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IV/3 ALGUNS ELEMENTOS DE UMA GRAMÁTICA

– NACHTMUSIK I E II (1981/2003)*

Alguns elementos de uma gramática1


Trabalho desde Outubro de 1977 numa família de peças que intitu-
lei ‘A Criação’, a primeira das quais é Nachtmusik I.
Todas as peças [dessa família] se fundamentam num mesmo
princípio rítmico geral, que estabeleci e desenvolvi previamente
à composição, como uma espécie de ‘temperamento rítmico’. Este
deve poder satisfazer dois imperativos essenciais:

a) conter em si mesmo um potencial de transformação tal que


me permita atingir em cada obra um perfil agógico e temporal
fortemente personalizado, sem contudo negar a sua ligação ao
ponto de partida;
b) poder integrar ‘espaços rítmicos’ de origens diferentes da sua,

* A primeira versão completa deste texto (incluindo referências a Nachtmusik I e a Nachtmusik


II) foi escrita em Setembro de 1981 para a estreia absoluta de Nachtmusik II no Festival de
Donaueschingen. Redigido por Emmanuel Nunes em francês (originalmente sem título) viria a ser
publicado em alemão, na tradução de Josef Häusler, como Grundsätzliches und Spezielles (título
da autoria de Josef Häusler). Este texto – no qual Emmanuel Nunes apresenta alguns aspectos
gerais e particulares da técnica de composição e da linguagem característicos do seu Ciclo 2 ‘A
Criação’ – dividia -se em três partes: 1. ‘Quelques éléments d’une grammaire’ (Alguns elementos
de uma gramática), 2. ‘Quelques éléments sur Nachtmusik I’ (Alguns elementos sobre Nachtmusik
I), 3. ‘Redondance et engendrement’ (Redundância e processo criativo) [relativo a Nachtmusik
II]. Em 1984, para o programa dos 8. Encontros de Música Contemporânea da Fundação
Calouste Gulbenkian, foi publicado em português, mas dividido em duas partes: uma impressa
nas notas ao programa do dia 3 de Maio (onde foi tocada Nachtmusik II), outra nas notas ao
programa do dia 9 de Maio (onde foi tocada Nachtmusik I) – Cf. programa dos 8. Encontros de
Música Contemporânea, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1984, pp. 11-13 e 41-43. Este
texto foi ainda republicado sem a terceira parte (relativa a Nachtmusik II) no programa geral
do festival ‘Emmanuel Nunes – Uma retrospectiva’ organizada pelo Centro Cultural de Belém
em 2002 (pp. 14 -17). Em 2003, para a estreia da versão revista de Nachtmusik II (Festival de
Donaueschingen) voltaria a ser publicado integralmente (em alemão), na tradução de Joseph
Häusler de 1981 (cf. programa do Festival de Donaueschingen, 2003, pp. 26 -33 – concerto de
23.10.2003). A tradução portuguesa aqui publicada segue a do programa dos 8. Encontros de
Música Contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido revista por João Rafael a
partir do original em francês. Exemplos musicais/gráficos realizados por João Rafael.
1 O conteúdo desta secção expõe alguns aspectos da técnica de composição de Emmanuel Nunes
desenvolvidos sobretudo a partir de Tif’ereth e Einspielung I – aspectos que se encontram
presentes, mas apenas em estado embrionário, em Nachtmusik I. [Nota do autor – Cf. ‘Emmanuel
Nunes – Uma retrospectiva’, Centro Cultural de Belém, Lisboa 2002, p. 14].

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cujas aparições no desenrolar da peça recortem momentos da Trata-se aqui de uma simetria real, pois as duas pulsações baseiam-
forma, assinalados por uma outra dimensão que não o ritmo (a -se em números ímpares [no exemplo acima: 7 e 5]. A simetria será,
estrutura harmónica, por exemplo). pelo contrário, virtual quando um dos números for par:

Este poder de integração reside no facto de que estes ‘espaços’ nun-


ca destruirão as tensões estruturadas pelo ‘temperamento’, mas
serão, pelo contrário, modulados ritmicamente por este. É claro
que por vezes acontecem rupturas momentâneas do ‘temperamen-
to rítmico’, mas o seu único objectivo será organizar diferentemen- Primeira leitura
te certas zonas de articulação da forma global. Tais rupturas ja- Este ciclo pode ser sobreposto a si mesmo tomando de cada vez um va-
mais serão resultado de uma acumulação cega de ‘espaços rítmicos’ lor diferente como unidade base, o que equivale a dizer que serão pos-
diversos, destruindo a sua integração no ‘temperamento’, e assim tas em jogo diferentes velocidades do desenrolar desse mesmo ciclo2.
anulando os seus jogos de tensão.
O primeiro fundamento do princípio rítmico geral é de uma
simplicidade extrema: duas pulsações regulares começam ao mes-
5 3 2 5 1 4 4 1 5 2 3 5
mo tempo, desenrolam-se simultaneamente e completam um ciclo
(que contém sempre uma simetria) quando se reencontram na sua
situação de partida, isto é, síncronas. 5 3 2 5 1 4 4 1 5 2 3 5

