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DOI: https://doi.org/10.26512/les.v10i2.

9291 Cadernos de Linguagem e Sociedade, 10 (2), 2009

CHARAUDEAU, P. Discurso político. São Paulo: Contexto,


2008. Tradução de Fabiana Komesu e Dílson Ferreira da Cruz.

Resenhado por Geraldo Cordeiro Tupynambá1

Em Discurso Político, Patrick Charaudeau propõe-se ao desafio de


compreender o fenômeno político tomando o discurso como categoria
central, sem, contudo, hipostasiar este conceito e convertê-lo em “um
absoluto” do fenômeno político. Ao adotar a perspectiva interdisciplinar
da Análise do Discurso (AD), Charaudeau – um “linguista do discurso”
(p. 15), segundo suas palavras – dialoga com diversas disciplinas
(psicologia social, ciências sociais, antropologia etc.) que contribuem para
a caracterização dos contextos e das práticas sociais em que o discurso
político se produz e opera. Entende que a linguagem é constitutiva da
ação política, mas que esta não se resume àquela. Aproximando-se de
Habermas, o Autor assinala que a linguagem exerce um papel mediador
entre a instância cidadã e a instância política, contribuindo, assim, para
assegurar a legitimidade da representação política. Isso não impede que
ela seja instrumentalizada no exercício do poder político, por meio de
regulamentação e de sanção.
Neste projeto, a AD não se dilui na Filosofia Política, na Ciência
Política ou na História, uma vez que seu objeto de estudo não é a
legitimidade da racionalidade política ou os mecanismos que conformam
os comportamentos políticos, mas os discursos que embasam e tornam
possíveis essa racionalidade e esses comportamentos (p. 37). Ainda que
se conceba a política e a realidade do poder como, essencialmente, uma
questão de ação, essa só pode ser levada a cabo se houver um discurso
que a motive e que lhe atribua sentido.

1 Diplomata do Ministério de Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) e Mestrando


junto ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da UnB.

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Charaudeau descreve os lugares de fabricação do discurso


político, ressaltando que o caráter político de um discurso reside
menos em seu conteúdo do que nas condições criadas pela situação de
comunicação. O discurso político não está reservado aos governantes
ou aspirantes a governantes, nem aos pensadores da política; seu
sentido se produz em função da interação e das identidades que
dela participam. O Autor distingue três lugares de fabricação desse
discurso: o da elaboração de sistemas de pensamento; o dos atos de
comunicação entre atores da cena política; e, finalmente, o lugar
onde se produz o comentário, em princípio alheio ao campo da ação
política. Tais lugares não são estanques. Os discursos políticos, como
os de qualquer outra formação discursiva, circulam no interior dos
grupos que os constituem e entre diferentes grupos sociais e, ao se
difundirem, se transformam.
Situado no encontro entre o julgamento – “a palavra que deve
fundar a política” – e a ação – aquela que “deve gerir a política” – o
discurso político parece estar, hoje em dia, em um processo de mutação,
que tem levado o jogo político a abandonar progressivamente o terreno
dos sistemas de pensamento e das ideologias (o “lugar do teor dos
argumentos”), para concentrar-se mais na encenação dos embates
políticos. Este movimento estaria sendo acompanhado, de forma
análoga, pelos estudos sobre o discurso político, menos interessados,
atualmente, nos “conteúdos” do discurso do que nos mecanismos de
comunicação. Na visão de Charaudeau, os dois modos de abordagem do
discurso político são indissociáveis.
Tendo circunscrito, na primeira parte do livro, a noção de
discurso político, Charaudeau analisa, nas três partes seguintes, seus
componentes essenciais: os contratos e estratégias do discurso político;
as imagens do atores políticos; e os “imaginários de verdade”, noção
que, segundo ele, abre perspectivas analíticas não alcançadas pela
noção de ideologia.
Na segunda parte, o Autor trata, portanto, das condições do discurso
político, partindo da descrição do contrato de comunicação que fundamenta

