécia, o partido comunista se
destaca por sua dinâmica suis generes. Ao contrário da grande maioria dos PCs europeus, que ao longo
dos anos 1990 se alinharam à socialdemocracia moderada, o KKE fez um caminho de sentido inverso. Ao
mesmo tempo, manteve importante peso político e social em seu país. Nas eleições de 2015,
conquistaram 5.5% dos votos, um resultado dentro da média do partido ao longo dos últimos 15 anos.
De longe a maior corrente da extrema esquerda no movimento sindical, o KKE tem localização
privilegiada até mesmo no setor privado. Organizou a principal greve metalúrgica ocorrida em Atenas
nos últimos anos, que em 2012 parou o setor por nove meses. Ele também é muito maior que o Syriza
entre os estudantes. (LOUNTOS, 2015)”
(…)
“Apesar de possuírem 10 dos 45 assentos da direção da confederação sindical nacional, o KKE não é a
maior força do movimento sindical no país. Os dois partidos tradicionais do regime democrático, o
PASOK e o Nova Democracia, são historicamente as organizações majoritárias, não só do sindicalismo,
mas da vida social grega.” – Aldo Sauda; Syriza: partido e movimento.
http://blog.esquerdaonline.com/?p=2830
404
A existência permanente de grupos expressa a heterogeneidade das classes médias politicamente,
indiretamente, representadas dentro das correntes internas. Do mesmo modo, a busca por líderes
políticos ligados à pequena burguesia – economistas, intelectuais, etc. – para a formação de governos
frente-populistas é análogo à formação de frentes populares em torno de líderes operários, ou seja, a
ideia de que sua base social tem um governo “seu” e expressa, ao mesmo tempo, o desejo de elevar-se
socialmente por parte dos setores médios. Uma forma de expressãode “crescer e mudar por meio da
educação”. Estas organizações podem também, com o aprofundamento da crise, sob certas
circunstâncias, elevar líderes do proletariado ao posto de principal figura pública caso isto facilite a via
eleitoral.
405
Isto é ainda mais intenso se considerarmos que palavras de ordem mais profundas como “Sair do
Euro” e “Sair da União Europeia” são, em si, democráticas e apenas potencialmente – sob certas
circunstâncias – transicionais (se, mais provável, agregadas a outras propostas classistas e transicionais).
2.
O ideal democratizante é uma alternativa às ideias socializantes desde o
enfraquecimento das ideologias igualitaristas na década de 1990;

3.
Muitas reformas democráticas são viáveis e até positivas ao capital. Legalizar a
maconha, por exemplo, pode ser uma nova fonte de lucro bilionário;

4.
Uma parte da classe média e dos militantes de esquerda desta classe necessitam, para si,
mais de direitos democratizantes já que possuem alguma estabilidade social e
econômica. Defendem, por isso, o tipo de direito – na aparência – "individual", do
indivíduo: ao aborto, ao uso da maconha, a mais mecanismos de voto, etc.

Partidos como o Syriza e o Podemos, com dirigentes profissionais liberais e


pequeno-burgueses, dos setores aristocráticos das classes médias (advogados,
professores universitários, economistas, etc.), expressam, em larga medida, a origem
popular, entre o burguês e o operário, de sua vanguarda e militantes. Inclui o seguinte:
um setor social mais letrado do que as gerações passadas, não-proletária (operariado),
mais instável socialmente e uma parcela mais jovem.

Base social do reformismo e do centrismo, os servidores públicos, também muito


presentes entre os anticapitalistas, são classe média assalariada precária ou aristocrática
a depender da qualidade de vida. Explorados e oprimidos, mas não produzem valor, não
possuem um trabalho necessariamente coletivo nem manual. Inconscientemente, o
interesse de classe dos trabalhadores do Estado é fortalecer o Estado Burguês como
forma de fortalecer suas condições de trabalho e de vida406. O interesse estratégico dos

406
Base material para uma esquerda keynesiana. Em específico sobre estatismo, Engels comenta: “E
digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um
passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja
levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já
efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da
nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck
empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie ~e falso socialismo, que degenera de
quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização,
mesmo nos adotados por Bismarck, vã uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo
fosse socialismo, seria necessário inclui, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo.
Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por
sua conta as principais linhas térreas do pais, eu quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade
econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura
e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter
o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova
fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta
nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria
necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo,
a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos
prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um
homem muito esperto (Do socialismo tópico ao socialismo científico; Nota13, de Engels; fonte:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1880/socialismo/cap03.htm). A propriedade pública é
progressiva em relação à privada, pois desmistifica a “intocabilidade” desta última, mas nada tem de
socialismo ou “administração operária e democrática da empresa”. Sob relações capitalista, a
propriedade estatal é capitalista e tanto a é mais quanto mais busca o D-M-D’, o lucro.
operários é tomar as fábricas (não as destruir) – para isso, precisam destruir o Estado.
Ao contrário, esse não é por si mesmo um interesse estratégico dos servidores públicos,
por isso também pertencem à classe média.

Nas últimas décadas, tivemos um fenômeno novo: altíssima urbanização. Isso


obriga o Estado a criar um corpo muito maior de assalariados ao seu dispor com o
mínimo recurso possível destinado; diferente da Rússia de 1917 com suas únicas duas
grandes cidades, uma massa enorme de precários surge. Como setor intermediário, esses
assalariados têm duplo caráter, comum aos setores da classe média407: de um lado, são
mal pagos, subordinados, humilhados e sofrem alto stress; de outro, seus trabalhos
ajudam na administração e manutenção da ordem, livram-se do trabalho fabril e adotam
o trabalho intelectual. Um exemplo; a função estratégica do professor é implantar a
ideologia, o método, a visão e a disciplina burguesa na mente e nos hábitos do alunado
– e isso ele faz sem o saber, sem o desejar. O professor cumpre uma tarefa de
dominação burguesa e ideológica, de adestramento e repressão mentais. No fundo, nada
muito diferente de um policial408, embora a educação seja importantíssima; no
capitalismo, a educação será sempre ou quase sempre burguesa, a serviço da burguesia.
De imediato, apenas a classe operária e seu partido podem ganhá-los para outro
caminho, para outro Estado409.

No campo estratégico e teórico-prático, por generalização, podemos expressar a


questão do Estado nas diferentes classes:
1. Concepção burguesa: o Estado é uma ferramenta da e para toda a sociedade,
contanto e sempre que respeite a propriedade privada;
2. Concepção da classe média: o Estado pode ser pressionado e gerido para este ou
aquele rumo, sua função deve ser gerar e manter um equilíbrio das classes ao
gerar qualidade de vida, por meio de governos e decisões progressivos, pois é
uma ferramenta mais ou menos neutra, a ser disputada – por dentro;
3. Concepção proletária (operária): o Estado é uma ferramenta de dominação de
uma classe sobre outra, sua essência são as forças armadas, para isso procura
manobrar por meio da dominação, antes de tudo, ideológica a fim de servir ao
seu caráter de classe inerente. Deve, portanto, ser destruído – por fora.

407
Os marxismos sociológico (portanto, amputado e parcial) e sindicalista consideram quase todos os
assalariados proletários ou operários. Mais importante que definir um objeto é descrevê-lo; de qualquer
modo, localizá-los como um setor diferente do da produção é a mínima precisão conceitual aceitável,
tolerável; porque senão transforma-se num debate de conceitos, lógico-formal, de dicionário, de
definição pura.
408
Em “Aonde Vai a França”, L. Trotsky explica: “O proletariado produz armas, transporta-as, constrói os
arsenais em que são depositadas, defende esses arsenais contra si mesmo, serve no exército e cria todo
o equipamento deste último. Não são fechaduras nem muros que separam as armas do proletariado,
mas o hábito da submissão, a hipnose da dominação de classe, o veneno nacionalista. Basta destruir
esses muros psicológicos e nenhum muro de pedra resistirá. Basta que o proletariado queira ter armas e
as encontrará. A tarefa do partido revolucionário é despertar no proletariado essa vontade e facilitar
sua realização.” (Tradução extraída do site Arquivo Marxista na Internet.) Portanto, o reino da repressão
física necessita do reino do controle das ideias e valores para ser eficiente.
409
Participar das eleições e parlamento é algo, portanto, tático e não permanente; exigir direitos
democráticos contra ditaduras tem o mesmo sentido.
Pode haver, aqui e ali, concepções intermediárias e intermediadas, no entremundos,
ou de influência de uma classe sobre outra410. Mas estas são as concepções gerais a
guiar todos os pensamentos particulares e partidos, ou seja, tem materialista origem de
classe.

PARTIDOS FRENTE-POPULISTAS

Um partido revolucionário também pode, via classe operária, ser o representante


fiel dos precários não-operários e urbanos. Como ocorria com o antigo setor popular, o
campesinato, são uma massa fluida e disputável.
Por este eixo, queremos apresentar três categorias de partidos de esquerda, sem
anular outras categorizações:

1.
Partidos frente-populistas.
São organizações que, de uma forma ou outra, dizem aos trabalhadores que a mudança
vem pelo voto ou outro meio que não seja a destruição violenta do Estado burguês. Os
"anticapitalistas" são um exemplo; podemos agregar os reformistas, os centristas
(costumam ser as alas minoritárias no fenômeno que aqui descrevemos411), os neo-
estalinistas, os castro-chavistas etc.

410
O centrismo é um exemplo ao, sendo reformista, adotar aspectos do bolchevismo. No mais, a
tendência centrista tende a ser um fenômeno mais presente com a crise mundial, radicalizando
correntes políticas e formando novas, entre a concepção do reformismo e a revolucionária.
Outro exemplo é a concepção do lupemproletariado em defesa da liberdade individual total, prazer
imediato, não organização, não critérios etc. Jovens e parte da pequena burguesia podem ter mais
simpatia por tais concepções – base de parte do anarquismo.
411
“Quando se oscila à esquerda e afasta as massas do reformismo, o centrismo cumpre uma função
progressiva; não falta dizer que isso não nos impedirá, chegado o caso, de continuar denunciando a
hipocrisia do centrismo, já que a galinha progressiva acabará abandonada, cedo ou tarde, nas margens
do lago. Quando, por outra parte, o centrismo trata de distanciar os operários dos objetivos comunistas
para facilitar – sob a máscara da autonomia – sua evolução ao reformismo, cumpre uma tarefa que já
não é progressiva e sim reacionária. Esse é, na atualidade, o papel que desempenha o Comitê pela
Independência Sindical.”
"Mas, essas são quase as mesmas palavras empregadas pelos estalinistas", repetirá Chambelland; já o
escreveu. Seria inútil perguntar quem desenvolve uma luta mais séria e implacável contra a política
mentirosa dos estalinistas: o grupo de Chambelland ou a Oposição Internacional de Esquerda
comunista. Todavia, um fato é certo: a orientação de nossa luta é diametralmente oposta à da "luta"
dos "autonomistas", porque nós seguimos a trilha marxista, enquanto que Chambelland e seus amigos
seguem a trilha reformista. Com certeza não o fazem conscientemente: jamais! Porém, por regra geral,
o centrismo nunca segue uma política consciente. Acaso uma galinha consciente se sentaria para chocar
ovos de pato? Claro que não.”
“Em tal caso – poder-se-ia perguntar –, como se pode acusar de centrismo a dois antípodas como
Chambelland e Monmousseau? Entretanto, isso somente pode parecer paradoxo a quem não
compreende a natureza paradoxal do centrismo: nunca é igual a si mesmo e nem se reconhece no
espelho, ainda que bata o nariz contra o mesmo.” (Trotsky;
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/05/28.htm)
"Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados de atribuir os fenômenos multiformes e
contraditórios à pequena burguesia. E efetivamente, sob a categoria de "pequena burguesia", é preciso
que se inscrevam fatos, idéias e tendências que, à primeira vista, são incompatíveis. Possuem um
caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o movimento radical na reforma comunal; os
jacobinos pequeno-burgueses franceses e populistas (narodniki) russos; os proudhobianos pequeno-
burgueses; os anarossindicalistas franceses, o "Exército da Salvação", o movimento de Gandhi na Índia
etc. Um quadro ainda mais variado se apresenta se passarmos para o domínio da filosofia e da arte. Isto
2.
Os revolucionários.
Aqueles que veem a derrubada do Estado, pela revolução, como saída. Usam, pra isso, a
soma dos meios legais e clandestinos;

3.
As seitas.
Organizações ultra-esquerdistas, sectárias, auto-proclamatórias, anarquistas pós-
modernos, que desprezam a política como mediação, como caminho, entre o real e o
ideal, etc.

SÍNTESE

Podemos resumir o fenômeno assim:

1. Partidos frente-populistas;
2. Filhos da atual sociedade capitalista surgida na década de 1970 e consolidada na
de 1990412;
3. Representam as numerosas classes médias urbanas com maiores tendências, por
razão da decadência capitalista, à esquerdização413;
4. Representam os anseios dos setores populares urbanos pelo instinto do número,
pelo voto;
5. Se apoiam na ideologia capitalista do sufrágio universal;
6. Possuem baixo peso operário;

quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isso quer dizer apenas que a pequena
burguesia é caracterizada por uma heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde
com o proletariado e passa para o lupem-proletariado; no alto, ela se estende à burguesia capitalista.
Pode apoiar-se nas antigas formas produtivas, mas pode depressa desenvolver-se também na base da
indústria mais moderna (novas classes médias). Não é de se admirar que se enfeite ideologicamente
com todas as cores do arco-íris. O centrismo no meio do movimento operário representa, num certo
sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa de qualquer espécie representa em relação
à sociedade burguesa em geral. O centrismo reflete os processos de evolução do proletariado, o seu
desenvolvimento político, assim como sua decadência revolucionária, ligada à pressão exercida sobre o
proletariado por todas as outras classes da sociedade. Não é de se admirar que a querela do centrismo
se distinga por tal variedade de cores! (...) é indispensável descobrir, por meio da análise social histórica
concreta, a natureza real do centrismo da espécie em questão." Fonte: Leon Trotsky – Revolução e
Contrarrevolucão na Alemanha.
412
O PT brasileiro surgiu como um partido operário clássico, com direção burocrática, a partir dos
sindicatos. Com as mudanças da década de 1990, tendeu a torna-se um partido anticapitalista; mas, por
sua origem, fico hibridado entre as duas formas.
413
A “classe média assalariada e precária” não estava clara e perceptível para Trotsky, sendo ele quem
melhor expôs o que é a moderna classe média: "Os principais efetivos do fascismo continuam a ser
constituídos pela pequena-burguesia e pela nova classe média que se formou: pequenos artesãos e
empregados do comércio nas cidades, funcionários, empregados técnicos, intelectuais, camponeses
arruinados (...) mil operários de uma grande empresa representam uma força maior do que a de um
milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas esposas e sogras". (p. 45, 46) "[A burguesia]
conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena burguesia, mas
também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-burguesia – a
burocracia operária". (grifo nosso.) (p. 284) (Trotsky, Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha.
São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011)
7. Frágil relação orgânica com os movimentos e os organismos de mobilização
(sindicatos, etc.);
8. Reúnem em si certas características "de luta", "de combate" por causa da
decadência social, pela fluidez das camadas médias que representam, para canalizar a
indignação para o voto;
9. Privilegiam algumas pautas democráticas – do direito do "indivíduo" – para
representar sua base, sua ideologia e por o capitalismo não permitir reformas de outro
tipo.

A extrema-esquerda eleitoral, os anticapitalistas, é a expressão oposta – do ponto de


vista reformista e parlamentarista – da chamada extrema-direita eleitoral. Esta última,
burguesa, procura aglutinar as camadas médias urbanas mais favorecidas, ricas e,
através delas, influenciar as camadas mais pobres, precarizadas e até o voto proletário.
Assim como os revolucionários podem participar de partidos frente-populistas por um
curto tempo, organizações nazistas podem compor partidos de direita ou de extrema-
direita eleitoral por um período mais ou menos longo.

Os partidos anticapitalistas são, assim, uma versão nova do reformismo clássico.

“Os democratas pequeno-burgueses, esses pseudo-socialistas que substituíram a


luta de classes por suas fantasias de harmonia entre as classes, fizeram da transformação
socialista uma espécie de sonho: para eles, não se trata de derrubar a dominação da
classe exploradora, mas de submeter paulatinamente à maioria a minoria consciente do
seu papel. O único resultado dessa utopia pequeno-burguesa, indissoluvelmente ligada à
idéia de um Estado por cima das classes, foi a traição dos interesses das classes
laboriosas, como o provou a história das revoluções francesas de 1848 e de 1871, como
o provou a experiência da participação “socialista” nos ministérios burgueses da
Inglaterra, da França, da Itália e de outros países, no fim do século XIX e começo do
XX.”

O Estado e a Revolução - Lenin

INDICAÇÕES:

Organizando a Indignação (Ruy braga):


http://blogdaboitempo.com.br/2014/11/10/organizando-a-indignacao/

A Crise do NPA (Novo Partido anti-capitalista, da França):


http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=3088

Onde está o NPA?


http://www.ler-qi.org/Onde-esta-o-NPA

Artigos de Aldo Sauda sobre o Syriza:


1 http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2830
2 http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2850
3 http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2888

A organização como uma questão estratégica: passado e presente (Álvaro Bianchi)


http://www.pstu.org.br/node/15409

Especial sobre o PODEMOS de Corriente Roja:


http://www.litci.org/index.php/especiales/espanha/podemos

5 Teses Sobre a Revolução Permanente no Século XXI:


http://umblogamaisnessemundo.blogspot.com.br/2015/03/teses-para-revolucao-
permanente-no.html
CRÍTICA AO REGIME LENINISTA PROPOSTO POR MORENO

“A história de nossa corrente é a história de seus erros.”


N. Moreno

“Não podemos aprender a resolver os problemas de hoje pelos novos métodos se a


experiência de ontem não nos abriu os olhos para ver onde foi que estavam errados os
antigos métodos.”
Lenin, Obras Completas, vol. XXIII, p. 90.

“Disciplina é liberdade.”
Renato Russo

“O regime desleal eis o maior dos perigos. Certo, não conhecemos normas
imutáveis de moralidade nem que possam ser impostas de fora. O fim justifica os meios.
Mas o fim deve ser um fim de classe, revolucionário, histórico; então os meios não
podem ser desleais, desonestos, repugnantes. Porque a deslealdade, a má-fé, a
desonestidade, podem dar até certo ponto resultados muito ‘úteis’; mas se forem
aplicados, durante um longo período, eles solapam a própria força revolucionária da
classe, a confiança no seio de sua vanguarda.”
Trotsky, A Moral Deles e a Nossa, 1979, p. 144.

O Camarada Stalin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem concentrado em suas


mãos um poder enorme, e não estou seguro que sempre irá utilizá-lo com suficiente
prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, segundo demonstra sua luta contra o CC
em razão do problema do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação, não se
distingue apenas por sua grande capacidade. Pessoalmente, embora seja o homem mais
capaz do atual CC, está demasiado ensoberbecido e atraído pelo aspecto puramente
administrativo dos assuntos.
(…)
Stalin é bruto demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre
nós, comunistas, se coloca intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso proponho
aos camaradas que pensem a forma de passa Stalin a outro posto e nomear a este cargo
outro homem que se diferencie do camarada Salin em todos os demais aspectos apenas
por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento
aos camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer fútil tolice.
Porém eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir divisão e desde o ponto de vista
do que escrevi anteriormente sobre as relações entre Stalin e trotsky, não é uma tolice,
ou se trata de uma tolice que pode adquirir importância decisiva.
Lenin, Testamento Político

Como organizamos a democracia e o centralismo partidários em cada conjuntura?


Como estes dois elementos existem em cada momento político? Estas são as indagações
presentes nas entrelinhas deste capítulo. Aqui, dividiremos com o leitor uma critica à
concepção morenista de regime bolchevique, contrapondo-a à de Leon Trotsky no
fundamental.
Para que se desarme, de já, qualquer desconfiança, sugerimos as seguintes questões
preliminares: a) como explanaremos, Moreno acertou/errou; b) elaborou um regime
partidário conjuntural, temporário, sem atentar-se para as mudanças possíveis; c) o autor
deste artigo é morenista e absorve deste revolucionário, o maior trotskista depois de
Trotsky, um princípio: d) nunca dogmatizar os mestres e o marxismo.

A REALIDADE DE NAHUEL MORENO


O primeiro passo é contextualizar a situação. No pós-II Guerra o trotskismo era um
movimento marginal, sob a ameaça constante de degeneração ou, pior, de desaparecer.
Ao contrário daquilo que Trotsky prognosticara, o stalinismo tornou-se uma potência no
movimento de massas mundial. Deste período, mesmo as novas revoluções socialistas
atrapalhavam um trabalho verdadeiramente comunista; vejamos: a) a base social dessas
revoluções era camponesa, enquanto o trotskismo é uma corrente tipicamente operária;
b) desde o princípio, surgiram sob a mão repressora, antidemocracia operária, das
burocracias estatais. Estes elementos pendiam objetivamente para o desaparecimento
completo do trotskismo. Martín Hernandez, veterano trosko-morenista, relata:

“Lembro-me quando, em 1968, entrei no PRT – La Verdad da Argentina, que era


dirigido por Nahuel Moreno, o maior dirigente trotskista do pós-guerra. O partido,
após 25 anos de atuação e depois de ter sido protagonista de grandes acontecimentos
da luta de classes, como ter dirigido a grande greve metalúrgica de Buenos Aires, tinha
somente 200 militantes.
Da mesma forma, no Peru, apesar de ter dirigido a revolução agrária na década
de 1960 e de ter em nossas fileiras Hugo Blanco, o maior dirigente de massas do
trotskismo da época, nosso partido nunca teve mais do que 30 militantes.
Nunca me esqueço do informe que recebi, poucos meses após ter começado a
militar, sobre as forças da IV Internacional. Nosso partido era um dos maiores. Na
França, tínhamos 30 militantes; na Espanha e em Portugal, nenhum. No Brasil e na
Venezuela, tínhamos alguns contatos; na Colômbia e na América Central, nada.
E, em 1976 (após a derrota do imperialismo no Vietnã), na Itália, ganhamos para a
tendência bolchevique um grupo de estudantes secundaristas. E me lembro, como se
fosse hoje, da dura discussão que Moreno teve com aqueles jovens, pois eles queriam ir
militar na classe operária italiana e Moreno, que sempre teve a obsessão de inserir
nossos partidos e grupos na classe operária, após longas discussões, convenceu-os a
não irem para o movimento operário. Seu argumento foi muito simples: “Vocês ainda
são muito débeis e se forem para a classe operária o stalinismo vai acabar com vocês.”
O PC italiano tinha, naquela época, um milhão de filiados e controlava, com mão de
ferro, todo o movimento operário.”414

A duríssima dificuldade exposta é chave para compreendermos a atualização do


regime partidário proposta por Moreno. Um projeto partidário, com sua forma
organizativa, sendo uma superestrutura, deve ser explicada a partir da realidade que a
forma. Para isso, precisamos recordar que, com a revolução cubana, o imperialismo
patrocinou ditaduras militares por toda a América Latina, tradicional base territorial do
trotskismo bárbaro (morenismo). Inevitavelmente, agregou-se mais um importante
elemento impeditivo; este tipo hostil de situação alimenta características exóticas, de
seitas, nos partidos – e voltam-se para dentro de si. Segundo Cannon, relatando a
clandestinidade vivida pelo PC americano:

414
Artigo e relato completos em: http://blogconvergencia.org/?p=6227
“O movimento permaneceu ilegal desde 1919 até o começo de 1922 depois que o
primeiro choque das perseguições passou e os grupos e células se acostumaram a sua
existência ilegal, os elementos na direção que tendiam ao irrealismo ganharam força,
tanto e quanto o movimento estava então completamente isolado da vida pública e das
organizações operárias do país.
Então, eu, por minha parte, me dei conta pela primeira vez do completo mau da
enfermidade do ultra-esquerdismo. Parece ser uma lei peculiar que quanto maior é o
isolamento de um partido da vida do movimento operário, quanto menor é o contato
que tem com o movimento de massas, e quanto menor é a correção que este pode
exercer sobre o partido, tanto mais radicais se tornam suas formulações, seus
programas, etc. (…) Vocês vêm, não custava nada ser ultra-radical porque de qualquer
maneira ninguém lhe prestava atenção. Não tínhamos reuniões públicas, não tínhamos
que falar aos operários ou ver quais eram suas reações à nossas consignas. Assim, os
que gritavam mais forte em nossas reuniões fechadas se converteram em mais e mais
dominantes na direção do movimento. A fraseologia do "radicalismo" teve seu dia de
festa. Os anos iniciais do movimento comunista neste país estiveram mais que
consagrados ao ultra-esquerdismo.
(…)
O movimento teve uma vida interna muito intensa, até porque estava isolado e
voltado para si mesmo. As disputas fracionais eram ferozes e largamente
extenuantes.”415(Grifos nossos.)

COMO MORENO REAGIU


O que apresentamos levou Moreno a precaver-se das tendências degenerativas nos
partidos. Basicamente propôs: a) proibir a possibilidade de frações e tendências em
períodos não pré-congressuais; b) legalizar a possibilidade de fracionamento para
meses antes do congresso partidário. Podemos deduzir que a fórmula proposta pelo
argentino é útil para partidos clandestinos e muito minoritários ao girar a organização
para fora de si; porém, esta é uma verdade em parte. Queremos demonstrar ao leitor o
caráter antidialético da proposta deste marxista. Por isso, finalmente, vamos à defesa
dele, nas “Teses Para Atualização do Programa de Transição”:

Não pode existir democracia sem direitos para as tendências e as frações. Mas este
é um direito excepcional porque o surgimento de tendências e fracções é uma desgraça
para um partido centralizado para a ação. A discussão permanente em todos os órgãos
partidários é a mais grande ferramenta de elaboração política para um partido
trotskista. O partido deve viver discutindo sistematicamente. Tem que confrontar
experiências individuais ou de organismos distintos e setores de trabalho distintos para
que através do choque e da discussão surja una linha correta, a melhor resultante.
Porém esta virtude da discussão permanente se transforma no oposto quando um
partido vive discutindo permanentemente desde grupos organizados em frações e
tendências, e muito mais ainda se estas sobrevivem através do tempo (aqui notamos a
real origem de sua preocupação – comentário do autor). Quando isto ocorre, as frações
deixam de sê-lo para converter-se em camarilhas. O partido deixa de atuar em forma
unitária para e rumo ao movimento de massas para voltar-se para dentro, se paralisa,
cria um ambiente parlamentário de polémica permanente e inevitavelmente deixa de
415
Livro: A História doTrotskismo Norte-ameriano. Cannon. Fonte e livro completo:
https://www.marxists.org/portugues/cannon/1942/historia/cap01.htm
atuar de forma unitária e passa a ter como atividade principal a discussão, isto é, deixa
de atuar principalmente no movimento de massas. A discussão é um meio fundamental
e decisivo para nossa atividade, mas: só um meio. A existência de frações e tendências
permanentes transformam a discussão num fim em si e não num meio do centralismo e
da ação unida frente ao movimento de massas.416 (Grifos nossos.)

Nahuel Moreno inverteu causa e consequência. A origem do fracionamento


permanente era, como nos indicaram as citações de Cannon e Martín, a permanente
tendência à marginalização, a fragilidade interna. Ainda assim, o argumento
da Tese encontraria algum acordo em Trotsky? Não, ao contrário. Para este, a simples
possibilidade – hipótese – de existir tendências e frações era, em si, uma necessária
forma de pressão e controle da base sobre a direção e, por consequência, um mecanismo
antiburocrático; pois:

Naturalmente, grupos, assim como diferenças de opinião são um mal. Mas esse mal
é uma parte necessária do desenvolvimento dialético do partido, assim como as toxinas
o são na vida do organismo humano.
A transformação dos grupos em frações organizadas e fechadas é um mal muito
maior. A arte de dirigir o partido consiste precisamente em prevenir tal
desenvolvimento. É impossível chegar a tal ponto pela mera proibição.
(…)
Porque a tarefa não consiste em proibir frações, mas em evitá-las.417 (Grifo nosso.)

Como lemos, para Trotsky é o inverso. A contradição – e tudo é dialético –


apresenta-se como parte inerente da realidade, incluso a de um partido revolucionário.
Negar a contradição apenas muda ou camufla seu caráter. A possibilidade de um corpo
dirigente sofrer reclamações da base, de perder a direção, de se desmoralizar é – por si
mesma – um recurso democrático, um controle, um estado de alerta; além de abrir
espaço para que políticas erradas e irrealistas possam ser corrigidas. Sequer precisa uma
luta interna existir de fato: basta existir o mecanismo, o meio, uma pressão subjetiva
sobre os dirigentes. Porém, Moreno enfraquece a democracia vertical, da base para
direção, e mantém a horizontal, dentro dos organismos.

A DIALÉTICA DO REGIME
Ao mesmo tempo, há um acerto no erro de Moreno. Precisou adaptar o regime
partidário às duríssimas condições em que militara. Ou seja, a proposta dele seria
correta apenas conjunturalmente, mas nunca em permanência. Com o regime
partidário que propunha, ocorreu exato o que ele temia: “Assim evitaremos o grave
perigo de criar movimentos trotskistas com influência de massas que, chegado o
momento da ação, vejam-se anárquicos e incapazes de atuar com a centralização e
disciplina de um exército revolucionário.”418 Entretanto, foi isso de fato o que ocorreu
com o MAS da Argentina, criado por Nahuel, após adquirir influência de massas. Por
quê? Para responder em detalhes necessitaremos da dialética materialista.

416
Traduzido do Espanhol. Tese: El carácter de nuestro partido y de nuestra internacional – de: Teses
Para a Atualização do Programa de Transição. Fonte e livro completos:
https://www.marxists.org/espanol/moreno/actual/apt_4.htm#t38
417
Trotsky, Leon. STALIN, o grande organizador de derrotas. Sâo Paulo; Editora Instituto José Luís e Roa
Sundermann, 2010.
418
Idem ao 163.
A tendência geral da matéria é ir do simples ao complexo. Por exemplo, todo o
universo já foi composto por apenas um único/simples elemento da tabela periódica: o
hidrogênio. A gravidade, as supernovas, etc., por 13 bilhões de anos, fizeram surgir
elementos novos – quer dizer: um cosmos muito mais complexo419. Complexidade é,
necessariamente e inclusive, acúmulo maior de contradições, de diferenças internas.
Assim também acontece com partidos. Quando são marginais e sob ditaduras, precisam
de uma forma do regime; quando possuem influência de massas ou de vanguarda,
precisam mudar a forma de se organizar, senão implodem ou explodem. Podemos
formular, regra geral, o seguinte: quando a realidade e o partido estão mais complexos,
então o regime partidário deverá também tornar-se mais complexo.
Sugestivamente, Moreno descreve a realidade para justificar o afrouxamento da
democracia interna nos partidos:

Todos os nossos partidos e nossa Internacional em seu conjunto reivindicam


orgulhosos, como seu exemplo, a estrutura do Partido Bolchevique. Isso significa que
consideramos que nosso partido tem que estar formado por revolucionários
professionais por um lado e que deve ter um regime centralista democrático por o
outro. Reivindicamos mais que nunca o centralismo como a obrigação número um de
todo partido trotskista. Em esta época revolucionária o trotskismo é perseguido
implacavelmente, não só pelo estado burguês, os partidos burgueses e os bandos
fascistas, senão também pelos partidos oportunistas, os quais com toda razão nos
consideram seus inimigos mortais. Além do mais, nossos partidos se constroem para
levar a cabo a luta armada pela tomada do poder, a insurreição. Este supremo objetivo
só poderemos alcançar com uma rígida disciplina, cuja única garantia é o centralismo
e uma dedicação que só pode ter os militantes profissionais.420 (Grifo nosso.)

Mais uma vez, citaremos Trotsky contra Nahuel Moreno. Ao afirmar o caráter
temporário e excepcional, quando na fase final da guerra civil na URSS, da proibição de
frações no partido Bolchevique; o fundador do Exército Vermelho explica:

Mas a decisão do X Congresso do partido sobre frações ou grupos, que mesmo


então precisava de interpretação e aplicação jurídica, não é em caso algum um
princípio absoluto que está acima de todas as necessidades do desenvolvimento
partidário, independente do país, da situação e do momento.421

E critica o stalinismo, que impôs sua fórmula a todos os partido da IC:

Um partido novo representando um organismo político em completo estágio


embrionário, sem nenhum contato real com as massas, sem experiência de direção
revolucionária, sem formação teórica, já foi dos pés à cabeça com todos os atributos da
“ordem revolucionária”, ficando parecido com um menino de seis anos de idade que
usa a armadura de cavaleiro do pai.

419
A tendência do simples ao complexo é visto no todo; algumas partes deste todo, conectados e ao
contrário, podem ir do complexo ao simples. Exemplos: na medida em que o capitalismo amadurece
(todo) o trabalho tende a reduzir-se do trabalho complexo, especializado e de alta formação, ao
trabalho simples; a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, surgida no big bang, definha na medida
da expansão e complexificação do universo. Pode haver, também, negação da negação: do simples ao
complexo e, depois, do complexo ao simples.
420
Idem ao 163.
421
Idem ao 164. Pág. 203.
(…) Sem uma verdadeira liberdade na vida partidária, liberdade de discussão e
liberdade de estabelecer seu rumo coletivamente, através de agrupamentos, esses
partidos nunca se tornarão uma força revolucionária decisiva.422 (grifo nosso.)

Ainda sobre a dialética; quanto à forma (direção), é preciso considerar seu duplo
caráter: progressivo na medida em que preserva as conquistas, a experiência e a tradição
partidárias; regressivo na medida em que tende a ser conservadora, lenta, estável e a
ganhar mais ou menos autonomia em relação ao conteúdo (as camadas partidárias
abaixo da direção). Portanto, um regime centralista com democracia partidária deve
primar e, se necessário e possível, lutar para que o aspecto progressivo se sobreponha ao
regressivo ao que se refere a este caráter duplo da forma ou superestrutura. Aqui erra
Moreno. O regime que este propôs gera uma contradição forma-conteúdo tão logo uma
organização avance do simples ao complexo. Contradições acidentais, não-essenciais,
não-determinantes e relativas avançam, mesmo em silêncio, para contradições
permanentes, essenciais, determinantes e absolutas. Ao contrário do que pensa a lógica
formal, a contradição é o pai e a mãe do progresso; já a não contradição gera
monopólio, inércia, paralisia, não ou pouco movimento e, por fim, a morte; apenas
quando a contradição acumula-se por tempo demasiado, sem solução, sem salto de
qualidade, é quando o corpo degenera-se, ou sente febre altíssima, ou morre, ou
fragmenta-se423. Percebemos quanta diferença nos faz a dialética materialista!
Centralismo e democracia são, em um partido revolucionário, polos internos,
necessários, opostos, complementares e deve-se evitar o distanciamento um do outro ou
um excessivo domínio contraditório de um sobre o outro, e vice-versa. No partido, o
centralismo é uma reação à barbárie capitalista e necessidade de enfrentá-la, como a
greve, sendo uma expressão da barbárie, enfrentando o capital; a democracia representa
a necessidade do futuro, da desalienação e seu desejo, um leve sintoma do comunismo.
O capitalismo costuma empurrar-nos mais para a tendência centralista, com a
burocratização; no socialismo, a organização partidária, por outro lado, será cada vez
mais democrática, frouxa, aberta, pois tenderá ao completo desparecimento em uma
sociedade comunista; por hoje, ambos são completamente necessários, sendo a
democracia partidária o polo determinante.
Os fins justificam os meios, mas nem todo meio é válido. A democracia partidária
não é nem pode ser uma concessão da direção para sua base, senão, do contrário, tratar-
se-á de um “estalinismo esclarecido”. Todos os partidos estalinistas adotam o
centralismo; apenas partidos revolucionários procuram preservar em suas organizações
a superioridade da democracia interna bolchevique, polo determinante do centralismo-
democrático424.
Assim:

422
Idem ao 165. Pág. 206, 207.
423
Existem diferente medidas e níveis de contradição: as essenciais e não essenciais, determinantes e
não determinantes, relativas e absolutas, acidentais e necessárias; interno a um objeto e de relação
entre objetos etc. Necessitaríamos de espaço-tempo para desenvolver essas observações. Basta-nos,
aqui, um complemento: em nível concreto e subjetivo, a contradição é, de fato, em geral, um
desconforto – da tensão gerada por uma luta pura de ideias até a luta entre grandes monopólios
econômicos.
424
Apesar de seus erros na aplicação e teorização do centralismo democrático, Moreno soube perceber
que a grande diferença dos reais comunistas para com resto da esquerda é a defesa intransigente da
democracia operária nos sindicatos, nos partidos operários e nos Estados operários.
Centralismo democrático = supremacia da democracia, centralismo como aplicação
da democracia.
Centralismo burocrático = supremacia do centralismo, resquícios e aparência de
democracia como aplicação do centralismo. Uma inversão do polo determinante.

“Os tempos são outros; os erros, os mesmos.” O estalinismo, ao burocratizar o


partido bolchevique, representou o contrário, ao inverter os polos, de um partido da
revolução.

CONSEQUÊNCIAS
De forma preliminar, queremos escandir algumas consequências. Na medida em
que um partido torna permanente a proposta morenista, ocorre:
1. O partido vive um permanente ciclo crescimento-crise-ruptura;
2. Por isso, tende a estagnar em um tamanho estável;
3. Com a escassez de polêmica, atrasa-se a formação dos militantes e quadros;
4. Na medida em que a organização cresce, do simples ao complexo, o
organismo dirigente tende a ter autonomia, desloca-se, em relação a sua própria base.
São sinais de burocratismo;
5. Fica, a partir do quarto ponto, mais difícil a base controlar a direção;
6. Torna-se difícil perceber os erros e suas consequências na medida em que
faltam meios para expressar polêmicas;
7. Do ponto seis, as contradições inevitavelmente acumulam-se, tomando forma
fracional;
8. Via de regra, por causa da proibição, as frações/tendências já surgem
deformadas: na forma de disputas por cargos, frações de direção, grupos de amigos-
militantes, reuniões informais, frações secretas;
9. Psicologicamente, os militantes movem-se por fé, e não por confiar na
democracia interna; temem polêmicas; consideram toda diferença como divisão do
partido; a direção desenvolve arrogância e desconfia da base;
10. Tende a cometer mais erros políticos, com dificuldade de corrigi-los;
11. Ao impedir a existência de válvulas de escape, ocorrem rupturas, à esquerda e à
direita, por indivíduos e por grupos, em relação à posição oficial.

Para guiarmos os 11 pontos acima; Leon Trotsky explica que, nos momentos
centrais, a direção é sempre muito mais vacilante que a base:

“As bases do partido proletário são, por sua própria natureza, muito menos
suscetíveis à pressão da opinião pública burguesa. Mas certos membros do topo e
camadas médias do partido irão infalivelmente sucumbir em maior ou menor medida
ao terror material e ideológico da burguesia no momento decisivo. Não levar a sério
esse perigo é não saber lidar com ele. Não há, é claro, fórmula mágica contra isso que
sirva em todos os casos. Mas o primeiro passo necessário para lutar contra um perigo
é entender sua origem e sua natureza”.425

Apresentamos ao leitor algumas perguntas. Se há possibilidade de agrupamentos


internos apenas próximo aos congressos, então como os grupos conseguirão formar-se
já que estes disporão de pouquíssimo tempo para reunir membros e amadurecer ideias?
Como a base efetuará algum controle sobre os dirigentes? Como, em caso de grave erro,

425
Idem ao 165. Pág. 163.
militantes conseguirão acionar 1/3 das regionais para convocação de um congresso
extraordinário? Como evitarão que a direção adie congressos? Em partidos pequenos
estas perguntas/contradições podem ser resolvidas com alguma facilidade. Mas: e
quando começarem a crescer?
Ao mesmo tempo, precisa-se evitar fracionalismos de todos os tipos. Um partido
pequeníssimo – constituído de uma única regional com 20 ou 30 membros – suporta,
por exemplo, boletins individuais com opiniões e propostas vindas da base. Porém, o
mesmo não serve a um partido com 3.000 membros, pois este viraria um clube de
debate e papéis; neste caso, a possibilidade de agrupamentos é a alternativa
saudável. Já em um partido com influência de massas, complexo, como o Bolchevique a
partir de 1917/8, pode-se, como ocorreu, publicitar polêmicas e propostas em espaços
específicos da imprensa partidária. São exemplificações para nos guiar a reflexão. Se,
por outro lado, um partido de vanguarda tem alta contradição interna, caso de uma luta
fracional prolongada, pode adotar aspectos de um partido grande ao divulgar suas
polêmicas aos simpatizantes – caso do SWP norteamericano na década de 1930. A
realidade costuma ser mais sinuosa que exemplos.
Assim também, o nível teórico da base, a experiência prática geral, a cultura
nacional (o brasileiro médio tem desprezo e inveja contra a inteligência), a conjuntura, o
tamanho do território onde existe, a composição de classe dos membros426, etc.: todos
estes elementos ajudam ou atrapalham, consciente ou inconscientemente. Para perceber
e corrigir, uma compreensão correta, dialética, do regime leninista faz total diferença.

A INTERNACIONAL
Em 1971, no congresso da IV Internacional, Mandel acusou Moreno de proibir
grupos internos. Este, sem demora, percebendo a tentativa de desmoralização,
respondeu aquilo que expomos: pode-se nos períodos pré-congressuais. Independente
disso, o fundador da LIT explica sobre o regime do partido mundial:

“Nós estamos construindo a mais formidável arma organizativa revolucionária que


tem conhecido a historia: um partido mundial bolchevique. Em este processo de
construção do partido se impõe, para esta etapa, fortificar o polo democrático e não
centralista, justamente porque nossas direções, tanto nacionais como internacionais,
todavia não tem ganhado um grande prestígio político ante as bases de nossas sessões
por seus êxitos na direção do movimento de massas. Só esse prestígio poderia
fortalecer o polo centralista e disciplinado; portanto, deve primar o aspecto
democrático.”427

Também encontramos uma singularidade. No texto há a valorização do aspecto


psicológico, subjetivo, do regime: o centralismo será maior quanto maior for a moral da
426
Parte desse debate inclui a presença de militantes que trabalham para os sindicatos ou o partido e
mandatos parlamentares. Não há espaço para debatermos este ponto como se deveria. Parte da
degeneração de organizações, esses funcionários dos aparatos têm seu nível de vida e emprego – e
mesmo seu prestígio pessoal – dependente se o partido no qual militam dirige ou não aquele sindicato,
onde trabalha, se o parlamentar revolucionário (no terreno do inimigo) se reelege ou não etc. Vemos
que é um setor, por mais honesta que seja sua intenção, tendente a degenerar-se e degenerar uma
organização comunista em centrismo ou reformismo. Vetar que tenham direitos a cargos dirigentes e de
direção política e também acima das direções intermediárias, além de três anos de aspirância (com
deveres, mas sem direitos, como a de voto interno) são contrapressões mínimas necessárias.
427
Moreno, Nahuel. O Partido e a Revolução. Capítulo e livro completos em:
https://www.marxists.org/espanol/moreno/pmopl/pmopl-3.htm#g
direção; e o mesmo ao contrário. Porém, sendo importante, este elemento é relativo,
auxiliar. Se o prestígio facilita o caminho, a democracia interna é uma necessidade
absoluta, tanto quanto o centralismo. Ou seja, claras garantias, mesmo aparenciais,
estatutárias, de democracia são vitais; do contrário, congressos, reuniões, boletins,
debates e autocríticas serão nada mais que manobras para dar algum verniz não-
estalinista aos dirigentes. Incluso em nível internacional, uma direção mundial
qualificada e testada deve permitir às direções nacionais produzir suas próprias políticas
e testá-las na prática, pois apenas assim ocorrerá o amadurecimento de equipes dignas
de situações revolucionárias.
Exemplifiquemos com a própria história de Moreno. Por suas posições
minoritárias, sua corrente ficaria de fora da IV Internacional quando do início de sua
atuação, após a II Guerra; mas uma nova proposta, do SWP, criou os partidos
simpatizantes ao lado dos partidos oficiais do mesmo país, no caso, Argentina. Em
seguida, Pablo, principal dirigente, tenta fechar o regime interno e organizar uma fração
secreta contra o SWP, sua oposição interna; a reação desta corrente, ao lado de Moreno,
permite uma luta fracional que desemborca em ruptura – e isto preserva o acúmulo
programático, prático e teórico da corrente. Após a revolução cubana, há uma
reunificação das correntes trotskystas; Moreno participa do processo para não ficar
isolado internacionalmente, a partir das garantias de sua existência política como
tendência – tendo organizado, em seguida, rebeliões internas. Sua experiência em
tendências e frações até aqui se lhe revelou novos problemas e novos acúmulos. A
captulação final do principal dirigente do SU, Secretariado Unificado, Ernest Mandel,
expressando seu centrismo ao colocar-se contra a defesa da brigada trotskysta Simón
Bolivar, na Nicarágua, gera uma ruptura internacional. Isto abre caminho para a Fração
Trotskysta, de Nahuel Moreno, tornar-se a LIT. O que percebemos, como balanço geral:
a possibilidade de Nahuel Moreno, desde o príncipio, organizar-se em tendências e
frações, permitiu: 1) manutenção da democracia interna, do debate; 2) ruptura e
reorganização caso houvesse degeneração; 3) educação acelerada; 4) evitar o
isolamento. Não teria avançado se o regime da IV fosse igual ao regime que propunha
aos partidos de sua fração. Este balançou faltou-lhe. No livro mencionado, O Partido e a
Revolução, Moreno rebate uma crítica de Mandel sobre determinada política captulante
de seu partido, argentino (PST); argumenta que, naquele momento, Moreno havia
perdido a direção da organização, estava isolado e com cargo figurativo; isto também
reforça sua história: foi preciso luta fracional para corrigir a posição e relocalizá-lo de
acordo com suas reais capacidades e balanço.
Das afirmações concluímos a defesa de um regime semelhante em um partido
mundial, com um adendo: por razões de convivência e espaço, parece mais difícil a
articulação de frações e tendências internacionais. Ter em conta esta dificuldade já nos
ajuda.

PEFIL MILITANTE428
A formação de militantes leva tempo e deve ser acelarada tanto quanto possível.
Um partido não consolidado nas massas tem de ter oficiais, e oficiais de reserva, não
soldados rasos; mas estes apenas se formam com teoria e prática. Considerado isto, a
disciplina externa depende do perfil de classe da organização, da conjuntura, do regime
interno, do acúmulo de acertos da direção, na confiança da base na política aprovada.
428
Há um livro de romance histórico-policial digno de nota, leitura quase obrigatória: O Homem Que
Amava os Cachorros, de Leonardo Padura. Trata da transformação de um militante aguerrido em um
cínico. Infelizmente, processo comum, que se retroalimenta, nas diferentes esquerdas.
É preciso recordar que o partido é um corpo humano, não uma categoria e
existência abstrata, autômata e impessoal (Zizek: fetiche do partido). Há um ponto ideal
de como o partido deve ser e proceder do qual devemos nos aproximar cada vez mais, e
tanto quanto possível; enquanto o afastamento disso pode tornar-se qualitativo,
degeneração (centrismo ou reformismo – mundaça de “ponto ideal” ou “referencial”).
Um dos critérios de um bom partido é a socialização do conhecimento, do acúmulo
dos quadros: uma elite de “conhecedores”, insubstituíveis, tende a degenerar a
organização. Exemplo prático: o marxismo rejeita o estilo manualístico, mas nada
impede manuais claros e completos sobre tudo relacionado à “atuação dos
revolucionários nos sindicatos”; assim, os novos podem, sem experiência prévia, saltar
seus níves de capacidade com velocidade maior. Por isso, podemos falar em
“reestruturação produtiva” nas organizações: nos call centers, por exemplo, os gerentes
possuem as noções do todo e das habilidades, enquanto os jovens entram e saem das
empresas, sempre substituídos, desprovidos de meios para desenvolver aprendizado
complexo; ao mesmo tempo em que o tarefismo, o produtivismo, impera. Processo
semelhante ocorre nas correntes: mantêm-se os dirigentes capazes gerindo quadros em
potencial e substituindo-os – muitas vezes, por esgotamento –, de tempos em tempos. E,
também de mesma natureza, reproduz-se na relação partido-vanguarda: limita-se a
formação da vanguarda, desenvolve-se mecanismo de dependência pelos quadros
partidários. Tal formato é desnecessário, pois, de um lado, a postura comunista no
movimento é qualitativamente diferente do de outras correntes (logo, qualquer ruptura
da vanguarda não nos prejudica); de outro, nossa obrigação é criar, ou recriar, nova
cultura sindicalista e entre os lutadores.
Para a próxima observação, contemos com esta decoberta de Moreno:

“Tínhamos lido marxistas prudentes que falavam da totalidade que era a social-
democracia alemã, para explicar porque não se devia romper com ela ou havia muitos
militantes que não queriam romper com ela. A social-democracia alemã era um
micromundo, que obtinha milhões de votos, tinha teatros, clubes, sindicatos, bailes,
bibliotecas, clubes de libertação sexual. Dentro dela havia respostas para quase todas as
inquietações e necessidades que poderia ter uma pessoa. Aqui também o socialismo, o
anarquismo e o estalinismo eram micromundos em suas épocas de esplendor. Tinham
orfeões (quer dizer, conjuntos musicais e coros), além de clubes e bibliotecas.”
“Estes micromundos estão imersos no verdadeiro mundo, a sociedade capitalista,
horrorosa, hostil. A vida dentro deles é muito mais linda que fora: parece que se
conseguiu o socialismo agora. Forma-se uma tendência centrípeta: quer-se viver dentro
do partido.”
“É uma tendência desgraçada: acreditar que já está solucionado tudo quando não se
solucionou nada, já que a sociedade capitalista continua aí, vivinha e serpenteando,
preparada para destruir com um bote o micromundo. Isto foi o que se passou com a
social-democracia alemã: Hitler a destruiu, e seus clubes, bibliotecas e sindicatos.”
(Problemas de Organização.429)

Isto exige debate moral, não moralista. A decadência geral também nos afeta.
Exemplo concreto: vários coletivos estudantis militantes de esquerda, fingindo não ser
colateral de um partido, com ar superior sobre a direita, em geral reformistas ou
centristas, usam o seguinte método, algo reconhecido publicamente: o militante tenta
ganhar outro ativista para sua corrente por meio do debate político, porém, se este

429
https://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/07/16.htm
demora e parece afastar-se, usa-se a “Tática 2”, a sexualidade como forma de cooptar
membros. Algo impraticável por comunistas. Sendo um exemplo concreto, trata-se de
uma forma de prostituição na política, não por sobrevivência pessoal, onde moeda de
troca é o crescer artificial do agrupamento. Um caso de como surgem os micromundos.
Quando descemos à prática, a teorização mostra algo condenável, quase indigno de ser
citado. Com quais argumentos combateríamos uma corrente oportunista de direta se se
apropriassem de tal fato para desmoralizar a diferentes correntes de esquerda?
Voltemos à causa nobre.
Cannon afirmou que todo bom comunista raciocina como marxista e sente como
anarquista. Isto pronuncia que os trotskistas são rebeldes, teimosos, consideram
disciplina como liberdade, admiram a coragem, expõem a verdade difícil, procuram
pensar com a própria cabeça, odeiam a rotina e aceitam as durezas das derrotas –
respeitando sempre os limites conjunturais e os talentos e características individuais. No
mesmo sentido, mas de outra forma, encerraremos com um protesto de Leon Trotsky:

“Sim, no partido de Lenin, que fez a Revolução de Outubro, os operários


comunistas estão com medo de falar alto que este ou aquele homem do aparato é um
canalha, um ladrão, um violador. Esta é a lição fundamental das denúncias de
Smolensk. E não é um revolucionário quem não core de vergonha com esta lição.”430

430
Idem ao 165. Pág. 81.
PARA ALÉM DO PARTIDO LENINISTA?

As críticas ao modelo leninista de partido são sempre, até aqui, inferiores:


confundem partido bolchevique, a democracia centralizada, com partido estalinista, o
centralismo burocrático, ou colocam enquanto alternativa os modelos em si degenerados
dos partidos anticapitalistas. Nunca oferencem novas fórmulas válidas ou, em hipótese,
viáveis.
É possível, por outro lado, encontrar nova formulação de organismo
revolucionário? O autor desta obra, após tentativas de formulações paralelas, considera
negativa a respota. Não. O partido do tipo bolchevique mostra-se a única estrutura capaz
de ajudar a classe trabalhadora a guiar-se.
Analizemos algumas questões internas ao tema.
O partido leninista passa, inevitavelmente, por três etapas:

1. Grupo de estudo e elaboração.


Nesta etapa, um pequeníssimo núcleo fundador dedica-se aos estudos, preparação e
elaboração de um programa geral. O peso da intelectualidade – não necessariamente
acadêmica – tem sua importância aqui.
Os riscos, nesta estapa, são pelo menos três: 1) tornar-se um grupo permanente de
debate, intelectualista, incapaz de ir para a etapa seguinte; 2) transformar-se em seita em
torno de um “grande” líder, em geral um professor universitário; 3) ir-se demasiado
cedo ou tarde em busca da etapa seguinte.

2. Partido de vanguarda.
Nesta, dotado de algum acúmulo e programa, trata de atuar no movimento de massas,
necessitando intervir na mediação – a vanguarda. Tenta ganhar algumas posições vitais,
e minoritárias, nos movimentos sociais e no parlamento, enquanto procura convencer os
ativistas mais capazes do acerto de suas táticas conjunturais e estratégia.
São alguns riscos desta estapa: 1) elaborar políticas para impactar a vanguarda, quando
se deve propor políticas conjunturais, convencento os ativistas, para as massas; 2)
distanciar-se do método do programa de transição, usando palavras de ordem mais
radicais do que as exigidas pela conjuntura; 3) capitular aos erros da vanguarda; 4) no
acúmulo inicial de quadros, captando não operários (estudantes, servidores públicos,
etc.), torna-se incapaz de priorizar o trabalho – mais difícil, longo e necessário – nos
meios operários e precarizados431.

3. Partido de massas.
Sob o capitalismo, possível apenas em momentos raros e após acertos preparatórios
vitais da parte dos comunistas, a organização apenas pode manter-se majoritária se
garante a revolução nacional e serve de ponto de apoio à internacional. O partido deve
ter acumulado experiência teórica e prática para ajudar o planejamento da economia e a
manutenção, com todas as forças, da democracia socialista e da partidária.
Este instante, influência partidária de massas, ocorre ao lado da possibilidade de
revolução e guerra civil no país.

431
Trotsky chegou a propor ao SWP dos EUA que seus inúmeros jovens militantes, muito inteligentes,
passassem seis meses a um ano em duros trabalhos braçais no campo, em fazendas, para fins de
reeducação. Isto, hoje, soa absurdo e impraticável…
São alguns riscos desta etapa: 1) a direção do partido capitular à fortíssima pressão das
outras classes (caso, por exemplo, do partido trotskysta na revolução boliviana de 1952
e da direção do partido bolchevique até o retorno polêmico de Lenin); 2) os quadros
serem incapazes de formar novas colunas de direção partidária diante de seu
crescimento numérico; 3) incapacidade de elaborar política na situação inédita ao
organismo e, outra expressão disso, baixíssima capacidade militar de seus membros
(todo quadro deve estudar ciência militar, evitando cair em desvio geopolítico); 4)
perder noção do ritmo real e necessário dos acontecimentos históricos, atrasando ou
adiantando medidas e processos; 5) perder o tato do regime interno partidário.
Aqui, fica claro: um partido de fato comunista prepara uma fortíssima coluna de
quadros para dirigir greves e, democraticamente, o Estado. Algo longe dos partidos
sindicalistas. O Partido Bolchevique partiu de poucos milhares quase dispersos para
dezenas de milhares, em 1917, em poucos meses, porque formou seus quadros. Para
isso, também contou com a fusão com o pequeno partido Inter-barrios, de Trtotsky,
dotado de peso em Petrogrado e quadros de altíssimo nível (a nova direção do partido
bolchevique era formada por 1/3 de membros ligados a estes), incuindo habilidades
militares.

Estas são as três etapas necessárias. E eis o perigo: formar tais organismos com
demasiado atraso em relação à necessidade histórica. Pois as contradições sociais
aceleram todo aprendizado, mas há limites.
De uma a outra etapa e dentro destas, a evolução partidária se dá por saltos, não
por acúmulo quantitativo. Exemplo: ao acompanhar com grande êxito uma greve dos
frigoríficos argentinos, o pequeno e jovem grupo de Nahuel Moreno ganhou para a
organização dezenas de operários de vanguarda daquela importante luta; além disso,
acumulou capacidade, experiência.
Tentemos ir um pouco mais além.
As mudanças no capitalismo exigem mudanças na forma bolchevique de
organização? A urbanidade alta, por exemplo, exige adaptação? Em geral, na tentativa
de preservar esta conquista organizacional, evitamos encarar tal debate. E podemos
estar atrasados.
Observando a recente ruptura de trotskystas gregos com o Syriza e o FIT na
Argentina, podemos avaliar um pouco mais. Destas, elaborei a seguinte possibilidade
aos comunistas, caso haja dispersão: fundar um partido formal e legal, com presença nas
eleições, cujas correntes aceitas serão apenas as do tipo bolchevique, separando
reformistas de revolucionários. Esta articulação das organizações que reivindicam,
mesmo com críticas, o legado de Marx, Engels, Lenin e Trotsky partirão de acordos
comuns.
Serão condições de ingresso:
1) Programa revolucionário mínimo;
2) Considerar participação sindical e eleitoral enquanto táticas;
3) Adotar formalmente em seus estatutos o direito à formação de tendências e
frações internas temporárias;
4) Reinvindicar o internacionalismo proletário;
5) Nunca apoiar qualquer governo nacional liderando o Estado burguês, por mais
“progressista”;
6) Não intervir diretamente nos assuntos internos das demais correntes;
7) Às correntes são garantidas total autonomia de ação;
8) Congresso a cada dois anos para a) eleger a direção formal do partido legal (com
garantias contra hegemonismo, exemplo: nenhuma corrente pode ter mais do
que 50% da direção); b) dias de duros debates políticos e teóricos para
comparação de elaborações e busca por novas sínteses (não consensos) por meio
da polêmica (estas posições não serão votadas em plenário, sendo somente se de
caráter consultivo); c) votar a tática eleitoral.
9) No campo eleitoral, os mecanismos estatutários terão de dar alguma, não
absoluta, vantagem aos partidos com laços internacionais.
10) Evitar forçar fusões artificiais e precipitadas quando há inúmeras diferenças
táticas e programáticas. Isto seria um erro oportunista para colocar em crise
direção e base de outros organismos, por isso deve ser posto à mesa e em
estatuto logo na fundação, para fins de constragimento.
11) Proibir a formação de núcleos e organismos regulares entre correntes, pois
seriam meios de disputa parlamentar interna (ao modo dos partidos
anticapitalista), guerra por captação, meios de silenciar minoria e forma de
anular correntes ou contrangê-las.

O possível acerto desta elaboração deseja propor-se mediação à dispersão atual de


forças e imaturidade das organizações socialistas, envoltas em pesadíssimas pressões.
Partamos para segunda possibilidade.
Rumo ao fim do século XX, sugiram os partidos-movimentos. Então, a partir destes,
fica-nos a questão: podemos nos apropriar, em parte e de modo não degenerado, de tal
forma? É uma questão de teoria e prática.
Podemos formar duas organizações dentro de uma:

1) o movimento, que aglutina todo ativismo independente disposta a envolver-se nas


questões práticas de diferentes setores (sindical, movimento popular, estudantil), mas
que não desejam militância mais séria;
2) o partido, núcleo duro, onde se busca aglutinar os melhores, participa das eleições e
demais atividades etc.

Vejamos na prática. As células partidárias farão elaboração política do partido e


evitarão ao máximo tratar da aplicação prática de tal política nas instâncias internas de
movimento, onde deve ser debatido. Se a direção do partido descobrir, diante de uma
inflação de 100% ao ano, a necessidade de chamar a palavra de ordem “gatilho salarial”,
os detalhes da aplicação sindical se fazem no intância de movimento, do
macroorganismo.
Podemos antecipar dois riscos:

1) subordinar o organismo partidário-geral ao partidário-movimento, invertendo;


2) esconder a natureza partidária e política do conjunto da organização – este
oportunismo e cinismo deve ser evitado com força máxima.

Este modelo leva em conta: a) muitos ativistas sérios não desejam militar de
modo partidário – por isso oferecemos a possibilidade de fundarem organismos
autônomos ligados ao partido-movimento, onde este não é capaz de alcançar; b) tentar
preservar os organismos partidários da tendência a se tornarem meios para debater a
pequena política dos movimentos sociais, não o todo.
Enfim, oferecemos uma questão: é possível combinar, longe de confusão
degenerativa, as duas elaborações? Penso que não, mas fica o desafio, pois é quase
impossível encontrar tal nível de acordo estável entre correntes.
Estas duas formas apenas serão positivamente aplicáveis se somente não
entrarem em contradição com as características essenciais do partido leninista
(células432, jornal, centralismo democrático, perfil conspirativo, centralidade da
educação teórica, flexibilidade tática etc.) Enfim, são adaptações ou mediações – se
corretas e viáveis – para quando a formulação de um partido revolucionário encontra
duras dificuldades objetivas e subjetivas.
Sigamos.
Da concepção geral de Lenin, destacamos o mal compreendido “revolucionários
profissionalizados”.
A burguesia sempre buscou ter para si uma coluna de profissionais, burocracia
burguesa, formada por gente capaz ou de alto talento para diferentes funções: filósofos,
políticos, estrategistas, sábios, burocracia estatal etc. A classe trabalhadora e o
proletariado precisam, antes e depois da revolução, de sua coluna de gente destacada,
por fora do longo trabalho munual nas empresas, para que se desenvolvam e façam
trabalhos políticos profundos. Esta coluna de “burocratas” não é, nem deve ser,
burocratizada, pois isso significa que deixara de servir à classe para servir a si e/ou a
setores outros. E isso exige uma seleção dura daqueles a serem pagos para viver da
militância, seja qual for:

1) Seus salários devem ser a média nacional ou pouco mais para poder agir de modo
pleno (no Brasil, entre mil e quinhentos reais ou, em concessão, dois mil a um militante
de todo proficional), não a de um operário especializado e possivelmente parte da
aristocracia operária (algo entre quatro mil e cinco mil reais, tendo uma qualidade de
vida relativamente incomum em comparação à maioria) – se ganha mais e milita pouco,
menos de meio passo falta para a burocratização velada, porque o salário reduzido, não
ajustável de modo mecânico pela inflação, serve para o quadro sentir as mesmas dores
da classe. Ou sentirá problemas como inflação apenas quando saírem as estatísticas
oficiais…
2) Igual ao Comitê Central, os profissionais devem viver em bairros populares ou
favelas e, para evitar o duríssimo isolamento social (que também pesa sobre a
capacidade de calibrar a relação pensamento-conjuntura), de preferência viver perto de
familiares ou gente próxima;
3) Apenas pessoas testadas e provadas, no movimento operário e popular (não no
estudantil, sempre que possível), podem ser postas nesta posição.
4) A profissionalização de profissionais liberais (advogados, administradores etc.) deve
ser acompanhada por medidas contra as tendências oportunistas inerentes à sua
formação de classe: a) impedir de participar de frações, tendências e congressos gerais;
b) nunca tornar-se dirigente político de organismos; c) proibição de formar organismos
autônomos, mesmo grupos de estudos; d) ao entrarem no partido, tempo triplo de
aspirância relativo aos demais militantes; e) se possuem cargos em trabalhos sindicais
ou parlamentares, não poderão assumir qualquer cargo dirigente na vida interna
partidária.

Diretamente educada por Engels, o PS da Alemanha degenerou-se, entre outras


razões, pelo peso enorme desse extrato social nos organismos de direção.
Um quadro de alto talento pode encontrar, por suas capacidades ou formação
escolar, empregos de maior remuneração na iniciativa privada ou concurso público.
432
Em português, núcleo partidário sugere algo fraco, subordinado, limitado, etc. Diferente de sua
importância vital. Já célula indica o subversivo, o debater para praticar, o clandestino, o autônomo a
partir do projeto geral, etc.
Porém o salário, alto ou baixo, não é o único problema da empregabilidade no
capitalismo: assédio moral e sexual, pressão, trabalho vazio de sentido e conteúdo,
disputas por motivos baixos entre membros, a dificuldade de opinar sobre o próprio
embiente laboral etc. Isto não há, ou não deveria, num partido leninista. Neste, mesmo
as dolorosas lutas internas possuem algo de nobre, educativo, conteudista, envoltas em
lealdade, premiadoras das qualidades reais e punitivas com a baixeza etc. Enfim, ao
militante convencido a viver disso, com todos os sacrifícios, sabe receber em troca o
prazer de uma atividade que de fato vale a pena, verá possibilidade de desenvolver seus
talentos e superar alguns limites pessoais, encontrará situações cujas tensões e emoções
o colocarão em papel ativo etc.
Em complemento, o leitor poderá perguntar: e quais mudanças precisam os
sindicatos? O modelo da antiga CONLUTAS (Brasil) e da COB (Bolívia) deveriam ser
generalizados: os sindicatos tratariam de assuntos trabalhistas, de bairros, artísticos, etc.
dentro de si. Uma reforma sindical seria necesária: a quantidade de dirigentes ser
proporcional ao peso (número) da categoria representada, contribuição direta do
sincializado (não via bancos ou Estado), etc. E isto é quase impossível sob o capital,
sendo viável e necessário sob a transição ao socialismo.
A militância sindicalista pensa, de modo mecânico, que a revolução seguirá logo
a hipótese mais improvável: minoria sindical… crise e grandes lutas… a burocracia
perde o poder nos sindicatos… greves gerais… insurreição… Isto é apenas uma, e não a
mais provável, forma de como o processo ocorrerá. De fato, é preciso ganhar sindicatos,
formar oposições, forçar greves e greves gerais, ser minoria e desejar ser maioria de
novo tipo. Mas os elementos da totalidade se desenvolvem de maneira desigual: os
sindicatos são, por natureza, de catáter defensivo; se permanencem fundamenlamente os
mesmos, as situações de grande crise e luta de classes farão surgir organismos paralelos
de luta, embriões de poder e ferramentas de poder (comissões de fábrica, sovietes,
grupos de autodefesa etc.). Em alguns casos, senão a maioria, a revolução se colocará
contra, fisicamente, à maior parte do sindicalismo e dos sindicatos.

Este capítulo faz referência aos acúmulos de James Cannon e da LIT.


Acrescentamos uma atualização desta internacional à estrutura (maleável) do partido
bolchevique: as expulsões de militates e jugamentos de denúncias nunca devem ser
responsabilidades dos organismos de direção; o congresso deve eleger por ampla
maioria uma Comissão de Moral para julgar casos especiais, incluso os dirigentes do
CC, de modo tão autônomo quanto possível (pois a degeneração partidária também
pode entrar em tais organismos). Para evitar medo de represárias internas, deve haver
publicidade permanente das vias de comunicação possíveis entre a Comissão de Moral e
os militantes de base – a corvardia deve ser desencorajada. Por isso, há acordo com a
LIT, em seu documento de construção, 2014, defendendo que os militantes de base, se
necessário, tenham a máxima ousadia de enfrentar quadros de prestígio diante dos riscos
de burocratização partidária e/ou sindical (no referido documento: centrismo
burocrático).
Portanto, fazer funcionar um partido leninista está longe de ser tarefa fácil.
CRISE ESTRUTURAL DO APARATO DE REPRESSÃO

“Nesta terra de gigantes que trocam vidas por diamantes.”


Humberto Gessinger.

“A única garantia possível de democracia é um fuzil no ombro de cada trabalhador”


Lenin.

Mészáros percebeu, como expressão dos limites do capital, que o setor destrutivo, a
produção militar, é uma prioridade hoje na medida em que gera produtos e vendas sem
necessidade de consumo de seus valores de uso. A isto, agregamos outra tendência: a
sempre possível luta entre Estados nacionais estimula, por si própria, como lei objetiva,
o alto desenvolvimento da maquinaria de combate. Derivamos as consequências a
seguir:

SUBSTITUIÇÃO DO TRABAHO VIVO POR TRABAHO MORTO

Igual como nas fábricas, o maquinário tem ganhado peso significativo no exército
burguês. Isto gera, em realidade, uma série de problemas insolúveis:

A)
Custos altos de construção e manutenção dos grandes aparatos (tanques, aviões, navios,
etc.);

B)
Máquinas caras e pesadas, de alta tecnologia, podem tonar-se inválidas, inúteis, por
explosivos e armamentos semiartesanais ou de baixo custo:

Os CBTPs sofrem ameaças ao seus deslocamentos e integridade de diversas fontes,


e devido à natureza da guerra contemporânea qualquer forma de atraso ao movimento
das colunas blindadas implica em tempo maior de duração do conflito, aumento de
baixas e crescente oposição interna e externa às forças amigas. Portanto meros fossos
AC podem se tornar armas estratégicas em uma luta onde o campo de batalha físico é
apenas uma parte dela, na guerra assimétrica ou não convencional.433

Em seguida, há exemplos de armas AC – destacamos duas partes do artigo:

a) Foguetes - projéteis relativamente simples, providos de ogiva em formato de


carga oca revestida por cobre, tem sua capacidade de perfuração associada com o
diâmetro da ogica, pricipalmente. Tem baixo custo e não são guiados após o disparo. Os
mais simples são os antigos RPG-7 russos e os mais modernos os Panzerfaust 3
alemães. Um mero RPG-7, equipado com granada tipo PG-7V pode perfurar 260 mm de
aço balístico plano rolado.
(…)
c) Explosivos Improvisados – Armadilhas nos campos de batalha não
representam novidade, mas o acesso à arsenais de governos e o apoio de países
simpatizantes faz com que pequenos grupos em luta tenham acesso a explosivos de
433
http://www.defesanet.com.br/pensamento/noticia/19733/Reflexoes-Teoricas-Sobre-Conflitos-
Assimetricos--Parte-II-%E2%80%93--o-Grupo-de-Combate-de-Infantaria-Blindada-e-seus-Meios/
grande potência e em grande quantidade. Na invasão do Iraque os americanos lidaram
com granadas de artilharia e obuses em profusão, obtidos dos paióis dos antigo exército
iraquiano, e que eram escondidos nas margens de rodovias e passagens movimentadas
do país, causando explosões tão fortes, que eram capazes de despedaçar as viaturas
Humvee, caminhões, CBTPs Bradley e mesmo imobilizar alguns CC Abrams M1. Toda
viatura que se coloque hoje como sendo capaz de operar em cenários de guerra
assimétrica ou convencional, terá que ser preparado desde a concepção do projeto para
lidar com isto.

Caso russo, vejamos uma das reações a isso:

As rodas e as lagartas dos mais recentes veículos blindados nacionais criados na


base da plataforma Armata serão equipadas com uma proteção adicional. O projeto é
conduzido pelo Instituto de Pesquisa Científica da Rússia (NII, na sigla em russo).
Ao longo do perímetro do veículo serão instalados “escudos laminares” que se
assemelham visualmente às grades de proteção dos beliches do quartel.
Isso irá proteger os blindados contra os meios de destruição mais impactantes:
granadas cumulativas e mísseis antitanque.
A tarefa do novo kit é deformar a cabeça da granada quando ela acertar o alvo e
amortizar parte da energia da explosão.
Além disso, os projetistas ressaltam que, em termos de indicadores de desempenho
de combate, as grades de proteção não ficam atrás da blindagem reativa.
"São mais baratas, tecnicamente mais simples, e permitem melhorar em algumas
vezes a proteção do motor e da transmissão em condições de combate urbano. A
principal desvantagem é a baixa universalidade. As grades de proteção protegem o
blindado somente contra alguns tipos isolados de granadas de mão antitanques", disse à
Gazeta Russa Dmítri Safonov, analista militar do jornal Izvêstia.434

Complementamos com a aviação:

Israel não perdia um avião em combate desde 1982, por isso o incidente disparou todos
os alarmes possíveis. A derrubada, no sábado passado, de um caça F-16 do país pela
artilharia antiaérea de forças sírias leais ao presidente Bashar Al-Assad foi interpretada
como um passo preocupante na escalada bélica entre Israel e Irã, grande rival do país e
aliado do governo da Síria.
Segundo a versão de autoridades israelenses, o avião foi interceptado quando voltava de
uma ação em resposta à incursão no espaço áereo de Israel por um drone iraniano
operado a partir da Síria. Teerã negou as acusações e diz que Israel violou a soberania
síria com constantes operações aéreas.
(…)
Esta estrutura militar que estaria sendo montada por Teerã inclui a abertura de rotas e o
envio de equipamentos e armamentos para apoiar milícias xiitas patrocinadas pelo país,
entre elas o grupo libanês Hezbollah, outro inimigo de Israel.
Também fortaleceram o Hezbollah os conselhos do comando da Guarda
Revolucionária, o grupo militar de elite do Irã, e os mísseis de longo alcance que
suspeita-se que o Irã tenha fornecido.

434
http://gazetarussa.com.br/defesa/2016/08/29/combates-urbanos-terao-maior-eficacia-com-nova-
blindagem-do-armata_625111
Ao fim das rotas de transporte de armamento que atravessam a Síria está o Líbano,
bastião do Hezbollah. Ali é guardado um poderoso arsenal que vem crescendo nos
últimos anos. "O Hezbollah tem 100 mil foguetes no Líbano", estima Makovsky.
"Teme-se que o Irã tenha entregue alguns de longo alcance e alta precisão", destaca
Marcus. (…)
Marcus afirma que "Israel tem um grande problema estratégico em sua fronteira ao
norte". "Há uma grande preocupação com todos esses mísseis e a grande capacidade do
Hezbollah no sul do Líbano."
(…)
"Grande parte do armamento do Hezbollah está escondido sob a terra, em vilarejos, por
isso destruí-lo causaria muitas baixas entre civis e soldados israelenses nesse
território."435

Aqui, alguns problemas aparecem: 1) enquanto apoio de ocupação, em si a aueronáutica


tem caráter destrutivo (preferencial para tática de terra arrazasada), não de controle
social e territorial direto; 2) difícil o alcançar de armas semicaseiras contra os aviões
militares; 3) em muitos casos, pertencem à ala mais bem paga, por isso fiel, do Estado;
4) parte do setor está substituído por drones, robôs, cuja operação é indireta; 5) seus
contrangimentos físicos de velocidade são cada vez menores. Exemplo: Al Assad quase
perdeu a guerra na Síria, mas, com apoio externo russo, pôde contar com os “ares” para
reverter a situação; por resultado, o país está à beira do colapso.436

C)
A formação de gente capacitada demora – trabalho complexo – e as baixas, as mortes
desses especialistas, podem ter um peso prático significativo.
De imediato, percebemos uma das razões de tantas guerras do pós-II Guerra terem
sido derrotas por exércitos rústicos contra os de enorme aparato. A Guerra entre URSS e
Afeganistão parece-nos um bom exemplo, pois o primeiro investiu em uma numerosa
invasão de tanques (trabalho morto ou fixo437) fracassada diante da resistência
guerrilheira (burguesa) da Al-Kaeda e dos camponeses. Exemplos semelhantes: Guerra
do Vietnã, revolução chinesa, revolução cubana.

D)
Por consequência, surge uma relação dúbia com a urbanidade. Nessa questão, o artigo a
seguir revela:

O novo tanque será apresentado no stand russo na feira de armas Kadex-2016(…)


O modelo, adaptado para combate urbano, é equipado com o novo sistema de
controle de fogo com um sistema de mira Multicanal Sosna – o qual inclui um
computador balístico digital e um conjunto de sensores bastante complexo (velocidade
do vento, temperatura de propulsor, temperatura e pressão do ar, velocidade do tanque e
sensores de velocidade angular).
De acordo coma Gazeta.ru, o novo T-72 foi concebido como base na experiência
russa da guerra na Síria e em outros conflitos no Oriente Médio.438

435
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-43130927
436
Para compararmos: diferente ocorreria numa guerra de rapina, tomar recursos de outro país, onde a
aviação e a marinha serviriam para assustar, guerra psicológica, suporte às tropas, monitoramento, etc.
437
Metáfora, pegamos emprestado e adaptamos os conceitos de Marx para a economia política.
438
Fontes: http://www.defesaaereanaval.com.br/russia-revela-novo-tanque-para-combate-urbano-
inspirado-na-experiencia-da-guerra-siria/
A matéria conclui-se com chave de ouro:

“Se você olhar bem, os conflitos armados no mundo ocorrem principalmente dentro
das cidades; ninguém se atreve a combater em campo aberto, pois isso levaria à
destruição instantânea [dos veículos blindados]”, observou o vice-diretor da
Uralvagonzavod, Viacheslav Khalitov.

Percebemos, no entanto, no caminho oposto à tendência natural do aparelho


burguês, que o espaço urbano é melhor para a infantaria, por sua mobilidade e
capacidade de localização/ocultação (o comandante citado levou em conta apenas, ao
menos no comentário, o conflito entre exércitos regulares). Esse aspecto é natural:
“Digo-vos, primeiro, que os cavaleiros não podem andar em qualquer lugar como o
fazem os infantes” (Maquiavel, p. 65439).

É do conhecimento geral o balanço das guerras do Iraque e Afeganistão: a


dominação militar direta demonstrou-se por demasiado custosa financeira e
politicamente, empurrando os EUA para um atoleiro instável. Para isso, há influência do
custo do maquinário, da matéria-prima (energia etc.) e da logística de transporte. Sabe-
se também: o lado que dispensa fazer engajamento em outra nação, que não precisa
deslocar-se de suas fronteiras, em uma posição territorial defensiva (mesmo que
ofensiva nas táticas), possui relativas vantagens: facilidade maior de prover seus
exércitos, maior capacidade de unir a “nação” na defesa, custos de transporte e meios
reduzidos, intimidade com o terreno, etc.; por si, assim igual à Guerra do Vietnã, temos
um fator limitante para o capitalismo imperialista. À vista disso; como exemplo, por
consequência de suas recentes derrotas, o mais importante império da história teve de
adotar um pouco mais o “despotismo esclarecido burguês” ao priorizar saídas mediadas,
ataques indiretos, diplomacia ofensiva, negociações e influenciar ambientes externos
por vias mais tortas (corrupção, apoio a golpes440, acordos secretos, financiamento de
mercenários, terceirizar a outras nações suas tarefas militares, etc.). Integrado ao que
temos debatido, capítulo a capítulo, os debates deste parecem ajudar a esclarecer a
natureza dos processos militares – os revolucionários, em especial – pós-II Guerra.
Agora, o período de decadência da fase imperialista manifesta-se com a necessidade de
o Estado norteamericano dividir tarefas e custos com os demais membros da Otan,
incapaz de “estabilizar” o globo terrestre sozinho ou com os demais imperialismos. Esta
divisão da ação militar revela os limites sistêmicos e estimula-os, parte dos conflitos em
gestação do concreto em latência.
Continuemos.

E)

Há movimentos no sentido inverso nas armas de infantaria e artilharia. Tanques,


navios, (às vezes) aviões tendem a aumentar a robustez para dar conta da robutez do
adversário e de suas armas cada vez mais destrutivas. Isto tende a aumentar os custos de

Sputiniknews.com
439
A arte da guerra / Nucolau Maquiavel ; traduçãoe notas Eugênio Vinci de Moraes. – Porto Alegre, RS:
L&P, 2013. Em diante, todos os comentários de Maquiavel possuem esta fonte.
440
Ao contrário do que supõe o raciocínio simplista e maniqueísta; golpes acontecem, em primeiro
lugar, por questões internas aos países, por luta de classes derivados de problemas econômicos – os
imperialismos oferecem suporte, apoio e patrocínio às mudanças de governo ou regime.
produção e manutenção. No sentido oposto, é importante para a infantaria armas cada
vez mais capazes e, ao mesmo tempo, mais leves e maleáveis; por isso, alguma redução
de peso e tamanho relativos é ideal para ajudar o combatente, para sua mobilidade e
economia de energia. Neste caso, do infante, nem sempre há correspondência necessária
entre reduções físicas e reduções de valor absoluto do armamento.
Agregamos fator vital, de síntese: a logística da guerra, tal qual para Roma em sua
decadência, é cada vez mais custosa.

FATOR HUMANO

A infantaria é a essência do exército; o peso do maquinário revela uma lei geral da


arte da guerra: “os povos ou reinos que estimaram mais a cavalaria do que a infantaria
sempre ficaram frágeis e expostos a toda ruína” (Maquiavel, p. 63). Porém, na guerra e
na fábrica, o homem é uma ferramenta falha, difícil de adestrar:

A)
Os exércitos oficiais, principalmente os imperialistas, procuram oferecer aos
subordinados alguma qualidade de vida, a mais próxima possível da dos seus países
ricos; estes, desacostumados com a dificuldade e com o stress, tornam-se um problema
em si nos momentos mais difíceis do conflito. Outra em vez, ocorrem motins internos.
Guerrilhas, movimentos revolucionários e mesmo exércitos de países atrasados
possuem um material humano acostumado com a escassez, com o stress, com o risco e
com o limite;

B)
Ao mesmo tempo, os exércitos oficiais, dos Estados, têm um pouco mais de dificuldade
para dar aos seus a causa, o sentido da luta e a percepção de “nobreza no ato” – as I e II
grandes guerras estão cristalizadas na memória coletiva assim como a desmoralização
causada pelas guerras do Vietnã, Iraque e Afeganistão. Do outro lado, exércitos
religiosos (ISIS, etc.) ou subversivos e revolucionários possuem este fator ideológico-
disciplinador apurado;

C)
Os de baixo, os filhos dos assalariados, são a geração mais letrada, mais culta da
história humana. Como se sabe, inteligência somada à moral pode ser um empecilho
quando se deveria – apenas! – apertar o gatilho e obedecer;

D)
A tentativa de distanciar o operador do combate por aviões não-tripulados (drones) não
impediu o impacto psíquico sobre o soldado. Muitos pedem demissão ou a troca de
cargos, já que se sentiam angustiados com as consequências de seus atos. Nem todos
são sádicos; ainda mais se, não estando na zona de guerra, sofrem com a opinião pública
de seu país. Em verdade, estar em combate, em suas tensões e sob ameaça potencial,
facilita a mudança moral do soldado na medida em que a matéria determina a ideia.
Assim:

Há cerca de mil pilotos de drones trabalhando para a Força Aérea dos Estados
Unidos, conhecidos no meio como “18X”. A cada ano, 180 pilotos se formam em um
programa de treinamento realizado em duas bases da Força Aérea no próprio país. No
entanto, durante os mesmos 12 meses em que 180 pilotos se formam, cerca de 240
pilotos treinados pedem demissão, e a Força Aérea não sabe como explicar o fenômeno.
O site norte-americano Daily Beast publicou em janeiro um memorando interno
escrito pelo general Herbert Carlisle e direcionado ao chefe da Força Aérea, o general
Mark Welsh. Nesse documento ele afirma que “o aumento da saída [de pilotos]
prejudicará a capacidade de prontidão e combate do empreendimento MQ-1/9 [que
utiliza os drones Predator e Reaper, ‘predador’ e ‘ceifador’ em tradução literal] nos
próximos anos”. O general disse também estar “extremamente preocupado”.
(…)
Alguns pilotos dizem que a guerra com drones levou-os além de seu limite.
“Quantas mulheres e crianças você já viu incineradas por um míssil Hellfire? Quantos
homens você já viu rastejando enquanto sangram com as pernas decepadas em busca de
ajuda?”, perguntou Heather Linebaugh, ex-analista de imagens de drones, em artigo
publicado no jornal britânico The Guardian. “Quando se é exposto àquelas imagens
repetidamente, elas permanecem em looping na sua cabeça, causando uma dor
psicológica e um sofrimento que muita gente, espero, jamais vivenciará.”
“Foi apavorante descobrir o quão fácil era. Senti-me um covarde porque estava do
outro lado do mundo e o cara nem sabia que eu estava lá”, contou Bryant. “Senti-me
assombrado por uma legião de mortos. Minha saúde mental estava em pedaços. Eu
fiquei tão mal que estava prestes a me matar.”441

E)
No capítulo onde expomos a tese “imperialismo Sui Generis” tratamos da discrepância
numérica de infantes entre China e Japão. Este é um aspecto particular, nem sempre
presente e nem sempre presente do mesmo modo ao do exemplo entre os países
asiáticos citados. Porém, esta é uma questão real, e deve ser analisada caso a caso442.
Por outro lado, a alta concentração humana e urbana facilita lutas latentes contra as
guerras do capital, além de facilitar as rebeliões dos escravos assalariados.