Exemplo muito simples: 7 contra 5. Isto corresponde, na notação


tradicional, a: 5 3 2 5 1 4 4 1 5 2 3 5

5 3 2 5 1 4 4 1 5 2 3 5

Se as quatro fórmulas começaram aqui juntas, do mesmo modo


poderão terminar juntas (para isso bastará de resto que se leia o
exemplo da direita para a esquerda).
Se determinarmos as proporções de duração que separam os ata-
ques na sua ordem real de acontecimento, que é simétrica, teremos: Segunda leitura
Deslocamento horizontal de uma ou várias fórmulas, não com o
simples intuito de provocar uma combinação arbitrária, mas para
encontrar, por exemplo, novos pontos de sincronia entre elas, para
5 2 4 5 1 3 5 aproximar entre si os quatro eixos de simetria ou mesmo para fazer
5 coincidir alguns deles3.
3 1 4 2

o que codifico da seguinte maneira:

2 Processo particularmente importante no desenrolar da primeira parte de Tif’ereth.

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Terceira leitura regulares, um baseado em valores muito próximos, o outro em va-
Isolar um momento do desenrolar simultâneo das quatro camadas; lores bastante afastados:
digamos, a terceira semínima a contar do início:

Alguns elementos sobre Nachtmusik I


Uma das vertentes mais determinantes da gestação desta obra foi
uma reflexão sobre o fenómeno da modulação de amplitude em
Este curto complexo rítmico será desenvolvido de maneira autóno- geral, e da Ringmodulation [modulação em anel] em particular. Re-
ma, mas segundo determinadas relações e proporções oriundas de flexão sobre a natureza do fenómeno em si, e não sobre os meios
um outro par de pulsações regulares. electrónicos e os seus limites. Esta reflexão levou-me a:
Muitas outras ‘leituras’ foram realizadas, mas expô -las exigi-
ria uma sobrecarga de pormenores que não teria aqui cabimento4. 1) uma organização geral das alturas por pares de sons, consi-
Os poucos exemplos que apresentei poderão parecer demasiado pri- derando ‘o par’ como a mais pequena unidade constitutiva do
mários aos olhos dos profissionais, e demasiado técnicos para os discurso musical;
profanos. A breve explicação destas três leituras pareceu-me, con- 2) pré-determinar não só os diferentes registos de cada grupo de
tudo, o único meio de dar a entender o grau mínimo de complexi- dois sons, como a ordem de encadeamento desses grupos. As-
dade da totalidade do processo rítmico. sim todas as sequências intervalares (formadas pelo encade-
Para o conjunto das obras de ‘A Criação’, seleccionei 23 pares de amento de pares de sons) e a sua evolução nos registos foram
pulsações regulares, nomeadamente 14 principais: fixadas antes da redacção da partitura.

Um outro aspecto não menos importante da gestação de Nachtmusik


I foi o facto de eu ter utilizado apenas oito notas ao longo de toda a
peça: dó / dó sustenido, ré / ré sustenido, fá / fá sustenido, si be-
e 9 pares com relações muito simples: mol / si. É evidente que esta escolha determinou o número de pares
de sons possíveis no interior de cada espécie de intervalos (quantos
trítonos, quantas quartas, etc.). Estes dados quantitativos deter-
minaram mais ou menos directamente a globalidade do desenvol-
vimento rítmico, incluindo as relações entre os diversos tempi. Os
oito sons contêm seis acordes perfeitos: si bemol maior/menor, si
tendo como função criar ‘zonas de evidência’ que vão contrariar a maior/menor, fá sustenido maior e ré sustenido menor; na realida-
complexidade do discurso, e até mesmo polarizá-lo aqui e ali. de bastariam sete sons, uma vez que o dó não consta em nenhum
Ainda a título de exemplo, e sem qualquer comentário, veja-se dos acordes. Estes vão combinar-se com os pares de sons, de cada
de seguida o desenrolar das proporções em dois pares de pulsações vez um acorde mais um par. Na parte final da peça encontra-se um
solo de corne inglês baseado em cinco notas: dó, fá, si, fá susteni-
3 O exemplo seguinte foi publicado pela primeira e única vez no programa do festival ‘Emmanuel do, dó sustenido. Este solo constituirá quase textualmente o prin-
Nunes – Uma retrospectiva’, Centro Cultural de Belém, Lisboa 2002, p. 16. [N.E.] cípio de Nachtmusik II.
4 Recorde -se que se tratava de uma ‘Nota ao programa’. [N.E.]