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o dispositivo de interação nesse âmbito. Este dispositivo estrutura-se não


em função de indivíduos, mas de “entidades humanas”, caracterizadas
como instâncias que se definem de acordo com seus atributos identitários,
os quais, por sua vez, determinam sua finalidade comunicacional (p.
55). Aos três lugares de fabricação do discurso político – lugares de
governança, de opinião e de mediação –, corresponderão a instância
política, a instância cidadã e a instância midiática. O papel dessa última
é ambíguo, na medida em que seus integrantes, legitimados de antemão
como informantes, buscam também – e precipuamente – a captação de
novos adeptos, em razão das condições do mercado de comunicações.
Assim, paralelamente ao dispositivo de exibição, que almeja a construção
da credibilidade, opera o dispositivo de espetáculo, que visa à cooptação e
que pode acabar constituindo a vocação preponderante da mídia (p. 63).
No âmbito da política, a identidade dos sujeitos constrói-se
com base em sua legitimidade, em sua capacidade de atuar na esfera
pública de maneira fundamentada, o que não invalida a construção
discursiva da identidade, por meio do que se diz. Ambas as dimensões
da identidade se interpelam e essa figuração dupla constitui elemento
de tensão no discurso político. A construção da imagem – essencial na
política contemporânea – tende a sobrepujar o conteúdo programático
dos pronunciamentos políticos e ganha especial importância no estudo
das estratégias do discurso político. Sendo o poder político fruto de uma
delegação, de uma legitimidade adquirida e atribuída (p. 79), o sujeito
político deve persuadir os indivíduos acerca dos valores que defende e
construir para si uma dupla identidade discursiva, que articule teoria
e prática, posicionamento ideológico e estratégia de gestão do poder.
A persuasão – vista desde a Antiguidade como combinação de fatores
racionais e emocionais – não se separa nitidamente, no discurso político,
da convicção.
As estratégias discursivas do político dependem de fatores como a
sua identidade, sua percepção da opinião pública e a posição de outros
atores, aliados ou adversários. A encenação do discurso político oscila
entre razão e paixão, misturando logos, pathos e ethos. As estratégias de

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persuasão compreendem, entre outros aspectos, as escolhas dos valores,


as diferentes maneiras de apresentá-los e de argumentar, a “dramatização
do discurso” e a construção da imagem de si (ethos).
Na terceira parte do livro, dedicada à imagem dos atores políticos,
o último elemento da tríade retórica aristotélica constituirá o tema
central. No contexto midiático atual, o ethos – a imagem de si projetada
no discurso – está em constante reformulação. O ethos produz-se na
dialética entre a identidade social e a identidade discursiva: “O ethos
relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que
fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro
o vê” (p. 115). Por transparecer mais do que aparecer, o ethos não se
constrói por marcas específicas. Ainda assim, o Autor elenca uma série
de procedimentos linguísticos que propiciam sua elaboração. A forma de
encadear as ideias e o conteúdo do discurso são elementos constitutivos
da imagem do orador, mas esta não se produz apenas pelas palavras.
Charaudeau incorpora à sua análise a figura física do orador, o sujeito
falante empírico, sua voz, sua entonação, sua gestualidade, aproximando-
se, assim, de uma semiótica multimodal do ethos político.
É extensa a relação das virtudes que os atores políticos procuram
amalgamar a seu discurso, a começar pela credibilidade. Na seção
mais analítica do livro, Charaudeau propõe um inventário parcial
das estratégias vinculadas a tais virtudes e descreve mecanismos de
preservação da imagem, quando esta é atacada por denúncias de culpa
ou responsabilidade. A taxonomia proposta por Charaudeau não resvala
para a estereotipia de papéis, uma vez que a cada ethos correspondem
limites, além dos quais eles deixam de ser funcionais. Assim, o excesso
do ethos de “sério” sugere austeridade; o limite do ethos de compaixão
é a aparência de fraqueza; e o risco inerente ao ethos de “culto” é a
suposição de frivolidade.
Na quarta parte de sua obra, Charaudeau discute o “propósito”
– tradução que abarca apenas parte das acepções, e talvez não as mais
relevantes, do termo francês propos – do discurso político, isto é, a visão
de mundo construída nessa formação discursiva, sua potencialidade