F)
A teoria de Carl Von Clausewitz, sustentada na clássica luta entre aparelhos militares
formais, foi superada pela guerra irregular. A decadência do sistema, as questões postas
neste capítulo (maquinário, etc.) e o fato de estamos em uma época onde a luta de classe
ganha centralidade máxima geram este fato; guerras assimétricas, em rede, híbridas,
subsidiárias etc. são conceitos da arte militar oficial para expressar isso. Por isso,
também organismos extraoficiais, por fora do Estado, intervém de modo ativo nos
conflitos.443

441
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/traumatizados-pilotos-de-drones-dos-eua-pedem-
demissao-em-massa.html
442
Países atrasados econômica e militarmente, incluso quanto à tecnologia militar, compensam suas
fragilidades com o inchaço de suas forças armadas; caso, por exemplo, da Turquia, com, do ponto de
vista quantitativo, não qualitativo, um dos maiores exércitos do mundo.
443
Um dos mais bizarros casos da história humana e da arte da guerra foi protagonizado pelo exército
brasileiro. Um pequeno povoado, Canudos, surgiu em região isoladíssima do país, sob liderança de um
lunático. A ameaça representada pelo habitantes à república era nula, porém uma histeria coletiva se
abateu sobre os “líderes”: derrotar os monarquistas liderados por um falso messias… Na guerra, todos
os grandes heróis oficiais da guerra do Paraguai, todos os grandes quadros, foram, um por um,
humilhados por gente simples e sem instrução. Os nordestinos tinham as seguintes vantagens: 1)
intimidade com o terreno; 2) intimidade com o clima; 3) distância e isolamento; 4) caráter defensivo,
não expansivo; 5) força psicológica (fé, certeza de estar sendo injustamente atacados, primeiras vitórias
HIERARQUIA E MOBILIDADE

Feita a síntese do debatido nas observações anteriores, a matéria a seguir esclarece


e é esclarecida:

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs nesta quinta-feira à indústria de defesa


de seu país que desenvolva armas robóticas, capazes de “mudar de forma fundamental
todo o sistema de armamento para as forças armadas (convencionais)”.
"Os complexos robóticos autônomos são uma via de futuro muito importante", disse o
chefe do Kremlin em reunião da comissão industrial-militar russa.
Os desenvolvimentos no âmbito dos armamento destinados às forças armadas
convencionais, acrescentou Putin, "devem levar em conta os conflitos potenciais" e a
situação atual neste terreno "tanto no mundo como em nosso país".
"É preciso analisar com profundidade a experiência prática no emprego do armamento e
da tecnologia militar, inclusive a obtida em combate tanto por nós como por outros
países", ressaltou.

Em seguida, Putin afirma no mesmo discurso:

Por outro lado, Putin destacou que a indústria deve prestar especial atenção em criar e
melhorar o equipamento para as tropas de infantaria, já que "seu papel nos possíveis
conflitos armados é muito importante".
"Nosso objetivo é dotá-los das melhores armas, de armamento moderno, para elevar
substancialmente seu potencial de combate", assegurou.
A mobilidade e a capacidade de desdobrar-se em qualquer ponto do planeta no prazo
mais breve possível é fundamental para a capacidade de atuação da infantaria, indicou
Putin.444

táticas etc.); 6) tática de guerrilha (mobilidade, estressar o inimigo, sabotagem etc.) diante de um
inimigo concentrado e forte (um dos erros do exército oficial: avançar terreno com soldados
concentrados, facilitando servirem como alvos e impor confusão; ao lado disso, grandes canhões
ofereciam lentidão às tropas); 7) costume com situações muito adversas; 8) arrogância, sentimento de
superioridade garantida, na moral do comando e das tropas do Estado. No entanto, apesar das inúmeras
vitórias, aquela guerra desnecessária estava de princípio ganha para as forças federais, pois: 1)
contavam com logística nacional e, se preciso, internacional; 2) Canudos nunca objetivou, nem poderia,
destruir os adversários; 3) os sertanejos não teriam condições, por nenhuma hitópese, de ter um
projeto expansivo ou nacional. O relato dessa ridícula história – de fato heróica e emocionante apenas
ao lado oprimido – está escrita com maestria por Euclides da Cunha, Os Sertões – A Guerra de Canudos.
O balanço militar acima foi feito pelo autor do grande relato jornalístico. Se olharmos em pespectiva,
ações esdrúxulas são a regra das FFAA do Brasil: guerra contra o Paraguai em nome da Inglaterra, golpe
militar contra suposta ameaça comunista (e o desastre governamental), massacre contra indígenas,
ocupação do Haiti em nome dos EUA, ponto de apoio ao governo Temer avaliando a possibilidade de
um futuro golpe etc. A posição contra o nazismo na II Guerra foi uma das poucas ações corretas de tal
organismo. Então, percebemos o erro do centrismo no antigo PCB, partidão, ao considerar, desde a
tradição estalinista (etapismo), as forças armadas como forças progressistas, modernizadoras, parte do
“bom burguês” (sic.), setores nacionalistas etc. E, desde aí, erros táticos como a ANL etc.
444
http://www.defesanet.com.br/russiadocs/noticia/24629/Putin-propoe-que-Russia-desenvolva-
armas-roboticas/
Avancemos:

A)
A gestão do tempo e suas consequências ganha importância maior. Assim sendo, o
exército burguês tem uma dura desvantagem ao adotar uma hierarquia de comando
vertical, complexa, cheia de subdivisões e centralizada. Isto torna as forças armadas
lentas para ordenar, receber e executar ordens. Hierarquias como a do Exército
vermelho de Leon Trotsky, onde cada batalhão respondia apenas a um oficial, possuíam
decisão, ação-reação e mobilidade superiores. Neste ponto específico, assim igual
organiza-se o ISIS, além de permitirem autonomia de ação de suas células:

“É um típico combate de infantaria praticado com maestria pelo Estado Islâmico,


conduzido de modo descentralizado – a iniciativa é transferida aos pequenos escalões e
travado a curta distância – os últimos cem metros. Pressupõe, porém, grande savoir-
faire na preparação das operações (reconhecimento, informações, treinamento com base
em mapas, cenários e maquetes, instalação de depósitos avançados de munição e
suprimentos), da utilização do micro terreno (ravinas, taludes, trilhas, construções,
escombros, etc.) e de ações noturnas facilitando a infiltração e o combate aproximado.
(John Pool Strategic Rifleman, 2014.)”445

B)
Os oficiais e o alto comando das forças armadas são formados por gente “bem de vida”,
acostumados ao trabalho intelectual e à vida de poucos círculos sociais. Os grupos
militares subversivos, por outro lado, costumam ter no comando gente prática,
conhecedora dos aspectos prático da vida, com ligação orgânica com sua base social,
que entende a vida comum e a psicologia coletiva e estão acostumados a ter pouco. Esta
diferença do material humano – acentuada neste momento histórico –, uma diferença de
classe, determina perfis decisórios;

C)
Em nossa época, os exércitos burgueses procuram profissionalizar seus membros em
todos os níveis de hierarquia; o recrutamento militar obrigatório é um hábito mantido
em poucos países, como no Brasil. Isto tem algumas consequências: afasta seus
membros da vida real e da noção de como ela é para a maioria, a rotatividade de
moradia dos oficiais faz com que sofram solidão, depressão ou outros problemas
incapacitantes e semelhantes por não construírem identidade; e recebem uma qualidade
formal de vida que os “desadestram” para situações de colapso;

D)
A demora de um conflito aumenta progressivamente, como nunca antes, as despesas dos
exércitos burgueses oficiais por conta do que temos debatido (maquinário, baixas e fator
político). Hoje, a busca por superioridade coloca em questão uma singular contradição,
a de que a guerra torne-se um atoleiro… financeiro e político.

PROBLEMAS LATENTES

445
http://www.defesanet.com.br/terror/noticia/20847/ESTADO-ISLAMICO---ASPECTOS-OPERACIONAIS-
-Revolucao-Tatica-ou-Infantaria-Leve-na-Era-Global/
A)
Por os pontos acima levantados, o ISIS pode fundar a “guerrilha ofensiva”; aproveita a
lentidão do comando e do maquinário oficiais para substituir a tática “atacar-recuar” por
“atacar-desarticular” usando os princípio da guerrilha: armas leves, mobilidade,
hierarquia simples, autonomia das ações, sabotagem, propaganda e guerra psicológica;
porém, com caráter ofensivo, e não o defensivo do fraco em relação ao forte. Golias é
tão robusto, grande e alto que mal pode mover-se, lento e fácil de ferir, e – distantes
estão os olhos e o cérebro – pensa um pouco mais devagar. Como causa, os exércitos
burgueses estatais incharam-se para o enfrentamento inter-Estados, mas isso os coloca
em dificuldades latentes diante da luta entre classes;

B)
A altíssima urbanização – concentração alta de assalariados precários e desempregados
– torna a rebelião, a revolta e a revolução mais explosivas e potencialmente mais fortes;

C)
As milícias na polícia e nos exércitos, as máfias, as empresas de combate privadas
(mercenários), os salários baixos e a vida em si difícil para o chão da hierarquia – em
especial, na polícia –, colocam a possibilidade de rachaduras internas nestes aparelhos.
O próprio aparelho do imperialismo, a ONU, chega a pedir o fim da política militar
brasileira, dada a procupação com as consequências – ao próprio sistema, claro – de sua
degeneração (pedido negado, aliás):

O Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu nesta quarta-feira (30) ao Brasil


maiores esforços para combater a atividade dos "esquadrões da morte" e que trabalhe
para suprimir a Polícia Militar, acusada de numerosas execuções extrajudiciais.
Esta é uma de 170 recomendações que os membros do Conselho de Direitos Humanos
aprovaram como parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame
Periódico Universal (EPU) do Brasil, uma avaliação à qual se submetem todos os
países.
A recomendação em favor da supressão da PM foi obra da Dinamarca, que pede a
abolição do "sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes (...)
para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais".
A Coreia do Sul falou diretamente de "esquadrões da morte" e Austrália sugeriu a
Brasília que outros governos estaduais "considerem aplicar programas similares aos da
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) criada no Rio de Janeiro".
Já a Espanha solicitou a "revisão dos programas de formação em direitos humanos para
as forças de segurança, insistindo no uso da força de acordo com os critérios de
necessidade e de proporcionalidade, e pondo fim às execuções extrajudiciais".
O relatório destaca a importância de que o Brasil garanta que todos os crimes cometidos
por agentes da ordem sejam investigados de maneira independente e que se combata a
impunidade dos crimes cometidos contra juízes e ativistas de direitos humanos.

D)
A urbanidade elevada fez surgir uma ampla categoria de assalariados armados nos
setores públicos e privados, porém precários;
E)
Por outro lado, a tradição, o conhecimento da arte da guerra e o poderosíssimo aparato
de espionagem (de drones do tamanho de uma mosca, passando pela internet, até
satélites-espiões) dão uma vantagem burguesa qualitativa neste ponto – além, é
evidente, em si, o poderoso e inchado aparato militar e de artilharia é uma notável
vantagem, à revelia do problema estrutural que se revela446; basta observarmos que a
Rússia pôde garantir a vitória de Assad na Síria pelo uso da aviação e marinha, ou seja,
relativamente (não absoluto) distante do “problema humano” de se enviar tropas
terrestres. A “guerra de quarta geração” (disputa ideológica, manipulação informativa,
ataque indireto ou “terceirizado”, ameaças por meio de manobras militares, propaganda,
vigília por meio da informática, guerras virtuais, etc.) está incluída, mas dá-se um peso
imaginativo demasiado sobre na medida em que, em real, corresponde às guerras
concretas ou em estado de latência – trata-se um recurso auxiliar e importante em uma
época de meios de informação/comunicação poderosos;

F)

O marxista Santiago Marimbondo responde a poêmica entre guerra de movimento e


guerra de posição:

“O proletariado, portanto, deve estar preparado para aproveitar esse momento de crise
orgânica (momento de crise na dominação burguesa, de contestação a sua hegemonia,
tanto porque essa classe falhou em uma grande empreitada para a qual solicitou apoio
popular, ou por conta de uma grave crise militar ou econômica) para aproveitar da
desorganização dos aparatos hegemônicos burgueses e da coordenação dos aparatos
estatais e dos próprios a sociedade civil para organizar e preparar uma batalha decisiva.”

“Mas essa capacidade por parte de nossa classe de aproveitar esse momento de
desorganização, por definição efêmero, pressupõe todas as pequenas batalhas e conflitos
anteriores, cada greve e conflito de classe, que foram as escolas de guerra que
prepararam o proletariado para o momento decisivo.”
“Vemos assim que muito longe de uma oposição polar entre dois momentos
marcadamente distintos estratégia de desgaste e pela decisão, guerra de posição e guerra
de movimento, são momentos complementares da estratégia proletária para a revolução
no “ocidente”, com predominância do segundo momento.”
“Uma correta coordenação entre os dois momentos, o saber transitar entre a guerra de
posição e a guerra de movimento, o saber apreender o momento em que a luta por
conquistar trincheiras deve se transformar na luta decisiva pela tomada do poder, é parte

446
Em si, as vantagens militares burguesas são superiores. Um exército revolucionário – onde as táticas
defensivas são subordinadas às táticas e estratégias ofensivas – tem de construir pontos nodais, de
estrangulamento do aparato inimigo, tornado um fardo por si mesmo, durante a crise revolucionária
(ex: o ataque “indireto” – aos recursos, combustível, comunicações, transportes etc. dos exércitos
inimigos). Em geral, guerras civis tendem a flutuar num tempo de 10 anos, algo abaixo ou acima;
sabemos: quanto menos durar, melhor. Porém, este é mais um dos elementos no cálculo militar. A
revolução russa, a guerra do Afeganistão (Al kaeda teve apoio dos EUA) e a trágica guerra civil síria
mostram a necessidade da política acertada como condição primeira da vitória e o internacionalismo
proletário prático, a solidariedade de classes, o apoio externo classista, como elemento necessário para
o triunfo da revolução em escala nacional. Uma organização mundial dos trabalhadores é condição sine
qua non.
essencial da arte revolucionária que apenas a experiência concreta, que certamente ainda
viveremos, poderá nos proporcionar.”447

G)
O preço dos armamentos e munições, a exigência de especialização para o uso de certas
armas, a dificuldade de achar armas e calibres homogêneos para uso em massa: estas
dificuldades não são menores. Portanto, não é verdade que o proletariado “está com a
faca e o queijo na mão”; revoluções sociais geram guerras civis, que são partos
dolorosos. O resultado do futuro ainda não está definido.

Em um artigo que serviu de base para este capítulo (Estado Islâmico – aspectos
Operacionais: Revolução Tática ou Infantaria Leve na Era Global, de Frederico
Aranha), encontramos uma observação intuitiva do autor:

Neste sentido, pode-se conjecturar que uma tal forma de organização é comparável
à que existiu entre o século quinto e o oitavo da nossa era, com o surgimento dos
nômades das estepes (Vândalos, Avaros, Godos, Magiares) e os árabes, todos capazes
de derrotarem os exércitos ocidentais graças a sua mobilidade extraordinária. Esta
comparação tem como objetivo colocar a perspectiva "revolução tática" para identificar
alguns elementos potenciais. A resposta do Ocidente para as invasões dos cavaleiros da
estepe é esclarecedora sob diversos aspectos para a nossa realidade contemporânea. Sob
os repetidos golpes, o Império Romano e o mundo carolíngio se desintegraram deixando
espaço para outros mais capazes combater as ameaças. No caos deste período surgiram,
em função das distâncias muito grandes e comunicações primitivas, inúmeros pequenos
exércitos aptos a garantir uma defesa eficaz. Desse modo, a solução foi a transferência
das responsabilidades militares à aristocracia local mais capaz de proteger áreas
nacionais contra invasões e ataques. O historiador Michael Howard (v.bibl.) observa a
este respeito: Não é de surpreender que um tipo de sociedade que pode garantir a
sobrevivência dos povos da Europa em tais condições, apareceu: as gerações seguintes
de historiadores deram-lhe o nome de 'feudalismo'.448

Se o pesquisador fosse comunista, talvez percebesse: vivemos o último momento


desse sistema, por isso a realidade necessita e está mais que madura para um sistema de
milícias operária e popular! Incluso pela alta urbanização, o armamento dos
trabalhadores, sustentado na prosperidade socialista, permitirá a reorganização social
após o colapso de nossa Roma, o mundo do capital. Mas existe também outra
possibilidade... a barbárie: uma rede de milícias privadas, de empresas mercenárias, para
os ricos, encerrando a era das forças estatais, está em igual gestação. E que o leitor não
se assuste ao afirmarmos aquilo antes ficção, o fato de estarmos à beira de uma
revolução cibernética – robôs-soldados, inteligência artificial, etc. – na indústria
armamentista:

“O Google adquiriu a empresa criadora do robô mais veloz do mundo e de outras


máquinas que lembram animais – e são assustadoramente realistas –, fornecidas aos
447
http://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=7523
448
http://www.defesanet.com.br/terror/noticia/20847/ESTADO-ISLAMICO---ASPECTOS-OPERACIONAIS-
-Revolucao-Tatica-ou-Infantaria-Leve-na-Era-Global/
militares americanos. A compra da Boston Dynamics pela companhia de internet é a
mais recente aquisição na área de robótica sob uma misteriosa iniciativa encabeçada por
Andy Rubin, ex-principal executivo do sistema operacional Android. No momento em
que a Amazon prepara uma frota de drones para entrega de encomendas, a Boston
Dynamics é o maior troféu já conquistado pelo Google na guerra por robôs.”
“Entre as criações que saem dos laboratórios da empresa e são capazes de rastejar,
pular e galopar estão o Big Dog, um robô de quatro patas capaz de escalar terrenos
irregulares, e o Cheetah, que seria o detentor do recorde de robô de pernas mais ágeis,
ao correr à velocidade de mais de 46,4 quilômetros por hora.”
“Muitos dos robôs da Boston Dynamics foram desenvolvidos com recursos do
Darpa, a divisão de pesquisa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. “O futuro
parece terrível!”, disse Rubin, em um tuíte com link para o jornal The New York Times,
que noticiou a aquisição no sábado. O Google confirmou o negócio, mas preferiu não
dar detalhes sobre o preço ou seus planos. A aquisição é o mais recente sinal do
repentino e, para muitos, espantoso interesse por robôs da parte de empresas de vendas
online de produtos de consumo.”449

Esta verdadeira Skynet pretende reduzir tanto quanto possível a zero esta
contradição da guerra, o ser humano450.

“A inteligência artificial está atingindo um desenvolvimento tão intenso que


inquieta até seus pesquisadores pelo uso indevido que se pode fazer dela. Mais de 1.000
cientistas e especialistas em inteligência artificial e outras tecnologias assinaram uma
carta aberta contra o desenvolvimento de robôs militares autônomos, que prescindam da
intervenção humana para seu funcionamento. O físico Stephen Hawking, o cofundador
da Apple Steve Wozniak, e o do PayPal, Elon Musk, estão entre os signatários do texto,
que foi apresentado na terça-feira em Buenos Aires, na Conferência Internacional de
Inteligência Artificial, um congresso onde estão sendo apresentados mais de 500
trabalhos dessa especialidade e ao qual comparecem vários signatários do manifesto.”

“O documento não se refere aos drones nem aos mísseis comandados por humanos,
mas a armas autônomas que dentro de poucos anos a tecnologia de inteligência artificial
poderá desenvolver e isso significaria uma “terceira revolução nas guerras, depois da
pólvora e das armas nucleares”.”
“Especialistas reconhecem que existem argumentos a favor dos robôs militares,
como o fato de que reduziriam as perdas humanas em conflitos bélicos. Ao contrário
449
http://observatoriodaimprensa.com.br/e-
noticias/_ed778_google_reforca_suas_fileiras_na_guerra_dos_robos/
E: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/12/1386360-google-compra-empresa-de-robos-
militares.shtml
E: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/12/google-compra-fabricante-de-robos-boston-
dynamics.html
E: https://www.tecmundo.com.br/google/48256-google-adquire-empresa-de-robotica-boston-
dynamics.htm
450
Embora considerado muito improvável dos pontos de vista científico e intuitivo; a teoria filosófica
marxista, teoria da alienação – humanização das coisas na proporção inversa à coisificação dos homens
–, aponta esta hipótese “literária”: o maquinário autointegrado possuidor de autoconsciência, ou seja, a
criatura domando e destruindo o criador.
das armas nucleares, as autônomas não apresentam custos elevados e nem requerem
matérias-primas difíceis de obter para sua construção, de acordo com os signatários. Por
isso eles advertem que é “apenas uma questão de tempo” para que essa tecnologia
apareça no “mercado negro e nas mãos de terroristas, ditadores e senhores da guerra”.”
““Elas são ideais para assassinatos, desestabilização de nações, subjugação de
populações e crimes seletivos de determinadas etnias”, alertam os cientistas, que
propõem que a inteligência artificial seja usada para proteger seres humanos,
especialmente civis, nos campos de batalha. “Começar uma carreira militar nas armas
de inteligência artificial é uma má ideia”, advertem. Os cientistas comparam essa
tecnologia com as bombas químicas ou biológicas.”

Em suas épocas, Lenin e Trotsky mal tinham acesso ao artigo de luxo rádio,
imaginavam a TV por meio da ficção e é duvidoso que sequer tenham imaginado a
internet; percebemos que nossas questões técnicas são qualitativamente diferentes das
deles. E o que essas mentes raras diriam? Eis a tarefa coletiva dos marxistas atuais.
QUESTÃO CONJUNTURAL: A ETAPA HISTÓRICA PÓS-QUEDA DO MURO:
EM QUAL ETAPA HISTÓRICA ESTAMOS?

É verdade que a década de 1990 marca uma derrota com o fim dos Estados operários
(degenerados) e, por consequência, recuo na consciência das massas e degeneração dos
partidos vermelhos. Também é verdade, por outro lado, que se liberaram possibilidades
contidas pelo aparato estalinista, em todo o mundo, e a história deu razão ao trotskismo.
Como resolver esta equação? A resposta que oferecemos é esta: abriu-se uma etapa
reacionária mundial. E agora estamos à beira de uma etapa revolucionária ou
contrarrevolucionária (ambos os pólos irão se impor em variação e de novo). A hipótese
alternativa é a de que, além das etapas revolucionárias e contrarrevolucionárias, há
outras, onde, neste caso, com a queda do Mudo de Berlim, entramos numa etapa
reacionária mundial. Um exemplo, nível de nação, em Moreno:

“Por exemplo, nesta etapa de revolução iminente que vivemos a nível mundial desde
1943, muitos países atravessaram ou atravessam etapas contra-revolucionárias a nível
nacional (Indonésia, o Cone Sul latino-americano, a URSS, etc). Outros países
mantiveram-se em etapas de pouca luta de classes, de equilíbrio na relação de forças
entre o proletariado e a burguesia, quer dizer, etapas não-revolucionárias (quase todos
os países imperialistas e muitos semicoloniais). E outros que já mencionamos,
finalmente, que são os que marcam a dinâmica, o signo da etapa revolucionária,
atravessaram etapas revolucionárias que levaram ao triunfo da revolução, que foi
abortada ou congelada, ou que foi derrotada.” (Revoluções no século XX, 1984;
extraído de: https://www.marxists.org/portugues/…/1984/mes/revolucoes.htm)

Assim, não estamos numa etapa não revolucionária, revolucionária ou


contrarrevolucionária; mas numa derrota gerando forte recuo reacionário. Para que o
leitor melhor abstraia uma possível etapa reacionária, damos um exemplo comparativo
em outra escala, de situação reacionária:

“Da mesma forma, dentro de uma etapa podemos encontrar diferentes tipos de
situações. Uma etapa revolucionária não pode deixar de sê-lo se a burguesia não
derrotar duramente, na luta, nas ruas, o movimento operário. Porém, a burguesia, se
tiver margem, pode manobrar, pode convencer o movimento operário que deixe de
lutar. Assim se abriria uma situação não-revolucionária, porém a etapa continuaria
sendo revolucionária, porque o movimento operário não foi derrotado. Inclusive, a
burguesia pode reprimir, sem chegar aos métodos de guerra civil, o movimento operário
e impor derrotas que o fazem retroceder, abrindo uma situação reacionária, porém
continuaria estando dentro da etapa revolucionária. Por exemplo, o governo de Gil
Robles, que ocorreu no meio da revolução espanhola, iniciada em 1931, foi um governo
reacionário que reprimiu duramente o proletariado e criou uma situação reacionária.
Porém, ao não ser derrotado o conjunto do movimento operário espanhol, a etapa
continuou sendo revolucionária. A melhor prova disso é que poucos anos depois
estourou a guerra civil.” (Idem.)

Assim, fomos duramente derrotados, entretanto não anulados por nazismos, invasões
imperialistas à URSS etc. Disto vale recordar: os movimentos anti-restauração, como a
confusa e heroica luta chinesa, que se encerrou no massacre na Praça da Paz Celestial,
nem sempre geraram democracia burguesa, não mudaram o regime político. Mesmo a
Rússia fechou seu regime, de democracia para semibonapartismo, pouco após seu
retorno ao capital.
A etapa é determinada, em primeiro, pela relação de superestrutura objetiva –
instituições, Estado, partidos, organização etc. – derivada de uma determina correlação
de forças entre burguesia e proletariado. Ao lado da queda do aparato stalinista ocorreu
a restauração do capitalismo, mecanismo que fez recuar a consciência das massas,
degenerou e fragilizou organizações (Vendaval Oportunista, caracterização da
organização LIT-CI), fortaleceu a posição burguesia no cenário mundial, impôs-se
derrotas a movimentos contra o neoliberalismo.
A CRISE MUNDIAL E A NOVA SITUAÇÃO DAS PAUTAS DEMOCRÁTICAS
E DAS LUTAS DOS SETORES OPRIMIDOS. POPULAÇÃO

Há alguns elementos diferenciados que devemos levar em conta atualmente: a) os


direitos de liberdade coletiva têm sido cada vez mais reduzidos em países democráticos
(aqui falamos da liberdade de organização, de greve e imprensa, etc.); b) os direitos de
liberdade de teor em especial e aparentemente individuais têm sido mais conquistados
(nesse caso falamos sobre o tema da maconha, aborto, LGBTs, etc. – são direitos
coletivos apresentados como direitos individuais).

Apresentaremos uma avaliação das razões a seguir:

A)
A crise conjuntural do capitalismo soma-se a sua crise estrutural-orgânica e de era. Não
há apenas superprodução: toda nova tecnologia e novas mercadorias em velocidade são
consumidas, rapidamente baixam os preços e rapidamente ficam saturadas no mercado.
Um dos mecanismos da burguesia para sair da crise é desbravar e criar novas fontes de
lucro, mas encontra hoje dificuldade nisso. A legalização da maconha, a permissão de
aborto pago e o mercado de consumo LGBT ajudam nesse sentido, o da criação de
novos mercados lucrativos.

Quanto ao lucro, digamos, democrático, um bom exemplo dos EUA:

“O Colorado, primeiro estado americano a legalizar a maconha recreativa, se


espantou com a quantidade de impostos recolhidos com a venda da droga no ano fiscal
encerrado em junho.”

“Foram US$ 70 milhões (R$ 272 milhões) de receitas geradas, quase o dobro dos
US$ 40 milhões (R$ 144,5 milhões) previstos.”

“E o que fazer com esse ótimo problema a ser resolvido? A resposta foi um dia de
venda de maconha legalizada livre de impostos.”

“Ou seja: todos os consumidores que passaram pelas lojas oficiais nesta quarta-feira
(16) economizaram cerca 25% do valor da compra.”451

B)
Ao mesmo tempo em que a burguesia pode chegar a permitir novas liberdades para fins
de lucro, ela precisa reduzir uma série de mecanismos de democracia por onde as
massas tendam a exercer sua autonomia. A burguesia sente a decadência da sociedade e
reage por antecipação.

C)

451
http://exame.abril.com.br/mundo/colorado-recolhe-r-272-mi-com-maconha-e-tem-dia-sem-
imposto/
O principal obstáculo a alguns direitos democráticos (uso da maconha, aborto,
direitos LGBTs) é a superestrutura subjetiva, as ideologias e, a partir disso,
organizações que se apoiam na ideologia para fins próprios (Igreja, políticos, partidos,
etc.). Por isso, investe-se – no campo burguês – em figuras públicas com moral,
exposição de exemplos positivos, usa-se a mídia, fazem do Uruguai e outros países um
“laboratório de teste” e propaganda, apela-se à ciência e à medicina. Usa-se também,
pelos conflitos ideológicos, mediações: inicia-se o acesso ao direito pela via estatal e
gratuita para logo após abrir à iniciativa privada, preparar adaptações, transições,
liberações controladas e parciais. No caso do Brasil, parte dos direitos dos LGBTs foi
conquistado via judiciário como meio mais seguro, com autoridade popular e menos
conflituoso.

D)
Há que ressaltar que é uma disputa em aberto, inclusive é parte de um racha entre
setores burgueses. O que existe é o fortalecimento de um dos polos, de uma tendência
ao direito. Porém, o guia burguês é o lucro; se há, como exemplificação, uma queda
violenta e tendencial da gestação, o capital precisa que o proletário – aquele cuja força
de trabalho e a prole são suas únicas propriedades – e demais assalariado renovem o
estoque desta mercadoria especial, o trabalhador. Como veremos, há uma dura queda da
taxa de crescimento da população mundial com a urbanização, pós-1970:

Pra visualizarmos com maior concretude o gráfico acima:

(…) O declínio da taxa de reposição populacional, isto é, o número que filhos que
uma mulher deve ter para que a população total de um país não diminua nem aumente, é
de 2,1: duas crianças substituem os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar os
indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva. Coloca-se que 1,9 é uma
taxa limite e que o 1,3 que a Alemanha e muitos países europeus convivem, é
irreversível. É uma pirâmide invertida.
(…)

A diminuição acentuada dos habitantes de alguns países europeus é uma


experiência nova, que debilita fortemente suas economias e infraestrutura. É preciso ter
mão de obra suficiente para levantar prédios, pontes e hospitais e também, no
capitalismo moderno, produzir manufaturados em condições competitivas com países
que possuem uma grande reserva de trabalhadores (o que deprecia seus salários e
derruba os preços das mercadorias).

Enquanto o problema aumenta, na Letônia o assunto é ainda mais preocupante. O


presidente Andris Berzins afirmou em março deste ano que se os residentes da nação
báltica não fossem impedidos de deixar o seu território, a Letônia teria problemas de
independência em dez anos.

A situação é mais crítica especialmente na Europa Oriental. Países como


Bielorrússia, Bulgária, Hungria, Moldávia, Rússia, Ucrânia, Letônia, Albânia, Croácia e
Sérvia enfrentam quedas consideráveis de população há décadas, em especial desde os
anos 1980.

Entre 1985 e 2010, a Bulgária passou de uma população de cerca de 8,9 milhões de
habitantes para 7,2 milhões, uma perda de mais de 1,5 milhão de pessoas. Em um
cenário de alta fecundidade, o país deve fechar o século com 6,2 milhões de habitantes,
segundo estimativas da ONU. Caso a baixa fecundidade se mantenha, esse número
cairia para 1,7 milhão.

Cenário semelhante enfrenta a Rússia. Em 1993, o país tinha 148,8 milhões de


habitantes. Em 2010, registrou 143,6 milhões. Uma queda de 5,2 milhões em apenas 17
anos. É como se toda a população de Salvador desaparecesse duas vezes. “A população
russa só não diminui de forma mais dramática porque o país recebe uma imigração
sustentável de milhões de russos étnicos de outras ex-repúblicas soviéticas”, conta
Sobotka.

O Brasil, por outro lado, enfrenta um prognóstico diferente. Caso o País tenha uma
fecundidade alta, serão 330,8 milhões de brasileiros até o final do século, a maioria
deles jovens. Com baixa fecundidade, o país perderá quase metade de sua população
atual, chegando a 107,1 milhões de habitantes.

De qualquer forma, levando em conta apenas a comparação entre a quantidade de


nascimentos e mortes para cada grupo de 1 mil pessoas, a maioria dos países acima já
apresenta números negativos desde ao menos os anos 1990. A exceção é a Albânia, que
desde 1950 nunca teve saldo negativo neste item.
(…)
O Japão, neste cenário, é um dos países com maior proporção de pessoas na terceira
idade. Em 1950, os japoneses com mais de 65 anos eram apenas 4,9% da população.
Hoje, são 23%. As pessoas com mais de 50 anos já chegam a 43,6% e os acima de 80
anos são 6,3% do total. O número de jovens de até 24 anos, por outro lado, encolhe. Em
1950, essa parcela da população representava 55% dos japoneses. Agora são 23,4%.
Uma queda de 57,4% em pouco mais de meio século.452

452
http://jornalggn.com.br/noticia/os-riscos-do-crescimento-demografico-negativo-na-europa
Devemos recordar que foi parte da decadência imperial romana a necessidade de
guerrear para ter mais e manter a quantidade de escravos nos campos de trabalho.
Inevitavelmente, isso gera fenômenos inéditos:

“Na última segunda-feira milhares de mulheres saíram às ruas nas principais


cidades polonesas para protestar contra a possível proibição total do aborto. Coletivos
feministas e pró direitos humanos tinham convocado as polonesas a uma greve geral
para expressar rejeição à modificação da atual lei.”

“Também nesta quarta, o presidente do Senado, Stanislaw Karczewski, garantiu


que "serão levados em conta os protestos de segunda-feira passada", e informou que a
comissão de trabalho sobre o projeto de lei não iniciará sua atividade por enquanto.”

“A legislação vigente, que data de 1993 e é considerada uma das mais restritivas da
Europa, só permite a interrupção da gravidez em caso de estupro ou incesto, quando
representa um risco para a saúde da mãe e quando o feto apresenta más-formações
graves.”

“A mobilização das mulheres polonesas "nos fez pensar e foi uma lição de
humildade, (...) avaliamos a importância destes protestos e a boa intenção de grande
parte dos que protestaram", explicou o vice-primeiro-ministro Gowin.”453

Em especial nos países de maior qualidade de vida, os líderes políticos do capital


lutam por esconder a necessidade de manter uma massa de desempregados – e medo do
desemprego, este chicote abstrato! – para que os salários baixem, exista concorrência
entre os iguais, realimente o consumo, etc.; isto é uma expressão própria da crise
sistêmica, a dura queda da natalidade diante da urbanização454. A crise mundial acentua
esta tendência à queda urbana de natalidade:

A crise poderá provocar um aumento de natalidade entre as mulheres mais velhas,


que "não podem esperar muito mais", e uma redução entre as mais novas, defendeu a
presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

453
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/10/apos-protestos-de-mulheres-polonia-recua-na-
proibicao-total-do-aborto.html
454
Este problema pode ser relativizado em parte pela imigração, como no Canadá. No mais, de modo
análogo, a morte de um terço da população europeia por razão da peste negra no final do feudalismo
foi um fato importante para a substituição do sistema, pois gerou problemas na capacidade de
produção feudal e mão de obra, o que abriu espaço para o capitalista comerciante.
Portugal vive um grave problema de envelhecimento da população. As mulheres
têm cada vez menos filhos e a opção de ser mãe é tomada cada vez mais tarde. Com a
atual crise económica, a situação poderá agravar-se.

"Tínhamos uma expectativa de recuperação de fecundidade nas faixas etárias mais


jovens, mas penso que o desemprego e a precariedade podem ter um efeito negativo que
leve a que as mulheres que estão no período ótimo da fecundidade, na faixa etária entre
os 25 e os 30, continuem a adiar", disse à Lusa a presidente da Associação Portuguesa
de Demografia, Maria Filomena Mendes.

A "incerteza face à economia e ao futuro pode ser muito marcante em termos da


decisão de fecundidade e pode ter uma implicação não no número de filhos que as
pessoas vão acabar por ter no fim da sua vida fértil, mas no número de filhos que têm
agora. Poderão adiar mais uma vez", explicou Maria Filomena Mendes.

A situação acabará por se "refletir numa diminuição de nascimentos no país". No


entanto, a presidente da Associação Portuguesa de Demografia acredita que as mulheres
mais velhas poderão vir a contrabalançar a situação.

Consciente de uma possível diminuição da fecundidade provocada pelas


portuguesas mais jovens, Maria Filomena Mendes olha com esperança para as mais
velhas.

"A crise poderá ter um efeito nos casais, em particular nas mulheres que ainda não
tem filhos e que querem ter pelo menos um filho e que já adiaram muito", defendeu.

As mulheres com mais de 35 anos, que "não podem adiar muito mais" só têm duas
opções: "ou renunciam completamente a ter filhos ou independente da crise poderão
recuperar esse adiamento e terem pelo menos um filho mesmo em tempo de crise".

"Contrariamente ao que seria espectável, poderemos ter nessas faixas etárias um


aumento do número de nascimentos", defendeu.

Ou seja, "a crise pode ter aqui dois efeitos" e "o futuro vai ser uma conjugação
destes dois efeitos".

Adiar o nascimento do primeiro filho é uma tendência que se vem registando nas
últimas décadas em Portugal: nos anos 60 era habitual as mulheres serem mães aos 25
enquanto nos últimos tempos a maioria decide ter filhos quando passa a barreira dos
30.455

455
http://www.dn.pt/ciencia/saude/interior/amp/crise-aumenta-taxa-de-natalidade-em-mulheres-
mais-velhas-2308308.html
Mais: 1. http://www.dn.pt/sociedade/interior/e-ao-fim-de-cinco-anos-portugal-voltou-a-ter-mais-
bebes-4984930.html
2. http://sicnoticias.sapo.pt/economia/2012-02-16-crise-pode-contribuir-para-que-decisao-de-ser-mae-
seja-tomada-cada-vez-mais-tarde
3. https://www.publico.pt/2013/05/28/sociedade/noticia/portugueses-estao-a-adiar-o-nascimento-do-
primeiro-filho-por-causa-da-crise-1595717
Gráfico Global de fecundidade (2015)456:

Da luta em relação ao excedente populacional, há duas outras saídas em médio


prazo: o socialismo, colocando fim aos problemas do sistema, ou um tipo novo de
escravidão, ao lado de uma massa enorme de inválidos descartáveis, para compensar a
decadência do capitalismo e a escassez e rebeldia da “ferramenta falante” (quer dizer:
processo de consolidação do sistema bárbaro). Esta última saída, a barbárie, está em sua
fase embrionária com o aumento dos trabalhos escravos pelo mundo457. Por exemplo,
nos EUA há mais presos hoje que escravos no século XVIII… e trabalham muito mais:

“Hoje, os presidiários produzem de tudo, por quase nada. Por exemplo, eles
produzem 100% da maioria do material usado pelos militares: capacetes, uniformes
completos, cinturões de munição, veste à prova de balas, crachás, bolsas e cantis. E
equipamentos mais sofisticados, como óculos de segurança com visão noturna,
armaduras, dispositivos de rádio e comunicações, componentes para canhões antiaéreos,
caça-minas e equipamentos eletro-ópticos.”

“(..) Além disso, os prisioneiros fornecem, para todo o mercado, 98% dos serviços
de montagem de equipamentos, 92% da montagem de fogões, 46% das armaduras
fabricadas, 36% dos aparelhos domésticos, 30% dos fones de ouvido, microfones e alto-
falantes e 21% dos móveis para escritório. Também fabricam peças para avião,
suprimentos médicos e até mesmo treinam cães para cegos.”458

456
Fonte: The World Factbook, CIA. https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/fields/2127.html
457
Na América, o capitalismo “mercantil” utilizou trabalho escravo negro por uma única razão, falta de
mão de obra abundante e disciplinada.
458
http://www.conjur.com.br/2014-set-13/fimde-trabalho-presos-eua-forte-controverso-nunca
Graficamente, a expansão nível de aprisionamento459:

Este é elemento – um dos, não o central – agregador e circular-espiral da


decadência embrionária: a miséria gera presos que trabalham duro por quase nada e isto,
então, tira emprego dos “cidadãos livres”, alimentando a precarização social e, por isso,
maior bandidagem, que é aprisionada e trabalha etc. Este ciclo associado ao todo anda,
ao lado, com a falsa ideologia de que o trabalho sob o capitalismo é moralizador, digno
e positivo.
Observemos numa escala mais ampla:

Apesar de a escravidão ter sido expressamente abolida em diversos países, seu uso
continua disseminado pelo mundo sob a denominação de “formas contemporâneas de
escravidão”.

O fenômeno adaptou-se às transformações das relações de capital, trabalho e


produção ocorridas ao longo dos últimos séculos, e tomou novas formas. A prática
compreende violações diversas, incluindo o trabalho forçado, a exploração do trabalho
infantil, a utilização de crianças em conflitos armados, a servidão por dívidas, a servidão
doméstica, casamentos servis, a escravidão sexual e o tráfico de pessoas.

Em 2012, a OIT estimou que cerca de 21 milhões de pessoas estejam submetidas a


trabalho forçado . Quase metade delas (11,4 milhões) são mulheres e meninas. Do
número total de vítimas, 19 milhões são exploradas por indivíduos ou na economia
privada, e mais de dois milhões por Estados ou por grupos rebeldes.
459
ttps://www.bjs.gov/index.cfm?ty=tp&tid=11
Daqueles explorados por indivíduos ou empresas, 4,5 milhões são vítimas de
exploração sexual forçada.

O trabalho escravo na economia privada gera, a cada ano, US$ 150 bilhões de lucros
obtidos de forma ilegal.

Estudos realizados em 2005 e 2009, por outro lado, apontaram também que as vítimas
de trabalho forçado deixam de receber pelo menos US$ 21 bilhões a cada ano em
salários não pagos e taxas de recrutamento ilegais. O trabalho doméstico, a agricultura,
a construção, a manufatura e a indústria do entretenimento estão entre os setores mais
afetados globalmente pelo problema.

Trabalhadores migrantes e outros grupos, tais como afrodescendentes e povos


indígenas, por sua vez, são particularmente vulneráveis a esse tipo de exploração.

O trabalho escravo é um problema verdadeiramente global, que afeta todos os países do


mundo, de uma forma ou de outra.

A região com a maior prevalência (definida como o número de vítimas por mil
habitantes) é o centro e sudeste da Europa (compostos por países que não integram a
União Europeia) e a Comunidade de Estados Independentes (4,2 por 1.000 habitantes).
Em seguida, estão a África (4 por 1.000 habitantes), Oriente Médio (3,4 por 1.000
habitantes), Ásia-Pacífico (3,3 por 1.000 habitantes), América Latina e Caribe (3,1 por
1.000. habitantes) e, por fim, as economias desenvolvidas e a União Europeia (1,5 por
1.000 habitantes).

No entanto, quando consideramos os números absolutos, a Ásia aparece em primeiro


lugar, seguida pela África, América Latina e demais regiões. Isto acontece porque a
prevalência relativamente alta no centro e sudeste da Europa e na Comunidade de
Estados Independentes reflete o fato de que estas regiões têm populações muito menores
do que, por exemplo, a Ásia, onde há uma densidade populacional consideravelmente
maior.460

Na outra ponta, a decadência social pode ser medida também pelo nível de respeito
para com os envelhecidos, os aposentados. O capitalismo é, cada vez mais, como a tribo
a colocar os velhos em cima de uma árvore para balançá-la e testar, assim, quem ainda
tem forças para manter-se firme e viver:

[Título:] Idosos gregos tentam virar ônibus da polícia em protesto por cortes em
aposentadoria.

Um ônibus da polícia quase foi virado em uma manifestação de aposentados em


Atenas, na Grécia.

460
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf
Os idosos protestavam contra cortes em aposentadorias. As medidas fazem parte do
pacote de ajuste fiscal negociado entre o governo grego e seus credores.

A polícia dispersou os manifestantes com bombas de gás lacrimogênio.

A Grécia está mergulhada em uma crise econômica desde 2010. Hoje, as


aposentadorias na Grécia valem entre 25% a 50% do que valiam antes da crise.461

O marxismo coloca a juventude proletária como a protagonista energética inicial


dos processos revolucionários, reerguendo a moral e autoconfiança dos trabalhadores
maduros. Pois bem; quando também os idosos vestem-se de energia revolucionária, de
genuína revolta, o que isto quer dizer? Pouco há de acaso o fato de o suicídio ser maior
entre idoso e, no entanto, esta informação seja pouco debatida.
Qual a tendência real: legalizar o aborto e os direitos LGBTTs (que não produzem
filhos) ou ir contra para garantir a proliferação dos assalariados? Superpopulação urbana
ou redução tendencial? Parece estar exposta uma contradição, mas apenas do ponto de
vista formal. As duas tendências são operantes, em primeiro lugar, por razão da crise
sistêmica do capitalismo; agregado a isso: 1) ao camponês, os filhos são mão de obra
tão logo aprendam a andar; aos da urbanidade as crias são despesas e redução do tempo
livre; 2) a burguesia divide-se um pouco mais entre setores de visões opostas (ex:
legalizar ou não o porte de armas gera divisão interburguesa); 3) a concentração humana
citadina aumenta a capacidade latente de exigir diretos; 4) a escravidão em regime de
castas é a visualização do regime de transição à barbárie, caso ocorra, como mudança
nas relações de produção e sociais. Por exemplo: o aumento do tempo de contribuição
para aposentadoria e a redução dos salários dos aposentados têm por função manter uma
maior mão de obra disponível por mais tempo e menos custo; somos escravos
assalariados, porém e além a elevação das contradições internas é a manifestação
própria da tendência ao fim do sistema. Segundo exemplo: os trabalhadores de alguns
países da Europa conquistaram o direto ao aborto, empresas lucram com esse direito,
mas a natalidade despenca por fatores gerais e o sistema precisa de excedente
populacional para consumir, empregar e ter força na luta de classes (aumentar a
concorrência pela venda da força de trabalho); junto às demais contradições, esta
oposição alimenta a crise social. Continua o deslocamento humano do campo para a
cidade e continua a tendência à queda da natalidade; a tendência à superconcentração
humana na urbanidade, por diferentes meios, gera a contratendência.
Como se resolve isto? Não existe superpopulação em si; nem do ponto de vista
ambiental, pois porderíamos revolucionar a técnica para 1) nova fonte de energia
renovável e limpa; 2) produtividade de alimentos de tipo novo, não desturitivo e mais
elevado; 3) novo trato com matérias-primas (formas abstratas, reutilização, salor de uso
múltiplo, exploração dos recursos de outro planeta, aumentar a resistência dos materiais
etc.). Ocorre, em verdade, concetração humana abrindo caminho para revoluções e,
também alimentando a história, o processo de automatização e automação nos setores
produtivos e não produtivos como criadores de desemprego e precarização. O problema
da superpopulação e da queda de natalidade é na forma capitalista. Se queda da
natalidade também é um problema ao capital, então isto estumula resolver o problema

461
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37553763
da população absoluta (considerada do ponto de vista capitalista) com a
superporpulação relativa, automação e desemprego.
Abramos uma diferenciação. A discussão levantada tem relação categorial relativa,
relacionada ao externo; por exemplo: a superprodução crônica está definida pelos
limites da capacidade de elevação do consumo das massas sob o capitalismo, mesmo
que esta ainda morra de fome e hipoteticamente, desconsiderando as leis do sistema
(abstração), possa elevar muito sua capacidade de acessar as mercadorias. Assim igual,
a superconcentração urbana mostra-se como superpopulação humana em relação aos
limites internos do capital, portanto deixa de ser algo em si para ser medida por suas
consequências sistêmicas.
Verificamos esta observação geral por Marx, O Capital I:

O que a experiência mostra aos capitalistas é, em geral, uma constante


superpopulação, isto é, um excesso de população em relação às necessidades
momentâneas de valorização do capital, embora esse fluxo populacional seja formado
por gerações de seres humanos atrofiados, de vida curta, que se substituem uns aos
outros rapidamente e são, por assim dizer, colhidos antes de estarem maduros. No
entanto, a experiência mostra ao observador atento, por outro lado, quão rápida e
profundamente a produção capitalista, que, em escala histórica, data quase de ontem,
tem afetado a força do povo em sua raiz vital, como a degeneração da população
industrial só é retardada pela absorção contínua de elementos vitais naturais-
espontâneos do campo e como mesmo os trabalhadores rurais, apesar do ar puro e do
principle of natural selection [princípio da seleção natural] que reina tão soberano entre
eles e só permite a sobrevivência dos indivíduos mais fortes, já começam a perecer. O
capital, que tem tão “boas razões” para negar os sofrimentos das gerações de
trabalhadores que o circundam, é, em seu movimento prático, tão pouco condicionado
pela perspectiva do apodrecimento futuro da humanidade e seu irrefreável
despovoamento final quanto pela possível queda da Terra sobre o Sol. Em qualquer
manobra ardilosa no mercado acionário, ninguém ignora que uma hora ou outra a
tempestade chegará, mas cada um espera que o raio atinja a cabeça do próximo, depois
de ele próprio ter colhido a chuva de ouro e o guardado em segurança. Après moi le
déluge! [Depois de mim, o dilúvio] é o lema de todo capitalista e toda nação capitalista.
O capital não tem, por isso, a mínima consideração pela saúde e duração da vida do
trabalhador, a menos que seja forçado pela sociedade a ter essa consideração. Às
queixas sobre a degradação física e mental, a morte prematura, a tortura do
sobretrabalho, ele responde: deveria esse martírio nos martirizar, ele que aumenta nosso
gozo (o lucro)? De modo geral, no entanto, isso tampouco depende da boa ou má
vontade do capitalista individual. A livre-concorrência impõe ao capitalista individual,
como leis eternas inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista. (P. 431, 432;
Ed. Boitempo, 2013, versão digital.)

Os diretos básicos, trabalhistas, são uma necessidade do próprio capitalismo para 1)


dar condições equitárias de exploração; 2) evitar a autodestruição do capital. Serve de
exemplo o impulso que o semifascista Getúlio Vargas dá à indútria criando os diretos
trabalhistas, condições mínimas de exploração, como uma das medidas necessárias.
Hoje, o capitalismo tende a enfrentar seus problemas rompendo este limite, esta base, o
que revela uma degeneração interna do organismo.
Vejamos do ponto de vista das táticas burguesas. Consideremos a informação de
base e contradição central, a crise sistêmica: se a burguesia elevar ainda mais a
população – imigração, estímulo à natalidade etc. – gera maior base numérica e
degradação social para a luta de classes desemborcar em revoluções e/ou
contrarrevoluções; se a burguesia deixar manter ou reduzir a população – proibir
imigração, legalização do aborto, direitos aos LGBTTs etc. –, então as duras crises
econômicas encontrar-se-ão com a baixa capacidade de elevação do consumo, baixa
mão de obra sobrante, massa populacional desejosa de manter seus direitos
democráticos etc. Se “todos os caminhos levam à Roma”, nenhuma tática burguesa para
influenciar esta contradição inerente, para um lado ou outro, oferece uma solução, em
médio prazo, que não seja o futuro, trabalho emancipado ou escravizado.
Encerremos este ponto com o exemplo chinês sob regime fascista senil:

O Partido Comunista da China anunciou nesta quinta-feira (29) o fim da política do


filho único, permitindo que agora cada casal tenha até dois filhos.
O anúncio foi feito na reunião anual do partido. Todos os casais do país poderão
agora ter dois filhos, uma reforma que põe fim a mais de 30 anos da política que
limitava os nascimentos no país.
Desde o fim de 2013 a China já adota medidas de relaxamento do controle de
natalidade. Apesar das mudanças, pesquisas mostraram que o número de chineses que
querem ter o segundo filho ficou abaixo do esperado.

No início de 2015, o vice-diretor da comissão de planejamento familiar da


província de Shanxi afirmou que a China deveria abandonar a política do filho único. A
declaração dele foi criticada pela imprensa estatal.

Contra superpopulação

A política do filho único entrou em vigor entre o fim de 1979 e 1980. O objetivo
era de reduzir os problemas de superpopulação da China. Segundo especialistas, as
medidas serviram para evitar que a população atual do país fosse de 1,7 bilhão de
habitantes, contra os atuais 1,3 bilhão

. O governo chinês sempre defendeu que a restrição ao número de filhos, sobretudo


em áreas urbanas, contribuiu para o desenvolvimento do país e para a saída da pobreza
de mais de 400 milhões nas últimas três décadas. No entanto, também admitiu que
estava chegando a hora de essa política ser encerrada.

O envelhecimento rápido da população está entre os efeitos secundários mais


prejudiciais da política do filho único para a China. Em 2012, pela primeira vez em
décadas, a população em idade ativa caiu. O índice de fecundação no país, de 1,5 filhos
por mulher, é muito inferior ao nível que garante a renovação geracional.

"Apesar de ainda ser um país em desenvolvimento, a China enfrenta um problema


que é de países desenvolvidos, que é o envelhecimento da sociedade. E o custo disso é
muito alto", afirma Segundo Alexandre Uehara, pesquisador do núcleo de relações
internacionais da USP (Universidade de São Paulo).462

Os efeitos da política também já estão claros. Nos últimos 15 anos, metade das
escolas primárias e secundárias da região de Rudong fecharam e cerca de 30% da
população já tem mais de 50 anos – uma bomba demográfica prestes a explodir, por
causa do aumento dos gastos com previdência social e da queda do número de
trabalhadores.

Segundo o correspondente da BBC em Pequim John Sudworth, mesmo a nova


política de dois filhos pode manter o crescimento populacional no país lento, já que
famílias com apenas um filho se tornaram a norma social.

"Por isso, cerca de 90% dos casais já elegíveis para ter mais um filho optaram por
não fazê-lo", diz. "E as mulheres que querem ter mais de dois filhos continuarão
sofrendo com o brutal controle do Partido Comunista sobre seus corpos e sua
fertilidade."

A norma, criada nos anos 1970, limitava a maioria das famílias chinesas a ter
apenas um filho, apesar de haver exceções.

A política do filho único teria impedido cerca de 400 milhões de nascimentos desde
que teve início, segundo estatísticas do governo chinês. Este número, no entanto, é
contestado por outros especialistas.

Em 2007, a China afirmou que apenas 36% de seus cidadãos estavam limitados a
apenas um filho, por causa de diversas mudanças na política feitas com o passar do
tempo.

Na medida em que a população chinesa se aproximava de 1 bilhão de pessoas, no


final dos anos 1970, o governo começou a se preocupar com o efeito que isso teria em
seus ambiciosos planos de crescimento econômico.

Apesar de outros programas de planejamento familiar – que ajudaram a reduzir a


taxa de nascimentos – já terem sido implementados, o líder chinês Deng Xiaoping
decidiu tomar medidas mais drásticas.

A política começou a valer para todo o país em 1979.463

Uma vez que o capitalismo toma todos os poros do mundo; a renovação populacional
tende a estagnar – e decair. Torna-se um limite histórico tendencialmente para o
aumento da demanda. Então: o aumento da composição orgânica do capital, maquinário
e matérias-primas, incluso para fins de fusão dos valores de uso, ganha importância
462
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/china-acaba-com-politica-do-filho-unico-e-permitira-
dois-filhos-por-casal.html
463
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/por-que-a-politica-do-filho-unico-virou-uma-bomba-
demografica-na-china.html
econômica para gerar um superpopulação relativa, sobrante, de desempregados. A
altíssima urbanização tende a excassear a superpopulação latente, aquela que se desloca,
desempregada, do campo para a cidade. Tal tipo de população sobrante é necessária
historicamente, como lei, ao capital, a fim de colocar cada vez mais braços à disposição;
uma vez que a concentração urbana atinge níveis cada vez mais absolutos, surge o
elemento de crise. A imigração para o país resolve isso apenas como medida paliativa,
assim como esvaziamento de cidades menores; por isso, trata-se de uma das razões de o
setor produtivo evadir-se dos países centrais para China e Índia. Os países mais
avançados alcançaram antes, logo após o pós-Guerra, tal nível de urbanidade, estímulo à
automação e fuga de capital produtivo.
Os trabalhadores pauperizados, como os da periferia urbana, tendem a ter mais filhos;
mas tendem, por outro lado, a ter pior saúde e maior mortalidade – dentro de uma
sociabilidade urbana constrangedora da natalidade, relativo ao campo. Pensemos, por
exemplo, nas maiores possibilidades de epidemia e pandemia desde 1970 ou doenças
sexuais como a AIDS cuja probabilidade desses males é maior entre de baixa renda – e
baixa instrução – e na medida em que entramos num momento histórico de precarização
mais acentuada das classes não proprietárias.
O problema do excesso ou falta de população, fica demonstrado, não é um problema em
si ou base principal da crise do sistema.
Toda pesquisa profunda deve descobrir e selecionar os fatores centrais e gerais a
determinar as tendências. Ainda assim, o artigo abaixo nos parece um complemento
interessante e em confluência com a totalidade desta obra:

[Título:] Qualidade do esperma dos ocidentais caiu pela metade em 40 anos

Densidade e o volume total de espermatozoides diminuíram em mais de 50%

O sêmen dos ocidentais é pior agora do que há 40 anos, muito pior. Em duas das
variáveis que determinam sua qualidade, concentração de espermatozoides por mililitro
e quantidade total de espermatozoides, os números diminuíram a menos da metade. Se a
causa continuar desconhecida e sem solução, em poucas décadas pode ocorrer uma
epidemia de infertilidade masculina.

Após revisar por volta de 7.500 artigos científicos, um grupo de pesquisadores


identificou 185 estudos com dados sobre a qualidade do esperma. Os trabalhos incluíam
informação de mais de 42.000 homens de 50 países dos cinco continentes reunida desde
1973. Os trabalhos selecionados ofereciam números sobre a concentração de
espermatozoides por mililitro, sua densidade, e também o número total por ejaculação, a
quantidade.

Os resultados dessa revisão, publicados na revista Human Reproduction Centre Update,


mostram que a concentração espermática passou de uma média de 99 milhões de
espermatozoides por mililitro em 1973 a 47,1 milhões por mililitro em 2011, uma queda
de 52,4%. Essa diminuição ocorreu entre os ocidentais: europeus, australianos,
neozelandeses e norte-americanos. A queda não parece ocorrer entre africanos, asiáticos
e sul-americanos, mas a amostra de estudos dessas populações é sensivelmente menor.
(…)
A queda é ainda mais marcada nessa outra variável, a quantidade total por ejaculação.
Aqui, os 337,3 milhões de espermatozoides por ejaculação caíram a 137,5 milhões
quatro décadas depois, ou seja, 59%. Novamente, a queda só ocorreu entre os
ocidentais. Além disso, pode estar se acelerando: enquanto no período total analisado
(desde 1973) a redução de densidade foi de 1,38 milhões por mililitro por ano, os
estudos com dados a partir de 1995 mostram uma queda anual de 2,06 milhões por
mililitro. Se essa tendência de baixa continuar, em poucas décadas a maior parte dos
homens pode ser subfértil ou se aproximar da infertilidade.
(…)
O estudo não entra nas causas da queda, mas as diferenças geográficas fornecem uma
pista. “O fato dessa diminuição se evidenciar nos países ocidentais sugere fortemente
que os produtos químicos têm um papel causal na tendência”, diz a professora de
Medicina Ambiental e Saúde Pública da Escola de Medicina Icahn de Monte Sinai em
Nova York e coautora do estudo, Shanna H. Swan. Pesquisas anteriores relacionaram a
deterioração da qualidade do esperma com diversos fatores ambientais e de estilo de
vida, incluindo a exposição pré-natal a químicos, e a exposição dos adultos a pesticidas,
à poluição, o tabagismo, o estresse e a obesidade.
(…)
De acordo com Olea, observamos durante décadas “uma passividade irritante na tomada
de decisões preventivas, supondo sempre que os problemas inerentes aos hábitos,
modos e exposições de nossa vida moderna seriam solucionados com mais técnica”. E
coloca um paradoxo: ao invés de diminuir a exposição a contaminantes ambientais
como possível causa da má qualidade do esperma, “nós procuramos clínicas de
fertilização”.

E)
Quanto à questão da manobra “reação democrática”, há que fazer uma
diferenciação: regime democrático é diferente de reação democrática. No segundo caso,
são medidas para desviar a vontade e a energia das massas para plebiscitos, votos,
referendos, constituintes, etc. sem necessariamente mudar o regime. É o caso do Egito
onde a ditadura fez uma eleição após 2011 para tentar desviar a vontade popular e
manter o exército no poder. Dito isso, ao que se apresenta, o imperialismo sabe que a
realidade tende a ser mais instável em boa parte dos países e que maiores liberdades
democráticas podem ocasionar a “perda do controle”; prefere ações mais lentas,
conservadoras e mais estáveis, sem muitos riscos, sem dar espaço demasiado e procura
cansar o inimigo. Sente-se um pouco mais à vontade para esta ação na medida em que
a) não há Estados operários como referência, b) inexistem partidos revolucionários de
massas ou como referência para a vanguarda mundial e c) a classe operária é dispersa
nesses processos. Ou seja: as bases que alimentaram a saída democrática e a reação
democrática como tática imperialista foram relativizadas, mas ainda são táticas
extremamente válidas ao capital.
Então, está aberta a temporada de todo tipo de golpes e autogolpes novos e exóticos nos
Estados. Por diferentes e às vezes inesperados caminhos, golpes reacionários, que não mudam o
regime ou o mudam apenas parcialmente, e contrarrevolucionários, que mudam todo o regime,
serão cada vez mais comuns, como em Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016),
Turquia (2016, tanto a militar quanto a promovida pelo próprio presidente464), Nicarágua
(2016), etc. Seja qual for sua forma – grega, burguesa ou socialista –, a democracia apenas
prospera e se mantém a médio e longo prazos se há paz social, ou seja, alguma qualidade de
vida e correspondente concentração humana na urbanidade, em principal.

464
http://www.esquerda.net/artigo/erdogan-manda-prender-deputados-da-oposicao/45293
Há a degeneração da democracia burguesa pela alta urbanidade, de um lado, e crise
sistêmica, de outro; o empobrecimento da maior parte dos setores não operários
fragiliza a base social para golpes fascistas e bonapartistas, aqui e ali, abrindo espaço
para a mediação da semidemocracia burguesa, ou seja, semibonapartismo; a isto se
soma os golpes reacionários, não contrarrevolucionários, se e enquanto faltarem
condições sociais para implementação de (semi)fascismos. As crises sistêmicas do
feudalismo medieval e do escravismo romano apresentaram duas tendências: o
“despotismo esclarecido”, a mediação com o futuro, tema já debatido em sua forma
burguesa, e regimes de Estado contrarrevolucionários, fechados em extremo. Em que
medida o Estado burguês poderá ainda implementar tais condutas, nazismos e
monarquias, para etapas contrarrevolucionárias nacionais, tornando-se prévia da
transição à barbárie ou socialismo, trata-se de um assunto que apenas a política, luta de
classes, pode resolver – considerando que sempre é preciso base social, camponeses e
classe média aristocrática, ambos cada vez mais escassos em si e relativo aos demais
setores não burgueses, para implementar tais regimes; algo cada vez mais difícil e pouco
provável de estabilização social. Por isso surge a extrema direita eleitoral, cujas bases
são as classes médias, e seus governos reacionários, não contrarrevolucionários. Em
diferentes países, esta relação de classes – com a tendência geral exposta – é desigual,
influenciando as diferenças de regime político entre as nações465.

Disto podemos antecipar: nesta crise final, processo sistêmico, mesmo palavras de
ordem democráticas e reformistas (ex: em defesa do Estado de Bem-estar Social, contra
a guerra, sair do Euro etc.) tenderão a se tornar transicionais, molas da revolução
mundial. A burguesia tentará fechar os regimes políticos, mas terá dificuldades internas
mais intensas que em outros períodos históricos, ou seja, associam-se lutas democráticas
e trasicionais por o capitalismo ter deixado de ser uma força progressiva historicamente.
Isto nos permite um debate conjuntural: hoje, as pautas democráticas têm maior peso
nos países imperialistas (contra o Euro etc.) e as transicionais ganham maior
importância nos países atrasados; porém, mantém-se a fórmula geral em que os países
mais maduros necessitam mais das palavras de ordem de transição (um dos erros da
esquerda marxista europeia, já destacado por Moreno, em O Partido e a Revolução, em
polémica contra Mandel: focar em demasia nas pautas democráticas, pois sem combiná-
las com as transicionais) e nos países atarzados as palavras de ordem democráticas,
como a luta anti-imperialista, possuem peso realtivamente maior (necessariamente
associadas às de transição).

Vejamos o caso venezuelano. O exército era incapaz de impedir por meio de um regime
de todo fechado a insatisfação das classes trabalhadoras daquele país; Chavez, então,
conseguiu mediar a situação por meio de um regime semiboapartista, do despotismo
esclarecido burguês e controle das organizações de esquerda por meio de um partido

465
Percebemos que a China é uma bomba-relógio: urbanização acelerada, classe operária concentrada,
enorme população, crise econômica cada vez mais próxima e campesinato empobrecido em um longo
“regime fascista senil”.
unificado burguês frente-populista. Já em inúmeros países do Oriente Médio a
degeneração do tecido social gerou regimes teocráticos.

F)

Tratemos do debate teórico-metodológico.

O regime de Estado de uma nação é a confluência da estrutura nacional com a condição


conjuntural e histórica.

São três fatores:

1. O passado tentando conservar-se no presente;


2. A conjuntura;
3. A estrutura.

O regime democrático-bruguês presidencialista surgiu nos EUA porque esta nação


fundou seu regime após uma revolução democrático-burguesa em país muito rural com
grau qualitativo, para a época, de urbanidade. Desde então, o regime manteve-se em
geral o mesmo porque os fatores conjunturais, desde a base estrutural alterada, não
necessitaram mudar a combinação interna e histórica das instituições. Por quê? Porque,
sendo o mais imperialista dos países, pôde evitar revoluções e situações revolucionárias
em seu território. Porém, isto está se tornando passado…

Países muito rurais e pobres tendem à ditadura bonapartista. Os urbanos e com alta
qualidade de vida podem (tendem a) adotar, pela inflência estrutural, o
parlamentarismo. As combinações podem ser inúmeras e classificáveis a priori. Se o
segundo exemplo muda com o fim da alta qualidade de vida, o regime da urbanização
consolidada podem ser, pela inflência conjuntural, o fascismo ou a democracia
socialista.

Com a industrualização e a urbanização, o regime bonapartista de 1964 no Brasil teve


de alterar-se para semifascista em 1968. Em seguida, o regime presidencialista, com alta
pressão dos parlamentos, expressa o país muito urbano e muito desigual, necessitando –
do ponto de vista buguês – de mais estabilidade no Estado pela figura do líder estatal.
Se abstrairmos os fatores históricos e conjunturais, para visualizarmos, a relação sempre
contraditória e complicada entre executivo e lesgislativo expressa relação entre alta
urbanidade e alta desigualdade.

Dada a base estrutural (perfil da economia, da ocupação territorial, das classes etc.),
rastreamos o histórico no presente e o papel da conjuntura no regime de Estado.

G)
Olhando em perspectiva, desde a decadência do capitalismo, a percepção mais ou
menos geral da decadência dos regimes enquanto resultado da degeneração do sistema,
percebemos processos sistêmicos.

Escravismo grego:

Monarquia – Oliguarquia – Tirania – Democracia escravista – Decadência da


democracia e domínio externo.

Escravismo romano:

Monarquia (sob domínio estrangeiro) – República – Império

Feudalismo:

Pequenos reinados e Igreja Católica – Renascimento – Monaquia absolutista

Capitalismo:

Bonapartismo (e variantes) – Democracia burguesa, formal – …Tendência a regimes


não democráticos

Abstração:

Regimes fechados – Regimes relativamente abertos – Regimes fechados, mas em outro


patamar

A abstração acima, guia dos casos concretos e fenômenos não mecânicos-evolutivos,


mostra-nos a manifestação nos regimes do processo de formação, consolidação e
decadência dos diferentes sitemas sociais-econômicos.

Vejamos o atual sistema. Trotsky afimou que o nazismo, tal qual o estalinismo, seriam
regimes temporários e transitórios, a serem combatidos com veemência, pois a
instabilidade inerente do capital forçaria luta de classes e mudança dos modos de
governar. Acertou em um caso, o de Hitler, por razão da guerra mundial, mas o regime
fundado por Stalin permaneceu por maior e longo tempo, até ocorrer mudanças “de
base” expostas em outro capítulo. De qualquer modo, o regime nazista representava o
declínio daquela curva de desenvolvimento do capitalismo, gerando alto grau de
decadência, porém não um limite inescapável ao sistema (como se provou). Hoje, por
outro lado, regimes fascistas e monarquistas em economias decadentes representarão a
decadência sistêmica e a transição para outro regime social, ou via revolução socialista
com apoio democrático ou via caminho à barbárie. A crítica burguesa à democracia
burguesa tem suas semelhanças com a crítica dos filófosos gregos da decadência, Platão
e Aristóteles, contra a democracia ateniense (escravista).
O caráter despotista esclarecido está também representado. Os romanos reagiram à
decadência e revolta adotando a religião dos escravos, formando a Igreja Católica,
abrindo espaço para uma nova filosofia teocrática, etc. O déspota iluminado do
feudalismo nos é conhecido enquanto mediação com a então classe revolucionária
burguesa. Sob nova roupagem, o capitalismo reproduz tal lei.

A decadência de um sistema ao lado da transição a outro, quando isto tende a ocorrer (a


desintegração também é uma possibilidade), antecipa aspectos do sistema seguinte. O
fim do escravismo fundou a instituição, superestrutura, Igreja Católica, vital à Idade
Média; o fim do feudalismo criou o Estado nacional, rei valendo-se das vantagens
comerciais, os partalamentos subordinados aos déspotas esclarecidos, a religião
lucrativa, etc. Nesta obra, debatemos como ocorre na totalidade e na superestrutura
objetiva ao modo inverso, invertido, o atual aspecto transitório.

Desde o impulso de 2008, o regime teocrático, erguido desde a infelicidade geral,


tornar-se-á, porque opera controle “imaterial”, um dos caminhos mais estáveis à
decadência.

H)

Na curva de desenvolvimento do capitalismo, cada fase – ascensão, estagnação e


declínio da curva – tende mesmo com algum atraso a diferentes regimes, motivado pelo
grau de contradição. Porém a economia não é totalidade (Para Trotsky, a dinâmica
dessas curvas também não era determinada apenas por fatores econômicos).

Vejamos o caso brasileiro: a queda da monarquia para a república, via golpe de Estado,
dar-se após o início mundial da estagnação daquela curva; após 1914 e a crise 1922, o
regime torna-se semifascista, sob liderança de Getúlio Vargas, expressando o declínio
da curva histórica; a nova curva começa com nova democracia, Getúlio eleito
presidente; começa a reação à decadência por meio da ditadura civil-militar em 1964; o
entrada definitiva na estagnação da curva faz retornar a democracia burguesa.

A fase da curva de desenvolvimento determina a tendência mais geral do regime


político. Os demais fatores altaram o ritmo e determinam os fundamentos por médio
prazo. A entrada num periodo de estagnação pode gerar democracia burguesa ou
ditadura. Exemplo: a última estaganação, gerando contradições sociais, precisou ser
mediado pelo fim das ditaduras na América Latina; mas, por oturo lado, fechou regimes
no Oriente Médio. A elevação da curva após as revoluções 1848 na Europa deu base à
democracia na Inglaterrra e à consolidação do bonapartismo na França, que cai quando
nos aproximamos da estaganação desta curva. Embora fechasse parte do regime, os
EUA poderia manter a democracia burguesa diante do declínio daquela curva por sua
localização econômica e política mundial.

Em linguagem abstrata:

A = não-A

Ascensão da curva = ditadura


Dentro da tendência geral:

A=A

Ascensão da curva = regimes abertos

Cada curva, entretanto, ocorre em patamares superiores relativos às anteoriores.


Nenhuma foi tão dinâmica em ascensão como a última, ou em estagnação, ou em
declínio (crise sistêmica). Se o período de crises longas e/ou profundas com
crescimentos curtos e/ou fracos tende pode si a fechar todas as margens democráticas
burguesas do Estado burguês, isto tende a ser verdade – cada vez maior possibilidade –
na medida em que avançamos para o fim do atual sistema. Muito embora as inúmeras
dificuldades acrescidas.

I)

Acrescentemos, em resumo, as sínteses de Mészàros (crise estrutural, crise da


família monogâmica e patriarcal) e as observações da psicanalista Regina Navarro Lins.

O desenvolvimento técnico capitalista, nas décadas de 1960-70, proporcionou a


pílula do dia seguinte, permitinado à mulher o controle seu da natalidade, facilitando –
de modo latente, limitado – ser tão poligâmica na informalidade quanto sempre o
homem.

Além disso, novos alimentos industriais, máquinas de lavar, aparelhos facilitadores


do trabalho doméstico, tedenciam a maior tempo livre. Na relação mercadológica, oferta
e demanda, nível aparencial, tem por fonte as novas mercadorias reduzirem o esforço
pessoal, humano, nas suas atividades: intensão de todo capitalista sobre o
“consumidor”, para garantir vendas e vencer concorrência. “As necessidades humanas
são cumulativas e irresistíveis” (Marx): se ando descalço e calço uma chinela, este
objeto facilitador de meu deslocar passa a ser necessidade minha, de origem social
(curioso exemplo de Hélio Oticica).

O desenvolvimento capitalista também obrigou a alocação do feminino no mercado


trabalho e nos estudos. Isto deriva da necessidade de maior mão de obra e maior
exército industrial de reserva, concorrência entre trabalhadores. Ao mesmo tempo,
coloca este setor como com mais potencial latente de vanguarda revolucionária e, de
imediato, menor dependência financeira do cônjuje. Quando a família passa a trabalhar,
o custo de manutenção do trabalhador, com sua casa e prole, pode ser fragmentado entre
as mãos ativas daquele núcleo afetivo.

A urbanização, a precarização e as mudanças sociais fundaram a cultura “melhor


quanto menos filhos”. Esta redução de prole atua na menor limitação do tempo e da
mulher.

Além do mais, o mundo urbano concentra movimentos por direitos, contra as


opressões.
Outra consequência da alta urbanidade é o menor controle social direto, anonimato,
sobre hábitos e posturas. Soma-se o avanço técnico nos meios de comunicação e
transporte:

O aplicativo de troca de mensagens WhatsApp é citado em 40% dos casos de


divórcio na Itália. As mensagens trocadas no app são listadas como evidências de
traição, segundo um relatório de uma associação de advogados matrimoniais do país
europeu.

O presidente da Associação de Advogados Matrimoniais da Itália, Gian Ettore


Gassani, contou ao Times que há um impulso para a traição causado pela tecnologia.

— As mídias sociais tem impulsionado a traição na Itália, tornando-a mais fácil,


primeiro através de mensagens de texto. Antes o Facebook e agora o WhatsApp está
sendo amplamente utilizado e tem incentivado o retorno do amante latino.

O presidente da associação ainda explica que o envio de fotografias é um atrativo


da ferramenta. Gassani também explica que, em alguns casos, os adúlteros podem usar
as redes sociais como forma de manter de três a quatro relacionamentos.466

Diferente de outros seres, como a comparação poética com pássaros; a espécie


humana precisa de manutenção relativa das relações de afeto, mas, em sentido oposto,
necessita de relações não monogâmicas do ponto de vista sexual, quer dizer, o desejo
não se destina a um único outro, sendo escolha ou imposição social a postura de
“fidelidade”.

Desde que o amor tornou-se a razão de uma união estável, a instituição casamento-
família monogâmica-patriarcal entrou em crise, por ser uma unidade econômica em si.
Tal mudança apenas ocorreu após a II Guerra Mundial, após conclusão de que as
tradições haviam levado às guerras, ao desastre nuclear etc. Há, pelo menos, quatro
consequências da introdução do amor nas relações: 1) como os demais sentimentos, não
necessariamente mantêm-se por toda a vida; 2) o amor sexual pode ser destinado a mais
de um parceiro; 3) o amor em sua forma romantizada apresenta-se enquanto busca por
realização plena numa sociedade decadente, ou seja, busca algo impossível e frustrante;
4) amor é atividade, novidade e emoção; casamento é rotina, estabilidade e segurança.
Logo, o amor romântico torna-se tentativa alienada de resolver, ou reduzir, o impacto da
alienação sobre a subjetividade.

Na idade média, a orientação “até que a morte os separe” era mais aplicável porque
a expectativa de vida era baixíssima, morrendo-se poucos anos depois da união familiar.
Hoje, a diminuição de fatores iniciadores precoces da morte amplia, relativamente, a

466
https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/whatsapp-e-listado-em-40-dos-casos-de-divorcio-na-
italia-10112014
possibilidade de se chegar ao limite das capacidades orgânicas do corpo humano. Na
relação monogâmica, a consequência é a possibilidade de construir outros afetos.

A tendência à superprodução crônica – primeiro exposto por Mészàros – exigiu um


homem consumidor, dotado de novo perfil, menos rígido e mais rico em sensibilidade
(vaidade, noção estética etc.). Agrega-se o sentimento de exaustão do perfil “macho”
(vitorioso, racional, seguro etc.) porque o próprio modo de vida pós-1970 frustra este
perfil, esgotando-o nas esferas física e psíquica.

Disto, crise, não se conclui o fim ou atenuação necessária do machismo e


patriarcalismo. Ocorre uma crise de transição, com sua violência e instabilidade. Daí
ocorrer fenômenos transitórios, fora do comum e ilusórios: cargos de comando às
mulheres, homens submissos, prostituição masculina, famílias sem pai,
experimentalismos de outros modos de família (endemonista, poligamia etc.).

Em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Engels demonstra


o início da família monogâmica, do machismo e do patriarcalismo enquanto
consequência da origem da propriedade privada, gerando necessidade de controlar a
sexualidade feminina, garantir herdeiros. Esta relação começa a ser colocada, de
maneira latente e invertida, em xeque.

Relações livres e plena convivência com a coletividade são necessidades pulsantes.

OS SETORES OPRIMIDOS
As lutas dos setores oprimidos ganham uma nova dimensão (LGBT, mulheres,
negros, imigrantes, etc.) e já possuem algumas conquistas parciais. No entanto, a
violência e os conflitos têm aumentado. Aqui, como em outras questões, vamos partir
da dialética: há conflitos antes de mudanças qualitativas:

1. Os setores oprimidos sofriam de modo mais silencioso, com menor capacidade


de autonomia. Sua luta atual gera a possibilidade de conquistas democráticas, mas, ao
mesmo tempo, gera a reação. Setores atrasados não permitirão que a opressão, base de
muitos privilégios, seja dissolvida com facilidade. Antes de boa parte das mudanças
radicais, o conflito tende a atingir um ápice, um limite antes da vitória ou derrota. A luta
dos setores oprimidos está interligada a um grande salto, e dele depende: a revolução
socialista dará bases sociais para a final dissolução progressiva das opressões. Destaque
fica para a questão negra e imigrante: foram as que menos avançaram por terem um
conteúdo com maior intimidade classista;

2. O individualismo burguês e neoliberal (as ideias dominantes da sociedade são as


ideias da sua classe dominante) possui duas consequências opostas sobre esse ponto: a)
a busca do eu, do próprio prazer, da autoafirmação do indivíduo; b) por outro, o
egoísmo e a degeneração moral da sociedade como base das agressões e perseguições
machistas, racistas, xenófobas e homofóbicas;

3. Os conflitos ora servem de arma para dividir a classe e ora obriga a burguesia, pela
força do conflito, a mediar a situação para que esta fique suportável. Permitir alguns
direitos democráticos aos LGBTs, por exemplo, é melhor aos olhos da classe dominante
a ver estas se misturem com uma revolta social ou concebida como a bandeira natural
da esquerda.

Enquanto revisava este texto (2016), o senado brasileiro aprovou, na primeira das
duas votações, a PEC 55 destinada a congelar e deprimir os gastos públicos. No mesmo
dia, o Superior Tribunal Federal (STF) aprovou, para surpresa de todos, a legalização do
aborto. Temos aí um exemplo de força simbólica. Feita esta observação, é importante
ressaltar que as pautas democráticas possuem alto potencial se associadas às pautas
transicionais.

Se, no entanto, a decadência degenera em fascismos, monaquismos e teocracias, as


pautas democráticas mais elementares tornam-se direitos perdidos e garantidos apenas,
e não mais parcialmente, pela revolução social.
COMPREENDER AS VARIAÇÕES DA LUTA DE CLASSES: CATEGORIA
“MOMENTO”

“A crise consiste precisamente no facto de que o velho morre e o novo não acaba de
nascer".

(Gramsci, Cadernos do cárcere, “A influência do materialismo” e “crise de autoridade”,


Volume I, tomo 3, pg. 311, escrito cerca de 1930).

Consideremos:

1. É o capitalismo hoje incapaz de promover profundas e estáveis reformas;

2. Dentro de distintas situações há mediações de refluxo ou avanço na luta de classes;

3. Essas mudanças relativas dentro de uma situação mantêm, em si, a situação política
geral;

Nossa afirmação é:

4. A decadência atual do capitalismo, apresentado nas teses anteriores, impede reformas


estáveis e duradouras; Problemas conjunturais tornam-se estruturais; há um divórcio
cada vez maior entre “crescimento econômico” e desenvolvimento da sociedade. Em
síntese: a realidade e a luta de classes são mais fluídas e instáveis, alterando parcial e
continuadamente, desigual e mutável, a relação de forças entre as classes sociais. Isso
faz com que a ondulação da luta de classes, hoje, seja muito mais móvel.

A relação entre momentos de avanço e de recuo da luta de classes – já existente


antes – em uma determinada situação ganha nesta época novas, maiores e mais instáveis
dimensões. Aqui, apresentamos um conceito: “momento”; subdivididos em dois:

1. Momento de refluxo, recuo, defensivo ou regressivo;

2. Momento de ascenso, fluxo, avanço, progressivo ou ofensivo.

O pano de fundo é a chamada crise sistêmica do capital, debatida nesta obra. Esse
conceito deve ser observado dentro das “situações”: em situações não revolucionárias,
por exemplo, teremos “momentos ofensivos” e “momentos defensivos”. Apesar de
autoexplicativos serem os temos, merecem atenção, na medida em que mostram erros
entre marxistas.

Dentro de uma situação “não revolucionária” (nacional), por exemplo, pode haver
momentos em que as classes oprimidas vão para a ofensiva. Ou seja: mesmo desprovido
de “crise estrutural da democracia burguesa”, da economia, e/ou do “regime”, mesmo
com crescimento econômico pode haver um processo de avanço progressivo nas lutas.
Isso acontece sem alterar a caracterização geral da situação que é, neste exemplo
específico, “não revolucionária”.

Os momentos têm suas dinâmicas e algumas tendências. É um fenômeno muito fluido:


pode começar e pegar todos num susto; e pode, por um evento repentino, ir para um
“momento defensivo", de recuo. Pode também acontecer em todo o país, ou apenas
numa categoria, num setor de classe, etc. Muitas vezes o que faz o ligamento e a
passagem de um “momento de refluxo”, de inércia, de rotina para um “momento
ofensivo” é um evento, um fato, uma constatação geradora de comoção social, mudança
na consciência, a superação de uma ressaca de derrotas ou cansaço ou crise, uma
revolta, a ideia de que a luta pode ser ganha, um choque de realidade, etc. O fato de
esse fenômeno também se dar, cada vez mais, em períodos de crescimento econômico
mostra um maior divórcio entre “saldo positivo na economia” (comumente anêmico) e
“desenvolvimento/reformas”.