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Redundância e processo criativo [Nachtmusik II] de correspondências não ocorre, ao longo de toda a peça, senão em
Todos os aspectos que acabo de mencionar tiveram igualmente a momentos raros e breves, como uma espécie de simplificação má-
sua importância na estruturação de Nachtmusik II. Mas não se trata, xima das tensões entre as diferentes dimensões.
de modo algum, de uma versão para orquestra ou de uma ‘orques- Tanto quanto o aprofundamento do conhecimento dos fenó-
tração’ de Nachtmusik I. menos acústicos pode fecundar a criação musical, também a ma-
Em Nachtmusik II a ordem de encadeamento dos grupos de dois nipulação mais ou menos sofisticada desse conhecimento, quan-
sons e o seu registo não são os mesmos, e a sua função é totalmente do elevada a substância e finalidade de uma peça, não é mais, em
diferente. Enquanto em Nachtmusik I eles eram, quase sem interrup- meu entender, do que a recusa e portanto a incapacidade de fazer
ção, uma espécie de durchgehende Hauptstimme [voz principal contí- surgir e assumir plenamente um gesto criador. Como se nos com-
nua], aqui [em Nachtmusik II] poder-se-ia dizer que eles formam um prazêssemos em re-‘compor’ uma série de harmónicos naturais,
fio condutor subterrâneo, destinado mais a desencadear desenvol- ‘vestindo -os’ com os requintes da análise acústica. Uma espécie de
vimentos harmónicos e/ou os diferentes tipos de construção meló- pseudo -naturalismo…
dica – isto no plano dos ritmos e das sequências de intervalos. O aspecto provavelmente mais importante da composição de
Para o conjunto das obras de ‘A Criação’ compus um certo nú- Nachtmusik II foi a multiplicidade de categorias de relações entre
mero de matrizes melódicas, cada uma delas baseada numa e por as diferentes dimensões sonoras, o que, em certas passagens da
vezes em duas espécies de intervalos. (As três Einspielungen consti- obra, pode chegar até àquilo a que eu chamaria uma ‘antifonia de
tuem nomeadamente o máximo desenvolvimento da totalidade parâmetros’, no sentido de que cada parâmetro vai incarnar uma
dessas matrizes.) Gestaltung e um processo de desenvolvimento que, a priori, não têm
Nachtmusik II é atravessada em toda a sua extensão por um fluxo minimamente em conta a inevitável interacção do conjunto das di-
melódico cujo recorte e distribuição instrumental se regem por pro- mensões e a sua integração na globalidade do discurso.
porções oriundas de diversos ciclos de pulsações regulares. Embora Não há um princípio unificador de todas as dimensões ao mes-
tenham sido utilizadas as doze notas da escala cromática, também mo tempo, mas sim uma unidade de concepção na multiplicidade
é verdade que as quatro notas ausentes de Nachtmusik I têm quase de métodos e sua permutabilidade de uma dimensão para outra.
sempre uma presença nitidamente menos forte que as outras oito.
A proliferação de linhas melódicas confiadas na maior par-
te dos casos a solos, a divisão quase permanente da orquestra em
várias formações de câmara e a intervenção de grupos instru-
mentais massivos (ou mesmo de tuttis) são outros tantos tipos de
escrita diversos que se organizam num contraponto de ‘complexos
tímbricos’. A simultaneidade de vários grupos de câmara consti-
tui igualmente essa espécie de contraponto, onde o desenrolar das
diferentes ‘vozes’ está ordenado verticalmente segundo pontos de
sincronia, pontos estes que demarcam espaços intermédios onde o
desenvolvimento horizontal predomina sobre o ajustamento verti-
cal. Estes pontos de sincronia são também determinados por certos
ciclos de pulsações regulares, ou por zonas desses mesmos ciclos
tornadas autónomas.
Voltemos uma última vez aos 23 pares de pulsações regulares.
É evidente que, se nos referirmos à série de harmónicos naturais,
cada par corresponderá a um intervalo determinado, uma vez que
(como todos sabem) as frequências, por exemplo, dos 19º e 16º har-
mónicos estão numa relação de 19/16. No plano da composição, no
entanto, uma tal correspondência par-intervalo não poderia – no
meu caso – ser mais do que um caso particular e pontual de rela-
cionamento de duas dimensões sonoras. A utilização deste género

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