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cognitiva e os julgamentos que propicia. Considerando a amplidão do


tema – a organização da vida em sociedade e o governo da coisa pública
(p.189) –, objeto de diversas disciplinas e tendências teórias, Charaudeau
recapitula a proliferação de noções formuladas pelo pensamento social
para dar conta do “conteúdo” do discurso político (teorias, doutrinas,
ideologias), criticando especificamente a noção de ideologia. Propõe
uma revisão dos conceitos de representações sociais, da Psicologia
Social, e de imaginário social, desenvolvido por Castoriadis, com vistas
a formular a noção de imaginário sociodiscursivo, que integra o conceito
de imaginário social ao quadro teórico da Análise do Discurso.
Segundo Castoriadis, o imaginário social é um universo de
significações – nem verdadeiras nem falsas, mas verossímeis – com papel
de fundador da identidade de um grupo e de fator de coesão social. É
um “imaginário de verdade, que essencializa a percepção do mundo em
um saber (provisoriamente) absoluto” (p. 205). Ao agregar o epíteto
discursivo ao conceito de Castoriadis, Charaudeau implica que, para
funcionar como espelho identitário, esse imaginário deve objetivar-se em
uma racionalização discursiva. Tais imaginários circulam em um espaço
de interdiscursividade e dão um testemunho das identidades coletivas e
da percepção e dos julgamentos que os grupos fazem dos fatos sociais.
O potencial analítico da noção de imaginário sociodiscursivo
é posto à prova na discussão dos imaginários de “tradição”, de
“modernidade” e de “soberania popular”. Esses imaginários materializam
conjuntos de valores, produzem sentidos e constituem identidades. Os
diferentes discursos políticos buscam neles sua força de identificação
e de persuasão, muitas vezes contraditória, para formular distintas
estratégias e ethé particulares.
A parte final do livro discute a propalada tese da degenerescência
do discurso político, segundo a qual o efetivo debate de ideias teria
sucumbido diante da profusão de imagens. O ímpeto de transformação
da sociedade, com base em projetos consensuados pela coletividade,
teria dado lugar a slogans elaborados por especialistas em marketing,
com vistas ao interesse imediato dos políticos. Em seu conjunto, a

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atividade política teria sido capitaneada pelos meios de comunicação.


Sem aceitar integralmente ou renegar esse diagnóstico, Charaudeau
considera que esse processo talvez represente a forma específica que o
fazer político adquiriu em nossos dias. Como, na modernidade tardia,
os grandes discursos redentores se provaram ineficazes, e como o
auditório do discurso político se tornou mais heterogêneo, em razão do
desaparecimento das massas, o discurso político tornou-se mais genérico
e amorfo.
O Autor propõe, enfim, uma nova ética política. Ciente da
importância da imagem na política, Charaudeau entende que as
“máscaras do poder” – expressão que constitui o subtítulo da obra na
edição original francesa – não devam ser encaradas necessariamente
como artifícios para ocultar intuitos escusos, a serem desvelados pela
análise. As máscaras devem ser consideradas, como no teatro, símbolos,
que tornam a trama inteligível. Consistentemente com sua crítica à visão
reducionista da ideologia como falsa consciência, Charaudeau vê na
encenação do discurso político um aspecto constitutivo do fazer político,
que deve ser bem compreendido para servir ao interesse coletivo.

Enviado em: novembro de 2009


Aprovado em: dezembro de 2009
gtupynamba@gmail.com, tupynamba@mre.gov.br

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