Assim se deu em 2007 no Brasil, como primeiro exemplo desse conceito. O movimento
estudantil foi para a luta a partir de uma incrível ocupação de reitoria na USP. O
exemplo dessa luta serviu para disparar o “gatilho”; Entre 2007 e 2008 houve mais ou
menos 40 ocupações, basicamente em torno da pauta da educação (assistência
estudantil, contra o REUNI, etc.). Isso aconteceu, mesmo estando em crescimento
econômico, numa situação não revolucionária, com crescimento de 6,1% do PIB.467 O
mesmo se deu no Chile, 2011, a partir do movimento estudantil, mesmo com um
fortíssimo crescimento do PIB naquele ano em uma situação não revolucionária,
também com crescimento de 6% do PIB.468 De forma parecida, deu-se , ao que parece,
em 2013 na Turquia; um ato de vanguarda para defender um “local público”, ao ser
reprimido (gatilho), transforma-se um movimento de massas (também influenciado pelo
exemplo externo da situação revolucionária na região), com crescimento econômico de
4,4% do PIB.469

Às vezes, uma vitória parcial, uma forte repressão, um erro do movimento, o cansaço e
esgotamento ao não obter resultado podem readequar e promover, de forma mais ou
menos longa, uma mudança de um momento de fluxo para um de refluxo; e vice versa,
caso, em principal, se o erro for da burguesia. Um “gatilho” pode acionar também
momentos de refluxo; no geral, o “gatilho para a ofensividade” é a explosão de energia
da insatisfação social acumulada passivamente. Ao mesmo tempo, temos de
dimensionar os movimentos de uma classe ou setor de classe em relação às outras; se,
por exemplo, as classes médias, dirigidas ou não pela burguesia, se movem, protestam
pela direita, paralisando os trabalhadores, então temos um momento defensivo dentro de
uma mesma situação.

467
http://oglobo.globo.com/economia/pib-brasileiro-cresceu-61-em-2007-mostra-ibge-3166801
468
http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/03/pib-do-chile-cresceu-6-em-2011-impulsionado-pelo-
469
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-da-turquia-cresce-4-4-no-
Em situações pré-revolucionárias pode acontecer, com mais frequência, um recuo
passageiro da classe trabalhadora. Por medo, por desorganização, por uma frente
popular, por uma derrota parcial ou por ser convencida; ela pode ficar paralisada por
algum tempo dentro de uma mesma situação geral, o que inaugura um “momento de
refluxo” numa situação pré-revolucionária, por exemplo.

Especialmente em situações “não revolucionárias” a soma de crescimento econômico e


estabilidade social pode levar aos de baixo a sensação de que podem obter vitórias,
reformas e conquistas e que devem arrancá-las – as greves multiplicam-se. Isso parte de
uma importante contradição, uma relação dialética entre crescimento econômico
somado às precariedades em diferentes pontos da vida da classe trabalhadora (violência,
machismo, baixo salários, serviços públicos ruins, etc.). Já em situações “pré-
revolucionárias” pode haver “momentos defensivos” por medo do desemprego,
desconfiança com suas direções, desmoralização, frente populares, derrotas parciais
fortes, etc. especialmente no início desses processos.

O marxismo oferece as ferramentas para calibrar a análise da relação social de forças;


esses elementos podem, em sua maioria, ser aplicados e adaptados a outras situações da
luta de classes. Para além de sua atual fluidez, a necessidade de explorar esse conceito
deve-se à observação de ser aí onde os marxistas tendem à maior confusão, mais
impressionismo, menos clareza do que se passa. Momentos de (re)fluxo são da
realidade social, não são algo novo. A real novidade, merecedora de maior atenção, é
que a constância da variação entre o fluxo e o refluxo dentro de uma mesma situação é,
hoje, bem mais presente pela evolução da decadência do capitalismo. Ter, portanto, a
clareza desse fenômeno permite às organizações marxistas maior preparação.

Assim:

1) Época: desenvolvimento das forças produtivas, se em confluência ou em


contradição com as relações de produção;
2) Etapa: estado da relação de forças na superestrutura objetiva – em principal,
Estado e regime –, agregando-se, em complemento, a superestrutura subjetiva;
3) Situação: análise de conjuntura avalia todos os aspectos: economia, classes,
superestruras subjetiva e objetiva;
4) Momento: relaciona-se com a luta de classes e superestrutura subjetiva
(agregando a objetiva).

Por último, tratemos do exemplo mais popular. A revolução (permanente) russa, de


fevereiro a outubro, sustentou uma situação revolucionária (adendo: até hoje, situações
revolucionárias tão prolongadas no tempo são algo – ainda – raro, pois tendem a durar
“apenas” algumas semanas ou dias até uma mudança qualitativa de situação). Neste
processo, a burguesia e os trabalhadores, com interesses antagônicos de fundo, variaram
sobre quem estava na ofensiva ou na defensiva. A revolução de fevereiro colocou a
classe operária na ofensiva; as jornadas de julho a colocou na defensiva; a tentativa de
golpe de Kornilov a colocou na ofensiva. Às vezes, quando a burguesia ou o
proletariado tentava a ofensiva, o efeito era o contrário do esperado.
CONTRIBUIÇÕES PARA UM PROGRAMA DE TRANSIÇÃO NO SÉCULO
XXI

“Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve
obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não
olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a
prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele
por sorte ou acaso, chama «teórico» a quem sabe mais, e, por igual acaso, consegue
menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar – isto é, quem afinal não sabe, porque não
saber aplicar é uma maneira de não saber –, tem rancor a quem aplica por instinto, isto
é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são de
espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva. Na vida superior a
teoria e a prática completam-se. Foram feitas uma para a outra.”

(Fernando Pessoa, in 'Palavras iniciais da Revista de Comércio e Contabilidade)

“A teoria sem a prática de nada vale, a prática sem a teoria é cega.”

(Lenin)

“Não há prática revolucionária sem teoria revolucionária.”


(Lenin)

Apresentamos abaixo uma atualização ao programa de transição. Tema sensível ao


marxismo, desde o lançamento, 1938, o manifesto comunista de nossa época pode ser
acrescentado e/ou adaptado a nossa realidade, ao capitalismo no século XXI. Aqui, não
focaremos em todos os pontos: cinco consignas transicionais470 serão prioridade, junto à
busca do ineditismo, quer dizer, resolver as lacunas no programa dos revolucionários.
Para isso, levamos em conta a necessidade de amplo debate democrático e contributivo,
desprovido de dogmas, e de elaboração teórica e programática necessariamente coletiva.

O OPERARIADO DO CAMPO E O CONTROLE DAS TERRAS

470
Existe o programa mínimo (aumento salarial, diretos democráticos, reformas etc.) e o máximo
(socialismo, poder operário e popular). Entre os dois, há o programa transicional, uma ponte entre uma
situação de crise econômica e social (pré-revolucionária) e, em contradição, a consciência atrasada,
reformista, dos trabalhadores. Em resumo, pega os elementos da sociedade socialista, totalidade, e o
fragmenta em partes, em propostas concretas e mobilizadoras. Estas, quando mobilizam, empurram a
classe trabalhadora para novas conclusões e radicalização prática, pois são inviáveis em si sob o capital.
“Em contrapartida, e em determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o controle
operário sobre os trustes, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a isso no marco do Estado
Burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita enquanto a burguesia domina deve
impulsionar os operários à derrubada revolucionária da burguesia. Dessa forma, a impossibilidade
política de levar a cabo uma palavra de ordem pode ser mais frutífera que a possibilidade relativa de
realiza-la" (Leon Trotsky – Stalin, o Grande Organizador de Derrotas; p. 306; Ed. Sundermann.). Sob
certas circunstâncias, palavras de ordem formalmente não transicionais podem, caso o capitalismo
esteja impossibilitado de cedê-las, se torna transicionais; é o caso de “Paz, Pão e Terra” na Rússia, duas
consignas democráticas e outra econômica mínima.
O programa socialista para o campo, diante da proletarização do camponês e o
agronegócio, pode e necessita ir além da tradicional luta por reforma e revolução
agrária. Para isso, propomos:

Que o proletariado do campo, junto aos demais trabalhadores, lute para exigir
dos patrões e do Estado que uma parte obrigatória e proporcional das terras e dos
dias de trabalho sejam destinados somente à produção de alimentos da cesta
básica, como arroz e feijão. O maquinário e esse trecho de terra deverão estar à
disposição do trabalho coletivo dos funcionários e terão total autonomia no destino
da colheita, quanto consumirá e quanto destinará aos mercados populares das
cidades.

Com isso, espera-se:

1. Gerar luta de classes;


2. Diminuir o peso inflacionário dos produtos alimentares de exportação que
desestimulam a produção de alimentos da cesta básica;
3. Unir cidade e campo numa luta comum;
4. Educar os operários de origem camponesa – pequena burguesia – em métodos
coletivistas, com suas vantagens produtivas, permitindo a percepção de que poderia
cuidar da grande produção sem o latifundiário;
5. Gerar a semente de uma luta de classes por controle proporcional maior da terra e
de toda ela;
6. Se a luta por essa pauta for possível, mas a proposta não for aplicável sob
relações capitalistas, então teremos uma palavra de ordem transicional, ou seja, parece
reformista, porém força a classe à novas conclusões e a empurra para a revolução.

No decorrer dessa luta ou após a vitória, os trabalhadores devem formar “comissões


de produção” subordinadas à base para coordenar a luta e para cuidar, em caso de
vitória, da parte administrativa. Estas comissões deverão ser autônomas em relação aos
sindicatos, que, quando combativos, devem dar suporte à luta e, após, inspecionar a
patronal.
A moderna propriedade, com proletários, tende a uma proporção muito desigual
entre maquinário e funcionários, reduzindo a quantidade destes. Isto nos aponta a
necessidade de aliança com os sem-terra e os explorados urbanos.

CORRUPÇÃO E CONTROLE OPERÁRIO

A corrupção em empresas estatais e privadas tem gerado, de um lado, revolta e, de


outro, insegurança aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a burguesia costuma usar de
casos específicos para desmoralizar a concorrência, para privatizar uma estatal, etc.
Sendo pauta importantíssima471, acentuada pela degeneração moral elevada pela
decadência do capitalismo, propomos comissões operárias para averiguar as contas
da patronal, avaliar o problema e propor soluções.

471
De um lado, o dinheiro da corrupção tem origem comum, o mais-valor gerado pelo trabalho manual;
de outro, a corrupção é uma lei inerente do sistema por razão da concorrência incontrolável, da
primazia do dinheiro na qualidade vida e sua busca e na moral “natural” desta sociedade. O erro comum
de tática é denunciar os políticos burgueses e reformistas para ganhar audiência, mas deixar de associar
a cada instante a origem lucrativa e empresarial de tais imoralidades.
Esses organismos dos trabalhadores podem concluir e exigir:

– Contra a imunda corrupção dos dirigentes da estatal, gestão operária e


democrática! – Não à privatização!
– Diante da crise nas contas da empresa e do caso de corrupção em que se envolveu
com o Estado, estatização sob administração operária!
– Diante do fato de a empresa ter crescido com isenções de impostos, contratos com
o Estado e corrupção, estatização sob gestão dos trabalhadores!

Assim, poderemos oferecer alternativa proletária para a luta contra a corrupção –


a gestão operária e democrática das empresas.

COMITÊS DE BAIRRO E EMPREGO

Quando uma crise econômica se aprofunda, com atraso ou não, os trabalhadores


precários tenderão à luta. A alta urbanidade é um dos sintomas do fim deste sistema,
aglutinando uma massa enorme de escravos assalariados e daqueles que sequer
conseguem ser escravos! É preciso oferecer um suporte: comitês de bairro poderão ser
fundados para a luta dos desempregados, além de ligar as lutas parciais e locais da
comunidade com as nacionais. E, em caso de luta generalizada, serão embriões de poder
socialista fora dos locais de trabalho.
Portanto, irão além das “associações de bairro”, pois terão como causa as questões
do trabalho, ou seja, a falta dele. Paralelo a isso, na medida em que aglutinam e lutam,
podem adquirir moral e direito de tratar cada vez mais de todas as questões localizadas e
nacionais. Os “comitês de trabalhadores contra a crise” podem organizar aqueles
inacessíveis aos sindicatos.

SEGURANÇA E AUTODEFESA

Como demonstram os casos mexicano e brasileiro, as principais vítimas da


violência urbana são os trabalhadores. Traficantes, tropas do Estado, milícias policiais e
a bandidagem472 agem com a violência típica dos mercenários. Em situações de crise
mais aguda, quando este problema já não pode ser tolerado durante a rotina, faz-se
necessário a formação de grupos voluntários de autodefesa operária e popular nos
bairros.
Entre as primeiras preocupações dos trabalhadores, a crise da civilização expressa
na violência cotidiana tem gerado traumas, perdas materiais, mortes evitáveis e stress
contínuo. Em situações limites, como diante de uma depressão econômica, quando a
violência se prolifera, surgem surtos de revolta popular que tendem a surgir de repente e
se generalizar. São nestes momentos quando se abre a possibilidade e a necessidade de
uma alternativa de segurança por fora do Estado burguês – e contra ele.
Que os pacifistas envergonhados e disfarçados se assustem e a pequena burguesia
clame pela paz capitalista; quando a situação se degenera, necessita ação firme: a luta

472
O marxismo vulgar romantiza a figura do bandido, como Robin Hood, e sua marginalidade. Os bairros
populares são formados por distintos setores: assalariados, operários ou não, pequena burguesia
(comerciante, padeiro etc.) e o lupemproletariado. Este é formado por aquele de existência de tal forma
degradante, e sofrida, que se degradam também moralmente (bandidos, mendigos etc.); ocorre, então,
uma luta de classes dispersa nos ambientes de moradia, entre quem vive por sua renda e quem a rouba,
a renda alheia. Os lupens ladroeiros são duras vítimas do sistema e, por isso, tonam-se carrascos. A
violência urbana é uma das formas da luta de classes.
por milícias operárias e populares de segurança pública pode ser, se associada a
outras pautas, a antessala da revolução.
Sendo pauta democrática, a defesa do armamento popular é defendida pelos
comunistas, do lado proletário, e por parte da direita, da parte burguesa (parte desta) e
classes médias (a esquerda pequeno-burguesa tem no pacifismo, ao lado da
romantização da revolução, seu norte político, contra o armamento). A nossa diferença,
nesta questão, está na negação do lucro e da censura dos preços: todos devem ter acesso
garantido e gratuito às armas e munições; o Estado deve ser forçado a promover esta
distribuição a quem queira – não havendo antecedentes criminais etc. – e oferecer
treinamentos nos bairros, sindicatos etc.

DÍVIDAS E COMÉRCIO

N’O Programa de Transição, Trotsky afirma:

(…)

A fim de realizar um sistema único de investimento e de crédito, segundo um plano


racional que corresponda aos interesses do povo inteiro, é necessário fundir todos os
bancos numa instituição única. Somente a expropriação dos bancos privados e a
concentração de todo o sistema de crédito nas mãos do Estado colocarão à disposição
deste os meios reais necessários, quer dizer, materiais e não apenas fictícios e
burocráticos, para a planificação econômica.

A expropriação dos bancos não significa de nenhum modo a expropriação dos


pequenos depósitos bancários. Pelo contrário: para os pequenos depositantes o BANCO
ÚNICO DO ESTADO poderá criar condições mais favoráveis que os bancos privados.
Da mesma maneira, apenas o banco do Estado poderá estabelecer para os pequenos
agricultores, artesãos e pequenos comerciantes condições de crédito privilegiadas, isto
é, baratas. Mais importante, ainda, é, entretanto, o fato de que toda a economia,
sobretudo a indústria pesada e os transportes, dirigida por um único estado-maior
financeiro, servirá aos vitais interesses dos operários e de todos os outros trabalhadores.

A ESTATIZAÇÃO DOS BANCOS não dará, entretanto, esses resultados


favoráveis a não ser que o poder do próprio Estado passe inteiramente das mãos dos
exploradores às mãos dos trabalhadores.473

Entre a luta por crédito barato mais luta sindical dos bancários e a exigência de
estatização, sob controle dos trabalhadores474, para fundar um banco único, há a questão

473
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#9
474
Por considerar – por via científica – os bancários “nova classe média”, Trotsky não coloca em questão
a luta salarial ou a gestão dos trabalhadores sobre os bancos, na medida, supomos, em que estes não
são operários. Desde 1970, com a decadência do capitalismo e a lei da tendência à miséria crescente, os
bancários são, cada vez mais, “classe média assalariada – e precária”. Trata-se, ao que parece, de uma
atualização instintiva e intuitiva, quanto às propostas, promovida pelos marxistas atuais, ao transferir
uma proposta do setor produtivo para o comércio de dinheiro. Por outro lado, a proposta que
econômica e política acentuada desde a década de 1970 – ainda mais desde os anos
2000 –: o crescimento da economia sustentado no endividamento geral dos assalariados
e pequenos proprietários. Trata-se de um método de agiotagem. Localizado, do ponto de
vista formal, no meio da relação das pautas reformistas com as de enfretamento à
propriedade privada, exigimos a “anulação total e irrestrita das dívidas dos
trabalhadores e pequenos empresários para com os banqueiros”. Nesta consigna, ao
mobilizar a classe operária e os demais setores oprimidos, queremos estimular saltos de
consciência, novas conclusões e exigências mais avançadas (banco único do Estado).

Processo semelhante pode ser exigido ao comércio. Uma “rede estatal única de
grande comércio” deve ser imposta pela classe trabalhadora e setores populares para
combater a hiperinflação, a especulação, o desperdício e as demissões no setor. Uma
união entre comerciários, consumidores assalariados e pequenos produtores pode ser
frutífera. Supera a limita palavra de ordem “congelamento de preços” e aparece ao lado
do “gatilho salarial”, aumento dos salários automaticamente com o aumento dos preços.
Tal proposta não visa intervir sobre o pequeno comerciante, antes deve obter meios de
integrá-lo na luta.

Porém, reforçamos Trotsky, tais propostas apenas podem cumprir todas as suas
possibilidades se com a formação de um Estado Operário.

PAUTAS DEMOCRÁTICAS (1)

– Financiar os serviços públicos, como educação e saúde, com um imposto especial


e progressivo sobre o lucro das empresas privadas do mesmo tipo. Exemplo: parte do
lucro no ensino privado deve ser automaticamente destinada às verbas do ensino
público.

– Universidade pública deve abrir vagas apenas para aqueles sem condições
financeiras de pagar por ensino privado. Enquanto não universalizar o acesso público,
vagas cujas famílias ganham até três salários mínimos!

PAUTAS DEMOCRÁTICAS (2): OCUPAÇÕES URBANAS

Uma questão vez ou outra levantada pós-vitória de uma ocupação é a dissolução da


cultura da coletividade e luta. Acontece com frequência. Com a conquista, a
necessidade de lutar diminui; a associação de bairro não se dissolve, mas também não
agrega, mesmo com muita moral. Do ponto de vista socialista, no entanto, manter algum
nível de integração organizada entre os moradores é vital para a estratégia. Aqui

apresentamos neste ponto pode colocar pelo menos parte da categoria bancária contra a luta (aqui,
mais uma vez, se revela o duplo caráter da classe média); porém, além de também possuírem dívidas
pessoais, a consigna apresentada é uma ponte para a palavra de ordem “banco único do Estado”, mais
atraente aos funcionários, e pode-se, incluso, em determinadas circunstâncias, defender ao mesmo
tempo ambas as elaborações. De qualquer modo, nenhum processo revolucionário ganha todos os
setores não burgueses: a revolução russa não foi apoiada por uma das principais classes operárias
daquele país, a ferroviária, ligada aos mencheviques e parte da aristocracia operária, ou seja, classe
média.
apresentaremos algumas indicações, propostas e apontamentos. E, é claro, só aqueles
que vivem a prática ocupante, o dia a dia, podem dar o veredito final.
Nas ocupações rurais vemos o mesmo fenômeno das urbanas: coletividade para a
conquista; depois, individualização para a divisão das terras por fim conquistadas. É
uma diferença importante com o movimento operário. Uma ocupação de fábrica é
necessariamente coletiva e coletivizante, antes e após. Não dá para dividir a empresa
ocupada ou suas máquinas em pedaços, um pouco para cada. Só pode haver produção e
consolidação da luta com o uso coletivo dos meios de produção e com o trabalho
organizado, unido, de milhares de operários.
Espaço é poder475. A forma de organizá-lo tem consequência prática-ideológica.
Para resolver ou amenizar a contradição levantada, do ponto de vista dos sem-tetos, ao
final do processo: garantir a construção de prédios (ou a ocupação de um) otimiza o
espaço, ou seja, facilita a continuidade da integração social e política. Podemos
apresentar duas vantagens dos condomínios:

1. Após a vitória, moradias entregues, a eleição dos síndicos, dos representantes por
andar, da equipe de segurança, as assembleias para decidir a gerência e os conflitos
permitem perpetuar a coletividade interna;
2. Pode-se usar o espaço excedente para construir outros prédios (já que aproveita a
verticalização), trabalhar hortas coletivas, clubes do bairro, etc. Ou seja: com a tática
desse formato pode-se agregar mais trabalhadores (concentrado pessoas e força) e criar
meios de coletividade.

Pela concepção estratégica, acreditamos que este modelo vertical de moradia, de


conquista, é o mais adequado. Deve ser encarado programaticamente como prioridade; é
claro, isso deve vir de um comum acordo com as decisões coletivas da base, pois é
soberana se deseja uma casa com próprio quintal e criar a própria horta.

Assim, aqui, propomos uma adaptação e atualização da proposta de Engels


(Princípios Básicos do Comunismo):

"[defendemos a] Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para


habitações coletivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria
como à agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da
rural, sem partilhar da unilateralidade e dos defeitos de ambos os modos de vida."476

A prioridade aos prédios e apartamentos será combinada com uma segunda luta:
exigir boa infraestrutura para o novo bairro. Isso passa pela citação acima: unir as
vantagens do campo e da cidade. A reforma e revolução urbanas incluem permitir
transporte público, creches; também qualidade ambiental: arborização, hortas coletivas,
fim das ruas empoeiradas, etc.

Educar a base e educar-se na democracia operária, na coletividade, na cooperação,


no espírito de luta e confiança nas próprias forças; assim se resume a tarefa dos
socialistas neste trabalho popular específico: lutar por reformas hoje e, ao mesmo
tempo, pavimentar o caminho do amanhã.

475
Lefebvre.
476
Extraído do site Arquivo Marxista na Internet.
PAUTAS DEMOCÁTICAS (3) SOBRE A PROSTITUIÇÃO

1. O trabalho no capitalismo é degradante e, em si, uma forma de prostituir-se


(alugam-se os nervos, o cérebro, as mãos etc.). Mas isso não significa que devemos
intensificar esta tendência à legalização do “vender o corpo”, quer dizer, mercantilizar
um aspecto afetivo, não laboral, da vida. Ou seja: legalizar nada tem a ver, por si, com
humanizar – sob certas condições de exploração, na busca por lucro, pode ser ainda
pior.

2. As prostitutas se veem em situação difícil e sob controle de máfias e cafetões. É


preciso, portanto, quebrar esta dominação e dependência. Precisa-se, incluso, enfrentar
tabus.

3. Como mediação positiva e necessária, pode-se e deve-se criar associações


estatais das profissionais do sexo. Estes organismos devem ser dirigidos por maioria
eleita entre os representados e profissionais como assistentes sociais etc. Tais
organizações serão devidamente financiadas e mantidas pelo Estado – e devem
empregar, de preferência, mulheres vindas dessa situação de modo a retirá-las, pelo
menos uma parte delas, da situação degradante. Estes espaços terão as funções, entre
outras: cadastro para aposentadoria sem necessidade de contribuição prévia; cursos
técnicos, básicos e de prevenção; oferecer suporte (camisinhas, pílulas do dia seguinte
etc.); assistência psicológica; redução de danos em caso de uso de drogas pesadas;
apoiar a formação de sindicatos próprios etc. Assim podemos, se não dissolver, ajudar a
reduzir e fragilizar os elementos negativos apontados nos pontos 1 e 2.

4. A prostituição é a mercantilização de um fator afetivo e da sociabilidade; o


mesmo vale para a pornografia paga e devemos, portanto, ser contra esta. Mas deve-se
evitar moralismos laicos ou religiosos e controle da sexualidade individual: o erotismo
livre, como meio de sociabilidade e autoexposição livres, sem qualquer
constrangimento social ou financeiro, nenhum mal social, em si, origina. Relações livres
pressupõe erotismo livre, desprovido de regras acima, controlando a individualidade e o
coletivo – livre do mercado e dos constrangimentos sociais.

5. A prostituição informal generalizou-se – casamento por razão financeira etc. O


império do dinheiro enquanto elo universal das relações consolidou a cultura dos elos
afetivos por razões materiais, inumanas. Isto exige uma batalha moral, mas também
revolução socialista.
NOTAS COMPLEMENTARES AOS CAPÍTULOS ANTERIORES

1) “A MOEDA. O SIGNO DO VALOR” OU O ERRO DE MARX

No primeiro capítulo, o impulso primeiro para estudar o dinheiro, hoje e em sua


história, foi a polêmica brasileira sobre o tema. Dela participaram Carcanholo,
Eleutério, Corazza e Germer. No entanto, apesar de rico, o debate ficou em aberto: a
categoria fetiche ou feitiço da mercadoria, por exemplo, deixou de ser devidamente
aproveitada.

Por outro lado, Lenin e Trotsky consideravam teorizações ou medidas


governamentais por fora da relação de dinheiro posta por Marx como moda acadêmica,
erro ou apenas sintoma da degeneração geral. Neste ponto específico pouco poderiam
ajudar.

Então, vamos a Marx e Engels. Estes supunham, sob o capitalismo:

Dinheiro = ouro

Ou seja:

Conteúdo = forma

Coisa-em-si = coisa ou objeto

Sujeito é predicado

No capítulo 3 – O Dinheiro ou a circulação de mercadorias; 2. Meio de


circulação; c. A Moeda. O Signo do Valor – Marx reforça ser o papel-moeda, por
exemplo, um símbolo representativo do dinheiro real, o ouro. Porém, para sermos mais
intuitivos, o pai do socialismo científico ofereceu um traço da verdade encarnada em
sua época:

“Cédulas de dinheiro, nas quais se imprimem denominações monetárias como £1, £5


etc., são lançadas no processo de circulação a partir de fora, pelo Estado. Enquanto
circulam realmente em lugar da quantidade de ouro de mesma denominação, elas não
fazem mais do que refletir, em seu movimento, as leis do próprio curso do dinheiro.”
(…)

“O papel moeda é signo do ouro ou signo de dinheiro.” (O Capital I, Boitempo, p. 201)

Mas, no mesmo parágrafo, trata de uma obviedade aparente:


“Uma lei específica da circulação das cédulas de dinheiro só pode surgir de sua relação
de representação com o ouro. E tal lei é simplesmente aquela que diz que a emissão de
papel-moeda deve ser limitada à quantidade de ouro (ou prata) – simbolicamente
representada pelas cédulas – que teria efetivamente de circular. É verdade que a
quantidade de ouro que a esfera da circulação é capaz de absorver oscila constantemente
acima ou abaixo de certo nível médio. Mas o volume do meio de circulação de um
determinado país jamais diminui abaixo de um certo mínimo facilmente fixado pela
experiência.” (Idem.)

Ele estava vivendo um dos, assim chamados por nós, ciclos de era do capital, a
fase II. Tratou, por isso, de uma legalidade transitória. Que, aliás, se expressa hoje, de
modo temporário, na relação dinheiro papel-moeda e dinheiro virtual. Por isso,
transitório em dois sentidos: a) a longa transição entre dinheiro = ouro (ou prata) e
dinheiro não lastreado em ouro (mas no conjunto das mercadorias); b) processos da
transição de uma forma a outra, quando combinadas.

Nesta altura d’O Capital, percebe-se a importância da quantidade e intensidade


das trocas na concepção da forma do dinheiro. O processo exposto soa quase poético: a
circulação do dinheiro-ouro desgasta sua matéria, separando aos poucos peso-valor real
do valor representado, abrindo de modo latente a possibilidade de substituir o ouro por
outros metais menos nobres, ultilizados antes daquele e mais frágeis. Faltou – e isto era
dificílimo naquela época – retirar disso todas as conclusões tendenciais. No livro II, o
dinheiro igual a ouro é reforçado, pertencente ao setor I, produção de meios de
produção, surgindo da própria troca interna entre setores produtivos, e parte dos custos
de circulação, ou seja, custo improdutivo da produção capitalista. No livro III, aparece a
possibilidade de colocar em circulação apenas “moeda”, enquanto o ouro acumulado –
para eles, o dinheiro real e lastro – serviria para as trocas internacionais.

Mais uma vez, uma limitação de época na percepção. Para os amigos citados, no
comércio mundial o ouro superaria a forma cunhada nacional e seria trocado em sua
forma típica, em forma pura. Isto seria a revelação da necessidade permanente do
dinheiro = ouro. E bastou-nos ver a economia não enquanto uma nação com sistema
complexo fechado para perceber a aplicação concreta, a dinâmica da circulação, na
forma do dinheiro mundial. A parte da obra Magna de Marx na qual focamos conclui-se
com a afirmativa de que o papel-moeda, representando metal nobre, apenas pode operar
em limites nacionais… O dólar e o Euro certamente fariam o crítico da economia
política revisar esta parte de seus escritos.

A moeda é, portanto, a forma superestrutural do dinheiro. A forma legal. Ou: a


forma como se manifesta. A digitalização, imaterialização, do dinheiro tende a colocar
isto em crise.
2) O DUPLO CARÁTER DA REVOLUÇÃO RUSSA, BUROCRATIZAÇÃO E
REVOLUÇÃO FRANCESA

Toda superestrutura, forma, é em si conservadora. E com a superestrutura ciência, a


ciência marxista, ocorre o mesmo: a explicação teórica das revoluções do século XX, no
capítulo O Que Foram os Ex-Estados “Socialistas”, precisa ainda de um tempo para ser
digerido pelos marxistas. Se suas conclusões são corretas, em médio prazo encontrará
marxistas dispostos e verdadeiros, não centristas.

O duplo caráter dessas revoluções, democrático-burguesas e socialistas, surgiu de


condições histórico-materiais das nações citadas e mundial.

Para acrescentarmos à conclusão, trataremos das correspondências no processo de


degeneração do regime de Estado na URSS, e demais países, com o Termidor da
revolução francesa, a mais intensa das revoluções burguesas. Esta relação foi percebida
pela Oposição de Esquerda na URSS, por isso partimos de artigo do militante
bolchevique Cristian Rakovski – Os Perigos Profissionais do Poder, carta à Valentinov
– a partir do qual teceremos comentários.

De início, o revolucionário compara a formação de uma nova camada social, a casta


burocrática com seus privilégios, com os problemas da revolução francesa:

“Não citaremos aqui as indicações dadas pelos contemporâneos sobre as diferentes


causas da degeneração jacobina, como, por exemplo, a tendência a enriquecerem, a
participação nos leilões, no abastecimento etc. Mas ressaltemos um fato curioso bem
conhecido: a opinião de Babeuf, que encarou que a queda dos jacobinos foi
enormemente facilitada pelas damas nobres das quais eles eram entusiastas. Ele
questionou os jacobinos nesses termos: “Que fazem vós, plebeus pusilânimes? Hoje elas
os beijam, amanhã elas os enforcarão!” (se os automóveis existissem à época da
Revolução Francesa, haveria também o fator “auto-harém”, que o camarada Sosnovski
apontou ter desempenhado um papel bastante importante na formação da ideologia da
nossa burocracia dos soviets e do partido.”

“Mas aquilo que desempenhou o papel mais importante na queda de Robespierre e do


Clube dos Jacobinos, que descartaram abruptamente as massas (trabalhadoras e
pequeno-burguesas), foi que, perto da total liquidação dos elementos de esquerda, a
começar pelos Enrangés, pelos Hébertistas e pelos Chaumerristas (de forma geral, toda
a Comuna de Paris), liquidou-se gradualmente o princípio eletivo, que foi substituído
pelo princípio das nomeações.”
Este princípio das nomeações fora posto em prática por Stalin – enquanto já
representante de uma burocracia em ascensão – por meio do cargo de secretário geral.
Desenvolveu, assim, um ciclo burocrático leal e de baixa autonomia em troca de cargos
no partido e no Estado.

Se aglutinarmos os problemas econômicos e sociais da URSS com as desastrosas


políticas econômicas da burocracia quando no processo de consolidação do poder,
temos em comparação a seguinte base na França:

“Assim, o regime de Robespierre, ao invés de reanimar o espírito de atividade das


massas, já abalado pela crise econômica e, especialmente, a crise de subsistência,
agravou ainda mais esse mal e promoveu o trabalho das forças antidemocráticas. (…)”

“Entre estes, o papel decisivo foi desempenhado pelas dificuldades de abastecimento,


em parte causadas pelos dois anos de má colheita (bem como pelas dificuldades
decorrentes da passagem da grande propriedade agrária dos nobres à divisão das terras
para uso dos camponeses), pelo aumento incessante dos preços do pão e da carne, pelo
fato dos jacobinos não terem, logo de início, recorrido a medidas administrativas para
conter a ganância dos camponeses ricos e dos especuladores. Mas se, ao fim, os
jacobinos optaram pela pressão violenta das massas para implementarem a lei do
máximo, isso inevitavelmente não poderia ser mais do que um paliativo sob o regime de
livre mercado e da produção capitalista.”

Então, a falta de vitórias materiais permanentes, estáveis e qualitativos (não


apenas quantitativos) até 1928 jogou a base social para “tocar a vida”, cuidar do
imediato, deixar assuntos complicados para os dirigentes etc. Na URSS:

“Se mergulhamos de cabeça nas camadas mais profundas das massas proletárias,
semiproletárias etc., dos trabalhadores em geral, encontramos estratos populacionais
inteiros que, dificilmente, podemos dizer que estão conosco. Não me refiro aqui apenas
aos desempregados, que constituem perigo cada vez maior, ainda que já apontado pela
Oposição. Refiro-me às massas de mendigos, às massas meio pauperizadas que, graças
a pequenas doações de alívio por parte do Estado, encontram-se no limite da
pauperização, do roubo e da prostituição.”

(…)

“Os elementos semimiseráveis encaravam a burguesia e o Estado capitalista


responsáveis por sua situação: eles esperavam que a revolução trouxesse mudanças.
Hoje, estes círculos não estão felizes: a sua posição não melhorou, ou quase não
melhorou. Eles começaram a considerar com hostilidade o poder dos soviets e a parte da
classe trabalhadora que trabalha na indústria. Eles tornaram-se particularmente hostis
aos funcionários dos soviets, do partido e dos sindicatos. É possível, às vezes, vê-los
tratando os estratos mais elevados da classe trabalhadora como a “nova nobreza”.”

(…)

“A função modificou o próprio órgão, isto é, a psicologia daqueles que são


encarregados das diversas tarefas de direção na administração da economia do Estado
mudou ao ponto de que, não apenas objetivamente, mas subjetivamente, não apenas
materialmente, mas moralmente, eles deixaram de fazer parte dessa mesma classe
trabalhadora.”

Em comparação, na França:

“Vimos por que o povo de Paris havia perdido seu fascínio pela liberdade: a fome, o
desemprego, a eliminação de quadros revolucionários (muitos líderes foram
guilhotinados), o afastamento das massas da gestão do país. Tudo isso provocou um
desgaste tão forte entre as massas, tanto física quanto moralmente, que o povo de Paris e
do resto da França necessitou de trinta e sete anos de repouso antes de iniciar uma nova
revolução.”

Rakovski ainda faz comentário sobre um problema ainda vivo entre comunistas:

A antítese entre a democracia burguesa e a democracia proletária é ressaltada, mas não


se diz uma palavra para explicar o que o partido deve fazer para concretizar a
democracia proletária. “Levar as massas a participarem na construção”, “reeducar sua
própria natureza” (Bukharin gosta de falar sobre esta última questão, especialmente em
conexão com a questão da revolução cultural): estas são afirmações corretas desde o
ponto de vista da História e já são há muito conhecidas; mas elas tornam-se lugares
comum se não se introduz a experiência acumulada durante os dez anos da ditadura do
proletariado. É aqui que se coloca internamente a questão dos métodos de direção, se é
um papel tão importante.

Mas os nossos dirigentes não gostam de falar sobre ela, para que não chegue o grande
dia em que eles próprios terão que “reeducar sua própria natureza”.

Dadas as bases materiais, ou a falta delas, a burocratização na França (e na


URSS):
De maneira geral, a história do Terceiro Estado que triunfou na França em 1789 é
extremamente instrutiva. Em primeiro lugar, esse Terceiro Estado era extremamente
diversificado. Ele incluía tudo aquilo que não era parte da nobreza e do clero: ele
incluía, assim, não apenas todas as variedades da burguesia, mas também os miseráveis
trabalhadores e camponeses. Foi pouco a pouco, após uma longa luta, diversas e
repetidas intervenções armadas, que foi alcançada, em 1792, a possibilidade legal do
conjunto do Terceiro Estado participar da administração do país. A reação política, que
começou desde antes do Termidor, consiste em o poder começar a passar, formalmente
e de fato, para as mãos de um número cada vez mais restrito de cidadãos. As massas
populares, primeiro por uma situação de fato, depois também legalmente, foram pouco a
pouco excluídas do governo do país.

Tanto a democracia burguesa, em versão radical francesa, quanto a operária


foram destruídas por terem chegado cedo demais.

O regime bonapartista dos Ex-Estados Operários Degenerados faziam surgir


ditadores – Stalin, Mao Tzung, Tito, Fidel Castro, etc. –, representantes de uma casta
estatal (não uma nova classe), sem a nobreza histórica em si progressiva de um
Bonaparte. Eram os bonapartes às avessas, da farsa: representavam, cinicamente e por
ocultações, a tentativa de manter e consolidar o mundo, não a fundação de outro.477

A burocratização expressou dois limites: o caráter burguês dos processos e a


base material ainda incapaz de fundar a democracia socialista.

Neste ponto, tenhamos um tanto de admiração e compaixão por Lenin, por sua
luta e por considerar exagero tal citação a ele apresentada, de Engels:

“A pior coisa que pode ocorrer a um líder de um partido radical é ser obrigado a tomar o
governo numa época em que o movimento ainda não está maduro para o domínio da
classe que representa e para a realização das medidas que esse domínio implica (…).
Ele necessariamente se encontra em um dilema. O que ele pode fazer contrasta com
todas as suas ações anteriores, com todos os seus princípios e com os interesses
presentes do seu partido; o que ele deve fazer não pode ser realizado (…). Quem se

477
Enquanto Fidel tem largas simpatias entre militantes da América Latina, recodermos que ele era um
liberal convicto até ser obrigado a alinhar-se à URSS, sua guerrilha teve instruções de um agente da CIA
(algo do qual ele falou, pois “sacaneou os gingos”), geriu burocraticamente o Estado, sustentou “em
nome do socialismo” a restauração do capitalismo na ilha após a queda da URSS (de fato, sem apoio
externo era impossível manter a economia nas mesmas base, mas sequer esclareceu o povo cubano e a
vanguarda mundial da profundidade do problema, tal como fariam comunistas), perseguiu
homossexuais, proibiu livros e arte “burgueses” e quando os sandinistas tomaram o poder orientou
“não transformarem a Nicarágua numa nova Cuba” (boicote à revolução permanente).
coloca nessa posição difícil está irrevogavelmente perdido” (Engels apud Deutscher,
1968, p.420)478.

A contradição dialética entre possibilidade e necessidade tornou-se análogo a


como quando com as primeiras revoluções burguesas (estudas por Engels em seus
escritos militares).

A leitura das citações anteriores, de Randovsk, demonstra debater pouco os


fatores macroeconômicos. Para o autor da carta, enquanto isto é inconsciente para
muitos teóricos atuais, foi uma postura consciente e formal. Assim encerra:

Até o momento, raciocinei abstraindo os fatos da nossa vida econômica e política que
foram analisados na Plataforma da Oposição. Fiz isso deliberadamente, pois tinha como
objetivo apontar as modificações que ocorreram na composição e na psicologia do
partido em relação à questão da conquista do poder. Isso pode ter dado um caráter
unilateral à minha exposição; mas, sem essa análise preliminar, seria difícil
compreender a origem dos erros políticos e econômicos cometidos por nossa direção a
respeito dos camponeses e das questões da industrialização, do regime interno do
partido e, enfim, da administração do Estado.

Hoje, podemos dar respostas satisfatórias às suas angústias. Para isso, também se
faz preciso chamar os intelectuais e os militantes à responsabilidade: focar nas questões
centrais, nas não resolvidas, nas generalizações e em resolver as contradições postas.

Às vezes, sequer questões práticas e conjunturais alcançam o necessário nível de


elaboração e debate público. É claro que as controvérsias secundárias merecem existir e
ter alguma atenção, mas sempre levando em conta a necessidade real e primeira.479

Enfim, as fileiras do marxismo devem aceitar apenas pessoas dispostas a não ter
limites de horizonte. Quantos pequenos partidos “bolcheviques” temos cuja direção faz
de tudo menos supor, de modo real e prático, formar um dia uma direção nova para a
revolução? Pensam – embora escondam isso de si – ser algo grande demais para ser
sonhado.

O romantismo revolucionário é uma necessidade.

478
Extraído de: Lenin, a Revolução Russa e os dilemas da transição. Por Mauricio Gonçalves, doutor em
Ciências Sociais pela UNESP. Site: https://blog.esquerdaonline.com/?p=8293
479
Uma das políticas conjunturais é propor uma revista geral de polêmcica, aberta e eletrônica.
3) DULO CARÁTER DA REVOLUÇÃO RUSSA, BUROCRATIZAÇÃO E PARTIDO
BOLCHEVIQUE

Antes de 1916, os partidos operários da Rússia dividiam-se em três programas para a futura
revolução no país:

1. Mencheviques: a revolução russa será burguesa, sob liderenaça da burguesia e seus


partidos por razão da etapa evolutiva da sociedade – por isso, ficaremos na oposição;
2. Bolcheviques: a revolução será burguesa, mas sob protagonismo de uma aliança
camponesa e operária (sem hierarquia de liderança governamental desta classe por
aquela) porque a burguesia nacional é incapaz de ser protagonista – por isso,
participaremos do governo que derá as bases do desenvolvimento capitalista interno;
3. Trotsky (Interbairros): a revolução será burguesa, mas pelo protagonismo operário e
suas pautas próprias caminhará para o socialismo – por isso, participaremos do poder
operário, com alinça com os camponeses, ajudando a impulsionando a revolução nos
países adiantados.

Em 1917, os mencheviques adotam a política dos bolcheviques: participam da Duma


(parlamento) e do governo provisório. Lenin, com as teses de Abril, passa a adotar a teoria de
Trotsky. Por que isto ocorre? Em grande medida, pela composição social dos partidos e da
direção: os bolcheviques aglutinavam os militantes mais jovens e mais operários; os
mencheviques, mais maduros, intelectuais e profissionais liberais. Trotsky adota a teoria do
partido de Lenin dentro de sua formulação: em balanço da derrota de 1905, fez a primeira
fórmula da teoria da revolução permanente com um peso, também comum à Rosa Luxemburgo,
objetivista, supondo um caminho quase natural da classe operária ao poder; com a teoria
leninista do partido, pôde agregar com maior potência o fator subjetivo.

O desenvolvimento de um partido dar-se de modo desigual. O programa tende a atrair


perfis militantes e da direção desde os embates práticos, fracionais e entre partidos. Zinoviev,
Kamenev e Stalin – formadores de uma fração secreta quando na consolidação da
burocratização do partido e do Estado soviético – indicaram pertencerem a este programa
abandonado pelo partido bolchevique desde 1917 e por Lenin desde 1916.

Afora a fração secreta e os fracionamentos formais, estes três militantes formavam um


agrupamento muito informal e inconsciente porque estavam ligados ao programa antigo:
revolução burguesa, participar do governo, composição operária e camponesa (longe de
hierarquia mais definida). Recordemos as suas posições, com maior ou menor participação dos
três: apoio crítico ao governo provisório, tentativa de reunificação com os mencheviques, contra
a possibilidade de revolução socialista, denúncia pública dos preparativos do Comitê Central da
tomada do poder (quebra do centralismo democrático quando mais se fez necessário), tendência
apoiar a Assembleia Constintuinte contra o poder dos soviets (puxada pelo poder operário, a
Assembleia eleita ao modo da democracia representativa se colocou contra reconhecer o poder
dos soviets), fracionamento em defesa da tática defensiva de guerrilha contra o Exército
Vermelho, defesa da palavra de ordem “camponeses, enriquecei-vos!” (sic.), contra a autonomia
das nacionalidades oprimidas pela Rússia. São alguns dos exemplos a apontar a origem
programática dos erros e degeneração desses militantes.
Desde o isolamento da URSS, puderam compor a liderança de uma casta burocrática
representante do lado burguês, no duplo caráter, daquela revolução.

4) AUTOMAÇÃO E SETORES (DEPARTAMENTOS) PRODUTIVOS

No capítulo dois da obra, observamos os espectos e conclusões gerais e centrais da questão


produtiva. Aqui, desçamos um pouco mais ao concreto.

N’O Capital II, Marx divide a produção em dois macrossetores:

Setor I, produção de meios de produção, ou seja, matéria-prima (energia, objetos, minérios, etc.)
e máquinas;

Setor II, produção de meios de consumo, de subsistência.

Com a automação, quais alterações ocorrem?

Observamos a produção automatizada como aquela a extrair mais-valor de outros


setores. Tenhamos isso em mente. Não produzindo mais-valor, esta produção também não
produz valor, ou seja, não produz a forma fenomênica do capital variável, o salário, o preço da
força de trabalho (referenciado pelos custos monentários para amanter ativo o trabalhador e sua
prole, ou seja, os futuros operários). A primeira percepção, resultado: ao deixar de produzir
valor, afeta a demanda do setor II, produção de bens de consumo. Tanto a produção automática
no setor I quanto no II pendem para diminuir a demanda no setor II. Ao mesmo tempo, tendem
a elevar a oferta do setor II (porque barateiam as mercadorias singulares do setor II e as
vendidas ao setor II pelo setor I). Mas: este problema perante e sobre o setor II gera, em
seguida, perda de demanda por insumos e máquinas do setor I. Percebemos a contradição e a
crise. Por outro lado, a própria crise no setor II pode estimular este a pedir nova maquinaria para
vencer as disputas, a turbulência. Porém também algo temporário e conjuntural.

A mercadoria produzida pelo setor II realiza, ou seja, transfere, o valor do setor I


expresso nos preços das máquinas e matéria-prima. Se ambas as pontas da relação usam
máquinas automatizadas – algo sob o capitalismo impossível na totalidade, apenas parcialmente
viável –, então ambas estão extraindo o valor social para si, não contruibuindo para produção de
valor. Façamos sequência: a produção automatizada de uma empresa do setor I vende sua
mercadoria pelos seus custos + um valor acrescido (mais-valor extra); o capitalista do setor II
combra do do setor I o valor da merdoria em si + aquele mais valor extra crescido; em seguida –
estamos considerando condições normais de mercado – repassa para a mercadoria final os
custos dos meios de produção ultilizados + mais valor extra do capitalista do serto I + mais
valor extra para si.

Para que o leitor respire e digira as observações, tratemos uma questão geral. Olhando
desde seu ponto de vista particular e de classe, o capitalista pensa estar em sua capacidade de
medir a origem do valor e a regulação íntima dos preços. Supõe ser a objetividade da
concorrência entre “senhores”, não a produção de mais-valor, a medida de todas as coisas. Este
se sente orgulhoso por livrar-se das greves e da indisciplina. O Tempo de trabalho e o tempo de
produção passam a depender dele e de suas possibilidades. Mas esta ilusão é destruída tão-logo
descobrimos o capital variável como categoria essencial da produção capitalista. O burguês,
sujeito inchado e feliz, se quisesse e puder ver, saber-se-ia um parasita social, sugando o sangue
do hospedeiro até a morte dos dois. Quão absurdas soam, para a maioria dos ricos, as
conclusões marxistas…

Quando o setor I passa a produzir máquinas automatizadas para os setores I e II, passa
também a abrir possibilidade – temporária – de produzir mais mais-valor. É a contratendência
na tendência. Isto se dá, em principal, porque produtos do setor II (alimentos, roupas, etc.)
podem ficar mais baratos, barateando a força de trabalho enquanto o tempo de trabalho e a
intensidade deste permanecem constantes (e, em muitos casos, mesmo quando se alteram). Ou:
forçando o desemprego, as demissões em troca de máquinas, pressionando os salários para
baixo. Por evidente, essas formas podem acontecer combinadas.

Outro resultado: mesmo quando e se a nova maquinaria não é barata relativa à anterior,
a produção automatizada pode aumentar e aumenta a escala de produção de matéria-prima,
rebaixando seu preço. No começo, isto pode representar uma economia de dinheiro da parte do
capitalista, pois passa a sobrar uma parte do capital adiantado nestas mercadorias, até que as
relações gerais de oferta e demanda encontre novo ponto referencial. O chamado capital
circulante (salários, matéria-prima) precisa de antecipação constante, renovação constante;
diferente do capital fixo (maquinário, construções, depósitos, etc.), sendo daí o processo
imediato e temporário.

Nosso primeiro destaque foi a extração de mais-valor extra, de outros setores e


empresas, por parte do capitalista com produção da III Revolução Industrial. Porém: seu lucro
extraordinário , sendo hoje ainda mais astronômico, sobe muito relativo ao que gasta no setor II,
em consumo. Marx divide o setor II em bens de subsistência e bens de luxo. Mesmo
considerando este último, hoje muito utilizado e um desperdício social (a ser superado pelo
socialismo), ainda sobra dinheiro (lucro) para ser acrescido em novos investimentos, ao lado da
fração já pensada para tal destinação. Se a relação entre crescimento e crise permite a venda de
suas mercadorias a um preço satisfatório, então adquirirá capital para: comprar outras empresas,
vencer concorrência, investir na dívida pública, resistir às crises por mais tempo etc., ou seja,
concentração e centralização de capitais. Assim, movendo o sistema para seu limite
potencialmente absoluto.

Quanto às consequências da automação na relação interpaíses e em seus perfis, os


primeiros capítulos do livro suprem tal tema.

Enquanto escrevia esta obra, fiz duas descobertas interessantes: 1) uma empresa
brasileira de cuscuz, produto típico e tradicional da classe trabalhadora do nordeste, fez uma
propaganda de TV onde demonstrou a produção totalmente maquinista de sua fábrica “para um
melhor sabor”; 2) a produção de telhas e tijolos, comum na construção de casas populares no
Brasil, no interior do Maranhão, próximo à capital do Piauí, passou a ser feita por automação.
Mesmo nos países atrasados, ou o marxismo de desvio sindicalista, movimentista, atualiza-se
teórico e programaticamente ou perderá o trem da história, sequer sabendo seu horário.

A observação lógica dos departamentos mostra que a tendência à automação, ao gerar a


contratendência, pode por um período aumentar a massa de mais-valor, o número de operários e
o grau de exploração destes ao mesmo tempo em que suga parte do valor social total para si
enquanto capital produtivo fictício e prepara, por meio de crises mais profundas, a generalização
da III revolução industrial enfim consolidada no possível socialismo.
A defesa apenas empírica da classe operária – e esta ainda é sujeito social da revolução
– esbarra nos processos de essência na realidade.

5) O CAPITAL III, PREÇO E JUROS COMERCIAIS

Leiamos a seguinte passagem do capítulo “Capital-dinheiro e capital real – III


(Conclusão)”:

No crédito comercial, o juro, a diferença entre o preço a crédito e o preço à vista, só entra no
preço da mercadoria quando as letras têm prazo superior ao costumeiro. Se não têm, isso não
acontece. E a explicação está em que cada um toma esse crédito com uma das mãos e o dá com
a outra [isto não se ajusta à minha experiência. - F.E.]. Entretanto, quando o desconto surge
aí nessa forma, regula-o não o crédito comercial, e sim o mercado financeiro. (O Capital III, K.
Marx, Civilização Brasileira, p. 683, grifo meu.)

Pensemos uma resposta à questão.

As circunstâncias em que o crédito comercial, não financeiro, ganha dinâmica ocorrem


antes da elevação dinâmica do crédito financeiro (isto Marx havia percebido). Em geral,
ocorrem após crises, quando a demanda começa a elevar-se. Se a demanda eleva-se para
algumas mercadorias relativo à oferta (porque a crise diminui a concorrência, porque o nível de
assalariamento está voltando a elevar-se, etc.), então o preço mais que compensa em relação às
condições normais e, logo, o crédito comercial transforma-se em modo de extrair mais-valor
extra na circulação de mercadorias. Em conclusão, no preço final há sim, entre os demais
fatores, o fator juros comercial enquanto possibilidade de extrair mais-valor extraordinário, de
outros setores. Por isso a observação de Engels de que a experiência concreta não confirma esta
anulação do fator crédito comercial por razão dos intercréditos.

Talvez a oculta preocupação de Karl Marx em sua apressada afirmação fosse reforçar
que o valor não surge da circulação mas da produção. Com o conceito “mais-valor extra”
encontramos na produção capitalista a base do fenômeno acima citado.

Ao pormos o parágrafo d’O Capital em macrocontexto, sua dinâmica, podemos resolvê-


lo.

O crédito comercial permite acelerar a circulação, pois desprovido da troca imediata de


mercadoria por dinheiro (este nem sempre disponível na proporção desejada). Quando oferece o
crédito comercial, o burguês comerciante A oferece ao B uma massa de mercadorias após supor
que estas serão vendidas e vendidas a um preço capaz de retornar as parcelas com acréscimo de
juros. Se este cálculo demonstrar-se errado, ocorre porque faz parte dos riscos de uma economia
não planejada.

Se observamos, do ponto histórico da época de Marx, a autonomia externa e relativa dos


três capitais, ainda assim percebemos pontos de contato, um no outro, a exemplo do crédito
comercial.
Relação de juros no setor comercial ocorre porque ambos pertencem o reino da
circulação: comércio de mercadorias e mercadoria dinheiro. Neste nível, a relação social toma
forma reificada, fetichista, ao supor a ilusão de que o valor surge na circulação e inerente às
coisas.

Evidente, portanto, que esta relação do juros comercial se reproduza “naturalmente”


quando o banqueiro empresta ao capitalista comercial.

6) ALIENAÇÃO E FETICHE (OU FEITIÇO) DA MERCADORIA

O marxismo acadêmico, ao negar a filosofia marxista, tentando valorizar o “objetivismo”


científico kantiano, negou a teoria da alienação e, em diante, buscou generalizar o conceito
fetiche, em substituição ao conceito alienação, porque este estava “claro” em O Capital… O
interessante de toda esta confusão teórica revela-se no fato de que a elaboração desse marxismo
amputado é fruto… das relações fetichizadas.

Altusser, principal fonte do erro, confessou em seus últimos dias ter lido apenas O Capital I.
Se houvesse estudado os demais, teria ouvido Marx afirmar:

No capital produtor de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reificada, mais fetichista.
Temos nessa forma D - D¹, dinheiro que gera mais dinheiro, valor que se valoriza a si mesmo
sem o processo intermediário que liga os dois extremos. No capital mercantil, D - M -D¹, temos
pelo menos a forma geral do movimento capitalista, embora se mantenha apenas na esfera da
circulação e o lucro pareça por isso ser mera decorrência da venda; todavia, configura-se em
produto de uma relação social e não em produto de uma simples coisa. A forma do capital
mercantil representa de qualquer modo um processo - unidade de duas fases opostas,
movimento que se decompõe em duas ocorrências contrárias, a compra e a venda de
mercadorias. Isto desaparece em D - D¹, a forma do capital produtor de juros. Se um capitalista,
por exemplo, empresta 1.000 libras esterlinas, e o juro é de 5%, o valor das 1.000 libras, na
qualidade de capital, é no fim do ano de C + Cj¹, em que C representa o capital e j¹, a taxa de
juro, e assim temos 5% = 5/100 = 1/20, 1.000 + 1.000 x 1/20 = 1.050 libras. O valor das 1.000
libras, na qualidade de capital, passa a ser de 1.050, vale dizer, o capital não é magnitude
simples. É relação quantitativa, relação da soma principal, valor dado, para consigo mesma
como valor que se valoriza, como soma principal que gerou mais-valia. Conforme vimos, o
capital por sua natureza se apresenta como esse valor que se expande diretamente para todos os
capitalistas ativos, operem eles com capital próprio ou emprestado.

Em D - D¹ temos o ponto de partida primitivo do capital, o dinheiro da fórmula D - M - D¹,


reduzida aos dois extremos D - D¹, sendo D¹ = D + # D, dinheiro que gera mais dinheiro. É a
fórmula primitiva e geral do capital, concentrada numa síntese vazia de sentido. O capital em
sua marcha completa é unidade do processo de produção e do de circulação, proporcionando por
isso determinada mais-valia em período dado. Na forma do capital produtor de juros, esse
resultado aparece diretamente, sem a intervenção dos processos de produção e de circulação. O
capital aparece como fonte misteriosa, autogeradora do juro, aumentando a si mesmo. A coisa
(dinheiro, mercadoria, valor) já é capital como simples coisa e o capital se revela coisa e nada
mais; o resultado do processo de reprodução todo manifesta-se como propriedade inerente a
uma coisa; depende do dono do dinheiro - a mercadoria em forma sempre permutável - gastá-lo
como dinheiro ou emprestá-lo como capital. O capital produtor de juros é o fetiche autômato
perfeito - o valor que se valoriza a si mesmo, dinheiro que gera dinheiro, e nessa forma
desaparecem todas as marcas da origem. A relação social reduz-se a relação de uma coisa, o
dinheiro, consigo mesma. (O Capital III, Civilização Brasileira, p. 519, 520.)

As relações sociais alienadas, no capitalismo, tomam forma na circulação, na aparência,


de modo a esconder a relação real. Isto atrapalha, por exemplo, o trabalho teórico, tanto mais se
o cientista está preso a uma concepção de classe burguesa.

O valor parece ser algo próprio e natural da mercadoria e na mercadoria. O capitalismo


parece um sistema natural e, por isso, eterno desde esta aparência de ser uma enorme coleção de
mercadorias.

Se os nossos teóricos não filosóficos soubessem ler, perceberiam tratar-se de feitiço da


mercadoria, incluindo a mercadoria dinheiro enquanto aparência, engano, da fonte dos valores e
preços (o mundo das mercadorias determina a existência da mercadoria dinheiro, mas aparece
como o inverso). Bastaria também observar ter Marx focado os primeiros capítulos na
circulação, não na produção capitalista.

Uma relação social aparece realmente disfarçada. Pois é em si uma relação social
alienada, onde as coisas tomam a função de sujeito e o sujeito, a de coisa.

Tentar substituir a categoria alienação por fetiche é, em primeiro, um mal jogo de


palavras; em segundo, não corresponde com a diferença entre alienação na totalidade das
relações e, sendo resultado, o fetiche apenas no nível de aparência, ou seja, de circulação.

Continuemos:

E a confusão prossegue. Embora o juro seja apenas parte do lucro, da mais-valia que o
capitalista ativo extorque do trabalhador, o juro se revela agora, ao contrário, o fruto genuíno do
capital, o elemento original, e o lucro, reduzido à forma de lucro de empresário, mero acessório,
aditivo que se acrescenta ao processo de reprodução. Consumam-se então a figura de fetiche e a
concepção fetichista do capital. Em D - D¹ temos a forma vazia do capital, a perversão, no mais
alto grau, das relações de produção, reduzidas a coisa: a figura que rende juros, a figura simples
do capital, na qual ele se constitui condição prévia de seu próprio processo de reprodução;
capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de aumentar o próprio valor, sem depender da
produção - a mistificação do capital na forma mais contundente.

Para a economia vulgar, que pretende apresentar o capital como fonte autônoma do valor,
geradora de valor, essa forma é sem dúvida suculento achado: nela, não se pode mais
reconhecer a fonte do lucro, e o resultado do processo capitalista de produção adquire existência
independente, separada do próprio processo. (Idem, 520, 521.)

Estas citações pertencem ao Capítulo XXIV d’O CAPITAL III cujo título torna-se-nos
sugestivo: “A relação capitalista reificada na forma do capital produtor de juros”. Do livro I e II,
partindo da aparência à essência, Marx retorna à aparência, à circulação, enriquecido com as
conclusões antes ocultadas à teoria. Teve, por isso, de retornar ao tema do fetiche no livro III,
destinando a ele um capítulo um pouco mais filosófico, abstrato. Abre, aliás, transição para o
capítulo subsequente, “Crédito e capital fictício” (Cap. XXV), quando a ilusão toma forma
superior.

Nos três livros de Marx não há um capítulo sobre crise ou sobre alienação, porém ambos
estão sempre presentes de modo claro ao longo da leitura. Porque ele fez um subcapítulo sobre
feitiço da mercadoria, o marxismo academicista – afeito a classificações – não poderia culpar
Engels pelos supostos erros do amigo, já que crítica direta ao mouro e suas concepções feriria o
prestígio de alguns escritores.

Usemos exemplo singular: quando o operário vai ao supermercado comprar certa


mercadoria, aparece-lhe aí uma relação impessoal, onde o valor está inerente à coisa, onde há
troca por outra coisa. Sequer desconfia existir um mistério oculto, que rendeu três livros. Deste
exemplo típico, leiamos citação do subcapítulo “O caráter fetichista da mercadoria e seu
segredo” do capítulo I, A Mercadoria, do Livro I, O Processo de Produção do Capital:

De onde surge, portanto, o caráter enigmático do produto do trabalho, assim que ele assume a
forma-mercadoria? Evidentemente, ele surge dessa própria forma. A igualdade dos trabalhos
humanos assume a forma material da igual objetividade de valor dos produtos do trabalho a
medida do dispêndio de força humana de trabalho por meio de sua duração assume a forma da
grandeza de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas
quais se efetivam aquelas determinações sociais de seu trabalho, assumem a forma de uma
relação social entre os produtos do trabalho. (Marx, O Capital I, Boitempo, p. 147.)

Faz falta mais eruditos na luta pelo comunismo. Porém, isto não dá direito aos
intelectuais inorgânicos a tentar fazer do marxismo sua imagem e semelhança.

Ainda no capítulo I, Marx trata da resolução do fetiche:

Por fim, imaginemos uma associação de homens livres, que trabalham com meios de produção
coletivos e que conscientemente despendem suas forças de trabalho individuais como uma única
força social de trabalho. Todas as determinações do trabalho de Robinson reaparecem aqui, mas
agora social, e não individualmente. Todos os produtos de Robinson eram seus produtos
pessoais exclusivos e, por isso, imediatamente objetos de uso para ele. O produto total da
associação é um produto social, e parte desse produto serve, por sua vez, como meio de
produção. Ela permanece social, mas outra parte é consumida como meios de subsistência pelos
membros da associação, o que faz com que tenha de ser distribuída entre eles. O modo dessa
distribuição será diferente de acordo com o tipo peculiar do próprio organismo social de
produção e o correspondente grau histórico de desenvolvimento dos produtores. Apenas
para traçar um paralelo [atenção para o caráter apenas comparativo, destacado por Marx,
diante das limitações da consciência burguesa, da suposta impossibilidade de um mundo sem
mercadorias:] com a produção de mercadoria, suponha que a cota de cada produtor nos meios
de subsistência seja determinada por seu tempo de trabalho, o qual desempenharia, portanto, um
duplo papel. Sua distribuição socialmente planejada regula a correta proporção das diversas
funções de trabalho de acordo com as diferentes necessidades. Por outro lado, o tempo de
trabalho serve simultaneamente de medida da cota individual dos produtores no trabalho
comum e, desse modo, também na parte a ser individualmente consumida do produto coletivo.
As relações sociais dos homens com seus trabalhos e seus produtos de trabalho
permanecem aqui transparentemente simples, tanto na produção quanto na distribuição.

(Idem, p. 153. Grifos nossos.)

Com as mudanças na produção, com o fim das relações alienadas na totalidade social, o
modo de distribuição também muda, mesmo se com atraso. Estamos diante do desafio da
transição e do socialismo, rumo ao comunismo: superar o tempo de trabalho enquanto medida.
E esta solução está sendo em parte encaminhada pelo poderoso avanço destrutivo da técnica sob
o capital.

Se lido com atenção, o leitor verá base para nossa crítica à precisão do conceito fetiche,
que é da circulação, relativo à alienação. Para encerrarmos, outra vez as palavras de Marx:

Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação social geral de produção
consiste em se relacionar com seus produtos como mercadorias, ou seja, como valores, e, nessa
forma reificada [sachlich], confrontar mutuamente seus trabalhos privados como trabalho
humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, é a forma de religião mais
apropriada, especialmente em seu desenvolvimento burguês, como protestantismo, deísmo etc.
(Idem. P. 153, 154.)

Quanto à alienação na produção:

É verdade que a economia política analisou, mesmo que incompletamente, o valor e a grandeza
de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas formas. Mas ela jamais sequer colocou a
seguinte questão: por que esse conteúdo assume aquela forma, e por que, portanto, o trabalho se
representa no valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração temporal, na grandeza de
valor do produto do trabalho? Tais formas, em cuja testa está escrito que elas pertencem a uma
formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo
de produção, são consideradas por sua consciência burguesa como uma necessidade natural tão
evidente quanto o próprio trabalho produtivo. (Idem. P. 154, 155.)

E:

Os objetos de uso só se tornam mercadorias porque são produtos de trabalhos privados


realizados independentemente uns dos outros. O conjunto desses trabalhos privados constitui o
trabalho social total. Como os produtores só travam contato social mediante a troca de seus
produtos do trabalho, os caracteres especificamente sociais de seus trabalhos privados aparecem
apenas no âmbito dessa troca. Ou, dito de outro modo, os trabalhos privados só atuam
efetivamente como elos do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece
entre os produtos do trabalho e, por meio destes, também entre os produtores. A estes últimos,
as relações sociais entre seus trabalhos privados aparecem como aquilo que elas são, isto é, não
como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como relações
reificadas o entre pessoas e relações sociais entre coisas. (Idem. P. 148.)

A condição do trabalho social com apropriação privada, sob a forma capitalista, tem a
mediação do comércio enquanto forma necessária. Mas não eterna.

O valor-capital de fato é valor que se autovaloriza, causa de si, processo autônomo e


automático; porém não os é. Uma relação social de exploração.

7) SISTEMA E PREÇO DE MONOPÓLIO

Lenin e Trotsky, tal como outros, perceberam a crise do sistema rumo ao seu fim enquanto
falhas e desvios na legalidade, nas leis, do sistema capitalista. São sintomas ou manifestações.

Estas falhas de legalidade estão postas nos fatores centrais e determinantes. As pequenas
cidades do Brasil, muito interioranas, possuem legalidades particulares próprias: se alguém abre
um negócio com lucro, surge concorrência pelo mesmo resultado e, em seguida, os dois ou mais
negócios deixam de compensar (qualquer pessoa dessas localidades percebe tal processo cuja
causa para eles é a “inveja”); este ciclo permanece até a intervenção externa de algum capitalista
ou Estado, o crescimento populacional etc. Aqui, o sintoma de mudança tem outra natureza e
podem ser alocadas na microeconomia (o marxismo, por outro lado, considera o micro quando e
para elevar a compreensão do macro, em conexão com este).

Muitos marxistas perceberam o preço de monopólio enquanto desregulação do centro de


gravidade do valor sobre os preços reais. Nisto há certo consenso. Mas, então: o que regula os
preços de mopopólio? O valor, ainda que de modo desregulado e mais indireto. Talvez caiba aos
marxistas a tarefa longa e chata de ser detalhista nos fatores estudados, elecando as
interinfluências, tal qual Marx fez sobre alguns temas.

A questão fica mais simples se observarmos do seguinte modo: o monopólio tende, em si, a
elevar indefinidamente o preço de mercado de suas mercadorias; por isso, temos de ver,
tomando a teoria do valor por base teórica, quais fatores impedem e constrangem tal medida.

Façamos um esforço. Para isso, abstraiamos os resultados do capitalismo concorrencial


ainda presente e tratemos a legalidade monopólio-preço de monopólio. Tanto quanto possível, o
trato mais direto, puro e abstrato serve de recurso metodológico para interligar, em seguida, com
o conjunto das leis fenomenológicas, no nível aperencial ou da circulação de mercadorias (não
confundamos com circulação do capital).

Partamos aos próximos parágrafos.


Há concorrência de monopólio impedindo a elevação excessiva de preços. Pos si, isto
impede elevação e pode reduzir. Se uma empresa controla o mercado de um país e eleva
demasiadamente seu preço, isto gera problemas econômicos e políticos a tender a rupturas, ou
seja, facilitar a abertura do mercado à concorrência.

Um preço demasiado elevado gera luta de classes e, isto incluso, luta de classes entre a
burguesia. Certa matéria-prima sob monopólio não pode aumentar seu preço ao ponto de
destruir a galinha dos ovos de ouro, as empresas compradoras do produto para transformá-lo. E
quando isto é feito parcialmente ocorre luta de classes interssetorial, porque há transferência de
mais-valor em forma de lucro de um setor para outro, e entre classes antagônicas (a burguesia
pode tentar transferir o custo acrescido com capital constante com redução de salários ou a
matéria-prima em questão afeta o poder de compra real dos salários, etc.).

Por maior que de fato seja, nenhum monopólio planifica a totalidade da economia, estando,
pois, dependente das variações conjunturais do capitalismo, afetando oferta e demanda. Isto
força alterações no preço de monopólio.

A monopolização, ao planificar produção e preço, pode supor preços diferenciados para


ambientes de comércio diferenciados. Por exemplo: a empresa Coca-Cola oferece um preço de,
supomos, 1,50 reais para seu produto numa mercadinho e 3,00 reais para o mesmo produto num
bar ao lado, pois percebe possbilidades de demanda diferentes. Este cálculo, em parte arbitrário,
parte da experiência prática e pode regular-se de modo inexato por ela. Isto também pode
acontecer na venda em diferentes países.

O preço de monopólio elevado eleva as tensões gerais da concorrência entre diferentes


setores, afetando a geopolítica, gerando manobras enquanto tentativas de superar o
constrangimento do preço elevado. Um exemplo particular do processo geral: certa nação pode
bloquear o monopólio de outro país por meio de altas tarifas de importação ao mesmo tempo em
que o Estado financia o surgimento de uma empresa monopolista de seu próprio país.

Se há concorrência entre monopólio e empresas menores, o monopólio pode reduzir seu


preço, mesmo afetando enormemente seus lucros, para forçar fusões e falências. Porém, se a
empresa, em circunstâncias parecidas, opera a preços visivelmente abusivos e constrangedores,
estimula a formação de outras empresas, pois a demanda se transfere para estas caso ponham
preços compensadores. Isto, porém, exigiria grande erro de medida da parte da empresa
dominante.

Por isso, supomos um planejamento às avessas, um planejamento de lucro, um plano central


pelo mais-valor extra. Há inúmeros constrangimentos a um preço em demasia elevado; por mais
que a obitação dos preços em relação aos valores seja de fato desregulado, ela ocorre enquanto
sintoma de um sistema tendendo a ser superado.

A empresa a exercer este monopólio consegue, dentro dos limites postos, limitar sua
produção; mas sua oferta máxima não pode acompanhar, de imediato, a demanda ainda mais
elevada. Eis uma vantagem, a elevar os preços de mercado, que também pode transformar-se em
desvantagem. Agreguemos o fator cultural: a empresa alemã Wolksvagem pôde instalar-se nos
EUA porque a demanda por carros não poderia ser antendia em médio prazo pela Ford; e nisto
pesa o perfil daquela população, onde seria natural o trabalhador ter um automóvel.
Há uma percepção mais abstrata. O preço elevado de monopólio tende a impedir a
demanda, reduzindo-a; mas este preço elevado continua, pois mais que compensa a perda
parcial de demanda. Há um ponto, porém, ao continuar a elevação dos preços, em que a
demanda começa a se reduzir continuamente, afetando o lucro480, (ou estimulando os fatores
acima expostos, mas estamos abstraindo deles); neste caso, encontrou-se um preço limite, um
tanto abaixo daquele a gerar crise. Porém, este não é estável nem natural, estando subordonado à
totalidade dos fatores.

A questão está em perceber o “preço de monopólio” enquanto também não estático e não
determinado em absoluto pela empresa monopolista. Nas análises concretas, observamos os
fatores que permitem ou impedem a elevação e a queda. Exemplo: o preço da gasolina no Brasil
subiu sob justificativa de que a demanda mundial estava elevada e, logo, deveria existir correção
dos preços; mas a queda do preço do barril de petróleo abaixo do preço de custo no mercado
mundial faz o preço da gasolina… subir. Não só pela privatização da Petrobrás, exigindo
funcionar ainda mais sob a lógica do lucro, a elevação dos preços internos permite não falir a
empresa diante da crise global no setor. Isto, por outro lado, constrangeu os demais setores
internos e tendeu à elevação dos preços finais (custos de transporte, etc.). Se há menor inflação
no Brasil ou deflação, dar-se por queda do consumo, da produção, elevadíssimo desemprego,
etc. constrangendo os preços.

Extraímos duas questões metodológicas: não avaliamos a questão desde a megaempresa


individual mas pela totalidade e consideramos fatores extraeconômicos. A economia “pura” de
nada nos serve.

Ao expor a diferença da composição orgânica dos capitais concorrentes, Marx demonstrou,


Livro III, a formação do preço de produção desde a taxa média de lucro afastando este do valor
produzido em separado nas empresas, acima ou abaixo deste valor; desta variação, pôde
demonstrar o valor de mercado enquanto um valor médio, não estável, em torno do qual as
condições de oferta e demanda fazem o preços de mercado, preços reais, orbitarem. A relação
entre central e orbitante, semelhante em comparação a uma estrela orbitada por planetas com
suas luas, passa do valor orbitado para o preço de produção, por sua vez orbitado pelo valor de
mercado e, em seguida, preço de mercado.

O preço de monopólio faz parecer que a tendência real é elevação monopolística


constante dos preços de mercado gerando contratendências.481 Porém, o monopólio aponta, em
essência, o fim do preço no planejamento geral socialista, preparado pela atual fase do sistema.
É uma resistência, um modo inverso, ao fim da manifestação empírica do valor, o valor de troca
preço.

480
Esta mesma elevação de preços, em outras circunstâncias, pode gerar importante perda quantitativa
de demanda desprovida de alteração qualitativa. Exemplo da Microsoft: os preços de seus “pacotes” são
elevadíssimos mesmo perdendo parte da demanda para programas gratuitos, piratas, etc. O preço
elevado compensa e não gerou uma perda qualitativa da demanda, quer seja, não surgiu um
concorrente monopolista. Evidentemente, há aí uma proporção de preço para limite de sua infação, sob
risco de prejudicar o próprio monopólio. Isto tende a ocorrer mais no departamento I, produção de
meios de produção, caso exista monopólio e seja difícil alocar e tirar capital do setor, a exemplo de
empresas de energia.
481
Estamos abstraindo na análise os elementos do parágrafo anterior, a citação resumida de longos
capítulos d’O Capital III.
8) LEI DA MISÉRIA CRESCENTE

Igual às demais leis tendenciais descobertas por Marx, a lei tendencial da miséria
crescente gera suas próprias contratendências relativas. Tratatemos da relação entre
estas:

1. O aumento da miséria gera luta de classes;

Tal luta retarda e nega parcialmente a lei, pois as vitórias aumentam o nível de vida das
classes trabalhadoras por algum período, sejam greves ou revoluções. O Estado de bem-
estar social na Europa existiu porque 1) o capital ainda tinha margem de manobra,
poderia ceder; 2) as revoluções socialistas em outros países forçavam tais medidas.

2. A miséria absoluta pode ser reduzida aumentando a miséria relativa;

Exemplo: menos pessoas passando fome ao lado da redução dos salários. Ou a


transferência de “vantagens”, na luta entre classes, da classe média para as classes
trabalhadoras (e isso pode ser impulsionado pelo Estado para reduzir a luta de classes;
daí o ódio da classe média brasileira contra os governos petistas).

3. Variante à anterior, outras formas de precarização, além da salarial, dentro e fora


do “mundo” do trabalho, podem aumentar a miséria relativa, mesmo
aumentando a renda com salários.

Exemplos: aumento da violência urbana, alienação das relações sociais causando onda
de depressão, trabalho “desprovido de sentido”, etc. São Paulo abrigou gente de todo o
país em busca de emprego, contra a fome, apesar de oferecer, em troca, outros
problemas: isolamento, falta de tempo, poluição, stress elevado, sentimento de ser
“estrangeiro”, relação submissa de comando, etc.

4. Transferência da tendência de um país para outro(s);

A China, hoje, pode relativizar a tendência interna a uma crise econômica, maior
pobreza e lutas sociais por meio da transferência da tendêndia à miséria crescente para
outros países. O Brasil é um dos afetados por esse jogo econômico e social da nova
potência, a industrialização deste é a desindustrialização daquele. A formação de uma
aristocracia operária nos países imperialistas, que dominam economias de outras nações,
apresenta-se o mais típico exemplo. Certa estabilidade social interna é base para
vantagens comerciais externas e, por esse meio, transferir a tendência.

No caso europeu, a alta qualidade de vida, das contradências, fez sugir transferência de
empresas e investimentos aos países “maleáveis”, despovidos de restrições trabalhsitas e
sociais (ambientais, etc.). A tendência, já presente, impõe-se de modo mais duro: maior
desemprego, precarização, neoliberalismo, etc.

5. Ciclos decenais;
Mesmo com variações ao longo das curvas de desenvolvimento do capitalismo, debate
de outro capítulo, as crises cíclicas são acompanhadas por posterior crescimento cíclico
preparando, por sua vez, a próxima crise; o momento de crescimento reduz
relativamente a miséria social em comparação ao período imediato anterior. Este mesmo
aumento da miséria pela crise dá bases para o reerguimento macroeconômico.

6. Aumento artificial do consumo;

Recentemente encontrou-se entre os rascunhos de Marx esboço sobre a tendência do


capital a endividar aos trabalhadores. Isto seria uma reação à superprodução (hoje
crônica latente482). O crescimento por meio da dívida, confiando ao acúmulo futuro de
mais-valor o retorno que, além de arriscado e inevitável, prepara importante elemento
da crise e da raiva entre assalariados. Em todo o mundo e no Brasil de fato aconteceu
esse “consumismo” a partir dos anos 2000, adiando boa parte da crise desse início de
milênio para a de 2008. O desenvolvimento da produção capitalista tende ao aumento da
oferta muito acima da demanda, ao mesmo tempo reduzindo esta (desemprego, menores
salários, etc.), impulsionando a lei da miséria crescente; sendo artificialmente
compensada pelo aumento do consumo não por aumento da renda, pela elevação do
crédito.

7. Aumento da exploração.

A capacidade de um país de forçar altas jornadas de trabalho, intensidade do trabalho e


baixos salários, isto é, aumento a miséria dos trabalhadores, gera, por outro lado,
investimentos. A possibilidade de lucro é a possibilidade de exploração. Em seguida,
gera elementos a possibilitar aumento da qualidade de vida, exemplo: maior quantidade
de empresas, menor desemprego, logo mais greves e possibilidades de vitórias. Mais
uma vez, a China, que tem conseguido adiar a crise de 2008 por dez anos em seu país,
serve de caso ao ocorrer naquela nação investimentos, maior número de greves e
aumento dos salários.

8. Composição orgânica do capital.

Marx:

“[À medida que se acumulasse capital] uma parte maior de seu próprio excedente…
volta para… os operários sob a forma de meios de pagamento, de modo que eles podem
aumentar os frutos extraídos desse excedente; podem aumentar um pouco seu consumo
de roupas, mobiliário etc. e podem ter pequenos fundos de reserva. Mas, assim como
isto – melhores roupas e alimentos, melhor tratamento e um pecúlio maior – é pouco
para acabar coma exploração do escravo, também é pouco para acabar com a exploração
do operário assalariado. Um aumento do preço do trabalho em decorrência da

482
Relembrando so primeiros capítulos: a tendência à superprodução crônica revela-se apenas de modo
latente.
acumulação de capital só significa, realmente, que o cumprimento e o peso da corrente
de ouro que o operário assalariado pode forjar para si próprio permitem um relaxamento
da tensão… Esse aumento só significa, na melhor das hipóteses, uma diminuição
quantitativa do trabalho não remunerado que o operário tem de executar. Essa
diminuição nunca poderá atingir o ponto em que ameace o próprio sistema.” (Marx, O
Capital. 1:645. Extraído da citação 99, livro “História do Pensamento Econômico”, E.
K. Hunt e Mark Leutzenheiser).

E:

Exercendo o comando de um número igual ou até decrescente de trabalhadores, o


capital variável cresce, no entanto, se o trabalhador individual fornece mais trabalho e,
com isso, aumenta seu salário, ainda que o preço do trabalho se mantenha igual ou caia,
só que num ritmo mais lento do que o do aumento da massa de trabalho. (O Capital I,
Boitempo, p. 862, versão digital.)

Nas empresas de alto lucro, massa de lucro, ao lado do baixo número de operários, ou
seja, empresas de alta produtividade por meio da troca de homens por maquinário, os
funcionários podem obter rendimentos acima da média. Tratemos em outra linguagem:
a taxa de exploração, em si, relação proporcional entre capital variável na forma de
salário e o mais-valor gerado pode acrescer-se sem ser imediatamente perceptível. Mas
isso ocorre porque ocorreu aumento da miséria em outros setores: demissão de boa parte
dos antigos funcionários a partir da nova maquinaria (“Oc rescimento do capital
variável torna-se, então, o índice de mais trabalho, mas não de mais trabalhadores
ocupados.” Idem, p. 863.), falência da concorrência, preço de monopólio, “invasão” de
mercadorias a países sem a mesma produtividade, etc. O aumento da miséria, tendência,
diminui a miséria, parcial contratendência.

9. Cultura.

Exemplo atual. Sendo organismos do capitalismo, Banco Mundial e ONU defendem


mudança da dieta entre os pobres: passar a comer insetos… Adotar tal hábito cultural do
Extremo Oriente poderia baratear o capital variável – para Marx, o preço básico dos
salários também é determiando por fatores culturais entre operários –, mas é evidente a
resistência. Os salários baixos da Índia e China pressionam os salários mundiais,
concorrência universal, para o rebaixamento, no entanto barreiras encontrando.

10. Crises populacionais.

O aumento da miséria, relativa ou absoluta, gera crises numa nação. Pode faltar mão de
obra por excesso de jovens trabalhadores deslocados a outros países em busca de
emprego, pode epidemias e pandemias – por pobreza relativa e absoluta, por
alimentação não nutritiva, etc. – reduzir o trabalho disponível, a taxa de mortalidade e
de morte prematura aumenta ao lado da redução da prole por família. Fica mais fácil
chegar-se ao ponto em que a oferta de trabalhadores seja baixa para a demanda latente,
forçando aumento dos salários e elevação das condições de vida por algum período
(entre outros fatores operantes, como maquinário substituindo o trabalhador em falta e
“ousado”, melhores condições de vida gera prole mais saudável e em preparação para o
mercado).

A imigração gera menor quantidade da mercadoria força de trabalho no país sob evasão;
e acrescenta a oferta, reduzindo o preço, nos países a receberem trabalhadores (mais
tolerantes a condições de trabalho duras, inromais, etc.). Outra forma de deslocamento
está em que, no país sob saída, em certo grau alto, os salários retiram do lucro se
aqueles aumentam; enquanto na outra nação uma capacidade maior de exploração,
desde a concorrência entre assalariados, tende a acrecer o lucro. O processo continua até
que a conjuntura ou medidas gerais imponham a tendência; logo as mudanças postas
gerarão crises, ou serão parte da base delas, para fazer retornar a “normalidade”.

11. Taxa de câmbio.

Outro desdobramento da contratendência luta de classes, um governo pode impedir a


luta social radical por meio de medidas sobre a relação entre moedas nacionais. Caso do
Brasil: a hiperinflação da década de 1970 ampliou-se até o fim da década de 1980,
gerando antagonismos de classes cada vez mais duros; a construnção de uma paridade 1
dolar = 1 real, estimulada pelo governo FHC e o plano Real, permitiu aumentar o
consumo, atender a demanda, com preços baixos; mas isso destruiu parte do consumo,
da demanda e, ao lado, parte significativa da produção interna por razão da
concorrência, ou seja, impondo a miséria crescente assim e, em seguida, pelas crises da
dívida. Exemplo dos EUA: pôde evitar e adiar a luta de classes por meio do consumo
elevado, usando sua moeda – maio de troca e reserva internacionais – para importar;
mas pendeu, em seguida, à desindustrialização do país e transferência de parte
significativa de suas empresas para outros países.

As primeiras elaborações de Marx sobre a lei da miséria crescente, versões


limitadas porque referentes apenas à relação de salário, derivam da curva de
desenvolvimento do capitalismo por ele vivido e, por outro modo de abstração, pelo
segundo ciclo de era fundado pela I revolução industrial. A entrada do maquinismo na
produção geral, de imediato produziu perdas aos trabalhadores, crises mais duras e, a
partir da década de 1820, processos violentos de precarização social. A partir da década
de 1840, porém, aconteceu a redução relativa da tendência até a década de 1870, que
abre a nova revolução na indústria. Estes períodos de menor contradição do capital
consigo próprio e com a totalidade social podem ser incluídos enquanto manifestação de
contratendência parcial e relativa.
Muito provavelmente Marx teria destinado mais tempo ao assunto se tivesse
vivido o bastante para terminar o livro III d’O Capital, interrompido exato quando inicia
o debate sobre as classes.

9) OS LIMITES CAPITALISTAS DA TÉCNICA

Na obra “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, Lenin demonstrou o


desenvolvimento dos monopólios e oligopólios como fator a limitar o desenvolvimento
técnico na produção. Assim limitando o aumento da oferta, compra-se patentes para
guardá-las ou adiar seus usos. Desse modo reduz-se parcialmente a possibilidade de
superoferta, superprodução.

O desenvolvimento técnico, observamos nos primeiros capítulos, tende a quebrar a


lógica do valor. Este mesmo limite pode ser observado quando do baixo investimento
real em superação qualitativa dos derivados de petróleo; na Espanha tentou-se, com
baixa probabilidade de êxito, taxar a produção autônoma de energia eólia e solar; o
desenvolvimento de empresas novas afeta outras:

[Título:] Chamada de voz no WhatsApp obriga operadoras a repensarem seu futuro

Chegada de novo recurso em um dos aplicativos mais populares do Brasil acende a luz
amarela para as operadoras tradicionais, que tomam posição para enfrentar a nova
realidade da experiência móvel.

As operadoras de telefonia móvel estão determinadas a assumir em 2015 a postura que


já vinham ensaiando nos últimos anos, aliando-se a aplicativos de mensagens e voz. A
aproximação com os antigos “inimigos” é hoje a principal estratégia de empresas como
TIM e Oi para reerguer suas receitas, afetadas por clientes que fazem cada vez menos
ligações pelo celular e sequer lembram do SMS no seu dia a dia.483

Operadoras de telecomunicações no Brasil pretendem entregar a autoridades locais em


dois meses um documento com embasamentos econômicos e jurídicos contra o
funcionamento do aplicativo WhatsApp, controlado pelo Facebook, disseram à Reuters
três fontes da indústria.

Uma das empresas do setor estuda também entrar com uma ação judicial contra o
serviço, afirmou uma das fontes. O questionamento a ser entregue à Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel) será feito contra o serviço de voz do WhatsApp, e não
sobre o sistema de troca de mensagens do aplicativo, disse a mesma fonte.

483
http://link.estadao.com.br/noticias/geral,chamada-de-voz-no-whatsapp-obriga-operadoras-a-
repensarem-seu-futuro,10000029510
A ideia é questionar o fato de a oferta do serviço se dar por meio do número de telefone
móvel do usuário, e não através de um login específico como é o caso de outros
softwares de conversas por voz, como o Skype, da Microsoft.484

O capitalismo pode também fazer regredir o desenvolvimento. Encontramos no Brasil


um exemplo “cru” referenciado quando da ditadura civil-militar, desde 1964, operou a
destruição do sistema ferroviário nacional. A razão para tal ato era lucrativa: dar
mercado interno às empresas automobilísticas aqui instaladas. Os custos de circulação,
por isso, aumentaram a partir da adoção dos transportes rodoviários, dos caminhões, ao
lado dos maiores custos de reparos contra os desgastes das estradas ou dos veículos sob
estradas defeituosas. Expoamos em alguns países485:

Vejamos a “evolução” temporal brasileria486:

484
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/08/operadoras-moveis-no-brasil-preparam-peticao-
contra-whatsapp.html
485
http://ilaese.org.br/transportes-urbanos-no-brasil-2-do-pib-para-solucionar-a-crise-nacional-da-
matriz-rodoviaria/
486
Fonte: idem, Ilaese.
A decadência brasileira permite aos países “saudáveis” verem seu próprio futuro sob o
capital. Exemplifiquemos: as estradas nacionais são produzidas – e isto é público – com
material de baixa qualidade, que se desmancha rapidamente e pouco absorve os
impactos (Mèszáros: taxa decrescente do valor de uso). As empreiteiras podem renovar
a rodovia em curto período de tempo e alto lucro.

10) O QUE TODO ECONOMISTA MARXISTA DEVERIA SABER

A esquerda brasileira, erguida em um país muito desigual e contraditório, tem sido um


celeiro de quadros talentosíssimos ou, a ser talhado, de alto potencial latente. Apesar
disso, os limites práticos da concepção teórica se nos revelam quando o programa e a
mediação política são excluídos do fator marxista.
Vejamos exemplos. Muitos são riquíssimos na análise e caracterização da realidade,
mas, desde esse limite acadêmico, pouco avançam ao próximo passo, a elaboração de
uma política; outros, adotam o socialismo para si enquanto encarnação de uma futura
racionalidade, porém, sendo idealistas informais, por razão de pertencerem à classe
média, passam da caracterização marxista para… a política keynesiana487.

Como evitar esses limites e erros? Uma tradição foi perdida, infelizmente guardada por
poucos: desde os bolcheviques, tenta-se, inspirados no primeiro programa científico
presente no Manifesto, produzir o chamado programa transicional. Este, sob
sistematização e resumo n’O Programa de Transição (Trotsky), oferece ferramentas da
elaboração política propriamente comunista.

Esse programa parte de uma conclusão: há um desenvolvimento desigual entre crises


capitalistas e o nível de consciência das massas, ou seja, sua percepção sobre a natureza
do problema, as tarefas e a possibilidade de um novo mundo. Tal contradição precisa ser
resolvida pela prática política, pois é a arena dos partidos revolucionários. Como ela
pode ser resolvida? Entre outros aspectos, assim: as características totais da sociedade
de transição ao socialismo são separadas, fragmentadas, e apresentadas em forma de
palavra de ordem aos trabalhadores dotados de consciência reformista. Aqui, o objetivo
está um tanto claro. Faz parecer reformistas e viáveis propostas inviáveis sob o sistema
em crise. O caso mais simples e popular está em forçar a escala móvel de trabalho em
caso de desemprego fortíssimo – já que a burguesia precisa da crise para elevar a taxa
de desemprego geral –, fundando o desemprego zero, quer seja, dividir todo o trabalho
disponível entre todos os trabalhadores disponíveis. Existir um exército industrial de
reserva é uma necessidade inerente ao capital. Isto, a proposta comunista, embora
pareça óbvio e “racional”, entra em contradição com as leis desta sociedade. Logo, a
luta “reformista” tende a saltar as contradições e conflitos entre as classes,
transformando a revolução social em real possibilidade.

O acúmulo histórico do programa comunista supera a divisão entre programa mínimo,


reformas, e programa máximo, nova sociedade. Integra-os dialeticamente. É, pois,
muito mais que uma lista de palavras de ordem: há um método de uso e elaboração.
Deve-se selecionar ou elaborar propostas pedidas pela própria realidade, a partir das
demandas sociais imediatas, de modo a, ao haver luta da maioria da classe pela
consigna, produzir um “efeito em cadeia”, tendendo ao poder operário e popular. Assim,
a consciência atrasada das massas relativo ao momento social decadente pode deixar de
ser um problema, pode ocorrer elevação desta mesma consciência. Exemplo: organizar
comitês operários para avaliar as contas das empresas, contra o segredo comercial, e
depois elaborar uma proposta de gestão alternativa que, se o patrão não se subordina,
pressionar e, defendem os comunistas, se necessário colocar em prática por iniciativa
própria. Surge um poder dual na produção.

487
O keynesianismo faz parecer os problemas econômicos erros ou falhas corrigíveis por decisões
racionais via Estado. Daí a hibridez – na filiação filosófica idealista, por racionalidade e o Estado
enquanto tal encernação racional possível – de muitos simpáticos ao mesmo tempo a Marx e a Keynes.
Por outro lado, negando a lógica formal, classificatória, palavras de ordem reformistas
ou democráticas podem ser transicionais se a decadência é tal que estas exigências só
podem levar à revolução. No entanto, em geral, precisam, para maior potência, estar
combinadas com propostas em si transicionais.

Por último, um cuidado. Cada situação exige suas próprias elaborações: situações de
crescimento econômico, situação não revolucionária, pedem propostas reformistas e
democráticas488; situações pré-revolucionárias e revolucionárias necessitam de
propostas transicionais e, em apoio, democráticas (em caso de revolução em país sob
ditadura, por exemplo) e reformistas (na “rotina”). Situações sob ditaduras estáveis ou
contrarrevolucionárias, por outro lado, forçam preferência por palavras de ordem
democráticas e mínimas. O economista Mandel cometeu inúmeros erros por razão do
seguinte raciocínio formal e mecanicista: as palavras de ordem reformistas pertencem
aos reformistas, os revolucionários devem levantar sempre as propostas de transição.
Porém de nada serve dizer aos ventos “controle operário da produção”, “grupos de
autodefesa das greves”, “escala móvel de salários e trabalho” se as condições objetivas
não dão espaço para os trabalhadores ouvirem tais frases enquanto talvez alternativa às
suas dores reais. A postura mandelista seria autoelogio, não elaboração precisa.

Exemplo prático. O crescimento econômico gera alguma inflação e baixo desemprego,


logo exigimos aumento salarial em lutas menos ou mais unificadas. Se surge uma crise
manifestada em hiperinflação, a exigência reformista de aumento salarial de pouco nos
serve e devemos avançar para “gatilho salarial”, ou seja, os salários gerais – não
somente de um setor – aumentarem automaticamente e em proporção com o aumento
inflacionário mensal. Isto tende-nos a exigir, em combinação, uma greve geral ou outro
meio geral de luta para fazer valer a proposta; dito de outro modo: tende a mover a
classe para novas conclusões, na luta prática, e avançar seu nível organizativo, em
partido e em poder paralelo.

Hoje, em tentativa de antecipar, percebemos a tendência a futuras rebeliões sociais por


razão da crise atual. Mas de nada servirão se não encontrarem as propostas certas e os
partidos relativamente prontos. Significa a alta possibilidade de nossa derrota após certo
movimento espontaneísta das massas em luta. Mas, enquanto depender de fatores
subjetivos, a muito possível vitória burguesa não está dada por nenhuma força natural.
Contar com o programa de transição fará toda diferença. Por isso, aos trabalhos de base
e aos livros.

488
Toda exposição exige algo de lógica formal. Porém, uma crise forte pode diminuir a luta; quando
começa novo e fraco crescimento econômico, após a dura crise, palavras de ordem transcionais como
“escala móvel de trabalho” podem ficar ainda mais fortes e importantes, pois há uma contradição
acumulada, mas não resolvida, desde a crise. Se apenas uma parte dos trabalhadores conseguem novo
emprego com o crescimento, a maioria fica estressada desde o desemprego prolongado e podem forçar
uma revolução. Por razão do nível de contradição, A=não-A, crescimento econômico = revolução social.
O erro seria afirmar crescimento econômico, que pode ocorrer em situação contrarrevolucionária, =
situação não revolucionária; seria uma análise economista, parcial.
Aos economistas de vertente marxista, futuros ajudantes nos planejamentos gerais
democráticos sob o possível socialismo, fica o desafio de entenderem o estudo enquanto
absorção de ferramentas, não de informações. Enquanto verdadeira “ponte para o
futuro”, não somente avaliações geniais.

O primeiro programa de transição de fato sob bases científicas surgiu no Manifesto


Comunista, em pleno o declínio da curva do desenvolvimento histórico. A segunda
elaboração de um programa transicional ocorreu-se no declínio da curva seguinte.
Desde 2008, as propostas e métodos transicionais voltam a ser uma necessidade social e
precisam ser atualizados. Antes, as propostas mínimas, reformistas e democráticas
(contra a ditadura, contra o imperialismo, etc) poderiam ser centrais; agora ocorre o
inverso, quer seja, estas precisam de um sistema de “ponte” entre o imediato e o
possível porque avançamos na tendência incicilizacional do capitalismo.

11) CICLOS DE ERA

Cada ciclo pode ser representado em fórmulas gerais.

Ciclo do capital mercantil: D-M-D’, onde M é mercadoria.

Ciclo do capital produtivo: D-M-D’, onde M desdobra-se em Cc e Cv, capitais da


produção, constante e variável.

Ciclo do capital produtor de Juros: D-D’, escondendo o M, fonte real do dinheiro


acrescido, D’.

Salto para si: D-D’, tanto quanto possível desprendendo-se da produção real de valor.

No entanto, seja qual for o caso, do excedente medieval à fábrica desprovida de


operários, a produção está nas entranhas essenciais dos ciclos. Em si, não revelam a
complexidade do processo real.

12) MEDIAÇÃO DO OBJETO E ALIENAÇÃO

Física ou idealmente, os objetos colam-nos, isto é, permitem interação e integração


humanas. As relações – em verdade, a constituição das relações – são sempre mediadas.

Assim, temos:

S–O–S

Sujeito – Objeto – Sujeito

Na relação alienada sob o capital (a)parece:


O–S–O

Aí, S pode desdobrar-se em S-S enquanto meio para outro objeto.

A fórmula deve ser complementada:

s – O’ – s

O’ – s – O’

Onde há O’, objeto inflacionado e elevado à categoria de sujeito; e s a desvalorização do


sujeito e sua transformação em objeto. Podemos supor:

s (o) – O (S) – s (o)

O (s) – s (o) – O (s)

Traduzindo para a relação mercantil:

S–O–S

Mas: quem aí é sujeito e quem, objeto? Formulemos de modo mais claro:

D – S – D’

D – s (o) – D’

D – O – D’

Por resultado:

D (S) – D’ (S)

S (O)

Textual e profundamente as formulações acima podem ser apresentadas. Tratamos, pois,


dos capítulos referentes à superestrutura subjetiva.

Ao desdobrarmos a avaliação, podemos descobrir:

S – s (o) – O’

Sujeito em relação com sujeito tido por objeto para alcançar um objeto tido por sujeito.

Logo:

s (o) – s (o) – O (S)

Relações humanas alienadas.

O–O–S
Mas, de novo: quem é sujeito e quem, objeto? Que ou quem? Objetos relacionam-se
para alcançar o sujeito? S seria o indivíduo individualista mercantil ou algum objeto real
e mercantil.

Invertendo:

S–O–O

O sujeito toma papel ativo e a sequência de toda mediação para um objeto por meio de
outro objeto. A questão fica ainda mais confusa. Tentemos colocar S em outra posição:

O–S–O

E retornamos a algo extranho. Também somos obrigados a uma definição mais direta
entre o que ou quem S representa. De qualquer modo, alienação.

Para tentar resolver, tomemos S por sujeito humano:

S–O–O

Essa deformação continua.

Seria o equivalente supor em

D – O – D’

Isto:

O–O–O

A questão fica resolvida se: o sujeito ainda é sujeito ainda que alienado. Tem pulsões e
características de sujeito e de sujeito negado.

S–O–S

Eis um caminho ao descaminho. Simplificando:

S–S

Ou:

S–O–S

A Relação

O–O

Passa a ser mediada pelo sujeito


O – S (S-S) – O

Porém revela-se apenas parte de uma relação onde sujeito é sujeito de fato, ou seja:

S–O–S

O–O

S-S – O – S-S

Também:

S – S – O (– O)

Tomado idealmente, busca de sujeitos por um objet(iv)o comum. Por meio de


mediações.

Ao inverso de, de qualquer modo alienado:

O–O–S

Ao sairmos do reino da necessidade para o da liberdade, encaminhamo-nos para:

S’ – o – S’

A alienação na forma capitalista, a humanização das coisas, faz surgir na aparência um


falso quarto ser ontológico: inorgânico, orgânico, social e objetal. As coisas
pertencentes ao homem a partir de sua relação com o natural aparecem enquanto o
máximo desenvolvimento e resultado dos três seres ontológicos, na forma de
mercaooria.

13) SOCIEDADE, PSICOLOGIA E BIOLOGIA

Em outro capítulo, afirmamos ser o dinheiro lastro e referência das personalidades sob o
capitalismo. O problema social e pessoal do dinheiro pesa em nosso ser e apresenta-se
enquanto tara temática, assunto permanente.

Também afirmarmos ser o psicopata a persona que melhor se adapta ao jeito do objeto.
Ainda hipótese a origem real do perfil, vejamos algumas:

1) Genética;
2) Sacudir a criança recém-nascida, lesão cerebral;
3) Desligamento do setor emocional do cérebro diante de grande impacto
emocional nos primeiros anos489 (como lâmpada quebrada por excesso de
energia).

Seja qual for e de qualquer modo, o socialismo fará caminho para dar fim aos homens
desprovidos da essência social humana.

Por suas “posturas”, o tipo apenas instinto e razão tem maiores probabilidades de
“crescer na vida”, na empresa, nos negócios, de ganhar a luta do homem contra o
homem. Os psicopatas tendem a ser os grandes burgueses, políticos, líderes religiosos,
gerentes, etc.

A luta de classes, nalgum grau, é uma luta biológica dentro de nossa espécie.

14) DOENÇAS MENTAIS (SOCIAIS) DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Em seus livros e conferências, o psicanalista Dunker demonstra como a psicanálise foi


descobrindo novos fenômenos no pós-guerra. Façamos uma exposição de resumo, de
suas observações.

Boderline: sente imensa angústia de solidão e abandono ao mesmo tempo entra em crise
com a profundidade de laços.

Narcisismo: construir uma imagem, uma visão, de si ao outro por meios articficiais.
Dunker demonstra quanto isso está “normalizado” nas redes sociais, onde fazemos
nossa propaganda constante, interpretamos duplamente. Apenas é se o outro o confirma
enquanto sendo, se serve de espelho confirmante. Outra variante é a sensação de
despertencimento, de estar vivendo algo não seu.

Compulsões por compras. Uma doença comum para burlar as angústias, às vezes
“inexplicáveis”.

Onda de depressão e suicídio. Este tende a ser a principal causa de afastamento do


trabalho e fonte de doenças físicas.

Dupla personalidade. Embora provavelmente inexistente, o simbolismo desta doença


nos remete à fragmentação social: somos os que de nós é exigido em cada ambiente e
devemos considerar isso não contraditório.

Paranóide. A necessidade de superar a solidão – como a vida dos condomínios – faz a


mente “compensar” a falta do outro por meio da ideia de perseguição, de estar sendo
vigiado, olhado, etc.

489
Desde evetos impactantes ao stress constante por falta e tensões da não satisfação da natureza
humana nos primeiros anos. Alguns indivíduos do tipo são capazes de “ligar e desligar” o processo
emocional na mente.
Aumento da esquizofrenia. A fragmentação do aparelho psíquico produzindo
alucinações análogas ao sonho aparece como resultado e reação do modo de
sociabilidade sob contante angústia e frustração.

Todos variações do grau de alienação após 1970 ou mesmo, em menor medida, antes
desta data. A baixa integração social, mutualismo e atividade autônoma – essência
social do homem – degeneram a psique. Ao lado disso, o peso da relação com as coisas
influênciam: a TV, o cinema, a Internet e a indústria fonográfica educam-nos para um
perfil narcísico, por exemplo; a sociedade do espetáculo.

Embora a histeria exista como perfil e doença, sua manifestação foi reduzida em grande
medida pelo menos no ocidente. A vida sexual mais fluida e maior possibilidade de
falar do íntimo – contribuição de Freud à cultura – supera relativamente esta doença de
outra etapa do capitalismo. A própria burguesia percebeu a pulsão sexual enquanto
fonte de lucro, meio de estímulo ao consumo e ferramenta da propaganda; veja-se a
relação cerveja e erotismo, associar mercadorias à resolução de angústias de instinto.

15) IMPERIALISMO SUI GENERIS – CHINA

No capítulo destinado ao tema, afirmamos:

Precisamos agregar o passado histórico à análise. Os países citados têm uma tradição
milenar ligado ao Estado hipercentralizado. Em geral, conheceram o modo de produção
asiático, sustentado desde a burocracia estatal; viveram sob longas e duras dinastias
feudais (caso do czarismo russo) e sob “socialistas” ditaduras burocráticas – apenas o
determinismo econômico desconsideraria este fator histórico.

Para resgatamos, tratemos fatos não determinsitas econômicos notados em outro


capítulo:

Hoje, com o limite estrutural do capitalismo, o keynesianismo é impraticável, exceção


como método destrutivo como o caso chinês ao aproveitar suas particularidades internas
incomuns: abundantes população, matéria-prima, território, indústria de base formada
antes da restauração do capitalismo, regime semifascista, não-ameaça imediata nas
fronteiras, acordos com a Rússia, relações trabalhistas análogos ao do século XVIII –
que deprimem o salário mundial – e a tradicional cultura de obediência (devemos
incluir a alimentação ampla, pouco rigorosa, dos proletários daquele país, o que tende a
reduzir os custos com o capital variável).
Agregamos aspectos culturais da alimentação e hábitos. Estar por fora uma secular
educação “ocidental” em relação às exigências de saúde, por exemplo, pesa no preço do
trabalho. É uma cultura às vezes espantosa a quem está educado desde a tradição
europeia.

Peguemos a matéria a seguir, da BBC:

[Título:] Por que as vendas de desodorante são tão baixas na China e em outros países
da Ásia

Turistas ocidentais que visitam a China podem se surpreender ao tentar comprar um


simples desodorante nos supermercados ou farmácias locais: é raro encontrar o produto
nas prateleiras.

Mesmo em Pequim, uma cidade com mais de 20 milhões de habitantes, a oferta é


praticamente inexistente até em estabelecimentos maiores ou mais sofisticados. Quando
há, as marcas são poucas, geralmente voltadas para o público masculino e, em sua
maioria, importadas.

Uma pesquisa de mercado feita pela empresa Euromonitor comprovou que a venda de
desodorantes é baixa entre os chineses e que há poucos consumidores regulares. Um
outro levantamento, da consultoria Labbrand, também chegou a uma conclusão
semelhante e foi além: fora das metrópoles, há o risco de simplesmente não se encontrar
o produto, já que ele "nunca foi uma necessidade no país".

Honghong Lu, editora de moda de 27 anos, que mora em Pequim, concorda. "Eu nunca
usei desodorante e nunca pensei em usar. Por que me preocupar em colocar alguma
substância química em meu corpo se ela é desnecessária?"

Mas desnecessária como? Os chineses não transpiram?

(…)

A característica - de não exalar esse cheiro - não é exclusividade dos chineses. Segundo
um estudo publicado na revista Nature Genetics, realizado por cientistas de
universidades japonesas, esse fenômeno chega a 100% entre coreanos e chineses da
etnia Han, do norte do país, afetando também a maioria de mongóis e descendo
gradualmente em direção ao sul e ao oeste do continente.

Segundo a Euromonitor, "a maioria dos sul-coreanos ainda não está acostumada a usar
desodorante, (...) e no Japão muitos só o usam em dias quentes, por considerá-lo
desnecessário quando as temperaturas estão baixas".490

490
http://www.bbc.com/portuguese/geral-37236480
Uma cultura pode ser mudada longe de necessidades naturais. Exemplo: quando as
mulheres de Portugual, da Coroa, fugiram para o Brasil, carregaram consigo uma
epidemia de piolhos; tiveram, então, que raspar a cabeça e usar turbantes no lugar das
perucas brancas da estilítica europeia. As brasileiras, pensando ser altivo tudo vindo do
além-mar, adotaram a nova moda…

São as “vantagens” do atraso491. Uma série de fatores históricos, culturais e naturais –


como a desnecessidade natural sobre a cultura – dão a base do império chinês atual e
das dores de sua classe operária. Esta tem nas mãos a tarefa de fazer nova revolução,
longe dos limites e erros do passado.

No entanto, tratamos de abstração de fatores íntimos. A cultura alimentar chinesa tem


relação direta com a história, com as crises de fome. Separamos e integramos os
elementos na análise.

N’O Capital, Marx sobre a China:

(…) Nota à terceira edição: Hoje, graças à concorrência que desde então se instaurou no
mercado mundial, demos muitos passos à frente. “Se a China” – declara o parlamentar
Stapleton a seus eleitores – “se tornasse um grande país industrial, não vejo como a
população trabalhadora da Europa poderia enfrentar esse desafio sem decair ao nível de
seus concorrentes”, Times, 3 set. 1873. – Não mais salários continentais, mas salários
chineses! Esse é, agora, o objetivo perseguido pelo capital inglês. (O Capital I,
Boitempo, nota 53, p. 1407, vrsão digital.)

O contexto diferente quando tal projeto foi colocado em prática, com a restauração do
capitalismo, com a última fase do capital, oferece a este fato suas proporções também
diferenciadas. A transferência de capital produtivo à China, por razão da possivibilidade
de exploração e demais reduzir custos (ambientais, etc.), pressiona os salários mundiais
e demonstra como o capital deseja colocar fim aos “privilégios” dos trabalhadores nos
países imperialistas.

491
Lei dialética do desenvolvimento desigual e combinado: as vantagens relativas do atraso.
O SOCIALISMO

"Havia aqueles que, como Nietzsche, argumentavam que uma sociedade sem classes, se chegasse a
existir, sofreria de excesso de solidariedade e levaria a uma existência passiva como a de um rebanho, em
que o homem, extintos seus instintos de concorrência e de luta, degeneraria. No entanto, o socialismo,
longe de extinguir o instinto humano de emulação, o redimirá, direcionando-o para finalidades superiores.
Em uma sociedade livre dos antagonismos de classe não haverá competição pelo lucro nem luta pelo
poder político. As energias e paixões do homem se concentrarão na emulação criadora nos campos da
tecnologia, ciência e arte. Novos "partidos" nascerão e lutam entre si por ideias, pelo planejamento de
comunidades humanas, tendências da educação, estilo de teatro, música e esportes, sobre esquemas de
canais gigantescos, fertilização do deserto, regulamentação dos climas, novas hipóteses químicas, etc."

Isaac Deutscher - capítulo 3 do livro "O profeta desarmado", segundo livro da sua biografia de
Trotsky.

Ela virá. A revolução conquistará a todos o direito não apenas ao pão mas, também, à poesia.

Trotsky.

Enquanto aos relativamente excassos adversários da revolução soviética, se pode confiar no gênio
inventivo dos norteamericanos. Por exemplo, poderíam mandar a todos os vossos milionários não
convencidos a alguma ilha pintoresca, com uma renda para toda a vida, e que fiquem ali fazendo o que
lhes agradem.

Trotsky, Se os EUA se tornarem socialistas.

Do debate até aqui, deduzimos dois caminhos para esta longa e dura crise:
socialismo ou barbárie, milícias operárias ou privadas, Estado Operário com democracia
socialista ou nazismo em permanência, tecnologia como base do bem-estar ou como
base da dominação coletiva, fim das classes ou regime castas fixas, tempo livre com
qualidade de vida ou tempo livre da multidão descartável com escravidão, fim das
fronteiras ou muros por todas as partes, educação científica universal ou fanatismo
religioso, abundância ou escassez forçada. Se formos vitoriosos, a humanidade terá se
salvado; se formos derrotados, o regime de Hitler ficará na história como um pequeno
embrião do verdadeiro monstro por vir.

O AMANHÃ

O socialismo será a superação do paradigma-fábrica. Falamos sobre a necessidade


de um sistema mundial de saúde, o espaço pós-capitalista como fusão superante do
melhor da urbanidade com o melhor do campo, a tendência das características dos
produtos, etc.; agora adentraremos um pouco mais em outros aspectos da produção em
si. Os marxistas do século XXI precisam recuperar a paixão e curiosidade por entender
a ciência e a técnica; em última instância, o futuro depende disso, em especial após
resolvermos as pendências imediatas da luta de classes. Um marxismo focado apenas
nas dinâmicas dialéticas das classes e dos Estados é um marxismo amputado,
desprovido de um dos braços.

No socialismo, a era do maquinário-ciclope e do maquinário-titã será vista não


como a glória do progresso, mas como passado e suas curiosas excentricidades. Em
todos os modos de produção a classe dominante afirmava-se por dominar o trabalho
intelectual contra o trabalho manual da ferramenta falante; se alcançarmos o
igualitarismo, toda a humanidade será a “classe” dominante, pois divisões serão
inexistes, pois todos os indivíduos serão senhores do trabalho intelectual diferente e
emancipado, que será a forma de trabalho dominante em geral 492. Quem, por isso,
“pegará no pesado”? As máquinas, maquinário automatizado, robôs e outras invenções
desta sociedade pós-industrial. Em nossa época, isso se mostra em modo embrionário,
larval, nas impressoras 3D:

“Desde peças de avião até sapatos, passando por automóveis, agora tudo pode ser
impresso. É uma revolução que terá efeito sobre toda a cadeia industrial, desde a
concepção até o pós-venda.”

“’Esta técnica de fabricação não necessita de ferramentas. A matéria é molda por


um feixe de laser ou de elétrons comandados digitalmente. Basta ter material e um
projeto. O processo de fabricação é superflexível, e a máquina pode ser instalada em
qualquer lugar’, justifica Jean-Camille Uring, membro do diretório da fabricante de
máquinas industriais 3D.”493

A fábrica está para o capitalismo como o feudo está para o feudalismo. A próxima
revolução produtiva, a do socialismo, aponta os objetivos seguintes, entre outros: a) os
produtos dispensarão o excesso de parafernália interna para funcionarem tal como
devem; b) unir-se-á vários valores de uso em poucos suportes; c) pouca e poucos tipos
de matéria-prima na produção; d) velocidade de criação; e) capacidade automatizada de
corrigir falhas e promover reparos, além de reciclagem; f) produzir materiais com
autossustentação energética – utilizando, por exemplo, algum elemento abundante no ar,
como o hidrogênio; g) facilidade de objetivar no produto a criatividade, as
particularidades e os desejos dos indivíduos.

492
Observemos o trabalho manual na história: 1) primitivismo – trabalho primitivo; 2) escravismo –
trabalho escravo; 3) feudalismo – trabalho servil; 4) capitalismo – trabalho assalariado. Visualizamos o
estrutural – trabalho: intercâmbio entre homem e natureza – nas formas conjunturais. O socialismo, se
vier, não anulará o trabalho prático no trabalho emancipado, já que o tornará auxiliar aqui e lúdico ali.
493
Site UOL Notícias.
A fábrica, forma-fábrica, expressa em si a etapa da humanidade, capitalista, da
histórica luta da espécie humana: ser social, mais do que natural. Enquanto o
escravismo e o feudalismo tinham na relação imediata com o solo e a natureza sua base
econômica mais avançada, as “casas de ferro” da produção sob o capital representam
um salto para frente, embora de modo invertido, na humanização da humanidade e da
natureza. A revolução social conlui, em médio prazo histórico, tal objetivo.

Guiados pela questão técnica e pelos clássicos, deduzimos o socialismo como uma
evolução de três etapas:

1. Sociedade de transição ao socialismo.

A revolução mundial terá um inicio destrutivo, pois serão guerras civis por todo o
mundo; ao mesmo tempo, erguer-se-á a partir das bases econômicas e culturais herdadas
do capitalismo. Assim, essa fase de transição terá como tarefa consolidar a nova
sociedade em nível planetário rumo ao avanço estável. Aqui, elementos do sistema
anterior estarão temporariamente em presença, definhantes; o Estado operário
revolucionário e a quantidade de organizações, por outro lado e por isso, aumentar-se-
ão. Já que corresponde uma luta interfronteiras, tratar-se de um processo que pode durar
anos ou décadas, mas não séculos.

Teórico marxista admirável, Iván Mészaros opina em entrevista:

[Entrevistador] Como se dariam essas mudanças estruturais e qual estrutura social o


senhor vislumbra a partir delas?

O imperativo de se ir para além do capital como controle sociometabólico, com


suas dificuldades quase proibitivas, é a condição compartilhada pela humanidade como
um todo, pois o sistema do capital, por sua própria natureza, é um modo de controle
global e universalista que não pode ser historicamente superado, exceto por uma
alternativa sociometabólica igualmente abrangente. Assim, toda tentativa de superar os
limites de um estágio historicamente determinado do capitalismo - nos parâmetros
estruturais necessariamente orientados para a expansão e propensos à crise do sistema
do capital - está destinada mais cedo ou mais tarde ao fracasso, independentemente de
quanto sejam "avançados" ou "subdesenvolvidos" os países que tentarem fazê-lo. A
ideia de que, uma vez que a relação de forças entre os países capitalistas e os pós-
capitalistas tenha mudado em favor dos últimos, a via da humanidade para o socialismo
será uma jornada tranquila é, na melhor das hipóteses, ingênua.

Pode-se avaliar a magnitude das dificuldades a serem superadas ao nos lembrarmos


da maneira como o processo de produção foi sendo constituído durante um período
muito longo, bem antes da emergência e do triunfo do capitalismo. A transformação
radical necessária para o bom funcionamento de um processo sociometabólico baseado
numa verdadeira igualdade envolve a superação da força negativa das estruturas
hierárquicas discriminatórias e das correspondentes relações interpessoais da "economia
individual" iniciada há milhares de anos.

[Entrevistador] O que isso significa?

Significa avançar radicalmente para além do capital, ou não chegar absolutamente a


lugar algum, como na verdade aconteceu - tanto com o socialismo democrático do
Estado de bem-estar social do capitalismo ocidental como com todas as reformas
permitidas pelas determinações autoritárias do sistema do capital pós-capitalista. Como
a história trágica da era Stalin, as quatro longas décadas subsequentes demonstraram
conclusivamente que as personificações do capital poderiam trocar de pele, mas não
poderiam eliminar os antagonismos do sistema do capital, nem remover os dilemas que
confrontavam o trabalho. Nem a desintegração dos partidos social-democratas e
comunistas poderia realmente resolver a crise estrutural do "capitalismo avançado".
Apesar das falsas aparências em contrário, hoje mais do que nunca, a dura alternativa de
Marx confronta o trabalho como o antagonista estrutural do capital, clamando pela
rearticulação radical do movimento socialista que, em suas formas conhecidas de
articulação defensiva, não pode corresponder à magnitude do desafio histórico.

Assim, a chave para que ocorram mudanças significativas na complexidade da


reprodução sociometabólica é a superação radical da determinação antagônica e
conflitante do processo de trabalho, tanto se tivermos em mente a extração de trabalho
excedente primordialmente econômica do capitalismo como a forma politicamente
dirigida do pós-capitalismo. Nenhum socialista poderia nem desejaria defender o
estabelecimento de uma ordem sociometabólica que não satisfizesse as necessidades dos
indivíduos como resultado da abordagem simplista das tarefas e dificuldades
encontradas.

Tenho esperança na transformação radical de um sistema autossuficiente de poder


político que controla o todo da sociedade em um órgão autossuperável, que transfira
completamente as múltiplas funções de controle político para o próprio corpo social,
permitindo, assim, a emergência daquela livre associação de homens e mulheres sem a
qual o processo vital da sociedade permanece sob a dominação de forças estranhas.494

Lido com atenção, percebemos que o entrevistado embaralha a linguagem porque


tem dificuldade de dar uma resposta à questão levantada. Assim como György Lukács,
seu mestre, faz uma crítica teoricista e, por isso, idealista da transição ao comunismo.
Como comum entre marxistas não militantes, deslembra que a política e a prática
revolucionária são o reino da mediação, e estão entre o real e o ideal. De modo abstrato,

494
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/news/view/1349
suas observações são corretíssimas, mas o papel de uma revolução é inaugurar uma
nova época de reformas: o papel da transição ao socialismo, antessala da transição ao
comunismo, é promover o definhamento gradual e acelerado do valor, do capital e da
alienação – mas, para isso, o Estado, por exemplo, crescerá no lugar de definhar. No
mundo concreto, o socialismo puro não surgirá um dia após a declaração de fim da
guerra civil revolucionária.

A prova mais direta de que o Estado será ampliado está numa conclusão simples,
desde a revolução russa: para defender-se de ameaças externas, será preciso o exército
regular. O programa das “milícias operárias” em substituição ao exército teve de ser
mudado e adaptado, ou seja, atualizado. O Exército Vermelho oferecia alguns
princípios: 1) dirigentes militares eleitos pelos trabalhadores, via seus organismos; 2)
hierarquia simples e direta: um dirigente por grupo de combate; 3) eleição de um
dirigente político para acompanhar o batalhão, propor, informar etc. sem impor e impor-
se sobre as decisões militares do dirigente responsável; 4) prioridade à formação de
quadros, do núcleo duro, vindos da classe operária; 5) os soldados enquanto tais não
poderiam revogar a qualquer momento o mandato de seu comandantes, pois a
indisciplina nos momentos defensivos geraria problemas.495

Temos em conta que a transição estimula a consolidação de tendências vivas no


capital, por exemplo:

1) Concentração e centralização de capitais – formando única propriedade social;


2) Deflação – ao elevar a produtividade, rumo ao fim do preço, do comércio;
3) Substituição do capital variável por capital fixo;
4) Sistema único de finanças, banco único, contabilidade geral;
5) Queda da taxa de lucro;
6) Expropriação dos próprios capitalistas, antes operada pela concorrência entre
capitais;
7) Integração socioeconômica internacional: diluição das fronteiras nacionais por
meio da associação, autonomia e solidariedade.

O socialismo continua e conclui tais tarefas.

A necessidade de uma transição, antes do socialismo e do comunismo, tem os


seguintes motivos:

1) As revoluções vitoriosas tendem a ocorrer, em primeiro, nos países atrasados;


2) A maior parte das revoluções tende à guerra civil, à destruição;

495
Poucos sabem fazer parte do programa comunista a formação de “cidades anarquistas”. Para provar,
na prática, a inviabilidade da teoria anarquista o Estado Operário, democrático, deverá oferecer uma
localidade para que os anarquistas de todo o mundo escolham e tentem implementar suas elaborações,
em comum acordo com os habitantes locais. Será ou serão regiões autônomas, longe de intervenções
diretas, mas não de todo independentes (por exemplo: não poderão surgir em ambientes estratégicos
para a defesa geopolítica, onde o exército precisa estar atuante).
3) É impossível, sob risco de dar passo maior que as pernas, implementar todo um
programa transicional de um só golpe;
4) Avançar ao socialismo só é possível se avançando para a revolução
internacional, o que leva algum tempo, entre avanços e recuos.

São mecanismos possibilitadores da democracia operária, socialista:

1) Acesso popular às armas496;


2) A concentração humana na urbanidade;
3) Experiência prévia com democracia burguesa (fator não obrigatório);
4) Impacto da revolução vitoriosa sobre a cultura e a consciência497;
5) Fim do desemprego, na medida em que permite contato humano e segurança
para defender-se (basta observar a quantidade de greves quando o desemprego é
baixo no capitalismo);
6) Tempo livre para dedicar-se às tarefas sociais e políticas;
7) Reformas que deem qualidade de vida, necessidade de defendê-las e a
percepção de que o ato revolucionário tem por fruto melhorias, não frustrações;
8) Luta de frações, de ideias, de organizações, impedindo o controle de uma única
via organizacional (o que, além de ser consequência de uma realidade muito
contraditória, transfere a contradição da luta entre organizações para
contradição base social versus direção);
9) Investimento intensivo em capacidade cultural de gestão;
10) Organismos de luta fora e ao lado do poder (sindicatos etc.).
11) Integração socialista internacional.

Assim como a democracia representativa, burguesa; a democracia direta e participativa,


operária, apenas pode existir se as condições materiais da sociedade estão maduras.
Automação (abundância e gestão científica), concentração urbana, integração mundial,
internet etc. são os mecanismos permitidores de tal forma democrárica superior, antes
inviável.

496
Citemos forte exemplo. No Chile, o governo de frente popular de Allende, ou seja,
contrarrevolucionário (impedir a revolução por meio de um falso governo operário no Estado burguês),
teve de ceder às ocupações de fábrica, pois o movimento foi fortíssimo. Depois, percebendo a
inevitabilidade da revolução agrária, antecipou fazendo a reforma no campo, atrasando a revolução
social. Após a alta moral – paciência das massas se esgontando e período de cansaço (momento
defensivo na situação revolucionária) –, com a confusão e esperança causada nas massas e na esquerda,
abriu-se a possibilidade clara de um golpe de Estado. Nas ruas, os trabalhadores pediram armas para
impedir a contrarrevolução: mas o presidente em pessoa as negou, pedindo aplausos ao “antigolpista” e
general Pinochet. Um governo burguês, seja qual for o tipo, é capaz de tudo, menos permitir as massas
organizadas em armas, já que isto é Estado. A tentativa “bondosa” de Obama, nos EUA, de restringir o
histórico acesso dos trabalhadores às armas – desde sua revolução burguesa – é exemplo da decadência
após 2008.
497
Na luta de classes, as vitórias são mais educativas que as derrotas.
Na medida do revolucionamento da sociedade, rumo ao comunismo, cada vez maiores
tempo livre e cultura, ao lado do desenvolvimento técnico-científico e da renovação
geracional, o poder poderá diluir-se – fim da política e fim dos partidos – cada vez mais
fluido e diretamente na massa aclassita.

São meios da democracia operária, socialista498:

1) Revogabilidade permanente dos mandatos;


2) Salário dos dirigentes políticos igual à média nacional ou referência próxima;
3) Fusão, substituição, dos três poderes num único;
4) Assembleias e congressos regulares, de temporalidade formal (quinzenais,
diários, anuais, bianuais etc.);
5) Meios de comunicação à disposição dos debates, polêmicas e organizações:
internet, rádios499, programas e canais de TV etc.;
6) Mecanismos de votação direta em casos de assuntos cujo longo debate prévio é
desnecessário – e mesmo em muito desses casos, em plebicitos e referendos:
votações on line etc.
7) Fim do voto secreto por parte dos representantes;
8) Fim da diplomacia secreta;
9) Criação de um centro lesgislativo ou consultivo, a depender das circunstâncias,
formado por cientistas500 bem-remunerados e de mentalidade autônoma cujas
decisões serão aprovadas ou não pelo poder dos trabalhadores;
10) Representatividade proporcional ao número e peso social. Exemplo: operários
de uma fábrica com dez mil trabalhadores elegem mais representantes do que a
assembleia da associação municipal dos pequenos comerciantes, pelo peso
social e numérico, qualitativo e quantitativo.

Um dos teóricos-base desta obra, Mészaros pareceu desconhecer o “método do


programa de transição”. As questões levantadas e não resolvidas por ele pertencem a
esta lacuna teórica, viva quase que apenas no meio trotskysta, no marxismo ortodoxo.
Muito além de palavras de ordem, o programa transicional, sintetizado pela primeira vez
por Trotsky, apresenta uma lógica interna para a ruptura histórica nos campos da
economia e Estado, desde a luta de classes. Leitura atenta e comparada da literatura
sobre Programa de Transição501 e o capítulo IV, Política Radical e Transição Para o
Socialismo: Reflexões do Centenário de Marx, do livro A Crise Estrutural do Capital,

498
Os únicos governos e regimes de Estado apoiados pelos comunistas – mesmo quando criticamente –
são os baseados no princípio da democracia socialista.
499
Exemplo: uma corrente política muito pequena, de baixíssimo peso social, pode defender suas ideias
em uma frequência de rádio FM própria sua, garantida pelo Estado ou por seus membros.
500
Esta proposta foi primeiro elaborada por Trotsky. Lenin a princípio a rejeitou, em seguida a assumiu
por sua para combater o processo de burocratização do Estado soviético.
501
Indicamos para primeiro contato: O Programa de Transição, de Trotsky; Introduccion al Programa de
Transicion, de Joseph Hansen e George Novack (aportes, editorial fontamara); O Partido e a Revolução,
de Nahuel Moreno; este capítulo e o conjunto da obra.
de Mészàros, clareia as dificuldades do marxismo contemporâneo de se atualizar e saber
com que clássicos contar, enquanto pontos de partida, para suas tarefas.

Última observação.

Na medida em que o comércio e a cooperação artesanal evoluíam, o Estado feudal


adquiria duplo caráter, feudal e burguês. Como a revolução socialista tratar-se de
destruição da história das classes dominantes, o Estado burguês não suporta ter duplo
caráter, além do “despotismo esclarecido”. No entanto, diferente e ao inverso do caráter
duplo na URSS e China502, o Estado Operário de transição será socialista e burguês,
definhando esta duplicidade, medida a medida, na proporção em que a realidade o
permitir.

2. Socialismo, transição ao comunismo.

Aqui, todos os elementos e “leis” desta sociedade estarão consolidados. Embora


ainda persista o Estado, este definha. Neste momento, o trabalho intelectual (diferente
do ora vigente, emancipado e associado à dimensão prática) tenderá a tornar o trabalho
manual cada vez mais auxiliar/lúdico e imagens dos museus; definharão juntos o
dinheiro, bancos e fábricas. São processos que devem ser iniciados ainda na fase de
transição; apresentar-se-á como a consolidação do primeiro ciclo transitório, a evolução
estável.

3. Comunismo.

Algo como um comitê geral, “nacional” e mundial, existirá apenas para poucas e
claras questões: algumas formais, outras para distribuição, outras ainda para melhor
integração internacionalista, científica e social; pois o nível de autonomia do indivíduo,
das localidades e mesmo dos produtos será altíssimo, sem necessidade de gestão
centralizada planejada-democrática ou controle na quase totalidade dos assuntos.
Exemplo: a maioria dos produtos será energeticamente autossuficiente, bastando poucos
e simples movimentos para que se recarreguem; as impressoras 3D e outros meios de
produção do futuro, muito melhores que os atuais, precisarão de pouca e abundante
matéria-prima para fabricar os produtos de que o indivíduo e a comunidade
necessitarão. O altíssimo nível cultural e a valorização geral da ciência-filosofia e das
artes e desporto elevará a integração humana e o progresso técnico. Algo como
“complexidade simples” ou “sofisticação simples” será rotina, embora não tenhamos
condições de detalhar este possível futuro para além dos seus aspectos mais gerais.
Neste momento, os conflitos serão não-essenciais, acidentais, parciais, secundários,
positivos e não-destrutivos.

502
Estas sociedades elevavam-se por meio da elevação do trabalho abstrato – na produção, onde surge
o mais-trabalho e o mais-valor –, não por um processo de sua destruição contínua.
O capitalismo também teve sua tríade-eras inescapável503:

1. Do século XVI ao XVIII: o “capitalismo mercantil” teve de conviver com o


feudalismo;

2. Do século XVIII ao final do XIX: o capitalismo maduro, industrial;

3. Do final do século XIX aos nossos dias: quando há a hipertrofia de sua


existência impulsionada pelo capital produtor de juros.

Todavia, existem duas outras possibilidades para o homo sapiens: 1) a barbárie, um


sistema de dominação oligárquico baseado, entre outros aspectos, na tecnologia voltada
ao controle humano; 2) a extinção de nossa espécie ou sua redução a poucos
agrupamentos dispersos e primitivos. A continuidade do capitalismo, após a crise
orgânica-estrutural-de era (sistêmica), aparece como a hipótese mais improvável em
médio prazo, apesar de não parecer assim.

Marx e Engels, Manifesto Comunista:

“Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de


corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição,
têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que
terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira,
ou pela destruição das duas classes em conflito.”

503
Percebemos que o tempo das fases pós-capitalistas tende ir da curta à longa duração: transição,
socialismo, comunismo. O capitalismo, ao contrário, vai tendencialmente de ciclos de eras longas à
curtas: comercial, industrial, imperialismo. Como dizemos no capítulo “Três capitais, três eras, três
ciclos”: a causa é que cada ciclo de era evolui-se aproveitando os progressos anteriores, facilitando o
alcançar mútuo de seus ápices.
COMENTÁRIOS SOBRE A DIALÉTICA MATERIALISTA

“Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas
exatamente seu oposto.” (…)

(…)

A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede em absoluto que ele tenha sido o
primeiro a expor, de modo amplo e consciente, suas formas gerais de movimento. (…)

(…)

(.…) Em sua configuração racional, ela constitui um escândalo e um horror para a burguesia e seus porta-
vozes doutrinários, uma vez que, na intelecção positiva do existente, inclui ao mesmo tempo, a intelecção
de sua negação, de seu necessário desaparecimento. Além disso, apreende toda forma desenvolvida no
fluxo do movimento, portanto, incluindo seu lado transitório; porque não se deixa intimidar por nada e é,
por essência, crítica e revolucionária.

(Marx, Posfácio da segunda edição de O Capital)

O possuidor de dinheiro ou de mercadorias só se transforma realmente num capitalista quando a


quantidade desembolsada para a produção ultrapassa em muito o máximo medieval. Aqui, como na
ciência da natureza, mostra-se a exatidão da lei, descoberta por Hegel em sua Lógica, de que alterações
meramente quantitativas, tendo atingido um determinado ponto, convertem-se em diferenças qualitativas.

[Nota de rodapé 205ª:] A teoria molecular, aplicada na química moderna e desenvolvida cientificamente
pela primeira vez por Laurent e Gerhardt, não se baseia senão nessa lei. {Adendo à terceira edição: A
título de esclarecimento desta nota, bastante obscura para quem não é químico, observamos que o autor se
refere, aqui, às “séries homólogas” dos compostos de hidrocarbonetos, assim denominados pela primeira
vez por C. Gerhardt, em 1843, e possuindo, cada uma delas, uma fórmula algébrica própria de
composição. Assim, a série das parafinas: CnH2n+2; a dos álcoois normais: CnH2n+2O; a dos ácidos
graxos normais: CnH2nO2 e muitas outras. Nos exemplos anteriores, a simples adição quantitativa de
CH2 à fórmula molecular forma a cada vez um corpo qualitativamente diferente. (…)

(Marx, O Capital I, p. 475, Boitempo, versão digital)

CONCRETO E ABSTRATO

No marxismo, temos quatro definições comuns sobre as categorias concreto e


abstrato:

1.

Abstrato: elevar em conceitos mentais a realidade, fazendo uso de generalizações,


de modo a reproduzir a natureza deste último no pensamento.

Concreto: a realidade mesma, independente de uma reflexão, e sua dinâmica.


2.

Abstrato: um elemento separado de sua totalidade.

Concreto: síntese de múltiplas determinações, complexo de complexos, mais que a


soma das partes, a totalidade.

3.

Abstrato: descrever a realidade, o objeto, em sua generalidade, em seus aspectos


gerais, retirado as particularidades, as irregularidades acidentais e fatores externos.

Concreto: descrever a realidade, o objeto, em seus aspectos específicos, particulares


e conjunturais, agregando fatores externos e irregulares.

4.

Abstrato: geral, indiferenciado (ex: cachorro ou cachorros – em geral; trabalho cujo


esforço medimos pelo tempo, independente de suas particularidades).

Concreto: específico, diferenciado (ex: fila brasileira, um cachorro, etc.; trabalho


cuja determinação é a produção de algo).504

São quatro aspectos conhecidos da dialética. A diferença de significado pode ser


justificada como “o uso dos mesmos termini technici (termos técnicos) em sentidos
diferentes é inconveniente, porém impossível de ser evitado em qualquer ciência.
Compare, por exemplo, as áreas mais elevadas com as mais baixas da matemática.” (O
Capital I, Marx, p. 293, nota de rodapé 29.). No entanto, pensamos haver outro
caminho, outra forma de tratar duas categorias íntimas e próprias da realidade. Antes de
expressá-la, convido o leitor a ler este trecho de Marx, Introdução Para a Crítica da
Economia Política (1857):

“Os economistas do século XVII [que], por exemplo, começam sempre pelo todo
vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.; mas terminam sempre por
descobrir, por meio da análise, certo número de relações gerais abstratas que são

504
Para aprofundarmos: a floresta amazônica (abstrato) é um conjunto de árvores que juntas,
independente dos tipos específicos, produzem chuva no sudeste, biomassa, oxigênio, absorvem carbono
etc. Nesse sentido, o abstrato, árvores em geral, é “algo”, algo real e importantíssimo. Individualmente,
cada árvore produz frutos diferentes (concreto) e possuem características próprias que as diferem umas
das outras e das de sua própria espécie (concreto). Vemos que na relação abstrato-concreto existe
intimidade, sendo diferentes. O trabalho concreto produz valor-de-uso; o trabalho abstrato, valor. O
trabalho abstrato e o valor surgem da generalização, e este por meio da abstração enquanto redução
dos trabalhos a um único fator: administração indiferenciada do e a partir do tempo de trabalho; todos
os trabalhos e mercadorias são igualados, reduzidos, por um e em um aspecto comum. A generalização
existe pela unidade de natureza por redução àquilo que indiferencia os diferentes; ao generalizar, o
abstrato liga as concretudes.
determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos
isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas
econômicos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisão do trabalho,
necessidade, valor de troca, até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial.
O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é
concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por
isso, o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não
como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação.”505 (grifos nossos.)

Como observamos, está de acordo com os quatro critérios acima apontados. Porém,
Marx trata aí de um método do pensamento, de fazer ciência, não da realidade por si
mesma; digamos que, de maneira indireta, trata-se apenas de uma dialética do
pensamento ao reconstruir a estrutura dialética do real. Muito mais que isso, temos
percebido que esse processo de pesquisa, “mental”, também ocorre como lei geral do
próprio movimento da matéria, como fenômeno material em si. Observemos: a citação
segue a seguinte sequência: 1) concreto amorfo, disforme; 2) abstrato, as partes, o
adentrar cada vez mais nas partes de um todo; 3) reconexão das partes, retorno ao
concreto de modo superior.

Demonstraremos que este movimento é o próprio movimento da realidade – em


outro capítulo comentamos:

Os Estados Unidos Socialistas da Europa são mais necessários do que nunca. Na


Idade Média a Europa desconhecia fronteiras, nações, nacionalidades, etc. Os
habitantes desse continente viam-se como “o mundo cristão” e tinham em comum a
história, o Latim, a Igreja Romana, o sistema feudal, etc. De fato, era uma massa única,
homogênea e de particularidades internas pouco definidas – chamemos concreto ou
concreto simples. Imediatamente após, a burguesia inicia sua tarefa de formar países,
Estados-nacionais, exércitos, fronteiras definidas, nacionalismo, identidade, impostos
unificados, etc.: a Europa continua Europa, entretanto suas partes separam-se em uma
“relação alienada” ou “relação, porém alienada” e isto foi vital para desenvolvimento
das partes e do todo; chamemos abstrato. Este processo desenvolveu as partes, os
países do mundo europeu, assim como suas interconexões, a tal ponto que
amadureceram e agora (!) pedem fusão, integração, união e superação dos limites
nacionais; este é o concreto complexo em latência, ou seja, o desenvolvimento
econômico-social avisa-nos que deseja voltar ao começo, ao negado, ao antes do
abstrato, ao concreto só que de modo diferente, superior, superante. Isso aponta a
revolução socialista europeia: o Euro e a União Europeia são mediações, deformantes,

505
Retirado de: Arquivo Marxista na Internet.
propostas pelo capital e pelo imperialismo, para essa necessidade objetiva. (Grifo
nosso.)

Na história das ciências essa tendência também se revela; todas as ciências eram,
em estado inferior, reunidas na filosofia; depois, foi necessário separá-las e desenvolvê-
las individualmente; agora, a tendência é reuni-las na físico-química, na psicologia
(ciências sociais somadas à biologia), no marxismo (fusão de todas as chamadas
ciências humanas em uma única ciência – a ciência humana –, incluindo influência de
base da biologia, etc.).

O movimento concreto-abstrato-concreto revela-se em um novo significado, como


lei geral; temos, então, um suporte categorial a mais para auxiliar o trabalho científico e
o treinamento dialético do raciocínio.

Agora, vejamos um trecho de O Capital I onde observamos um exemplo específico


do concreto-abstrato tal como destacamos:

O que é válido para a divisão manufatureira do trabalho na oficina vale também


para a divisão do trabalho na sociedade. Enquanto artesanato e manufatura constituem a
base geral da produção social, a subsunção do produtor a um ramo exclusivo da
produção, a supressão da diversidade original de suas ocupações é um momento
necessário do desenvolvimento. Sobre essa base, cada ramo particular da produção
encontra empiricamente a configuração técnica que lhe corresponde, aperfeiçoa-a
lentamente e, num certo grau de maturidade, cristaliza-a rapidamente. Além dos novos
materiais de trabalho fornecidos pelo comércio, a única coisa que provoca modificações
aqui e ali é a variação gradual do meio de trabalho. Uma vez alcançada a forma
adequada à experiência, também ela se ossifica, como o comprova sua transmissão,
muitas vezes milenar, de uma geração a outra. É característico que, no século XVIII,
ainda se denominassem mysteries (mystères) [mistérios] os diversos ofícios em cujos
arcanos só podia penetrar o iniciado por experiência e por profissão. A grande indústria
rasgou o véu que ocultava aos homens seu próprio processo social de produção e que
convertia os diversos ramos da produção, que se haviam particularizado de modo
natural-espontâneo, em enigmas uns em relação aos outros, e inclusive para o iniciado
em cada um desses ramos. O princípio da grande indústria, a saber, o de dissolver cada
processo de produção propriamente dito em seus elementos constitutivos, e, antes de
tudo, fazê-lo sem nenhuma consideração para com a mão humana, criou a mais
moderna ciência da tecnologia. As formas variegadas, aparentemente desconexas e
ossificadas do processo social de produção se dissolveram, de acordo com o efeito útil
almejado, nas aplicações conscientemente planificadas e sistematicamente
particularizadas das ciências naturais.
[Nota de rodapé 304] “Segundo o Statistical Account, em algumas partes
montanhosas da Escócia [...] havia muitos pastores de ovelhas e cotters [Camponeses
parceleiros nas terras altas escocesas], com suas mulheres e seus filhos, calçando
sapatos feitos por eles mesmos, de couro curtido por eles mesmos, com roupas que não
haviam sido tocadas exceto por suas próprias mãos e cuja matéria-prima era a lã e o
linho que eles mesmos haviam respectivamente tosquiado e plantado. Na confecção de
suas vestimentas dificilmente entrava algum artigo comprado, exceto a sovela, a agulha,
o dedal e algumas peças de ferro utilizadas para tecer. As tinturas eram obtidas, pelas
próprias mulheres, de árvores, arbustos e ervas”, Dugal Stewart, em Works, cit., v. VIII,
p. 327-8.” (p. 556.)

Na primeira citação de Marx o concreto-abstrato está expresso numa relação


espacial, do objeto no espaço. Por exemplo: o corpo humano (totalidade), um complexo
de complexos, é dissecado pelo anatomista; este estuda a natureza e função de cada
órgão, nervo, osso e pedaço do corpo (abstrato); com isso, procura e percebe as
ligações, as interconexões e interdependências de cada parte, umas com as outras; daí,
cada vez mais ele vai construindo uma compreensão profunda do todo, do corpo
(concreto). Já a segunda citação do mouro demonstra uma relação temporal, do objeto
no tempo. Por exemplo: primeiro, produção artesanal ou primitiva (concreto); depois,
cooperação e manufatura (abstrato); em seguida, grande indústria (cada vez mais
concreto506)

Leiamos mais um exemplo. Kurz critica o socialismo “estatal”, demonstrando: o


monopólio do comércio exterior, propriedade estatal monopolista e regulação de preços
etc., ultilizados pelos Estado operários, são as mesmas medidas do capitalismo quando
em sua fase preliminar, rumo à revolução burguesa. Por isso, conclui ser o socialismo
de Estado, em verdade, capitalismo de Estado. Tal qual debatemos em outro capítulo,
isto tem elemento de verdade por razão do duplo caráter, burguês e socialista, daquelas
revoluções (em países imaturos na fase imperialista). Porém, ocorre que tais medidas
serão válidas e necessárias também, observamos no capítulo “O Socialismo”, às

506
Engels expressa o mesmo exemplo, onde podemos observar o abstrato, maior fragmentação do
trabalho e mais proletários, e, depois e em paralelo, o caminho ao concreto, o maquinário absorvendo e
fundindo em si as habilidades humanas: “[A revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o
proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se
tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os proletários somente
por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a
multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao
mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se
torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num mesmo
lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se
desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais,
como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação
do proletariado cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o
descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução
da sociedade pelo proletariado.” (Princípios Básicos do Comunismo (1847). Obra que dá origem ao
Manifesto. Extraído de: https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm)
revoluções sociais plenas, conclusas. Como demonstrar isto pela via lógica? Pelo
movimento concreto-abstrato-concreto: um retorno ao negado, à afirmação, de outro e
superior modo.

Engels:

O comerciante da Idade Média absolutamente não era individualista, era na


essência gremialista como todos os contemporâneos. No campo havia a exploração
coletiva das terras, sistema derivado do comunismo primitivo. Na origem, todo
camponês dispunha de área igual, com parcelas iguais de terra de cada qualidade e
correspondente participação igual nos direitos sobre as terras comuns. Quando as terras
comuns se regem por sistema fechado e não se repartem mais novas jeiras, as heranças
etc. provocam subdivisões da jeira e, em consequência, subdivisões dos direitos às
terras comuns; mas, a jeira completa continua a ser a unidade, de modo que passa a
haver metade, um quarto e um oitavo de jeira a que correspondem metade, a quarta
parte e a oitava dos direitos às terras comuns. Todas as associações posteriores de
produção adotaram o sistema aplicado na exploração coletiva das terras, sobretudo as
corporações nas cidades, organizadas de acordo com esse modelo que então se aplica
não só a um território limitado, mas também a um privilégio profissional. O eixo da
organização toda era a participação igual de cada associado nos privilégios e fruições
assegurados à totalidade, o que ainda de maneira contundente se patenteia no privilégio
de "abastecimento de fios" de 1527, de Elberfeld e Barmen (Thun, Industrie am
Niederrhein). O mesmo se estende às corporações das minas, onde cada cota tinha
igual participação e, como a jeira do participante das terras comuns, era divisível
junto com os respectivos direitos e deveres. E esse regime se aplica no mesmo grau
às corporações mercantis, que fizeram nascer o comércio ultramarino. Os
venezianos e os genoveses no porto de Alexandria ou Constantinopla, cada nação em
seu próprio fondaco - moradia, estalagem, entreposto, locais de exposição e venda,
escritório central - constituíam corporações mercantis completas. Fechadas aos
competidores e aos clientes, vendiam a preços estabelecidos entre elas mercadorias de
qualidade certa, garantida por investigação pública e muitas vezes por selo, e decidiam
em comum os preços a pagar aos nativos pelos produtos deles etc.

. Encontramos aí pela primeira vez lucro e taxa de lucro. E os comerciantes se


empenhavam intencional e conscientemente em igualar essa taxa de lucro para todos os
participantes. Tanto entre os venezianos no Levante, quanto entre os hanseáticos no
Norte, cada um pagava pelas mercadorias os mesmos preços que os demais
coassociados, era onerado pelo mesmo custo de transporte delas, recebia por elas os
mesmos preços e comprava frete de retorno aos mesmos preços que qualquer outro
comerciante de sua "nação". A taxa de lucro era portanto igual para todos. (…)

No lugar dos catalães que negociavam com o Levante, surgiu a Espanha inteira,
grande e unificada, comerciando com a América; ao lado dela apareceram dois grandes
países, a Inglaterra e a França; e mesmo os menores, Holanda e Portugal, eram pelo
menos tão grandes e tão fortes quanto Veneza, a nação mercantil maior e mais forte do
período anterior. Isto dava ao mercador navegante, nas empresas aventuradas dos
séculos XVI e XVII, um apoio que tornava a corporação que protegia os
associados, inclusive com armas, cada vez mais supérflua, e os custos dela,
nitidamente importunos. Então passou a desenvolver-se muito mais rapidamente a
riqueza individual, e logo apareceram comerciantes isolados que podiam empregar
num empreendimento tantos fundos quanto uma sociedade inteira. As sociedades
comerciais sobreviventes em sua maioria se transformaram em companhias armadas
que, sob a proteção e a soberania da metrópole, conquistavam países inteiros recém-
descobertos e os exploravam em regime de monopólio. Quanto mais nos novos
territórios se estabeleciam colônias, predominantemente fundadas pelo Estado,
tanto mais o comércio corporativo recuava ante o comerciante individual e por
conseguinte cada vez mais o nivelamento da taxa de lucro estava na dependência
exclusiva da concorrência.

(…) Essa elevada taxa de lucro obtida pela ação de caráter coletivo da corporação,
igual para todos os participantes, só tinha validade local, dentro da corporação, portanto
da "nação", no sentido considerado aqui. Os venezianos, genoveses, hanseáticos,
holandeses tinham, cada uma dessas nações de per si, taxa de lucro própria que no início
poderia variar conforme o local de negócios. Pelo caminho oposto, pela concorrência
impôs-se o nivelamento dessas diversas taxas de lucro corporativas. Essa uniformização
atingiu primeiro as taxas de lucro, nos diferentes mercados, para a mesma nação.

Síntese do movimento: monopólio-concorrência-monopólio. A tendência ao


monopólio total, apenas existente no socialismo, configura-se exemplo de concreto em
latência. Assim, a contradição entre “a dependência interna e a autonomia externa” (O
Capital III, p. 407) dos capitais pode ser superada.

No movimento concreto - abstrato - concreto, importante ter em conta que o


abstrato é por si próprio a formação processual do concreto, interno, na parte, e externo,
no todo.

CENTRAL E ORBITANTE

CONCENTRAÇÃO-CENTRALIZAÇÃO E DISPERSÃO-DESCENTRALIZAÇÃO

Negligenciada, leiamos esta passagem d’O Capital I:

"Vimos que o processo de troca das mercadorias inclui relações contraditórias e


mutuamente excludentes. O desenvolvimento da mercadoria não elimina essas
contradições, porém cria a forma em que elas podem se mover. Esse é, em geral, o
método com que se solucionam contradições reais. É, por exemplo, uma contradição o
fato de que um corpo seja atraído por outro e, ao mesmo tempo, afaste-se dele
constantemente. A elipse é uma das formas de movimento em que essa contradição
tanto se realiza como se resolve." (p. 240; edição Os Economistas, ed. Brasiliense).

Marx expressa um processo de modo abstrato. Essa abstração – conceitos


expressando o movimento da matéria – é observável no átomo, no sistema solar, na via
láctea (onde a matéria orbita um buraco negro), nas galáxias anãs orbitando nossa
galáxia, no macho forte aglutinando fêmeas de sua espécie, no líder de um grupo de
amigos, etc.

As características de um objeto (ser concentrado e/ou centralizado) pode fazê-lo


ponto de atração; sua estagnação, por outro lado e ao contrário, pode fazê-lo encostar,
parasitar, em outro para fins de autopreservação ou relação mutualista – por um tempo
determinado. Já um elemento não central, orbitante, que não consegue ligar-se a outro
definha e desaparece.

Vamos a alguns exemplos concretos:

1. Em uma situação (pré)revolucionária, o proletariado tem de atrair as classes


médias para conseguir derrotar a burguesia. Por seu lado, a classe média, desesperada,
precisa de uma nova saída para o futuro, pois uma classe débil que não tem condições
de impor um projeto próprio; por isso, tenderá a se encostar numa outra classe forte e
organizada, capaz de gerar uma solução social. Se a burguesia ganha a classe média, o
proletariado isola-se; se o proletariado a ganha, a burguesia cai. A pergunta, então:
quem é a força (concentrada e centralizada), quem é central, ponto de atração? É
necessário igualmente que a burguesia se divida e se desespere, ou seja, se disperse e
perca a capacidade de atrair;

2. A burguesia dos países atrasados encosta-se no imperialismo para enriquecer,


um sócio menor para poder lutar com dignidade contra a classe trabalhadora de seus
países. Da mesma forma, as nações atrasadas orbitam economias das potências
mundiais;

3. A classe operária ter seu próprio partido numa revolução (centralização de


forças) a permitirá ser ponto central ao redor do qual as massas populares orbitarão;

4. No Estado, a instituição central coloca outras sob sua órbita. Assim, no Brasil,
o presidencialismo adestra o parlamento e o judiciário. Uma mudança no regime é uma
mudança da instituição centralizante, especialmente quando outra se desgasta por
excesso em sua tarefa;

5. O preço de mercado orbita, ora acima e ora abaixo, do preço de produção.


Marx, ao perceber a tendência geral à substituição do capital variável pelo
constante, descreve a seguinte tendência derivada e interna (“7. Repulsão e atração de
trabalhadores com o desenvolvimento da indústria mecanizada. Crises da indústria
algodoeira” – subcapítulo do capitulo 13):

O crescimento do número de trabalhadores fabris é, portanto, condicionado pelo


crescimento proporcionalmente muito mais rápido do capital total investido nas
fábricas. Mas esse processo só se realiza nos períodos de alta e baixa do ciclo industrial.
Ademais, ele é constantemente interrompido pelo progresso técnico, que ora substitui
virtualmente os trabalhadores, ora os desloca de fato. Essa mudança qualitativa na
indústria mecanizada expulsa constantemente trabalhadores da fábrica ou cerra seus
portões ao novo afluxo de recrutas, ao mesmo tempo que a expansão meramente
quantitativa das fábricas absorve, juntamente com aqueles expulsos, novos contingentes
de trabalhadores. Desse modo, os trabalhadores são continuamente repelidos e atraídos,
jogados de um lado para outro, e isso em meio a uma mudança constante no que diz
respeito ao sexo, idade e destreza dos recrutados. (p. 641, 642; O Capital I, Boitempo,
versão digital.)

Em alguns casos o “central” exerce tal força de gravidade sobre o elemento


orbitante que chega a mudar a natureza deste último, permitindo uma unificação. No
trecho-guia deste comentário há a seguinte pista: “A elipse é uma das formas de
movimento em que essa contradição tanto se realiza como se resolve”. Existem outras
formas: quando um pequeno partido entra em um grande (neste caso, apenas um muda,
ao deixar de existir, qualitativamente; se, em caso diferente, duas organizações do
mesmo porte atraem-se, ambas experimentam uma mudança qualitativa ao fundirem-
se); quando, ao contrário, há um afastamento total ou relativo de dois objetos (quando a
China cada vez menos orbita os EUA ou o afastamento lento da Lua, três centímetros ao
ano, em relação à Terra); ou quando um ou ambos destroem-se, etc.

Estamos tratando dos aspectos gerais; talvez rendesse um livreto próprio os temas
destes comentários. Por exemplo: além da relação entre dois corpos (Sol e planetas, Via
Láctea e galáxias orbitantes, etc.), aparece uma relação de disputa, uma tripla ou tríade
relação, de quem será orbitado. Por isso, a força material precisa ser entendida.

Dialeticamente, a concentração tende à centralização (ex: concentração e


centralização de capitais); no caminho oposto, existe a dispersão e descentralização. A
relação Concentração/dispersão e centralização/descentralização apresenta-se muito
menos linear e muito mais comuns são as relações e combinações contraditórias. Mais
uma vez, vejamos exemplos práticos:
1. As revoluções socialistas pós-II Guerra ocorreram em países atrasadíssimos,
tendo como base social o campesinato. Problema: esses dois elementos impedem a
necessária concentração e, por isso, a possibilidade de centralização. Os camponeses são
dispersos e atomizados no território rural e, no mais, sem força na produção capitalista:
não tinham capacidade de consolidar organismos democráticos de governo, integrá-los e
controlá-los, etc. Essa debilidade, a dispersão, foi compensada, em diferentes
experiências, pela guerrilha hipercentralizada, tendo como consequência governos
concentrados e centralizadores de modo burocrático, ditaduras. A falta de concentração
(dispersão) foi compensada pela centralização;

2. A concentração sem centralização leva ao definhamento, à paralisia. Toda


organização, de qualquer natureza, é centralizada ou tende a sê-la. No caso específico da
forma-organização partido a centralização pode ser burocrática (estalinismo),
burocrática-parlamentar (partidos burgueses normais e partidos anticapitalistas),
democrática (organização bolchevique), etc. Mas a centralização, por si mesma, é uma
lei. Organizações que crescem, concentram militantes, de forma não centralizada,
descentralizada, ou não concentram (dispersão), tendem a desaparecer, entrar em crise
(rachas, rupturas, etc.) ou são “engolidas” por outra organização.

3. Método usado por guerrilhas, por exemplo, onde o comando central dá ordens a
grupos dispersos e pequenos para que promovam suas ações. A centralização serve para
compensar, nesse caso, a pouca concentração – otimizando suas capacidades. Um grupo
pequeno pode ser mais forte do que é numericamente e mais poderoso do que grandes
agrupamentos por razão de sua capacidade organizativa;

4. A classe operária e o mundo urbano são muito mais capacitados para as


revoluções e implementação da democracia operária e participativa por causa da
concentração humana, de recursos e meios. Essa concentração facilita a centralização
das forças;

5. Pode-se ir da concentração à centralização como também da centralização para a


concentração (a centralização como forma de acumular forças). A dispersão e a
descentralização são elementos relativos; a concentração e a centralização, absolutos.

6. A concentração-centralização é motor de fusões (capitais bancário e produtivos


em financeiros etc.)

Assim:

Astrônomos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, divulgaram nesta


terça-feira um estudo no qual identificam nove galáxias anãs, que eram desconhecidas
até agora, orbitando ao redor da Via Láctea.
O descobrimento desses corpos pode ser crucial para se conseguir avanços em
termos de conhecimento da matéria escura, a misteriosa substância que mantém unidas
as galáxias no universo.

Trata-se da primeira descoberta deste tipo de objeto em cerca de uma década, já


que em 2005 e 2006 foram descobertas dúzias de galáxias anãs desse mesmo tipo sobre
o hemisfério norte da Terra.507

Estas categorias da dialética aparecem de maneira informal e instintiva nas obras


dos principais teóricos marxistas.508

TRÍADE E COLATERAL

Avaliemos a possibilidade interpretativa seguinte: diferente do que se costuma


observar, apesar das raízes linguísticas, a lógica formal, aristotélica, é uma relação duo,
duplo-estática – embora o terceiro excluído – e em linha reta. O “Terceiro”, na verdade,
apresenta-se como o segundo, o não igual, o outro, o não-é, não-A.

A lógica dialética materialista, marxista, por outro lado, apresenta uma relação
triangular, tríade, onde dois elementos costumam ser centrais e outro, não raro,
apresenta-se intermédio ou liga – embora a dualidade não estática exista (duplo caráter,
por exemplo) –, em um movimento circular na totalidade e em espiral quanto à
evolução. Para breve esboço: duplo-caráter interno, triangular nas inter-relações,
circular nos movimentos de totalidade e espiral quanto à evolução dialética (saltos,
saltos por ruptura, negação da negação, desigual e combinado, etc.509).

507
http://exame.abril.com.br/ciencia/cientistas-descobrem-9-galaxias-anas-orbitando-a-via-lactea/
508
Podemos considerar além. Toda a história humana e das sociedades de classes são a busca – por
mediações e desigualdades – da concentração e centralização máxima de todos os aspectos da vida
social, qual seja, o comunismo, cuja expressão desta lógica é a desalienação, integração (os termos
dialéticos citados, concentração e centralização, podem causar alguma confusão subjetiva/conceitual ao
serem associados erroneamente, neste caso, ao burocratismo, ditaduras ou imperialismos). Rápida
amostra: no primitivismo, o pajé, líder ou ancião era a expressão frágil do poder; no escravismo, surge o
Estado, que é superior à relação tribal – incluso territorialmente; depois, Idade média produz um novo
Estado, absolutista ou feudal – melhor preparado, em geral, que seu antecessor; em sequência, o Estado
burguês aparenta-se como grande evolução deste tipo de superestrutura; porém, o Estado operário,
com sua própria democracia e economia estatal-coletiva-planejada-mundial – ou seja: maior
concentração e centralização –, será o máximo exemplo; só superado pelo comunismo, onde o aparelho
definhará e administrará somente as coisas, não os homens. Outro, na natureza: o Sol, daqui há alguns
bilhões de anos, expandirá sua massa, engolindo os planetas e luas de seu sistema. Conclui-se: o
máximo de algo é também a sua superação.
509
Na visualização lógica da sociedade; a historiografia oficial fala da história como pêndulo e, ou,
mudanças graduais em evolução linear. É uma visão em 2D. Em 3D e 4D – em metáfora, claro – entra o
materialismo histórico e dialético: a impressão ilusória de pêndulo é, na realidade, um movimento em
Para abstrairmos, algumas inter-relações tríade dialética: a) infraestrutura, estrutura,
superestrutura; b) ID, ego, superego; c) inconsciente, subconsciente, consciente; d)
proletariado, setores médios, burguesia; e) acorde Dó formado por dó, mi, sol; f)
indústria de bens de produção, indústria de bens de consumo, indústria bélica; g)
prótons, elétrons, nêutrons; h) relação edipiana filho, mãe, pai; i) forças produtivas
natureza, técnica, homem; j) matéria-prima, maquinário, trabalhador; etc. – quando e se
há, um quarto elemento ou o que destoa chamemos colateral.

Quanto à reta (formal) e à curva (dialética); sobre o primeiro, na matemática grega,


a menor distância entre um ponto e outro é uma reta; sobre o segundo, nos cálculos
físicos de Einstein: no cosmos, a menor distância entre um ponto e outro é uma curva.
De outro modo: a menor distância entre um ponto e outro é um reta, se o outro ponto
interromper o movimento, se o caminho for desprovido de barreiras, se tempo e
velocidade estão abstraídos etc. Em processos longos, a curva pode tomar a forma de
ondas, de ondulações.

Vale dizer; a dialética, além de negá-la, utiliza a lógica formal como ferramenta
auxiliar510.

Nessa obra, essa dialética, manifestada no inchaço do colateral, se apresenta em


especial na hiperinflação do capital fictício, no alto desenvolvimento do setor de
serviços e aumento da subclasse dos desempregados. Esses inchaços colaterais são
expressões e consequências do alto amadurecimento e definhar do sistema capitalista.
Na relação tempo-espaço, a tríade-colateral abre caminho para etapas processuais.

Na física, podemos expressar nos quatro estados da matéria: sólido, líquido, gasoso
e plasma. Tão mais presente no Sol, centralizador de orbitação, concentrado e
centralizado (de massa, de matéria), este último elemento expressa na cosmologia a
abstração trabalhada neste terceiro comentário.

Na dialética, as categorias movem-se, transformam-se umas nas outras. Fruto do


desenvolvimento e interação da tríade, o colateral serve de transição, de ponte para nova
tríade. Assim, nas sociedades pré-capitalistas comércio e a usura eram atividades
paralelas, originadas pelos excedentes da produção; logo serviram como nós para
mudanças macrossociais.

No capital, este comentário e o anterior:

espiral. Exemplifiquemos. Há duas formas de salto qualitativo: 1. acúmulo de mudanças; 2. acúmulo de


contradições – para saltos-ruptura. Operaremos, se conseguirmos, um salto-ruptura para podermos
iniciar mudanças graduais (reformas na e da nova sociedade); a revolução ocorre quando reformas são
impossíveis no atual estado das coisas, atual qualidade. A função da revolução é inaugurar uma nova era
de reformas.
510
Num: A=A; noutro: A=não-A. Caso seja o primeiro contato, se apetecer ao leitor exemplos comuns,
introdutórios: lógica formal – banhamos sempre no mesmo rio, o São Francisco; dialética instintiva,
grega – o rio muda-se, as águas de hoje passarão e mudanças ocorrerão, hoje é um e amanhã será
outro, nunca banhamos duas vezes no mesmo rio; dialética materialista – amanhã banharemos no
mesmo rio e, ao mesmo tempo, noutro. Segundo: o capitalismo descrito por Marx n’O Capital é, em
essência, hoje o mesmo, mas com suas mudanças a serem consideradas.
A centralização complementa a obra da acumulação, colocando os capitalistas
industriais em condições de ampliar a escala de suas operações. Se esse último resultado
é uma consequência da acumulação ou da centralização; se a centralização se dá pelo
caminho violento da anexação – quando certos capitais se convertem em centros de
gravitação tão dominantes para outros que rompem a coesão individual destes últimos
e atraem para si seus fragmentos isolados –; ou se a fusão ocorre a partir de uma
multidão de capitais já formados ou em vias de formação, mediante o simples
procedimento da formação de sociedades por ações –; o efeito econômico permanece o
mesmo. A extensão aumentada de estabelecimentos industriais constitui por toda parte o
ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho coletivo, para um
desenvolvimento mais amplo de suas forças motrizes materiais, isto é, para a
transformação progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume
em processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados.

Mas é evidente que a acumulação, o aumento gradual do capital por meio da


reprodução que passa da forma circular para a espiral, é um procedimento
extremamente lento se comparado com a centralização, que só precisa alterar o
agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. O mundo ainda careceria
de ferrovias se tivesse de ter esperado até que a acumulação possibilitasse a alguns
capitais individuais a construção de uma estrada de ferro. Mas a centralização, por
meio das sociedades por ações, concluiu essas construções num piscar de olhos. E
enquanto reforça e acelera desse modo os efeitos da acumulação, a centralização
amplia e acelera, ao mesmo tempo, as revoluções na composição técnica do capital,
que aumentam a parte constante deste último à custa de sua parte variável, reduzindo,
com isso, a demanda relativa de trabalho. (O Capital I, Marx, Boitempo, versão digital,
p. 853, 854, grifos nossos.)

E:

Concretamente considerada, a acumulação não é mais do que a reprodução do capital


em escala progressiva. O ciclo da reprodução simples se modifica e se transforma,
segundo a expressão de Sismondi, perfazendo uma espiral. (O Capital I, Marx,
Boitempo, versão digital, p. 799, grifos nossos.)

Concluamos com exemplo de tríade na química, em forma de organização estrutural


(abstraído, na formalação retirada, o movimento). Ao tentar classificar – método
aristotélico, lógica formal – os elementos químicos, agrupando-os logicamente, o
químico alemão JohannWolfgang Dobereiner, em 1817, percebeu que no agrupar de
elementos de propriedades semelhantes, tomando a forma de grupos de três, um deles
tinha a massa atômica (MA) como média aritmética dos outros dois… Chamou “lei das
tríades”. Exemplo: Cloro (Cl), Z 25,5; Bromo (Br), Z 80; Iodo (I), Z 137. Seu modelo
foi rejeitado por considerem limitado para classificação simples dos elementos em geral,
reunindo-os. Em versão hoje aceita, na tabela periódica: entre metais e não metais, há os
semimetais ou metaloides, de características parciais de um e outro; e os gases nobres
ou raros (naturalmente estáveis, existem na forma de átomos isolados, não combinados
com outros).

Ultilizando tal ferramenta, Hegel afirmou exitir três macroclimas: muito úmido, muito
seco e o intermediário entre ambos (tríade). Leitor diciplinado da produção hegeliana,
Euclides da Cunha, afirmou, na obra Os Sertões, ter o filósofo alemão deixado de notar
o perfil de alguns climas brasileiros, em especial o sertão (no livro citado, faz
comentários sobre este fator sui generis de norte a sul da nação, em diferentes
paisagens), onde as chuvas em excesso por meses ocorrem após secas por maior
período, onde o calor violento do dia contrasta com o frio agressivo da noite, etc.
(colaterais).

DUPLO CARÁTER

O duplo caráter é um fenômeno conjuntural, limitado no tempo e no espaço. O polo


permanente e estrutural, cedo ou tarde, se imporá; além de estar sempre em interação
contraditória com o outro polo do objeto, da natureza deste.

Para melhor análise, precisamos medir a natureza da cada polo: um apresenta-se


como determinante e o outro, não determinante. Esse tipo de conceituação facilita
percebermos a essência dos processos. Por exemplo: ao invadir outras nações
(Alemanha, etc.), a burocracia soviética se via obrigada, para poder gerir a situação e
dominar de modo estável, a expropriar a burguesia nos países ocupados; no entanto,
enquanto geriam o Estado Operário, o oportunismo da camada privilegiada era da
natureza própria de sua localização social (ditadura para evitar a substituição de
membros dos cargos por meio da democracia socialista; privilégios materiais e morais
dos postos de comando; convivência tão pacífica quanto possível com o imperialismo;
“socialismo num só país”; perseguição contra comunistas; restauração do capitalismo;
etc.). Considerados os fatores, temos momentos de duplo caráter; porém não definem do
mesmo modo a natureza do objeto. Para entendermos como isso opera, precisamos
deixar que o objeto em si revele-se. Um segundo exemplo: Lênin demonstrou que a
classe trabalhadora faz uma revolução socialista com consciência burguesa, com
aspirações burguesas; no contexto, na medida em que essa consciência promove a
mudança revolucionária da sociedade, esta mesma consciência burguesa adquire duplo
caráter, burguesa e socialista; considerado isso, o fato de as tarefas burguesas só
puderem ser realizadas por meio de outro sistema, de estarmos na decadência do
capitalismo, de ser a época da revolução mundial, de isso mover a vontade
revolucionária das massas, de essa aspiração capitalista estar implantada no corpo de
operários, diz-nos que o polo determinante da consciência é o socialista – não o
burguês.

Na física subatômica:

(…)

Eles não seriam os únicos. Glúons e até mesmo bósons de Higgs são considerados
suas próprias antipartículas. Mas se os cientistas descobrirem que os neutrinos são suas
próprias antipartículas, isso poderia ser um indício a respeito de onde eles conseguem
suas minúsculas massas – e se eles desempenharam um papel na existência de nosso
universo dominado pela matéria.

Em 1937, o físico italiano Ettore Majorana estreou outra teoria: neutrinos e


antineutrinos são realmente a mesma coisa. A equação Majorana descreveu neutrinos
que, se por acaso tivessem massa, poderiam se transformar em antineutrinos e, em
seguida, voltarem a ser neutrinos novamente.

(…)

Os cientistas pensam que, logo após o Big Bang, o universo deveria ter quantidades
iguais de matéria e antimatéria. Os dois tipos de partículas deveriam ter interagido, e
gradualmente se aniquilariam até que nada além de energia restasse. De alguma forma,
não foi isso o que aconteceu.511

Segundo exemplo:

A mecânica quântica nos diz que a luz pode se comportar simultaneamente como
onda e partícula. No entanto, nunca houve um experimento em que se conseguiu
capturar ambas as naturezas da luz ao mesmo tempo; o mais perto que conseguimos foi
ver ou onda ou partícula, mas sempre em vezes diferentes. Tomando uma mudança
radical, cientistas do EPFL conseguiram a primeira captura de imagem da luz se
comportando como onda e partícula. O trabalho inovador foi publicado na Nature
Communications.

Quando a luz ultravioleta atinge uma superfície metálica, é causa uma emissão de
elétrons. Albert Einstein explicou esse efeito fotoelétrico propondo que a luz – que
pensava-se ser apenas uma onda – era também um fluxo de partículas.
511
http://www.universoracionalista.org/o-neutrino-e-sua-propria-antiparticula/
(…)

Enquanto esse fenômeno mostrou a “parte onda” da luz, simultaneamente


demonstrou seu aspecto de partícula. Enquanto os elétrons passavam próximos à onda,
eles “acertavam” os fótons. Como mencionado acima, isso afeta suas velocidades. Essa
mudança na velocidade aparece como uma troca de “pacotes” de energia (quanta) entre
elétrons e fótons. A ocorrência desses pacotes de energia mostra que a luz no nanofio
age como partícula.

“Esse experimento demonstra que, pela primeira vez, nós podemos filmar a
mecânica quântica – e sua natureza paradoxal – diretamente,” disse Fabrizio Carbone.
(…)512

Expomos aqui dois modos de observar o duplo caráter. Exemplifiquemos: a


produção de valores de uso é típica e natural da humanidade, sempre produziu e sempre
produzirá objetos úteis, e, por isso, é estrutural – enquanto o homem durar; no
capitalismo, o produto toma a forma de mercadoria, tem valor de uso e valor (portanto,
duplo caráter), onde o valor (e o valor de troca) é o conjuntural da dupla natureza da
criação humana. Por outro modo de percepção, por outro lado, na sociedade capitalista o
determinante é o valor; e o valor de uso, o não determinante. A inversão, por isso, não
se dá por si mesma, pelas inter-relações próprias desses opostos, suas contradições ou
interdependências; mas se e somente se em relação à materialidade onde está instalada,
ao externo circundante e relativo ao todo. Neste modelo, uma das tarefas do socialismo
é fazer o estrutural definhar o conjuntural, destruir a sociedade construída pelo valor,
força real-abstrata expressa no dinheiro.

Pelos exemplos, um polo existe em função do outro, um reforça o outro por meio
do oposto513. Ao determinante e ao não determinante no duplo caráter, vale a sabedoria
popular: dois pesos, duas medidas.

APARÊNCIA E ESSÊNCIA

Partamos de aspectos gerais: 1) a aparência é fluida e imediata; 2) a essência da


aparência muda-se com maior lentidão e está oculta.

Sendo uma dimensão do real-essência, a aparência, sendo parcial e parte do real,


tem caráter duplo: guarda em si uma verdade e uma mentira, um fato e um falso. Por

512
http://www.universoracionalista.org/primeira-fotografia-da-luz-como-particula-e-onda/
513
Dito de outro modo: transforma-se e manifesta-se como o oposto para, logo depois, retornar ao seu
estado; o contrário tem oculto dentro de si o outro polo.
esta dupla natureza, na investigação, partimos para além dela própria e também
partirmos dela para alcançar o essencial.

A realidade, em si, não se diferencia em essência e aparência.

A aparência, ligado ao possível de ver, ao imediato, ao tangível, tem em si


dimensão de escala, de proporção:

1) A aparência é uma expressão inexata de um objeto, enquanto também esconde


este, quando, relativo ao observador, tem proporções reduzidas, ou seja, em
aproximação, é parte e um singular;
2) A aparência é uma expressão invertida de um objeto, enquanto também o oculta,
quando, relativo ao observador, está em proporção absoluta de si, ou seja,
quando é um geral – um plural.

O valor de troca preço é manifestação inexata do valor da mercadoria. Pensar que o


preço de produção, como excedente além do preço de custo, surge na concorrência é
uma forma invertida de perceber a criação de valor, como se o capitalista fizesse isso
com a reflexão no lugar do operário com as mãos.

A proporção determina a forma como a aparência revela-se, seja medida física seja
da natureza do objeto (totalidade ou não totalidade, complexo ou não complexo). A
investigação permite atravessar esta miragem: a essência supera esta questão de
aparência.

“O essencial é invisível aos olhos.”

A aparência invertida, da totalidade, tem o ponto de partida inicial do pesquisador e,


a partir disso, como a contradição se lhe apresenta diante de si, de imediato, vendo seu
movimento derivado de modo a nebulosar a essência, o real processo.

SUBJETIVAÇÃO DA OBJETIVIDADE

Útil para a psicologia, “subjetivação da objetividade” é uma expressão marxiana


generalizante das observações científicas nas ciências humanas.

Quando um ator veste-se como o personagem para facilitar a intepretação, quando


alguém se sente altivo ao dirigir em um carro grande e luxuoso, quando o pequeno
comerciante começa a parecer com a personalidade do dinheiro que tanto busca; temos
exemplos simples desse fenômeno.

Trata-se de uma versão oposta, de cabeça para baixo e diferente, da concepção de


Hegel. O filósofo cria (de crer, mesmo) na existência de um Espírito Absoluto,
expressão de Deus, do reino das ideias (Platão) que se revelava, passo a passo e
parcialmente, na intuição e na filosofia. De modo alienado, o pensamento gerava o
Estado e a sociedade ou, digamos, uma objetivação da subjetividade. Porém, Marx
explica a autonomia do pensamento como algo relativo: a realidade nos forma em
determinante medida, a matéria determina a ideia e a cabeça segue o chão que os pés
pisam, mas em atraso. O discípulo rebelde e superior ao mestre ofereceu, por isso, uma
visão materialista e não mecanicista514.

O processo de subjetivação da materialidade não é, apesar disso, uma alienação;


trata-se de um fenômeno natural, social e objetivo – positivo por si mesmo. O
alienamento está relacionado, sendo um processo diferente, pois promove um
movimento análogo: tanto o burguês quanto o operário são objetos do verdadeiro
sujeito, personificações do capital; sob o poder deste último, o homem é um objeto dos
objetos515. A alienação demonstra outra inversão, materialista e não hegeliana ou
“feuerbachiana”, na medida em que o maquinário absorve para si as habilidades
humanas (objetivação da subjetividade).

Assim e inconscientemente, manifestamos isso de modo fluido; por exemplo, o


dirigente de um sindicato expressa de maneira inexata, em sua psique e em sua prática,
as características da instituição onde trabalha-milita, assim como suas experiências
passadas e externas ao local de trabalho.

Por suas características físicas, funcionalidades práticas e estéticas, as coisas


possuem, por assim dizer, personalidade objetiva.

A DIALÉTICA DA DIALÉTIVA

514
Em nível aparencial (para a dialética materialista, uma expressão do real, verdadeiro), parcial e
concreto, a objetivação da subjetividade existe como no caso do poeta ao escrever seu poema. Porém,
ele expressa nas palavras, de modo inexato (a linguagem é uma expressão inexata da essência-
pensamento), sua própria subjetivação do material. Em essência, visto com o todo e nos processos
gerais, numa dimensão de escala diferente, a objetividade antecede no ciclo matéria-ideia-matéria
(sendo a ideia um fenômeno materialista especial); um exemplo: a crise prejudica os operários
(matéria), estes sentem necessidade de luta e organização (ideia, subjetivação da objetividade) e
organizam um sindicato (matéria, objetivação da subjetividade). Portanto, essas duas formas de medir
estão interligadas, e o essencial define. Ademais, dado o real e suas objetividades e probabilidades, o
cérebro não é apenas e sempre receptor passivo, pois pode – a partir da matéria-prima absorvida –
pensar, concluir, descobrir, criar e direcionar ações.
Na dialética, a essência gera a aparência, que é a manifestação daquela. Aparência é um fenômeno real,
um “algo”; a essência determina e influencia o aparencial, que pode ser mais ou menos contraditório
com o essencial. Porém, a aparência, como manifestação e algo em si, também influencia sua “fonte”,
digamos dessa forma. Exemplo: se o valor de troca (aparência) de uma mercadoria, o preço, fica muito
abaixo ou muito acima do seu valor (essência, medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário
para [re]produzir uma mercadoria) gera ou crise na economia ou, no segundo caso, inflação, sintoma de
monopólios, etc. A aparência manifesta-se, não raro, como o contrário, o inverso da essência – parece
que o Sol gira em torno da Terra. Por isso, na ciência o fato em si é diferente da natureza desse mesmo
fato, o fato difere-se do processo.
515
Encarnado nos objetos, incluso o objeto humano, o valor é um quase ser, de um existir inexistente. É
e expressa uma relação social.
Todos os erros nos estudos da dialética resumem-se em apreendê-la não
dialeticamente. Procura-se definição onde se defende descrição; cai-se em positivismo,
formalismo, jogos de linguagem, etc. Se pudermos, de alguma forma, definir qual a
categoria central da dialética; digamos quais, no plural: totalidade, contradição e
movimento516. Então, por que não uma somente? Porque uma apenas é incapaz de
expressar o objeto.

Como a realidade, social ou cósmica, temos de observar as categorias e leis


dialéticas, expressões abstratas, tal como os processos que estas representam –
interligadas. As categorias possuem, assim, vasos comunicantes e interdependência;
quando se desconsidera essa multiplicidade, ao se eleger um subordinador conceito-
síntese, surgem premissas a atuar como ferramentas falhas para o estudo.

Terceiro aspecto a destacar; na medida em que temos de procurar no próprio objeto


de pesquisa a natureza empírica de seu processo, o próprio raciocínio dialético tende-
nos a um método de escrita teórica circular, polêmico e reconstrutor do processo
estudado517.

A quarta observação destina-se ao sujeito, o cientista e/ou político. Leon Trotsky


melhor desenvolve:

Exigir que todo membro do partido esteja familiarizado com a filosofia da


dialética, seria, naturalmente, inerte pedantismo. Porém um operário que tenha passado
pela escola da luta de classes, obtém a partir de sua própria experiência uma inclinação
para o pensamento dialético. Ainda que não conheça esta palavra, está pronto a aceitar o
próprio método e suas conclusões. Com um pequeno-burguês é pior. Naturalmente,
existem elementos pequeno-burgueses ligados organicamente aos operários, que passam
para o ponto de vista proletário sem uma revolução interior. Porém, constituem uma
insignificante minoria. A coisa é muito diferente com a pequena-burguesia educada
academicamente. Seus preconceitos teóricos já tomaram uma forma acabada, desde os
bancos da escola. Por conseguirem aprender uma grande quantidade de conhecimentos,
tanto úteis como inúteis, sem ajuda da dialética, acreditam que podem continuar, sem
problemas, a viver sem ela. Na verdade, prescindem da dialética somente à medida que
não conseguem afiar, polir ou agudizar teoricamente seus instrumentos de pensamento,
e na medida em que não conseguem romper com o estreito círculo de suas relações
diárias. Quando se vêm confrontados com grandes acontecimentos, perdem-se
facilmente e reincidem em seus hábitos pequeno-burgueses de pensamento.

(…)

516
Movimento equivale ao movimento em si, mudança e transformação; além de estados transitórios.
517
Uma reconstrução no enfoque tanto lógico quanto histórico.
No ano passado, recebi a visita de um jovem professor inglês, de economia política,
simpatizante da Quarta Internacional. Durante nossa conversa sobre as formas e meios
para realizar o socialismo, expressou, repentinamente, as tendências do utilitarismo
inglês, no espírito de Keynes e outros: "É necessário fixar um claro objetivo econômico,
eleger os meios mais racionais para a sua realização" etc. Eu assinalei: "Vejo que você é
um adversário da dialética". Respondeu-me com certo assombro: "Sim, não vejo nada
de útil na dialética". "No entanto — respondi-lhe — a dialética me permitiu determinar,
fundamentando-me em umas poucas observações suas sobre problemas econômicos, a
que setor do pensamento filosófico você pertence. Só este fato demonstra que existe um
valor apreciável na dialética". A partir de então, ainda que não tenha tido noticias sobre
meu visitante, não tenho nenhuma dúvida de que ele defende a Opinião de que a URSS
não é um Estado operário, que a defesa incondicional da URSS é uma opinião "fora de
moda", que nossos métodos organizativos são maus etc. Assim como podemos
estabelecer o tipo geral de pensamento de uma dada pessoa, baseados na sua relação
com os problemas práticos, concretos, também é possível predizer, aproximadamente, e
uma vez conhecendo seu tipo geral de pensamento, como ele se aproximará de um
determinado indivíduo ou de outra questão prática. Este é o incomparável valor
educativo do método dialético de pensamento.

(…)

A dialética não é ficção ou misticismo, mas uma ciência das formas de nosso
pensamento, na medida em que não se limita aos problemas cotidianos da vida, mas
tenta chegar a uma compreensão de processos mais amplos e complicados. A dialética e
a lógica formal mantêm uma relação semelhante à que existe entre as matemáticas
inferiores e as superiores.

(…)

O radical pequeno-burguês vulgar se assemelha ao "progressista" liberal, na medida


em que considera a URSS como um todo, sem levar em conta a sua dinâmica e suas
contradições internas. Quando Stalin selou uma aliança com Hitler, invadiu a Polônia, e
agora a Finlândia, os radicais vulgares ficaram triunfantes: estava demonstrada a
identidade de métodos entre o stalinismo e o fascismo! No entanto, viram-se em
dificuldades quando as novas autoridades convidaram a população a expropriar os
grandes proprietários de terra e capitalistas. Nunca haviam previsto esta possibilidade!
Entretanto, as medidas sociais revolucionárias, realizadas por meios burocrático-
militares, não só não perturbaram nossa definição dialética da URSS como Estado
operário degenerado, mas a confirmaram, da forma mais incontrovertida possível. Ao
invés de utilizar este triunfo da análise marxista para perseverar na agitação, os
oposicionistas pequeno-burgueses começaram a gritar, com uma pressa criminosa, que
os acontecimentos haviam refutado nossos prognósticos, que nossas velhas fórmulas já
não eram aplicáveis, que eram necessárias novas palavras. Que palavras? Eles mesmos,
ainda não haviam se decidido.

(…)
Mais acima, também tentamos demonstrar que a questão não se refere somente ao
problema russo, mas ao método de pensamento da oposição, que possui raízes sociais.
A oposição está sob a influência das tendências e dos estados de ânimo da pequena-
burguesia. Esta é a essência de todo o problema.

(…)

Eu, pessoalmente, não cheguei ontem a esta conclusão. Eu a expressei dezenas e


centenas de vezes em conversas com membros do grupo de Abern. Invariavelmente,
enfatizei a composição pequeno-burguesa deste grupo. Propus; repetida e
insistentemente, transferir aqueles militantes de trajetórias pequeno-burguesa, que
haviam se demonstrado incapazes de captar operários para o partido, da categoria de
militantes para a de simpatizantes. (…)

(…)

(…) Na presente discussão, a oposição manifestou claramente suas características


pequeno-burguesas. Porém, isto não quer dizer que não tenha outras características. A
maior parte dos membros da oposição está profundamente dedicada à causa do
proletariado e é capaz de aprender. Ligada atualmente a um meio pequeno-burguês,
poderá, amanhã, ligar-se ao proletariado. Os inconsistentes, influenciados pela
experiência, podem se tornar mais consistentes. Quando o partido chegar a abarcar
milhares de operários, até os fracionalistas profissionais podem se reeducar no espírito
da disciplina proletária. (…)518

Em resumo, a dialética materialista é potencialmente mais ou menos acessível a


depender do modo material de vida dos indivíduos. O triunfo do comunismo, dando
razão histórica a Marx e Engels, permitirá a superação do platonismo e da lógica
aristotélica tão comuns de maneira menos ou mais inconsciente entre nós; e fará erguer-
se de modo natural uma saudável dialética vulgar cotidiana acompanhada pela
elevadíssima educação científica da humanidade.

ESTRUTURA D’O CAPITAL

I.

Há duas formas, corretas, de considerar a estrutura d’O Capital.

518
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/12/15_01.htm
Primeira: da aparência (Livro I, quatro primeiros capítulos) à essência (Livro I,
capítulo cinco até final o Livro II) e retorno à aparência a partir da essência (Livro III).

Segunda: dos níveis de abstração ao concreto, do abstrato ao concreto, do Livro I ao


II.

Ofereceremos terceiro modo de observar, a partir do método.

A dialética marxista possui três categorias centrais: totalidade, movimento e


contradição. Cada livro hierarquiza um dos três:

Livro I, Processo de Produção do Capital: trata de teorizar a totalidade, explicá-


519
la .

Livro II, Processo de Circulação do Capital: trata de seu movimento.

Livro III, o Processo Global de Produção Capitalista: trata das contradições.

É impossível tratar (este verbo é inexato, pois as categorias acima são mecanismos
para tratar do objeto) um aspecto abstraindo outros, pois seria negação do real, sua
dialética. Por isso, os três livros possuem as três categorias como premissas básicas, em
diferentes níveis e modos de hierarquia.

No Livro II, a centralidade da categoria movimento eleva consigo a totalidade e a


contradição, sob sua centralidade. Os livros I e III fazem o mesmo a partir de seus
pontos de partida.

Considerar totalidade, contradição e movimento como, as três, categorias centrais


marca diferença com a concepção hegeliana da dialética; pois para Hegel a contradição
é da aparência, e a essência é não contradição. Para Marx, ao contrário, a aparência
apresenta não contradição, camuflando a contradição da essência. Para Hegel, a
totalidade é categoria central, isolada. Para este há identidade dos opostos. Para Marx,
unidade dos opostos.

No livro I, categoria-chave totalidade: o essencial do sistema; o valor e o capital;


capital constante e variável; categorias essenciais para compreender este modo de
produção; a fórmula geral D-M-D’; consolidação do sistema; preços considerados
iguais aos valores etc.

No livro II, categoria-chave movimento: as categorias capital fixo e circulante; o


processo de circulação permeando o de produção; reprodução em escala simples e
ampliada; rotações do capital; salto do valor de, transitoriamente, forma para outra
forma do capital; o papel das distâncias na realização dos valores e estoques etc.

519
Kurz faz ótima crítica “aos marxistas que apenas leram o Livro I”. E critica o estilo literário de Marx:
quando este fala de produção e valor na fábrica, tem de dar tal exemplo, mas está suposto a totalidade
naquele caso. Este primeiro tomo deve ser lido com tal cuidado.
No livro III, categoria-chave contradição: a concorrência; distanciamento dos
preços em relação aos valores; crises; contradição entre pensamento prático do
capitalista e a realidade demonstrada pela teoria; a concorrência (de fato, resolve
inúmeras questões teóricas antes insolúveis) como fonte do nivelamento das taxas de
lucro; capital fictício etc.

Leiamos o primeiro parágrafo do Livro III, de conteúdo concentrado:

No Livro Primeiro, investigamos os fenômenos do processo de produção capitalista


considerado apenas como processo imediato de produção, quando abstraímos de todos
os efeitos induzidos por circunstâncias a ele estranhas [totalidade]. Mas o processo
imediato de produção não abrange a vida toda do capital. Completa-o o processo de
circulação [totalidade, movimento], que constituiu o objeto de estudo do Livro
Segundo. Aí – sobretudo na Parte Terceira, em que estudamos o processo de circulação
como o agente mediador do processo social de reprodução [movimento] – evidenciou-se
que o processo de produção capitalista, observado na totalidade, é unidade constituída
por processo de produção e processo de circulação [de novo: totalidade e movimento].
O que nos cabe neste Livro Terceiro não é desenvolver considerações gerais sobre essa
unidade, mas descobrir e descrever as formas concretas oriundas do processo de
movimento do capital, considerando-se esse processo como um todo. Em seu
movimento real, os capitais se enfrentam nessas formas concretas [contradição –
categoria chave para as categorias totalidade e movimento elevarem-se]; em relação a
elas, as figuras do capital no processo imediato de produção e no processo de circulação
não passam de fases ou estados particulares [movimento derivado da contradição].
Assim, as configurações do capital desenvolvidas neste livro abeiram-se gradualmente
da forma em que aparecem na superfície da sociedade, na interação dos diversos
capitais, na concorrência e ainda na consciência normal dos próprios agentes da
produção [contradição, além da contradição aparência-essência]. (O Capital III,
Civilização Brasileira, 2008, página 41. Grifos nossos.)

O livro III integra as três categorias – totalidade, contradição e movimento.

No livro I, a seção VII, O processo de acumulação do Capital, que encerra esta


obra, abre transição para o livro II, permeando temas e antecipando categorias.

No livro II, a seção III, A reprodução e a circulação de todo o capital social,


também última, encerra-se no capítulo XXI, Acumulação e reprodução em escala
ampliada, provando que, mesmo nas mais favoráveis condições de análise, o
capitalismo entra em autocontradição, do capital consigo próprio520 – marcando
transição categorial para o livro III.

Nos livros I e II, a exposição do capital apenas pontualmente e quando


incontornável foca-se nas autocontradições. É neste momento, do livro II, em que a
crise do sistema ganha foco analítico, sendo mais que citado. Até aqui, Marx insiste em
afirmar, para análise e exposição, que consideramos os preços iguais aos valores, que
estes valores se realizam, abstrai a concorrência etc.

No livro III, a contradição hierarquiza as demais categorias, impulsionando-as em


plenitude. Nesta obra, alcançamos, enfim, a total natureza do sistema e seu movimento
interno. Na citação acima, revela-se que as demais categorias desenvolvem-se relativas
a esta: “Em seu movimento real, os capitais se enfrentam nessas formas concretas; em
relação a elas, as figuras do capital no processo imediato de produção e no processo de
circulação não passam de fases ou estados particulares”.

O parágrafo citado, que abre o livro III, também reforça as formas expostas de
início: aparência-essência-aparência e do abstrato ao concreto. Antes de ser uma questão
de estilo, o trabalho de exposição dos resultados exige este tipo de avanço.

A quarta forma de demonstrar o método-estrutura da obra é sua evolução dialética


do singular, a mercadoria, capítulo I d’O Capital I, ao geral, o processo global de
produção capitalista, O Capital III. Tema sobre o qual não nos aprofundaremos,
expondo-o em geral neste parágrafo.

III.

O Capital é:

Tese: Crítica ao capital do ponto de vista do trabalho.

Antítese: Crítica ao trabalho sob o capital.

Síntese: Crítica sistêmica ao trabalho sob o capital do ponto de vista do trabalho.

O NOVO

O novo em dialética:

1. Saltos qualitativos – por acúmulo de mudanças quantitativas ou acúmulo de


contradições;

520
Mesmo na reprodução simples, fora da escala ampliada, bastou-o considerar o espaço-tempo. Na
lógica formal, este fator, tempo e espaço, é abstraído, sendo considerado pela dialética.
2. Combinação do desenvolvimento desigual (das partes na totalidade);
3. Fusão de elementos diferentes;

Acrescentemos:

4. Surge como um inverso, oposto, de si – na, sendo, transição.

Exemplifiquemos. Fruto do desenvolvimento de um sistema transitório, a indústria


automatizada é não capitalista em si, pós-capitalista; porém não o é no fato, apenas de
fato. É o novo do novo. Surge-se: mas sua autorrelação conteúdo-forma apresenta-se, a
si próprio, enquanto inverso; parindo-se. Parindo-se duplamente.

Em movimento, surgir abre a possibilidade do surgir – ou sua negação.

Enquanto agradar ao leitor as perigosas metáforas, demonstramos: não basta o bebê


estar “no ponto de nascer”, pois é preciso sobreviver às dores do parto.

Assim, a afirmação “A crise consiste precisamente no facto de que o velho morre e o


novo não acaba de nascer" (Gramsci, Cadernos do cárcere, “A influência do
materialismo” e “crise de autoridade”, Volume I, tomo 3, pg. 311, escrito cerca de
1930.) é suprassumida, positivamente superada. O velho já nasce novo.

SER

Vejamos as características essenciais do orgânico, inorgânico e social – para a


compreensão científica:

1) Totalidade;
2) Contradição;
3) Movimento.

Rastreemos seus esqueletos:

1) Unidade;
2) Relação;
3) Atividade.

Determinada totalidade pode existir porque suas partes possuem algo em comum,
alguma identidade; o capitalismo é total na medida em que tudo, até pessoas, tornam-se
formas do valor-capital521. Da relação, toda contradição é “relação contraditória”522. Por
atividade traduzimos enquanto “pulsão”, “pulsão de agir” inerente, potência; o ato de
agir precedendo a ação em si (por fora da abstração523: o motor é a contradição
dialética). Afirmar-se existente é estado ativo e sua condição, rumo à superação de si,
ou seja, negar-se.

Marx acusou os economistas de verem apenas a igualdade dos diferentes sistemas


econômicos (distribuição, produção etc.) quando também se deveria ver as
particularidades de cada (modo de distribuição, produção etc.). Em ciência, cometemos
o erro oposto: procuramos a diferença das diferentes dimensões ontológicas –
inorgânico, orgânico e social – quando também há dimensão de igualdade.

Urge fundar uma filosofia objetiva.

A busca de Aristóteles por entender o Ser enquanto Ser – metafísica, além da física,
além das formas524 – pode ser resgatada de modo superior pelo acúmulo teórico e
filosófico da humanidade.

CAUSA E EFEITO NA DIALÉTICA

Muitos marxistas, ao considerarem as interrelações, afirmam ser a dialética negação do


evento causa-consequência. No entanto, isto é verdade se serve de crítica à relação
mecanicistas e simples: esta causa, logo este efeito. As concepções do chamado
“método moderno” merecem ser superadas.

Em dialética, uma causa pode derivar numa ou outras consequências:

Consequência x

Causa Consequência y

Consequência z

521
Estamos em abstração: a totalidade é contraditória, quer seja, tem a negação de seu caráter de
totalidade em si; e isto pede movimento dialético.
522
Outra abstração: se consideramos apenas contradição, vemos apenas o dissolver, o destrutivo.
523
Ou seja: tratar atividade e movimento enquanto categorias em si, separadas, isoladas, das
interrelações com os demais fatores.
524
Aqui, metafísica nada tem a ver com misticismo, religiosidade, o além, etc. Pode ser traduzido como
ontologia (o marxismo tem sua ontologia própria).
Há aí uma rede ou leque, menor ou maior, de possibilidades. Exemplo: a depender do
fator subjetivo, humano, a crise sistêmica do capitalismo pode derivar uma sociedade
comunista, ou a barbárie, ou o fim de nossa espécie.

Causa x

Causa y Consequência

Causa z

Exemplo: a inflação pode ter inúmeras diferentes ou combinadas causas: excesso de


dinheiro, baixa oferta, diferenças entre os setores I e II da produção, taxa de câmbio, etc.
A pseudociência dos economistas neoliberais usam o artifício causa-consequência para
supor ser a infação sempre de mesma e simples causalidade, o dinheiro em demasia na
circulação, assim ajudando o capital financeiro. A mesma consequência, a inflação,
surge da interação entre causas diferentes e opostas, em graus desiguais de influência,
empurrando umas à queda e outra à elevação dos preços, neste exemplo deterrminado
pelos últimos fatores.

Uma causa inicial pode transformar-se em consequência – e, nisso, o contrário:

X causa Y consequência

Muda-se, inverte-se na própria realidade, para

Y causa X consequência

Isto ocorre porque tratamos de sistemas complexos, interrelações, interações e


influências recíprocas, processos contraditórios, estrutura e mudança. Se na primeira
fase o comércio mundial impulsionou a produção capitalista, na segunda a produção
capitalista impulsionou o comércio. Percebemos: mesmo quando há a inversão, a nova
consequência, antes causa, ainda guarda dentro de si certo grau de causa – e o mesmo ao
inverso.

George Novack:

Causas Iguais, Efeitos Diferentes

A regra que diz que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos não é incondicional
e geral. A lei só é válida quando a história produz as mesmas condições, mas
geralmente há diferenças para cada país e constantes mudanças e intercâmbios entre
eles. As mesmas causas básicas podem conduzir a resultados muito diferentes e até
opostos.

Por exemplo, na primeira metade do século XIX, a Inglaterra e os EUA eram ambos
governados pelas mesmas leis do capitalismo industrial. Mas estas leis operavam sob
diferentes condições nos dois países e produziram resultados muito diferentes na
agricultura. A enorme demanda da indústria britânica por algodão e alimentos baratos
estimulou poderosamente a agricultura norte-americana, ao mesmo tempo que os
mesmos fatores econômicos sufocaram os camponeses da Inglaterra. A expansão da
agricultura num país e sua contração no outro foram conseqüências opostas, mas
interdependentes, das mesmas causas econômicas.

Passando do processo econômico ao intelectual, o marxista russo Plekhanov assinalava,


no seu notável trabalho "Em defesa do materialismo" (pág. 126), como o
desenvolvimento desigual dos diversos elementos que compõem uma estrutura nacional
permite ao mesmo conjunto de idéias produzir um impacto social muito diferente sobre
a vida filosófica.525

K. Marx:

“Toda a forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da transformação


constante de uma parte da população trabalhadora em mão de obra desempregada ou
semiempregada. A superficialidade da economia política se mostra, entre outras
coisas, no fato de ela converter a expansão e a contração do crédito, que é o mero
sintoma dos períodos de mudança do ciclo industrial, em causa destes últimos. Tão
logo iniciam esse movimento de expansão e contração alternadas, ocorre com a
produção exatamente o mesmo que com os corpos celestes, os quais, uma vez lançados
em determinado movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-
se em causas, e as variações de todo o processo, que reproduz continuamente suas
próprias condições, assumem a forma da periodicidade. Uma vez consolidada essa
forma, até mesmo a economia política compreende que produzir uma população
excedente relativa, isto é, excedente em relação à necessidade média de valorização do
capital, é uma condição vital da indústria moderna.” (O Capital I, Boitempo, 2015, p.
708, 709. Grifos nossos.)

MOVIMENTO DIALÉTICO

Desde os pré-socráticos, movimento em filosofia é sinônimo de transformação. Em


muitos casos orienta-se ler mudança – de uma coisa em outra, de algo em outro –
quando a palavra movimento apresentar-se num texto partidário da dialética. Isto está
correto.

Entre os gregos, partia-se da seguinte preocupação: tudo observado é transitório em suas


formas, mutável, instável e incontantes, por isso interessa o permanente e constante para
além das coisas em si; assim, apreendendo o real. (Na dialética marxista a essência
também molda-se e altera-se; exemplo do valor tendendo a definhar-se.) A preocupação
grega era como apreender a verdade, o verdadeiro, para além dos fenômenos. O filósofo

525
https://www.marxists.org/portugues/novack/1968/lei/cap01.htm#ti16
materialista Demócrito, maior pensador grego depois de Aristóteles, foi quem
inaugurou tal percepção sobre a relação sujeito-objeto. Façamos síntese de outro modo:
as categorias movem-se, transformam-se, umas paras outras; os processos mudam os
objetos uns para outros mantendo o a natureza real e oculta presente.

Podemos, para aprofundar, dispor a seguinte exposição: o movimento em si, o


deslocamento, altera o objeto, o conteúdo e a forma. A dinâmica de seu movimentar-se,
portanto, deve ser levada em consideração.

O movimento, em si, muda.

O processo de produção e circulação do capital faz o valor, em movimento e no


movimento de suas formas (capitais), saltar de uma forma a outra: o dinheiro desloca-se
ao comércio e é trocado por máquinas (capital fixo, prédio, etc.) e matérias-primas e
trabalhadores (formas onde se encarna o capital circulante). Estes, em interação e
movimento, transformam a matéria-prima por meio do trabalho em mercadoria nova;
esta vai ao mercado e é trocada por dinheiro… Reinicia-se o ciclo. Temos, então, um
exemplo. Se forcamos, por outro lado, o movimento do dinheiro por si, percebemos a
história de suas formas físicas por meio da história da intensidade e quantidade de
movimentações. A velocidade da forma máquina e do trabalhador no processo de
produção, dado a jornada de trabalho, tem relação com a dinâmica da própria forma
(desgaste, etc.) e da produção maior ou menor de valor naquele determinado tempo.

CONTRADIÇÃO DIALÉTICA E COMUNISMO

Hegel considerava a generalização do mundo do capital, nova forma, a base para a plena
sociedade. Nesta conclusão, supôs o Estado (burguês) a racionalidade coletiva
encarnada contra a construção e desenvolvimento da individualidade, em modo egoísta,
desde a origem das sociedades, equilibrando o coletivo e o individual. Estava, portanto,
de acordo com a economia política de sua época, em especial Adam Smith, sobre a
tendência do capitalismo à harmonia e o egoísmo enquanto base, na totalidade, do
coletivismo inconsciente. Por isso, supunha a contradição enquanto temporário e
aparencial.

Após séculos, percebemos o erro de tal caracterização. Marx e Engels superaram e


resguardaram, suprassumir, a concepção hegeliana dando ao comunismo a conclusão de
tais objetivos. A generalização total do capital de fato traria a possibilidade de harmonia
social, pois abriria a necessidade de uma sociedade nova; nesta, um Estado racional,
impulsionando a economia planejada, daria as bases para o reino da liberdade coletiva e
individual; e as contradições profundas seriam substituídas por contradições
aparenciais, parciais e de todo positivas (polêmicas, luta de ideias, etc.).
O comunismo significa: a humanidade irá transcender relativamente as legalidades
dialéticas dos outros dois seres, ou seja, superaria a contradição enquanto processo
essencial interno.

Isto refuta a concepção dos marxistas sobre a contradição enquanto uma das categorias
centrais da dialética? Isto confunde categoria central com essencial. Em primeiro, as
contradições não essenciais moveriam a humanidade (polêmicas científicas, por
exemplo). E, enquanto um ser ontológico, o ser social continuaria a ter contradições
com os seres inorgânico e, talvez em menor medida, orgânico. Para vermos, basta ter
em conta a finitude dos recusos naturais de nosso planeta, desafiando-nos a conquistar o
cosmos (conclusão de Moreno, Teses Para Atualização do Programa de Transição).
Com o avanço da última etapa, o comunismo avançado, a espécie humana poderá
superar-se enquanto espécie, ser uma nova… Isto acerretaria inúmeras questões.

De qualquer modo, a contradição permanecerá motor da mudança.


15 TESES SOBRE A ALIENAÇÃO HOJE. UMA HIPÓTESE PERIGOSA

1. O capital desprende-se de sua origem. No início do século XX, tendia a


“transbordar” dos países imperialistas para os semicoloniais. Hoje, o capital tende a
esvaziar-se dos países ricos para os pobres, como a China;
2. A burguesia aliena-se de seu próprio capital. Um burguês americano pode
viver em Dubai e, por meio da informática, organizar suas operações de investimento,
sem intimidade com a administração e/ou o setor produtivo. Acaba a relação territorial
investidor-administração-produção;
3. Separação entre o centro produtivo e centro administrativo do capital. Há os
locais onde produz e há outro onde se planifica a produção, com a ajuda da informática.
Em nível internacional isso ocorre na relação país imperial e semicolônias; em nível
nacional, nas capitais se administram a produção que ocorre em cidades menores
(exemplo: capital de São Paulo em relação à produção nas cidades menores, como São
José dos Campos). China é o país que relativiza tal processo interno graças à sua
ditadura semifascista que a faz desejar o controle direto da situação e imediata
eficiência em impedir o movimento operário;
4. Separação entre centro produtivo e centro comercial. Países atrasados tendem
a ser os produtores de mercadorias para o mundo enquanto os países adiantados são os
consumidores, e controlam esse processo por sua superestrutura (em principal, o
domínio militar). Essa transferência ocorre também porque países como Índia, Brasil,
China e Rússia possuem mercado consumidor enorme, território e matéria-prima em
abundância, regimes menos democráticos e salários baixíssimos. Esta separação
também acontece dentro dos países, por razões semelhantes: cidades menores tendem a
produzir e os centros a consumir, comercializar;
5. A robótica afastou o homem de sua essência alienada, o trabalho assalariado.
Afastou-o também dos outros trabalhadores por a produção tornar-se mais fragmentada,
com parte da produção sendo realizada em fábricas menores, auxiliares (pós-fordismo).
Além do mais, com o intermédio do robô e da automação, o trabalhador perde
intimidade e identidade com a mercadoria;
6. Os setores médios aristocráticos alienam-se da sociedade, que está em visível
decadência. Isolam-se em condomínios-prisões, como em um mundo paralelo e
atomizado. Tal atitude origina transtornos mentais a esta classe, especialmente às novas
gerações;
7. A burguesia “sofre” como o excesso de riqueza. Vê o externo, o mundo da
maioria, como algo a parte, como uma relação alienígena. Por consequência, perdeu a
noção de realidade. Os políticos, em certa medida, ajudam a classe dominante a ter
noção dos fatos, mas também possuem seus limites;
8. Parte dos valores de uso abre mão do suporte ou reúne-se em apenas um.
Celulares com várias funções práticas/aplicativos, filmes, livros e tudo quanto pode ser
digitalizado desprendem-se dos objetos – conteúdo das formas (dvds, papéis, etc.) – que
permitem a comercialização. Esta separação, em longo prazo, prejudica o mercado, o
valor. No socialismo, a informática facilitará a distribuição gratuita de parte dos
produtos e cultura, além de facilitar a gestão da sociedade;
9. O equivalente geral, que se desprendeu do ouro, também tende a desprender-
se do dinheiro-papel. Operações virtuais e o cartão de crédito tornam o dinheiro
excessivamente fluido e frágil. Este deslocamento do dinheiro de seu suporte físico abre
possibilidades de moedas unificadas, um dos modos de integração das coisas. Ao
mesmo tempo, apresenta-se como sintoma do socialismo: a possibilidade do fim do
dinheiro como mediação consumidor-produto e busca por uma contabilidade geral;
10. A sensibilidade humana constrói-se – como demonstram Freud, Piaget,
Vigotsky e o materialismo histórico – na reação homem-objeto. Hoje, porém, o mundo
virtual, maior materialidade abstrata, desafia nossas capacidades sensíveis; no cotidiano,
por exemplo, os trabalhadores perdem a noção dos gastos com cartão de crédito por
dificuldade de medir, proporcionalizar os valores em uso “imateriais”, “fictícios”;
11. No socialismo, como diz Trotsky, arte e vida fundir-se-ão. Em nossa época, a
mercadoria sequestra este futuro. Há, de fato, uma fusão mercadoria-estética,
mercadoria-arte. Seu valor de uso é também um valor artístico, poético; humaniza-se na
proporção inversa à incrível desumanização da humanidade. O homem-consumidor
tenta humanizar-se – perante a si e perante o outro – por meio do acesso a estes
produtos-arte, como se absorvendo o direto a ser. A mercadoria ganha sensibilidade
enquanto o homem a perde; o consumo muda, molda, o consumidor em um nível
subjetivo – nos desumanizamos em busca dessas relações sensíveis com objetos;
12. O cidadão está alienado da cidade, do espaço urbano. Falta-lhe viver o melhor
da urbanidade e o melhor do campo – relação que encontrará nos espaços pós-
capitalistas;
13. A máquina humaniza-se. Como parte da humanização das coisas, os robôs
adquirirem as sensibilidades humanas do trabalho: a capacidade de medir, avaliar,
calcular a pressão necessária, perceber falhas, angular corretamente um objeto, etc.
Desempregado e precarizado, o trabalhador, no caminho oposto, perde a sensibilidade,
tanto a subjetiva quanto a laboral;
14. A relação alienada do homem com o natureza, parte externa de si, atinge grau
qualitativo: ameaça o futuro do animal homo sapiens e abre a possibilidade de nova
extinção em massa – desta vez de origem social. Em lugar de humanizar a natureza, esta
se desumaniza por meio da atividade humana.
15. O maquinário aproxima-se da matéria-prima; as classes oprimidas têm, com a
informática, maior capacidade latente de instrução, comunicação e relações
internacionalistas; a super-urbanidade coloca em aproximação as diferentes classes não
burguesas; a globalização gera a extrema interdependência e interligação do mundo,
apesar das fronteiras; a solidão coletiva adquire caráter/angústia universal; em síntese, o
mundo das coisas está superinterligado enquanto o indivíduo ver-se superatomizado
(menor integração social; mais egoísmo e menor mutualismo; diminuição das atividades
mental, criativa e física – ou seja, fragilização da bioessência humana, gerando, por
exemplo, pandemia de depressão).

HIPÓTESES
1. O Imperialismo é a fase de decadência do capitalismo. Desde o final da
década de 1970 e, especialmente, no inicio do século XXI, vivemos o período de
decadência da fase Imperialista;
2. O capital necessita transferir-se e acumular-se em países como China, Rússia,
Brasil, Índia, etc.;
3. Por todas as alienações e desalienações observadas nas 14 teses, percebemos
países como China e Rússia desejando determinar a divisão mundial do trabalho;
4. Desejam ampliar a dependência do capital por seus países, transformando
parte significativa do mundo em comerciais/consumidores e produtores de matéria-
prima (dialética central-orbitante);
5. A conjuntura tornou-se favorável a estas nações (e a outras, pois o Brasil
ainda medeia-se entre estes e os EUA) desde o início desta crise mundial, com a
decadência dos norte-americanos;
6. O arsenal nuclear, que antes evitava a guerra, permite um nivelamento das
condições de enfrentamento;
7. O surgimento de novos imperialismos só pode gerar contradições. Portanto,
uma III Guerra Mundial é uma hipótese provável: antes, preparando o caminho; depois,
“terceirizando” o conflito – provavelmente; por fim, a guerra aberta. A possível
construção de uma grande estrada de ferro no Brasil, promovida pela China, é um sinal
do interesse econômico e, por isso, militar – os conflitos tendem a avançar de relativos
para absolutos;
8. O autoritarismo estatal chinês e russo facilita o caminho, tendendo a estimular
regimes semelhantes em outras nações;
9. A atuação na Síria e Ucrânia são sintomas;
10. O núcleo central de todo exército é a sua infantaria. A China, por exemplo,
possui dois milhões de soldados (não por acaso o Japão reativou seu exército);
11. A relativa posição vantajosa dos novos imperialismos, Sui Generis, dar-se
também porque não se pode simplesmente desconectá-los do mundo, da economia, por
serem a fábrica-mundial. Esta é uma vantagem relativa em caso de conflito;
12. EUA tentou reverter este processo contraditório – centro produtivo / centro
consumidor e administrativo – com o projeto ALCA, mas foi derrotado. Alemanha
consegue relativizar a tendência com o Euro e a União Europeia, além da robótica;
13. A sociedade global está mais que madura para o socialismo, apesar da maior
fragilidade da classe produtora (compensada por sua maior ligação com outras classes
oprimidas urbanas). Porém, com a queda do muro de Berlim, a burguesia não vê o
comunismo como uma ameaça imediata; para isto contribui o mais incrível aparato de
espionagem já criado, a internet;
14. A crise mundial é do último ciclo de era, não-cíclica, na medida em que, pelo
grande avanço da técnica de produção e transporte, como a robótica, tende à
superprodução crônica. A crise também é estrutural na medida em que coloca em
risco/crise todos os aspectos que permitem o capitalismo, como a família
monogâmica526, o meio ambiente (terra, natureza), o Estado (dívidas públicas estruturais
e enormes; privatização de seus serviços; maior internacionalização da economia;
desnacionalização da moeda; possibilidades novas, via internet, de internacionalismo
proletário; etc.), etc. Há a possibilidade, por isso, de uma nova meia-revolução
industrial com a finalidade, de um lado, de controlar a coletividade, a luta de classes (a
internet das coisas, por exemplo) e, de outro, maior concentração e centralização do
capital comercial e da área de serviços;
15. Ou entramos no período de longas e duras revoluções socialistas, impedindo a
guerra ou destruindo-a, ou entraremos em uma decadência duríssima, com o modelo
Made in China sendo a nova normalidade mundial, independente do lado vencedor.

526
“A pílula anticoncepcional desferiu o golpe fatal no sistema patriarcal, que se sustentava apoiado no
controle da fecundidade da mulher.” (Regina Navarro Lins, psicanalista e sexóloga.)
APÊNDICES
Esboços
ESBOÇO SOBRE A CULTURA DO BRASIL

1. Ao notarem as particularidades da formação social brasileira, pensadores e sábios


tentaram encontrar a essência do Brasil por meio de sua cultura, ou seja, por um meio
idealista e superestrutural. As diferenças nacionais são, no entanto, parciais e não
essenciais dentro da universalidade humana. E de modo oposto, o marxismo nacional
parece ter avançado pouco nesta questão, incluso as miudezas e “pequenos nadas”
(Trotsky, Questões do Modo de Vida).

2. O argentino Nahuel Moreno usou a lei do desenvolvimento desigual e combinado para


demonstrar a formação do Brasil: no século XVI, surgira destinado ao capitalismo, ao
mercado mundial; porém, para isso, teve de usar relações de produção de outro sistema,
o escravista. Esta desigualdade combinada pode ser expressa, também, no campo da
cultura: economia capitalista, relações de produção escravistas mais – e mas – cultura
medieval europeia e as primitivas africana e indígena. Uma geleia geral. Isto posto, o
peso do capitalismo (infraestrutura) e do escravismo (estrutura), e a contradição interna
daí derivada, do mesmo modo e acima direcionaram a cultura.

“La colonización española, portuguesa, inglesa, francesa y holandesa en América fue


esencialmente capitalista. Sus objetivos fueron capitalistas y no feudales: organizar la
producción y los descubrimientos para efectuar ganancias prodigiosas y para colocar mercancías
en el mercado mundial. No inauguraron un sistema de producción capitalista porque no había en
América um ejercito de trabajadores libres en el mercado. Es así como los colonizadores para
poder explotar capitalísticamente a América se ven obligados a recurrir a relaciones de
producción no capitalista: la esclavitud o una semi-esclavitud de los indígenas. Producción y
descubrimientos por objetivos capitalistas; relaciones esclavas o semi-esclavas; formas y
terminologías feudales (al igual que el capitalismo mediterráneo) son los tres pilares en que se
asentó la colonización de América”.527

Esta expressão cultural se expressa nas palavras, embora Moreno tenha pouco considerado isso:

Los inmensos poderes otorgados a los donatarios tampoco significan feudalismo; esos poderes
todavía existen en nuestros días. El jefe de una escuadra en alta mar, los comandantes de los
ejércitos, los gobernadores en ocasiones excepcionales disponen todavía hoy de poderes casi tan
grandes corno los concedidos a aquellos donatarios. Estamos, pues, seguros de que nuestras
donaciones, dejando de lado el carácter hereditario de las concesiones, sólo son feudales en los
términos, muchos de ellos todavía hoy en uso. Puédese alegar que en lo que concierne a las
concesiones su aspecto jurídico se asemeja a las instituciones feudales. Pero esto se observa

527
Cuatro Tesis sobre la Colonización española yportuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
también en la actualidad. El régimen de nuestras minas se caracteriza porque el poseedor de la
mina no es sino un concesionario, que así la trabaja, ejerciendo una función social”.528

Para demonstramos como isto se alargou até nossos dias; em entrevista ao programa Roda Viva
(13/05/2013529), o escritor peruano Mario Vargas Llosa exemplifica a influência cultural
medieva:

Repórter: E encontrou realmente [ao visitar o interior da Bahia] a idade média de Os Sertões [de
Euclides da Cunha] (…)?

Achei coisas maravilhosas… que não acreditei. Achei trovadores ambulantes que cantavam
romances portugueses medievais. Que falavam dos 12 pares da França num povoado chamado
Uauá. Eu não podia acreditar nisso! Tocando a baguala, cantando romances portugueses
medievais… Era entrar num mundo de quase fantasia, um mundo de fantasia; era pura literatura.

Temos no cangaço a versão de Robin Hood; no vaqueiro e seu facão, o cavaleiro; na


religiosidade, a manutenção de símbolos e alguns valores; no cancioneiro e repetentistas, os
trovadores; no jeito “errado” de falar, resquícios na sintaxe e palavras do português original etc.
A literatura tem explorado com mestria este aspecto singular – o movimento armorial, por
exemplo, impulsionado por Ariano Suassuna – da cultura como um medievalismo rústico,
sertanejo.

3. A tese anterior – ao atualizar, talvez, Moreno – revela fenômenos particulares na


colonização, como fazendas, por inúmeros motivos, isoladas, onde as relações sociais e
de propriedade eram as mesmas, mas o mais-trabalho, o excedente, não se realizava no
mercado e, então, era destinado ao senhor de escravos e ao espaço de vivência e
trabalho. Já que se trata de um fenômeno efêmero e transitório, chamamos capitalismo
latente, por um período apoiado, sustentado, nos aspectos escravistas e culturais.

Desta forma, Santana afirma sobre este fenômeno no Piauí:

"a elevada rentabilidade do açúcar, produto de lavoura exclusivamente comercial, não permitia
ao lado dos canaviais a fixação da atividade criatória complementar, porquanto lhe diminuiria as
áreas para agricultura. A penetração do interior adveio como consequência." (2001, p. 28)

528
Idem.
529
https://www.youtube.com/watch?v=YUJKgDXSo-o
“[…] Elemento preponderante na formação piauiense, na medida em que concorreu para a
integração da área na obra de unidade nacional, apresentou sempre caráter de subsistência,
limitando por isso mesmo, as fronteiras econômicas aquém e além do Piauí” (SANTANA,
2001, p. 32.).

A demonstração de que as relações de produção escravistas era uma necessidade da produção


capitalista, ao mercado, está no fato de que o escravismo foi menos necessário onde o mais-
trabalho não era voltado ao mercado mundial: caso da criação de gado, onde o vaqueiro e outros
funcionários ganhavam importância social. A liberdade dos animais criados extensivamente
exigia mais liberdade ao seu criador.

Estes estados fora da generalidade foram comuns na colonização da América. A seguir, um


movimento comparável, mas diferente:

Si hay un lugar de América cuya colonización no es capitalista es el noreste de Estados Unidos,


justamente lo contrario de lo que cree Puiggrós. A esta región fueron, o se quedaron, los
europeos que querían tierras, clima y producción como las de Europa, pero que no pensaban
comerciar com sus países natales, ya que éstos se abastecían por sí mismos de sus productos
agrarios¿ Por eso fue una colonización cuyo objetivo era la tierra para implantar una pequeña
producción y para abastecerse a sí mismos. Esa inmigración dio origen a un pequeño
campesinado que se abastecía a sí mismo y que colocaba en el mercado el ligero sobrante que le
quedaba. (…)Pero en Norteamérica hubo una diferencia que resultaría fundamental: el exceso
de tierras impidió el crecimiento de una clase terrateniente feudal, aunque hubo intentos de ello.
Si nos gustaran las paradojas podríamos decir, contra Puiggrós, que el sur de Estados Unidos y
Latinoamérica fueron colonizados en forma capitalista pero sin dar origen a relaciones
capitalistas y que el norte de Estados Unidos fue colonizado en forma feudal (campesinos que
buscaban tierras y nada más que tierras para autoabastecerse) pero sin relaciones feudales.530

Demonstramos o papel da cultura na formação social. Para considerarmos o desenvolvimento


desigual e combinado, precisamos apreciar as quatro partes do todo, abstrações da sociedade:

1. Infraestrutura ou economia;
2. Relações de produção, classes sociais, grupos humanos;
3. Superestrutura subjetiva ou tudo referente à mente humana: valores, filosofias,
moral, ideias, ciência etc.
4. Superestrutura objetiva, ligada ao ponto anterior e ao todo: religião, escola, Estado
etc.

530
Cuatro Tesis sobre la Colonización española yportuguesa en América; Nahuel Moreno; 1948.
Assim, os estados feudais da Europa foram adquirindo duplo caráter, feudal e burguês, na
medida em que davam suporte à colonização e ao mercado mundial. O desenvolvimento
desigual, diferenciado, das abstrações do concreto geram formações próprias, particulares; para
isso, temos de notar e incluir toda a “superestrutura subjetiva” na análise, ou seja, por exemplo,
o descobridor desta lei, Leon Trotsky, agregou a mistura do feudalismo com o capitalismo na
sociedade russa e, com isso, incluiu na avaliação a entrada da melhor e mais avançada “ciência
ocidental” na mentalidade daquele país atrasado, como o socialismo científico531.

4. O Brasil é um país capaz de absorver o estrangeiro e sua cultura: uma “vocação


romana”. Esta formação econômica-social-cultural particular e complexa é a matéria-
prima das combinações, da criatividade, potencializada pela habilidade de absorção do
outro, do externo. Este instinto criativo tem se revelado mais nas artes e desporto – dois
dos vários tipos de inteligência – que nas ciências e política como consequência da
busca burguesa por empobrecimento intelectual da massa.

5. Em geral, a forte cultura brasileira é fruto das classes trabalhadoras ou apenas se


fortalece sob sua permissão informal. Se no começo é negada e combatida, ao se impor
e se generalizar, a cultura artística, ao saltar da favela para os apartamentos, degenera
em classe média. Esta “degeneração” não é, em si, uma fraqueza (basta ver a fundação
da bossa nova a partir do samba, por exemplo), mas, quando em vez, afasta o criador do
interesse pela criatura. Abstraídos os introvertidos de todas as classes, a música,
expressão ímpar, é para a dança – em primeiro lugar; entre a classe média, para
repousar-se. De maneira mais sinuosa do que supõe uma avaliação mecânica, o perfil de
classe influencia as correntes musicais e artísticas. Por isso, sendo os EUA um país mui
diferente, mas igual ao Brasil em certos padrões sócio-históricos, podemos ver a relação
classe trabalhadora e alta classe média nas mudanças da arte: samba, Soul, Jazz, Blues,
choro, rock, funk etc., embora no início negados por meio da crítica e da violência,
foram sendo reconhecidos e absorvidos pelos setores aristocráticos, que imprimiram nas
expressões artísticas suas características de classe, ligado ao trabalho intelectual e baixo
movimento corpóreo – exemplo do sambista Chico Buarque. Assim, multiplicam-se
canções sobre “a morte do samba” ou reflexões sobre “a morte do rock”.532

531
“Não esqueçamos, caros ouvintes, que o atraso histórico é uma noção relativa. Se existem países
atrasados e avançados, há também uma ação recíproca entre eles. Há a opressão dos países avançados
sobre os retardatários, bem como a necessidade para os países atrasados de alcançar aqueles mais
adiantados, adquirir-lhes a técnica, a ciência etc. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento:
as características mais atrasadas se ligam à última palavra da técnica e do pensamento mundiais. Enfim,
os países historicamente atrasados são por vezes obrigados a ultrapassar os demais. A elasticidade da
consciência coletiva confere a possibilidade de conseguir, em certas condições, sobre a arena social, o
resultado que em psicologia individual se chama “compensação”. Pode-se afirmar, neste sentido, que a
Revolução de Outubro foi para os povos da Rússia um meio heroico de superar sua própria inferioridade
econômica e cultural.” (Conferência pronunciada por Leon Trotsky em 27 de novembro de 1932, em
Copenhague, Dinamarca. Este texto foi publicado na Revista Marxismo Vivo nº 16.)

532
Provável porque de classe média e ligado ao trabalho intelectual, Nietzsche considerava a música a
maior das artes. Do ponto de vista social e do trabalho manual, a dança, sob ajuda direta da música, é
forma ímpar de arte; ademais, exige certa teatralidade.
6. O filósofo e sociólogo Bourdieu teorizou o carnaval como o antídoto tupiniquim contra
ideais autoritárias, pois, ele supõe, toda a parte doentia e animalizada da sociedade
poderia ser ali espessa, consumida. O autor desconsidera, assim, a monarquia, o
semifacismo de Getúlio Vargas e a ditadura civil-militar nacional, ou seja, desconsidera
informalmente a história. Como se sabe, os brasileiros fetichizam os franceses na
mesma proporção em que os franceses fetichizam os brasileiros; na realidade, o
contrário: somos festivos, livres, alegres, iguais e amáveis no carnaval porque os não
somos no cotidiano e o “fascismo cultural” é uma norma interna, fruto do capitalismo
num país atrasado e do passado escravista. A festividade é a hora de sermos aquilo que
deveríamos ser e gostaríamos de, mas ainda faltante.

7. Por causa dos altos níveis de contradição – desenvolvimento desigual e combinado – e


miséria, desde a origem do país, a classe dominante aprendeu a ser violentíssima; sendo
as ideias da classe dominante as ideias dominantes da sociedade, esta cultura espalha-se
pelo cotidiano geral. Ao mesmo tempo, logo percebeu que a complexidade nacional
exigiria raciocínio complexo e, por isso, orbita em torno de si o melhor da inteligência
desprovida, em geral, de moral humanitária e corruptível pela força moral do dinheiro
ou prestígio. Esta união entre brutalidade dos de cima e, junto a isso, a sabedoria dos
seus políticos, intelectuais e pensadores pode gerar conflitos quanto quais as melhores
soluções, mas tendeu em principal, até agora, a um encontro poderoso e articulado533. O
poder burguês, na tentativa de manter a ordem do caos e como consequência desta, é
bruto e sapiente; ora manobra e ora reprime.

8. A base da violência verde-amarela é a manutenção da sempre forte disciplina do


trabalho. Temos uma das classes trabalhadoras mais disciplinadas do mundo exato
porque assim ser não deveria: o mundo tropical oferece alimentação fácil e boa, muita
energia solar estimuladora dos corpos e possibilidades de alegria maiores. Se quase
todos os índios morreram de tristeza ou doenças importadas, se dá pelo fim do prazer de
viver, a um só tempo, com pouco e muito. Neste sentido, nosso território incentiva por
si a alegria, a liberdade e a anarquia (no melhor sentido); mas esta tendência é, por
todos os meios, bloqueada. Entre os suíços, para citar um exemplo contrário, o frio
estimula introversão e leitura, pois este último é um compensador, mecanismo cerebral,
para suportar física e psiquicamente os longos invernos (por evidente, esta influência no
perfil está por fora, abaixo e interligada às questões sócio-históricas).

Para fugirmos da visão economicista, vejamos o que Marx fala sobre o clima:

O chocalhar ósseo-carnal permite o ser reencontrar a autonomia do corpo. O cotidiano força o corpo a
ser domado por forças alheias a si; adapta-se à máquina, ao trabalho, ao meio de transporte, às ordens
de outrem; e nega-se. Dançar, portanto, permite o reencontro com o outro e consigo, o sentimento de
liberdade, de soltura, de existência, de eu e de eu social-biológico. Produz, afinal, o prazer.
533
Exemplo: a burguesia exigia de Getúlio Vargas a repressão total do movimento operário; o ditador,
no entanto, preferiu fundar um novo sindicalismo legal e estatal, “pelego”. Aliás, a ditadura getulhista
ocorreu por dois fatores: a) derrotar o movimento operário; b) preservar e modernizar Estado burguês
diante das duras lutas irresolvíveis entre frações da classe dominante.
“Uma vez pressuposta a produção capitalista e uma dada duração da jornada de trabalho, a
grandeza do mais trabalho variará, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, de acordo
com as condições naturais do trabalho, sobretudo com a fertilidade do solo. Mas disso não se
segue de modo nenhum, inversamente, que o solo mais fértil seja o mais adequado ao
crescimento do modo de produção capitalista. Este supõe o domínio do homem sobre a
natureza. “Uma natureza demasiado pródiga conduz o homem com as mãos, como uma criança
em andadeiras”. Ela não faz do desenvolvimento do próprio homem uma necessidade natural. A
pátria do capital não é o clima tropical, com sua vegetação exuberante, mas a zona temperada.
Não a fertilidade absoluta do solo, mas sua diferenciação, a diversidade de seus produtos
naturais é que constitui o fundamento natural da divisão social do trabalho e incita o homem,
pela variação das condições naturais em que ele vive, à diversificação de suas próprias
necessidades, capacidades, meios de trabalho e modos de trabalhar. É a necessidade de controlar
socialmente uma força natural, de poupá-la, de apropriar-se dela ou dominá-la em grande escala
mediante obras feitas pela mão do homem o que desempenha o papel mais decisivo na história
da indústria. Assim foi, por exemplo, com a regulação das águas no Egito, na Lombardia,
Holanda etc. Ou na Índia, Pérsia etc., onde a irrigação, mediante canais artificiais, não só leva
ao solo a água indispensável, mas também, com a lama arrastada por ela, o adubo mineral das
montanhas. A canalização foi o segredo do florescimento industrial da Espanha e da Sicília sob
o domínio árabe.”

“A excelência das condições naturais limita-se a fornecer a possibilidade, jamais a realidade do


mais-trabalho, portanto, do mais-valor ou do mais-produto. A diversidade das condições
naturais do trabalho faz com que, em países diferentes, a mesma quantidade de trabalho
satisfaça a diferentes massas de necessidades que, por conseguinte, sob condições de resto
análogas, o tempo de trabalho necessário seja diferente. Tais condições só atuam sobre o mais-
trabalho como barreira natural, isto é, determinando o ponto em que pode ter início o trabalho
para outrem. Na mesma medida em que a indústria avança, essa barreira natural retrocede. Em
plena sociedade europeia ocidental, na qual o trabalhador só adquire a permissão para trabalhar
para sua própria subsistência quando oferece em troca o mais-trabalho, é fácil imaginar que o
fornecimento de um produto excedente seja uma qualidade inata do trabalho humano. (…)” (K.
Marx; O Capital I; Boitempo, versão digital; p. 712, 713,714.)

Vejamos a subjetivação da objetividade por outro ângulo, outra indicação de pesquisa:

Uma nova pesquisa revelou que, usando big data para analisar conjuntos de dados maciços de
notícias modernas e históricas, desde mídias sociais a páginas da Wikipédia, pode-se observar
padrões periódicos no comportamento coletivo da população, que poderiam passar
despercebidos.

(…)

Os dois conjuntos de achados, considerados em conjunto, mostraram que o comportamento


coletivo das pessoas segue padrões periódicos fortes e é mais previsível do que se pensava
anteriormente. No entanto, estes padrões só podem ser revelados quando se analisa as atividades
de um grande número de pessoas durante muito tempo, e até recentemente, esta era uma tarefa
muito difícil.
(…)

O professor Nello Cristianini, do Departamento de Engenharia Matemática, disse: “O que


emerge é um vislumbre das regularidades do nosso comportamento, que estão escondidas por
trás das variações do dia-a-dia em nossas vidas.

(…)

O primeiro artigo, publicado na revista PLOS ONE, analisou 87 anos de jornais dos EUA e do
Reino Unido, entre 1836 e 1922. Os pesquisadores descobriram que o lazer e o trabalho das
pessoas eram fortemente regulados pelo clima e pelas estações, no Reino Unido e nos EUA.

Grande parte de nossa dieta foi influenciada pelas estações, também, com tempos de pico muito
previsíveis para diferentes frutas e alimentos, e até flores, nas notícias históricas. O mesmo foi
encontrado para doenças, como a época de pico para o sarampo onde, em ambos os países, foi
detectado com mais frequência no final de março ao início de abril. Curiosamente, um indicador
forte foi fornecido pela reaparição muito periódica de groselhas, em junho, que não é mais
encontrada nas notícias modernas, junto com muitas outras tradições perdidas.

Isso pode parecer óbvio, mas a equipe de pesquisas também notou que certas atividades que
costumavam ser altamente regulares, como palestras no Natal, agora quase desapareceram, e
foram substituídas por outras atividades periódicas, como o futebol, Ibiza, Oktoberfest. De certa
forma, a TV substituiu parcialmente o clima como um fator importante de sincronização da vida
das pessoas.

No segundo trabalho, que será apresentado no próximo mês, em uma oficina, na Conferência
Internacional de Mineração de Dados (IADC) de 2016, os pesquisadores descobriram que as
estações também podem ter fortes efeitos sobre a saúde mental. A equipe analisou o
sentimento agregado no Twitter no Reino Unido, acrescido de acesso agregado à Wikipedia
durante quatro anos. Eles descobriram que o sentimento negativo é super-exposto no
inverno, atingindo o pico em novembro, e a ansiedade e raiva são super-expostos entre
setembro e abril.

Ao mesmo tempo, uma análise das visitas da Wikipédia para páginas de saúde mental,
globalmente, mas fortemente dominadas pelo tráfego no hemisfério norte, mostrou sazonalidade
clara na busca de formas específicas de problemas mentais. Por exemplo, as visitas à página
sobre picos de desordens afetivas sazonais ocorrem no final de dezembro e as visitas de
transtorno de pânico atingem seu pico em abril, ao mesmo tempo das visitas à página sobre
transtorno de estresse agudo.

Juntos, esses dois artigos mostram que o uso de múltiplas fontes de grandes dados podem
permitir aos pesquisadores olhar para o comportamento coletivo e, até mesmo, para o humor e a
saúde mental de grandes populações, revelando ciclos, pela primeira, vez suspeitos, mas difíceis
de se observar.534 (Grifos nossos.)

534
http://www.universoracionalista.org/megadados-nos-mostram-que-o-comportamento-coletivo-das-
pessoas-segue-fortes-padroes-periodicos/
Percebe-se, também, uma parcial influência do meio ambiente, além do fator histórico da
imigração, no perfil “sulista” no país.

Aqui, precisamos agregar e incluir o aspecto biológico, sua influência. O “mundo quente”,
tropical, facilita a proliferação de ratos e gatos – os portadores do parasita Toxoplasma gondii, a
toxoplasmose. Também pegável por carne mal passada e utensílios, estudos indicam que este
ser altera, como nos roedores, a personalidade humana, ou seja, afeta o cérebro. Os homens
tornam-se agressivos, antissociais e menos atraentes; as mulheres tornam-se mais desejáveis,
divertidas, sociais e mais ativas sexualmente e menos monogâmicas. Além do mais, verificou-se
– por correlação, pois ainda há que ver a causalidade – maior impulsividade suicida entre
aqueles cujos outros fatores geraram depressão no parasitado (fatores sociais, climáticos etc.).
Estima-se que 1/3 da humanidade tenha este parasitante em si, sendo que o clima e os hábitos
(alimentares etc.) pesam na distribuição de casos entre países535. Aos mais assustados com esta
informação, lembramos que a biologia – com a revolução de Darwin – é uma premissa de base
na construção da ciência marxista.

Com suas fortes contradições nacionais, o país reconhecidamente lembrado por suas festas e
sorrisos é também o oitavo mais suicida do mundo, segundo a OMS (2014), e o terceiro mais
depressivo na comparação mundial (OMS, 2015).

9. Isto – ponto anterior – se manifesta também, relativa e parcialmente, no modo artístico,


na maneira de fazer arte. Enquanto a pintura europeia enfrenta a sombra com cores
vivas, a nossa arte usa a sombra como artifício diante da luminosidade; a poesia
europeia tende ao intimismo enquanto a nossa é mais explosiva, imensa; a prosa
europeia é ativa e a nossa, ao contrário, tende a ser intimista. Esta influência, sendo real,
no entanto, está longe de ser absoluta – a criatividade e a liberdade de criação
precedem, além do contexto social.

[Título:] Tim Vickery: Como vim ao Brasil para fugir da tirania do inverno, me nego a reclamar
do calor

(…)

Cruzei o Atlântico justamente para fugir da tirania do inverno - para adaptar as letras de uma
música do grande Gil Scott-Heron, o norte da Europa tem um pouco de inverno na primavera,
um pouco de inverno no verão, um pouco de inverno no outono e muito inverno no inverno
todo.

535
Indicações de leitura sobre:
1) http://www.psychiatrist.com/jcp/article/Pages/2016/v77n03/v77n0313.aspx
2)
http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/o_lado_negro_do_toxoplasma_a_ligacao_entre_parasita_e_su
icidio.html
3) http://www.bbc.com/portuguese/ciencia/story/2003/09/printable/030922_gatoslmp.shtml
4) http://gizmodo.uol.com.br/toxoplasma-e-transtorno-explosivo/
5) http://super.abril.com.br/comportamento/personalidade-parasita/
É verdade. O verão por lá pode ser lindo, com aquela transição deliciosamente suave entre dia e
noite. Mesmo assim, quem mora lá nunca pode escapar da tirania do inverno; quando o sol
aparece, bate um desespero para aproveitar do dia, uma incapacidade de relaxar, pois nunca se
sabe quando ele vem de novo.

Muito melhor as certezas do verão no Brasil, mesmo com eventuais exageros de temperatura.

Infelizmente, não dá para fugir para sempre. Demorou, mas finalmente o inverno me pegou
mais uma vez com suas garras geladas.

A minha mãe machucou as costas e está precisando de ajuda. Já falei para ela que na próxima
vez vai ter de sofrer acidentes somente em julho, ou seja, no verão britânico.

Mas respirei fundo e voltei para Inglaterra em plena era do gelo - a primeira vez que estou
enfrentando a estação maldita desde 1993/94, e tenho que confessar que não estou reagindo
bem.

Como é deprimente aquele frio que entra nos seus ossos, a muralha de pressão que o ar gelado
constrói contra o rosto, a escuridão chegando logo depois que o sol pífio apareceu!

(…)

Clima faz uma grande diferença. A título de exemplo, vamos falar novamente de música.

As formas mais populares da música brasileira - samba, forró, frevo, etc. - são tocadas para
animar comemorações coletivas, como acontece com boa parte da música africana, produto de
um clima quente, onde se pode viver ao ar livre.

A música britânica tem outra característica. Com frequência, pega emprestado aspectos da
tradição negra americana com ponto de partida. Mas é mais leve em outros sentidos, e até mais
experimental, porque vai seguindo uma visão individual - ou de uma dupla, como Lennon e
McCartney, trocando ideias em um quarto pequeno numa gelada e cinzenta tarde de terça-feira.

Ou seja, apesar de tudo, o frio tem o seu valor.536

10. A literatura francesa é a mãe das vanguardas – por influência de suas revoluções; a
inglesa, da criatividade e imaginação – pelas proporções globais de sua revolução
indutrial; a russa, da teorização literária – por necessidade de abraçar o “avanço
ocidental”; a brasileira e, como parte de algo maior, latino-americana, do trabalho
literário sobre a linguagem – pela mistura explosiva cuja causa é o encontro de índios,
europeus e africanos; a estadunidense, do lucro comercial com obras de entretenimento
– por ser a grande nação do capital.

11. Já está demostrado que a “via prussiana” ou “revolução passiva”, mudar para não
mudar, “fazer a revolução antes que o povo a faça”537 etc. é muito presente na política

536
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de
Warwick. Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/blog-tim-vickery-
38766194?ocid=socialflow_facebook
brasileira. Por igual, na cultura isto se expressa quando preferimos a crítica indireta ou
“recado indireto” e ironia ao invés da opinião aberta; quando – hábito admirado por
estrangeiros – “rimos de nossas próprias desgraças” ou “rir para não chorar”; quando o
racismo prefere o boicote silencioso e velado ao combate aberto; quando a mentira e a
percepção recíproca e, nas entrelinhas, tolerada são a mediação comum das relações
sociais e pessoais. Ao contrário, por exemplo, da sinceridade excessiva e correção dos
perfis russo e suíço, respectivamente.

A artista Elke Maravilha melhor expressa:

[Entrevistador] Você já voltou à Rússia?

Eu fui três vezes à Rússia. Da primeira vez, eu tinha 22 anos. Eu gosto da Rússia, acho legal.
Mas não é uma paixão. Eu estive lá duas vezes no alto comunismo e uma vez depois que caiu.
Eu gostei.

Eu gostei do povo porque é um povo transparente. Mesmo que ele seja mau ele não tem medo
de mostrar o mau que ele é. Então, a gente sabe bem onde está pisando com ele. Ele não fica
dando risada da tua cara e depois dá uma facada nas costas, não.

Se ele quiser dar uma facada ele vem direto na tua frente. Nesse ponto eu acho legal. Se estão
bravos, estão bravos. São muito amorosos. Dos povos brancos é o mais amoroso e também o
mais bravo. É um povo sem filtro. E é bipolar.

[Entrevistador] Seu sucesso no Brasil também se deve ao fato de você ser russa?

Acho que não. Bem, claro que, com a bipolaridade, pode ser. Porque o russo é um povo que ri
muito. É um povo que dança muito, que bebe muito e eu sou assim.

537
1) Autonomia nacional em relação à Portugal. Foi possível graças, primeiro, à fuga da Coroa
Portuguesa para cá. Depois, com a declaração de independência. Por toda a América Latina existiram
revoluções de libertação nacional, guerras. No território tupiniquim, no entanto – mesmo considerando
a heroica batalha do Jenipapo –, deu-se mudança pelas alturas, por ação da classe dominante, sem
riscos, via mecanismos formais. 2) Fim da escravidão. A onda de fugas e boicotes nas lavouras –
preparadas por organizações clandestinas – foram a causa central, embora não reconhecida
oficialmente. Porém, a Princesa Isabel e a o governo souberam manobrar a situação para que a
mudança fosse controlada e não revolucionária. Os EUA e Haiti, para citar dois países, necessitaram do
método da guerra civil. 3) A proclamação da república. Deu-se via golpe, por alto, desprovido de ação
popular. 4) Fim da ditadura semifascista de Vargas. O próprio governo adotou medidas liberalizantes: a
ditadura caiu por medidas de decreto dispensando qualquer revolução – o mal-estar ainda ensaiava.
Deu-se, então, margem para que Getúlio fosse eleito presidente por mecanismos da democracia
representativa. 5) Fim da ditadura militar. As Diretas Já foram derrotadas. Os militares negaram-se a
ceder, a aceitar vias populares de mudança. Porém, com a insatisfação social acumulada, permitiram a
mudança do regime de Estado por via segura, pacífica, controlada, oficial. Enquanto boa parte da
América Latina e do mundo derrotaram os regimes policiais através de revoluções, o Brasil – ao
contrário – mediou.
Isso talvez ajude, sim. Mas tem o outro lado. O brasileiro não gosta de ouvir as verdades que o
russo fala. E eu falo as verdades que o russo fala.538

12. No que se refere ao prussianismo; a cultura brasileira, mais que outras, vai além das
contradições entre as partes envolvidas: a oposição se revela também interna, para
dentro. Dois exemplos: 1) o empresário ama a mulher negra com quem se casou e, na
fábrica, desdenha dos currículos “pretos”; 2) ou quando o gênio Machado de Assis,
crítico à escravidão e negro, alegrou-se ao embranquecer-se com o embranquecer de sua
barba e ao impedir o acesso do negro simbolista Cruz e Sousa à Academia Brasileira de
Letras. Um turista, mesmo um turista científico, veria – e, em geral, vê – apenas a
aparência das relações, o contrário.

13. Por ter um território continental e variado e por força dos movimentos humanos nas
tragédias históricas nacionais (quilombos, coluna Prestes, bandeirantes, cangaço,
soldados da borracha, fuga das secas etc.), a ideia de migração interna está sempre
presente como alternativa, desejo, redenção e possível saída na mentalidade brasileira.
Este valor é reforçado, uma das causas, pelo passado atravessar dos mares de
portugueses, europeus e africanos para cá. É a solução pela diáspora, pela mobilidade.
Exemplo: no Piauí e parte do nordeste, há uma “diáspora LGBTT” de pessoas que se
mudam para o sul e sudeste do país na busca por serem aceitos, evitarem perseguição
psicológica e física, ser o que são e viver a própria sexualidade. O desejo de habitar
outros países, tão presente, tem o mesmo sentido cultural e histórico.

14. A falsa ideologia do brasileiro como preguiçoso crônico é uma mentira necessária para
a burguesia, mas também para que o subordinado seja capaz de disciplinar-se e suportar
as coisas tal como elas são; junto a isso, revela uma necessidade, um desejo ou
tendência latente e natural, mas oculta.

15. O “jeitinho brasileiro” tem natureza de classe, se expressa de modo diferente e oposto
nas classes diferentes. Quando empresários de energia aumentam, com aval do Estado,
o preço da energia elétrica de maneira artificial e absurda, temos a expressão burguesa
do malandro; além do “sabe com quem está falando?”. Quando, por outro lado, por
reação, o trabalhador burla o contador de luz, faz “gatos”, temos a expressão de uma
luta de classes invisível. No entanto, sendo a vida difícil, a malandragem adquire
também caráter negativo entre assalariados, aqui e ali – a brutalidade e violência
cotidianas influenciam a psique.

16. No cotidiano, o tecido social é permeado por pequenas e informais ilegalidades.


Exemplo: a família a esconder a criança no carro para burlar o posto da polícia
rodoviária. Todos são “condenáveis” a priori.

17. A lei brasileira é numerosa, descritiva e complexa, pois confia na repressão acima da
cultura, moral geral, reeducação e hábitos (diferente, ao que parece, da legislação
inglesa e doutras). “Ordem e progresso.” Aqui, uma lei deixa de “pegar” ao ser incapaz
de mudar a vida prática e cultural; ali, “faz o que tu queres, é tudo na lei” quando a

538
http://gazetarussa.com.br/articles/2012/03/16/as_verdades_de_elke_maravilha_14319
repressão deixa de se revelar, seja na educação familiar ou socioestatal – ambos
baseados na violência, constrangimento, repressão e ameaça.

18. A educação familiar é repressora e ensina “teu lugar no mundo” entre a classe
trabalhadora – incluso pela falta de tempo, erudição e finanças entre estes; ao contrário,
é permissiva e paciente entre os mais enriquecidos, pois os jovens têm, afirmam, “todo
um futuro pela frente”.

19. Em linguagem psicanalítica e psiquiátrica: a burguesia expressa uma personalidade


social psicopática; a classe média, e os demais setores intermediários (capatazes etc.),
ora equivale à personalidade obsessiva-compulsiva e ora é bipolar; os “de baixo” –
escravos ou assalariados precários e o proletariado – encontram-se na personalidade
histriônica, no borderline e no transtorno opositor (quilombos etc.) ou, ao contrário,
síndrome de Estocolmo. No geral, aclassista, há dupla personalidade.

20. Como qualquer classe trabalhadora do mundo, a nacional tem instinto classista-político
oculto, busca mediações com a situação real e toma decisões e posições por conclusões
práticas e imediatas; é muito prática. Ora abraça a ideologia burguesa do líder
individual e messianista e ora, ao mesmo tempo, é desconfiada e analítica por
improviso; as novas gerações, porém, são relativamente mais coletivistas, democráticas
quanto aos líderes e desconfiadas.

21. “O Brasil não é para amadores” revela, então, dois sentidos: um lugar onde é preciso ser
esperto/manobrado e, também, onde amar, de fato, é proibido. “Não existe amor em
SP.”

22. No campo da linguagem, o duplo sentido, a sinuosidade sugestiva, as entrelinhas, a


entonação, o tom agregador, o dizer a frase pela metade e a musicalidade do falar são
uma “expressão prussiana” que nos difere, em boa medida, do modo de se expressar
entre os portugueses, mais duro e objetivo. Por outro lado, a diferença de classe gera
uma língua brasileira esquizofrênica: fala-se de um modo, escreve-se de outro. Assim
lastreado, até que ponto isto afeta o modo de pensar, trata-se de uma boa pergunta para
a psicologia cognitiva.

Sobre este e alguns dos demais pontos, o seguinte relato pessoal:

“O Brasil me mudou”, diz meu companheiro, o espanhol Antonio Jiménez, ao se despedir para
retornar à Espanha. E acrescenta: “Fiquei aqui dois anos e meio e volto quinze anos mais
jovem”.

(…)

Não é uma pessoa que se entusiasma facilmente. Às vezes parece até chateado com a vida. “É
que há tanta coisa neste país que não entendo”, me disse mais de uma vez durante esses anos de
sua estada no Brasil.
Antes ele havia sido correspondente em lugares importantes como Paris e Lisboa. É um
profissional exigente, especialmente consigo mesmo. Num momento de alívio, aqui, na pequena
e bela cidade de Saquarema, aonde veio se despedir de mim e de minha mulher Roseana,
confiou-me na orla de uma praia de areia branca e de um mar que mais parecia o Caribe do que
o Atlântico:

“Estou indo e é agora que estou me dando conta que este país, em tão pouco tempo, me mudou.
Eu me sinto mais leve. O Brasil me ensinou a viver”.

Mas você não me dizia, Antonio, que tinha dificuldade de entender este país? Eu estava
convencido de que você estava indo aliviado para sua nova tarefa de responsabilidade na sede
do jornal em Madri.

“Sim, é curioso, mas agora entendo melhor que a vida não pode ser vivida sempre sob tensão,
que o trabalho não é tudo. Os brasileiros me ensinaram que se pode trabalhar, mas sem se
esquecer de deixar espaços para viver momentos de felicidade”.

Diz que o Brasil o fez compreender que na Espanha e na Europa se vive “com excessiva
seriedade e irritação”.

E a violência que aflige este país, com o maior número de homicídios do mundo? A violência
quase da Idade da Pedra, com corpos desmembrados e decapitados nas prisões que você mesmo
relatou no jornal?

Comentamos que, de fato, é uma violência às vezes truculenta e assustadora, mas que convive
paradoxalmente com a índole pacífica das pessoas comuns nas relações sociais.

Comentamos que os espanhóis, mais propensos às agressões verbais na comunicação cotidiana,


têm dificuldade de entender que é quase impossível ficar zangado com um brasileiro. Não te
deixam espaço. Acabam te desarmando.

A sensação ao ouvi-lo é que a metamorfose que sofreu no Brasil o impede de se ver oprimido
“pelo que não serve para poder viver a vida”.

(…)

E a crise? E os 12 milhões de desempregados? E o câncer da corrupção política?

Antonio balança a cabeça, olha para o chão e diz que sim, sim, mas que apesar de tudo isso, foi
neste país contraditório onde “despertou o desejo de ser mais feliz do que era ao chegar”.539

23. A classe dominante brasileira tenta afirmar-se perante e sobre a América Latina
autoalienando-se, às diferentes classes, da percepção de sua identidade latino-
americana. Incapaz de expressar isto em todos os terrenos e de modo pleno, toma o
futebol e a arte como vias culturais necessárias de “dominação externa”. Ao tentar
imitar Portugal, o país tenta ser estrangeiro onde não é.

539
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/10/opinion/1486758331_668734.html
24. A luta anti-imperialista na cultura e cultura artística tem cinco aspetos: 1) afirmar a
multiplicidade e altíssima criatividade interna – defendê-la, atualizá-la e divulgá-la; 2)
internacionalista, absorver de modo não absoluto e resignificar para si a cultura externa
e universal – evitando, assim, o nacionalismo culturalista; 3) tratar o outro enquanto
matéria-prima; 4) ergue uma autoidentificação com o subcontinente latino-americano;
5) combater a paixão por “querer ser como e imitar o atual império” sempre presente na
classe dominante, setores intermediários e, com a globalização, nas classes
trabalhadoras.

25. A tese de Leon Trotsky de que inexiste algo como “cultura proletária” ou, digamos,
“dos de baixo” é refutada no Brasil. Isto se dá, por um lado, porque o fundador do
Exército Vermelho – que escrevia sobre arte e literatura entre um combate militar e
outro – tinha uma visão semi-iluminista da arte-estética, de outro, porque a divisão de
classes no Brasil tem certos aspectos de divisão de castas540541. Entre escritores sensíveis
ao problema social brasileiro, usam-se os conceitos “Brasil real” e “Brasil oficial” para
expressar as diferenciações classistas e culturais. Outra forma de expressar a cultura de
classe, para compararmos: os camponeses medievais faziam literatura oral ao redor das
fogueiras, à noite, onde contavam histórias de terror aos mais jovens; os palacianos, a
aristocracia feudal, partiram dessas lendas e fantasias arrepiantes para criarem os felizes
contos de fadas.

26. A aceleradíssima urbanização brasileira, em curto período histórico, empurra à


urbanidade multidões cujos valores são camponeses, arcaicos, mistificadores, do século
XIX etc. Ao sentirem na pele as contradições de valores, nas vantagens e desvantagens
do mundo urbano, estes sentem uma constante tensão, desconforto com o meio,
sensação de despertencimento e refugiam-se nas seitas religiosas. Surge daí a
contradição entre seus valores e os valores e necessidades das novas gerações, de seus
filhos e netos.

27. Tom Zé caracteriza o funk carioca como, desecandeado pela Bossa Nova, metarrefrão,
microtonal e plurissemiótico. Podemos ampliar: o funk é o equivalente, na música, ao
movimento concretista na poesia e outras artes. O poema concreto busca a palavra
unidade-energia e permanência sonora; o funk idem pela repetição de palavras e tons

540
“Na verdade, o mal-estar dos antropólogos com a progressiva substituição dos estudos sobre
relações raciais, nas quais os sujeitos e os significados culturais eram realçados, por estudos de
desigualdades e de racismo, nos quais os aspectos estruturais são enfatizados, já se manifestara antes,
nos anos 1980, quando Roberto DaMatta (1990), em um artigo que se tornou famoso –A fábula das três
raças –, utilizando-se fartamente do estruturalismo e das categorias de Dumont, procura explicar "o
racismo à brasileira" como uma construção cultural ímpar e específica. A noção de pessoa e as relações
pessoais, no dizer de Roberto, substituem, no Brasil, a noção de indivíduo, para recriar, em pleno reino
formal da cidadania, a hierarquia racial, ameaçada com o fim da escravatura e da sociedade de castas. A
proposta teórica de DaMatta é clara: o Brasil não é uma sociedade igualitária de feição clássica, pois
convive bem com hierarquias sociais e privilégios, é entrecortada por dois padrões ideológicos, ainda
que não seja exatamente uma sociedade hierárquica de tipo indiano.” (Preconceito de cor e racismo no
Brasil, 2004, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães Professor do Departamento de Sociologia – USP.)
Considerar o escravismo uma relação de castas é um exagero teórico, mas há elementos da verdade
nessa visão.
541
Isso também se mostra na frase “a classe média quer privilégios, não direitos” enquanto necessidade
de diferenciação e autoconfirmação.
musicais. Um dá prioridade ao aspecto físico, da imagem, no poema; o outro, por igual
por meio do corpo, do duplo sentido e da onomatopeia. Um é realismo puro; o outro
adota o naturalismo, o erotismo e expressa os problemas da favela. Um rompe com o
verso; o outro se afasta da musicalidade considerada. Porém, tão errado quanto achar
“feio” tudo o que vem da classe trabalhadora é achar “belo” tudo o que dela vem,
romantizá-la; este estilo musical expressa incluso, em sua pobreza estética, a
degeneração geral da sociedade. A um só tempo, é análogo e inverso à arte pós-
moderna, vazia e burguesa, impacto pelo impacto, forma pela forma e pseudoarte, em
“museus de grandes novidades”.

28. A cultura influencia os caminhos e ritmos da economia; a economia também opera o


mesmo sobre a cultura. O fator econômico explica a história “em última instância”
apenas, pois as relações sociais são o central; “a história de todas as sociedades até os
nossos dias tem sido, ora aberta e ora velada, a história da luta entre as classes” (Marx e
Engels). Do ponto de vista da técnica, temos influência sobre o meio cultural: o rádio
promoveu o samba, as marchas de carnaval, Carmen Miranda etc.; a TV impulsionou a
Bossa Nova, a Tropicália, Elis Regina etc; a internet tem permitido a divulgação dos
mais variados e inéditos artistas, fora do eixo Rio-São Paulo. Outro aspecto, exemplo,
da relação economia-cultura: o sertanejo original expressava a vida do campo no ritmo
e letras; a versão “analógica” dos anos 1980 e 1990 expressou as mudanças do país,
urbano e alterações no campo (eletricidade etc.); o sertanejo universitário, tempo da
agroindústria moderna, tem a batida sonora mais acelerada e uso de meios eletrônicos
(guitarras, teclados etc.) expressando na cultura, no modo de fazer sertanejo, as
mudanças no modo de lavrar a terra. Este último conta com o financiamento
empresarial de grandes festivais interioranos; “o agro é pop, o agro é tech, o agro é
tudo”. A globalização econômica e cultural e as empresas imperialistas no campo
influenciam a musicalidade da semicolônia privilegiada542.

29. Possuímos o sombrio tropical, o mórbido colorido. Também presente na América


Latina (culto aos mortos no México etc.); temos no poeta Augusto dos Anjos o exemplo
intenso, de um telúrico energético, e coube a este fazer do urubu a simbologia análoga
ao corvo; “Ah! Um urubu pousou na minha sorte!” (Budismo Moderno). Pelo menos no
nordeste, a informalidade dos hábitos revela a alegria daqueles mais envelhecidos ao
começarem a pagar seus carnês da funerária, para uma boa futura morte. “Minha terra
tem palmeiras/Onde sopra um vento forte/Da fome, do medo e muito/Principalmente da
morte/(…)/A bomba explode lá fora/E agora, o que vou temer?/(…)/Aqui é o fim do
mundo” (Torquato Neto, Marginália II). Ao inverso da escola na Europa, o romantismo
nacional fez da floresta o sinônimo de felicidade e a cidade, de tristeza. A estética
urbana do desenvolvimento do subdesenvolvimento (Marini) pinta um país ao estilo
expressionismo social. É a melancolia exclamativa.

30. A ficção brasileira aparece enquanto casa dos anti-herois, desprovida de heróis dignos
de lembrança na memória popular. Isto está referenciado nas derrotas dos grandes atos
heróicos nacionais e o posterior esquecimento “oficial” destes. Temos déficit de
símbolos de fato heróicos, da tragédia e do épico, não da farsa.

542
Nildo Ouriques foi quem expôs isto.
31. Em todo o mundo e no Brasil tem surgido um novo romantismo baseado no
semiletramento das massas, na urbanização e na decadência do capitalismo. Emulação:
aquele, dos séculos XVIII e XIX, época das revoluções burguesas, tendia ao amor
romântico e erotismo irrealizáveis; o atual, ao triângulo amoroso e ao erotismo vivo.
Aquele e este aos mercados e à leitura fácil e fluida. Aquele, aos poemas instintivos,
versos livres e atraentes; este, ao poema-trocadilho, rimas rápidas e na velocidade da
internet, versos curtos, otimismos e autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao
internacionalismo primário. Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este, também, por
narrativas mistificadas. Aquele tendia à tragédia final; este, à vitória. Aquele, ao
individualismo burguês; este, ao individualismo interligado ao conjunto. Aquele se
expressou – terceira fase – com a crítica social e simpatia pelos excluídos; este, por
ideias de revolta, revolução, antiburocráticas e antiditatoriais, instinto rebelde e
sensação intuitiva de anormalidade e artificialidade do tempo presente. Este se revela na
ficção científica, na distopia, como crítica social metafórica. Na prosa e séries
televisivas, há preferência por histórias profundas e longas como compensadores do
vazio existencial, da rotina, da solidão coletiva, da passividade comum e dos aspectos
rasos nas relações e vida pessoais. O ponto negativo da integração internacional –
expressa numa tendência a uma cultura universal ao lado e em conjunto das
particularidades – está na “integração cultural de colônia”, dedicada à tradução da
literatura de entretenimento estrangeira e desprezo pela de origem nacional, que
também tem pecado pela baixa qualidade.

32. Há uma constante guerra invisível entre dinheiro e cultura. Uma das expressões disso é
o baixíssimo nível das expressões culturais famosas, apesar da enorme quantidade de
talentos existente; além do mais, fazer boa arte, trabalho análogo ao do artesão, exige
tempo, tudo o que a economia monetária nega. O valor mercantil busca e exige a
redução do tempo necessário cronológico, de relógio, para produzir mercadorias e
instruir o operário (trabalho simples); o valor na arte busca e exige tempo objetivo e
subjetivo para talhar a obra e formar o artista (trabalho complexo) – a produção
conclusa acaba por obter julgamento de valor estético em si. Outra: o enquadramento do
carnaval por meio de sua institucionalização e mercantilização, tirando da classe
trabalhadora o perfil ativo e central nos eventos oficiais, empurrando os foliões, por
instinto, a reorganizar os blocos de rua, gratuitos e mais anárquicos:

O carnaval – festa pagã que nasceu nas ruas e foi enquartelada em clubes e
sambódramos – está de volta ás ruas (e de graça) com mais força a cada ano.
São Paulo, onde a celebração pro tempos se resumiu ao Anhembi, viu o número de
blocos de rua crescer 400% em dois anos. Em 2015, 300 deles tomarão a cidade, 80 a
mais que no ano passado, quando, segundo a SPTuris (empresa de turismo municipal),
cada um recebeu 5.000 pessoas, em média.
No Ro, onde a festa atrai mais foliões, os 456 blocos deverão reunir 5 milhões de
pessoas nas ruas, diz o Riotur (empresa municipal de turismo). Enquanto isso, o desfile
da Sapucaí (cujo ingresso não sai por menos de R$ 160) costuma ter 1 milhão.
Essa multidão ai atrás de blocos como Cordão da Bola Preta, no Rio, que sozinho
arrastou cerca de 1,5 milhão de pessoas no ano passado, e Agora Vai e Sargento
Pimenta, em São Paulo, muitos deles com desfiles semanas antes do carnaval, que este
ano começa no sábado dia 14 de fevereiro.
(…)
Salvador – que sempre loteou suas ruas separando quem tem abadá (o uniforme do
bloco) da chamada “pipoca”, pela primeira vez terá um dia de pré-carnaval, no dia 8,
com trios elétricos desfilando sem as cordas.
“Na pipoca você é igual. O carnaval verdadeiro é aquele em que o povo sai para se
manifestar coma fantasia que quiser”, diz Edgard Oliva, 58, professor da Escola de
Belas Artes da Bahia.543

33. Além das necessidades primeiras, há – no Brasil e no mundo – carência estética. Hoje,
alta mercantilização da vida, a produção artística busca a novidade, novidade pela
novidade. As empresas cheias de sabedoria contabilista, impessoal, buscam fórmulas
estáveis e fixas para a “arte de sucesso”; de certo, pouca simpatia possuiriam pela
dialética. A natureza humana precisa daquilo de fato novo, inédito, desviado da rotina;
precisa de uma quebra real, não aparencial, de padrão. A produtividade em série,
mecanizada e pouco artesanal, almeja a repetição, o baixo risco, as metas visíveis, a
reprodução do já produzido, a descartabilidade etc. A produção cultural, destarte,
degenera-se. A rica produção nacional entra em bloqueio criativo.

34. Assim como sobre a função histórica do ouro como dinheiro, o papel do violão explica-
se por suas características físicas. Por ser fácil de deslocar, permite fazer “base, solo e
algo de contrabaixo”, pode-se utilizar notas baixas (graves) e altas (agudas), as peças
são substituíveis com alguma facilidade, possibilidade de alterar a afinação, deixa a
boca livre para o canto, sonoridade capaz de preencher o ambiente com muita
autonomia, aprendizado mais intuitivo após uma apreensão lógico-prática inicial, preço
relativamente acessível, capaz de produzir percussão auxiliar etc. fazem deste o mais
universal dos instrumentos musicais. No Brasil, país entre as beiras da latente
capacidade de abundância e de miséria absolutas, expressa na maioria dos habitantes o
desejo do possível, da satisfação artística por meio dessa ferramenta popular. Em vista
disso, o carinho auditivo pelo formato “acústico” tem bases materiais na educação
musical. O cavaquinho, bandolim, banjo e viola caipira seguem – tal a prata em relação
ao ouro – as mesmas e parecidas circunstâncias.

35. Assim, se os russos tendem a uma personalidade geral de explosão emocional,


brutalidade e aventura (Lenin, Trotsky); os estadunidenses, ao empreendedorismo e
cisma pelo trabalho (Trotsky, Gramsci); os italianos, à desorganização (Engels,
Trotsky); os alemães, ao jeito duro e formal etc.; os brasileiros expressam uma
personalidade mediadora, no que há de positivo e negativo nisso, além de uma oposição
– também mediada e autofundida – entre comunhão criativa e violência. Entre outras
manifestações, isto acaba por se expressar na política externa do Brasil, diplomática e
mediada entre polos.

543
http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2015/01/1581683-carnaval-de-rua-cresce-no-pais-veja-
selecao-de-33-blocos-em-cinco-estados.shtml
36. A personalidade de um “povo” deve-se ao presente e ao passado históricos. Mudadas as
circunstâncias, a sociabilidade, muda-se o “espírito” nacional, com algum atraso e em
grande medida.

37. A luta pelo socialismo tem na luta cultural uma tarefa secundária e auxiliar; a revolução
apenas pode ser vitoriosa se, em primeiro, for ganha no terreno da economia e das
relações sociais. Como se sabe, também pelo perfil histórico, o trabalhador brasileiro é
progressista nas questões econômicas e conservador nas demais questões e pautas
(culturais, democráticas etc.). Sendo apoio, o trabalho sobre os hábitos e valores
cotidianos pode adquirir várias formas: centros culturais populares, células ateias e
agnósticas para – ao invés de limitar-se à mera, e muitas vezes sectária, crítica –
divulgar nos bairros populares as ciências naturais de modo apreensível à maioria, união
dos sindicatos combativos para promoção regular de atividades e festas aos finais de
semana, crítica aberta e consciente da cultura, propostas práticas, colégios mantidos por
sindicatos, multirões pela alfabetização, disputa ideológica, disputa metodológica,
defender a liberdade da arte etc.

38. A revolução brasileira – caso ocorra e seja vitoriosa – incluirá uma ruptura cultural, de
tradição, em dois sentidos: de um lado, romperá com o método prussiano nas suas mais
diferentes formas e o revelará, de outro, o próprio processo revolucionário ao mesmo
tempo muda a cultura e exige reeducação cultural e psicológica. No socialismo, na
medida em que o novo regime social consolida-se interna e externamente, a luta pela
reeducação geral ganhará – potencializando os aspectos em si positivos do atual modo
de vida – cada vez mais centralidade.

39. Desde o início dos anos 1980 – aqui, um “no entanto” relativo – o Brasil tornou-se
outro, sendo o mesmo. A alta urbanização, a globalização, o longo período de
democracia burguesa, o semiletramento geral, a internet, o perfil da nova juventude, o
autoisolamento da classe média aristocrática, as igrejas evangélicas etc. têm alterado,
dentro do mesmo país, o perfil nacional. Por isso, intelectuais e artistas do período
anterior sentiram-se e sentem-se estrangeiros e estranhados na nova realidade;
refugiaram-se em pequenos círculos, isolaram-se ou continuam seus trabalhos em
públicos limitados.

40. O desenvolvimento teórico-filosófico burguês brasileiro tem por objetivo íntimo fugir
da natureza própria da realidade nacional, escapar dela e escapar-se, na medida de sua
dureza. Por outro lado, surgem semi-intelectuais e intelectuais Sui Generis localizados
entre o popular e o erudito, o chão e o ar; íntimo a isto e interligado, surgem também
indivíduos de talento a possuir perfis páreas, no limbo, ostracistas, entremundos e
desclassados (Sousândrade, Tom Zé, Cruz e Sousa, Lima Barreto etc.).

41. Por esta razão, pelas características do país, intelectuais de esquerda e honestos, ligados
à superestrutura universidade burguesa, tendem rumo à corrente gramsciana (embora,
em essência e na prática, neguem o teórico) focada, em primeiro lugar, nas
superestruturas, ou seja, o Estado e a cultura/pensamento – em especial. Tratam estes
objetos enquanto formas autônomas, abstraídas do todo, e determinantes: invertem, de
cabeça para baixo, ao “elevarem a cabeça”, o método marxista. Em suma, trata-se um
marxismo, em boa medida, dotado de desvio “prussianista” – prática, social e
teoricamente.

42. O marxismo objetivista tende a esquecer-se dos aspectos “subjetivistas”, coletivos e


individuais, da vida. Confunde o tratamento da psicologia com psicologismos, da
subjetividade com subjetivismos, da moral com moralismos, da individualidade com
individualismos etc. Trata o homem abstrato, geral, à revelia da humanidade concreta, o
homem concreto. E deixam, por isso, de apreender: tudo relacionado ao cérebro é um
fenômeno objetivo, uma subjetividade objetiva. Despreza as pequenezas e cruezas da
vida e rotina; pois supõe elevar-se assim, em redenção, acima da “cotidiana sujidade”.
Quanto aos fenômenos históricos e em larga escala, este modo de avaliação vê o destino
da humanidade como um carro descendo rápido a ladeira, tendo ou não motor; muito
embora a objetividade histórica de fato imponha-se dessa forma em vários momentos544.

43. Os intelectuais marxistas europeus do pós-II Guerra eram limitados porque a sociedade
onde viviam gozava, em geral, de alta qualidade de vida (Mandel, Sartre, Althusser,
Adorno etc.). Os pensadores assalariados partidários da classe operária no Brasil estão
em constância diante do desafio de entender a miséria material e espiritual das massas,
por isso tendem a um perfil mais radicalizado e qualificado – entre estes, alguns buscam
a práxis como parte vital da autoformação.

44. Tentar compreender a formação social do Brasil apenas pela economia é semimarxismo,
determinismo econômico. Uma análise completa exige estudar a sociedade completa.

544
A imposição histórica de um objetivismo apenas pode acorrer após a imposição de uma tendência,
ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto
político do partido bolchevique de fazer a revolução russa, a revolução cubana não seria uma imposição
da história, apesar de seus dirigentes de inspiração liberal. Outro exemplo: no século XIX, na Alemanha,
a “via prussiana”, do feudalismo ao capitalismo, apenas pôde se impor longe da revolução burguesa, por
meio do bismarkismo, porque o capitalismo se consolidou na Europa e no mundo, depois de duras
revoluções e conflitos.
CONTRIBUIÇÕES PARA A FILOSOFIA DA FÍSICA545

Este texto acompanha o primeiro ponto do capítulo sobre dialética, o concreto-abstrato. Aqui,
afastamo-nos do método marxista e partimos de hipóteses preliminares, ou seja, um estágio
inferior, pré-marxista, da apreensão do real.

Não sendo física a área do autor, há um esforço por restrear as bases empíricas destas
conclusões – dentro do método não empírico da filosofia. Acontece que no processo de estudo
não é possível antecipar quais informações serão vitais ou casuais para as descobertas futuras;
por isso, exige novo esforço recompor os dados, muitos deles considerados não-essenciais no
início do estudo-pesquisa. Portanto e então, aqui assumimos o risco de falar asneiras sobre o que
não sabe e, ao mesmo tempo, fazer uso de informações já comuns ao meio científico.

A) O ENIGMA DA ANTIMATÉRIA

Apresentaremos o raciocínio em sequência:

1) Algumas partículas subatômicas, ao se aproximarem de reatores nucleares, acelerando-as,


transformavam-se de matéria em antimatéria, por instantes;

2) Pelo menos matematicamente, é possível antecipar que algumas partículas são sua própria
antimatéria;

3) No início da expansão, havia, suposta correta em geral a teoria do Big Bang, uma proporção
igual de matéria e antimatéria no universo – cujo resultado seria seus aniquilamentos mútuos.
Isto não ocorreu;

4) Só pode ser explicado pelo fato de este contato não ter existido: a antimatéria transformou-se
em matéria, ao que parece, por meio de desaceleração;

5) Deste modo, explicamos o porquê de ser raro encontrar antimatéria e tão abundante a
matéria. A antimatéria está presente em seu contrário;

6) Isto é correto se a generalização do movimento de algumas partículas for de fato uma


generalização real, não arbitrária do pensamento;

7) a aceleração ou desaceleração determina: faz inverter-se o polo. Há equivalência matéria-


antimatéria.

8) Os cientistas da física tentam solucionar a questão matéria-antimatéria procurando, em vão,


alguma importante diferença entre ambos. Mas a questão é perceber a igualdade.

545
A chamada física teórica namada é do que filosofia contemporânea nesta área do conhecimento.
Ao longo deste esboço, o leitor lerá a importância do movimento na natureza da matéria. Neste
ponto, quanto à questão, em específico, da assimetria matéria-antimatéria, o artigo abaixo ajuda
a percepção:

Um dos grandes mistérios da física moderna é o porquê da antimatéria não ter destruído o
universo no início dos tempos.

Para explicar isso, os físicos supõem que deve haver alguma diferença entre matéria e
antimatéria – além da carga elétrica. Qualquer que seja a diferença, parece que não está em seu
magnetismo.

Os físicos do CERN na Suíça fizeram a medição mais precisa do momento magnético de um


antipróton – um número que mede como uma partícula reage à força magnética – e descobriu
que ele é exatamente o mesmo que o do próton, mas com o sinal oposto. O artigo está descrito
na Nature.

“Todas as nossas observações encontram uma simetria completa entre matéria e antimatéria, e é
por isso que o universo não deveria existir”, diz Christian Smorra, físico da colaboração
Baryon–Antibaryon Symmetry Experiment (BASE) do CERN. “Uma assimetria deve existir em
algum lugar, mas simplesmente não encontramos onde ela está”.

A antimatéria é notoriamente instável – qualquer contato com matéria regular e elas são
aniquiladas em uma explosão de energia pura que é a reação mais eficiente conhecida pela
física. É por isso que ela foi escolhida como o combustível para alimentar a nave Enterprise em
Star Trek.

O modelo padrão prevê que o Big Bang deveria ter produzido quantidades iguais de matéria e
antimatéria – mas essa mistura deveria ter aniquilado ambas completamente, não deixando nada
para formar galáxias, planetas ou pessoas.

Para explicar o mistério, os físicos têm buscado a diferença entre a matéria e a antimatéria –
procurando por alguma discrepância que possa explicar por que a matéria veio a dominar.

Até agora, eles realizaram medições extremamente precisas para todos os tipos de propriedades:
massa, carga elétrica e assim por diante, mas nenhuma diferença foi encontrada.

(…)

Mas usando uma combinação de duas armadilhas, a equipe do BASE fez a câmara de
antimatéria mais perfeita de todos os tempos – armazenando os antiprótons por 405 dias.

Este armazenamento estável permitiu que eles executassem a medição do momento magnético
nos antiprótons. O resultado deu um valor para o momento magnético do antipróton de -
2.7928473441 μN (μN é uma constante chamada magneton nuclear). Além do sinal de menos,
ele é idêntico à medição anterior para o próton.

A nova medida é precisa para nove dígitos significativos, o equivalente a medir a circunferência
da Terra para dentro de alguns centímetros e 350 vezes mais precisa do que qualquer medição
anterior.
“Este resultado é o ponto culminante de muitos anos de pesquisa e desenvolvimento contínuos e
a conclusão bem sucedida de uma das medições mais difíceis já realizadas em um instrumento
de armadilha Penning”, diz Ulmer.

O maior mistério do universo continua. O próximo experimento mais esperado excede o


ALPHA, onde os cientistas do CERN estão estudando o efeito da gravidade da antimatéria –
tentando descobrir se antimatéria pode ou não “cair”.546

Traduzamos: a premissa kantiana de oposição espelhada limita a percepção científica e, por


isso, o alcance de conclusões. Tive acesso à descoberta acima depois de minha síntese sobre o
tema, servindo de pista empírica. E, no processo de revisão, tive contato com detalhes
interessantes:

Os pósitrons são produzidos naturalmente na decomposição β+ de isótopos radioativos de


ocorrência natural (por exemplo, potássio-40) e nas interações dos fótons gama (emitidos pelos
núcleos radioativos) com a matéria. Antineutrinos são outro tipo de antipartícula criada pela
radioatividade natural (decaimento β−). Muitos tipos diferentes de antipartículas também são
produzidos por (e contidos em) raios cósmicos. Em janeiro de 2011, a pesquisa feita pela
Sociedade Astronômica Americana descobriu a antimatéria (pósitrons) originado acima das
nuvens de tempestade; os pósitrons são produzidos em flashes de raios gama criados por
elétrons acelerados por campos elétricos fortes nas nuvens. [7][8]Antiprótons também foram
encontrados no Van Allen Belts[9] em torno da Terra pelo módulo PAMELA.[10][11]

As antipartículas também são produzidas em qualquer ambiente com uma temperatura


suficientemente alta (energia de partícula média maior do que o limiar de produção de pares).
Durante o período da bariogénese, quando o universo era extremamente quente e denso, a
matéria e a antimatéria eram continuamente produzidas e aniquiladas. A presença de matéria
remanescente e a ausência de antimatéria detectável restante [12], também chamada assimetria
de bárion, é atribuída a CP-violação: uma violação da simetria CP relacionando matéria a
antimatéria. O mecanismo exato dessa violação durante a bariogénese permanece um mistério.

Observações recentes indicam que buracos negros e estrelas de nêutrons produzem vastas
quantidades de plasma de elétrons pósitrons através dos jatos.[13] [14][15] Um processo
possível é: próton → pósitron + 938 MeV.547 (Grifos meus.)

O problema, um dos, da ciência em sua forma burguesa é evitar generalizações.

B) ENIGMA DO SALTO QUÂNTICO

546
Fonte: https://universoracionalista.org/fisicos-do-cern-concluem-que-momento-magnetico-do-
proton-e-antiproton-sao-equivalentes/
Fonte original: https://cosmosmagazine.com/physics/universe-shouldn-t-exist-cern-physicists-conclude
Artigo orginal da pesquisa: https://www.nature.com/articles/nature24048
547
https://pt.wikipedia.org/wiki/Antimat%C3%A9ria#Experimentos
O elétron, subpartícula, em seu processo de orbitação, acumula energia e acelera-se. Ocorre um
inexplicável salto quântico – a partícula desaparece para reaparecer em outra distância, fazendo
nova orbitação – e retorna, liberando a energia em excesso (em resumo: salta de camada para,
em seguida, retornar).

Hipótese: a subpartícula, ao acelerar-se, transforma-se em (sub)onda (forma-onda) e, liberando


fótons, encontra novo ponto estável transitório onde reaglutina-se em forma-partícula; o salto
quântico é salto de forma. Esta nova distância, mais próximo ou distante, permita-a estabilidade
e velocidade temporária de orbitação. Em linguagem filosófica: da forma-concreta para forma-
abstrata, da forma-visível para forma-invisível, forma material para forma imaterial, conteúdo
transitando-se em formas.

Por que isto ocorre? Porque o movimento de orbitação do elétron é a forma em que se manifesta
uma dupla tendência, de atração e afastamento. Neste mover, esta oposição contraditória atinge
ápice, na medida em que adquire velocidade – e só pode ser resolvida por salto (de forma). Essa
necessidade de encontrar novo ponto estável de orbitação é incapaz de mover-se linear e
simplesmente, desconsiderando a contradição atrair-repelir. Tal é modo como o átomo consegue
ser igual a si próprio, ou seja, ter estabilidade. Nesta realização da contradição por meio de
movimento e do movimento de sua forma, há aí uma reação contra os fatores externos (luz,
gravidade) sobre o átomo. Podemos nomear reação à (anti)entropia. A luz é portadora de
energia, que é absorvida e expelida neste processo, ou seja, desestabiliza – quantitativa e não
qualitivamente – o átomo, o elétron, impulsionando o salto-liberação, refazendo-se em forma-
partícula em novo ponto orbitante, estável. Consideremos o mais simples, o hidrogênio: no Sol,
este deixa de ser igual-a-si por causa da fusão nuclear derivada da alta pressão gravitacional e
calor, fazendo surgir o hélio – fatores extras quebraram aquele sistema, formaram outro (o hélio,
nova qualidade, fusão de dois átomos de hidrogênio é quantitativamente menor que a soma
destes, pois a formação desta nova unidade libera energia, elétrons e pósitons). O processo de
salto para longe e para perto por parte do elétron é a forma adquirida por esta dupla tendência; o
salto quântico é a forma de resolvê-la parcial e temporariamente: o acúmulo de energia e
velocidade em contraposição ao ponto de atração obriga o alétron a romper a forma-partícula
para forma-onda.

C) PRINCÍPIO GERAL DAS FORMAS E CONTEÚDOS TRANSITÓRIOS DO


UNIVERSO

Todas as formas particulares no e do cosmos, quer sejam, matéria, antimatéria, partícula, onda,
energia, massa etc. são formas adquiridas por uma “substância primordial” em seu
automovimento autocontraditório – a moderna ciência por si abre espaço a esta concepção geral.

Até aqui, as ciências axatas limitam-se à concepção kantiana de oposição – o oposto enquanto
espelho, inverso. Agora, as próprias descobertas – equivalência massa-energia, automovimento
da luz em partícula-onda, hipótese de a massa escura transmutar-se em energia escura,
transformação de prótons em elétrons, de raios gama em raios de luz no Sol etc. – apontam a
seguinte revolução lógica na física: as formas transformam-se em seus inversos, em seus
contrários, num outro.

Exemplifiquemos. A luz (conteúdo) alterna-se em partícula (forma) e onda (forma). A energia


mecânica (conteúdo) transforma-se em energia elétrica (conteúdo) que por sua vez transforma-
se em energia térmica (conteúdo)… Do declínio de um rio à hidrelétrica e ao aquecedor… O
choque destrutivo de duas partículas (conteúdo) transforma-as em energia (conteúdo).548

D) A MACROCONCEPÇÃO

A física surgiu com a seguinte formação de premissa:

1. Deus é perfeito;
2. Portanto, a criação de Deus é perfeita;
3. O homem é falho por causa do pecado original;
4. A matemática é a forma mais pura de conhecimento;
5. Então, o homem pode acessar a perfeição da criação de Deus por meio da matemática.

Esta premissa equivocada deu impulso positivo à ciência, superando e negando a própria
premissa – impulsionando o ateísmo e o ceticismo.

“O caminho do acerto é trilhado por erros”, Hegel.

Fica-nos a pergunta: devemos continuar com a premissa de perfeição do cosmos? Seria qual
uma orquestra regida por leis internas na essência harmônicas? Parece ser hora de superar esta
concepção a partir de outra: a lógica interna do universo, existente nele próprio, objetivamente,
é confluência de processo e inconstância, estrutura e mudança, unidade e contradição,
necessário e casual.

Partamos para observações feitas pelo marxismo e ontologia.

Segundo aspecto; na concepção kantiana, o real não tem lógica em si, ela é posta pela mente
humana, externamente, dando algum sentido de ordem. Na concepção dialética, a lógica é do
próprio objeto, existente fora da reflexão. Esta compreensão ainda falta às ciências exatas.

Terceiro; é consenso geral entre os principais cientistas a busca por um cálculo simples (e belo)
a expressar uma concepção geral do mundo natural. É possível encontrar tal fómula apenas na
medida em que é hipótese, pois só a pesquisa dirá se é possível tal redução simplificadora – ou
não549. Ainda assim, tal elaboração servirá, na prática, como ponto de partida para outras e
novas. Sendo o objeto, o cosmos é um sistema complexo e, logo, necessita de uma exposição
complexa (não necessariamente complicada) sobre suas leis constitutivas.

Deste ponto, a tentativa de formular a teoria do tudo, unificando a mecânica quântica e


relatividade geral, o macro e o micro, numa elaboração unificada, tem falhado por razão
metodológica. Estas dimensões podem ser articuladas pela lógica percepetiva, não pela lógica
matemática, que é uma – não única – das ferramentas disponíveis ao pensamento. A busca por
tal liga interna leva-nos às perguntas: É necessário? É possível? Por qual meio? São diferentes
níveis da realidade, portanto interligamo-lhes deste modo, pelas suas relações dentro da
concretude. Esta forma outra de busca lógica por uma teoria do tudo aponta tal exposição, a
integração dessas duas dimensões, por meio de uma “rede de mediações”.

548
Em dialética, ser forma ou conteúdo é relativo, depende do referencial, ao outro.
549
Em economia política, K. Marx descobriu o D-M-D’.
Quarto; dados empíricos – mais uma vez descobre o método dialético – são do reino da
aparência fenomenológica, da verdade parcial. No encontro de informações e ciências (incluso
filosofia e humanas), ou seja, na totalidade encontramos a coisa-em-si, a essência, o real e
fundamental.

Quinto; daiamos exemplo de contradição. No lugar de duas forças opostas interagindo,


percebemos a tendêndia gerando a própria contratendência. As estrelas ilustram, são exemplos:
a pressão da massa sobre si própria tende a formar burcacos negros, mas, a caminho disso, gera
a própria contratendência relativa, pois se fundem átomos de hidrogênio formando hélio, como
contrapressão à pressão gravitacional.

Tudo isto aponta uma ruptura relativa com a matemática e, ao lado disso, a renovação desta
linguagem lógica.

E) DA ORIGEM CÓSMICA

No capítulo destinado à filosofia, dissemos:

Nada pode vir do nada. Isso a intuição abarca. Por outro lado, a percepção de que tudo tem uma
origem nos leva à pergunta: donde vem tudo? Podemos resumir o universo a um fundamental
elemento, a energia primordial. Mas: de onde esta vem e como esta surge? E, de outra forma,
ficamos sem resposta. Dizer que tudo sempre existiu, apenas muda-se, soa muito mais lógico,
mas um argumento circular ainda (apoiado em muitos prováveis ciclos cósmicos). A ideia do
Deus criador nos leva à pergunta: quem criou Deus?

Dizer que tais questões nunca serão respondidas é desistência diante da dificuldade. Ao que
parece, a resposta futura será contraintuitiva, pouco convencional e de exigências empíricas que
se aliem a um tipo de raciocínio próprio. Qualquer resposta leva a outra pergunta de igual
natureza, qualidade e sobre algo anterior.

O ponto mais remoto que a reflexão particular pôde realizar é a de que ser e nada, ambos,
existiram como dupla natureza da substância. “Ser é nada.” Um estado tão cru, simples e quase
estável da "matéria" que ser e não ser formavam uma unidade.

O vazio, o nada, por isso, “existia”, podendo “existir” apenas como relativa ao próprio existir.
Podemos aproximar a visualização disto por meio do armazenamento de informação
computacional expresso matematicamente em 0 e 1, números binários, registrados por presença
ou ausência de elétrons. O próprio número zero é um existir-inexistir, tem duplo caráter. Esta
energia primordial teria em si um movimento, de si para não-si – e ao contrário.

O universo existe, pois o “nada” é ilógico. O nada só pode ser inexiste: do contrário, seria
“algo” – o que, em si, anularia o suposto aspecto deste, a sua inexistência. O universo é inerente
e eterno. Anormal seria, portanto, a inexistência deste mesmo universo, já que, por si mesmo, o
“nada” não pode existir e, ao mesmo tempo, inexistir. Inexistir é a condição do nada.
Aprimoremos, então, a resolução: a energia primordial, em seu automovimento, tende ao nada,
desliza-se a ele; e retorna-se. E mais. A autocontradição, do ser-não ser, em automovimento,
resume-se à luta da estabilidade-nada no movimento-ser.

As físicas clássica e moderna consideram energia um conceito, ao modo kantiano, não real em
si. Também assim, a teoria econômica burguesa nega a teoria do valor de Marx por não ser
diretamente verificável, sendo indiretamente verificável. Nesta nova concepção, a energia –
como as forma de energia e as formas da matéria – são inerentes à realidade, seu conteúdo mais
elementar.

Este automovimento, ser-nada, desta unidade básica de energia, sendo autocontradição, por isso
acelera-se. E surge o salto qualitativo para as demais formas.

F) CICLOS CÓSMICOS

Daqui (relação contreto-abstrato), em referência ao “universo oscilante” e "Big Crunch" de


Richard Tolman, deduzirmos uma hipótese – nada mais que isso, ou seja: correndo o risco, por
conta própria, de elaborar algo inútil e risível – sobre o universo.

Considerando que:

A) Boa parte das estrelas, das de massa 10 vezes maior que a do Sol, tornar-se-ão buracos
negros;

B) Cada galáxia do cosmos possui bilhões de estrelas, ou seja, buracos negros em potencial;

C) O centro das galáxias são, em si, buracos negros supermaciços;

D) Buracos negros são "trituradores" de matéria;

E) Buracos negros duram bilhões de anos – tempo considerável;

F) Tese mais provável, buracos negros geram matéria escura, ou seja, gravidade.

Então:

A) Mais fortes em relação aos buracos negros, observa-se fusões por atração gravitacional de
galáxias. O resultado disso será a reinicialização do universo: tudo voltará ao começo, ao
simples, rumo ao próximo big bang;

B) Junto a isso, por fusões, é possível que surjam ”megas” buracos negros e grandes galáxias
qualitativamente mais fortes quanto à gravidade. Processos acidentais e particulares de fusões
irão se revelar, cada vez mais, um processo de nexo, de tendência e necessidade cósmicas;

C) Tal como a massa escura, é muito provável que a energia escura seja inscontante e
potencialmente instável: o processo de “espalhamento” desta é um processo de dispersão e de
acúmulo de inconstância – até o ponto em que sua taxa de força acima da matéria escura
torne-se inferior a esta. A constante cosmológica será, portanto, inversa e cada vez mais
acelerada: da expansão mudaremos para a contração;

D) Dessa forma, todos os buracos negros tenderão a tornar-se um único buraco negro, o do
próximo big bang. Tudo tenderá a ser reduzido a um único centro que, no ápice da
concentração/centralização, expande-se/rompe-se;

E) Isso é viável na medida em que, por suas gravidades, os buracos negros são os citados
"trituradores de matéria". Ao mesmo tempo, observaram-se alguns buracos negros
“desregulados” ou fora de seu eixo, sugando a matéria circundante;

F) A tendência a um único buraco negro supermaciço – em princípio, uma única galáxia –


tenderá a “rasgar” o tecido espaço-tempo, que também será sugado nesse processo final. Será
um rompimento absoluto, não-parcial, não-relativo, rumo a um único buraco negro. Assim, ao
reinicializar o cosmos, para o próximo big bang, (res)surge um novo tecido espaço-tempo;

G) Ciclo do cosmos: 1) simples, abundância de hidrogênio, desenvolvimento inicial, buracos


negros primordiais; 2) surgimento dos elementos complexos, toda a tabela periódica, expansão
continuada, "espalhamento" da matéria, mais buracos negros; 3) o futuro: tendência à
(re)integração do cosmos por meio da gravidade intergaláxias e buracos negros (e estrelas de
energia escura), mútua atração, rompimento e sucção do tecido espaço-tempo; 4) salto
qualitativo: fusão total (talvez e mais provável, uno buraco branco – transforma-se neste550),
reinicialização, big bang – deste modo, nada se perde e nada se cria, tudo se transforma.

Assim, superando – ou pelo menos é a pretensão, a especulação –, por associação delas, as


hipóteses sobre a origem do universo e a função dos buracos negros (pontes para outros
universos? Estamos em um buraco negro? A singularidade é a “explosão” de um buraco negro?
Etc.) pensamos dar, quem sabe, base para uma futura hipótese ainda mais sofisticada. De resto,
isso – se aponta o caminho correto – seria análogo a quando Adam Smith percebeu apenas a
tendência à fragmentação, ampliação e especialização simples do processo produtivo, pois não
pôde observar diretamente algo perceptível à Marx, já que este viveu o capitalismo maduro: a
tendência à substituição do capital variável, o trabalhador, por capital constante, a fusão de
funções numa mesma máquina.

Hipóteses auxiliares, complementares:

1) Maior pressão gravitacional pode transformar energia escura em matéria escura,


invertendo a atual tendência oposta – sabe-se, até o momento, ser mais provável a
matéria escura transformar-se em energia escura.
Arrisquemo-nos um pouco mais:
A) A matéria escura surge com a articulação do universo: as galáxias possuem
concentração desta matéria cuja origem mais provável é desde os buracos negros
dessas estruturas cósmicas.

550
Esta tendência à fusão total, tranvando-se, apenas pode realizar-se rumo a um salto, um pulo, para
ser buraco branco.
B) O universo, indo do simples ao complexo, do hidrogênio à multiplicidade atual, fez
surgir biracos negros primordiais, inferiores em propoções aos atuais.
C) Matéria escura transforma-se em energia escura.
D) Portanto, a matéria escura inicial, em proporção limitada, “dissolve-se” com maior
facilidade.
E) Como sua quantidade é menor, menor é sua transformação em energia escura e, por
consequência, menor a taxa de expansão do universo.
F) A proporção (cada vez maior) de matéria escura gera a energia escura de tal forma
que este se impõe continuamente àquele.
G) Chega-se ao momento em que a quantidade cada vez maior de matéria escura no
unverso (via, em principal e talvez somente, buracos negros) sobrepõe-se à
contratendência desenvolvida por ele próprio.
H) Tendo-se dispersado ao se impor, a força da energia escura deixa de determinar, de
pouco a pouco e em evolução progressiva, a inflação cósmica.
I) Este longo caminho, desde sua origem, da matéria escura não pode se basear apenas
na obervação direta – método ultilizado pela astrofísica.
J) No processo de retração do cosmos, a energia escura “concentra-se”, tornando-se
matéria escura.

2) Numa medida maior, há a possibilidade de existir um multiverso, universos paralelos,


como bolhas cósmicas umas ao lado das outras interligadas, talvez, por buracos negros;
deduzimos, então, a hipótese de que foram um único universo (concreto) que expandiu-
se e fragmentou-se em vários (abstrato) e, na medida me que essas “bolhas cósmicas” se
expandem interligadas por buracos negros (concreto em latência), fundir-se-ão
(concreto). No entanto, é impossível à ciência atual verificar esse pensamento.

Em uma escala reduzia ao universo observável, o matemático Marcelo Disconzi percorre parte
do caminho de nossas especulações – mas para outro rumo:

“A ideia propõe que, daqui a exatos 22,8 bilhões de anos, o Universo estará tão acelerado e
disperso que os átomos que formam planetas e galáxias começarão a se desintegrar.” E: Essa
expansão, segundo ele, tende a ficar cada vez mais veloz com o passar do tempo, em virtude da
energia emitida por corpos celestes - que aumentam, assim, a viscosidade do Universo.

A combinação de distribuição de energia e aumento da viscosidade produzirá uma pressão


negativa. Na relatividade geral, o efeito de uma pressão negativa é gerar uma força que se opõe
à força gravitacional. Dessa forma, as galáxias tendem a se separar, e os planetas ficarão mais e
mais distantes uns dos outros.

No final, projetado para daqui a 22,8 bilhões de anos, tudo será rasgado em pedaços.

"Esse comportamento incomum é o Big Rip, produzido por uma taxa de expansão infinita em
um tempo finito", diz Robert Scherrer, coautor do estudo.

http://www.bbc.com/portuguese/geral-38058979?ocid=socialflow_facebook
Se este “modelo” está correto em seus aspectos gerais, suprassumindo a teoria do Big Bang,
processo e estrutura podem ir além da relação de causalidade. Enfim, concluímos com uma pista
empírica complementar551:

Grande atrator, o mistério resolvido - ''Centenas de galáxias foram descobertas escondidas atrás
da via láctea.''

Centenas de galáxias próximas que estavam até então ocultadas, foram estudadas pela primeira
vez, lançando luz sobre uma misteriosa anomalia gravitacional denominada ''Great Attractor'',
algo que parece estar atraindo a Via Láctea e centenas de milhares de outras galáxias para ele
com uma força gravitacional equivalente a 1 trilhão de sóis.

Apesar de estar apenas a 250 milhões de anos-luz da Terra - bem próximo em termos
astronômicos - as novas galáxias estavam escondidas da nossa vista até agora pela a nossa
própria galáxia, a Via Láctea.

Usando o radiotelescópio Parkes do CSIRO equipado com um receptor inovador, uma equipe
internacional de cientistas conseguiu ver através das estrelas e da poeira galática da Via Láctea,
em uma região de espaço inexplicada anteriormente.

O autor principal, Lister Staveley-Smith, da Universidade da Austrália Ocidental do Centro


Internacional de Pesquisa em Radioastronomia(ICRAR), disse que a equipe encontrou 883
galáxias, do qual 1/3 não tinha sido observado anteriormente.

"A Via Láctea é muito bonita, é claro, e é muito interessante estudar nossa própria galáxia, mas
ela bloqueia completamente a visão das galáxias mais distantes por conta disso", disse ele.

Staveley-Smith disse que os cientistas têm tentado chegar ao fundo do misterioso ''Great
Attractor'', uma vez que os principais desvios da expansão universal foram descobertos nas
décadas de 1970 e 1980. "Na verdade não entendemos o que está causando essa aceleração
gravitacional na Via Láctea ou de onde vem", disse ele.

A Via Láctea reside nos arredores do Superaglomerado Laniakea, e ele contem 500 milhões de
anos-luz de diâmetro e contém a massa de cerca de 100 trilhões de massas solares espalhadas
por maias de 100.000 galáxias ... Dentro dos limites do super aglomerado de Laniakea, os
movimentos das galáxias são direcionados para dentro, da mesma forma que os fluxos de água
seguem caminhos descendentes em direção a um vale. A região do Great Attractor é um grande
vale gravitacional com um plano de fundo com uma âmbito de atração que se estende através do
superaglomerado Laniakea.

"Sabemos que, nesta região, existem algumas coleções muito grandes de galáxias que
chamamos de ''clusters'' ou superaglomerados, e toda nossa Via Láctea está se movendo em
direção ao grande atrator a mais de 2 milhões de quilômetros por hora".

551
Indo além de, a dialética também necessita de dados empíricos, como com o método dedutivo.
A pesquisa identificou várias novas estruturas que poderiam ajudar a explicar o movimento da
Via Láctea, incluindo três concentrações de galáxias (denominadas NW1, NW2 e NW3) e dois
novos aglomerados (denominados CW1 e CW2).

O astrônoma Renée Kraan-Korteweg da Universidade da Cidade do Cabo disse que os


astrônomos tentaram mapear a distribuição de galáxias escondidas atrás da Via Láctea durante
décadas. "Utilizamos uma variedade de técnicas, mas apenas as observações de rádio realmente
conseguiram nos permitir ver atraves da camada mais grossa de poeira e de estrelas do primeiro
plano", disse ela. "Uma galáxia média contém 100 bilhões de estrelas, então encontrar centenas
de novas galáxias escondidas atrás da Via Láctea apontaram para uma grande quantidade de
massa que não conhecíamos até agora".

A Dr. Bärbel Koribalski do CSIRO Astronomy e Space Science, disseram que tecnologias
inovadoras no Radio telescópio Parkes possibilitaram pesquisar mais rapidamente grandes áreas
do céu. "Com o receptor multi-feixe de 21 cm em Parkes, podemos mapear o céu 13 vezes mais
rápido do que antes e fazer novas descobertas em uma taxa muito maior", disse ela.552

G) EMARANHAMENTO QUÂNTICO

Façamos observação necessária. Nada pode ir além da velocidade da luz e demais ondas?
Resposta: este referencial não deixa de ser isto, referencial, se os corpos puderem ir além. Uma
subpartícula pode superar esta velocidade transitoriamente, tendendo a retornar ao limite posto.
De modo acidental, não necessário, enquanto possibilidade, avançar na velocidade faz com que
a materialidade do cosmos “puxe de volta” aquela matéria. Esta é uma resposta filosófica, em
forma de hipótese, para aperfeiçoar esta verdade: nada pode ir além da velocidade da luz,
embora possa.

Considerado o parágrafo anterior, vejamos a questão:

“O emaranhamento representa um dos maiores impedimentos para compreender a física


quântica. Isso acontece, por exemplo, quando duas partículas são emitidas a partir de uma fonte
comum. A descrição quântica de um par de partículas diz-lhe que as chances de que uma
medição de uma das partículas (digamos, seu spin) vai dar um resultado específico (por
exemplo, anti-horário). Mas uma vez que um membro do par foi medido, você imediatamente
sabe o que resultado será quando você faz a mesma medida, pela outra, não importa o quão
longe ele esteja. Einstein recusou-se a esta realização, insistindo que uma medição em um lugar
não poderia afetar uma experiência distante (invocando a sua famosa condenação de “ação
fantasmagórica à distância”). Mas muitas experiências atuais confirmaram o poder de
emaranhamento para desafiar a preferência de Einstein. Mesmo que (como Einstein insistiu)

552
O estudo envolveu pesquisadores da Austrália, África do Sul, EUA e Holanda, e foi publicado em 9 de
fevereiro de 2016 no períodico Astronomical Journal: https://goo.gl/ee3i3t
Traduzido e adaptado de dailygalaxy.com.
nenhuma informação possa ser enviada instantaneamente de uma partícula para outra, um deles,
no entanto, parece “saber” o que aconteceu com o seu parceiro entrelaçado.”553

Assim, apareceu nova hipótese para resolver a questão: demonstrar ligação entre buracos negros
e buracos de minhoca. Primeiro, um texto mais simples:

Duas equipes de pesquisadores, trabalhando independentemente, publicaram recentemente


trabalhos sugerindo que os fenômenos do “buraco de minhoca” e “emaranhamento quântico”
estão de alguma forma relacionados, ou são duas faces da mesma moeda – uma moeda que
envolve também buracos negros.

(…)

Estudos Avançados de Princeton e Leonard Susskind da Universidade de Stanford (ambos nos


EUA) é a de que os buracos de minhoca resultam do emaranhamento de buracos negros.

Para eles, o emaranhamento quântico acontece através de buracos de minhoca. Se esta conexão
entre o emaranhamento quântico e os buracos de minhoca for verdadeira, ela pode ser a chave
para unir a mecânica quântica com a relatividade geral.554

Complementemos:

Há uma nova equação flutuando ao redor do mundo da física nos dias de hoje e que deixaria
Einstein orgulhoso.

É muito fácil de lembrar: ER = EPR.

(…)

ER = EPR, no entanto, sugere que a chave para a sua ligação pode ser encontrada nos túneis de
espaço-tempo conhecidos como buracos negros. Estes túneis, implícitos pela teoria da
relatividade geral de Einstein, seriam como atalhos sub-espaciais que ligam fisicamente locais
distantes. Parece que esses túneis podem ser o “alter ego” da ligação misteriosa entre partículas
subatômicas conhecidas como entrelaçamento quântico.

Durante os últimos 90 anos, ou mais, os físicos têm prosseguido com duas questões principais
quântica separadamente: uma, como interpretar a matemática quântica para dar sentido a sua
estranheza (como o emaranhamento), e dois, como se casar com a mecânica quântica e a
gravidade. Acontece que, se ER = EPR estiver certa, ambas as perguntas têm a mesma resposta:

553
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
554
https://hypescience.com/emaranhamento-quantico-pode-conectar-buracos-de-minhoca/
esquisitice quântica só pode ser compreendida se você entender a sua ligação com a gravidade.
Buracos de minhoca pode forjar essa ligação.555

Partamos de tais observações.

Se o emaranhamento quântico é feito por meio de buracos de minhoca em escala quântica:


pode-se relativizar, tal com os buracos negros, as leis materiais da física – vai-se para além da
velocidade da luz. Isto pode ajudar a explicar o nexo atemporal e acausal? Parece que sim.

Se burcacos negros-buracos de minhoca relativizam e “desrespeitam” as leis da física, então


podemos supor:

Tempo = zero

T=0

A energia ou onda a conectar as duas subpartículas pode ir além da velocidade da luz e demais
ondas. A liga, buraco de minhoca, promove aceleração instantânea, onde o tempo é virtualmente
nulo.

O texto, no entanto, aponta conclusão oposta:

Susskind passa a explorar em detalhe técnico como funciona o emaranhamento com múltiplos
participantes e descreve as implicações para considerar o entrelaçamento para ser equivalente a
um buraco de minhoca. Isto significa, em última instância, que buracos de minhocas que não
podem ser usado para enviar um sinal através do espaço mais rapidamente do que a luz. Alice e
Bob não podem, por exemplo, enviar mensagens uns aos outros através do buraco de minhoca
que liga os seus buracos negros. Se eles realmente querem falar, no entanto, eles poderiam saltar
em seu buraco negro e se encontram no meio do caminho de buraco de minhoca. Essa reunião
proporcionaria uma forte confirmação para a ideia de ER = EPR, embora Alice e Bob teriam
problemas para obter o seu paper publicado.556

Tratemos da terceira observação:

Normalmente, os físicos falam de emaranhamento entre duas partículas. Mas isso é apenas o
exemplo mais simples. Susskind salienta que os campos quânticos – o material que as partículas

555
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
556
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
são feitas – também podem ser entrelaçados. “No vácuo de uma teoria quântica de campos os
campos quânticos em regiões disjuntas de espaço estão entrelaçados”, escreve ele. Tem a ver
com o bem conhecido (se bizarro) aparecimento de partículas “virtuais” que surgem
constantemente dentro e fora da existência no vácuo. Estas partículas aparecem em pares,
literalmente, do nada; sua origem comum garante que eles sejam entrelaçados. Em suas breves
vidas que às vezes colidem com as partículas reais, que, em seguida, tornam-se emaranhadas.557

Deixemos uma alternativa aos físicos, especialistas e gente de fato capaz: as “partículas
virtuais” seriam, na verdade, a mesma partícula viajando pelo buraco de minhoca – dando a
impressão de serem duas? Imaginemos um pêndulo com uma só esfera pendulando-se em
altíssima velocidade: deixaríamos de ver o movimento, o fio e teríamos a ilusão de duas bolas,
uma em cada ponta (em ambos os casos, a materialidade externa permite uma espécie de
“micropausa”). Neste acontecimento, o deslocamento permite a inversão do spin.

H) AS FORÇAS FUNDAMENTAIS DO UNIVERSO

Há três forças fundamentais:

1) Eletromagnética;
2) Força forte;
3) Força fraca.

A gravidade (4) é resultado da interação das três, do desenvolmento das formas do cosmos.
Por isso, não consegue “caber” no modelo quântico.

A fusão das três forças, presente até o começo imediato do big bang, podemos chamar em
linguagem dialética “concreto”; suas posteriores separações chamamos “abstrato”. Há aí, na
fundação da gravidade, uma relação dialética tríade-colateral. Por tal razão, a gravidade
pertence ao macroespaço. De todas, esta é a menos intensa, mas mais articulada, sendo 1040
vezes mais fraca que a nuclear forte (a eletromagnética é um centésimo mais fraca relativo
a esta).

O problema científico é, em importante medida, um problema de paradigma. E de


paradigma lógico. São três forças, tríade, + a gravidade, colateral, dentro e fora dessa
relação.

I) INORGÂNICO, ORGÂNICO, SOCIAL: ANTIENTROPIA RELATIVA

O universo desenvolve-se do simples o complexo.

Em nosso planeta, a conclusão dialética acima tem efeito especial por “antientropia”, pois a
Terra não é um sistema complexo fechado – recebe energia do Sol. Concentrando energia por
este meio, a matéria pode concentrar-se e ganhar complexidade.

557
https://netnature.wordpress.com/2016/08/31/nova-equacao-de-einstein-sugere-que-buracos-de-
minhoca-tem-a-chave-para-a-gravidade-quantica/
A vida é matéria em busca de energia e, por este meio, capaz de autorreplicação. “A vida é
energia em busca de energia.” Neste sentido, o matemático Jeremy England está prestes a
revolucionar o conhecimento:

Hipóteses populares creditam uma sopa pré-biótica, uma imensa quantidade de raios e um
tremendo golpe de sorte. Mas, se uma nova teoria estiver correta, a sorte pode ter exercido um
papel mínimo. Em vez disso, de acordo com o físico que propõe a ideia, a origem e a
subsequente evolução da vida seguem um padrão das leis fundamentais da natureza e “deve ser
tão natural quanto pedras rolando por uma ladeira”.

No ponto de vista da Física, há uma diferença essencial entre seres vivos e aglomerados
inanimados de átomos de carbono: o primeiro tende a ser bem melhor em absorver a energia do
seu ambiente e dissipar ela em forma de calor. Jeremy England, 31, professor no MIT
(Massachusetts Institute of Technology), tem desenvolvido uma fórmula matemática que ele
acredita que possa explicar essa capacidade. A fórmula, baseada em uma física já conhecida,
indica que, quando um grupo de átomos é guiado por uma fonte externa de energia (tal como o
Sol ou combustíveis químicos) e cercada por um meio que mantenha o calor (como o oceano ou
a atmosfera), ele provavelmente irá se reestruturar gradualmente, de forma a dissipar cada vez
mais energia. Isso poderia significar que, em determinadas condições, a matéria pode
inevitavelmente adquirir o atributo físico associado à vida.

“Você começa com um aglomerado aleatório de átomos, e, se você deixá-lo exposto à luz por
um determinado tempo, não seria surpreendente se você conseguisse uma planta”, diz England.

A teoria de England está destinada a fundamentar e sustentar, ao invés de substituir, a teoria da


evolução de Darwin, que pode prover uma poderosa descrição da vida. “Eu certamente não
estou dizendo que as ideias darwinianas estão erradas”, ele explica. “Muito pelo contrário. Eu só
estou dizendo que, de acordo com a perspectiva da Física, você pode chamar a evolução
darwiniana de um caso específico de um fenômeno generalizado”

Sua ideia, detalhada em um paper e mais bem elaborada em palestras das quais ele está dando
para universidades ao redor do mundo, gerou uma polêmica entre seus colegas, que veem isso
como um tênue ou um potencial avanço.

(…)

Usando a formulação de Jarzynski e Crooks, ele derivou uma generalização da Segunda Lei da
Termodinâmica que atribui a certos sistemas de partículas com certas características: os
sistemas são fortemente movidos por uma fonte externa de energia tal como uma energia
eletromagnética, e eles podem descartar calor em um banho térmico. Essa classe de sistemas
inclui todos os seres vivos. England, então, determinou o quanto os sistemas tendem a evoluir
ao longo do tempo à medida que a irreversibilidade aumenta. “Nós podemos mostrar, de forma
muito simples, a partir da fórmula, que os resultados evolutivos vão ser aqueles que absorvem e
dissipam mais energia para o ambiente externo, no caminho para chegarem lá”, ele diz. As
descobertas fazem um senso intuitivo: partículas tendem a dissipar mais energia quando elas são
estimuladas por uma força motriz.

“Isto significa que os aglomerados de átomos rodeados por um banho de certa temperatura,
como a atmosfera ou o oceano, devem tender, ao longo do tempo, a se organizarem para
repercutir melhor com as fontes de trabalho mecânicas, eletromagnéticas ou químicas nos seus
ambientes”, England explica.558

Uma vez dado este impulso de base, esta matéria singular desenvolve alguma autonomia em sua
atividade, em busca de energia. Exemplo cotidiano e poético da vida como antientropia
obervamos quando o feto absorve parte da energia materna, via cordão umbilical,
desenvolvendo-se durante nove meses.

Podemos, então, focar num importante enigma: o DNA movimenta-se em sentido oposto ao
esperado, de acordo com a natureza. Este foi, e é, resultado inexperado aos cientistas.
Observemos. A natureza orgânica deriva da inorgânica, mas é uma forma de autorresistência,
constante luta para ser um outro, contra a entropia (antientropia). Se a vida rompe relativamente
com a entropia, torna-se natural perceber que o movimento de seu componente fundamental
apresente-se como antinatural, antiambiental, anti-inorgânico. Assim como a luta da espécie
humana é ser social, mais do que parte da natureza orgânica. Viver é, portanto, resistir. (Erros
enormes são cometidos quando se desconsidera as leis e tendências próprias de cada ser –
inorgânico, orgânico e social – no trato científico. Racismo e determinismo genético são
exemplos ainda vigentes baseados em induções pseudocientíficas e limitadas lógico e
metodologicamente.)

Abstraiamos um instante mais. Quando começa a vida? Quando afirmar que um ser singular é
uma vida? Parece haver forte limitação lógica entre biólogos, pois consideram a lógica formal:
ser ou não ser, é ou não é, vida ou não vida… Existem também as formas transitórias, mediadas,
entre o inorgânico e o orgânico. Em filosofia, chamamos vir-a-ser. A=A e Não-A, rumo à Não-
A. Se todo surgir é um processo, inicia-se por sua negação.

Então, quando afirmar ser, surgir, de fato uma vida? Qual o ponto onde a matéria orgânica é,
com certeza, igual a si própria? Em conclusão: quando esta matéria passa a se interrelacionar
com as demais semelhantes seja enquanto fonte de alimento, seja enquanto fonte de integração,
seja enquanto meio de replicação559. Em generalização: quando a interação do orgânico com o
inorgânico é cada vez mais indireta, ou seja, quando se inicia uma “autonomia relativa” daquele
relativo a este.

Ampliemos.

O ponto mais alto desta antientropia é a consciência. Esta apenas foi possível ao homem – a
mais envoluída das espécies – por ser um mamífero, ser complexo entre os seres vivos, que, em
sua origem, é conhecido por adotar dieta carnívora, portadora de muita energia – potencializado
pelo ato de cozer.

A consciência é “uma forma de o universo conhecer a si próprio” (Sagan).

Humanos e golfinhos possuem, ambos, os aspectos seguintes: mamíferos, alta inteligência e


pulsão sexual constante (desprovidos de fases de cio). A origem comum aponta estar na alta
absorção de energia alimentar relativo ao tempo de metabolismo e porte corporal. Inclui-se aí
uma ancestral mudança de dieta. A provável fonte central está no Ômega 3 presente em animais

558
https://universoracionalista.org/uma-nova-teoria-para-a-origem-da-vida/
559
Logo, vírus é uma forma de vida.
de caça, peixes etc. Então e logo, quando Freud afirma ser o trabalho e o trabalho mental
mecanismos de transferência de energia sexual, sublimação, deixa de perceber esta força como
algo em si, para além da pulsão de cópula enquanto forma ímpar.

Extraímos destas reflexões: a fórmula E=MC² dá-nos pistas, senão científicas, pelo menos
filofóficas objetivas para as três esferas ontológicas.

Em grande medida, a “antientropia” deriva da própria entropia – contratendência dentro da


tendência.

A complexidade cada vez maior do universo desafia a lei da entropia560.

J) O TEMPO

Einstein demontrou o tempo como algo, o espaço como algo, interligados no espaço-tempo.
Todas as tentativas de refultar tal teoria falharam e desmoralizaram uns tantos – resistiu às
críticas teóricas e filosóficas.

De início, valorizemos a conquista científica enquanto provável em relação ao autor destas


linhas, não pertencente à área.

Suporemos, no entanto, em abstração filosófica, estar errado o alemão: o tempo é uma abstração
social, não natural, promovida pelo homem – a partir do movimento do real.

Peguemos o famoso exemplo: se dois irmãos gêmeos são separados – um vai ao espaço em
altíssima velocidade e outro fica na Terra –, décadas depois um é velho e o outro, jovem. Por
que isso ocorreria, desconsiderando o tempo enquanto fator natural? Porque a velocidade de um
dos corpos, tendendo a se transformar em energia, ganha massa, ou seja, preserva-se, ou seja,
antientropia, ou seja, manutenção da vida (neste caso), ou seja, menor desgaste.

Peguemos, em seguida, uma prova empírica: um relógio atômico no espaço, orbitando a Terra,
tem diferença na duração de seu relógio relativo ao do planeta orbitado – obrigando
microsajustes de tempos em tempos. De novo: Por que isto ocorreria, desconsiderando o tempo
enquanto fator natural? Porque o movimento do satélite artificial altera o relógio, sua matéria –
tamanho, massa, desgaste –, provocando alterações. Ou seja: parece uma alteração no tempo
quando é alteração no corpo.

Exemplo intuitivo de nossa escala de percepção: se percorrermos uma distância x, de nossa casa
até uma padaria, o tempo para percorrer é inversamente proporcional à velocidade de nosso
deslocamento – maior velocidade, menor tempo. Em si, por causa da escala, alterações de massa
ou do tempo (enquanto algo) são irrelevantes – a temporalidade aqui é uma noção da percepção
subjetiva, sob métrica determinada socialmente. Einstein descobre ser “igual, mas diferente” em
escala cósmica: o tempo, deveras, altera-se. Outra hipótese, não considerada teoria: é “igual,
mas diferente” por causa das alterações sobre a matéria diante do movimento, da mudança, não
do tempo em si.

560
Se a tese anterior está, em geral, correta, a entropia torna-se relativa e a antientropia de relativa à
absoluta.
Desde as diferenças qualitativas, estas analogias diferenciadoras existem em física. A fórmula
F=MA, força é igual à massa vezes aceleração, de Newton, tem estágio superior em E=MC²,
energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado, de Eisntein. Estão inter-
relacionados.

Visualizemos em forma pura, abstração completa. Imaginemos um corpo em movimento onde


nada externo interage com ele, nenhuma interação. Há apenas deslocamento deste objeto –
átomo, subpartícula etc. – no espaço (também retiremos a influência deste). Abstraídos todos os
outros fatores, o que pode alterar este objeto? A velocidade de seu movimento, de seu
deslocamento.

Esta proposta parece resolver o problema do tempo na escala subtômica.

Diferenciemos, interligados, dois tipos de movimento: 1) o do objeto em si – possibilitando o


desgate (exemplo da máquina em funcionamento), com o desuso e fatores externos também
influenciando (exemplo do sedentarismo, desgaste por luz e vento etc.); 2) o do objeto no
(macro)espaço – oferencendo a dinâmica do objeto. Localizemos: “igual, mas diferente”;
pertencem, ambos, a duas escalas diferentes de observação – cósmica e não.

A observação lógica do real percebe que processos podem ser opostos a depender da escala, a
depender se vemos o geral ou o singular etc. Exemplo: se uma pessoa tem um ritmo de trabalho
extenso e intenso ou correr em constância, muito movimento, ela se desgasta e envelhece com
maior rapidez. O inverso ocorre quanto ao movimento visto em macroescala: velocidade maior,
menor possibilidade de desgaste, de “avançar no tempo” ou “recuando-o”.

O pai da teoria da relatividade afirma ser a “massa [é] energia em repouso”, porém o repouso é
relativo-parcial, não absoluto, e depende do referencial posto: inexistente quando obervado o
objeto dentro de sua totalidade.

O espaço-tempo é, assim, substituído pelo espaço-movimento.

O corpo no espaço tem no movimento fator inerente – tende a permanecer em movimento.

Tempo é um fenômeno aparente561, forma e abstração mental, do fenômeno real, o


movimento562.

Movimento é, portanto, mudança.

561
Não é que o tempo não exista em objetividade; apenas não é um em si, nem para si.
562
O Espaço em si é movimento: amplia-se, reduz-se, modifica-se etc. Em certo e alto grau de abstração:
todo é espaço modificando-se. O espaço(-movimento) é algo. De outro modo: o espaço é uma
caracterísitica da matéria geral, do cosmos.
ESBOÇOS PARA UMA TEORIA UNIFICADA DA PSICOLOGIA

Os aspectos gerais debatidos nos capítulos “Declínio Geral da Psique” e “Para a Dissolução da
Posmodernidade” são apenas indicados563. Neles, há antecipações mais essenciais. Daqueles
capítulos, destacamos:

1) A importância da teoria da alienação – e a essência geral;


2) A importância de uma concepção filosófica e científica do homem;
3) O método dialético enquanto “premissa”.

As questões apresentadas a seguir são complementos.564

A) ÉDIPO INVERTIDO

Nas formações primitivas, o homem organizava-se em pequenos agrupamentos nômades


baseados na escassez. Neste momento, a força da civilização e da cultura se subordinava em alto
grau e em menor mediação ao reino da necessidade.

É neste contexto onde encesto ocorre como prática comum entre familiares nestes pequenos
grupos extremamente isolados e pequenos (20 a 50 membros). Apenas nas etapas seguintes da
civilização há a construção de condutas e valores morais – de modo saudável ou exagerado –
sobre o superergo, resignificando os instintos.

Assim, surge o édipo invertido.

Em sequência, expomos:

1) O Édipo permance inconscientemente no adulto, pois é parte de sua formação


pessoal565.
2) O sentido edipiano, sua existência, é reconhecido por instâncias mais produndas da
mente-célebro.

563
“Subjetivação da objetividade” aí incluída.
564
Breve comentário: enquanto ciências especializadas, psicologia e medicina pertencem às
“humanidades”. Quando tratam de biologia em suas matérias e pesquisas, tratam da biologia do ser
humano. As ciências naturais existem aí como premissas e ferramentas. Processo análogo ocorre em
economia (política): a matemática é ferramenta de uma semiciência de humanas. É o objeto que define.
O problema de fundo é a excessiva especialização, instrumentalização e tecnicidade dada às
semiciências, pendendo, por fragmentação, ao pseudocientífico. Digamos de modo inverso. Um curso
superior em história deve incluir duas matérias de abertura: fundamentos biológicos do homem e
fundamentos econômicos da história.
565
A psicanálise revela que o homem “sabe, mas não sabe que sabe” boa parte do seu universo mental
inconsciente. Exemplo da interpretação dos Sonhos: Freud diz que, mesmo antes de sua descoberta
“escandalosa”, as pessoas comuns diziam “nem nos meus piores sonhos eu desejaria uma coisa
dessas!”, “parece um sonho o que estou vivendo!” – os sonhos são realizações de desejos concientes ou
não.
3) O sexo como energia básica é resignificada para um modo corrependente com as
necessidades da cultura.
4) Lacan atualiza categoria edipiana para necessidade de afeto.
5) O pai vê o filho como ameaça ao seu afeto pela esposa, e o mesmo na relação mãe-filha;
6) Há disputa – relação de inveja – por relação de capacidades da idade: beleza, vida
sexual, vitalidade física etc. Muito comum ocorrer, por exemplo, a mãe aprisionar a
filha, diminui-la (como em casos em que a mãe poprõe à filha testar uma nova roupa
apenas para tomar dela em seguida).
7) Este édipo invertido também é visto pelo afeto (sexual inconsciente ou não) quando o
pai tem ciúmes do namorado da filha, ou o mesmo na relação mãe-filho. Vê o
namorado(a) enquanto ameaça. Ou quando o pai prende a filha e o filho, vemos casos
próximos.
8) O ID, instintos e impulsos básicos desprovidos de autorrepressão, apenas são mediados
por fatores externos – ego, superego, cultura etc. (Exemplo: a filha adolescente atraente
e bela não causa atração consciente no pai porque este tem mecanismos para
resignificar seus impulsos e fazer mediações.)
9) O édipo invertido revela-se na época em que o filho começa a viver o próprio édipo,
após os 4 anos. E isso corresponde a quando o corpo deste começa a tomar forma e
autonomia.
10) Este édipo invertido pode se impor – em reação – sobre a cultura, o superego, o ego e as
concepções saudáveis quando a sexualidade é em demasia reprimida. É o caso global da
pedofilia na igreja católica.

Vejamos expressões espontâneas de uma rede social:


A primeira imagem – da página “Mães, príncipes e princesas” – tem 2.439 compartilhamentos;
a segunda – “Grávidas online” – 45.842 compartilhamentos; a terceira – “Mãe de menino” –
5.444 compartilhamentos.

Podemos nomear Complexo de Kronos em referência metafórica àquele a devorar os filhos após
a esposa parir-lhes. No mito, Zeus é escondido pela mãe, Hera, e substituído por uma rocha…
Tempos depois, Zeus mata o pai, liberta os irmãos do estômago deste e casa-se com a mãe.

B) COMPLEXO DE CAIM

Para expor com devida clareza, priorizemos o exemplo mais simples, dois irmãos.

Freud opera uma simplificação por demais rigorosa ao complexo de édipo. Formamo-nos
relativo aos outros, reação-ação, e nos definimos por diferenciação aos outros na formação de
nossa personalidade. Exemplo: irmãos tendem a formar-se por demarcações de fronteiras um
relativo ao outro – e vice-versa. Comparam experiências e consequências de decisões etc. Este
processo pode ser chamado “complexo de Caim”.

Por isso, irmãos – não gêmeos idênticos566 – tendem a personalidades opostas.

Quando um filho é, sem maiores motivos aparentes, preferido a outro; quando um dos gira sua
formação de personalidade a agradar aos pais contrariando o estilo rebelde de outro etc. são
algumas das várias as manifestações particulares possíveis. Interesa-nos o motor, o ponto sobre
o qual avaliamos casos particulares. A “castração”, medo de perder afeto dos pais ou não o ter,
não se dá apenas entre filho-pai ou filha-mãe. Pode-se formar relação, por exemplo, de amor-
raiva-culpa – menos ou mais consciente – entre irmãos. Também é por meio da diferenciação,
do ser diferente daquele, o modo como um filho pode afirmar seu existir e ter atenção.

A tese de Freud não está errada, dada a energia pessoal exigida na relação edipiana – somente
incompleta.

No mais: a relação entre irmãos de sexos opostos, por exemplo – sempre ver os casos concretos
a partir da generalização teórica, mas não se limitar a esta – pode ser tanto ao modo Caim como
um tipo de edipianismo (exemplo: caso de irmãos de sexos opostos criados desprovidos de pai
ou figura semelhante, onde a transferência da figura paterna ocorre. Daí um exemplo possível:
ao crescer, a irmã tende a se atrair por moços jovens. Há casos de atração homoafetiva de um
irmão por outro transformado em um tipo de birra e sabotagem, ou seja, negação e culpa).

É possível operarmos uma generalização: a formação da personalidade, perfil pessoal, é um


processo de identificação-diferenciação e o próprio aprendizado do que deve ser absorvido e
repelido durante a autoformação.567

O papel de Caim, via de regra, em tendência, cai sobre o irmão mais novo, o não primogênito. A
este cabe o papel de comparação, sentir-se o outro, inferior e o depois. Isto se dá porque o mais
velho forma-se sem referencial num semelhante de posição; enquanto o mais novo tem a figura
do igual posta pela realidade externa. No entanto, o inverso e a mistura de papéis pode ocorrer.

Ao leitor, fica o desafio de observar este e demais fenômenos na realidade concreta, pois esta é
a complicação da psicologia profunda: exemplos práticos, reais e empíricos geram
constrangimentos, conflitos e (auto)negação.

C) O PAPEL RELATIVO DO NOME NA FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Leiamos este comentário de Freud:

“Mas, seu me entregava a isso, era como um ato de retaliação, pois meu próprio nome fora alvos
de gracejos leves como esses em incontornáveis ocasiões. Goethe, lembrei-me, comentara em
566
A diferenciação física, fato dado, parece ser um dos principais pontos de partida e estímulo das
demais diferenciações. É bem possível o complexo de Caim ocorrer de modo desregulado entre “iguais”.
567
Tenta-se descobrir por quais meios, e tanto quanto possível, satisfazer as necessidades biológicas,
universais ao reino animal, e a bioessência, universais ao ser social.
algum lugar a sensibilidade das pessoas em relação a seus nomes: como parecemos transformar-
nos neles como se fossem nossa própria pele. Ele dissera isso à propósito de um verso (…).
[Nota de rodapé 2: Freud é o termo alemão correspondente a “alegria”.]” (A Interpretação dos
Sonhos, Freud, p. 212.)

Durante minhas observações, percebi a possibilidade de generalizar este comentário. Levemos


em consideração tais fatores:

1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em si, perceber-se,
se dá também por meio do seu nome, em especial por meio do chamado verbal-afetivo
do pai e da mãe (descoberta de Winnicott).
2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e demoram os saltos de
percepção. Até a pré-adolencência, há uma lógica muito rígida, não dinâmica, de
opostos e significados568.
3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e combinações.
4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis diferentes.

Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é flor apreende o significado de flor enquanto objeto
externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta palavra lhe é absorvida enquanto
significado de si – então ocorre uma fusão interna, pré-consciente.

Exemplo pessoal. Meu nome é João Paulo Pereira dos Santos Neto. Disto, sou reconhecido na
família por ter o estilo postura-corporal e mental de meu avô, portador de meu nome (toda
viagem ao Brejinho de Parnarama, interior do Maranhão, é um preparo para tal comentário
geral). Demais, a palavra Santos gerou em mim certa fixação por religião – tendo a mãe
escondido e quebrado terços dada a preocupação com a criança – e a vaidade de ser santo. Logo
percebe-se o custo pessoal ao trarar de psicologia…

O historiador Leandro Karnal tem por foco a religião, o pecado, a culpa e histórias de William
Shakespeare focadas na condenação do instinto. Possível que o sobrenome derive tal
preferência.

No instante final, Freud desiste de outro curso qualquer (não me falha a memória, engenharia) e
dedica-se à medicina, rumo ao desenvolvimento de uma ciência da mente. Daí sua relação com
o significado de seu nome, alegria.

O poeta Fernando Pessoa é conhecido por suas múltiplas persornalidades na poesia, seus
heterônimos. Ele próprio reconhecia sua “histeria escondida” que lhe fazia ser mais do que um.

Minha esposa Iara desde o ínicio de nosso relacionamento demonstra preferência por filmes de
sereia, certo vício por banhos, “memória de peixe”. Contou-me ser de seu conhecimento na
infância as histórias da sereia Iara. Também me deu um desafio ao expô-la a tese, disse-me: “lá
na empresa, o suprovisor perguntou a um garoto o nome dele e este disse ser Renato; daí o líder
do setor falou que ele seria um ótimo funcionário por casusa do nome, qual outros assim
batizados; e ele realmente se tornou.” De imediato, ri da situação: apenas poderia ser acaso,
coinscidência de indução. Num segundo momento, tentei ver – a partir da premissa de que o

568
Exemplo: sim ou não – isto ou é coisa de menino ou de menina. Piaget foi quem expôs a evolução
lógica da cognição.
cérebro faz associações insconcientes – se anagramas escondiam alguma sugestão parcial à
personalidade. Nada feito. Meses depois, por acaso, cheguei a uma resposta firme: Renato pode
ser separado re-nato; na língua portuguesa falada a palavra “nato” é utilizado somente na frase
“talento nato” e o prefixo “re” enquanto reforço (re+esforço), repetição de um sentido.

Para tornar sensitivamente não absurda esta tese, estou focando em exemplos famosos, que não
exigem maiores explicações.

Supondo ser caso de problema mental, não oportunismo, o “menino do Acre”, Bruno Borges,
desapareceu deixando escritos bizarros e uma estátua de Giovanni Bruno, de quem diz ser
reencarnação. Neste caso, a esquizofrenia latente revelou um inconsciente mecanismo interno.

O grande economista Nildo Domingos Ouriques parece ter no último sobrenome certa inflência
relativa; além do mais, sendo marxista, afirmou preferir ministrar aulas de economia política do
período anterior a Marx – neste época, dinheiro se apresentava diretamente como ouro.

O filósofo Clóvis de Barros Filho fala em uma de suas palestras bem-humoradas da


coinscidência de o jogador Sócrates ter postural altiva e preguiçosa, tal como os antigos
pensadores. Agregamos outros fatos: se o grego era um “rebelde” firme defensor da polis, este
Sócrates liderou uma rebelião no time Corintians, fundando a “Democracia Corintiana” baseada
na democracia operária, sendo este também intelectual e socialista.

Adiante, o leitor pode supor, por esforço particular, exemplos famosos e anônimos de nomes
correspondentes – quando a mente opera esta metáfora real.

A questão não é, por evidente, a relação do portador do nome com o significado em si da


palavra. Mas se determina em como o meio social faz o indivíduo ter tal experiência. Esta é
forma particular subjetivação da objetividade.

Esta influência do nome, sempre quanto este indica uma relação metafórica, sobre a
personalidade é relativa, está ao lado da constelação de outros fatores.

D) PARANOIA POR INFLUÊNCIA SUBCONSCIENTE

A paranoia pode derivar de inúmeros fatores imediatos. Quando um indivíduo fica por muito
solitário, a paranoia de perseguição compensa a insatisfação desta essência integrada, de sua
espécie, por meio de mania de perseguição; um stress derivado de perseguição real –falta de
mutualismo – também origina tal efeito. São inúmeros exemplos.

Focaremos num específico. Antes:

1) A mente faz associações em nível subconsciente e inconsciente;


2) Absorvemos todos os estímulos externos, sem hierarquia, de modo inconsciente, pois a
consciência gira nossa atenção para o central e prático à existência;
3) Às vezes expresso na forma de intuição, nossa mente tira conclusões antecipadas e
ocultas (pensemos quando nossa mente sente “sensação” ao sairmos de casa – avisando
termos esquecido algum objeto importante).

Então, pode ocorrer de a dimensão pré-consciente do aparelho-processo psíquico inflar-se


relativo ao consciente. Dito de outro modo: as conclusões e informações não conscientes
alcançam com maior facilidade a percepção consciente. E isto apenas pode gerar ansiedade, pois
fere o superego, o ego e, por suposto, a forma formal de ver o mundo. É análogo à ansiedade do
pesadelo. Não é acaso a necessidade de repressão da dimensão mais profunda da mente, em si e
em relação aos demais. Aprofundemos: se este grau de percepção consciente gera ansiedade, a
consequência seguinte é inflar, acentuar, o significado real da conclusão – não é porque a esposa
sente amor, oculto a ela própria, por outro sujeito que ela por isso traia o marido desconfiado em
demasia.

E) ACAUSALIDADE APARENTE

Em sua tentativa de afirmar a religião, Jung adota as premissas kantianas, estado histórico
inferior da ciência. Assim, adota oposições fixas e espelhadas, foca em classificações, percebe
movimentos longe de suas causalidades.

Estacionemos um pouco nisso. Isaac Newton percebeu as leis da gravidade, destacou seus
movimentos e apresentou cálculos precisos; no entanto, deixou claro pertencer ao leitor a tarefa
de descobrir o que é aquela força (coisa-em-si). E foi preciso séculos e muito avanço para
Einstein explicar a gravidade como curvatura do tecido espaço-tempo causado pela massa dos
objetos.

Já Jung eleva o kantianismo à nona potência na medida em que defende a “acausalidade”, não
causalidade e, por isso, não coisa-em-si (Kant pensava existir a coisa-em-si, mas inalcançável).
Adotemos o exemplo do próprio psiquiatra: ao refletir sobre paganismo e cristianismo, percebeu
o fim de ambos apenas por meio da superação de ambos; em seguida, vários elementos externos
pareciam, quase instantaneamente, se comunicarem com este fato – encontra no passeio de sua
reflexão uma cobra morta com um peixe na boca, almoça peixe etc.

Suponhamos estarem corretas, relatos verdadeiros, suas observações.

Seu erro é o idealismo: a mente faz a realidade. Não passou por sua cabeça: 1) a mente absorve
todas as informações externas de modo inconsciente, permanente e desprovido de hierarquia; 2)
a mente, sob atenção e tensão específicas, pode procurar autoconfirmações no mundo externo;
3) nossa mente opera associações pré-conscientes.

São quatro formas imperceptíveis, causais, da acausalidade aparente:

1) A mente pensa também de acordo com os estímulos externos, ou seja, o ambiente


influencia o que e naquilo no qual pensaremos – e também o ritmo;
2) Parte da mente procura “sinais” ligados ao pensamento no qual estamos fixados,
conciente ou inconscientemente;
3) A mente inconsciente pode induzir-nos, na medida das probabilidades postas pelo
externo, a experiências de acordo com o esperado;
4) Por combinação de ambos.

Postos à mesa, chegamos ao quinto fator:

5) Acasos também ocorrem – nem toda correlação aponta causalidade ou nexo interno.

Como deixou de procurar o rastro geral, Jung tira conclusão invertida.

Para encerrar, exemplo particular e no tempo. Algumas vezes, consegui intuir e verbalizar: o
pnel deste ônibus vai furar. De fato, isto ocorreu inúmeras vezes. Diante da profecia, amigos
comentavam “bruxo”, “falou e disse”; enquanto davam-me sensação narcísica de palavra-
acontecimento. No entanto, nada indica ser uma antecipação de sincroniciadade ao modo
jungiano. A mera sensibilidade – tato, olfato, equilíbrio etc. – inconsciente pode perceber a
tendência à ruptura da roda, da borracha, o balançar diferenciado embora difícil de captar na
consciência (que apenas manifesta a conclusão por meio da palavra). (O Fato de eu ter TDAH,
menor bloqueio mental, pode ter facilitado a percepção.) Outro exemplo são as mulheres a
perceberem gravidez em outras por “intuição”: também por ter tido experiência de gestação,
podem quase perceber as diferenças no corpo, no cheiro, no humor (entrelinhas de um casal a
esconder o fato) etc. de outras.

Do ponto de vista científico, na dialética materialista, a relação causal é limitada: mas trata-se
de ir além dela, não aquém.

F) A LÓGICA INTERNA DO PROCESSO PSÍQUICO

Jung acerta quando defende a dimensão inconsciente enquanto mais lógica e menos irracional
do que supunha Freud. A consciência nada mais é além da consciência do inconsciente, mesmo
tendo autonomia relativa e influência real sobre a fonte primária569.

Todo o processo interno inconsciente é estruturado, lógico – diferente de harmônico –,


intencional e prático. Além do mais, abarca inúmeras oposições e contradições internas a partir
da formação do indivíduo em seu meio ambiente social.

Cabe um relato.

Enquanto preparava estes textos para filosofia da psicologia570, vi-me angustiado por falta de
uma série nova para assistir, entre uma revisão e outra. Acabei assumindo o antigo objetivo de
assistir um anime de inspiração oriental, Avatar. Tudo ocorria bem enquanto “maratonava” e

569
No entanto, a consciência não é tão passiva e apenas objeto na sua funçãode mediação: tam alta
importância.
570
O leitor pode perguntar-se o motivo de nomear “filosofia da psicologia” se parto de bases empíricas
reconhecidas. São duas razões: 1) chego a conclusões lógicas a partir de informações já postas; 2) não
sou formalmente da área.
pensava não haver qualquer outra contribuição após os pontos A, B, e C… De repente, ao
assistir a temporada terceira, percebi alguns episódios ligarem-se – um tanto diretamente – com
as conclusões alcançadas por mim neste apêndice e em alguns aspectos do livro. Exato isso me
fez lembrar de conclusões antigas. E veio-me a dúvida: eu havia assistido apenas um ou outro
episódio antes desta experiência – como poderia induzir-me a este momento? Remates: 1)
enquanto dormia na casa do amigo que me apresentou a saga, este a assistia em alto volume; 2)
as conclusões D e E foram alcançadas naquela época, 2011; 3) a mente, por associação,
aprendeu e apreendeu parte da filosofia presente na obra artística571 (pensamento com o qual já
possuía acordo prévio por ser, desde 2008, militante comunista).

Percebi: 1) de um lado, a racionalidade insconciente tentando ajudar e, 2) de outro, o lastro do


fenômeno aparentemente místico.

Aproveitemos este aspecto.

Jung critica Freud por não ver o sonho como forma de ajudar na prática, fonte de conselhos, o
indivíduo. Como se vê, insiste na premissa religiosa. Mas o mais importante é absorver o
absorvível entre suas concepções – e muitas apontam acertos incompletos. Vejamos. O pai da
psicanálise afirmou ser o sonho, na tentativa biológica de manter o corpo em repouso, uma
forma lúdica de realizar desejos, diminuindo a tensão psíquica acumulada no estado de vigília. E
se o desejo interno for resolver um problema prático externo? Um estudante de matemática pode
sonhar a resolução correta de um cálculo o qual foi incapaz de resolver antes de dormir, e
aplicá-la. Deste exemplo, percebemos ser falsa polêmica o debate sobre a natureza dos sonhos.

Um exemplo conhecido entre marxistas. Marx dedicou mais de vinte anos a escrever sua obra
Magna, O Capital; mas toda versão da obra mostrava-se, em seguida, limitada e digna de nova
reescrita. Assim, o projeto inicial ia-se, esboço a esboço. Folheando, por acaso, o “Ciência da
Lógica” de Hegel quando o revolucionário teve os “estalos” ou “sacadas” necessários à versão
final e conclusiva. Esta releitura foi, segundo o autor, impostantíssima para permitir o livro I.
Este relato indica ajuda insconciente para destravar a percepção teórica do fundador do
socialismo científico.

G) BUSCA POR REALIZAÇÕES EMOCIONAIS PLENAS

Iniciemos pelos exemplos.

Uma pessoa “delicada” gosta de ouvir – ou ler – material delicado, leve, sobre flores etc. Mas –
mas! – prefere filmes e séries de terror e suspense. Por quê? Gosta do delicado nas artes não-
visuais para tentar introjetar também na dimensão inconsciente este aspecto não oculto da
personalidade. A parte também natural e escondida do “eu”, o contrário, necessita, por outro
lado, ver-se projetado (em duplo sentido), objetado e realizado em práxis de alguma forma.

571
A filosofia oriental parece ter inúmeros pontos de encontro com a concepção hegeliana. Além do
mais, por razão da baixa produtividade do solo, tendeu ao materialismo – enquanto a filosofia ocidental,
ao inverso de uma avaliação rasteira, tem forte tradição idealista e metafísica, a partir do baixo
constrangimento das condições materiais sobre os pensadores, em geral da classe dominante, ligados
ao trabalho intelectual, os dispostos de tempo livre.
O escritor escreve sobre o contrário de si, do eu exposto: o tímido escreve humor (Luís
Fernando Veríssimo); o ateu, religião (Saramago); o pacífico, violência (Rubem Fonseca); o
casto, sexualidade etc. A criatividade subconsciente também tem esta matéria-prima: a parte da
vida não vivida, mas vívida.

João Cabral de Melo Neto revela-se nosso melhor exemplo. Desde muito jovem, sofria
melancolia intensa, tendo sido internado numa ala psiquiátrica por própria iniciativa. Tempos
depois, relatou ser mal incurável, coisa de poeta. A partir desse sentimento abstrato interno, o
artista desenvolveu três fixações: 1) paixão por arquitetura; 2) um tipo original de poesia
“concreta”, longe de palavras abstratas e preferindo dar algum sentido de forma organizada aos
versos e estrofes; 3) ódio por música.

De novo, exemplificemos. Os homens embrutecidos do nordeste, apegado à dimensão concreta


e prática da vida, demonstram preferência enorme pelo estilo brega: letras óbvias e cortantes,
alto sentimentalismo, musicalidade “pesada” e crua. Pessoas pouco afeitas aos afetos fãs desta
tradição musical…

A mente busca tal sentido de completude, de ser-total. Seja realizando aquilo em carência ou
aquilo em repressão inconsciente (sombra, para Jung) por caminhos indiretos.

Esta forma de observar parece apontar futuros resultados. Exemplos cotidianos: namoros
acabam no momento em que o namorado tatua o nome da namorada na pele – certeza de que
marcou o outro, diminuindo interesse; falar “eu te amo” parece evasiar o sentimento, antes
expresso por outros meios de comunição, não verbais; ações de revolta ou firgir-ser on line
oferecem prazer de realização quase-instantâneo de baixo esforço real, diluindo o instinto de
atitude prática.

Do demonstrado, há forte relação do conteúdo com a forma como está revelado aquele – em
relação à necessidade psíquica.

Este último ponto é uma indicação incial de pesquisa: incompleto, aberto e indicado ao leitor.

H) O DUPLO CATÁTER DA COMUNICAÇÃO VERBAL

Lembramos ao leitor, apesar de exemplos lógicos e empíricos, além de se sustentar sobre


descobertas científicas, o caráter filosófico, pelo menos formalmente especulativo, destas
exposições. Isso gera o risco de “reinventar a roda”, na medida em que antecede uma pesquisa
total, necessária, de todo o acúmulo científico na área – rumo a uma teoria completa, unificada.

Dito isso, continuemos.

A vida psíquica tem duas dimensões nas interações sociais, ou seja, em grande parte, verbais:

1) A consciente: prática, formal, aparencial;


2) A inconsciente: mediada, oculta, essencial.

As duas são verdadeiras e necessárias – com a origem íntima descoberta a partir do ponto 2, o
inconsciente.
Consideremos os seguintes fatores:

1) A mente opera associações e combinações a todo o tempo;


2) As motivações não conscientes atuam – e realizam-se, expõe-se, de modo mediado.

Tais fatores geram um especto curioso da linguagem verbal: além de no momento clínico;
permanentemente, no cotidiano, os diálogos costumam apresentar dois sentidos, o formal e o
oculto. Isto ocorre em constância e sempre quando o aparelho psíquico consegue ser criativo.

Indiretas, provocações, involutárias; autorrevelações fora de ato falhos; frases de duplo sentido
etc. São várias as mediações.

A própria língua, formal e informal, acaba por ter esta característica. A palavra “obrigado” pode
ser agradecimento ou ação involuntária; “sinistro” pode ser repugnante ou atrativo; “olha isso!”
pode ser forma de afirmar ser algo absurdo, indigno de atenção após primeio ato ou pedido para
ver.

Quando conheço alguma moça por quem desenvolvo estima sexual, digo na primeira despedida
amigável: prazer – ou prazer em conhecê-la. Uma dupla mensagem. Outro exemplo,
reconhecível: eu odeio alguém, mas ela pede para ficar um pouco mais em minha casa e
pergunta-me se “tudo bem”; respondo “não” e, em seguida, pós-micropausa, “pode ficar, tudo
bem”. Processo semelhante ocorre quando cantamos música “do nada”, verbalizando, em
metáfora, aquilo pensado por nós no momento, consciente ou in.

Em nível insconsciente, também nos comunicamos desta forma, quer seja, informalmente por
meio da formalidade.

Por que ocorre este duplo caráter, mediação?

1) Temos necessidades práticas – derivadas, no imediato, por fatores externos;


2) Temos necessidades psíquicas – derivadas, no imediato, por fatores internos;
3) Temos necessidades vitais, do ser humano – encontro de ambos os fatores acima.

A necessidade de adaptação ao meio ambiente social provoca e permite esta forma de interação,
o caráter duplo.

I) DOS MALES PSÍQUICOS

Abstraídos os fatores biológicos puros e acidentais; a maior parte dos males da mente tem por
origem profunda, rastreável, a não satisfação da biossência humana.

Dois modos de adoencimento:

1) Baixa realização de fatores biológicos em comum com outros seres;


2) Baixa realização de características propriamente humanas.

Basta-nos raciocínio rápido para ver interligação e integração destes dois fatores.

Apenas o psicopata por origem, desde o nascer, não necessita realizar o fator 2.
As formas de baixa satisfação da bioessência, essência social do homem, têm por origem os
vigentes fatores na sociedade. Os males psíquicos são, em geral, fenômenos históricos.

A psicologia quase alcançou tais conclusões, ou seja, existir natureza humana. Porém, Marx por
completo, cientista-filosófico, precisa ser ponto de partida a qualquer (semi)ciência das
humanidades.

Desenvolvamos, então, a regra geral: a personalidade surge, seu desenvolvimento, fruto da


interação entre necesssidades biológicas e sociais do indivíduo com o meio, o ambiente, onde
tenta realizar-se. Esta relação, menos ou mais contraditória, talha perfis e, também, males
psíquicos.

As três características da natureza humana, recaptulemos:

1) Integração;
2) Mutualismo;
3) Ser ativo.

Em síntese, esta tríade una do ser pode ser nomeada liberdade.

No campo teórico, a premissa freudiana “energia sexual vital” então é suprassumida pela
concepção de esssência humana.

J) FENÔMENO CORPORAL-MENTAL: O ESPIRRO

Enquanto forma de expelir secreções, o espirro tem função biológica. Ademais, pode interagir
com a mente:

1) Quando há bloqueio de conclusão, pode haver congestionamento nasal;


2) Quando temos uma conclusão nova e íntima, espirramos.

É uma espécie de orgasmo mental. O prazer do espirro, ao limpar e liberar, expressa o prazer
psíquico, não em si sexual.

É a própria mente compensando(-se), por meio do prazer, por novas “sacadas” e confirmações.

K) PULSÕES DE VIDA E MORTE

A psicanálise encontra-se com a dialética materialista em inúmeros momentos. Exemplos: gozo


invertido, relação dos sintomas (manifestação) com problemas reais e ocultos (essência), sonhos
enquanto “conteúdo manifesto” (forma) e “conteúdo latente” (conteúdo), o peso das
contradições (relações edipianas, por ex.), a não supremacia da consciência, a psique enquanto
processo e estrutura, busca pela coisa-em si (inconsciente, subconsciente etc.) para além da
fenomenologia comportamental, subordinação da metodologia ao objeto etc.

No entanto, os conceitos “pulsão de vida” e “pulsão de morte”, em oposição, parecem cair em


kantianismo. Refutemos em exemplo, em metáfora: há calor e, no polo oposto, há frio. Assim
sentimos por sensibilidade. Porém, uma avaliação científica dirá haver mais ou menos calor,
mais ou menos vibração de partículas, mais ou menos energia. Se um co(r)po está quente, está
com mais calor relativo ao meu corpo; se está frio, está com menos calor relativo à minha
temperatura. Por isso ocorre entropia, transferência de energia, tendendo ao equilíbrio.

Podemos falar em níveis – normais, altos ou baixos (de uma constante) – de pulsão de vida, de
matéria em busca de energia, de energia em busca de energia. O suicídio, para citar o extremo,
pode ser uma forma invertida de pulsão de vida, quando baixa realização, para evitar o
desprazer constante. É uma negação que afirma. Pulsão de morte é, invertida, pulsão de vida.

A relação contraditória essencial está entre pulsão de vida, suas formas, com o desconforto.
Freud tratou as pulsões opostas, de vida e morte, enquanto contraditórias, combinadas e
interligadas (interpenetração dos opostos). Ambas derivadas do ID, do instinto e animalesco,
seriam duas forças atuantes. Porém, podemos aperfeiçoar para uma única pulsão buscando
realizar-se deste ou daquele modo, tal como o princípio do prazer medeia-se, faz curvas para
gastar-se ou está travado diante do princípio da realidade.

A busca pelo princípio do nirvada se dá porque pulsão é desconforto, mesmo quando este inclui
prazer. O prazer do desconforto (interpenetração dos princípios do prazer e da realidade) é
busca por transformar aquilo em realização de vida, pulsão de vida – ressignificação psíquica.

Em resumo, a diferença entre oposições e contradições em Freud e neste ponto está, em


abstração, na diferença entre contradições, ambas reais, de aparência e essência. A pulsão de
vida cinde-se, em suas formas, em pulsão de vida e pulsão de morte.

A pulsão de vida pode, por exemplo, apresentar-se na forma de construção ou, ao contrário, na
forma de destruição.

L) CICLOS ECONÔMICOS, NATURAIS E HÁBITOS

Em avaliações comportamentais, quando não forçosamente estáveis, observa-se o seguinte


padrão: amizades e casamentos572573 duram, em média, 10 anos. Por sua vez, a utilização de
palavras ao longo dos séculos, desde o século XVIII, uso e desuso, seguem ciclos de quinze
anos (consideremos “em média”, algo menos ou mais).

Como explicar estes fenômenos, estas leis? A resposta parece estar na subjetivação da
objetividade no capitalismo, desde sua instabilidade: o ciclo crescimento, superprodução,
estagnação, crise, recuperação – em ciclos decenais, mais ou menos, dez em dez anos.

As mudanças na totalidade extimulam as demais mudanças.

È evidente a influência de ciclos menores sobre hábitos, como no caso das quatro estações do
ano. Um El Niño também cumpre tal papel quando gera seca e maior calor no nordeste. Outra

572
Consideramos os casamentos por amor com separações por desamor, incluindo certa tolência da
convicência. O balizador é os casamentos com separação, tempo médio de separação ou os anos médios
quando tende a ter mais separações.
573
O amor romântico é um ter quase perdendo ou um desejar quase tendo. Como os demais
sentimentos humanos, começa e acaba.
interessante influência natural, não social, parece estar nos ciclos solares, quando o anel solar
faz movimento de dilatação e contração574:

Todas as manchas solares desapareceram do lado do Sol que permanece virado para a Terra,
relataram cientistas do Instituto de Física Lebedev, em Moscou, após análise de fotos tiradas há
duas semanas. Consequências podem ter grande efeito sobre todo o planeta.

Em setembro passado, a Nasa anunciou a maior erupção solar em 12 anos, considerada


“inesperada”, uma vez que o Sol caminha para um período de mínimo solar, isto é, quando as
atividades solares diminuem.

Com base em observações de outras estrelas parecidas com o Sol feitas pela sonda americana
Kepler, os cientistas dos EUA já haviam anunciado em 2016 que o Sol estava entrando em uma
fase especial de sua evolução magnética. Esses resultados ofereceram a primeira confirmação
real de que os ciclos de manchas solares de 11 anos iriam provavelmente desaparecer por
completo e que o Sol teria menos manchas do que na primeira metade de seus 10 bilhões de
anos de existência.

Inicialmente, porém, os cientistas pensaram que isso aconteceria de forma lenta, mas, segundo
pesquisadores do Instituto Lebedev, o processo já ocorreu: as manchas solares maiores, assim
como erupções associadas, desapareceram no Sol.

“Com base na imagem que estamos vendo agora, o Sol está se movendo inevitavelmente para
outra redução, que será atingida no final de 2018 ou primeiro semestre de 2019”, declararam os
cientistas em um comunicado.

Essa é apenas a primeira etapa do processo, contudo. De acordo com os pesquisadores, as


regiões de plasma quente também desaparecerão, e a radiação solar acabará sendo reduzida a
zero.

“Finalmente, quando atingir o ponto mínimo, a energia magnética solar quase desaparecerá por
completo”, disseram os pesquisadores. “Nessa forma, nossa estrela pode existir de vários meses
a um ano, após o qual novos fluxos do campo magnético começam a flutuar das profundezas do
Sol, aparecem as primeiras manchas solares, e o ciclo solar inicia uma nova revolução por 11
anos.”

Atualmente, manchas e até mesmo erupções isoladas podem ainda aparecer por um curto
período, mas tratam-se das últimas atividades. Segundo os estudos, as manchas solares
desaparecerão completamente nos próximos 2 a 3 meses.

As consequências para a Terra podem ser uma temporada mais intensa frio, gelo e fortes
nevascas. A última chamada “pequena Era do Gelo”, observada nos séculos 17 e 18, coincidiu
com a conhecida “falha do ciclo solar, durante a qual, por 50 anos, quase não houve manchas
solares no Sol”, explicam os acadêmicos.

Na época, a “pequena Era do Gelo” provocou invernos mais rigorosos na Europa e na América
do Norte. Em meados do século 17, fazendas e aldeias dos Alpes suíços foram destruídas por

574
geleiras que invadiram o território do país. Os canais e os rios na Grã-Bretanha e na Holanda
frequentemente congelavam, e os primeiros colonos na América do Norte relataram invernos
excepcionalmente severos.575

Publicamos notícia na íntegra:

Uma nova pesquisa revelou que, usando big data para analisar conjuntos de dados maciços de
notícias modernas e históricas, desde mídias sociais a páginas da Wikipédia, pode-se observar
padrões periódicos no comportamento coletivo da população, que poderiam passar
despercebidos.

Acadêmicos do projeto ThinkBIG, da Bristol University, liderados por Nello Cristianini,


professor de Inteligência Artificial, publicaram dois artigos onde analisaram padrões periódicos
de conteúdo e consumo de mídia diária: primeiros investigando jornais históricos, em seguida
os posts do Twitter, e as visitas à Wikipedia.

Os dois conjuntos de achados, considerados em conjunto, mostraram que o comportamento


coletivo das pessoas segue padrões periódicos fortes e é mais previsível do que se pensava
anteriormente. No entanto, estes padrões só podem ser revelados quando se analisa as atividades
de um grande número de pessoas durante muito tempo, e até recentemente, esta era uma tarefa
muito difícil.

Usando tecnologias de big data, agora é possível obter uma visão unificada dos conteúdos de
jornais, dezenas de jornais ao mesmo tempo, abrangendo várias décadas ou analisando
conteúdos postados no Twitter por um grande número de usuários, ou até mesmo as páginas da
Wikipedia visitadas.

O professor Nello Cristianini, do Departamento de Engenharia Matemática, disse: “O que


emerge é um vislumbre das regularidades do nosso comportamento, que estão escondidas por
trás das variações do dia-a-dia em nossas vidas.

Nossos dois artigos mostraram, analisando conjuntos de dados maciços de notícias modernas e
históricas, mídias sociais e páginas de páginas da Wikipedia, que podemos obter um olhar sem
precedentes sobre nosso comportamento coletivo, revelando ciclos que certamente suspeitamos,
mas que nunca foram observados antes”.

O primeiro artigo, publicado na revista PLOS ONE, analisou 87 anos de jornais dos EUA e do
Reino Unido, entre 1836 e 1922. Os pesquisadores descobriram que o lazer e o trabalho das
pessoas eram fortemente regulados pelo clima e pelas estações, no Reino Unido e nos EUA.

rande parte de nossa dieta foi influenciada pelas estações, também, com tempos de pico muito
previsíveis para diferentes frutas e alimentos, e até flores, nas notícias históricas. O mesmo foi
encontrado para doenças, como a época de pico para o sarampo onde, em ambos os países, foi
detectado com mais frequência no final de março ao início de abril. Curiosamente, um indicador

575
https://br.rbth.com/ciencia/79470-planeta-esfriamento-profundo-cientistas-russos
forte foi fornecido pela reaparição muito periódica de groselhas, em junho, que não é mais
encontrada nas notícias modernas, junto com muitas outras tradições perdidas.

Isso pode parecer óbvio, mas a equipe de pesquisas também notou que certas atividades que
costumavam ser altamente regulares, como palestras no Natal, agora quase desapareceram, e
foram substituídas por outras atividades periódicas, como o futebol, Ibiza, Oktoberfest. De certa
forma, a TV substituiu parcialmente o clima como um fator importante de sincronização da vida
das pessoas.

No segundo trabalho, que será apresentado no próximo mês, em uma oficina, na Conferência
Internacional de Mineração de Dados (IADC) de 2016, os pesquisadores descobriram que as
estações também podem ter fortes efeitos sobre a saúde mental. A equipe analisou o sentimento
agregado no Twitter no Reino Unido, acrescido de acesso agregado à Wikipedia durante quatro
anos. Eles descobriram que o sentimento negativo é super-exposto no inverno, atingindo o pico
em novembro, e a ansiedade e raiva são super-expostos entre setembro e abril.

Ao mesmo tempo, uma análise das visitas da Wikipédia para páginas de saúde mental,
globalmente, mas fortemente dominadas pelo tráfego no hemisfério norte, mostrou sazonalidade
clara na busca de formas específicas de problemas mentais. Por exemplo, as visitas à página
sobre picos de desordens afetivas sazonais ocorrem no final de dezembro e as visitas de
transtorno de pânico atingem seu pico em abril, ao mesmo tempo das visitas à página sobre
transtorno de estresse agudo.

Juntos, esses dois artigos mostram que o uso de múltiplas fontes de grandes dados podem
permitir aos pesquisadores olhar para o comportamento coletivo e, até mesmo, para o humor e a
saúde mental de grandes populações, revelando ciclos, pela primeira, vez suspeitos, mas difíceis
de se observar.576

Mesmo não sendo uma influência mecânica, tendo desigualdade temporal relativa, verificar tal
hipótese, se correlação indica causalidade, exige comparar os momentos de um processo com os
demais. Esta é indicação de pesquisa. Crise econômica corresponde, com algum atraso, por
exemplo, ao aumento na taxa de divórcio? Sendo intuitivo, dados empíricos podem formalizar
em nível científico.

Podemos afirmar, de já, a seguinte conclusão: os padrões cíclicos gerais e externos aos
indivíduos, naturais e sociais, influenciam em enorme medida seus hábitos, ciclos e padrões
destes. O trabalho científico é descobrir se há outras influências cíclicas gerais e regulares, pois
já tempos prova de isto assim ser.

Mudanças nos hábitos, por evidente, alteram fenômenos da psique.

Fica, então, um segundo desafio para pesquisa posterior. Antes, justifiquemo-nos: padrões e
correlações nem sempre indicam causalidade. Exemplos fora do padrão nem sempre negam o
padrão ou tendência. No mundo antigo, primitivo, a falta de método científico fazia com que a
busca de correlações fosse o principal método – supondo causalidade mística. Exemplo: o deus
da floresta não gosta que desmatemos as margens; se ficar com raiva, joga água do rio sobre

576
https://universoracionalista.org/megadados-nos-mostram-que-o-comportamento-coletivo-das-
pessoas-segue-fortes-padroes-periodicos/
nós. Há elementos de verdade no erro, por isso servia à vida prática e tinha validade social. De
um conto escrito por mim, entrego o desafio: e se algum elemento – a luz ou algo dela – no
processo de translação da Terra ao redor do Sol influenciar, na hora do nascimento, a estrutura
cerebral da criança e, logo, parte de sua personalidade (como um dos elementos, como
tendência, nunca determinístico)? É um desafio e um tabu: depende de ousadia e provas
empíricas.

M) LÓGICA, ADOECIMENTO E PRECONCEITO

O racismo surge com o capitalismo. Afirmar inferioridade e falta de alma ao negro foi forma de
justificar a desumanização do outro perante a escravidão. Cabe-nos, aqui, tratar certos
mecanismos de repasse geracional de tal erro na subjetividade.

O preconceito com a pele negra relaciona-se numa lógica primária e falha: a indução. Este
método florece na pseudociência contemporânea. Daiamos exemplo: filhos de mulheres com
quadril longo são mais inteligentes… Logo, fica sugerido haver causalidade nessa correlação
puramente estatística, de uma pesquisa qualquer, como se houvesse relação real577.

Em certo sentido, a realidade reforça o racismo, nesta percepção limitada: por causa da
escravidão, os negros possuem mais pedras no caminho, facilitando com que entrem na
bandidagem. A causa social e histórica é camuflada e justificada pela cor da pele.

577
Mulheres "com curvas" podem ter filhos mais inteligentes devido ao alto conteúdo de ácido das
gorduras poliinsaturadas dos quadris e que são de suma importância para o desenvolvimento do
cérebro no feto.
Assim revela um estudo que será publicado esta semana na revista oficial da Human Behaviour and
Evolution Society, que foi realizado pelas universidades de Pittsburgh (Pensilvânia) e da Califórnia.
De acordo com um excerto do estudo divulgado nesta segunda-feira (12), em diferentes testes
cognitivos realizados em filhos de mulheres com corpo do tipo "violão", estes ofereceram um
coeficiente de inteligência superior ao das mães com quadris estreitos.
O fato de que os filhos de mães com quadris largos e uma cintura estreita tenham notas altas nos
distintos testes de inteligência aos quais foram submetidos, levou William Lassek da Universidade de
Pittsburgh e Steven Gaulin, da Califórnia, a concluírem que os fetos se beneficiam de uma provisão
rica nos ácidos das gorduras poliinsaturadas.
O estudo, que foi feito com 16.000 mulheres e meninas, assinala que, em conseqüência, aquelas mães
com quadris estreitos carecem dos ácidos, e portanto, seus filhos têm uma falta desses nutrientes.
A análise revela que esta pode ser a razão pela qual, segundo vários estudos, os homens prefiram a
mulheres com curvas.
O relatório realizado por Lassek e Gaulin também revela que esta teoria evidencia as razões pelas quais
os filhos de mães jovens tem resultados ruins nos diferentes testes de inteligência.
Isso seria porque estas mães adolescentes não têm ácidos suficientes procedentes das gorduras
poliinsaturadas. (Griffo nosso. Fonte:http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL178786-
5603,00.html)
Alguns padrões percebidos pelo método indutivo possuem validade, mas este método não pode mostra
a verdade ou acaso de suas conclusões.
Isto apenas pouco basta, pois o homem é perceptivo-emocional. Ou seja: além da lógica
indutiva, há uma relação subjetiva sendo construída. E torna-se, em certa medida, pré-
consciente. Listemos:

1) Percepção limitada, indutiva;


2) A relação afetiva com os pais, quando expressam racismo, educa subjetivamente os
filhos nas concepções daqueles;
3) Para a indução lógica e subjetiva do preconceito, a reptetição – repetição de fenômenos
de preconceito – tem seu papel sugestivo sobre o modo de perceber e sentir. Assim, o
método indutivo parece ter status de verdade: o social parecer natural e falsa conclusão
dispensar fatos reais confirmantes (prática, critério da verdade). Exemplifiquemos: um
hétero e um homossexual possuem hábitos mal educados, porém a indução imposta pelo
preconceito associa homossexual = maus hábitos, uma correlação falsa e válida apenas
ao indivíduo em questão. Assim, apenas no segundo caso um homofóbico dirá “isso é
coisa de baitola”, por uma falsa coreelação predeterminada.

Combater o racismo exige maior disciplina e autoconsciência para gerir-se e refarzer-se


(processo sempre incompleto ao indivíduo enquanto existir capitalismo, necessitante de
opressões para dividir a classe trabalhadora).

Pelo menos certos adoecimentos mentais seguem o mesmo princípio: lógica indutiva, reforço
(negativo e positivo) e emoção. Podemos afirmar: trabalho clinico do psicóliogo deve ser,
também, trabalho por um salto lógico no analisado. Os próprios valores e morais sociais tende a
fazer perfis, adoecimentos, tendência de ação etc. como se fossse mais ou menos naturais.

N) SINCRONISMO

Aqui agregaremos, por alto, observações da ontropologia (escola limitada do ponto de vista
científico). Tal os demais pontos, daremos exemplos:

1) Observei diálogos de colegas de classe na universidade UESPI. Em torno de alguém


extrovertido, papel de líder e comunicador, os amigos juntavam-se antes das aulas. No
passar do tempo e das conversas, seus corpos faziam movimentos, tendo por resultado
final: um círculo formado por aquelas pessoas, pernas abertas em forma de “v”
invertido, tão estável quanto possível, onde até certos outros movimentos corporais
igualavam-se (mãos no bolso ou braços cruzados etc.);
2) Os movimentos corporais empáticos possuem como principal fator a imitação, como
espelho, do movimento de outrem: cruzo as pernas quando quero me aproximar
subjetivamente de alguém de pernas cruzadas;
3) Os hábitos coletivos em um determinado espaço (casa, escritório etc.) tendem a um
ritmo e lógica internos de interação entre as pessoas;
4) Hipótese não comprovada, mulheres relatam a tendência à sincronização do período
menstrual entre aquelas com as quais convivem e agradam-se;
5) É possível fazer leitura corporal do estado da relação de um casal por meio de suas
posturas ao dormirem. Por exemplo: um de costas para o outro, costas encostadas, e
movimento espelhado idêntico – ideia de harmonia entre eles.

Esta tendência ao sincronismo é uma dimensão intersubjetiva na objetividade social. No mais,


corresponde ao desejo, dimensão psíquica, por harmonia, ordem, organização, integração etc.

O) CICLOS VICIOSOS

Há uma permanência verificável, em ciclo, de um problema psíquico: o próprio problema


retroalimenta-se. Há um movimento circular de rearfirmação. Assim, a vida aparece qual
“profecia que se autoconfirma”: vazio imenso de solidão, crônico, pode gerar uma pessoa
que, ao encontrar alguém, seja um falador compulsivo – afastando os próximos por reação à
postura mono; o medo de passar por uma situação constrangedora faz a pessoa cometer
falhas.

P) SONHOS
Para Freud, existe o conteúdo manifesto (simbólico e absurdo) e conteúdo latente (real e
lógico).
Penso, no entanto, que Jung tem alguma razão.
O conteúdo manifesto pode ser não o absurdo; mas o lógico, o essencial, revelado em
forma mais pura. É o conteúdo na forma.
Exemplos pessoal. Sonhei-me numa igreja do Vaticano; encontrei o túmulo de Jesus
após descer uma estreita escada em espiral; saio e volto com minha esposa, para mostrá-
la o Jesus enterrado. Ao acordar: eu estava com um lençou cheio de imagens de Cristo,
com cabelo e barba ao estilo de Jesus, perto do natal, após ressuscitar ao terceiro dia
(três dias no hospital por tentativa de suicídio).
Há aí o “arquétipo profundo” (Jung).
O sonho não disfarçou, mas revelou o inominável.

Q) PERFIS PSICOLÓGICOS
A psicologia focada na classificação e perfis faz trabalho pouco frutífero e inferior do
ponto de vista científico. Surgem inúmeras, variadas e corretas formas de separar e
classificar os tipos humanos.
Freud estava correto ao fazer apenas localizações muito gerais. A questão, portanto, está
em compreender o processo de concebimento dos jeitos e desjeitos.
Das pistas da psicalálise e da superada ciência florence, podemos afirmar, modo geral: o
tipo humano singular veste a roupa do que é, na própria pele. O rosto, o perfil do corpo
etc. estão em sintonia com a personalidade daquele (tenta medir o tempo todo nosso
cérebro).
Qual o motivo? A personalidade se forma, por exemplo, por hábitos, que formam a
psique e, ao mesmo tempo, dão um perfil físico. Também, outro exemplo, se
considerado belo ou feio, terá consequências no desenvolvimento mental do sujeito.
Quando tal mulher, possuída de inveja, diz outra ter “cara de rapariga”, diz para além de
seu preconceito pseudoconservador.
Outra, invertida, relação causa-efeito: o perfil psicológico produz hábitos que, por sua
vez, influenciam o perfil corporal. Estas interrelações geram, em geral, perfis
psicofísicos.
Abstraiamos:
1. Hábitos formam perfis psicológicos e físicos;
2. Perfis psicológicos formam hábitos e perfis físicos;
3. Características físicas formam perfis psicilógicos e hábitos;
4. Padrões sociais influenciam o papel de pessoas (psique) e seus hábitos;
5. Combinação dinâmica dos fatores acima postos.

R) DÉJÀ VU

Porque nossa mente faz projeções consciente e inconscientemente, ocorre de uma “antecipação
ideal” ser confimada com muita precisão na realidade. Porém, a mente apreende apenas o
resultado, na satisfação, sob sensação de “já haver vivido isto”.

Logo, há relação entre déjà vu e (alto) nível de ansiedade.

Parace que, abstraído o pepel da ansiedade, Freud havia deduzido tal conclusão (por isso
relembramos o autor o caráter preliminar destas notas e o risco de reinventar a roda). Partamos,
agora, das tácnicas modernas:

E a suspeita de um grupo de pesquisadores do Reino Unido, França e Canadá é que o problema


tenha sido desencadeado por um excesso de ansiedade.

Déjà vu (que significa "já visto" em francês) é a expressão usada para descrever aquela sensação
de que você já esteve em determinado lugar ou já fez a mesma coisa antes, ainda que o senso
comum lhe garanta que isso não é possível.

Pesquisas indicam que cerca de dois terços das pessoas experimentam essa sensação pelo menos
uma vez na vida, mas se sabe muito pouco sobre suas causas.

O jovem britânico com déjà vu crônico chegou a ter de evitar assistir televisão, ouvir rádio ou
ler jornais, porque ele sempre sentia que já tinha se deparado com aquelas histórias antes.

Segundo Chris Moulin, neuropsicólogo cognitivo da Universidade de Bourgogne que está


envolvido no estudo do caso, o jovem tinha um histórico de depressão e ansiedade e uma vez
usou a droga LSD na universidade, mas era completamente saudável.

"Ele ficou completamente traumatizado com essa sensação constante de que sua mente está
brincando com ele", diz Moulin.578

O estudo acima trata de um caso crônico que pode ser generalizado.

578
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150124_dejavu_constante_ru
S) NECESSÁRIA HARMONIA

Sócrates percebeu uma necessidade humana, mental: alcançar a harmonia, o permanente, o não
contraditório e, por consequinte, o belo e proporcional. Isto possui inúmeras expressões
particulares e singulares: valor artístico, prazer das formas geométricas, o sucesso dos vídeos
onde médicos tiram cravos, o modo de viver o amor sexual etc.

A íntima busca por tal cartase, em amplitude, gera movimento contraditório, pois está diante da
complexidade da vida.
DA POLÊMICA SOBRE A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA

1.

Marx e Engel consideravam Darwin um dialético materialista por instinto. Este último
apresentou o processo, dialético, de evolução dos seres vivos.

Entre outras categorias, a evolução demonstra a dialética entre o necessário e o acaso. Exemplo:
certa mutação aleatória – causando, por exemplo, mudança de cor em um animal – revela-se na
descendência, gerando vantagens ou desvantagens adaptativas. Há seleção natural. A mudança
casual, por erro na replicação do DNA, pode entrar em acordo, ou não, com as leis da natureza
orgânica.

Em seguida à mudança: mutualismo, “corrida armamentista”, tentativa de reprodução etc.


cumprem o papel seletivo.

Este é o processo central.

No entanto, precisamos agregar uma rede de causalidades na origem de novas espécies. Uma
mesma consequência pode ter inúmeras e diferentes causas.

Listemos:

1. Mudança nos genes – com posterior possibilidade de sobrevivência.


2. Influência do ambiente – herança hereditária, uso e desuso.

Este era considerado por Darwin, mas descartado após descoberta da genética. Hoje, retoma-se
com dificuldade esta conclusão:

FOLHA - Mas são só os exemplos que estão errados? Ele não teria formulado a hipótese errada
para explicar as coisas?

JABLONKA - O pensamento dele era muito simples. Ele falava de mudanças fisiológicas que
ocorrem em decorrência do esforço que o organismo faz para comer, ou no caso do uso e do
desuso de órgãos. Ele sabia que em cavernas, animais perdiam seus olhos. Então disse: "Veja,
eles não estão usando, e essa mudança fisiológica é transmitida aos descendentes". Isso fazia
bastante sentido. Quase todo mundo no século 19 pensava assim. Lamarck achava que as
mudanças fisiológicas que os animais sofriam eram imediatamente traduzidas em mudanças
herdadas.

A coisa não é tão simples quanto ele pensava, mas nada é tão simples quanto as pessoas do
século 19 pensavam. O modo como aprendemos Darwin e o interpretamos hoje não é o modo
com que ele descrevia a própria teoria. Se você analisar "A Origem das Espécies" e "Variações
em Animais e Plantas sob Domesticação", verá que Darwin tinha uma teoria hereditária
totalmente lamarckista. Dizer que alguém é lamarckista é chamar essa pessoa de estúpida,
confusa e dizer que ela não sabe o que fala. Na história do lamarckismo há muitos charlatães,
mas isso existiu também no darwinismo. A eugenia criou muitos horrores.
Acho que chegamos ao ponto em que podemos dizer: "Veja, não vamos adotar o lamarckismo
no sentido antigo". Claro que não. Mas há mecanismos que permitem que variações induzidas
pelo desenvolvimento sejam herdadas. Quem não quiser chamar isso de lamarckismo, pode dar
qualquer outro nome. Mas eu acho que é compatível com o que Lamarck e outros lamarckistas
falavam.

Acho que aquilo que eu espero pode acontecer em uns dez ou vinte anos, quando eu já for uma
velha senhora (risos). Espero viver para ver os manuais para estudantes de ensino médio escritos
de modo diferente: "Houve um período de 60 anos no qual o lamarckismo foi considerado uma
impossibilidade, mas agora sabemos que há alguns processos lamarckistas na hereditariedade
etc."579

Serve de exemplo a importância da mudança de dieta – introdução da carne e do cozimento – na


formação de nossa espécie.

3. Reprodução entre espécies.

Uma população de pássaros foi descoberta no Arquipélago de Galápagos, no oceano Pacífico,


em processo de evolução para gerar uma nova espécie.

É a primeira vez que pesquisadores conseguem acompanhar um acontecimento como esse em


campo.

Por mais de quatro décadas, cientistas monitoraram uma população de tentilhões, ave típica da
região, na ilha Daphne Major. E, assim, conseguiram acompanhar de perto o processo de
geração da nova espécie.

(…)

A nova população de pássaros é suficientemente diferente na forma e nos hábitos das aves
nativas - indivíduos de populações distintas não acasalam com eles.

No passado, acreditava-se que duas espécies diferentes não poderiam produzir descendentes
férteis. Mas, nos últimos anos, foi estabelecido que muitas aves e outros animais que
consideramos espécies únicas são, de fato, capazes de cruzar com outros para produzir uma
linhagem fértil.

"A tendência é não discutir mais sobre o que define uma espécie, porque isso não leva a lugar
nenhum", diz Butlin.

Segundo ele, o mais interessante é compreender o papel que a hibridização pode ter no processo
de criação de novas espécies, razão pela qual a observação dos tentilhões das Galápagos é tão
importante.

579
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1111200701.htm
Os pesquisadores acreditam que o macho original deve ter voado 65 milhas da ilha Española,
seu habitat natural, até chegar a Daphne Major. A distância é considerada longa para um
pássaro, o que deve ter impedido sua volta para casa.580

4. Grandes mudanças ambientais.

Ligado às demais influências, além da 2, aprofundemos.

Engels expôs a evolução dialética em biologia por “mudanças de quantidade”: acúmulo de


mudanças quantitativas gerando mudança qualitativa, nova qualidade. Enquanto a dialética
social processaria este modo ao lado dos saltos-rupturas, acúmulo de contradições.

No entanto, as novas evidências revelam o papel dos saltos-rupturas na formação de espécies,


mamíferos, seres mais complexos etc. Exemplo: a queda do meteoro extinguindor dos
dinossauros gerou salto de contradições no ambiente terrestre, por sua vez extimulando e
forçando mudanças adaptativas. As eras glaciais exercem mesma influência.

As grandes extinções cumprem papel decisivo na formação de novas espécies, cada vez mais
complexas.

Parece ser bem estabelecido entre os paleontólogos que a diversificação durante intervalos de
recuperação, após extinções, ocorrem de maneira relativamente rápida em relação às taxas de
fundo, mas não compreendemos muito bem qual seria o impacto destes processos de
recuperação nos padrões evolutivos de longo prazo. Os paleontólogos têm discutido
acalarodamente se a diversidade tem aumentado ao longo dos últimos 251 milhões de anos, que
se seguiram à extinção a maior extinção em massa que temos notícia, a Permiano-Triássica,
como afirma paleontólogo Richard Bambach do Smithsonian Museum of Natural History, por
exemplo; e como afirma David Jablonski:

“Tem havido muita conversa sobre o papel evolutivo das extinções em massa, mas é como o
clima. Todo mundo fala sobre isso, mas ninguém faz muito sobre isso.”

Segundo ele, ninguém até o momento pensou em como a dinâmica de recuperação das biotas
que se segue a uma grande extinção, depois que o pior já passou e os ecossistemas já se
acomodaram em um novo equilíbrio, influencia as taxas de evolução posteriores. Mas existem
pistas que sugerem que as coisas mudam tanto que os esses padrões tendem a muda pelo menos
até um novo evento de extinção ocorrer, portanto não é limitado só ao período de rápida
diversificação que em geral segue-se as extinções:

“Mas o maravilhoso é que quando eles encontram um novo equilíbrio, é um ritmo evolutivo
diferente daquele que prevaleceu durante os últimos 50 milhões de anos. Os sobreviventes da
extinção em massa, ou o mundo que eles herdaram, é tão diferente do que aconteceu antes que a
taxa de evolução é alterada permanentemente."581

580
http://www.bbc.com/portuguese/geral-42107956?ocid=socialflow_facebook
581
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/extincoes-reajustma-o-passo-de-evolucao
Ao destruir o meio ambiente, a possibilidade de o homem entrar em extinção colocará a
natureza diante de novos desafios evolutivos.

5. Influência inorgânica.

Exemplo da radiação, dos raios gama – que tiveram também importância no acúmulo de
energia, antientropia relativa, para a formação da matéria orgânica – etc.

6. Ação humana.

O desenvolvimento das forças produtivas inclui ação sobre as características de outros seres e
geração de novas raças e espécies.

2.

A combinação mutualista de seres unicelulares formaram seres complexos, a exemplo das


águas-vivas.

Se olharmos o corpo humano por outra perspectiva, aparece-nos enquanto uma combinação
mutualista muito complexa entre seres unicelulares. Mas isto é verdade ser considerarmos as
partes. Se incluímos o todo, este mostra-se mais do que a soma das partes existente e existentes
em si. A maioria dos corpos do corpo, por suas funções especializadas, apenas existem se existe
o macrocorpo. Por outro lado, há inúmeras relações mutualistas com corpos “externos”: vírus a
existirem em nosso esôfago alimentando-se de vírus que decaem dos alimenros ingeridos,
bactérias e fungos típicos da região intestinal ou vaginal, etc. Por mais que, reunidos, pesem
mais do que o humano em si, a autointegração do corpo geral é qualitativa (uma motanha pode
ser feita mais de “vazio” relativo à matéria em si, mas suas interrelações são qualitativas). Na
medida em que a técnica moderna torna-se capaz de observar as ações nuclerares, particulares,
percebemos algo como um sistema interno, com divisões de tarefas, com perfil e vontades
inerentes, mantendo a unidade totalizante; parecem seres vivos do ser vivo. Os seres
pluricelulares não podem ser simplesmente entendidos pelas suas decomposições em seres
unicelulares em relação, porém faz possível ver dentro do complexo sua origem no simples e a
permanência deste naquele. Somos o mundo de um sistema vivo, de vivos, interno; de vivos se
integrados.

Os seres vivos unicelulares formam ao combinarem-se, no processo evolutivo, sistemas vivos.


A vida complexa, pluricelular, pode ser observada enquanto sistema, dotado de processo e
estrutura.

A própria formação do feto na sua gênese reproduz lógica e analogamente a formação do ser
unicelular, sua replicação, associação e complexificação.

3.

O desenvolvimento das espécies segue as seguintes leis gerais de quantidade.


1. Tendem, desde o impulso das leis evolutivas, a cada vez mais espécies, maior
variedade;
2. Aumentar de tamanho e volume e, depois, diminuir relativamente;
3. Quanto maior as proporções de uma espécie, menor tendencialmente a quantidade de
exemplares vivos – quanto menor, maior a quantidade.

As leis segunda e terceira precisam de algum complemento. Muitos insetos, corrente


intermediária de grande parte da cadeia alimentar, eram enormes por causa quantidade de
oxigênio na atmosfera, porque respiram pela pele. Logo, os seres que os consumiam tendiam a
proporções maiores; e ainda mais os que deste se alimentavam. Se, com fonte de respiração
limitada, alguns seres reduzem, altera com alguma demora toda a cadeia. Outros fatores também
influenciam: queda de um meteoro causando sombra de poeria e morte dos maiores seres, ação
humana predatória, etc. Quanto menor, maior a probabilidade de viver com pouco, de ter
abundância relativo aos seus tamanhos e necessidades, etc. ao mesmo tempo servindo de
alimentos para seres de maior porte. Visto na guerra pela vida, a proporção corpórea maior
costuma ser condição – relativo ao caçado, ou aos da mesma espécie, ou de outras em busca do
mesmo alimento – para vitória nas caçadas; mas os limites relativos de população são
alcançados com maior facilidade.
MATEMÁTICA E MATERIALISMO

1.

Matemática é lógica específica, instrumento. Não é ciência – instrumento desta.

Ao ligar-se ao trabalho intelectual, a matemática “abstrata”, longe de questão práticas,


ganha cada vez mais força. Numa visão imediata, isto soa antimaterialista – concepção com a
qual discordamos.

A abstração pura é uma conquista do animal homem, fruto de sua evolução social,
civilizacional. Logo, deve ser defendida em si.

Ademais, problemas insolúveis e/ou totalmente fora de aplicação podem encontrar


aplicação plena ou parcial nas próximas revoluções científicas – assim, há antecipação abstrato-
lógica de futuras descobertas.

Enfim, o materialismo marxista está longe de desdenhar do reino da ideia, pois o


considera parte da matéria. Cabe-nos apenas não inverter quem é a criatura e o criador.

A lógica dialética é ainda mais pura no trato de suas categorias em relação aos signos
matemáticos.

2.

A lógica – enquanto estudo especializado, separado – tem como objeto a si, sendo
instrumento da ciência. A matemática, por exemplo, é um instrumento das humanidades, ou
deveria.

3.

A matemática tem seus limites humanos. Por exemplo: alguns admiradores práticos da
ferramenta possuem personalidades incapazes de lidar com a contradição. Em alguns casos,
matemáticos e afins têm dificuldades de entender ironia e outros recursos artísticos ou
sofisticados. A matematização moderna, apesar de ter muito avançado, partiu da premissa da
não-contradição, atraindo este perfil (a exemplo de pessoas que buscam ordem na desordem
pessoal). Isto dificulta uma intimidade qualitativa entre dialética e lógica matemática. Também
serve ao perfil das classes médias aristocráticas, desacostumadas com o stress. Logo, formação
humanista e filosófica muito tem a ajudar a esta área; além do estímulo de uma renovação
revolucionária da sociedade. A luta de classes revela-se até na estrutura óssea dos “cidadãos”.

4.

O número zero tem duplo caráter: ser e não ser. Um existir inexistente: existe porque
ligado ao existente.
Ao inverso, Frege pensa o duplo caráter em termos evolutivos: do zero ao um, dois…
De modo diferente, nas interrelações: porque existem os números, pode existir um número não-
número.

5.

O mesmo duplo caráter, mas invertido os polos, dado ao número zero, no ponto 4, pode
ser dado ao número um.

Duplo caráter do zero: não-sim.

Duplo caráter do um: sim-não.

Se considerado único e em relação apenas consigo, o um é e não é. Se retiramos ou


consideramos ainda inexistentes os demais números, a singularidade do número um torna-o um
número não-número, pois está fora alguma interrelação com outros. Apenas é em plenitude
número numa relação numérica. Diferente acontece com o dois, onde o plural e a pluralidade
passam a ser marca, da sua natureza.

No 1 está todo o segredo e o mistério.

Partamos, para o próximo raciocínio, de Frege. Se no número um há a condição para


fundar o dois, depois o três… Então, como o um, sendo uno e singular, pode prover o dois?
Apenas em relação consigo? É preciso, logo, haver dois um… um em interação com um, 1+1,
uns. A nova qualidade, 2, está antecipada em latência e potência na quantidade de outra
qualidade, 1.

6.

Não sendo o autor matemático e sendo observação, trataremos por fora da – tão
criticada por Hegel – linguagem matemática.

Um raciocínio apressado pode supor ser o estudo do Limite uma área dialética da
matemática. Porém a relação processual, de tendência, ainda fica aquém dessa lógica (e mais
próximo da lógica fenomênica).

É possível transcender, suprassumir, tal elaboração? Se sim, o resultado tendente a zero,


por exemplo, terá em sua formulação, a mudança do ponto tendente ou referencial, o limite
tender à, caso ocorra processo de afastamento. Se tender a zero, mas afasta-se, passa a tender a
dois ou tender a tender a dois.

7.

Há exemplos de matemática dialética?


A conjectura de Collatz – 3n + 1582 –, enigma da matemática, já existe expressa na
realidade e na (crítica da) economia política. Por isso, uma expressão matemática abstrata.

Supondo o leitor ter conhecimento ou pesquisado sobre a natureza da conjectura e a lei


da queda tendencial da taxa de lucro, vamos à correspendência. Vejamos este cálculo:

l’= _m_
c+v

Ou:

l’=_l_
C

Em movimento, C (c+v) tende a aumentar o peso de c (capital contante) relativo a v (capital


variável), nomeado elevação da composição orgânica do capital, por dois meios:

1. Aumento do preço, expressão do valor, do maquinário e matérias primas relativo ao


custo com trabalhadores;
2. Diminuição do custo dos trabalhadores substituindo-os, em número, por máquinas mais
produtivas.

Em médio prazo, isto diminui a taxa de lucro (l’), mesmo quando aumenta a massa deste.

E aparece, então, a intimidade das duas equações. As formulações são o “primeiro motor”,
em relação consigo, fazendo definhar uma “substância aparencial”. Seus movimentos abstratos,
a autocontradição dos cálculos, expressam o mesmo processo: sequência entre elevação e queda
de seus resultados, na forma de ondulações, contratendência da própria tendência,
encaminhando-se para potencialmente o resultado 1 ou, irrealizável, 0.

A conjectura, autorresolvida, teve em Marx o primeiro ultilizador concreto e dialético.

8.

Em forma de questionário, tentaremos responder a Conjectura de Collatz (o leitor


encontrará em buscas pela web artigos sobre o “enigma simples”).

A conjectura sempre decairá para 4, 2, 1 (números de granizo ou maravilhosos)?

582
Formulação: se n e os resultados forem pares, dividimos por 2; se ímpares, multiplicamos por 3+1.
Sim. Pois: a conjectura 3n+1 faz com quem a multiplicação por “n” seja meio, caminho
indireto, por curva, para 3+1, quer seja, 4 dividido por 2…2/2=1.

O final está no ponto de partida, causa de si próprio.

Dar-se tal processo por quê?

Porque o cálculo mostra-se razão de si, tem em si um automotor. Expressa-se na


tendência (dividir por 2) e na autocontratadência da conjectura (vezes 3+1), onde um estimula a
aplicação do outro e vice-versa.

Qual a lógica interna do processo?

Os resultados tomam a forma de ondulações, contratendência da tendência, até a


tendência impor-se rumo a 1 ou, indiretamente, 0.

Esta é a única forma de expor?

Não. Se partirmos hierarquizando os diferentes resultados, de trás para frente, teremos


algo novo. Mas, antes, vejamos este gráfico aparencial:
Nele583, observamos quanto certos números mostram-se nas diferentes aplicações de
“n”. Há, para além, a possibilidade de ver de outro modo. Tomemos como ponto de partida:
quanto menor o número, maior a probabilidade de ele ser repetido no processo (estamos
agregando os diferentes resultados). Então, para começarmos a construir outra visão, pensemos
os números de baixo valor e alta repetição no centro e na parte de baixo de um novo gráfico.
Neste: 1, 2 e 4 ficarão, por evidente, um acima do outro em “linha” vertical e no ponto mais
inferior. Acima do 4, as probabilidades de um outro número ser parte dos resultados vai caindo
progressivamente, em escalada: quanto mais “alto”, maior o leque de opções e menor a
probabilidade. Então, na medida em que subimos, os números gráficos vão ampliando, saindo
do centro (onde estão abaixo 1, 2 e 4) para os lados. O que teremos ao fim? Uma espiral, 3D, ou
pirâmide invertida, 2D. De cima para baixo: espiral decrescente contínua. Mesmo supondo uma
apenas aplicação inical para “n”, torna-se possível intuir e abstrair a figura espiral em 2D e 3D
(quanto menor o número, mais abaixo e ao centro; quanto maior, mais acima e alternando para
as laterais).

No entanto, esta forma, um tanto mais visual, tem na forma de ondulação o modelo mais
condizente e dinâmico.

Como comparar a dialeticidade da conjctura com outras lógicas expressas na matemática?

As duas grandes lógicas são a formal e a dialética. Tratemos apenas da equação,


adaptando-a, para expressá-la ao modo da lógica fomal.

Lógica formal:

A=A

3x+1 = 4

Resultado: x = 1

Ou: 4 = 4

Esta mesma exposição, 3x+1, cujo resultado tendederá a cair continuamente ao alcançar o
resultado 4, passa por uma interação complexa ao supormos dividir por 2 em resultados pares e
multiplicar por 3+1 em resultados ímpares. Superamos a dedução e a indução. O resultado
movimenta-se em uma lógica inerente a partir da oposição contraditória interna à conjectura.

Como chegou aos resultados?

Há duas origens: a formal e a informal. Começemos pela primeira. Este é um caso em


que a matemática toma a forma dialética, lógica com a qual tenho maior afinidade. Do ponto de

583
Interaçõs necessárias para chegar 4, 2, 1 para númerps de 2 a 10.000.000.
http://www.bbc.com/portuguese/geral-36702054
vista informal, estava tentando desenvolver tipo novo de ficção científica baseada na criativa
pseudociência. Por isso, desejei aproveitar o problema da conjectura para inicar um conto. E,
após alguns meses, pensei se a “solução” teria algo de efetivo, de válido.

Há exemplo prático concreto do processo na conjectura?

Para dar corpo ao abstrato tratemos de um caso real, a vida (n = 8, 30, 77…). A tendência a 1 ou
0 chamemos morte, destino inevitável. Desde criança lutamos contra o fim: sentimos fome
(tendência) e comemos (contratendência), somos ameaçados e reagimos, sentimos sede e
bebemos, etc. Por um bom tempo, entre dificuldades e adoecimentos, parece ser a tendência real
ganhar vigor, fibra, pulsão de vida, energia, elevar-se, etc. Da juventude à fase adulta o corpo é
um hércules, um semideus cujas falhas e problemas são logo negadas e superadas. Porém,
adiante, entre subidas e descidas, entre saúde e doença, vamos envelhecendo; o destino começa
a se impor, passa a ser mais vezes recordado. Depois, somos o orgânico transformados em
matéria inorgânica (1) ou, relativo à vida, a forma de energia perdida, nada (0).
SOBRE A OBRA “A CRISE SISTÊMICA”

Proponho ao leitor ver este texto apenas após a leitura do livro: há uma lógica interna, aqui
exposta, onde a apreensão da totalidade precisa construir-se.

De início, tratemos das fontes. De Marx-Engels, tomo a totalidade de sua obra; de Lenin, o
principal texto foi “Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo” ao lado de “Últimos
Escritos” – também reivindicando suas contribuições gerais; de Trotsky, além de o conjunto da
obra, a teoria da curva do desenvolvimento capitalista, a lei do desenvolvimento desigual e
combinado e o método do programa de transição; de Kurz, sua descoberta da crise do valor-
trabalho com a correspondente financeirização; de Moreno, suas atualizações da teoria da
revolução permanente após a II Guerra; de Reginaldo Carcanholo, suas contribuições
“intuitivas” sobre o capital hoje, ao tentar atualizar a obra magna do marxismo; de Martín
Hernandez, a descoberta de como procedeu a restauração do capitalismo nos “Estados Operários
Burocratizados”; de Henri Lefebvre, a descoberta da importância da urbanidade na compreensão
do capitalismo; de Mészáros, a exposição de uma crise estrutural do capital; de Sérgio Lessa-Ivo
Tonet, agradecimento indireto por seus esforços em popularizar o método marxista, impedindo-
me desvios no processo de pesquisa. (Em recente, descobri a marxista brasileira Lenina, que me
tem dado ótima impressão; por isso destaco-a aqui, para divulgá-la.)

De sua estrutura: 1) inicia-se pela economia, infraestrutura; 2) avança para as relações sociais,
estrutura; 3) eleva-se para a superestrutura, subjetiva e objetiva; 4) ao fim, debate método, faz
apontamentos e preenche o temário. Este é um modo de ver. Vamos ao modo entrelaçado, ao
lado: cada capítulo é pré-condição do seguinte, como se um gancho invertido – o anzol vai das
profundezas rumo à atmosfera: após avanço, o que parece em si e completo, mostra-se
transição, supondo-se transitórios todos os capítulos e descobertas, ou seja, de umas para outras.
Em seguida, tratemos na relação teórica: 1) começo por atualizar – tentar – Marx-Engels; 2) em
seguida, a teoria do imperialismo de Lenin; 3) depois, a teoria da revolução permanente de
Trotsky; 4) em sequência, crítica geral do trato não ortodoxo, não “marxiano” ou “leniniano”, às
superestruturas: mente, cultura, filosofia, Estado, organismos etc. Terceiro modo: (per)sigo o
desenvolvimento próprio d’O Capital I, do começo ao fim, tal qual uma camada junto e em
paralelo aos livros II e III.

Quando tratamos de economia falamos, por necessidade, de mente humana, por exemplo – e
vice-versa. Daiamos exemplo inexperado: inúmeros capítulos trantam, duma ou doutra forma,
sobre o papel do ato de consumir na formação humana física, mental e social.

Nos capítulos dedicados à superestrutura, lanço críticas diretas e indiretas a Nahuel Moreno,
sendo morenista “ortodoxo”. Aqui, destaco-o não por suas limitações mas por sua grandeza. Ele
próprio nomeava sua corrente “trotskysmo bárbaro”; podendo sermos nomeados “marxistas
bárbaros”. Enfim, seus erros surgem pela dificuldade de formação intelectual, pela destruição da
IV Internacional, pela inexperiência, por ter sido um autodidata da praxis, por a revolução
europeia ter faltado – na curva de desenvolvimento histórico, o melhor momento para o
capitalismo, crises curtas e fracas com crescimentos longos e profundos –, pela hegemonia do
centrismo estalinista, por ter de se embrutecer para militar com firmeza. Seus acertos derivam
da busca constante por construir um partido mundial da revolução, pela obsessão por construir-
se nos meios operários, pela dedicação ao marxismo ortodoxo, por fazer balanços honestos e
corrigir erros, por ser paciente e firme quando na marginalidade política e social. Era uma fase
defensiva do marxismo. E foi quem melhor “segurou a onda”: longe do revisionismo, do
sectarismo, do centrismo e do ultraesquerdismo. Sua importância, ao pertencer a uma etapa
difícil e superada do marxismo, ainda falta ser dita e considerada.

Incluamos as limitações dos demais mestres. Marx-Engels pôde caracterizar o capitalismo por
ver este maduro, mas supondo-o quase no limite. Lenin percebe o salto qualitativo do
imperialismo, porém o tempo da política o impedia de prever esta “fase superior” em períodos,
de ascenção e declínio. Trotsky errou ao prever a impossibilidade de uma nova curva histórica.
Moreno atualiza o trotskysmo apenas de modo parcial, incompleto. Kurz erra, impressionismo,
na “premissa” ao adotar a “dialética negativa”, ao deixar de ver a transição, a mediação e o
suprimir-resgardar. Mészàros limita-se ao não partir de Trotsky. Martin Hernadez, ao oferecer
grande contribuição quanto à restauração capitalista, faltou perceber o salto qualitativo global.
Carcanholo, grande intelectual marxista, assim como Kurz, dá pouco peso ao trabalho de Lenin
e Trotsky (chegando a diminuir a teoria do imperialismo leninista), na tentativa de atualizar as
lacunas d’O Capital. Henri Lefebvre avança desde a geografia espacial, e fica limitado a esta
semiciência, pouco ampliando de fato questões classistas, por exemplo.

Também há inúmeros outros autores sobre os quais teço críticas indiretas, por meio de minhas
conclusões. Procedo assim por dois motivos: em primeiro, eles foram ponte, não muralhas, para
meu trabalho; em segundo, a produção ficaria longa, cansativa e academicista. Em geral, os
“marxismos” envolviam-se apenas consigo: imposssibilitando polêmica-confluência possível-
necessária.

Podemos tecer um comentário geral, um apenas: o marxismo cindiu-se em dois – o militante e o


acadêmico. São formas de produzir que estão cada vez mais diferenciados. Minha sorte foi ter
me tornado marxista militante por anos, com certo desvio sindicalista. Isto nos permite reforçar
o outro lado desta moeda: o atual marxismo prático esgotou-se em si próprio, caduca-se –
precisa reinventar-se mantendo o espírito ortodoxo.

Do ponto de vista do processo de produção, precisei de dez anos de estudos quase diários: raros
os dias em que deixei de dedicar algum tempo à compreensão da realidade. A obra em si levou
cinco anos de escrita, pesquisa, reorganização, atualização etc. Foi um inferno particular.

Este livro, porém, está inconcluso. De um lado, a realidade é maior do que a melhor teoria; de
outro, a crise sistêmica tenderá a fazer surgir um marxismo renovado, melhor, autocrítico,
teórico-prático e mais capaz (a própria contradição forçará a cognição).

Tratemos de anteciparmo-nos a algumas críticas.

Muito foco em dados empíricos. A dialética precisa de dados da realidade, mas o caso em
particular também revela necessidade de reforçar a verdade das teses: pois, não tendo prestígio
de qualquer tipo, ajuda a fortalecer suas bases. A coisa-em-si são as, estão nas, conclusões, não
(n)os dados. A hierarquia destes está, portanto, nas conclusões inexperadas da obra: por ir além
da “ortodoxia” posta – toda superestrutura, forma, é conservadora – antecipo-me por meio do
reforço, da veracidade, perante a extranheza.

Quanto às citações diretas, penso estar cristalino: ultilizo as citações do erro de outros para
mostrar, neles próprios, os caminhos do acerto. Algo socrático no modo de exposição: próximo
à dialética de Sócrates. É como se os autores olhassem, eles memos, suas contradições textuais
– e reais – vendo, ato contínuo, um salto a resolver o conflito por meio das próprias
observações. Isto é ultilizado ainda quando o citado quase-alcança a solução.

Também evito o estilo literário incrível de Marx e Trotsky, pendendo a Lenin e Engels, porque a
apresentação objetiva é de meu máximo interesse; além de evitar dúvidas desnecessárias. Assim
mesmo, aqui e ali, uso um pincel mais colorido e volumoso: isto para “despertar” o leitor. Logo
se percebe minhas tentativas de tornar a obra apreensível a um não doutor (meta que, aliás,
Marx fracassou n’O Capital). O aspecto “artístico”, literário, da obra está focada em suas
estruturas: em cada capítulo, fui ao encontro das formas correspondentes para a exposição
daquela matéria. Assim, seus aspectos, digamos, visuais são parciculares, conteúdo a conteúdo.
Ao concluir, espera-se, percebe-se: todos os capítulos tratam do mesmo tema-objeto de modo
cada vez mais exato, profundo e completo. O terceiro especto está no estilo pessoal: deixo claro
ao leitor qual o método, a intenção, o desejo de convencer e como procedo para isso etc. Este
jeito busca relação direta e honesta.

Sobre o caráter especulativo, de previsão, da obra, respondo com Trotsky: dirigir é prever.
Política é a arte de prever. Viver é tentar antecipar. Ou seja: um trabalho científico-filosófico,
digno do nome, deve tentar “previsão do futuro” materialista. Aos academicistas fica o medo do
erro enquanto manifestação do medo de desmoralização: vida é correr riscos – e um político, diz
o fundador do Exército Vermelho, tem de tentar descobrir os próximos movimentos. O
marxismo é também uma historicidade do futuro, do possível.

Outro assunto provável seria a dialética. Faço questão de usar as categorias puras, “de cara
limpa”, e desenvolvo-as ao lado e dentro do objeto concreto: assim, busco romper com a
tradição “o método dialético é algo sobre o qual todos falam, mas ninguém entende muito bem”.
Ao mesmo tempo, tomo a iniciativa de atualizar a ferramenta (e a função da ferramenta é ser
afiada para ser usada): adicionei novas concepções e categorias ao materialismo dialético –
foram tentativas. Por causa disso, pode parecer que, pelo modo de exposição, parti do modelo
para as conclusões. Não é o caso. Exemplo: ao pesquisar e estudar diferentes objetos – dinheiro,
Estados nacionais, capital global etc. – percebi (! – numa exclamação, num susto) seus
movimentos como um padrão em si abstraível, igual. O lado mais interessante, no entanto, foi: a
descoberta de novas categorias dialéticas por meio da pesquisa acelerou a própria pesquisa.
Base nova. De imediato, reparei que os clássicos – Marx, Engels, Lenin e Trotsky – já
ultilizavam tais formas (fôrmas) consciente, ou semi, ou in, apesar de faltar exposição formal.

O livro pode ser visto por inúmeros prismas, cores em cor: grau de alienação social desde 1970,
atualização do marxismo, análise teórica de conjuntura, teoria da transição, teoria da crise atual,
balanço do século XX etc. Tal tipo de definição pouco importa por si mesmo. Por isso, destaco
o aspecto importante, mas informal: a obra tem por objetivo a formação teórica marxista – das
novas gerações, em prioridade.

Por outro lado, faço o inverso de Marx: parto do geral para o singular enquanto ele foi da
mercadoria singular ao capital global. Perceptível; parece ter funcionado o modo de exposição.
Penso assim ajudar o leitor a romper com o “pensar global, agir local”. Este movimento – geral-
singular, geral – foi produzido com o cuidado necessário, de acordo com a busca por clareza
expositiva.

Do parágrafo anterior, acrescenta-se detalhe importante: tento, sempre quando possível,


reconstruir com o leitor o processo de descoberta: primeiro os dados, depois as conclusões.
Vamos avançando juntos, lado a lado, até o momento do “estalo”, da “sacada”: talvez seja mais
agradável, claro e educativo. Lembremos que não poucos autores disfarçam sua pobreza com
jogos labirínticos de linguagem.

Por fim, uma última crítica possível: o autor não tem erudição. De fato. Pertenço ao “marxismo
bárbaro”; e, embora isto tenha certo charme e orgulho, é uma falha em si. Fosse erudito, mesmo
não sendo aristocrático, tudo seria mais fácil, nobre e melhor. Como diz Marx, irritado: “Não há
um caso na história da humanidade onde a ignorância teve alguma serventia!” A universidade
sempre é burguesa, mesmo com professores honestos e marxistas. O ambiente acadêmico
desenvolve, inevitavelmente, vícios e limites entre intelectuais de esquerda. O marxismo é para
a luta, não para a monografia; por isso, este livro é, em primero, um livro de política, um livro
político. Nele, inexistem concessões de qualquer tipo. Enfim, perguntemos: com tanta gente
capaz – capaz, mesmo –; por que a produção marxista é tão pobre, fechada a si própria,
autofágica, recitadora, nevoenta, linguaginosa, recatada, dogmática quando não revisionista,
comparativa, em polemismo cíclico, fechada aos pares, pouco generalizante, longe da vida
prática e da prática militante? Das tantas respostas possíveis, proponho uma ação mais cômoda,
dentre as: dedicar parte do dinheiro e do tempo a popularizar as ciências com jornais na
periferia, vídeos, livros baratos ou gratuitos, encarar os grandes problemas como marxista, fazer
disputa ideológica de massas e com linguagem de gente, dar aulas gratuitas em ocupações,
escolas comunitárias, multirões pela alfabetização etc. É um começo.

Outra hipótese é acusação de plágio. Marx conviveu com esta calúnia por toda a vida. Se este
livro for lançado, será pedido à editora uma comissão avaliativa para averiguar esta
possibilidade. Há “roubo” de ideias informais de artistas. Todo adolescente tem um pensador
enquanto guia; no meu caso, a banda Engenheiros do Havaii foi inspiração informal e oculta; e
recentemente apreendi as “concepções” do grupo Validuaté.

Apesar da dureza de construir esta síntese, a grande dádiva foi ter o trabalho mais fácil e
simples: as inúmeras e incompletas tentativas anteriores de dar respostas sobre a sociedade
foram fundidas, quando possível, e superadas, quando necessário, graças ao trabalho teórico
difícil feito por outros e maiores pensadores. Foram-me a base, o ombro, sobre a qual não
puderam ergue-se. Exemplo: por esforços anteriores, os dados empíricos eram abundantes.

Em síntese, ocorreram três revoluções marxistas: a primeira, a fundação da ciência por Marx e
Engels; a segunda, sua atualização por Lenin e Trotsky (os dois maiores pensadores do século
XX); a terceira, iniciada, em principal, por Kurz e Mèszásros e concluída em sua versão geral
nesta obra. Então, por que tão baixa audiência, quando não silêncio cínico, diante do livro?
Enquanto a realidade não estava clara na teoria, centristas, pseudomarxistas, e revolucionários
poderiam misturar-se nesta confusão teórica e, por isso, prática. O peso e marginalidade da obra
derivam disto: do seu caráter comunista, esclarecedor. Como justificar “governos progressivos”
após a leitura? Como defender o caráter “socialista” de um Stalin? De que forma aprovar os
regimes partidários “despotistas esclarecidos”? Por que seguir, como tietes, intelectuais tão
limitados do ponto de vista das contribuições teóricas e práticas? Por enquanto, o efeito amplo
das contribuições está no constrangimento amplo.

Se corretas em geral as teses, esta é a obra mais importante do marxismo no pós-II Guerra.
Logo, também das ciências humanas. Mas autoelogios são sempre perigosos. Talvez, tomara,
outras superiores virão produzidas por outros marxistas abnegados e sérios, mais capazes. No
final das contas: tudo apenas terá valor real, humano, se a humanidade criar sua mais importante
obra – o fim das classes sociais, o comunismo.
MINIMANIFESTOS ARTÍSTICOS

Artista amador em ambos os sentidos, disponho alguns projetos pós-posmodernos.

ARTE ONTOLÓGICA

1) O conteúdo determina a forma;


2) Todas as formas – método, técnicas etc. – historicamente utilizadas pela arte, e novas,
pelos diferentes estudos, estão agora à disposição do conteúdo;
3) A arte ontológica significa o fim da especialização artística: escreve-se sobre tudo – em
drama ou comédia. O artista é um especialista em literatura policial, por exemplo,
apenas se bem desejar ser um;
4) A arte ontológica vai além das potências internas ao poema, à unidade;
5) O poema está, enquanto forma, física e logicamente num livro física e logicamente
estruturado;
6) O poema em si parece ter uma estrutura física rígida, não rígida: como um soneto,
porém diferente;
7) É arte estruturalista-processual: pensa a estrutura formal sem cair no formal, sem cair na
métrica ou poesia concreta;
8) Pensar a parte no todo e o todo na parte;
9) Sistema fluido;
10) Em literatura, trato colateral com a língua: novas regras gramaticais, caminhos
intuitivos para a morfossintaxe, neologismo etc.

ARTE SÍNTESE

1) Utilização mínima possível dos recursos próprios daquela arte;


2) Isto sempre quando esta redução amplia e ajuda o conteúdo;
3) É dar fluidez e pequenez à forma diante do conteúdo.

NOVA FICÇÃO CIENTÍFICA

1) Elevação da pseudociência ao seu status, de arte;


2) Defender teses;
3) Diferente do antigo realismo: expõe o argumento de maneira clara ao leitor;
4) A forma desta arte exige do artista um trato criativo especial, correspondente;
5) Neocientíficísmo;
6) Pós-realismo mágico;
7) Dados empíricos fictícios;
8) Em qualquer forma de arte existe-se;
9) A tese deixa de ser invisível para ser, de alguma forma, evidente;
10) A arte, para ser realista, deve ser não realista – hoje;
11) De que serve denunciar uma realidade já conhecida no cotidiano?;
12) A arte pode estar além do absurdo – superabsurdo;
13) Sensível suprassensível;
14) Contra o dogmatismo do realismo “socialista”;
15) Hiperfiguras de linguagem;
16) Romper com o real para sobre ele falar;
17) Romper com a lógica para expô-la, pois a lógica da atual realidade está em crise.

SIMBOLISMO REALISTA

1) Usa os recursos do simbolismo e neossimbolismo;


2) É simbolismo laico;
3) Rompe com o misticismo, abraçando seu sentimento nobre.

CARTAS FICCIONAIS

Utilizar o extinto modelo das cartas enquanto recurso literário.

ARTE…

É um só corpo e um só espírito.
Concurso literário: com qual nome batizar a confluência dos minimanifestos acima?
COMENTÁRIOS SOBRE ARTE

Ao longo do livro os comentários sobre o tema arte foram suficientes. Aqui, desejo
fazer pequenos complementos.

1.

Há uma relação entre historia, tipos e estrutura das diferentes artes. Exporemos tal como
inter-relacionamos com fatores outros.

Poesia: entre a prosa e a música - aproxima-se, hoje, das artes visuais.

Prosa: entre a poesia e o teatro.

Crônica: entre a literatura, prosa, e o jornalismo.

Documentário: entre o cinema ficcional e o jornalismo.

Dança: entre o teatro e a música.

Fotografia: entre a pintura e o jornalismo.

Pintura: entre o teatro e a escultura.

Escultura: …

Teatro: …

Música…

Cinema: fusão das formas anteriores.

Jogos eletrônicos: fusão ativa das formas anteriores.

Talvez por serem das primeiras, intuitivas e de matéria-prima fácil, a escultura, o teatro
e a música parecem não seguir tais proposições. Seriam artes primárias.

Se formos ratrear o perfil evolutivo, das artes primeiras surgiram, por combinações
inciais, as demais; assim fundando novas a partir da base formada por outras artes. Exemplo: a
música é condição da dança, tendo esta se desenvolvido desde uma teatralidade “natural”, mais
ou menos formal, nos ciclos humanos (formas orais e corporais de contar histórias, etc.)

2.

A história desses tipos de arte é mais profunda e íntima. Poesia, música e prosa eram
interligados na Grécia antiga: com música, cantavam-se versos para contar histórias. O
surgimento do capital no fim da idade média permitiu a popularidade dos livros, dando maior
autonomia aos elementos em seus desenvolvimentos. A possibilidade de acesso silencioso e
profundo à leitura foi uma conquista civilizacional do capitalismo e vital para o
desenvolvimento cognitivo do animal homem.
3.

O desenrolamento das artes sob esta sociedade seguiu um caminho histórico-natural nas
artes visuais e acesso facilitado de outras produções (música, etc.). Esta rede de possibilidades
de acesso à estética dificulta, em grande peso, o foco sobre o ato de ler, que exige esforço
especial, hoje mais do que antes. Hábito de leitura profunda forma bons roteiristas; hábito de
assistir bons filmes não forma em si, por outro lado, bons roteiros e livros. Eis um desafio difícil
de nossa época: outras fontes de distração, prazer, conhecimento, arte que se impõe antes de
modo pré-consciente sobre nossos sentidos.

4.

Das características das músicas narrativas.

Peguemos, de referência, três músicas populares no Brasil e América Latina:

1. Faroeste caboclo;

2. Puerto del Sán Brás;

3. Jornada de um Vaqueiro.

Abstraído o perfil romântico, a força – e popularidade – das três peças têm em comum
suas dimensões internas. Contam a história de uma determinada partida e longo movimento
espacial. Tornado isso ponto da análise, percebemos três alongamentos de dimensões:

1. Do conteúdo, causado pelo fato da partida;

2. Da forma, tamanho das letras e músicas;

3. Do sentimento, saudade ou abandono.

Temos um tipo e perfil de todo específico de composição – uma fórmula particular.

5.

O que é arte?

Resultado da atividade humana, arte é uso de técnicas para prover mensagens fictícias
ligadas ao real.

Se as ferramentas são usadas para construir uma mesa, temos um valor de uso de todo
real; mas se as mesmas ferramentas são artifícios para produzir uma belíssima escultura, então
temos um objeto real de verdade em si fictícia a nos passar uma mensagem conectada à
realidade. Mas em ruptura relativa com esta. Toda arte é fruto da atividade humana, fictícia e
suporte de uma mensagem indiretamente ligada à não-arte.

A técnica presisa pensar as proporções daquilo construído para ser um valor de uso,
digamos, mesa. Na arte, a técnica trabalha o material para que suas formas expressem, de
maneira criativa, o valor de uso mensagem, suas proporções são pensadas para a comunicação
artística. Mais bela e talhada, nunca a mesa será análoga à poesia ou escultura. Por mais que
“artistas” coloquem tal artefato alimentício num museu. Por razões acidentais e não necessárias
ou inerentes ao objeto, mesa ou cadeira podem ter formas transformadas em armas de combate,
em valores de uso para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro enorme seja usado para
sustentar pratos e talheres… Mas o caráter de cada qual logo se nos revela.

6.

No decorrer do livro observamos: 1) a forma atual do capitalismo trava o desenvolvimento da


arte; 2) formatos atuais esgotam-se. A questão está expresssa de outra maneira, exemplos:
combinação, mistura, não qualitativa de estilos musicais; o filme “CORRA!” ganha o Oscar
2018 ao prover uma narrativa a tratar com harmonia terror, comédia, romance, drama, ficção
científica e crítica social. São exemplos de um concreto em latência cuja superação trará
resultados ainda inesperados.
ABC DA ELABORAÇÃO POLÍTICA MARXISTA

Teoria pra guiar a rebeldia.

Vem para o partido da revolução: organiza a tua revolta.

Este pequeno texto foi produzido em versão preliminar, 2014, para estudantes secundaristas
recém-ganhos ao comunismo. Se o leitor nos acompanhou até aqui, convido-o à leitura desta
introdução feita em linguagem direta e dinâmica. Nesta versão, revisamos e acrescentamos
algumas partes, mas mantendo o estilo e limites internos do original.

INTRODUÇÃO

A realidade parece caótica na rotina, desprovida de lógica interna. Assim, a vida pode aparecer
como um furacão onde rodopiamos. O método marxista é a ferramenta por onde percebemos o
rumo, a lógica, a causa do real e, então, antecipamos as principais tendências, as probabilidades
políticas. Por isso, este material procura iniciar a ciência marxista entre os novos militantes, dar
alguma base para o caminho – é o objetivo desejado.

Debateremos "analise, caracterização e política". É um espaço curto, então procuraremos tratar


os aspectos gerais e iniciais do tema, ou seja, aqui apresentaremos, longe de esgotar o assunto,
ponto por ponto.

De imediato: elaboração marxista pode antecipar a principal tendência e quais suas


possibilidades (a depender das ações humanas). Pode-se dizer o que ocorrerá, mas não
exatamente quando e como.

MÉTODO E TOTALIDADE

O método marxista busca na totalidade dos fatos a explicação: precisamos levar em conta a
interação das Partes no Todo. Vamos aos elementos, pois serão guias do debate e método:

1. Economia, infraestrutura;

As técnicas para transformar a natureza, para produzir riqueza, produtos e mercadorias; as


formas de distribuição; a produção da riqueza social etc. Na pesquisa vemos, de forma
distorcida e abstrata, os dados do PIB. O que e como produz também é importante – uma coisa é
o país fazer chips de ponta; outra, extrair minério.

2. Relações de produção, estrutura, classes sociais;


Classes sociais, relações sociais, grupos humanos, perfis coletivos etc. Ligado ao primeiro,
relações originadas pelas relações de trabalho. De começo, consideremos – em central, pois há
outros – três grupos sociais: classe operária, burguesia e pequena-burguesia ou classes médias.

3. Mente humana e suas relações, superestrutura subjetiva;

Ideologias, cultura, hábitos, valores, moral, arte, ciência etc. Percebe-se a relação direta como o
ponto quatro – como causa ou consequência – e com os demais.

3. Instituições, organismos ou superestrutura objetiva;

Estado (cujo organismo central são as Forças Armadas), sindicatos, igrejas, escolas, partidos;
meios para gerir pessoas, ideias, coisas e conflitos. Origina-se dos pontos três e dois, relações
sociais, e em última análise das formas de produzir (ponto um).

Estas partes são íntimas e interconectadas: na análise, separamos para, em seguida, fundi-las. A
partir dos quatros elementos temos uma base para analisar a situação mundial ou pequena
fábrica. Percebemos: é essencial, vital, a dedicação ao estudo teórico, por todos os marxistas, de
todos os quatro pontos, sem exceção. Já obtemos o primeiro compromisso: estudar economia,
classes, instituições e cultura etc. – compreendê-las. Por exemplo: se temos inflação, talvez seja
um erro chamar “congelamento dos preços” se nada sabemos da origem real do problema, pois
congelar os preços pode causar desabastecimento e desmoralização de quem propôs e lutou por
tal proposta.

Este esquema explica, por exemplo, o motivo de a UESPI e UEMA serem “escolões” e, por
outro lado, a USP ser elitizada. Vamos do ponto um (1, a economia) ao quatro (4, superestrutura
objetiva). Economia mais industrializada de São Paulo (1) necessita de uma massa de
especialistas (2) e, para isso, a universidade deve ser capacitada (3 e 4). O sentimento de elite
social (3) da letrada (3) classe média paulistana (2) gera a xenofobia (3). Mas, com a crise
econômica atual (1), as fábricas fecham (1) e os recursos reduzem (1), o desemprego no meio
operário logo aumenta (1 e 2), a burguesia (2) quer sair bem dessa (1), os gerentes e cargos
intermediários de empresas (2) têm estabilidade ameaçada (1 e 2) e, também, a USP (4) entra
em crise financeira (1 e 4), além de não ser tão socialmente necessário (1) novas gerações de
especialistas (2, 3) capazes (3, 4).

Podemos orientar, para a caracterização, a seguinte regra universal: todo fato importante, toda
medida do Estado, todo fenômeno econômico, todo golpe, toda invasão imperialista, toda
imigração, toda nova lei etc. tudo tem como causa – nesta sociedade – o lucro: sempre este. Ao
avaliarmos a realidade e conjuntura, sempre perguntemos o que isto tem a ver com a busca de
lucro. E, em geral, nossas políticas enfrentam esta lógica, a do lucro. Após e consequência disto,
perguntemos – quais medidas a burguesia adota ou pretende adotar para burlar a luta de classes
nesta conjuntura?
Exemplifiquemos. A burguesia pode utilizar um golpe para implementar suas medidas; pode, ao
contrário, fragmentar seu ataque, implementado pedaço a pedaço uma reforma. A luta de classes
afeta – e muito – o ritmo da realidade, direta ou indiretamente.

A elaboração marxista é muito semelhante à "Arte da Guerra" de Sun Tzu e "Da Guerra" Von
Carl Clausewitz: calcular a técnica, recursos, organização e tamanho de cada tropa, o terreno, a
moral interna do seu lado etc.: tudo era – é – reunido para elaborar as melhores táticas para o
engajamento. A criação do método que apresentamos parece ter influência decisiva de Engels,
além da dialética (falaremos mais sobre isto); o "General da I Internacional" era referência
máxima sobre os assuntos militares.

Podemos, daí, chegar a algumas conclusões, evitar enganos:

1. O marxismo considera a cultura, o indivíduo, os hábitos e o pensamento na elaboração – não


apenas a economia;

2. O marxismo rejeita o "determinismo econômico", apelido recebido nas universidades. Enfim:


o centro do marxismo é o homem e sua capacidade de criar através do trabalho: a economia
existe por causa das ações e relações humanas;

3. O método marxista necessita – expressar o – interagir todos os elementos da realidade.

ANÁLISE

Dados, estatísticas, relatos, pesquisas, matérias, experiência pessoal, vídeos no youtube (caso
seja fato distante) etc.: toda fonte é útil. O marxismo é amplo, aberto para procurar entender a
realidade, contanto que verifiquemos a validade do material, confrontemo-lo (em especial, o
jornalístico).

"Esquematizaremos" – nome complicado, já que o marxismo rejeita esquemas – de acordo com


o que observamos até o momento. Exemplos de questionário para a análise:

1. Economia

Como anda os estoques na fábrica? Como anda o orçamento da universidade? O comércio está
em expansão ou recuo?

2. Relações sociais

Qual o nível de estabilidade dos funcionários? Qual o perfil de classe dos alunos? Unidos ou
fragmentados? Há outras fabricas ou categorias grevando? O pessoal intermediário, como está?
A fábrica pode fechar, a baixa gerência radicalizou também? E a situação da patronal? Como
anda a qualidade salarial?
Por exemplo: na UESPI, a organização dos "campus" fragmentados, distantes no longo espaço
geográfico da cidade, reduz a força dos movimentos sociais internos, desconcentra-os,
descentraliza-os, e reduz a interação social.

3. Superestrutura subjetiva, mente humana

A categoria está unida e radicalizada? Existe alguma vitória que está forte na lembrança ou
derrota que os deixam pensativos? E a direção do sindicato parece firme ou vacilante? Quais os
discursos e propostas? Como a sociedade vê o processo? Existe uma cultura de passividade ou
são brutalizados?

4. Instituições

O sindicato é pelego ou de luta? É forte ou frágil? Se pelego, interessa à direção grevar para
desgastar o governo com o qual discorda? E a Cipa é militante? Qual a situação do setor
administrativo e RH? O governo é forte para, em algum caso, tentar reprimir? Ou está em ampla
defensiva, a beira de cair, rejeitado pela ampla maioria? E os partidos com trabalho sindical, o
que opinam e como estão? Com que organização a patronal pode contar para ganhar de nós?

Por que, então, não se prender a este esquema? Porque cada situação nos coloca perguntas
particulares sobre estes quatro elementos. As questões da análise numa escola são diferentes da
na revolução síria.

Vamos construindo o processo. Mais à frente haverá exemplos práticos, de acertos e erros.

ANÁLISE, CARACTERIZAÇÃO E DIALÉTICA

Até agora falamos sobre o materialismo histórico. Muitos marxistas param aí: facilitando erros
por mecanicismo, impressionismo e questões outras. Surge um marxismo formal. Trotsky, por
exemplo, costumava aprofundar o debate das diferenças políticas na esquerda com a questão da
dialética, ou seja, qual o método para elaborar.

É preciso entender o movimento e unir os quatro elementos sobre os quais falamos. Digamos
que é diferente da matemática: na realidade concreta “as somas multiplicam ou dividem”, ou
seja, o Todo, a Totalidade, é muito mais do que a mera soma das partes – qualitativamente
superior.

Teoria e dialética fazem diferença na caracterização. Por conta do espaço, ilustraremos com um
exemplo resumido; vamos à análise e caracterização – muito resumida – atual do Brasil (o leitor
pode discordar, sinta como exemplo):

1. Situação mundial (se é Totalidade, não se pode separar o país do mundo).


Crise mundial. Capacidade produtiva muito acima do consumo real. Demissões e aumento do
desemprego em quase todo o mundo. Tendência à redução do consumo geral. Recuo
progressivo do crescimento Chinês, centro de nossas exportações. Guerras civis (como
consequência da luta de classes) no Oriente Médio paralisam nações e economias inteiras.
Situação pré-revolucionária mundial e na Europa.

2. Economia nacional.

O país cresceu facilitando o endividamento para consumo interno. Mas as dívidas dos
trabalhadores estão no limite, tendenciando a reduzir o consumo. Com o recuo da China, as
exportações tendem a cair. A burguesia não pode investir e a dívidas públicas são fonte de
lucros mais estáveis. Governo aumenta os juros, o que reduz o investimento, o consumo e o
dinheiro orçamentário vai para a dívida pública. Há crescimento negativo da economia e
contrarreformas anti-operárias e anti-populares (privatização, ataque aos diretos etc.).

3. Relações sociais

As greves se multiplicam. Maiores, mais participação, mais duração, maior quantidade, maior
radicalidade. Há uma nova classe trabalhadora, menos iludida com o PT e com a democracia,
mais letrada, também urbanizada.

As classes médias empobrecidas se esquerdizam e são numerosas. As mais enriquecidas, vão


para a direita e extrema direita eleitoral.

A burguesia ataca a classe unificada. Mas está insegura sobre a governabilidade e lucratividade
do PT, o que a divide.

A juventude é uma força instável, numerosa e explosiva.

4. Mente humana

O nível cultural da classe trabalhadora aumentou, além de existir uma nova e jovem geração. A
desconfiança contra a democracia burguesa é maior (aumento do voto nulo, por exemplo). É
mais fácil debater política no cotidiano. Há uma visão positiva das lutas sociais e greves. Não
há, ainda, uma visão clara de classismo ou socialismo. Digamos que a massa trabalhadora está
indo da direita para a centro-esquerda, por enquanto. Há um divórcio com o PT, desmoralizado
e em crise.

A classe média se divide. O setor empobrecido não vê na classe operária, na luta e partidos
operários, uma liderança natural, mas também avança. O setor privilegiado, fragmentado, apoia
ideias radicais de direita. Esta está insegura com os movimentos “na base” da sociedade e com
as consequências pessoais da crise; se apoia na figura do herói, em figuras públicas autoritárias.

A burguesia não sabe se o PT consegue usar o Estado, na crise, de forma positiva. Avalia e testa
o governo permanentemente.
5. Instituições

Todos os governos e parlamentos sofrem rachaduras internas. O parlamento trava o executivo.


O mesmo ocorre com partidos de direta e esquerda. Há uma crise do funcionamento e
representatividade do Estado.

Os sindicatos pelegos sofrem pressão da base e rebeliões. Crescem as oposições e correntes


sindicais democráticas. No entanto, os sindicatos burocráticos são fortíssimos e maioria ampla.
PT está em crise e governo sem apoio popular (7%, quando o autor escreveu este texto).

As oposições de esquerda, minoritárias, podem pressionar, mas não determinar diretamente o


fluxo da realidade.

As organizações neonazistas ainda são minoritárias e discretas – ainda.

Proposta: para derrotar o inimigo é preciso entendê-lo; desse modo, estudar os mecanismos do
Estado burguês (leis, ritos internos, dispositivos, como aloca recursos etc.) nos permite ver
melhor como “os do lado de lá” operam para gerir esta ferramenta contra nós e, também,
permite perceber meios auxiliares para agirmos dentro da legalidade. E sempre lembremos o
seguinte: 1) a lei é uma validação da política, não tem autonomia, e a esta está subordinada; 2) a
burguesia, quando precisa, burla sem rodeios a própria lei, porque esta é feita contra a maioria;
3) a lei, como a política, é filha da economia.

Caracterização:

Situação pré-revolucionária. Crise, luta de classes cada vez mais aguda, princípio de
esquerdização nas classes desprovidas de privilégios, divisão inter-burguesa cada vez maior, as
classes médias iniciam um racha interno, o Estado está mais frágil, partidos de esquerda têm
mais audiência. Expressão da esquerdização centrista das massas, o PSOL tende a crescer num
primeiro momento. A esquerda tradicional se desmoraliza, exemplo do PT (CUT, UNE,etc.). O
Governo está fraco. Tudo mediado pelo recuo lento e constante da economia. É o começo de um
processo que levará à revolução ou à contrarrevolução.

Mais à frente debateremos uma possível saída política pelo método. Por agora, preferimos um
debate determinante apresentado, em resumo, no próximo tópico.

DIALÉTICA

Vamos tratar um pouco sobre o tema. Importantíssimo estudar, pois aqui vamos apenas apontar
caminhos. Tentaremos rechear as categorias e leis com exemplos práticos.
Aparência e Essência

Nada se explica por si, mas pela realidade que a gerou. Parece que o Sol gira em torno da Terra
(aparência) e apenas quando vemos a realidade total é que descobrimos que é o contrário
(essência). A Terra parece plana (aparência) e a investigação ampla permite ver que é o inverso
(essência). Normalmente, o que os olhos demonstram no imediato é, em verdade, a negação
daquilo que de fato é: o contrário.

Quantos encontraram no PT algo progressivo e depois perceberam a verdade? Quantas vezes


nos impressionamos com um discurso e descobrimos, depois, que o discursante é uma farsa?
Acontece porque, no imediato, pegamos apenas um pedaço da realidade, uma parte e supomo-la
expressão do Total.

O tempo e, precisamente, a dialética permitem descobrir a essência daquela aparência. Um


clichê de Marx: “Se a aparência das coisas revelasse suas essências, a ciência seria
desnecessária”. Importante, por isso, sempre, evitar o impressionismo com um fato, com algo
impactante, com uma notícia boa ou ruim. É preciso calcular e medir.

Quando a mente elabora sob o forte impacto da aparência chamamos “impressionismo”. Uma
política que se justifica a partir da aparência – sem estudo prévio – chamamos "análise-
justificativa", ou seja, tira a política e só depois a “teoriza”, “explica-a”.

A aparência é fluida (sempre há uma novidade em destaque); a essência muda-se mais lenta. A
aparência é “algo”, um pedaço da realidade que – inevitavelmente – causará um primeiro
impacto, sensações e sentimentos; a essência – união/superação de todas as aparências – é a
descoberta das origens dos fenômenos, da realidade.

Há dois tipos de relação aparência e essência:

1. De um objeto: a aparência é uma manifestação inexata da essência;

2. De totalidade, grande escala: a aparência é o inverso da essência.

Como parte e manifestação do real, a aparência também exerce alguma influência sobre a
essência. Exemplo: o aumento qualitativo de luta no Brasil, desde 2013, gerou maior
desmoralização e crise no Estado e aumento dos votos nulos/abstenções; porém, isso tomou a
aparência de muito mais deputados da direita – menor quantidade de petistas etc, pois o voto da
esquerdização inicial foi nulo e PSOL (a esquerda mais leve cresce no início dos processos e
manifestam o início desse processo de crise). Assim, a aparência, mais parlamentares de direita,
gerou uma bancada mais reacionária com mais facilidade de aprovar seus projetos antiesquerda.

Forma e Conteúdo
Forma é algo gerado por outro algo (conteúdo). As relações sociais (conteúdo) geram o Estado
(forma) e os sindicatos (forma). A palavra falada (conteúdo) gera a palavra escrita (forma). A
interação entre três ou quatro oposições sindicais (conteúdo) gera uma corrente sindical com um
núcleo de direção da articulação comum (forma).

Interessante é que são interligados ,mas não dependentes totais um em relação ao outro. Um
gera o outro e se influenciam mutuamente, mas adquirem certa autonomia. A relação de classes
pode influenciar, mudar ou até destruir o Estado e, também, o último pode influenciar
enormemente o primeiro. Relação mecânica é inexistente. Exemplo: uma luta de classes
(conteúdo) muito aguda no final da década de 1970: a ditadura sente o peso e decide abrir
lentamente o regime (forma). A democracia burguesa (forma) veio graças à pressão dos
trabalhadores (conteúdo).

O conteúdo é ativo; a forma, conservadora. Por isso, em essência, o primeiro é determinante.


Por quê? A fluidez, o movimentar-se constantemente, a instabilidade real ou potencial necessita
criar "algo" estável, seguro, que possua padrão. Exemplo: o português falado muda-se sempre e
continuamente; precisamos, portanto, de uma forma firme (gramática, regras etc.) que controle a
mudança e permita a estabilidade.

A forma deriva das contradições do conteúdo.

Exemplo: as Jornadas de Junho de 2013 (conteúdo) foram fortíssimas. A consciência dos


oprimidos (forma) avançou com este fato, mas em menor medida em relação à própria força real
da manifestação. A repressão e conflito em São Paulo (conteúdo) geraram um choque de
realidade nas massas (forma, salto de qualidade) e a luta multiplicou-se (conteúdo) afetando a
ainda mais a consciência com o "é possível" (forma). As ações foram avançadíssimas e as
mentalidades mudaram de maneira menos radicalizada (mais lenta) que a luta prática.
Acontecem, em todo o mundo, ocupações de fábricas violentas por um simples aumento
salarial.

Necessário e Desnecessário.

Por que os partidos de esquerda hoje têm mais audiência? Porque são socialmente "cada vez
mais necessários", por causa da crise. Por que a democracia burguesa se fragiliza? Porque se
torna um instrumento "cada vez menos necessário e mais desnecessário" quando à utilidade para
a manutenção da harmonia social.

Veja que há um processo entre o necessário e o desnecessário.

Os sindicatos existem porque há conflitos de classe. Deixarão de existir no comunismo por


causa da qualidade de vida e do fim das classes sociais.

Causa e Consequência, Realidade, Possibilidade, Inevitabilidade. Casualidade


Tudo que é real é racional – existe um motivo para tal. Uma causa pode ter várias
consequências. Exemplo: a crise brasileira (causa) pode gerar o socialismo ou a ditadura
(fascismo etc.) ou democracia degenerada. A crise mundial pode gerar socialismo planetário, ou
a extinção da espécie humana, ou uma nova sociedade escravista (ou um capitalismo inédito).

Causa e consequência podem se inverter – é dialético! Uma forte industrialização pode gerar
urbanização assim como uma forte urbanização pode gerar industrialização. O capitalismo
industrial pode originar o estado burguês (Inglaterra, França etc.); também o Estado burguês
pode gerar a industrialização (Brasil, inicio do século XX).

Uma situação revolucionária, por exemplo, pode gerar a POSSIBILIDADE de uma revolução
socialista, pois toda a realidade amadurece para isto. Mas depende de decisões humanas: e se, na
"Hora H", a direção das massas trair? Pode colocar tudo a perder (e muito disso ocorreu na
história)…

A inevitabilidade são elementos objetivos, como a certeza que a crise chegaria ao Brasil. Ou
seja: todos os condicionantes permitem que algo, de fato, ocorra – deixa de ser probabilidade ou
possibilidade.

Casualidade são os elementos não previsíveis. O terremoto no Haiti, imprevisível, atrapalhou a


frágil luta social. No Chile, com as escolas sucateadas e rachadas, o terremoto acelerou a luta de
classes. Sendo não central, o acaso faz parte da história.

O acaso pode entrar em acordo ou contradição com as necessidades. Mas não nega estes
últimos. Havia uma necessidade de derrubar Collor: o acaso de uma torneira de ouro em sua
casa foi o estopim da rebelião popular.

Relativo e Absoluto

Se um dirigente, ao entrar no sindicato, trabalha com menos peso em relação ao chão da


empresa, há um privilégio, uma "burocratização relativa" – continua sendo quem é. Se começa a
acumular pequenos privilégios, aqui e ali, facilidades, uma hora sua qualidade de vida
dependerá de estar ou não na direção do aparelho: surge o burocrata, o pelego, a "burocratização
absoluta". Cristalizou-se uma característica e o lutador vira um cínico (a matéria determina a
ideia).

O mensalão gerou uma crise relativa no Estado, crise no governo sem afetar o regime, algo que
se podia administrar. Caminhamos agora de uma crise relativa (gerada pelas Jornadas de Junho)
para uma absoluta (crise do PT, crise de corrupção, governo perde a base social e parlamentar, o
parlamento está forte como fonte de chantagem etc.). No segundo caso, a crise de governo tende
a gerar uma crise no regime se com o impulso de duas forças, a crise econômica e elevação da
luta de classes.

Medir o peso dos elementos da realidade faz diferença na elaboração política. O relativo é algo
que se define e se mede a parte de uma referência, o absoluto; relacionado, relativo a algo.
Do Simples ao Complexo

É a natureza da realidade. A vida surgiu de material não vivo (inorgânico) ou o orgânico veio do
inorgânico. O capitalismo é mais complexo do que todas as formas de sociedade que o
antecedeu – os mais simples eram e são as tribos nômades. O militante social começa sem
muitas habilidades – é natural – e vai acumulando teoria e prática. Uma ideia gera outra ideia, e
mais outra, e outra, e formam algo superior. As primeiras formas de vida eram rudimentares e
tornaram-se complexas. O capitalismo é um bicho com cada vez mais tentáculos.

O estágio superior acumula características do estágio inferior: não apenas nega ou reforma –
também agrega.

Negação da Negação

Tudo muda. O novo surge negando o velho. E o próximo novo surge negando o que era
novidade. Vai além – tem uma sofisticação interessante: resgata, de certa forma, o primeiro a ser
negado, só que de forma superior. Exemplo: as atrasadas sociedades primitivas (comunismo da
miséria, igualdade por falta de riquezas) foram negadas por sociedades superiores, de classe.
Virá a Negação da negação: o comunismo da abundância – como a primeira: não haverá classes,
Estado, repressão, família monogâmica etc.

A dialética dos antigos gregos (afirmação) foi negada pela lógica formal de Aristóteles
(negação). O retorno da dialética por Hegel (superior, negação da negação) marca uma nova
dialética. Marx opera outra negação com a dialética concreta. A negação da negação, em Marx,
é um processo sem fim, sempre haverá negação, ou seja, é possível que a própria dialética seja,
um dia, superada.

Um grupo reformista honesto (afirmação) pode tornar-se um pequeno agrupamento


revolucionário (negação) e ganhar influência de massas construindo o socialismo – negação da
negação: promovendo reformas na sociedade socialista. Pode dissolver-se na sociedade
comunista, ajudando a promover as reformas sociais, ou degenerar e ser parte da ditadura
totalitária de um partido único (duas possibilidades de negação da negação).

Quantidade para Qualidade

Qualidade é um estado da realidade. O estado líquido da água é uma qualidade; o estado gasoso
é outra qualidade. Entre o líquido e gasoso, o aquecimento da água é a causa das mudanças de
qualidade. Cada vez mais as partículas da água ficam aceleradas (quantidade, mudanças de
quantidade), movimentadas, dispersas, instáveis até ocorrer o que chamamos salto de qualidade
(evaporação).
Há dois tipos de mudança, de salto de qualidade:

1. Por acumulação de mudanças e gradual;

2. Por acumulação de contradições, ruptura, por salto-ruptura.

Há mudanças sociais por reformas (caso 1). Quando é preciso reformas mas não ocorrem –
porque o sistema não tem condições de aplicá-las –, surgem as revoluções (caso 2).

Um partido revolucionário pode viver pequenas mudanças (quantidade) e, quando menos


percebemos, degenera; caso do Partido Social-democrata Alemão. A industrialização na antiga
URSS foi por saltos: crescia 20% ao ano (!) com os planos quinquenais.

A luta entre a burguesia e o proletariado pode gerar reformas ou contrarreformas. Também – e


principalmente – saltos-rupturas, pois as contradições de classe precisam ser resolvidas com
violência direta.

Partes e Todo

Para entender a realidade, e uma realidade específica, é preciso ver sua conexão com toda a
realidade, com as outras partes e com a totalidade. Há uma interdependência, uma interrelação,
mútua influência e ligação entre as partes constitutivas do Todo. Como dissemos antes: o todo é
mais que a mera soma das partes, é superior – há somas que multiplicam ou dividem.

Interessa-nos observar que as partes estão em interação e interligadas, em mútua influência.


Aqui, estão mais ou menos associadas; ali, mais ou menos em contradição. Exemplo: o Estado
burguês é da e serve à burguesia; porém, pode este aparelho apoiar um – e apoiar-se num – setor
dos ricos contra outro setor. A ditadura Vargas ocorreu, entre outros motivos, para colocar o
Estado acima da dividida e desorganizada burguesia nacional, ou seja, um compensador em
nome dessa classe. Outro exemplo: os partidos representam (de modo indireto) interesses de
classes e, em principal, setores de classes; mas, quando começou a I Grande Guerra, os
bolcheviques – os mais operários e revolucionários, até agora, na história do marxismo –
apanhavam nas portas das fábricas, os operários batiam neles porque distribuíam um panfleto
contra a guerra, contra o nacionalismo. Anos depois, 1917, esta mesma agitação contra o
nacionalismo e o militarismo permitiu ao partido Bolchevique ser a grande organização do
proletariado. Algumas partes do todo são associados; outras, são contraditórias. Sendo assim, é
preciso lembrar: são mais ou menos confluídos, sendo que podem entrar em algum nível de
contradição, já que continuam sendo partes diferentes da totalidade; assim como, no contrário
análogo, partes contraditórias, desse modo interligadas – na interação por contradição –, podem
entrar em relativa, e limitada no tempo, associação.

Há quatro formas erradas de observar as partes do todo:

1. Analisar a parte de modo não relativo ao todo;


2. Analisar as partes como se independentes umas das outras;

3. Analisar as partes percebendo a interdependência real, mas mecanicista – e sem


mediações e autonomias relativas;

4. Analisar o todo sem analisar as partes.

Abstrato, Concreto e Abstrato. Geral, Particular, Singular

O que é um governo de Frente Popular? É um governo que em sua composição há organizações


operárias e burguesas, de esquerda e de direita (geral). A abstração na mente vem de outra
relação e outra fraca abstração. Vem de uma compressão falha, simples e imediata do governo
(concreto, sem profundidade, parece um governo progressivo) até o entendimento do que o
gerou e sua natureza (abstração, a materialidade daquilo) e voltou-se com um conceito
explicativo geral (concreto pensado, leis, compreensões etc.). Entenderemos, por isso sigamos.

Temos também que ver cada caso concreto e cada situação concreta, particular – além do Geral.
Há governos de Frente Popular onde o partido operário é a liderança (particular no geral; PT no
Brasil) e há governos de Frente Popular em que a organização de esquerda é minoria e o partido
burguês é maioria no executivo (particular no geral). Cada caso tem sua singularidade (o
irrrepetível), o que forma casos particulares de uma abstração geral (Frente Popular). Isso é
importante, pois as diferenças exigem adaptações ou mudanças na política.

Exemplo: o partido de esquerda (PT) é maioria na frente popular? Podemos combinar


exigências ao governo e denúncias de suas traições e desrespeito às vontades das massas. O
partido de esquerda é minoria na frente popular? Denunciamos o partido e exigirmos,
especificamente, sua ruptura com o governo inimigo da classe. Isso fragiliza o partido traidor
e/ou fragiliza o governo se a pressão da base social sobre o partido de esquerda forçá-lo a ir para
a oposição.

O abstrato também é “algo” além-mente, uma expressão generalizante: a floresta amazônica


(abstrato) é um conjunto de árvores que, juntas, independente dos tipos específicos, produzem
chuva no sudeste, biomassa, oxigênio, absorvem carbono e etc. Nesse sentido, o abstrato,
árvores em geral, é “algo”, algo real e importantíssimo. Individualmente, cada árvore produz
frutos diferentes (concreto) e possuem características próprias que as diferem umas das outras e
das de sua própria espécie (concreto). Vemos que na relação abstrato-concreto existe
intimidade, sendo diferentes. O trabalho concreto produz valor-de-uso; o trabalho abstrato,
valor.

Em Marx, o concreto-abstrato toma várias interpretações. Uma delas é considerar o abstrato


enquanto algo separado e o concreto a confluência das partes.

Contradição, Movimento
Dizemos, por causa da educação escolar positivista: "isso não faz sentido; é contraditório!". A
dialética materialista apresenta, num sentido geral, o inverso, que "só é lógico o que é
contraditório!".

Quando percebemos a Totalidade, percebemos que a contradição é uma lei. A luta entre partidos
da ordem nas eleições é uma contradição relativa, não-determinante e não essencial, parcial e
que não muda a essência. A luta de classes é a contradição absoluta, ou melhor, pode ir do
conflito relativo, luta sindical (eleitoral, etc.), ao absoluto, a luta pelo poder.

A contradição é uma chave. Quando o capitalismo industrial surgiu (conteúdo) veio o estado
burguês (forma). Foi positivo, progressivo e não-contraditório. Mas quando, no fim do século
XIX, veio a fase imperialista da economia (conteúdo) o Estado (forma) precisou – e precisa –
ser destruído (contradição) para surgir uma forma melhor, o Estado Operário (superação da
contradição).

A interação e a contradição das partes de um Todo geram movimento dialético.

A fórmula: Tese, antítese, síntese.

Burguesia (tese) contra o proletariado (antítese) produz a revolução e fim das classes (síntese).
O Brasil surge para o capitalismo (tese), mas – e mais – tem de usar relações de produção de
outro sistema, o escravista (antítese), o que gera uma formação social particular (síntese).

Assim, podemos concluir:

1. A mudança é permanente;

2. Tudo tem em si uma semente de sua própria destruição;

3. Temos de ver a realidade como um filme, em movimento, não tal uma foto;

4. Podemos chegar o mais próximo possível da Essência da realidade e afastar-nos da


Aparência, mas sempre escapará algo;

5. Podemos medir e precisar de uma forma muito estável, com pouquíssima margem de erro,
apreendendo todos os elementos centrais e determinantes;

6. É preciso ver a dialética dialeticamente, na relação entre as categorias;

7. Aqui está o resumo do resumo;

8. É preciso um treinamento consciente para aprender a pensar dialeticamente. Não é questão de


decorar conceitos mas de esforço.

Matéria e Ideia
"A matéria determina a ideia" é um clichê marxista. Uma frase parecida é "a cabeça segue o
chão que os pés pisam, mas em atraso". Os hábitos, as rotinas, o modo de vida, as experiências e
o meio influenciam a ideia; geram até características comuns aos membros da mesma classe
social. Porém, lembremos, não podemos ser mecanicistas. Os homens movem o mundo e podem
movê-lo de tal ou qual forma se forem ganhos para esta ou aquela ideia. Caminho natural deixa
de existir. Marx disse: “quando as ideias revolucionárias penetram a mente das massas ganham
força material” (tradução livre). Ou seja: o marxismo unifica e funde materialismo e idealismo,
sob superioridade do primeiro – além de, ao mesmo tempo, superar as duas tendências
filosóficas. Então, explica-se, por exemplo, “por que pobre vota na direita”.

Caso: hiperinflação, os trabalhadores estão enraivecidos. Com qual tática lutar e pelo quê?
Sentir é diferente de entender. Pode ser que sejam ganhos para a ideia de uma greve geral ou, ao
observar exemplos pelo país, ocupação de fábricas e locais de trabalho/estudo. Pode ser que
lutem pelo aumento salarial e congelamento de preços ou, com boa agitação marxista, o “gatilho
salarial” (aumentar o salário automaticamente sempre que os preços aumentarem 3%). Pode ser
que não lutem. E pode ser que o governo os convença a “esperar com esperança”.

Daqui, podemos concluir uma lei: as vitórias são mais educativas que as derrotas. Os sucessos
na luta de classes empolgam, mobilizam, dão esperanças, dão exemplos etc.; as derrotas
costumam, nem sempre, ser acompanhadas de desmoralizações e recuos. Via de regra, as perdas
podem ser educativas para os mais conscientes, os comunistas e a vanguarda, quando e se
refletem e teorizam em cima dos fatos e processos – balanços teóricos, políticos e
programáticos. Exemplo: muitos bolcheviques procuram Trotsky empolgados quando a política
estalinista para a revolução chinesa causou dura derrota; pensava-se que a Oposição de
Esquerda na III Internacional estalinizada cresceria, mas era diferente: a revolução chinesa
vitoriosa, explicou o fundador da IV Internacional, empolgaria as massas e vanguarda mundiais,
girando suas consciências e ações para a esquerda, dando base social e ideológica para que o
marxismo crescesse por saltos.

Outra questão: tradição e cultura nacionais devem ser consideradas na análise. Exemplo: a
derrota da revolução russa de 1905 gerou um duro recou, porém colocou na memória dos
operários (ideia) a lembrança de um novo e bom organismo, o soviete. Isto ajudou muito a
revolução de 1917.

Desenvolvimento Desigual e Combinado

A realidade não se desenvolve de maneira articulada, mas desigualmente. Uma parte é mais
madura; outra, menos. A desigualdade do desenvolvimento gera combinações particulares, cria
realidades próprias. Resolvê-las é um desafio.

Exemplos:

1. A desigualdade do desenvolvimento social do país leva a esta pluralidade de


desenvolvimento econômico-social, características próprias. Hoje puxar uma greve geral
nacional é um desafio, pois a maturidade da luta é desigual em cada estado, cidade e categoria.
2. Certo dia se falou que o desenvolvimento desigual das pernas do jogador Garrincha (coxo)
transformou-o – por combinação das pernas – em um gênio.

3. Uma greve com ocupação de fábrica não é necessariamente igual a uma direção sindical de
luta. Pode acontecer de a direção pelega ser pressionada para a luta por força da base, que
ameaçava cortar o pescoço dos dirigentes – literalmente ou não – em caso de traição.

A dialética do desenvolvimento desigual e combinado mostra, além do mais: o novo deriva da


combinação de elementos diferentes. Exemplo: duas ideias distintas formam uma terceira
inteiramente nova e superior quando fundidas.

Transições, Mudança, Lógica Formal

Um bom exemplo de dialética é a sexualidade humana e da maioria dos animais. Alguém pode
ser do sexo masculino (com pênis), sentir-se mulher (transexual) e ser lésbica (atrair-se por
mulheres). Nem sempre ter pênis é = a sentir-se homem e = ser heterossexual.

Podemos pensar em classe operária para elaborar política. Uma política mais precisa avalia as
diferenças internas da classe (os que ganham mais e menos, os mais letrados e menos, a
aristocracia e os terceirizados, a nova geração e a velha etc.).

Outro ponto é a mudança. Entre uma realidade e outra, entre uma qualidade e outra, podem
ocorrer estados transitórios, duplos, híbridos. Engels fala que "entre o branco e o preto existe o
cinza" e "entre o sim e o não existe o sim-não". No Brasil dizemos "ou é 8 ou é 80" como forma
de dizer que ocorrem também "meio-termos" ou 40. Entre crescimento econômico e crise pode
haver uma queda brusca, de repente, no susto ou uma desaceleração gradual como forma de
sintoma.

Percebemos, também, que uma coisa pode tornar-se outra. A dialética movimenta suas
categorias (do relativo ao absoluto e do absoluto ao relativo; do simples para o complexo e vice-
versa; do necessário ao desnecessário e ao necessário e no sentido oposto etc.). Nada "é" em
permanência: tudo está e por algum motivo. Exemplo: um sindicato de luta pode torna-se um
Estado, caso da COB da Bolívia em 1952, hoje uma central pelega.

Na língua portuguesa:

O temporal vem aí. (Substantivo, em si, e núcleo do sujeito na sintaxe, no todo.)

A existência é temporal. (Adjetivo, em si, e predicativo do sujeito, no todo.)

É lógica dialética. A palavra "temporal" (forma) é algo (conteúdo) a depender da composição da


frase – do entorno e contexto. Assim, as “receitas de bolo” e fetiches são desfeitos: uma
proposta é boa? Depende da situação. O método da ocupação é bom ou ruim? Depende da
situação. Chamar greve geral durante crescimento econômico é inútil, reformista ou reacionário;
chamá-la quando a situação abre a possibilidade é revolucionário; chamá-la quando a situação
exige já a tomada do poder é contrarrevolucionário, pois dá uma tarefa inferior e fora da
possibilidade nova. Outro exemplo: o exército é a principal instituição burguesa, mas, se
ocorrem dolorosos deslizamentos de terra na periferia, deveremos fazer unidade com as Forças
Armadas, lado a lado, para fins de resgate, auxílio aos sobreviventes e reconstrução.

O cientista Einstein tem bons casos dialéticos. Massa e energia são um só – ou em repouso ou
na velocidade da luz a quadrado –; o tempo é algo (material) e o espaço, em si, é algo, e são
interligados ou espaço-tempo, que é – inclusive – um tecido dobrável pela massa de objetos,
como de um planeta.

A lógica formal diz: A=A. Exemplo matemático:

A=A

3x+1 = 4

A lógica dialética diz: A = não-A, pois considera a totalidade, a contradição e a mudança.

ELABORAR POLÍTICA

Comecemos por dizer o que é:

1. Vem da caracterização, mas não é o resultado direto e natural desta;

2. Comete-se erros quando se faz soma mecânica caracterização-política;

2. Elaborar política é uma verdadeira arte;

3. Os marxistas chamam elaboração política de “arte de antecipar", “arte de prever”;

4. Ao elaborar, as pergunta centrais a serem feitas são:

"Como, a partir da caracterização, deixar minha classe alguns passos – curtos ou longos – mais
perto de sua vitória?"

"Qual manobra (política, no melhor sentido) mais arriscada podemos fazer sem sermos
aventureiros?"

5. Deve-se partir das necessidades e dores da classe trabalhadora. Exemplo, de fato, simplista:
inflação? Aumento salarial! Corte no salário? Contra o corte!

Exemplo:

Caracterização: as eleições são uma farsa e o parlamento é um instrumento da burguesia.


A política ligada diretamente à caracterização (mecanicismo): boicote total a toda e qualquer
eleição, voto nulo!

A política marxista: 1. Se as massas têm ilusões, vamos participar para apresentar propostas que
eles possam abraçar, ganhar simpatia e denunciar as eleições de forma didática: um voto de
trabalhador não é o ideal, mas é um passo a mais – eleições também é luta de classes; 2. Pode
ser, em caso de desmoralização geral, participar da eleição para chamar não o voto no partido
mas voto nulo e greve geral; 3. Em caso de desmoralização total, chamar o boicote e colocar os
próprios deputados para renunciar aos seus mandatos com um discurso inflamado.

A Arte da Guerra não possui táticas fixas – a realidade é que manda. O mesmo vale para a
elaboração marxista: chamemos, digamos, "manobras do bem" ou "malandragem honesta". A
situação pode exigir esta ou aquela política.

Proposta: ao fazer caracterização e política, é importante um segundo passo. Necessário refinar,


precisar, detalhar ainda mais a caracterização e a política. A situação é de crise? Vamos detalhar
mais o estágio real da crise para elaborar uma política correta. Podemos evitar exageros
(impressionismos) ou atrasos em relação à realidade (este problema é mais comum do que se
imagina, pois a rotina pode viciar a percepção). Acontece isso porque a realidade própria é
permeada por momentos transitórios, duplos, preparatórios, pré-saltos, quando o velho AINDA
se desfaz e o novo AINDA está surgindo.

Trata-se de resolver a contradição a favor de um lado. Exemplo:

A greve dos rodoviários não tem apoio popular? Desafiar a prefeitura (superestrutura objetiva) e
a patronal (relação de classes) a liberar as catracas para população enquanto os rodoviários
trabalham com Tarifa Zero (questão econômica e política). Assim se coloca o governo e a
patronal na defensiva (superestrutura subjetiva e objetiva), a greve ganha força nas massas (atua
sobre a mentalidade, superestrutura subjetiva) e eleva a moral da categoria (superestrutura
subjetiva).

A contradição relativa entre irmãos explorados (rodoviários e usuários) pode ser positivamente,
neste caso, resolvida assim.

Como se percebe, exige criatividade.

Exemplo: falei no inicio que a UESPI tem sua base social fragmentada em campus distantes.
Como resolver isto? Que tal exigir uma linha de ônibus estatal específica que interligue os três
campus e o centro da cidade para que os alunos e cidadãos se locomovam melhor? Gerará
integração (relação social), interação entre os campus (relação social e superestrutural) e, no
imediato, melhorará o transporte dos alunos (economia e relação social).

Dica, proposta: necessário medir a política, mas também as consequências desta – o após.
Vitórias podem tornar-se derrotas. Vamos conseguir segurar as pontas, consolidar vitórias e
manter a dinâmica progressiva? Sim ou não? Exemplos:

1. Os bolchevique poderiam chamar o "Fora o governo provisório" em Março/Abril de 1917.


Evitou. Por quê? Se o governo caísse, o partido ainda era minoria e, por consequência, a reação
contrarrevolucionária tomaria o poder. Mediou-se com políticas, como: "crítica paciente ao
governo", "que reconheçam o poder dos soviets", "exigimos que os mencheviques tomem o
poder" etc.

2. A classe operária e os bolcheviques estavam maduros, em Agosto, para a revolução na


Rússia. Porém, o partido adiou até outubro. Motivo? Era preciso adiar ao máximo para ganhar
os camponeses; sem eles, a vitória seria difícil.

3. O autor do artigo avalia que não é hora de chamar o "Fora Dilma", pois a esquerda não tem
maturidade – ainda – para gerenciar o pós-queda. Uma frente única de luta da esquerda pode
ajudar, preparar. O governo Dilma tem menos de 10% de apoio, cheio de escândalos e ataques
contra a classe trabalhadora. O "Fora", em si, não é um erro. Problema: a oposição socialista
têm condições de impulsionar o impedimento e promover a "rede de consequências" positiva?
Pensamos que não. Claro, o leitor talvez discorde.

Enfim, queremos dizer: cabe ao marxista calcular a principal e/ou as principais probabilidades
do futuro e, a partir disso, elaborar políticas. Inclui (e isto é central): pensar no "plano B", pelo
menos esboçá-lo, caso a política dê errado ou caso a segunda possibilidade confirme-se. Na
situação limite, em1917, Lenin sabia que a revolução poderia ser derrotada tal como em 1905,
então fez uma conta secreta na Suíça para preservar os membros e o partido em caso de derrota,
perseguição e exílios.

Recordo de quando li “Revolução e contrarrevolução na Alemanha”. Para mim, era evidente a


superioridade da política de Trotsky contra a religiosidade dos líderes infalíveis do PC alemão.
Mas um ponto muito específico mexeu comigo: o fundador do Exército Vermelho propôs a
formação de milícias operárias antifascistas numa frente única da esquerda e logo pensei “é isso
que fez falta contra Hitler!” – em seguida, Leon faz um subcapítulo: “Na defensiva ou na
ofensiva?” O debate nesse momento foi educativíssimo e inesperado: mesmo aceitando esta
política, muitos quadros hoje numa situação parecida com a alemã diriam “vamos pra cima
deles!”, “avançar!”, “guerra de classe!”, “ofensiva permanente!”, “é preciso ser ousado e
ousado!” etc. Aquele a propor tal tática, proposta minoritária à época, explicou porque a
defensiva: a classe estava insegura e desmoralizada, desconfiada das próprias forças e não tinha
a classe média ao seu lado; os organismos de autodefesa deveriam proteger as greves e
passeatas, os sindicatos, os partidos operários, ajuda mútua entre milícias do PC e do PS para
defender-se, fundamentalmente aprender (treinar-se na experiência, amadurecer as milícias) e
frustrar os bandos nazistas – assim, por essa postura, ficaria cada vez mais claro quem é quem
no jogo político, o PC e o PS aglutinariam mais e mais jovens voluntários e amadureceria a
capacidade militar da esquerda, a classe operária ver-se-ia com apoio real, prático e unificado, e
ganharia mais confiança em si, a classe média se frustraria (incluso moralmente) com as
milícias fascistas etc. Ou seja, era preciso um primeiro momento defensivo, no processo inicial
de organização e articulação das forças, para ir dar o duro e final golpe, ir para ofensiva, no
movimento inimigo. Se o PS aceitasse tal proposta, a luta ganharia força; se negasse, ficaria
desmoralizado.

ALGUNS MÉTODOS ERRADOS

1. Determinismo econômico.
Considerar a situação econômica como determinante absoluto. A economia é vital, mas sozinha
não explica a vida social e seus rumos. A psicologia coletiva, por exemplo, medo ou raiva, faz
diferença sobre como agir.

2. Análise sindicalista.

Considera a luta social e a luta entre as correntes por espaço. Esquece a totalidade e não elabora
política verdadeiramente de classe.

3. Análise superestrutural.

Colocar o conflito entre Estados ou partidos como medida maior. O centro é sempre a luta de
classes, os conflitos entre Estados são, em geral, parciais e sempre inferiores às questões de
classe.

É comum na geografia e entre os que defendem "governos progressivos". Votar em um partido


para evitar a direita é um caso atual ao supor reduzir todo o processo social a duas organizações
(superestrutura objetiva e eleitoral).

4. Elaborar considerando "o nível de consciência das massas".

Como vimos, também é importante. Mas a questão é convencer as massas de políticas


elaboradas cientificamente. Os trabalhadores não chegam sozinhos a muitas ideias, por isso é
preciso apresentá-las e convencê-los. O reformismo e o centrismo podem usar argumentos como
"esta proposta não dá, pois não dialoga com a consciência da classe" ou “a consciência da base
ainda está recuada”. Os marxistas elaboram e – pela criatividade – adaptam as propostas para
deixá-las comestíveis.

Todos estes métodos são parciais, sem totalidade. Pegam pedaços enquanto o marxismo
considera todos estes elementos em uma Totalidade, integrando-os. E podemos acrescentar
outro meio errado:

5.

Elaborar no improviso, ou para impactar a vanguarda, ou desconsiderando a dialética.

EXEMPLO ATUAL DE ELABORAÇÃO

O leitor pode ter discordâncias, são exemplos. Basearemos na caracterização que já fizemos:
"Situação pré-revolucionária. Crise. luta de classes cada vez mais aguda, princípio de
esquerdização nas classes desprovidas de privilégios, divisão inter-burguesa cada vez maior, as
classes médias iniciam um racha interno, o Estado está mais frágil, partidos de esquerda têm
mais audiência. PT entra em crise, e seu aparelho sindical está sob pressão. É o começo de um
processo que levará revolução ou à contrarrevolução."

Caracterização-Politica:

1. As lutas se multiplicam, mas ainda estão dispersas.

Política: Propor a unificação das greves, dias de luta, pressionar as burocracias pela base.

2. Os pelegos são grande maioria e a esquerda é minoritária e precisa de mais audiência e força.

Política: Impulsionar uma frente de luta da esquerda anti-PT. Denunciar às categorias a ligação
irrevogável dos pelegos com o governo, o Estado e a patronal. Propor, pela base, que puxem as
lutas. Chamar os setores minoritários a romper com as centrais vendidas.

3. Há ataques contra os trabalhadores.

Política: Contra o PL da terceirização. Luta nacional.

4. O Estado está se desmoralizando.

Política: Campanha pelo "Fim de todos os privilégios políticos!". Chamar dia de luta nacional.
Elaborar um panfleto especial.

5. O PT entra em crise.

Política: aumentar as denúncias para enfraquecer esta importante trava. Não deixar a luta contra
o PT como bandeira da direita.

DETALHES:

1. Está em formato resumido e esquemático. No último subtexto, ofereceremos exemplo;

2. Quando uma política ganha vida na realidade, gera uma "rede de consequências". Vamos
supor que é hora para uma "greve geral por tempo indeterminado". Se esta política ocorrer, o
país se paralisará e a guerra civil será uma possibilidade real. Sabemos que ainda não é o caso;
3. O marxismo permite compreender a realidade e antecipar as principais tendências do futuro,
as probabilidades. A habilidade de conhecer a principal (ou principais) possibilidade é o
diferencial.

Marx previu a fase imperialista do capitalismo. Engels, a I Guerra Mundial, sua duração, sua
natureza, seus recursos e as consequências com uma exatidão espantosa. Trotsky percebeu que a
revolução democrática na Rússia (Fevereiro) tenderia a tornar-se socialista (Outubro), avisou
que Hitler invadiria a URSS se este tomasse o poder na Alemanha, disse que a III Internacional
fecharia por uma concessão ao Imperialismo. São alguns dos inúmeros exemplos.

4. Da realidade, precisamos elaborar duas ou três palavras de ordem centrais para propor aos
trabalhadores e às classes oprimidas, ganhá-los e mobilizá-los. Em muitos casos, entre estas
precisa contar uma proposta de método de combate – “Contra o Euro, referendo já!”, “Greve
geral contra a Troika!”, “Três dias nacionais de luta e paralizações contra a reforma da
previdência!”. Como se vê, podemos, incluso, combiná-las. Encontrar as melhores palavras de
ordem; encontrar as melhores formas de expô-las.

Exemplos possíveis:

1. Ataque aos direitos: "Abaixo a lei da terceirização! Lutar para barrar!";

2. Resposta aos escândalos de corrupção: "Fim de todos os privilégios políticos!";

3. Para atrair as classes médias empobrecidas e os operários unificando-os e educando-os no


classismo: "Imposto progressivo! Que os ricos paguem mais!".

Evitando a lógica de "manual" ou "receita", estudar a historia da luta teórico-política do


movimento comunista e o Programa de Transição, de Leon Trotsky, dará inúmeros exemplos
para a elaboração correta da política – além do acúmulo longo de propostas e palavras de
ordem.

Vejamos na conjuntura. Situações de crescimento econômico exigem palavras de ordem


econômicas (salariais etc.), democráticas (direitos LGBTTs etc.) e reformistas; situações de
crise econômica e social (pré-revolucionárias) exigem de nós maior peso para as palavras de
ordem chamadas transicionais (redução da jornada de modo a garantir desemprego zero, banco
único do Estado, gatilho salarial, milícias operárias, abertura das cantas das empresas, comitês
de fábrica, controle operário da produção, gestão operária da fábrica etc.); situações
revolucionárias e de crise revolucionária exigem a aplicação do programa de transição com o
programa máximo (todo poder aos comitês de empresa e bairro, poder operário e popular, todos
armados contra a contrarrevolução etc.). No entanto, esses exemplos são limitados. Se temos
uma situação de crise social e econômica (economia e relação de classe) durante uma ditadura
(superestrutura objetiva), então temos de combinar (dialética) as palavra de ordem transicionais
ou econômicas com as democráticas (Assembleia constituinte já! Etc.) como forma de
potencializar a luta (estrutura) e a consciência dos setores não burgueses (classes e
superestrutura subjetiva – ganhar os setores médios por meio da proposta democrática).

Continuando o parágrafo anterior. Se a classe média está para a direita e unida, dividimo-la com
propostas concretas para atrair seu setor mais pobre para o lado da classe trabalhadora. Se a
burguesia não está dividida – e isso também é vital na análise –, dividimo-la por meio da luta.
Neste segundo caso, por exemplo, a luta contra a ditadura faz com que parte da classe
dominante e seus políticos também queiram a mudança do regime e podemos fazer “unidade de
ação” sem nos misturarmos com eles, mantendo a independência e autonomia de nossos
organismos.

Enfim, as propostas devem ser viáveis? Não, apenas potencialmente mobilizáveis:

“Em contrapartida, e em determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o


controle operário sobre os trustes, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a isso no
marco do Estado Burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita enquanto a
burguesia domina deve impulsionar os operários à derrubada revolucionária da burguesia. Dessa
forma, a impossibilidade política de levar a cabo uma palavra de ordem pode ser mais frutífera
que a possibilidade relativa de realiza-la" (Leon Trotsky – Stalin, o Grande Organizador de
Derrotas.).

Existem palavras de ordem corretas para o momento a nos permitir apenas vitórias parciais e
avanços lentos; existem outras a gerarem saltos imensos na realidade quando ganham as massas.
Darei o exemplo de uma corrente com a qual tenho pouco acordo e muita crítica, o MRT
(“MRT? Centrismo ultraesquerdista!” – Pode ser, mas evitemos a postura de igreja, de seita
política…), onde apresenta uma consigna que me parece boa. Vejamos. A terceirização avança
em todos os locais de trabalho, reduz salários e aumenta a intensidade laboral, enfraquece os
sindicatos e divide os trabalhadores em formais e informais ou concursados e não concursados.
Agora o governo federal deseja terceirização das “atividades fins” (!), ou seja, além das
agregadas! A corrente citada propôs, então, “fim da terceirização! Que todos os terceirizados
tornem-se por lei funcionários públicos e das empresas!”, algo assim. É uma proposta de luta
por um salto qualitativo; e assim deve ser, pois apenas com luta geral e unificada é possível
regredir esta tendência em cada local de trabalho.

PRÁTICA E EXEMPLOS DE ERRO

Marx, Engels, Lenin e Trotsky erraram por toda a vida – nós também podemos nos permitir.
Saber como se faz é diferente de saber fazer. A prática é a forma de aperfeiçoar, aprender, e
exige tempo. É importante fazer balanço sempre após colocar uma política em prática: foi
correto? Por quê? O que deu errado? O que faltou na análise? Alguma falha contra a dialética?
Assim, na próxima elaboração, se fará de uma forma aperfeiçoada, do simples ao complexo.

Na eleição de 2014, disse ao meu antigo agrupamento político, em plenária:


“Compas. Vivemos a transição entre uma situação de estabilidade não revolucionária e a crise
social da pré-revolucionária. A burguesia quer um governo forte, especialmente após junho de
2013. A frente popular que foi encabeçada pelo Weglinton Dias do PT (2003 a 2010) está firme
na memória dos trabalhadores e o atual governo do PSB está desgastado. A burguesia vai querer
esta fórmula de novo, o PT na cabeça de chapa, será uma boa pra eles suportarem a crise de tal
forma que ele (candidato) pode ganhar no primeiro turno. A ligação com a presidência ajuda.”

Acertei a caracterização quase toda. Quase. Sobre senador disse:

“O do PT/PTB para o senado, Elmano Ferrer, é mal visto em Teresina (grande colégio eleitoral)
e pouco conhecido nas cidades menores. E candidato do PTB, o que gera. 1. desgasta a imagem
ao ser associado com a burguesia dos Claudino, altamente rejeitada nas massas; 2. Por outro
lado, há muita finança para campanha. E mais: o outro candidato é conhecido em todo o estado,
ex-governador e tem apoio dos latifundiários.”

Errei: Elmano foi eleito. Fiz o balanço: o erro veio por separar as Partes do Todo.

1. Era largamente apoiado pelo único candidato forte ao governo e com confiança majoritária
nas massas (Dias do PT);

2. Financiado pelo principal setor da burguesia;

3. O outro se desgastou no interior e na cidade – não apenas na cidade;

4. Apoiado por Lula e PT;

5. Só havia duas opções visíveis e viáveis eleitoralmente.

Ou seja, desconsiderei as ligações, as interrelações que influenciavam as candidaturas e o voto.


Abstrai, tratei os candidatos como coisas à parte, isoladas, sem a totalidade. Neste erro parcial,
acertei a política: como eram candidatos tradicionais e oligárquico, valeria a pena dar peso
maior no candidato a senador do partido onde, diferente do candidato a governador, poderia
ganhar mais votos, propagandear a “alternativa”, expor com facilidade o caráter atrasado dos
majoritários por meio do desejo da população de modernizar-se e ganhar simpatia mesmo que
sem que esta se transforme em voto.

Outro caso. O aumento da passagem de 2011 foi barrada e só aconteceu em 2012 (ou seja,
defasado o preço para a burguesia). Houve anúncio do aumento em 2013, mas as Jornadas de
Junho encerraram a conversa sem luta direta alguma (foi efeito colateral da luta generalizada e
sequer precisou de luta direta!). Percebi que o aumento estava três anos atrasado e que
burguesia/prefeitura queria evitar a luta social. Nessa situação, tentei calcular a manobra deles,
que seria: aumentar nas férias para esvaziar a luta.
Errei: não teve aumento. O que aconteceu? Falta de um cálculo mais profundo e menos
sindicalista:

1. A forma de aumentar o lucro foi reduzindo a quantidade de ônibus. Diminui os custos com
funcionários, máquinas, combustível, manutenção e concentrar usuários nos ônibus, ou seja,
reduzir a frota e liberá-la nos horários de pico, após acúmulo de gente à espera. Aqui entra a
economia, outras formas de aumentar o lucro;

2. Houve um conflito, relativo, entre o prefeito e o empresariado do setor. O primeiro queria


evitar desmoralização e o segundo queria aumentar o preço. A ruptura parcial gerou um ensaio
de licitação fajuta… Tratei a burguesia e seu representante como necessariamente e sempre não
conflitantes, não contraditórios (mecanicismo e lógica formal);

3. Esperar para entender a situação pode ser positivo à burguesia, pois não é onipotente e
onipresente (a parte difícil: entender como anda a psicologia e o pensamento da classe inimiga);

Vale destacar que a política pode nos dar um exemplo da importância do cálculo e criatividade:

Propus a amigos de militância um trabalho preventivo e preparatório para o aumento (que não
aconteceu): produzir de 200 a 300 cartazes como “2 e 10 já é um salto. Abaixo a Máfia do
SETUT. ANEL". Isso criaria referência, aglutinaria vanguarda e alertaria a consciência dos
trabalhadores. Era preciso criar palavras de ordem capazes de impactar a consciência.

Mas como passar o recado com poucos recursos e pouca gente? Solução:

1. Aproveitar o espaço;

2. Focar a colagem de cartazes nas principais praças do centro e suas paradas de ônibus;

3. Focar nas Paradas da UESPI e UFPI, e dentro delas, e nos IFPIs e escolas centrais (Liceu,
etc.)

4. Deixar alguns reservas, caso retirem.

Com esta tática, unindo análise e política-criatividade, era possível passar a mensagem a toda
cidade e rapidamente.

INDIVIDUAL E COLETIVO

O processo é um ato solitário, concentrado e dedicado. A segunda etapa será dividir as


conclusões com o grupo para debatê-las, criticá-las no todo ou em parte, ou aceitá-las no todo
ou em parte. Após um debate fraterno e coletivo, a elaboração ficará ainda mais refinada,
correta. E pode-se perceber erros. Pode-se adotá-la com ou sem algumas mudanças. Pode o
debate levantar novas questões que faz necessário, de novo, um trabalho individual. É
importante que todos saibam fazer análise, caracterização e política para não criar um guru, uma
dependência ou elite pensante. Pode ser útil iniciar o debate, um tema ou polêmica. São
apresentados inúmeros apontamentos, caminhos, propostas, discordâncias, dúvidas nos diálogos
e intervenções. Depois, individualmente, o(s) militante(s) deve(m) refletir sobre as informações
e iniciar o processo de compreensão da realidade que debatemos aqui. O mais importante é que
apenas com debate coletivo, decisão coletiva e ação coletiva as propostas podem ganhar vida e
serem ferramentas úteis para a realidade e aos trabalhadores. É melhor perder um debate ou
votação que ter razão sozinho.

Unir teoria forte e prática firme é a única saída. O Marx que disse "os filósofos se limitaram a
interpretar a realidade, mas a questão é transformá-la" é o mesmo de "nunca a ignorância foi útil
para qualquer coisa" e "uma ideia torna-se uma força material quando ganha as massas
organizadas" ou "de nada valem as ideias sem homens que possam pô-las em prática". Lenin
tem um recado ótimo: "não há prática revolucionária sem teoria revolucionária".

APLICAÇÃO PRÁTICA E ALIENAÇÃO

Imaginemos: presidente de um sindicato, combativo e simpático ao socialismo. Na greve,


consegue um aumento salarial de 50%! acima da inflação (!). Vitória? Depende. Se garante,
como sindicalista, a conquista na greve, mas sem assembleias soberanas, sem controle da base
sobre a direção, sem ir além do debate salarial (ou seja, sem falar de política), sem ajudar na sua
autoeducação e na reeducação da classe quanto à fé em si própria e na sua dominação sobre os
dirigentes, se atrapalha ou impede aquela oposição de direita de falar ao microfone etc. Qual o
nome disso? Do ponto de vista comunista: derrota. O balanço, portanto, é negativo.

Ter boa vontade é limitado. Ter boa política, também. Ter boa política prática (greve geral,
unificação, ocupação, protesto de rua, mecanismos legais etc.), idem. Tudo isso é bom, mas
incompleto. Isso é assim na medida de que há um fenômeno no capitalismo: a alienação.
Podemos dizer que é a humanização das coisas por meio da coisificação dos homens. E mais: é
o controle do homem sobre o homem, a coisificação das relações humanas. Se numa reunião do
partido, elevamos a voz demasiadamente e manobramos para garantir a nossa proposta – por
melhor e necessária ela seja –, então estamos derrotados; porque a política é tática em relação ao
processo de amadurecimento do partido, estratégia. É uma derrota.

No início de minha militância, eu pensava que fazer festas, eventos acadêmicos, cinema, dias
esportivos etc. eram algo desnecessário e que me subordinaria apenas porque facilitaria ganhar
moral e influenciar a base. A ação era correta (ainda bem), mas errado o meu raciocínio. O
capitalismo não oferece lazer, arte, formação intelectual e integração humana como se deveria!
É preciso, portanto, nos humanizarmos – esta é a verdadeira luta marxista. Isto significa
autoeducação, educação e reeducação: assembleia de base dos CAs, DCEs e sindicatos onde se
vê e se aprende uma democracia superior à burguesa, clareza pública do que se passa nos
organismos dos trabalhadores e estudantes, divulgar a arte do alunado na escola. É positivíssimo
o jornal do sindicato ou grêmio a tratar de política de forma a explicar e propor, mas também
trate de arte e eventos do interesse etc. Há que se levar a sério que “Não apenas de política vive
o homem” (Trotsky).

Existe a possibilidade de os líderes honestos e aguerridos, e ativos no trabalho de base, terem


tanta moral que as pessoas confiam sem tanto filtro ou tenham discordância mantendo o respeito
acumulado. Isso não é de todo ruim, contanto que nunca se perca os métodos e o projeto real – o
fim da alienação.

Em uma conversa com um grupo de simpatizantes, alguém me perguntou: mas vocês lutam para
a educação mudar o mundo? Queria muito aqueles ativistas no partido, e teria de ganhá-los do
modo correto; respondi: “para nós, quanto melhor melhor. A gente luta por reformas para
melhorar qualidade de vida e para provar que é impossível mudar este mundo por reformas. Se a
maioria tiver maior nível cultural, isso facilita tanto a tomada de consciência quanto as
habilidades das pessoas para construírem o socialismo na prática. Mas é preciso antes fazer uma
revolução para poder revolucionar o ensino.” “A verdade é revolucionária”, diz Trotsky. Dizer
as coisas como são, mesmo sendo chatos ou rejeitados, é um critério para ser militante
bolchevique, para lutar pela desalienação sua e dos demais. Se nós declaramos apoio a ideias e
propostas erradas das massas ou das vanguardas para poder “nos aproximarmos delas” e “evitar
o isolamento”, então, por o caminho proposto ser errado, vamos ser derrotados e toda a ilusão
de influência social transforma-se em desmoralização, perda de audiência e dificuldades; se
apresentamos uma proposta que consideremos correta – suponhamos estar –, então pode
acontecer de ficarmos em minoria e isolados por um período e, por isso, termos de ser firmes e,
ao mesmo tempo, não sectários, tentando agregar o máximo possível, explicar, dialogar, já que
somente assim abrimos a possibilidade de crescermos de fato, aplicarmos as propostas, sermos
visto como aqueles a “dizer aquilo mesmo quando ninguém apoiava” e aglutinar em torno de si
as massas e o melhor da vanguarda – ou parte dela – numa luta por nós influenciada ou liderada.
Daqui não podemos supor sermos “os guias das massas” ou “orientadores” e a “consciência da
inconsciência”, pois essa arrogância esconde 1) nossa inexperiência e 2) o muito que ela tem
para nos ensinar. Tentar ser liderança da classe e fazer com que nossos militantes sejam mais
capazes em relação ao trabalhador médio, nada pode ter haver com o perfil professoral e
populista. Estamos longe de romantizarmos a classe trabalhadora e suas limitações, mas ainda
nos falta muito para sermos dignos dela.

“E se a proposta que elaborei for derrotada no debate de minha célula?” Calma. É preciso
sabermos errar e acertar juntos, mesmo. Às vezes, estamos errados; às vezes, podemos dizer no
balanço que tal derrota foi por falta de tal política (sem arrogância do “eu avisei”); às vezes, a
realidade é tão forte que nossa política derrotada acaba sendo posta em prática, pela própria
dinâmica das coisas (ex: “não temos como ocupar agora”, mas a política é “ocupar” – e não vai
um número satisfatório ao protesto, impedindo o ato radicalizado); às vezes, as duas políticas
estão erradas; às vezes, por terem elementos da verdade, duas políticas podem ser fundidas ou
adaptadas; e às vezes, a política está correta com a realidade, mas foi mal aplicada.

Então, fazemos algumas observações:

1. Uma proposta pode ser boa em si e agradável, mas aplicá-las não valer a pena.

Exemplo: Atividades culturais! Pega-se o calendário do semestre letivo e preenche-se de um


projeto aqui, outro noutra semana etc. No final das contas muito trabalho e muita frustração,
porque tempo e recursos são poucos: melhor fazer poucas atividades de grande impacto e
importância que “ir longe demais” ou “andar mais do que as pernas”.

Toda ideia é realizável na mente e até seus resultados práticos hipotéticos são “medíveis”. Mas
isso é engano: temos de ver como a vida é para direcionar a imaginação e a criatividade para
boas propostas e soluções – a materialidade guia-nos.
2. Tudo o que é central deve ser votado, tarefas divididas, todos devem debater e praticar
(teoria e prática). As células são “grupos de debate e trabalho” e, portanto, devem ser o
oposto da fábrica e sala de aula – o que inclui não existir no dirigente político a
encarnação do “pequeno poder”, como no professor ou gerente.

3. Pessoas honestas cometem erros oportunistas. Cometemos erros oportunistas sem


percebermos. Reconhecer nossos erros e aprender com eles é importante e dignificador.

4. Estratégia e tática: se a realidade muda, a política muda – mesmo.

É preciso, antes de tudo, medir. Qual a relação social de forças? Estamos na ofensiva ou na
defensiva? A classe média pende para o lado dos trabalhadores ou da burguesia? Isto é
importantíssimo, central.

5. Sempre que for elaborar política, considerar a condição real da célula e do partido.
Quando em vez, analisamos como se fossem máquinas, ao ponto de ação, 100%
disciplina e capacidade, “basta votar”, etc. Numa guerra, avaliamos o perfil total dos
soldados e suboficiais…

Exemplo: Cannon percebeu que o PC dos EUA, então clandestino, estava numa conjuntura onde
poderia agir publicamente. Mas sofreu dura resistência a essa proposta… Os militantes
acabaram fazendo fetiche de sua própria dor, amavam a ilegalidade de forma absoluta. O
dirigente viu-se obrigado a mediar – naquela circunstância, pouco valia ter toda a razão do
mundo e perder o partido numa crise interna – e propôs uma “colateral”, um “partido operário”
legal, ligado ao partido ilegal, que ressonava a política comunista e, ao mesmo tempo, mostrava
que agir de modo aberto era possível e necessário. Segundo exemplo, no limite: Lenin ensaiou
romper com o próprio partido em 1917, em Abril, caso este capitulasse de vez ao governo
provisório da Duma (parlamento) – e discordava em público de seu próprio partido, pois a
situação limite justificava esse tipo de ação, não parecia algo “de gente sem noção” ou até
parecia, mas com o tempo ele foi provando que estava correto e agregou.

6. Aprender a ser maioria e minoria: defender com firmeza a sua proposta mesmo quando
amplamente rejeitada – se a considera correta, a saída correta para a contradição posta,
então é errado “fundir propostas”, “ambos têm razão”, “vamos fazer um acordo” etc. No
máximo adaptamos a forma de apresentar nossa política. Na reunião de partido: “vamos
aplicar a proposta vencedora, democracia operária e partidária, mas continuo mantendo
esta visão; agora é verificar na realidade.” Sendo maioria, nunca “tratorar”: analisar se o
outro oferece elementos positivos, tentar agregar evitando degenerar a unidade em
acordismos ou afastamento da proposta política.

7. Às vezes, a proposta aprovada estava errada ou, diferente, foi aplicada de modo ruim. E
no balanço: “mas valeu a pena”, “mas o bom é que…”. É o medo de dizer que o
resultado foi negativo, de chamar as coisas pelo nome, de reconhecer que militar é um
processo de evoluir e aprender, além do interesse em manter aquele sentimento de
“somos revolucionários” e “a melhor organização” como método falso de disciplina
interna. Isto é comum no centrismo.

8. Se uma política se demonstra errada, deve-se tentar corrigi-la a tempo, elaborar outra
mais exata – melhor a evitar o dano real, objetivo, na psicologia do “se nos negarmos a
ver o erro, este deixa de existir”. O autoengano deve ser descartado.

9. Balanço está longe de ser “dedo na cara”, desmoralizar o outro ou apontar apenas os
erros. Avalia-se primeiro a política e, como fato agregado, as pessoas; apenas em casos
mais graves temos de puxar advertências e debates mais duros sobre indivíduos (ex:
roubou dinheiro do sindicato? Propor expulsão do militante.).

10. Na análise: qual a correlação de forças na sociedade? Qual setor está na ofensiva e qual
na defensiva? Por quê? O principal modo de medir é pela quantidade e intensidade das
lutas, greves e protestos, se numerosos ou em dispersão.

É a intenção esta: vamos além da ideia de socialismo abstrato e criamos embriões e pontes para
o amanhã – hoje e já; defende-se mais que a humanidade abstrata, o homem abstrato, e
procuramos aplicar nossas ideias e valores à humanidade concreta e aos homens concretos.

ENIGMA DOS ERROS

Quando fazemos balanço histórico, soam absurdos os erros do passado – tão óbvios. Porém, eles
são praticados porque parecem corretos.

Exemplifiquemos: Pablo Michel foi o principal dirigente da IV Internacional após a morte de


Trotsky. Sua política absurda: entrismo sui generis, entrar nos partidos estalinistas por anos ou
decádas, pois estes últimos, forçados pela decadência do capitalismo, tomariam o poder,
obrigando os revolucionários a atuar por dentro da burocracia. Isto destruiu a internacional…
Por que foi aplicada pela maioria dos partidos? Porque a URSS tinha grande moral ao derrotar o
nazismo, porque o processo de vitória fez inúmeros países tornarem-se Estados operários
degenerados, porque a guerrilha de massas na China foi vitoriosa, porque bastava os sindicatos
estalinistas puxarem greves para conseguirem reformas na Europa Ocidental, porque os crimes
de Stalin foram denunciados pela própria burocracia etc. Percebe-se? Parecia correta, na medida
em que a análise partia dos fatos para além deles, não pelo real motor interno dos processos.

É importante, para a educação geral, apontar o erro e seus contextos concretos. Assim, ao passar
por momentos complicados, fica mais difícil a militância ficar iludida com a “obviedade” desta
ou daquela elaboração.

LEITURAS
Vamos do simples ao complexo:

1) Princípios do comunismo (Engels);

2) Manifesto Comunista;

3) Revoluções do Século XX (Moreno);

4) Conceitos Políticos Básicos (Moreno);

5) O Capital I, II e III;

6) O Partido e a Revolução (Moreno);

7) Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo (Lenin);

8) Lições de Outubro (Trtosky);

9) Revolução e Contrarrevolução na Alemanha (Trotsky);

10) O Programa de Transição (Trotsky);

11) História do Trotskysmo Norteamericano (Cannon);

COMUNICAÇÃO, A “CHAVE” DA REVOLUÇÃO

Sempre destacamos vários elementos importantes para que o partido sirva para alguma coisa na
futura revolução: ciência militar, dirigir sindicatos, ter simpatia, saber elaborar política de
maneira científica. Tudo isso é verdadeiro. E é verdadeiro pelo objetivo central e mais
importante: temos de ganhar a consciência das massas para o nosso projeto. Em real, podemos
dizer que construímos um partido de combate com esse objetivo: travar uma guerra para ganhar
simpatia, ser ouvidos e, com o tempo, ser a liderança honesta das massas. Essa é a hierarquia
das hierarquias, pois o partido atua na chamada “superestrutura subjetiva”, ou seja, elevar a
consciência, que os trabalhadores nos apoiem, de modo ativo, ou tenha simpatia pela gente e
nossas propostas.

É a razão desse texto e é por isso que sempre teremos de nos aperfeiçoar e atualizar. Sabemos
que a mesma coisa pode ser dita de inúmeras formas e que, por mais que seja o mesmo
conteúdo, a forma como se diz faz toda a diferença! De um jeito ganha simpatia; de outro,
desconfiança. De uma forma facilita a audiência; de outra, parece coisa de organização maluca
ou desleixada. É claro que isso sempre é mediado – e determinado – pela maturidade política da
organização e da conjuntura, pois não há talento individual que passe por cima disso. E o mais
importante é sempre melhorar, fazer balanço, ter paciência de se aperfeiçoar e aprender.

COMUNICAÇÃO E CENTRISMO: SUPERVALORIZAÇÃO DA ORATÓRIA, DA


LIDERANÇA E DA FIGURA PÚBLICA
Acho que vale a pena citar um trecho de um artigo sobre esse tipo de organização:

“Nos partidos centristas a liderança tem um valor especial pela oratória. Qual a essência disso?
Para ter cargos parlamentares e sindicais é importantíssimo ter ótimos oradores, líderes
infalíveis. Priorizar como “liderança” os melhores organizadores, aqueles que sabem organizar
politicamente as finanças, os melhores teóricos, os melhores em “vender jornal e fazer
propaganda”, os melhores em captação de militantes, os mais talentosos na ciência militar é
coisa de… bolchevique. Como o objetivo é o tático, não o estratégico, o orador é valorizado e
em geral possui muito talento. Vive-se uma relação de admiração forte pelo candidato, figura
pública, transforma-o numa espécie de herói, um socialista pop.”

“Daí vem hábitos de propor, por exemplo, “fóruns de debate permanente do movimento”, a
prioridade dada às CPIs etc. Para um comunista interessa um fórum quando este organismo faz
avançar a luta. É este o critério. Por outro, o centrismo (especialmente as lideranças) puxa
polêmicas encarniçadas apenas se lhe couber uma audiência positiva ou precisa defender
métodos que mantêm seus privilégios; do contrário, evitam. É claro que uma organização
revolucionária precisa de bons oradores, são importantes, mas não são o que envolve o partido.
Já entre centristas podemos ouvir conversas do tipo: “Aquele camarada é um bom organizador
de finanças, mas aquele outro é um quadro, uma liderança nata, você tem que ver ele na
assembleia discursando”, ou: “o camarada fala bem, viu, domina a política, sabe convencer, esse
aí vai pra direção da organização, com certeza”.(Características do Centrismo.)

A base social de classe média influencia, nesse sentido, partidos centristas e até a nossa própria
organização. Podemos dizer mais: o centrismo se preocupa mais em falar aquilo que lhe faz ter
simpatia. Nós, ao contrário, não paramos de dizer uma verdade que tem de ser dita, mesmo que
não dê simpatia. Ou seja: o centrismo não disputa a consciência das massas, apenas se dobra a
essa consciência atrasada.

Quantas vezes vimos membros de partidos de esquerda defendendo o apartidarismo apenas para
ganhar simpatia ou alguma votação em assembleia? Eles escondem seus objetivos. Já para nós a
comunicação é – ou deve ser – para ganhar simpatia e disputar o pensamento dos trabalhadores.
Para o centrismo e o reformismo a comunicação é uma forma de enganar para ganhar cargos no
parlamento ou no sindicato.

Não podemos julgar um militante, se é bom ou não, se é quadro ou não, pela – ou somente pela
– oratória ou, pior, pelo prestígio. Precisamos unir prática e teoria, fazer e falar, trabalho manual
e intelectual. Temos militantes que focam na importância pública e só desejam pegar tarefas que
dão “moral”, onde se fala muito e dá ordens; querem aquele cargo, e, por isso, acham que é
“tarefa de segunda mão” colar cartazes de madrugada na greve, pegar no pesado ou deixar a
sede linda para simpatizantes.

CLASSE OPERÁRIA E BURGUESIA


A classe dominante tem os meios de comunicação centrais em suas mãos e alta escolaridade.
Possuem essas vantagens, além de outras: muito dinheiro e o Estado Burguês, ou seja, a
capacidade alta de formar, atrair ou “comprar” (corromper) comunicadores de outras classes.
Um bom é exemplo é Lula, um dos maiores oradores de origem operária e serviçal dos ricos.

Uma das vantagens de nossa classe é o número. Somos milhões. Assim como tem mais
operários que burgueses com dor de cabeça ou gripe, também há mais operários com talentos
natos que podem ser usados e aperfeiçoados. A luta de classes revela vários do tipo, quando
explode.

O domínio do Estado, dos meios de comunicação e da escola nos ensina a obedecer, a “não-sei-
falar”, somos educados a ter medo de dizer algo em público. Na escola, o professor fala e fala;
no trabalho tem muito assunto que não pode ser tocado e pode atrapalhar o ritmo da produção; a
educação familiar reproduz a lógica do capitalismo para nossa classe. Portanto, é uma tarefa
socialista a reeducação e autoeducação de nossa classe e seus militantes.

COMUNICAÇÃO E CONCEITOS

No partido adotamos dois conceitos de comunicação: agitação e propaganda.

Agitação: “poucas ideias para muitos”.

Propaganda: “Muitas ideias para poucos”.

Uma panfletagem, um vídeo eleitoral, uma pichação etc. é agitação – quando nos dirigimos às
massas ou categoria.

Propaganda é destina à vanguarda, aos mais conscientes, aos ativistas; exemplo: um jornal do
partido, palestra, livro, cartilha etc.

Em agitação fazemos debate ideológico, mas costumamos focar em propostas, em denúncias, no


imediato – a função é mover e/ou ganhar simpatia dos trabalhadores comuns.

Em propaganda vamos além: debatemos também o mediato, a estratégia, somos mais profundos
– o objetivo é ganhar simpatia, audiência, entre os lutadores e captá-los. É tentar convencer a
vanguarda que o melhor caminho para a sociedade é o que estamos propondo.

Coisas simples como usar a camisa ou boné do partido, começar a fala já se identificando como
da organização etc. podem ser ótimas formas de agitação e propaganda.

PANFLETO:

- É importante ter capacidade de dizer muito com poucas palavras;

- É uma linguagem mais ágil, simples e direta, descomplicada. Podemos dizer coisas profundas
de forma totalmente comestível e aceitável;
- Escreva pela positiva. Coisas simples, como evitar o excesso da palavra “não” ou reorganizar a
frase, estimula muito a leitura;

- Evitar ser professoral com a base, “ensinador” ou dar lições de moral;

- Imagens devem ter o poder de sintetizar o conteúdo;

- O tamanho das palavras deve exigir pouco esforço dos olhos;

- Sempre bom ter alguém com domínio da gramática por perto;

- A diagramação deve ser leve, limpa, sem muitas cores.

Focar em três cores: às vezes, um panfleto “monocolor”, preto e branco, é muito mais agradável
de ler. Quando tem excesso de imagens e cores, o panfleto fica pesado e cansativo; além disso,
deixar o fundo branco e letras negras é ainda um bom formato.

- Sempre colocar propostas. E deixá-las destacadas e localizadas no panfleto.

Um erro muito comum em nossos panfletos: focar em debate histórico ou ideológico, quando o
foco real deve ser o problema imediato e nossas propostas. Chamamos de erro ou desvio
propagandista, típico de militantes intelectuais. Podemos até colocar um pouco de “discurso”,
mas sempre como apoio do objetivo central, que é apresentar denúncias e propostas. Dessa
forma ganhamos a classe tanto para o debate “histórico-ideológico” quanto para a simpatia pelas
propostas.

- Sempre se diferenciar dos governos, direções pelegas e correntes.

Se o governo que criticamos por “não tomar nenhuma medida” tiver simpatia das massas,
devemos criticá-lo de forma que agregue, que nos faça ser ouvidos e o trabalhador diga: “apoio
o governo, mas o pessoal desse panfleto tem razão”.

- Usar o “nós” no lugar de “os trabalhadores”.

É importante que o leitor veja que o panfleto é feito por um igual, por alguém que sente as
mesmas necessidades e dores que ele tem e que o panfleto descreve. A voz do material tem de
ser de alguém que não “se solidariza de fora” mas que sente na prática o que tem que dizer, pois
sofre na pele e se revolta com isso e, por isso, faz o panfleto de sua corrente. A linguagem tem
que passar o sentimento do assunto, evitando exageros. Se vamos falar de corrupção, o panfleto
terá de ser enérgico como enérgico somos numa conversa de bar sobre a família Sarney e o
Collor ou sobre o Senado.

- É preciso ter paixão de tentar fazer o material ser bem acolhido pelo trabalhador e causar
revolta.
- Dizer o que não se diz, pois sofrer o mundo e não o entender gera angústia. Se a pauta de
economia do Jornal Nacional é puro “economicês” intraduzível, então nosso papel é esclarecer,
clarear as mentes; assim, tem que valer a pena o nosso material para que o operário o queria na
próxima visita. Outro exemplo: se há uma epidemia, devermos explicar suas causas e efeitos,
como combatê-la, dar propostas políticas e denunciar a prefeitura. Além do mais, temos de ser
mais que uma colateral da impressa burguesa: as nada falam da revolução curda, nós falamos; se
nada falam de uma tragédia ambiental, nós tratamos passa a passo disso etc. Boicotemos os
boicotadores da verdade.

CARTAZ:

- Que tenha um tamanho chamativo;

- Que as palavras em destaque passem, já na primeira olhada, noção do conteúdo, despertando


curiosidade;

- Que nem todas as palavras fiquem em destaque (caixa alta), só as centrais;

- Que seja direto e a imagem (foto, desenho) ajude a sintetizar o conteúdo;

- Poucas cores, mas com vivas e destacadas (vermelho, por exemplo);

- Palavras e imagens devem estar bem localizadas, sem misturá-las, pois, quando isso deixa de
ser respeitado, costuma causar confusão perceptiva.

- Colar os cartazes em “pontos-chave”, onde há muita audiência, circulação humana e fácil


visualização. É central não colocá-los nem abaixo nem acima da visão média das pessoas, na
altura dos olhos é a melhor tática.

DETALHES:

- Algumas cores atraem mais que outras – vale a pena pesquisar um pouco.

- Desenhos e logos com formatos “circulares”, mais arredondados, tendem a ser mais atraentes.

FLYER E INTERNET:

- Na internet, a imagem de impacto é a que ganha simpatia. Todos “lemos” primeiro a imagem e
depois o texto. Por isso, é importante ter foco nesse tipo de agitação.

- É importante se perguntar: “esse texto ou imagem é agitação ou propaganda? É para as pessoas


em geral ou para os ativistas?” Exemplo: talvez nem precisemos divulgar em nosso perfil
pessoal um texto teórico sobre feminismo, já que nos basta publicar nos “grupos feministas” on
line, público alvo.
- É importante evitar falar apenas de política na internet. Falemos de animais, humor e poesia
também, como qualquer ser humano. Assim escapamos de passarmos por chatos e estranhos.

- O fato de se estar longe do olho a olho pode levar à elevação do tom na linguagem, ser
sectário. Importante evitar isso.

VÍDEOS:

- O pecado dos pecados na linguagem é a qualidade, que deve ser minimamente satisfatória. O
áudio e organização das imagens devem passar organização e facilitar o entendimento. É muito
comum querer “renovar”, fazer diferente, sem ter experiência ou recursos. Quase sempre fica
“forçado”. Algo simples, como gravar numa sala isolada com a figura pública falando, pode
agregar muito.

- Se possível, fazer mais de uma gravação, às vezes permitindo certo improviso nas falas.
Depois escolhe qual fica melhor para publicação.

- É importante passar certa espontaneidade, mas sem enfeites ou forçar. Criar um clima humano
no ambiente de gravação ajuda.

COMUNICAÇÃO E UNIDADE DE AÇÃO – UNIDADE-DIFERENCIAÇÃO

Muitas vezes vamos protestar junto com outras correntes. E quase sempre aparece a tentação:
fazer um panfleto e/ou cartaz unificado. Mas vejamos: nossa diferença com outras correntes é
política. Então, como fazer um panfleto unificado “em defesa da mulher” com PT/PCdoB se
para nós o partido deles é culpado pelo crescente machismo? Podemos até fazer o panfleto
unificado, mas teremos de ter também o nosso por onde apresentamos nossas propostas,
criticamos a irresponsabilidade do governo, apresentamos nossa organização como alternativa,
chamamos as pessoas a aderirem ao nosso projeto organizativo etc.

Unidade de ação é unidade na ação. Ter nossos próprios panfletos, nossas próprias palavras de
ordem e batuques, falas próprias etc. é parte da agitação e de nossa construção (captar e ganhar
simpatia).

Nos protestos feministas tivemos muita audiência popular, pois espalhamos nas partes do
centro, onde o protesto passava, o panfleto da nossa organização. As pessoas liam e gostavam:
éramos a única corrente com material próprio.

Em várias cidades, nas jornadas de junho, dirigimos protestos espontâneos porque tínhamos uns
“batedores de lata” bem ritmados e palavras de ordem muito agradáveis.

BANDEIRA E PROTESTOS

É importantíssimo ter nossas bandeiras altas, especialmente se estivermos em bloco concentrado


e fechado no protesto (para criar referência e para os militantes se localizarem). Mas não é
princípio. Se temos panfletos, propostas, camisas, falas pela nossa organização e palavras de
ordem, se atuamos organizados, por que não recuar a bandeira em caso de rejeição do
movimento? Evitamos conflito físico e mantemos o trabalho.

Вам также может понравиться